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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FLAVIA FERREIRA DOS SANTOS O INTELECTUAL E AS MASSAS: O PAPEL DA REVISTA DE OCCIDENTE NO INÍCIO DA SEGUNDA REPÚBLICA. RIO DE JANEIRO 2º SEMESTRE DE 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FLAVIA FERREIRA DOS SANTOS

O INTELECTUAL E AS MASSAS: O PAPEL DA REVISTA DE OCCIDENTE NO

INÍCIO DA SEGUNDA REPÚBLICA.

RIO DE JANEIRO

2º SEMESTRE DE 2010

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Flavia Ferreira dos santos

O INTELECTUAL E AS MASSAS: O PAPEL DA REVISTA DE OCCIDENTE NO

INÍCIO DA SEGUNDA REPÚBLICA.

01 volume

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras Neolatinas (Literaturas

Hispânicas), Faculdade de Letras, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Doutor em Letras

Neolatinas (Literaturas Hispânicas)

Orientador: Silvia Inés Cárcamo Arcuri

Rio de Janeiro

Setembro de 2010

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FICHA CATALOGRÁFICA

Santos, Flavia ferreira dos.

Os intelectuais e as massas/ Flavia Ferreira dos Santos. Rio de

Janeiro: UFRJ/Letras, 2010. xi, 130f.: il. Orientador: Silvia Inés Cárcamo Arcuri Tese (Doutorado em Letras neolatinas) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2010. Referências bibliográficas: f. 141-146. 1. Literatura espanhola. 2. Revistas Culturais. 3. Modernidade – Teses. I.Cárcamo Arcuri, Silvia Inés (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Letras neolatinas. III. Título.

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Flavia Ferreira dos Santos

O INTELECTUAL E AS MASSAS: O PAPEL DA REVISTA DE OCCIDENTE NO

INÍCIO DA SEGUNDA REPÚBLICA.

Rio de Janeiro, 14 de setembro de 2010.

_________________________________________________

(Orientador: Silvia Inés Cárcamo Arcuri, Profa. Dra./ UFRJ)

_________________________________________________

(Ana Cecília Olmos, Profa. Dra./ USP)

_________________________________________________

(Gladys Viviana Gelado, Profa. Dra./ UFF)

_________________________________________________

(Julio Dalloz Aldinger, Prof. Dr. UFRJ)

_________________________________________________

(Luiz de Barros Montez, Prof. Dr./ UFRJ)

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AGRADECIMENTOS

À CAPES pela bolsa concedida de março de 2008 até agosto de 2010.

À Coordenação do Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da

Faculdade de Letras da UFRJ por todo apoio.

A minha orientadora, professora Doutora Silvia Inés Cárcamo Arcuri por todos

os ensinamentos e por me incentivar em todas as etapas da minha carreira acadêmica.

Aos meus amigos de curso que compartilharam esta longa caminhada.

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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

Aos meus filhos, Maria Luiza e João Guilherme, pois é deles que nasce a minha

força para superar as dificuldades. A todos os que cuidaram deles enquanto eu estava

escrevendo.

À minha mãe, que sempre foi o meu exemplo de vida pessoal e acadêmica, pelo

apoio em todos os momentos.

Ao meu pai, pela confiança e incentivo.

Ao meu marido pela enorme paciência e pela orientação em momentos

fundamentais nos quais eu não conseguia seguir adiante.

À minha família, aos presentes e aos que já se foram, porque sem o seu carinho

nada seria possível.

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RESUMO

SANTOS, Flavia Ferreira dos. Os intelectuais e as massas: o papel da Revista de

Occidente no início da Segunda República. Rio de Janeiro, 2010. Tese

(Doutorado em Letras Neolatinas)- Faculdade de Letras, Universidade Federal

do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. 172fl. Mimeo. Tese de Doutorado em

Letras Neolatinas, Literaturas Hispânicas.

A leitura dos volumes referentes aos anos de 1930 a 1932 da Revista de

Occidente (R. de O.), uma das publicações culturais mais importantes da Espanha,

revelam uma preocupação constante com o aparecimento da massa não só como

fenômeno social que merece ser objeto de análise em si, mas também como ponto de

partida para reflexões estéticas sobre a literatura da época. Se em seu projeto inicial

(1923) a publicação se definia não como una revista “temática” – nem literária nem

científica – mas sim como um espaço de preocupação com as grandes questões da época

nos mais diversos campos do saber, cuja única área a ser evitada era a política, o

acirramento das lutas internas pelo poder na Espanha dos anos 30, que desemboca na

proclamação da República e, posteriormente, na Guerra Civil, implica em uma

readequação do projeto inicial da R. de O. à nova conjuntura. Cabe recordar que neste

mesmo período o seu fundador, José Ortega y Gasset, publicava um dos seus livros de

maior repercussão: A rebelião das massas. A partir do deslocamento do eixo crítico da

Revista do texto “A desumanização da arte” para “A rebelião das massas”, procuramos

observar como se construiu o conceito de “massa” nas reflexões teóricas da publicação e

na análise do contexto imediato do início da Segunda república. Por fim, pretendemos

estabelecer como a seleção textual da R. de O. provocou a ruptura do grupo de inicial de

colaboradores, além de constituir um discurso que forneceria elementos de suporte ao

futuro fascismo espanhol.

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RESUMEN

SANTOS, Flavia Ferreira dos. Los intelectuales y las masas: el rol de la Revista de

Occidente en el inicio de la Segunda República. Rio de Janeiro, 2010. Tese

(Doutorado em Letras Neolatinas)- Faculdade de Letras, Universidade Federal

do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. 172fl. Mimeo. Tese de Doutorado em

Letras Neolatinas, Literaturas Hispânicas.

La lectura de los tomos referentes a los años de 1930 a 1931 de la Revista de

Occidente (R. de O.) revelan una constante preocupación por el surgimiento de la masa

no sólo como fenómeno social a ser analizado sino también como punto de partida para

reflexiones estéticas sobre la literatura de la época. Si en su proyecto inicial (1923) la

publicación se definía no como una revista “temática” – ni literaria ni científica – sino

como un espacio de preocupación por los grandes temas de la época en los más diversos

campos del saber, cuya única área a ser evitada era la política, el enconamiento de las

disputas internas por el poder en la España de los años 30, que culmina con la

proclamación de la República y la Guerra Civil, implica una readecuación del proyecto

inicial de la R. de O. a nueva coyuntura. Cabe recordar que en este período José Ortega

y Gasset publicaba su libro de mayor repercusión: La rebelión de las masas. A partir del

desplazamiento del eje crítico de la Revista del texto “La deshumanización del arte”

hacia “La rebelión de las masas”, buscamos observar como se construyó el concepto de

“masa” en las reflexiones teóricas de la publicación y el análisis del contexto inmediato

de comienzos de la Segunda República. Por fin, pretendimos establecer como la

selección textual de la R. de O. provocó la ruptura del grupo de inicial de colaboradores,

además de constituir un discurso que aportaría elementos de soporte al futuro fascismo

español.

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ABSTRACT

SANTOS, Flavia Ferreira dos. The intellectuals and the masses: the role of the

Revista de Occidente at the beginning of the Second Republic. Rio de

Janeiro, 2010. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas)- Faculdade de Letras,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. 172fl. Mimeo.

Tese de Doutorado em Letras Neolatinas, Literaturas Hispânicas.

The reading of the volumes encompassing the years from 1930 to 1932 of the

Revista de Occidente (R. de O), one of Spain's most important cultural publications,

reveal a constant concern with the appearance of the mass, not only as a social

phenomenon which deserves to be an object of analysis in itself, but also as the starting

point for esthetic reflections about the literature of the time. If in its original project

(1923) the publication defined itself not as a "thematic" magazine – neither literary nor

scientific – but as space of concern for the great issues of the time in various fields of

knowledge, whose only area to be avoided was politics, the escalation of internal power

struggles in 30s Spain, which will culminate in the proclamation of the Republic and,

afterwards, in the Civil War, implies a readjustment of the R. de O.'s original project to

the new situation. It is worth recalling that, in this same period, its founder, José Ortega

y Gasset, published one of his most renowned books: The Revolt of the Masses.

Starting from the displacement of the Magazine‟s critical orientation from the text “The

Dehumanization of Art” to “The Revolt of the Masses”, we see how the concept of

“mass” was built in the theoretical reflections of the publication and in the analysis of

the immediate context of the early Second Republic. Finally, it is our intention to

establish how the textual selection of the R. de O. caused the rupture of the initial group

of collaborators, besides constituting a discourse which would provide support elements

to the future Spanish fascism.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

1ª PARTE: UMA HISTÓRIA DE INTELECTUAIS SEM MASSA

1. OS PRÓSPEROS ANOS 20 E A CONTURBADA DÉCADA DE 30 24

2. OS INTELECTUAIS E O FIM DA DITADURA DE PRIMO DE RIVERA 40

2.1 ANTECEDENTES 40

2.2 CHEGA A DITADURA 57

2ª PARTE: COMEÇA A REBELIÃO DAS MASSAS

3. METODOLOGIA 67

4. A MASSA 70

5. A MASSA NA REVISTA DE OCCIDENTE 73

5.1 A PSICOLOGIA DAS MASSAS 75

5.2 A CRISE DO ESTADO 84

5.3. VISTO Y OIDO 108

6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 122

7. REFLEXÕES PARA O FUTURO 127

7.1 O PAPEL DA LITERATURA 127

7.2 A VOLTA DA POESIA PURA 132

CONCLUSÃO 137

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 141

ANEXO A (CAPA) 148

ANEXO B (PAG. ARTIGO) 149

ANEXO C (PAG. NOTA) 150

ANEXO D (PROPÓSITOS) 151

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ANEXO E (perfil da revista) 153

ANEXO F (ALEMANHA) 160

ANEXO G (ESTADOS UNIDOS) 167

ANEXO H (RUSSIA) 169

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La revista de Occidente quisiera ponerse al servicio de ese

estado de espíritu característico de nuestra época. Por esta

razón no es un repertorio meramente literario, ni ceñudamente

científico. De espaldas a toda política, ya que la política no

aspira nunca a entender las cosas, procurará esta revista ir

presentando a sus lectores el panorama esencial de la vida

europea y americana(...)

¡Claridad, claridad, demandan ante todo los tiempos

que vienen!1

1 ORTEGA Y GASSET, . Propósitos. Revista de Occidente no. 1, 1923.pag 2.

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INTRODUÇÃO

La historia de nuestras revistas es la historia de nuestra

sociedad y sin esta historia no se explicarían ni la

formación de los grupos que la hacen, ni las

reagrupaciones que efectúan los individuos que los

componen, ni la ruptura que como grupos sufren.

(OSUNA,1986, 15).

O presente projeto surgiu como desenvolvimento natural da dissertação de

mestrado “A Revista de Occidente e suas estratégias de legitimação: um estudo do ano

de 1929”, por mim defendida em novembro de 2005. Como consequência, algumas

análises e conceitos incluídos neste texto se encontram em relação direta com o que

pesquisei anteriormente. Por este motivo, pareceu-me relevante assinalar brevemente

alguns aspectos essenciais do referido trabalho2.

A Revista de Occidente (R. de O.) foi uma das publicações culturais espanholas

mais importantes das décadas de 20 e 30 na Espanha. Fundada por José Ortega y

Gasset, publicou-se em edições mensais ininterruptas desde 1923 até 1936, ano em que

começava a Guerra Civil espanhola3. Durante este tempo o periódico se constituiu como

o canal de expressão de um grupo que, capitaneado pelo próprio Ortega, sentia-se unido

pelo anseio de discutir sobre os novos rumos da humanidade após a primeira guerra

mundial.

O desejo de captar “los síntomas de una profunda transformación en las ideas, en

los sentimientos, en las maneras, en las instituciones” (Revista de Occidente, t.i, 01)

levou a Revista a buscar o que de mais inovador havia em seu tempo. Entre suas

páginas encontravam-se artigos sobre as últimas descobertas em física, biologia,

2 A base deste texto é a conclusão da minha dissertação, com algumas partes alteradas por mim,

especialmente a inclusão de partes das análises do sub-capítulo 6.3 (A inovação política), com o objetivo

de facilitar a compreensão do leitor. Para a leitura completa ver SANTOS, F. F., “A Revista de Occidente

e suas estratégias de legitimação: um estudo do ano de 1929” 3 Denomina-se este período como “primeira etapa” pois a partir de 1963 ela é reeditada - primeiro sob a

direção de José Ortega Spottorno e depois sob a de Soledad Ortega - e se mantém até os dias de hoje.

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astronomia, filosofia e obras literárias de escritores como Garcia Lorca, Pablo Neruda,

Franz Kafka, Eugenio O´Neill e outros.

A sua origem se deveu à necessidade, revelada por Ortega y Gasset a Fernando

Vela, secretário de redação da revista, de colocar o leitor espanhol ao corrente “de todas

las nuevas ideas en todos los dominios de la cultura” (apud LÓPEZ CAMPILLO, 1972,

59). Este leitor era fundamentalmente culto, oriundo da universidade (estudantes e

professores) e de setores mais abertos de profissionais liberais, entre os quais se

reconhecia uma demanda por outras leituras além das estritamente universitárias e da

sua área de trabalho. Tal público se encontrava não só na Espanha, como também na

América Latina, para onde ia, segundo Fernando Vela, mais da metade dos 3.000

exemplares de cada edição, comprados pela editora Espasa-Calpe. (LÓPEZ

CAMPILLO, 1976, 66)

Para concretizar seus objetivos e seduzir este leitor interessado, propunha-se, em

suas palavras, como uma revista “temática”, “ni (...) un repertorio meramente literario,

ni ceñudamente cientifico”– cujo único assunto a ser evitado era as questões políticas, já

que a política “no aspira nunca a entender las cosas” (“Propósitos”, R. de O., t.i, 02).

Apesar do abrangente espectro de assuntos a revista possuía critérios rígidos. Não se

publicava qualquer novidade, pois não bastava ser “novo” para despertar o interesse

crítico. O “novo”, sem o crivo da qualidade, se confundia com a produção massificada,

favorecendo, “lo insignificante en detrimento de lo selecto y eficaz” (R. de O, t.i, 02).

Era preciso, portanto, selecionar e hierarquizar a informação de modo a tratar do que

realmente se considerasse relevante.

Dentro desta “seleção”, pretendia-se “atender às coisas da Espanha” e trazer as

novas idéias que chegavam da Europa e da América, não só através de seus

colaboradores nacionais como também dos estrangeiros. A inclusão de participações de

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outros países tinha se tornado uma prática de quase todas as revistas da Europa e da

América, e, por isso, a Revista de Occidente, como demonstração de que estaria em

sintonia com as novas tendências, não poderia deixar de atuar da mesma forma.

Impulsionada pelos ventos de prosperidade dos anos 20, a publicação se

viabilizou materialmente como conseqüência do desenvolvimento do capitalismo na

Espanha e da consolidação do processo de autonomização do campo intelectual

nacional. Também cumpriu papel destacado na sua trajetória o acúmulo de experiências

do seu fundador, não só do ponto de vista do domínio tecnológico, ao lidar com os

recursos mais modernos da área, mas também em relação a uma rede de contatos

financeiros e intelectuais que serviram de suporte ao empreendimento. Em 1923 Ortega

era um dos intelectuais mais influentes de Espanha e um símbolo do discurso liberal

iniciado com os regeneracionistas, superando a influência da Geração de 98 e

inspirando os “novatos” da Geração de 27.

Apesar do considerável número de colaboradores, somente uns poucos

intelectuais escreviam assiduamente na publicação. Ao lado do ensaísta e do secretário

de redação, Fernando Vela, um seleto grupo de colaboradores garantiu o cuidado na

seleção e apresentação de textos na revista. A R. de O. tornava-se o veículo de

expressão dos anseios dessa “formação”, “modo de organização que representa um setor

fundamental das relações culturais da sociedade moderna” (WILLIAMS, 2000, 35).

As opções feitas pela R. de O. - a escolha de seu nome, os objetivos traçados no

texto de apresentação do primeiro número da R. de O., intitulado “Propósitos”4, a

seleção de textos e a forma de publicá-los – indicam, ao mesmo tempo, o posto que a

publicação pretendia ocupar e o distanciamento com respeito a outras forças do campo

intelectual. A partir da configuração imaginária de um mapa ocidental, que a incluía

4 “Propósitos” é um texto curto, uma espécie de manifesto, publicado na primeira página do primeiro

número da revista e que se encontra na íntegra no anexo D deste trabalho.

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como portadora dos novos valores cosmopolitas do pós-guerra, a revista supera a velha

dicotomia “Europa X Espanha” e reivindica para o país a condição de campo intelectual

central, formador de opinião para outros campos.

A ousadia do novo empreendimento editorial de Ortega y Gasset logo se

transformou em um projeto sólido e reconhecido dentro do campo intelectual espanhol.

A partir de então a Revista se transformou em instância legitimadora de um cânone

estético, baseado no conceito do novo, revelado no ensaio orteguiano “A

desumanização da arte”, alheio a todo envolvimento político.

Tal discurso continha uma carga simbólica bem definida, pois ao mesmo tempo

que a publicação se apresentava como o lugar do novo e da pluralidade, estabelecia

critérios de delimitação do que entendia por novo e por plural. Ser portadora dos novos

valores contemporâneos não implicava publicar qualquer texto recente. Não bastava ser

novo para merecer destaque. Ao critério do “novo” devia- se agregar o da qualidade. O

papel da Revista como crítica consistia em selecionar e orientar a leitura do publico em

geral para aquilo que o periódico considerasse relevante. Esta dupla operação se

verificava através dos conceitos de “hierarquia” e “clareza”, definidos nos

“Propósitos”. Deste modo criava-se uma “aura de distinção” a partir da qual se definiam

incluídos e excluídos do cânone.

Contudo, as transformações políticas na Espanha, em curso durante os treze anos

de existência da R. de O., impediram que a publicação mantivesse as mesmas

preocupações ao longo do tempo. Na segunda parte da referida dissertação procurei

estabelecer as facetas deste discurso através da leitura dos volumes do ano de 1929, ano

emblemático da crise econômica mundial e auge da crise da ditadura do general Miguel

Primo de Rivera no país. No referido ano a revista se encontrava em um período de

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transição, uma vez que seu projeto cultural “apolítico” já não respondia às demandas do

novo panorama social espanhol. Era preciso questionar-se sobre os caminhos a seguir.

Para Williams (2000, 196), “é característico de toda ordem social, como de toda

forma cultural ativa, que ela deva ser continuadamente produzida e reproduzida”,

provocando a existência de “contradições internas, desvios internos e, pois, mudanças

internas muito significativas”. Assim, é normal o surgimento de “formas novas” que

tanto podem ser “inovações” dentro da forma dominante como podem apresentar-se

como “formas emergentes”, que muitas vezes, se estabelecerão como novas formas

“dominantes” (WILLIAMS, 2000, 197). Normalmente, todo processo de substituição de

uma forma dominante por outra, ou de aparecimento de inovações dentro de uma

mesma forma dominante apresenta um período de transição que revela obras que

contém “uma simplificação dos elementos perturbadores da forma anterior”. Segundo o

crítico, o estudo de tais formas de transição é muito importante na medida em que não

deixa escapar “um dos elementos essenciais da produção cultural: a inovação no

momento em que acontece; a inovação em processo.” (WILLIAMS, 2000, 198) Assim

como uma forma dominante pode conviver com formas inovadoras e emergentes, pode

fazê-lo com aquelas definidas como “residuais”, que às vezes são “mantidas accessíveis

por determinados grupos, como extensão ou alternativa da produção cultura

contemporânea dominante” (WILLIAMS, 2000, 202).

Meu objetivo foi estudar que formas apareciam na Revista de Occidente no

referido ano como dominantes, residuais e inovadoras, que desafios enfrentava a

publicação e como por detrás dessas diferentes formas havia um projeto coerente que as

unificava. Naquele momento conviveram a poesia pura, como forma residual, a

biografia “romanceada”, forma dominante, e se anunciaram breves tentativas de

abordagem política explícita que se referiam aos problemas candentes de então.

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Procuramos demonstrar a inserção deste tipo de abordagem a partir da análise de

duas notas, uma resenha de Manuel García Morente sobre o livro Historias de las

agitaciones campesinas andaluzas (R. de O., t. XXIII, 392-395) e um comentário de

Fernando Vela sobre um curso filosófico ministrado por Ortega y Gasset. (R. de O., t.

XXIV, 263-268)

A primeira nota se referia a uma das questões mais importantes para a

intelectualidade da época: o problema da reforma agrária. Como observamos então, o

discurso de Morente se caracterizava por um leve tom panfletário, destoante da isenção

acadêmica usual

Lo que si resulta admirable, en cambio, es la ignorancia con que los poderes

públicos y los eruditos sociólogos oficiales han acudido siempre a los

problemas críticos planteados, de cuando en cuando, con trágica agudeza, por

el campesino cordobés. [...] Mientras en Madrid y en las grandes capitales

negocian y trafican gozan y padecen unos millones de españoles, sucede que

allá en las casas blancas apiñadas, [...] en los cortijos que motean en la

campiña, en las callejas de los suburbios urbanos, viven otros millones otra

vida totalmente diferente y sin relación con la primera [...](R. de O, t.xxiii,

395)

Este tom se acentuava com uma pergunta e uma conclusão, que mais se

assemelhavam a um chamamento à unidade nacional

¿Cómo remediar esta trágica insolidaridad? [...] Lo primero de todo

conociéndonos. Debemos conocernos los españoles [...] Y luego después de

conocernos organizarnos, esto es, no uniformarnos, sino dejar que todas esas

vidas vivan por sí, pero estableciendo entre ellas articulaciones orgánicas, cuyo

total sea la nación española. (R. de O., t.xxiii, 395)

A segunda nota se refere a um curso de filosofia organizado por Ortega y Gasset

depois de renunciar à sua cátedra da Universidade de Madri. O episódio remonta a um

decreto de Primo de Rivera de 1928, que concedia às universidades católicas o direito

de dar a seus alunos o diploma universitário sem que estes tivessem que se submeter a

uma avaliação de uma universidade laica. O ato desencadeou a reação da F.U.E.

(Federación Universitaria Escolar), tipo de sindicato estudantil clandestino, e, devido

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aos choques constantes, o governo fechou a referida universidade de março de 1929 a

outubro de 1930.

Como conseqüência, alguns professores renunciaram às suas cátedras, entre os

quais o próprio José Ortega y Gasset (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 131). O curso,

ministrado pelo professor demissionário, pretendia ser uma demonstração de força, de

que seria possível mobilizar outras pessoas fora do âmbito universitário para tratar de

filosofia. Dessa forma, os comentários de Fernando Vela, sutis, escondem um ar de

“desforra” pelo êxito, apesar das circunstâncias desfavoráveis.

El suceso ha rebasado la primera fila de los diletantti profesionales. [...] Al

periódico que reseñó por extenso las lecciones, piden ejemplares hombres

oscuros de oscuros pueblos. No se sabe hasta donde llega una semilla. [...]

Alabemos la perspicacia del que, seguro del disparo, nos ha revelado

qué cosas son ya posibles en España [...] No sé qué cosa es más importante: si

la nueva filosofía de Ortega o esa revelación casi mágica de una realidad

española diferente de la que alimentaba nuestro pesimismo y nuestra pereza.

(R. de O., t. xxiv, 263)

Como consequência dessa nova situação Ortega faz um chamamento à minoria

egrégia, os intelectuais, para assumirem os desafios impostos à sua geração.

“[...] Ortega nos decía: „Nuestra nación ha llegado a un momento feliz de su

interno desarrollo... Cuanto depende de las circunstancias es inmejorable.

Ahora se va a ver si lo que depende de los hombres, de su capacidad

intelectual y moral, está como suele decirse, a la altura de las circunstancias‟.

(R. de O., t. xxiv, 264)

O desejo de se pronunciar sobre um período politicamente “fervilhante” do país,

que já se manifestava nas notas de 1929 e que foi timidamente ensaiado no surgimento

da seção “visto y oído”5, em 1931, colocava a R. de O. ante um dilema. Opinar sobre os

conturbados acontecimentos significava abandonar a eficiente tática de “evitar a

política”, um importante recurso empregado pela revista para legitimar seu posto dentro

do campo intelectual, e garantir uma certa pluralidade de colaborações. Aparentemente,

5 “Visto y oído” foi uma seção publicada nas edições de maio, junho e setembro, incluída dentro do

espaço dedicado às notas, que abria espaço ao comentário de assuntos mais pragmáticos e menos teóricos,

como veremos na segunda parte desta tese.

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ao extinguir a referida seção a publicação optava pela volta ao projeto inicial, abstendo-

se de debates cruciais sobre o futuro do país.

Contudo, a questão não é tão simples e se esconde sob uma falsa polêmica.

Embora se autodenominasse apolítica, toda instituição é política no sentido de que

forma parte da organização social de um estado. O discurso “apolítico” é, como afirma

EAGLETON (1997, 268) sobre as teorias literárias, em última instância, político. O

desejo de oferecer um espaço de conhecimento e debate ao público culto espanhol

formou, desde o início, parte de um projeto político que se tornou anacrônico, e, por

isso fracassado, após 1930, construído por um setor da intelectualidade espanhola

simbolizado por Ortega y Gasset, de educação estética das minorias que conduziriam o

destino da nação.

A partir das estratégias de seleção e orientação da leitura, definidos nos

princípios de hierarquia e clareza, a R. de O. construiu o seu discurso, baseado na

sustentação teórica da fenomenologia. e no desejo de estabelecer o lugar do homem e da

verdade na sociedade moderna. Ao centrar o seu debate no indivíduo a poesia pura e a

biografia se destacaram como formas dentro da publicação, pois correspondiam ao

protagonismo do indivíduo e aos conceitos de pureza dos pressupostos filosóficos de

Ortega6. Em seu famoso ensaio “La deshumanización del arte” interessava ao ensaísta a

arte como precursora das novas tendências de ação e pensamento do homem do século

XX. Evidentemente, um projeto de “educação estética” tão “contemplativo” não poderia

se manter no centro das discussões do campo intelectual durante a Segunda República e

a Guerra Civil, momento em que se necessitavam ações e propostas mais concretas.

6 É preciso destacar que o objetivo de nosso trabalho consistia em observar como a publicação se

apropriava dos diversos textos publicados para construir o seu discurso. Sendo assim, a nossa análise de

questões suscitadas por um texto filosófico ou literário (fosse a teoria da relatividade ou um poema de

Jorge Guillén) publicado na R. de O. estava diretamente ligada à leitura que a publicação fazia do referido

texto.

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Isto não significa afirmar que a publicação não se alterou. A inserção em 1931

da seção “Visto y oído” e a criação, no mesmo ano, da coleção “Libros de política” pela

editora R. de O. denotam o anseio de seus colaboradores de se manifestar sobre

problemas da sociedade espanhola da época. Embora o estudo do ano de 1929 não fosse

conclusivo sobre o comportamento da R. de O. durante os anos da Segunda República

pôde nos induzir a algumas reflexões.

Assim, o chamado “giro estético de 1930”, - em vez de ser propriamente uma

transformação real de objetivos se apresenta como uma reorganização interna do projeto

inicial, que precisava se adaptar às novas condições do campo intelectual espanhol e do

contexto histórico que o determinava. A R. de O., como veículo de expressão de um

grupo, alçou tímidos vôos em direção aos problemas mais emergenciais da Espanha,

cujas origens aparecem, modestamente, nos volumes de 1929, para depois, talvez,

recuar e voltar a ser o “recinto tranquilo y correcto” (“Propósitos”, R. deO., t. i, 03) tão

almejado na primeira edição.

Cabe pensar se realmente a Revista conseguiu se ausentar do calor das

discussões políticas após 1930, e perguntar pelas conseqüências da manutenção de um

projeto “cultural e apolítico” entre 1931 e 1936. Ao desistir da seção “visto y oído”

deve-se perguntar por que a revista se calou se tinha algo a dizer. Como todo discurso

político o silêncio é também uma forma de manifestação. O estudo do ano de 1929 não

pôde fornecer conclusões, mas despertou a pergunta pelo que significou o “silêncio” da

revista a partir de então.

Foi a partir desta pergunta que propusemos inicialmente o estudo dos volumes

da R. de O. de 1930, ano apontado pela crítica como o de uma mudança estética dentro

do projeto original, até 1936, último ano de publicação da sua primeira fase. No entanto

devido à limitação temporal, limitamos o nosso estudo até o ano de 1932, concentrando

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nosso foco no período de transição do fim da Ditadura de Primo de Ribera até os anos

iniciais da 2ª República. Deste modo restringimos o nosso estudo a um relevante

período de intensa atividade polítca de Ortega y Gasset e seu grupo, marcado pelo início

da oposição política orteguiana à ditadura em 1929, passando pela intensa atividade

política de 1931 e concluindo com a posterior decepção com os rumos radicais do novo

regime, o que levou o filósofo a se “retirar” da vida pública em 1932.

É também neste período que Ortega publica La rebelión de las masas, um livro

que sintetiza a concepção do autor do papel do intelectual como representante de uma

minoria seleta responsável por guiar as massas no processo de contrução do Estado.

Frente à incapacidade das massas para guiarem o seu destino, a preocupação de Ortega,

situada no debate político do começo da Segunda República espanhola, procurava

estabelecer as bases do novo regime burguês, definindo as relações de poder inerentes

ao seu funcionamento. No entanto, o receio do poder da participação massiva que

implica um sistema democrático, o levou por caminhos no mínimo ambíguos, que se em

alguns momentos reafirmavam a importância da democracia, em outros excluíam a

massa das decisões de poder.

Conceitos como a defesa da guerra como cirurgiã da História, ou a ideia de que

há nações-massa, destinadas a serem subjulgadas pelas nações que guiam os destinos do

mundo eram no mínimo discursos perigosos em épocas de ascensão dos discursos

fascistas e nazistas. Nosso trabalho consistiu em analisar como nesse mesmo período o

discurso da R. de O. se aproxima das ideias contidas em La rebelión de las masas e se

distancia do seu outro ensaio canônico: La deshumanización del arte. Em outras

palavras, nosso objetivo foi estudar como, numa época de profundas transformações

históricas o eixo teórico da publicação de desloca do debate estético que exclui a massa

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(a arte desumanizada) para a reflexão sobre exatamente o que era essa massa e como as

novas classes dominantes deveriam lidar com elas.

Eric Hobsbawn (2004, 07), no prefácio de Era dos extremos, afirma que “Não é

possível escrever a história do século XX como a de qualquer outra época, quando mais

não fosse porque ninguém pode escrever sobre seu próprio tempo de vida como pode (e

deve) fazer em relação a uma época conhecida apenas de fora, em segunda ou terceira

mão, por intermédio de fontes da época ou obras de historiadores posteriores” (2004,

07). O autor aponta, ainda, que “A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos

sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos

fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX”. Por isso os

historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais

importantes que nunca no fim do segundo milênio. (2004, 13)

Acreditamos que tais afirmações são ainda pertinentes aos estudos do século

XXI e podem ser estendidas para além do território da história aos diversos campos do

saber em sua relação com o presente e em seus estudos historiográficos. Desde esta

perspectiva é que nos propusemos estudar a Revista de Occidente.

.

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1ª PARTE UMA HISTÓRIA DE INTELECTUAIS SEM MASSA

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OS PRÓSPEROS ANOS 20 E A CONTURBADA DÉCADA DE 30

Esperamos poco a poco, corrigiendo en

cada número los defectos del anterior,

conseguir que algún día sea esta Revista el

recinto tranquilo y correcto donde vengan

a asomarse todos los espíritus resueltos a

ser claros. (Revista de Occidente, t. i, 03)

A Revista de Occidente, nos seus treze anos de existência, testemunhou uma

parte significativa da conturbada história espanhola do século XX. Entre 1923 e 1936

aconteceram no país nada menos que um golpe militar, uma experiência republicana e o

início de uma guerra civil de proporções arrasadoras, à qual a revista não sobreviveu.

Somou-se a estes fatos a ilusão do breve renascimento econômico mundial após a

Primeira Guerra e a decepção subseqüente, após a crise de 1929. Paralelamente, foi um

período de grande florescimento cultural, que vinha desde o final do século XIX, no

qual a atividade política dos intelectuais espanhóis aumentou progressivamente,

passando em alguns casos da simples “separação entre arte e política” ao convicto

engajamento, como no caso de alguns poetas da geração de 27.

Por ser um período complexo e de grandes impasses históricos, ainda que a

publicação se declarasse não-política nos seus “propósitos”, tal contexto

inevitavelmente incidiu sobre os seus rumos. Como afirma Bourdieu (1966, 144), deve-

se entender a autonomia de um campo intelectual como parte um processo histórico

geral do qual o campo não se dissocia por completo, principalmente quando de trata de

períodos de maiores conflitos históricos. Justamente em tais épocas é que as relações

entre um campo intelectual e a história mais se enlaçam.

O surgimento da publicação antecedeu em poucos meses o golpe militar

executado pelo general Miguel Primo de Rivera, com apoio da monarquia de Alfonso

XIII, que colocaria fim a um regime parlamentar corrupto e, pelo menos em aparência,

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traria prosperidade econômica ao país. As transformações políticas do período refletem

o acúmulo de tensões e conflitos entre um sistema arcaico de governo e uma crescente

burguesia de uma parte do país em modernização, aliado à profunda desigualdade

social, que remonta a períodos anteriores e aos quais nos referiremos em seguida.

Afirma Pierre Vilar (1992, 59) que “<A história contemporânea> do povo

espanhol começa, na realidade, com os seus primeiros esforços para se readaptar ao

mundo moderno.” Existia entre grande parte da intelectualidade espanhola do fim do

século XIX e início do século XX o sentimento de que a forma como se desenvolveu o

Estado espanhol, sobretudo a forte identidade entre o poder e a Igreja Católica, impediu

o desenvolvimento da Espanha como próspera nação capitalista. O atraso na

modernização das estruturas econômicas e de poder custou caro a esse país que não

acompanhou o desenvolvimento dos demais países, mas que, anacronicamente, ainda se

achava uma potência colonial no fim do século XIX. A perda das últimas colônias

americanas em 1898, na guerra contra os Estados Unidos, se tornou um símbolo da

decadência espanhola.

O país viveu nos séculos XIX e XX o acirramento de um processo de lutas e

divisões internas fruto das disputas de poder entre uma oligarquia “terrateniente”

(representante do que ainda era a nobreza) e a nova burguesia enriquecida, reflexo da

luta histórica de superação política das estruturas feudais pelas formas capitalistas de

poder. Desde as tentativas de Carlos III de trazer o espírito da Ilustração ao país no

século XVIII, o poder da Igreja e da elite conservadora freou as propostas de mudanças

mais radicais.

Instituições medievais como a Inquisição e a Mesta (o sindicato de proprietários

de gado, que dispunha de privilégios reais) prolongaram a sua existência até o século

XIX. A desapropriação da terra concentrada nas mãos na nobreza e da Igreja, essencial

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no processo de modernização capitalista, proposta desde Godoy (primeiro ministro de

Carlos IV), foi algumas vezes protelada e, quando levada a cabo, não promoveu a

distribuição da terra. Em vez de minifúndios trabalhados por pequenos proprietários, os

terrenos foram comprados pelos grandes proprietários, aumentando a concentração da

terra. Este era o perfil de Andaluzia, a região sul do país, de território fértil e população

miserável submetida às piores condições de exploração.

No outro extremo do desenvolvimento estava o nascimento de uma próspera

burguesia no País Vasco e Catalunha, na primeira região devido à indústria siderúrgica e

na segunda, a uma forte indústria têxtil. O crescimento demográfico e a conseqüente

urbanização fortaleceram-nas e provocaram o surgimento de um proletariado

organizado e a valorização de sentimentos regionalistas opostos à centralização do

Estado Espanhol desde Madri. A Espanha se tornara um espelho de desigualdades

sociais e conflitos internos.

No plano político, as reformas foram de tal modo adiadas que a luta entre o

velho e o novo sistema gerou um período de profundo desgaste do sistema monárquico.

Desde os Reis Católicos a “unidade espanhola” esteve atrelada ao papel da monarquia e

o aparecimento da Segunda República foi, sobretudo, o resultado da perda de

credibilidade daquela, dividida entre o desejo de modernização e aceitação do

capitalismo e a velha forma absolutista “católica” de poder (JACKSON, 1999, 25).

Assim, a Espanha viveu durante o século XIX um período de várias guerras fratricidas e

instabilidade.

No início do século XIX sofreu a disputa entre Carlos IV e Fernando VII, pai e

filho, que culminou com o exílio de ambos e a ascensão francesa do Imperador José I,

irmão de Napoleão Bonaparte, em 1808. Graças à luta do povo espanhol pela

Independência, Fernando VII voltou ao trono, mas, sob a “bandeira” do “ódio ao

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francês”, governou no pior estilo da “contra-reforma”. Após a morte deste monarca, em

1833, surgiram as guerras Carlistas de disputa pela sucessão, na qual se enfrentaram

“conservadores”, em torno do irmão do rei, Carlos, e “liberais”, na defesa da filha do

monarca, Isabel. Uma vez concluída a luta e transformada a princesa em Isabel II, o seu

reinado demonstrou-se instável, e a rainha, devido aos seus hábitos escandalosos,

impopular. Em 1868, um golpe a afastou do poder e estabeleceu um governo provisório,

seguido pelo coroamento de Amadeo de Saboya e um curto governo republicano,

derrubado pela volta da monarquia e a subida ao trono do filho de Isabel II, Alfonso

XII, em 1875.

Não se pode compreender a história deste período sem destacar a participação

dos militares.

Entre 1833, en que comenzó la guerra carlista, y 1875, en que se instauró la

Monarquía constitucional, el ejército dirigió los destinos del país. El único

medio de cambiar de gobierno era el „pronunciamiento‟, una repentina

sublevación de un general, de común acuerdo relativamente poco sangrienta y

en torno al cual se agrupaban las fuerzas de oposición como única esperanza

de cambio. (JACKSON, 1999, 26)

Esta participação não só não diminuiu após 1875 como esteve presente em todos

os momentos de lutas internas do século XX, que culminaram com a ascensão do

General Francisco Franco em 1939. Além dos “pronunciamientos”, golpes militares que

se tornaram comuns na época, o exército muitas vezes garantiu a governabilidade

funcionando como aparelho repressor dos movimentos populares.

Desta forma, um “pronunciamiento” em Sagunto, em 1874, restaurou a

Monarquia Borbônica, na figura de Alfonso XII, e pôs fim ao continuo “vaivém” de

governos. Os anos da “Restauração”, nome dado a período que vai de 1875 a 1923,

representaram uma época de “relativa estabilidade”, garantida por uma manobra política

vislumbrada pelo político Cánovas del Castillo, do Partido Conservador.

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Proclamou-se uma Constituição que estabelecia a monarquia parlamentar e

garantia certas liberdades de expressão. Este sistema, na verdade se transformou em um

pacto de governabilidade entre os Partidos Conservador e Liberal. Selou-se a alternância

de poder entre os dois partidos no parlamento e gerou-se um sistema eleitoral

profundamente corrupto, marcado pela fraude e pelo “caciquismo” nas cidades do

interior, que desmoralizou o regime constitucional e desferiu o golpe de morte na já

desgastada imagem da monarquia.

Tal “turno pacífico”, expressão como se tornou conhecido o arranjo, não podia

existir com o consentimento nacional, dada a insatisfação que este modelo gerava em

vários setores da população. Outrossim, o assassinato de Cánovas em 1897 por um

militante anarquista, fragilizou sobremaneira este sistema e os Partidos Conservador e

Liberal se desintegraram progressivamente até 1917 (JACKSON, 1999, 27). Os

protestos vinham de vários lugares.

Por um lado, tal alternância de poder excluía a participação de liberais não

ligados aos dois partidos e não refletia a crescente influência dos movimentos populares

- e com eles, o desenvolvimento dos movimentos anarquista e socialista – e

regionalistas. Nessa época surgiram as primeiras formas organizadas de atuação

proletária - como a primeira seção espanhola da Associação Internacional de

Trabalhadores (1871), a CNT (Confederación Nacional del Trabajo, 1911), sindicato

ligado ao movimento anarquista, o PSOE (Partido Socialista Obrero Español, 1879), a

UGT (Unión General de Trabajadores, 1888), sindicato socialista - e alguns partidos

regionalistas - a Lliga regionalista (nacionalismo catalán, 1901) e o PNV (Partido

Nacionalista Vasco, 1894).

Dois fortes movimentos populares sacudiram o período: a semana trágica de

Barcelona em 1909 e as Greves Gerais de 1917. Após a perda de Cuba, os militares se

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concentraram na manutenção dos territórios espanhóis no norte da África, em Marrocos.

Em 1909, após a derrota na batalha de Melilla, o exército decidiu mobilizar os

reservistas catalães, o que desencadeou uma greve geral e uma onda de revoltas durante

vários dias, com graves distúrbios urbanos, como queimas de templos e conventos. O

exército restabeleceu a ordem à força e condenou-se a fuzilamento um pedagogo

anarquista, Francisco Ferrer y Guardia, como responsável pelo movimento. O episódio

desencadeou uma onda de protestos nacionais e estrangeiros e provocou a queda de

outro dos pilares da política de “turno” da Restauração: o chefe de governo na época, o

conservador Antonio Maura.

Em 1917, as tensões sociais fomentadas pelo aumento do custo de vida

acirraram-se ainda mais, e a insatisfação abarcava vários setores. Oficiais de menor

patente fundaram as “Juntas militares de defensa”, espécie de sindicato que reivindicava

melhores salários e condições de trabalho; e setores da burguesia realizaram em

Barcelona uma assembléia de parlamentares para pressionar o governo a convocar

eleições para “Cortes Constituyentes”. Porém, a ação mais devastadora viria dos

movimentos operários. No mesmo ano, em 10 de agosto, se deflagrou uma greve geral

revolucionária, liderada pela UGT. Seu objetivo era proclamar uma “República

democrática socialista” nos moldes da revolução russa iniciada em fevereiro.

Ao contrário da movimentação russa, a unidade do exército, “juntistas” ou não,

conseguiu sufocar a rebelião após três dias de lutas sangrentas e assustar a burguesia. A

vitória “le hacía [ao exército] dueño de los destinos de España.” (VICENS VIVES,

1985, 356) Este episódio, pela sua envergadura, abalou profundamente o esquema de

poder, a ponto de marcar a etapa terminal da Restauração.

Se vimos até agora o teor das insatisfações civis deste período e da “mesocracia”

militar, por outro lado estava o descontentamento da cúpula militar. Como assinalamos,

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criara-se na Espanha um exército conservador usado muitas vezes para reprimir os

movimentos populares. Foram eles os que tinham, de fato, sustentado a monarquia e

“garantido” a ordem da Restauração. Em “compensação”, Alfonso XIII garantiu um

orçamento avantajado ao exército, através das cortes, e financiou as suas “aventuras

marroquinas”. Paradoxalmente, este pilar do sistema também seria a sua ruína. Em

1921, a derrota na batalha de Annual, localidade marroquina perto de Melilla, na qual

uma rebelião popular matou doze mil soldados espanhóis (GARCIA DE CORTAZAR y

GONZALEZ VESGA, 1995, 546), desencadeou uma onda de protestos.

El desastre de Annual retificaba la crítica del 98 [perda de Cuba], en el preciso

instante que las fuerzas conservadoras hacían del Ejército la columna vertebral

del orden político y social en España. Incluso la persona de Alfonso XIII se

vio incluida en la demanda de responsabilidad que los partidos de izquierda

exigieron desde el Parlamento. (VINCENS VIVES, 1985, 368)

Ante a possibilidade de ter que dar explicações sobre o desastre em Annual no

Parlamento, e politicamente encurralado, o exército impôs um golpe militar dirigido

pelo general Miguel Primo de Rivera.

Apesar da história de lutas e participação popular até o momento descritas, a

ditadura se implantou sem uma resistência significativa.

[...] la masa neutra española recibió con satisfacción la noticia [...] El caos

civil, militar y social de los últimos cinco años, había roto los nervios del

hombre de la calle y éste deseaba paz y un gobierno que implantara

radicalmente unas medidas de emergencia. [...] Por otra parte, los mismos

elementos disidentes del viejo sistema constitucional abrieron crédito de

confianza a Primo de Rivera: la burguesía catalana, los socialistas e incluso

ciertos republicanos – como Lerroux – estimaban posible que la Dictadura

militar despejaría a su favor la incógnita planteada por las últimas cuestiones

políticas y sociales. (VINCENS VIVES, 1985, 368)

Assim é que a ditadura do General Primo de Rivera em 1923 se instalou com

certa tranqüilidade. A instabilidade não desapareceu completamente, mas “Se inicia un

periodo de paz social en el que desaparecen, casi por completo, atentados, huelgas

revolucionarias y gran parte de los conflictos laborales” (GARCÍA DE CORTAZAR,

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1995, 557). É preciso destacar, no entanto, que esta tranqüilidade inicial, relacionou-se

também ao caráter autoritário do governo, que suspendeu os direitos civis e declarou

“Estado de Guerra”.

Sem a onda de prosperidade mundial que coincidiu com seu governo, a ditadura

não sobreviveria tanto tempo. Os preços se estabilizaram e a indústria se desenvolveu,

“a ritmo lento pero seguro” (VINCENS VIVES, 1985, 371). Investiu-se em obras de

infra-estrutura, como a criação da primeira grande rede de estradas da Espanha, e em

empreendimentos estatais, como a criação de CAMPSA (monopólio do petróleo e

derivados).

No entanto, não se alteraram as estruturas política, econômica e social

espanholas. Sob a ilusão de prosperidade, o governo não resolveu as questões centrais

de um desenvolvimento tardio e desigual, subvencionado por um Estado também falido.

O resultado, depois da suave brisa, era um vendaval em 1929. O rápido período de

“progresso” se convertia em mais uma época de crise, que levaria à demissão do ditador

em 1930 e à fuga do Monarca em 1931, deixando livre o caminho para a Segunda

República.

Depois da saída de Primo de Rivera, o rei Alfonso XIII ainda tentou uma

alternativa chamando para assumir o poder o General Berenger, com o pretexto de

organizar o país para um retorno à normalidade constitucional. No entanto, a pouca

demonstração prática dessa intenção e a agitação política do momento, que tinha

provocado a queda do próprio Primo de Rivera, levou à demissão do novo governo

pouco mais um ano após a sua configuração. Abandonado pelas diferentes forças

políticas que o acompanharam em outras empreitadas (Monárquicos, Liberais,

Conservadores e até os Reformistas) Alfonso XIII optou por mais um militar, o

Almirante Aznar, como chefe de governo. Sem conseguir apaziguar os ânimos, este

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convocou eleições, como forma promover certa abertura política que desse sustentação

à Monarquia.

No entanto, o resultado da votação confirmou uma grande vitória dos

republicanos nos grandes centros urbanos. A habilidade política destes em capitalizar o

resultado das eleições “como uma espécie de plebiscito Monarquia X República e o

ambiente de festa popular instalado” (BAHAMONDE, 200, 544) foram fundamentais.

Dado o claro isolamento político da Monarquia, proclamou-se a República em 14 de

abril de 1931, tendo como presidente o católico conservador Niceto Alcalá-Zamora e

obrigando o rei a se exilar.

O peso dos desafios impostos ao novo sistema, de modernizar um país tão

atrasado, e a demora em efetivamente começar a resolvê-los, fruto das dificuldades

econômicas do período e, principalmente, das profundas diferenças de projeto entre os

vários grupos que assumiram o poder, feriram a credibilidade e inviabilizaram a

estabilidade do novo regime, deixando o caminho livre para o avanço das tropas

franquistas.

El nuevo régimen estaba llamado en apariencia a enterrar la vieja España

cacique de la Restauración. Se esperaba de él un verdadero revolcón social con

la palanca de la reforma agraria y el protagonismo del movimiento obrero; un

correctivo a la omnipresencia de la Iglesia; un reajuste de los cuerpos armados,

que a un tiempo podase los recargados cuadros de oficiales y ahuyentase el

espectro del militarismo; una labor cultural y de educación ciudadana para

hacer realidad las fórmulas democráticas y, finalmente, una respuesta política a

la singularidad regional de la península (GARCIA DE CORTAZAR y

GONZALEZ VESGA, 1995, 567)

O problema é que nem todas estas questões interessavam a todos os grupos

comprometidos com a República e os grupos interessados em uma mesma questão nem

sempre (ou quase nunca) concordavam com o modo de resolvê-las. Este era o preço a

pagar por uma “aliança” que incluía setores conservadores, republicanos de esquerda e

socialistas. Jesus A. Martínez se refere a “las Repúblicas de 1931” (2000, 543)

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[...] República era sinónimo de modernización política y democracia, pero no era todo. La República [...]

era percibida y sentida emocionalmente como el símbolo de las expectativas que se abrían, y por ello fue

entendida de muy distintas formas, y a ella apeló un nutrido inventario de aspiraciones muy diferentes.

Por ello no cabe hablar de una sola República, aunque formal e institucionalmente sólo hubiera una, sino

de varias repúblicas, o dicho de otro modo, distintas formas de entender el régimen republicano en

función de aspiraciones sociales, proyectos políticos o inquietudes culturales y vitales diversas.

Deste modo a Espanha tinha dado o passo “mais fácil”. Restava então arrumar a

casa.

El objetivo de acabar con la Monarquía estaba colmado, y la adhesión

mayoritaria y popular al régimen era un hecho. Pero se abrió un gran debate

sobre la orientación que tomó, mientras las tensiones empezaron a aflorar fruto

de expectativas políticas, sociales, económicas e ideológicas contrapuestas.

(MARTÍNEZ, 2000, 545)

O primeiro biênio (1931-33) se caracteriza por uma composição inicial de

“centro-esquerda” que tenta tomar as primeiras medidas para “mudar o rumo da história

da Espanha”. (GARCIA DE CORTAZAR y GONZALEZ VESGA, 1995, 566) e para

garantir a legitimidade do novo regime. O primeiro governo provisório estava

composto, assim, por um amplo espectro de partidos que iam desde setores mais

conservadores como “Derecha Liberal Republicana” (depois Partido Republicano

Progresista), partido do presidente Alcalá-Zamora, e o Partido Radical, a tendências

mais progressistas, como Acción Republicana, do chefe de governo, Manuel Azaña

(presidente em 1936), e Partido Republicano Radical Socialista (dissidência da AR mais

à esquerda). Também incluía o PSOE (“Partido Socialista Obrero Español”), e os

partidos regionais autonomistas ORGA (Organización Republicana Gallega Autónoma)

e o Partido Catalanista Republicano. (MARTÍNEZ, 2000, 547)

Como primeira medida, devia-se garantir a base legítima do Estado, motivo

pelo qual se convocaram eleições para as cortes constituintes, com o objetivo de

estabelecer a nova Constituição Republicana, promulgada em dezembro de 1931. A

nova Carta Magna estabeleceu as bases do sistema democrático, que na prática

funcionava como um sistema parlamentarista, com um presidente com poucos poderes,

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entre eles o de dissolver as cortes unicamerais, o poder legislativo, no máximo duas

vezes durante o seu mandato de sete anos, e um chefe de governo, nomeado pelo

presidente somente com a aprovação das cortes.

Além disso, o texto final e suas leis complementares asseguraram a igualdade

entre os cidadãos, definindo Espanha como uma “República democrática de

trabalhadores de toda classe”, e incluíram o sufrágio universal e o voto para maiores de

23 anos (o que instituía o voto feminino e dos soldados). Também afirmaram o caráter

laico do Estado, com a separação de Igreja e Estado e a liberdade de consciência e de

cultos, retirando a subvenção estatal à Igreja Católica, garantindo o fim da

obrigatoriedade do ensino de religião nas escolas e, inclusive, proibindo a existência de

instituições religiosas de ensino. Reconhecia-se, também, o casamento civil e o direito

ao divórcio. Por fim estabelecia o direito à expropriação de terras, com direito à

indenização, para uso social, cujo objetivo patente era o de promover a reforma agrária,

e garantia o direito de cada região a estabelecer um estatuto de autonomia.

Como se observa, uma grande parte destas reformas correspondia

essencialmente aos anseios de socialistas e de republicanos esquerda, o que contribuiu a

atrelar a imagem da República a estes grupos. 7

La constitución resultaba la plasmación de un proyecto intelectual para

modernizar el país y democratizar sus estructuras, pero no había sido el

resultado de un amplio consenso. Había quedado mutilada por los que se

inhibieron o se opusieron, y en todo caso era producto de un consenso de

izquierdas, vertebrado por socialistas y republicanos de izquierda, a los que

quedó asociada, perdiendo la vocación universalista con la que había nacido.

(MARTÍNEZ, 2000, 564)

A sua promulgação gerou descontentamentos por parte dos setores mais

conservadores, ligados à Igreja e das oligarquias que poderiam ver as suas terras

7 A coalisão de governo foi a grande vitoriosa nas eleições de 31, tendo o PSOE o maior número de

deputados (114), seguido pelo Partido Republicano Radical (89),o Partido Republicano Radical-Socialista

(55), Esquerra Republicana de Catalunya (36), Acción Republicana (30), Derecha Republicana (22) e a

ORGA, (16). Estes números somados a representação de pequenos partidos republicanos e independentes

representavam aproximadamente 90% do parlamento. (MARTÍNEZ, 2000, 556)

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confiscadas para a reforma agrária, além de provocar a saída do governo da Derecha

Republicana e do Partido Radical.8 Do mesmo modo, a regulamentação de direitos

trabalhistas e o fortalecimento do papel dos sindicatos (o que favoreceria à UGT)

propostos pelo ministério do socialista Largo Caballero despertaram o medo dos

empresários e a oposição da CNT.

Se a Constituição desagradava aos setores mais conservadores, deveria, então,

responder aos anseios da classe trabalhadora, operários (base política do PSOE, através

da UGT) e camponeses (muitos afiliados a FNTT, braço político da UGT, que cresceu

após 1931), e do eleitor urbano em geral, os quais depositaram na República as suas

esperanças de melhoria de vida. No entanto, a fuga de capitais, as dificuldades

econômicas de um período marcado pela depressão de 29 e as dificuldades políticas

tornaram difícil a realização de projetos ousados e caros. A expropriação de terras, cuja

proposta inicial foi suavizada na constituinte, e o assentamento de famílias ficaram

muito abaixo do esperado, o número de escolas primárias estatais criadas para substituir

a ampla rede católica não foi suficiente9 e houve um aumento do desemprego. A demora

em se conseguir resultados efetivos, acabou minando o amplo apoio popular inicial.

Além das dificuldades de gestão, a coalizão teve que responder às diversas

movimentações oposicionistas ao regime, fossem elas à direita ou à esquerda.

Modernizar o país implicava acabar com a longa tradição de ingerências católicas e

militares no Estado. Este fato, consumado de forma radical na Constituição e nas

8 Após a promulgação da Constituição a Derecha Republicana e o Partido Radical não compuseram o

novo Governo, que se reduziu a uma aliança republicana de esquerda-socialista. A saída do Partido

Radical, segunda maior bancada do parlamento, e a sua aproximação aos setores oposicionistas serão

fundamentais para a composição de centro-direita do segundo biênio da República (1933-36). 9 No caso da educação, isto não significa que os números tenham sido irrisórios. Foram criadas cerca de

7.000 escolas públicas primárias no primeiro ano, 2.580, no segundo, e 3.990, no terceiro. Trata-se de

números relevante se comparados ao número de escolas existentes, que era de 35.000 em 1930, mas

insuficiente para uma demanda de 27.000 novas escolas. Também vale destacar que 13.000 novos

professores foram contratados no período. (MARTÍNEZ, 2000, 576)

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medidas adotadas pelo governo, pouco a pouco situavam a católicos e militares, além

dos próprios monarquistas, num campo oposto ao da República.

A questão religiosa era extremamente delicada, uma vez que o amplo apoio

popular à república não significava o fim das profundas raízes católicas do povo

espanhol nem o fim do enorme poder da Igreja e da sua influência, principalmente no

campo. Após 14 de abril de 1931 a Igreja observou com desconfiança o novo sistema.

Depois das primeiras medidas provisórias desfavoráveis, um setor, representado pelo

Cardeal Segura, disparou os primeiros ataques, elogiando as relações entre a Monarquia

e a Igreja e taxando as medidas laicizantes de “atentado contra a Igreja”, além de incitar

os fiéis à oposição. Paralela à influência eclesiástica existia um forte anti-clericalismo

popular, de tipo mais emocional do que liberal, que tinha crescido ao longo do século

XIX, associando à Igreja os males que assolavam o país. Deste confronto surgiram os

ataques a igrejas e conventos em maio de 1931, por ocasião da Criação de um Círculo

Monárquico em Madri. (MARTÍNEZ, 2000, 553) O Cardeal Segura se negava a

reconhecer o regime e foi expulso do país. Desde então as relações foram sempre

conflituosas. A aprovação da Constituição, com as medidas laicizantes já citadas, e a

dissolução da Companhia de Jesus em 1932, a mais influente ordem eclesiástica do país,

aumentaram ainda mais a insatisfação da Igreja, o que levará um setor a se organizar

para intervir nas eleições através da CEDA (Confederación Española de Derechas

Autónomas), como veremos mais adiante.

Os militares desde o início também tramaram contra a República. Muitos eram

simpáticos ao velho regime, fruto do poder do exército como “afiançador da ordem”. A

insatisfação só foi aumentando ao longo do tempo, principalmente depois da política de

reorganização e modernização do exército, planejada da por Manuel Azaña. O então

ministro de Guerra optou por uma política de renovação de quadros militares, como

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forma de dotar a República de lideranças fiéis ao novo regime. Deste modo obrigou os

militares a um juramento de fidelidade à República e promoveu a aposentadoria

voluntária de generais e oficiais, além de reorganizar a justiça militar, restringindo-a ao

âmbito interno. Estas e outras medidas geraram desconforto entre os oficiais e em 10 de

agosto de 1932 se realizou uma primeira tentativa fracassada de Golpe, liderada pelo

general Sanjurjo.

Su morfología recuerda al pronunciamiento del siglo XIX de carácter cívico-

militar, en una mezcla confusa de militares y civiles monárquicos alfonsinos,

carlistas – aunque no en nombre de la Comunión -, nacionalistas fascistas y

algún monárquico liberal, con fines muy heterogéneos, desde el frontal ataque

al régimen para instaurar la Monarquía [...] hasta un cambio de gobierno.

(MARTÍNEZ, 2000, 592)

A revolta foi sufocada e o seu líder condenado a morte, pena comutada em

prisão perpétua. Além disso, áreas de grandes proprietários ligados ao golpe foram

confiscadas para a reforma agrária e se perseguiram os monarquistas.

Era natural que os monarquistas conspirassem contra o regime desde o primeiro

momento, procurando como aliados os militares insatisfeitos com as reformas.

Contrários à República por convicção política, se dividiam em carlistas (organizados no

partido Comunión Tradicionalista) e alfonsinistas (através de Renovación Española).

Após o golpe, atuaram de forma colaboracionista, inclusive com uma tentativa,

infrutífera, de unificação das “linhas sucessórias”, chegando a fazer um pacto com

Mussolini para derrubar o governo.

Por outro lado, além de enfrentar os setores mais conservadores (militares,

monarquistas e religiosos), a República teve que lidar com as Greves e manifestações

organizadas pela CNT, o sindicato anarquista. Desde o seu congresso de junho de 1931

a CNT optou pelo não-reconhecimento do novo regime e a “ação direta” rumo a um

“comunismo libertário”. Assim, estimulou a Greve geral e a insurreição popular como

formas de tomar o poder e derrubar a República, percebida como modo de governo

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burguês, incapaz, portanto, de defender os interesses do povo. A partir de 1931

organizou várias greves na cidade (Telefónica) e no campo andaluz, misturadas a

ocupações de cortiços. A crise culmina em janeiro de 1933, quando a CNT promove

uma insurreição geral e várias localidades da área de influência cenetista se rebelam.

Em Casa Viejas, uma pequena cidade andaluza, os rebeldes são assassinados pela

“guardia civil”. A dura repressão ao movimento provocaria a queda do governo,

chefiado por Azaña, e o desgaste das relações entre republicanos e socialistas, os quais

se afastam do governo e adotam uma linha mais radical.

Assim, marcada pela campanha anarquista de abstenção, pelo desânimo dos

trabalhadores e camponeses, pelo medo da burguesia à revolução e, finalmente, pela

desarticulação das esquerdas, que concorrem separadas ao pleito, a direita venceu as

eleições de 1933, dando início ao chamado biênio conservador ou de centro-direita.

Da união de partidos católicos de direita, especialmente da “Acción Popular”,

surgira em 1933 a CEDA (Confederación Española de Derechas Autónomas), com o

objetivo de ser um partido de direitas organizado para influir nos rumos da República, a

partir das próprias instituições do sistema republicano. Seu lema era "Religião, Família,

Pátria, Ordem, Trabalho e Propriedade"

Através de alianças com outros partidos conservadores a CEDA se tornou o

partido com mais cadeiras no parlamento e com o apoio do Partido Radical, o segundo

maior, definiu o novo governo. Uma vez no poder a direita revogou medidas do período

anterior, favorecendo a Igreja, anistiando os insurretos de Sanjurjo e devolvendo as

terras expropriadas a seus antigos donos. A reação foi grande culminando com as

revoltas de outubro de 1934, duramente sufocadas.

“Aunque constitucionalmente era un nuevo episodio político con una base de

continuidad, en la práctica era otra República la que se configuraba, por cuanto era

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entendida de forma distinta, cuestionándose los soportes en los que había descansado

hasta entonces.” (MARTÍNEZ, 2000, 596). Como diría Lázaro de Tormes ao mudar de

amo “Escapé del relámpago y di en el trueno”. Para os camponeses e trabalhadores a

situação tinha piorado.

Após escândalos envolvendo o governo de Lerroux, em 1936 o presidente

Alcalá-Zamora dissolveu as Cortes e convocou novas eleições. Desta vez a esquerda se

uniu na Frente Popular e saiu vitoriosa. A direita protestou e o país se converteu em

foco de pequenos ataques violentos e rebeliões. Em 13 de julho de 1936, o líder da

oposição José Calvo Sotelo é assassinado pela “Guardia de Asalto”, polícia da

República. Era o pretexto para o início do “Pronunciamento” (golpe militar), que levaria

à Guerra Civil.

Procuramos até agora mostrar um panorama do contexto histórico espanhol no

qual a Revista de Occidente se inseria. Passaremos, a continuação, a observar como, em

função da conjuntura assinalada, se posicionava a intelectualidade espanhola (ou parte

dela) nos anos imediatamente anteriores e posteriores ao golpe de Primo de Rivera.

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2. OS INTELECTUAIS E A DITADURA DE PRIMO DE RIVERA

Unos venían de lejos, de principios de siglo, como el intelectual de protesta, el que proponía

agitar espíritus; otros habían logrado imponer desde 1913 la figura del intelectual como

miembro de una minoría selecta; pero estaban ya también moviéndose por la escena,

tanteando su papel y su posición en la obra, los nuevos, los que acababan de aparecer,

habían descubierto al pueblo y pugnaban por salir a su encuentro. En 1930, algunos de esos

modos de presencia de intelectuales vinieron a coincidir en un propósito común: liquidar la

monarquía, alumbrar la República: en ese punto, nada separaba a fin de año a Unamuno de

Ortega, a Ortega de Azaña o de De los Ríos, ni a todos éstos de los jóvenes, los nacidos en

torno a 1900 [...].” (SANTOS JULIÁ, 2006, 210)

Se, como vimos anteriormente, a ditadura de Primo de Rivera se instalou com

relativa tranquilidade graças um desejo plasmado em vários setores da sociedade de

volta à ordem, os últimos anos de seu governo foram marcados por vários confrontos.

Antes de analisar estes últimos anos, convém observar quem eram alguns dos

intelectuais envolvidos no processo e a partir de que caminhos chegam à reivindicação

da República em 1930. Vale destacar que este não pretende ser um capítulo sobre a

história dos intelectuais do primeiro terço do século XX, mas sim sobre a trajetória de

uma parte da intelectualidade de perfil liberal e a construção de um relato sobre a

origem da decadência espanhola que se relaciona diretamente com o pensamento de

Ortega y Gasset. Por tanto a inclusão ou a ausência de nomes importantes do campo

intelectual espanhol responde às necessidades de compreensão de tal processo.

2.1. ANTECEDENTES

Analisar essas trajetórias implica diretamente em abordar a questão dos

discursos históricos que se criaram desde o fim do século XIX sobre a crise da nação.

Espanha versos Europa, essência nacional versos ingerência estrangeira, Espanha velha

versos Espanha Nova, decadência, regeneração, velha e nova política são eixos que

refletem as sucessivas releituras da idéia de “duas Españas”, posta em cena desde o

discurso liberal forjado a partir de 1808 com a resistência à invasão napoleônica. Tal

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discurso se baseia na idéia de uma força do “povo” como o elemento transformador que

tiraria Espanha do atraso político e econômico em que se encontrava, porque a causa

dos males do país se encontrava precisamente na desconsideração de um passado

medieval autêntico (godo), atropelado pela intromissão estrangeira provocada pela

chegada de Carlos V, um príncipe que mal sabia o idioma do seu povo. A partir desta

dinastia, mais preocupada em usar o dinheiro público em disputas que, no fim das

contas, não eram problemas espanhóis, se dá a falência da España.

“Sin miramientos a las costumbres, a la constitución y a las leyes

del país, sólo trataron de disfrutar del patrimonio, esquilmar esta

heredad, disipar sus riqueza, prodigar sus bienes y su sangre en

guerras destructoras que nada importaban a la nación: ésa fue la

causa de la ruina de Espanã”. (MARTINEZ MARINA apud

SANTOS JULIÁ, 2006, 32)

Aliada à Monarquia estrangeira surge o outro pilar do atraso espanhol: o

fanatismo católico e o uso do tribunal do Santo Oficio da Inquisição. „[...] con objeto de

reforzar la tiranía, los monarcas españoles se sirvieron grandemente del instrumento

legado por un príncipe ilustre y la princesa más bondadosa que ha ocupado el trono de

Castilla”. (LAFUENTE apud SANTOS JULIÁ, 2006, 37).

Se nesta “epopeya de un pueblo en lucha por su libertad e independencia”

(SANTOS JULIÁ, 2006, 23) a força emanava do povo, nada melhor do que as suas

instituições naturais para dirigi-lo. Ao modelo monárquico centralista introduzido desde

os Austrias, e seguido pelos bourbons, ambas casas estrangeiras, e por isso inimigas do

espírito nacional, se opõe o “Fuero Juzgo, que reconocía ya „la soberanía de la nación

del modo más auténtico y solemne‟, de los fueros y leyes, en fin, que protegían las

libertades de la nación y que con tanto cuidado se habían guardado en Aragón y

Castilla” (SANTOS JULIÁ, 2006, 24) 10

10

Como afirmamos anteriormente, em seu livro Santos Juliá estabelece como marco inicial do discurso

em torno às duas Espanhas os episódios em torno à expulsão das tropas napoleônicas. Dentro deste

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Em resumo, só através do levantamento popular em defesa da sua liberdade e do

seu poder de decisão, representado pelo reestabelecimento das suas instituições locais,

Espanha se renovaria. Se forjava, assim, o discurso liberal sobre a nação espanhola.

No entanto, quase um século depois, os reveses políticos e a reação deste mesmo

povo ante a ascensão de Fernando VII, o fracasso da 1ª República, o início da

Restauração e sua política de “turno pacífico” e a Guerra de Cuba levaram a uma série

de reflexões de caráter mais pessimista sobre o problema da Espanha. “No, el marasmo

en el que caía España no se debía a una injerencia exterior, no se le podía echar por

completo la culpa a la dinastía, ni al absolutismo, ni a la Inquisición. El daño, por así

decir, lo llevaban los españoles en el tuétano.”(SANTOS JULIÁ, 2006, 59)

Para os primeiros regeneracionistas, os criadores da Institución Libre de

Enseñanza (ILE), primeira instituição laica de ensino na Espanha, de caráter privado, a

solução consistia em levar a cabo uma tarefa de educação que dotasse o país de

cidadãos livres. Unidos por se oporem à política educacional conservadora da

monarquia de Alfonso XII - cuja constituição confirmava o caráter católico do ensino

oficial – a ILE surgiu em 1876 de um grupo de professores liberais, sob a liderança de

Francisco Giner de los Ríos. Imbuídos do espírito krausista, seu objetivo era criar um

“homem novo”, mais ético, capaz de realizar a “regeneração moral” da Espanha. Mais

do que ensinar disciplinas específicas, a instituição se propôs formar indivíduos com

uma profunda base moral, condição prévia para o desenvolvimento científico e técnico

espanhol.

Conscientes da grandiosidade do desafio e da necessidade de um trabalho a

longo prazo, os “institucionistas” aos poucos foram aumentando a área de influência da

ILE através de uma série de iniciativas, convertendo-a em pólo aglutinador de uma

período além do discurso liberal “laicizante” citado, o autor aborda também o discurso das duas Españas

forjado a partir da leitura dos intelectuais católicos, que não será objeto de nosso estudo.

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importante parte da intelectualidade espanhola das gerações de 14 e 27. Dessa

influência surgiria em 1907 a Junta de Ampliación de Estudios e Investigaciones

Científicas (JAE), um órgão dentro do “Ministerio de Instrucción Pública” 11

, destinado

a fomentar a educação. Além de fornecer bolsas de estudo no exterior (das quais se

aproveitaram, por exemplo, Federico García Lorca para ir à Nova York em 1930 e

Ortega Y Gasset, para a Alemanha) a professores e estudantes, a JAE criaria algumas

instituições fundamentais dentro de um projeto de desenvolvimento educacional, como

o Centro de Estudos Históricos e a Residencia de Estudiantes.

Em resumo

“Lo que había que emprender era una larga obra de educación para modificar el carácter de

modo que salieran de las escuelas ciudadanos libres, formados en el espíritu público, que hubieran

aprendido a amar la cultura de la patria y sobre los que se pudiera edificar el progreso y la libertad”

(SANTOS JULIÁ, 2006, 60)

Educação também seria um dos pilares do famoso lema de Joaquin Costa,

símbolo do regeneracionismo espanhol, «Escuela, despensa y siete llaves para el

sepulcro del Cid», que consistia em saciar a fome fisiológica e intelectual do povo e

em afastá-lo de qualquer idealização quimérica e nostálgica de um “passado” glorioso,

ou seja, em modernizar a nação, seguindo o modelo das demais nações européias.

Tal tarefa hercúlea exigia uma verdadeira revolução, que para Costa, no entanto,

tinha que acontecer “siempre desde dentro y desde arriba; por lo cual, importa no

confundirla con lo que llamamos revolución de abajo o revolución de la calle”.

(COSTA, 2001, 79) Isto significava que as soluções propostas não incluíam o povo

como força motriz, este era o sentido de uma reforma de cima para baixo. O problema é

que também faltava na Espanha uma classe dirigente qualificada.

“Pero donde los vicios y diferencias de la cultura nacional nótanse más de relieve es en la

de las clases superiores e ilustradas. Qué atraso! [...] Hemos perdido la poca educación

11

A existência desse ministério representou um avanço político no sentido de que se destinou um

ministério específico à educação. A sua criação também se deve à influência de Giner e da ILE.

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clásica que nos restaba, y tampoco hemos adquirido la nueva educación experimental y

positiva.” (MACIAS PICAVEA, 2001, 77)

Na ausência de uma elite dirigente capaz, não resta outra alternativa além da

intervenção de um “cirurgião de ferro”.

¿Que por qué he denominado «quirúrgica» a esa política necesaria y «cirujano de hierro» a

su órgano personal? Porque, en nuestro caso, no se trata sencillamente de administrar tal o

cual medicamento a un enfermo, sino que entre éste y aquél se ha interpuesto un obstáculo,

tumor, quiste, cáncer, hueso, como se quiera, que obsta a la medicación tan eficazmente

como acabamos de ver; y no hay más remedio que abrir paso a través de él por fuerza

material, apartándolo, eliminándolo, reduciéndolo. Imposible curar el caciquismo por

dentro, en su raíz, si no se principia por reprimirlo en sus manifestaciones exteriores. Y para

reprimir un estorbo tan gigante, que más que cosa de hombres parece una fuerza natural, la

mano férrea de un Fernando V o de un Cisneros es indispensable. Stuart Mill admitía por

excepción hasta la dictadura cuando, «como Solón o Pittaco, el dictador emplea el poder que

se le ha confiado en derribar los obstáculos que se alzan entre la nación y la libertad».

(COSTA, 1975, s/n)

Sentimento de impotência para mudar a política de turnos, desejo de uma

revolução feita a partir das elites intelectuais e, finalmente, uma medida radical como

um cirurgião de ferro: não será difícil ver neste discurso um apoio à implementação da

Ditadura de primo de Rivera em 1923, doze anos após a morte de Joaquín Costa, bem

como as bases da idéia de “minoria seleta” de Ortega y Gasset.

Frente a este discurso científico e educacional, surgiria a vertente pessimista e

espanholizante da Geração de 98, que encontrou no “Desastre”, isto é, a perda das

últimas colônias americanas na guerra contra os Estados Unidos em 1898, um terreno

fértil para as suas divagações internas. Mais do que nunca era preciso regenerar a pátria,

levada ao fundo do poço através de uma batalha que chocava os intelectuais mais do

que pela derrota em si do que pela forma como se deu, “rápida y sin gloria. Nada que

evocara Trafalgar: aquí no hubo lugar para más heroísmo que el de dejarse matar en un

inicuo ejercicio de tiro al blanco”.12

(SANTOS JULIÁ., 2006, 86),

12

Batalha de Trafalgar – batalha travada em 1805 entre a França Napoleônica e a sua aliada, Espanha, de

um lado, e Inglaterra, de outro. Apesar da superioridade britânica, a marinha espanhola conseguiu resistir

durante algumas horas, o que envolveu a batalha de certa “aura” de dignidade, destacando a bravura dos

espanhóis. Em 1898, a enorme superioridade tecnológica da frota americana, impediu sequer a resistência

heróica vista na batalha anterior, convertendo o episódio numa chacina

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Era esta a sensação plasmada por Pío Baroja através do diálogo entre André

Hurtado y su tío Iturrioz en El árbol de la ciencia

- Pues no hay más que tener ojos en la cara y comparar la fuerza de las escuadras

[...] Con dos de sus barcos pueden echar a pique toda nuestra escuadra; con veintiuno no van

a tener sitio donde apuntar.

- ¿De manera que usted cree que vamos a la derrota?

- No a la derrota, a una cacería. Si alguno de nuestros barcos puede salvarse será

una gran cosa. (BAROJA, 1997, 237)

Sensação que convertia a guerra no símbolo da decadência, do desastre nacional

“en la imagen perfecta de la muerte de España.” (SANTOS JULIÁ, 2006, 86) Morte

muito mais para os que de agora em adiante seriam chamados de intelectuais do que

para a população, que logo voltou aos seus afazeres, distante como poderia estar de

umas ilhas pequenas que não alteravam em praticamente nada a sua rotina de vida, fato

que reforçava o discurso da incapacidade do povo para a ação.

“A Andrés le indignó la indiferencia de la gente al saber la noticia. Al menos é

había creído que el español, inepto para la ciencia y para la civilización, era un patriota

exaltado y se encontraba que no; después del desastre de las dos pequeñas escuadras

españolas en Cuba y en Filipinas, todo el mundo iba al teatro y a los toros tan tranquilo;

aquellas manifestaciones y gritos habían sido espuma, humo de paja, nada.” (BAROJA,

1997, 237)

Estes homens então romperam com o relato liberal de 1808, que colocava o

povo como protagonista das mudanças, instituindo o pessimismo no fim da linha:

“el pueblo, la raza, la nación española habían sido grandes en el pasado, desde

luego; pero eran una pena en el presente; no había nada que hacer, excepto

protestar o, hartos de la inútil protesta, irse a Toledo y, a la vuelta, meterse en

casa y frecuentar la tertulia con unos pocos amigos”. (SANTOS JULIÁ, 2006,

79)

Este é o perfil da chamada de 98, constituída de nomes de grande prestígio

dentro do campo intelectual nacional e a sua posição frente ao “problema” da Espanha:

a constatação do atraso econômico, social e cultural espanhol em plena fase de

desenvolvimento do capitalismo na Europa. A visão pessimista desta geração de

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literatos impediu-os de buscar novas soluções a velhos problemas. Empenhados em

olhar para trás e ver onde estavam os erros, não puderam enxergar com otimismo o

futuro.

Ao adentrarmos no território do pensamento da Geração de 98 é obrigatório

mencionar a discussão sobre a validade do termo13

. Contudo, como esta discussão não

se insere nos propósitos do presente trabalho, preferimos utilizar esta nomenclatura,

pois se trata de um conceito amplamente conhecido e referendado e que, para nosso

caso, serve para traçar um perfil da intelectualidade da época.

Outra questão importante, que deriva da primeira, é a definição da sua lista de

membros. Evitaremos esta polêmica, na medida do possível, tentando relacionar os

intelectuais mais significativos para nosso estudo: Miguel de Unamuno, Ramiro de

Maeztu, Azorín e Pío Baroja (aos quais se costuma incluir a Antonio Machado e Valle-

Inclán), atentando para o fato de que constituem em nossa opinião o núcleo que aglutina

as características intelectuais que estabelecem “la configuración definitiva de la

„generación del 98‟ como una suerte de vaga y dilatada diacronía de preocupación por el

„problema de España‟ y de matizada inquietud intelectual‟. (MAINER, 2000, 238)14

Embora desejassem mudanças, chegando a participar da vida pública (mais do

exercício da política, talvez), sendo Unamuno o caso mais notável, não atuaram de

forma coletiva, não se constituíram como grupo com objetivos e ações em comum, com

13

Entre as referências utilizadas nesta tese, consultar MAINER (2000), RAMOS-GASCON (1989),

CACHO VIU (1997), FOX (1969) para a discussão sobre a validade do termo. 14

Sobre este aspecto MAINER defende a existência de uma separação , tanto na geração de 98 como na

de 14, de uma aglutinação “de los rasgos „intelectuales‟ dejando para las anchas afueras de un

„modernismo‟ inespecífico” [no caso de 14 um ] „novecentismo‟ importado de Cataluña). (MAINER,

2000, 319) Da mesma forma, embora não faça nenhuma delimitação explícita do que considera como

geração de 98, SANTOS JULIÁ, no capítulo que trata da elaboração do discurso da morte e ressurreição

da Espanha por estes intelectuais (Capítulo 2), menciona uma vez a Antonio Machado y 4 vezes a Valle-

Inclán,, em ambos casos em breves passagens que ilustram alguma explicação sobre a atitude de um

intelectual dessa época. Quando se trata de mostrar o eixo de tal discurso sobram citações a Unamuno,

Azorín, Baroja e Maeztu.

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exceção de uma efêmera colaboração entre Azorín, Ramiro de Maeztu e Pío Baroja, o

chamado “grupo dos três” (RAMOS-GASCON, 1989, 220).

O propósito do grupo, que passava agora assinar artigos em conjunto, principalmente na

revista Juventud, era

“aplicar los conocimientos de la ciencia en general a todas las llagas sociales,

unas comunes a todos los países, otras peculiares a España [...] Poner al

descubierto las miserias de las gentes del campo, las dificultades y tristezas de

millares de hambrientos, los horrores de la prostitución y del alcoholismo;

señalar la necesidad de la fundación de las cajas de crédito agrícola, de la

implantación del divorcio, como consecuencia de la ley de matrimonio civil

(AZORIN, BAROJA, MAEZTU, 2001, 90)

Este conhecimento da ciência era o laço comum perceptível pelos três membros

como o único capaz de canalizar o ímpeto de “un gran número de jóvenes que trabajan

por un ideal vago” (AZORIN, BAROJA, MAEZTU, 2001, 89). No entanto, a falta de

uma proposta concreta de ação, unida à fragilidade de uma organização baseada num

“eixo científico”, mas cujos membros não eram em si homens de ciência, resultou num

empreendimento fracassado, levando os seus mentores ao isolamento e a um

pessimismo crescente. Isto porque a pesar de desejarem a ciência, estes intelectuais de

98 não eram intelectuais da sistematização, nem do rigor científico nem da atuação

organizada como coletivo, como serão os jovens da chamada geração de 14.

Se a ciência aparece como base de uma proposta de ação, a evolução pessimista

reformulará as bases desse saber científico na direção da idéia de decadência “las ideas

dominantes del positivismo darwinista se leyeran al revés, no como postulado de un

progreso universal, sino como inexorable proceso de decadencia. (SANTOS JULIA,

2006, 81) , ou seja, em vez de um diagnóstico que constatasse o mal espanhol mas que

vislumbrasse uma saída, fosse através da rebelião popular dos liberais de 1808 ou da

educação institucionista, os intelectuais do fim do século viram na apatia popular e na

miséria do campo a absoluta falta de saída além da espera de um salvador.

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Incapazes de se articularem a estes senhores não restava outra alternativa além

provocar, agitar espíritos, cada um a seu modo e desde a sua tribuna, numa tentativa de

salvação individual. A contradição já estava inserida no mesmo manifesto de fundação

do grupo

La aplicación de la ciencia social a las miserias de la vida puede ser el

lazo de unión entre los hombre de tendencias altruistas. Al unir las

aspiraciones de unos y otros dentro de lo práctico y de lo posible, sin

confundirlas en su parte doctrinal, sabemos que no vamos a realizar

inmediatamente nuestros proyectos, pero queremos que las ideas se agiten,

se aireen y que conozcan las soluciones científicas de los problemas de los

más interesados en resolverlas. (AZORIN, BAROJA, MAEZTU, 2001, 89)

(grifo nosso)

cuja “sentença de morte” já estava implícita na resposta de Unamuno a Azorín ao

convite para participar do grupo

A continuación nos prometía su concurso con reservas. Copio sus palabras:

„Ahora, aunque no me parece mal, ni mucho menos, la forma concreta que

piensan dar a esa acción social, en ella no podría más que ayudarles

indirectamente, porque ni entiendo de enseñanza agrícola nómada, ni de ligas

de labradores [...] ni creo sea eso lo más necesario para modificar la

mentalidad de nuestro pueblo, y con ella su situación económica y moral. [...]

Lo que el pueblo español necesita es cobrar confianza en sí, aprender a pensar

y sentir por sí mismo, y no por delegación, y sobre todo, tener un sentimiento y

un ideal propios acerca de la vida y de su valor.‟ (AZORIN, 2001, 86-87)

con a qual Azorin se vê obrigado a concordar: “Sí, era y es cierto: lo importante era y es

que España tenga confianza en sí misma.” (AZORIN, 2001, 87)

Poderia parecer que o interesse sobre a autoconfiança espanhola refletisse um

desejo de ação conscientizadora, mas, de fato, é entre os coetâneos de 98, uma

constatação da inércia da pátria. Inércia ante a qual eles próprios se sentiram incapazes

de vencer coletivamente

¿Qué se ha hecho de los que hace veinte años partimos a la conquista

de una patria? ... Nos encontrábamos sin ella, huérfanos espirituales. [...]

Ninguno de nosotros sabía lo que buscaba. Aunque sí, lo sabíamos muy bien,

muy bien. Cada uno de nosotros buscaba salvarse como hombre, como

personalidad...Nuestro pecado fue partir a buscar una patria – o una matria, es

igual – y no una hermandad No nos buscábamos unos a otros, sino que cada

cual buscaba su pueblo. O mejor dicho, su público. La patria que buscamos

era un público, un público, y no un pueblo y mucho menos una hermandad

(Unamuno (1918) apud GARCIA DE LA CONCHA, 1984, 28)

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“Compartían la desesperación cultural tan característica del fin de siglo, mezcla

de un dolorido nacionalismo y de una inquietud ante la cara fea de la modernidad”.

(SANTOS JULIA, 2006, 68), modernidade esta que converteu estes homens do

intelecto em intelectuais ao mesmo tempo que forjava a sua contra-parte: o povo

convertido em massa . É “el escritor y el artista que, al mirarse en el pueblo, ve la

multitud, la masa, siente horror o lástima, y se percibe a sí mismo como ser aparte, con

una misión específica ante la masa y frente al Estado. (SANTOS JULIÁ, 2006, 64)

Intelectual e massa são conceitos, pois, que a partir do fim do século XIX entram

em cena como resultado do processo de autonomização do campo intelectual dentro dos

marcos do desenvolvimento da sociedade capitalista.

Se já se pode falar de intelectuais em 1898 não se pode, como vimos, pensá-los

como “intelectualidade” (SANTOS JUIA), isto é, um grupo consciente de ser uma

categoria especializada da sociedade, com função própria e formas de atuação próprias,

diferentes das dos marcos políticos, fato destinado à chamada geração de 14.

Isto porque, embora houvesse um incipiente desenvolvimento industrial na

Espanha do fim do século XIX, sobretudo, como vimos, no País Vasco e Catalunha, o

verdadeiro “boom” do processo de modernização nacional, com a explosão demográfica

das cidades e esvaziamento do campo, consequência do desenvolvimento acelerado da

indústria e sua crescente necessidade de mão de obra, só se daria a partir de 1910,

especialmente a partir de 1ª Guerra. Como resultado deste processo surge, por um lado,

o novo tipo de intelectual, uma “classe” de profissionais liberais (médicos, advogados,

engenheiros...) que se caracteriza pelo conhecimento técnico especializado que exigem

suas profissões e que opõe ao intelectual literato anterior (entenda-se aqui no contexto

espanhol, geração de 98) averso a organizações. Por outro lado surge uma enorme

massa urbana proletária que precisa ser alfabetizada, cuja diferença em termos de

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bagagem cultural e letrada será abismal. É neste contexto que surge o conceito de

minoria seleta responsável por conduzir os destinos da nação.

“Pensar el intelectual como minoría selecta sólo es posible cuando

una masa de la población está en proceso de devenir alfabetizada, el acceso a

la enseñanza secundaria es minoritario y la entrada a la Universidad está

reservada a una elite que amplía sus rangos con los vástagos de una nueva

clase media profesional. Es precisamente en los inicios del proceso de

alfabetización universal cuando se produce la eclosión de la intelectualidad

como minoría selecta. (SANTOS JULIÁ, 2006, 152)

À “incapacidade dos finisseculares em oferecer ao país uma moral pública”,

como remédio aos males que afligiam a nação, oporiam os homens de “1914” a nova

moral espanhol baseada na reconciliação entre ciência e tradição, superando a velha

dicotomia Espanha X Europa. O pensamento sistematizado e o rigor intelectual e

científico de significativa parte dos integrantes da geração de 14 se opunha à aversão a

todo tipo de sistematização dos homens de 98 (RAMOS-GASCON, 1989, 234).

Mas quem são estes novos homens, que entram em cena? Cabe aqui destacar

que as mesmas restrições feitas ao conceito de Geração e a dificuldade de

enquadramento de seus membros também se aplicam a este caso. Contudo, este se torna

mais complicado na medida em que além do termo Geração de 14 se aplica também a

denominação novecentismo, ora restrita à intelectualidade catalã, ora como termo

abrangente de todo o processo espanhol. Citaremos a Ortega y Gasset, Mauel Azaña,

Gregorio Marañon, Eugenio D‟Ors, Ramón Perez de Ayala, Ramón Menéndez Pidal,

sólo como exemplo do perfil da especialização técnica anteriormente citada15

. Se trata

de jovens de instrução de nível superior, muitos com estudos fora do país e que ao

regressar se convertem em professores universitários, dotados de prestígio nas suas

15

Entre esses “jovens de 14”, GARCÍA DE LA CONCHA (1984, 07) aponta um núcleo formado por José

Ortega y Gasset, Gregório Marañón (médico), Ramón Pérez de Ayala (romancista); e uma órbita na qual

se inserem Juan Ramón Jiménez e Gabriel Miró; Manuel Azaña (presidente da República Espanhola entre

1936 e 1939); Américo Castro (historiador), Salvador de Madariaga e Claudio Sánchez Albornoz ;

Eugenio D‟Ors y outros.

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áreas. O caso de Ortega, sem dúvida é singularmente representativo desta trajetória

intelectual, convertendo-se em pólo aglutinador de seus coetâneos.16

Esta consciência de responsabilidade coletiva de atuação como grupo social

detentor de uma ilibada reputação, apto, portanto, para julgar a verdade dos fatos, e

destinado a intervir na política nacional, se manifesta por primeira vez na resposta

conjunta aos episódios da semana trágica de Barcelona.

Após uma série de rebeliões populares em 1909, na Catalunha, o professor

anarquista Ferrer y Guardia, diretor de “Escuela moderna”, foi condenado à morte

acusado de ser “promotor moral” dos fatos. Tal episódio provocou uma onda de

protestos de intelectuais espanhóis e de outros países (VICENS VIVES, 1985, 340). A

crítica estrangeira à atitude do governo espanhol colocou em lados opostos as atitudes

dos “noventaioitistas” e de Ortega y Gasset: enquanto Azorín qualificava de farsantes a

uma série de escritores franceses e Unamuno ridicularizava a atitude dos intelectuais

“europeizantes”, através do jornal ABC, Ortega y Gasset respondia desde El imparcial

com severas críticas a ambos. Em resposta a Azorín afirmava

Sólo quisiera rogar (...) que abandonara ese triste ejercicio de avivar las más

bajas pasiones de la sociedad española: la inercia mental de las clases

acomodadas, la codicia capitalista y la vanidad aristocráticas de quienes no son

aristócratas ni de alma ni de nación. (ORTEGA Y GASSET apud RAMOS-

GASCÓN, 1989, 222)

Já para Unamuno reserva frases mais alteradas

Puedo afirmar que en esta ocasión don Miguel de Unamuno, energúmeno

español, ha faltado la verdad. Y nos es la primera vez que hemos pensado si el

matiz rojo y encendido de las torres salmantinas les vendrá de que las piedras

aquellas, venerables, se ruborizan oyendo lo que Unamuno dice cuando, en la

tarde , pasea entre ellas. (ORTEGA Y GASSET, 1946, 122)

16

Com esta afirmação quero dizer somente que Ortega y Gasset é quem encarna por antonomásia o ideal

de intelectual como minoria seleta e que, neste sentido, e também na indiscutível importância pública da

sua figura, o tomaremos aqui como o perfil a ser analisado.

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A partir desse episódio de repercussão nacional o campo intelectual espanhol se

reconfigura, e a balança pende a favor do jovem intelectual. “Educadamente” Azorín

reconhece que é preciso abrir caminho aos mais jovens.

Otra generación ha llegado. Hay en estos jóvenes más método, más sistema,

una mayor preocupación científica. Son los que este núcleo forman: críticos,

historiadores, filósofos, eruditos, profesores. Saben más que nosotros. ¿Tienen

nuestra espontaneidad? Dejémosles paso. (AZORIN, 2001, 272)

Uma vez separadas nova e velha geração e afirmado o mito da nova Espanha a

ser forjada pela juventude seleta destinada a dotar o país de ciência, chegava o momento

em que talvez o mito se transformasse em projeto concreto. Era o biênio 1913/14, anos

da fundação da Liga de Educación Política Española e da conferência “Vieja y Nueva

política”, pronunciada por Ortega no teatro da comédia de Madri. O eixo do discurso

seria a constatação inicial de que existiam

“dos Españas que viven juntas y que son perfectamente extrañas: una España

oficial que se obstina en prolongar los gestos de una edad fenecida, y otra

España aspirante, germinal, una España vital, tal vez no muy fuerte, pero vital,

sincera, honrada, la cual, estorbada por la otra, no acierta a entrar de lleno en la

historia. (ORTEGA Y GASSET, 1946, 271)

Frente ao impasse criado dentro do Governo, resultado da crise que afetaria tanto

o partido liberal quanto o conservador, a partir dos sucessivos desgastes do sistema de

turno, agravada pelo assassinato do líder liberal Canalejas em 1912 e pelos efeitos da

semana trágica de Barcelona, um grupo de intelectuais, Ortega à frente, se organiza e

publica um prospecto no qual se convoca a essa Espanha vital a atuar conjuntamente:

“La intervención vigorosa y consciente en la política nacional es un deber de todos”

(ORTEGA Y GASSET, 1946, 301).

Não se tratava de um partido político, pois seu objetivo era se constituir em um

órgão de outra natureza, supra-partidária, independente, específico para o exercício

intelectual da denúncia de da proposição de soluções. Cada membro, portanto, poderia

pertencer ao partido que desejasse, uma vez que a Liga não indicaria candidatos à

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eleição, nem muito menos pediria votos. Este é um dos eixos da conferência “Nueva y

Vieja política”: convocar a nova intelectualidade a intervir de forma conjunta contra a

velha Espanha, mas desde a sua posição específica dentro da sociedade, a saber, a de um

grupo especializado que atua a partir de um campo intelectual, cuja relação com a

política só pode ser mediada pela ação dentro deste campo.

Para Ortega, o intelectual não é um político, embora a reforma do modo de fazer

política na Espanha fosse uma questão muito relevante para o seu projeto de

modernização nacional. O problema é que a convocação aos intelectuais para se

organizarem nas suas esferas próprias (não necessariamente só através da Liga, também

em suas instituições de ensino, ateneus, círculos culturais e científicos, etc.) sem um

projeto de a ação concreta enfraqueceu consideravelmente a canalização de forças para

a transformação efetiva. Isto, e a esperança orteguiana de que a monarquia, encurralada

pelas disputas entre liberais e conservadores, se aproximasse ao recém-criado partido

reformista17

e se abrisse às modernizações necessárias, inviabilizou tanto a durabilidade

como a eficiência da Liga de Educação Política. A decepção para Ortega resultou na sua

retirada da vida política e na criação da sua publicação individual El espectador.

O seu efeito mais duradouro talvez tenha sido a criação do periódico España,

revista pensada como órgão de difusão das idéias da liga, dirigido inicialmente pelo

próprio Ortega y Gasset e depois por Luis Araquistain, intelectual socialista. Ortega se

retiraria logo do projeto, após a revista perder a sua “isenção intelectual” tomando um

rumo mais político, devido principalmente a que a publicação, sem recursos próprios,

recorre em plena guerra ao financiamento dos aliados. Apesar do desligamento do seu

17

O partido reformista, criado em 1912 por Melquíadez Álvarez, era um partido de base liberal com

propostas de reformas sociais, ao qual Ortega y Gasset e Manuel Azaña, entre outros intelectuais,

chegaram a se afiliar. Em sua origem se ergueu como uma alternativa aos partidos republicanos que, por

sua natureza anti-monárquica, não poderiam atuar dentro do reinado de Alfonso XIII. Seu objetivo era

atrair pessoas que acreditassem na viabilidade de se fazer uma reforma desde dentro do sistema

monárquico. A esta noção Ortega se aproxima ao propor “fazer a experiência monárquica”. (SANTOS

JULIA, 2006, 155-156)

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mentor, o nascimento da revista significou o início de uma preocupação que seria uma

constante orteguiana: a do uso da imprensa como veículo de expressão dos intelectuais.

Claro que os intelectuais já usavam a imprensa antes de Ortega: Unamuno,

Azorín e companhia se desdobravam, como vimos, entre as páginas de diversos jornais.

No entanto, a geração de Ortega vai mais além: não se trata de publicar em vários

jornais e sim de criar um periódico que fosse o espaço de difusão das idéias de um

grupo específico, com opiniões confluentes. Uma espécie de tribuna consciente de um

setor da intelectualidade. Da confluência dos interesses de Ortega e de Nicolás María de

Urgoiti, representante de empresários da indústria de papel de Bilbao, se dá o

desenvolvimento de um verdadeiro império editorial18

, ao qual a Revista de Occidente

está diretamente relacionada.

Os contatos entre Urgoiti e Ortega começaram quando este ainda publicava no

jornal El imparcial, um dos mais importantes de Madri na época, de espírito liberal

“conservador” e que pertencia à sua família. O empresário bilbaíno representava um

grupo de investidores da indústria do papel decididos a expandir os negócios, motivados

pela expansão comercial dos anos da Primeira Guerra.

O projeto de ambos era comprar o jornal “liberal conservador” de propriedade

familiar para transformá-lo em porta-voz dos setores industrial e financeiro vascos

avançados, e dos intelectuais que desejavam se expressar fora dos meios tradicionais

(LÓPEZ CAMPILLO,1972, 49). Este grupo pretendia disputar espaço com os órgãos de

imprensa ligados aos interesses dos grandes e médios “terratenientes”, como ABC, La

época, o El Debate (CHABÁS, 1952). A questão é que El Imparcial se aproximava

mais dos interesses agrícolas que dos industriais, o que inviabilizou a venda e resultou

na ruptura de Ortega com o órgão da família e na criação do diário El Sol em 1917.

18

Em nossa dissertação de mestrado, no sub-capítulo 3.1, que se refere às condições materiais da sua

existência, indicamos como a Revista de Occidente está diretamente ligada a este processo. (SANTOS,

2005)

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O jornal teve à sua disposição a tecnologia mais moderna, o que indica que

dispunha de consideráveis recursos financeiros, e se constituiu como um projeto

arrojado.

Tanto desde el punto de vista de la tipografía como de la información o de la

calidad de los colaboradores, este periódico representó un gran paso adelante

en la prensa española [...] entre los periódicos creados desde el final de la

primera guerra [...] es el que concede más importancia a la vida cultural.

(LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 50).

A experiência positiva de El Sol, ao se tornar um dos mais importantes de

Madrid, e o desejo do grupo de Urgoiti de expandir os negócios no mundo editorial

ocasionaram a fundação, em 1919, da editora Calpe. O novo empreendimento também

contou com a colaboração do intelectual, que dirigiu a coleção “Biblioteca de Ideas del

Siglo XX”. A expansão dos negócios levou Calpe a fundir-se com a editora catalã

Espasa, transformando “Espasa-Calpe” em um dos grandes grupos editoriais da época.

A criação de tal império não seria entendida sem a consolidação da autonomia

relativa do campo intelectual espanhol.

[...] a medida que se multiplican y se diferencian las instancias de

consagración intelectual y artística [...] y también las instancias de

consagración y difusión cultural, tales como las casas editoras, los teatros, las

asociaciones culturales y científicas, a medida, asimismo, que el público se

extiende y se diversifica, el campo intelectual se integra como sistema cada

vez más complejo y más independiente de las influencias externas [...], como

campo de relaciones dominada por una lógica específica, la de la competencia

por la legitimidad cultural. (BOURDIEU, 1967, 137)

Algumas destas condições aparecem plenamente no início do século XX, quando

se criou uma série de instituições, muitas delas a partir da constituição do “Ministerio de

Instrucción Pública” e da JAE (Junta de Ampliación de Estudios e Investigaciones

Científicas). A partir de 98 e através do trabalho da JAE a velha universidade da

Restauração se renova pouco a pouco em prol de preocupações técnicas e científicas.

Entre 1910 y 1923 los nuevos profesores impulsaron laboratorios, seminarios,

bibliotecas y revistas. La ciencia española sacudió el marasmo en que había

vivido, y sobre todo en los campos de la filología, arqueología, historia, arte,

matemáticas y ciencias naturales labró profundos surcos que la empalmaron

con la extranjera (VINCENS VIVES, 1985, 365)

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Do mesmo modo, o público leitor aumentava progressivamente. Apesar do alto

índice de analfabetismo no país, surge uma crescente demanda de uma classe intelectual

em florescimento, fruto da modernização iniciada desde as lutas da ILE. E é justamente

deste abismo entre uma massa pouco mais que alfabetizada em alguns casos e uma

classe média recém especializada, que surge o novo tipo de intelectual que escreve para

um jornal determinado. Em vez de figuras individuais à procura de um espaço para

colocar o seu artigo, o novo intelectual se representa dentro do seu coletivo de idéias, ou

seja, do seu grupo intelectual, através das seções de opinião, nas quais publicará com

assiduidade. (SANTOS JULIA, 2006, 166)

À diferença dos anteriores, também não escreverá sobre tudo. Como

consequência da sua especialização técnica, cada intelectual abordará temas sobre os

quais está autorizado, diante de um público que a partir de então também está

autorizado a exigir a competência técnica de quem escreve. No caso de Ortega, seria

através das páginas de El Sol que grande parte desta minoria seleta imbuída de guiar os

destinos da nação expressaria tanto as expectativas quanto as frustrações em relação às

suas últimas esperanças de que a monarquia mesma propusesse as bases da reforma

parlamentar democrática que tanto esperavam. Só que o ano agora era o de 1918, e o

contexto o fim da 1ª guerra mundial. A vitória dos aliados foi lida como a vitória final

do novo sobre o velho regime e a expectativa girava em torno à chegada das mudanças à

Espanha.

Com a queda das dinastias alemã (Hohenzollern), Austro-Hungara (Habsburgos)

e russa (Romanov) era inevitável a modernização nacional, para a qual Ortega chega a

divulgar um “programa mínimo: “reforma constitucional, descentralización, política

social. (El sol, 4/11/1918 apud SANTOS JULIA, 2006, 172). O problema é que para

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Ortega esta reforma só poderia ser realizada pela minoria seleta, a quem cabia guiar os

destinos da nação. Sendo assim, as mudanças não viriam de baixo para cima, uma vez

que a massa não estava apta para reivindicar nada, principalmente depois dos episódios

de manifestações populares da greve geral e da semana trágica, os quais a

intelectualidade pequeno-burguesa observa com terror. O que desejam “es que el rey,

clave de arco de la vieja política, llame a Melquíades Álvarez y le confiera el cargo de

formar Gobierno con objeto de convocar elecciones a Cortes Constituyentes para acabar

de una vez con la vieja política.”(SANTOS JULIA, 2006, 172)

Claro que as mudanças não chegaram e, depois de uma série de governos de

concentração e alternâncias de ministros (todos figuras recorrentes da Restauração:

Maura, Romanones, Dato, entre outros) o tempo passou e na Espanha, como sempre,

“no pasó nada”. O entusiasmo cede lugar à decepção, posto que não se viabilizaram as

mudanças estruturais de que o país tanto necessitava. É neste panorama, mistura de

florescimento intelectual e descrédito das instituições políticas que representam o poder,

incluídas aqui a Monarquia e a figura do Rei, os partidos de turno e o próprio sistema

parlamentarista, aliado ao desgaste político e social provocado pelos acontecimentos de

1917 (greves) e de 1921 (desastre de Annual), que se instalaria o Golpe militar do

General Primo de Rivera.

2.2 CHEGA A DITADURA

Em 13 de setembro de 1923, o General estabelecia o Estado de Guerra em

Barcelona e lançava um manifesto aos espanhóis, no qual apresentava o seu governo

como uma alternativa não desejada, mas necessária para resolver a profunda crise em

que se encontrava a nação. Sua missão consistia em libertar a Pátria “de los

profesionales de la política, de los que por una u otra razón nos ofrecen el cuadro de

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desdichas e inmoralidades que empezaron el año 98 y amenazan a España con un

próximo fin trágico y deshonroso.” (PRIMO DE RIVERA, 1923, s/n). Assim

caracterizava a Ditadura como uma solução provisória, encarregada de manter a ordem

pública até que, em breve tempo, o país dispusesse de “hombres rectos, sabios,

laboriosos y probos, que puedan constituir ministerio a nuestro amparo, pero en plena

dignidad y facultad para ofrecerlos al rey por si se digna aceptarlos.” (PRIMO DE

RIVERA, 1923, s/n).

Não é difícil observar nestas linhas a representação dos anseios de uma tradição

regeneracionista: combate à incompetência e corrupção políticas, crise da nação (com

alusão explícita ao ano de 98) e no aparecimento de um cirurgião de ferro, que tomaria

as rédeas da situação até a constituição de uma classe intelectual capaz de guiar o país.

“Basta ya de rebeldías mansas, que, sin poner remedio a nada, dañan tanto y más la

disciplina que esta recia y viril a que nos lancemos por España y por el rey. (PRIMO

DE RIVERA, 1923, s/n).

Parece que nisto de “melhor uma rebeldia viril do que um monte de bravatas de

jornal” coincidiu uma grande parte da intelectualidade, que compactuou com o sistema

desde o começo, como Ortega. Em sua primeira intervenção pública após o golpe, o

ensaísta via neste a possibilidade de acabar com o velho parlamentarismo corrupto dos

partidos liberal e conservador. “Alfa y omega de la faena que se ha impuesto el

directorio militar es acabar con la vieja política” [...] a un propósito tan excelente, no

cabe ponerle reparos. (ORTEGA Y GASSET, 1946, 176) Como ele, os colaboradores

de El Sol também plasmavam a sua esperança em torno às mudanças que poderiam

derivar do novo governo. Através do próprio editorial do jornal reconheciam que o que

seria destruído com a nova ditadura não era em si um regime parlamentarista e sim, na

melhor das hipóteses, “un seudoliberalismo” (SANTO JULIÁ, 2006, 176)

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Mas o consentimento viria não só das páginas da publicação liberal.

Representante do nacionalismo catalão, o presidente da Mancomunitat de Cataluña

(órgão administrativo criado em 1914) Josep Puig i Cadafalch dizia ao General que,

diante do dilema de optar entre “un hecho extralegal y la corrupción”, se decidiria pelo

primeiro, desde que Primo de Rivera levasse em consideração as questões regionais na

construção do futuro Estado. (SANTOS JULIÁ, 2006, 177) Suas expectativas seriam,

talvez, as primeiras a se verem frustradas, uma vez que em questão de 3 meses o novo

governo diria a que veio, iniciando o processo de dissolução da Mancomunitat.

Mais longa foi a colaboração socialista, apesar das divergências entre os

oriundos da tradição parlamentar (Indalecio Prieto y Fernando de los Ríos), contrários

ao reconhecimento do governo, e os sindicalistas (Largo Caballero) da UGT, mais

propensos a colaborar com o regime. A participação se deu em torno da política sindical

de Primo de Rivera, que estabelecia uma organização vertical (constituída com o

mesmo número de representantes patronais e sindicais) que partia dos comitês paritários

(locais) até chegar a um conselho de corporação de cada ofício, cuja presidência era

nomeada pelo governo. (QUEIPO DE LLANO, s/d, s/n). Na verdade mais do que uma

esperança nas transformações políticas a serem postas em prática pela ditadura, a

colaboração socialista se baseava no fato de que para o socialismo tanto Monarquia

quanto República eram, em última instância, formas de governo burgueses, que não

atendiam às necessidades do proletariado. De qualquer forma a sua posição

colaboracionista se alterou a partir de 1928, quando se convocou uma Assembléia

Nacional escolhida indiretamente e o PSOE se recusou a participar. A partir de então e

com a crise da ditadura, os socialistas tomam o rumo do republicanismo.

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Poucos foram os intelectuais que se manifestaram contra o regime desde o

começo. Sem considerar os anarquistas e comunistas19

, relegados à ilegalidade desde o

começo, destacou-se caso de Miguel de Unamuno, que pelas suas declarações foi

desterrado em Fuerteventura, de onde não deixaria de se posicionar criticamente. No

entanto, o modo isolado de ser intelectual, característico do reitor salmantino e sua

geração, não representava uma ameaça em potencial, pelo menos não como articulador

de um movimento que derrubasse não só a ditadura como também a monarquia.

Este era o perfil mais adequado para Manuel Azaña, quem ao início da Ditadura

abandonaria o partido reformista e se lançaria, junto a José Giral e Enrique Martí Jara, à

formação de Acción Republicana. Este era um grupo pequeno em sua origem, mas que

se converteria em partido20

importante durante as transformações de 1930/31 e os anos

da Segunda república. Apesar de coincidir com muitos intelectuais da sua geração e de

gerações anteriores em que o atraso espanhol se devia à distância que separava

historicamente a pátria do desenvolvimento europeu, o caminho para a solução era

diferente. Defensor da democracia, Azaña acreditava que o problema de Espanha não se

resolveria nem com escolas e despensas, nem com a criação de uma minoria seleta.

Ainda que estas fossem questões importantes para o jurista, essencialmente se tratava de

uma questão de Estado, ou seja, da reformulação da estrutura do poder, o que não se

resolveria por si só com mais escolas ou um com grupos de intelectuais que atuassem

desde o seu campo especializado, mas sim com democracia. À diferença dos senhores

de 98 e de Ortega, a sua trajetória inevitavelmente teria que rumar para a ação política.

(SANTOS JULIA, 2006)

19

O Partido Comunista da Espanha (PCE), recém criado em 1921, não constituiria uma força de grande

expressão no período. 20

Acción Republicana se converte em partido só em 1930, pelo qual Manuel Azaña se candidata nas

eleições de1931 e pelo qual chegará a ser presidente da República

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Se em 1913, assim como Ortega - ou influenciado por ele, como quase todos os

de sua geração, o futuro presidente tinha tomado o rumo do reformismo, na expectativa

de que a democracia chegasse sem derramamento de sangue, em 1923 Azaña pediu o

desligamento do Partido e se colocou na primeira fila da oposição à ditadura. Na sua

concepção já não era possível nenhuma transformação dentro dos limites da Monarquia,

uma vez que enxergava no Rei a responsabilidade, se não pelo golpe, pela legitimação

do poder de Primo de Rivera. A partir deste momento se dedicaria a organizar os

republicanos e reeditar a aliança republicano-socialista de 1909, pois entendia que estas

eram as duas forças capazes de derrotar a Monarquia.

Até então, observamos como desfilavam pelo cenário político nacional figuras já

conhecidas do campo intelectual espanhol, com mais ou menos idade e com diferentes

formas de atuação. Diferente, pois, era o panorama da nova geração. Os nascidos por

volta do início do século e que iniciam sua produção sem preocupação outra que a

questão estética das suas obras até descobrirem o povo nos anos 30 (SANTOS JULIA,

2006, 227).

Estes intelectuais são os que se encontraram em Madrid, oriundos de diversos

lugares da Espanha, e viveram na juventude a modernização da cidade: o aumento da

população, a criação da Gran Vía, como novo espaço de circulação, o trânsito de carros

e bondes e a construção do edifício Telefónica, primeiro arranha-céu da Europa (ABC,

2010). Se sentiam à vontade, portanto, dentro desta modernidade, como afirma Rafael

Alberti

Yo nací - !respetadme! – con el cine.

Bajo una red de cables y de aviones.

Cuando abolidas fueron las carrozas

de los reyes y al auto subió el Papa.21

21

Este poema e uma série de comentários de alguns autores da Geração de 27 citados à continuação

foram extraídos de uma entrevista de Luis García Montero a Rosa Chacel, Rafael Alberti, Francisco

Ayala e José Bello. Intitulado “Memoria viva del 27”, o texto está publicado no volume monográfico

sobre o tema da revista Cuadernos Hispanoamericanos (ver referência completa no final deste trabalho).

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À essa urbanização da cidade correspondia uma urbanização da vida intelectual,

fruto de uma abertura que começou com a ILE e que mostrava os seus frutos numa

geração que dispunha de espaços diversificados para se encontrar e trocar idéias. Desde

os lugares institucionais como a Residencia de estudiantes, onde viveram Lorca, Luis

Buñuel e Salvador Dali, o Centro de Estudios Históricos ou as bibliotecas públicas, até

os espaços das tertúlias do Café Pombo ou de algumas revistas, como a própria Revista

de Occidente, se misturava o debate entre as duas gerações anteriores e as novas

tendências de vanguarda. Porque esta geração, desavenças e naturais debates à parte,

não precisava negar os anteriores para afirmar os seus propósitos.

Ao contrário, as leituras de Unamuno, Machado, Juan Ramón Jiménez ou

Gómez de la Serna foram consideradas parte da sua bagagem cultural. Se tratava de

uma “República das Letras”, segundo Francisco Ayala (MONTERO, 1993, 17) marcada

pelo grande interesse literário e científico e fomentada pela amizade. “La seguridad que

proporciona situarse en una tradición creadora se multiplicaba con la solidez de los

vínculos afectivos que traban así que se conocen. (SANTOS JULIA, 2006, 235)

Se até agora viemos adotando o conceito de geração, apesar das limitações já

referidas, seria natural que seguíssemos o mesmo caminho, mas como o conceito de

Geração de 27 se aplica, com frequência, apenas a um grupo de poetas, que se destaca

neste período, evitaremos o termo. Mesmo conscientes de que o que estamos relatando

brevemente é a trajetória de uma parte da intelectualidade espanhola que surge neste

momento, não mencionando, por exemplo, a “outra geração de 27”22

, entendemos que o

uso de tal terminologia excluiria de nossa análise nomes importantes como alguns já

citados: Buñuel, Dali, Francisco Ayala e Rosa Chacel. O que tratamos de retratar,

22

Termo a que se refere a uma série de escritores, principalmente romancistas, que não se inserem na

perspectiva associada à definição de arte desumanizada de Ortega. (BOETSCH, 1998, 22)

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portanto, é este espírito de efervescência cultural e de fraternidade que marca a década

de 20 e que aos poucos cederá lugar ao tipo de intelectual comprometido.

Seguindo o entusiasta esteticismo das vanguardas iniciais e da proliferação da

vida acadêmica e literária estes jovens se depararam no meio do caminho com a com as

novas manifestações populares, com as manifestações estudantis de 1929, fruto da crise

da Monarquia nos últimos anos da ditadura. Da sua torre de marfim, de repente são

impelidos a se misturarem com o povo, a rehumanizar a sua arte e a vida.

A estas alturas, até os que inicialmente não se opuseram a ditadura, como

Ortega, pertenciam ao coro da oposição. Assim sendo, uma série de intelectuais, de

gerações diferentes, chegava a 1930 com uma reivindicação comum na bagagem:

derrotar a Monarquia e proclamar a República.

No início deste capítulo aludimos à ideia de uma “história dos intelectuais sem a

massa” mas só agora podemos esclarecer o significado de tal expressão: o que vimos foi

(talvez à exceção dos recém-chegados) a trajetória de um setor da intelectualidade que

em grande medida evitou o contato com a massa e que, até o advento da República não

precisou encará-la como problema seu.

Vimos, brevemente, como o desenvolvimento do capitalismo na Espanha se deu

principalmente depois do começo da Primeira Guerra Mundial e foi nesse processo que

aumentou consideravelmente a concentração nas cidades. Isto não quer dizer que não

houvesse manifestações de massa antes, ou que esta não existisse como conceito. Fosse

em 1909, na semana trágica de Barcelona, ou em 1917, nas greves, a massa já estava ali.

Mas a questão é que até 1930 esta não era um problema direto a resolver, uma vez que

aqueles intelectuais não estavam dentro das esferas de poder. Podiam analisá-la, criticá-

la, mas ao mesmo tempo manter-se distantes. Podiam se lançar ao debate na defesa do

caso do professor Ferrer, mas o faziam desde a sua posição de intelectuais, desde este

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lugar superior e etéreo, que até se solidariza, mas não se mistura com os verdadeiros

anseios da maioria.

O problema é que a partir de 1930/31 isto se tornou impossível porque a massa,

paradoxalmente, se converteria em aliado e em problema ao mesmo tempo. A conquista

do poder político pela burguesia implicava que agora ela teria que governar para essa

massa que detestava, que lhe provocava repulsa. Digo governar, não no sentido de fazer

o bem ou se preocupar pelo desenvolvimento coletivo e sim no sentido de que agora

todas as atitudes da massa se tornavam questões que passariam pelas decisões de quem

exercia o novo poder, a burguesia. Ser oposição era mais conveniente em certo modo, já

que se poderia gritar ou racionalizar soluções, mas estas sempre seriam tomadas por um

outro.

Ironicamente tinha sido a massa excluída dos projetos reformistas de 1914 e do

golpe de 1923 quem apontou a solução, votando e desautorizando a monarquia. A “via

pacífica”, tão elogiada, como se deu o trânsito para o novo sistema levava em si o germe

do seu paradoxo. A massa que derrubava o rei também passava a ser a massa com a qual

a República obrigatoriamente teria que lidar. Enquanto foram oposição, os intelectuais

podiam protestar distanciados da massa. Agora que “governavam” eram obrigados a se

relacionar com ela.

A democracia, como valor, se converte em problema, já que essa mesma

democracia traz a reboque o sufrágio universal, que por sua vez “dá poder as massas”.

Isto acontece porque “democracia”, no fundo, é um conceito relativo, só preenchido a

partir do sujeito que a proclama. Para uma burguesia opositora ao sistema monárquico,

em luta pela obtenção de um poder político referendado pelo domínio econômico,

democracia significa a ruptura da hegemonia do “sangue”, da linhagem. Neste caso, os

ideais de “igualdade, fraternidade e liberdade” são lidos como chave da disputa entre

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uma classe ascendente baseada na “igualdade do capital” frente a um estrato

descendente, baseado nos privilégios sanguíneos.

Quando a burguesia assume o poder este conceito libertador se converte em

ameaça. A democracia liberal se converte em “império das massas”. O sufrágio que

democratiza vulgariza a própria democracia. Contradições de uma intelectualidade que

ao mesmo tempo em que é profundamente burguesa, não consegue deixar de ser

“aristocrática”. Começava, então, efetivamente, em 1930 a Rebelião das massas

espanholas.

Como a partir de agora, entraremos no estudo dos anos específicos do nosso

estudo, passaremos a tratar das questões referentes ao campo intelectual espanhol e à

política mais geral dentro das análises do corpus à medida que forem necessárias. Este

procedimento é importante uma vez que estudar os textos lançados nas revistas culturais

implica estudar os sentidos que adquirem no momento da sua publicação. À diferença

do livro, estas são mais dinâmicas e intimamente ligadas ao contexto em que foram

geradas, pois se tratan de “publicaciones periódicas deliberadamente producidas para

generar opiniones (ideológicas, estéticas, literarias, etc.) dentro del campo intelectual.”

(ALTAMIRANO; SARLO, 1983, 96)

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2ª PARTE COMEÇA A REBELIÃO DAS MASSAS

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3. METODOLOGIA

Antes de iniciar a análise dos volumes estudados é preciso esclarecer a

metodologia aplicada. Ao afirmarmos em nossa dissertação de mestrado que a

construção do discurso da R. de O. passava pela escolha e seleção dos temas publicados,

definidos como princípios de “hierarqua e clareza”23

nos Propósitos da revista,

precisávamos definir que critérios utilizar para englobar tantos textos e observar as

afinidades entre eles24

.

O primeiro critério se relacionou à organização formal da publicação. O sumário

da R. de O. estava dividido em duas partes: artigos e notas, claramente diferenciados

pelo tamanho das letras e o espaçamento entre linhas 25

.

“A primeira parte continha, em geral, escritos de autores de reconhecida

importância, ou nomes jovens que a publicação pretendia destacar como

importantes. [...] Em geral eram textos mais longos (ensaios, capítulos de

livros, fragmentos de romances, ou romances curtos, obras de teatro) que

ocupavam cerca de 30 páginas, com exceção da poesia, que naturalmente

necessitava de um espaço menor, mas nem por isso menos importante. Quando

o texto era demasiado extenso a revista tinha o hábito de publicá-lo dividido

em duas, ou se fosse o caso, três edições.” (SANTOS, 2005: 71)

“Um dos principais instrumentos de orientação da leitura constitui a segunda

parte da revista, intitulada “notas”. Tratava-se, muitas vezes, de resenhas de

livros, mas também apareciam comentários sobre filmes, sobre os artigos

publicados na primeira parte da mesma ou de outras edições, sobre um evento

considerado importante, homenagens (por morte, recebimento de prêmios,...)

etc. Muitas vezes o estudo das notas relativas a um tema resultou ser mais

relevante, para nosso trabalho, do que a leitura dos artigos em si, uma vez que

revelavam o pensamento da revista sobre um tópico em específico, ou,

principalmente, porque demonstravam certa unidade de opiniões. Sob o rótulo

de “seção de notas”, revestidas de uma “diversidade aparente”, disfarçadas de

“pequenos” comentários secundários frente aos grandes “artigos”,

apresentadas em espaço e fontes menores, a Revista de Occidente construía o

seu discurso crítico.” (SANTOS, 2005: 76)

Como a relação entre forma e conteúdo é sempre uma relação de mútua

construção, em que o desenvolvimento de um responde e gera necessidades ao outro,

23

ver “esclarecimentos prévios”. 24

Como esta metodologia foi desenvolvida durante o mestrado, me pareceu interessante apresentar em

anexo o capítulo da minha dissertação referente ao tema. Ver anexo E. 25

Ver Anexos A, B e C.

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pode-se afirmar que o modo como a publicação se organizou respondia a necessidades

intrínsecas ao seu projeto. “A divisão em duas partes (artigos e notas) plasmava,

fundamentalmente, os processos de seleção e orientação propostos nos conceitos de

“hierarquia e clareza”. (SANTOS, 2005, 77)

Os dados quantitativos fornecidos pelo livro de López Campillo26

(número de

autores que publicaram, número de textos que publicaram, número de autores nacionais

e estrangeiros, por exemplo) nos ajudaram na construção de um panorama geral mas,

além dos números, ou melhor, diante dos números era preciso saber o que fazer.

Por isso elaboramos pequenos bancos de dados, separados por ano de

publicação27

, que nos fornecessem informações mais específicas como, por exemplo, se

o texto era sobre literatura (literário ou crítico), e em caso afirmativos se se tratava de

poesia ou prosa (dentro da prosa, se era biografia), se era filosófico, científico... Ainda

assim essas definições se mostraram igualmente confusas, uma vez que se revelou

muito difícil a separação estrita de tais textos, principalmente porque muitos se

encontram em fronteiras muito tênues como é o caso das biografias, ora “romanceadas”

ora mais “históricas”. Deste modo, dentro do critério “quantitativo” intervieram os

dados qualitativos fornecidos pela nossa leitura dos textos. Lidos dentro do contexto da

publicação os textos apresentam características que são suficientes para aglutiná-los em

grupos e ajudar nossa análise.

26

CAMPILLO, E. López. La revista de Occidente y la formación de las minorías. Madrid, 1972. É o

principal estudo publicado sobre a primeira etapa da Revista de Occidente. Na primeira parte a autora

traça um perfil da trajetória de Ortega y Gasset, examina algumas questões sobre o surgimento da

publicação (tais como, a intelectualidade da época, os primeiros passos e o público) e sobre os

colaboradores da revista. Na segunda parte, é feito um apanhado da “evolução” das áreas do saber

(filosofia, sociologia, literatura, historia...) dentro da R. de O. ao longo dos anos. Além disso, o livro

conta com um anexo sobre as coleções publicadas pela editora Revista de Occidente e uma lista dos

colaboradores e seus artigos publicados. Trata-se de um levantamento muito interessante, uma análise

quantitativa dos dados que nos serve como ponto de partida para uma apreciação qualitativa das

informações. Segundo a autora, a leitura dos artigos da R.deO. corrobora a intenção de “pluralidade”

definida no texto “Propósitos”, publicado no primeiro número. Nosso trabalho consiste em analisar como

por trás desta pluralidade se constrói um discurso unificado e bastante coeso, expressão de um projeto

político para a Espanha. 27

Nossa intenção é juntá-los no futuro.

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Também é preciso esclarecer o critério utilizado para as citações. Como o nosso

estudo partiu da análise das edições da Revista de Occidente num formato encadernado,

em que cada volume está composto de três edições, perfazendo um total de quatro

volumes por ano de publicação, as referências se fazem em relação à numeração dos

volumes e não a das edições mensais. Além disso, mantivemos a referência a estes

volumes como aparecem em espanhol, ou seja, representados pela palavra “Tomo”.

Assim numa citação (R. de O., t. XXIX, 1930, 40) nos referimos ao “tomo” (volume)

XXIX. Nosso objetivo foi somente facilitar a identificação visual entre a referência e a

forma como aparecem identificados os volumes.

Como em muitos casos aqui analisados a referência ao mês da edição se faz

importante, optamos por incluir estes dados nas primeiras citações de cada artigo ou

nota, no caso de que não haja alusão explícita ao período no corpo do texto. Esta

operação visa a facilitar o entendimento do leitor, a situá-lo cronologicamente no debate

da publicação.

Por fim, é importante ressaltar que a maioria dos dados aqui avaliados serão

fornecidos na medida em que forem necessários às análises. Deste modo, passaremos,

agora, ao estudo dos textos referentes aos volumes de 1930 e 1931.

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4. A MASSA

A massa [...] é uma metáfora do incognoscível e do invisível. Não podemos

ver a massa. Multidões podem ser vistas; mas a massa é a multidão em seu

aspecto metafísico – a soma de todas as multidões possíveis, e isto pode

assumir forma conceitual apenas como metáfora. A metáfora da massa serve

aos propósitos da auto-afirmação individual porque transforma as demais

pessoas em um conglomerado. Nega-lhes a individualidade que atribuímos a

nós mesmos e às pessoas que conhecemos. (CAREY, 1993, 27)

A historia da “massa”, e o da racionalização deste conceito, se insere nas

profundas transformações sociais da segunda metade do século XIX, com a

consolidação do desenvolvimento industrial e o consequente aprofundamento das

contradições do sistema capitalista, cujo ponto de partida é a “desencantada reflexão de

liberais franceses e ingleses no convulsivo período pós-napoleônico que vai da

Restauração à Revolução de 1848” (MARTIN-BARBERO, 2008, 52) É nesta mistura

de decepção com o caos social gerado pelo progresso e medo à multidão que

conformam as classes trabalhadoras, que se desenvolve “um movimento intelectual que,

a partir da direita política, trata de compreender, de dotar de sentido o que está

acontecendo.” (MARTIN-BARBERO, 2008, 53)

Do povo heróico conduzido pela liberdade do quadro de Delacroix às barricadas

na Paris de 1848, o que se observa não é só uma transformação no modo como a

burguesia percebe e se relaciona com a multidão empobrecida pelos efeitos do sistema

capitalista, mas também uma modificação na forma como se dão as relações “entre

práticas culturais e movimentos sociais” que revelam a passagem do popular ao massivo

ressituando o problema “no espaço histórico dos deslocamentos da legitimidade social

que conduzem da imposição da submissão à busca do consenso.” (MARTIN-

BARBERO, 2008, 131) É neste processo de luta pela hegemonia que se inserem os

discursos que procurariam identificar e realizar uma verdadeira análise de um fenômeno

então emergente e assustador. Desde a declaração de guerra às massas por homens

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superiores postulada por Nietzche, passando pela análise da democracia americana de

Tocqueville como a “tirania das maiorias” até a psicologia das massas de Gustave Le

Bon, se produz esta abstração da massa a partir das multidões que permeará boa parte

do imaginário burguês mais conservador até a Segunda Guerra Mundial.

Nesta linha se desenvolve o pensamento de Ortega, que se dedica à questão das

massas em dois textos fundamentais para a compreensão das suas idéias políticas:

Espanha Invertebrada e A rebelião das massas28

. Ambos os textos se originam de

artigos publicados por Ortega no Diário El Sol e partem da ideia fundamental de Ortega:

o que caracterizava a sua época era o Império das massas, maioria de pouca capacidade

intelectual que passou a controlar os destinos das nações.

O capítulo inicial de “A rebelião das massas” se intitula “o fato das

aglomerações” e sua observação inicial é a de que “as cidades estavam cheias de gente”.

Ortega parte de um fato visível real, identificando as massas com as multidões que

invadem “os hotéis, os trens, os cafés, as salas dos médicos famosos, os espetáculos ou

as praias”. Mas para Ortega a novidade não era a existência de muita gente, embora

reconhecesse que tal “maioria” vinha se multiplicando com uma velocidade assustadora:

a população européia tinha passado em pouco mais de um século de 180 para 460

milhões de habitantes!“(ORTEGA Y GASSET, 1930, 72). O problema era que aquela

gente passara a existir como multidão, isto é, ela tinha se tornado visível.

Los individuos que integran estas muchedumbres preexistían, pero no

como muchedumbre. Repartidos por el mundo en pequeños grupos, o

solitarios, llevaban una vida, por lo visto, divergente, disociada, distante. Cada

cual [...] ocupaba un sitio, tal vez el suyo, en el campo, en la aldea, en la villa,

en el barrio de la gran ciudad.

28

Neste momento analisaremos especificamente a questão da massa. Outros aspectos igualmente

importantes dos textos serão abordados mais adiante. Como a concepção de massa é a mesma nos dois

trabalhos e a diferença entre eles é que o segundo é um desenvolvimento mais aprofundado das questões

que já estavam em “Espanha invertebrada”, com uma maior análise do cenário mundial, utilizaremos

citações de ambos para caracterizar o pensamento de Ortega y Gasset sobre o tema.

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Ahora, de pronto, aparecen bajo la especie de aglomeración, y

nuestros ojos ven dondequiera muchedumbre. ¿Dondequiera? No, no;

precisamente en los lugares mejores, creación relativamente refinada de la

cultura humana, reservados antes a grupos menores, en definitiva, a minorías.

(ORTEGA Y GASSET, 1930, 11)

A heresia consistia justamente nesta inversão de papéis, pois, na concepção

orteguiana, a historia da organização social dos homens se regia pela relação entre uma

maioria vulgar, de capacidade intelectual limitada e destinada a saber obedecer, e uma

minoria seleta, cuja função era guiar as massas e cuja característica era saber mandar.

Esta relação se daria em uma espécie de “forma natural” em que a massa, reconhecendo

a superioridade da elite intelectual, reconheceria também o seu direto a mandar.

Ocorreria uma articulação entre o que autor chamava de “exemplaridade e

docilidade”. Diante da presença de um ser superior, o homem exemplar, a admiração

que este suscitava em uma pessoa inferior a levaria a reorientar a sua vida de modo a

segui-lo de forma dócil. “He aquí el mecanismo elemental creador de toda sociedad; la

ejemplaridad de unos pocos se articula en la docilidad de otros muchos. El resultado es

que el ejemplo cunde y que los inferiores se perfeccionan en el sentido de los mejores.”

(ORTEGA Y GTASSET, 1922, 64)

Aqui entronca o pensamento de Ortega com o arquétipo de Jung

“Esta capacidad de entusiasmarse con lo óptimo, de dejarse arrebatar por una

perfección transeúnte, de ser dócil a un arquetipo o forma ejemplar, es la

función psíquica que el hombre añade al animal y que dora de progresividad a

nuestra especie frente a la estabilidad de los demás seres vivos”. (ORTEGA Y

GASSET, 1922, 64)

Estes arquétipos existiam desde o início da organização social do homem,

convertidos depois em mitos e lendas, funcionando como aglutinadores da espécie em

torno ao exemplar mais perfeito. Quando as massas se rebelam, isto é, quando se

negam a ser massas e se tronam indóceis, começa a dispersão dos indivíduos e a

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decadência do Estado. Esta era a situação da Espanha, e da civilização ocidental, para

Ortega.

5. A MASSA NA REVISTA DE OCCIDENTE

Os dados quantitativos aportados não só pelo livro de LÓPEZ CAMPILLO, mas

também pelo nosso “banco de dados” revelam em 1930 uma distribuição de textos que

apontam continuidades e mudanças no perfil da publicação, se comparado ao ano

anterior. O estudo das edições de 1930 é emblemático no sentido de que este ano é

apontado pela crítica como o ano do “giro estético” (mudança estética), ou seja, aquele

que marca o aumento crescente da preocupação “política” na revista. Junto aos anos de

1929, já estudado em nossa dissertação, 1931 e 1932 (ano do retraimento de Ortega),

nosso trabalho procurou observar as transformações pelas quais passou a Revista de

Occidente no intervalo de tempo marcado pelo início da oposição de Ortega y Gasset à

Ditadura de Primo de Rivera, com o episódio da sua demissão da Universidad central de

Madri, até a decepção com a República, marcada pela publicação de “Rectificación de

la República”, no final de 1931, cujo impacto se verifica nas edições de 1932.

Tais transformações se relacionam não só ao conteúdo dos textos apresentados,

mas também à presença de una nova seção intitulada “Visto y oído”, ao debate sobre o

papel da arte, e da literatura em especial, e à reorganização do campo intelectual rumo à

polarização que caracterizaria a Guerra Civil. Entender este momento da publicação

como um momento de redefinições e, portanto, de transição, é muito importante na

medida em que não deixa escapar “um dos elementos essenciais da produção cultural: a

inovação no momento em que acontece; a inovação em processo.” (WILLIAMS, 2000,

198)

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Em termos de continuidade se observa, de um lado, o grande espaço dedicado à

literatura, que ocupa aproximadamente cinquenta por cento dos textos publicados

(sejam textos literários ou textos críticos), e a manutenção de um bom espaço para a

biografia até 193129

. De outro, prossegue a forte presença de textos sobre

fenomenologia, acompanhada, no entanto, da diminuição de escritos sobre a nova física

quântica e o seu impacto na filosofia30

.

O foco se desvia de um debate mais teórico acerca dos postulados filosóficos da

fenomenologia e da elevação da filosofia à categoria de ciência, autorizada pelas

recentes descobertas no campo da física, para destacar a importância da redução

fenomenológica como método. Tal operação já tinha começado em 1929 com a

publicação em novembro e dezembro do artigo “El asco” (“O nojo”), de Aurel Kolnai

(R. de O., t. XXVI). Como parte da função de orientar a leitura, a publicação inseriu una

pequena introdução ao texto, estabelecendo a relação entre a corrente filosófica antes

apresentada e o interesse específico que ela suscita.

La corriente fenomenológica suscitada en Alemania por Edmund Hüsserl (del

cual esta Revista ha publicado su famosa obra Investigaciones lógicas) ha

logrado sus mejores resultados en la descripción de los sentimientos humanos.

Como ejemplo de análisis fenomenológico publicamos el siguiente de Aurel

Kolnai sobre un sentimiento, tan indescriptible a primera vista. En este análisis

se puede ver de qué manera la fenomenología descubre valores y leyes

objetivas determinables científicamente en lo que, como los sentimientos,

parecía vago, fluctuante, subjetivo, caprichoso. (R. de O., t.XXVI, nov. 1929,

161)

Deste modo, o direcionamento iniciado em 1929 se consolida em 1930 como

uma tendência a um distanciamento da questão filosófica mais metafísica e uma

aproximação às questões mais concretas do ser humano, seja no plano do indivíduo ou

29

Sobre o papel da biografia romanceada na Revista de Occidente, ver SANTOS, 2005, cap. 6 30

Em nossa dissertação estabelecemos a relação entre a crise do sujeito e as descobertas da nova física: a

teoria da relatividade, o princípio da incerteza, a idéia de que a matéria é constituída de energia. Se em

1929 se publicaram 5 artigos e duas notas, em 1930 aparecem somente dois artigos: “Continuidad e

individualidad en la física moderna”, de Luis de Broglie (R. de O., t. XXVII), e “La ciencia y el mundo

invisible”, de Eddington (R. de O., t. XXIX).

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no seu aspecto coletivo: por um lado certo psicologismo dos sentimentos e por, outro a

questão do Estado.

5.1 A PSICOLOGIA DAS MASSAS

Como “psicologismo dos sentimentos” caracterizamos não só os artigos e notas

cujo discurso se insere no âmbito da psicologia como ciência (textos normalmente

escritos por intelectuais especializados nessa área do conhecimento), entre os quais se

incluem os de fenomenologia clínica31

, y caracterologia32

, mas também aqueles que de

alguma forma apresentam questões ligadas à psicologia ainda que esta não seja o foco

principal do assunto (como podem ser textos filosóficos, antropológicos,

sociológicos...).

Com tal preocupação aparecem em 1930 seis artigos e duas notas: “Lugar del

amor en la vida humana” (Bertrand Russel, t. XXIV, jan.), “El esnobismo como fuerza

intelectual en el mundo” (Franz Werfel, t. XXVIII, maio), “Las sensaciones táctiles”

(nota de Ledesma Ramos sobre el libro de David Katz, El mundo de las sensaciones

táctiles, t. XXVIII, jun.), “El origen del pudor” (nota de Juan Dantín Cereceda sobre

livro homônimo de Enrique Casas Gaspar, t. XXIX, ago.), “Fragmentos sobre la

angustia” (Soren Kierkegaard, t. XXX, nov.), “La psicología del llanto” (B. Schwartz, t.

XXX, dez.), Climaterio de la cortesía (G. Pittaluga, t. XXX, dez.).

31

A fenomenologia clínica surge fundamentalmente como aplicação do método de redução

fenomenológica (Husserl) aos fatos psíquicos, cuja operação consiste em “en abordar las realidades, sean

externas y objetivas o precisamente íntimas y subjetivas, observándolas, con completa imparcialidad, tal

como aparecen, excluyendo cualquier juicio de valor y las posibles relaciones de causa o efecto con otros

hechos.” Como antecedentes, além de Husserl, se situam a filosofia do ser de Nicolai. Hartmann e

principalmente as idéias de Max Scheler, da qual parte uma “fenomenologia dos sentimentos”, em cuja

linha se observam os trabalhos de David Katz, promotor da psicologia da Gestalt, sobre a fenomenologia

das cores, e os de Merleau-Pointy sobre a percepção. (Enciclopedia GER). 32

Caracterología - Comprende los estudios relativos a lo que hay de específico en las diferentes

variedades de individuos y a lo originalmente personal de los mismos; es, pues, el conocimiento y

clasificación de los caracteres, tema implicado con el de los temperamentos, por lo que existen diversas

clasificaciones según que los autores asimilen más o menos el carácter (v.) al temperamento (v.) o

viceversa. (Enciclopedia GER).

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Em 1931 contamos cinco artigos: “Esquema de los problemas prácticos y

actuales del amor” (Rosa Chacel, t. XXXI, fev.), “La templanza” (Valentín Andres

Alvarez, t. XXXI, fev.), “Berlín 1931” (Máximo José Kahn, t. XXXI, mar.), “El hombre

arcaico” (Jung, t. XXXII, abril) e Amiel. Un estudio sobre la timidez (Gregorio

Marañón, t. XXXIV, dez.), além de um comentário da Revista a respeito da intenção de

publicar um número monográfico sobre Max Scheler (t. XXXIV, nov.)33

.

Em comum essas análises se relacionam com uma preocupação em identificar

características do ser humano em estreita ligação com os valores éticos modernos.

Assim se parte de determinado sentimento, ou sensação, para identificá-los a

degenerações dos valores morais da sociedade de então. A partir das questões sobre o

amor, ou o pudor, ou ainda o esnobismo se encontram valores negativos de uma

sociedade que favorece o maquinismo, a mecanização do homem em detrimento da sua

capacidade criadora universal. Cabe lembrar que não é nosso objeto de estudo proceder

a uma profunda análise das correntes científicas e filosóficas citadas em relação com os

debates específicos de seus respectivos meios acadêmicos. Nos referiremos a elas a

partir da leitura que a Revista de Occidente faz de tais questões, entendendo que assim a

publicação constrói o seu discurso a fim de se posicionar no campo intelectual.

Sendo assim, ao mesmo tempo em que a publicação incluía uma considerável

série de análises fenomenológicas, em consonância com a importância dada ao método

em 192934

, podia permitir a inserção de outros textos relativos à preocupação com os

sentimentos que complementassem o debate. O caso de Kierkgaard é significativo, uma

vez que cronologicamente não pertence ao debate fenomenológico, mas aporta uma

33

Neste comentário a publicação reafirma a intenção de produzir tal número monográfico, mas lamenta

que as urgentes ocupações e preocupações de “caráter nacional” dos principais colaboradores da revista

impeçam a sua realização imediata. Tais ocupações se referem ao envolvimento do grupo de Ortega na

elaboração da nova Constituição republicana, como veremos mais adiante. 34

Como afirmação sobre a importância do método fenomenológico aparecem em 1930 o artigo Ludwig

Klages y su lucha contra el "espíritu" (Gerda Walther, tomos XXIX e XXX, setembro e outubro, 1930), e

duas notas escritas por Ramiro Ledesma Ramos, “De Rickert a la fenomenología” (tomo XXVIII, abril

1930) e “Esquemas de Nicolai Hartmann”

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importante discussão que não só analisa o sentimento da angústia mas que o eleva como

motor da vontade humana e deste modo se insere no debate com os demais textos em

relação ao estudo dos sentimentos humanos. 35

Tal também é o caso do artigo “Lugar del amor en la vida humana” (Bertrand

Russel, R. de O, t. XXIV, jan. 1930) Para Russell, por uma lado, a exaltação do dinheiro

e do trabalho e o excessivo individualismo da época impedem que o ser humano cultive

o amor, “el medio principal de librarse de la soledad que aflige a casi todos hombres y

mujeres, durante la mayor parte de su vida [puesto que] [...] derriba las fuertes murallas

en que el yo está encastillado.(R. de O., t. XXIV, 1930, 04). Por outro, tanto a educação

convencional e a doutrina cristã, quanto a “confusa rebelião contra toda moral sexual”,

presente entre juventude, constituem empecilhos para a vivência do amor segundo os

seus ideais próprios e a sua moral intrínseca. Homens e mulheres se encontram, assim,

frustrados: os primeiros, obrigados a viver exclusivamente para o triunfo econômico,

relegando a vida matrimonial, e sexual, a segundo plano; as segundas, impedidas de

encontrar o amor, pois são cerceadas pela exigência da virgindade.

“Si una muchacha ha de llegar virgen al matrimonio, ocurrirá muy a menudo que

se deje prender en una atracción sexual pasajera y fútil, que una mujer con experiencia

distinguiría fácilmente del amor”. .(R. de O., t. XXIV, 1930, 06). Não se trata de fazer

apologia do sexo indiscriminado, mas de reconhecer a sexualidade como item

importante das relações amorosas, que devem ser “livres, generosas, sem travas e de

“todo o coração”.

La significación pecaminosa que una educación convencional confiere al

amor, incluso al amor en el matrimonio, obra a menudo subconscientemente

en los hombres como en las mujeres, y en aquellos cuyas opiniones

conscientes son libres como en aquellos en los que se adhieren a las

tradiciones rancias. .(R. de O., t. XXIV, 1930, 06).

35

. Poder-se-ia alegar que o objetivo da inclusão fosse divulgar a publicação, no mesmo ano, do livro El

concepto de la angustia, de Kierkgaard, pela Editora da Revista de Occidente mas, na verdade é a

publicação do livro que revela a intenção de apresentar a obra do autor.

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Tratando do mesmo tema, mas sob uma perspectiva fenomenológica, Rosa

Chacel, no ano seguinte, aborda a questão do amor de um ponto de vista mais

metafísico. Sua tese é a de que a questão da dificuldade de que o ser humano consiga

amar consiste não em uma diferenciação de que existam a priori características inerentes

do sexo masculino e do sexo feminino, como, segundo a autora, defendem Simmel e

Jung, mas sim a partir da dificuldade que um ser em sua individualidade seja capaz de

compreender suficientemente outra individualidade “modalmente diferente de la mía

para poder ponerme en su lugar, aún concibiéndole como otro que no soy yo, como

diferente de mí mismo, afirmando al mismo tiempo con calor emocioal y sin reserva

alguna su realidad, su modo de ser” (R. de O., tomo XXXI, 164)

Sua teoria parte de Max Scheler para afirmar que a retração da alma e da

consciência a um centro íntimo, fenômeno que caracterizaria a época, constituem um

retrocesso, uma volta ao ponto de partida que só se faz quando se pretende avançar

rumo ao seu “sentido interno”.

Mediante la posesión y reconocimiento de su yo íntimo, el hombre concibe la

identidad y la diferencia de otros orbes externos. Scheler define la conciencia

de esa identidad de este modo: „El otro, en tanto que hombre, en tanto que ser

viviente, posee el mismo valor que tú; todo valor que te es exterior debe ser

situado en el mismo rango que los valores que te son propios‟. (R. de O., tomo

XXXI, 164)

Mas, a diferença do próprio Scheler, e de Russell, Rosa Chacel não vê em

termos de aspectos sociais, ou culturais, as dificuldades das relações amorosas. Não se

trata da idealização da mulher em épocas anteriores, nem da supervalorização da

importância social da mulher levada a cabo pelo movimento feminista, nem, muito

menos, da “virilização” dos valores de então, como sinônimos de “cerebralização,

tecnicismo, praticismo ou finalismo” (este último o centro da discordância com

Scheler), o problema pertenceria a uma espécie de plano “supra-social”, uma vez que

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“este prurito de hallar el alma individual exenta de toda posible clasificación o

jerarquización que no estribe en su singular esencia, es el verdadero móvil íntimo de

nuestra época.”36

(R. de O., tomo XXXI, 165)

Em comum os dois textos apresentam a preocupação em identificar as causas de

uma crise de valores que marcam o fracasso das relações entre homens e mulheres. Esta

discussão aparece em outros artigos. Em “Climaterio de la cortesia”, a partir da

pergunta “O que é a cortesia?” Gustavo Pittaluga analisa o fim da necessidade da

cortesia masculina, como um sintoma de “un conocimiento más exacto, perspicacia

mayor, intuición más fina de la realidad”, característica dos jovens de então, que através

das novas formas de relação com a mulher, despertariam “un estado de espíritu más

serio”. (R. de O., t. XXX, 352)

Estaria o homem obrigado a abandonar as fórmulas de cortesia por exigência da

mulher atual. “Es lo cierto que hoy la mujer es la que invita al hombre a esa renuncia.

Es la mujer – hablo de las mujeres jóvenes – la que suprime las formas, la que desdeña

el homenaje, la que se enoja del empalago de la finura, la que se ríe de los modales

refinados, la que prefiere el gesto sencillo.” (R. de O., t. XXX, 352) Embora essa

descrição não venha acompanhada a princípio de uma valorização negativa do sexo

feminino, pois para o autor a consequência desta mudança nas relações inter-sexuais é a

demonstração da superioridade espiritual da mulher sobre o homem, no fim baseia tal

superioridade no fato de que a mulher não precisa do subterfúgio da cortesia para se

relacionar com o outro. “Una mirada, una sonrisa, los ademanes espontáneos de su

persona, bastan para fijar la atención, para ejercer la atracción. Son sus calidades

intrínsecas, corpóreas o espirituales, patentes por la sola virtud de la presencia, las que

la sitúan y la hacen estimar”. (R. de O., t. XXX, 358)

36

Na verdade, a autora se contradiz ao ser obrigada, para defender o seu ponto de vista “supra-social”, a

recorrer a ao que define como uma necessidade histórica, e social, de seu tempo.

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Apesar de afirmar que no homem

“la renuncia a las formas de la cortesía le coloca en una situación de

inferioridad [...] se queda pobre, falto de cualidades nativas capaces de

atracción, entregado a la mera y escueta apreciación de sus capacidades

técnicas [...] que depende más de circunstancias ajenas a la propia persona, de

orden profesional o económico” (R. de O., t. XXX, 358)

o autor não questiona a distribuição inerente de papéis femininos e masculinos. Como

símbolo da sua defesa do feminino argumenta que se por um lado tem razão Nietzsche

ao afirmar que a mulher não é dada à invenção, característica masculina, por outro ela

“sugiere todas las invenciones, suscita en el hombre el deseo del invento, excita sus

facultades lógicas, exalta su impulso para la acción.” (R. de O., t. XXX, 358)

Esta aproximação de Pittaluga, conservadora na medida em que os “valores

inerentes” atribuídos a cada sexo coincidem com os valores morais tradicionais,

constituem a tônica de uma linha de pensamento que se expressa na revista com a

corrente Jung, Simmel, Ortega, Marañón. (LOPEZ CAMPILLO, 1972, 104).

Já em 1929 esta forma de percepção se apresentava no artigo “La mujer en

Europa (R. de O., t.XXVI, 1929), no qual Jung analisa o papel da mudança do

comportamento feminino, fundamentalmente a sua entrada no mercado de trabalho e o

questionamento das relações matrimoniais. Numa Europa arrasada pela Guerra, cujas

consequências são físicas e psicológicas, onde o homem está ocupado em “reparar os

danos exteriores”, a mulher representa a possibilidade de “curar as feridas interiores” a

partir da remodelação das bases do casamento, marcado pelas relações supérfluas, rumo

a uma verdadeira aproximação “anímica” entre os sexos.

Embora pareça esperançosa, esta constatação é angustiante na medida em que o

autor se dá conta de que a mulher, cuja característica fundamental é o Eros, acaba

levando a dianteira e conduzindo um processo em que o homem, o verdadeiro portador

do Logos, vai a reboque e na medida em que tal processo começa, contraditoriamente,

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num aspecto ao mesmo tempo negativo e positivo para Jung: uma certa masculinização

feminina.

Por um lado, no plano individual, esta masculinização constituiu um falseamento

da mulher, que passa a ocupar profissões destinadas ao homem e a produzir certas

opiniões que na verdade brotam da sua natureza masculina37

, sendo resultado, muitas

vezes, de um processo inconsciente. São “colectivas y de carácter sexual opuesto, como

si las hubiera pensado un hombre, por ejemplo: su padre” (R. de O., t. XXVI, 10) Em

alguns casos, essa opinião inconsciente pode levar ao choque com a sua verdadeira

essência feminina, produzindo a neurose.

Por outro, frente ao medo de Jung em relação à falta de objetividade feminina,

que se perde em caprichos, a aproximação com o Logos masculino talvez represente a

possibilidade da elevação cultural feminina e, portanto, uma maior objetividade em

alcançar a sua meta.

El método indirecto de la mujer es peligroso, porque puede comprometer su

fin irremisiblemente. Por eso anhela la mujer del presente una conciencia más

alta, un sentido y designación del fin, para escaparse ella misma de su ciego

dinamismo natural. Ella busca en la teosofía y en toda clase de otras cosas que

no le son peculiares [...] A este hambre reacciona el alma de la mujer, pues el

eros es lo que une, allí donde separa el Logos. La mujer del presente tiene

delante de sí una formidable tarea cultural que tal vez significa el comienzo de

una nueva época. (R. de O., t. XXVI, 32)

Na mesma linha de discussão sobre o papel feminino, Giménez Caballero

analisa o significado do mito de San Juan, cujo culto se intensifica, segundo o autor, na

segunda metade do século XIX, como resposta católica a uma maré “nórdica, liberal,

socialista: Ibsen, as promiscuidades de Zola, diabolismos de Dostoiewsky, os primeiros

escândalos do “sufragismo" em Inglaterra ou os livros socialistas sobre a mulher, Engels

e Bebel.

37

Cabe destacar que em Jung um ser humano reúne em sua natureza o masculino e o feminino e, deste

modo, um homem pode viver o feminino como uma mulher, o feminino.

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Frente a la marea nórdica, liberal, socialista, es natural que Roma se apresara a

una defensa. Y de la mano con la fiel y patriarcal España, procurase dejar en la

conciencia de la mujer católica un límite romántico, de “neurosis”, de “mito”,

sobre lo que venía planteándose en la calle radical, brutalmente, sin misticismo

alguno. (R. de O., t.XXVII, 205)

Apesar de deixar claro o seu respeito à figura santa de São José, o autor conclui

definindo o culto “josefino” como um ideal de mulheres, dominadas por homens. “un

ansia sublime y secreta de matriarcas esclavizadas en un ambiente de tirana

patriarcalidad. Por tanto: un culto romántico femenino”.

O autor, a partir de uma reconstituição do debate iniciado com Bachofen sobre

as sociedades matriarcais, postula a existência de épocas patriarcais, baseadas no

nomadismo, na ação, na virilidade (como a época da luta peninsular contra os árabes, ou

a da Conquista da América), e outras de signo feminino, baseadas na tranquilidade

advinda do sedentarismo, fundamentalmente românticas. Seu objetivo é observar a que

signo pertencem os anos 30.

Uma diminuição do culto a São José seria o indício da entrada numa época

matriarcal38

, já que o culto só tem sentido como válvula de escape de uma repressão do

masculino sobre o feminino. Apesar de não valorizar explicitamente nenhuma das

épocas, Gimenez Caballero comparte o mesmo temor que Jung no que diz respeito ao

comando transformador feminino. Como epílogo, aparece uma explicação do próprio

autor de que o texto publicado foi inicialmente uma conferência proferida no Lyceum

Club Femenino de Madrid, uma instituição criada em 1927 e destinada a defender os

direitos da mulher.

A continuação esclarece que “escolheu” tal instituição para discursar, pois esta

lhe pareceu a única atual no sentido matriarcalóide que lhe interessa: por um lado abriga

38

Vale destacar que para Giménez Caballero nenhuma época foi totalmente ginecocrática, uma vez que

não se pode comprovar a existência de uma soberania exclusiva da mulher ou mesmo da existência de um

Estado de mulheres. Se trata, portanto, originalmente de uma época de predomínio do feminino que se

deu na passagem do nomadismo para o sedentarismo na Pré-História e que ele acredita possa se repetir ao

longo da história mas de forma “atenuada”.

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uma influência anglo-saxônica, protestante, liberal, mas por outro se baseia numa

“essência genuína” espanhola, o fato de que se deixar influenciar pela Igreja, já que

muitas associadas ao mesmo tempo que defendem a liberdade, participam da novena de

São José e regem suas vidas pela “perfecta tradicionalidad española”. Sua esperança, e o

verdadeiro motivo de falar no “Club”, é que se neste processo “elas” talvez não escutem

mais as idéias masculinas através da figura do “padre”, que agora elas escutam o que

dizem o seu correlato moderno: o intelectual

Bastante diferente é o texto Berlim 1931 de Maximo José Kahn, quem analisa a

mudança de comportamento da mulher alemã, que “em vez de ser mãe, que ser somente

mulher”, o que leva a uma redefinição do papel do casamento e a uma mudança no

modo de encarar as relações sexuais. Kahn se aproxime mais a de Russell, ao ver nessa

decisão um processo positivo.

Apesar das diferenças, podemos afirmar que, fundamentalmente, todos os textos

anteriores se debruçam sobre este mesmo fato. Todos partem de uma realidade,

pertencente a um senso comum: a entrada da mulher no mercado de trabalho durante a

Primeira Guerra, fruto, entre outros fatores, da necessidade de assumir postos deixados

pelos homens obrigados a ir para o campo de batalha, alterou a sua função social e

levou a um questionamento das relações sexuais. Como uma espécie de clichê, todos se

referem à crise do casamento, baseado no que eram relações de fachada, e à separação

entre sexo e amor.

Todos, em última instância, aspiram, por um lado, ao desejo do amor livre,

verdadeiro, (no sentido de comprometido com o ser amado e não com as regras morais

tradicionais), e todos “sublimam” este amor como verdadeiro novo motor da sociedade.

Mas, por outro, talvez à exceção dos textos de Russell, Kahn e Chacel, nem

sempre o que se entende por amor ou novas relações são de fato relações que postulam a

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ruptura do paradigma tradicional da submissão feminina. A associação entre

mentalidade feminina e ordem e norma e mentalidade masculina e poder criador (único

capaz de modificar a sociedade existente) permite estabelecer uma analogia entre a

mentalidade feminina e o inconsciente coletivo (LOPEZ CAMPILLO, 1972, 105), o

que relega o feminino ao âmbito da massa, passível, portanto, de se enquadrar na

psicologia desta.

Embora esta preocupação com os fenômenos psíquicos que caracterizam o ser

humano não desapareçam após 193139

, cabe observar que aparição do tema se

intensifica de maio de 1930 até abril de 1931, quando se interrompe até novembro de

1931, provavelmente devido à atividade política do grupo de Ortega, envolvido na

elaboração da nova Constituição espanhola. Ortega, Gregorio Marañón e Gustavo

Pittaluga (os dois últimos, médicos que colaboravam assiduamente na publicação)

foram eleitos deputados para a assembléia constituinte em junho de 1931, cuja

Constituição se publicou em dezembro do mesmo ano. Este envolvimento é um dos

aspectos mais relevantes para a análise das questões políticas presente na Revista de

Occidente no período de nosso estudo.

5.2 A CRISE DO ESTADO

Passaremos a bordar, então, a questão do Estado. Observando os volumes de

1930 e 1931, verifica-se a presença de textos preocupados com a crise dos valores

europeus, frente ao surgimento da massa e do modo de vida americano, com o papel do

Estado como instituição e, especificamente, textos que aludem a estas questões dentro

da sociedade alemã.

39

LÓPEZ CAMPILLO (1972, 94) indica que os principais colaboradores sobre o tema (Simmel, Ortega,

Marañón e Jung) publicam com regularidade ao longo da primeira etapa da revista

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Como vimos no sub-capítulo anterior, a questão das relações amorosas, o papel

da mulher e do homem na construção de uma nova sociedade estavam na ordem do dia

e se relacionavam com as mudanças advindas dos novos modos e comportamentos da

massa. Mas a questão do que são atributos femininos e masculinos, como massas e

minorias, não está isolada de uma reflexão maior acerca do papel do Estado e da

cultura.

O motivo inicial do citado texto de Giménez Caballero é discutir se a Espanha

passa por um período masculino ou feminóide, sendo a maior ou menor força do culto a

San José, respectivamente, uma forma de comprovação de um ou outro estado. Da

mesma forma, em Jung a análise do papel da mulher européia está relacionada à

transformação necessária ao renascimento da Europa como um entreposto, um lugar

intermediária entre o oriente “asiático” e o ocidente anglo-saxão (entenda-se, aqui,

Estados Unidos), separados por “abismos raciais e ideológicos”

En Occidente, la mayor libertad política y la mayor servidumbre personal; en

Oriente, lo contrario. En el Occidente, un desarrollo inabarcable de la

tendencia técnica y científica de la cultura europea; en Oriente, una erupción

de todos aquellos poderes que amenazaron en Europa este impulso cultura. El

poder del Oeste es material, el del Este es ideal. (JUNG, R. de O., t. XXVI, 02)

Esta é uma das preocupações centrais de Ortega em 1930. Vimos como na

primeira parte de A rebelião das massas se estabelece o que o autor entende como

dinâmica do crescimento das sociedades: a relação entre umas minorias seletas,

responsáveis pela condução dos destinos de uma nação, e amassa vulgar, que deve

seguir a orientação da minoria. É no não cumprimento dessa “lei social”, ou seja, no que

caracteriza como o impulso da massa em “asumir las actividades propias de las

minorías” (ORTEGA Y GASSET, 1930, 19), fato característico do seu tempo, que

radica o processo de decadência da Europa.

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A partir desta conclusão, na segunda parte Ortega defende uma unidade européia

a través da superação dos Estados Nacionais, comparando-a com os dois poderes

emergentes de então: Estados Unidos e União Soviética. Para Ortega nem um nem outro

se constituem como possíveis líderes mundiais na medida em que, por diferentes

motivos, se constituem em nações jovens incapazes de prover o mundo de um novo

espírito, porque no fundo os motores do desenvolvimento de tais nações não são outros

que idéias originadas na Europa: o marxismo na Rússia e a evolução da técnica nos

Estados Unidos.

Este triplo eixo de análise ganharia corpo em toda a dimensão editorial

capitaneada pelo próprio Ortega. À publicação de La rebelión de las masas em El Sol,

corresponde uma intensa produção na Revista de Occidente, tanto na revista em si

quanto na Editora, sobre a crise dos valores espirituais da Europa (CAMAZON

LINACERO, 2000, 381) e sobre a situação dos Estados Unidos e a Russia.

Desde a crise 1929 se observa a preocupação em estudar o fenômeno americano,

cuja visão pragmática, de negócios, por um lado, e de frivolidades, por outro, não

agradam ao rígido pensamento intelectual europeu, “La invasión del norteamericanismo

es un problema que, en mayor o menor grado, está planteado hoy a casi todos los países

europeos. Es un problema, no sólo económico, sino de cultura, del cual no podemos

desentendernos los occidentales.” (R. de O., t. XXVII, 1930, 377. nota introdutória ao

texto “El americanismo, realidad y tópico, de Teodoro Luddecke)

A publicação promove uma série de artigos que visam a destacar os aspectos

negativos da sociedade americana, que conectam com a idéia de Ortega da “América

jovem”, sem experiência para se tornar líder mundial, e que ganham, depois do crack de

1929, um aspecto de sansão histórica irrefutável. (CAMAZON LINACERO, 2000, 382)

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Esta é a tese de Keyserling, cujo sugestivo título “El sobreestimado niño” (algo

como “A criança super-valorizada”) fere duplamente esta noção de jovialidade

americana: mais do de nação jovem inexperiente, América conta com adultos infantis,

desde uma perspectiva psicológica. A socialização da criança americana que ocorre no

jardim de infância, em oposição à educação “do lar”, leva a uma homogeneidade do

caráter americano, ao seu espírito sempre infantil, alheio ao pensamento e suas

abstrações. A culpa é do pai que ao não se dedicar aos filhos, por chegar cansado do

trabalho e ainda ter que realizar “tarefas femininas” relativas ao cuidado da prole, não

consegue “susucitar en sus hijos el desarrollo de esa superioridad sobre la naturaleza, de

la que dependen tanto la individualización como la espiritualización, y que constituye la

verdadera diferencia entre el niño y el adulto”. (R. de O., t. XXVIII, 1930, 110)

Assim também os artigos de janeiro de 1929 de Waldo Frank, “La mujer

norteamericana”, e Las artes actuales en norteamérica, (R. de O., t. XXIII), para quem o

êxito material americano é resultado de uma separação entre impulso e ação que impede

o desenvolvimento espiritual em todos os sentidos, incapacitando o homem para o

amor, “Todo hombre cuyo impuso motor es el Poder, es un mal amante. Pues, ¿cómo

puede hablar de amor quien no lo siente?” (R. de O., t. XXVIII, 1930, 110), e para arte

Y nuestra estabilidad política, de la cual estamos tan orgullosos, es el resultado

de la misma insensibilidad ante nuestras instituciones, nuestros sentimientos y

convicciones, y el mismo escape de éstos en gestos estereotipados que (hechos

ya de antemano) nos dan la ilusión del éxito, nos hace pobres en arte. Su

desorden es un signo negativo de vida; nuestro orden es una amenaza de

muerte... (R. de O., t. XXIII, 85)

A partir de uma leitura do espaço, da arquitetura das cidades americanas, Paul

Fechter (“El espacio americano”) também localiza uma das origens do materialismo

norte-americano na falta de identidade espiritual entre o americano, no fundo ainda um

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“imigrante europeu que não sente o novo continente como a sua “terra” e sim apenas

como um lugar, e o solo que ocupa.

La comunidad europea – por muy escéptica que se juzgue – era, sin embargo,

y en definitiva, una comunidad espiritual; en cambio, al otro lado se constituyó

rápidamente una comunidad de negocios, sobre la que no flotaba – como ideal

de unión – ninguna idea nacional, espiritual o religiosa, sino la simple idea de

éxito. (R. de O., t.XXV, 185)

Como remate de pessimismo, duas análises sobre economia americana “El

capitalismo norteamericano”, de Charlotte Lutkens (R. de O., t. XXXII, mayo 1931) e

“El sentido de la crisis norteamericana”, de M. J. Bonn (R. de O., t. XXXIV, out.

1931)40

. Para LUTKENS o grande desenvolvimento econômico norte-americano não

pode ser interpretado como um maior desenvolvimento do capitalismo como sistema

nem e, como consequência, as suas instituições político-econômicas podem ser

consideradas modelos. Favorecida por uma “peculiar e excepcional situação das bases

naturais da economia”, que não é a expressão de seu estado sociológico, o capitalismo

americano não é mais do que “um pseudo-capitalismo tardio”.

Como pano de fundo, o que está em jogo é a necessidade imposta por Ortega de

retificação das idéias européias a respeito dos Estados Unidos como portador das

respostas à crise da civilização ocidental.41

Se a América não se constituía, portanto, em

uma solução, também não convencia como alternativa uma adesão à revolução

bolchevique, à qual se tecem várias críticas. Mas é curioso observar que, se sobre os

Estados Unidos se plasmam uma série de artigos sobre os valores americanos, nesta

mesma linha aprecem somente dois textos sobre Rússia: uma nota de Antonio Espina,

40

Ambos capítulos de livros publicados no mesmo ano de pela Editora Revista de Occidente. 41

“Después de la Rebelión de las masas [...] se publicó el libro de Keyserling América, un libro lleno de

intuiciones certeras. Yo quise entonces tratar el asunto en todo su desarrollo. Inicié la versión de ciertas

obras que aportaban una rectificación de las ideas europeas en torno a Estados Unidos, entre ellas la de

Carlota Lutkens El Estadoy la sociedad en Norteamérica. “ Fragmento do artigo “Sobre los Estados

Unidos”, publicado por Ortega y Gasset no periódico Luz, 27 de julho de 1932. Citado por LÓPEZ

CAMPILLO, 1972, 137.

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resenha do livro “Rusia a los doce años”. (R. deO., t.XXIV, abril 1929) e “Situación

actual de la Rusia Soviética”, de Paul Fechter (R. de O., t. XXXII, jun. 1931).42

Isto não significa que o país passasse quase inadvertido pela publicação. Além

das referências presentes em outros textos que tratam sobre os Estados unidos ou a

Alemanha, observamos uma série de notas que comentam produções artísticas russas,

cujo teor, a partir de 193043

, revela um ponto de vista sobre a situação daquele país.

Observamos duas tendências diferentes na avaliação sobre a Rússia. Por um lado, a de

que, superada a violência inicial de um período de guerra, o país estaria entrando numa

etapa de revolução instalada, que poderia ser construtiva.

Antonio Espina, na resenha do livro Rusia a los doce años, de Julio Alvarez del

Vayo, indica que “A los doce años la situación es muy distinta. El régimen se afianza y

la contrarrevolución desaparece como peligro material, para convertirse en inolvidable

ejemplo del pretérito”. (R. de O., t.XXIV, abril 1929, 128). Do mesmo modo, Francisco

Ayala, comentando o livro Citroen 10 H.P., do escritor russo Eliá Erenburg, destaca que

o leitor “En seguida reconocerá allí la Revolución instalada, constuctiva, con su peculiar

genio y su peculiar temperamento” (R. de O., t. XXX, nov. 1930).

42

Este último capítulo do livro La política económica de la Rusia Soviética, publicado, junto com o

citado de livro de Lutkens, dentro de uma coleção da Editora da Revista de Occidente intitulada Libros de

Política . Esta coleção foi lançada em 1931 e só constou desses dois títulos. 43

Esta afirmação se refere somente aos anos por mim estudados, ou seja, de 1929 a 1932. De fato, à

exceção do texto de Antonio Espina, os outros textos de 1929 tratam de outros aspectos que não a

Revolução. LÓPEZ CAMPILLO (1972, 131) assinala uma certa evolução dos artigos sobre a Rússia que

passam “de una objetividad indulgente a una relativa apología del régimen (principalmente en Antonio

Espina) y luego, a partir de 1931, a una actitud más crítica, pero a cargo de colaboradores extranjeros

(Haensel, Waldo Frank, Liam O”Flaherty)”. Isto leva a autora a argumentar a favor de que a objetividade

e a amplitude dos diferentes testemunhos apresentados colocam a Revista de Occidente no lado oposto à

propaganda anti-soviética habitual nos meios conservadores espanhóis. No entanto, acreditamos que seria

preciso um olhar mais atento ao momento de publicação dos artigos e notas para relativizar esta

afirmação. Seria importante considerar que este é um período conturbado da Revolução soviética,

marcado pelo acirramento das disputas internas, do controle de Stalin, do plano quinquenal (1928-1932),

da expulsão de Trostki (1929), do debate acerca do realismo socialista que culmina com o decreto de

Stalin de 1932 e o Congreso de Escritores Socialistas de 1934. Assim nas notas sobre a Rússia aparecem

confusas as figuras de Trostsky e Stalin, por exemplo. Não se pode desconsiderar que dois dos textos que

analisamos foram escritos por russos que estão fora do país e outro por um visitante estrangeiro

simpatizante do comunismo.

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Por outro lado se observa a partir de 1931 uma linha mais crítica a respeito das

verdadeiras condições de vida e da Revolução marcada pela presença, em 1932, de dois

textos literários “El cadáver del zarismo”44

, do escritor irlandês Liam O‟Flaherty (R. de

O., t. XXXV, jan.), introduzido por um artigo de Antonio Marichalar acerca do autor45

,

e “La alegre ventura, do escritor russo Mikhail Zochtchenko (R. de O., t.XXXVIII,

nov). O primeiro é o resultado de uma visita a Rússia, na qual o escritor se mostra

decepcionado pela visão de Leningrado, uma cidade desolada, o próprio cadáver do

czarismo, onde “ninguém sorria e todas as caras tinham “una expresión oprimida de

miedo, hambre y agotamiento nervioso”.(R. de O., t. XXXVIII, 71). A construção da

imagem negativa do país vai se afirmando no contraste do diálogo entre o visitante e um

médico russo que lhe serve de guia no percurso que vai do porto até a casa do doutor

anfitrião. O efusivo discurso revolucionário do médico russo aparece como algo

mecânico, decorado, diametralmente oposto à realidade que vai descrevendo. Frente à

sugestão de O”Flaherty de irem nas carruagens que ele lera nos livros o médico replica:

“- Comprenda usted – me dijo - . La realidad es ésta. Esos coches son una

reliquia del zarismo. Es el deber de nuestro proletariado liquidarlos. [...] Es

imposible para todo amigo del soviet ruso favorecerles utilizando sus

servicios. No; iremos en tranvía [bonde], que es un método científico de

transporte, y el que emplea comúnmente el proletariado.” (R. de O., t.

XXXVIII, 70).

Depois de uma série de peripécias que vão desde a tentativa de tentar no bonde

lotado, passando pelo “inconveniente” de estar misturado entre uma multidão

“malcheirosa”, disputando espaço entre socos e pontapés, até o fato de só conseguirem

saltar dois pontos depois do lugar desejado, a conclusão do narrador não poderia ser

outra: “Esto es lo que él llama transporte científico – pensé yo maliciosamente. [...] Si

44

O primeiro era um capítulo do livro Como está Rusia (no original I went to Russia) a ser publicado pela

editora Espasa-Calpe. 45

“Liam O‟Flaherty (R. de O., t. XXXV, jan.)

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me hubiera quedado algún aliento le hubiera dicho lo que pensaba del transporte

científico, del plan quinquenal y de toda su maldita tierra. .(R. de O., t. XXXVIII, 72).

O segundo é um conto que relata a história de um jovem russo, Sergio (em

espanhol), que convida uma moça para ir ao cinema, mas não tem dinheiro. Depois de

várias tentativas de consegui-lo, marcadas pela angustia da contagem regressiva do

tempo até a hora do início da sessão, decide pedir emprestado a uma tia distante, de

quem será o único herdeiro. Para sua sorte a tia falece e ele se casa com a jovem e passa

a ter uma situação razoável. A ironia reside no fato de que o autor se dirige ao leitor par

dizer que pretende escrever uma história amena, feliz, ao contrário do que estão fazendo

atualmente os escritores russos. No entanto, há uma contradição entre o suposto final

feliz e a condição miserável de Sergio e da Rússia, marcada pela descrição do mercado

público e das baratas que sobem pela casa da tia, e os desejos materialistas do jovem,

que não sente a mínima compaixão pela morte do seu parente mais próximo, pois seu

único desejo é o de se encontrar com a jovem Katucha.

Ambos autores tinham sido comentados na nota “Ironías rusas”, de Antonio

Marichalar. (R. de O., t. XXXIII, set. 1931) O autor parte do rechaço à atitude da crítica

russa de condenar uma peça de teatro do diretor russo Meyerhold não pela sua falta de

qualidade mas sim por seu desenvolvimento inoportuno, porque atenta contra o “dogma

comunista”. Segundo Marichalar, na Rússia a obra não precisa ser de qualidade, o que

não pode é colocar o sistema em dúvida e por isso não pode admitir a ironia. Isto é o

que diferencia o trabalho de Zochtchenko e O”flaherty. Apesar da crítica inscrita em

ambos, o primeiro, mesmo sendo comunista, é incapaz de transmitir uma impressão

irônica, seu texto é pesado “gruñón y sombrío”. Para Marichalar, “No es Zochtchenko

un rebelde. Sirve al gobierno ruso y, entre burlas y veras, propaga su política y su credo

forzando los opacos destellos del humorismo.” (R. de O., t. XXXIII, 1931, 345).

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Já o texto do irlandês “que se considerava comunista”, é, para o autor, o primeiro

livro irônico escrito sobre a Rússia, que paradoxalmente é menos rígido justamente por

ser mais ambíguo, como explica melhor no texto introdutório ao artigo de Liam

O‟Flaherty. Se por um lado O‟Flaherty “repugna del fanatismo bolcehvique” por outro

se identifica com os aspectos humanos universais da vida russa. “Encuentro que la

humanidad en Rusia es esencialmente la misma que en cualquier otro país; que las

gentes tienen las mismas necesidades, las mismas ambiciones, las mismas virtudes, los

mismos vicios. “ (apud MARICHALAR. R. de O., t. XXXIII, 1931, 58). O

Bolchevismo seria, então, o verdadeiro antídoto religioso ao materialismo do século

XX.

Por fim, a análise sociológica está escrita por Paul Haensel,um intelectual russo

refugiado, ex-professor da Universidade de Moscou. Do livro La situación actual de la

Rusia soviética, se publica na revista o capítulo que trata da questão da falsa democracia

sob controle forte do Estado e do insignificante, ou melhor, humilhante papel que

exercem os intelectuais na Rússia soviéticas, subordinados à ditadura da massa operária

inculta. Embora se trate de um livro sobre os aspectos econômicos do novo sistema, é

emblemático que o capítulo publicado na revista seja o alusivo às precárias condições

do intelectual. Haensel descreve os baixos salários de professores, engenheiro e médicos

(menores que os dos operários) e a constante perseguição pelos membros do Partido

Comunista.

A partir da presença de tais textos, o leitor não pode menos que ir construindo

uma opinião negativa. Em comum os três textos têm a autoridade de terem sido escritos

por pessoas ligadas à Rússia, os dois últimos por intelectuais russos exilados e o

primeiro, por um irlandês convertido ao comunismo.

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Cabe destacar que as duas “tendências” aqui sinalizadas não constituem

divergências teóricas profundas entre os intelectuais da Revista de Occidente. No fundo,

a leitura “esperançosa” sobre a Rússia constitui uma reflexão sobre os prós e os contra

dessa nova experiência “colossal”, em palavras de Espina, a qual não se pode fechar os

olhos, em contraposição a uma “serie degradatoria de imperialismos alucinados” que se

vê na Europa. Nem Espina nem Ayala percebem o sistema de governo russo como uma

superação histórica do capitalismo. O primeiro pretende destacar a importância russa

como o único freio ao que denomina “Internacional de imperialismos alucinados”, na

medida em esta constitui um “fermento de insurreição” temido pelas nações capitalistas

(R. de O., t. XXIV, 128). O segundo elimina esta dicotomia ao ver o capitalismo

moderno “tan semejante en ciertos rasgos fundamentales al socialismo soviético [...]

como divergente en otros. (R. de O., t. XXX, 262)

Por outro lado a “costura” que Marichalar faz dos textos de Zochtchenko e

O‟Flaherty permanece no campo da ambiguidade, da ironia, dentro de uma distância

que não discute a teoria comunista em si e que inscreve os artigos no âmbito do

anedótico, criando uma imagem vaga e patética da Ditadura do Proletariado também

com uma forma de governo que não funcionou.

O que fazer, então, se a Europa estava imprensada por duas formas de governo

que não correspondiam às suas necessidades vitais? Porque no fundo, para Ortega se

tratava um problema de Estado. Na segunda parte de La rebelión de las masas, o

ensaísta indica que a crise dos valores europeus não consistia, como creia Spengler, na

decadência e morte da cultura européia, e sim, ao contrário, no fato de se encontrar esta

civilização com excesso de energia vital impedida de se desenvolver pela limitação dos

Estados nacionais europeus, pequenos em tamanho para um grande empreendimento

expansionista.

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Só a superação rumo a um novo Estado Europeu forte manteria a civilização à

frente do mundo. Num mundo regido pela lei natural da composição minorias-massas -

segundo a qual em todos os povos existe uma minoria seleta destinada a saber mandar

na maioria, a massa, cujo papel consiste em saber obedecer - também existem as

nações-massa, destinadas a reconhecer e estimar a superioridades das nações destinadas

a mandar. É imperativo de todos os tempos que haja sempre um grupo que mande no

mundo, se ele for globalizado, como o de Ortega, certamente terá um só mandante. Se

for o mundo antigo, por exemplo, disperso em vários focos organizados, deve-se

perguntar que manda em cada “grupo de convivência”.

Residia para Ortega (1930, 206) este direito de mandar, atribuído à Europa

durante toda a Idade Moderna, não na força, que em última instância só pode ser um

instrumento deste poder quando ele já estiver instaurado. O que o caracteriza é um

“mandar natural”, baseado no “exercício normal da autoridade”, que por sua vez se

funda na opinião pública. Mas o que entende por opinião pública Ortega y Gasset?

O que revela como “opinião pública” ou mando natural não é outra coisa que a

disposição hegemônica da ideologia de uma classe dominante e de como esta se

apresenta como uma espécie de senso comum, “na medida em que representa interesses

que também reconhecem de alguma maneira como seus as classes subalternas”

(MARTIN-BARBERO, 2006, 112). O que Ortega vê em termos naturais de mandar e

obedecer só o pode ser desde o ponto de vista de uma burguesia que identifica os seus

valores com valores universais, como verdades absolutas, inquestionáveis.

Do mesmo modo a superação das nações européias rumo a um Estado maior

único só pode ser entendida nos marcos das disputas imperialistas pelos mercados

consumidores. O exemplo dado por Ortega (1930, 246) é sugestivo

“El automóvil es invento puramente europeo. Sin embargo, hoy es superior la

fabricación norteamericana de este artefacto. Consecuencia: el automóvil

europeo está en decadencia. Y sin embargo el fabricante europeo sabe muy

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bien [...] que la superioridad del producto americano no procede de ninguna

virtud específica gozada por el hombre de ultramar, sino sencillamente de que

la fábrica americana puede ofrecer su producto sin traba a ciento veinte

millones de hombres. Imagínese que una fábrica europea viese ante sí un área

mercantil formada por todos los Estados europeos y sus colonias y

protectorados. [...] Todas las gracias pecuniarias de la técnica americana son

casi seguramente efectos y no causas de la amplitud y homogeneidad de su

mercado. La “racionalización” de la industria es consecuencia automática de

su tamaño.

Se o filósofo coloca no centro do problema a criação do novo Estado Europeu

não esclarece qual a melhor forma que dever ter até porque o problema não é de formas

e sim da falta de um projeto futuro a ser realizado. “No son las instituciones , en cuanto

instrumentos de vida pública, las que marchan mal en Europa, sino las tareas en que

emplearlas”. (ORTEGA Y GASSET, 1930, 242) Para Ortega é preciso realizar uma

reforma do Parlamento para que este represente os verdadeiros interesses da

democracia, mas não subordina esta à existência daquele. Embora, em sintonia com sua

tradição liberal, defina os Estados Parlamentares do século XIX como as mais eficientes

formas de organização do Estado já desenvolvidas pelo homem (ORTEGA Y GASSET,

1930, 243), reitera que a democracia num mundo de “mandantes” e “obedientes” deve

adotar a melhor forma para a sua plena realização segundo o momento vivido, o que

tanto pode ser uma ditadura como um sistema parlamentarista. Frente à burocratização

da República romana, nada melhor que o Império de César

“Ese poder ejecutor y representante de la democracia universal sólo podía ser

la Monarquía con su sede fuera de Roma.

¡República, Monarquía! Dos palabras que en la historia cambian

constantemente de sentido auténtico, y que por lo mismo es preciso en todo

instante triturar para cerciorarse de su eventual enjundia.” (ORTEGA Y

GASSET, 1930, 266)

Por fim, cabe esclarecer que este princípio “europeizante” de Ortega, o seu

desejo de superação dos Estados Nacionais por uma forma superior de Estado europeu,

que reunisse a tradição de pensamento comum que incluía França, Inglaterra e

Alemanha, mas também Itália e Espanha (1930, 274), não constituía, de forma alguma,

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uma antítese entre o crescimento espanhol e o crescimento europeu. Se Ortega propunha

uma “união européia” esta não se daria pela simples boa vontade dos povos em

cooperação: para fazer uma nação maior seria preciso que uma das nações européias

liderasse o processo, fosse “a nação que manda”. Seu pensamento representava a

essência de um nacionalismo disfarçado, cujo desejo não era outro além de inclui a

Espanha na liderança desta nação européia destinada a saber mandar.

“El hecho de que como buen nacionalista negara su condición de tal, no obvia

que el filósofo madrileño persiguiera siempre a lo largo de su vida la

nacionalización de los españoles, del pueblo y de las instituciones, de la

Monarquía o de la República, de los partidos, del liberalismo o del socialismo,

de las clases y, por supuesto, de las regiones.” (SAZ CAMPOS, 2003, 87).

É nesta direção que podemos entender o sentido de “cosmopolitismo” do texto

“Propósitos” da R. de O., que “en vez de suponer un abandono de los genios y destinos

étnicos” significa um estado de “reconhecimento e confronto com o outro”(R. de O., t. I,

03), um “cosmopolitismo nacionalista” que colocasse a Espanha em condições de

disputar espaço com as grandes nações.

A escolha do topônimo “ocidente” como título revela a intenção de usar “una

imagen que convoca a pensar un espacio más amplio que el de aquella Europa que había

sido arrasada – material y simbólicamente – por la guerra.” (VÁZQUEZ, 2003, 12)

Como afirmamos em nossa dissertação de mestrado, ao deslocar a questão para o

ocidente, a revista procurou “construir um mapa” do qual a Espanha e a revista podiam

formar parte, associados ao novo panorama dessa cultura. Ao redefinir seu espaço, ao

mesmo tempo em que se afastavam da visão de uma cultura “destruída” pela guerra

também resolviam o problema interno da geração de intelectuais anterior, que

acreditava na incompatibilidade entre a adoção do modo de vida moderno europeu e a

manutenção das “tradições” do povo espanhol. A necessidade de europeização de

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Espanha cede lugar ao “novo cosmopolitismo do pós-guerra” anunciado nos

“Propósitos”.

La occidentalidad del título alude a uno de los rasgos más genuinos del

momento actual. La postguerra, bajo adversas apariencias, ha aproximado a los

pueblos. Los vocablos de hostilidad no impiden que hoy cuenten más los unos

con los otros y, aunque de mal humor, se penetren y convivan. Antes de la

guerra existía, en cambio un internacionalismo verbal y de gesto, un

cosmopolitismo abstracto, engañoso, que nacía previa anulación de las

peculiaridades nacionales. [...] El cosmopolitismo de hoy es mejor, y en vez de

suponer un abandono de los genios y destinos étnicos, significa su

reconocimiento y confontación. (R. de O., t. i, 02)

Ao mesmo tempo em que ser “ocidente” solucionava o dilema interno “Espanha

X Europa”, elevava o país ao mesmo patamar das outras nações, e, portanto, das outras

“culturas”. Se antes a nação precisava ser “europeizada”, não precisava ser

“ocidentalizada”, já que sua tradição e história, além do aparecimento de movimentos

artísticos sintonizados com as novas tendências, “hablaban de su legítima pertenencia a

la cultura occidental” (VÁZQUEZ, 2003, 12).

Este desejo nacionalista se expressa através da leitura de España Invertebrada.

Para Ortega (1994, 112) a razão do fracasso da Espanha consiste na “rebelião

sentimental das massas, no ódio aos melhores e na escassez destes”. O mundo se rege

pela lei fundamental de que sempre em todas as raças, e todos os povos, existem umas

minorias destinadas a mandarem, a funcionarem como o modelo a ser seguido, e uma

maioria destinada a obedecer docilmente. É a partir desta harmonia natural que as

sociedades se desenvolvem e chegam às suas épocas de apogeu (épocas Kitra). Mas

quando a massa se nega a ser massa, ou seja, se revolta e decide seguir os seus

impulsos, começam as épocas de decadência (épocas Kali), de degeneração, da qual só

sairão após a constatação do fracasso total, depois de muito sofrimento.

No entanto, esta rebelião, no caso espanhol, não era, como a intelectualidade

nacional pensava, uma questão de decadência do presente após um apogeu passado. A

nação espanhola sempre foi marcada, desde a sua formação, pela ausência dos

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melhores, cuja origem estaria na herança visigoda, raça germana desprovida de toda

vitalidade germânica e corrompida pelas leis de Roma, incapaz de prover a Península de

minorias egrégias. “Aquí lo ha hecho todo „el pueblo‟, y lo que el pueblo no ha podido

hacer se ha quedado sin hacer” (ORTEGA Y GASSET, 1994, 93). E como o povo não

pode organizar um Estado de “prolongada consistência”, não se pode falar de

decadência de algo que nunca chegou a ser esplendoroso. A única época gloriosa,

compreendida entre 1480 e 1600, com a Conquista de América, nunca passou de uma

exceção, possível graças à precipitada união peninsular. Como Espanha foi a primeira

nação unificada tirou vantagem deste processo que por si só impulsionaria as nações.

Uma vez feita a Conquista, o país entrou numa etapa de decadência consecutiva, que

duraria até a época de Ortega.

Embora, por um lado esta trajetória negativa da história nacional pudesse soar

pessimista, Ortega não deixava de ver uma saída. Se era verdade que a Espanha vivia

sob Império das massas esta não era uma prerrogativa sua e sim uma característica de

decadência de toda uma época, a Idade Moderna. Toda uma série de valores construídos

pelas sociedades que conduziram este período, Inglaterra, França e, em menor, parte

Alemanha seriam derrubados por outros, o que diminuiria a potencialidade das grandes

nações “y los pueblos menores pueden aprovechar la coyuntura para instaurar su vida

según la íntima pauta de su carácter y apetitos”. (ORTEGA Y GASSET, 1994, 110)

Trata-se, portanto, de uma situação favorável para Espanha. Mas se esta deseja

“ressuscitar” é preciso que predomine um “apetite de todas as perfeições, um imperativo

de seleção”

La gran desdicha de la historia española ha sido la carencia de minorías

egregias y el imperio imperturbado de las masas. Por lo mismo, de hoy en

adelante, un imperativo debiera gobernar los espíritus y orientar las voluntades:

el imperativo de selección.

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Porque no existe otro medio de purificación y mejoramiento étnicos que

ese eterno instrumento de una voluntad operando selectivamente. Usando de ella

como de un cincel, hay que ponerse a forjar un nuevo tipo de hombre español.

No basta con mejoras políticas: es imprescindible una labor mucho más

profunda que produzca el afinamiento de la raza. (ORTEGA Y GASSET, 1994,

116)

Deste “imperativo” de seleção desprende-se a real dimensão da importância do

projeto da Revista de Occidente para o filósofo como um instrumento de formação

destas minorias seletas. Vimos em nossa dissertação como o pensamento alemão

sempre foi importante para Ortega como exemplo de rigor científico a servir de modelo

para a Espanha, em oposição à frouxidão do pensamento francês que dominava na

península46

.

“Esa conclusión era resultado de una diagnosis inmisericorde: la francesa era

ahora una „cultura decadente‟ que, por angostas miras nacionalistas, se resistía

a aceptar la evidencia palmaria de que „el centro de gravedad espiritual se

había desviado hacia las razas germánicas‟. (ORTEGA Y GASSET, 1901

apud LÓPEZ-MORILLAS, 1986, 21) (grifo nosso)

A citação de LÓPEZ- MORILLAS se refere ao texto “Alemán, latin, griego”

(1946), no qual Ortega defendia o ensino do alemão em todas as instituições de nível

superior espanholas, uma vez que a cultura latina, representada pela hegemonia da

língua francesa no ensino nacional, estava já superada. Não restava outra solução aos

povos românicos que “absorver o germanismo”: “La cultura germánica es la única

introducción a la vida esencial.” (ORTEGA Y GASSET, 1946, 210)

Assim, se nem Estados Unidos nem Rússia eram alternativas viáveis, ambos

dominados pelo império das massas, não restava muita alternativa a não ser escutar o

que os alemães tinham a dizer. Tal parece ser o sentido da presença dos textos alemães

46

Em nossa dissertação apontávamos que “germanizar Espanha, para o fundador da revista, não

significava substituir uma hegemonia por outra, mas buscar uma nova fonte onde beber conhecimentos

capazes de, pelo menos, abrir novas perspectivas sobre o “problema de España”. (SANTOS, 2005, 60)

Também indicamos que “numericamente se observava a superioridade da presença alemã comparada a

outras nacionalidades. Do total de 308 colaboradores, 175 são estrangeiros, dos quais 78 são alemães e

cerca de 20 são franceses. Enquanto estes produzem cerca de 30 textos, aqueles são responsáveis por 128,

quase a metade dos escritos não-espanhóis, que chegam a 267. (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 71-72)

Para maior informação ver SANTOS, 2005, cap 4 “Nosostros y ellos: a cartografia da revista”.

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na Revista de Occidente, como se desprende da nota introdutória ao artigo “El

americanismo, tópico y realidad”:

Teodoro Luddecke ensaya una definición de „americanismo‟, un poco distinta

de la corriente, y estudia, particularmente, su influencia en Alemania, pero

cuanto dice acerca de la situación de su país frente al norteamericanismo es

aplicable, en varia medida, a casi todas las naciones europeas. (R. de O.,

t.XXVII, 377)

O autor escreve sobre o domínio econômico americano e a incapacidade de

atuação alemã, imobilizada pela inércia do pensamento.

“Hay una pasión del pensar en Alemania que resulta estéril en alto grado,

porque se dirige a cosas sin importancia y porque enfoca desde un punto de

vista erróneo. El saber llegó a ser un terrible lastre. Y ¿qué sucede cuando esto

limita la capacidad de obrar del hombre, cuando, por tener demasiado lastre en

la cabeza, no alcanza a obrar más hábil y elásticamente? Esta fue la pregunta

que Nietzsche, por vez primera, hizo a la cultura alemana. Hoy se plantea el

problema de valor de la cultura alemana por segunda vez, pero mucho más

urgentemente. América está llamando a la puerta. ¿Qué es propiamente esta

América, con la cual tenemos que tratar?” (R. de O., t. XXVII: 383)

A idéia do autor é a de que a intelectualidade alemã precisa conciliar o

pragmatismo norte-americano com a reflexão alemã para assumir a tarefa política de

combater o domínio econômico estrangeiro, conseqüência da desastrosa política da

República de Weimar.

El americanismo como potencia económica positiva nos ataca con inmensa

energía en nuestro propio suelo, y una tras otra, conquista todas nuestras

posiciones económicas. Debemos ponernos en guardia enérgicamente para

conservar al menos la parte decisiva del régimen de nuestra casa. Podemos

hacerlo, por una parte, estudiando los medios y métodos americanos para

utilizarlos en nuestro beneficio. [...] Por otra parte, podemos hacerlo

tomando el rodeo de la política. El americanismo no hubiera avanzado

nunca en Alemania si no hubiera habido Versalles y la lucha de clases

alemana. Nuestra postura en la política interior y exterior desde 1919

abrió a la superioridad económica de América todas las puertas.[...] Se

combate al ulterior avance del americanismo en Alemania solamente por

medio de un cambio radical del sistema alemán actual, para impedir que los

restos de la potencia económica alemana queden bajo el influjo extranjero.

La decisión, la grandiosidad, la actividad, el cálculo frío en cuestiones

económicas, que son incompatibles con el romanticismo, es lo que nos enseña

América. Y a Alemania esta teoría le hace mucha falta. (R .de O., t. XXVII:

395, 396, grifo nosso)

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Esta visão, tanto do intelectual quanto do processo político, coincide com a de

Ortega na medida em que expressa a importância de ser ter tanto uma “força individual”

(as minorias) quanto um projeto coletivo de futuro, o que define a força de uma nação

que manda, em última instância, pela sua capacidade de se expandir.

Neste sentido é importante esclarecer que para Ortega ser minoria seleta não

significava, de modo algum, ser inerte. Para Ortega o homem é sempre “o homem e a

sua circunstância”, um projeto vital a ser realizado conforme as necessidades do seu

tempo e isto implica ser um homem de ação, de “saber mandar”. Sendo assim, o

chamamento de Luddecke aos homens egrégios de Alemanha para que saibam “obrar”

(“atuar”) é também o clamor de Ortega aos intelectuais espanhóis. Não por coincidência

ambos partem de Nietzsche e do desejo de “ação”. Nietzsche sostenía, con razón, que en

nuestra vida influyen no solo las cosas que nos pasan, sino también y acaso más, las que

no nos pasan. (ORTEGA Y GASSET, 1994, 108)

Agora, se por um lado este “saber mandar” tem uma dimensão individual, pois é

um processo de constituição de indivíduos capazes, ele é essencialmente coletivo, dado

que o saber mandar existe para “fazer algo juntos”. Esta é a definição de nação para

Ortega e este fazer algo juntos é sempre uma tarefa expansionista, dada pelo

estabelecimento de um objetivo externo à nação. “Las grandes naciones no se han hecho

desde dentro, sino desde fuera; sólo una acertada política internacional, política de

magnas empresas, hace posible una fecunda política interior, que es siempre, a la postre,

política de poco calado”. (ORTEGA Y GASSET, 1994, 40) Este objetivo deve ser

externo porque é o único modo de convertê-lo em elemento de união das diferentes

forças internas, sejam elas diferentes raças, diferentes classes ou outro qualquer fator de

dispersão.

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O relevante para uma nação, portanto, é a sua política exterior, que na análise de

Luddecke, vem sendo conduzida equivocadamente, abrindo às portas à superioridade

americana (lembre-se que para a R. de O., o texto de Luddecke se aplica a quase todas

as nações européias. Para Luddecke, assim como para Ortega, o problema é a falta de

intelectuais e de um projeto comum expansionista.)47

Se a interpretação de Luddecke era modélica da crise de projeto que atravessava

Alemanha (leia-se Europa) não menos o era “Clima y revolución” 48

, de K. Olbricht,

justificativa, através de “estudos climatológicos”, da superioridade do povo germânico.

Ao delimitar a nova ciência que apresenta, a bioclimática, a define como “la nueva rama

del saber que se ocupa del efecto del clima y sus alteraciones sobre la evolución y

funciones vitales de los seres vivos” (R. de O., t. XXVII, 1930, 41) e revela a sua

inquietude científica em estabelecer uma relação entre clima e nível de cultura

“Desde hace mucho tiempo me he dado cuenta clara de que entre el nivel de

cultura de la humanidad en diversas zonas y el clima tenían que existir

relaciones estrechas. Sólo faltaba encontrar un procedimiento para reducir a

números los diversos niveles de la civilización” (R. de O., t. XXVII, 1930, 56)

Deste modo, através de “dados científicos”, uma representação cartográfica de

linhas que se relacionam ao clima, conclui que

las regiones ofelotérmicas49

. de los continentes septentrionales son,

particularmente, adecuadas, a consecuencia de la distribución del calor, de la

intensidad de los cambios de tiempo y de humedad media del aire, para la

producción y el desarrollo de formas elevadas de seres de sangre caliente. (R.

de O., t. XXVII, 1930, 262)

47

Deve-se ter muito cuidado para não entender desta análise a idéia de que Ortega se ressentia da derrota

alemã durante a Primeira Guerra. O autor se colocou do lado dos aliados, mas sempre “salvando” da

condenação o “espírito intelectual” alemão. O que nos interessa, no momento, é somente destacar a

proximidade entre a análise da situação alemã de então e os pontos de convergência com as idéias

orteguianas. 48

O texto foi publicado em duas edições, janeiro e fevereiro, o que era uma prática comum da publicação,

quando um artigo era muito longo. 49

São regiões que contemplam uma série de fatores, entre eles uma certa temperatura ideal, que

propiciam o desenvolvimento da cultura. Segundo o autor, zonas muito quentes e de abundância de

recursos naturais, como as selvas tropicais, levariam a uma falta de estímulo, preguiça intelectual, que

criaria seres humanos menos capazes de forjar grandes civilizações.

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Suas explicações justificam que “Lo que llamamos historia universal no es

esencialmente otra cosa más que la elevación de la raza europea, su extensión por el

mundo y su lucha por el espacio y las materias.” (R. de O., t. XXVII, 1930, 248)

E dentro desta história do mundo

“Alemania, como núcleo de Europa, volverá a colocarse en una posición

elevada, por virtud de su situación y gracias a su energía climática; pues el

derrumbamiento de Europa que estamos pasando no está determinado por

decadencia y pérdida de energía, como el de la cultura de la antigüedad, sino

más bien, por un exceso de energías, para las cuales el espacio era

demasiado estrecho. Esta riqueza de energías del clima puede considerarse

seguramente, en primer término, como causa de la capacidad de trabajo del

pueblo alemán, y ella será la que haga posible nuestra restauración. . (R. de O.,

t. XXVII, 1930, 269)

Que existiam raças superiores e inferiores Ortega sabia na própria pele, dado que

era a herança visigoda, uma raça degenerada, a causa do males nacionais. Mas que a

ciência, o saber supremo, o rigor metodológico por excelência, o confirmasse era sem

dúvida o corolário final da sua tese. Observe-se aqui outra vez a coincidência com

Ortega: se a raça ariana é superior, o problema é o excesso de energia, seja num espaço

estreito, para Olbricht, seja num Estado estreito, em Ortega. Enfim, Alemanha (ou

Espanha, ou Europa) precisava se expandir.

Sobre a questão da raça surge um texto no mínimo duvidoso de Fernando Vela:

se trata da nota “De la mosca al hombre” (R. de O. t. XXVII, jan. 1930). O autor parece

fazer um apanhado das questões mais atuais que surgem a partir das descobertas na área

da genética. O texto é revestido de certa “isenção científica”, como se o autor se

limitasse a resumir as tendências da época: começando pelas descobertas de Mendel e

da explicação de como opera a hereditariedade o texto vai avançando na direção do

debate sobre a eugenia. A princípio Vela se mostra cético ante a possibilidade de

resultados positivos decorrente de qualquer intervenção eugênica.

Em primeiro lugar, “cientificamente falando”, porque ao contrário dos

organismos inferiores, que se reproduzem por divisão e que, portanto, efetivamente

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reproduzem uma multidão de indivíduos iguais, a combinação dos diversos

cromossomos humanos torna impossível a obtenção de um mesmo tipo de indivíduo. O

resultado é sempre imprevisível: “Dos combinaciones „buenas‟ pueden engendrar una

inferior; de dos combinaciones „inferiores‟ nace, a veces, una superior.” (R. de O. t.

XXVII, 1930, 128).

Em segundo lugar, a própria escolha do que seria “a classe de indivíduo mais

desejável” é algo discutível.

Prescindiendo de que es discutible cuál es la clase de individuo más apetecible

y de que se escogiera, efectivamente, la más excelente, y no la más

conveniente a las clases directoras, esta regulación eugenésica – caso de ser

posible – acabaría por empobrecer la vida. (R. de O., t. XXVII, 1930, 128)

Na verdade, o que inquieta o seu pensamento, neste caso, é especificamente a

questão dos gênios (sejam da arte, da história, da ciência, etc.) vinculada a uma

concepção destes como seres humanos únicos, quem sabe resultado às vezes de

combinações genéticas boas e más, que talvez não chegassem a existir em um mundo

homogêneo. Neste caso, a defesa da multiplicidade da vida está vinculada ao medo da

perda dos melhores (genialidade) como paradoxo da busca pelos melhores (melhoria da

raça). Este é o sentido de empobrecimento da vida.

Este medo se acentua ao final, quando o autor conclui que os intelectuais

praticam um “malthusianismo prejudicial à espécie humana”, que contribui à

perpetuação dos mais fracos da espécie. Se os avanços da civilização impedem a ação

da seleção natural, a situação se agrava pela “anti-seleção a que estamos submetidos: “la

antiselección que diezma, por virtud de la guerra, el elemento robusto; la antiselección

eclesiástica que condena al celibato a muchos individuos”. Assim não sobrevive o tipo

mais apto, mais forte, sobre o mais fraco, e sim o mais “prolífico”, o indivíduo inferior.

Como solução Fernando Vela volta à questão do eugenismo, afirmando que este

só é plausível na sua parte negativa, ou seja, se não podemos produzir um ser superior

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“sabemos evitar una combinación mala”. Além de citar casos de esterilização em massa

o autor destaca que se abrem novas perspectivas

[...] suplir las carencias hereditarias por medio de tratamientos ejercidos sobre

el organismo en formación. Existen medios artificiales para obtener, en ciertas

especies de animales inferiores, embriones más robustos que los normales.

¿No llegará el hombre a encontrarlos para su propia especie? (R. de O. t.

XXVII, 1930, 132).

Por fim aparecem dois textos de Carl Schmitt, intelectual que aderiu ao nazismo

e cuja teoria do Estado serviu de suporte a este sistema: “El processo de neutralización

de la cultura” (R. de O., t. XXVII, fev. 1930), no qual apresenta uma análise do papel da

técnica na sociedade moderna, e “Hacia el Estado total” (R. de O., t. XXXII, maio

1931), no qual faz uma dura crítica ao Estado “mínimo” liberal burguês e à sua idéia de

auto-regulação. Em oposição a este Estado inoperante defende a criação do Estado

Total, no qual se daria a identidade entre Estado e sociedade, cujos exemplos seriam a

Rússia e a Itália.

A sociedade alemã se encontraria em um estágio intermediário, o Estado

Pluralista, caracterizado por partidos sólidos

[...] son hoy la mayoría de los partidos, en parte, formaciones sólidas

completamente organizadas, en parte están insertos en un complejo social

completamente organizado, con una burocracia de mucha influencia, con un

ejército permanente de funcionarios pagados y un sistema entero de

organizaciones de ayuda y apoyo que abarca una clientela conexionada

espiritual, social y económicamente. La extensión a todas las esferas de la

existencia humana, la anulación de las separaciones y neutralizaciones

liberales de las diversas esferas, como religión, economía y cultura; en una

palabra, lo que antes hemos llamado la conversión hacia el Estado „total‟, se ha

realizado ya, para una parte de los ciudadanos y en cierto grado, por algunas

organizaciones sociales, de modo que, si bien no tenemos todavía un Estado

total, ya hay formaciones de partidos sociales que tienden a la totalidad y que

abarcan totalmente a sus huestes desde la juventud. [...] una al lado de otra,

forman y sostienen el Estado pluralista”. (R. de O., t. XXXII, 1931, 150)

No entanto, apesar do avanço que representam, são estes partidos os que

retardam o caminho da sociedade alemã em direção a este estágio superior do

desenvolvimento organizacional humano. É a existência de uma pluralidade de partidos

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em um sistema Parlamentarista, que usam e abusam da Constituição, os que convertem

o processo legislativo em um jogo de interesses grupais fragmentados “por medio [del]

cual la división pluralista se fortalece cada vez más más y la formación de una unidad

estatal cada vez más se encuentra en mayor peligro.” (R. de O., t. XXXII, 1931, 150)

Como conclusão, para seguir na direção do estado total “no sirve ya para nada

andar con fórmulas y antifórmulas adecuadas a la situación de la monarquía

constitucional del siglo XIX, tales como la de la „soberanía del Parlamento‟, para

resolver el problema más difícil del Derecho constitucional actual.” (R. de O., t. XXXII,

1931, 156)

Semelhante atitude já se encontrava no texto de Jiménez Caballero, que atribui o

desejo de “seguranças políticas (Parlamento, Constituição) ao signo feminóide da era

que atravessa Espanha:

Si el signo es viril: lejos está lo romántico. La virilidad no consiente el gemido,

la desolación, ni el tiquismiquis. Pero si eses signo se afemina, como en la

España nueva que adviene poco a poco: ideas pacifistas, pelo en el hombre,

temor a lo violento, disgusto por la aventura lejana – conquistas,

intervenciones, raids -, libertad sexual, predominio del intelectual y del orador

[...] retorno a ciertas tradiciones tranquilas, a ciertas “seguridades políticas”

(Parlamento, Constitución), es que el romanticismo está a las puertas: pálido,

malévolo y serpentino; con la faz de Eva, la manzana ingerida. (R. de O., t.

XXVIII, 179)

No início deste capítulo afirmamos que tanto as discussões sobre o psicologismo

ou o papel do Estado destacam nos volumes da R. de O. estudados. Agora podemos

afirmar que é mais do que compreensível que estes textos apareçam com mais força em

1930. É certo que a publicação desde o seu início se inseria no projeto de criar uma

intelectualidade capaz de conduzir as massas e que, portanto, os textos publicados de

certa forma se relacionavam à solução deste problema, fosse a teoria da relatividade de

Einstein ou a poesia de Guillén, mas a mudança do cenário político, espanhol ou

mundial, transformam as discussões sobre o papel do Estado, do intelectual ou da

massa, que deixam de ser abstrações distantes da realidade de 1923, para se tornarem

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questões prementes, materializáveis nas aspirações de uma burguesia espanhola que há

muito tempo vinha desenganada. Analisar o Estado alemão, soviético ou americano,

bem como os seus valores culturais e sociais implicava em definir um modelo para a

nova Espanha possível, aquela que há mais de um século esperava a República, mas que

ao mesmo tempo que desejava a democracia, temia que esta se convertesse no império

das massas.

Até aqui fizemos uma análise das questões teóricas em torno da questão das

massas postas pela Revista de Occidente aos seus leitores, ressaltando uma operação

esperada por uma publicação cultural, cujo propósito era falar de intelectuais para

intelectuais. Fossem questões sobre o estado ou sobre psicologia o debate apresentado

remete a problemas centrais vividos na Europa, e claro na Espanha, mas mantendo

sempre a distancia necessária com a alusão a fatos da realidade imediata espanhola, ,

operação condizente com perfil de “discurso científico” que reveste de autoridade uma

“crítica especializada”. Passaremos a continuação a observar os textos que já não podem

se manter no suposto plano “acadêmico” e estabelecem um diálogo com o leitor sobre o

cotidiano. Sinal dos tempos contraditórios, plasmado na metáfora de Fernando Vela a

respeito da importância do vitalismo, da necessidade de a filosofia superar a “falsa

contradição entre vida e espírito”

Los filósofos se han percatado, ante la avalancha del irracionalismo, de que es

llegado otra vez en la historia el momento de “salvar el espíritu. Pero también

se han percatado de que el espíritu no puede salvarse si se empeña en resistir

sin ceder. No hay más que un camino de salvación: renunciar, circunscribir el

espíritu, colocarle en su verdadero lugar, dentro de sus límites reales,

abandonando a la “vida” sus verdaderos derechos. Ni uno más ni uno menos.

Se trata de algo semejante a una nueva Constitución. (R. de O., t. XXIX,

set. 1930) (grifo nosso)

A metáfora que se refere à nova Constituição como única salvação para a

filosofia encontra o seu referente em 1930, no desejo de uma nova Constituição

nacional, que também se apresentava como a única salvação para as urgentes

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transformações políticas de que a Espanha necessitava, e que o governo Berenguer, e

por consequência, a Monarquia, insistiam em não promover.50

5.3 VISTO Y OÍDO

Observamos no capítulo 2, como intelectuais de diferentes gerações chegaram ao

ano de 1930, constituindo um grupo de oposição à Ditadura de primo de Rivera com

grandes expectativas a cerca da República. Este ano começou com a queda da Ditadura

e a subida ao poder do General Berenguer, numa tentativa monárquica de voltar à

normalidade política. No entanto, a lentidão do processo de redemocratização e a

insatisfação com os desmandos da Ditadura desgastaram a figura do Rei e da Monarquia

tanto à direita quanto à esquerda, o que a levou a um grande isolamento político.

Berenguer recorreu aos velhos políticos do caciquismo da Restauração, mas a

situação era insustentável. Um dos ex-ministros liberais antes da Ditadura, Niceto

Alcalá Zamora, manifestaria seu desencanto com a Monarquia e passaria a defender

uma República conservadora, sendo depois o primeiro presidente da Segunda

República. Alacalá Zamora foi um dos que participou do encontro, em agosto de 1930,

que resultou no pacto de San Sebastián, acordo entre vários setores do republicanismo

(desde os mais conservadores aos mais radicais, passando por movimentos nacionalistas

catalão e galego) com o objetivo de estabelecer a República no país.

Em dezembro do mesmo ano se deu a sublevação de Jaca, município de Aragão,

em que um setor do exército, em contato com alguns segmentos do Pacto de San

Sebastian, promoveu um Golpe contra a Monarquia. No entanto, devido à má

articulação do golpe, os rebeldes foram controlados e os líderes, os capitães Fermín

Galán Rodríguez e Ángel García Hernández, condenados ao fusilamento. De qualquer

50

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forma, o episódio contribuiu a enfraquecer ainda mais o poder oficial, a república já

tinha os seus mártires.

Paralelamente a esta movimentação havia um grande movimento de gente nas

ruas num momento em que a opinião pública jogou um papel ativo na vida política

(QUEIPO DE LLANO, s/d, s/n)

“Todo el mundo parecía sentir prisa por definirse, un ejercicio en que los

intelectuales tomaron la delantera hasta llenar la esfera pública con sus dos

armas habituales: la palabra, dicha en el homenaje, el discurso o el mítin, y la

escritura, con nuevas publicaciones, artículos sensacionalistas o libros

lanzados al servicio de alguna causa”. (SANTOS JULIA, 2006, 208)

Ortega também se definiria, mas só em novembro de 1930, quando publicou o

seu famoso artigo “El error Berenguer”, no qual afirmava que a nomeação do Governo

Berenguer, com o objetivo de restaurar a normalidade, constituía o erro central da

Monarquia. Para o autor não se poderia propor um “seguir a diante”, como se nada

tivesse acontecido51

, baseado na ideia que o Estado fazia da inércia do povo espanhol.

Observe-se que Ortega não nega esta inércia e o que condena é que para ele o

verdadeiro papel da Monarquia consistiria, diante de tal situação, em fomentar o

desenvolvimento intelectual dos espanhóis, ajudá-los a suprir esta deficiência da raça

para fazer surgir um novo Estado potente.

Em vez disso o que se via era um governo que se aproveitava de tal situação

para tirar vantagem às custas de vinte milhões de espanhóis. No entanto, Ortega advertia

que desta vez, seria diferente, a Espanha estava indignada. Por fim, conclamava a nação

a reconstruir o inexistente Estado Espanhol. Era preciso destruir a monarquia!

A estrondosa frase com que termina o artigo, “Delenda est Monarchia”,

repercutiu fortemente no meio intelectual e na opinião pública. Se Ortega demorava a

51

No texto original ele parte de uma crítica a um famoso jargão, útil à manutenção de um poder

incompetente, que diz “¡En España no pasa nada!”, algo como “Na Espanha não acontece nada”.

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110

entrar no circuito agora o fazia propondo, como sempre, alternativas a partir das

minorias seletas. De uma “extravagante Junta Magna, formada por 150 a 200 pessoas,

representantes das “grandes forças nacionais”, passaria a algo mais concreto, mas que

de qualquer forma não se relacionava com uma possível organização partidária.

Se em 1914 criava a Liga de Educação Política, em fevereiro de 1931 surgia a

“Agrupación al Servicio de la República”, também de efêmera existência mas que

recebeu uma adesão massiva. “En la segunda semana de febrero de 1931 „se afiliaron a

la Asociación cerca de dos y tres mil personas por día (catedráticos, médicos,

arquitectos, ingenieros, abogados, oficiales del ejército y de la Guardia Civil,

industriales, comerciantes, empleados, obreros)‟ .” (SANTOS JULIA, 2006, 217)

De fato a associação só acabou oficialmente em 29 de outubro de 1932, com o

"Manifiesto disolviendo la Agrupación al Servicio de la República" (ASR), publicado

no jornal Luz, depois da decepção do seu mentor com os rumos da República. Antes

disso, porém Ortega e alguns intelectuais da ASR se aventuraram a participar

efetivamente da política dos primeiros anos do novo Regime. Ao chamado de

reconstruir o Estado, compareceram como deputados eleitos para as Cortes

constituintes, começando os trabalhos em julho de 1931 e concluindo em dezembro do

mesmo ano.

A questão das datas, em nosso caso, se torna relevante porque à continuação

analisaremos a inserção em 1931 da coluna “Visto y Oído” na Revista de Occidente. Se

trata de um espaço inserido dentro da parte dedicada à seção de notas, composto de um

conjunto de pequenos comentários publicados em maio, junho e setembro de 1931, que

em sua grande maioria abordavam aspectos da atualidade. Nos dois primeiros números

os textos foram assinados por Antonio Marichalar e o último, por ele e Fernando Vela.

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A primeira coluna estava composta de sete pequenos textos que ocupavam doze

páginas: “Lo prohibido”, sobre uma palestra do socialista Julian Besteiro convocada

pela F.U.E., "Potemkin, film piadoso”, uma análise do filme, “Iluminaciones”, sobre a

visita de Mme Curie ao país e sobre uma atuação de Margarita Xirgu, “Sombras

Blancas”, uma crítica aos surrealistas em relação aos episódios das queimas de

conventos, “Simulacros”, sobre a violação de imagens sacras pelo povo, e "Ça-Ira" e

“Terror Pánico”, ambos sobre o temor à República.

Observa-se que nesta primeira coluna, de fato, todos os textos se relacionam

diretamente à nova situação do país como República. Também se nota uma espécie de

trajetória dos textos, que vai dos aspectos positivos aos negativos, plasmados nas

declarações iniciais e finais da coluna: do entusiasmo com a participação estudantil

“Los estudiantes son el diablo” ao clamor final “Alto la debandada”. Assim os três

primeiros tratam do resgate da vida intelectual e política espanhola depois do fim da

censura ditatorial e os quatro últimos entram, digamos, nas feridas do novo regime.

Por um lado, pode-se comparecer a uma conferência organizada pelos

estudantes, atores fundamentais desses anos, ver um filme antes censurado, como o

Encouraçado Pomtenkim, ou assistir às iluminadas Marie Curie, primeira convidada de

honra da República, ou Margarita Xirgu, em sua encenação da peça “Um día de

octubre”, de Georg Kaiser. Por outro, percebe-se a chegada do pânico e do

irracionalismo que aquele provoca: queima de conventos, destruição de imagens, fuga

de capitais. De qualquer forma, esta separação é, na verdade, temática, que longe de

propor uma visão dicotômica da coluna, procura estabelecer uma trajetória para os

assuntos, que vai do estético ao político, permeados, ambos, por suas ponderações

críticas e demarcações de campo.

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Assim, por exemplo, se em “Lo prohibido” se comenta a conferência proferida

por Julián Besteiro dentro de um ciclo de conferencias organizada por la F.U.E.

(Federación Universitaria Escolar). O entusiasmo de Marichalar com a importante

participação estudantil naqueles “años duros de una tenaz intervención política, frenada

a tiempo”52

serve, na verdade, de introdução a um debate que estabelece com Besteiro.

Frente à crítica do socialista às chamadas “filosofias elegantes”, Marichalar ironiza as

palavras de conferencista e se pergunta o que isso quer dizer, já que “A una mirada más

superficial le parecería Besteiro un inglesote con palos de golf y medias de lana, un

laborista de peluca blanca.” (R. de O., t. XXXII, 1931, 194) . Como conclusão, declara:

“Empiezo a comprender que lo que don Julián Besteiro designa, en su enojo, con el

peyorativo nombre de elegante, no es sino aquello que yo he creído cursi siempre. (R. de

O., t. XXXII, 1931, 195)

Do mesmo modo, a admiração pelo filme russo não vem desvinculada de uma

crítica ao estado atual da Russia soviética e, antecipando o que o dirá o crítico Radeck

sobre o perigo de obras inoportunas, se pergunta se “¿no podría ser la proyección de

Potemkin, aun en la propia Rusia, de efecto subversivo?” (R. de O., t. XXXII, 1931,

197). Para o crítico o filme é bom porque não é comunista e sim “revolucionário”, seu

objetivo não é persuadir, elogiar ou propagar algo e sim “perturbar os ânimos”, é arte.

Se Potemkin era arte justamente porque não era comunista, não poderiam ser

artistas, e, portanto, intelectuais, os “comunistas” do surrealismo francês, que lançaram

um folheto na França sobre a queima de conventos na Espanha. Esta é a tônica do texto

“Sombras blancas”.

52

Em nossa dissertação de mestrado analisamos este texto em relação a uma nota de Fernando Vela,

publicada em 1929, sobre um curso de filosofia que Ortega y Gasset organizou após o seu pedido de

demissão.

„Los estudiantes son el diablo‟, habrá pensado, más de una vez, el filisteo en España. Y acaso no se haya

equivocado. Claro que a título de excepción y por muy distintas razones que las suyas. Las razones las da

Baudelaire cuando dice que aquel que todo lo que hace, lo hace bien, es el diablo.

En años duros de una tenaz intervención política, frenada a tiempo, los estudiantes españoles han

demostrado capacidad para ser electores. Más aún, para ser elegidos. (R. de O., t. xcv, 1931, 193)

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Um dos principais problemas da República foi a sua relação com a igreja

Católica. Apesar da presença de republicanos católicos no governo provisório, como o

próprio presidente Alcalá-Zamora, a intenção republicana inicial de realizar a separação

entre Estado e Igreja obviamente não foi bem acolhida entre os setores mais

conservadores. Tal foi a desconfiança, que o próprio Vaticano não reconheceu de início

o novo governo espanhol, embora tivesse recomendado aos fiéis a obediência às

autoridades estabelecidas. Seu argumento se baseava no fato de que o governo era

provisório e que o rei não tinha abdicado. (JACKSON, 2008, 30)

De fato, no seu texto de renuncia Alfonso XIII se limita a reconhecer que não

dispõe do apoio de seu povo e que se ausenta do país para evitar uma guerra civil,

reconhecendo a Espanha como senhora do seu destino. No que se refere à Monarquia

esclarece: “No renuncio a ninguno de mis derechos, porque más que míos son depósito

acumulado por la Historia, de cuya custodia ha de pedirme, un día, cuenta rigurosa.”

(ALFONSO XIII, 1946, 393)

Quando no dia 6 de maio o governo decretou o fim do ensino religioso

obrigatório, a resposta oi imediata: no dia seguinte se publicou na imprensa a Carta

Pastoral escrita pelo Cardeal Segura, arcebispo de Toledo e primeiro na hierarquia

eclesiástica nacional, conclamando os católicos, monarquistas ou republicanos, a se

juntarem e participarem organizadamente na política nacional, de modo a garantir os

direitos da Igreja. Também nesta mesma semana o diário ABC anunciava para o dia 10

de maio a abertura de um Círculo Monárquico para organizar os partidários do Rei.

(JACSON, 2008, 31) Como consequência, no dia seguinte à criação de tal círculo foram

queimados seis conventos em Madri e quinze em outras cidades do sul da Espanha.

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O folheto dos franceses conclama os cidadãos da França a se solidarizarem com

a atitude “revolucionária” dos espanhóis que queimaram conventos e a não aceitarem a

presença das ordens religiosas que estavam migrando para o pais.

Ateos franceses, no podréis tolerar que, en nombre de un derecho de asilo

totalmente falaz [...] Francia permita el establecimiento sobre su territorio de

las congregaciones que huyeron de la España revolucionaria [...] Impondréis

[...] el retorno de los religiosos a la frontera en donde les esperarán los

tribunales populares. (apud LOPEZ CAMPILLO, 1972, 207)

Marichalar ridiculariza a atitude dos surrealistas, de muitas bravatas, mas de

pouco conhecimento científico, uma vez que ignoram a histórica origem cristã do

comunismo. Como conclusão explica que “se publica ahora, en Francia, el primer tomo

de la copiosa Histoire du Comunisme, de G. Walter. Pero ni Breton, ni Péret, ni Crevel,

ni Eluard, quieren saber nada de eso. (R. de O., t. XXXII, 1931, 200)

Nos seguintes comentários, Marichalar continua tratando das desordens

populares de alguma forma relacionadas às queimas de conventos. En “Simulacros”,

analisa o fenômeno das manifestações anti-monárquicas e anti-clericais reveladas nas

atitudes iconoclastas: a decapitação da estátua de Felipe III no centro de Madri e a ideia

de vestir a virgem como uma cigana em Málaga. Se é um fato que a ira espanhola se

descarrega contra os símbolos, também é verdade que neste ato de catarse ambos os

lados atuaram representando papéis. Por um lado estão os vencedores, que se cobrem de

glórias com a exaltação do ocorrido, mas do outro estão os vencidos, que mostram

fervorosa dedicação à imagem de um monarca que eles mesmos teriam decapitado, e

que introjetam a imagem do sofrido, ao que imolam. Na verdade, o que caracteriza

Marichalar é a massa, tanto a de um bando quanto a de outro. É esta que o autor ao final

não sabe dizer se é iconoclasta ou, na verdade, iconódula.

Ça Ira, o título do próximo texto, remete a uma das músicas cantadas pelo povo

na Revolução francesa, como “La Marseillaise”, cujas letras falavam de revolução, fim

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da monarquia, luta pela liberdade. A análise der Marichalar se dirige aos derrotistas que

ao não verem verdadeiro significado do movimento revolucionário (metaforizado em

“Ça Ira”) no que ele tem de “clamor esperanzado, de confianza en que las cosas saldrán

adelante” (R. de O., t. XXXII, 1931, 201), acabarão descobrindo o outro “Ça Ira”,

aquele que carrega a ira popular.

Por fim, o último texto, “Terror pánico”, trata da questão da terra y da fuga de

capitais do país, duas outras espinhas da República. Marichalar critica a atitude do

“espanhol privilegiado” que passa da “fruición ciega a la desbandada”, entendendo que

neste caso a culpa do alarmismo é dos próprios “alarmados”. É o pânico gerado pelos

que “dispararon huyendo, porque siempre se encontraron de espaldas a la realidad

viva”.

São também os “terratenientes”, “los que se obstinan en parar [la tierra] en su

revolución [...] hacia la izquierda, que geram o “terror pânico”. Mas a estes o crítico

adverte

[...] ¡Alto la desbandada! Es el momento de hacerse cargo, de ver claro, de

creer, de una vez, en lo evidente. Los que quieran un estado consciente, que

aporten un estado de conciencia. Y tengan fe. Que con fe se transportan

montañas..., pero no de otro modo. (R. de O., t. XXXII, 1931, 202, 204)

Ao concluirmos a da leitura da coluna de Marichalar observamos a difícil

situação do intelectual de perfil liberal tipo “Ortega”, que se pauta pela “razão”, diante

dos conflitos de uma República que em menos de um mês mostrara as suas profundas

contradições sociais e políticas. A sua república liberal deveria “se resolver sozinha”, a

partir deste “estado de consciência”, da “claridade” hegemônica tão óbvia, que não seria

necessário ter de se “separar o joio do trigo”, o seja, de fazer que os setores burgueses

entendessem o papel que lhes cabia naquele momento histórico de superação da

Monarquia. Justamente porque era fundamental evitar que a República se convertesse

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no império das massas, fosse como metáfora da Revolução francesa e o período do

Terror, ou da Revolução burguesa convertida em Revolução proletária, que não se podia

abandonar o país. Do terror pânico poderia surgir o “Ca Ira irado”.

A segunda edição da coluna (R. de O., t. XXXII, 1931), publicada em junho,

continha cinco textos, “Bajos Fondos”, “Pruebas de resistencia”, “Atavismos”, “Al

outro lado del vidrio” e “Un hombre de letras”, e a terceira e última, publicada em

setembro, (R. de O., t. XXXIII, 1931) apenas quatro, “Ironías Rusas”, “El sillón del

Club inglés”, “Los economistas” e “La genealogía como ciencia”. Consideravelmente

menos beligerantes que as de maio, pode-se afirmar que nas edições sub-sequentes

apenas um texto se relacionava explicitamente ao contexto político espanhol imediato,

quatro se relacionavam à política, e as demais constituíam discussões no âmbito da arte.

Além disso, a exceção de “Bajos Fondos”, “El sillón del Club inglés y “Economistas”,

cuja linguagem ainda é mais informal, embora não chegue à apelação direta como em

maio, observamos que os textos já se caracterizam pela linguagem academicista usual,

ou seja, se observa uma manutenção do debate “no plano das ideias, característica da

seção de notas.

Em “Bajos fondos” (R. de O., t. XXXII, 1931), primeiro texto de junho, o autor

critica ao mesmo tempo o sensacionalismo cultivado pelos jornais em momentos

críticos e a atitude passiva dos espanhóis que consomem tais notícias

“Cuando el español está perplejo culpa, en su zozobra, a los que rigen sus

destinos. Mas hay que preguntarle: ¿cuál es el director a que obedeces: el que

dirige tu gobierno o el que dirige tu diario? [...] En los momentos críticos se

cultiva el sensacionalismo> pero es un método de doble filo que acaba por

llevar al fracaso. (R. de O,, t.XXXII, 1931, 297)

Como conclusão aponta a necessidade urgente de se combater o lucro

indiscriminado, seja daquela nova imprensa sensacionalista, seja de qualquer atividade

especulativa, atividades exploradoras, no final das contas. “Hay que acudir a toda prisa.

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[...] Si no se acude a tiempo, le va a explotar la explotación entre las manos”. (R. de O.,

t. XXXII, 1931, 299)

No segundo grupo, observa-se a aparição do tema da crise na India, que em 1930

tinha sido marcada por um grande movimento de desobediência civil liderado por

Mahatma Gandhi. “Pruebas de resistencia” (R. de O., t. XXXII, jun. 1931, 299) é uma

reflexão sobre a figura do líder indiano e sua desobediência civil, texto motivado pela

decisão do indiano de ir a uma conferência em setembro de 1931 no parlamento inglês.

Mais do que uma análise da situação política, o que interessa a Marichalar é a sua figura

enigmática, que se busca uma verdade é “uma verdade esfumada pela ironia”.

“El sillón del Club inglés” (R. de O., t. XXXIII, set. 1931, 347) é uma análise da

decadência da figura do gentleman, figura dedicada ao ócio, que só pode existir quando

há uma estrutura colonial que lhe dê suporte. “Se calcula cuántas Indias, cuántos

Canadá, cuántas Australia son necesarias para que un inglés pueda permitirse unas horas

de spleen en el sillón de cuero de un club londinense y para que Inglaterra tenga

gentleman?” (R. de O., t. XXXIII, 1931, 347) A deformação que produz este ócio é a

geração de homens desacostumados a lutar pela vida, que não sabem combater e por

isso desaparecem, como o fidalgo espanhol da época em a Espanha também tinha a suas

índias”. Como se observa não é difícil verificar nestas linhas a analogia entre a situação

inglesa e a Espanhola: a decadência de uma nação pela da constituição de umas

minorias ineptas para a ação.

Da decadência voltamos, então, para a questão da raça. “La genealogía como

ciencia” (R. de O., t. XXXIII, set 1931) é o último texto publicado dentro de “Visto y

oído”, e é também o único escrito por Fernando Vela. O autor afirma que os estudos

levados a cabo pela “Associação Heráldica” podiam contribuir com a sociologia. Se por

um lado revelava que algumas profissões tendem a durar no seio das famílias e outras,

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não, o que possibilitava o estudo do comportamento humano ao longo de gerações53

,

por outro permitia postular que era possível desenvolver o talento humano, “mediante

cruzamentos guiados por un criterio racional” de mistura de sangue ou raça, ainda que

tal procedimento somente permita aumentar a probabilidade de se produzir um gênio.

Por fim, a genealogia registrava a crescente infecundidade das classes cultas.

“Según estadísticas del americano Davenport, los 1.000 graduados de la Universidad de

Harward no tendrán más que cincuenta descendientes dentro de dos siglos. En cambio,

los individuos inferiores son muy prolíficos, y la higiene moderna los conserva, aunque

Nietzsche dijera que „el diablo y las estadísticas se los llevan‟”. (R. de O., t. XXXIII,

1931, 351) Ao que parece a preocupação de Vela com o “Neomalthusianismo

intelectual” , visto no capítulo 5.2, prosseguia.

Falta ainda mencionar os textos relativos à arte e que serão analisados mais

adiante. Por enquanto, nos limitaremos a assinalá-los. São eles “Atavismos”, “Al outro

lado del vidrio” e “Un hombre de letras”, em junho, e “Ironías Rusas” (já visto no

capítulo 5.2 ) em setembro.

O balanço final da leitura dos textos de “Visto y Oído” revela uma

transformação na trajetória desta coluna. Primeiro se observa uma aproximação inicial

muito identificada com os temas mais urgentes do país, motivada pela instabilidade do

início da República, especialmente, a polêmica gerada pelo episódio da queima de

conventos. Tal discurso revela um envolvimento maior do autor, que se distancia da

forma impessoal do texto científico-acadêmico e adota o uso de um tom apelativo,

chamamento à participação do leitor. Este constitui o discurso da coluna de maio de

1931.

53

Um dos exemplos é que as linhagens dos primeiros capitalistas alemães não são as mesmas que as dos

grandes capitalistas atuais. Isto significaria que com o passar dos tempos as grandes fortunas tendiam a

ser empregadas em terras e que assim as primeiras gerações ativas dariam lugar a gerações passivas, “em

linhagens contemplativas. (R. de O., t. XXXIII, 1931, 350) Mais uma vez surge a noção de que a

contemplação é um valor negativo para o homem.

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Depois se observa um distanciamento temático mais característico da seção de

notas, que embora em alguns casos ainda mantenha uma motivação política explícita,

vai se aproximando das reflexões tradicionais da seção de notas. Esta trajetória se

observa no próprio plano do discurso, que deixa o tom mais direto e apelativo de maio

na direção do discurso mais cientificista da revista. Estes são textos que se conectam

outra preocupação da Revista de Occidente, a literatura e a arte, a ser abordada a seguir.

Mais do que expressar uma tendência à mudança, parece que a coluna “Visto y

oído” refletia a necessidade urgente de responder a uma situação única no país, de

chamar os intelectuais a ajudarem a recente República apesar dos conflitos iniciais da

queima de conventos. Passada a confusão de maio, diminuiu a importância deste tipo de

abordagem na coluna de junho e a de setembro apenas mantinha alguma relação com o

objetivo inicial.

Poderíamos atribuir tal fato a várias causas, desde uma possível saída do

colaborador, o que não é o caso, já que Antonio Marichalar continuou publicando da R.

de O. até 1936, ao aumento das atividades políticas do grupo de Ortega, mobilizado

para as eleições e sem tempo para outras atividades, o que se contradiz no fato de que

Marichalar continuou publicando normalmente ao longo de 1931. Também poderia se

especular a cerca da falta de novos conflitos de impacto, o que definitivamente não era o

caso.

Não se pode esquecer que em quatro de julho os anarquistas deflagraram uma

grande greve na Companhia Telefónica, mas que não foi mencionada nem na edição de

julio-agosto, nem na seção “Visto y oído” de setembro, pelo menos não explicitamente.

O único texto que de alguma forma faria alusão à situação poderia ser “Los

economistas” (R. de O., t. XXXIII, set. 1930). Em um texto breve, de menos de uma

página, Marichalar critica a importância dos economistas na atualidade e o que define

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como sua forma de atuação pouco científica: “são meteorologistas cujas predições quase

sempre não se confirmam”.

Poderíamos estabelecer a motivação do texto no desencanto com a economia,

em geral, principalmente após a grande crise de 1929 e que simbolizam os economistas,

fazendo as suas predições sobre mercados instáveis, mas também observar o caso

particular da Espanha, vítima da já citada debandada de capitais, por uma lado, e sem

respaldo financeiro internacional, por outro. Ao assumir como ministro da fazenda, o

socialista Indalecio Prieto se viu diante do cancelamento de um importante empréstimo

conseguido pelo último governo dentro da Monarquia, da fuga de capitais e da

desvalorização da peseta. (JACKSON, 2008, 39)

Quando a CNT começou a greve em junho na Companhia Telefónica,

subsidiária de uma companhia norte-americana, pretendia colocar em situação delicada

o partido socialista que, na época da ditadura de Primo de Rivera, tinha acusado o rei de

ter se vendido ao capitalismo americano ao estabelecer um contrato a longo prazo com a

empresa. Só que então os socialistas estavam no governo e “En julio de 1931, o ministro

socialista de Hacienda, Indalecio Prieto, estaba haciedo todo lo posible para tranquilizar

a los acreedores, cortar las fugas de capital y detener la baja de la peseta.” (JACKSON,

2008, 45) O governo declarou estado de Guerra em Sevilla e reestabeleceu a ordem,

depois de 30 mortos de 200 feridos (JACKSON, 2008, 46). O episódio produziu várias

reações dentro e fora do governo e marcou o clima inicial dos trabalhos das Cortes que

elaborariam a nova Constituição.

O fato sem dúvida foi de forte repercussão, mas por algum motivo já não seria

objeto de interesse direto da publicação. Se “Los economistas” se relaciona ao fato, só o

faz de forma bastante indireta, muito diferente da abordagem relativa aos conventos de

Madri. Embora fosse necessária uma análise de mais elementos relacionados à trajetória

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da coluna, do próprio Marichalar e do panorama geral, bem como da recepção dos

leitores a um texto de perfil bastante diferente do usual na R. de O., para podermos

estabelecer a verdadeira dimensão da coluna, podemos postular que se tratou de uma

espécie de “desabafo”, que respondeu apenas a uma necessidade pontual da revista de se

inserir no novo panorama político espanhol, desaparecendo em seguida.

No entanto, o que para nós é mais relevante não é o porquê do aparecimento ou

do fim da coluna e sim mostrar como a sua contribuição ao debate político no seio da

Revista foi muito menor do que toda a mobilização de artigos e notas que a publicação

expôs a partir de 1930. Foram os textos analisados no sub-capítulos anteriores, desde os

estudos psicológicos até o debate sobre o papel do Estado, os que realmente situaram a

Revista de Occidente no centro do debate pelo futuro da Espanha54

. Se é verdade que

muitos intelectuais naquele momento se “definiram” independentemente de Ortega,

continuava existindo uma boa parcela que esperava pelas atitudes do mestre e que,

certamente, acompanhava a leitura do seu periódico mais nobre.

54

Além dos artigos publicados a Revista de Occidente foi responsável pela publicação de vários livros

através da sua editora. Desde filosofia até a produção poética da Geração de 27, a R. de O. publicou

constantemente ao longo dos treze anos. Sendo assim, torna-se relevante observar que, como

complemento ao debate gerado em suas páginas, a editora Revista de Occidente lançou entre 1931 e 1932,

uma série de livros dentro de duas coleções de curta duração, dedicadas à questão do Estado. São elas:

Colección libros de política

LUTKENS, Charlotte: El Estado y la sociedad norteamericana, 20-IV-1931.

HAENSEL, Paul: La política económica de la Rusia soviética, 10-VIII-1931.

Colección cuadernos de política

GODEBRARD; EBERS, G.; CUEVAS: Derecho eclesiástico del Estado, 9-X-1931

LASKI, Harold J.: Introducción a la política, 19-XI-1931

ORTEGA Y GASSET, José: Rectificación de la república, 21-XII-1931.

WEBER, Alfredo: Crisis de la idea moderna del Estado, 29-I-1932

Referências retiradas de LÓPEZ CAMPILLO (1972: 277-278)

É interessante observar que um dos últimos textos publicados é um texto do próprio Ortega Y gasset, que

será analisado mais adiante.

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6. ALGUMAS REFLEXÕES

Ao concluirmos esta série de análises sobre a mudança no perfil de textos

selecionados pela Revista de Occidente, inserindo o periódico no debate sobre a

elaboração de um projeto político para a Espanha dos anos trinta, é preciso esclarecer

alguns pontos acerca das implicações deste discurso dentro e fora da publicação. Ao

analisarmos algumas posições ideológicas, devemos ter o cuidado de observar a

diferença entre a construção de um discurso característico da R. de O. e a identificação

de todos os colaboradores, ou de todos o textos, com a perspectiva da publicação. Por

contraditório que pareça, não podemos afirmar que os textos publicados apresentam

exatamente a mesma perspectiva ou defendem as mesmas ideias, mas também não

podemos concluir, por isso que se tratam de textos de um amplo leque de teorias, que

corroborariam a idéia de a R. de O. foi uma publicação “permeável e disponível”

(LOPEZ CAMPILLO, 1972, 250) a todos os debates intelectuais de seu tempo, abrindo

espaço para diversas correntes de pensamento atuais.

Se Bertrand Russell e a defesa de uma libertação do amor, Giménez Caballero e

a adoração feminina a São José, Jung e a diferença entre o Eros feminino e o Logos

masculino, ou Rosa Chacel e a crítica a Jung, sem mencionar os diferentes intelectuais

que usam o método fenomenológico (Hartmann, Klages, Katz), não constituem

precisamente uma corrente filosófica única ou mesmo um grupo de intelectuais com

uma atitude única (exemplo disso serão as diferentes posições tomadas em relação à

Segunda Guerra, por exemplo) também não podem escapar a um certo perfil de

intelectual conservador burguês, preocupado com os rumos da Europa do pós-guerra,

imprensada de um lado pelo novo modelo americano e de outro pela revolução

soviética.

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Ao mesmo tempo, essa relativa diversidade de colaborações reflete a

necessidade da existência de certa “polêmica”, de questionamento, como exigência do

processo intelectual de construção do conhecimento. Uma revista cultural, antenada

com as novidades do seu tempo não deveria se furtar ao debate, embora na verdade este

esteja sempre filtrado pela polêmica que se permite instalar na publicação, a partir, tanto

da seleção dos artigos de colaboradores notáveis, quanto da orientação das notas

publicadas pelo grupo da revista.

Assim, não importam demasiado as diferentes opiniões expostas desde que

permaneçam dentro do perfil ideológico da R. de O, responsável pela manutenção de

um espaço hegemônico dentro do campo intelectual espanhol. O sistema absorve as

diferenças e a vida continua: o que não se pode é escapar muito desta perspectiva,

romper os fundamentos da sua unidade. Este constituiu um dos problemas do êxodo de

colaboradores a partir de 1930. Como dinâmica própria das revistas culturais, o seu

caráter de instância coletiva leva em si mesmo as tensões que provocam os movimentos

de rupturas, deserções e os novos recrutamentos. (ALTAMIRANO; SARLO, 1983, 97)

Uma das questões oriundas de um primeiro contato com os volumes de 1930,

1931 e 1932 que nos chamaram a atenção foi a diminuição do número de páginas de

cada volume. A publicação, cujas edições trimestrais55

de 1929 tinham cerca de 400

páginas, chega a ter no primeiro semestre de 1931 dois volumes com 320 páginas. Isto é

perfeitamente compreensível se observarmos que este é o período do surgimento da 2ª

República, e que pode ser um indício de uma série de novos interesses por parte dos

colaboradores.

No entanto, fenômeno mais significativo e complementar, em nossa opinião a

este movimento foi a diminuição do número de notas publicadas a partir de julho de

55

Vale lembrar que o nosso corpus foram as edições da Revista de Occidente organizadas em edições

trimestrais, organizadas pelas “Juntas de Relaciones Culturales” do governo espanhol.

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124

1931. Os volumes dos anos de 1929 continham uma média de 400 páginas, com 116

textos (57 artigos e 59 notas), em que se observava um certo equilíbrio entre o número

de artigos e o de notas publicadas. No entanto, após julho de 1931, e principalmente em

1932 o número de notas se reduz consideravelmente, chegando a apresentar edições sem

elas (fevereiro e abril não tinham notas e os meses de março, maio, agosto e setembro

têm apenas uma). Poderíamos atribuir tal diminuição à participação do grupo de Ortega

em torno da nova Constituição, fato plausível somente se o auge da redução se

concentrasse nas edições de 1931 e não nas de 1932. No entanto, a hipótese mais correta

aponta para o fenômeno de transição de colaboradores, marcada por uma relevante

debandada no biênio 1930/1931 e cujo espaço só seria preenchido em 1932/3356

.

Paralelamente às mudanças internas oriundas dessa redefinição do projeto da

revista, procuramos observar a origem desta mudança. Em nossa dissertação de

mestrado, observamos como a fenomenologia se constituía como um suporte filosófico

para a R. de O. e como esta, apesar do seu relativismo, era uma tentativa de recolocar o

lugar do homem e da verdade no mundo em meio a um caos de teorias e idéias

irracionalistas, de um lado, ou positivistas do outro.

Han caído las concepciones idealistas – religiosas y metafísicas – y tampoco

puede sostenerse ya la concepción materialista que las arruinó [...] El hombre

actual vive en contradicción interior – de la que esta multitud de doctrinas

es, simplemente, el reflejo -, separado de la vida por la excesiva

intelectualización y mecanización de su cultura y, sin embrago, sumido en la

vida. (VELA, R. de O., t. XXIX, set. 1930)

56

A seguir colocamos uma lista de colaboradores que deixam a revista e outros que começam a publicar.

Entre parênteses o período de colaboração. Fonte: LOPEZ CAMPILLO (1972, 75)

1. Grupo dos que deixam a revista- Francisco Ayala (1927-1931), M. Fernández Almagro (1924-1931),

Giménez Caballero (1924-1930), Ledesma Ramos (1929-1930), Rosa Chacel (1927-1931), Rafael Alberti

(1925-1929), Valentín Andrés Alvarez (1925-1931), García Lorca (1926-1931), Antonio Machado (1923-

1931)

2. Grupo dos que entram – Lino Novás Clavo (1932-1936), José Antonio Maravall (1933-1936), Antonio

de Obregón (1931-1935), María Zambrano (1933-1935), Ricardo Gullón (1935-1936), José Antonio

Muñoz Rojas (1934-1935), Xavier Zubiri (1933-1936), José Gaos (1935), Julián Marías (1936). Eugenio

Imaz (1936), José Moreno Villa (1930-1935) y Manuel Altolaguirre (1931-1932)

Para uma maior explicação acerca da definição do grupo de colaboradores da Revista ver SANTOS,

2005, cap. 3.2.

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Neste contexto de “urgência vital”, nada mais normal que a procura pela

redefinição de conceitos. Por isso ainda que os textos citados não respondessem da

mesma forma às questões postas, a busca por uma ciência, ou melhor, a necessidade de

se fazer ciência na Espanha, revestia de importância a Revista de Occidente como um

suporte, um meio de comunicação da elite, que não poderia, ou não queria, mais

sustentar a sua posição somente no debate estético. Em uma entrevista de Fernando

Vela a Ortega aquele lhe pergunta por que tinha abandonado as questões estéticas que

nunca faltavam nos seus textos. E Ortega respondeu: “-No los he abandonado yo

solamente; los ha dejado el mundo, y yo acompaño a la naturaleza, como, según Goethe,

se debe hacer. (VELA, 1933, xvi)

Da mesma forma, a R. de O. “abandonava” a análise estética da arte de

vanguarda que se distancia das massas, representada pelo ensaio “La deshumanización

del arte”, e passava a se dedicar à conceituação teórica, sob o seu ponto de vista, da

“constituição histórica do massivo [...] ligada ao longo e lento processo de gestação do

mercado, de Estado e da cultura nacionais.” (MARTIN-BARBERO, 2008, 132)

Agora bem, ao fazer esta operação não se pode negar que nos referidos anos

apareceram uma série de textos que se relacionariam diretamente com a questão tanto

do nazismo, em franca ascensão, quanto do fascismo espanhol posterior. Ao analisar os

processos constitutivos da massa, a revista caiu em conceitos como eugenia,

superioridade da raça alemã ou estado total. É certo que não se pode estabelecer uma

relação direta entre os artigos de Karl Schmitt, ou mesmo os de Gimenez Caballero e as

ideias de Ortega y Gasset, ou de Fernando Vela. O próprio Ortega na Rebelião das

massas se distanciava do populismo das tendências nacionalistas57

. Mas se Ortega

nunca se atribuiu uma filiação falangista durante sua campanha por um partido

57

Não importa aqui o teor exato do distanciamento entre a concepção orteguiana e as políticas de

Mussolini ou Hitler.

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126

nacional58

ou nos seus discursos cada vez mais severos contra a República, a partir do

final de 1931, parece que o filósofo soube se deter “en la puerta del infierno”

(ELORZA, 2002, 210), não se pode negar que vários aspectos do seus textos permitiam

uma interpretação em termos fascistizantes. Toda a elaboração fascista a partir das

leituras de Ortega foi obra dos próprios fascistas (SAZ CAMPOS, 2003, 99), mas não se

devemos esquecer o fato de que este fértil material estava ali, disponível para uma parte

importante da intelectualidade espanhola, passado pelo crivo de hierarquia e clareza, ou

seja, atestado pela autoridade da Revista.

58

Falaremos deste partido mais adiante.

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7. REFLEXÕES PARA O FUTURO59

7.1 O PAPEL DA LITERATURA

Cuando los años veinte llegan a su fin, todo está todavía

por decidir: mantener una estética vanguardista o haber

optado por la novela social no determina una actitud

política, ni vice-versa. (SANTOS JULIA, 2008, 243)

Se como vimos anteriormente, os intelectuais da Revista de Occidente, próximos

a Ortega, se viam numa situação delicada diante da nova República, “imprensada entre

os setores anti-republicanos e os movimentos de massa, o mesmo se podia dizer com

relação às questões estéticas. Apesar de a crítica mencionar o fato de o interesse da

Revista pela literatura diminuir após 1930 ao ceder espaço para as preocupações

relativas ao cenário político espanhol60

, a leitura dos anos estudados revela que

aproximadamente a metade dos textos publicados (fossem artigos ou notas) continuava

sendo sobre literatura. Nossa observação indica, então, que o que houve foi uma

mudança no perfil do espaço dedicado à literatura, cujas reflexões derivaram das

mudanças na relação entre arte e sociedade. Uma delas foi a interrogação sobre o

próprio papel da arte nos anos trinta. Ou antes, se é que arte deveria ter algum papel?

Estas perguntas estavam no centro do debate intelectual dos anos trinta não só na

Espanha como também na Europa. A crise de 1929 e o fim dos “felizes anos 20”

levaram ao desgaste do liberalismo e da imagem da democracia, de cuja fragilidade

emergiram os totalitarismos fascista e nazista, por um lado, e se consolidou a alternativa

soviética, por outro. Se no final da Primeira Guerra a queda dos Impérios pressagiava a

59

Infelizmente por questões de tempo não foi possível elaborar uma análise mais abrangente deste

capítulo. No entanto, como se tratam de observações interessantes, preferimos adiantar informações que

no futuro poderão servir de início para uma análise da literatura entre 1929 e 1932 na Revista de

Occidente. 60

El interés de Ortega por la literatura fue muy grande siempre, y especialmente durante los años que

preceden a su libro La rebelión de las masas (1930), pues parece que a partir de este momento, lo que más

atrajo su atención fueron los problemas de orden social y político. Esta es la impresión general que se

saca cuando se repasan lo 52 volúmenes de la Revista de occidente por orden cronológico, y que confirma

el estado de ánimo propio de los años veinte.[...] (BLANCH, 1976, 38)

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aurora democrática, o final dos anos trinta revelava as contradições da própria estrutura

do capitalismo e a incapacidade destas democracias para resolvê-las. Do mesmo modo

esta crise consolidava a imagem do socialismo russo como uma alternativa de um

mundo novo de justiça e igualdade, sob o governo do proletariado. Some-se a isso o

desgaste dos movimentos estéticos da vanguarda iniciada com os primeiros anos do

século XX e teremos um coquetel explosivo que levaria o artista a repensar a sua obra e

na maioria os casos, a dedicá-la a uma causa.

Na Espanha, a mudança incluiu as especificidades do cenário espanhol: foi com

fim da Ditadura de Primo de Rivera em 1930, e todo o processo de desgaste dos seus

últimos anos, que os artistas sentiriam o apelo das ruas. Embora o tema mereça uma

ampla análise dos caminhos tomados por vários dos escritores envolvidos nesta

passagem da pureza à revolução (RAMOS ORTEGA, 2001, 25), nos limitaremos a

expor as reflexões presentes nos textos da Revista de Occidente, entendendo que estas

linhas constituem algumas considerações iniciais norteadoras de um trabalho futuro que

articule as diferentes produções artísticas que convivem neste período dentro da

Publicação com os debates mais amplos nos quais se inserem.

Na nota “Examen de consciencia” (R. de O., t. XXIV, jun. 1929) Benjamin

Jarnés comenta a publicação do livro homônimo de Guillermo de Torre61

, quem faz uma

análise das questões estéticas da sua geração e que, para Jarnés, poderia ser o exame de

consciência de toda a nova geração espanhola. (R. de O., t. XXIV, 1929, 392) Depois de

haver publicado Literaturas españolas de vanguardia, um livro no qual de Torre reunia

a produção vanguardista espanhola em pleno campo de batalha, este, na sua revisão de

consciência, chegava à conclusão de que aquele movimento não se tratava de uma

verdadeira vanguarda e sim “de un grupo vehemente que se lanza a lo desconocido sin

61

TORRE, Guillermo de. Examen de conciencia. Problemas estéticos de la nueva generación española.

Buenos Aires: Humanidades, 1928.

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tropas de enlace” que caminhava para a “dispersão em guerrilhas”e finalmente, para a

“desbandada total”. Nesta auto-avaliação geracional, Jarnés identificava o verdadeiro

problema para os poetas que permaneciam, lutando já entre as “tropas normais”: “Su

enemigo es ya sólo el interior, cansado de atisbar y desdeñar los exteriores: íntimo

enemigo a quien [Guillermo de Torre] vigila desde la más sólida acitara.” (R. de O., t.

XXIV, 1929, 395).

Seria desta insatisfação interior que já não podia mais ignorar o exterior, a vida

contraditória dos anos 30, que surgiriam os diferentes modos de se posicionar dos

intelectuais. Se abria assim um leque de vários modos de ser intelectual. Por um lado

estariam os escritores comprometidos, aqueles cuja obra estaria ao serviço de uma

causa, seja o comunismo, como Rafael Alberti, ou o fascismo, como Giménez

Caballero. Por outro estariam desde os que acreditavam que o escritor não poderia se

isentar do mundo, embora sua obra não precisar servir às suas ideias, como Francisco

Ayala, até os que mesmo entendendo a urgência dos tempos, se diziam pouco

interessados pela política, como Benjamin Jarnés. (SANTOS JULIA, 2006, 241)

Se observa na Revista de Occidente, por exemplo, uma dupla movimentação dos

seus principais colaboradores62

sobre a relação entre literatura e política: uma condena

ao surrealismo, associado à sua relação política com o comunismo63

, e por outro um

sentimento comum de necessidade de renovação da produção literária. Tal sentimento,

se revelaria de modos diferentes entre os colaboradores.

62

“Quanto aos seus colaboradores, podemos concluir que havia um grupo jovem de início que, de certa

forma, dirigia a revista. Quem eram exatamente é difícil precisar, mas podemos indicar um núcleo

formado por Fernando Vela, Antonio Espina, Benjamín Jarnés, Antonio Marichalar, Ortega, e mais

alguns nomes que publicaram por um longo tempo como Gómez de la Serna, Corpus Braga , Juan

Chabás, García Morente, Guillermo de Torre, Gregorio Marañon, Pedro Salinas, Jorge Guillén. Este

grupo se manteve após a debandada de 1931, cuando uma nova safra de jovens intelectuais como Maria

Zambrano, Xavier Zubiri, Julián Marías vieram a formar parte do “novo” projeto.” (SANTOS, 2005, 52)

(grifo nosso) 63

Neste sentido será interessante analisar os textos confrontando com a afirmação de GEIST (1980, 173)

de que a passagem da poesia pura à poesia comprometida está ligada à introdução do surrealismo na

Espanha.

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Em dezembro de 1930, Antonio Espina comenta o livro “El nuevo

romanticismo” (R. de O., t. XXX, 1930), de José Díaz Fernández. O título do livro era

já significativo da reflexão sobre a literatura e a sua relação com as vanguardas, bem

como com os conceitos de “pureza poética” e arte desumanizado.

El momento obliga a todos los intelectuales del mundo a problematizar

sus vidas y sus ideas concienzudamente. [...] Y esto es, en íntima estructura, el

libro de José Díaz Fernández. (p. 375)

Al término “vanguardia”, [...] opone el autor de El nuevo romanticismo

el término “avanzada”. La literatura de avanzada significa, pues, no una simple

escuela de estética deportiva, egoísta, y aparte, llena de pequeños trucos [...] sino

un conjunto de formas de expresión; todo lo diversas y exquisitas que se quieran,

pero que tengan, como fondo común, verismo en el pensamiento y autenticidad

en la emoción. Calidades que difícilmente se hallan en las zonas frívolas del

mero deportismo literario. He aquí el camino por el que de nuevo se sale al

encuentro de lo específico romántico. (p. 376)

Para Espina, estava claro que “novo romanticismo” significava a volta da

literatura a se relacionar com os problemas humanos, a deixar de lado a arte como

“jogo”.

Embora não tão contundentes, nem Benjamin Jarnés nem Antonio marichalar

ignoravam este sinal dos tempos: “Vivimos en una etapa de revisión de los valores

literarios, no apreciables desde el punto de vista del género [literario], sino del hombre.

El mundo espiritual contemporáneo no puede ser ya concebido sin una robusta

proyección del autor en su obra...” Un certain plume (JARNES, R. de O., t. XXXII,

maio 1931, 208) Para Marichalar este é o centro da crise do romance

El arte, aun el más estridente, precisa levantar mucho la voz para que

se le atienda en momentos en que clama la vida y se juega en la más azarosa

intriga. Cuando el hombre se lanza detrás de realidades más directas, más

hondas, más arbitrariamente decisivas, no puede reclamar un primer

plano la ficción lírica. Y hay que acudir entonces al paranoico delirio. Por eso, cada vez, grita con más desgarrador ahínco este

superromanticismo desollado, y siente más y más el empeño de emplear

truculencias feroces, arrolladores efectismos. Se raja, se desgarra, estalla, se

hace trizas. Pero sabemos que es mentira, que es mentira desnuda: sincera

inspiración y artística envoltura. Último grito (MARICHALAR, R. de O., t.

XXXI, 101, jan. 1931, 107) (grifo nosso)

Mas este esforço surrealista não deve ser confundido, por exemplo, com o novo

romanticismo de Díaz Fernández ou o signo romântico daqueles anos. “Ahora bien, lo

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que acaso impide a muchos reconocer ese romanticismo intrínseco del arte actual, es el

equívoco de que, probablemente, los más románticos son los llamados hoy

superrealistas”. (MARICHALAR, R. de O., t. XXXI, 101, jan. 1931, 107)

Para Marichalar, ao mesmo tempo que a literatura precisava se renovar,

precisava distinguir o que era renovação artística do que era compromisso político. Ao

convocar o intelectual a agir, a despertar para aquele momento de relevo, esclarecia que

uma coisa era a revolução e outra arte revolucionária

El propio Berl64

observa cómo un Picasso halla su público en la burguesía y no

en el proletariado. Si los comunistas no aceptan la colaboración del

superrealismo, por ejemplo, es porque la eficacia de los actos depende más de

su8 perpetración decisiva que del enunciado. Y el arte es siempre enunciado.

El arte para renovarse aprovecha del ocio que le lance a rizar el rizo. la vida se

renueva, en cambio, ante las eminencias del apremio. (MARICHALAR, R. de

O., t. XXVIII, abril 1930)

Em “visto y oído” Marichalar também apresentava dois textos que criticavam a

estética de Breton: “Sombras blancas” (R. de O., t. XXXII, 1931), no qual vimos como

critica os surrealistas francesas pela confecção de um panfleto sobre as queimas de

conventos na Espanha, e “Atavismos” (R. de O., t. XXXII, 1931), no qual critica a arte

de Dali, e os “descontentadizos superrealistas”, cuja estética entroncava com o

“modernismo catalão”, o “modern-style” “que mezcla, del modo más horrible y con la

mayor impureza, todas las cosas con la pureza inmaculada del sueño”. “Es inútil hablar

de Le Corbusier a Dalí. Ha dado el salto atrás, y está, más cerca de Gaudí y de su estilo

vegetal, que de las arquitecturas sintéticas”. (R. de O., t. XXXII, 1931, 304).

Uma leitura inicial das notas de Marichalar aponta para esta consciência de um

momento de mudança na arte, ligada às urgências do contexto, mas se mostra por um

lado, reticente a adoção de uma arte revolucionária nos moldes do movimento

surrealista francês. Será necessária uma leitura mais ampla, que inclua não só as notas

64

O texto de Marichalar, intitulado “Alerta”, parte dos livros “Mort de la pensée burgeoise” e “Mort de la

morale burgeoise”, do jornalista francês Emmanuel Berl, frequentador dos círculos surrealistas, para

pensar o lugar do intelectual e da literatura.

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dos demais colaboradores com também uma análise dos textos literários publicados para

traçar um perfil mais claro do estágio em que se encontrava o debate sobre o papel da

literatura na Revista de Occidente no biênio 1930-193165

. No entanto, uma análise

inicial dos volumes referentes ao ano de 1932 parece confirmar a tendência da

publicação orteguiana em se converter num reduto da poesia pura.

7.2 A VOLTA DA POESIA PURA

1932 é o ano que representa a reclusão definitiva de Ortega da vida pública

republicana. O entusiasmo com que o prospecto da Agrupación al servcio de la

República convocava os intelectuais a participarem da vida pública nacional seria

substituído pela fria expressão “No es eso, no es eso”, com que critica a República. A

decepção com a radicalização do governo republicano o levaria a escrever uma série de

artigos, publicados com o título “Rectificación de la República”.

No final de 1931, Ortega y Gasset publicava uma série de artigos no jornal El

Sol66

no qual proporia a criação de “un partido gigante”, de intelectuais, como saída

para reverter o desvio da República. Apesar da sua análise, correta em alguns aspectos,

sobre como os diferentes interesses dentro do Governo republicano fragilizavam a

consolidação do novo regime, a saída concebida por Ortega ignorava, ou camuflava, as

grandes desigualdades existentes no país ao propor a união de operários, intelectuais e

capitalistas em prol de um governo para todos, imparcial. No seu próprio discurso

condensa elementos que inviabilizavam esta união, ao pedir sacrifícios impossíveis

tanto a socialistas quanto a capitalistas e ao indicar como figura destacada de tal partido

D. Miguel Maura, filho de Antonio Maura, um republicano conservador como Ortega.

65

E aqui também falta uma inserção das questões estéticas para Ortega nesse momento. Será preciso

observar como uma das diferenças do fundador da R. de O. , tanto com o comunismo russo quanto com o

fascismo e o nazismo, consistia na importância da arte como instrumento de convencimento ideológico

das massas, ou melhor, da identificação das massas com a arte naqueles regimes. 66

Tomamos como base o artigo publicado em 08/11/1931 “Es preciso rectificar el perfil de la República”.

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Em resumidas contas, este partido “imparcial” e nacional nada mais seria do que

o partido da ideologia de Ortega, esboçada já em La rebelión de las masas e outros

textos “filosóficos”: uma crescente massa trabalhadora, fenômeno histórico ao qual não

se poderia fugir, guiada por intelectuais que conduziriam o destino da nação. A fraca

recepção deste projeto e o agravamento da crise do governo republicano levaram o

ensaísta a demitir e a se tornar uma vez mais “espectador” da cena política, uma vez que

seu projeto era naquele momento, claramente anacrônico, um quase delírio conciliador

no meio das radicalizações exigidas pela época. Depois de uma série de posições

públicas cada vez mais críticas aos rumos do novo governo, Ortega voltaria aos seus

afazeres filosóficos e intelectuais.

Parece que este também foi o rumo da Revista de Occidente. A leitura dos

volumes referentes a 1932 aponta uma maior presença da poesia. Os anos de 1929, 1930

e 31 apresentam apenas quatro artigos “poéticos” (isto é, um conjunto de poemas de um

mesmo autor) publicados. Em comparação em 1932 se publicam oito conjuntos de

poemas. Em janeiro aparecem poemas de Jorge Guillén, agrupados sob o título “Varios

poemas” (R. de O., t. XXXV, 1932); em fevereiro, poemas do livro Espadas como

labios (R. de O., t. XXXV, 1932), de Vicente Aleixandre; em março, “Décimas” (R. de

O., t. XXXV, 1932) de Juan José Domenchina; en junho “Alta tensión” (R. de O., t.

XXXVI, 1932), de José María Quiroga Plá; em julho “Amor y sombras” (R. de O., t.

XXXVII, 1932), de Pedro Salinas; en agosto “Roca maternal” (R. de O., t. XXXVII,

1932), de Manuel Altolaguirre; en novembro, “Salvación de la primavera” (R. de O., t.

XXXVIII, 1932), outra vez de Jorge Guillén; e em dezembro, “Donde habite el olvido”

(R. de O., t. XXXVIII, 1932), de Luis Cernuda,

Além disso, surgem sete notas sobre o tema, um número bastante significativo se

comparado às três notas de 1930 e às três de 1931. São elas, La poesía y "Soledades

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juntas", de Vicente Aleixandre (R. de O., t. XXXV, jan. 1932), “Inocencia y misterio”,

de Manuel Altolaguirre (R. de O., t. XXXV, mar. 1932), “Josefina de la Torre: Poemas

de la isla”, de Agustín Miranda Junco (R. de O., t. XXXVI, jun. 1932), “Sóngoro

cosongo”, de Manuel Altolaguirre (R. de O., t. XXXVI, jun. 1932), “La blusa de

Baudelaire”, de Antonio Marichalar (R. de O., t. XXXVII, jul. 1932), “José María de

Cossío: Los toros en la poesía castellana”, de Antonio Espina (R. de O., t. XXXVII,

ago. 1932) e “Espadas como labios”, de Dámaso Alonso (R. de O., t. XXXVIII, dez.

1932).

Em nossa dissertação estudamos a relação entre a poesia pura da chamada

Geração de 27 e a sua significativa presença67

nas páginas da Revista de occidente,

fundada no interesse orteguiano sobre a arte nova revelado no ensaio “La

deshumanización del arte”.

Para o ensaísta o fato que separava artistas e massa em lados opostos

era a incapacidade destas em compreender uma arte que não fosse mimética,

imitação da vida. A nova arte, ao romper com os vínculos das sensações

percebidas como humanas, dividia o público não mais entre “aqueles que

apreciavam” e “os que não apreciavam” certa obra. A incapacidade de

enxergar uma obra simplesmente como “arte”, com um conjunto de códigos

próprios, criava por primeira vez uma cisão entre a “minoria seleta” que a

entendia e a “maioria” incapaz de entendê-la.

Ao não buscar a imitação da vida, o prazer que proporcionava era

puramente estético, o que não podia ser compreendido pela massa. Esta

procura o prazer na intenção mimética da obra, desfruta “cuando ha

conseguido interesarse en los destinos humanos que le son propuestos”

(ORTEGA Y GASSET, 1932, 892) Desta forma reconhecia Ortega que el arte

nuevo no es para todo el mundo, como el romántico, sino que va desde luego

dirigido a una minoría especialmente dotada. (ORTEGA Y GASSET, 1932,

892)

67

Podemos concluir que a Revista de Occidente funcionou como um espaço de reconhecimento e

divulgação destes poetas. Durante este período e inclusive depois, Rafael Alberti publicou seis vezes

(1926-1929), García Lorca, cinco vezes (entre 1926 e 1931), Jorge Guillén, dezenove vezes (1923-1935),

Pedro salinas, catorze vezes (1924-1936), Gerardo Diego, 22 vezes (1924-1931) e Luis Cernuda e Vicente

Aleixandre menos de 5 vezes na revista de Occidente. (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 71) Além do número

significativo de textos publicados, é preciso destacar que a grande maioria consistia em poemas (uma

pequena parte era de pequenos ensaios sobre literatura), entre os quais estava a produção mais relevante

destes autores na época. (SANTOS, 2005, 92)

Além de “abrigá-los e incentivá-los através da Revista de Occidente, o impulso dado por Ortega a estes

jovens complementou-se com o lançamento pela editora da Revista das coleções “Centenario de

Góngora” (já mencionada), em 1927, e “Los Poetas”, em 1928, que trouxe à luz os livros mais

importantes destes escritores (BLANCH, 1976, 39). (SANTOS, 2005, 93)

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O interresse de Ortega se baseava no fato de que

lhe interessava especificamente entender a dimensão das transformações

propostas por pelos artistas. Para ele, devia-se compreender a arte e a ciência

como indicadores das novas tendências humanas, precursoras de um novo

pensamento que se aproximava, uma espécie de ante-sala do futuro. E como

para Ortega a função de todo ser humano de cada nova geração era aceitar os

desafios que lhe impunha a sua época e viver para realizá-los, desvendar os

“sinais” desse novo tempo que a arte e a ciência antecipavam constituía uma

tarefa fundamental para o homem que quisesse cumprir o seu destino.

(SANTOS, 2005, 85)

Nosso objetivo foi estabelecer como em 1929 ainda apareciam textos que

indicavam, por um lado a manutenção da produção poética como forma residual

(WILLIAMS, 2000, 202) através de poemas de Guillén, Salinas, Diego y Cernuda, e

por outro a construção de um discurso que procurava estabelecer as características desta

poesia, e, portanto, defini-la como cânone, através da seção de notas.

Observando a poesia publicada em 1932, não se pode ignorar a coincidência de

escritores presentes em 1929, nem desconsiderar a semelhante presença de uma

importante contribuição teórica realizada na seção de notas.

[...] la estética purista elaborada en los años veinte continuó siendo practicada

en la década siguiente. Varios poetas de la generación del 27, con Juan Ramón

Jiménez a la cabeza, continúan fieles a un ideal de pureza poética. Las

poéticas que Salinas, Guillén Altolaguirre, Diego y Domenchina, entre otros,

escribieron para la Antología de Gerardo diego dan testimonio del hecho.

(GEIST, 1980, 192)

Um grupo ao qual se somaria Vicente Aleixandre, cuja poesia de raíz surrealista

“aunque reduce la importancia de la razón en la poesía, continúa la tendencia evasiva

del purismo, que huye de un mundo alienante”. (GEIST, 1980, 187) Além de publicar

poemas do livro Espadas como labios, Aleixandre apresenta um comentário sobre a

poesia de Manuel Altolaguirre, a qual define como “una poesía libre, con un anhelo de

libertad que sirve a lo humano sin precio, y sin política en sus páginas en cuanto

realidad práctica”. Após estabelecer a relação do poeta com a revista Litoral, Aleixandre

conclui que

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La “soledad”, de Manuel Altolaguirre [...] es también una originalidad

radical, como ocurre siempre que una sustancia lírica pasa a través de un

auténtico temperamento. Su voz viene a prolongar una línea muy clara de la

poética española [...]

Cerrado el libro, una impresión señorea sobre todas: la de que ante

todos los poetas de hoy acaso sean muy pocos los que hayan conseguido en el

mismo excelso grado que él lo que es la suprema consagración de la misteriosa

actividad: hacer su poesía „trascendente‟” (R. de O., t. XXXV, 1932, 120)

Como dissemos anteriormente, estas são linhas iniciais de um trabalho que

precisa considerar ainda, além das outras manifestações literárias publicadas na R. de

O.no mesmo período, um outro aspecto relevante apontado por Marichalar em Visto y

oído e que a parece também em alguns comentários da revista: a questão da literatura de

massas presente, por um lado nas histórias de detetives, e por outro no sensasionalismo

das notícias cotidianas que aproveita as formas do relato ficcional para “roubar” o

espaço da literatura. Nossa pretensão será observar a tendência da R. de O., de abrigar

esta poesia pura, uma literatura duplamente deslocada, pelo compromisso político, de

um lado, pelo sensacionalismo das notícias dos jornais de massa, por outro.

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CONCLUSÃO

Antenada com o que de mais atual havia no seu tempo, a R. de O. pretendia

trazer as novas idéias que chegavam da Europa e da América e abrir novos horizontes

para a intelectualidade espanhola. A publicação se distinguia por apresentar textos de

autores nacionais e estrangeiros que hoje são destacados e reconhecidos pela

historiografia de suas áreas. Como afirmava o seu editor no prólogo da primeira edição,

não se tratava de uma revista temática – nem literária nem científica – e sim de um

espaço de preocupação com as grandes questões da época nos mais diversos campos do

conhecimento.

De fato a revista publicava uma grande variedade de artigos, entre os quais

dedicava uma parte importante à literatura. Parece que suas portas se mantinham

fechadas unicamente à política, a qual, segundo Ortega y Gasset, “não aspirava a

entender as coisas” e talvez por isso não merecesse fazer parte de um projeto cujo

desejo é o de “saber”. Assim, por um longo período este foi o perfil da Revista,

concentrada no objetivo de criar uma intelectualidade capaz de dirigir a nação.

A idéia de modernização espanhola pela via do acesso à cultura e do papel do

intelectual como condutor deste projeto não era nova nem no país nem no mundo

ocidental. Fazia parte de um projeto de um humanismo liberal de modernização

conservadora, que buscava “reformar” alguns preceitos da sociedade capitalista que

devolvesse a tranquilidade, sobretudo às classes médias burguesas, profundamente

abaladas pela guerra, sem, no entanto, propor uma transformação radical, como a

revolução soviética.

Segundo a crítica, a partir de 1930 os problemas sociais e políticos passaram a se

destacar na Revista de Occidente e na sua editora e ao mesmo tempo diminuiu o espaço

dedicado à literatura. Relaciona-se esta mudança ao crescente interesse de Ortega y

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Gasset pela política após a publicação do seu livro A rebelião das massas (1930). Este

fato não é estranho uma vez, que o cenário político mundial e espanhol passava a ser

marcado por instabilidades políticas de grandes dimensões, às quais não mais se podia

fazer “ouvidos surdos”.

No mundo a grande depressão de 1929 era o estopim de uma crise que levaria

Hitler ao poder e o mundo à segunda guerra mundial, da qual não podemos esquecer

que a guerra civil espanhola foi uma espécie de “ante-sala”. Na Espanha, se vivia a

pressão contra o fim da ditadura do General Primo de Rivera, que culminaria na

segunda República e na Guerra Civil.

Embora esta mudança de foco pareça ir de encontro ao programa “apolítico”

definido no prólogo da primeira edição, mantinha a intenção original de “sintonia” entre

o projeto da revista e a intelectualidade espanhola, envolvida agora nas inquietudes

sociais do fim da ditadura do General Primo de Rivera e o estabelecimento da 2ª

República. Na verdade, se tratava de uma “reorganização” de um projeto em função de

uma nova realidade social. Uma série de intelectuais que podiam refletir sobre a massa a

partir do debate estético da arte desumanizada precisaram passar à análise das massas

como fenômeno com o qual precisariam lidar, uma vez que com a proclamação da

República, estes se tornaram representantes do poder . Com o acirramento das disputas

internas dos diversos interesses que compuseram o grupo republicano, e o agravamento

das contradições políticas na Europa, campos vão se demarcando no cenário político

espanhol, fazendo com que seja impossível uma idéia de “neutralidade” e levando o

mundo intelectual e artístico nacional a uma cisão “precisamente por la cuestión de la

relación entre arte y sociedad” (RAMOS ORTEGA, 2001:25). Deste modo, o projeto

da Revista não estava isento de posição.

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Do ponto de vista ideológico, a “isenção” ou a neutralidade, ou ainda a

preocupação “cultural” da Revista é também um projeto político, característico deste

humanismo assustado pelo surgimento da massa. Vimos em nossa dissertação como

problema deste humanismo não era “não ser político”, uma vez que tudo é político se

entendemos política como forma de organização social humana. Seu problema estava

em negar seu caráter político em nome de uma suposta isenção, de uma leitura dos fatos

por cima de toda “ideologia” como verdades isentas de posicionamento (EAGLETON,

1997). “A pretensão de que o conhecimento deve ser „isento de valores‟ é, em si, um

juízo de valor” (EAGLETON, 1997:19) que, no caso de Ortega y Gasset e a sua

representação “da lei natural que divide o mundo entre minorias egrégias e massas

incultas”, constitui a base de um discurso que se pretende hegemônico e estabelece a

sua verdade como uma verdade compartilhada pelas demais classes a que submete.

Assim, embora a Revista mantivesse o seu discurso de isenção, o fato é que a

publicação, de verdade, se debruçou sobre questões que estavam no centro do debate

político daquele momento, em estreita sintonia com as ideias do seu fundador. Assim,

durante os anos 30 observa-se na publicação um crescente interesse sobre a questão da

massa. Desde artigos de fundo psicológico que caracterizam os sentimentos e emoções

humanas, passando pelo debate sobre o papel do Estado, e chegando até a uma breve

coluna política sobre episódios do conturbado panorama espanhol, se levantaram

questões sobre o que é a massa, como se comporta, quais são os seus gostos, como se

reproduz... Fosse como alusão “implícita” ou “debate “explícito”, pensar a massa (não

como algo abstrato, distante, mas sim a massa que estava nas ruas naqueles anos), o

papel do Estado e a sua forma (Monarquia, República, ditadura, democracia), ou mesmo

o lugar da literatura neste novo cenário eram, em si, questões vitais para a

intelectualidade da época.

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Época de contrastes, de mudanças bruscas que exigiam ações rápidas dos

intelectuais. Ortega y Gasset, por exemplo, em 1929 rompeu com a ditadura de Primo

de Rivera, em 1930 vaticinou que a Monarquia estava morta, no ano seguinte participou

da criação da “Agrupación al Servicio de la República”, se elegeu deputado e em

seguida abandonou seu cargo por desacordos com a Constituição e se distanciou da vida

política, o que de certa forma também significou se distanciar da República”.

As opções políticas da R. de O. e de seu fundador levaram a um esvaziamento da

publicação, com a saída de vários colaboradores de peso. Tal saída não se deveu a que

alguns intelectuais não tivessem espaço para expressar-se num projeto “cultural” como

o da Revista, uma vez que vimos como o discurso da publicação adquire tons políticos.

A debandada se devia, pois, a que o espaço da publicação não servia para o que estes

tinham a dizer.

O deslocamento do eixo estético subsidiado pelo ensaio “La deshumanización

del arte” para a análise da “massa” presente em La rebelión de las masas leva a revista a

se aproximar dos debates da sua época. No entanto, este discurso, profundamente

nacionalista e conservador, seria lido, anos mais tarde, como o germe de uma corrente

fascista que serviria de suporte ao franquismo. Sem desconsiderar a relevância do

empreendimento orteguiano para a difusão de uma importante parte da produção

intelectual espanhola e internacional do momento, podemos afirmar que o forma da

construção do discurso da R. de O., revestido de neutralidade e de autoridade científica,

e perfeitamente coerente com os seus princípios, serviu, pelo menos no período

estudado, de porta voz de discursos perigosos para a democracia. Nos tempos de crises

atuais, momento em que se observa a releitura e a revalorização de nacionalismos

exacerbados (cuja xenofobia é uma consequencia natural), torna-se muito importante

reler o passado. Com distanciamento histórico, sim, com isenção, impossível.

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ANEXOS

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ANEXO A – MODELO DE CAPA DA REVISTA DE OCCIDENTE

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149

ANEXO B – MODELO DE APRESENTAÇÃO VISUAL DA PRIMEIRA SEÇÃO

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150

ANEXO C - MODELO DE APRESENTAÇÃO VISUAL DA SEÇÃO DE NOTAS

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151

ANEXO D – TEXTO “PROPÓSITOS” (Revista de Occidente, t. 01, 01-03)

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153

ANEXO E – CAPÍTULO 5 - O PERFIL DA REVISTA 68

A organização dos textos na revista de Occidente não variou muito nos seus

treze anos de existência. Em formato 214 X 149 mm, destacavam a tipografia - segundo

Gómez de la Serna (apud LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 60), marcada por caracteres de

longas “pes y des” - e o verde das letras da Capa. Seu sumário dividia-se em duas

partes: artigos e notas, claramente diferenciados pelo tamanho das letras e o

espaçamento entre linhas 69

. Além destes, em poucos volumes, até 1928, constavam

também uns comentários curtos, assinados pelos principais redatores, intitulados

“Asteriscos” ou “La flecha en el blanco”. (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 61)

A primeira parte continha, em geral, escritos de autores de reconhecida

importância, ou nomes jovens que a publicação pretendia destacar como importantes.

Uma grande parte estava dedicada à literatura, pelo menos até o ano de 1930, quando

outras preocupações entraram em cena. Em geral eram textos mais longos (ensaios,

capítulos de livros, fragmentos de romances, ou romances curtos, obras de teatro) que

ocupavam cerca de 30 páginas, com exceção da poesia, que naturalmente necessitava de

um espaço menor, mas nem por isso menos importante. Quando o texto era demasiado

extenso a revista tinha o hábito de publicá-lo dividido em duas, ou se fosse o caso, três

edições.

Em sua maioria vinham acompanhados somente do título e do crédito do autor,

com exceção das colaborações estrangeiras, geralmente apresentadas através de um

pequeno parágrafo introdutório. Situado entre o título e o corpo do texto (ou, nos anos

em que houve, na seção de asteriscos), indicava-se assim a origem do autor e lugar de

atuação, às vezes o título de suas obras mais importantes e uma explicação sobre a fonte

68

Capítulo da minha dissertação de mestrado “A Revista de Occidente e suas estratégias de legitimação:

um estudo do ano de 1929.” Referência completa junto às referências bibliográficas. 69

Ver Anexos A, B e C.

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154

do artigo e a pertinência de sua publicação. Uma das funções deste procedimento

consistia em “autorizar” a revista, legitimando uma rede de contatos culturais e

acadêmicos que lhe conferiam prestígio. (VÁZQUEZ, 2003, 12) Assim, por exemplo,

ao apresentar na primeira parte o artigo “La nueva teoría del campo”, de Einstein (R. de

O., t.xxiii, 129), a revista publica na seção de “notas” o seguinte comentário:

Hace poco más de un mes, el gran físico Alberto Einstein presentó a la

Academia de Ciencias de Berlín una pequeña comunicación[...] Era la nueva

teoría del campo único, que Einstein esboza en el primer artículo de este

número. Descubrimiento de tal importancia tenía que repercutir en seguida en

la revista de Occidente. Y hemos obtenido del señor Einstein el trabajo que

encabeza nuestro sumario de este mes. Impresos ya los primeros pliegos, el

señor Einstein nos escribe adviritiendo que quisiera perfeccionar la

consideración geométrica con que termina su trabajo [...] (Revista de

Occidente, t. xxiii, 01)

Nota-se na citação uma espécie de “autopropaganda” da revista, que ao mesmo

tempo demonstrava atualidade, ao publicar o que de mais novo se pensava em física, e

autoridade, ao receber de ninguém menos que o próprio Einstein o texto a ser publicado.

Em outra ocasião, ao publicar por primeira vez um trabalho de A. S. Eddington, a

revista apresenta diretamente o astrônomo em um parágrafo anterior ao seu texto.

Publicamos en el número anterior un capítulo de la obra filosófica de Max

Scheler, El puesto del hombre en el cosmos. A.S. Eddington estudia en el

trabajo que damos a continuación cuál es el lugar del hombre en el universo,

desde otro punto de vista completamente distinto. A. S. Eddington es profesor

de la Universidad y director del Observatorio de Cambridge. Es, con Jeans –

del cual hemos publicado varios trabajos-, la figura más alta de la astronomía

contemporánea [...](Revista de Occidente, t. xxv, 01)

Como era a primeira vez que o cientista aparecia na Revista, o texto de

apresentação justificava o porquê de sua inclusão ao defini-lo como “a figura mais alta

da astronomia contemporânea”, situando-o em relação ao astrônomo J. Jeans e ao

filósofo Max Scheler, já conhecidos do leitor. Deste modo estabelecia-se uma rede de

afinidades, não necessariamente relativas a uma área de estudo, mas de problemáticas

que constituíam a preocupação da revista. Como veremos nas análises dos volumes

referentes ao ano de 1929 a existência de diferentes “problemáticas” dentro da

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155

publicação constitui uma particularidade da assimetria de um campo intelectual, no qual

em uma mesma época podem conviver formas residuais, dominantes e emergentes.

(SARLO, 1983, 84; WILLIAMS, 2000, 201)

Segundo Vázquez (2003,12), além da função de “autorizar” a revista, os textos

introdutórios pretendiam orientar e controlar a leitura, processo fundamental para uma

instância do campo intelectual que se pretendia legitimadora. Ao adentrarmos no

território do “leitor” e nos referirmos aos mecanismos de que uma revista dispõe para

seduzi-lo, é preciso distinguir entre o leitor que a revista constrói, como implícito a todo

texto, e o leitor “real” da revista. Deve-se postular a existência de

un destinatario interno [...] aludido en el texto por el sistema de señales cuya

interpretación exige dominar destrezas y supuestos socioculturales; y un lector

empírico, colocado fuera del texto, cuyo habitus puede coincidir o no con el

del destinatario interno. (SARLO, 1983, 109).

No caso das revistas culturais, é preciso levar em conta que elas articulam

discursos alheios enquanto constroem um discurso próprio que pretendem legitimar.

Deste modo, é natural que tendam a “organizar su público, es decir el área de lectores

que la reconozca como instancia de opinión intelectual autorizada” (SARLO, 1983, 96).

A revista surgiu de uma conversa entre Fernando Vela e Ortega y Gasset, quem

apontava a necessidade de colocar o leitor espanhol ao corrente “de todas las nuevas

ideas en todos los dominios de la cultura” (apud LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 59). Este

leitor era fundamentalmente culto, oriundo da universidade (estudantes e professores) e

de setores mais abertos de profissionais liberais, entre os quais se reconhecia uma

demanda por outras leituras além das estritamente universitárias e da sua área de

trabalho. (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 66). (Se tratava, pois, do novo tipo de intelectual

especializado, ao que aludimos no capítulo ___ da presente tese , minoria seleta com a

qual Ortega pretendia dialogar.)

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156

Uma considerável parte era jovem, muitos dos quais estudantes que

possivelmente conheceram a revista através da “fama” de Ortega como professor ou da

influência de outros colaboradores da publicação, também professores de Universidades

e Institutos70

. Além do contato através das instituições de ensino deve-se destacar o

papel fundamental de outro lugar muito freqüentado por jovens: as “tertúlias de café”.

Ali “los temas culturales ocupaban un sitio por lo menos tan importante como los temas

políticos, [...] se difundían las informaciones sobre los últimos libros publicados, los

nuevos artículos o las recientes conferencias.” (LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 65).

Também colaborou a participação de Ortega no diário El Sol e nas publicações

da Editora Calpe, que o tornou conhecido entre um público não ligado diretamente à

filosofia. Como exemplo, destacamos a declaração de Eugenio D‟Ors ao descrever a

biblioteca de um jovem de dezoito anos, na qual se encontravam “varios números de la

Revista de Occidente” (apud LÓPEZ CAMPILLO, 1972, 65).

Este público, mais velho ou mais novo, localizava-se não só na Espanha, mas

também na América Hispânica, para onde iam, como vimos (buscar a citação) a metade

dos 3.000 exemplares de cada edição, comprados pela editora Espasa-Calpe. A própria

experiência de Ortega, ao visitar a Argentina em 1916, contribuiu para identificar os

países americanos de língua espanhola como um mercado em potencial.

[...] la repercusión en los medios periodísticos, la respuesta positiva de un

público amplio (no sólo profesores y alumnos de la universidad, sino también

profesionales y mujeres), contribuyó a conformar en Ortega la percepción de

que, más allá del atraso en materia filosófica, en América era posible encontrar

un público excepcionalmente dispuesto a la novedad. (VÁZQUEZ, 2003, 05)

A percepção não estava equivocada, conforme se comprova na declaração de

Juan Marichal (1993, 31)

[...] uno de mis más admirados y queridos maestros universitarios, el

historiador mexicano Edmundo O‟Gorman, me contó cómo un grupo de

70

Institutos eram instituições de ensino “básico”, onde os jovens estudavam antes de ir à universidade.

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157

jóvenes escritores mexicanos se congregaban en una librería, el día que llegaba

de madrid mensualmente, la Revista de Occidente.

É interessante observar como a descrição do público da revista coincide com o

perfil de leitor traçado nos “Propósitos”. Diferentemente do livro, que aspira a ser um

projeto de longa duração, lido por pessoas de várias épocas, as revistas culturais

pretendem estabelecer um “diálogo” com os seus contemporâneos, para discutir

problemáticas inerentes ao seu tempo (não importa se elas se referem ao passado ou ao

futuro e sim como são vistas desde o presente). Sendo assim, é fundamental convencer

o “leitor”, atraí-lo, não uma vez, como um livro que lemos e, talvez, relemos uma ou

algumas vezes, mas mês a mês, número a número no caso de uma publicação mensal

como a Revista de Occidente. Há uma relação mais direta, e o “leitor real”, ou empírico,

se aproxima bastante do “leitor implícito”, construído pela revista.

A definição desse leitor implícito é o primeiro aspecto abordado nos

“Propósitos”

Los propósitos de la Revista de Occidente son bastante sencillos. Existe en

España e Hispano-América un número crecido de personas que se

complacen en una gozosa y serena contemplación de las ideas y del arte.

Asimismo les interesa recibir de cuando en cuando noticias claras y meditadas

de lo que se siente, se hace y se padece en el mundo: ni el relato inerte de los

hechos, ni la interpretación superficial y apasionada que el periódico les

ofrece, concuerdan con su deseo. [...] Es la curiosidad ni exclusivamente

estética ni ceñudamente científica o política. Es la vital curiosidad que el

individuo de nervios alerta siente por el vasto germinar de la vida en

torno y es el deseo de vivir cara a cara con la honda realidad

contemporánea (grifo nosso) (R. de O., t. i, 01)

Observe-se a forma sedutora da descrição. As palavras iniciais da sua primeira

edição revelam o aspecto provocativo das expressões “individuo de nervios”, “alerta”.

Somos levados, como leitores, a nos sentirmos mais importantes, diferentes, capazes de

viver “cara a cara” com essa “realidade contemporânea”. Embora a revista esteja feita

para uma minoria de intelectuais, as suas palavras nos induzem a pensar que não somos

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158

poucos e sim “un número crecido” de pessoas. Tal provocação sedutora seria mantida

ao longo dos anos.

Ao referir-se às pequenas apresentações que introduzem os textos estrangeiros,

Vázquez afirma que “Es posible ver allí – siguiendo las sugerencias metodológicas

planteadas por Roger Chartier – cómo, a partir de una representación previa de lectura,

se activan estrategias de control y de seducción del lector”. (2003: 12) Ao mesmo tempo

em que seduzia e convidava o leitor a conhecer o seu projeto, a revista necessitava

orientar a leitura na direção do que pretendia demonstrar. Para realizar esta operação de

“orientação e controle da leitura” a revista lançou mão de dois conceitos também

definidos nos “Propósitos”: “clareza” e “hierarquía”.

No basta que un hecho acontezca o un libro se publique para que deba hablarse

de ellos (...) Nuestra Revista reservará su atención para los temas que

verdaderamente importan y procurará tratarlos con la amplitud y rigor

necesarios para su fecunda asimilación. (R. de O., t. i, 02)

Mesmo preconizando a chegada de um novo espírito, devia-se advertir o leitor

de que não bastava ser novo para ser bom. À publicação cabia estabelecer uma

“hierarquia da informação”, selecionar os textos fundamentais para então promover o

debate do que fosse relevante. E o conceito de relevante se aplicava àquilo que servisse

para esclarecer as idéias (este é o sentido de “clareza”), ou seja, para abrir os olhos dos

espanhóis aos “síntomas de una profunda transformación en las ideas, en los

sentimientos, las maneras, en las instituciones.” (R. de O., t. i, 01).

Além da seleção prévia dos textos e da sua apresentação quando necessário

(como vimos no caso dos textos estrangeiros) um dos principais instrumentos de

orientação da leitura constitui a segunda parte da revista, intitulada “notas”. Tratava-se,

muitas vezes, de resenhas de livros, mas também apareciam comentários sobre filmes,

sobre os artigos publicados na primeira parte da mesma ou de outras edições, sobre um

evento considerado importante, homenagens (por morte, recebimento de prêmios...) etc.

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159

Muitas vezes o estudo das notas relativas a um tema resultou ser mais relevante, para

nosso trabalho, do que a leitura dos artigos em si, uma vez que revelavam o pensamento

da revista sobre um tópico em específico, ou, principalmente, porque demonstravam

certa unidade de opiniões. Sob o rótulo de “seção de notas”, revestidas de uma

“diversidade aparente”, disfarçadas de “pequenos” comentários secundários frente aos

grandes “artigos”, apresentadas em espaço e fontes menores, a Revista de occidente

construía o seu discurso crítico. Efetivamente, destacados ensaios do grupo da revista

aparecem neste espaço, como a nota “Vidas oblicuas” (R. de O., tomo xxvi, 251) sobre

o papel das biografias, de Benjamín Jarnés (SERRANO ASENJO, 2002, 13) ou “Anejo

a mi folleto Kant” (R. de O., tomo xxv, 124), de Ortega y Gasset (um excelente texto

para se entender a filosofia vitalista de Ortega).

Ao iniciarmos este capítulo, aludimos aos aspectos formais que configuravam a

revista. Agora podemos afirmar que o modo como a publicação se organizou respondia

a necessidades intrínsecas ao seu projeto. A relação entre forma e conteúdo é sempre

uma relação de mútua construção em que o desenvolvimento de um responde e gera

necessidades ao outro. A divisão em duas partes (artigos e notas) plasmava,

fundamentalmente, os processos de seleção e orientação propostos nos conceitos de

“hierarquia e clareza”.

Por este motivo, e para efeitos de organização de nosso estudo, chamaremos

“artigo” a todo texto publicado na primeira seção da revista e “nota” aos pertencentes à

segunda parte. Obedecemos, deste modo, aos mesmos critérios usados por López

Campillo e Vázquez em seus trabalhos. Veremos agora como o projeto da Revista de

Occidente apresenta questões formais e temáticas resolvidas, ou pelo menos com

tentativas de resolução, até 1929, quando outras demandas entraram em cena e o projeto

foi reavaliado.

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160

ANEXO F- LISTA DE TEXTOS (ARTIGOS E NOTAS) PUBLICADOS SOBRE A ALEMANHA

Tomo Vol. Ano Mes Corpo

Nota Título Autor Matéria Tipo texto página obs obs literatura tema

Tomo

XXVI LXXVI 1929 octubre artículo

Megalomanía

espiritual

Friedrich

Gundolf sociología ensayo 57

Alemania /

literatura espacio

Tomo

XXVI LXXVII 1929 noviembre artículo

¿Un renacimiento

católico? Liturgía y

espíritu

Luis de

Zulueta filosofía ensayo 203

Alemania - sobre

la "Primavera

alemana, la

Reforma católica

Tomo

XXVII LXXIX 1930 enero artículo Clima y evolución K. Olbricht ciencias ensayo 40

Bioclimática -

orígenes del

hombre, raza

superiores e

inferiores según

latitud donde

viven

raza

Tomo

XXVII LXXX 1930 febrero artículo

El proceso de

neutralización de la

cultura

Carl Schmitt humanidades ponencia 199 autor "facha" -

germanista, cita raza

Tomo

XXVII LXXX 1930 febrero artículo Clima y evolución K. Olbricht ciencias ensayo 222

Bioclimática -

(cont.) raza

Tomo

XXXI XCIII 1931 marzo artículo Berlín 1931

Máximo José

Kahn sociológía 298

sobre el papel de

la mujer

alemamna en la

sociedad

prosa? biografía de

un lugar?

Tomo

XXXII XCV 1931 mayo artículo

Hacia el Estado

Total Carl Schmitt sociología artículo 140

autor "facha" -

germanista, Estado

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161

LISTA DE TEXTOS DE AUTORES ALEMÃES OU RESENHAS SOBRE TEXTOS DE AUTORES ALEMÃES

Tomo Volume Ano Mes Corpo

Nota Título Autor Matéria Tipo texto página obs obs literatura tema

Tomo

XXIII LXVIII 1929 febrero artículo

La nueva teoría del

campo

Alberto

Einstein física artículo 129 Revista Nature

Tomo

XXIII LXVIII 1929 febrero artículo

La situación

presente de la

fenomenología

Arnold

Metzger filosofía capítulo 178

continuación del

no LXV (Nov

1928)

Tomo

XXIII LXIX 1929 marzo artículo

Rembrant y Spinosa

( contribución

histórica al

problema del

Barroco)

Carl Gebhardt arte / filosofía ensayo ?? 307

Tomo

XXIII LXIX 1929 marzo artículo

La muerte del

pequeno burgués Franz Werfel literatura novela 352 prosa

Tomo

XXIV LXX 1929 abril artículo

La muerte del

pequeño burgués

(conclusión)

Franz Werfel literatura novela 42 prosa

Tomo

XXV LXXIII 1929 julio artículo

El puesto del

hombre en el

cosmos (Los grados

del ser psicofísico)

Max Scheler filosofía capítulo 1 libro homónimo espacio

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162

Tomo Volume Ano Mes Corpo

Nota Título Autor Matéria Tipo texto página obs obs literatura tema

Tomo

XXV LXXIII 1929 julio artículo Un día de octubre Georg Kaiser literatura teatro 40 prosa

Tomo

XXV LXXIV 1929 agosto artículo Un día de octubre Georg Kaiser literatura teatro 201 prosa

Tomo LXXV 1929 septiembre artículo Un día de octubre Georg Kaiser literatura teatro 329 prosa

Tomo

XXVI LXXVI 1929 octubre aetículo

Megalomanía

espiritual

Friedrich

Gundolf sociología ensayo 57

Alemania /

literatura espacio

Tomo

XXVI LXXVIII 1929 diciembre artículo

El centurión de

Cafarnaum

Ernst

Wiechert literatura novela 273

la novela del

premio 5 revistas prosa

Tomo

XXVII LXXIX 1930 enero artículo Clima y evolución K. Olbricht biología ensayo? 40

Bioclimática -

orígenes del

hombre, raza

superiores e

inferiores según

la latitud donde

viven

raza

Tomo

XXVII LXXX 1930 febrero artículo

El proceso de

neutralización de la

cultura

Carl Schmitt historia /

antropología ponencia 199

autor "facha" -

germanista, cita Raza

Tomo

XXVII LXXX 1930 febrero artículo Clima y evolución K. Olbricht biología ensayo? 222

Bioclimática -

(cont.) Raza

Tomo

XXVIII LXXXII 1930 abril artículo

El sobreestimado

niño

Conde de

Keyserling filosofía capítulo 76

capítulo del libro

Norteamérica,

libertada

norteamérica

Tomo

XXVIII LXXXII 1930 abril nota

De Rickert a la

fenomenología

R. Ledesma

Ramos filosofía reseña 123 fenomenología

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163

Tomo Volume Ano Mes Corpo

Nota Título Autor Matéria Tipo texto página obs obs literatura tema

Tomo

XXIX LXXXV 1930 julio artículo

El reclamo y su

influencia sobre la

fisionomía de la

cultura

Teodoro

Lüddecke

historia /

antropología ensayo? 89

Tomo

XXIX LXXXV 1930 julio artículo

El reclamo y su

influencia sobre la

fisionomía de la

cultura

Teodoro

Lüddecke

historia /

antropología ensayo? 89

Tomo

XXIX LXXXV 1930 julio nota

Keyserling y el

"sentido"

R. Ledesma

Ramos filosofía reseña 113

libro El

conocimiento

creador

Tomo

XXIX LXXXVII 1930 septiembre artículo

Ludwig Klages y su

lucha contra el

"espíritu"

Gerda

Walther filosofía ensayo 265 fenomenología

Tomo

XXIX LXXXVII 1930 septiembre nota

De antropología

filosófica

Fernando

Vela filosofía ensayo? 389

sobre el concepto

desarrolado por

Max Scheler

Tomo

XXX LXXXVIII 1930 octubre artículo

Ludwig Klages y su

lucha contra el

"espíritu"

Gerda

Walther filosofía ensayo 117

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164

Tomo

XXX LXXXIX 1930 noviembre nota

Esquemas de

Nicolai Hartmann

R. Ledesma

Ramos filosofía ensayo 252 fenomenología fenomenología

Tomo Volume Ano Mes Corpo

Nota Título Autor Matéria Tipo texto página obs obs literatura tema

Tomo

XXX XC 1930 diciembre artículo

La psicología del

llanto B. Schwartz psicología capítulo 267 fenomenología fenomenología?

Tomo

XXXI XCIII 1931 marzo artículo Berlín 1931

Máximo José

Kahn sociológía/literatura? ensayo 298

sobre el papel de

la mujer

alemamna en la

sociedad

prosa? biografía de

un lugar?

Tomo

XXXII XCIV 1931 abril nota Berlín-Norte

Francisco

Ayala literatura ensayo 117 sobre la novela prosa

Tomo

XXXII XCV 1931 mayo artículo

Hacia el Estado

Total Carl Schmitt sociología? artículo? 140

autor "facha" -

germanista, Estado

Tomo

XXXIII XCVII 1931 julio artículo Casa de tristeza Franz Werfel literatura novela? 51

Tomo

XXXIII XCVIII 1931 agosto artículo

Los grados de lo

infinito

Hermann

Weyl matemáticas? artículo 170

Tomo

XXXIII XCVIII 1931 agosto artículo Casa de tristeza Franz Werfel literatura novela 201 continuación prosa

Tomo

XXXIII XCIX 1931 septiembre artículo

Los sistemas de la

historia universal Hans Freyer historia capítulo 249

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165

Volume monográfico sobre Goethe

Tomo Volume Ano Mes Corpo

Nota Título Autor Matéria Tipo texto página obs obs literatura tema

Tomo

XXXVI CVI 1932 abril artículo

Pidiendo un Goethe

desde dentro

Ortega y

Gasset literatura ensayo 1 prosa biografía

Tomo

XXXVI CVI 1932 abril artículo

Goethe, según la

psicopatología

José Miguel

Sacritán psicología artículo? 42

Tomo

XXXVI CVI 1932 abril artículo La nueva Melusina J. W. Goethe literatura cuento 92 prosa

Tomo

XXVI CVI 1932 abril artículo Apuntes al Werther

Antonio

Espina literatura ensayo 118 prosa

Tomo

XXXVI CVI 1932 abril artículo

Goethe y el mundo

hispánico

Manuel

García

Morente

literatura discurso 131 prosa

Tomo

XXXVI CVI 1932 abril artículo

La curva

simbolicogeográfica

de la vida de

Goethe

Máximo José

Kahn literatura/geografía ensayo 148

Continuação dos volumes referentes a 1932

Tomo

XXXVI CVIII 1932 junio artículo

Las conquistas del

idealismo alemán

Heinz

Heimsoeth filosofía artículo? 311

Tomo

XXXVII CIX 1932 julio artículo

El humanismo

como iniciativa

Ernest Robert

Curtius sociología? ensayo 1

Tomo

XXXVII CX 1932 agosto artículo

El porvenir del

capitalismo

Werner

Sombart sociología? capítulo? 129 estado

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166

Tomo

XXXVII CXI 1932 septiembre nota

Oswald Spengler:

El hombre y la

técnica

Fernando

Vela filosofía reseña 348

Contribuições de Jung

Tomo Volume Ano Mes Corpo

Nota Título Autor Matéria Tipo texto página obs obs literatura tema

Tomo

XXVI LXXVI 1929 octubre artículo La mujer en Europa C. G. Yung psicología ensayo ?? 1 espacio

Tomo

XXXII XCIV 1931 abril artículo El hombre arcaico C.J.Jung psicología artículo?? 1

Tomo

XXXVI CVII 1932 mayo artículo

El problema

psíquico del hombre

moderno

C. G. Jung psicología ensayo 202

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167

ANEXO G- LISTA DE TEXTOS (ARTIGOS E NOTAS) PUBLICADOS SOBRE OS ESTADOS UNIDOS - 1929

Tomo Volume Ano Mes Corpo

Nota Título Autor Matéria Tipo texto página obs obs literatura tema

Tomo

XXIII LXVII 1929 enero artículo

La mujer

norteamericana Waldo Frank sociología capítulo 70

del libro Nuevo

descubrimiento

de América

espacio

Tomo

XXIII LXVII 1929 enero artículo

Las artes actuales

en norteamérica Waldo Frank arte capítulo 83

del libro Nuevo

descubrimiento

de América

espacio

Tomo

XXV LXXIV 1929 agosto artículo

El espacio

americano Paul Fechter historia / filosofía ensayo ?? 169 espacio

Tomo

XXVII LXXXI 1930 marzo artículo

El americanismo,

realidad y tópico

Teodoro

Lüddecke

historia /

antropología ensayo 377

definicion de

americanismo y

su influjo en

Europa- el pensar

esteril intelectual

p.383

prosa

Tomo

XXVIII LXXXII 1930 abril artículo

El sobreestimado

niño

Conde de

Keyserling filosofía capítulo 76

capítulo del libro

Norteamérica,

libertada

norteamérica

Tomo

XXXII XCV 1931 mayo artículo

El capitalismo

norteamericano

Charlotte

Lütkens sociología? capítulo 177 Estado

Tomo

XXXIV C 1931 octubre artículo

El sentido de la

crisis

norteamericana

M. J. Bonn historia /

antropología capítulo 105

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168

LISTA DE TEXTOS DE AUTORES NORTE-AMERICANOS OU RESENHAS SOBRE TEXTOS DE AUTORES NORTE-AMERICANOS

Tomo Volume Ano Mes Corpo

Nota Título Autor Matéria Tipo texto página obs obs literatura tema

Tomo

XXIII LXVII 1929 enero artículo

La mujer

norteamericana Waldo Frank sociología capítulo 70

del libro Nuevo

descubrimiento

de América

espacio

Tomo

XXIII LXVII 1929 enero artículo

Las artes actuales

en norteamérica Waldo Frank arte capítulo 83

del libro Nuevo

descubrimiento

de América

espacio

Tomo

XXIV LXX 1929 abril artículo

Nota sobre el

Emperador Jones

Ricardo

Baeza literatura comentario 74 prosa

Tomo

XXIV LXX 1929 abril artículo El Emperador Jones

Eugenio

O´Neill literatura teatro 76 prosa

Tomo

XXIV LXXI 1929 mayo artículo

El teatro de Eugenio

O-Neill

Ricardo

Baeza literatura ensayo 189 prosa

Tomo

XXIV LXXI 1929 mayo artículo

El emperador Jones

(conclusión)

Eugenio

O´Neill literatura teatro 235 prosa

Tomo

XXIV LXXII 1929 junio artículo Europa destruida Waldo Frank historia capítulo 354

libro

Redescubrimiento

de América

espacio

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169

Tomo Volume Ano Mes Corpo

Nota Título Autor Matéria Tipo texto página obs obs literatura tema

Tomo

XXV LXXIII 1929 julio nota

JOHN DOS

PASSOS. -

Manhattan Transfer.

Editorial Cenit.

Madrid.

Francisco

Ayala literatura reseña 122 prosa

Tomo

XXXIV C 1931 octubre artículo

El sentido de la

crisis

norteamericana

M. J. Bonn historia /

antropología capítulo 105

Tomo

XXXVI CVIII 1932 junio artículo

Salida de la crisis

económica E. Lederer sociología? capítulo? 353 crisis

Tomo

XXXVII CIX 1932 julio artículo

Salida de la crisis

económica E. Lederer sociología? capítulo? 70 estado

Tomo

XXXVIII CXII 1932 octubre artículo

El destino del

capitalismo alemán M. J. Bonn sociología? capítulo? 69 estado

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170

ANEXO H- LISTA DE TEXTOS (ARTIGOS E NOTAS) PUBLICADOS SOBRE A RUSSIA- 1929

Tomo Volume Ano Mes Corpo

Nota Título Autor Matéria Tipo texto página obs obs literatura tema

Tomo

XXIV LXX 1929 abril nota

JULIO ALVAREZ

DEL VAYO: Rusia

a los doce años.

Espasa-calpe-

madrid, 1929.

Antonio

Espina historia / política reseña 127

fenomenología

política

internacional ??

Tomo

XXXII XCVI 1931 junio artículo

Situación actual de

la Rusia Soviética Paul Haensel sociología? capítulo 256

Tomo

XXXV CIII 1932 enero artículo Liam O'Flaherty

Antonio

Marichalar 51

nota introductoria

al artículo de

Liam O'Flaherty

Tomo

XXXV CIII 1932 enero artículo

El cadáver del

zarismo

Liam

O'Flaherty sociología? capítulo 62 estado

Tomo

XXXVIII CXIII 1932 noviembre nota

El zar escarlata y el

diablo literario

Antonio de

Obregón literatura reseña? 214

entrevista de Emil

Ludwig a Stalin prosa biografía

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171

LISTA DE TEXTOS DE AUTORES RUSSOS OU RESENHAS SOBRE TEXTOS DE AUTORES RUSSOS

Tomo Volume Ano Mes Corpo

Nota Título Autor Matéria Tipo texto página obs obs literatura tema

Tomo

XXIII LXVIII 1929 febrero nota

FEDOR

GLADKOV: El

cemento

Luis G. de

Valdeavellano literatura reseña 248 prosa

Tomo

XXIII LXIX 1929 marzo nota

Rasputin: Film sin

epígrafes Rosa Chacel cine reseña 400

Tomo

XXVI LXXVI 1929 octubre nota Diaghileff

Adolfo

Salazar arte esquela 121

Tomo

XXVII LXXXI 1930 marzo nota

Cine - La lucha por

la tierra

Francisco

Ayala cine reseña 412

reseña solbre la

película rusa -

destaca la

"plasticidad

frente a la

politicidad de la

película

Tomo

XXX LXXXIX 1930 noviembre nota

Elías Erenburg:

Citroën 10 H. P.

Francisco

Ayala literatura reseña 262 prosa

Tomo

XXXII XCV 1931 mayo

visto y

oído

Potemkin, film

piadoso

Antonio

Marichalar 195

peculiar

"lectura"

de la

película

Tomo

XXXII XCV 1931 mayo nota

La vie de

Bakounine

Antonio

Espina literatura reseña 212 prosa biografía

Tomo

XXXII XCVI 1931 junio artículo

Situación actual de

la Rusia Soviética Paul Haensel sociología? capítulo 256

Tomo

XXXIII XCIX 1931 septiembre

visto y

oído Ironías Rusas

Antonio

Marichalar comentario? 343

literatura

rusa prosa

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172

Tomo Volume Ano Mes Corpo

Nota Título Autor Matéria Tipo texto página obs obs literatura tema

Tomo

XXXVIII CXIII 1932 noviembre artículo La alegre aventura

Miguel

Zochtchenko literatura ensayo? 160 prosa

Tomo

XXXVIII CXIII 1932 noviembre nota

El zar escarlata y el

diablo literario

Antonio de

Obregón literatura? reseña? 214 prosa

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