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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ CAMPUS DE CAICÓ DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA JOSÉ ALCIONE DA SILVA FERNANDES Os Curandeiros No Sertão: um estudo da perspectiva religiosa com o cristianismo nas cidades de Brejo do Cruz /PB e Catolé do Rocha/PB CAICÓ 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

CAMPUS DE CAICÓ – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES

ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA

JOSÉ ALCIONE DA SILVA FERNANDES

Os Curandeiros No Sertão: um estudo da perspectiva religiosa com o

cristianismo nas cidades de Brejo do Cruz /PB e Catolé do Rocha/PB

CAICÓ

2016

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JOSÉ ALCIONE DA SILVA FENRANDES

Os Curandeiros No Sertão: um estudo da perspectiva religiosa com o

cristianismo nas cidades de Brejo do Cruz /PB e Catolé do Rocha/PB

Trabalho de Conclusão de Curso, na modalidade Artigo, apresentado ao Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ensino Superior do Seridó, Campus de Caicó, Departamento de História, como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista, sob orientação do Prof. Dr. Joel Carlos de Souza Andrade.

CAICÓ

2016

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SUMÁRIO

1 Introdução .............................................................................................................. 06

2 Contexto socio-cultural e religioso de Brejo do Cruz e Catolé do Rocha em 2015. 11

3 Considerações Finais ............................................................................................. 18

Referências ............................................................................................................... 20

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RESUMO

Este trabalho tem como foco uma pesquisa com benzedores nas cidades de

Brejo do Cruz e Catolé do Rocha no sertão da Paraíba, tentando compreender como

esta prática de cura se articula com a preponderância das novas tecnologias e

signos da modernidade. Faz parte da pesquisa, entender como a prática da

benzeção articula sua permanência dentro da sociedade, buscando ressignificar e

legitimar seus saberes para com a população. O trabalho busca ainda traçar o

histórico da consolidação dessa prática bastante antiga que é de suma importância,

porém não chama mais tanta atenção da juventude. No interior da Paraíba tal

tradição é comum e ainda possui forte apelo junto ao povo. Os benzedores

geralmente se valem de um ramo e um terço para benzerem. Alguns aspergem água

benta com o ramo, enquanto benzem.

PALAVRAS-CHAVE: Curandeiros. Rezadores. História oral. Tradição.

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AGRADECIMENTO

Agradeço a Deus companheiro espiritual que me amparou para vencer as

barreiras, as dificuldades, infortúnios e superar as minhas limitações.

Assim, do fundo do coração agradeço a minha família que me deu apoio as

minhas irmãs mãe, pai, minha esposa Tereza Rita e meu filho Rayran Arllem que me

proporcionaram afeto, compreensão e estimulo. E ainda suportaram minha ausência

em alguns momentos em virtude do tempo dedicado ao Estudo.

Ao Professor Doutor Joel Carlos de Souza Andrade pela orientação,

sugestões e discussões. E as valiosas contribuições que deu ao trabalho.

A todos os professores e funcionários de apoio da especialização em história

e cultura africana e afro-brasileira da UFRN, por sua solicitude, competência e

profissionalismo no desenvolvimento de suas atribuições.

Agradeço ainda a todos as pessoas que colaboraram com as entrevistas,

pois elas tiveram um papel importante na construção desse trabalho.

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INTRODUÇÃO

O termo curandeirismo utilizado no Brasil tem sido utilizado ligado ao

conhecimento popular. Com isso podemos observar que os curandeiros tratam de

pessoas acometidas de determinadas enfermidades que não estão no campo de

pesquisa da medicina científica ainda. No entanto as pesquisas em relação ao

trabalho dos curandeiros vêm ganhando destaque entre os pesquisadores das

diversas áreas do conhecimento. No sertão paraibano, conforme nossa pesquisa

ainda falta um estudo organizado desse tema. Prática essa muito utilizada no

tratamento de enfermidades, e que tem tido um papel de grande relevância na

sociedade atual.

As práticas do curandeirismo estão ligadas a questões religiosas, mesmo

que a pessoa não procure ver essa ligação quando busca esse tratamento, alguns

não procuram informações e nem buscam verem se essa prática tem ligação com

sua crença religiosa ou não, mas entende essa questão como uma terapia popular

e uma forma para a solução de seu problema ou males.

As práticas de benzedura apresentam características peculiares, os rituais

das benzeções se organizam de maneira a dialogar com as diferentes forças sociais,

(religiosidade, posição social), ora preservando as heranças recebidas dos

antepassados, ora ultrapassando a prática tradicional da benzedura.

Nesse sentido nosso estudo irá destacar a importância social, cultural, suas

vinculações com as religiões cristãs e a visibilidade do trabalho do curandeiro na

comunidade. De acordo com Fontenelle (1959) e Fernandes (1979) o mundo

tradicional e, dentro dele, suas crenças e práticas de cura, são um conjunto

assistemático em vias de desintegração, uma vez que, são disfuncionais ao contexto

sócio urbano moderno Porém já segundo Queiroz e Canesqui (1986), este

pressuposto não se mantém, apesar da urbanização. Outro fator a ser destacado é

que mesmo a despeito dessas práticas serem bastante antigas elas permaneceram,

seja no campo ou cidade.

Para isso tornar-se necessário pesquisar e entender os diferentes conceitos

e relatos socioculturais que são dados para o curandeirismo historicamente e sua

visibilidade dentro das comunidades de Brejo do Cruz e Catolé do Rocha. Uma

analise histórico cultural que partiu do depoimento dos curandeiros, dos moradores

da comunidade e também do público escolar das unidades educacionais de ensino

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fundamental. A importância do estudo em questão que em alguns momentos a cura

foi vistas como uma prática ilegal da medicina e que, portanto deveria ser combatida

dentro da sociedade assim como foi defendido pela historiadora Márcia D. Siqueira

(1993) eram o charlatanismo e o curandeirismo, formas de exercício ilícito da

medicina que deviam ser combatidas e eliminadas com isso vemos a luta de uma

sociedade moderna querendo eliminar um conhecimento popular a muito praticado

pelas comunidades que muito contribuiu e ainda contribui para a sociedade.

Este trabalho foi produzido a partir de relatos orais e outras fontes

documentais, que mostrando mesmo estando vivendo no século XXI, as pessoas

ainda buscam as práticas de curandeirismo como uma forma de cura. Sendo assim

se torna importante destacar o papel dos que praticam o curandeirismo, buscando

entender como uma tradição conseguiu sobreviver e atrair muitas pessoas num

ambiente em plena expansão das novas tecnologias e signos da modernidade.

O ato de benzer está presente na família, com o pai que benze o filho, os

lideres religiosos que benzem os fieis.

Conforme observamos segundo Quintana:

A benzedura pode ser caracterizada como uma atividade principalmente terapêutica, a qual se realiza através de uma relação dual – cliente e benzedor. Nessa relação, a benzedeira ou benzedor exerce um papel de intermediação com o sagrado pela qual se tenta obter a cura, e essa terapêutica tem como processo principal, embora não exclusivo, o uso de algum tipo de prece. (QUINTANA, 1999, p. 50).

É importante destacar que, ainda não tínhamos material escrito sobre a

prática do curandeirismo nas cidades de Catolé do Rocha e Brejo do Cruz no sertão

paraibano. Essa prática é muito utilizada nessas cidades, mesmo existindo nessas

cidades uma forte predominância do catolicismo, outro fator importante é a

motivação e a luta para manter vivos os registros dessa prática, pois como sabemos

a memoria consiste numa dialética da lembrança e do esquecimento, daí podem

mesmo sem querer deixar de apresentar os relatos ou histórias de determinadas

pessoas, que sem isso fica no esquecimento. Como afirma Joel Andrade em seu

trabalho Os Filhos da Lua: Poéticas Sebastianistas na Ilha dos Lençóis-MA, “Uma

preocupação com a memória emerge quando sua perda começa a ser sentida e isto

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inquieta os depositários. São os responsáveis por mantê-la e dinamizá-la,

ressignificando-a”.( Joel Andrade,2012,132)

Esse trabalho contribui para que as próximas gerações possam manter de

certa forma um contato indireto com essa cultura, pois a prática do curandeirismo

não está atraindo os mais jovens, enquanto memoria narrativa de velho, nesse

mundo onde a comunicação instantânea e os aparatos tecnológicos, são quem

comandam, a oralidade está sendo deixada de lado e o fato de não registrar essa

cultura pode leva- lá ao seu total desconhecimento. Assim nesse momento

tecnológico é muito mais fácil registrar e depois transformar isso em informação, do

que ter de ficar colocando a mente para lembrar daí passar as informações para as

demais gerações esse é o pensamento da maioria dos jovens. Com o fim das

pessoas mais velhas e a não continuidade pela juventude a tradição do

curandeirismo pode vim a cair no esquecimento.

Mesmo sabendo que o passado sempre é reconstruído no presente e que

esse movimento de esquecimento é a reconstrução sempre de uma forma de criar, é

preciso lembrar o processo de registro oral vai sofrer modificações de uma geração

para outra, mesmo esse relato sendo de interesse para ser absolvido imaginemos

então, quando não se tem interesse em conhecer essa cultura, muitas coisas podem

ser deixadas para trás. Segundo Portelli as recordações podem ser semelhantes, ou

então podem ser diferentes e que também as lembranças nunca vão ser as

mesmas. Por isso se faz necessário o trabalho de pesquisa e catalogação desse

conhecimento popular no sertão paraibano.

Lidar com o pensamento religioso não é fácil, já que é cheio de riqueza e

composto de uma variedade de crenças e pensamentos, que se transformaram ao

longo dos anos. Assim, estudamos as súplicas e as particularidades de muitas

pessoas, as quais vivem com uma formação cristã católica e ao mesmo tempo

buscam a religiosidade popular para explicar determinadas questões ligadas à cura

de certas enfermidades.

Sendo essa prática uma resposta às necessidades das pessoas,

principalmente nas cidades pequenas do sertão principalmente no serão, como é o

caso das cidades de Brejo do Cruz e Catolé do Rocha que muitas vezes eram

esquecidas pelos administradores em relação à área de saúde. Esse trabalho ainda

permanece até os dias atuais como uma forma permanente de tratamento mesmo

mediante o crescimento tecnológico. Um fator que pode ser determinante para a

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vivência dessa prática é a questão de que ainda passa no pensamento de algumas

pessoas a questão de que o fato da doença prejudicar além do corpo a alma e ainda

demonstrar uma ruptura com as relações pessoas com o religioso, fato esse muito

propagando nos dias atuais por alguns lideres religiosos, mesmo sendo que estes

condenem a prática do curandeirismo fora das igrejas, ou seja, as curas da crença

popular.

Como é de conhecimento essa prática do curandeirismo é utilizada no Brasil

desde o período colonial, e que já foi pesquisada por vaias pessoas, porém

recentemente com uma nova visão, tentando dar visibilidade para os curandeiros e

curandeiras do sertão paraibano que nunca foram alvo de pesquisa e que vivem no

anonimato. Os documentos consultados livros revistas e artigos com a finalidade de

fazer o estudo da historia dos curandeiros e de suas práticas provêm principalmente

de uma analise origem oral, e esta pode fornecer dados sobre a forma como é feito

o trabalho desse grupo de pessoas. Trata-se de fontes como artigos de jornais e

revistas, bibliografia imprensa, leis, dicionários e enciclopédias da época. Enfim,

todo tipo de documentação capaz de fornecer elementos interessantes para a

pesquisa no período abordado.

Toda a documentação utilizada como fonte para a pesquisa foi encontrada

de forma impressa e digital. Em revistas, Livros, teses e dissertações. Para elaborar

o contexto histórico, sociocultural e religioso de das cidades de Brejo do Cruz e

Catolé do Rocha, utilizou-se, o site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticos

IBGE, Dissertação de mestres e de Doutorado referidas a esse tema.

Observamos que os curandeiros do sertão paraibano foram deixados de for

das pesquisas acadêmicas, sem qualquer observação mais rigorosa. Encontram- se

notícias relevantes junto com outros inúmeros testemunhos ainda não publicados

em relação aos curandeiros do sertão paraibano, que relatam os diversos

milagrosas curas que estes fizeram.

Uma metodologia muito utilizada para a construção do trabalho foi a historia

oral, realizada através de entrevista, feita com os curandeiros e entrevistas de forma

escrita feita um aluno de Brejo do Cruz e outra de Catolé do Rocha. Ao trabalhar

com esse tipo de fonte, dois elementos chamam a atenção do leitor e pesquisador,

pois muitas vezes a história oral pode nos cometer o esquecimento de algum fator.

E ainda tem a questão da dificuldade de manusear as entrevistas realizadas.

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Essas diferentes fontes aqui apresentadas foram selecionadas

criteriosamente de modo a servirem à análise das representações sociais dos

curandeiros, nas cidades de Brejo do Cruz e Catolé do Rocha. Assim, a pesquisa,

após definir a problemática e as hipóteses do estudo em questão, partiu para a

escolha das fontes, comparando e analisando com detalhe todo o concernente à

temática proposta, com uma perspectiva e enfoque interdisciplinar.

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CONTEXTO SOCIO-CULTURAL E RELIGIOSO DE BREJO DO CRUZ E CATOLÉ

DO ROCHA EM 2015.

Brejo do Cruz, localizado no sertão da Paraíba segundo informações obtidas

no site do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), dados do Censo de

2010 tem uma população de aproximadamente 13 mil pessoas, sendo que

aproximadamente 12mil pessoas se declaram católicas apostólica romana, 750

evangélicos, 380 sem religião, 35 Testemunhas de Jeová e 4 pertencentes a religião

espírita, sendo que nem uma se declarou-se pertencente a umbanda ou ao

candomblé, portanto uma predominância total da religião cristã e de forma

especifica a religião católica.

Já em Catolé do Rocha segundo o censo de 2010 também coletados do site

do IBGE os dados são 28.759 pessoas sendo que dessas 23.540 se dizem

católicas, 3660 evangélicas, 58 espíritas e 1.776 declaram não ter religião, vejamos

também aqui uma grande predominância da religião católica, sendo que também

nem uma pessoa se declarou fazer parte da umbanda ou do Candomblé.

A situação do pensamento religioso de nosso campo de pesquisa é de uma

dominação total da ideologia cristã com foco no catolicismo e uma ausência total,

segundo os dados do IBGE das religiões de matrizes africanas.

Portanto, esse clima de pensamento cristão termina influenciando a relação

entre os curandeiros e as curandeiras, e as pessoas que os procuram, pois estes

mesmo tendo uma grande aceitação por parte da população, em vários momentos

de nossa história foram perseguidos e levados a viverem escondidos. Esses atos de

discriminação também ainda continuam pressente conforme foram observados nos

relatos dos entrevistados. Esses atos de perseguição e discriminação influenciaram

e ainda continua influenciando dos curandeiros nos dias de hoje.

Assim vamos construir uma ligação através da escrita da prática do

curandeirismo nas cidades de Catolé do Rocha e Brejo do Cruz, com a população e

as gerações futuras dessa forma fazer com que estas práticas sejam conhecidas e

valorizadas dentro das sociedades futuras e que estão trocando as práticas culturais

tradicionais pelas modernas.

Por isso é necessário discutir a preservação da memória desses indivíduos.

E como as práticas do curandeirismo contribuirão para a formação de novos

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saberes, da chamada medicina popular. Como despertaram para as práticas de cura

e o resultado na vida dele (as). São pontos que por nós foram elencados como base

desta pesquisa.

Pensamos na garantia da permanência dos feitos e realizações dessas

pessoas para que fiquem na memória das outras gerações futuras, pois a história

oral é fácil de ser esquecida, ainda mais quando essa não é registrada dai corre o

risco de ficar no esquecimento ou perdida no tempo. Foram feitas entrevistas com

curandeiros e curandeiras das comunidades e também com algumas pessoas que já

foram atendidos pelos curandeiros das comunidades já faladas. São eles detentores

de uma memória bem constituída, de lembranças que não foram por eles

esquecidas. As práticas de cura assumem uma finalidade social, que é trazer à cena

esses indivíduos que impulsionaram a formação daquilo que chamamos medicina

popular, por despertar na população o censo de crer em algo que transcende sua

vida e que pode resolver os seus problemas dai a importância de fazer com que

essas memórias não sejam esquecidas e apagadas da mente de todos.

É importante salientar que essa questão de criar uma visão negativa do dos

costumes dos negros, vem de muito tempo, pois no século XVIII, já se dizia que os

cativos poderiam realizar algum mal para com aquelas pessoas que os

machucassem, sendo que esse mal seria realizado através da arte demoníaca com

isso foi se construindo um pensamento que tudo o que vem dos negros ou tem

relação com eles, serão visto com certa desconfiança. Vejamos que na Europa a

cura já era praticada pela própria igreja

As curas mágicas com palavras refletiriam a velha crença no poder curativo da Igreja Medieval, e eram comuns em toda a Europa. Primeiro enunciava-se o nome da pessoa doente, a seguir ajoelhava-se, rezando à Santíssima Trindade para que os protegesse dos inimigos, o doente deveria rezar cinco padre-nossos, cinco Ave-Marias e um Credo por nove noites seguidas, tudo em louvor ao Espírito Santo. (SOUZA, 1986, p.68)

Assim buscamos mostrar a questão do curandeirismo de uma ótica

diferente, destacando a situação das cidades pequenas e do interior, pois as

comunidades das grandes cidades que tem a prática do curandeirismo já são

bastante conhecidas. Com isso, vamos construir um caminho onde as rezadoras e

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os rezadores possam ser compreendidos dentro da história cultural e social dessas

cidades.

Sabemos que por serem práticas feitas no cotidiano e por pessoas simples,

sem títulos ou ligados a instituições, essas práticas tendem a se naturalizarem e

passam a fazer parte da vida privada, isso faz com que se tenha um distanciamento

das práticas de curandeirismo, pois deixar de ser algo da comunidade e passa a ser

algo individual. Com isso devemos na pesquisa, ter a preocupação de construirmos

as vozes e os caminhos dessa prática.

Conhecendo os curandeiros do sertão paraibano

Este grupo é conhecido na tradição popular e se encontram espalhados

pelas mais diferentes localidades do Brasil, tendo uma origem e procedência incerta

e variada, da mesma forma que carregam uma heterogeneidade que os diferencia

em suas práticas, técnicas e tradições. Sendo que em sua maioria moram em

lugares simples e humildes.

Durante nossas pesquisas, observamos que os curandeiros são pessoas de

escolaridade simples como no caso do senhor Raimundo Germano dos Santos,

nascido na cidade de Conde e que migrou para a cidade de Brejo do Cruz há muito

tempo, mas conhecido como seu Manivelo com 68 anos ele relatou que na época de

sua infância, os pais tinham como preocupação inicial colocar os filhos para

trabalharem, por isso, o mesmo nunca estudou, tendo como profissão a agricultura.

Sua religião é o catolicismo, e teve o primeiro contato com a reza através de sua

mãe que era rezadeira, porém ele teve a revelação de que suas orações curavam

por meio de um sonho, no ano de 1984 e desde esse dia que vem desenvolvendo o

trabalho do curandeirismo para a população. Nesse sonho ele viu Nossa Senhora

com um manto branco no qual ela lhe revelou que as suas rezas curavam as

pessoas, então depois desse sonho, ele iniciou o trabalho de curandeiro.

Outro entrevistado foi o senhor Rivaldo Costa Gomes, conhecido por

Ferreinha, 63 anos, estudou até a 4º série, teve como profissão inicial a de

cabeleireiro, depois passou a trabalhar de ferreiro de onde veio o apelido pelo qual é

conhecido hoje, sendo que ainda está nessa profissão. Natural de Brejo dos Santos

no sertão também pertence à religião Católica, descobriu seu dom para o

curandeirismo através de uma revelação feita por Frei Damião, quando este fazia

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uma missão na região de Catolé do Rocha porém em uma viagem para o Ceará

quando depois de assistir uma missão veio um padre colocou a mão em sua cabeça

e disse que ele já era um curador, repetindo as mesmas palavras que Frei Damião

tinha lhe dito aos 10 anos de idade. Outro fato interessante foi que uma senhora, a

ver uma foto na casa de sua irmã disse que ele tinha aparecido a ela rezando num

sonho e ela ficou boa da doença. Depois desse dia ele relatou que os sonhos

passaram a ser constantes, dele rezando em pessoas, segundo seus relatos

aprendeu o dom com uma senhora e fazendo leitura de livros que ganhou das

pessoas que já realizou curas.

Vemos com base nos relatos dos entrevistados que eles estão dentro do

pensamento de Quintana (1999) em relação ao processo de iniciação, pois há dois

tipos de iniciação, a primeira que denomina de imitativa, em que a aprendizagem se

inicia por intermédio de brincadeira, uma criança que imita um adulto benzedor,

geralmente um ente da família, com o tempo essa brincadeira pode se tornar eficaz

e passa a ser reconhecido pela família como legítimo. O segundo tipo é a

“aprendizagem por experiência mística”, em que todos os conhecimentos adquiridos

pelas benzedeiras provêm de um guia espiritual, podendo ser um anjo.

Desta forma, utilizando um saber que nasce da observação da natureza, da

transmissão familiar ou das revelações feitas através de sonhos com santos ou de

autoridades religiosas muito populares e de certa forma também considerados como

santos populares, dos seus ciclos e potencialidades, os benzedores acabam por

desenvolver uma prática de cura que se mostra eficaz para as necessidades da

comunidade rural e que, além disso, compartilham dos elementos que esta carrega

e utiliza para a compreensão do mundo. Com isso, vemos o sentido religioso benzer

significa “dar a benção”, uma ação benéfica que um ser humano pode transmitir ao

outro.

A origem de muitas rezas pode ser puramente religiosa, ou fruto de um

hibridismo de religiões, ou mesmo de um misto entre conhecimento popular com

práticas religiosas. Em geral, as rezadeiras se dizem católicas, mas muitas recebem

influência de crenças espíritas, como as das religiões afro-brasileiras e dos rituais

indígenas.

Vemos que essas pessoas possuem em suas ações uma espécie de caráter

divino, sendo este um instrumento da proteção divina fato muito presente no

cotidiano da Igreja Católica, pois os sacerdotes são considerados representantes

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divinos e que também podem transmitir à benção de Deus à população. Os

curandeiros e curandeiras não têm a legitimidade da igreja para realizar essas

bênçãos, mas tem grande aceitação entre a população os que buscam seus

trabalhos. Podemos ver nesse ambiente a junção de elementos culturais das

diversas crenças religiosas, tais como das religiões, afro, indígena e católica, com

um objetivo de realizar o bem estar do ser humano.

Conforme dito por Quintana (1999) e defendido também por Oliveira (1985),

a prática de benzer é uma ferramenta que objetiva a solução de problemas ou

doenças em indivíduos que a procuram, podendo ainda desdobrar sua ação a

terceiros, ou até os objetos, animais e localidades, como é o caso de benzer casas,

terrenos, pastos, veículos e assim por diante. Podemos observar que o trabalho do

curandeiro não se resume somente à cura de pessoas, mas também está destinada

à proteção dos objetos. Isso fica bem claro na fala do senhor Raimundo que relatou

ser procurado por fazendeiros para benzer propriedades e animais, muitas das

vezes essa procura é feita por causa de doenças ou então para afastar o mau

olhado ou cobras que por ventura poderiam prejudicar os animais.

Podemos observar que não existe uma separação entre o humano e o

material para a atuação dos curandeiros, sendo que todos estão prontos para

realizarem as boas ações e que estas possam trazer a felicidade seja na cura de um

ser humano e afastando uma praga ou situação de perigo de algum objeto. Com

isso podemos observar a busca por uma pessoa que vá além da cura biológica, mas

que possa fazer e realizar a cura espiritual, um profissional que faça uma

intermediação entre a sua necessidade e os seres sobrenaturais.

Diante dos relatos feitos pelos entrevistados, observamos ainda uma grande

procura pelos trabalhos dos curandeiros ou rezadores para tratamento de uma

diversidade de problemas e doenças que afligem a população, isso demonstra a

grande confiança que é dada pelas pessoas ao trabalhado desenvolvido pelos

curandeiros e rezadores (as) na região polarizada por Catolé do Rocha. Esse fato

comprova que para tentar resolver seus problemas à população mesmo tendo o

serviço de saúde, ainda busca as práticas religiosas para resolveram as curas de

sues problemas.

Outro fato interessante é que esses curadores ou benzedores não cobram

pelo seu trabalho, sendo feito de maneira gratuita, conforme mesmo relatam os

entrevistados também dizem que a cura acontece pela fé das pessoas. De acordo

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com o relato do senhor Nivaldo Costa, ele foi chamado para rezar em uma senhora

que estava com problemas na visão, dai ele foi rezar e a senhora melhorou do

problema que tinha esta senhora lhe deu o valor de R$ 100,00 a ele, mesmo sem

este querer dai ele mandou que não gastassem esse dinheiro, quando foi com 15

dias à senhora disse para uma pessoa que tinha ficado boa por que pagou o valor

de 100,00 pela reza, dai seu Nivaldo mandou deixar o dinheiro e consta que a

senhora voltou a ter problemas de visão de novo, segundo seu Nivaldo Costa, isso

aconteceu por que a senhora não teve fé e não acreditou no poder de cura de Santa

Luzia. É sempre comum as pessoas darem presentes aos curandeiros, porém não

podem ligar os presentes à questão de pagamento, pois assim a oração não serviu,

e os curandeiros não aceitam fazerem o trabalho em troca de pagamentos.

No entanto observamos na fala de seu Nivaldo que, os curandeiros baseiam

suas orações nos ensinamentos da Igreja Católica tomando como base o exemplo

dos Santos católicos, pois esses foram criados nesta fé e procuram ser fiel à

tradição. São exemplos dessa influência católica a questão dos gestos que e sempre

em forma de cruz, a utilização da figura de Maria, e do Espírito Santo, são sinais

marcantes dessa influência e sua ligação com os costumes católicos.

Vale salientar que este dom é visto como um privilégio de Deus e por isso na

fala dos curandeiros não se pode haver pagamento, uma vez que o curandeiro deve

doar o seu dom aos outros e, para tanto, não cobra pelos seus serviços mágicos.

Com esse exemplo fica claro que o ritual de cura consiste no recitar de

preces, tendo como garantia de eficácia a fé, indispensável para que o doente fosse

curado de suas enfermidades, além das tradicionais bicheiras e demais perigos que

acometiam os animais e as fazendas. Podemos perceber a partir das observações

realizadas que, a prática da benzedura é uma função religiosa e também se

configurava como uma alternativa de cura disponível à população. É importante

lembrar que a prática do curandeirismo não pode ser lembrada somente como algo

que é procurada devido questão da precariedade do atendimento de saúde ou pela

ausência de padre em varia comunidades, essa visão leva a uma desvalorização,

deste trabalho feito com muito zelo e dedicação em varias regiões do Brasil.

O ritual de benzimento mais conhecido é o quebrante. Isso fica evidenciado

a fala do senhor Raimundo Germano que diz “minha mãe só rezava de quebrante”.

Com o avanço da modernidade observamos que houve um aumento nas doenças

que são tratadas pelos benzedores, tais como; mau-olhado e vento-caído, Espinhela

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caída, cobreiro, dor de dente, problema de coluna, entre outros, ainda somam-se

benzeduras contra males que estão presentes em propriedades. Já o senhor Nivaldo

Costa, além de todas essas ele ainda acrescentou dor de cabeça, dor da gota

serena e afastamento de encosto, e carne triada, segundo ele também iniciou com a

reza tradicional que é o quebrante e que depois foi fazendo orações para as outras

enfermidades ambos os entrevistados demonstraram que estão prontos para

atender a população toda hora, sendo assim não existe uma hora especifica, o

senhor Raimundo disse que para sua oração não existe uma preparação, já seu

Nivaldo disse que para alguns tipos de reza a exemplo do encosto, é preciso fazer

um ritual próprio para esse tipo de cura.

A estudante Camila Dutra da cidade de Brejo do Cruz, que estuda o 9º ano

Da Escola Terezinha Garcia Pereira, que é sobrinha de uma senhora que foi

rezadeira já falecida, ela lembra que esse trabalho desenvolvido pelos curandeiros é

algo muito importante e digna, pois é um ato de compartilhamento, e

desprendimento, fazem o bem sem pedir nada em troca, segundo a observação da

mesma o curandeiro é um instrumento de Deus, visando aliviar o sofrimento de

várias pessoas independente de sua condição financeira. A mesma também

entende que é através da fé em Deus que se atinge a cura. Fato este destacado nas

palavras dos dois curandeiros os quais foram entrevistados. Já nesse mesmo

sentido foi à entrevista realizada com a aluna de Catolé do Rocha, Sara Oceana

Targino, esta lembra que já foi muitas vezes para os curandeiros, principalmente de

quebrante que é a reza mais procurando na visão dos curandeiros entrevistados. Ela

reconhece o ato da cura como sendo importante para a comunidade, destaca a

importância da fé, tanto por parte do curador como de quem vai a busca da cura,

também mostra o sentido de realizar a reza de forma gratuita, sem tem interesse em

receber nada, com isso observamos a visão do jovem em relação ao trabalho

voluntário que é destacado, nesse mundo capitalista que de certa forma deixar uma

pista para entendermos a falta de interesse dos jovens na continuidade dessa

tradição secular, pois nas duas falas fica bem em destaque a questão de não

receber nada em troca. Podemos Observar nessa relação uma ligação com o que foi

registrado por que Quintana 199.

A benzedura pode ser caracterizada como uma atividade principalmente terapêutica, a qual se realiza através de uma

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relação dual – cliente e benzedor. Nessa relação, a benzedeira ou benzedor exerce um papel de intermediação com o sagrado pela qual se tenta obter a cura, e essa terapêutica tem como processo principal, embora não exclusivo, o uso de algum tipo de prece.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente artigo propôs-se a trabalhar a analisar situação vivenciada

pelos curandeiros em Brejo do Cruz /PB e Catolé do Rocha, a partir das entrevistas,

teses, dissertações, artigos e outros trabalhos que tratam do tema, as diversas

representações sociais que foram feitas à figura popular do curandeiro. Procurou-se

também desenvolver algumas reflexões sobre a dinâmica e significado e a

representações do trabalho dos curandeiros em relação ao contexto sociocultural e

religioso.

Evidentemente este trabalho não foi exaustivo para o tema. Esperou-se,

entretanto, executar uma investigação no sentido de desvelar como é a visão feita

do trabalho dos curandeiros a partir de seu próprio olhar e da análise de outras

pessoas, para que possam de alguma forma servir como subsídio, tanto para o

estudo teórico da visibilidade e da representação social, quanto para os outros

estudos empíricos que venham a ser realizados sobre este mesmo tema. Esperou-

se também, que principalmente os resultados aqui transcritos sirvam para uma

melhor compreensão do trabalho dos curandeiros. E, ao mesmo tempo, que possa

contribuir com futuras propostas para um projeto de valorização e resgate das

pessoas que dedicam sua vida para cuidar das enfermidades de muitas pessoas,

não deixar de lado a rica e valiosa sabedoria popular. Identificou-se que existi no

sertão uma ausência de estudos a respeito do tema e consequentemente uma falta

de interesse por parte dos mais jovens em apreenderem os conhecimentos

relacionados à prática do curandeirismo. As práticas do curandeirismo foram

atividades populares.

Através desses relatos analisados, efetuou-se também uma detalhada

caracterização da atuação figura do curandeiro e de suas diversas técnicas

utilizadas nas realizações das curas e práticas. Isto teve como objetivo central

recuperar a verdadeira dimensão e representação que se tinha sobre estes

indivíduos. Os trabalhos estudados podem ser entendidos como um conjunto, de

parte desta disputa no sentido da buscar da cura.

Mas os elementos de crenças e práticas utilizadas pelos curandeiros, apesar

de toda pressão sofrida, não desapareceram, permaneceram no tempo e

conservaram-se às crendices, superstições e a sabedoria popular paralelamente ao

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desenvolvimento tecnológico, entretecendo ligações até invisíveis entre o subjetivo e

o objetivo, entre o consciente e o inconsciente, entre o material e o imaterial, em um

universo recarregado de significações em meio do qual brotou o rico manancial do

inesperado.

Sendo assim, observamos nos praticantes a busca pelo tratamento dos

curandeiros, fazendo-nos pensar sobre os elementos que a medicina moderna e seu

notório desenvolvimento ao longo dos últimos séculos permanecem deixando as

sombras e ignorando consciente ou inconscientemente fatores que parte significativa

da população valoriza.

Podemos observar que as diferentes sociedades, sempre tentaram explicar

suas doenças, não se restringindo a suas causas, pois procuram um sentido, para

além do mal biológico e no caso é nesse momento que as pessoas os curandeiros.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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