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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE DIREITO
JÉSSICA MACÊDO FILGUEIRA DE FREITAS
A REFORMA TRABALHISTA E A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE
TRABALHO: ANÁLISE DA (IN)CONVENCIONALIDADE DO CONTRATO DE
TRABALHO INTERMITENTE NA LEI 13.467/2017
NATAL
2019
JÉSSICA MACÊDO FILGUEIRA DE FREITAS
A REFORMA TRABALHISTA E A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE
TRABALHO: ANÁLISE DA (IN)CONVENCIONALIDADE DO CONTRATO DE
TRABALHO INTERMITENTE NA LEI 13.467/2017
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Direito, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial à
obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientadora: Profª. Dra. Yara Maria Pereira
Gurgel.
NATAL
2019
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas – CCSA
Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/404
Freitas, Jessica Macedo Filgueira de.
A Reforma Trabalhista e a precarização das relações de trabalho: análise da
(in)convencionalidade do contrato de trabalho intermitente na Lei 13.467/2017 /
Jessica Macedo Filgueira de Freitas. - 2019.
64f.: il.
Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Direito, Natal, RN,
2019.
Orientadora: Profa. Dra. Yara Maria Pereira Gurgel.
1. Direito do trabalho - Monografia. 2. Reforma trabalhista - Monografia. 3.
Contrato de trabalho intermitente - Monografia. 4. Legislação trabalhista -
Monografia. I. Gurgel, Yara Maria Pereira. II. Título.
RN/UF/CCSA CDU 349.2
Trabalhadores do mundo todo, uni-vos!
AGRADECIMENTOS
A minha jornada no curso de Direito da UFRN não foi nada fácil. “Mulher”, “pobre”
e “lésbica” são atributos pessoais cruelmente desfavoráveis em um ambiente tão excludente e
opressor. Sem sombra de dúvidas, a principal fonte de forças para que eu continuasse
caminhando, mesmo após incontáveis quedas, foi a minha família: não poderia fazê-los perder
as esperanças de que eu fosse a primeira pessoa da família a se formar numa universidade
pública.
Cresci ouvindo a minha mãe dizer que eu deveria me tornar aquilo que ela sempre
sonhou, mas não conseguiu ser. Impossível não encher os olhos de lágrimas ao me lembrar
das reações dos meus pais quando souberam de cada êxito logrado ao longo da graduação:
“esta foi a melhor notícia do ano”, disse o meu pai ao saber da minha aprovação na OAB,
seguido de um abraço apertado de quem tem tantos motivos para chorar.
Em cada objetivo acadêmico ou profissional alcançado há marcas do esforço da
minha família. Mesmo aos trancos e barrancos, meus pais sempre deram o máximo de si para
que eu tivesse acesso à educação de qualidade, e essa é uma dívida que eu jamais conseguirei
pagar. Lembro-me até hoje do meu pai me ensinando a ler e a escrever em casa, com a
impaciência e a determinação que lhes são características, somado ao incansável incentivo à
leitura por parte da minha mãe.
Isso sem falar nas discussões sobre política, que aguçaram o meu senso crítico sobre
a sociedade. Curiosamente, ainda que durante a infância eu sequer tivesse pretensão de
ingressar no curso de Direito, meu pai costumava me chamar de “advogada” quando eu batia
o pé sobre as injustiças do mundo.
E é com esse sentimento que encaro o meu futuro. O que me move é a possibilidade
de contribuir de alguma forma para a sociedade. Embora reconheça as profundas limitações
do Direito, pretendo dedicar todo o meu esforço e me aperfeiçoar cada vez mais para dar
assistência jurídica àqueles que propositadamente são mantidos longe da Justiça: pessoas
como a minha família.
Para além dos meus pais, não posso deixar de reconhecer o papel fundamental dos
meus educadores.
Às minhas professoras e aos meus professores dos “jardins”, do ensino fundamental
e do ensino médio: vocês colocaram os primeiros tijolinhos na minha escadinha da
aprendizagem. Dedico, principalmente, aos professores Admilson Santa Cruz, Adailton
Figueiredo, Josivan Monte, Cláudio Custódio e Alberto Cesar do Nascimento este trabalho
sobre as condições de precarização da classe trabalhadora. Não tenho dúvidas de que as
sementes plantadas ainda no seio escolar germinaram na consciência política presente nesse
TCC.
Agradeço imensamente a Fabiana Mota, Jahyr-Philippe Bichara, Mariana de
Siqueira, Ana Beatriz Presgrave, Marcus Aurélio de Freitas Barros, Marco Bruno Miranda
Clementino, Zéu Palmeira Sobrinho, Ana Patrícia Dias Sales, Cristina Foroni Consani e Paulo
Filho por todos os ensinamentos jurídicos e sociológicos compartilhados.
De forma ainda mais especial, agradeço à minha orientadora, Yara Maria Pereira
Gurgel, por me acompanhar nas pesquisas sobre essa temática de tamanha relevância social, e
a Xisto Tiago de Medeiros Neto e Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro, por
aceitarem avaliar e contribuir ao meu trabalho. É uma honra imensurável finalizar essa
jornada com profissionais tão inspiradores e competentes da área trabalhista.
Aos meus amigos de graduação pelo compartilhamento dos sorrisos e das lágrimas.
À Simulação de Organizações Internacionais (SOI) por todo o crescimento acadêmico e
pessoal proporcionado ao longo dos últimos três anos.
E, por fim, mas não menos importante: minha companheira de vida, Brenda da Silva,
pelo apoio incondicional dado, por não me deixar desistir, por erguer a minha cabeça quando
necessário e por lembrar diariamente que eu era capaz de enfrentar todos os obstáculos
colocados na minha vida durante os últimos dois anos. E não foram poucos. Estivemos juntas
durante os momentos difíceis, e estaremos ainda mais juntas agora para comemorar o
encerramento desse ciclo. Te amo!
O operário sabe que, se hoje possui alguma coisa, não depende dele
conservá-la amanhã; sabe que o menor suspiro, o mais simples
capricho do patrão, qualquer conjuntura comercial desfavorável
podem lançá-lo no turbilhão do qual momentaneamente escapou e no
qual é difícil, quase impossível, manter-se à tona. Sabe que se hoje
tem meios para sobreviver, pode não os ter amanhã.
Friedrich Engels
RESUMO
O presente estudo possui o escopo de examinar a incompatibilidade entre o regramento do
contrato de trabalho intermitente na Lei n. 13.467/2017 e o arcabouço jurídico da OIT,
notadamente à luz das Convenções n. 95, 102 e 132, incorporadas ao ordenamento jurídico
brasileiro mediante promulgação de decreto. Por meio da pesquisa bibliográfica e da análise
da legislação trabalhista, utilizando o método dedutivo, restou demonstrado que o trabalho
intermitente esvazia ainda mais a noção de trabalho concreto sustentada por Karl Marx,
descaracteriza a noção de trabalho decente consagrada pela OIT e rompe com os moldes
tradicionais do trabalho delineados na CLT. Isso porque, com fulcro no art. 443, caput e §3º, e
no art. 452-A da CLT, o contrato de trabalho intermitente é caracterizado pela alternância
entre períodos de prestação de serviços e de inatividade, que podem alcançar horas, dias,
semanas ou meses. Em outras palavras, o trabalhador não possui previsão de quando será
convocado pelo empregador, gerando instabilidade salarial, incerteza sobre o gozo das férias
remuneradas (cujas parcelas são diluídas ao término de cada período de prestação de serviços)
e precariedade do acesso aos benefícios previdenciários (diante da previsão de que o
trabalhador deve complementar o recolhimento nos meses em que a remuneração seja inferior
ao salário mínimo vigente), ferindo direitos humanos consagrados tanto nos tratados
internacionais ratificados internamente quanto na própria Constituição Federal. Desse modo, à
guisa de considerações finais, conclui-se pela inconvencionalidade material do contrato de
trabalho intermitente, não havendo outra alternativa senão expurgar esses dispositivos do
ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-chave: Lei n. 13.467/2017. Contrato de Trabalho Intermitente. Inconvencionalidade
material.
ABSTRACT
The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent
employment contract rule in Law nº 13,467 / 2017 and the legal framework of the ILO,
notably in the light of Conventions nº 95, 102 and 132, incorporated into the Brazilian legal
system by the enactment of a decree. Through the literature review and analysis of labor
legislation, using the deductive method, it was demonstrated that intermittent work empties,
even further, the notion of concrete labor sustained by Karl Marx, mischaracterizes the notion
of decent work enshrined by the ILO and breaks the traditional molds of labor outlined by
Brazil's Workers Law Consolidation. This is because, with the fulcrum in art. 443, and §3,
and in art. 452-A of the CLT, the intermittent employment contract is characterized by
alternation between periods of service and inactivity, which may reach hours, days, weeks, or
months. In other words, the worker has no forecast of when he will be called by the employer,
causing wage instability, uncertainty about the enjoyment of paid vacations (whose
installments are diluted at the end of each service period) and poor access to social security
benefits ( due to the provision that the worker should complement the payment in the months
when the remuneration is lower than the current minimum wage), injuring human rights
enshrined in both internationally ratified treaties and the Federal Constitution itself. Thus, by
the final considerations, it is concluded that the intermittent employment contract is materially
anti-conventional, and there is no alternative but to purge these provisions of the Brazilian
legal system.
Keywords: Law nº 13.467/2017. Intermittent employment contract. Material anti-
conventionality.
LISTA DE SIGLAS
ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade
CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
IN Instrução Normativa
MP Medida Provisória
NOS Office for National Statistics
OIT Organização Internacional do Trabalho
RE Recurso Extraordinário
SDI-1 Subseção I Especializada em Dissídios Individuais
STF Supremo Tribunal Federal
TST Tribunal Superior do Trabalho
SUMÁRIO
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 11
2 AS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO DIANTE DAS CRISES DO
CAPITAL
14
2.1 A compreensão do trabalho em Karl Marx: trabalho concreto e trabalho
abstrato
20
2.2 Reestruturação produtiva e flexibilização dos direitos trabalhistas 24
3
3.1
3.2
3.2.1
3.2.2
3.2.3
O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE
A regulamentação do trabalho intermitente no Direito Estrangeiro
A Reforma Trabalhista no Brasil
Conceituação do trabalho intermitente
Convocação, multa e pagamento das verbas
Contribuições previdenciárias
32
33
37
38
40
42
4
4.1
4.2
4.3
4.4
ANÁLISE DA INCONVENCIONALIDADE DO TRABALHO
INTERMITENTE NA LEI N. 13.467/2017
A Convenção n. 95 da OIT e a proteção do salário
A Convenção n. 132 e a garantia do gozo de férias remuneradas
A Convenção n. 102 e as garantias mínimas de Previdência Social
O princípio da vedação ao retrocesso social
45
47
50
52
54
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 56
REFERÊNCIAS 60
11
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Muitos são os desafios enfrentados pela classe trabalhadora desde o surgimento do
capitalismo nas fábricas da primeira Revolução Industrial. A partir de então, o sentido do
trabalho enquanto transformação da natureza pelo homem, que, nessa relação metabólica,
transforma a si mesmo, esmoreceu lentamente e cedeu espaço paulatinamente ao trabalho
alienado, estranhado ou objetivado. Nessa dimensão, o trabalhador não mais identifica as suas
subjetividades nem no processo de produção nem no produto em si, tornando-se mais uma
engrenagem do sistema, que, por sua vez, se importa tão somente com a produção de valor de
troca, sendo indiferente em relação às particularidades dos trabalhadores.
Com o advento das crises cíclicas do capital, o modelo de organização de trabalho é
constantemente revisto para que possa se amoldar às novas exigências do sistema. Nesse
caminhar, os direitos trabalhistas são protegidos ou precarizados à mercê dos interesses dos
detentores do capital. No contexto das crises do petróleo na década de 1970, o esgotamento do
modelo fordista implicou o rompimento paulatino com o modelo de trabalho contínuo e por
tempo indeterminado, sendo “flexibilização” e “modernização” as novas palavras de ordem,
em detrimento da proteção aos direitos trabalhistas conquistados sob árduas lutas da classe
trabalhadora.
A aprovação da Lei n. 13.467/2017, representação paradigmática da reestruturação
produtiva toyotista no Brasil, trouxe à tona inúmeras discussões sobre a precarização das
relações de trabalho, sendo essencial compreender o caminho percorrido que desembocou no
contexto em que se insere as mudanças promovidas pela Reforma Trabalhista. Desse modo, o
objetivo geral do presente estudo é analisar as transformações do trabalho na conjuntura
neoliberal, a flexibilização dos direitos trabalhistas e a regulamentação de formas atípicas de
emprego no ordenamento jurídico brasileiro.
Para tanto, no Capítulo 1 será abordado justamente o sentido do trabalho nas
diferentes formas de organização societal, notadamente no sistema capitalista, em que,
conforme Marx, o labor assume duas dimensões: trabalho abstrato e trabalho concreto. Para
compreender a Reforma Trabalhista, é necessário também perpassar pela transição do sistema
fordista (que consagrou o trabalho nos moldes tradicionais, com o limite máximo de jornada
de trabalho, férias remuneradas, dentre outros direitos) para o sistema toyotista, que flexibiliza
todas essa gama de garantias sob o argumento de geração de empregos e crescimento da
economia.
12
Nesse cenário, inúmeros questionamentos surgem acerca da categoria trabalho: a
tendência de flexibilização dos direitos trabalhistas leva ao fim do trabalho estável e por
tempo indeterminado? A Reforma Trabalhista é um projeto isolado em relação aos demais
países? Quais os rumos que o regime toyotista irá imprimir em relação aos trabalhadores?
Como chegamos a esse ponto? Ele é muito diferente do que vivenciamos nos primórdios do
capitalismo? Como superar as violações aos direitos trabalhistas?
Para enfrentar essas questões, será utilizada a pesquisa bibliográfica, a partir do
método dedutivo, resgatando os clássicos da Sociologia e estudiosos marxistas do trabalho.
Do conjunto das formas atípicas de emprego introduzidas pela Lei n. 13.467/2017,
objetiva-se estudar especificamente a regulamentação do trabalho intermitente no Brasil.
Assim, no capítulo 2, afunila-se a problemática para o contrato de trabalho
intermitente. Inicialmente, por se tratar de uma nova modalidade trabalhista no Brasil,
pretende-se analisar como o instituto é regulamentado em outros países, a saber: Espanha,
Portugal, Itália e Inglaterra, onde é empregado o paradigmático contrato “zero hora”. A partir
dos aspectos legais e dos dados estatísticos relativos ao trabalho intermitente nesses Estados,
que já vivenciaram por mais tempo os seus impactos sociais, e considerando as
circunstanciais sociais, econômicas e políticas do Brasil, pretende-se observar se o discurso de
que o trabalho intermitente não gera precarização merece ou não prosperar.
Enquanto as quatro ADIs propostas questionando a validade constitucional do
trabalho intermitente restam pendentes de julgamento no STF, a 4ª Turma do Tribunal
Superior do Trabalho – TST, em voto de relatoria do Ministro Ives Gandra Martins Filho,
reputou válida a modalidade contratual de trabalho intermitente, afastando o fundamento de
que o trabalho intermitente gera precarização e asseverando que, na verdade, garante
segurança jurídica aos empregadores e aos empregados, que antes se encontravam
trabalhando na informalidade.
Naturalmente, essa decisão é passível de críticas e fomenta ainda mais os
questionamentos que orbitam o contrato de trabalho intermitente, que serão melhores
desenvolvidos ao longo desse trabalho.
Para tanto, será dissecado o regramento dado ao trabalho intermitente pelos artigos
443, caput e §3º, e 452-A da CLT, examinando a sua definição legal, os aspectos relativos à
convocação, pagamento de multa e a remuneração devida ao término do período de prestação
de serviços, bem como a omissa regulamentação dada às contribuições previdenciárias.
Observando que, desde que a Reforma Trabalhista entrou em vigor, são expressivos
os dados relativos ao contrato intermitente no Brasil, bem como que a análise do texto legal
13
traz à tona diversas problemáticas relativas a violações de direitos humanos, revela-se
indispensável analisar a compatibilidade entre os dispositivos que regulamentam o trabalho
intermitente com os tratados internacionais que versam sobre os direitos trabalhistas,
notadamente as Convenções da OIT incorporadas no ordenamento jurídico brasileiro por meio
da promulgação de decretos.
Assim, para examinar a validade dos dispositivos que regulamentam o contrato de
trabalho intermitente, desaguaremos no Capítulo 3. À luz das Convenções n. 95, 132 e 102,
bem como do princípio da vedação ao retrocesso social, será realizado o controle de
convencionalidade do art. 443, caput e §3º, e do art. 452-A da CLT, ambos modificados e
introduzidos pela Reforma Trabalhista.
14
2 AS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO DIANTE DAS CRISES DO CAPITAL
Antes de mergulhar nas discussões sobre a Reforma Trabalhista e, mais
especificamente, sobre as formas atípicas de emprego que a Lei n. 13.467/2017 introduziu no
ordenamento jurídico brasileiro, com enfoque no trabalho intermitente, é indispensável traçar
um apanhado histórico e teórico sobre a categoria trabalho nas diferentes formas de
organização societal. Ora, para que se possa refletir sobre a precarização do trabalho, é
necessário, preliminarmente, entender o que significa o trabalho em si, tanto na sua dimensão
concreta quanto na sua dimensão abstrata.
Com efeito, não se pode perder de vista que o trabalho nem sempre assumiu a
condição de mercadoria, sua expressão na sociedade capitalista. Em cada forma de
organização societal o labor possuiu um significado diverso: ao passo que nas sociedades
primitivas o trabalho era essencialmente relacionado à subsistência humana, desprovido de
caráter econômico e com sentido vinculado ao conjunto de atividades do grupo, a partir do
desenvolvimento da agricultura e da pecuária abriram-se os caminhos para a escravização e
para a exploração do trabalho, isto é, do domínio de uma classe social sobre outra.1
Nesse cenário, o sentido do trabalho como produção de valor de uso desapareceu
paulatinamente. A lógica da rejeição ao trabalho instituída na Idade Média, período em que a
vida da contemplação era exaltada em detrimento das atividades mundanas, apenas foi
rompida com a propagação dos ideais da Reforma Protestante. A partir de então, o trabalho
passou a ser exaltado como instrumento de aproximação entre Deus e os homens, que por
meio do trabalho poderiam atingir a salvação. Desse modo, ainda que de forma não
proposital, a Reforma Protestante impulsionou as engrenagens do capitalismo, desembocando,
anos depois, no trabalho subsumido ao capital e cada vez mais objetivado (ou estranhado) em
relação ao trabalhador e em relação aos seus próprios produtos.2
A categoria trabalho é tão metamórfica, diga-se de passagem, que, diante das suas
transformações ao longo do século passado, sobretudo com o início do esgotamento do
modelo fordista na década de 1970, surgiram teóricos que defenderam a superação do
1 DIAS, Ana Patrícia. As metamorfoses da categoria trabalho. In: DIAS, Ana Patrícia. A face perversa da
terceirização: a reprodução das desigualdades e dos conflitos entre os trabalhadores. 2011. Tese (Doutorado
em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa,
2011, p. 31-62. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/7261/1/arquivototal.pdf. Acesso
em: 15 nov. 2019. 2 WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1981. 233 p.
(Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais. Sociologia).
15
trabalho como meio de integração social, ou seja, passaram a questionar a centralidade da
categoria na sociedade contemporânea.
Em “Adeus ao proletariado: para além do socialismo”, publicado em 1980, André
Gorz sustentou que a abolição do trabalho estava em curso, engendrando a crise do
movimento operário e do movimento marxista. Observando o aumento dos índices de
desemprego após a crise do petróleo, o autor defendeu que o trabalho fabril deixaria de existir,
relaxando o antagonismo entre as classes sociais e reduzindo as possibilidades de ocorrer uma
revolução socialista.3
A obra teve grande repercussão entre os estudiosos do trabalho. Em resposta,
Ricardo Antunes publicou em 1995 o ensaio “Adeus ao Trabalho?”, rechaçando a corrente do
fim do trabalho e reafirmando o papel central da categoria na sociedade. Nesses escritos,
Antunes buscou elucidar a confusão conceitual entre duas categorias marxianas: o trabalho
concreto e o trabalho abstrato, asseverando que, sem a devida apropriação dessa distinção
teórica, comete-se grave equívoco ao considerar uno um fenômeno que possui duas
expressões.4
É essencial identificar, assim, qual das faces do trabalho está sendo alvo de
transformações diante da reestruturação produtiva toyotista, contexto em que se insere a
Reforma Trabalhista, para não recair em reducionismos e vaticinações precipitadas sobre o
futuro (e suposto fim) do trabalho: existe uma dimensão do trabalho que é indispensável à
sobrevivência do ser humano – perspectiva concreta -, ao passo que o trabalho abstrato é
aquele que existe tão somente na sociedade capitalista, ou seja, o trabalho assalariado e
alienado.5
Não há, para Antunes, humanidade sem trabalho concreto, reforçando o que Engels
ainda no século XIX já denunciava: a vida humana está condicionada fundamentalmente ao
trabalho, a ponto de autorizar a afirmação de que o trabalho criou o homem.6 Em outras
palavras, pode existir sociedade sem trabalho abstrato, visto que possui seu sentido vinculado
3 AMORIM, Henrique. O trabalho em André Gorz: três reflexões, uma problemática. Cad. CRH, Salvador, v.
30, n. 81, p. 435-452, dez. 2017. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792017000300435. Acesso em: 15 nov.
2019. 4 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do
trabalho. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2011. 213 p. 5 Ibid, p. 80.
6 “[o trabalho é] a condição fundamental de toda vida humana; e o é num grau tão elevado que, num certo
sentido, pode-se dizer: o trabalho, por si mesmo criou o homem”. ENGELS, Friedrich. Humanização do
macaco pelo trabalho (apêndice). In: A dialética da natureza. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 215.
16
ao sistema capitalista (produção de valor de troca), mas não há sociedade sem trabalho
concreto.7
Nada obstante decorridas quase quatro décadas da publicação da obra de Gorz, ainda
hoje o seu pensamento continua exercendo influência sobre as reflexões dos rumos que o
trabalho está trilhando.8 Com a multiplicidade de formas atípicas de emprego, o aumento da
informalidade, o fenômeno da uberização9 e, principalmente, o avanço da automatização, é
cada vez mais colocado em pauta o questionamento sobre o fim do trabalho.
Em contrapartida, apesar de identificarmos expressivas metamorfoses do trabalho
quando se realiza o cotejo entre um período da história da humanidade e outro, patente que há
um denominador comum entre todos eles: a categoria trabalho sempre se revela central para
entender o funcionamento do corpo social. Por essa razão, faz-se oportuno o resgate teórico
dos clássicos da Sociologia, a saber, Durkheim, Weber e Marx, que, em que pese tenham
construído perspectivas teóricas distintas, reafirmaram a essencialidade do trabalho na
sociedade em suas obras.
Ainda que de forma secundária, dado que não teve a intenção de criar um tratado
sobre o trabalho, Durkheim, realista social, estudou a significação do labor para o operário,
bem como o papel da solidariedade orgânica na sociedade. Por ser um autor positiva,
Durkheim depositou no “direito cooperativo” – consubstanciado, por exemplo, nas
corporações – e no trabalho regulamentado a representação de um trabalho significante e
satisfatório.10
Com a solidariedade orgânica, própria do sistema capitalista e fundada na interação
de cada um na divisão do trabalho social, seria possível superar o estado de anomia que a
sociedade da época se encontrava. Para tanto, Durkheim projeta nas corporações a expectativa
7 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do
trabalho. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2011. 213 p. 8 “Nos últimos trinta anos, a própria centralidade do trabalho vem sendo posta em questão por algumas correntes
de peso nas Ciências Sociais: a partir da constatação estatística de dois fenômenos de muita visibilidade desde
os anos oitenta do século passado – a redução dos contingentes de trabalhadores alocados à produção de bens
materiais e o crescente desemprego que afeta praticamente todas as sociedades capitalistas contemporâneas - ,
teóricos de posições diversas sustentam, propondo soluções analíticas muito diferentes, que o trabalho já não
se constitui mais como o eixo a partir do qual se organiza a vida social. Tornou-se frequente, nos meios
acadêmicos, o discurso acerca do ‘fim do trabalho’, do ‘fim da sociedade do trabalho’, assim como a
referência a ‘sociedade (ou economia) do conhecimento’ – discurso geralmente associado às varias ideologias
ditas pós-modernas.” Cf. NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crítica.
8.ed. São Paulo: Cortez, 2012, p. 62. 9 Esse termo foi utilizado por Tom Slee na obra “Uberização: A nova onda do trabalho precarizado”, publicado
em 2017. 10
TIRYAKIAN, Edward A. O trabalho em Èmile Durkheim. In: MERCURE, D.; SPURK, J. (Orgs.). O
trabalho na história do pensamento ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 215-234.
17
de regulamentação da situação profissional, como também de imprimir o sentimento de
coletividade nos membros, funcionando como autoridade moral e fornecendo um “código de
ética”.11
Nesse ensejo, o autor situa a divisão do trabalho não só como instrumento para a
construção da moralidade, mas também como instrumento determinante para a solidariedade
social. Isso porque, conforme contextualiza Durkheim, houve o rompimento dos vínculos do
indivíduo com a família, com o solo e com as tradições, de modo que o sentimento de
coletividade se fragilizou em detrimento do fortalecimento do individualismo. O trabalho,
assim, funcionaria como um ímã do homem com a sociedade, reinserindo-o no contexto social
e fazendo-o compreender sua interdependência com os demais indivíduos.12
-13
Ou seja, no pensamento durkheimiano, o trabalho (por intermédio da divisão social
do trabalho) possui papel determinante na superação da anomia social, na integração entre os
indivíduos e na formação de um código moral.
Ocorre que a percepção de Durkheim sobre o trabalho regulamentado não se sustenta
quando analisamos a realidade. Em que pese o reconhecimento de inúmeros direitos
trabalhistas na legislação brasileira, por exemplo, e aqui considerando até mesmo o
ordenamento vigente antes da Reforma Trabalhista, a existência de regulamentação não se
revelava suficiente para garantir a dignidade aos trabalhadores. De igual modo, a existência de
espaços de sociabilidade não garante a coesão entre os trabalhadores, dado que um dos
11
TIRYAKIAN, Edward A. O trabalho em Èmile Durkheim. In: MERCURE, D.; SPURK, J. (Orgs.). O
trabalho na história do pensamento ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 215-234. 12
DURKHEIM, Émile. Da Divisão do Trabalho Social. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 13
“Ora, não só a divisão do trabalho apresenta a característica pela qual definimos a moralidade, como tende
cada vez mais a se tornar a condição essencial da solidariedade social. À medida que avançamos na evolução,
os vínculos que prendem o indivíduo à sua família, ao solo natal, às tradições que o passado lhe negou, aos
usos coletivos do grupo se distendem. Mais móvel, ele muda mais facilmente de meio, deixa os seus para ir
viver em outro lugar uma vida mais autônoma, forma cada vez mais suas próprias ideias e sentimentos. Sem
dúvida, nem toda consciência comum desaparece com isso; sempre permanecerá pelo menos esse culto da
pessoa, da dignidade individual de que acabamos de falar e que, desde hoje, é o único centro de união de
tantos espíritos. Mas quão pouca coisa é isso, sobretudo quando se pensa na extensão sempre crescente da vida
social e, por repercussão, das consciências individuais! Porque, como estas se tornam mais volumosas, como a
inteligência se torna mais rica e a atividade mais variada, para que a moralidade permaneça constante, isto é,
para que o indivíduo permaneça fixado ao grupo com uma força simplesmente igual à [força] de outrora, é
necessário que os vínculos que o prendem a ele se tornam mais fortes e numerosos. Portanto, se não se
formassem outros, além dos vínculos que derivam das semelhanças, o desaparecimento do tipo segmentário
seria acompanhado de uma diminuição regular da moralidade. O homem já não seria suficientemente retido, já
não sentiria o bastante à sua volta e acima dele essa pressão salutar da sociedade, que modera seu egoísmo e
que faz dele um ser moral. Eis o que constitui o valor moral da divisão do trabalho. É que, por ela, o indivíduo
retoma consciência de seu estado de dependência para com a sociedade; é dela que vêm as forças que o retêm
e o contêm. Numa palavra, já que a divisão do trabalho se torna a fonte eminente da solidariedade social, ela se
torna, ao mesmo tempo, a base da ordem moral”. Cf. Ibid, p. 422.
18
desdobramentos do trabalho estranhado é a competividade entre trabalhadores e entre
trabalhadores e máquinas, conforme será exposto no item 2.1.
Ao passo que o pensamento durkheiminiano buscava compreender o significado do
trabalho, Weber, ao publicar “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, estudou o giro
dado na compreensão do trabalho pela Reforma Protestante e a função que o labor assumiu na
sociedade a partir de então.
Isso porque, como adiantado acima, o trabalho já foi visto como atividade
repugnante e indigna. Na Antiguidade, aos escravizados e “não-cidadãos” em geral eram
relegados os trabalhos considerados inferiores e de baixo escalão, ao passo que tarefas como a
administração da cidade incumbiam aos “cidadãos de pleno direito”.14
De modo semelhante, durante a Idade Média, o trabalho era concebido como algo
que desviava o homem da vida da contemplação e da meditação, não possuindo qualquer
valor ou sentido.15
Tal concepção pode ser extraída do pensamento de Tomás de Aquino,
quando afirmava que uma vida ativa (dedicada ao trabalho) é inferior à vida da
contemplação.16
É apenas a partir da difusão das ideias de Lutero que as atividades mundanas
passaram a ser enxergadas como atividades éticas e dignificantes, abandonando o estigma do
ascetismo monástico. A noção luterana de “vocação profissional” implicava enxergar o labor
como projeção mundana do amor ao próximo, sendo o trabalho uma missão divina recebida
pelos homens e que não deveria ser abandonada.17
Ainda mais extrema se revelou a definição de trabalho para Calvino, visto que ele
defendia que quem não trabalhasse sequer possuía direito à alimentação, por exemplo,
compreendendo o labor como dever obrigatório de cada um.18
14
MÜLLER, Hans-Peter. Trabalho, profissão e “vocação”: o conceito de trabalho em Max Weber. In:
MERCURE, D; SPURK, J. O Trabalho na História do Pensamento Ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005, p.
234-255. 15
“sendo [o trabalho] uma verdadeira maldição, como algo vil, desqualificado e despossuído de valor em si [...]
isso porque o sentido maior da vida humana naquele modo de organização social se centrava na meditação e
contemplação, que significava a possibilidade de aproximação do homem com Deus e, portanto, da salvação”.
Cf. DIAS, Ana Patrícia. A face perversa da terceirização: a reprodução das desigualdades e dos conflitos
entre os trabalhadores. 2011. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia,
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2011, p. 55. 16
MÜLLER, Hans-Peter. Trabalho, profissão e “vocação”: o conceito de trabalho em Max Weber. In:
MERCURE, D; SPURK, J. O Trabalho na História do Pensamento Ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005, p.
234-255. 17
Weber, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 2. ed. Brasília: Ed. Da Universidade de
Brasília, 1981. 18
MÜLLER, Hans-Peter. Trabalho, profissão e “vocação”: o conceito de trabalho em Max Weber. In:
MERCURE, D; SPURK, J. O Trabalho na História do Pensamento Ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005, p.
234-255.
19
Nessa esteira, é com a Reforma Protestante que ocorre a ascensão do capitalismo
ocidental. A ética do trabalho inaugurada no Ocidente favoreceu a superação do modelo
feudal e o desenvolvimento da sociedade capitalista como a conhecemos nos dias atuais,
ainda que não se possa atribuir essa pretensão a Lutero ou a Calvino.19
Apontando nesse
sentido, assevera Weber, ao tentar compreender a relação entre o protestantismo e a
prosperidade econômica, que foi conferida maior significação aos bens materiais e às
atividades laborais no contexto em apreço.20
Em outras palavras, as ideias de Lutero e, sobretudo, de Calvino atribuíram maior
prestígio ao trabalho, impulsionando o desenvolvimento do capitalismo e a prosperidade
econômica. Ainda que num primeiro momento tenha tido seu sentido vinculado aos ideais
religiosos, ocorreu, posteriormente, o desprendimento do trabalho desses valores espirituais,
engendrando o trabalho subsumido ao capital, cenário que origina diversos desdobramentos
que serão explorados por Karl Marx e Friedrich Engels.
Isto é, em Weber, de igual modo, o trabalho também possui papel central: o
impulsionamento da racionalidade e do capitalismo ocidentais.
Por derradeiro, imperioso compreender o pensamento de Marx, sobretudo no que
atine ao desdobramento do trabalho em duas dimensões: o trabalho concreto e o trabalho
abstrato. Pela complexidade e atemporalidade da sua bibliografia, dedicamos a seguir uma
subseção exclusiva para abordar as categorias marxianas relacionadas ao trabalho.
Posteriormente, dedica-se uma subseção para a explanação acerca das formas de
organização do trabalho (fordismo e toyotismo), buscando situar a Lei n. 13.467/2017 no
contexto da reestruturação produtiva contemporânea e demonstrar que a precarização do
19
“[...] Antes de tudo, é escusado lembrar que não tem cabimento atribuir a Lutero parentesco íntimo com o
‘espírito capitalista’, seja no sentido que até agora associamos a essa expressão ou de resto em qualquer outro
sentido. Os próprios círculos eclesiásticos que hoje costumam com todo o zelo exaltar o ‘feito’ da Reforma em
geral não são nada amigos do capitalismo, seja lá em que sentido for.” Cf. Weber, Max. A Ética Protestante e
o Espírito do Capitalismo. 2. ed. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1981, p. 72. 20
“Uma vez que o ascetismo se encarregou de remodelar o mundo e nele desenvolver seus ideais, os bens
materiais adquiriram um poder crescente e, por fim inexorável, sobre a vida do homem como em nenhum
outro período histórico. Hoje, o espírito do ascetismo religioso, quem sabe se definitivamente, fugiu da prisão.
Mas o capitalismo vitorioso, uma vez que repousa em fundamentos mecânicos, não mais precisa de seu
suporte. Também o róseo colorido do seu risonho herdeiro, o Iluminismo, parece estar desvanecendo
irremediavelmente, e a idéia de dever no âmbito da vocação ronda nossas vidas como o fantasma de crenças
religiosas mortas. Onde a plenificação da vocação não pode ser diretamente relacionada aos mais altos valores
espirituais e culturais ou quando, por outro lado, não precisa ser sentida apenas como uma pressão econômica,
o indivíduo geralmente abandona qualquer tentativa de justificá-la. No campo de seu maior desenvolvimento,
nos Estados Unidos, a busca da riqueza, despida de seu significado ético e religioso, tende a ser associada a
paixões puramente mundanas, que lhe dão com freqüência um caráter de esporte.” Cf. MÜLLER, Hans-Peter.
Trabalho, profissão e “vocação”: o conceito de trabalho em Max Weber. In: MERCURE, D; SPURK, J. O
Trabalho na História do Pensamento Ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 234-255.
20
trabalho não se trata de fenômeno isolado no Brasil, mas de rearranjo global do capital para
amenizar os impactos da crise financeira em detrimento dos direitos dos trabalhadores.
2.1 A compreensão do trabalho em Karl Marx: trabalho concreto e trabalho abstrato
Refletir sobre as relações de trabalho na contemporaneidade, sobretudo após as
reformas das legislações trabalhistas em diversos países, a exemplo do Brasil, que será
abordada ao longo deste trabalho, demanda o retorno ao pensamento de Marx. Compreender o
significado do trabalho em cada forma de organização societal, desde o período que antecedeu
a primeira Revolução Industrial até o que hoje se convencionou por Revolução 4.021
, revela o
que motiva a crescente tendência de precarização das relações de trabalho e qual a
correspondente forma de superação.
Nesse sentido, reafirma Xavier que, ao passo que a precarização do trabalho se
intensifica, acompanhada do acirramento da subsunção do trabalho ao capital, isto é, a
exploração da classe trabalhadora se amplia, é necessário retornar aos textos de Marx.22
No que diz respeito especificamente ao trabalho, pairam poucas dúvidas e
controvérsias quanto à importância da categoria nos textos marxianos. Com efeito, no
presente trabalho, para além de qualquer divisão do pensamento de Marx23
, serão abordadas
as categorias do autor, especificamente aquelas relacionadas ao trabalho, presentes nos
Manuscritos de 1844, na Ideologia Alemã, e, por fim, em O Capital. Compreende-se que
nessa última obra o autor já havia amadurecido muitos conceitos, o que não retira a
importância de analisar os seus primeiros escritos.
21
“Na Alemanha, há discussões sobre a ‘indústria 4.0’, um termo cunhado em 2011 na feira de Hannover para
descrever como isso irá revolucionar a organização das cadeias globais de valor. Ao permitir ‘fábricas
inteligentes’, a quarta revolução industrial cria um mundo onde os sistemas físicos e virtuais de fabricação
cooperem de forma global e flexível. Isso permite a total personalização de produtos e a criação de novos
modelos operacionais”. Cf. SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016. 22
“[...] na medida em que a precarização do trabalho avança, no mundo todo, e junto a ela se acirra a subsunção
do trabalho ao capital (e, exponencialmente, a dominação do capital se amplia), é preciso voltar aos textos de
Marx e retomá-los de forma crítica”. Cf. XAVIER, Vinícius dos Santos. Centralidade da crítica ao trabalho:
apontamentos sobre a categoria trabalho nos Manuscritos de 1844 e nos Grundrisse de Marx. Educação e
filosofia, Uberlândia, v. 30, n. 60, p. 575-602, jul./dez. 2016. Disponível em:
http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/30258/19859. Acesso em: 26 out. 2019. 23
Alguns autores costumam separar as obras de Marx em dois momentos: “Jovem Marx” e “Marx maduro”. No
primeiro período, estão compreendidos seus primeiros escritos, em que Marx ainda dialogava com o
pensamento hegeliano e enxergava a sociedade de forma a-histórica. Já na fase madura, que desembocou em
“O Capital”, foram lapidadas categorias como alienação e mais-valia, trazendo à baila as expressões concretas
da sociedade em determinado período. Para o presente trabalho, entretanto, serão abordadas as categorias de
Marx independentemente de qualquer cronologia bibliográfica.
21
Nesse ensejo, Jan Spurk24
, delineando a perspectiva diacrônica da noção de trabalho
nos escritos de Marx, ou seja, sua evolução temporal ao longo das obras, demonstra que os
Manuscritos econômico-filosóficos, ou Manuscritos de Paris, de 1844, abordam tanto a
concepção ontológica quanto a concepção analítica (ou concreta) do trabalho.
Na obra acima mencionada (de publicação tardia, inclusive, ocorrida apenas em
1932), Marx inicia o estudo da economia política, passando a romper com a crítica hegeliana,
ainda que paulatinamente. Não por acaso, logo no caderno introdutório, o autor denuncia as
condições do trabalho assalariado (ou trabalho alienado), ao afirmar categoricamente que no
sistema capitalista de produção a existência do trabalhador se confunde com a existência de
qualquer mercadoria, por ter se tornado uma, sendo uma sorte encontrar um capitalista que se
interesse pelo seu produto.25
O trabalho estranhado, nesse sentido, resulta na alienação e na concorrência entre os
trabalhadores (e entre trabalhadores e máquinas). Marx compreende, nesse ínterim, o trabalho
estranhado sob duas perspectivas: há o estranhamento-de-si (Selbstentfremdung) e o
estranhamento da coisa. Em relação ao resultado, o autor revela a contradição do modo de
produção capitalista: ao passo que o trabalhador produz mais objetos, menos pode adquiri-los,
tornando-se ainda mais dominado pelo capital.26
No pensamento marxiano, o trabalhador se exterioriza e se objetiva no produto de
seu trabalho, tornando-se um apêndice das mercadorias que produziu.27
Por se tratar de
trabalho alienado, o trabalhador sequer se reconhece naquilo que produz.
Para além da sua projeção no resultado, o estranhamento também se revela no
próprio ato da produção, ou seja, durante a atividade produtiva. Dessa forma, o produto, em
relação ao qual o trabalhador se considera alheio, é apenas o resumo da atividade. Ora, se o
produto apenas exterioriza todo o processo de produção, esse, observada a relação de
causalidade, também é estranhado.28
24
SPURK, Jan. A noção de trabalho em Karl Marx. In: MERCURE, Daniel; SPURCK, Jan. O trabalho na
história do pensamento ocidental. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005, p. 189-201. 25
“a existência do trabalhador é, portanto, reduzida à condição de existência de qualquer outra mercadoria. O
trabalhador tornou-se uma mercadoria e é uma sorte para ele conseguir chegar ao homem que se interesse por
ele”. Cf. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2008. 26
“[...] a apropriação do objeto tanto aparece como estranhamento (Entfremdung) que, quanto mais objetos o
trabalhador produz, tanto menos pode possuir e tanto mais fica sob o domínio do seu produto, do capital”. Ibid. 27
“um apêndice das coisas que ele mesmo e seus pares produziram”. SPURK, Jan. A noção de trabalho em Karl
Marx. In: MERCURE, Daniel; SPURK, Jan. O trabalho na história do pensamento ocidental. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2005, p. 189-201. 28
“[...] Se, portanto, o produto do trabalho é a exteriorização, então a produção mesma tem de ser a
exteriorização ativa, a exteriorização da atividade, a atividade de exteriorização”. MARX, Karl. Manuscritos
econômico-filosóficos. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2008.
22
Em contrapartida, para Marx, o trabalho também é auto-realização. É o trabalho que
permite ao proletariado apropriar-se das coisas, bem como possibilita a emancipação e a
superação do estranhamento.29
Refirmando o papel fundamental do trabalho para a
humanidade, Marx, em a Ideologia Alemã, afirma que são as atividades laborais, a produção
dos meios de vida, que distinguem os seres humanos dos outros animais.30
É em O Capital que Marx desenvolve plenamente essa compreensão sobre o trabalho
como categoria eminentemente humana. No célebre trecho em que Marx compara a atividade
do tecelão com a de uma aranha, bem como afirma que a construção de uma colmeia por uma
abelha supera mais de um arquiteto, pondera que há um fator determinante que distingue os
dois: a projeção prévia do produto antes que ele seja transformado em realidade.31
Nesse sentido, depreende-se que o homem estabelece com a natureza uma relação
metabólica. Ao passo em que transforma a natureza para atender às próprias necessidades, o
homem transforma também a si mesmo. Isto é, o trabalho ontologicamente pode ser
compreendido como o intercâmbio do homem, a partir das suas ações, com a natureza.32
Ocorre que, além do trabalho concreto, isto é, o dispêndio físico e intelectual para a
transformação da natureza, visando produzir valor de uso, sob as leis da sociedade capitalista
surge outra forma de trabalho: o trabalho abstrato.
29
SPURK, Jan. A noção de trabalho em Karl Marx. In: MERCURE, Daniel; SPURK, Jan. O trabalho na
história do pensamento ocidental. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005, p. 189-201. 30
“[...] o primeiro pressuposto de toda a história humana é, naturalmente, a existência de indivíduos humanos
vivos. O primeiro fato a constatar é, pois, a organização corporal desses indivíduos e, por meio dela, sua
relação dada com o restante da natureza. Naturalmente não podemos abordar, aqui, nem a constituição física
dos homens nem as condições naturais, geológicas, oro-hidrográficas, climáticas e outras condições já
encontradas pelos homens. Toda historiografia deve partir desses fundamentos naturais e de sua modificação
pela ação dos homens no decorrer da história. Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela
religião ou pelo que se queira. Mas eles mesmos começam a se distinguir dos animais tão logo começam a
produzir seus meios de vida, passo que é condicionado por sua organização corporal. Ao produzir seus meios
de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material. O modo pelo qual os homens
produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da própria constituição dos meios de vida já encontrados
e que eles têm de reproduzir. Esse modo de produção não deve ser considerado meramente sob o aspecto de
ser a reprodução da existência física dos indivíduos. Ele é, muito mais, uma forma determinada de sua
atividade, uma forma determinada de exteriorizar sua vida, um determinado modo de vida desses indivíduos.
Tal como os indivíduos exteriorizam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, pois, com sua
produção, tanto com o que produzem como também com o modo como produzem. O que os indivíduos são,
portanto, depende das condições materiais de sua produção”. Cf. MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São
Paulo: Boitempo, 2007, p. 87. 31
“[...] uma aranha executa operações semelhantes à [operação] do tecelão, e a abelha supera mais de um
arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente
sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que
já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual
opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei
determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar a sua vontade.”. Cf. MARX, Karl. O
Capital: crítica da economia política. 23. ed. Rio de Janeiro: Boitempo, 2006. 32
Ibid.
23
O trabalho abstrato pode ser compreendido como sinônimo de trabalho genérico. Isso
porque, nessa expressão do labor, são apagadas as subjetividades, as peculiaridades e a
expressão concreta do trabalho em geral. O trabalhador vira qualquer trabalhador: o trabalho
abstrato é o trabalho concreto indiferente. Aqui, o que importa é tão somente que o trabalho
está gerando mais-valia (lucro). Ele é tido como abstrato porque é abstraído de qualquer
subjetividade. Esse é o trabalho subsumido ao capital, ou seja, o trabalho na forma
assalariada.
Como cirurgicamente resume Spurk, a facilidade com que os trabalhadores migram
de um trabalho para o outro demonstra a indiferença do capital em relação às especificidades
do trabalhador, completamente apagadas no processo de produção de mercadorias. Não há
que se preocupar com o conteúdo nem pelas subjetividades do trabalho, mas tão somente com
a produção de valor de troca.33
Não é preciso muito esforço para perceber que as ideias de Marx, escritas no século
XIX, permanecem atuais, ao mesmo tempo em que dialogam com o passado. Provocando as
reflexões sobre o contrato de trabalho intermitente, basta observar que resta ainda mais
escancarada a indiferença do capital em relação ao trabalhador, visto que os serviços sequer
serão prestados de forma contínua, ou seja, há constante incerteza sobre o dia de amanhã,
sendo o empregado chamado tão somente quando conveniente para movimentar as
engrenagens do sistema capitalista.
Para compreender o caminho percorrido que culminou na regulamentação do
trabalho intermitente, será exposta a seguir a retomada das formas de organização do trabalho,
que comprovam o acerto da teoria de Marx ao afirmar que o sistema capitalista é
intrinsecamente contraditório e inevitavelmente desemboca em crises cíclicas, que, por sua
vez, promovem reorganizações sistêmicas, por intermédio, sobretudo, das transformações do
trabalho.
33
“A indiferença relativa a um trabalho específico corresponde a uma forma da sociedade na qual os indivíduos
mudam facilmente de um trabalho para outro e na qual seu trabalho específico depende do acaso; é por isso
que eles são indiferentes em relação a esse trabalho [...] no que diz respeito ao processo de trabalho, a
produção de mercadorias apaga as especificidades dos diferentes trabalhos e dos diferentes trabalhadores
engajados nesse processo, visto que o capital não se interessa pelo conteúdo nem pela especificidade do
trabalho. Só o trabalho abstrato lhe interessa porque é a fonte do valor”. Cf. SPURK, Jan. A noção de trabalho
em Karl Marx. In: MERCURE, Daniel; SPURCK, Jan. O trabalho na história do pensamento ocidental.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2005, p. 189-201.
24
2.2 Reestruturação produtiva e flexibilização dos direitos trabalhistas
A reforma da legislação trabalhista introduziu diversas formas atípicas de emprego34
no ordenamento jurídico brasileiro, como é o caso do trabalho intermitente, acompanhando a
tendência global de precarização das relações laborais. Nesse contexto, a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), agência multilateral das Nações Unidas especializada nas
questões do trabalho, emitiu parecer pontuando que a Reforma Trabalhista é violadora dos
direitos dos trabalhadores protegidos constitucionalmente no Brasil, bem como afronta parte
das 80 Convenções das quais o país é signatário.35
Não é a primeira vez, entretanto, que os direitos trabalhistas são fragilizados e
tolhidos diante de uma crise do capital. Menos ainda pode se entender que esse fenômeno se
limita ao cenário brasileiro ou latino-americano.
Conforme as lições de Marx e Engels, o sistema capitalista é intrinsecamente
contraditório, sendo as crises inerentes ao seu ciclo vital. Isso porque, diferentemente do
modo de produção mercantil, em que o proprietário era detentor dos próprios meios de
produção e se utilizava dos seus produtos como moeda de troca para sua subsistência, no
modo de produção capitalista há uma tensão característica do sistema: não obstante o lucro
dos proprietários seja oriundo do dispêndio intelectual e físico dos trabalhadores (mais-valia),
a esses não pertencem os meios de produção nem a gerência científica.36
Assim, ainda que, por um lado, haja o crescente acúmulo do capital, do outro as
atividades produtivas são socializadas, isto é, realizadas pelos trabalhadores, parcela
expressiva da população desprovida dos meios de produção.37
34
Nas lições de Luciano Vasapollo, o trabalho padrão possui três principais características, a saber: “o horário
previsto é o de tempo integral”, “a assunção para os trabalhadores empregados e o início da atividade
autônoma para os trabalhadores independentes têm tempos e lugares determinados” e “há uma grande
diversidade de posição e papel entre quem trabalha como empregado e quem é independente”. Já no trabalho
atípico, por sua vez, desaparecem todos os três aspectos. Numa das definições abordadas pelo autor, temos que
“no trabalho atípico são incluídas todas as formas de prestação de serviços, diferentes do modelo padrão, ou
seja, do trabalho efetivo, com garantias formais e contratuais, por tempo indeterminado e full-time”. Cf.
VASAPOLLO, Luciano. O trabalho atípico e a precariedade: elemento estratégico determinante do capital no
paradigma pós-fordista. In: ANTUNES, Ricardo. Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo:
Boitempo, 2006, p. 45-58. 35
CONJUR. OIT classifica reforma trabalhista brasileira como violadora de direitos. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2018-mai-29/brasil-entra-lista-suja-oit-causa-reforma-trabalhista. Acesso em: 02
nov. 2019. 36
NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 8. ed. São Paulo: Cortez,
2012. 37
Ibid.
25
Sob a perspectiva de José Paulo Netto e Marcelo Braz, a referida contradição
fundamental do sistema provoca as crises cíclicas do capital. Trocando em miúdos: o modo de
produção do sistema capitalista alcança o apogeu, vive o período de prosperidade econômica,
entra em crise, depressão, e, após, retorna ao ponto zero. Na concepção dos autores em
apreço, tais etapas se repetem de forma cíclica, sendo exatamente no momento de crise em
que se engendra a reestruturação produtiva para a manutenção do sistema e os debates sobre
flexibilização dos direitos trabalhistas ganham proeminência.38
Por oportuno, Giovanni Alves explora os impactos das crises cíclicas do capital nos
direitos trabalhistas. Inequivocamente, quando os interesses dos capitalistas são colocados em
xeque, os primeiros ajustes governamentais realizados atacam diretamente os direitos dos
trabalhadores. Desenvolvendo esse raciocínio, assevera o autor que nas últimas décadas, com
o avanço da ideologia neoliberal e pós-moderna, a precarização do trabalho é visceralmente
demonstrada, seja por meio da perda de direitos, do aumento da intensidade da jornada de
trabalho e do crescente número de desempregados.39
Cumpre destacar que o discurso que fomentou a aprovação da Reforma Trabalhista,
tanto no Brasil quanto no restante do mundo, atribuía exatamente ao suposto excesso de
proteção dos trabalhadores o entrave para a “modernização”, para a alavancagem da economia
e para a geração de emprego. Apenas com a flexibilização da legislação trabalhista se
defendia a viabilidade da prosperidade econômica para o país.
Não por acaso, a principal motivação dos que defendiam a modernização da
Consolidação das Leis do Trabalho consistia exatamente no mito da modernização.
Analisando os discursos do relator da Reforma Trabalhista, Rogério Marinho, resta nítida a
sua pretensão, junto aos demais parlamentares, de flexibilizar os direitos para gerar mais
empregos.40
-41
38
NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 8. ed. São Paulo: Cortez,
2012. 39
“[...] nas últimas décadas, devido a crise estrutural e ao novo patamar de luta de classes, expresso pela
ofensiva do capital na produção e reprodução social por meio das ideologias do neoliberalismo e do pós-
modernismo, torna-se exposta a condição de precariedade ontológica da força de trabalho como mercadoria.
Ora, a precarização do trabalho expõe a condição de precariedade latente. O processo de precarização do
trabalho, que aparece sob o neologismo da flexibilização do trabalho, impõe-se não apenas por meio da perda
de direitos e do aumento da exploração da força de trabalho, por meio do alto grau de extração de
sobretrabalho de contingentes operários e empregados da produção social. A precarização do trabalho se
explicita por meio através do crescente contingente de trabalhadores desempregados supérfluos à produção do
capital.” Cf. ALVES, Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho.
2. ed. Londrina: Praxis, 2007. 40
“[...] Marinho afirma ter se reunido com embaixadores e membros da ONU e da OIT, com apoio da missão
brasileira local. ‘O Brasil está modernizando a sua lei para gerar novos empregos, sem colocar em risco
nenhum direito conquistado pelo trabalhador’, diz o deputado, em nota”. Cf. NASCIMENTO, Bárbara.
26
Em que pese o relator tenha feito a ressalva de que supostamente nenhum direito
trabalhista seria prejudicado pela reforma, a Organização Internacional do Trabalho, por outro
lado, como já pontuado anteriormente, rechaçou veementemente as mudanças que a Reforma
Trabalhista orquestrou no ordenamento jurídico brasileiro.
Como chegamos a esse ponto? A compreensão do atual cenário do trabalho no
Brasil, assim, perpassa pela retomada histórica das formas de gestão científica. Isso porque,
conforme defende Ricardo Antunes, o Brasil possui resquícios de fordismo com elementos de
toyotismo atrasados.42
Ainda que a Reforma Trabalhista não tenha superado completamente o
modelo de trabalho tradicional, a introdução das formas flexíveis de trabalho representa a
tendência de diminuição da quantidade de trabalhadores contratados por tempo
indeterminado, de modo que é imprescindível compreender o caminho percorrido até os dias
hodiernos.
É com o fordismo, na figura de Henry Ford, que o modelo de trabalho de oito horas
de jornada diárias e cinco dólares foi instituído. Como narra David Harvey, o propósito era
garantir que os trabalhadores possuíssem renda e tempo suficientes para consumir os produtos
que eles mesmos produziam em larga escala. Desse modo, houve a elevação dos padrões de
vida, conteve-se temporariamente os focos de crise e houve a massificação do consumo.43
Nesse ponto, vê-se no fordismo uma forma de tentar superar a contradição
fundamental do sistema, mas não foi o que aconteceu. Com a Crise da Bolsa de Valores de
1929, também conhecida como Grande Depressão, Ford buscou superar a economia
aumentando os salários dos seus empregados. Tal medida, no entanto, que não logrou êxito.
Rogério Marinho vai à Suiça defender reforma trabalhista na OIT. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/economia/rogerio-marinho-vai-suica-defender-reforma-trabalhista-na-oit-21442947.
Acesso em: 02 nov. 2019. 41
“[...] Entendemos que é inegável a necessidade modernização da Consolidação das Leis do Trabalho, diante da
evidência de que, com o passar dos anos, muitos setores da economia ficaram à margem da legislação. O
substitutivo apresentado nesta oportunidade não está focado na supressão de direitos, mas sim em proporcionar
uma legislação mais moderna, que busque soluções inteligentes para a novas modalidades de contratação, que
aumente a segurança jurídica de todas as partes da relação do emprego, enfim, que adapte a CLT às
modernizações verificadas na relação de trabalho ao longo desses mais de 70 anos de vida desse instrumento
normativo”. Cf. BRASIL. Ata da 93ª Sessão da Câmara dos Deputados, deliberativa extraordinária,
vespertina, da 3ª Sessão Legislativa Ordinária, da 55ª Legislatura, em 26 de abril de 2017. Diário da
Câmara dos Deputados. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020170427000700000.PDF#page=618. Acesso em: 01 dez.
2019. 42
“Há uma mescla nítida entre elementos de fordismo, que ainda encontram vigência acentuada, e elementos
oriundos das novas formas de acumulação flexível e/ou influxos toyotistas no Brasil, que também são por
demais evidentes”. Cf. ANTUNES, Ricardo. A era da informatização e a época da informalização.
IN:ANTUNES, Ricardo. Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. 43
“[...] os padrões de vida se elevaram, as tendências de crise foram contidas, a democracia de massa, preservada
e ameaça de guerras intercapitalistas, tornada remota”. Cf. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma
pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 6. ed. São Paulo: Loyola, 1996.
27
Nesse sentido, pondera Harvey que apenas por intermédio da intervenção do Estado, na figura
do New Deal de Roosevelt, houve a retomada do sonho americano.44
Uma das características mais marcantes do fordismo, portanto, é o papel do Estado
no controle das crises financeiras, por meio de políticas fiscais e monetárias. Segmentos como
o transporte, a seguridade social, a assistência médica, a educação e a habitação receberam
fortes investimentos governamentais, que tentavam, indiretamente, impulsionar o pleno
emprego e o consumo de massa.45
Além da tentativa de evitar a irrupção de crises do capital, complementa Giovanni
Alves acerca do caráter anti-revolucionário do sistema implementado por Henry Ford, na
medida que o sistema disfarçava a exploração sofrida pelos trabalhadores e amenizava a luta
de classes, distanciando os trabalhadores da discussão socialista durante a Guerra Fria.46
Ainda que continuasse presente a exploração do trabalho, não há como negar que
durante o período do fordismo os trabalhadores viveram o pleno emprego e gozaram de
muitas garantias trabalhistas.
Ocorre que tal prosperidade não foi eterna. Ainda na década de 1950, a empresa
Toyota no Japão enfrentou seríssima crise financeira, chegando a beirar a falência.47
Nesse cenário, Taiichi Ohno, que recebeu a missão de aumentar a produtividade da
empresa, sendo considerado o responsável pela criação do Sistema Toyota, passou a revisar a
extensa gama de direitos conferidos aos trabalhadores. Assim, contrastando o modelo fordista,
de uma fábrica gordurosa, que apresenta estoque de produtos e de mão-de-obra, Ohno
44
HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 6.ed. São
Paulo: Loyola, 1996. 45
“[...] o Estado se esforçava por controlar ciclos econômicos com uma combinação apropriada de políticas
fiscais e monetárias no período pós-guerra. Essas políticas eram dirigidas para as áreas de investimento
público – em setores como o transporte, os equipamentos públicos, etc – vitais para o crescimento da produção
e do consumo de massa e que também garantiam um emprego relativamente pleno. Os governos também
buscavam fornecer um forte complemento ao salário social com gastos de seguridade social, assistência
médica, educação, habitação, etc”. Cf. Ibid. 46
“[...]O que se chamou fordismo-keynesianismo é um modelo histórico de regulação do ciclo capitalista, que
impediu, nas condições da crise orgânica, que a dinâmica cíclica do capital implicasse em consequências
nefastas para a reprodução capitalista no plano da economia nacional, e principalmente, da política de controle
social nos vários países capitalistas, principalmente do centro mais desenvolvido do sistema mundial produtor
de mercadorias (vale dizer, sob as condições geopolíticas da “guerra fria”). O fordismo-keynesianismo possui
uma poderosa carga ideológica de controle preventivo da irrupção revolucionária no Ocidente, afinal, não
podemos esquecer a dimensão ineliminável da luta de classe, mediada no contexto da crise orgânica do século
XX, pela presença, a partir de 1917, da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas)”. Cf. ALVES,
Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Londrina:
Praxis, 2007. 47
CORIAT, Benjamin. “O Espírito Toyota”. In: CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso: o modelo japonês de
trabalho e organização. Rio de Janeiro: Revan, 1994.
28
defendeu uma “fábrica plástica” (flexível), magra e instituiu o modo de produção just in
time.48
Isto é, no lugar de fabricar carros em quantidades astronômicas, a produção deveria
acompanhar a demanda, a fim de manter o estoque zerado. Da mesma forma, Ohno defendeu
que a quantidade de trabalhadores deveria ser exatamente aquela necessária para cumprir a
demanda. Esse enxugamento das fábricas, entretanto, inaugurado pelo toyotismo, refletiu
drasticamente nos índices de desemprego e na atuação do sindicalismo.49
Para além disso, não se pode perder de vista que os sindicatos são o instrumento de
contestação da retirada de direitos mais utilizados pelos trabalhadores. Com a adoção do
toyotismo, buscou-se minar justamente as bases sindicais (de modo semelhante aos dias
hodiernos), transformando-as em “sindicatos corporativos”, desprovidos de combatividade e
passivos em relação aos passos das empresas frente aos trabalhadores.50
Cumpre ponderar que o toyotismo, inicialmente, manteve-se restrito ao território
japonês. Ao longo das décadas de 1950 e de 1960, o Ocidente ainda vivia o período próspero
do fordismo, que apenas veio a ruir com a crise do petróleo em 1973, a partir de quando o
toyotismo passou a ser implementado.
A reestruturação produtiva provocada pelo toyotismo possui efeitos devastadores
para os trabalhadores. Com a acumulação flexível, em que tanto as fábricas quanto os
empregados são enxergados de forma plástica, as palavras de ordem são: modernização e
flexibilização. Na seção a seguir, veremos como a acumulação flexível se inseriu no
ordenamento jurídico brasileiro, passando a identificar as características desse regime.
À guisa de conclusão intermediária, e partindo da premissa de que o sistema
capitalista possui crises cíclicas indissociáveis do seu funcionamento, não se revela acertada a
relação estabelecida entre o conjunto de medidas de precarização das relações de trabalho,
dentre elas a Reforma Trabalhista brasileira e as formas atípicas de emprego dela oriundas, a
um governo ou parlamentares em específico. Trata-se, na verdade, de visão simplista e rasa da
realidade, que desconsidera o intrínseco antagonismo de classes entre os capitalistas e os
trabalhadores.
Nesse ínterim, precisa a colocação feita pela professora Ana Patrícia Dias, ao refletir
sobre a terceirização, quando pondera que a precarização do trabalho adveio do próprio
48
CORIAT, Benjamin. “O Espírito Toyota”. In: CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso: o modelo japonês de
trabalho e organização. Rio de Janeiro: Revan, 1994. 49
Ibid. 50
Ibid.
29
sistema capitalista e com ele se desenvolveu.51
Isto é, não obstante a reforma trabalhista tenha
sido aprovada no Brasil durante um mandato legislativo em particular, não é a primeira vez na
história mundial e brasileira que os direitos dos trabalhadores são alvejados pelos detentores
do capital.
Na obra “A situação da classe operária na Inglaterra”, de título autoexplicativo,
Friedrich Engels traz relatos extremamente detalhados sobre a sociedade industrial na região
entre os anos de 1844 e 1845, ano em que finalizou a obra. Salta aos olhos o fato de que,
mesmo decorridos quase dois séculos da publicação desses escritos, a realidade do trabalho
nos dias atuais não destoa muito dos casos que o autor trouxe a lume, contrariando as suas
próprias projeções para os anos seguintes.52
O objeto específico da presente obra, a saber, o trabalho intermitente, traz à tona um
velho fantasma da classe trabalhadora: a instabilidade no emprego. Com um pequeno
intervalo dado pelo fordismo, que garantiu o pleno emprego, a Reforma Trabalhista aproxima
os dias atuais da realidade da sociedade operária na Inglaterra no século XIX.
Prova cabal disso é o relato de Engels que será transcrito a seguir:
[...] Morrem de fome, é certo, indivíduos isolados, mas que segurança tem o
operário de que amanhã a mesma sorte não o espera? Quem pode garantir- -lhe que
não perderá o emprego? Quem lhe assegura que amanhã, quando o patrão – com ou
sem motivos – o puser na rua, poderá aguentar-se, a si e à sua família, até encontrar
outro que “lhe dê o pão”? Quem garante ao operário que, para arranjar emprego, lhe
basta boa vontade para trabalhar, que a honestidade, a diligência, a parcimônia e
todas as outras numerosas virtudes que a ajuizada burguesia lhe recomenda são para
ele realmente o caminho da felicidade? Ninguém. O operário sabe que, se hoje
possui alguma coisa, não depende dele conservá-la amanhã; sabe que o menor
suspiro, o mais simples capricho do patrão, qualquer conjuntura comercial
desfavorável podem lançá-lo no turbilhão do qual momentaneamente escapou e no
qual é difícil, quase impossível, manter-se à tona. Sabe que se hoje tem meios para
sobreviver, pode não os ter amanhã.53
Quase dois séculos separam o texto de Engels e a atualidade. No entanto, as mesmas
preocupações com o dia de amanhã ainda assolam o trabalhador. Como veremos na seção
51
DIAS, Ana Patrícia; SALES, Francisco José Lima. Dimensão da precarização do trabalho: o adoecimento do
trabalhador. In: Encontro de Ciências Sociais do Norte e Nordeste Pré-Alas Brasil, XV, 2012, Teresina.
Resumos [...]. Teresina: UFPI, 2012. Disponível em:
http://www.sinteseeventos.com.br/ciso/anaisxvciso/resumos/GT15-22.html. Acesso em: 05 dez. 2019. 52
“[...] essa é a situação do proletariado inglês. Para onde quer que nos voltemos, defrontamo-nos com miséria –
permanente ou intermitentemente -, doenças provocadas pelas condições de vida ou de trabalho, degradação
moral; por todos os lados, o que vemos é a liquidação, a lenta – mas segura – destruição física e espiritual da
natureza humana. Será esta uma situação duradoura? Não, essa situação não pode e não vai perdurar. Os
operários, a grande maioria do povo, não a querem – vejamos o que eles dizem sobre ela.”. Cf. ENGELS,
Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010. 53
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010.
30
seguinte, o trabalho intermitente lança (e agora com respaldo legal) o trabalhador num mar de
incertezas e de precariedade.
É bem verdade que houve o reconhecimento de muitos direitos trabalhistas desde
então, em razão que não é possível estabelecer um paralelo tão simétrico entre a primeira
revolução industrial e a atualidade. A regulamentação da jornada de trabalho, por exemplo,
garante que, pelo menos formalmente, os trabalhadores não podem ser submetidos a jornadas
extenuantes de trabalho. Mas, considerando a subjetividade do trabalhador, ela continua
incólume: os tempos são outros, mas o sistema é o mesmo. O trabalho continua sendo
ontologicamente precário sob as leis do sistema capitalista.54
A Reforma Trabalhista, desse modo, aproxima a contemporaneidade dos anos
iniciais do sistema capitalista, corroborando a tese ora aventada de que não se trata de um
desmonte orquestrado apenas por um governo em específico ou de uma fatalidade acidental
do século XXI, mas sim de uma expressão da contradição fundamental do sistema capitalista,
que o acompanhará enquanto for o sistema hegemônico. Por consequência, apenas a
superação do capitalismo é apta a assegurar plenamente os direitos dos trabalhadores e afastar
o fenômeno cíclico de precarização das relações de trabalho.55
54
Nesse ponto, é essencial compreender a distinção entre trabalho precário e a precarização do trabalho.
Conforme sustenta Giovanni Alves, a precariedade é condição ontológica do trabalho assalariado, isto é, do
trabalho sob as leis do sistema capitalista, ao passo que a precarização é o próprio movimento de intensificação
da precariedade. Senão, vejamos: “Precariedade é uma condição histórico-ontológica de instabilidade e
insegurança de vida e de trabalho. Mesmo o trabalhador assalariado que flui por conta dos ciclos industriais,
explicita sua precariedade viva (a precariedade é uma dimensão ontológica do trabalho assalariado).
Entretanto, o incremento da produtividade do trabalho tende a impulsionar o movimento de precarização do
trabalho assalariado, explicitando, portanto, novas determinações da precariedade viva” ALVES, Giovanni.
Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Londrina: Praxis, 2007, p.
103. 55
Não se desconhece o papel fundamental do Direito do Trabalho na proteção dos direitos positivados no
ordenamento jurídico. É bem verdade, entretanto, que se trata de instrumento limitado pelos interesses da
burguesia. Nesse sentido, pondera Perpétuo: “O Direito do Trabalho apresenta uma natureza contraditória,
pois, sendo o resultado da pressão da classe trabalhadora contra a humilhante situação em que se davam as
relações de produção, a burguesia a colocou a seu serviço e da manutenção das estruturas capitalistas, como
explica Monereo Perez, ao dizer que o ordenamento laboral é um elemento da ação da classe trabalhadora
contra a ordem capitalista e um elemento da luta de classe dominante contra a ação dos trabalhadores. Não é
diferente que Bonavides analisa a formulação da legislação social, como decorrência de imperativos da
sobrevivência burguesa, conforme a teoria marxista. Tem sentido similar a doutrina que afirma o caráter
compromissório do Direito do Trabalho, pois parte da premissa de que a unilateralidade das normas laborais,
em favor dos trabalhadores, não é uma característica do Direito do Trabalho, pois, além das normas de tutela
das posições jurídicas e interesses dos trabalhadores, há também um conjunto de mecanismos e institutos de
salvaguarda dos interesses do empregador e das empresas, que asseguram o equilíbrio do sistema”. Cf.
CASTRO, Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de. Terceirização: uma expressão do direito flexível do
trabalho na sociedade contemporânea. 2012. Dissertação (Mestrado) – Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-
graduação, Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2012. Disponível em:
http://tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/486/1/dissertacao_maria_do_perpetuo.pdf. Acesso em: 01 dez.
2019.
31
A curto prazo, entretanto, é necessário amenizar os impactos decorrentes da relação
capital-trabalho, levada ao extremo com a aprovação da Reforma Trabalhista. Para tanto, o
controle de constitucionalidade e o controle de convencionalidade se revelam como os
mecanismos jurídico-institucionais mais adequados para aferir a compatibilidade entre as
formas atípicas de emprego, com destaque para o trabalho intermitente, e a malha de direitos
trabalhistas assegurados tanto na Constituição Federal quanto nos tratados internacionais de
direitos humanos, e, consequentemente, expurgá-las ou não do ordenamento jurídico.
Desse modo, seguiremos, adiante, ao exame dos aspectos legais do contrato de
trabalho intermitente conferidos pela Lei n. 13.467/2017, para, posteriormente, realizar o
controle de convencionalidade dos arts. 443, caput e §3º, e 452-A da CLT.
32
3 O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE
As mudanças nas relações de trabalho advindas da Lei n. 13.467/2017, popularmente
conhecida como Reforma Trabalhista, refletiram impactos de proporções ainda incalculáveis
para a classe trabalhadora brasileira. Decorridos dois anos a contar do início da vigência da
lei, a perspectiva de que a flexibilização dos direitos trabalhistas iria alavancar a economia
brasileira e gerar 55 mil empregos por mês não se concretizou, ao passo que o aumento da
informalidade e as formas atípicas de emprego representam as únicas fontes de renda para os
quase 13 milhões de desempregados no país.
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), entre
novembro de 2017 e julho de 2019 foram criadas apenas 606.390 vagas de empregos no
Brasil, isto é, cerca de 29 mil por mês, pouco mais da metade da quantidade pretendida. Essa
estatística torna-se ainda mais alarmante quando observado que 15,4% do total das vagas de
emprego criadas correspondem à modalidade de trabalho intermitente. Em outras palavras,
aproximadamente uma a cada seis das vagas foi preenchida por trabalhador contratado de
forma intermitente.56
Nesse contexto, torna-se questionável os números divulgados, que são ainda mais
graves quando excluídas as vagas de trabalhos intermitentes. Isso porque a inclusão dessa
modalidade contratual nos dados sobre a criação de emprego no Brasil não se revela razoável,
na medida em que mascara verdadeira realidade de subemprego no Brasil.
Ora, como veremos adiante, os trabalhadores intermitentes podem passar por dias,
semanas ou meses em inatividade, ou seja, sem trabalhar. Desse modo, como podem ser
computados na estatística sobre empregabilidade no país? É importante observar que existem
muitos vínculos formalmente ativos, mas que, na prática, encontram-se inativos. Assim, como
será demonstrado ao longo deste trabalho, trata-se de verdadeiro trabalho “permanentemente
temporário”, pseudoemprego ou formalização do “bico”.
De antemão, assim, é necessário refletir sobre a natureza jurídica dessa forma de
emprego, alvo de quatro ADIs junto ao Supremo Tribunal Federal.57
Conforme pondera
Amauri Cesar Alves, entretanto, não é tarefa fácil a conceituação jurídica do trabalho
56
CAVALLINI, Marta. Em quase 2 anos de reforma trabalhista, 15% das vagas criadas no país são para
intermitentes. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2019/09/25/em-
quase-2-anos-de-reforma-trabalhista-15percent-vagas-criadas-no-pais-sao-para-intermitentes.ghtml.
Disponível em: 05 nov. 2019. 57
São elas: ADI 5806, proposta pela CONTRASP; ADI 5826, proposta pela FENEPOSPETRO; ADI 5829,
ajuizada pela FENATTEL e, por derradeiro, a ADI 5950, cujo requerente é a CNTC.
33
intermitente, sobretudo por se tratar de figura nova no ordenamento jurídico brasileiro,
importada de outros países, sendo ainda pouco explorada pela doutrina e jurisprudência
pátrias.58
Passaremos, portanto, à análise do trabalho intermitente nos ordenamentos jurídicos
alienígenas, para, posteriormente, realizar o cotejo com essa figura introduzida pela Reforma
Trabalhista brasileira.
3.1 A regulamentação do trabalho intermitente no Direito Estrangeiro
Além do paradigmático “contrato zero-hora” na Inglaterra, o trabalho intermitente
também possui previsão nos ordenamentos jurídicos de outros países. Pode-se citar,
inicialmente, a Espanha, que, no artigo 16 do Estatuto dos Trabalhadores, regulamenta o
trabalho “fixo descontínuo”, ou seja, que nem é temporário nem é contínuo. Nesse ensejo, o
trabalho descontínuo não pode ocorrer em datas certas, sob pena de descaracterizar a natureza
de trabalho intermitente e assumir a forma de contrato a tempo parcial firmado por tempo
indeterminado.59
Isso porque no direito espanhol apenas é admitido o trabalho intermitente nas
empresas cujas atividades sejam, por natureza, intermitentes, como os serviços de socorrista
prestados num estágio em jogos de futebol e escoamento da produção agrícola.
Já em Portugal, em seus artigos 157 a 160 do Código de Trabalho (Lei nº 07/2009),
desperta atenção a previsão de que nos períodos de inatividade é devido ao trabalhador 20%
do montante que normalmente é pago pelo empregador. Isto é, ainda que o trabalhador não
seja convocado para prestar efetivamente qualquer serviço ao empregador, ele terá a garantia
de receber alguma quantia, denotando mínima preocupação do legislador português com a
dignidade do trabalhador nos períodos de inatividade.60
Ainda sobre o trabalho intermitente no ordenamento jurídico português, interessante
pontuar também que a legislação de regência engloba duas subespécies de trabalho
intermitente: o trabalho alternado e o trabalho à chamada. Naquele, o início e o termo de cada
58
ALVES, Amauri Cesar. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação jurídica. Revista eletrônica [do]
Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 74, p. 54-73, dez. 2018/jan. 2019. Disponível
em:
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/150638/2019_alves_amauri_trabalho_intermitente.p
df?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 nov. 2019. 59
Ibid., p. 55. 60
Ibid., p. 56.
34
período de trabalho restam estabelecidos previamente nos termos contratuais. Já nesse, mais
semelhante ao caso do Brasil, o trabalhador é convocado de acordo com o interesse do
empregador, não havendo qualquer previsibilidade quanto aos períodos de prestação de
serviços.61
De modo semelhante ao trabalho intermitente na Espanha, é deveras interessante a
exigência no ordenamento português de que a empresa desempenhe atividades de caráter
descontínuo ou com intensidade variável para que reste autorizada a contratação
intermitente.62
É no ordenamento francês em que a legislação trouxe minúcias quanto ao contrat de
travail intermittent. Salta aos olhos a previsão de que deve ser garantido o mínimo de
igualdade entre os trabalhadores em ritmo regular ou a tempo completo e os trabalhadores
intermitentes. Em termos práticos, válido destacar a previsão de que seja estipulado um
número mínimo de horas a ser trabalhado, o que reflete diretamente nas verbas salariais.63
De mais a mais, imperioso observar o regramento conferido ao trabalho intermitente
no ordenamento jurídico italiano. A figura do contrato de trabalho intermitente surgiu na Itália
por intermédio do Decreto Legislativo n. 276/2003, conhecido como “Reforma Biagi”, que
disciplinou uma série de novas formas flexíveis de contrato de trabalho.64
Decorridos doze
anos da edição do texto legal em apreço, após profundas discussões jurídicas sobre o instituto
do trabalho à chamada, como é conhecido popularmente, o Decreto Legislativo n. 81/2015,
que deu continuidade às reformas na legislação trabalhista da Itália, consubstanciou diversas
alterações no regramento do trabalho intermitente.65
Nesse ensejo, o art. 13 do Decreto Legislativo n. 81/2015 afiançou que o contrato de
trabalho a chamada consiste na utilização descontínua da prestação de trabalho, que pode se
61
ALVES, Amauri Cesar. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação jurídica. Revista eletrônica [do]
Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 74, p. 54-73, dez. 2018/jan. 2019. Disponível
em:
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/150638/2019_alves_amauri_trabalho_intermitente.p
df?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 nov. 2019. 62
Ibid., p. 56. 63
LIMA, Francisco Gerson Marques de. Trabalho intermitente. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-
legislatura/pl-6787-16-reforma-trabalhista/documentos/audiencias-publicas/luis-antonio-camargo-de-melo.
Acesso em: 05 nov. 2019. 64
Nesse ponto, oportuno mencionar que tamanha foi a quantidade de novas modalidades contratuais de trabalho
inauguradas pela Reforma Biagi que o Decreto Legislativo n. 276/2003 ficou conhecido como “shopping
contratual”. 65
COLUMBU, Francesca. O trabalho intermitente na legislação laboral italiana e brasileira. Revista de Direito
do Trabalho e Processo do Trabalho, v.1, n.1, jan./jun. 2019. Disponível em:
http://www.portal.anchieta.br/revistas-e-livros/direito-trabalho/pdf/artigo-direito-trabalho-vol1-5.pdf. Acesso
em: 01 dez. 2019.
35
dar de forma intermitente ou com a predefinição dos períodos de atividade ao longo da
semana, do mês, ou do ano.66
Para que seja pactuado o contrato de trabalho intermitente na Itália, devem ser
observadas as exigências objetivas impostas pelas organizações sindicais ou por tabela
específica do Ministério do Trabalho, que deve expressamente indicar as circunstâncias
objetivas que justificam o emprego dessa modalidade flexível de trabalho. Ademais, o
parágrafo 2 do artigo 13 impõe os seguintes critérios subjetivos: sempre será permitida a
contratação intermitente de jovens de até 25 anos ou indivíduos com mais de 55 anos, sob a
justificativa de que representam a parcela da população mais vulnerável no ingresso ao
mercado de trabalho.67
Importante observar, ainda, que o legislador italiano também estabeleceu um limite
temporal: o trabalho intermitente não pode superar quatrocentos dias de trabalho ao longo de
três anos, em relação ao mesmo empregador. E, caso tenha havido dispensa coletiva de
trabalhadores com as mesmas funções nos últimos seis meses, não é permitido ao empregador
a contratação intermitente, justamente com o fito de evitar a substituição do pessoal
permanente pelo trabalho à chamada.68
Para tanto, os trabalhadores podem ser contratados de duas formas: com ou sem
garantia de disponibilidade. Na primeira modalidade, o trabalhador é indenizado pelo período
de disponibilidade, salvo diante da comunicação de indisponibilidade por motivo de doença
ou impedimento de outra natureza. Caso o trabalhador com garantia de disponibilidade se
ausente injustificadamente após um chamado, inclusive, resta caracterizada causa justificativa
da dispensa. Por outro lado, caso não haja a garantia de disponibilidade, não é devido ao
trabalhador nenhuma indenização durante o período de inatividade, bem como a recusa do
chamado não acarreta sanção ao empregado.69
Como veremos adiante, o regramento do trabalho intermitente no Brasil destoa
expressivamente das previsões legais acima explicitadas, trazendo ainda menos garantias aos
trabalhadores.
66
COLUMBU, Francesca. O trabalho intermitente na legislação laboral italiana e brasileira. Revista de Direito
do Trabalho e Processo do Trabalho, v.1, n.1, jan./jun. 2019. Disponível em:
http://www.portal.anchieta.br/revistas-e-livros/direito-trabalho/pdf/artigo-direito-trabalho-vol1-5.pdf. Acesso
em: 01 dez. 2019. 67
Ibid, p. 100. 68
Ibid, p. 100. 69
Ibid, p. 101-102.
36
Para Amari Cesar Alves, os legisladores brasileiros se inspiraram no contrato zero
hora na Inglaterra ao redigir a Lei n. 13.467/2017.70
Desse modo, revela-se imperioso analisar
as nuances do trabalho intermitente britânico, para, assim, tentar extrair valiosas lições quanto
ao instituto no Brasil. Ao mesmo tempo, vale destacar que as circunstâncias sociais,
econômicas e políticas brasileiras implicam consequências mais severas se comparadas com o
contexto britânico, indicando fortemente a tendência de precarização das relações de trabalho
no Brasil a partir das experiências colhidas na Europa.
É bem verdade que a Inglaterra é o berço da Revolução Industrial e país vanguardista
em relação a inúmeros institutos do Direito do Trabalho. Não poderia ser diferente em relação
ao trabalho intermitente, denominado em terras britânicas de contrato zero hora (ou “zero-
hours contract”), utilizado pela primeira vez ainda na década de 1980.
Como já adiantado, para Amauri Cesar Alves, a Reforma Trabalhista brasileira se
inspirou no contrato zero hora britânico ao regulamentar o trabalho intermitente.71
Diferentemente de Portugal e da Espanha, acima explicitados, na Inglaterra há ampla
admissibilidade, sem vedações legais como a exigência de descontinuidade ou intensidade
variável da atividade. Além disso, sequer existe a modalidade de trabalho intermitente em que
é garantida jornada mínima.72
Também contrastando com o Direito português, o trabalhador recebe tão somente
pelas horas efetivamente trabalhadas, da mesma forma como ocorre no Brasil, como veremos
adiante, não havendo que se falar em pagamento de 20% da retribuição base.73
Segundo relatório produzido no âmbito da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), o contrato “zero hora” na Inglaterra afeta de formas diferenciadas os grupos sociais. Os
mais vulneráveis (mulheres, migrantes, trabalhadores não-brancos ou trabalhadores com
70
ALVES, Amauri Cesar. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação jurídica. Revista eletrônica [do]
Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 74, p. 54-73, dez. 2018/jan. 2019. Disponível
em:
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/150638/2019_alves_amauri_trabalho_intermitente.p
df?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 nov. 2019. 71
ALVES, Amauri Cesar. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação jurídica. Revista eletrônica [do]
Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 74, p. 54-73, dez. 2018/jan. 2019. Disponível
em:
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/150638/2019_alves_amauri_trabalho_intermitente.p
df?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 nov. 2019. 72
COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Trabalho intermitente - trabalho "zero hora" - trabalho fixo
descontínuo: a nova legislação e a reforma da reforma. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v.
82, n. 1, p. 38-46, jan. 2018. 73
Ibid.
37
deficiência) são os principais alvos das contratações intermitentes, recebendo salários que, em
média, representam 35% da renda auferida pelos demais empregados.74
Contrariando, ademais, o discurso de que o contrato zero hora traz benefícios aos
trabalhadores, dados do Office for National Statistics (ONS), órgão oficial britânico de
estatísticas, houve uma explosão na quantidade de trabalhadores contratados nessa
modalidade após a crise de 2009, saltando de aproximadamente 100 mil pessoas para
905.000, no último trimestre de 2016. Isto é, inegavelmente se trata de modalidade que reduz
os custos para o empregador e repassa os ônus para o empregado, afinal, se assim não o fosse,
não seria amplamente empregado tão somente em período de crise.75
Os impactos do contrato zero hora são devastadores e rechaçados pela Organização
Internacional do Trabalho, o que é sintomático e preocupante ao considerarmos que o Brasil
se espelhou nessa modalidade ao regulamentar o trabalho intermitente.
3.2 A Reforma Trabalhista no Brasil
Como explicitado no capítulo anterior, o Brasil apresenta resquícios de fordismo
atrasado com alguns elementos do sistema toyotista. Antes mesmo da Reforma Trabalhista,
por intermédio de várias “mini” reformas, o legislador já tentava amoldar o modelo de
organização do trabalho brasileiro ao modelo inaugurado na Toyota do Japão e expandido
para o restante do mundo no final do século XX. Não por acaso, maior parte dos dispositivos
da CLT já foi alvo de alteração legislativa.
É com a Reforma Trabalhista, entretanto, que se instrumentaliza e se alcança o auge
da flexibilização das relações de trabalho. Sob o pano de fundo de geração de empregos e
crescimento da economia, foram aprovados diversos dispositivos que alteraram a
Consolidação das Leis do Trabalho e introduziram formas atípicas de emprego no
ordenamento jurídico brasileiro.
Tomando a conceituação de Luciano Vasapollo, trabalho atípico é todo aquele que
foge da conceituação tradicional de trabalho, isto é, daquele que restou consagrado pelo
sistema fordista com 8 horas diárias e valor salarial fixo por mês. O autor entende como
74
ADAMS, Abi; PRASSL, Jeremias. Zero-Hours Work in the United Kingdom. Disponível em:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---
travail/documents/publication/wcms_624965.pdf. Acesso em: 19 nov. 2019. 75
ZERO, Marcelo. Alguns dados sobre o trabalho intermitente no Reino Unido. Disponível em:
https://www.josepimentel.com.br/sites/default/files/notas-tecnicas/alguns-dados-sobre-o-trabalho-intermitente-
no-reino-unido.pdf. Acesso em: 19 nov. 2019.
38
atípico o trabalho intermitente na perspectiva de que a jornada de trabalho não corresponde ao
horário integral, não há data nem locais fixos, e o trabalhador se aproxima ainda mais da
figura de um trabalhador autônomo.76
Como é o objeto do presente estudo, passaremos, a seguir, a analisar os aspectos do
trabalho intermitente no ordenamento jurídico brasileiro.
3.2.1 Conceituação do trabalho intermitente
A tarefa de conceituar o trabalho intermitente no ordenamento jurídico brasileiro não
é das mais fáceis. Ao realizar a interpretação sistemática dos dispositivos da CLT, vê-se que é
possível confundir, pelo menos, três modalidades de emprego: o trabalho em regime de tempo
parcial, o trabalho temporário e o contrato por tempo determinado.
No trabalho em regime de tempo parcial há necessidade regular de trabalho, isto é,
contínuo, diferenciando-se do trabalho tradicional tão somente pela jornada de trabalho diária,
que é reduzida em comparação aos moldes tradicionais de oito horas diárias e quarenta e
quatro semanais. Já no trabalho intermitente é esporádica a necessidade do empregador de
convocar o trabalhador.
No contrato temporário, a seu turno, pressupõe-se a substituição transitória de
pessoal permanente ou uma demanda complementar de serviços. É pactuado, por exemplo,
diante do adoecimento dos empregados efetivos. Durante esse período específico, há
necessidade regular de trabalho, previsão da jornada de trabalho e das verbas salariais a o que
o trabalhador faz jus, não podendo ser confundido, igualmente, com o contrato de trabalho
intermitente.
Por fim, o contrato de trabalho por tempo determinado pressupõe a predeterminação
do prazo, geralmente pactuado diante de atividades empresariais de caráter transitório ou
contrato de experiência.
Traçado esse panorama, é de se extrair que nenhum dos institutos mencionados se
confunde com o trabalho intermitente. Diferentemente de todos os contratos acima
examinados, no trabalho intermitente não há previsibilidade de quando o empregador
necessitará dos serviços do empregado. E, diferentemente do trabalho por tempo determinado,
76
VASAPOLLO, Luciano. O trabalho atípico e a precariedade: elemento estratégico do capital no paradigma
pós-fordista. In: ANTUNES, Ricardo. A explosão do desemprego e as distintas modalidades de
precarização do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 45-58.
39
o vínculo trabalhista continua registrado na CLT, não havendo o termo contratual, mas tão
somente a alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade.
Necessário, assim, observar os contornos conferidos pelo legislador ao trabalho
intermitente.
Nesse ensejo, o trabalho intermitente foi positivado na CLT em seus artigos 443,
caput e §3º, e 452-A, ambos incluídos pela Lei n. 13.467/2017. Por contrato de trabalho
intermitente é compreendida a prestação de serviços subordinada, não contínua, com a
alternância de períodos efetivamente de prestação de serviços e períodos de inatividade (que
podem alcançar horas, dias, semanas ou até meses), independentemente da natureza do
serviço, com exceção dos aeronautas, regidos por legislação própria.77
De pronto, é possível identificar pontos de convergência e de dissonância com as
legislações estrangeiras já examinadas: diferentemente do que restou consagrado em Portugal
e na Espanha, no Brasil o contrato de trabalho intermitente pode ser empregado em qualquer
atividade, não só naquelas descontínuas e com intensidade variável. Além disso, não há
qualquer garantia de remuneração nos períodos de inatividade.
Amauri Cesar Alves tece críticas ao conceito do trabalho intermitente com base na
existência de alternância entre períodos de prestação de serviços e de inatividade, na
perspectiva de que no trabalho tradicional também resta presente tal característica: o trabalho
de 8 horas com intervalo de 16 horas, ou até mesmo o trabalho durante 5 ou 6 dias com
intervalo de 24 horas. Para o autor, é frágil o parâmetro utilizado, de modo que busca
formular sua própria definição do instituto.78
Nesse sentido, o autor estabelece que o trabalho intermitente é forma de contrato
bilateral e celetista (ainda que realize ponderações quanto ao critério da não eventualidade),
sendo a atividade descontínua para o empregado, mas corriqueira para o empregador, que, por
sua vez, não pode definir previamente os períodos em que haverá prestação de serviços
efetivamente. Ademais, assevera que o ponto crucial do trabalho intermitente não é a redução
77
“Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por
escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. [...] §
3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação,
não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados
em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para
os aeronautas, regidos por legislação própria”. 78
ALVES, Amauri Cesar. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação jurídica. Revista eletrônica [do]
Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 74, p. 54-73, dez. 2018/jan. 2019. Disponível
em:
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/150638/2019_alves_amauri_trabalho_intermitente.p
df?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 nov. 2019.
40
das horas trabalhadas por dia, semana ou mês (visto que isso aproximaria o instituto da figura
do trabalho em regime de tempo parcial), mas a incerteza de quando será necessário o seu
labor.
Interessante posicionamento é o sustentado por Godinho e Neves, quando enquadram
o trabalho intermitente como nova modalidade de salário por unidade de obra. Em
decorrência da natureza jurídica que os autores atribuem ao instituto, é garantida, de acordo
com a jurisprudência pacífica do TST, remuneração não inferior ao salário mínimo vigente no
país.79
O art. 452-A da CLT, no entanto, dispõe que o contrato intermitente deve ser
celebrado por escrito, contendo cláusula expressa e específica sobre o valor da hora de
trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou ao valor horário dos
demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função (efetivos ou
intermitentes).80
Isto é, ainda que o valor da hora trabalhada deva observar o valor da hora no salário
mínimo, no final do período de prestação do serviço o trabalhador pode receber montante
inferior ao salário mínimo. Além da imprecisão conceitual, o trabalho intermitente também
levanta as discussões sobre a violação de direitos trabalhistas (alçados ao patamar de direitos
humanos) previstos em diversos tratados internacionais, seja nas convenções emanadas pela
OIT seja em documentos diversos como a Declaração Universal de Direitos Humanos.
3.2.2 Convocação, multa e pagamento das verbas
Perfilhada a conceituação data por Amauri Cesar Alves, de que o contrato de
trabalho intermitente é contrato bilateral e celetista, caracterizado pela incerteza da
necessidade das prestações de serviço pelo empregador, ainda que não haja eventualidade da
sua atividade,81
é interessante observar as nuances trazidas pelo legislador brasileiro quanto à
convocação, multa e pagamento das verbas.
79
DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil: com os
comentários à Lei n. 13.467/2017. LTr: São Paulo, 2017. 80
“Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente
o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos
demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não”. 81
ALVES, Amauri Cesar. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação jurídica. Revista eletrônica [do]
Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 74, p. 54-73, dez. 2018/jan. 2019. Disponível
em:
41
Os diversos parágrafos do art. 452-A se encarregaram de disciplinar tais miudezas. Já
em seu §1º, o legislador positivou que a convocação feita pelo empregador, por intermédio de
qualquer meio de comunicação eficaz (aqui compreendendo a possibilidade de comunicação
por plataformas de mensagens, por exemplo), deve observar o prazo de três dias corridos de
antecedência, informando qual será a jornada.82
Ato contínuo, o empregado possui o prazo de
um dia útil para aceitar ou não a convocação, presumindo, em caso de silêncio, a recusa da
proposta (§2º do art. 452-A).83
Por oportuno, o parágrafo §3º apregoa que a recursa da oferta não afasta a
subordinação existente entre o empregador e o empregado intermitente. Caso haja a aceitação,
por sua vez, a parte que descumprir o acordado se sujeita ao pagamento de multa de 50%
(cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual
prazo.84
Interessante observar, entretanto, conforme também assinala Colnago, que não há
previsão de multa contratual caso haja a retirada da oferta pelo empregador, retirado o caráter
sinalagmático característico das relações empregatícias.85
Crucial se revela a previsão dada pelo §5º para compreender a natureza do trabalho
intermitente no Brasil e as problemáticas disso decorrentes. Conforme a dicção do dispositivo,
o período de inatividade não é computado como tempo à disposição do empregador,
permitindo a simultaneidade com outros contratantes.86
Nesse ponto, inclusive, é possível
realizar outra ponderação quanto aos dados fornecidos pelo CAGED: é possível que tenham
sido computados vários vínculos relativos ao mesmo trabalhador, mascarando os índices de
empregabilidade no país.
Outrossim, é essencial observar como se dá o pagamento das verbas salariais. Findo
cada período de prestação de serviços, o empregado receberá: a remuneração proporcional ao
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/150638/2019_alves_amauri_trabalho_intermitente.p
df?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 nov. 2019. 82
“§ 1o O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços,
informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência”. 83
“§ 2o Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado,
presumindo-se, no silêncio, a recusa”. 84
“§ 3o A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente.
§ 4o Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à
outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida,
permitida a compensação em igual prazo”. 85
COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Trabalho intermitente - trabalho "zero hora" - trabalho fixo
descontínuo: a nova legislação e a reforma da reforma. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v.
82, n. 1, p. 38-46, jan. 2018. 86
“§ 6o Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das
seguintes parcelas: I – remuneração; II - férias proporcionais com acréscimo de um terço; III - décimo terceiro
salário proporcional; IV - repouso semanal remunerado; e V - adicionais legais”.
42
efetivamente trabalhado, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro
salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais. Nesse cenário, é
vedado o contracheque complessivo, dado que essencial o detalhamento das verbas salariais
adimplidas pelo empregador.87
Imperioso pontuar que aqui reside outra problemática que será abordada no capítulo
destinado ao controle de convencionalidade dos dispositivos da Reforma Trabalhista que
regulamentaram o trabalho intermitente: visto que o terço constitucional das férias é diluído
em cada pagamento individualizado, quando o trabalhador conquistar o período aquisitivo
para usufruir das férias essa não será remunerada, na medida em que todos os valores já foram
adiantados, caracterizando flagrante violação ao direito humano de gozar de férias
remuneradas.
3.2.3 Contribuições previdenciárias
A afirmação de Luciano Vasapollo de que a forma atípica de emprego aproxima o
trabalhador celetista à figura do trabalhador autônomo se revela ainda mais acertada quando
analisamos os impasses referentes às condições previdenciárias dos trabalhadores
intermitentes.88
Prevê o §8º do art. 452-A da CLT que caberá ao empregador efetuar o recolhimento
da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, com
base nos valores pagos no período mensal, devendo ser comprovado o repasse dos valores ao
empregado.89
Ocorre que, conforme a própria dicção da CLT, o período de inatividade do
trabalhador intermitente pode alcançar, até mesmo, semanas ou meses. Desse modo, restam
indubitavelmente prejudicadas as contribuições previdenciárias do trabalhador durante os
períodos em que não houver convocação pelo empregador, bem como nos períodos de
prestação de serviços inferiores a 30 (trinta) dias.
Com o advento da Medida Provisória n. 808/17, que incluiu dois dispositivos na CLT
sobre as verbas previdenciárias, a saber, arts. 452-H e 911-A, o ônus de complementar a
87
“§ 7o O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das
parcelas referidas no § 6o deste artigo”.
88 VASAPOLLO, Luciano. O trabalho atípico e a precariedade: elemento estratégico do capital no paradigma
pós-fordista. In: ANTUNES, Ricardo. A explosão do desemprego e as distintas modalidades de
precarização do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 45-58. 89
“§ 8o O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao
empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações”.
43
contribuição previdenciária, equivalente à diferença entre a remuneração recebida e o salário
mínimo vigente, passou a recair sobre o trabalhador.90
O ato da complementação obedece aos
ditames do Ato Declaratório Interpretativo nº 6/2017, que dispõe a aplicação da alíquota de
8% sobre a diferença entre a remuneração total recebida e o valor do salário-mínimo mensal,
que deve ser efetuado até o dia 20 do mês seguinte ao da prestação de serviço.91
Não havendo a complementação nos meses cuja remuneração seja inferior ao salário
mínimo, por força do §2º do art. 911-A, os valores percebidos pelo empregado não serão
consideradas para fins de aquisição e manutenção da qualidade de seguro do Regime Geral de
Previdência Social, quiçá para o cumprimento dos períodos de carência para concessão dos
benefícios previdenciários.92
O período de vigência da Medida Provisória em apreço se exauriu em 23 de abril de
2018, sem que tenha havido a sua conversão em lei pelo Congresso Nacional. A partir de
então, o regramento do contrato de trabalho intermitente restou ainda mais lacunoso, contando
tão somente com o disposto no art. 452-A e seus parágrafos.
Apenas em 28 de janeiro de 2019, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa
1.867/19, que repetiu muitos dos contornos dados pela MP 808/17. Em relação às
contribuições previdenciárias, especificamente, a IN dispôs que para que o tempo de trabalho
seja computado no cálculo da aposentadoria, cabe ao empregado efetuar o recolhimento
mínimo sobre o valor do salário mímimo.93
90
“Art. 452-H. No contrato de trabalho intermitente, o empregador efetuará o recolhimento das contribuições
previdenciárias próprias e do empregado e o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal
e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações, observado o disposto no art. 911-
A (Vigência encerrada)
Art. 911-A. O empregador efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do trabalhador e
o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do
cumprimento dessas obrigações. § 1º Os segurados enquadrados como empregados que, no somatório de
remunerações auferidas de um ou mais empregadores no período de um mês, independentemente do tipo de
contrato de trabalho, receberem remuneração inferior ao salário mínimo mensal, poderão recolher ao Regime
Geral de Previdência Social a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal, em
que incidirá a mesma alíquota aplicada à contribuição do trabalhador retida pelo empregador. (Vigência
encerrada)”. 91
“Art. 1º A contribuição previdenciária complementar prevista no § 1º do art. 911-A da Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a ser recolhida pelo segurado
empregado que receber no mês, de um ou mais empregadores, remuneração inferior ao salário mínimo mensal,
será calculada mediante aplicação da alíquota de 8% (oito por cento) sobre a diferença entre a remuneração
recebida e o valor do salário mínimo mensal.” 92
“§ 2º Na hipótese de não ser feito o recolhimento complementar previsto no § 1º, o mês em que a
remuneração total recebida pelo segurado de um ou mais empregadores for menor que o salário mínimo
mensal não será considerado para fins de aquisição e manutenção de qualidade de segurado do Regime Geral
de Previdência Social nem para cumprimento dos períodos de carência para concessão dos benefícios
previdenciários. (Vigência encerrada)”. 93
BRASIL. Instrução Normativa RFB nº 1867, de 25 de janeiro de 2019. Altera a Instrução Normativa RFB
nº 971, de 13 de novembro de 2009, que dispõe sobre normas gerais de tributação previdenciária e de
44
Diversas problemáticas ainda permeiam o contrato de trabalho intermitente, inclusive
acerca da Instrução Normativa em apreço, por determinar o recolhimento com a inclusão do
valor pago a título de férias indenizadas.
No capítulo seguinte, aprofundar-se-á o exame sobre o trabalho intermitente na
Reforma Trabalhista. Por meio das problemáticas já semeadas ao longo do trabalho, pretende-
se, à luz dos tratados internacionais sobre direitos trabalhistas (tanto as Convenções da OIT
quanto demais pactos), perquirir se existe compatibilidade entre o contrato por intermitência e
o ordenamento jurídico internacional.
arrecadação das contribuições sociais destinadas à Previdência Social e das destinadas a outras entidades e
fundos, administradas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. Disponível em:
http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=98303. Acesso em: 20 nov. 2019.
45
4 ANÁLISE DA INCONVENCIONALIDADE DO TRABALHO INTERMITENTE NA
LEI N. 13.467/2017
É lição elementar do Direito Constitucional que as leis infraconstitucionais
obedecem formal e materialmente aos ditames da Constituição Federal, não dispondo de
validade e devendo ser expurgados do ordenamento jurídico pátrio os dispositivos que
contrariem as normas constitucionais. Para tanto, os operadores do direito se valem do
tradicional Controle de Constitucionalidade, tanto na via difusa (exercida em qualquer grau de
jurisdição) quanto na via concentrada (procedida exclusivamente pelo Supremo Tribunal
Federal, guardião da Constituição).
Em relação aos tratados internacionais, entretanto, sobretudo antes da introdução do
§3º ao art. 5ª da CF/88, pairavam ferozes controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais quanto
ao status que gozavam no ordenamento jurídico, e, consequentemente, se poderiam ser
adotadas como parâmetro para aferir a validade de determinada lei infraconstitucional.
No dispositivo em apreço, o constituinte reformador cristalizou que os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais, isto é, passarão a integrar o bloco de
constitucionalidade e funcionarão como critério para examinar a validade de determinado ato
normativo, fortalecendo a discussão sobre a necessidade de harmonia entre as normas
infraconstitucionais e os tratados internacionais, sejam eles convenções, declarações, acordos
ou tratados.
Válido mencionar, todavia, que os únicos tratados com status de emenda
constitucional no Brasil, aprovados mediante o rito procedimental descrito acima, são: o
Tratado de Marraqueche de 2013 e a Convenção de Nova York de 2007.94
Todos os demais,
inclusive as Convenções da OIT ratificadas pelo país, situam-se na zona cinzenta do status de
supralegalidade firmado pelo STF no julgamento histórico do RE 466.343-SP, em que
prevaleceu o voto do Ministro Gilmar Mendes.
94
PLANALTO. Tratados equivalentes a emendas constitucionais. Disponível em:
http://www4.planalto.gov.br/legislacao/portal-legis/internacional/tratados-equivalentes-a-emendas-
constitucionais-1. Acesso em: 13 nov. 2019.
46
Não obstante, para Valerio de Oliveira Mazzuoli os tratados internacionais que
versam sobre direitos humanos, independentemente de terem sido submetidos ao rito do §3º
do art. 5º, possuem estatura de norma constitucional por força do §2º do mesmo dispositivo.95
Ainda conforme preleciona Valério de Oliveira Mazzuoli, o controle de
convencionalidade é a técnica de aferição da compatibilidade entre um tratado internacional
de direitos humanos e determinada legislação interna. O controle de supralegalidade, assim,
apenas seria cabível, ainda que de forma controversa, aos tratados que versem sobre matérias
diversas.96
Nesse sentido, imperioso destacar que as Convenções emanadas pela Organização
Internacional do Trabalho são classificadas como tratados internacionais de direitos humanos.
Ainda que não possam ser classificados como direitos fundamentais, a partir da divisão
efetuada pelo constituinte brasileiro originário, os direitos sociais trabalhistas se enquadram
no conceito de direitos humanos.
Caminhando nesse sentido, André de Carvalho Ramos defende que a Constituição
Federal dividiu os direitos humanos em cinco categorias, sendo elas: direitos e deveres
individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos e partidos
políticos. Desse modo, resta afastada qualquer dúvida de que as Convenções da OIT ou
demais tratados internacionais que versem sobre direitos trabalhistas podem ser enquadrados
como tratados internacionais de direitos humanos, e, assim, atraem o controle de
convencionalidade para expurgar as normas que estejam em sua contrariedade.97
Não por acaso, o artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(DUDH) consagrou o direito ao trabalho, à sua livre escolha, a condições equitativas e
satisfatórias do trabalho e à proteção contra o desemprego. O tratado em apreço dispõe ainda
que todos possuem o direito de auferir o mesmo salário quando realizado o mesmo labor, bem
como o direito ao salário que garanta uma existência em conformidade com a dignidade
humana.98
95
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013. 96
Ibid. 97
RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. 98
“Artigo 23° 1.Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e
satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego. 2.Todos têm direito, sem discriminação alguma, a
salário igual por trabalho igual. 3.Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que
lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por
todos os outros meios de protecção social. 4.Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas
sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.”. OHCHR. Declaração Universal dos
47
Nesse ensejo, surgem inúmeras problemáticas relativas ao contrato de trabalho
intermitente, semeadas ao longo do capítulo anterior. A seguir veremos, ponto a ponto, as
dissonâncias entre a regulamentação do trabalho intermitente na Reforma Trabalhista e os
direitos garantidos pelas Convenções da OIT ratificadas no plano interno, além das garantias
asseguradas em outros tratados internacionais, a fim de aferir a convencionalidade ou não da
legislação que alterou expressivamente as disposições da CLT.
As discussões que cingem o trabalho intermitente giram em torno, notadamente, de
quatro eixos: 1) a instabilidade salarial gerada pela alternância entre períodos de prestação de
serviços e períodos de inatividade; 2) a diluição da remuneração das férias ao final de cada
período de prestação de serviços; 3) a vulnerabilidade quanto aos benefícios previdenciários
nos meses em que o trabalhador é contratado para trabalhar por período inferior a 30 dias, não
alcançando o valor mínimo exigido para que o recolhimento seja reconhecido pelo INSS para
fins de aposentadoria; 4) desaguando, por fim, na violação ao princípio da vedação ao
retrocesso social.
Vale destacar, por oportuno, que a discussão não se esgota nos pontos elencados
acima, sobretudo considerando que se limita aos aspectos legais do trabalho intermitente.
Considerando o teor das Convenções ratificadas e incorporadas ao ordenamento jurídico
brasileiro, entretanto, o presente trabalho se aterá aos eixos a seguir.
4.1 A Convenção n. 95 da OIT e a proteção do salário
As maiores controvérsias relativas ao contrato de trabalho intermitente orbitam em
torno da instabilidade salarial gerada pela alternância entre períodos de prestação de serviços
e de inatividade, não havendo qualquer previsão ou garantia de que, ao final do mês, o
trabalhador receberá algum valor a título de remuneração. Isso porque, como visto, a Lei n.
13.467/2017 trouxe a previsão de que os períodos de inatividade não são considerados tempo
à disposição do empregador, de modo que o salário apenas é devido ao término dos períodos
de prestação de serviços.
Por outro lado, tamanha é a preocupação com a garantia do salário digno e razoável
que esse direito restou consagrado em diversos documentos vigentes no ordenamento jurídico
brasileiro, a começar pela própria Constituição Federal de 1988. Nesse ínterim, o inciso VII
Direitos Humanos. Disponível em:
https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf. Acesso em: 05 nov. 2019.
48
do art. 7º apregoa categoricamente que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais que
possuem remuneração variável a garantia de salário nunca inferior ao mínimo, ao passo que o
inciso IV dispõe que o salário mínimo deve ser suficiente para atender às necessidades vitais
do trabalhador e da sua família.
De antemão, diferentemente do que é argumentado pelos defensores da Reforma
Trabalhista, válido pontuar que a Orientação Jurisprudencial 358 da SDI-1 não se aplica ao
caso do trabalho intermitente. Isso porque, como precisamente pontuado por Godinho, o
contrato por intermitência se amolda ao conceito de “remuneração variável”, utilizado no art.
7º, inciso VII, da CF/88, e não ao conceito de jornada inferior a oito horas diárias e quarenta e
quatro semanais, objeto do entendimento jurisprudencial em apreço.99
Como já examinado no
capítulo 2, a jornada reduzida diz respeito ao trabalho em regime de tempo parcial,
modalidade contratual que não pode ser confundida com o trabalho intermitente.
Não por acaso, é possível que o trabalhador intermitente seja convocado para
cumprir a jornada diária de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, sendo o elemento
característico dessa modalidade contratual tão somente a incerteza da necessidade da
prestação de serviços pelos empregador, e não a redução da jornada de trabalho. Desse modo,
não há que se falar em aplicação da OJ 358 da SDI-1. Pela literalidade do art. 7º, inciso VII,
como o trabalhador intermitente possui remuneração variável, o salário não pode, jamais, ser
inferior ao mínimo vigente.
De igual modo às disposições constitucionais, e como já exposto alhures, a
Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo 23, alçou à estatura de direito
humano o direito à remuneração equitativa e satisfatória, que permita ao trabalhador e ao seu
núcleo familiar viver com dignidade. Ainda que não esteja expresso na redação do referido
dispositivo, basta analisar os tratados internacionais que sucederam a DUDH para perceber
que a compreensão de remuneração satisfatória é bastante relacionada com a fixação de
salário mínimo nacional.
Logo nas cláusulas preambulares da Declaração de Filadélfia, que constitui a carta de
objetivos e princípios da OIT, é reafirmada a necessidade de regulamentação da garantia de
salário que assegure condições de existência convenientes. Também em sua cláusula III
preconiza-se a importância de garantir um “salário vital” aos trabalhadores. Não se pode
perder de vista que a questão salarial é central no Direito do Trabalho desde a Revolução
99
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019.
49
Industrial, visto que, sem a garantia de remuneração, não há como garantir qualquer dignidade
ao trabalhador.
Sedimentando ainda mais a preocupação com a proteção ao salário, a Organização
Internacional do Trabalho possui cinco Convenções que estabeleceram diretrizes aos Estados
membros quanto ao assunto, para além das Recomendações (documentos que, via de regra,
visam complementar as Convenções).
A mais antiga delas é a Convenção n. 26, aprovada pela 11ª reunião da Conferência
Internacional do Trabalho (Genebra – 1928) e incorporada ao ordenamento jurídico interno
por intermédio da promulgação do Decreto n. 41.721, de 25.6.57, com data do início da
vigência fixada em 25 de abril de 1958. O referido tratado se limitou aos critérios para fixação
do salário mínimo aos trabalhadores da indústria, possuindo campo de abrangência deveras
restrito. De todo modo, é interessante observar que ainda no final da década de 1920 a fixação
de salário mínimo já se tratava de assunto relevante perante a comunidade internacional.
Já a Convenção n. 95, amplamente utilizada como critério da constitucionalidade (e
da convencionalidade) do trabalho intermitente, dispõe sobre a proteção do salário em geral.
O referido documento foi aprovado na 32ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho
(Genebra – 1949), um ano após, inclusive, a promulgação da DUDH. Com entrada em vigor
no plano internacional em 24.9.52 e no Brasil em 25.4.1958, introduzida pelo Decreto n.
41.721, a Convenção n. 95 consagra que o salário deve ser justo e razoável, de modo a
garantir o uso pessoal do trabalhador, da sua família e que lhes traga benefícios.
Fortalecendo a discussão sobre o salário mínimo especificamente, dessa vez com
enfoque nos países em desenvolvimento e visando complementar as lacunas da Convenção de
1929, aprovou-se a Convenção n. 131, com vigência nacional desde 4 de maio de 1984
(Decreto n. 89.686, de 22.5.84). Restou consignado em suas disposições que o sistema de
salário mínimo deve abarcar todos os grupos de assalariados, em atenção às condições e às
necessidades do país.
O arcabouço legal acima delineado escancara nitidamente a incompatibilidade entre
o contrato de trabalho intermitente e o ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo à luz das
Convenções da OIT vigentes no país mediante decreto (o que afasta as discussões sobre a
vinculação do Estado brasileiro aos tratados em apreço).
Ora, conforme já demonstrado no capítulo anterior, o regramento do contrato de
trabalho intermitente na CLT prevê que a remuneração do trabalhador será de acordo com os
períodos efetivos de prestação de serviços, alternados com períodos de inatividade, que
podem durar horas, dias, semanas ou até meses. Desse modo, ainda que haja a previsão de que
50
a hora do trabalho não poderá ser inferior à hora do salário mínimo, em relação ao montante
final não existe qualquer garantia de que o trabalhador receberá o mínimo vigente no país.
Para todos os efeitos, o que é determinante para garantir a dignidade do trabalhador é a
remuneração final, que pode ou não garantir a satisfação das suas necessidades e as de sua
família.
Não há qualquer dúvida que não ostenta validade o contrato de trabalho que não
garanta ao trabalhador o recebimento de um salário mínimo, visto que vai de encontro a todas
as Convenções preocupadas em garantir o recebimento de remuneração justa e razoável, apta
a garantir a dignidade do trabalhador. Como se não bastasse, a ausência de garantia de
recebimento do salário mínimo contraria frontalmente o art. 7º, VII, da CF/88: aos
trabalhadores urbanos e rurais que auferem remuneração variável é garantido o recebimento
do salário mínimo.
Se, conforme o DIEESE (Departamento intersindical de estatísticas e estudos
socioeconômicos), o salário mínimo fixado no Brasil atualmente já se revela insuficiente para
prover as necessidades dos trabalhadores brasileiros, mais alarmante ainda é o cenário dos
trabalhadores que sequer possuem a garantia de receber o salário mínimo por mês.100
E mais
uma vez se revela acertado o apontamento de Luciano Vasapollo: as formas atípicas de
emprego aproximam o trabalhador de carteira assinada do trabalhador autônomo. Nos dois
casos, não se sabe quanto o trabalhador receberá ao final do mês.
Caminhando nesse sentido, o relatório da OIT “Non-Standard Employment Around
The World”, divulgado ainda em 2016, as formas flexíveis de trabalho ganharam força nas
economias em desenvolvimento. Por trás do discurso de desburocratização e flexibilização
para gerar mais empregos, reside a insegurança de emprego e rendimentos, o que impõe
severos desafios aos trabalhadores do mundo todo.101
4.2 A Convenção n. 132 e a garantia do gozo de férias remuneradas
Para além da questão salarial, é essencial examinar os percalços vividos pelos
trabalhadores intermitentes no que diz respeito ao gozo das férias remuneradas. Como exposto
no capítulo anterior, a remuneração das férias no contrato de trabalho intermitente é diluída
100
DIEESE. Nota Técnica nº 201. Salário mínimo de 2019 é fixado em R$ 998,00. Disponível em:
https://www.dieese.org.br/notatecnica/2019/notaTec201SalarioMinimo.html. Acesso em: 01 dez. 2019. 101
OIT. Futuro do trabalho no Brasil: perspectivas e diálogos tripartites. Disponível em:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-
brasilia/documents/publication/wcms_626908.pdf. Acesso em: 19 nov. 2019.
51
nas prestações pagas ao término de cada período de prestação de serviços. Desse modo,
quando o trabalhador completar o período aquisitivo de 12 meses, não será possível gozar das
férias remuneradas, visto que toda a remuneração devida já foi paga antecipadamente.
Ocorre que usufruir de férias remuneradas trata-se de direito tão sagrado para o
trabalhador que a Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 7º, XVII, que não só as
férias anuais devem ser remuneradas, como também acompanhadas de um terço a mais do que
o salário normal. Outrossim, o artigo 129 da Consolidação das Leis do Trabalho reafirma que
é direito do empregado gozar anualmente de um período de férias, sem prejuízo da
remuneração.
No plano internacional, a Convenção n. 132 da Organização Internacional do
Trabalho de 1970, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto n. 3.197, de 5
de outubro de 1999, assevera que todos os empregados, com exceção dos marítimos, possuem
direito a férias anuais remuneradas de duração mínima determinada. Imperioso destacar que,
para além da ponderação em relação aos marítimos, não há qualquer outra exceção no bojo do
tratado em apreço, demonstrando a preocupação em garantir que o trabalhador desfrute
adequadamente do período remunerado de descanso.
A Convenção n. 132, inclusive, é a mais aplicada pelos Tribunais Regionais do
Trabalho (dos vinte e quatro, dezessete mencionam o tratado em apreço nas suas decisões). Já
é pacífico o entendimento de que as disposições da CLT são mais benéficas para o trabalhador
em relação ao período aquisitivo e ao período de férias em si, visto que garantem trinta dias
de férias (em detrimento dos vinte e um dias mais feriados previstos na Convenção em
apreço), e o período aquisitivo é de doze meses em vez de dezoito. No restante, prevalecem as
cláusulas convencionais.102
Para todos os efeitos, tanto na Convenção n. 132 quanto na CLT,
bem como na Constituição, é categoricamente consagrado o direito a férias remuneradas.
Não se pode perder de vista que o trabalho implica o dispêndio físico e intelectual, de
modo que o descanso remunerado permite que o trabalhador reponha as suas forças e
energias, realize atividades extralaborais, se integre no seio familiar e social, desfrute de
eventos culturais, pratique esportes, atividades de lazer, e, tudo isso, sem se preocupar com o
equilíbrio financeiro. No caso do trabalhador intermitente, as férias deixam de ser um
momento de descanso e trazem ainda mais preocupações, visto que o trabalhador não estará
102
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira; FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Incorporação e aplicação das
Convenções Internacionais da OIT no Brasil. Revista de Direito do Trabalho: São Paulo, v. 167, n. 42, p.
169-182, jan./fev. 2016. Disponível em:
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/89797/2016_mazzuoli_valerio_incorporacao_aplica
cao.pdf?sequence=1. Acesso em: 05 nov. 2019.
52
exercendo qualquer atividade remunerativa nesse período, o que é flagrantemente
inconstitucional e inconvencional.103
Para além disso, torna-se incerto até mesmo o período aquisitivo do trabalhador
intermitente, na medida que não cumpre jornadas de trabalho contínuas, mas, ao mesmo
tempo, pode prestar serviços simultaneamente para mais de um empregador.
Desse modo, não resta qualquer dúvida de que o contrato de trabalho intermitente
deve também ser considerado materialmente inconvencional pela violação ao direito humano
de usufruir de férias anuais remuneradas.
4.3 A Convenção n. 102 e as garantias mínimas de Previdência Social
Como se já não bastasse a instabilidade salarial e a inexistência de gozo de férias
remuneradas, o trabalhador intermitente também enfrenta sérios impasses relativos às
contribuições previdenciárias e seus efeitos. Isso porque, como é cediço, a alíquota incidente
sobre a remuneração para o recolhimento mensal junto ao INSS varia entre 8 a 11%, a
depender do valor do salário. Considerando o salário mínimo, por ser a realidade da maioria
dos brasileiros, é necessário, portanto, que o recolhimento seja de 8% sobre o valor do salário
mínimo.
Ocorre que, diante de contrato de trabalho intermitente, por força do disposto no art.
452-A da CLT, o empregador possui o dever de recolher as contribuições previdenciárias com
base na remuneração paga ao término da prestação daquele serviço. Desse modo, não raro, o
recolhimento não alcança a alíquota de 8% e deixa o trabalhador numa situação de incertezas
e receios, também chamado de “limbo previdenciário”104
.
Na Itália, por exemplo, país em que a previsão legal quanto aos recolhimentos
previdenciários é deveras semelhante em relação ao Brasil, os dados estatísticos apontam que
os trabalhadores intermitentes laboraram em média apenas 10 dias por mês no primeiro
103
NOGUEIRA, Eliana dos Santos Alves. O contrato de trabalho intermitente na Reforma Trabalhista brasileira:
contraponto com o modelo italiano. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 51, 2017.
Disponível em:
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/125435/2017_nogueira_eliana_contrato_trabalho.pd
f?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 05 nov. 2019. 104
“[...]Surgiu uma classe de contribuintes desprotegidos do sistema formando o chamado ―limbo
previdenciário‖, isto é: uma categoria de segurados que estão sendo sistematicamente abandonados à própria
sorte, situando-se à margem da proteção social, apesar de verterem contribuições ao sistema e possuírem
carência para acessar os benefícios por incapacidade.”. Cf. PANCOTTI, Luiz Gustavo Boiam; PANCOTTI,
Heloísa Helena Silva. A reforma trabalhista e seus reflexos no limbo previdenciário. Revista Aporia Jurídica
(on-line), v. 1, n. 8, p. 276-294, jul./dez. 2017. Disponível em:
http://www.cescage.com.br/revistas/index.php/aporiajuridica/article/view/117/114. Acesso em: 05 nov. 2019.
53
trimestre de 2017. Dessa forma, o trabalho intermitente desemboca tanto em trabalhadores
quanto em aposentados pobres, que recebem aposentadoria correspondente a
aproximadamente 30% do salário médio.105
A MP 808/17, cujo teor foi repetido pela Instrução Normativa também exposta,
repassou para o trabalhador o ônus de complementar a diferença entre o recolhimento feito
sobre a remuneração que recebeu naquele período e o recolhimento sobre o salário mínimo
vigente no país. Naturalmente, diante de modalidade de trabalho em que os trabalhadores
sequer possuem a garantia de receber o salário mínimo mensal, comprometendo
expressivamente o planejamento financeiro, é deveras oneroso (e burocrático) ao trabalhador
a previsão de complementação para que o período seja computado no tempo de serviço para
fins de aposentadoria.
Isso sem falar nos demais benefícios previdenciários, como o auxílio doença e a
aposentadoria por invalidez, que possuem, como um de seus requisitos para a concessão, a
qualidade de segurado. O contrato de trabalho intermitente, desse modo, além de desprover o
trabalhador da garantia de salário mínimo e de férias anuais remuneradas, também lhe retira a
perspectiva de aposentadoria e o respaldo em caso de acidentes de trabalho ou de doenças de
que foi acometido.106
Como precisamente pontuado por Pancotti, o contrato de trabalho intermitente
aumenta a quantidade de trabalhadores presos no limbo previdenciário, dado que recebem
valores tão ínfimos que sequer alcançam o patamar mínimo do recolhimento previdenciário.
Como reflexo necessário desse cenário, tanto haverá o comprometimento de todo o sistema de
105
NOGUEIRA, Eliana dos Santos Alves. O contrato de trabalho intermitente na Reforma Trabalhista brasileira:
contraponto com o modelo italiano. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 51, 2017.
Disponível em:
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/125435/2017_nogueira_eliana_contrato_trabalho.pd
f?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 05 nov. 2019. 106
“Nesse diapasão, o contrato de trabalho intermitente, além de criar uma mazela presente, pois não garante
nem trabalho e nem salário, também gerará uma mazela futura, de uma geração que talvez não consiga se
aposentar por tempo de contribuição, ou, caso consiga, tenha proventos equivalentes ao salário mínimo.”. Cf.
FARIAS, Leandro Pompermayer. Análise crítica sobre o trabalho intermitente. Revista JuRES, v.11, n. 20,
2018. Disponível em: http://periodicos.estacio.br/index.php/juresvitoria/article/viewFile/6296/47965442.
Acesso em: 05 nov. 2019.
54
previdência social brasileiro107
, como também o consequente empobrecimento da
população.108
A ampliação da cobertura da seguridade social, por outro lado, é um dos objetivos da
OIT. A Convenção n. 102, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 269, de 19.09.2008, do
Congresso Nacional, institui aos Estados membros o dever de assegurar benefícios
previdenciários como o auxílio-doença, seguro-desemprego, aposentadoria por idade,
aposentadoria por invalidez, dentre outros.
A partir da discussão acima traçada, patente que o Brasil, com o advento da Lei n.
13.467/2017, encontra-se em rota de colisão com as previsões da Convenção em apreço, dado
que vulnerabiliza o acesso do trabalhador intermitente aos benefícios previdenciários.
4.4 O princípio da vedação ao retrocesso social
As violações aos direitos humanos de garantia de salário digno e razoável, de férias
anuais remuneradas e de acesso aos benefícios previdenciários confluem na agressão ao
princípio que rege a arquitetura jurídico-trabalhista internacional: o princípio da vedação ao
retrocesso social. A tutela estatal dos direitos sociais deve ser progressiva, ampliativa, em
observância à irreversibilidade das leis concessivas de direitos sociais, uma vez que não é
autorizado o retorno a patamar civilizatório inferior ao já existente.109
Nesse sentido, a Declaração de Filadélfia assentou, ainda nas cláusulas preambulares,
a urgente necessidade de melhorar as condições de trabalho, seja por meio da regulamentação
das horas de trabalho, com a fixação de uma jornada diária e semanal máxima, a garantia de
um salário que viabilize a existência digna, a proteção do trabalhador contra moléstias graves
ou profissionais e acidentes de trabalho, dentre outros. Para tanto, os Estados membros
assumem o compromisso de regulamentar o trabalho sempre na perspectiva de ampliar os
horizontes da proteção aos trabalhadores, jamais em sentido contrário.
107
“[...] Estamos diante do surgimento dos excluídos da Previdência, uma classe que não se disporá a contribuir
para financiar a aposentadoria da geração seguinte, quebrando o paradigma da intergeracionalidade,
ameaçando de morte a saúde do Sistema de Previdência Social no país.”. Cf. PANCOTTI, Luiz Gustavo
Boiam; PANCOTTI, Heloísa Helena Silva. A reforma trabalhista e seus reflexos no limbo previdenciário.
Revista Aporia Jurídica (on-line), v. 1, n. 8, p. 276-294, jul./dez. 2017. Disponível em:
http://www.cescage.com.br/revistas/index.php/aporiajuridica/article/view/117/114. Acesso em: 05 nov. 2019. 108
Ibid. 109
LIMA, Gustavo Galassi; COSTA, Mariana Ozaki Marra da. A Reforma Trabalhista e o princípio da vedação
ao retrocesso social: impactos do parágrafo único do art. 611-B da CLT sobre os trabalhadores. REDUnB,
Brasília, n. 15, p. 285-294. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/redunb/article/view/22432.
Acesso em: 18 nov. 2019.
55
Partindo das premissas já firmadas nesse capítulo, de que o contrato de trabalho
intermitente é materialmente inconvencional por não garantir aos empregados pelo menos a
remuneração no patamar mínimo vigente no país, por precarizar o acesso aos benefícios
previdenciários e por colocar em xeque o gozo das férias anuais remuneradas, não há outra
interpretação cabível senão a de que o trabalho intermitente representa um retrocesso social
no ordenamento jurídico brasileiro.
Para Mazzuoli e Molina, em sentido contrário, a Reforma Trabalhista não caracteriza
completo retrocesso social por não ter afetado o núcleo essencial dos direitos fundamentais,
mas tão somente ter reconfigurado determinados institutos do Direito do Trabalho.110
Ocorre
que o conteúdo das Convenções n. 95, 102 e 132 restou completamente esvaziado.
Ora, aos signatários é atribuída a incumbência de garantir cada vez mais aos
trabalhadores um salário digno. O respaldo legal a uma modalidade contratual em que o
trabalhador pode, até mesmo, não receber nenhum valor durante meses é flagrantemente
incompatível com o arcabouço jurídico da OIT. Do mesmo modo, as discussões sobre as
férias devem ser no sentido, por exemplo, de aumentar a quantidade de dias de descanso ou
até mesmo de ampliar o valor pago a título de indenização, mas jamais de tornar o trabalhador
mais vulnerável, que recebe as parcelas de forma diluída ao término de cada período de
prestação de serviços.
Retomando as reflexões do Capítulo 1, o contrato de trabalho intermitente aproxima
as condições de trabalho da realidade dos primeiros anos do capitalismo, rompendo com a
lógica fordista de instabilidade, de intervenção do Estado e de garantia de muitos direitos
trabalhistas. Em outras palavras, o retrocesso social nada mais é do que a inflexão na proteção
aos direitos trabalhistas. Ao regulamentar o contrato de trabalho intermitente na Lei n.
13.467/2017, o Brasil se distancia ainda mais de concretizar o conceito de trabalho decente,
na medida que esse é intrinsecamente relacionado com a erradicação da pobreza, a redução
das desigualdades sociais e com a remuneração adequada do trabalho produtivo.111
110
MOLINA, André Arújo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle de convencionalidade da Reforma
Trabalhista. Revista Dat@venia, v. 9, n. 1, jan./abr. 2017, p. 34-49. Disponível em:
http://revista.uepb.edu.br/index.php/datavenia/article/download/4161-12622-1/2430. Acesso em: 19 nov. 2019. 111
FÉLIX, Ynes da Silva; AMORIM, Antônio Leonardo. Trabalho decente e trabalho digno: normas
internacionais que vedam o retrocesso do Direito do Trabalho. Revista Percurso, Curitiba, v. 3, n. 26, 2018, p.
128-147. Disponível em: http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/percurso/article/view/3138/371371670.
Acesso em: 18 nov. 2019.
56
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contrato intermitente descaracteriza não somente a compreensão do trabalho
concreto em Karl Marx, mas esvazia também a noção de trabalho decente consagrada pela
OIT e rompe com os moldes tradicionais do trabalho delineados na CLT.
Como visto, o trabalho intermitente foi introduzido no ordenamento jurídico
brasileiro por intermédio da Lei n. 13.467/2017. Após o apanhado teórico sobre as formas de
organização do trabalho, é possível depreender que a Reforma Trabalhista não se trata de
fenômeno isolado, mas, na verdade, situa-se no contexto do regime de acumulação flexível
próprio do regime toyotista.
É essencial ter isso em mente para não retirar conclusões precipitadas sobre as
formas de superação da tendência de precarização das relações do trabalho. Partindo da
compreensão do trabalho abstrato, já exaustivamente delineada, o trabalho sob as leis do
sistema capitalista é por si só precário, visto que construído, sobretudo, para gerar valor de
troca, distanciando-se da dimensão do trabalho necessária para a dignificação humana. Assim,
a única forma de superar completamente o caráter precário (e a tendência de precarização) do
trabalho é a superação do próprio sistema capitalista.
De todo modo, é importante observar as formas de amenizar os impactos sofridos
pela classe trabalhadora a curto prazo. Nesse ínterim, dois são os instrumentos jurídico-
institucionais adequados para controlar as violações aos direitos humanos decorrentes do
contrato de trabalho intermitente: o controle de constitucionalidade e o controle de
convencionalidade.
Isso porque a CLT deve obediência formal e material tanto aos ditames
constitucionais quanto aos tratados internacionais de direitos humanos. Ora, os direitos
trabalhistas, agasalhados constitucionalmente sob a terminologia de “direitos sociais”, são
alcançados também pelo raio de proteção do ordenamento jurídico internacional, a começar
pela própria Declaração Universal de Direitos Humanos que consagra o trabalho digno e a
remuneração adequada como direitos do homem.
Analisando especificamente a normatividade da Organização Internacional do
Trabalho, por intermédio, sobretudo, das Convenções n. 95, 102 e 132, é nítido que as
alterações promovidas pela Reforma Trabalhista na CLT são dissonantes em relação à malha
de direitos trabalhistas conquistados sob a árdua luta da classe trabalhadora.
Ao condicionar a remuneração do trabalhador aos períodos de prestação de serviços,
o legislador deixou o empregado em situação extremamente vulnerável. Partindo da
57
característica principal do trabalho intermitente, isto é, a alternância entre períodos de
inatividade e de prestação de serviços, observou-se tormentosa celeuma quanto à ausência de
remuneração nos períodos em que não há convocação pelo empregador, como também pela
insuficiência do salário pago quando o trabalhador é convocado para período inferior a 30
(trinta) dias.
O impasse reflete tanto nas verbas salariais, quanto no direito de gozar de férias
anuais remuneradas e no acesso aos benefícios da previdência social. Não tardará para que o
Brasil apresente os mesmos resultados socialmente desastrosos que a Inglaterra e a Itália.
Como visto, na Inglaterra os trabalhadores intermitentes recebem, em média, 35% a menos
que os trabalhadores contratados por tempo indeterminado e com prestação contínua de
serviços.
Já na Itália, os reflexos na aposentadoria dos trabalhadores intermitentes são
desumanos e indignos: recebem o correspondente a 30% da remuneração padrão. Ora, se no
Brasil a previsão quanto às contribuições previdenciárias é a mesma, ou seja, o ônus de
complementar o recolhimento para que alcance o patamar mínimo recai sobre o trabalhador,
não há qualquer razão para acreditar que os resultados serão diferentes.
Na verdade, considerando que o Brasil é um país com economia em
desenvolvimento, deveras atrasado em relação às transformações do trabalho que ainda na
década de 1950 já haviam sido implementadas na fábrica Toyota do Japão, é ainda mais
preocupante os efeitos da contratação na modalidade intermitente.
A flexibilização dos direitos trabalhistas, como demonstrado em comparação com as
experiências vivenciadas em outros países, não gera empregos nem melhora os índices da
economia. O único resultado é a formação de um contingente de trabalhadores sem direitos,
vivendo como verdadeiros trabalhadores autônomos (em que pese possuam carteira assinada).
Ou seja, o trajeto fordista para o pleno emprego sofreu desvios no meio do caminho para
transformar o empregado em trabalhador permanentemente temporário.
Decorridos dois anos a contar da vigência da Reforma Trabalhista, a expectativa de
que a “modernização” dos direitos trabalhistas iria gerar empregos e promover o crescimento
da economia brasileira não se concretizou. Conforme demonstrado, os números de vagas de
emprego registrados pelo CAGED representam pouco mais da metade dos números projetos
pelos defensores da Lei n. 13.467/2017, e trazem dados preocupantes quanto ao trabalho
intermitente.
Desse modo, não se pode fechar os olhos para a realidade. Um a cada seis
trabalhadores empregados desde novembro de 2017 até julho de 2019 foi contratado na
58
modalidade intermitente, ou seja, sem garantia de recebimento de salário mensalmente, e,
quando ocorre, sob os riscos de que não atinja o patamar do salário mínimo vigente no país,
sem férias anuais remuneradas, sem o recolhimento previdenciário suficiente para garantir a
qualidade de segurado e o cômputo do tempo de serviço para fins de aposentadoria.
Isto é, o contrato de trabalho intermitente cria vagas de falsos empregos, na medida
em que forja a figura do empregado sem garantia de salário, sem férias anuais remuneradas e
sem acesso aos benefícios previdenciários. Na verdade, um trabalho sem a garantia mínima
dos direitos trabalhistas sequer pode ser chamado de emprego.
Visto que o Brasil assumiu compromisso internacional ao assinar, ratificar e
promulgar via decreto as Convenções n. 95, 102 e 132 da OIT, não há outra alternativa senão
expurgar do ordenamento jurídico brasileiro os arts. 443, caput e §3º, e 443-A da CLT.
59
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