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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE DIREITO JÉSSICA MACÊDO FILGUEIRA DE FREITAS A REFORMA TRABALHISTA E A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO: ANÁLISE DA (IN)CONVENCIONALIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE NA LEI 13.467/2017 NATAL 2019

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE DIREITO

JÉSSICA MACÊDO FILGUEIRA DE FREITAS

A REFORMA TRABALHISTA E A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE

TRABALHO: ANÁLISE DA (IN)CONVENCIONALIDADE DO CONTRATO DE

TRABALHO INTERMITENTE NA LEI 13.467/2017

NATAL

2019

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JÉSSICA MACÊDO FILGUEIRA DE FREITAS

A REFORMA TRABALHISTA E A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE

TRABALHO: ANÁLISE DA (IN)CONVENCIONALIDADE DO CONTRATO DE

TRABALHO INTERMITENTE NA LEI 13.467/2017

Monografia apresentada ao curso de graduação

em Direito, da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, como requisito parcial à

obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Dra. Yara Maria Pereira

Gurgel.

NATAL

2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas – CCSA

Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/404

Freitas, Jessica Macedo Filgueira de.

A Reforma Trabalhista e a precarização das relações de trabalho: análise da

(in)convencionalidade do contrato de trabalho intermitente na Lei 13.467/2017 /

Jessica Macedo Filgueira de Freitas. - 2019.

64f.: il.

Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Direito, Natal, RN,

2019.

Orientadora: Profa. Dra. Yara Maria Pereira Gurgel.

1. Direito do trabalho - Monografia. 2. Reforma trabalhista - Monografia. 3.

Contrato de trabalho intermitente - Monografia. 4. Legislação trabalhista -

Monografia. I. Gurgel, Yara Maria Pereira. II. Título.

RN/UF/CCSA CDU 349.2

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Trabalhadores do mundo todo, uni-vos!

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AGRADECIMENTOS

A minha jornada no curso de Direito da UFRN não foi nada fácil. “Mulher”, “pobre”

e “lésbica” são atributos pessoais cruelmente desfavoráveis em um ambiente tão excludente e

opressor. Sem sombra de dúvidas, a principal fonte de forças para que eu continuasse

caminhando, mesmo após incontáveis quedas, foi a minha família: não poderia fazê-los perder

as esperanças de que eu fosse a primeira pessoa da família a se formar numa universidade

pública.

Cresci ouvindo a minha mãe dizer que eu deveria me tornar aquilo que ela sempre

sonhou, mas não conseguiu ser. Impossível não encher os olhos de lágrimas ao me lembrar

das reações dos meus pais quando souberam de cada êxito logrado ao longo da graduação:

“esta foi a melhor notícia do ano”, disse o meu pai ao saber da minha aprovação na OAB,

seguido de um abraço apertado de quem tem tantos motivos para chorar.

Em cada objetivo acadêmico ou profissional alcançado há marcas do esforço da

minha família. Mesmo aos trancos e barrancos, meus pais sempre deram o máximo de si para

que eu tivesse acesso à educação de qualidade, e essa é uma dívida que eu jamais conseguirei

pagar. Lembro-me até hoje do meu pai me ensinando a ler e a escrever em casa, com a

impaciência e a determinação que lhes são características, somado ao incansável incentivo à

leitura por parte da minha mãe.

Isso sem falar nas discussões sobre política, que aguçaram o meu senso crítico sobre

a sociedade. Curiosamente, ainda que durante a infância eu sequer tivesse pretensão de

ingressar no curso de Direito, meu pai costumava me chamar de “advogada” quando eu batia

o pé sobre as injustiças do mundo.

E é com esse sentimento que encaro o meu futuro. O que me move é a possibilidade

de contribuir de alguma forma para a sociedade. Embora reconheça as profundas limitações

do Direito, pretendo dedicar todo o meu esforço e me aperfeiçoar cada vez mais para dar

assistência jurídica àqueles que propositadamente são mantidos longe da Justiça: pessoas

como a minha família.

Para além dos meus pais, não posso deixar de reconhecer o papel fundamental dos

meus educadores.

Às minhas professoras e aos meus professores dos “jardins”, do ensino fundamental

e do ensino médio: vocês colocaram os primeiros tijolinhos na minha escadinha da

aprendizagem. Dedico, principalmente, aos professores Admilson Santa Cruz, Adailton

Figueiredo, Josivan Monte, Cláudio Custódio e Alberto Cesar do Nascimento este trabalho

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sobre as condições de precarização da classe trabalhadora. Não tenho dúvidas de que as

sementes plantadas ainda no seio escolar germinaram na consciência política presente nesse

TCC.

Agradeço imensamente a Fabiana Mota, Jahyr-Philippe Bichara, Mariana de

Siqueira, Ana Beatriz Presgrave, Marcus Aurélio de Freitas Barros, Marco Bruno Miranda

Clementino, Zéu Palmeira Sobrinho, Ana Patrícia Dias Sales, Cristina Foroni Consani e Paulo

Filho por todos os ensinamentos jurídicos e sociológicos compartilhados.

De forma ainda mais especial, agradeço à minha orientadora, Yara Maria Pereira

Gurgel, por me acompanhar nas pesquisas sobre essa temática de tamanha relevância social, e

a Xisto Tiago de Medeiros Neto e Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro, por

aceitarem avaliar e contribuir ao meu trabalho. É uma honra imensurável finalizar essa

jornada com profissionais tão inspiradores e competentes da área trabalhista.

Aos meus amigos de graduação pelo compartilhamento dos sorrisos e das lágrimas.

À Simulação de Organizações Internacionais (SOI) por todo o crescimento acadêmico e

pessoal proporcionado ao longo dos últimos três anos.

E, por fim, mas não menos importante: minha companheira de vida, Brenda da Silva,

pelo apoio incondicional dado, por não me deixar desistir, por erguer a minha cabeça quando

necessário e por lembrar diariamente que eu era capaz de enfrentar todos os obstáculos

colocados na minha vida durante os últimos dois anos. E não foram poucos. Estivemos juntas

durante os momentos difíceis, e estaremos ainda mais juntas agora para comemorar o

encerramento desse ciclo. Te amo!

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O operário sabe que, se hoje possui alguma coisa, não depende dele

conservá-la amanhã; sabe que o menor suspiro, o mais simples

capricho do patrão, qualquer conjuntura comercial desfavorável

podem lançá-lo no turbilhão do qual momentaneamente escapou e no

qual é difícil, quase impossível, manter-se à tona. Sabe que se hoje

tem meios para sobreviver, pode não os ter amanhã.

Friedrich Engels

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RESUMO

O presente estudo possui o escopo de examinar a incompatibilidade entre o regramento do

contrato de trabalho intermitente na Lei n. 13.467/2017 e o arcabouço jurídico da OIT,

notadamente à luz das Convenções n. 95, 102 e 132, incorporadas ao ordenamento jurídico

brasileiro mediante promulgação de decreto. Por meio da pesquisa bibliográfica e da análise

da legislação trabalhista, utilizando o método dedutivo, restou demonstrado que o trabalho

intermitente esvazia ainda mais a noção de trabalho concreto sustentada por Karl Marx,

descaracteriza a noção de trabalho decente consagrada pela OIT e rompe com os moldes

tradicionais do trabalho delineados na CLT. Isso porque, com fulcro no art. 443, caput e §3º, e

no art. 452-A da CLT, o contrato de trabalho intermitente é caracterizado pela alternância

entre períodos de prestação de serviços e de inatividade, que podem alcançar horas, dias,

semanas ou meses. Em outras palavras, o trabalhador não possui previsão de quando será

convocado pelo empregador, gerando instabilidade salarial, incerteza sobre o gozo das férias

remuneradas (cujas parcelas são diluídas ao término de cada período de prestação de serviços)

e precariedade do acesso aos benefícios previdenciários (diante da previsão de que o

trabalhador deve complementar o recolhimento nos meses em que a remuneração seja inferior

ao salário mínimo vigente), ferindo direitos humanos consagrados tanto nos tratados

internacionais ratificados internamente quanto na própria Constituição Federal. Desse modo, à

guisa de considerações finais, conclui-se pela inconvencionalidade material do contrato de

trabalho intermitente, não havendo outra alternativa senão expurgar esses dispositivos do

ordenamento jurídico brasileiro.

Palavras-chave: Lei n. 13.467/2017. Contrato de Trabalho Intermitente. Inconvencionalidade

material.

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ABSTRACT

The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent

employment contract rule in Law nº 13,467 / 2017 and the legal framework of the ILO,

notably in the light of Conventions nº 95, 102 and 132, incorporated into the Brazilian legal

system by the enactment of a decree. Through the literature review and analysis of labor

legislation, using the deductive method, it was demonstrated that intermittent work empties,

even further, the notion of concrete labor sustained by Karl Marx, mischaracterizes the notion

of decent work enshrined by the ILO and breaks the traditional molds of labor outlined by

Brazil's Workers Law Consolidation. This is because, with the fulcrum in art. 443, and §3,

and in art. 452-A of the CLT, the intermittent employment contract is characterized by

alternation between periods of service and inactivity, which may reach hours, days, weeks, or

months. In other words, the worker has no forecast of when he will be called by the employer,

causing wage instability, uncertainty about the enjoyment of paid vacations (whose

installments are diluted at the end of each service period) and poor access to social security

benefits ( due to the provision that the worker should complement the payment in the months

when the remuneration is lower than the current minimum wage), injuring human rights

enshrined in both internationally ratified treaties and the Federal Constitution itself. Thus, by

the final considerations, it is concluded that the intermittent employment contract is materially

anti-conventional, and there is no alternative but to purge these provisions of the Brazilian

legal system.

Keywords: Law nº 13.467/2017. Intermittent employment contract. Material anti-

conventionality.

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LISTA DE SIGLAS

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

IN Instrução Normativa

MP Medida Provisória

NOS Office for National Statistics

OIT Organização Internacional do Trabalho

RE Recurso Extraordinário

SDI-1 Subseção I Especializada em Dissídios Individuais

STF Supremo Tribunal Federal

TST Tribunal Superior do Trabalho

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SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 11

2 AS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO DIANTE DAS CRISES DO

CAPITAL

14

2.1 A compreensão do trabalho em Karl Marx: trabalho concreto e trabalho

abstrato

20

2.2 Reestruturação produtiva e flexibilização dos direitos trabalhistas 24

3

3.1

3.2

3.2.1

3.2.2

3.2.3

O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE

A regulamentação do trabalho intermitente no Direito Estrangeiro

A Reforma Trabalhista no Brasil

Conceituação do trabalho intermitente

Convocação, multa e pagamento das verbas

Contribuições previdenciárias

32

33

37

38

40

42

4

4.1

4.2

4.3

4.4

ANÁLISE DA INCONVENCIONALIDADE DO TRABALHO

INTERMITENTE NA LEI N. 13.467/2017

A Convenção n. 95 da OIT e a proteção do salário

A Convenção n. 132 e a garantia do gozo de férias remuneradas

A Convenção n. 102 e as garantias mínimas de Previdência Social

O princípio da vedação ao retrocesso social

45

47

50

52

54

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 56

REFERÊNCIAS 60

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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Muitos são os desafios enfrentados pela classe trabalhadora desde o surgimento do

capitalismo nas fábricas da primeira Revolução Industrial. A partir de então, o sentido do

trabalho enquanto transformação da natureza pelo homem, que, nessa relação metabólica,

transforma a si mesmo, esmoreceu lentamente e cedeu espaço paulatinamente ao trabalho

alienado, estranhado ou objetivado. Nessa dimensão, o trabalhador não mais identifica as suas

subjetividades nem no processo de produção nem no produto em si, tornando-se mais uma

engrenagem do sistema, que, por sua vez, se importa tão somente com a produção de valor de

troca, sendo indiferente em relação às particularidades dos trabalhadores.

Com o advento das crises cíclicas do capital, o modelo de organização de trabalho é

constantemente revisto para que possa se amoldar às novas exigências do sistema. Nesse

caminhar, os direitos trabalhistas são protegidos ou precarizados à mercê dos interesses dos

detentores do capital. No contexto das crises do petróleo na década de 1970, o esgotamento do

modelo fordista implicou o rompimento paulatino com o modelo de trabalho contínuo e por

tempo indeterminado, sendo “flexibilização” e “modernização” as novas palavras de ordem,

em detrimento da proteção aos direitos trabalhistas conquistados sob árduas lutas da classe

trabalhadora.

A aprovação da Lei n. 13.467/2017, representação paradigmática da reestruturação

produtiva toyotista no Brasil, trouxe à tona inúmeras discussões sobre a precarização das

relações de trabalho, sendo essencial compreender o caminho percorrido que desembocou no

contexto em que se insere as mudanças promovidas pela Reforma Trabalhista. Desse modo, o

objetivo geral do presente estudo é analisar as transformações do trabalho na conjuntura

neoliberal, a flexibilização dos direitos trabalhistas e a regulamentação de formas atípicas de

emprego no ordenamento jurídico brasileiro.

Para tanto, no Capítulo 1 será abordado justamente o sentido do trabalho nas

diferentes formas de organização societal, notadamente no sistema capitalista, em que,

conforme Marx, o labor assume duas dimensões: trabalho abstrato e trabalho concreto. Para

compreender a Reforma Trabalhista, é necessário também perpassar pela transição do sistema

fordista (que consagrou o trabalho nos moldes tradicionais, com o limite máximo de jornada

de trabalho, férias remuneradas, dentre outros direitos) para o sistema toyotista, que flexibiliza

todas essa gama de garantias sob o argumento de geração de empregos e crescimento da

economia.

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Nesse cenário, inúmeros questionamentos surgem acerca da categoria trabalho: a

tendência de flexibilização dos direitos trabalhistas leva ao fim do trabalho estável e por

tempo indeterminado? A Reforma Trabalhista é um projeto isolado em relação aos demais

países? Quais os rumos que o regime toyotista irá imprimir em relação aos trabalhadores?

Como chegamos a esse ponto? Ele é muito diferente do que vivenciamos nos primórdios do

capitalismo? Como superar as violações aos direitos trabalhistas?

Para enfrentar essas questões, será utilizada a pesquisa bibliográfica, a partir do

método dedutivo, resgatando os clássicos da Sociologia e estudiosos marxistas do trabalho.

Do conjunto das formas atípicas de emprego introduzidas pela Lei n. 13.467/2017,

objetiva-se estudar especificamente a regulamentação do trabalho intermitente no Brasil.

Assim, no capítulo 2, afunila-se a problemática para o contrato de trabalho

intermitente. Inicialmente, por se tratar de uma nova modalidade trabalhista no Brasil,

pretende-se analisar como o instituto é regulamentado em outros países, a saber: Espanha,

Portugal, Itália e Inglaterra, onde é empregado o paradigmático contrato “zero hora”. A partir

dos aspectos legais e dos dados estatísticos relativos ao trabalho intermitente nesses Estados,

que já vivenciaram por mais tempo os seus impactos sociais, e considerando as

circunstanciais sociais, econômicas e políticas do Brasil, pretende-se observar se o discurso de

que o trabalho intermitente não gera precarização merece ou não prosperar.

Enquanto as quatro ADIs propostas questionando a validade constitucional do

trabalho intermitente restam pendentes de julgamento no STF, a 4ª Turma do Tribunal

Superior do Trabalho – TST, em voto de relatoria do Ministro Ives Gandra Martins Filho,

reputou válida a modalidade contratual de trabalho intermitente, afastando o fundamento de

que o trabalho intermitente gera precarização e asseverando que, na verdade, garante

segurança jurídica aos empregadores e aos empregados, que antes se encontravam

trabalhando na informalidade.

Naturalmente, essa decisão é passível de críticas e fomenta ainda mais os

questionamentos que orbitam o contrato de trabalho intermitente, que serão melhores

desenvolvidos ao longo desse trabalho.

Para tanto, será dissecado o regramento dado ao trabalho intermitente pelos artigos

443, caput e §3º, e 452-A da CLT, examinando a sua definição legal, os aspectos relativos à

convocação, pagamento de multa e a remuneração devida ao término do período de prestação

de serviços, bem como a omissa regulamentação dada às contribuições previdenciárias.

Observando que, desde que a Reforma Trabalhista entrou em vigor, são expressivos

os dados relativos ao contrato intermitente no Brasil, bem como que a análise do texto legal

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traz à tona diversas problemáticas relativas a violações de direitos humanos, revela-se

indispensável analisar a compatibilidade entre os dispositivos que regulamentam o trabalho

intermitente com os tratados internacionais que versam sobre os direitos trabalhistas,

notadamente as Convenções da OIT incorporadas no ordenamento jurídico brasileiro por meio

da promulgação de decretos.

Assim, para examinar a validade dos dispositivos que regulamentam o contrato de

trabalho intermitente, desaguaremos no Capítulo 3. À luz das Convenções n. 95, 132 e 102,

bem como do princípio da vedação ao retrocesso social, será realizado o controle de

convencionalidade do art. 443, caput e §3º, e do art. 452-A da CLT, ambos modificados e

introduzidos pela Reforma Trabalhista.

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2 AS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO DIANTE DAS CRISES DO CAPITAL

Antes de mergulhar nas discussões sobre a Reforma Trabalhista e, mais

especificamente, sobre as formas atípicas de emprego que a Lei n. 13.467/2017 introduziu no

ordenamento jurídico brasileiro, com enfoque no trabalho intermitente, é indispensável traçar

um apanhado histórico e teórico sobre a categoria trabalho nas diferentes formas de

organização societal. Ora, para que se possa refletir sobre a precarização do trabalho, é

necessário, preliminarmente, entender o que significa o trabalho em si, tanto na sua dimensão

concreta quanto na sua dimensão abstrata.

Com efeito, não se pode perder de vista que o trabalho nem sempre assumiu a

condição de mercadoria, sua expressão na sociedade capitalista. Em cada forma de

organização societal o labor possuiu um significado diverso: ao passo que nas sociedades

primitivas o trabalho era essencialmente relacionado à subsistência humana, desprovido de

caráter econômico e com sentido vinculado ao conjunto de atividades do grupo, a partir do

desenvolvimento da agricultura e da pecuária abriram-se os caminhos para a escravização e

para a exploração do trabalho, isto é, do domínio de uma classe social sobre outra.1

Nesse cenário, o sentido do trabalho como produção de valor de uso desapareceu

paulatinamente. A lógica da rejeição ao trabalho instituída na Idade Média, período em que a

vida da contemplação era exaltada em detrimento das atividades mundanas, apenas foi

rompida com a propagação dos ideais da Reforma Protestante. A partir de então, o trabalho

passou a ser exaltado como instrumento de aproximação entre Deus e os homens, que por

meio do trabalho poderiam atingir a salvação. Desse modo, ainda que de forma não

proposital, a Reforma Protestante impulsionou as engrenagens do capitalismo, desembocando,

anos depois, no trabalho subsumido ao capital e cada vez mais objetivado (ou estranhado) em

relação ao trabalhador e em relação aos seus próprios produtos.2

A categoria trabalho é tão metamórfica, diga-se de passagem, que, diante das suas

transformações ao longo do século passado, sobretudo com o início do esgotamento do

modelo fordista na década de 1970, surgiram teóricos que defenderam a superação do

1 DIAS, Ana Patrícia. As metamorfoses da categoria trabalho. In: DIAS, Ana Patrícia. A face perversa da

terceirização: a reprodução das desigualdades e dos conflitos entre os trabalhadores. 2011. Tese (Doutorado

em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa,

2011, p. 31-62. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/7261/1/arquivototal.pdf. Acesso

em: 15 nov. 2019. 2 WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1981. 233 p.

(Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais. Sociologia).

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

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trabalho como meio de integração social, ou seja, passaram a questionar a centralidade da

categoria na sociedade contemporânea.

Em “Adeus ao proletariado: para além do socialismo”, publicado em 1980, André

Gorz sustentou que a abolição do trabalho estava em curso, engendrando a crise do

movimento operário e do movimento marxista. Observando o aumento dos índices de

desemprego após a crise do petróleo, o autor defendeu que o trabalho fabril deixaria de existir,

relaxando o antagonismo entre as classes sociais e reduzindo as possibilidades de ocorrer uma

revolução socialista.3

A obra teve grande repercussão entre os estudiosos do trabalho. Em resposta,

Ricardo Antunes publicou em 1995 o ensaio “Adeus ao Trabalho?”, rechaçando a corrente do

fim do trabalho e reafirmando o papel central da categoria na sociedade. Nesses escritos,

Antunes buscou elucidar a confusão conceitual entre duas categorias marxianas: o trabalho

concreto e o trabalho abstrato, asseverando que, sem a devida apropriação dessa distinção

teórica, comete-se grave equívoco ao considerar uno um fenômeno que possui duas

expressões.4

É essencial identificar, assim, qual das faces do trabalho está sendo alvo de

transformações diante da reestruturação produtiva toyotista, contexto em que se insere a

Reforma Trabalhista, para não recair em reducionismos e vaticinações precipitadas sobre o

futuro (e suposto fim) do trabalho: existe uma dimensão do trabalho que é indispensável à

sobrevivência do ser humano – perspectiva concreta -, ao passo que o trabalho abstrato é

aquele que existe tão somente na sociedade capitalista, ou seja, o trabalho assalariado e

alienado.5

Não há, para Antunes, humanidade sem trabalho concreto, reforçando o que Engels

ainda no século XIX já denunciava: a vida humana está condicionada fundamentalmente ao

trabalho, a ponto de autorizar a afirmação de que o trabalho criou o homem.6 Em outras

palavras, pode existir sociedade sem trabalho abstrato, visto que possui seu sentido vinculado

3 AMORIM, Henrique. O trabalho em André Gorz: três reflexões, uma problemática. Cad. CRH, Salvador, v.

30, n. 81, p. 435-452, dez. 2017. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792017000300435. Acesso em: 15 nov.

2019. 4 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do

trabalho. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2011. 213 p. 5 Ibid, p. 80.

6 “[o trabalho é] a condição fundamental de toda vida humana; e o é num grau tão elevado que, num certo

sentido, pode-se dizer: o trabalho, por si mesmo criou o homem”. ENGELS, Friedrich. Humanização do

macaco pelo trabalho (apêndice). In: A dialética da natureza. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 215.

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ao sistema capitalista (produção de valor de troca), mas não há sociedade sem trabalho

concreto.7

Nada obstante decorridas quase quatro décadas da publicação da obra de Gorz, ainda

hoje o seu pensamento continua exercendo influência sobre as reflexões dos rumos que o

trabalho está trilhando.8 Com a multiplicidade de formas atípicas de emprego, o aumento da

informalidade, o fenômeno da uberização9 e, principalmente, o avanço da automatização, é

cada vez mais colocado em pauta o questionamento sobre o fim do trabalho.

Em contrapartida, apesar de identificarmos expressivas metamorfoses do trabalho

quando se realiza o cotejo entre um período da história da humanidade e outro, patente que há

um denominador comum entre todos eles: a categoria trabalho sempre se revela central para

entender o funcionamento do corpo social. Por essa razão, faz-se oportuno o resgate teórico

dos clássicos da Sociologia, a saber, Durkheim, Weber e Marx, que, em que pese tenham

construído perspectivas teóricas distintas, reafirmaram a essencialidade do trabalho na

sociedade em suas obras.

Ainda que de forma secundária, dado que não teve a intenção de criar um tratado

sobre o trabalho, Durkheim, realista social, estudou a significação do labor para o operário,

bem como o papel da solidariedade orgânica na sociedade. Por ser um autor positiva,

Durkheim depositou no “direito cooperativo” – consubstanciado, por exemplo, nas

corporações – e no trabalho regulamentado a representação de um trabalho significante e

satisfatório.10

Com a solidariedade orgânica, própria do sistema capitalista e fundada na interação

de cada um na divisão do trabalho social, seria possível superar o estado de anomia que a

sociedade da época se encontrava. Para tanto, Durkheim projeta nas corporações a expectativa

7 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do

trabalho. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2011. 213 p. 8 “Nos últimos trinta anos, a própria centralidade do trabalho vem sendo posta em questão por algumas correntes

de peso nas Ciências Sociais: a partir da constatação estatística de dois fenômenos de muita visibilidade desde

os anos oitenta do século passado – a redução dos contingentes de trabalhadores alocados à produção de bens

materiais e o crescente desemprego que afeta praticamente todas as sociedades capitalistas contemporâneas - ,

teóricos de posições diversas sustentam, propondo soluções analíticas muito diferentes, que o trabalho já não

se constitui mais como o eixo a partir do qual se organiza a vida social. Tornou-se frequente, nos meios

acadêmicos, o discurso acerca do ‘fim do trabalho’, do ‘fim da sociedade do trabalho’, assim como a

referência a ‘sociedade (ou economia) do conhecimento’ – discurso geralmente associado às varias ideologias

ditas pós-modernas.” Cf. NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crítica.

8.ed. São Paulo: Cortez, 2012, p. 62. 9 Esse termo foi utilizado por Tom Slee na obra “Uberização: A nova onda do trabalho precarizado”, publicado

em 2017. 10

TIRYAKIAN, Edward A. O trabalho em Èmile Durkheim. In: MERCURE, D.; SPURK, J. (Orgs.). O

trabalho na história do pensamento ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 215-234.

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de regulamentação da situação profissional, como também de imprimir o sentimento de

coletividade nos membros, funcionando como autoridade moral e fornecendo um “código de

ética”.11

Nesse ensejo, o autor situa a divisão do trabalho não só como instrumento para a

construção da moralidade, mas também como instrumento determinante para a solidariedade

social. Isso porque, conforme contextualiza Durkheim, houve o rompimento dos vínculos do

indivíduo com a família, com o solo e com as tradições, de modo que o sentimento de

coletividade se fragilizou em detrimento do fortalecimento do individualismo. O trabalho,

assim, funcionaria como um ímã do homem com a sociedade, reinserindo-o no contexto social

e fazendo-o compreender sua interdependência com os demais indivíduos.12

-13

Ou seja, no pensamento durkheimiano, o trabalho (por intermédio da divisão social

do trabalho) possui papel determinante na superação da anomia social, na integração entre os

indivíduos e na formação de um código moral.

Ocorre que a percepção de Durkheim sobre o trabalho regulamentado não se sustenta

quando analisamos a realidade. Em que pese o reconhecimento de inúmeros direitos

trabalhistas na legislação brasileira, por exemplo, e aqui considerando até mesmo o

ordenamento vigente antes da Reforma Trabalhista, a existência de regulamentação não se

revelava suficiente para garantir a dignidade aos trabalhadores. De igual modo, a existência de

espaços de sociabilidade não garante a coesão entre os trabalhadores, dado que um dos

11

TIRYAKIAN, Edward A. O trabalho em Èmile Durkheim. In: MERCURE, D.; SPURK, J. (Orgs.). O

trabalho na história do pensamento ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 215-234. 12

DURKHEIM, Émile. Da Divisão do Trabalho Social. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 13

“Ora, não só a divisão do trabalho apresenta a característica pela qual definimos a moralidade, como tende

cada vez mais a se tornar a condição essencial da solidariedade social. À medida que avançamos na evolução,

os vínculos que prendem o indivíduo à sua família, ao solo natal, às tradições que o passado lhe negou, aos

usos coletivos do grupo se distendem. Mais móvel, ele muda mais facilmente de meio, deixa os seus para ir

viver em outro lugar uma vida mais autônoma, forma cada vez mais suas próprias ideias e sentimentos. Sem

dúvida, nem toda consciência comum desaparece com isso; sempre permanecerá pelo menos esse culto da

pessoa, da dignidade individual de que acabamos de falar e que, desde hoje, é o único centro de união de

tantos espíritos. Mas quão pouca coisa é isso, sobretudo quando se pensa na extensão sempre crescente da vida

social e, por repercussão, das consciências individuais! Porque, como estas se tornam mais volumosas, como a

inteligência se torna mais rica e a atividade mais variada, para que a moralidade permaneça constante, isto é,

para que o indivíduo permaneça fixado ao grupo com uma força simplesmente igual à [força] de outrora, é

necessário que os vínculos que o prendem a ele se tornam mais fortes e numerosos. Portanto, se não se

formassem outros, além dos vínculos que derivam das semelhanças, o desaparecimento do tipo segmentário

seria acompanhado de uma diminuição regular da moralidade. O homem já não seria suficientemente retido, já

não sentiria o bastante à sua volta e acima dele essa pressão salutar da sociedade, que modera seu egoísmo e

que faz dele um ser moral. Eis o que constitui o valor moral da divisão do trabalho. É que, por ela, o indivíduo

retoma consciência de seu estado de dependência para com a sociedade; é dela que vêm as forças que o retêm

e o contêm. Numa palavra, já que a divisão do trabalho se torna a fonte eminente da solidariedade social, ela se

torna, ao mesmo tempo, a base da ordem moral”. Cf. Ibid, p. 422.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

18

desdobramentos do trabalho estranhado é a competividade entre trabalhadores e entre

trabalhadores e máquinas, conforme será exposto no item 2.1.

Ao passo que o pensamento durkheiminiano buscava compreender o significado do

trabalho, Weber, ao publicar “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, estudou o giro

dado na compreensão do trabalho pela Reforma Protestante e a função que o labor assumiu na

sociedade a partir de então.

Isso porque, como adiantado acima, o trabalho já foi visto como atividade

repugnante e indigna. Na Antiguidade, aos escravizados e “não-cidadãos” em geral eram

relegados os trabalhos considerados inferiores e de baixo escalão, ao passo que tarefas como a

administração da cidade incumbiam aos “cidadãos de pleno direito”.14

De modo semelhante, durante a Idade Média, o trabalho era concebido como algo

que desviava o homem da vida da contemplação e da meditação, não possuindo qualquer

valor ou sentido.15

Tal concepção pode ser extraída do pensamento de Tomás de Aquino,

quando afirmava que uma vida ativa (dedicada ao trabalho) é inferior à vida da

contemplação.16

É apenas a partir da difusão das ideias de Lutero que as atividades mundanas

passaram a ser enxergadas como atividades éticas e dignificantes, abandonando o estigma do

ascetismo monástico. A noção luterana de “vocação profissional” implicava enxergar o labor

como projeção mundana do amor ao próximo, sendo o trabalho uma missão divina recebida

pelos homens e que não deveria ser abandonada.17

Ainda mais extrema se revelou a definição de trabalho para Calvino, visto que ele

defendia que quem não trabalhasse sequer possuía direito à alimentação, por exemplo,

compreendendo o labor como dever obrigatório de cada um.18

14

MÜLLER, Hans-Peter. Trabalho, profissão e “vocação”: o conceito de trabalho em Max Weber. In:

MERCURE, D; SPURK, J. O Trabalho na História do Pensamento Ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005, p.

234-255. 15

“sendo [o trabalho] uma verdadeira maldição, como algo vil, desqualificado e despossuído de valor em si [...]

isso porque o sentido maior da vida humana naquele modo de organização social se centrava na meditação e

contemplação, que significava a possibilidade de aproximação do homem com Deus e, portanto, da salvação”.

Cf. DIAS, Ana Patrícia. A face perversa da terceirização: a reprodução das desigualdades e dos conflitos

entre os trabalhadores. 2011. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia,

Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2011, p. 55. 16

MÜLLER, Hans-Peter. Trabalho, profissão e “vocação”: o conceito de trabalho em Max Weber. In:

MERCURE, D; SPURK, J. O Trabalho na História do Pensamento Ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005, p.

234-255. 17

Weber, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 2. ed. Brasília: Ed. Da Universidade de

Brasília, 1981. 18

MÜLLER, Hans-Peter. Trabalho, profissão e “vocação”: o conceito de trabalho em Max Weber. In:

MERCURE, D; SPURK, J. O Trabalho na História do Pensamento Ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005, p.

234-255.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

19

Nessa esteira, é com a Reforma Protestante que ocorre a ascensão do capitalismo

ocidental. A ética do trabalho inaugurada no Ocidente favoreceu a superação do modelo

feudal e o desenvolvimento da sociedade capitalista como a conhecemos nos dias atuais,

ainda que não se possa atribuir essa pretensão a Lutero ou a Calvino.19

Apontando nesse

sentido, assevera Weber, ao tentar compreender a relação entre o protestantismo e a

prosperidade econômica, que foi conferida maior significação aos bens materiais e às

atividades laborais no contexto em apreço.20

Em outras palavras, as ideias de Lutero e, sobretudo, de Calvino atribuíram maior

prestígio ao trabalho, impulsionando o desenvolvimento do capitalismo e a prosperidade

econômica. Ainda que num primeiro momento tenha tido seu sentido vinculado aos ideais

religiosos, ocorreu, posteriormente, o desprendimento do trabalho desses valores espirituais,

engendrando o trabalho subsumido ao capital, cenário que origina diversos desdobramentos

que serão explorados por Karl Marx e Friedrich Engels.

Isto é, em Weber, de igual modo, o trabalho também possui papel central: o

impulsionamento da racionalidade e do capitalismo ocidentais.

Por derradeiro, imperioso compreender o pensamento de Marx, sobretudo no que

atine ao desdobramento do trabalho em duas dimensões: o trabalho concreto e o trabalho

abstrato. Pela complexidade e atemporalidade da sua bibliografia, dedicamos a seguir uma

subseção exclusiva para abordar as categorias marxianas relacionadas ao trabalho.

Posteriormente, dedica-se uma subseção para a explanação acerca das formas de

organização do trabalho (fordismo e toyotismo), buscando situar a Lei n. 13.467/2017 no

contexto da reestruturação produtiva contemporânea e demonstrar que a precarização do

19

“[...] Antes de tudo, é escusado lembrar que não tem cabimento atribuir a Lutero parentesco íntimo com o

‘espírito capitalista’, seja no sentido que até agora associamos a essa expressão ou de resto em qualquer outro

sentido. Os próprios círculos eclesiásticos que hoje costumam com todo o zelo exaltar o ‘feito’ da Reforma em

geral não são nada amigos do capitalismo, seja lá em que sentido for.” Cf. Weber, Max. A Ética Protestante e

o Espírito do Capitalismo. 2. ed. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1981, p. 72. 20

“Uma vez que o ascetismo se encarregou de remodelar o mundo e nele desenvolver seus ideais, os bens

materiais adquiriram um poder crescente e, por fim inexorável, sobre a vida do homem como em nenhum

outro período histórico. Hoje, o espírito do ascetismo religioso, quem sabe se definitivamente, fugiu da prisão.

Mas o capitalismo vitorioso, uma vez que repousa em fundamentos mecânicos, não mais precisa de seu

suporte. Também o róseo colorido do seu risonho herdeiro, o Iluminismo, parece estar desvanecendo

irremediavelmente, e a idéia de dever no âmbito da vocação ronda nossas vidas como o fantasma de crenças

religiosas mortas. Onde a plenificação da vocação não pode ser diretamente relacionada aos mais altos valores

espirituais e culturais ou quando, por outro lado, não precisa ser sentida apenas como uma pressão econômica,

o indivíduo geralmente abandona qualquer tentativa de justificá-la. No campo de seu maior desenvolvimento,

nos Estados Unidos, a busca da riqueza, despida de seu significado ético e religioso, tende a ser associada a

paixões puramente mundanas, que lhe dão com freqüência um caráter de esporte.” Cf. MÜLLER, Hans-Peter.

Trabalho, profissão e “vocação”: o conceito de trabalho em Max Weber. In: MERCURE, D; SPURK, J. O

Trabalho na História do Pensamento Ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 234-255.

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

20

trabalho não se trata de fenômeno isolado no Brasil, mas de rearranjo global do capital para

amenizar os impactos da crise financeira em detrimento dos direitos dos trabalhadores.

2.1 A compreensão do trabalho em Karl Marx: trabalho concreto e trabalho abstrato

Refletir sobre as relações de trabalho na contemporaneidade, sobretudo após as

reformas das legislações trabalhistas em diversos países, a exemplo do Brasil, que será

abordada ao longo deste trabalho, demanda o retorno ao pensamento de Marx. Compreender o

significado do trabalho em cada forma de organização societal, desde o período que antecedeu

a primeira Revolução Industrial até o que hoje se convencionou por Revolução 4.021

, revela o

que motiva a crescente tendência de precarização das relações de trabalho e qual a

correspondente forma de superação.

Nesse sentido, reafirma Xavier que, ao passo que a precarização do trabalho se

intensifica, acompanhada do acirramento da subsunção do trabalho ao capital, isto é, a

exploração da classe trabalhadora se amplia, é necessário retornar aos textos de Marx.22

No que diz respeito especificamente ao trabalho, pairam poucas dúvidas e

controvérsias quanto à importância da categoria nos textos marxianos. Com efeito, no

presente trabalho, para além de qualquer divisão do pensamento de Marx23

, serão abordadas

as categorias do autor, especificamente aquelas relacionadas ao trabalho, presentes nos

Manuscritos de 1844, na Ideologia Alemã, e, por fim, em O Capital. Compreende-se que

nessa última obra o autor já havia amadurecido muitos conceitos, o que não retira a

importância de analisar os seus primeiros escritos.

21

“Na Alemanha, há discussões sobre a ‘indústria 4.0’, um termo cunhado em 2011 na feira de Hannover para

descrever como isso irá revolucionar a organização das cadeias globais de valor. Ao permitir ‘fábricas

inteligentes’, a quarta revolução industrial cria um mundo onde os sistemas físicos e virtuais de fabricação

cooperem de forma global e flexível. Isso permite a total personalização de produtos e a criação de novos

modelos operacionais”. Cf. SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016. 22

“[...] na medida em que a precarização do trabalho avança, no mundo todo, e junto a ela se acirra a subsunção

do trabalho ao capital (e, exponencialmente, a dominação do capital se amplia), é preciso voltar aos textos de

Marx e retomá-los de forma crítica”. Cf. XAVIER, Vinícius dos Santos. Centralidade da crítica ao trabalho:

apontamentos sobre a categoria trabalho nos Manuscritos de 1844 e nos Grundrisse de Marx. Educação e

filosofia, Uberlândia, v. 30, n. 60, p. 575-602, jul./dez. 2016. Disponível em:

http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/30258/19859. Acesso em: 26 out. 2019. 23

Alguns autores costumam separar as obras de Marx em dois momentos: “Jovem Marx” e “Marx maduro”. No

primeiro período, estão compreendidos seus primeiros escritos, em que Marx ainda dialogava com o

pensamento hegeliano e enxergava a sociedade de forma a-histórica. Já na fase madura, que desembocou em

“O Capital”, foram lapidadas categorias como alienação e mais-valia, trazendo à baila as expressões concretas

da sociedade em determinado período. Para o presente trabalho, entretanto, serão abordadas as categorias de

Marx independentemente de qualquer cronologia bibliográfica.

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

21

Nesse ensejo, Jan Spurk24

, delineando a perspectiva diacrônica da noção de trabalho

nos escritos de Marx, ou seja, sua evolução temporal ao longo das obras, demonstra que os

Manuscritos econômico-filosóficos, ou Manuscritos de Paris, de 1844, abordam tanto a

concepção ontológica quanto a concepção analítica (ou concreta) do trabalho.

Na obra acima mencionada (de publicação tardia, inclusive, ocorrida apenas em

1932), Marx inicia o estudo da economia política, passando a romper com a crítica hegeliana,

ainda que paulatinamente. Não por acaso, logo no caderno introdutório, o autor denuncia as

condições do trabalho assalariado (ou trabalho alienado), ao afirmar categoricamente que no

sistema capitalista de produção a existência do trabalhador se confunde com a existência de

qualquer mercadoria, por ter se tornado uma, sendo uma sorte encontrar um capitalista que se

interesse pelo seu produto.25

O trabalho estranhado, nesse sentido, resulta na alienação e na concorrência entre os

trabalhadores (e entre trabalhadores e máquinas). Marx compreende, nesse ínterim, o trabalho

estranhado sob duas perspectivas: há o estranhamento-de-si (Selbstentfremdung) e o

estranhamento da coisa. Em relação ao resultado, o autor revela a contradição do modo de

produção capitalista: ao passo que o trabalhador produz mais objetos, menos pode adquiri-los,

tornando-se ainda mais dominado pelo capital.26

No pensamento marxiano, o trabalhador se exterioriza e se objetiva no produto de

seu trabalho, tornando-se um apêndice das mercadorias que produziu.27

Por se tratar de

trabalho alienado, o trabalhador sequer se reconhece naquilo que produz.

Para além da sua projeção no resultado, o estranhamento também se revela no

próprio ato da produção, ou seja, durante a atividade produtiva. Dessa forma, o produto, em

relação ao qual o trabalhador se considera alheio, é apenas o resumo da atividade. Ora, se o

produto apenas exterioriza todo o processo de produção, esse, observada a relação de

causalidade, também é estranhado.28

24

SPURK, Jan. A noção de trabalho em Karl Marx. In: MERCURE, Daniel; SPURCK, Jan. O trabalho na

história do pensamento ocidental. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005, p. 189-201. 25

“a existência do trabalhador é, portanto, reduzida à condição de existência de qualquer outra mercadoria. O

trabalhador tornou-se uma mercadoria e é uma sorte para ele conseguir chegar ao homem que se interesse por

ele”. Cf. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2008. 26

“[...] a apropriação do objeto tanto aparece como estranhamento (Entfremdung) que, quanto mais objetos o

trabalhador produz, tanto menos pode possuir e tanto mais fica sob o domínio do seu produto, do capital”. Ibid. 27

“um apêndice das coisas que ele mesmo e seus pares produziram”. SPURK, Jan. A noção de trabalho em Karl

Marx. In: MERCURE, Daniel; SPURK, Jan. O trabalho na história do pensamento ocidental. Petrópolis,

RJ: Vozes, 2005, p. 189-201. 28

“[...] Se, portanto, o produto do trabalho é a exteriorização, então a produção mesma tem de ser a

exteriorização ativa, a exteriorização da atividade, a atividade de exteriorização”. MARX, Karl. Manuscritos

econômico-filosóficos. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2008.

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22

Em contrapartida, para Marx, o trabalho também é auto-realização. É o trabalho que

permite ao proletariado apropriar-se das coisas, bem como possibilita a emancipação e a

superação do estranhamento.29

Refirmando o papel fundamental do trabalho para a

humanidade, Marx, em a Ideologia Alemã, afirma que são as atividades laborais, a produção

dos meios de vida, que distinguem os seres humanos dos outros animais.30

É em O Capital que Marx desenvolve plenamente essa compreensão sobre o trabalho

como categoria eminentemente humana. No célebre trecho em que Marx compara a atividade

do tecelão com a de uma aranha, bem como afirma que a construção de uma colmeia por uma

abelha supera mais de um arquiteto, pondera que há um fator determinante que distingue os

dois: a projeção prévia do produto antes que ele seja transformado em realidade.31

Nesse sentido, depreende-se que o homem estabelece com a natureza uma relação

metabólica. Ao passo em que transforma a natureza para atender às próprias necessidades, o

homem transforma também a si mesmo. Isto é, o trabalho ontologicamente pode ser

compreendido como o intercâmbio do homem, a partir das suas ações, com a natureza.32

Ocorre que, além do trabalho concreto, isto é, o dispêndio físico e intelectual para a

transformação da natureza, visando produzir valor de uso, sob as leis da sociedade capitalista

surge outra forma de trabalho: o trabalho abstrato.

29

SPURK, Jan. A noção de trabalho em Karl Marx. In: MERCURE, Daniel; SPURK, Jan. O trabalho na

história do pensamento ocidental. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005, p. 189-201. 30

“[...] o primeiro pressuposto de toda a história humana é, naturalmente, a existência de indivíduos humanos

vivos. O primeiro fato a constatar é, pois, a organização corporal desses indivíduos e, por meio dela, sua

relação dada com o restante da natureza. Naturalmente não podemos abordar, aqui, nem a constituição física

dos homens nem as condições naturais, geológicas, oro-hidrográficas, climáticas e outras condições já

encontradas pelos homens. Toda historiografia deve partir desses fundamentos naturais e de sua modificação

pela ação dos homens no decorrer da história. Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela

religião ou pelo que se queira. Mas eles mesmos começam a se distinguir dos animais tão logo começam a

produzir seus meios de vida, passo que é condicionado por sua organização corporal. Ao produzir seus meios

de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material. O modo pelo qual os homens

produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da própria constituição dos meios de vida já encontrados

e que eles têm de reproduzir. Esse modo de produção não deve ser considerado meramente sob o aspecto de

ser a reprodução da existência física dos indivíduos. Ele é, muito mais, uma forma determinada de sua

atividade, uma forma determinada de exteriorizar sua vida, um determinado modo de vida desses indivíduos.

Tal como os indivíduos exteriorizam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, pois, com sua

produção, tanto com o que produzem como também com o modo como produzem. O que os indivíduos são,

portanto, depende das condições materiais de sua produção”. Cf. MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São

Paulo: Boitempo, 2007, p. 87. 31

“[...] uma aranha executa operações semelhantes à [operação] do tecelão, e a abelha supera mais de um

arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente

sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que

já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual

opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei

determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar a sua vontade.”. Cf. MARX, Karl. O

Capital: crítica da economia política. 23. ed. Rio de Janeiro: Boitempo, 2006. 32

Ibid.

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

23

O trabalho abstrato pode ser compreendido como sinônimo de trabalho genérico. Isso

porque, nessa expressão do labor, são apagadas as subjetividades, as peculiaridades e a

expressão concreta do trabalho em geral. O trabalhador vira qualquer trabalhador: o trabalho

abstrato é o trabalho concreto indiferente. Aqui, o que importa é tão somente que o trabalho

está gerando mais-valia (lucro). Ele é tido como abstrato porque é abstraído de qualquer

subjetividade. Esse é o trabalho subsumido ao capital, ou seja, o trabalho na forma

assalariada.

Como cirurgicamente resume Spurk, a facilidade com que os trabalhadores migram

de um trabalho para o outro demonstra a indiferença do capital em relação às especificidades

do trabalhador, completamente apagadas no processo de produção de mercadorias. Não há

que se preocupar com o conteúdo nem pelas subjetividades do trabalho, mas tão somente com

a produção de valor de troca.33

Não é preciso muito esforço para perceber que as ideias de Marx, escritas no século

XIX, permanecem atuais, ao mesmo tempo em que dialogam com o passado. Provocando as

reflexões sobre o contrato de trabalho intermitente, basta observar que resta ainda mais

escancarada a indiferença do capital em relação ao trabalhador, visto que os serviços sequer

serão prestados de forma contínua, ou seja, há constante incerteza sobre o dia de amanhã,

sendo o empregado chamado tão somente quando conveniente para movimentar as

engrenagens do sistema capitalista.

Para compreender o caminho percorrido que culminou na regulamentação do

trabalho intermitente, será exposta a seguir a retomada das formas de organização do trabalho,

que comprovam o acerto da teoria de Marx ao afirmar que o sistema capitalista é

intrinsecamente contraditório e inevitavelmente desemboca em crises cíclicas, que, por sua

vez, promovem reorganizações sistêmicas, por intermédio, sobretudo, das transformações do

trabalho.

33

“A indiferença relativa a um trabalho específico corresponde a uma forma da sociedade na qual os indivíduos

mudam facilmente de um trabalho para outro e na qual seu trabalho específico depende do acaso; é por isso

que eles são indiferentes em relação a esse trabalho [...] no que diz respeito ao processo de trabalho, a

produção de mercadorias apaga as especificidades dos diferentes trabalhos e dos diferentes trabalhadores

engajados nesse processo, visto que o capital não se interessa pelo conteúdo nem pela especificidade do

trabalho. Só o trabalho abstrato lhe interessa porque é a fonte do valor”. Cf. SPURK, Jan. A noção de trabalho

em Karl Marx. In: MERCURE, Daniel; SPURCK, Jan. O trabalho na história do pensamento ocidental.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2005, p. 189-201.

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

24

2.2 Reestruturação produtiva e flexibilização dos direitos trabalhistas

A reforma da legislação trabalhista introduziu diversas formas atípicas de emprego34

no ordenamento jurídico brasileiro, como é o caso do trabalho intermitente, acompanhando a

tendência global de precarização das relações laborais. Nesse contexto, a Organização

Internacional do Trabalho (OIT), agência multilateral das Nações Unidas especializada nas

questões do trabalho, emitiu parecer pontuando que a Reforma Trabalhista é violadora dos

direitos dos trabalhadores protegidos constitucionalmente no Brasil, bem como afronta parte

das 80 Convenções das quais o país é signatário.35

Não é a primeira vez, entretanto, que os direitos trabalhistas são fragilizados e

tolhidos diante de uma crise do capital. Menos ainda pode se entender que esse fenômeno se

limita ao cenário brasileiro ou latino-americano.

Conforme as lições de Marx e Engels, o sistema capitalista é intrinsecamente

contraditório, sendo as crises inerentes ao seu ciclo vital. Isso porque, diferentemente do

modo de produção mercantil, em que o proprietário era detentor dos próprios meios de

produção e se utilizava dos seus produtos como moeda de troca para sua subsistência, no

modo de produção capitalista há uma tensão característica do sistema: não obstante o lucro

dos proprietários seja oriundo do dispêndio intelectual e físico dos trabalhadores (mais-valia),

a esses não pertencem os meios de produção nem a gerência científica.36

Assim, ainda que, por um lado, haja o crescente acúmulo do capital, do outro as

atividades produtivas são socializadas, isto é, realizadas pelos trabalhadores, parcela

expressiva da população desprovida dos meios de produção.37

34

Nas lições de Luciano Vasapollo, o trabalho padrão possui três principais características, a saber: “o horário

previsto é o de tempo integral”, “a assunção para os trabalhadores empregados e o início da atividade

autônoma para os trabalhadores independentes têm tempos e lugares determinados” e “há uma grande

diversidade de posição e papel entre quem trabalha como empregado e quem é independente”. Já no trabalho

atípico, por sua vez, desaparecem todos os três aspectos. Numa das definições abordadas pelo autor, temos que

“no trabalho atípico são incluídas todas as formas de prestação de serviços, diferentes do modelo padrão, ou

seja, do trabalho efetivo, com garantias formais e contratuais, por tempo indeterminado e full-time”. Cf.

VASAPOLLO, Luciano. O trabalho atípico e a precariedade: elemento estratégico determinante do capital no

paradigma pós-fordista. In: ANTUNES, Ricardo. Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo:

Boitempo, 2006, p. 45-58. 35

CONJUR. OIT classifica reforma trabalhista brasileira como violadora de direitos. Disponível em:

https://www.conjur.com.br/2018-mai-29/brasil-entra-lista-suja-oit-causa-reforma-trabalhista. Acesso em: 02

nov. 2019. 36

NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 8. ed. São Paulo: Cortez,

2012. 37

Ibid.

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

25

Sob a perspectiva de José Paulo Netto e Marcelo Braz, a referida contradição

fundamental do sistema provoca as crises cíclicas do capital. Trocando em miúdos: o modo de

produção do sistema capitalista alcança o apogeu, vive o período de prosperidade econômica,

entra em crise, depressão, e, após, retorna ao ponto zero. Na concepção dos autores em

apreço, tais etapas se repetem de forma cíclica, sendo exatamente no momento de crise em

que se engendra a reestruturação produtiva para a manutenção do sistema e os debates sobre

flexibilização dos direitos trabalhistas ganham proeminência.38

Por oportuno, Giovanni Alves explora os impactos das crises cíclicas do capital nos

direitos trabalhistas. Inequivocamente, quando os interesses dos capitalistas são colocados em

xeque, os primeiros ajustes governamentais realizados atacam diretamente os direitos dos

trabalhadores. Desenvolvendo esse raciocínio, assevera o autor que nas últimas décadas, com

o avanço da ideologia neoliberal e pós-moderna, a precarização do trabalho é visceralmente

demonstrada, seja por meio da perda de direitos, do aumento da intensidade da jornada de

trabalho e do crescente número de desempregados.39

Cumpre destacar que o discurso que fomentou a aprovação da Reforma Trabalhista,

tanto no Brasil quanto no restante do mundo, atribuía exatamente ao suposto excesso de

proteção dos trabalhadores o entrave para a “modernização”, para a alavancagem da economia

e para a geração de emprego. Apenas com a flexibilização da legislação trabalhista se

defendia a viabilidade da prosperidade econômica para o país.

Não por acaso, a principal motivação dos que defendiam a modernização da

Consolidação das Leis do Trabalho consistia exatamente no mito da modernização.

Analisando os discursos do relator da Reforma Trabalhista, Rogério Marinho, resta nítida a

sua pretensão, junto aos demais parlamentares, de flexibilizar os direitos para gerar mais

empregos.40

-41

38

NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 8. ed. São Paulo: Cortez,

2012. 39

“[...] nas últimas décadas, devido a crise estrutural e ao novo patamar de luta de classes, expresso pela

ofensiva do capital na produção e reprodução social por meio das ideologias do neoliberalismo e do pós-

modernismo, torna-se exposta a condição de precariedade ontológica da força de trabalho como mercadoria.

Ora, a precarização do trabalho expõe a condição de precariedade latente. O processo de precarização do

trabalho, que aparece sob o neologismo da flexibilização do trabalho, impõe-se não apenas por meio da perda

de direitos e do aumento da exploração da força de trabalho, por meio do alto grau de extração de

sobretrabalho de contingentes operários e empregados da produção social. A precarização do trabalho se

explicita por meio através do crescente contingente de trabalhadores desempregados supérfluos à produção do

capital.” Cf. ALVES, Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho.

2. ed. Londrina: Praxis, 2007. 40

“[...] Marinho afirma ter se reunido com embaixadores e membros da ONU e da OIT, com apoio da missão

brasileira local. ‘O Brasil está modernizando a sua lei para gerar novos empregos, sem colocar em risco

nenhum direito conquistado pelo trabalhador’, diz o deputado, em nota”. Cf. NASCIMENTO, Bárbara.

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

26

Em que pese o relator tenha feito a ressalva de que supostamente nenhum direito

trabalhista seria prejudicado pela reforma, a Organização Internacional do Trabalho, por outro

lado, como já pontuado anteriormente, rechaçou veementemente as mudanças que a Reforma

Trabalhista orquestrou no ordenamento jurídico brasileiro.

Como chegamos a esse ponto? A compreensão do atual cenário do trabalho no

Brasil, assim, perpassa pela retomada histórica das formas de gestão científica. Isso porque,

conforme defende Ricardo Antunes, o Brasil possui resquícios de fordismo com elementos de

toyotismo atrasados.42

Ainda que a Reforma Trabalhista não tenha superado completamente o

modelo de trabalho tradicional, a introdução das formas flexíveis de trabalho representa a

tendência de diminuição da quantidade de trabalhadores contratados por tempo

indeterminado, de modo que é imprescindível compreender o caminho percorrido até os dias

hodiernos.

É com o fordismo, na figura de Henry Ford, que o modelo de trabalho de oito horas

de jornada diárias e cinco dólares foi instituído. Como narra David Harvey, o propósito era

garantir que os trabalhadores possuíssem renda e tempo suficientes para consumir os produtos

que eles mesmos produziam em larga escala. Desse modo, houve a elevação dos padrões de

vida, conteve-se temporariamente os focos de crise e houve a massificação do consumo.43

Nesse ponto, vê-se no fordismo uma forma de tentar superar a contradição

fundamental do sistema, mas não foi o que aconteceu. Com a Crise da Bolsa de Valores de

1929, também conhecida como Grande Depressão, Ford buscou superar a economia

aumentando os salários dos seus empregados. Tal medida, no entanto, que não logrou êxito.

Rogério Marinho vai à Suiça defender reforma trabalhista na OIT. Disponível em:

https://oglobo.globo.com/economia/rogerio-marinho-vai-suica-defender-reforma-trabalhista-na-oit-21442947.

Acesso em: 02 nov. 2019. 41

“[...] Entendemos que é inegável a necessidade modernização da Consolidação das Leis do Trabalho, diante da

evidência de que, com o passar dos anos, muitos setores da economia ficaram à margem da legislação. O

substitutivo apresentado nesta oportunidade não está focado na supressão de direitos, mas sim em proporcionar

uma legislação mais moderna, que busque soluções inteligentes para a novas modalidades de contratação, que

aumente a segurança jurídica de todas as partes da relação do emprego, enfim, que adapte a CLT às

modernizações verificadas na relação de trabalho ao longo desses mais de 70 anos de vida desse instrumento

normativo”. Cf. BRASIL. Ata da 93ª Sessão da Câmara dos Deputados, deliberativa extraordinária,

vespertina, da 3ª Sessão Legislativa Ordinária, da 55ª Legislatura, em 26 de abril de 2017. Diário da

Câmara dos Deputados. Disponível em:

http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020170427000700000.PDF#page=618. Acesso em: 01 dez.

2019. 42

“Há uma mescla nítida entre elementos de fordismo, que ainda encontram vigência acentuada, e elementos

oriundos das novas formas de acumulação flexível e/ou influxos toyotistas no Brasil, que também são por

demais evidentes”. Cf. ANTUNES, Ricardo. A era da informatização e a época da informalização.

IN:ANTUNES, Ricardo. Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. 43

“[...] os padrões de vida se elevaram, as tendências de crise foram contidas, a democracia de massa, preservada

e ameaça de guerras intercapitalistas, tornada remota”. Cf. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma

pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 6. ed. São Paulo: Loyola, 1996.

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27

Nesse sentido, pondera Harvey que apenas por intermédio da intervenção do Estado, na figura

do New Deal de Roosevelt, houve a retomada do sonho americano.44

Uma das características mais marcantes do fordismo, portanto, é o papel do Estado

no controle das crises financeiras, por meio de políticas fiscais e monetárias. Segmentos como

o transporte, a seguridade social, a assistência médica, a educação e a habitação receberam

fortes investimentos governamentais, que tentavam, indiretamente, impulsionar o pleno

emprego e o consumo de massa.45

Além da tentativa de evitar a irrupção de crises do capital, complementa Giovanni

Alves acerca do caráter anti-revolucionário do sistema implementado por Henry Ford, na

medida que o sistema disfarçava a exploração sofrida pelos trabalhadores e amenizava a luta

de classes, distanciando os trabalhadores da discussão socialista durante a Guerra Fria.46

Ainda que continuasse presente a exploração do trabalho, não há como negar que

durante o período do fordismo os trabalhadores viveram o pleno emprego e gozaram de

muitas garantias trabalhistas.

Ocorre que tal prosperidade não foi eterna. Ainda na década de 1950, a empresa

Toyota no Japão enfrentou seríssima crise financeira, chegando a beirar a falência.47

Nesse cenário, Taiichi Ohno, que recebeu a missão de aumentar a produtividade da

empresa, sendo considerado o responsável pela criação do Sistema Toyota, passou a revisar a

extensa gama de direitos conferidos aos trabalhadores. Assim, contrastando o modelo fordista,

de uma fábrica gordurosa, que apresenta estoque de produtos e de mão-de-obra, Ohno

44

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 6.ed. São

Paulo: Loyola, 1996. 45

“[...] o Estado se esforçava por controlar ciclos econômicos com uma combinação apropriada de políticas

fiscais e monetárias no período pós-guerra. Essas políticas eram dirigidas para as áreas de investimento

público – em setores como o transporte, os equipamentos públicos, etc – vitais para o crescimento da produção

e do consumo de massa e que também garantiam um emprego relativamente pleno. Os governos também

buscavam fornecer um forte complemento ao salário social com gastos de seguridade social, assistência

médica, educação, habitação, etc”. Cf. Ibid. 46

“[...]O que se chamou fordismo-keynesianismo é um modelo histórico de regulação do ciclo capitalista, que

impediu, nas condições da crise orgânica, que a dinâmica cíclica do capital implicasse em consequências

nefastas para a reprodução capitalista no plano da economia nacional, e principalmente, da política de controle

social nos vários países capitalistas, principalmente do centro mais desenvolvido do sistema mundial produtor

de mercadorias (vale dizer, sob as condições geopolíticas da “guerra fria”). O fordismo-keynesianismo possui

uma poderosa carga ideológica de controle preventivo da irrupção revolucionária no Ocidente, afinal, não

podemos esquecer a dimensão ineliminável da luta de classe, mediada no contexto da crise orgânica do século

XX, pela presença, a partir de 1917, da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas)”. Cf. ALVES,

Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Londrina:

Praxis, 2007. 47

CORIAT, Benjamin. “O Espírito Toyota”. In: CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso: o modelo japonês de

trabalho e organização. Rio de Janeiro: Revan, 1994.

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

28

defendeu uma “fábrica plástica” (flexível), magra e instituiu o modo de produção just in

time.48

Isto é, no lugar de fabricar carros em quantidades astronômicas, a produção deveria

acompanhar a demanda, a fim de manter o estoque zerado. Da mesma forma, Ohno defendeu

que a quantidade de trabalhadores deveria ser exatamente aquela necessária para cumprir a

demanda. Esse enxugamento das fábricas, entretanto, inaugurado pelo toyotismo, refletiu

drasticamente nos índices de desemprego e na atuação do sindicalismo.49

Para além disso, não se pode perder de vista que os sindicatos são o instrumento de

contestação da retirada de direitos mais utilizados pelos trabalhadores. Com a adoção do

toyotismo, buscou-se minar justamente as bases sindicais (de modo semelhante aos dias

hodiernos), transformando-as em “sindicatos corporativos”, desprovidos de combatividade e

passivos em relação aos passos das empresas frente aos trabalhadores.50

Cumpre ponderar que o toyotismo, inicialmente, manteve-se restrito ao território

japonês. Ao longo das décadas de 1950 e de 1960, o Ocidente ainda vivia o período próspero

do fordismo, que apenas veio a ruir com a crise do petróleo em 1973, a partir de quando o

toyotismo passou a ser implementado.

A reestruturação produtiva provocada pelo toyotismo possui efeitos devastadores

para os trabalhadores. Com a acumulação flexível, em que tanto as fábricas quanto os

empregados são enxergados de forma plástica, as palavras de ordem são: modernização e

flexibilização. Na seção a seguir, veremos como a acumulação flexível se inseriu no

ordenamento jurídico brasileiro, passando a identificar as características desse regime.

À guisa de conclusão intermediária, e partindo da premissa de que o sistema

capitalista possui crises cíclicas indissociáveis do seu funcionamento, não se revela acertada a

relação estabelecida entre o conjunto de medidas de precarização das relações de trabalho,

dentre elas a Reforma Trabalhista brasileira e as formas atípicas de emprego dela oriundas, a

um governo ou parlamentares em específico. Trata-se, na verdade, de visão simplista e rasa da

realidade, que desconsidera o intrínseco antagonismo de classes entre os capitalistas e os

trabalhadores.

Nesse ínterim, precisa a colocação feita pela professora Ana Patrícia Dias, ao refletir

sobre a terceirização, quando pondera que a precarização do trabalho adveio do próprio

48

CORIAT, Benjamin. “O Espírito Toyota”. In: CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso: o modelo japonês de

trabalho e organização. Rio de Janeiro: Revan, 1994. 49

Ibid. 50

Ibid.

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29

sistema capitalista e com ele se desenvolveu.51

Isto é, não obstante a reforma trabalhista tenha

sido aprovada no Brasil durante um mandato legislativo em particular, não é a primeira vez na

história mundial e brasileira que os direitos dos trabalhadores são alvejados pelos detentores

do capital.

Na obra “A situação da classe operária na Inglaterra”, de título autoexplicativo,

Friedrich Engels traz relatos extremamente detalhados sobre a sociedade industrial na região

entre os anos de 1844 e 1845, ano em que finalizou a obra. Salta aos olhos o fato de que,

mesmo decorridos quase dois séculos da publicação desses escritos, a realidade do trabalho

nos dias atuais não destoa muito dos casos que o autor trouxe a lume, contrariando as suas

próprias projeções para os anos seguintes.52

O objeto específico da presente obra, a saber, o trabalho intermitente, traz à tona um

velho fantasma da classe trabalhadora: a instabilidade no emprego. Com um pequeno

intervalo dado pelo fordismo, que garantiu o pleno emprego, a Reforma Trabalhista aproxima

os dias atuais da realidade da sociedade operária na Inglaterra no século XIX.

Prova cabal disso é o relato de Engels que será transcrito a seguir:

[...] Morrem de fome, é certo, indivíduos isolados, mas que segurança tem o

operário de que amanhã a mesma sorte não o espera? Quem pode garantir- -lhe que

não perderá o emprego? Quem lhe assegura que amanhã, quando o patrão – com ou

sem motivos – o puser na rua, poderá aguentar-se, a si e à sua família, até encontrar

outro que “lhe dê o pão”? Quem garante ao operário que, para arranjar emprego, lhe

basta boa vontade para trabalhar, que a honestidade, a diligência, a parcimônia e

todas as outras numerosas virtudes que a ajuizada burguesia lhe recomenda são para

ele realmente o caminho da felicidade? Ninguém. O operário sabe que, se hoje

possui alguma coisa, não depende dele conservá-la amanhã; sabe que o menor

suspiro, o mais simples capricho do patrão, qualquer conjuntura comercial

desfavorável podem lançá-lo no turbilhão do qual momentaneamente escapou e no

qual é difícil, quase impossível, manter-se à tona. Sabe que se hoje tem meios para

sobreviver, pode não os ter amanhã.53

Quase dois séculos separam o texto de Engels e a atualidade. No entanto, as mesmas

preocupações com o dia de amanhã ainda assolam o trabalhador. Como veremos na seção

51

DIAS, Ana Patrícia; SALES, Francisco José Lima. Dimensão da precarização do trabalho: o adoecimento do

trabalhador. In: Encontro de Ciências Sociais do Norte e Nordeste Pré-Alas Brasil, XV, 2012, Teresina.

Resumos [...]. Teresina: UFPI, 2012. Disponível em:

http://www.sinteseeventos.com.br/ciso/anaisxvciso/resumos/GT15-22.html. Acesso em: 05 dez. 2019. 52

“[...] essa é a situação do proletariado inglês. Para onde quer que nos voltemos, defrontamo-nos com miséria –

permanente ou intermitentemente -, doenças provocadas pelas condições de vida ou de trabalho, degradação

moral; por todos os lados, o que vemos é a liquidação, a lenta – mas segura – destruição física e espiritual da

natureza humana. Será esta uma situação duradoura? Não, essa situação não pode e não vai perdurar. Os

operários, a grande maioria do povo, não a querem – vejamos o que eles dizem sobre ela.”. Cf. ENGELS,

Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010. 53

ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010.

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30

seguinte, o trabalho intermitente lança (e agora com respaldo legal) o trabalhador num mar de

incertezas e de precariedade.

É bem verdade que houve o reconhecimento de muitos direitos trabalhistas desde

então, em razão que não é possível estabelecer um paralelo tão simétrico entre a primeira

revolução industrial e a atualidade. A regulamentação da jornada de trabalho, por exemplo,

garante que, pelo menos formalmente, os trabalhadores não podem ser submetidos a jornadas

extenuantes de trabalho. Mas, considerando a subjetividade do trabalhador, ela continua

incólume: os tempos são outros, mas o sistema é o mesmo. O trabalho continua sendo

ontologicamente precário sob as leis do sistema capitalista.54

A Reforma Trabalhista, desse modo, aproxima a contemporaneidade dos anos

iniciais do sistema capitalista, corroborando a tese ora aventada de que não se trata de um

desmonte orquestrado apenas por um governo em específico ou de uma fatalidade acidental

do século XXI, mas sim de uma expressão da contradição fundamental do sistema capitalista,

que o acompanhará enquanto for o sistema hegemônico. Por consequência, apenas a

superação do capitalismo é apta a assegurar plenamente os direitos dos trabalhadores e afastar

o fenômeno cíclico de precarização das relações de trabalho.55

54

Nesse ponto, é essencial compreender a distinção entre trabalho precário e a precarização do trabalho.

Conforme sustenta Giovanni Alves, a precariedade é condição ontológica do trabalho assalariado, isto é, do

trabalho sob as leis do sistema capitalista, ao passo que a precarização é o próprio movimento de intensificação

da precariedade. Senão, vejamos: “Precariedade é uma condição histórico-ontológica de instabilidade e

insegurança de vida e de trabalho. Mesmo o trabalhador assalariado que flui por conta dos ciclos industriais,

explicita sua precariedade viva (a precariedade é uma dimensão ontológica do trabalho assalariado).

Entretanto, o incremento da produtividade do trabalho tende a impulsionar o movimento de precarização do

trabalho assalariado, explicitando, portanto, novas determinações da precariedade viva” ALVES, Giovanni.

Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Londrina: Praxis, 2007, p.

103. 55

Não se desconhece o papel fundamental do Direito do Trabalho na proteção dos direitos positivados no

ordenamento jurídico. É bem verdade, entretanto, que se trata de instrumento limitado pelos interesses da

burguesia. Nesse sentido, pondera Perpétuo: “O Direito do Trabalho apresenta uma natureza contraditória,

pois, sendo o resultado da pressão da classe trabalhadora contra a humilhante situação em que se davam as

relações de produção, a burguesia a colocou a seu serviço e da manutenção das estruturas capitalistas, como

explica Monereo Perez, ao dizer que o ordenamento laboral é um elemento da ação da classe trabalhadora

contra a ordem capitalista e um elemento da luta de classe dominante contra a ação dos trabalhadores. Não é

diferente que Bonavides analisa a formulação da legislação social, como decorrência de imperativos da

sobrevivência burguesa, conforme a teoria marxista. Tem sentido similar a doutrina que afirma o caráter

compromissório do Direito do Trabalho, pois parte da premissa de que a unilateralidade das normas laborais,

em favor dos trabalhadores, não é uma característica do Direito do Trabalho, pois, além das normas de tutela

das posições jurídicas e interesses dos trabalhadores, há também um conjunto de mecanismos e institutos de

salvaguarda dos interesses do empregador e das empresas, que asseguram o equilíbrio do sistema”. Cf.

CASTRO, Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de. Terceirização: uma expressão do direito flexível do

trabalho na sociedade contemporânea. 2012. Dissertação (Mestrado) – Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-

graduação, Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2012. Disponível em:

http://tede2.unicap.br:8080/bitstream/tede/486/1/dissertacao_maria_do_perpetuo.pdf. Acesso em: 01 dez.

2019.

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

31

A curto prazo, entretanto, é necessário amenizar os impactos decorrentes da relação

capital-trabalho, levada ao extremo com a aprovação da Reforma Trabalhista. Para tanto, o

controle de constitucionalidade e o controle de convencionalidade se revelam como os

mecanismos jurídico-institucionais mais adequados para aferir a compatibilidade entre as

formas atípicas de emprego, com destaque para o trabalho intermitente, e a malha de direitos

trabalhistas assegurados tanto na Constituição Federal quanto nos tratados internacionais de

direitos humanos, e, consequentemente, expurgá-las ou não do ordenamento jurídico.

Desse modo, seguiremos, adiante, ao exame dos aspectos legais do contrato de

trabalho intermitente conferidos pela Lei n. 13.467/2017, para, posteriormente, realizar o

controle de convencionalidade dos arts. 443, caput e §3º, e 452-A da CLT.

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32

3 O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE

As mudanças nas relações de trabalho advindas da Lei n. 13.467/2017, popularmente

conhecida como Reforma Trabalhista, refletiram impactos de proporções ainda incalculáveis

para a classe trabalhadora brasileira. Decorridos dois anos a contar do início da vigência da

lei, a perspectiva de que a flexibilização dos direitos trabalhistas iria alavancar a economia

brasileira e gerar 55 mil empregos por mês não se concretizou, ao passo que o aumento da

informalidade e as formas atípicas de emprego representam as únicas fontes de renda para os

quase 13 milhões de desempregados no país.

Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), entre

novembro de 2017 e julho de 2019 foram criadas apenas 606.390 vagas de empregos no

Brasil, isto é, cerca de 29 mil por mês, pouco mais da metade da quantidade pretendida. Essa

estatística torna-se ainda mais alarmante quando observado que 15,4% do total das vagas de

emprego criadas correspondem à modalidade de trabalho intermitente. Em outras palavras,

aproximadamente uma a cada seis das vagas foi preenchida por trabalhador contratado de

forma intermitente.56

Nesse contexto, torna-se questionável os números divulgados, que são ainda mais

graves quando excluídas as vagas de trabalhos intermitentes. Isso porque a inclusão dessa

modalidade contratual nos dados sobre a criação de emprego no Brasil não se revela razoável,

na medida em que mascara verdadeira realidade de subemprego no Brasil.

Ora, como veremos adiante, os trabalhadores intermitentes podem passar por dias,

semanas ou meses em inatividade, ou seja, sem trabalhar. Desse modo, como podem ser

computados na estatística sobre empregabilidade no país? É importante observar que existem

muitos vínculos formalmente ativos, mas que, na prática, encontram-se inativos. Assim, como

será demonstrado ao longo deste trabalho, trata-se de verdadeiro trabalho “permanentemente

temporário”, pseudoemprego ou formalização do “bico”.

De antemão, assim, é necessário refletir sobre a natureza jurídica dessa forma de

emprego, alvo de quatro ADIs junto ao Supremo Tribunal Federal.57

Conforme pondera

Amauri Cesar Alves, entretanto, não é tarefa fácil a conceituação jurídica do trabalho

56

CAVALLINI, Marta. Em quase 2 anos de reforma trabalhista, 15% das vagas criadas no país são para

intermitentes. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2019/09/25/em-

quase-2-anos-de-reforma-trabalhista-15percent-vagas-criadas-no-pais-sao-para-intermitentes.ghtml.

Disponível em: 05 nov. 2019. 57

São elas: ADI 5806, proposta pela CONTRASP; ADI 5826, proposta pela FENEPOSPETRO; ADI 5829,

ajuizada pela FENATTEL e, por derradeiro, a ADI 5950, cujo requerente é a CNTC.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

33

intermitente, sobretudo por se tratar de figura nova no ordenamento jurídico brasileiro,

importada de outros países, sendo ainda pouco explorada pela doutrina e jurisprudência

pátrias.58

Passaremos, portanto, à análise do trabalho intermitente nos ordenamentos jurídicos

alienígenas, para, posteriormente, realizar o cotejo com essa figura introduzida pela Reforma

Trabalhista brasileira.

3.1 A regulamentação do trabalho intermitente no Direito Estrangeiro

Além do paradigmático “contrato zero-hora” na Inglaterra, o trabalho intermitente

também possui previsão nos ordenamentos jurídicos de outros países. Pode-se citar,

inicialmente, a Espanha, que, no artigo 16 do Estatuto dos Trabalhadores, regulamenta o

trabalho “fixo descontínuo”, ou seja, que nem é temporário nem é contínuo. Nesse ensejo, o

trabalho descontínuo não pode ocorrer em datas certas, sob pena de descaracterizar a natureza

de trabalho intermitente e assumir a forma de contrato a tempo parcial firmado por tempo

indeterminado.59

Isso porque no direito espanhol apenas é admitido o trabalho intermitente nas

empresas cujas atividades sejam, por natureza, intermitentes, como os serviços de socorrista

prestados num estágio em jogos de futebol e escoamento da produção agrícola.

Já em Portugal, em seus artigos 157 a 160 do Código de Trabalho (Lei nº 07/2009),

desperta atenção a previsão de que nos períodos de inatividade é devido ao trabalhador 20%

do montante que normalmente é pago pelo empregador. Isto é, ainda que o trabalhador não

seja convocado para prestar efetivamente qualquer serviço ao empregador, ele terá a garantia

de receber alguma quantia, denotando mínima preocupação do legislador português com a

dignidade do trabalhador nos períodos de inatividade.60

Ainda sobre o trabalho intermitente no ordenamento jurídico português, interessante

pontuar também que a legislação de regência engloba duas subespécies de trabalho

intermitente: o trabalho alternado e o trabalho à chamada. Naquele, o início e o termo de cada

58

ALVES, Amauri Cesar. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação jurídica. Revista eletrônica [do]

Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 74, p. 54-73, dez. 2018/jan. 2019. Disponível

em:

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/150638/2019_alves_amauri_trabalho_intermitente.p

df?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 nov. 2019. 59

Ibid., p. 55. 60

Ibid., p. 56.

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

34

período de trabalho restam estabelecidos previamente nos termos contratuais. Já nesse, mais

semelhante ao caso do Brasil, o trabalhador é convocado de acordo com o interesse do

empregador, não havendo qualquer previsibilidade quanto aos períodos de prestação de

serviços.61

De modo semelhante ao trabalho intermitente na Espanha, é deveras interessante a

exigência no ordenamento português de que a empresa desempenhe atividades de caráter

descontínuo ou com intensidade variável para que reste autorizada a contratação

intermitente.62

É no ordenamento francês em que a legislação trouxe minúcias quanto ao contrat de

travail intermittent. Salta aos olhos a previsão de que deve ser garantido o mínimo de

igualdade entre os trabalhadores em ritmo regular ou a tempo completo e os trabalhadores

intermitentes. Em termos práticos, válido destacar a previsão de que seja estipulado um

número mínimo de horas a ser trabalhado, o que reflete diretamente nas verbas salariais.63

De mais a mais, imperioso observar o regramento conferido ao trabalho intermitente

no ordenamento jurídico italiano. A figura do contrato de trabalho intermitente surgiu na Itália

por intermédio do Decreto Legislativo n. 276/2003, conhecido como “Reforma Biagi”, que

disciplinou uma série de novas formas flexíveis de contrato de trabalho.64

Decorridos doze

anos da edição do texto legal em apreço, após profundas discussões jurídicas sobre o instituto

do trabalho à chamada, como é conhecido popularmente, o Decreto Legislativo n. 81/2015,

que deu continuidade às reformas na legislação trabalhista da Itália, consubstanciou diversas

alterações no regramento do trabalho intermitente.65

Nesse ensejo, o art. 13 do Decreto Legislativo n. 81/2015 afiançou que o contrato de

trabalho a chamada consiste na utilização descontínua da prestação de trabalho, que pode se

61

ALVES, Amauri Cesar. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação jurídica. Revista eletrônica [do]

Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 74, p. 54-73, dez. 2018/jan. 2019. Disponível

em:

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/150638/2019_alves_amauri_trabalho_intermitente.p

df?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 nov. 2019. 62

Ibid., p. 56. 63

LIMA, Francisco Gerson Marques de. Trabalho intermitente. Disponível em:

https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-

legislatura/pl-6787-16-reforma-trabalhista/documentos/audiencias-publicas/luis-antonio-camargo-de-melo.

Acesso em: 05 nov. 2019. 64

Nesse ponto, oportuno mencionar que tamanha foi a quantidade de novas modalidades contratuais de trabalho

inauguradas pela Reforma Biagi que o Decreto Legislativo n. 276/2003 ficou conhecido como “shopping

contratual”. 65

COLUMBU, Francesca. O trabalho intermitente na legislação laboral italiana e brasileira. Revista de Direito

do Trabalho e Processo do Trabalho, v.1, n.1, jan./jun. 2019. Disponível em:

http://www.portal.anchieta.br/revistas-e-livros/direito-trabalho/pdf/artigo-direito-trabalho-vol1-5.pdf. Acesso

em: 01 dez. 2019.

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

35

dar de forma intermitente ou com a predefinição dos períodos de atividade ao longo da

semana, do mês, ou do ano.66

Para que seja pactuado o contrato de trabalho intermitente na Itália, devem ser

observadas as exigências objetivas impostas pelas organizações sindicais ou por tabela

específica do Ministério do Trabalho, que deve expressamente indicar as circunstâncias

objetivas que justificam o emprego dessa modalidade flexível de trabalho. Ademais, o

parágrafo 2 do artigo 13 impõe os seguintes critérios subjetivos: sempre será permitida a

contratação intermitente de jovens de até 25 anos ou indivíduos com mais de 55 anos, sob a

justificativa de que representam a parcela da população mais vulnerável no ingresso ao

mercado de trabalho.67

Importante observar, ainda, que o legislador italiano também estabeleceu um limite

temporal: o trabalho intermitente não pode superar quatrocentos dias de trabalho ao longo de

três anos, em relação ao mesmo empregador. E, caso tenha havido dispensa coletiva de

trabalhadores com as mesmas funções nos últimos seis meses, não é permitido ao empregador

a contratação intermitente, justamente com o fito de evitar a substituição do pessoal

permanente pelo trabalho à chamada.68

Para tanto, os trabalhadores podem ser contratados de duas formas: com ou sem

garantia de disponibilidade. Na primeira modalidade, o trabalhador é indenizado pelo período

de disponibilidade, salvo diante da comunicação de indisponibilidade por motivo de doença

ou impedimento de outra natureza. Caso o trabalhador com garantia de disponibilidade se

ausente injustificadamente após um chamado, inclusive, resta caracterizada causa justificativa

da dispensa. Por outro lado, caso não haja a garantia de disponibilidade, não é devido ao

trabalhador nenhuma indenização durante o período de inatividade, bem como a recusa do

chamado não acarreta sanção ao empregado.69

Como veremos adiante, o regramento do trabalho intermitente no Brasil destoa

expressivamente das previsões legais acima explicitadas, trazendo ainda menos garantias aos

trabalhadores.

66

COLUMBU, Francesca. O trabalho intermitente na legislação laboral italiana e brasileira. Revista de Direito

do Trabalho e Processo do Trabalho, v.1, n.1, jan./jun. 2019. Disponível em:

http://www.portal.anchieta.br/revistas-e-livros/direito-trabalho/pdf/artigo-direito-trabalho-vol1-5.pdf. Acesso

em: 01 dez. 2019. 67

Ibid, p. 100. 68

Ibid, p. 100. 69

Ibid, p. 101-102.

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

36

Para Amari Cesar Alves, os legisladores brasileiros se inspiraram no contrato zero

hora na Inglaterra ao redigir a Lei n. 13.467/2017.70

Desse modo, revela-se imperioso analisar

as nuances do trabalho intermitente britânico, para, assim, tentar extrair valiosas lições quanto

ao instituto no Brasil. Ao mesmo tempo, vale destacar que as circunstâncias sociais,

econômicas e políticas brasileiras implicam consequências mais severas se comparadas com o

contexto britânico, indicando fortemente a tendência de precarização das relações de trabalho

no Brasil a partir das experiências colhidas na Europa.

É bem verdade que a Inglaterra é o berço da Revolução Industrial e país vanguardista

em relação a inúmeros institutos do Direito do Trabalho. Não poderia ser diferente em relação

ao trabalho intermitente, denominado em terras britânicas de contrato zero hora (ou “zero-

hours contract”), utilizado pela primeira vez ainda na década de 1980.

Como já adiantado, para Amauri Cesar Alves, a Reforma Trabalhista brasileira se

inspirou no contrato zero hora britânico ao regulamentar o trabalho intermitente.71

Diferentemente de Portugal e da Espanha, acima explicitados, na Inglaterra há ampla

admissibilidade, sem vedações legais como a exigência de descontinuidade ou intensidade

variável da atividade. Além disso, sequer existe a modalidade de trabalho intermitente em que

é garantida jornada mínima.72

Também contrastando com o Direito português, o trabalhador recebe tão somente

pelas horas efetivamente trabalhadas, da mesma forma como ocorre no Brasil, como veremos

adiante, não havendo que se falar em pagamento de 20% da retribuição base.73

Segundo relatório produzido no âmbito da Organização Internacional do Trabalho

(OIT), o contrato “zero hora” na Inglaterra afeta de formas diferenciadas os grupos sociais. Os

mais vulneráveis (mulheres, migrantes, trabalhadores não-brancos ou trabalhadores com

70

ALVES, Amauri Cesar. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação jurídica. Revista eletrônica [do]

Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 74, p. 54-73, dez. 2018/jan. 2019. Disponível

em:

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/150638/2019_alves_amauri_trabalho_intermitente.p

df?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 nov. 2019. 71

ALVES, Amauri Cesar. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação jurídica. Revista eletrônica [do]

Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 74, p. 54-73, dez. 2018/jan. 2019. Disponível

em:

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/150638/2019_alves_amauri_trabalho_intermitente.p

df?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 nov. 2019. 72

COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Trabalho intermitente - trabalho "zero hora" - trabalho fixo

descontínuo: a nova legislação e a reforma da reforma. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v.

82, n. 1, p. 38-46, jan. 2018. 73

Ibid.

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

37

deficiência) são os principais alvos das contratações intermitentes, recebendo salários que, em

média, representam 35% da renda auferida pelos demais empregados.74

Contrariando, ademais, o discurso de que o contrato zero hora traz benefícios aos

trabalhadores, dados do Office for National Statistics (ONS), órgão oficial britânico de

estatísticas, houve uma explosão na quantidade de trabalhadores contratados nessa

modalidade após a crise de 2009, saltando de aproximadamente 100 mil pessoas para

905.000, no último trimestre de 2016. Isto é, inegavelmente se trata de modalidade que reduz

os custos para o empregador e repassa os ônus para o empregado, afinal, se assim não o fosse,

não seria amplamente empregado tão somente em período de crise.75

Os impactos do contrato zero hora são devastadores e rechaçados pela Organização

Internacional do Trabalho, o que é sintomático e preocupante ao considerarmos que o Brasil

se espelhou nessa modalidade ao regulamentar o trabalho intermitente.

3.2 A Reforma Trabalhista no Brasil

Como explicitado no capítulo anterior, o Brasil apresenta resquícios de fordismo

atrasado com alguns elementos do sistema toyotista. Antes mesmo da Reforma Trabalhista,

por intermédio de várias “mini” reformas, o legislador já tentava amoldar o modelo de

organização do trabalho brasileiro ao modelo inaugurado na Toyota do Japão e expandido

para o restante do mundo no final do século XX. Não por acaso, maior parte dos dispositivos

da CLT já foi alvo de alteração legislativa.

É com a Reforma Trabalhista, entretanto, que se instrumentaliza e se alcança o auge

da flexibilização das relações de trabalho. Sob o pano de fundo de geração de empregos e

crescimento da economia, foram aprovados diversos dispositivos que alteraram a

Consolidação das Leis do Trabalho e introduziram formas atípicas de emprego no

ordenamento jurídico brasileiro.

Tomando a conceituação de Luciano Vasapollo, trabalho atípico é todo aquele que

foge da conceituação tradicional de trabalho, isto é, daquele que restou consagrado pelo

sistema fordista com 8 horas diárias e valor salarial fixo por mês. O autor entende como

74

ADAMS, Abi; PRASSL, Jeremias. Zero-Hours Work in the United Kingdom. Disponível em:

https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---

travail/documents/publication/wcms_624965.pdf. Acesso em: 19 nov. 2019. 75

ZERO, Marcelo. Alguns dados sobre o trabalho intermitente no Reino Unido. Disponível em:

https://www.josepimentel.com.br/sites/default/files/notas-tecnicas/alguns-dados-sobre-o-trabalho-intermitente-

no-reino-unido.pdf. Acesso em: 19 nov. 2019.

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

38

atípico o trabalho intermitente na perspectiva de que a jornada de trabalho não corresponde ao

horário integral, não há data nem locais fixos, e o trabalhador se aproxima ainda mais da

figura de um trabalhador autônomo.76

Como é o objeto do presente estudo, passaremos, a seguir, a analisar os aspectos do

trabalho intermitente no ordenamento jurídico brasileiro.

3.2.1 Conceituação do trabalho intermitente

A tarefa de conceituar o trabalho intermitente no ordenamento jurídico brasileiro não

é das mais fáceis. Ao realizar a interpretação sistemática dos dispositivos da CLT, vê-se que é

possível confundir, pelo menos, três modalidades de emprego: o trabalho em regime de tempo

parcial, o trabalho temporário e o contrato por tempo determinado.

No trabalho em regime de tempo parcial há necessidade regular de trabalho, isto é,

contínuo, diferenciando-se do trabalho tradicional tão somente pela jornada de trabalho diária,

que é reduzida em comparação aos moldes tradicionais de oito horas diárias e quarenta e

quatro semanais. Já no trabalho intermitente é esporádica a necessidade do empregador de

convocar o trabalhador.

No contrato temporário, a seu turno, pressupõe-se a substituição transitória de

pessoal permanente ou uma demanda complementar de serviços. É pactuado, por exemplo,

diante do adoecimento dos empregados efetivos. Durante esse período específico, há

necessidade regular de trabalho, previsão da jornada de trabalho e das verbas salariais a o que

o trabalhador faz jus, não podendo ser confundido, igualmente, com o contrato de trabalho

intermitente.

Por fim, o contrato de trabalho por tempo determinado pressupõe a predeterminação

do prazo, geralmente pactuado diante de atividades empresariais de caráter transitório ou

contrato de experiência.

Traçado esse panorama, é de se extrair que nenhum dos institutos mencionados se

confunde com o trabalho intermitente. Diferentemente de todos os contratos acima

examinados, no trabalho intermitente não há previsibilidade de quando o empregador

necessitará dos serviços do empregado. E, diferentemente do trabalho por tempo determinado,

76

VASAPOLLO, Luciano. O trabalho atípico e a precariedade: elemento estratégico do capital no paradigma

pós-fordista. In: ANTUNES, Ricardo. A explosão do desemprego e as distintas modalidades de

precarização do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 45-58.

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

39

o vínculo trabalhista continua registrado na CLT, não havendo o termo contratual, mas tão

somente a alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade.

Necessário, assim, observar os contornos conferidos pelo legislador ao trabalho

intermitente.

Nesse ensejo, o trabalho intermitente foi positivado na CLT em seus artigos 443,

caput e §3º, e 452-A, ambos incluídos pela Lei n. 13.467/2017. Por contrato de trabalho

intermitente é compreendida a prestação de serviços subordinada, não contínua, com a

alternância de períodos efetivamente de prestação de serviços e períodos de inatividade (que

podem alcançar horas, dias, semanas ou até meses), independentemente da natureza do

serviço, com exceção dos aeronautas, regidos por legislação própria.77

De pronto, é possível identificar pontos de convergência e de dissonância com as

legislações estrangeiras já examinadas: diferentemente do que restou consagrado em Portugal

e na Espanha, no Brasil o contrato de trabalho intermitente pode ser empregado em qualquer

atividade, não só naquelas descontínuas e com intensidade variável. Além disso, não há

qualquer garantia de remuneração nos períodos de inatividade.

Amauri Cesar Alves tece críticas ao conceito do trabalho intermitente com base na

existência de alternância entre períodos de prestação de serviços e de inatividade, na

perspectiva de que no trabalho tradicional também resta presente tal característica: o trabalho

de 8 horas com intervalo de 16 horas, ou até mesmo o trabalho durante 5 ou 6 dias com

intervalo de 24 horas. Para o autor, é frágil o parâmetro utilizado, de modo que busca

formular sua própria definição do instituto.78

Nesse sentido, o autor estabelece que o trabalho intermitente é forma de contrato

bilateral e celetista (ainda que realize ponderações quanto ao critério da não eventualidade),

sendo a atividade descontínua para o empregado, mas corriqueira para o empregador, que, por

sua vez, não pode definir previamente os períodos em que haverá prestação de serviços

efetivamente. Ademais, assevera que o ponto crucial do trabalho intermitente não é a redução

77

“Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por

escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. [...] §

3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação,

não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados

em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para

os aeronautas, regidos por legislação própria”. 78

ALVES, Amauri Cesar. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação jurídica. Revista eletrônica [do]

Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 74, p. 54-73, dez. 2018/jan. 2019. Disponível

em:

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/150638/2019_alves_amauri_trabalho_intermitente.p

df?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 nov. 2019.

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

40

das horas trabalhadas por dia, semana ou mês (visto que isso aproximaria o instituto da figura

do trabalho em regime de tempo parcial), mas a incerteza de quando será necessário o seu

labor.

Interessante posicionamento é o sustentado por Godinho e Neves, quando enquadram

o trabalho intermitente como nova modalidade de salário por unidade de obra. Em

decorrência da natureza jurídica que os autores atribuem ao instituto, é garantida, de acordo

com a jurisprudência pacífica do TST, remuneração não inferior ao salário mínimo vigente no

país.79

O art. 452-A da CLT, no entanto, dispõe que o contrato intermitente deve ser

celebrado por escrito, contendo cláusula expressa e específica sobre o valor da hora de

trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou ao valor horário dos

demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função (efetivos ou

intermitentes).80

Isto é, ainda que o valor da hora trabalhada deva observar o valor da hora no salário

mínimo, no final do período de prestação do serviço o trabalhador pode receber montante

inferior ao salário mínimo. Além da imprecisão conceitual, o trabalho intermitente também

levanta as discussões sobre a violação de direitos trabalhistas (alçados ao patamar de direitos

humanos) previstos em diversos tratados internacionais, seja nas convenções emanadas pela

OIT seja em documentos diversos como a Declaração Universal de Direitos Humanos.

3.2.2 Convocação, multa e pagamento das verbas

Perfilhada a conceituação data por Amauri Cesar Alves, de que o contrato de

trabalho intermitente é contrato bilateral e celetista, caracterizado pela incerteza da

necessidade das prestações de serviço pelo empregador, ainda que não haja eventualidade da

sua atividade,81

é interessante observar as nuances trazidas pelo legislador brasileiro quanto à

convocação, multa e pagamento das verbas.

79

DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil: com os

comentários à Lei n. 13.467/2017. LTr: São Paulo, 2017. 80

“Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente

o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos

demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não”. 81

ALVES, Amauri Cesar. Trabalho intermitente e os desafios da conceituação jurídica. Revista eletrônica [do]

Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 8, n. 74, p. 54-73, dez. 2018/jan. 2019. Disponível

em:

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

41

Os diversos parágrafos do art. 452-A se encarregaram de disciplinar tais miudezas. Já

em seu §1º, o legislador positivou que a convocação feita pelo empregador, por intermédio de

qualquer meio de comunicação eficaz (aqui compreendendo a possibilidade de comunicação

por plataformas de mensagens, por exemplo), deve observar o prazo de três dias corridos de

antecedência, informando qual será a jornada.82

Ato contínuo, o empregado possui o prazo de

um dia útil para aceitar ou não a convocação, presumindo, em caso de silêncio, a recusa da

proposta (§2º do art. 452-A).83

Por oportuno, o parágrafo §3º apregoa que a recursa da oferta não afasta a

subordinação existente entre o empregador e o empregado intermitente. Caso haja a aceitação,

por sua vez, a parte que descumprir o acordado se sujeita ao pagamento de multa de 50%

(cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual

prazo.84

Interessante observar, entretanto, conforme também assinala Colnago, que não há

previsão de multa contratual caso haja a retirada da oferta pelo empregador, retirado o caráter

sinalagmático característico das relações empregatícias.85

Crucial se revela a previsão dada pelo §5º para compreender a natureza do trabalho

intermitente no Brasil e as problemáticas disso decorrentes. Conforme a dicção do dispositivo,

o período de inatividade não é computado como tempo à disposição do empregador,

permitindo a simultaneidade com outros contratantes.86

Nesse ponto, inclusive, é possível

realizar outra ponderação quanto aos dados fornecidos pelo CAGED: é possível que tenham

sido computados vários vínculos relativos ao mesmo trabalhador, mascarando os índices de

empregabilidade no país.

Outrossim, é essencial observar como se dá o pagamento das verbas salariais. Findo

cada período de prestação de serviços, o empregado receberá: a remuneração proporcional ao

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/150638/2019_alves_amauri_trabalho_intermitente.p

df?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 nov. 2019. 82

“§ 1o O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços,

informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência”. 83

“§ 2o Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado,

presumindo-se, no silêncio, a recusa”. 84

“§ 3o A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente.

§ 4o Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à

outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida,

permitida a compensação em igual prazo”. 85

COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Trabalho intermitente - trabalho "zero hora" - trabalho fixo

descontínuo: a nova legislação e a reforma da reforma. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v.

82, n. 1, p. 38-46, jan. 2018. 86

“§ 6o Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das

seguintes parcelas: I – remuneração; II - férias proporcionais com acréscimo de um terço; III - décimo terceiro

salário proporcional; IV - repouso semanal remunerado; e V - adicionais legais”.

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

42

efetivamente trabalhado, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro

salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais. Nesse cenário, é

vedado o contracheque complessivo, dado que essencial o detalhamento das verbas salariais

adimplidas pelo empregador.87

Imperioso pontuar que aqui reside outra problemática que será abordada no capítulo

destinado ao controle de convencionalidade dos dispositivos da Reforma Trabalhista que

regulamentaram o trabalho intermitente: visto que o terço constitucional das férias é diluído

em cada pagamento individualizado, quando o trabalhador conquistar o período aquisitivo

para usufruir das férias essa não será remunerada, na medida em que todos os valores já foram

adiantados, caracterizando flagrante violação ao direito humano de gozar de férias

remuneradas.

3.2.3 Contribuições previdenciárias

A afirmação de Luciano Vasapollo de que a forma atípica de emprego aproxima o

trabalhador celetista à figura do trabalhador autônomo se revela ainda mais acertada quando

analisamos os impasses referentes às condições previdenciárias dos trabalhadores

intermitentes.88

Prevê o §8º do art. 452-A da CLT que caberá ao empregador efetuar o recolhimento

da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, com

base nos valores pagos no período mensal, devendo ser comprovado o repasse dos valores ao

empregado.89

Ocorre que, conforme a própria dicção da CLT, o período de inatividade do

trabalhador intermitente pode alcançar, até mesmo, semanas ou meses. Desse modo, restam

indubitavelmente prejudicadas as contribuições previdenciárias do trabalhador durante os

períodos em que não houver convocação pelo empregador, bem como nos períodos de

prestação de serviços inferiores a 30 (trinta) dias.

Com o advento da Medida Provisória n. 808/17, que incluiu dois dispositivos na CLT

sobre as verbas previdenciárias, a saber, arts. 452-H e 911-A, o ônus de complementar a

87

“§ 7o O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das

parcelas referidas no § 6o deste artigo”.

88 VASAPOLLO, Luciano. O trabalho atípico e a precariedade: elemento estratégico do capital no paradigma

pós-fordista. In: ANTUNES, Ricardo. A explosão do desemprego e as distintas modalidades de

precarização do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 45-58. 89

“§ 8o O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia

do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao

empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações”.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

43

contribuição previdenciária, equivalente à diferença entre a remuneração recebida e o salário

mínimo vigente, passou a recair sobre o trabalhador.90

O ato da complementação obedece aos

ditames do Ato Declaratório Interpretativo nº 6/2017, que dispõe a aplicação da alíquota de

8% sobre a diferença entre a remuneração total recebida e o valor do salário-mínimo mensal,

que deve ser efetuado até o dia 20 do mês seguinte ao da prestação de serviço.91

Não havendo a complementação nos meses cuja remuneração seja inferior ao salário

mínimo, por força do §2º do art. 911-A, os valores percebidos pelo empregado não serão

consideradas para fins de aquisição e manutenção da qualidade de seguro do Regime Geral de

Previdência Social, quiçá para o cumprimento dos períodos de carência para concessão dos

benefícios previdenciários.92

O período de vigência da Medida Provisória em apreço se exauriu em 23 de abril de

2018, sem que tenha havido a sua conversão em lei pelo Congresso Nacional. A partir de

então, o regramento do contrato de trabalho intermitente restou ainda mais lacunoso, contando

tão somente com o disposto no art. 452-A e seus parágrafos.

Apenas em 28 de janeiro de 2019, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa

1.867/19, que repetiu muitos dos contornos dados pela MP 808/17. Em relação às

contribuições previdenciárias, especificamente, a IN dispôs que para que o tempo de trabalho

seja computado no cálculo da aposentadoria, cabe ao empregado efetuar o recolhimento

mínimo sobre o valor do salário mímimo.93

90

“Art. 452-H. No contrato de trabalho intermitente, o empregador efetuará o recolhimento das contribuições

previdenciárias próprias e do empregado e o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal

e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações, observado o disposto no art. 911-

A (Vigência encerrada)

Art. 911-A. O empregador efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do trabalhador e

o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do

cumprimento dessas obrigações. § 1º Os segurados enquadrados como empregados que, no somatório de

remunerações auferidas de um ou mais empregadores no período de um mês, independentemente do tipo de

contrato de trabalho, receberem remuneração inferior ao salário mínimo mensal, poderão recolher ao Regime

Geral de Previdência Social a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal, em

que incidirá a mesma alíquota aplicada à contribuição do trabalhador retida pelo empregador. (Vigência

encerrada)”. 91

“Art. 1º A contribuição previdenciária complementar prevista no § 1º do art. 911-A da Consolidação das Leis

do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a ser recolhida pelo segurado

empregado que receber no mês, de um ou mais empregadores, remuneração inferior ao salário mínimo mensal,

será calculada mediante aplicação da alíquota de 8% (oito por cento) sobre a diferença entre a remuneração

recebida e o valor do salário mínimo mensal.” 92

“§ 2º Na hipótese de não ser feito o recolhimento complementar previsto no § 1º, o mês em que a

remuneração total recebida pelo segurado de um ou mais empregadores for menor que o salário mínimo

mensal não será considerado para fins de aquisição e manutenção de qualidade de segurado do Regime Geral

de Previdência Social nem para cumprimento dos períodos de carência para concessão dos benefícios

previdenciários. (Vigência encerrada)”. 93

BRASIL. Instrução Normativa RFB nº 1867, de 25 de janeiro de 2019. Altera a Instrução Normativa RFB

nº 971, de 13 de novembro de 2009, que dispõe sobre normas gerais de tributação previdenciária e de

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

44

Diversas problemáticas ainda permeiam o contrato de trabalho intermitente, inclusive

acerca da Instrução Normativa em apreço, por determinar o recolhimento com a inclusão do

valor pago a título de férias indenizadas.

No capítulo seguinte, aprofundar-se-á o exame sobre o trabalho intermitente na

Reforma Trabalhista. Por meio das problemáticas já semeadas ao longo do trabalho, pretende-

se, à luz dos tratados internacionais sobre direitos trabalhistas (tanto as Convenções da OIT

quanto demais pactos), perquirir se existe compatibilidade entre o contrato por intermitência e

o ordenamento jurídico internacional.

arrecadação das contribuições sociais destinadas à Previdência Social e das destinadas a outras entidades e

fundos, administradas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. Disponível em:

http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=98303. Acesso em: 20 nov. 2019.

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

45

4 ANÁLISE DA INCONVENCIONALIDADE DO TRABALHO INTERMITENTE NA

LEI N. 13.467/2017

É lição elementar do Direito Constitucional que as leis infraconstitucionais

obedecem formal e materialmente aos ditames da Constituição Federal, não dispondo de

validade e devendo ser expurgados do ordenamento jurídico pátrio os dispositivos que

contrariem as normas constitucionais. Para tanto, os operadores do direito se valem do

tradicional Controle de Constitucionalidade, tanto na via difusa (exercida em qualquer grau de

jurisdição) quanto na via concentrada (procedida exclusivamente pelo Supremo Tribunal

Federal, guardião da Constituição).

Em relação aos tratados internacionais, entretanto, sobretudo antes da introdução do

§3º ao art. 5ª da CF/88, pairavam ferozes controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais quanto

ao status que gozavam no ordenamento jurídico, e, consequentemente, se poderiam ser

adotadas como parâmetro para aferir a validade de determinada lei infraconstitucional.

No dispositivo em apreço, o constituinte reformador cristalizou que os tratados e

convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do

Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,

serão equivalentes às emendas constitucionais, isto é, passarão a integrar o bloco de

constitucionalidade e funcionarão como critério para examinar a validade de determinado ato

normativo, fortalecendo a discussão sobre a necessidade de harmonia entre as normas

infraconstitucionais e os tratados internacionais, sejam eles convenções, declarações, acordos

ou tratados.

Válido mencionar, todavia, que os únicos tratados com status de emenda

constitucional no Brasil, aprovados mediante o rito procedimental descrito acima, são: o

Tratado de Marraqueche de 2013 e a Convenção de Nova York de 2007.94

Todos os demais,

inclusive as Convenções da OIT ratificadas pelo país, situam-se na zona cinzenta do status de

supralegalidade firmado pelo STF no julgamento histórico do RE 466.343-SP, em que

prevaleceu o voto do Ministro Gilmar Mendes.

94

PLANALTO. Tratados equivalentes a emendas constitucionais. Disponível em:

http://www4.planalto.gov.br/legislacao/portal-legis/internacional/tratados-equivalentes-a-emendas-

constitucionais-1. Acesso em: 13 nov. 2019.

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

46

Não obstante, para Valerio de Oliveira Mazzuoli os tratados internacionais que

versam sobre direitos humanos, independentemente de terem sido submetidos ao rito do §3º

do art. 5º, possuem estatura de norma constitucional por força do §2º do mesmo dispositivo.95

Ainda conforme preleciona Valério de Oliveira Mazzuoli, o controle de

convencionalidade é a técnica de aferição da compatibilidade entre um tratado internacional

de direitos humanos e determinada legislação interna. O controle de supralegalidade, assim,

apenas seria cabível, ainda que de forma controversa, aos tratados que versem sobre matérias

diversas.96

Nesse sentido, imperioso destacar que as Convenções emanadas pela Organização

Internacional do Trabalho são classificadas como tratados internacionais de direitos humanos.

Ainda que não possam ser classificados como direitos fundamentais, a partir da divisão

efetuada pelo constituinte brasileiro originário, os direitos sociais trabalhistas se enquadram

no conceito de direitos humanos.

Caminhando nesse sentido, André de Carvalho Ramos defende que a Constituição

Federal dividiu os direitos humanos em cinco categorias, sendo elas: direitos e deveres

individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos e partidos

políticos. Desse modo, resta afastada qualquer dúvida de que as Convenções da OIT ou

demais tratados internacionais que versem sobre direitos trabalhistas podem ser enquadrados

como tratados internacionais de direitos humanos, e, assim, atraem o controle de

convencionalidade para expurgar as normas que estejam em sua contrariedade.97

Não por acaso, o artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos do Homem

(DUDH) consagrou o direito ao trabalho, à sua livre escolha, a condições equitativas e

satisfatórias do trabalho e à proteção contra o desemprego. O tratado em apreço dispõe ainda

que todos possuem o direito de auferir o mesmo salário quando realizado o mesmo labor, bem

como o direito ao salário que garanta uma existência em conformidade com a dignidade

humana.98

95

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 3. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2013. 96

Ibid. 97

RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. 98

“Artigo 23° 1.Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e

satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego. 2.Todos têm direito, sem discriminação alguma, a

salário igual por trabalho igual. 3.Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que

lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por

todos os outros meios de protecção social. 4.Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas

sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.”. OHCHR. Declaração Universal dos

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47

Nesse ensejo, surgem inúmeras problemáticas relativas ao contrato de trabalho

intermitente, semeadas ao longo do capítulo anterior. A seguir veremos, ponto a ponto, as

dissonâncias entre a regulamentação do trabalho intermitente na Reforma Trabalhista e os

direitos garantidos pelas Convenções da OIT ratificadas no plano interno, além das garantias

asseguradas em outros tratados internacionais, a fim de aferir a convencionalidade ou não da

legislação que alterou expressivamente as disposições da CLT.

As discussões que cingem o trabalho intermitente giram em torno, notadamente, de

quatro eixos: 1) a instabilidade salarial gerada pela alternância entre períodos de prestação de

serviços e períodos de inatividade; 2) a diluição da remuneração das férias ao final de cada

período de prestação de serviços; 3) a vulnerabilidade quanto aos benefícios previdenciários

nos meses em que o trabalhador é contratado para trabalhar por período inferior a 30 dias, não

alcançando o valor mínimo exigido para que o recolhimento seja reconhecido pelo INSS para

fins de aposentadoria; 4) desaguando, por fim, na violação ao princípio da vedação ao

retrocesso social.

Vale destacar, por oportuno, que a discussão não se esgota nos pontos elencados

acima, sobretudo considerando que se limita aos aspectos legais do trabalho intermitente.

Considerando o teor das Convenções ratificadas e incorporadas ao ordenamento jurídico

brasileiro, entretanto, o presente trabalho se aterá aos eixos a seguir.

4.1 A Convenção n. 95 da OIT e a proteção do salário

As maiores controvérsias relativas ao contrato de trabalho intermitente orbitam em

torno da instabilidade salarial gerada pela alternância entre períodos de prestação de serviços

e de inatividade, não havendo qualquer previsão ou garantia de que, ao final do mês, o

trabalhador receberá algum valor a título de remuneração. Isso porque, como visto, a Lei n.

13.467/2017 trouxe a previsão de que os períodos de inatividade não são considerados tempo

à disposição do empregador, de modo que o salário apenas é devido ao término dos períodos

de prestação de serviços.

Por outro lado, tamanha é a preocupação com a garantia do salário digno e razoável

que esse direito restou consagrado em diversos documentos vigentes no ordenamento jurídico

brasileiro, a começar pela própria Constituição Federal de 1988. Nesse ínterim, o inciso VII

Direitos Humanos. Disponível em:

https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf. Acesso em: 05 nov. 2019.

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do art. 7º apregoa categoricamente que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais que

possuem remuneração variável a garantia de salário nunca inferior ao mínimo, ao passo que o

inciso IV dispõe que o salário mínimo deve ser suficiente para atender às necessidades vitais

do trabalhador e da sua família.

De antemão, diferentemente do que é argumentado pelos defensores da Reforma

Trabalhista, válido pontuar que a Orientação Jurisprudencial 358 da SDI-1 não se aplica ao

caso do trabalho intermitente. Isso porque, como precisamente pontuado por Godinho, o

contrato por intermitência se amolda ao conceito de “remuneração variável”, utilizado no art.

7º, inciso VII, da CF/88, e não ao conceito de jornada inferior a oito horas diárias e quarenta e

quatro semanais, objeto do entendimento jurisprudencial em apreço.99

Como já examinado no

capítulo 2, a jornada reduzida diz respeito ao trabalho em regime de tempo parcial,

modalidade contratual que não pode ser confundida com o trabalho intermitente.

Não por acaso, é possível que o trabalhador intermitente seja convocado para

cumprir a jornada diária de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, sendo o elemento

característico dessa modalidade contratual tão somente a incerteza da necessidade da

prestação de serviços pelos empregador, e não a redução da jornada de trabalho. Desse modo,

não há que se falar em aplicação da OJ 358 da SDI-1. Pela literalidade do art. 7º, inciso VII,

como o trabalhador intermitente possui remuneração variável, o salário não pode, jamais, ser

inferior ao mínimo vigente.

De igual modo às disposições constitucionais, e como já exposto alhures, a

Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo 23, alçou à estatura de direito

humano o direito à remuneração equitativa e satisfatória, que permita ao trabalhador e ao seu

núcleo familiar viver com dignidade. Ainda que não esteja expresso na redação do referido

dispositivo, basta analisar os tratados internacionais que sucederam a DUDH para perceber

que a compreensão de remuneração satisfatória é bastante relacionada com a fixação de

salário mínimo nacional.

Logo nas cláusulas preambulares da Declaração de Filadélfia, que constitui a carta de

objetivos e princípios da OIT, é reafirmada a necessidade de regulamentação da garantia de

salário que assegure condições de existência convenientes. Também em sua cláusula III

preconiza-se a importância de garantir um “salário vital” aos trabalhadores. Não se pode

perder de vista que a questão salarial é central no Direito do Trabalho desde a Revolução

99

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019.

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49

Industrial, visto que, sem a garantia de remuneração, não há como garantir qualquer dignidade

ao trabalhador.

Sedimentando ainda mais a preocupação com a proteção ao salário, a Organização

Internacional do Trabalho possui cinco Convenções que estabeleceram diretrizes aos Estados

membros quanto ao assunto, para além das Recomendações (documentos que, via de regra,

visam complementar as Convenções).

A mais antiga delas é a Convenção n. 26, aprovada pela 11ª reunião da Conferência

Internacional do Trabalho (Genebra – 1928) e incorporada ao ordenamento jurídico interno

por intermédio da promulgação do Decreto n. 41.721, de 25.6.57, com data do início da

vigência fixada em 25 de abril de 1958. O referido tratado se limitou aos critérios para fixação

do salário mínimo aos trabalhadores da indústria, possuindo campo de abrangência deveras

restrito. De todo modo, é interessante observar que ainda no final da década de 1920 a fixação

de salário mínimo já se tratava de assunto relevante perante a comunidade internacional.

Já a Convenção n. 95, amplamente utilizada como critério da constitucionalidade (e

da convencionalidade) do trabalho intermitente, dispõe sobre a proteção do salário em geral.

O referido documento foi aprovado na 32ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho

(Genebra – 1949), um ano após, inclusive, a promulgação da DUDH. Com entrada em vigor

no plano internacional em 24.9.52 e no Brasil em 25.4.1958, introduzida pelo Decreto n.

41.721, a Convenção n. 95 consagra que o salário deve ser justo e razoável, de modo a

garantir o uso pessoal do trabalhador, da sua família e que lhes traga benefícios.

Fortalecendo a discussão sobre o salário mínimo especificamente, dessa vez com

enfoque nos países em desenvolvimento e visando complementar as lacunas da Convenção de

1929, aprovou-se a Convenção n. 131, com vigência nacional desde 4 de maio de 1984

(Decreto n. 89.686, de 22.5.84). Restou consignado em suas disposições que o sistema de

salário mínimo deve abarcar todos os grupos de assalariados, em atenção às condições e às

necessidades do país.

O arcabouço legal acima delineado escancara nitidamente a incompatibilidade entre

o contrato de trabalho intermitente e o ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo à luz das

Convenções da OIT vigentes no país mediante decreto (o que afasta as discussões sobre a

vinculação do Estado brasileiro aos tratados em apreço).

Ora, conforme já demonstrado no capítulo anterior, o regramento do contrato de

trabalho intermitente na CLT prevê que a remuneração do trabalhador será de acordo com os

períodos efetivos de prestação de serviços, alternados com períodos de inatividade, que

podem durar horas, dias, semanas ou até meses. Desse modo, ainda que haja a previsão de que

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50

a hora do trabalho não poderá ser inferior à hora do salário mínimo, em relação ao montante

final não existe qualquer garantia de que o trabalhador receberá o mínimo vigente no país.

Para todos os efeitos, o que é determinante para garantir a dignidade do trabalhador é a

remuneração final, que pode ou não garantir a satisfação das suas necessidades e as de sua

família.

Não há qualquer dúvida que não ostenta validade o contrato de trabalho que não

garanta ao trabalhador o recebimento de um salário mínimo, visto que vai de encontro a todas

as Convenções preocupadas em garantir o recebimento de remuneração justa e razoável, apta

a garantir a dignidade do trabalhador. Como se não bastasse, a ausência de garantia de

recebimento do salário mínimo contraria frontalmente o art. 7º, VII, da CF/88: aos

trabalhadores urbanos e rurais que auferem remuneração variável é garantido o recebimento

do salário mínimo.

Se, conforme o DIEESE (Departamento intersindical de estatísticas e estudos

socioeconômicos), o salário mínimo fixado no Brasil atualmente já se revela insuficiente para

prover as necessidades dos trabalhadores brasileiros, mais alarmante ainda é o cenário dos

trabalhadores que sequer possuem a garantia de receber o salário mínimo por mês.100

E mais

uma vez se revela acertado o apontamento de Luciano Vasapollo: as formas atípicas de

emprego aproximam o trabalhador de carteira assinada do trabalhador autônomo. Nos dois

casos, não se sabe quanto o trabalhador receberá ao final do mês.

Caminhando nesse sentido, o relatório da OIT “Non-Standard Employment Around

The World”, divulgado ainda em 2016, as formas flexíveis de trabalho ganharam força nas

economias em desenvolvimento. Por trás do discurso de desburocratização e flexibilização

para gerar mais empregos, reside a insegurança de emprego e rendimentos, o que impõe

severos desafios aos trabalhadores do mundo todo.101

4.2 A Convenção n. 132 e a garantia do gozo de férias remuneradas

Para além da questão salarial, é essencial examinar os percalços vividos pelos

trabalhadores intermitentes no que diz respeito ao gozo das férias remuneradas. Como exposto

no capítulo anterior, a remuneração das férias no contrato de trabalho intermitente é diluída

100

DIEESE. Nota Técnica nº 201. Salário mínimo de 2019 é fixado em R$ 998,00. Disponível em:

https://www.dieese.org.br/notatecnica/2019/notaTec201SalarioMinimo.html. Acesso em: 01 dez. 2019. 101

OIT. Futuro do trabalho no Brasil: perspectivas e diálogos tripartites. Disponível em:

https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-

brasilia/documents/publication/wcms_626908.pdf. Acesso em: 19 nov. 2019.

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51

nas prestações pagas ao término de cada período de prestação de serviços. Desse modo,

quando o trabalhador completar o período aquisitivo de 12 meses, não será possível gozar das

férias remuneradas, visto que toda a remuneração devida já foi paga antecipadamente.

Ocorre que usufruir de férias remuneradas trata-se de direito tão sagrado para o

trabalhador que a Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 7º, XVII, que não só as

férias anuais devem ser remuneradas, como também acompanhadas de um terço a mais do que

o salário normal. Outrossim, o artigo 129 da Consolidação das Leis do Trabalho reafirma que

é direito do empregado gozar anualmente de um período de férias, sem prejuízo da

remuneração.

No plano internacional, a Convenção n. 132 da Organização Internacional do

Trabalho de 1970, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto n. 3.197, de 5

de outubro de 1999, assevera que todos os empregados, com exceção dos marítimos, possuem

direito a férias anuais remuneradas de duração mínima determinada. Imperioso destacar que,

para além da ponderação em relação aos marítimos, não há qualquer outra exceção no bojo do

tratado em apreço, demonstrando a preocupação em garantir que o trabalhador desfrute

adequadamente do período remunerado de descanso.

A Convenção n. 132, inclusive, é a mais aplicada pelos Tribunais Regionais do

Trabalho (dos vinte e quatro, dezessete mencionam o tratado em apreço nas suas decisões). Já

é pacífico o entendimento de que as disposições da CLT são mais benéficas para o trabalhador

em relação ao período aquisitivo e ao período de férias em si, visto que garantem trinta dias

de férias (em detrimento dos vinte e um dias mais feriados previstos na Convenção em

apreço), e o período aquisitivo é de doze meses em vez de dezoito. No restante, prevalecem as

cláusulas convencionais.102

Para todos os efeitos, tanto na Convenção n. 132 quanto na CLT,

bem como na Constituição, é categoricamente consagrado o direito a férias remuneradas.

Não se pode perder de vista que o trabalho implica o dispêndio físico e intelectual, de

modo que o descanso remunerado permite que o trabalhador reponha as suas forças e

energias, realize atividades extralaborais, se integre no seio familiar e social, desfrute de

eventos culturais, pratique esportes, atividades de lazer, e, tudo isso, sem se preocupar com o

equilíbrio financeiro. No caso do trabalhador intermitente, as férias deixam de ser um

momento de descanso e trazem ainda mais preocupações, visto que o trabalhador não estará

102

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira; FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Incorporação e aplicação das

Convenções Internacionais da OIT no Brasil. Revista de Direito do Trabalho: São Paulo, v. 167, n. 42, p.

169-182, jan./fev. 2016. Disponível em:

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/89797/2016_mazzuoli_valerio_incorporacao_aplica

cao.pdf?sequence=1. Acesso em: 05 nov. 2019.

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52

exercendo qualquer atividade remunerativa nesse período, o que é flagrantemente

inconstitucional e inconvencional.103

Para além disso, torna-se incerto até mesmo o período aquisitivo do trabalhador

intermitente, na medida que não cumpre jornadas de trabalho contínuas, mas, ao mesmo

tempo, pode prestar serviços simultaneamente para mais de um empregador.

Desse modo, não resta qualquer dúvida de que o contrato de trabalho intermitente

deve também ser considerado materialmente inconvencional pela violação ao direito humano

de usufruir de férias anuais remuneradas.

4.3 A Convenção n. 102 e as garantias mínimas de Previdência Social

Como se já não bastasse a instabilidade salarial e a inexistência de gozo de férias

remuneradas, o trabalhador intermitente também enfrenta sérios impasses relativos às

contribuições previdenciárias e seus efeitos. Isso porque, como é cediço, a alíquota incidente

sobre a remuneração para o recolhimento mensal junto ao INSS varia entre 8 a 11%, a

depender do valor do salário. Considerando o salário mínimo, por ser a realidade da maioria

dos brasileiros, é necessário, portanto, que o recolhimento seja de 8% sobre o valor do salário

mínimo.

Ocorre que, diante de contrato de trabalho intermitente, por força do disposto no art.

452-A da CLT, o empregador possui o dever de recolher as contribuições previdenciárias com

base na remuneração paga ao término da prestação daquele serviço. Desse modo, não raro, o

recolhimento não alcança a alíquota de 8% e deixa o trabalhador numa situação de incertezas

e receios, também chamado de “limbo previdenciário”104

.

Na Itália, por exemplo, país em que a previsão legal quanto aos recolhimentos

previdenciários é deveras semelhante em relação ao Brasil, os dados estatísticos apontam que

os trabalhadores intermitentes laboraram em média apenas 10 dias por mês no primeiro

103

NOGUEIRA, Eliana dos Santos Alves. O contrato de trabalho intermitente na Reforma Trabalhista brasileira:

contraponto com o modelo italiano. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 51, 2017.

Disponível em:

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/125435/2017_nogueira_eliana_contrato_trabalho.pd

f?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 05 nov. 2019. 104

“[...]Surgiu uma classe de contribuintes desprotegidos do sistema formando o chamado ―limbo

previdenciário‖, isto é: uma categoria de segurados que estão sendo sistematicamente abandonados à própria

sorte, situando-se à margem da proteção social, apesar de verterem contribuições ao sistema e possuírem

carência para acessar os benefícios por incapacidade.”. Cf. PANCOTTI, Luiz Gustavo Boiam; PANCOTTI,

Heloísa Helena Silva. A reforma trabalhista e seus reflexos no limbo previdenciário. Revista Aporia Jurídica

(on-line), v. 1, n. 8, p. 276-294, jul./dez. 2017. Disponível em:

http://www.cescage.com.br/revistas/index.php/aporiajuridica/article/view/117/114. Acesso em: 05 nov. 2019.

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53

trimestre de 2017. Dessa forma, o trabalho intermitente desemboca tanto em trabalhadores

quanto em aposentados pobres, que recebem aposentadoria correspondente a

aproximadamente 30% do salário médio.105

A MP 808/17, cujo teor foi repetido pela Instrução Normativa também exposta,

repassou para o trabalhador o ônus de complementar a diferença entre o recolhimento feito

sobre a remuneração que recebeu naquele período e o recolhimento sobre o salário mínimo

vigente no país. Naturalmente, diante de modalidade de trabalho em que os trabalhadores

sequer possuem a garantia de receber o salário mínimo mensal, comprometendo

expressivamente o planejamento financeiro, é deveras oneroso (e burocrático) ao trabalhador

a previsão de complementação para que o período seja computado no tempo de serviço para

fins de aposentadoria.

Isso sem falar nos demais benefícios previdenciários, como o auxílio doença e a

aposentadoria por invalidez, que possuem, como um de seus requisitos para a concessão, a

qualidade de segurado. O contrato de trabalho intermitente, desse modo, além de desprover o

trabalhador da garantia de salário mínimo e de férias anuais remuneradas, também lhe retira a

perspectiva de aposentadoria e o respaldo em caso de acidentes de trabalho ou de doenças de

que foi acometido.106

Como precisamente pontuado por Pancotti, o contrato de trabalho intermitente

aumenta a quantidade de trabalhadores presos no limbo previdenciário, dado que recebem

valores tão ínfimos que sequer alcançam o patamar mínimo do recolhimento previdenciário.

Como reflexo necessário desse cenário, tanto haverá o comprometimento de todo o sistema de

105

NOGUEIRA, Eliana dos Santos Alves. O contrato de trabalho intermitente na Reforma Trabalhista brasileira:

contraponto com o modelo italiano. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 51, 2017.

Disponível em:

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/125435/2017_nogueira_eliana_contrato_trabalho.pd

f?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 05 nov. 2019. 106

“Nesse diapasão, o contrato de trabalho intermitente, além de criar uma mazela presente, pois não garante

nem trabalho e nem salário, também gerará uma mazela futura, de uma geração que talvez não consiga se

aposentar por tempo de contribuição, ou, caso consiga, tenha proventos equivalentes ao salário mínimo.”. Cf.

FARIAS, Leandro Pompermayer. Análise crítica sobre o trabalho intermitente. Revista JuRES, v.11, n. 20,

2018. Disponível em: http://periodicos.estacio.br/index.php/juresvitoria/article/viewFile/6296/47965442.

Acesso em: 05 nov. 2019.

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · The present study has the scope to examine the incompatibility between the intermittent employment contract rule in Law nº

54

previdência social brasileiro107

, como também o consequente empobrecimento da

população.108

A ampliação da cobertura da seguridade social, por outro lado, é um dos objetivos da

OIT. A Convenção n. 102, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 269, de 19.09.2008, do

Congresso Nacional, institui aos Estados membros o dever de assegurar benefícios

previdenciários como o auxílio-doença, seguro-desemprego, aposentadoria por idade,

aposentadoria por invalidez, dentre outros.

A partir da discussão acima traçada, patente que o Brasil, com o advento da Lei n.

13.467/2017, encontra-se em rota de colisão com as previsões da Convenção em apreço, dado

que vulnerabiliza o acesso do trabalhador intermitente aos benefícios previdenciários.

4.4 O princípio da vedação ao retrocesso social

As violações aos direitos humanos de garantia de salário digno e razoável, de férias

anuais remuneradas e de acesso aos benefícios previdenciários confluem na agressão ao

princípio que rege a arquitetura jurídico-trabalhista internacional: o princípio da vedação ao

retrocesso social. A tutela estatal dos direitos sociais deve ser progressiva, ampliativa, em

observância à irreversibilidade das leis concessivas de direitos sociais, uma vez que não é

autorizado o retorno a patamar civilizatório inferior ao já existente.109

Nesse sentido, a Declaração de Filadélfia assentou, ainda nas cláusulas preambulares,

a urgente necessidade de melhorar as condições de trabalho, seja por meio da regulamentação

das horas de trabalho, com a fixação de uma jornada diária e semanal máxima, a garantia de

um salário que viabilize a existência digna, a proteção do trabalhador contra moléstias graves

ou profissionais e acidentes de trabalho, dentre outros. Para tanto, os Estados membros

assumem o compromisso de regulamentar o trabalho sempre na perspectiva de ampliar os

horizontes da proteção aos trabalhadores, jamais em sentido contrário.

107

“[...] Estamos diante do surgimento dos excluídos da Previdência, uma classe que não se disporá a contribuir

para financiar a aposentadoria da geração seguinte, quebrando o paradigma da intergeracionalidade,

ameaçando de morte a saúde do Sistema de Previdência Social no país.”. Cf. PANCOTTI, Luiz Gustavo

Boiam; PANCOTTI, Heloísa Helena Silva. A reforma trabalhista e seus reflexos no limbo previdenciário.

Revista Aporia Jurídica (on-line), v. 1, n. 8, p. 276-294, jul./dez. 2017. Disponível em:

http://www.cescage.com.br/revistas/index.php/aporiajuridica/article/view/117/114. Acesso em: 05 nov. 2019. 108

Ibid. 109

LIMA, Gustavo Galassi; COSTA, Mariana Ozaki Marra da. A Reforma Trabalhista e o princípio da vedação

ao retrocesso social: impactos do parágrafo único do art. 611-B da CLT sobre os trabalhadores. REDUnB,

Brasília, n. 15, p. 285-294. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/redunb/article/view/22432.

Acesso em: 18 nov. 2019.

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55

Partindo das premissas já firmadas nesse capítulo, de que o contrato de trabalho

intermitente é materialmente inconvencional por não garantir aos empregados pelo menos a

remuneração no patamar mínimo vigente no país, por precarizar o acesso aos benefícios

previdenciários e por colocar em xeque o gozo das férias anuais remuneradas, não há outra

interpretação cabível senão a de que o trabalho intermitente representa um retrocesso social

no ordenamento jurídico brasileiro.

Para Mazzuoli e Molina, em sentido contrário, a Reforma Trabalhista não caracteriza

completo retrocesso social por não ter afetado o núcleo essencial dos direitos fundamentais,

mas tão somente ter reconfigurado determinados institutos do Direito do Trabalho.110

Ocorre

que o conteúdo das Convenções n. 95, 102 e 132 restou completamente esvaziado.

Ora, aos signatários é atribuída a incumbência de garantir cada vez mais aos

trabalhadores um salário digno. O respaldo legal a uma modalidade contratual em que o

trabalhador pode, até mesmo, não receber nenhum valor durante meses é flagrantemente

incompatível com o arcabouço jurídico da OIT. Do mesmo modo, as discussões sobre as

férias devem ser no sentido, por exemplo, de aumentar a quantidade de dias de descanso ou

até mesmo de ampliar o valor pago a título de indenização, mas jamais de tornar o trabalhador

mais vulnerável, que recebe as parcelas de forma diluída ao término de cada período de

prestação de serviços.

Retomando as reflexões do Capítulo 1, o contrato de trabalho intermitente aproxima

as condições de trabalho da realidade dos primeiros anos do capitalismo, rompendo com a

lógica fordista de instabilidade, de intervenção do Estado e de garantia de muitos direitos

trabalhistas. Em outras palavras, o retrocesso social nada mais é do que a inflexão na proteção

aos direitos trabalhistas. Ao regulamentar o contrato de trabalho intermitente na Lei n.

13.467/2017, o Brasil se distancia ainda mais de concretizar o conceito de trabalho decente,

na medida que esse é intrinsecamente relacionado com a erradicação da pobreza, a redução

das desigualdades sociais e com a remuneração adequada do trabalho produtivo.111

110

MOLINA, André Arújo; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle de convencionalidade da Reforma

Trabalhista. Revista Dat@venia, v. 9, n. 1, jan./abr. 2017, p. 34-49. Disponível em:

http://revista.uepb.edu.br/index.php/datavenia/article/download/4161-12622-1/2430. Acesso em: 19 nov. 2019. 111

FÉLIX, Ynes da Silva; AMORIM, Antônio Leonardo. Trabalho decente e trabalho digno: normas

internacionais que vedam o retrocesso do Direito do Trabalho. Revista Percurso, Curitiba, v. 3, n. 26, 2018, p.

128-147. Disponível em: http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/percurso/article/view/3138/371371670.

Acesso em: 18 nov. 2019.

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56

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contrato intermitente descaracteriza não somente a compreensão do trabalho

concreto em Karl Marx, mas esvazia também a noção de trabalho decente consagrada pela

OIT e rompe com os moldes tradicionais do trabalho delineados na CLT.

Como visto, o trabalho intermitente foi introduzido no ordenamento jurídico

brasileiro por intermédio da Lei n. 13.467/2017. Após o apanhado teórico sobre as formas de

organização do trabalho, é possível depreender que a Reforma Trabalhista não se trata de

fenômeno isolado, mas, na verdade, situa-se no contexto do regime de acumulação flexível

próprio do regime toyotista.

É essencial ter isso em mente para não retirar conclusões precipitadas sobre as

formas de superação da tendência de precarização das relações do trabalho. Partindo da

compreensão do trabalho abstrato, já exaustivamente delineada, o trabalho sob as leis do

sistema capitalista é por si só precário, visto que construído, sobretudo, para gerar valor de

troca, distanciando-se da dimensão do trabalho necessária para a dignificação humana. Assim,

a única forma de superar completamente o caráter precário (e a tendência de precarização) do

trabalho é a superação do próprio sistema capitalista.

De todo modo, é importante observar as formas de amenizar os impactos sofridos

pela classe trabalhadora a curto prazo. Nesse ínterim, dois são os instrumentos jurídico-

institucionais adequados para controlar as violações aos direitos humanos decorrentes do

contrato de trabalho intermitente: o controle de constitucionalidade e o controle de

convencionalidade.

Isso porque a CLT deve obediência formal e material tanto aos ditames

constitucionais quanto aos tratados internacionais de direitos humanos. Ora, os direitos

trabalhistas, agasalhados constitucionalmente sob a terminologia de “direitos sociais”, são

alcançados também pelo raio de proteção do ordenamento jurídico internacional, a começar

pela própria Declaração Universal de Direitos Humanos que consagra o trabalho digno e a

remuneração adequada como direitos do homem.

Analisando especificamente a normatividade da Organização Internacional do

Trabalho, por intermédio, sobretudo, das Convenções n. 95, 102 e 132, é nítido que as

alterações promovidas pela Reforma Trabalhista na CLT são dissonantes em relação à malha

de direitos trabalhistas conquistados sob a árdua luta da classe trabalhadora.

Ao condicionar a remuneração do trabalhador aos períodos de prestação de serviços,

o legislador deixou o empregado em situação extremamente vulnerável. Partindo da

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característica principal do trabalho intermitente, isto é, a alternância entre períodos de

inatividade e de prestação de serviços, observou-se tormentosa celeuma quanto à ausência de

remuneração nos períodos em que não há convocação pelo empregador, como também pela

insuficiência do salário pago quando o trabalhador é convocado para período inferior a 30

(trinta) dias.

O impasse reflete tanto nas verbas salariais, quanto no direito de gozar de férias

anuais remuneradas e no acesso aos benefícios da previdência social. Não tardará para que o

Brasil apresente os mesmos resultados socialmente desastrosos que a Inglaterra e a Itália.

Como visto, na Inglaterra os trabalhadores intermitentes recebem, em média, 35% a menos

que os trabalhadores contratados por tempo indeterminado e com prestação contínua de

serviços.

Já na Itália, os reflexos na aposentadoria dos trabalhadores intermitentes são

desumanos e indignos: recebem o correspondente a 30% da remuneração padrão. Ora, se no

Brasil a previsão quanto às contribuições previdenciárias é a mesma, ou seja, o ônus de

complementar o recolhimento para que alcance o patamar mínimo recai sobre o trabalhador,

não há qualquer razão para acreditar que os resultados serão diferentes.

Na verdade, considerando que o Brasil é um país com economia em

desenvolvimento, deveras atrasado em relação às transformações do trabalho que ainda na

década de 1950 já haviam sido implementadas na fábrica Toyota do Japão, é ainda mais

preocupante os efeitos da contratação na modalidade intermitente.

A flexibilização dos direitos trabalhistas, como demonstrado em comparação com as

experiências vivenciadas em outros países, não gera empregos nem melhora os índices da

economia. O único resultado é a formação de um contingente de trabalhadores sem direitos,

vivendo como verdadeiros trabalhadores autônomos (em que pese possuam carteira assinada).

Ou seja, o trajeto fordista para o pleno emprego sofreu desvios no meio do caminho para

transformar o empregado em trabalhador permanentemente temporário.

Decorridos dois anos a contar da vigência da Reforma Trabalhista, a expectativa de

que a “modernização” dos direitos trabalhistas iria gerar empregos e promover o crescimento

da economia brasileira não se concretizou. Conforme demonstrado, os números de vagas de

emprego registrados pelo CAGED representam pouco mais da metade dos números projetos

pelos defensores da Lei n. 13.467/2017, e trazem dados preocupantes quanto ao trabalho

intermitente.

Desse modo, não se pode fechar os olhos para a realidade. Um a cada seis

trabalhadores empregados desde novembro de 2017 até julho de 2019 foi contratado na

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modalidade intermitente, ou seja, sem garantia de recebimento de salário mensalmente, e,

quando ocorre, sob os riscos de que não atinja o patamar do salário mínimo vigente no país,

sem férias anuais remuneradas, sem o recolhimento previdenciário suficiente para garantir a

qualidade de segurado e o cômputo do tempo de serviço para fins de aposentadoria.

Isto é, o contrato de trabalho intermitente cria vagas de falsos empregos, na medida

em que forja a figura do empregado sem garantia de salário, sem férias anuais remuneradas e

sem acesso aos benefícios previdenciários. Na verdade, um trabalho sem a garantia mínima

dos direitos trabalhistas sequer pode ser chamado de emprego.

Visto que o Brasil assumiu compromisso internacional ao assinar, ratificar e

promulgar via decreto as Convenções n. 95, 102 e 132 da OIT, não há outra alternativa senão

expurgar do ordenamento jurídico brasileiro os arts. 443, caput e §3º, e 443-A da CLT.

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