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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, ESTUDOS SOCIOHISTÓRICOS E FILOSÓFICOS GILSON LOPES DA SILVA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE: DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS AO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA (1829-1929) NATAL - RN 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE …...extração da cera de carnaúba. No campo educacional, é implantada na cidade uma Escola de Primeiras Letras masculina em 1829, por

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, ESTUDOS SOCIOHISTÓRICOS E

FILOSÓFICOS

GILSON LOPES DA SILVA

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE:

DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS AO GRUPO ESCOLAR TENENTE

CORONEL JOSÉ CORREIA (1829-1929)

NATAL - RN

2017

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GILSON LOPES DA SILVA

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE:

DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS AO GRUPO ESCOLAR TENENTE

CORONEL JOSÉ CORREIA (1829-1929)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte como requisito parcial

para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Marlúcia Menezes de

Paiva.

NATAL - RN

2017

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Catalogação da Publicação na Fonte.

UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Silva, Gilson Lopes da.

História da educação primária na Atenas Norte-Rio-Grandense: das escolas de primeiras letras ao Grupo

Escolar Tenente Coronel José Correia (1829-1929)/ Gilson Lopes da Silva. - Natal, 2017.

166f.: il.

Orientador: Prof.ª Dr.ª Marlúcia Menezes de Paiva.

Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Educação.

Programa de Pós-graduação em Educação.

1. História da Educação Primária – Dissertação. 2. Escolas de Primeiras Letras - Dissertação. 3. Grupo Escolar

Tenente Coronel José Correia. - Dissertação. 4. Atenas Norte-Rio-grandense - Dissertação. I. Paiva, Marlúcia

Menezes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título

RN/BS/CCSA CDU 373.3(091)

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GILSON LOPES DA SILVA

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE: DAS

ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS AO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ

CORREIA (1829-1929)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em Educação, sob

orientação da Profa. Dra. Marlúcia Menezes de Paiva.

Banca examinadora:

__________________________________________________

Profa. Dra. Marlúcia Menezes de Paiva (Orientadora)

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________________________

Profa Dra Olívia Morais de Medeiros Neta (Examinadora interna)

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________________________

Profº. Drº José Mateus do Nascimento (Examinador externo)

IFRN – Instituto Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________________________

Prof°. Dr°. Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes (Examinador suplente interno)

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________________________

Profa. Dra. Rita Diana de Freitas Gurgel (Examinadora suplente externa)

UFERSA – Universidade Federal Rural Do Semi-Árido

NATAL - RN

2017

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À minha mãe, Maria de Lourdes do Nascimento (in

memorian). Sertaneja semianalfabeta, me ensinou valores

essenciais de solidariedade e dignidade que levarei por

toda a minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Esta dissertação foi produzida com a colaboração de diversas pessoas com quem tive a

oportunidade de conviver desde 2014 quando surgiu a possibilidade de realizar uma pesquisa

de mestrado. Acredito que esse trabalho é fruto de parcerias, sugestões, diálogos, auxílio de

fontes, dicas de leitura e incentivos. Parafraseando Lenine num trecho da canção Castanho do

CD Carbono (2015), afirmo que “O que eu sou, eu sou em par. Não cheguei sozinho”.

As primeiras pessoas que me incentivaram à tentar uma oportunidade como aluno

especial do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande

do Norte (UFRN) foram a professora Rita Diana de Freitas Gurgel e Cecília Pordeus, minhas

ex-colegas de trabalho na Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). Obrigado

pelo apoio e por acreditarem que era possível!

As primeiras pistas para construir um objeto de estudo sobre a história da Educação

Primária na cidade do Assú foram dadas pelas amigas Silvia Helena de Sá Leitão e Antônia

Milene Silva. Obrigado pelo carinho!

O acesso a algumas fontes foi possibilitado pelo desprendimento e a atenção do

professor e amigo Aldo Cardoso, do historiador Ivan Pinheiro, dos funcionários da Casa da

Cultura do Assú, do Educandário Nossa Senhora das Vitórias, na pessoa de Iza Caldas, e da

equipe da Escola Estadual Tenente Coronel José Correia, na pessoa de dona Chaguinha.

Obrigado pela atenção!

À amiga Simone Mendes que mais uma vez se dispôs a fazer a tradução do resumo de

um trabalho meu.

Nos encontros na Pós-Graduação mantive contato com grandes pesquisadores e amigos

que me incentivaram e contribuíram com palavras e partilhas de experiência. Destaco os nomes

de Flávio José, Francisco Carlos, Alysson Régis, Delcineide, professora Kilza Viveiros e

Janaína Morais. Fico feliz em saber que posso contar com vocês. Muito obrigado!

Durante as aulas na Pós-Graduação tive a possibilidade de manter contato com

professores doutores competentes que se dedicaram a despertar o melhor dos alunos do

Programa. Agradeço, em especial, a professora Marta Araújo, ao professor André Ferrer e a

professora Marta Pernambuco.

Aos professores doutores que aceitaram participar da banca examinadora, fazer a leitura

atenciosa e contribuir com sugestões importantes para a melhoria desse trabalho: Lenina Lopes

Soares Silva, José Mateus, Rita Diana de Freitas Gurgel (mais uma vez e sempre), Olívia Morais

de Medeiros Neta e Antonio Basílio Novaes Thomaz de Menezes. Esses dois últimos, em

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especial, acompanharam e contribuíram com as transformações e o amadurecimento desse

trabalho durante os Seminários de Orientação de Dissertação.

Agradeço de forma muito especial as amigas Tainá Bandeira, Ana Zélia Maria Moreira

e Juliana Rocha. Nosso encontro na Pós-Graduação se formou a partir de momentos de

afetividade, partilha de experiências, dedicação, carinho e cuidado. Que nossas amizades

continuem sendo marcadas por esse fluxo crescente de coisas boas e positivas. E isso já se

tornou realidade no amor que sentimos por Miguel e Tomás.

Ser acolhido pela professora Marlúcia Menezes de Paiva como seu orientando foi como

receber uma benção. Serei eternamente agradecido pela oportunidade e o carinho com que

sempre me tratou e desejo que continue sempre sendo esse “mar de luz” para todas as pessoas

que estão ao seu redor. Gratidão!

Também agradeço à CAPES pela bolsa concedida para a realização deste trabalho.

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O movimento da escola, a sua autoconstrução, desdobra-se e se

articula ao/no movimento da cidade e da nação, estabelecendo

vínculos e continuidades, mas constituindo singularidades e

rupturas. É uma e mesma escola que se desdobra em vários

momentos, em múltiplas direções, de acordo com o jogo de

forças, com os desejos, medos e anseios de profissionais e, porque

não, daqueles que a frequentam. Escola e cidade, ambas criadoras

e criaturas: é uma escola que se vai legitimando como uma forma

não apenas de educar as crianças e de transformá-las, mas

também de influir no destino da cidade. A escola, nesse sentido,

cria-se ao criar a cidade; é uma cidade que se produz nos

momentos da escola, e produz na escola como um de seus

momentos.

Luciano Mendes de Faria Filho

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RESUMO

O objetivo desta dissertação é analisar a importância da História da Educação Primária para a

construção da identidade da cidade do Assú (RN) como Atenas Norte-rio-grandense. Dentro

dessa proposição de trabalho, consideramos o movimento de interação que se estabelece entre

as práticas culturais e literárias desenvolvidas na cidade e o processo de escolarização. No

período estudado (1829-1929) destacamos a implantação das Escolas de Primeiras Letras,

durante o regime imperial, e do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, no governo

republicano, espaços de escolarização que remetem ao objeto de nossa pesquisa: a Educação

Primária. Utilizamos como fontes jornais da época, documentos referentes às instituições

educativas e obras de memorialistas como Francisco Amorim e Pedro Amorim que retratam o

contexto socioeconômico, cultural, literário e educacional da cidade do Assú. Como

procedimento metodológico, recorremos à investigação documental e bibliográfica no sentido

de fundamentar a reconstituição do percurso histórico de nosso objeto de estudo. A orientação

teórico metodológica ancora-se nas reflexões de Frago (1993), Magalhães (2004) e Saviani

(2013). Esses teóricos desenvolveram respectivamente pesquisas sobre a história da

alfabetização, a história das instituições educativas e a história das ideias pedagógicas, temas

que apresentam uma relação direta com o nosso trabalho e que contribuíram com a própria

forma como direcionamos as investigações sobre o objeto. A cidade do Assú, inicialmente

chamada de Vila Nova da Princesa, está localizada no interior do Estado do Rio Grande do

Norte e se desenvolveu a partir da colonização portuguesa na região. Além dos hábitos

comportamentais, os colonizadores deixaram como herança as bases para um importante

desenvolvimento cultural e literário que se evidencia na cidade a partir da segunda metade do

século XIX com a circulação de jornais, a produção de poesias e textos diversos e o teatro,

atividades que fizeram com que a cidade recebesse a cognominação de Atenas Norte-Rio-

grandense. Aliado a isso, a economia local também se expande com a produção do algodão e a

extração da cera de carnaúba. No campo educacional, é implantada na cidade uma Escola de

Primeiras Letras masculina em 1829, por influência da Lei de 15 de outubro de 1827 durante

os primeiros anos do regime imperial. Contando apenas com esse modelo de Educação Primária

até as primeiras décadas do século XX, ele vai se mostrar significativo no processo de instrução

elementar dos filhos da elite local que participam da vida cultural e literária da cidade. Com a

instituição do governo republicano em 1889, desenvolvem-se novas ideias pedagógicas para a

instrução primária no país com a implantação dos Grupos Escolares. Esse novo modelo foi

instalado no Assú com a publicação em agosto de 1911 do Decreto n° 254 que autorizou a

criação do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, inaugurado no dia 07 de setembro de

1911. Espaço que expressa uma forma moderna e inovadora de escolarização da Educação

Primária, essa instituição também participou ativamente da vida cultural e literária da cidade

do Assú por meio da atuação de alguns professores e dos próprios alunos com a produção de

práticas que circulam no espaço interno e externo da instituição.

Palavras-chave: História da Educação Primária. Escolas de Primeiras Letras. Grupo Escolar

Tenente Coronel José Correia. Assú. Atenas Norte-Rio-grandense.

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ABSTRACT

The purpose of this dissertation is to analyze the importance of Primary Education in building

the identity of the city of Assú (RN) as Athens North-Rio-Grandense. Within this work

proposal, we considered the motion of interaction that is established between cultural and

literary practices developed in the city and its schooling process. In the studied period (1829-

1929) we highlight the implementation of the Schools of first letters during the imperial regime

and the Lieutenant Colonel José Correia School Group, on the republican government, places

of schooling which refer to the object of our research: Primary Education. Our sources used

were: newspapers from the time, related documents to educational institutions and works of

memorialists such as Francisco Amorim and Pedro Amorim who portray the socioeconomic,

cultural, literary and educational context of the city of Assú. As a methodological procedure,

we resorted to documentary and bibliographical research in order to base the reconstitution of

the historical course of our object of study. The theoretical methodological orientation is

anchored in the reflections of Frago (1993), Magalhães (2004) and Saviani (2013). These

theorists respectively developed research on the history of literacy, the history of educational

institutions and the history of pedagogical ideas, themes that have a direct relationship with our

work and which contributed to the way in which we conduct research on the object. The city of

Assú, originally called Vila Nova da Princesa, is located in the interior of the State of Rio

Grande do Norte and has developed since Portuguese colonization in the region. In addition to

the behavioral habits, these colonizers also left as an inheritance the bases for an important

cultural and literary development that was evident in the city from the second half of the

nineteenth century through the circulation of newspapers, the production of poetry and various

texts and theater, practices that make the city receive the cognomenation of Athens North-Rio-

Grandense. Allied to this, the local economy also expands with the production of cotton and the

extraction of carnauba wax. In the educational field, a school of male first letters was

implemented in the city in 1829, by influence of the October 15, 1827 Law during the first years

of the imperial regime. Counting only on this model of primary education until the first decades

of the twentieth century, it will prove significant in the process of elementary education of

children of the local elite who participated in the cultural and literary life of the city. With the

institution of the republican government in 1890, a new model of Primary Education appears

in the country with the implementation of the school groups. This new model will be installed

in Assú through Decree No. 254, authorizing the creation of the Lieutenant Colonel José Correia

School Group, inaugurated on September 7, 1911. A space that expresses a modern and

innovative form of primary education schooling, this institution will also actively participate in

the cultural and literary life of the city of Assú through the performance of a few teachers and

the students themselves with their production of practices that circulate inside and outside of

the Institution.

Keywords: Primary Education. Schools of first letters. School Group Lieutenant Colonel José

Correia. Assu. Athens North-Rio-grandense.

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INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12

1 LADRILHOS, PASSEIOS E PERCURSOS DAS CONSTRUÇÕES TEÓRICO-

METODOLÓGICAS ............................................................................................................. 25

1.1 O ENCONTRO COM O OBJETO DE PESQUISA ...................................................... 25

1.2 REVISÃO DA LITERATURA ...................................................................................... 29

1.3 REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................... 33

1.4 METODOLOGIA, FONTES E BIBLIOGRAFIA ......................................................... 41

2 DA BATALHA PELO TERRITÓRIO À ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE: A

FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA, LITERÁRIA E CULTURAL DA CIDADE DO

ASSÚ ........................................................................................................................................ 49

2.1 A COLONIZAÇÃO EUROPEIA E A GUERRA DOS BÁRBAROS ........................... 50

2.2 ATIVIDADES ECONÔMICAS E TRANSFORMAÇÕES URBANAS ....................... 54

2.3 EXPANSÃO CULTURAL E LITERÁRIA: JORNALISMO, POESIA E TEATRO.... 60

2.4 CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE E A

EDUCAÇÃO PRIMÁRIA .................................................................................................... 64

3 EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA ASSÚ IMPERIAL: ESCOLAS DE PRIMEIRAS

LETRAS PARA OS FILHOS DA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE ..................... 73

3.1 CONSOLIDAÇÃO DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS NA CIDADE DO

ASSÚ .................................................................................................................................... 75

3.2 ATUAÇÃO DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA CIDADE DO

ASSÚ .................................................................................................................................... 79

3.3 PERFIL EXCLUDENTE E ALUNOS DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA ........................ 86

3.4 CASA DE CARIDADE E EXTERNATO SÃO JOSÉ: ESPAÇOS DE

ESCOLARIZAÇÃO NÃO OFICIAL ................................................................................... 92

4 O GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA E A

MODERNIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA ......................................................... 101

4.1 GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA: UM ESPAÇO EM

SINTONIA COM OS IDEAIS DE ORDEM E PROGRESSO .......................................... 104

4.2 DIRETORES E PROFESSORES: NOVAS ATRIBUIÇÕES ...................................... 108

4.3 ARQUITETURA, MÉTODO INTUITIVO E PRÁTICAS DE HIGIENE NOS

GRUPOS ESCOLARES ..................................................................................................... 114

4.4 DISCIPLINAS BÁSICAS E INTEGRAIS NOS GRUPOS ESCOLARES ................. 119

5 GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA: ESPAÇO DE

ATIVIDADES CULTURAIS E LITERÁRIAS PARA OS FILHOS DA ATENAS

NORTE-RIO-GRANDENSE ............................................................................................... 128

5.1 A LITERATURA NO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA:

PROSA E POESIA ............................................................................................................. 130

5.2 O TEATRO NO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA ....... 140

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5.3 A CIRCULAÇÃO DE JORNAIS NO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL

JOSÉ CORREIA ................................................................................................................. 142

5.4 O GRUPO ESCOLAR COMO ESPAÇO DE EXCLUSÃO SOCIAL ........................ 149

CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 154

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 161

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INTRODUÇÃO

Por meio desse trabalho analisamos as contribuições da Educação Primária para a

construção da identidade da cidade do Assú1 como Atenas Norte-rio-grandense e as

influências que a expansão cultural e literária desenvolvida na cidade exerceu sobre o processo

de escolarização no período estudado. Este vai de 1829, com a implantação de duas Escolas

de Primeiras Letras na cidade durante o período imperial, a 1929, primeiros anos de

funcionamento do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia implantado na cidade em 1911

durante o governo republicano.

O território do Vale do Açu, localizado no interior do Rio Grande do Norte, era

habitado inicialmente por diversas tribos indígenas. Com a chegada dos primeiros

colonizadores portugueses no século XVII e a tentativa de se estabelecerem no território, tem

início uma disputa pela terra. Assim, a região se torna o epicentro e palco de uma guerra

sangrenta que se estendeu por outras províncias próximas. O conflito ficou conhecido como

Guerra dos Bárbaros, ou Confederação dos Cariris. Os portugueses, por estarem mais

preparados belicamente e contarem com o apoio dos indígenas da etnia tupi-guarani,

habitantes da faixa litorânea, conquistaram o território. Com a derrota e a dizimação dos

principais troncos indígenas do interior, os colonizadores começaram a desenvolver atividades

extrativistas e a repovoar a região com hábitos e costumes do povo europeu. (FERREIRA,

1999).

Depois de receber várias denominações, como Arraial de Santa Margarida (1687),

Arraial de Nossa Senhora dos Prazeres (1696) e Povoação de São João Batista da Ribeira do

Assú (1766), em 1788 o território passa a se chamar Vila Nova da Princesa e despontava

economicamente na Capitania do Rio Grande (atual estado do Rio Grande do Norte) como

uma das maiores produtoras de carne seca da região desenvolvendo atividades de charqueada

na comunidade de Oficinas. Em 1845, a Vila Nova da Princesa é elevada à categoria de

Cidade, passando a se chamar Assú. Outras atividades econômicas são implantadas na cidade

como a extração do algodão, inclusive para comércio exportador e a extração da cera de

1 A grafia da cidade sempre provocou algumas polêmicas por aparecer escrita com SS ou Ç. De acordo com a Lei

n° 124 de 16 de outubro de 1845 a antiga Vila Nova da Princesa foi elevada à categoria de cidade com a

denominação de cidade do Assú, com SS. A partir da reforma ortográfica da Língua Portuguesa nos anos quarenta,

o nome da cidade passou a ser grafado com Ç. Contudo, um requerimento do vereador Domício Soares datado de

16 de março de 1990 restaurava a grafia com SS que passou a ser utilizada nos timbres de papéis oficiais, em

chapas de veículos e onde figurar a representatividade da autoridade municipal, sendo também ensinado nas

escolas. Em nosso trabalho manteremos sempre a grafia estipulada nos documentos oficiais (SS), mas

respeitaremos a grafia referente aos pontos designados antes da elevação da categoria à cidade, como no caso do

Rio Açu e do Vale do Açu, e na transcrição de textos.

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carnaúba, mais voltada para o comércio nacional. O desenvolvimento econômico vivido no

município também acelera uma série de transformações que denotam um certo progresso para

uma pequena cidade sertaneja. (BEZERRA, 2010).

A partir da segunda metade do século XIX identifica-se outro sinal importante com o

florescente destaque para a produção literária e cultural por meio da circulação de jornais,

apresentações teatrais em palcos locais e uma constante produção poética. O conjunto dessas

atividades, tanto no campo socioeconômico quanto cultural, deram visibilidade à cidade que

chegou a ser considerada a Atenas Norte-rio-grandense numa alusão à cidade de Atenas,

capital da Grécia, que prosperou na antiguidade por meio de uma cultura que se expandiu por

todo o mundo ocidental nas artes, filosofia e na democracia. Nas primeiras décadas do século

XX a cidade do Assú já havia se consolidado economicamente ganhando cada vez mais

visibilidade no campo literário e cultural e organizava lentamente sua estrutura urbanística.

De forma sintética, esse é o contexto sobre o qual nos debruçamos nesse trabalho para

compreender as influências e contribuições da Educação Primária para o desenvolvimento

cultural e literário da cidade do Assú. É importante considerar que dadas as proporções de uma

pequena cidade sertaneja, o fenômeno da história da educação no Assú segue um reflexo de

fatos mais amplos relacionados ao universo de consolidação do próprio estado brasileiro no

período estudado. Isso porque concordamos com Azevedo e Stamatto (2012, p. 25) quando

afirmam que é possível acompanhar a institucionalização da escola brasileira “a partir de

alguns momentos marcantes que definiram formas de sua existência” e acreditamos, assim

como Araújo, Carvalho e Gonçalves Neto (2002, p. 73) que pensar as transformações

educacionais no Brasil “significa compreender as relações existentes entre o macro e o micro,

isto é, entre o nacional e o local, fazendo emergir um processo de inovação no campo da

historiografia ligada à história da educação”.

A primeira legislação do Império brasileiro referente à Educação Primária é instituída

em 15 de outubro de 1827 e criava as Escolas de Primeiras Letras nas cidades, vilas e lugares

mais populosos. Por ser uma importante vila do interior da província do Rio Grande do Norte

nesse período, a então Vila Nova da Princesa recebeu oficialmente uma cadeira de primeiras

letras masculina em 1829. O responsável por transmitir os conteúdos estipulados para a época,

tornando-se o primeiro professor na Vila, foi o senhor José Félix do Espírito Santo. Ainda em

1829 foi criada uma cadeira feminina, contudo, só vai ser ocupada em 1834 sob a

responsabilidade da senhora Maria Joaquina Ezequiel da Trindade. A partir do pioneirismo

desses professores, diversos outros exerceram atividades no campo do ensino primário na

cidade do Assú em escolas que funcionavam inicialmente em suas próprias residências.

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A lei de 1827 faz parte de um momento em que o Império tentava fortalecer o Estado

Nacional apropriando-se de mecanismos de atuação sobre a população. Sendo um desses

mecanismos, a instrução era vista como uma estratégia para civilizar o povo brasileiro e

permitiria indicar caminhos para um povo livre. De acordo com Faria Filho (2003, p. 137):

A instrução possibilitaria arregimentar o povo para um projeto de

país independente, criando também as condições para uma participação

controlada na definição dos destinos do país. Na verdade, buscava-se

constituir, entre nós, as condições de possibilidade da governabilidade, ou

seja, a criação das condições não apenas para a existência de um Estado

independente mas, também, dotar esse Estado de condições de governo.

Contudo, a implantação das Escolas de Primeiras Letras durante o século XIX não

ocorreu de forma imediata e organizada em todo o país, pois, em determinados momentos

apresentaram dificuldades de consolidação, principalmente, porque estavam associadas

diretamente aos interesses de grupos político-ideológicos. Havia dificuldades de recursos

presentes em algumas províncias que demonstravam uma atuação pulverizada no ramo da

instrução. Essa realidade esteve presente em vários momentos no Rio Grande do Norte e

frequentemente provocou um fenômeno de supressão de cadeiras criadas nas cidades, vilas e

povoados.

Outros fatores que dificultaram a consolidação da oferta da instrução primária no

Império podem ser apontados: as Escolas de Primeiras Letras apresentavam métodos

pedagógicos considerados ultrapassados e sem recursos didáticos, com professores que

recebiam remuneração insuficiente não possuindo formação adequada, gerando aulas com

baixo rendimento e excluíam grande parcela da população do acesso à educação; não existiam

normas rígidas para uma estrutura organizacional que regulamentasse e fiscalizasse o

funcionamento das escolas; a educação se desenvolvia geralmente em espaços improvisados,

como na casa do professor, ou em outros ambientes pouco adaptados ao funcionamento de

uma escola pública de qualidade. Segundo Azevedo e Stamatto (2012, p. 33) quando

funcionavam na casa do próprio professor:

o mestre- escola acolhia seus alunos para as aulas em uma dependência da

sua moradia, reservada ou não para sala de aula. Podia ser qualquer cômodo:

um quarto especialmente preparado; a sala de estar da casa, transformada em

escola na hora da aula e, nas demais horas, usada pelos moradores em outras

atividades; e até mesmo a cozinha podia passar a ser de um instante para

outro, um lugar de aula.

As falhas presentes na Educação Primária imperial passam a ser alvo de tentativas de

reorganização do ensino. Souza (1998, p, 159), assinala que desde a década de 1870 uma série

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de críticas à instrução popular indicavam a necessidade de uma escola primária diferente da

“escola de primeiras letras existente. A escola popular, instrumento de reforma social, deveria

ser completamente renovada de acordo com os padrões educacionais considerados os mais

modernos da época”.

Com a instituição da República no Brasil em 1889, seus representantes defenderam um

projeto de reforma social moderna, repensando vários espaços sociais, entre eles, a educação

popular. Segundo Carvalho (1990), é sob a divisa Ordem e Progresso que a República

fortalece sua imagem junto à sociedade, com ideias, símbolos e representações capazes de atrair

a simpatia e a aceitação do povo. Entretanto, o quadro geral de problemas das cidades brasileiras

era caracterizado por um adensamento populacional num cenário de alto grau de insalubridade

e pequena oferta de serviços e equipamentos urbanos, além de um índice muito alto de

analfabetismo.

No setor educacional, são realizadas reformas como a reestruturação da direção

superior da instrução pública e a normatização do ensino primário com o estabelecimento dos

Grupos Escolares. Esse novo modelo de escola conta com métodos pedagógicos e recursos

modernos e inovadores e era visto como a base para a formação de uma nova identidade

nacional. Por meio dos Grupos Escolares, as propostas dos republicanos eram colocadas em

prática com a finalidade de formar um povo em sintonia com os valores de ordem e progresso,

propagando hábitos de civilidade, urbanidade e patriotismo, entre outros. Caberia à escola

difundir os valores e comportamentos que seriam a base da nova nacionalidade. República e

educação escolar estavam intrinsecamente ligadas à ideia de civilização e crença do progresso.

(FERREIRA, 2009).

Para Vidal e Faria Filho (2000), os Grupos Escolares permitiam aos republicanos

romper com o passado imperial em espaços que projetavam para um futuro, em que o povo,

reconciliado com a nação, plasmaria uma pátria ordeira e progressista. Analisando a

implantação e os métodos pedagógicos presentes nas primeiras edificações escolares

construídas em São Paulo no início dos anos 1890, Souza (1998, p. 171) identificou que o

modelo educacional desse estado foi tomado como sinônimo de progresso e serviu de modelo-

base para outras instituições educativas que se desenvolveram pelo país, perpetuando uma

visão de que “a escola representa as luzes, a vitória da razão sobre a ignorância, um meio de

luta contra a monarquia e, consequentemente, um instrumento de consolidação do regime

republicano”.

Azevedo e Stamatto (2012), destacam que os Grupos Escolares apresentavam um

conjunto de inovações pedagógicas com projeto arquitetônico próprio, utilizavam

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diversificados recursos didáticos, desempenhando as atividades escolares por meio de

métodos inovadores, prezavam pela exigência de profissionais com melhor formação e

punham em circulação o modelo definitivo da educação do século XX: as escolas seriadas.

Outro fator importante no ensino presente nos Grupos Escolares era a aplicação de uma série

de documentos fundamentando o funcionamento das instituições e regulamentando sua

organização.

A dinâmica presente nos Grupos Escolares tinha a finalidade de apagar a imagem das

Escolas de Primeiras Letras do Império e reconstruir as novas bases da Educação Primária

nacional. De acordo com Vidal (2006, p. 8), esse modelo de educação proposto pelo governo

republicano organizava a ação docente em torno de séries escolares que correspondiam:

ao ano civil e eram concluídas pela aprovação ou retenção em exame final. O

ensino seriado e sequencial substituía as classes de alunos em diferentes

níveis de aprendizagem, sob a autoridade única do professor, e era regulado

pela introdução da figura do diretor, oferecendo organicidade e

homogeneidade à escolarização e produzindo uma nova hierarquia funcional

pública.

Mas, a implantação desses novos espaços de Educação Primária, que prescindiam um

sistema educacional moderno e unificado em todo o país, não ocorreu de forma concomitante.

Novos conflitos provocados por interesses políticos e de manutenção do poder na constituição

do governo republicano, nacional e nos estados, provocam uma série de dificuldades e atrasos

na implantação do novo modelo escolar. A própria realidade educacional durante a passagem

do Império para a República em que a responsabilidade da organização escolar passava do

poder nacional para os estados, e desses para os municípios, torna-se um grande entrave e

provoca um atraso na implantação dos Grupos Escolares em relação ao período que surgiram

em São Paulo.

No Rio Grande do Norte, o governador Antônio José de Mello e Souza edita, no dia

22 de novembro de 1907, a Lei n° 249 autorizando a reforma da instrução pública no estado,

dando ao ensino primário moldes mais amplos e garantindo sua proficuidade. A partir do

Decreto n°174, de 5 de março de 1908 é criado na cidade de Natal, capital do estado, o Grupo

Escolar Augusto Severo, tornando-se a primeira instituição que seguia os preceitos

pedagógicos do ensino republicano instalada no Rio Grande do Norte e serve de Escola-

Modelo para outras instituições construídas no estado. (MOREIRA, 2005).

Na cidade do Assú, a implantação desse modelo de ensino ocorreu com o Decreto n°

254, de 11 de agosto de 1911, durante a administração do Governador Alberto Maranhão. A

partir desse decreto, no dia 07 de setembro de 1911 foi inaugurado na cidade o Grupo Escolar

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Tenente Coronel José Correia. A implantação desse novo modelo educacional ocorreu

simultaneamente ao processo de expansão literária e cultural e o desenvolvimento econômico

da cidade, que já consolidava sua presença no Rio Grande do Norte. O próprio estabelecimento

de uma instituição desse porte denotava prestígio político e econômico nas cidades e vilas

onde foram implantados nas primeiras décadas da República.

Souza (1998), aponta que a construção dos Grupos Escolares também fazia parte dos

melhoramentos urbanos, tornando-se denotativo do progresso de uma localidade. Para a autora,

a escola tornava-se um símbolo de modernização cultural e a morada de um dos mais caros

valores urbanos: a cultura escrita. A escola e a cidade tinham, portanto, identidades interligadas,

uma significando e dando sentido a outra. Na escola, enquanto templo do saber, as dimensões

da vida urbana eram traçadas. Nesse sentido, o crescimento das cidades como resultado do

processo modernizador que atingiu o Brasil nas últimas décadas do século XIX e início do

século XX trouxe à vida republicana uma nova feição: era o prelúdio da vida urbana e a escola

passa a fazer parte integrante desse cenário. (FERREIRA, 2009).

Assim, no âmbito de desenvolvimento e construção da identidade das próprias cidades

brasileiras, parece-nos importante investigar e refletir sobre as formas como a educação

participa das particularidades específicas e as múltiplas atividades que se estabelecem no espaço

da cidade, considerando um movimento de interação entre ambas. Essas múltiplas atividades

podem ser políticas, econômicas, sociais, culturais, religiosas, literárias, entre outras. Como

afirmam Araújo, Carvalho e Gonçalves Neto (2002, p. 73) elas “compõem o espaço onde

homens e mulheres vivem situações sociais reais, com necessidades e interesses diferenciados”.

O processo de escolarização que se desenvolveu nas Escolas de Primeiras Letras e no

Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, na cidade do Assú, mantém uma relação

intrínseca com as múltiplas atividades e dimensões da conjuntura histórica da cidade, seja

contribuindo, participando ou recebendo influências desse contexto, principalmente, no que diz

respeito ao panorama literário-cultural por meio do qual a cidade obteve a cognominação de

Atenas Norte-rio-grandense. Para reforçar essa constatação, nos apropriamos de uma reflexão

de Faria Filho (2014, p. 28) quando afirma que a percepção do diálogo da escola, dos sujeitos

que a constroem em determinado momento, com os diversos movimentos que compõem a

cidade, intrinsecamente ligados, mas ao mesmo tempo distintos, nos possibilitam “ver uma

instituição que tanto os produziu quanto foi produzida por eles”.

Consideramos que a tarefa na qual nos propomos nesse trabalho é uma proposta

importante e necessária, notadamente, porque encontramos apenas dois trabalhos acadêmicos

de pesquisadoras que se propuseram a fazer um levantamento e análise da história da Educação

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Primária na cidade do Assú. O primeiro é a tese de Pinheiro (1997) que tem como título

Sinhazinha Wanderley: o cotidiano do Assú em prosa e verso (1876-1954) e o segundo é o

trabalho de especialização de Silva (2010) intitulado O Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia, Assú – RN: modernização do ensino primário (1911-1930). Também não

encontramos nenhuma publicação de livros que abordem diretamente essa temática na cidade

do Assú. Dessa forma, essa dissertação se justifica por expressar nosso interesse em ampliar as

pesquisas histórico-educacionais no Vale do Açu, região com escolas reconhecidas no Rio

Grande do Norte, porém, sem uma base de referências ampla que supra a necessidade de

informações nesse campo. Iniciar essa perspectiva de trabalho a partir das Escolas de Primeiras

Letras no Brasil-Império e dar continuidade com o Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia, símbolo da educação na Primeira República, é algo simbólico e significativo para a

expansão das pesquisas no campo da história da educação local.

Dentro do recorte temporal que estipulamos, 1829 a 1929, observamos que os modelos

educativos em questão, Escolas de Primeiras Letras e Grupo Escolar, receberam vários

destaques em períodos diversos por serem espaços de formação de pessoas da elite local,

tornando-se profissionais que contribuíram para o progresso geral da cidade. Demonstra, assim,

que a pesquisa tem grande relevância social. Além disso, um trabalho de investigação sobre a

instrução primária no Assú pode contribuir para as pesquisas histórico-educacionais no Rio

Grande do Norte, dado que no passado a cidade exerceu o papel de importante empório cultural

e econômico com visibilidade em todo o estado.

Neste trabalho, definimos como objetivo geral analisar a importância da Educação

Primária para a construção da identidade da cidade do Assú como Atenas Norte-rio-grandense,

considerando as influências e contribuições que se estabelecem entre as atividades culturais e

literárias desenvolvidas na cidade e o processo de escolarização no período estudado.

A partir desse objetivo, constituímos os objetivos específicos no sentido de orientar o

trabalho de análise das fontes e efetivar uma relação de transversalidade desses objetivos com

a escrita desta dissertação:

1) Evidenciar as transformações ocorridas no território original da cidade do Assú e o

desenvolvimento do contexto socioeconômico, literário e cultural desde a chegada dos

primeiros colonizadores europeus;

2) Examinar o processo de implantação da Educação Primária na cidade do Assú durante

a instituição do regime imperial à Primeira República;

3) Identificar o público alvo atendido pelo processo de escolarização da Educação

Primária na cidade do Assú dentro do recorte temporal estabelecido.

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Sendo assim, observamos que o objetivo geral deste trabalho estabelece uma relação

com o processo de Educação Primária presente nas Escolas de Primeiras Letras e no Grupo

Escolar Tenente Coronel José Correia e os aspectos culturais e literários, como o jornalismo, o

teatro e a poesia, que se manifestaram na sociedade assuense a partir da segunda metade do

século XIX e primeiras décadas do século XX. Essas atividades eram exercidas pelas famílias

oligárquicas herdeiras dos colonizadores europeus estabelecidas na região e nessa sociedade

em expansão, em determinados momentos, se mostravam excludentes reproduzindo o status

dessas mesmas famílias e sua manutenção no poder local.

Dessa forma, levantamos o seguinte questionamento: como a Educação Primária

presente nas Escolas de Primeiras Letras e no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia,

espaços de escolarização que tem como base o acesso ao fenômeno de alfabetização como a

leitura, a escrita e os cálculos, interage com o universo cultural e literário da cidade do Assú?

Esse apontamento nos direciona para outras duas questões: como ocorreu a institucionalização

da Educação Primária na cidade do Assú entre o Império e à Primeira República? O processo

de Educação Primária das Escolas de Primeiras Letras e do Grupo Escolar Tenente Coronel

José Correia atendia a todas as pessoas em fase de escolarização ou favoreciam, essencialmente,

os filhos das elites locais?

A partir do acesso à leitura das fontes, de um cruzamento de informações bibliográficas

com práticas semelhantes às que se manifestaram na cidade do Assú e de uma análise

proporcionada pelo referencial teórico-metodológico presente neste trabalho, levantamos a

hipótese de que existia um movimento de interação entre as Escolas de Primeiras Letras e o

Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia com o universo cultural e literário da cidade do

Assú. Nesse sentido, a proposição fundamental é a de que a Educação Primária contribuiu

significativamente para a construção da identidade da cidade como Atenas Norte-rio-grandense

na medida em que a alfabetização mostra-se como um processo cognitivo importante e

necessário para o registro de atividades culturais e literárias. E salientamos que, ao mesmo

tempo, esses modelos educacionais apresentam influências dessas atividades como a produção

de jornais, poesias e apresentações teatrais.

O marco inicial do recorte temporal, 1829, refere-se à implantação das Escolas de

Primeiras Letras na Vila Nova da Princesa. Apesar da lei do ensino primário ter sido

promulgada no dia 15 de outubro de 1827, a primeira Escola de Primeiras Letras do sexo

masculino é criada na Vila Nova da Princesa no dia 02 de setembro de 1829. E a segunda escola,

do sexo feminino, três dias depois. A partir da implantação da primeira escola masculina, tem

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início o exercício oficial do magistério na Vila com a atuação do professor José Felix do Espírito

Santo.

E o marco final do recorte é 1929. Este, relaciona-se com as diversas transformações e

reformas que ocorreram no setor educacional brasileiro a partir de 1930 com a implementação

de políticas educacionais empreendendo períodos complexos de estudo para a historiografia da

educação brasileira. A década de 1930 é marcada por novas propostas educacionais presentes

na atuação dos pioneiros da Escola Nova, pela ampliação da oferta do ensino primário e por

campanhas de combate ao analfabetismo, entre outros temas relacionados aos discursos da elite

política, econômica e intelectual brasileira e que representam um segundo momento histórico

do governo republicano no país. Por expressarem um novo e complexo momento da história da

educação brasileira e demandarem um tempo maior para a pesquisa e análise, decidimos não

avançar com nosso objeto para esse recorte temporal

A partir dos pontos citados anteriormente, que estruturam o nosso trabalho e contribuem

para a análise das fontes e da construção da escrita, dividimos essa dissertação em cinco

capítulos.

No capítulo 1, intitulado Ladrilhos, passeios e percursos das construções teórico-

metodológicas dialogamos com pesquisas e reflexões de diversos autores que contribuíram

para o desenvolvimento deste trabalho, explanamos a forma como selecionamos o objeto e a

análise das fontes. Nesse percurso, destacamos os caminhos percorridos a partir das opções de

temas que tentamos trabalhar ainda na fase do projeto de pesquisa, a redefinição do objeto da

pesquisa e o acesso à trabalhos de revisão da literatura de pesquisadores que nos ajudaram a

contextualizar nosso objeto e iniciar nosso próprio trabalho, como Araújo (1979), Moreira

(2005), Pinheiro (1997) e Silva (2010). Apresentamos perspectivas teóricas das quais nos

apropriamos para lançar um olhar mais atento sob o nosso objeto e compreender as diversas

possibilidades de análises construídas a partir dessas teorizações. Aqui, destacamos as reflexões

de Frago (1993) sobre a história da alfabetização, Magalhães (2004) com a história das

instituições educativas e Saviani (2013) com a história das ideias pedagógicas. Por fim,

explicamos como se deu o nosso acesso às fontes relacionadas ao objeto de estudo e a

metodologia desenvolvida no trabalho com essas fontes para chegar aos objetivos traçados.

No capítulo 2, intitulado Da batalha pelo território à Atenas Norte-Rio-Grandense:

a formação socioeconômica, literária e cultural da cidade do Assú, fazemos uma breve

reconstrução histórica da chegada dos primeiros europeus nas terras do atual estado do Rio

Grande do Norte e o contato com os habitantes primitivos. Os portugueses, mantendo relações

mais pacíficas com os índios do litoral, tiveram grande dificuldade para conquistar as terras do

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interior da Capitania do Rio Grande e por décadas travaram uma batalha com os índios

conhecida como Guerra dos Bárbaros. Assim, foi dizimado grande contingente de população

indígena e os europeus passam a colonizar a região do interior. A partir das entradas no território

da antiga Taba-Açu, a Vila Nova da Princesa desponta como um grande empório comercial.

Com a elevação à categoria de cidade do Assú em 1845, a região torna-se ainda mais forte e

passa a desenvolver atividades econômicas importantes no campo da extração do algodão e da

cera de carnaúba. Evidencia-se também um florescimento cultural e literário com a circulação

de jornais, a produção e apresentação de peças teatrais e poesias e textos variados. Identificamos

que a expansão do universo literário-cultural apresentado nesse capítulo tem suas bases na

herança cultural europeia que chegou a região junto com os colonizadores, mas também

sinalizamos para as contribuições do ensino primário local com as Escolas de Primeiras Letras

antes mesmo desse florescimento cultural despertar na cidade. Nesse capítulo, ainda atentamos

para o fato de que diversos pontos do progresso da cidade apresentam elementos marcados por

situações excludentes, segregando grupos mais populares da sociedade assuense.

No capítulo 3, intitulado Educação Primária na Assú Imperial: Escolas de Primeiras

Letras para os filhos da Atenas Norte-Rio-Grandense, iniciamos com um breve histórico da

escolarização trazida pelos europeus para o Brasil Colônia, destacamos as tentativas de

organização de um sistema nacional do ensino no Brasil-Império e nos debruçamos mais

detalhadamente sobre o processo de institucionalização da Educação Primária no Rio Grande

do Norte e mais especificamente na cidade do Assú a partir de 1829 com a implantação de uma

Escola de Primeiras Letras masculina regida pelo professor José Félix do Espírito Santo.

Elencamos algumas informações e datas sobre os principais professores das cadeiras de

primeiras letras na cidade, identificamos dificuldades de consolidação para o funcionamento da

cadeira feminina e observamos que o público alvo atendido pelo ensino primário em

determinados momentos compunha-se de uma classe mais elitizada, reproduzindo um sistema

de segregação vigente à época. Neste capítulo, também destacamos algumas produções como

frutos da atuação de professores e alunos no campo literário e cultural. Apresentamos

informações breves sobre a Casa de Caridade e o Externato São José como espaços de educação

de crianças pobres e encerramos esse capítulo destacando as transformações provocadas pelo

governo republicano, apontando para a implantação dos Grupos Escolares.

No capítulo 4, intitulado O Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia e a

modernização da Educação Primária, destacamos inicialmente as tentativas de organização

da instrução primária propostas pelo governo republicano com os Grupos Escolares e algumas

dificuldades, provocando o atraso da implantação desses novos espaços educacionais no Rio

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Grande do Norte. Com a implantação do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia em 1911,

a história do ensino primário na cidade do Assú ganha um novo panorama. O modelo de

educação presente nessas instituições educativas seguia a proposta de uma pedagogia moderna

com aspectos diferentes dos existentes nas Escolas de Primeiras Letras do período imperial,

contavam com uma arquitetura própria, professores mais preparados, ensinando orientados pelo

método intuitivo, com práticas de higienismo e civilidade. Outras inovações também se referem

ao programa de disciplinas ofertadas nos Grupo Escolares contando com escrita, leitura e

cálculo como nas Escolas de Primeiras Letras, mas são inseridas diversas outras ampliando o

processo de ensino-aprendizagem por parte dos alunos com temas voltados para uma formação

mais integral como história, geografia, lições de coisas, canto, língua pátria e educação moral

e civismo. Essas duas disciplinas, em especial, tinham a finalidade de despertar nos alunos o

amor à Pátria e perpetuar hábitos de civilidade e urbanidade formando um novo cidadão com

atitudes voltadas para as propostas presentes no ideário da República.

No capítulo 5, intitulado Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia: espaço de

atividades culturais e literárias para os filhos da Atenas Norte-Rio-Grandense destacamos

as diversas atividades literárias e culturais entronizadas no Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia favorecidas pelas exigências estipuladas nos documentos orientadores do

funcionamento da instituição e pela atuação e o exemplo dos professores do Grupo Escolar que

participavam ativamente da vida literária e cultural da cidade do Assú. Diferentemente das

Escolas de Primeiras Letras onde essa atuação acontecia de forma isolada, no Grupo Escolar

essas atividades ganham uma nova conotação e sentido posto que a própria instituição escolar

também se mostrava como um espaço que congregava ideias e difundia hábitos literários e

culturais, a exemplo do Grêmio Complementarista criado em 1925 pelos alunos do curso

complementar do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia. Esta agremiação tinha a

finalidade de desenvolver atividades artísticas e literárias, inclusive, com a produção de um

jornal que circulou no contexto local. Também evidenciamos a produção poética de alguns

alunos e as apresentações teatrais realizadas na instituição em diversas festividades. Por último,

apresentamos o perfil dos alunos favorecidos por esse novo espaço educacional na cidade do

Assú.

A síntese dessas informações possibilitam uma compreensão da forma como

estruturamos este trabalho e das informações presentes em cada um dos capítulos. Esses,

compõem uma teia de construções e inter-relações que enxergamos como uma bússola

orientando os percursos no intuito de alcançarmos os objetivos do trabalho. Assim, os capítulos

representam a tentativa das análises de fontes e cruzamento de informações referentes ao

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processo histórico da Educação Primária na cidade do Assú com a finalidade de reconstruir essa

história tão cara e significativa, mas também de evidenciar aspectos, fatos, personagens e

momentos importantes da própria cidade. Infelizmente, a memória dos principais

acontecimentos do passado da cidade está se perdendo pela falta de interesse das novas

gerações, ou mesmo do poder público, que não atenta para a importância dos registros desses

fatos, acontecimentos e personagens que contribuíram significativamente para a construção e a

expansão de uma cultura tão rica criada em uma pequena cidade sertaneja.

Ainda considerando ser esse um trabalho de história da educação mantendo uma relação

intrínseca com a literatura e a cultura local, na abertura dos capítulos da dissertação

apresentamos poesias de escritores assuenses e optamos por inserir autores participantes tanto

do universo educacional quanto do literário-cultural da cidade.

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ASSÚ2

(Francisco Amorim)

Minha terra natal, revendo o teu passado

De glórias, tradições e gestos imortais.

Sinto orgulho de ter do teu seio emanado

Ouvindo o farfalhar dos verdes carnaubais.

De Ulisses Caldas és berço idolatrado,

Ninho de aspirações, gleba dos ideais,

Teu solo se assemelha ao sonho do El-dourado

Onde brotam chovendo os lírios e algodoais.

Tudo é grande em ti. As várzeas, as lagoas,

O rio a se estender em messes aos lavradores,

Do poeta a melodia, os vilões, as loas.

A noite, quando o luar no céu pede um poema

E a terra a adormecer desperta os sonhadores,

Grita na serra ao longe a triste seriema.

2 Transcrito de Assú em Revista (1980, p. 19).

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1 LADRILHOS, PASSEIOS E PERCURSOS DAS CONSTRUÇÕES TEÓRICO-

METODOLÓGICAS

A relação com o objeto desse trabalho surge de uma necessidade de compreender uma

série de informações sobre a história da Educação Primária na cidade do Assú. O acesso à essas

informações foi facilitado por meio de fontes e referências bibliográficas sobre o contexto da

cidade que compõem este trabalho e apresentam registros diversos de como esse processo

histórico se desenvolveu. Contudo, grande parte das obras analisadas tem relação com temas

variados da cidade como política, religião, aspectos econômicos, sociais, culturais e literários.

Não encontramos nenhuma obra do contexto local destacando ou dando atenção apenas aos

aspectos educacionais dentro do recorte temporal pesquisado. Apesar disso, essas obras

abordam o contexto geral e fazem referências aos aspectos educacionais, possibilitando uma

análise da história das Escolas de Primeiras Letras e do Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia e a importância dessas instituições para a cidade. Destacam a atuação de professores e

alunos no contexto cultural e literário da cidade e a contribuição desses agentes e sujeitos para

a construção da identidade do Assú como Atenas Norte-rio-grandense.

As histórias da Terra dos Verdes Carnaubais e da Terra dos Poetas sempre

permaneceram vivas na memória, principalmente, dos mais velhos. Por isso, a tentativa de

literatos contemporâneos consegue manter viva algumas das tradições antigas, como é o caso

da Academia Assuense de Letras. Criada em 23 de janeiro de 2015 numa atitude digna de

louvor, esses literatos exercem uma tarefa significativa de dar continuidade à atividades

importantes que elevaram a cidade sertaneja a se destacar no contexto cultural do Rio Grande

do Norte em tempos passados.

1.1 O ENCONTRO COM O OBJETO DE PESQUISA

Como pesquisador da história da Educação Primária da cidade do Assú, acredito ser

importante explicar como cheguei a esse objeto de estudo. Nasci em 1980 na própria cidade e

no ano 2000 passei a residir em São Paulo, onde fui seminarista na Congregação dos Cônegos

Regulares Lateranenses. Nessa nova terra de dimensões totalmente diferentes da pequena

cidade sertaneja acabei descobrindo o prazer do mundo da filosofia me formando em 2003

nesse curso. Decidi sair do seminário em abril de 2004 e depois de um tempo trabalhando em

empresas privadas participei de um concurso para professor substituto na Secretaria de

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Educação do Estado de São Paulo, sendo aprovado. Nessa mesma época retomei os estudos e

fiz uma Especialização em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável.

Em maio de 2013 resolvi sair de São Paulo e retornar para o Nordeste, especificamente

para o Assú. Em setembro do mesmo ano consegui a aprovação num concurso para professor

substituto na Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), na cidade de Angicos/RN.

Ingressei na instituição em 2013.2 para ministrar aulas de sociologia. Por uma necessidade da

própria instituição e pela insuficiência de professores da área de humanas, dado que o foco da

universidade são os cursos de ciências e tecnologias, passei a ministrar também aulas de história

da educação e ética. Com essa experiência na universidade veio novamente o desejo de

continuar os estudos, sentindo-me mais preparado como professor no campo acadêmico e a

vontade de enveredar pelo campo das pesquisas iniciadas durante a especialização.

O encantamento pela disciplina história da educação acabou fazendo com que optasse

por tentar uma oportunidade como aluno ouvinte na linha de pesquisa Educação, Estudos

Sociohistóricos e Filosóficos, no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN. Dessa

forma, cheguei em 2014.1 ao grupo de estudos orientado pela Professora Doutora Marlúcia

Menezes de Paiva. Apesar de não ser historiador nem pedagogo, via os conteúdos discutidos

no grupo de estudos como um campo inovador, pois percebia uma abordagem interdisciplinar

dos conteúdos com aspectos marcantes da filosofia, história, pedagogia, antropologia e da

sociologia. Nessa experiência, também encontrava alternativas metodológicas e temas que

possibilitassem uma ampliação de meus próprios conhecimentos, visando melhorar as aulas

ministradas na universidade.

O desejo de me tornar pesquisador no campo da história da educação ficou mais evidente

e era necessário buscar um objeto para iniciar essa empreitada. Assim, voltando-me à cidade

do Assú e recordando das histórias do passado da cidade de grandes poetas no Rio Grande do

Norte, decidi buscar nesse locus marcas de seu passado educacional. Iniciando a busca de

alguns espaços me veio a lembrança do antigo Centro Vocacional que funcionou na cidade na

década de 1980. Também por ter sido seminarista em São Paulo, considerei importante optar

por esse espaço como objeto de estudo. Em diálogos com o padre Francisco Canindé dos

Santos, antigo pároco do Assú e responsável pelo Centro Vocacional, ficou evidente a

dificuldade de trabalharmos com esse objeto, pois, segundo o padre, não existia um registro do

cotidiano das práticas realizadas no Centro Vocacional e as pessoas envolvidas, como internos

e professores colaboradores, não residiam mais no Assú.

Apesar disso, nas visitas à Secretaria Paroquial me deparei com um livro de Auricéia

Antunes de Lima (2002). Jornalista da Fundação Getúlio Vargas, ela catalogou os principais

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registros do Livro de Tombo da Paróquia do Assú. Numa leitura sobre o histórico do

Educandário Nossa Senhora das Vitórias3 acabei descobrindo que essa instituição, voltada

inicialmente para o atendimento de meninas da elite da região, também acolheu uma escola

noturna denominada Escola dos Pobres São José (esse modelo de instituição funcionou em

vários outros espaços do estado). Essa escola alfabetizava trabalhadores e donas de casa que

não tiveram a oportunidade de estudar na época regular. Diante dessa informação procurei a

supervisão do Educandário e fui informado que todos os documentos referentes a Escola dos

Pobres haviam sido encaminhados para a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do

Norte (SEEC/RN). Numa visita ao órgão fui informado que não seria possível acessar o acervo

da instituição pois os documentos estavam passando por um processo de digitalização sem

prazo de conclusão.

Diante da impossibilidade de levar adiante pesquisas sobre os dois objetos citados,

comecei a procurar outros espaços. Nesse percurso de buscas e informações, transitando na

avenida Senador João Câmara (avenida central da cidade do Assú) sempre me deparava com a

presença da Escola Estadual Tenente Coronel José Correia, um prédio com escadarias que

apesar de apresentar arquitetura antiga e estar com as paredes gastas ainda se mostrava

imponente numa das esquinas da avenida central. Com a possibilidade de definir esse novo

objeto como foco da pesquisa iniciei a busca por fontes e informações. Numa primeira visita à

escola expliquei a diretora o interesse em desenvolver uma pesquisa sobre o histórico da

instituição. Nesse primeiro momento, fui informado que muitos documentos foram perdidos,

mas existia uma parte do acervo no almoxarifado. Porém, levaria um tempo para encontrar esse

material pois, nesse espaço também era guardado o material de limpeza e outros objetos em

desuso. Nesse momento de levantamento de fontes na escola e em outros acervos particulares

para a elaboração do projeto de pesquisa, o material encontrado possibilitou a elaboração do

projeto de pesquisa para submeter ao processo de seleção do Programa de Pós-Graduação em

Educação/UFRN, em 2014.2.

Em paralelo, continuei participando do grupo de estudos na condição de aluno especial

e entendendo melhor o universo das pesquisas no campo da história da educação. Destaco a

importância dos momentos de apresentação das pesquisas em andamento dos colegas regulares

do curso e a oportunidade de apresentar nosso pré-projeto para que os colegas opinassem e

3 O Educandário Nossa Senhora das Vitórias foi objeto de estudo de Silvia Helena de Sá Leitão Morais Freire na

dissertação de mestrado intitulada O Colégio Nossa Senhora das Vitórias em Assú/RN: reconstruindo suas

práticas educativas (1927-1937). O trabalho foi defendido em 2013 no programa de Pós Graduação em Educação

da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN).

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apontassem sugestões para os melhoramentos. Destaco, por exemplo, a compreensão do próprio

contexto da história da educação, definir categorias de análise, aprofundar os aspectos da

cultura escolar e da história das instituições educativas, os conceitos apropriados para cada

objeto e pesquisa, as finalidades do recorte espacial e temporal, a definição de um referencial

teórico possibilitando uma leitura mais clara do objeto e um instrumental metodológico para a

análise das fontes. A partir da assimilação desses aportes, construí o projeto intitulado Grupo

Escolar Tenente Coronel José Correia - história e memória de normas e práticas

educativas (1911-1949).

O processo de seleção contou com três fases: a prova escrita, a submissão do projeto de

pesquisa e a entrevista com professores do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRN.

O projeto foi aceito com algumas sugestões de alterações e a orientação de que deveria buscar

mais fontes para desenvolver a pesquisa. Matriculado no Programa como orientando da

Professora Doutora Marlúcia Menezes de Paiva, iniciei em 2015.1 com o desejo de ampliar a

compreensão das pesquisas no campo da história, e, principalmente, nos estudos referentes à

história da educação da cidade do Assú, mas, também com a meta de encontrar mais fontes para

ampliar a construção de nosso trabalho.

À medida que conseguia mais fontes para desenvolver o trabalho, foi se desvelando um

outro ponto importante da história da educação da cidade referente ao processo educacional

anterior à implantação do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, as Escolas de Primeiras

Letras surgidas na cidade em 1829. Durante as orientações com a professora Marlúcia,

entendemos que esse período não poderia ser descartado da pesquisa, pois acreditávamos que

o surgimento das Escolas de Primeiras Letras na cidade teria uma relação de contribuições com

o contexto literário e cultural iniciado no Assú na segunda metade do século XIX e primeiras

décadas do século XX. Confrontando dados históricos e analisando a passagem das Escolas de

Primeiras Letras para o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, percebemos que por mais

de um século a instrução primária foi a única ofertada em Assú. A primeira escola secundária

foi criada na cidade na década de 1940.

Dessa forma, do objeto de estudo inicial, restrito ao Grupo Escolar Tenente Coronel

José Correia, decidimos destacar também a presença das Escolas de Primeiras Letras no

contexto da cidade e evidenciar como objeto desse estudo a história da Educação Primária.

Levantamos, principalmente, a perspectiva de como esse processo de escolarização elementar

contribuiu com o desenvolvimento cultural e literário da cidade, mas procuramos evitar uma

neutralidade dos aspectos da pesquisa ou uma restrição apenas ao recorte espacial da cidade do

Assú. Relacionamos esse processo de escolarização com os principais dispositivos orientadores

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da instituição do ensino primário no país tanto no regime imperial quanto no governo

republicano, além de associarmos esse objeto com a realidade do próprio Rio Grande do Norte,

que em determinados momentos apresentou dificuldades para consolidar um sistema de

educação.

1.2 REVISÃO DA LITERATURA

Com o objeto de estudo de nosso trabalho definido, buscamos conteúdos sobre a história

da Educação Primária no Rio Grande do Norte que mantivessem uma relação com as

instituições de ensino na cidade do Assú e orientassem a construção de nosso trabalho. Dessa

forma, partimos para uma revisão da literatura do objeto de pesquisa a partir dos trabalhos de

Araújo (1979), Moreira (2005), Pinheiro (1997) e Silva (2010).

A tese de Pinheiro (1997) intitulada Sinhazinha Wanderley: o cotidiano do Assú em

prosa e verso (1876-1954), foi a única fonte encontrada no banco de teses e dissertações do

Departamento de Educação da UFRN com referências do contexto da cidade do Assú no recorte

de nosso trabalho. Apesar de não ser uma pesquisa voltada diretamente à Educação Primária,

consideramos um trabalho significativo para nossa pesquisa por abordar como objetivo geral a

reconstituição das práticas da professora Maria Carolina Wanderley Caldas – D. Sinhazinha

Wanderley, musicista, poeta, escritora e professora no município de Assú. Por quase quarenta

anos, a referida professora ministrou aulas no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia.

Nesse processo de reconstrução biográfica, Pinheiro (1997) cita tanto as práticas

culturais urbanas desenvolvidas pela professora, quanto as práticas pedagógicas. Antes da

implantação da instrução pública republicana na cidade do Assú, Sinhazinha manteve por livre

iniciativa em sua casa uma escola de alfabetização chamada Externato São José onde acolhia

crianças de todas as classes sociais num período em que a cidade do Assú apresentava diversos

aspectos excludentes. Logo depois da experiência no Externato São José, Sinhazinha fez parte

do primeiro corpo de docentes do Grupo Escolar da cidade e contribuiu para a formação de

várias gerações de intelectuais.

A partir da leitura da tese de Pinheiro (1997), observamos que as práticas culturais da

professora Sinhazinha Wanderley, referentes ao campo da literatura, do jornalismo, da poesia

e da música, influenciaram alguns dos seus alunos tanto no Externato São José, quanto no

Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia. Podemos citar, como exemplo, Francisco

Amorim, seu aluno no Externato que passou a tocar instrumentos musicais a partir do contato

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com essas aulas; ou Rômulo Chaves Wanderley, aluno da professora no Grupo Escolar que se

tornou poeta, escritor e jornalista.

Outros pontos da pesquisa da autora nos subsidiou com informações importantes sobre

o desenvolvimento histórico e o contexto sociocultural, literário e econômico da cidade do

Assú; as referências a alguns professores das Escolas de Primeiras Letras durante o período

imperial, suas práticas educacionais e a relação dos mesmos com o contexto cultural e literário

da cidade; a trajetória da formação profissional de Sinhazinha Wanderley e Clara Carlota de Sá

Leitão, primeiras professoras do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia e a presença de

outros agentes e sujeitos importantes para o Grupo Escolar, como Luiz Correia Soares de

Araújo e Alfredo Simonetti, professores e diretores da instituição.

O trabalho de especialização de Silva (2010) intitulado O Grupo Escolar Tenente

Coronel José Correia, Assú – RN: modernização do ensino primário (1911-1930) teve

como objetivo compreender o processo de renovação da Educação Primária na cidade do Assú.

A partir da leitura desse trabalho compreendemos o processo de implantação do Grupo Escolar

Tenente Coronel José Correia na cidade, os personagens e figuras influentes que contribuíram

para a realização desse acontecimento, seus primeiros educadores, os métodos pedagógicos

aplicados e como se desenvolviam algumas práticas. A pesquisadora destaca a importância da

instituição educativa no contexto da cidade, além da identificação de similitudes entre o Grupo

Escolar do Assú e outros desenvolvidos no país. Em suas conclusões, Silva (2010, p. 49)

considera:

identificamos no Grupo Escolar de Assú, do mesmo modo dos grupos

escolares do Estado e de uma maneira geral, a representação das inquietações

da época, a reinvenção da cultura escolar segundo as aspirações republicanas

de uma possível homogeneização das práticas culturais formadoras e

conformadoras ao homem novo da modernidade.

Cientes da perspectiva presente no ideário republicano de formar e homogeneizar um

novo perfil de cidadão por meio da educação, consideramos essa conclusão importante e

necessária. Contudo, pretendemos aprofundar essa reflexão e entender as manifestações da

educação proposta pelo governo republicano de forma mais direta no contexto da cidade do

Assú no intuito de investigar as nuanças e características desse processo, dentro das

peculiaridades do contexto local.

Ainda destacando o trabalho de Silva (2010, p. 49-50):

podemos dizer que a escrita da história do Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia, enquanto instituição escolar primária foi uma das primeiras no Estado

do Rio Grande do Norte, e serviu de referência, através da organização de

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ensino mantendo uma estrutura invejável, apresentava através do trabalho

docente, práticas educativas que iam muito além do seu tempo, sendo signo da

modernidade no início do século XX no Estado do Rio Grande do Norte.

Consideramos o trabalho de Silva (2010) um aporte para quem busca pesquisar a história

do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, no entanto, essa leitura nos fez compreender

que havia outros pontos a serem abordados em relação a instituição, como as informações sobre

o contexto histórico da cidade e a forma como o Grupo Escolar estava inserido nesse contexto;

ampliar a investigação sobre a interação entre as práticas pedagógicas e a cultura urbana;

conhecer a atuação dos agentes e sujeitos envolvidos no cotidiano da instituição, como

professores e alunos, além de apresentar aspectos do processo de Educação Primária existente

antes da chegada do Grupo Escolar e as relações estabelecidas entre esses modelos educacionais

e o desenvolvimento da cidade.

Na tentativa de obtermos mais informações sobre a educação pré-republicana, nos

deparamos com a dissertação de mestrado de Araújo (1979), Origens e tentativas de

organização da rede escolar do Rio Grande do Norte da Colônia à Primeira República.

Esse trabalho pioneiro de investigação da organização da escolarização no Rio Grande do Norte

apresenta aspectos históricos importantes de como esse processo se desenvolveu. A autora

aponta o marco da escolarização na então Capitania do Rio Grande no Brasil Colônia com a

criação de uma cadeira de Latim no dia 21 de julho de 1731, na cidade de Natal, e dá

continuidade perpassando a Independência do Brasil, em 1822, e a Proclamação da República,

em 1889.

Assim, relacionando a história da educação potiguar com esses importantes períodos

histórico-políticos do país, durante o Brasil-Império são instituídas na então Província do Rio

Grande do Norte as Escolas de Primeiras Letras, em 1827, fato que estava em sintonia com a

implantação dessas escolas na nova monarquia. Durante o governo republicano, foram

instituídos os Grupos Escolares a partir da criação dessas instituições em São Paulo, por volta

de 1890, apresentando aspectos inovadores em relação às escolas do período anterior. Esse novo

modelo foi implantado no Rio Grande do Norte com a criação do Grupo Escolar Augusto

Severo. Construído em 1908 na cidade de Natal, tornou-se a Escola-Modelo para os outros

grupos criados no estado.

Araújo (1979) se apropria de um rico acervo de fontes e documentos que especificam o

processo de organização da educação no estado e a partir de análises minuciosas evidencia os

entraves nas tentativas de organização de um sistema educacional no Rio Grande do Norte,

provocados por conflitos ideológicos e econômicos. Todavia, fica evidente que as dificuldades

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de organização desse sistema educacional seguiam o fluxo de uma realidade presente em todo

o país, pois o governo em diversos momentos históricos demorou para considerar a educação

como uma verdadeira prioridade e destinava recursos insuficientes para a consolidação desse

sistema, ou passava essa responsabilidade para os estados, que, por sua vez, direcionavam-na

para os municípios.

Os documentos analisados pela autora apresentam informações importantes sobre os

diversos modelos de educação formados no Rio Grande do Norte, como as Escolas de Primeiras

Letras e o Ateneu Norte-rio-grandense, no regime imperial, e as escolas normais e os Grupos

Escolares, durante o governo republicano. Também existem referências sobre as realidades

vividas pelo corpo docente do estado e as dificuldades relacionadas aos salários, formação

profissional, ambiente de trabalho e metodologia, número de alunos por turma e valorização

pelo poder público e a sociedade, entre outras informações.

Araújo (1979) apresenta o número de escolas masculinas e femininas, matrículas de

alunos nas escolas criadas no Rio Grande do Norte durante o regime imperial e estatísticas sobre

os Grupos Escolares. Nesse sentido, além das informações relacionadas às dificuldades

provocadas pelo contexto político e econômico no estado e no país, a dissertação se tornou uma

referência para o nosso trabalho principalmente por nos subsidiar com dados estatísticos tanto

das Escolas de Primeiras Letras quanto do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia que

não tivemos acesso nas produções sobre o contexto da cidade do Assú.

O trabalho de Moreira (2005), Um espaço pioneiro de modernidade educacional:

Grupo Escolar “Augusto Severo” – Natal/RN – 1908-1913, também possibilitou

informações para a compreensão de nosso objeto de estudo. A autora desenvolveu uma pesquisa

importante sobre o Grupo Escolar Augusto Severo se apropriando de estudos historiográficos

sobre o processo de modernização de algumas cidades brasileiras e as inovações da instrução

primária no país no final do século XIX e início do século XX. A dissertação apresenta

contribuições significativas para os estudos de arquitetura, história e pedagogia e tem o objetivo

de entender a representação da instituição como equipamento urbano no processo de

modernização da cidade de Natal, também evidenciando a importância do Grupo Escolar

Augusto Severo como modelo educacional a ser seguido em todo o estado do Rio Grande do

Norte. A autora destaca a reconstrução da conjuntura econômica, social e política determinante

das intervenções públicas empreendidas em Natal pelo governo republicano, visando a

construção de uma cidade embelezada, higienizada e civilizada.

Tomando como referência o trabalho de Moreia (2005), nos apropriamos de algumas

reflexões no sentido de entendermos o mapeamento dos Grupos Escolares criados no Rio

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Grande do Norte nas primeiras décadas do século XX e o cenário socioeconômico e político

nesse período. Na ordem de criação dos Grupos Escolares a partir dos núcleos populacionais

mais representativos do estado, ou mais fortes politicamente, a autora aponta que o Grupo

Escolar Tenente Coronel José Correia foi a 14ª instituição criada no Rio Grande do Norte, numa

relação de vinte e quatro grupos inaugurados entre 1908 e 1913.

Os trabalhos citados anteriormente apresentaram contribuições significativas para o

desenvolvimento de nossa pesquisa. Alguns deram mais destaque para a organização das

Escolas de Primeiras Letras e outros para os Grupos Escolares, mas tentamos aproveitar as

análises presentes nos mesmos no sentido de associar esses elementos com a própria

reconstrução da história da Educação Primária na cidade do Assú.

1.3 REFERENCIAL TEÓRICO

Para avançarmos nas reflexões e apontamentos levantados em nossa dissertação a partir

de uma relação com as obras da revisão da literatura e tentarmos responder as questões e

objetivos estipulados, fazia-se necessário situarmo-nos num aporte teórico e, posteriormente,

metodológico. A partir das teorizações e métodos selecionados para a construção da pesquisa

encontraríamos auxílios para a análise das fontes e o amadurecimento das reflexões e

apontamentos.

De acordo com Barros (2013), a construção de um referencial, ou quadro teórico,

relaciona-se com uma maneira de ver o mundo ou da compreensão dos fenômenos examinados

e torna-se importante para o pesquisador definir o campo ou a subárea do conhecimento em que

sua pesquisa está inserida. Dentro da história, por exemplo, podem ser entrevistos vários

campos ou domínios, como a história econômica, história cultural, história das mentalidades,

história política, entre outras. Também pode ocorrer uma combinação dos temas destacando

enfoques e contribuições entre os campos e a relação dos tipos de história com tipos de

abordagens variadas, como fontes utilizadas e escala de observações.

Nossa pesquisa insere-se no campo da história cultural e mais especificamente, na

história da educação que vem se desdobrando em novos objetos, superando limitações

metodológicas resultantes de análises estruturais estreitas e lineares. Também vem abrindo-se

ao diálogo com a filosofia, a sociologia, a psicologia, a antropologia e a linguística, alcançando

revalorização conceitual e centralidade nos discursos, nas práticas educativas e representações

simbólicas.

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Delimitamos as investigações referentes ao nosso trabalho em três perspectivas da

história da educação: história da alfabetização (FRAGO, 1993), história das instituições

educativas (MAGALHÃES, 2004) e história das ideias pedagógicas (SAVIANI, 2013). A partir

delas, tentamos abarcar uma diversidade de elementos presentes no universo da história da

educação que colaboram com a compreensão de uma visão mais estrita presente no nosso objeto

de estudo: a Educação Primária.

A análise desse objeto encontra ensejo nos elementos delimitados em nosso referencial

teórico, dado que a história da alfabetização está ligada à institucionalização da Educação

Primária; a história das instituições educativas colabora com a noção da necessidade de

implantação do processo de escolarização do ponto de vista normativo, sociocultural,

ideológico-político e espacial; e a história das ideias pedagógicas apresenta um olhar mais

concreto e real sobre a forma como esse processo de escolarização se materializa dentro do

recorte temporal delimitado.

As ideias pedagógicas podem ser compreendidas na forma como as ideias educacionais

encarnam-se no movimento real e concreto da educação orientando e constituindo a própria

substância da prática educacional. As ideias pedagógicas expressam um processo diferente das

ideias educacionais, pois esse segundo elemento decorre da análise do fenômeno educativo,

buscando explicações em diferentes disciplinas científicas tendo a educação como objeto, ou

derivadas de determinada concepção de homem presente na constituição clássica do campo da

filosofia da educação.

No universo das ideias pedagógicas, respaldamo-nos em Saviani (2013, p. 7, grifos do

autor) quando aponta que “com efeito a palavra ‘pedagogia’ e, mais particularmente, o adjetivo

‘pedagógico’ tem marcadamente ressonância metodológica denotando o modo de operar, de

realizar o ato educativo”. Essa manifestação mais peculiar e concreta da educação presente na

visão de ideias pedagógicas se caracteriza nas diferenças geográficas, nos conflitos políticos,

nos interesses socioeconômicos, entre outros elementos que necessitam ser analisados com

atenção para compreender exatamente o porquê do processo educacional ter se realizado de

forma diferente do proposto em determinado projeto.

A história da alfabetização pode ser entendida como um fenômeno importante e de

transformação da própria relação da humanidade com o mundo. Nas culturas primitivas e

mesmo para o analfabeto, que desconhece ou guarda escassas relações com a escrita, adquire-

se uma relação mais direta com a linguagem oral, expressão do próprio pensamento de quem

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não tem acesso ao mundo do letramento4, diferentemente de uma pessoa alfabetizada que tem

a possibilidade de expressar seu pensamento utilizando a escrita. Dessa forma, a escrita,

juntamente com outras grandes invenções, como a roda e o fogo, modificou profundamente a

mente e a vida humana, possibilitou novas estratégias cognitivas, modos de pensamento e

expressão, sentidos ou percepção do tempo e do espaço e novos modos de enxergar a realidade

e o próprio ser humano.

A escrita transformou-se numa tecnologia da comunicação e, como diz Frago (1993, p.

23):

sua existência tornou possível, juntamente com outros fatores, o nascimento da

filosofia e da ciência, assim como do registro e do arquivo, isto é, da história.

Propiciou, ao mesmo tempo, o saber contextualizado, a exegese ou

interpretação adaptativa do texto canonizado e a subjetividade e introspecção

- o diário ou a carta pessoal.

Dessa forma, associamos esse fenômeno de criação da escrita como estruturante da

própria ideia de alfabetização, com as diversas finalidades dos processos de construção da

Educação Primária que possibilitam aos alfabetizados uma nova visão de mundo e a inserção

em um universo criativo, inovador e plural como as práticas culturais e literárias desenvolvidas

na cidade do Assú.

A criação da escrita como importante elemento de comunicação na antiguidade

possibilita uma série de inovações na forma de transmissão de conhecimentos que dão origem

ao processo de escolarização e, consequentemente, de alfabetização com métodos e práticas

que buscam se adequar as diversas realidades espaciais e temporais. Essas transformações

também mantem uma sintonia com interesses e influências de grupos diversos.

Segundo Magalhães (2004), durante o século XIX nasce uma série de movimentos

cruzados de educação e escolarização e a construção de políticas, cumplicidades, identidades e

territorialidades gerando uma cultura escolar interpretada como meio e fator de tecnologização

e institucionalização de uma nova realidade e um novo movimento de emergência que

implicava uma oposição à tradição marcada pela ruralidade e por práticas ancestrais.

Influenciados pela perspectiva inovadora que o processo de alfabetização possibilita ao

desenvolvimento da civilização e pela diversidade de elementos históricos que constroem uma

4 Frago (1993) chama a atenção em seu trabalho para a dificuldade de acesso aos conhecimentos variados da

cultura e da produção humana e que caracterizam diversos analfabetismos, como o analfabetismo digital, o

analfabetismo científico, o analfabetismo idiomático, entre outros. De forma oposta, o acesso a esses diversos

elementos também configuram uma relação de alfabetização com determinado conhecimento. Delimitamos o

nosso trabalho no campo da alfabetização relacionada ao universo do letramento e da escrita possibilitados pelo

sistema escolar.

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nova visão do processo de escolarização das instituições educativas a partir do século XIX,

entendemos que a implantação de um sistema de instrução primária por meio das Escolas de

Primeiras Letras no Brasil-Império, podem ser vistas como uma iniciativa de projeto de

consolidação de uma nova identidade para a monarquia nascente.

Apesar dos sucessivos entraves que impossibilitaram a concretização desse projeto

durante o período imperial, ele teve seus méritos por ser o embrião de um projeto que vai

encontrando possibilidades de concretização no governo republicano com a instituição dos

Grupos Escolares, modelo que traduz uma nova perspectiva de modernização pedagógica no

contexto da história das instituições educativas no Brasil e de relação com os métodos de

alfabetização.

Criados para substituir as Escolas de Primeiras Letras vigentes no período imperial, os

Grupos Escolares apresentavam uma perspectiva ampla de novos elementos pedagógicos com

o uso do método intuitivo, o fim dos castigos físicos, instalações arquitetônicas próprias e

traduziam uma linguagem de códigos e símbolos, com profissionais mais bem preparados e a

aplicação de um processo de seriação das turmas, entre outros elementos. Porém, à luz das

ideias pedagógicas, compreendemos que essas inovações não se manifestaram por meio de uma

ruptura brusca. Mesmo no período imperial, ocorreram tentativas de se consolidar métodos

pedagógicos que foram considerados inovadores no cotidiano dos Grupos Escolares. Por outro

lado, a instituição desses espaços escolares não significou que as Escolas de Primeiras Letras

desapareceram do universo educacional brasileiro. Mesmo com outras denominações, esse

modelo continuou vigente por muitos anos do governo republicano.

No processo das teorizações sobre a história das instituições educativas, Magalhães

(2004) procura esclarecer a multiplicidade de matizes que permeiam as relações entre educação,

instituição e história.

Para o autor, educação seria um processo multiportador e continuado de (in)formação

e desenvolvimento da pessoa que se realiza pela interação consciente das questões humanas e

sociais centradas no sujeito como modalidade de projeto. Apresenta uma representação de

futuro mediada entre a idealização e a realidade educativa, constituindo, ainda, uma atualização

epistemológica estruturada nas relações sociais e de poder, coincidindo nos agentes e sujeitos,

tempos, objetivos e resultados. Essa visão de educação presente nas teorizações de Magalhães

de certa forma se aproxima das ideias pedagógicas de Saviani, dado que nas segundas existe a

proposta de uma modalidade de projeto educacional que pode realizar-se de forma diferente da

idealizada e que também sofre interferências de relações sociais e de poder.

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Da mesma forma, Frago (1993) afirma que as habilidades da alfabetização, como a

leitura e a escrita, vistas como instrumentos possibilitados pela aprendizagem nos espaços de

escolarização que implicam concepções e percepções de formação e desenvolvimento da pessoa

humana a partir de elementos fundamentais como a consciência e a mente, também são

determinadas por estruturas espaciais e temporais, mas, principalmente, por modalidades de

projeto centradas comumente por relações sociais e de poder.

Instituição é vista por Magalhães (2004) como a conversão de uma instância

organizacional em espaço existencial. A própria relação dos agentes e sujeitos torna-se

educativa nesse movimento dialético de evolução e complexidade do estar para o ser. O

momento educativo institui-se quando origina um espaço que compreende processos e

mecanismos e o estabelecimento de relações entre a instituição educativa e o contexto social

em que se desenvolve.

Assim, independente das críticas posteriores às Escolas de Primeiras Letras que

funcionavam nas residências dos professores, esses espaços podem ser apontados como uma

instituição educativa, dado que existia uma materialidade do processo ensino aprendizagem,

com procedimentos e métodos. Contudo, isso vai ficar mais evidente com o surgimento dos

Grupos Escolares, pois eram vistos como um espaço propício e adequado para o

desenvolvimento dessa relação.

E o terceiro elemento apontado por Magalhães (2004) é a história. Segundo o autor, ela

está permeada por uma série de dimensões referenciadas pela noção de verdade, construção de

informação, hermenêutica, comunicação, validação e relevância do conhecimento, que

implicam em fontes (informação, arquivos, tratamento de dados), método (articulação entre

interpretação, conceitualização, instrumentalização), um objeto e uma narrativa.

A análise e a interação entre os referidos termos apontam para a ideia da construção das

instituições educativas como resultante de uma totalidade em desenvolvimento. O sentido

histórico dessa totalidade deve ser investigado a partir dos quadros de um paradigma relacional

que se manifesta numa ideia de mesoabordagem, estruturada na relação entre as instituições

educativas e a comunidade envolvente com uma abordagem cruzada entre os planos macro,

meso ou micro-histórico.

O plano macro configura-se pela compreensão socioinstitucional, ou sistêmica; o micro

refere-se ao universo intrínseco ao âmbito escolar e à sala de aula; e o meso implica uma visão

de conjunto que oscila entre os dois planos anteriores. De acordo com Magalhães (2014, p.

169), é exatamente dessa relação da mesoabordagem, resultante do entrelaçamento das

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instâncias educação, história e instituição, que ocorre a possibilidade de tecer nexos entre essas

mesmas instâncias e “torna-las inteligíveis, racionais, significativas, projetivas”.

O autor também estabelece uma série de conceitos essenciais na construção da tessitura

dos nexos relativos à história das instituições educativas. Em nosso trabalho nos apropriamos

das noções de comunidade envolvente, agentes e sujeitos e práticas educativas, no intento

de alcançarmos os objetivos estabelecidos.

A noção de comunidade envolvente mostra-se significativa numa abordagem

relacional com a instituição educativa, dado que seu percurso histórico seria inviável analisando

apenas os aspectos internos. A instituição educativa afeta o contexto geográfico e sociocultural

em que está inserida, todavia, ela também é influenciada pelas culturas, expectativas e aspectos

do meio local.

Podemos aproximar essa noção de comunidade envolvente de Magalhães das ideias

pedagógicas de Saviani, principalmente no sentido de que a normatização do processo

educacional, ou o que se esperava da concretização de um suposto projeto educacional, sofre

influências no contato com fatores externos do contexto geográfico e social onde a instituição

está inserida e a própria instituição apresenta contribuições nas transformações do contexto

externo. Da mesma forma, a alfabetização é vista por Frago (1993) como um fenômeno

complexo que mantem inter-relações com uma ampla diversidade de causas e efeitos, segundo

um determinado país, uma região ou um momento histórico.

Comungando da junção dessas perspectivas, acreditamos existir uma inter-relação no

processo de alfabetização ainda na Vila Nova da Princesa com as Escolas de Primeiras Letras

e, posteriormente, na cidade do Assú com a implantação do Grupo Escolar Tenente Coronel

José Correia. Entendemos que esses processos seguem uma legislação que normatiza suas

atividades em períodos distintos, mas visamos compreender as contribuições da Educação

Primária possibilitando o acesso ao mundo da alfabetização e da escrita e as influências desses

elementos formativos para o surgimento do contexto literário e cultural que se expandiu na

cidade. Da mesma forma, investigamos as influências que o universo cultural e literário

existente na cidade do Assú desperta nos habitantes que participam do processo de

escolarização primária, como o desejo de apropriarem-se dos códigos da leitura.

Entretanto, analisamos esse intercâmbio do universo das atividades educativas e urbanas

a partir da concretização das ideias pedagógicas relacionadas com o plano político local,

estadual e nacional presente no regime imperial e no governo republicano que buscam formar,

por meio da educação, um novo homem que participe mais efetivamente dos interesses da

nação.

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Nesse sentido, tentamos compreender a presença desses espaços de Educação Primária

num limite geográfico determinado que está se desenvolvendo, marcado por uma economia em

desenvolvimento com a extração da carnaúba e do algodão; por uma série de serviços públicos

e privados e a construção de espaços que contribuem com o desenvolvimento social. Atentamos

para uma cultura urbana que se expande gradativamente com a produção da literatura, do

jornalismo, da poesia e do teatro, convergindo para a construção da identidade da cidade do

Assú como a Atenas Norte-rio-grandense.

Para Magalhães (2004), os agentes e sujeitos são identificados como gestores, docentes,

demais funcionários e alunos, personagens envolvidos com as instituições educativas e que

agem de formas variadas no sentido de atingir seus intentos, demonstrando ser necessário inferir

propósitos, perspectivas, formas de realização e participação e itinerários escolares e

extraescolares.

A partir dessas orientações, procuramos compreender a origem e a finalidade dos

agentes e sujeitos envolvidos nas tramas institucionais. Com base nas fontes disponíveis,

investigamos inicialmente a presença dos professores das Escolas de Primeiras Letras e suas

práticas consideradas rudimentares em um período em que o sistema de instrução primária

estava tentando se consolidar. Posteriormente, analisamos a presença dos diretores, professores

e outros funcionários que atuam no contexto dos Grupos Escolares fortalecendo a ideia de uma

estrutura organizacional hierárquica, além da necessidade de uma formação mais ampla e

apropriada para o ensino ministrado nesses novos espaços educacionais.

Esse movimento também nos possibilita a oportunidade de analisar as práticas desses

agentes e sujeitos a partir dos projetos normativos e confrontar essas ideias com as realidades

vividas por esses profissionais em períodos distintos. Pode apontar rupturas ou continuidades

na forma como exerciam suas atividades pedagógicas, como eram tratados pelo poder público,

como eram vistos pela própria sociedade e ainda, como participaram do universo cultural e

literário da cidade do Assú. Além disso, buscamos inferir como esses profissionais lidaram com

as transformações no campo educacional que possivelmente ocorreram em nosso recorte

temporal, principalmente por entendermos que a alfabetização é uma tecnologia da

comunicação que sofre influências de novos métodos e práticas pedagógicas.

Em relação aos alunos, Magalhães (2004) propõe uma variedade de indicadores que

caracterizam o fluxo dos discentes como representativo da problemática relacional entre a

instituição e a comunidade envolvente. Em nossa pesquisa, demos prioridade aos tópicos de

origem geográfica, econômica, sociocultural, percursos escolares e formas de relacionamento.

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A partir desses indicadores, foram realizadas algumas reflexões necessárias para

orientar pontos de nosso trabalho enfatizando o protagonismo e a participação dos alunos no

contexto cultural e literário da cidade do Assú a partir de contribuições da Educação Primária.

Isso nos permitiu entender quais sujeitos eram atendidos por esses espaços educacionais na

cidade e se o processo de escolarização era ofertado para os diversos setores sociais ou estavam

voltados apenas para a elite local.

Esses indicadores se mostram importantes também porque, muitas vezes, uma pessoa

alfabetizada tem possibilidades, opções e vantagens em relação a quem não é alfabetizado.

Mesmo caracterizando ou fortalecendo um possível sistema excludente, a posse da habilidade

de ler, escrever, da linguagem imagética, numérica e de formulações algébricas presentes em

conteúdos da instrução primária mostra-se mais funcional e vantajosa para um indivíduo no

universo econômico, profissional, ideológico ou mesmo de status, dado que a alfabetização

mantem relação intrínseca com uma estrutura sócio-ocupacional. (FRAGO, 1993).

Isso ficou evidente dentro do recorte temporal que estipulamos em nosso trabalho, haja

visto que os modelos educacionais implantados no Império e nas primeiras décadas da

República favoreciam, em diversos pontos do país, uma camada populacional com maior poder

aquisitivo.

Delimitamos esses indicadores porque relacionam-se com dimensões das práticas

educativas propostas por Magalhães (2004), por meio das quais se veiculam crenças, normas,

condutas, valores e capacidades apropriadas pelos estudantes e que mantém uma estrita relação

com o contexto sociocultural e político. Assim, o processo histórico de institucionalização da

escola compreende uma complexidade de planos material e organizacional que atentam para

uma cultura escolar em bases normativas, culturais, hierárquicas, metodológicas e relacionais.

Essa série de elementos constituem uma gramática consolidada na internalidade e na

especificidade da estrutura escolar e em sua relação mais direta com os aspectos sociocultural

e político.

Associamos o processo de institucionalização das práticas educativas com os diversos

elementos normativos utilizados pelos dirigentes públicos no processo de funcionamento das

Escolas de Primeiras Letras e dos Grupos Escolares. Mesmo em períodos diferentes, existiam

legislações nacionais ou estaduais que orientavam o funcionamento das instituições e sua

estrutura organizacional. Por meio de códigos e condutas, principalmente nos Grupos

Escolares, buscava-se inculcar finalidades expressas por mecanismos de divulgação dos valores

e objetivos do ideário republicano. A apropriação desses códigos e condutas se manifestava na

transmissão de um conjunto de práticas que visavam definir e moldar os comportamentos das

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futuras gerações criando o perfil de cidadão civilizado e ordeiro, preocupado e engajado na

construção da ordem e do progresso da nação.

Todavia, as crenças, normas, condutas e valores veiculados no campo educacional como

práticas, podem estar relacionadas diretamente com interesses mais particulares de pessoas ou

grupos com tendências político-ideológicas, socioculturais ou ético-morais, entre outras, que

desvirtuam a finalidade inicial da educação. Essa realidade de interesses particulares que

manifesta aspectos concretos de transformação educacional expressam um conteúdo mais

direcionado para as ideias pedagógicas de Saviani (2013), dado que a proposta educacional

ocorre de forma divergente da que se esperava.

No caso das Escolas de Primeiras Letras, essa inversão na institucionalização do que se

propunha na legislação de 1827 foi comum em diversos momentos do Brasil-Império em que

os interesses de diversos representantes ou grupos políticos sempre se fizeram valer e foram

motivo de alterações na lei original. No caso do Rio Grande do Norte, isso fica evidente num

movimento de criação e supressão de escolas influenciado pelos momentos instáveis de

economia que o estado enfrentava, limitando o acesso à educação para grande parcela da

população. Durante a instituição do governo republicano, marcado por diversos conflitos

políticos no estado e uma administração nacional que direcionava poucos recursos à educação,

a materialidade do processo educacional também ocorre de forma bem distante do que estava

proposto na legislação.

O fato de a responsabilidade da implantação da instrução primária passar do governo

nacional para os estados, e desses para os municípios, tornou ainda mais complexa a realidade

do sistema educacional dentro dos parâmetros desejados. Esse movimento também relaciona-

se com o fenômeno da alfabetização que está marcado, segundo Frago (1993, p. 31) pela

“identificação dos interesses e bases ideológicas que o motivavam e o legitimavam, dos agentes

que o impulsionavam ou freavam, de seus modos e procedimentos, e a análise de sua difusão

temporal, espacial e social”.

Diante das reflexões referentes ao nosso referencial teórico e apresentadas as

contribuições dos autores, partimos para o trabalho da noção de métodos, fontes e referências

bibliográficas centrais utilizados na construção de nossa dissertação.

1.4 METODOLOGIA, FONTES E BIBLIOGRAFIA

De acordo com Barros (2013), na elaboração de pesquisas científicas a metodologia

remete a uma maneira de trabalhar um objeto, eleger, constituir e extrair algo de materiais e se

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movimentar sistematicamente em torno do tema definido, vinculando-se a ações concretas,

dirigidas à resolução de problemas, remetendo à ação ou um modo de fazer. Nas pesquisas

históricas, os procedimentos técnicos e metodológicos especiais podem contar com análise de

discursos de obras relacionadas ao objeto de pesquisa e dependendo do tipo de fontes históricas

utilizadas, realizam-se análises quantitativas e seriais.

Em nosso trabalho, optamos pela investigação documental e bibliográfica no sentido de

fundamentar, por meio da leitura e análise do referencial teórico, fontes e referências

bibliográficas, a reconstituição do percurso histórico do objeto. Consideramos a investigação

de pontos essências, como a gênese e o desenvolvimento das supostas instituições educativas,

a natureza e interação do processo de escolarização e alfabetização na comunidade envolvente

e suas influências no contexto sociocultural do recorte espacial que delimitamos. Também

atentamos para a forma como esse processo se materializa considerando o idealizado nos

projetos e a prática real e concreta.

No estudo da história das instituições educativas, Magalhães (2004) cita como fontes

essenciais os artefatos, os registros verbais e escritos, documentações discursivas, arquivísticas

e museológicas e as memórias e histórias de vida. O acesso às fontes mostra-se como um recurso

preponderante e fundamental no desenvolvimento das pesquisas em história.

Todavia, Julia (2001) afirma que o descrédito atribuído a este gênero de produção e a

obrigação em que periodicamente se encontram os estabelecimentos escolares de ganhar

espaço, levam-nos a jogar no lixo 99% das produções escolares sem se preocupar em acomodar

esses registros em depósitos de arquivos que deveriam recebe-los legalmente. Nos deparamos

com essa realidade quando estávamos buscando fontes para reconstruir o histórico do Grupo

Escolar Tenente Coronel Jose Correia.

Como a reconstituição das práticas dessa instituição era nosso objetivo inicial, o

primeiro espaço de buscas foi exatamente a atual Escola Estadual Tenente Coronel José Correia,

onde fomos informados que o acervo histórico da escola estava no almoxarifado e dividia

espaço com produtos, materiais de limpeza e entulhos da escola. Recebemos a comunicação de

que seria feito um levantamento das fontes sobre o Grupo Escolar e disponibilizados para nosso

trabalho. Retornamos várias vezes à instituição na busca dessas fontes, pois, segundo o próprio

Julia (2001, p. 19) “as fontes podem ser encontradas se temos a tenacidade de procurá-las”.

Informados que grande parte do acervo referente ao Grupo Escolar perdeu-se por falta

de manuseio adequado, pelo empréstimo sem devolução, pelas intempéries naturais ou pela

ação do cupim e outros detratores, ainda tivemos acesso a documentos como o programa de

reinauguração do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, de 02 de fevereiro de 1949, Ata

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da caixa escolar com três registros do ano de 1940, o livro de matrícula do ano de 1948 e livros

de ponto de 1940, 1941 e 1945. Contudo, esse material encontrado acabou não sendo utilizado

nesse trabalho sobretudo porque faz referências a um período que está fora do recorte temporal

estipulado em nosso trabalho.

Ana Zélia Maria Moreira, arquiteta e pesquisadora da área de história da educação, nos

forneceu de seu acervo particular o decreto de criação do Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia, de 11 de agosto de 1911, uma imagem do Jornal A República, do dia 09 de setembro

de 1911 com uma matéria que destacou a festa de inauguração do Grupo Escolar, e um material

encadernado contendo leis e decretos referentes a instrução primária no Brasil e no Rio Grande

do Norte.

Na falta de fontes mais direcionadas às práticas educativas, como os cadernos de

preparação dos professores, os exercícios escolares, cadernos de notas tomados pelos alunos e

exames contendo os conhecimentos disciplinares ministrados na instituição ou outros registros

que colaborariam com a reconstrução das práticas desenvolvidas nos espaços de escolarização

que pesquisamos, recorremos aos atos legislativos e decretos nacionais. De acordo com Julia

(2001, p. 17), “o historiador sabe fazer flecha com qualquer madeira” e na falta das fontes dos

arquivos escolares internos “pode-se tentar reconstituir, indiretamente, as práticas escolares a

partir de normas ditadas nos programas oficiais”.

Tivemos acesso à Lei de 15 de outubro de 1827, que estabelece as Escolas de Primeiras

Letras no Império. Sobre o estado do Rio Grande do Norte, encontramos a Lei n. 284, de 30 de

novembro de 1909, referente a reforma da Instrução Pública estadual e outros dispositivos que

regulamentam essa lei e utilizamos o Regimento Interno e o Programa de Ensino dos Grupos

Escolares, de 15 de maio de 1925.

Na tentativa de encontrarmos outras fontes que favorecessem uma visão mais plena do

nosso objeto de estudo, fomos em busca de acervos particulares e encontramos com Aldo

Cardoso, professor e teatrólogo assuense, um exemplar do Jornal Tribuna do Vale do Açu, do

dia 02 de setembro de 2006. Essa edição destaca como matéria de capa os 95 anos de pura

glória da Escola Estadual Tenente Coronel José Correia. Escrita por Ivan Pinheiro Bezerra,

historiador assuense, o acesso a essa fonte possibilitou uma compreensão mais estrita do

processo de implantação dessa instituição, mas, também nos forneceu informações sobre o

contexto educacional local antes da instituição do Grupo Escolar, como as Escolas de Primeiras

Letras e seus principais professores.

Munidos das primeiras fontes referentes aos espaços de Educação Primária na cidade,

iniciamos a busca por livros e textos do contexto local que nos amparassem na empreitada de

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construção da dissertação e elucidassem algumas questões. Concordamos com a afirmação de

Barros (2013, p. 54) de que “ninguém inicia uma reflexão científica ou acadêmica a partir do

ponto zero”, pois, depois que o pesquisador definiu o tema de sua investigação “deve procurar

realizar um levantamento exploratório da bibliografia já existente”. E a cada encontro com

novos textos e obras, nos deparávamos com informações pertinentes e significativas que aos

poucos nos apresentavam respostas e colaboravam com a construção da escrita de nosso

trabalho.

Em visitas ao Educandário Nossa Senhora das Vitórias, instituição particular de

responsabilidade das Filhas do Amor Divino, nos deparamos com um amplo acervo de livros e

revistas históricas que evidenciam o cotidiano da cidade do Assú, material que se encontra bem

conservado e catalogado. Na Casa de Cultura também encontramos algumas obras, porém, a

falta de cuidado e atenção na conservação do material tem feito com que as obras fiquem

desgastadas e inutilizáveis. Outras obras foram fornecidas por Ivan Pinheiro Bezerra, que

mantem um acervo particular com diversos livros sobre o contexto histórico da cidade.

Conseguimos reunir mais de 30 (trinta) obras sobre o Assú, destacando textos variados

como poesias, causos e peças teatrais, autobiografias e biografias, costumes e hábitos locais,

palestras, coletâneas literárias, aspectos demográficos, políticos, históricos, geográficos e

religiosos, entre outros. Das obras encontradas, algumas nos chamaram a atenção pelas

informações sobre o contexto educacional da cidade do Assú e acabaram se tornando fontes

importantes para o nosso trabalho por serem aproveitadas em diversos momentos da escrita do

texto.

Destacamos as contribuições de Francisco Augusto Caldas de Amorim, mas conhecido

na cidade como Chisquito. O memorialista nasceu no Assú em 10 de julho de 1899 e faleceu

em Natal, no dia 23 de abril de 1994. Francisco Amorim é irmão de Palmério Filho, um dos

pilares do jornalismo na cidade do Assú e iniciou muito cedo sua vida literária publicando um

jornalzinho intitulado O Trabalho. Atuou como auxiliar de farmácia, vereador, inspetor de

ensino, juiz de paz, auditor fiscal federal, prefeito do Assú entre 1953 e 1958 e presidente da

Cooperativa Agropecuária do Vale do Assú Ltda. No campo literário, Chisquito foi escritor,

redator e repórter em diversos jornais da cidade, escreveu poesias e historiou vários aspectos

da cidade do Assú em diversos livros que enriqueceram as letras da Atenas Norte-rio-grandense.

Para a construção da escrita do nosso trabalho utilizamos as seguintes obras: Assú da

minha meninice (1982), Assú em revista (1980), História da imprensa do Assu (1965),

História do teatro no Assú (1972) e Titulados do Assú (1982). As obras destacadas

apresentam aspectos do desenvolvimento histórico da cidade, seus personagens e a relação que

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se estabeleceu entre a própria história da educação local dentro desse desenvolvimento e com

esses personagens. Por meio dos registos de Francisco Amorim tivemos acesso as informações

sobre o envolvimento de professores e alunos com o mundo do jornalismo, do teatro, da poesia

e de algumas experiências educacionais vivenciadas pelo memorialista em seu período de

escolarização primária ou atuando profissionalmente na cidade.

Encontramos fontes significativas no livro O município de Assú, do doutor Pedro

Soares de Araújo Amorim. O trabalho é um relatório apresentado no Congresso Econômico do

estado do Rio Grande do Norte realizado em 1928 durante as comemorações do segundo

aniversário do governo de Juvenal Lamartine de Faria. O memorialista, que foi o primeiro

prefeito do Assú nomeado pela Junta Governativa e exerceu o cargo entre 1929 e 1930,

apresenta aspectos sucintos registrados até 1928 sobre a história do município, a situação

geográfica, dados populacionais, agricultura e indústria, instrução pública, prédios públicos,

entre outros. Tivemos acesso à uma reedição do relatório lançada em 2008.

Outro trabalho importante foi o livro Alfredo Simonetti (1995) escrito por Américo

Vespúcio Simonetti, filho de Alfredo Simonetti, ex-professor e diretor do Grupo Escolar

Tenente Coronel José Correia na década de 1920. Usando fontes documentais e notícias de

jornais do início do século XX, Américo Simonetti apresenta uma série de informações sobre a

atuação de seu pai no Grupo Escolar do Assú antes de assumir atividades educativas em

Mossoró/RN. Tendo colaborado com alguns jornais no Assú e escrevendo textos e poesias, essa

obra nos fornece discursos do professor relacionados com o universo de circulação de ideias

republicanas na época e possibilita a compreensão das relações que Alfredo Simonetti mantinha

com seus alunos no Grupo Escolar do Assú. Também são apresentadas informações referentes

ao jornal O Paládio, produzido na década de 1920 pelos alunos do Grêmio Complementarista

do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia.

Utilizamos outras obras encontradas nos acervos particulares e públicos da cidade do

Assú, contudo, consideramos que estão mais relacionadas às referências bibliográficas, pois as

contribuições desses autores aparecem em momentos mais localizados do trabalho. Destacamos

as contribuições de Celso da Silveira (1995), Ezequiel Fonseca Filho (1984), Gilvan Lopes

(2011), Ivan Pinheiro Bezerra (2010), João Carlos de Vasconcelos (1966, 1977), João Celso

Filho (1986), Lauro de Oliveira (1966), Renato Caldas (1980) e Rômulo Chaves Wanderley

(1965).

No levantamento de referências bibliográficas também utilizamos diversas obras que

destacam a instrução primária no contexto nacional. Apesar de terem títulos voltados aos

Grupos Escolares, perpassam a implantação das Escolas de Primeiras Letras e a viabilização

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desses modelos educacionais pesquisados em nossa dissertação com os processos ideológicos

e políticos durante o Império e a República. Nesse sentido, destacamos os seguintes trabalhos:

Templos de Civilização: A Implantação da Escola Primária Graduada no Estado

de São Paulo (1890-1910), de autoria de Rosa Fátima de Souza (1998). O trabalho busca dar

conta da produção histórica dessa modalidade institucional de reorganização da Educação

Primária republicana e sua implantação no estado de São Paulo, símbolo cosmopolita na virada

dos séculos XIX e XX e modelo de funcionamento dos Grupos Escolares espalhados

posteriormente em todo o Brasil.

Da era das cadeiras isoladas à era dos grupos escolares na Paraíba, de autoria de

Antonio Carlos Ferreira Pinheiro (2002). Apropriando-se de um rico acervo de fontes e

documentos, analisa o processo de expansão e consolidação da educação pública na Paraíba

entre os anos de 1849 a 1949 e coloca em evidencia as diversas transformações educacionais

que ocorreram no estado na passagem do Império para a República. O autor apresenta as

implicações que o processo de escolarização, nesses períodos, sofreu dos interesses dos grupos

políticos e econômicos paraibanos que muitas vezes entravavam ou dificultavam a expansão da

rede de ensino elementar.

Escola da ordem e do progresso: grupos escolares em Sergipe e no Rio Grande do

Norte. O livro de autoria de Crislane Barbosa Azevedo e Maria Inês Sucupira Stamatto (2012)

apresenta o processo de implantação dos Grupos Escolares nos dois estados. Entre as diversas

contribuições, são levantados aspectos que demarcam os novos métodos e recursos pedagógicos

presentes nos Grupos Escolares e estabelecidas diferenças em relação aos métodos aplicados

nas escolas do período imperial.

Dos pardieiros aos palácios: forma e cultura escolar em Belo Horizonte

(1906/1918), de autoria de Luciano Mendes de Faria Filho (2014). Em suas perspectivas de

investigação da história dos Grupos Escolares em Minas Gerais, o autor pensa a escola como

produto histórico da interação de dispositivos de normatização escolar. Focaliza as práticas

constitutivas de uma sociabilidade escolar e transmissão cultural, pondo em cena os agentes e

sujeitos dessas práticas e a inserção do processo de escolarização nos espaços urbanos,

destacando também as contribuições da cultura urbana para o universo escolar. Busca, ainda,

compreender a implantação desses modelos educacionais tanto nos espaços periféricos quanto

nos grandes centros urbanos, evidenciando as similitudes e diferenças do funcionamento dos

Grupos Escolares nesses dois espaços.

Outros trabalhos, que apesar de não terem relação direta com a instrução primária, são

citados, pois estão em sintonia com o processo de investigação histórica, com o

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desenvolvimento dos espaços urbanos e outros elementos que podem ser utilizados no sentido

de dar suporte ao alcance dos objetivos delimitados em nosso trabalho. Enfim, as fontes e as

obras apresentadas no referencial bibliográfico expressam o cerne do processo de investigação

e construção da nossa dissertação e estabelecem um diálogo significativo com os trabalhos de

revisão da literatura relacionados ao nosso objeto de estudo e o referencial teórico-

metodológico que nos apropriamos.

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HINO OFICIAL DO ASSÚ5

(Sinhazinha Wanderley)6

Qual um canto harmonioso

Das aves, pelo ramado

A minha’alma te festeja

Meu Assú, idolatrado.

ESTRIBILHO

Torrão bendito hei de amar-te

Dentro do meu coração.

Salve, Assú estremecido,

Salve, salve ó meu sertão.

Palmeiral da minha terra

As várzeas cobrindo estás

Tu qu’és útil pelo inverno

E pela seca ainda mais

Valoroso, florescente,

Em face dos mais sertões

Hão de erguer-te o nosso esforço

Nossos bravos corações.

5 Transcrito de Silveira (1995, p. 141). 6 O Hino oficial da cidade do Assú foi instituído no dia 10 de outubro de 1969 sob a Lei Municipal N° 06/69.

Segundo o artigo 3° dessa Lei: “Fica oficializado, como Hino do Município do Açu, o composto do poema e

música da saudosa poetisa e musicista açuense, Sinhazinha Wanderley”.

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2 DA BATALHA PELO TERRITÓRIO À ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE: A

FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA, LITERÁRIA E CULTURAL DA CIDADE DO

ASSÚ

Assú7 é uma cidade do interior do Rio Grande do Norte localizada a 210 quilômetros

de Natal, capital do estado. É banhada pelo rio Piranhas- Açu, cuja nascente fica no vizinho

estado da Paraíba e desagua na cidade de Macau/RN. O município de Assú tem área territorial

correspondente a 1.303,442 KM² e uma média populacional estimada em 57.743 habitantes.

(IBGE, 2016).

A cidade é a sede da microrregião do Vale do Açu, composta ainda pelos municípios

de Carnaubais, São Rafael, Ipanguaçu, Itajá, Pendências, Alto do Rodrigues e Porto do

Mangue e atua como polo econômico e de serviços para os municípios vizinhos auxiliando na

rede bancária e nos sistemas de ensino público e privado. Conta com uma universidade

pública, a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e uma universidade

privada, a Faculdade Católica Nossa Senhora das Vitórias (FCNSV). O município também

presta atendimento à população por meio de instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio

às Micro Empresas (SEBRAE), o Serviço Social da Indústria (SESI), o Instituto Nacional de

Seguro Social (INSS) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (SILVA,

2011).

O território onde hoje está localizada a cidade passou a ser povoado por colonizadores

europeus por volta do século XVII, quando também se inicia o desenvolvimento econômico

da região com a pecuária e, posteriormente, a produção de algodão e extração da cera de

carnaúba. Além da economia, outro aspecto importante que alavancou e expandiu a imagem

da pequena vila sertaneja depois de elevada à categoria de cidade no século XIX foi a expansão

literária e cultural com a produção de jornais, poesias e dramatizações teatrais.

Essa conjuntura do desenvolvimento econômico, cultural e literário fez com que a

cidade recebesse pseudônimos importantes que expressavam o seu destaque no estado: Terra

dos verdes carnaubais, Terra dos poetas e Atenas Norte-rio-grandense. No sentido de

entender como a cidade passou a receber esses títulos é importante reconstruirmos alguns fatos

históricos contextualizando e relacionando-os com a história da Educação Primária local nos

7 O significado da palavra Assú tem mais de uma interpretação. Inicialmente, pode estar relacionado a uma origem

no tupi guarani, língua dos povos primitivos da região, relacionando-se com a expressão taba-Açu (Aldeia Grande),

numa referência a dimensão do território habitado pelos índios Janduís. Alguns pesquisadores também afirmam

que uma segunda interpretação da palavra Assú estaria relacionada com a posição do território na margem esquerda

ou Mão esquerda, do curso do rio Açu na direção sul-norte.

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capítulos seguintes, principalmente porque concordamos com Fenelon (1999, p. 7) que

compreende a cidade “como o lugar onde as transformações instituem-se ao longo do tempo

histórico com características marcantes” lidando com “constantes diálogos entre os vários

segmentos sociais para fazer surgir das múltiplas contradições estabelecidas no urbano, tanto

o cotidiano, a experiência social, como a luta cultural para configurar valores, hábitos, atitudes,

comportamentos e crenças”.

2.1 A COLONIZAÇÃO EUROPEIA E A GUERRA DOS BÁRBAROS

Quando os europeus aportaram nas terras do atual estado do Rio Grande do Norte e

começaram a travar contato com os habitantes primitivos perceberam que existiam dois grupos

indígenas distintos: os que viviam no litoral e autodenominavam-se Potiguaras, pertencentes

ao tronco Tupi, e os do interior, denominados de Tarairiús, habitantes da zona semiárida, com

línguas e costumes diferentes dos grupos do litoral. O segundo grupo se dividia em pequenos

subgrupos com denominações distintas. Os contatos iniciais e tentativas de colonização pelos

europeus no território ocorreram por meio do litoral com a chegada dos portugueses. Uma

expedição marítima conseguiu desembarcar na foz do Rio Grande (atual Rio Potengi) e iniciar

a construção de um forte, inicialmente com madeiras e logo depois com pedras. No dia 6 de

janeiro de 1598 os portugueses inauguravam no litoral o Forte dos Reis, porém, enfrentaram

uma reação cerrada dos índios potiguaras.

Esses primeiros contatos foram marcados por conflitos entre o homem branco e os

habitantes locais. Por contarem com o trunfo das armas de fogo, os portugueses conseguiram

vencer a resistência indígena e conquistaram um ponto da capitania do Rio Grande onde

fundaram uma pequena povoação no dia 25 de dezembro de 1599. Chamada de Povoação dos

Reis, posteriormente daria origem a cidade de Natal, capital do estado. A partir desse ponto

conquistado, a área da colonização portuguesa se alargaria crescentemente pelo litoral e logo

depois, investindo pelo interior. Contudo, disputas entre as potências europeias por posses de

terras do continente americano levaram a batalhas entre portugueses e holandeses na Capitania

do Rio Grande. A primeira tentativa de conquista do Forte dos Reis Magos pelos holandeses

ocorreu no final do ano de 1631, mas a conquista só ocorreu em 1633 quando o Forte foi

tomado e a Capitânia foi incorporada ao domínio holandês. (MONTEIRO, 2015).

Os povos primitivos da região do Vale do Açu, os Tarairiús, viviam das terras ribeiras

do Rio Açu-RN para o Jaguaribe-PB, até a parte central de Pernambuco. Alguns subgrupos do

interior travaram contato com o Conselho de Guerra dos Holandeses em Pernambuco. Com a

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tomada do Forte dos Reis Magos e o domínio na antiga Capitania do Rio Grande, os

holandeses começaram a enfrentar problemas com os índios do litoral, os Potiguaras, mas

tornaram-se aliados de diversos grupos do sertão, os Tarairiús. A coroa portuguesa retomou o

território em 1640 e os holandeses foram expulsos. Seus aliados indígenas receberam um

perdão concedido por Francisco Barreto de Menezes, então governador da Capitania de

Pernambuco, e firmaram um tratado de paz onde o índio Janduí foi nomeado governador dos

índios do interior do Rio Grande. Essa nação recebeu a denominação de Janduís em função

exatamente do seu líder, cuja aldeia principal localizava-se no lugar denominado de Taba-

Açu, distante meia légua ao norte do território da atual cidade do Assú, num vale medindo

vinte milhas de extensão, por duas de largura. (BEZERRA, 2010) (FERREIRA, 1999).

Com o tratado firmado, João Fernandes Vieira estabeleceu na região a primeira fazenda

de gado, em 1660. O capitão-mor Antônio da Silva Barbosa nomeou Estevam Velho de Moura

Capitão de Infantaria das Ordenanças da Ribeira do Rio Açu ao Rio Jaguaribe com o objetivo

de estabelecer as bases de núcleos de povoamento europeu no interior da Capitania. Estevam

conseguiu civilizar alguns índios, mas com avultados dispêndios e dificuldades. Em 02 de

janeiro de 1682, Estevam faz o requerimento de uma sesmaria, sendo-lhe concedida na ribeira

do Rio Açu onde estabelece currais de gado. Com a morte do capitão a sesmaria fica sob os

cuidados de sua esposa, dona Maria César. (BEZERRA, 2010). A partir da chegada desses

primeiros habitantes brancos, tem início o processo de povoamento, a implantação de algumas

missões e a expansão da colonização na região que recebe em 20 de julho de 1687 a

denominação de Arraial de Santa Margarida.

Os Janduís viviam num solo de boa qualidade e isso despertou a cobiça dos

colonizadores que passaram a perseguir os indígenas empreendendo uma luta pelo território.

Contudo, a tomada do espaço pelos colonizadores brancos não ocorreu de forma pacífica, uma

vez que os índios com seus costumes guerreiros e também por defesa do território onde

habitavam, revidaram à investida dos colonizadores com ataques que se estendiam até a capital

da Capitania, “dificultando o objetivo dos portugueses de escravizá-los e aqui se instalarem.

Isto acabou resultando num conflito sangrento entre índios e colonizadores, denominado de

Guerra dos Bárbaros ou Confederação dos Cariris”. (FERREIRA, 1999, p. 53, grifos

nossos).

De acordo com Monteiro (2015, p. 47, grifos da autora):

Essa resistência indígena, que implicou alianças entre tribos com o

fim de mover guerras aos conquistadores, constituiu o mais importante e

longo conflito entre nativos e colonizadores de toda a história da Colônia.

Tendo durado da década de 1680 até por volta de 1720, portanto por quarenta

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anos, ela se alastrou, segundo alguns historiadores, do atual estado da Bahia

ao atual estado do Maranhão. Seu principal palco de lutas foi, sem dúvida, a

capitania do Rio Grande. Tem sido denominada em muitos livros de História

como ‘Guerra dos Bárbaros’, denominação essa que tem origem nos relatos

dos colonizadores e expressa, portanto, a visão desses sobre a resistência

indígena, pois ‘bárbaros’ seriam aqueles que se recusavam a aceitar o poder

e a cultura dos homens brancos.

Enfrentando diversas dificuldades, muitos indígenas resistiram. Entretanto, longe de

suas terras e perseguidos pelos brancos, foram obrigados a abandonar sua cultura, passando a

vagar pelo sertão sem destino certo fugindo da Capitania do Rio Grande para territórios da

Paraíba e do Ceará. Alguns grupos étnicos também foram integrados na fundação de novas

povoações e vilas, como é o caso do Arraial de Santa Margarida que em 24 de abril de 1696

passa a se chamar Arraial de Nossa Senhora dos Prazeres, posteriormente denominado de

Povoação de São João Batista da Ribeira do Assú, em1766.

Com grande parte das tribos indígenas dizimadas e submetidas como escravas, ou

integradas ao processo de miscigenação com os colonizadores europeus e os primeiros negros

escravos trazidos para a região, o território passou a ser habitado livremente pelos portugueses

e outros povos europeus que se instalaram e começaram a desenvolver a produção de

alimentos, ou lavouras de subsistência, cultivadas às margens do rio Açu aproveitando a várzea

e o tabuleiro.

Nesse novo espaço de geografia adversa e condições climáticas que, muitas vezes,

apresentavam grandes dificuldades para os europeus, a sabedoria e domínio dos indígenas,

derivado do contato desses povos com a região, foi fundamental para o processo de adaptação

dos próprios europeus no território e da transformação dos espaços com a implantação de

novas técnicas de exploração. Segundo Magaldi (1999, p. 18), a miscigenação “apresenta

aportes importantes para a conformação cultural da cidade colonial, como a vida

administrativa e comercial intensa que é o principal fator gerador de costumes, hábitos e de

notáveis fatos arquitetônicos”.

As primeiras vilas da Capitania do Rio Grande durante o período colonial foram criadas

onde o povoamento era mais denso e concentrado, caso das áreas em que localizavam-se as

missões religiosas de aldeamento indígena no litoral e dos primeiros povoados de grande

importância no sertão que estavam nas rotas das primeiras frentes de conquista do interior.

Dessa forma, em 1788 a Povoação de São João Batista da Ribeira do Assú foi transformada

em vila, sendo chamada de Vila Nova da Princesa, em homenagem à D. Carlota Joaquina.

Esses novos espaços se tornariam o centro da vida política e social no interior da Capitania,

“pois constituíam a sede do poder administrativo dos municípios onde se situavam o lugar de

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reunião dos moradores das fazendas nos dias de missas e festas, principalmente as religiosas”.

(MONTEIRO, 2015, p. 71).

Com a declaração da Independência do Brasil do domínio português em 1822 e a

passagem de Colônia para Império, ocorreu uma série de transformações por todo o país com

reflexos também no interior do Rio Grande do Norte. A Lei n° 13, de 18 de março de 1835

havia aprovado a criação da comarca do Assú, sendo a segunda do estado do Rio Grande do

Norte, depois de Natal. Compreendia uma zona abrangendo os atuais territórios do Seridó,

Martins, Pau dos Ferros, Mossoró, Campo Grande, Macau, Angicos e outros lugares que foram

se desmembrando da comarca, como Apodi, em 1835, Maioridade (Martins), em 1841,

Mossoró e Triunfo, em 1861 e Augusto Severo (Campo Grande), em 1922.

Em 30 de setembro de 1845, João Carlos Wanderley, Deputado Provincial, deu entrada

no projeto para elevar a Vila Nova da Princesa à categoria de cidade. O projeto foi aprovado

e no dia 16 de outubro de 1845 foi sancionada a Lei n° 124, passando a se chamar cidade do

Assú. (SILVEIRA, 1995).

A cidade constituiu-se inicialmente a partir de um grande largo situado na Praça da

Proclamação8, formado de quatro ruas principais denominadas pela Câmara Municipal em

1822 de Comércio, São João, Casa Grande e Coronel Souto. As casas foram construídas

solidamente e a maioria formava um conjunto de casarões com belo aspecto arquitetônico. A

praça recebeu esse nome numa alusão à proclamação da independência do município pelo

Tenente Coronel José Correia de Araújo Furtado num ponto específico com alicerces antigos

chamado de Alto do Império9.

Nesse mesmo lugar foi inaugurada no dia 1° de janeiro de 1900 uma Coluna

Comemorativa da passagem do século XIX para o Século XX. A partir do quadrante central,

foram surgindo as ruas São Paulo, Tenente Coronel José Carlos, 7 de setembro, Pedro Velho,

Caridade, Hortas, Dr. Amorim, Augusto Severo e Rosário, expandindo o espaço urbano. Os

8 A Praça da Proclamação foi denominada posteriormente de Praça do Centenário, Praça Getúlio Vargas e

atualmente se chama Praça São João. 9 O ato público da Proclamação da Independência do Município e da posse do Coronel Manoel Lins Caldas como

Presidente da Câmara Municipal do Assú ocorreu no Alto do Império logo após a elevação da Vila Nova da

Princesa à categoria de cidade. Segundo alguns registros (LIMA, 1990) (SILVEIRA, 1995), o Tenente Coronel

José Correia teria dirigido a cerimônia. Nascido em 1788 e falecido em 1870, o Tenente Coronel foi um político

influente e atuante, eleito e empossado à Junta do Governo Provisório no dia 11 de novembro de 1822, função que

assumiu até 24 de janeiro de 1824. Um ano antes, em 1821, fez parte do Conselho da Província. Apesar das

semelhanças dos nomes com o Juiz de Direito José Correia de Araújo Furtado, nascido em 1865, que também se

tornou um político influente na cidade e organizou campanhas para a construção do Grupo Escolar da cidade, o

Tenente Coronel é considerado por alguns pesquisadores o patrono do Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia.

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bairros além do quadrante se chamavam incialmente de Macapá e Fazenda São João. (LIMA,

1990).

A freguesia do Assú foi criada por volta de 1725 tendo como padroeiro São João

Batista. É uma das mais antigas do Rio Grande do Norte, compreendendo inicialmente toda a

zona sertaneja. O primeiro vigário foi o padre Manoel de Mesquita e Silva. A igreja matriz

localizava-se ao norte do largo central. O templo inicial, construído de madeira e barro,

apresentava grandes dimensões. Entre os anos de 1850 e 1857 a igreja matriz foi totalmente

reconstruída a partir de um contrato entre o Dr. Luiz Gonzaga de Britto Guerra, juiz municipal

e da provedoria, que posteriormente assumiu as funções de conselheiro e Barão da cidade, e o

Coronel Manoel Lins Wanderley. Toda a obra foi revestida e edificadas as duas torres. Em

1904 aconteceu a reconstrução do altar-mor e reparos na estrutura. Outras obras de

revitalização foram realizadas no belo e majestoso templo durante o século XX. Considerada

uma joia arquitetônica e histórica no centro da cidade, a igreja consta de uma vasta nave com

20 metros por dez, dois corredores largos em toda sua extensão e uma sacristia10.

2.2 ATIVIDADES ECONÔMICAS E TRANSFORMAÇÕES URBANAS

Com as entradas no interior da Capitania do Rio Grande, os colonizadores

estabeleceram as primeiras fazendas de criação de gado e investiram em atividades

econômicas voltadas para a pecuária, dadas as condições climáticas e a vasta extensão de terra

no sertão. No contexto do desenvolvimento do interior da região, Monteiro (2015, p. 60)

esclarece:

O gado bovino era essencial para os engenhos açucareiros da Zona

da Mata nordestina: além de fornecer alimento para a população que se

concentrava na faixa litorânea, era a força motriz dos primitivos engenhos.

Como as terras dessa faixa eram ocupadas preferencialmente com a lavoura

da cana-de-açúcar, fonte da riqueza de então, a criação de gado foi se

interiorizando cada vez mais e acabou se tornando a principal atividade

econômica das terras situadas sertão adentro.

O solo do Vale do Açu, localizado no sertão, favorecia a pastagem do gado e um

emergente comércio de carne seca, proporcionando na época uma economia crescente. A

indústria da carne seca, também chamada de charqueada, atingiu o ápice por volta de 1740 na

10 As obras mais recentes foram realizadas a partir do ano de 2009, depois que o teto da matriz ruiu. Além da

reconstrução do teto, a área externa e o altar-mor também foram revitalizados.

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antiga comunidade de Oficinas11. Localizada entre as atuais cidades de Carnaubais e Porto do

Mangue, essa região era favorecida pela proximidade com as salinas e o porto e foi montada

uma estrutura para salgar e estender carnes de boi que eram exportadas para outras capitanias.

De acordo com Bezerra (2010, p. 48), nesse período, o Arraial de Nossa Senhora dos Prazeres

“possuía o maior rebanho do território Potiguar. Das 308 fazendas existentes na Capitania, 90

localizavam-se na Ribeira do Assú. Atividade comercial que abastecia de charque o Nordeste

brasileiro”.

A expansão da atividade das charqueadas na região foi impossibilitada por questões de

ordem regional, impostas pelo governo de Pernambuco. Inicialmente, essa Capitania era

abastecida pela produção bovina do Rio Grande, mas sentiu-se prejudicada pelas charqueadas

potiguares que resultavam em diminuição no volume de exportação de gado para aquela

capitania. Ainda segundo Bezerra (2010, p. 49), no ano de 1784:

o Governador de Pernambuco, em carta a Portugal, ressaltava que as

charqueadas de Assú e Mossoró estavam prejudicando o consumo de carne

verde em Recife e nos engenhos. Na verdade, estava em jogo o reflexo dessa

mudança no volume de tributos recolhido. A venda do boi em pé rendia para

Pernambuco um volume oito vezes maior de recolhimento de tributos à carne

seca.

Desde 1701, a Capitania do Rio Grande era administrativamente dependente da

Capitania de Pernambuco e o governador proibiu o funcionamento das oficinas de carne seca

no Assú e Mossoró, podendo os rebanhos potiguares serem comercializados apenas vivos12.

Apesar da proibição, as oficinas continuaram funcionando até por volta de 1792 quando uma

seca ocorrida na região nesse período dizimou grande parte do rebanho, matéria-prima para o

funcionamento das oficinas.

Esses fatores fizeram com que os rebanhos bovinos na ribeira do Rio Açu fossem

minguando e outros projetos econômicos surgiram na região. Com a elevação de categoria da

Vila Nova da Princesa à cidade do Assú a pecuária passou a ser substituída pela produção do

algodão e da cera de carnaúba, destaques da economia do município nas primeiras décadas do

século XX. Monteiro (2015, p. 75), relata que o fator fundamental que acelerou a produção do

algodão em grande escala e impulsionou o desenvolvimento econômico do Rio Grande do

11 Oficinas foi considerada a primeira comunidade rural do município de Assú após a emancipação política e

chegou a reunir um considerável aglomerado populacional. Em 1850 ocorreu uma grande enchente no Rio Açu

deixando toda a Várzea submersa. Pela proximidade com o rio, a comunidade foi inundada e parcialmente

destruída. Tentando se reerguer depois do trágico acontecimento, ainda chegou a ser Distrito de Paz em 1864. De

acordo com Bezerra (2010, p. 64), essa comunidade “contava com poucas casas fora de alinhamento, capela

dedicada a São José, escola primária e cemitério”. 12 Em 1808 o Senado da Câmara de Natal emitiu um manifesto pela independência da Capitania do Rio Grande.

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Norte e outros estados do Brasil foi a iminência da Revolução Industrial, possibilitando um

aumento na produção de mercadorias, “que passaram a ser produzidas em maior quantidade,

diversidade e rapidez. Para isso, eram necessários mercados que, por um lado, fornecessem

matérias-primas e, por outro, consumissem os produtos fabricados”.

As mudanças provocadas pelas inovações da Revolução Industrial inglesa na economia

do Rio Grande do Norte notabilizaram-se com a expansão do cultivo e da produção do algodão

que passou a ser exportado para a Europa como matéria prima necessária para as fábricas de

tecido. A cultura do algodão presente em várias capitanias da atual região Nordeste tornou-se

uma agricultura voltada para o abastecimento de mercados externos. O cultivo da cotonicultura

em solo potiguar era realizado tanto no litoral quanto nas terras do sertão.

Apesar de enfrentar grandes períodos de seca13, a produção do algodão, também

conhecido como ouro branco, constituiu-se como grande fator de desenvolvimento econômico

da cidade do Assú, que entre os anos de 1920 e 1922 exportou 12.291 fardos com 4.339.688kg.

(LIMA, 1990, p. 167) fazendo com que a cidade se tornasse uma das maiores produtoras de

algodão no Rio Grande do Norte. Uma expectativa da dimensão da produção e do

descaroçamento do ouro branco no município pode ser observada no quadro 1, com números

dos anos de 1921 a 1928:

QUADRO 1: PRODUÇÃO E DESCAROÇAMENTO DE ALGODÃO NO MUNICÍPIO DO ASSÚ (1921-

1928).

ANO PLUMA/KG CAROÇO/KG

1921 900.000 2.700.000

1922 750.000 1.250.000

1923 600.000 1.800.000

1924 1.125.000 3.375.000

1925 900.000 2.700.000

1926 750.000 2.250.000

1927 600.000 1.800.000

1928 412.5000 1.237.5000

FONTE: Amorim (2008, p. 11)

As exportações do algodão produzido em praticamente todo o Rio Grande do Norte

com destino aos Portos do Rio de Janeiro e Santos “cresceriam tendencialmente em quantidade

e em valor até 1930, tornando a cotonicultura a mais importante atividade agrícola do estado

e fonte fundamental de receita, através de impostos de exportação”. (MONTEIRO, 2015, p.

129). As firmas de produção de algodão estabelecidas no município do Assú localizavam-se

na zona urbana e nas localidades de Santo Antônio, Curralinho e Santa Luzia. Os principais

13 Entre o século XVIII e início do século XX foram registrados treze grandes períodos de seca no território do

Rio Grande do Norte: 1723-1728, 1744-1746, 1790-1793, 1808-1810, 1816-1817, 1824-1825, 1845-1846, 1877-

1879, 1888-1889, 1904, 1909, 1915, 1932 (MONTEIRO, 2015).

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comerciários da fibra e suas respectivas produções diárias no ano de 1928 foram Francisco

Martins Fernandes (2800kg), Francisco Azevedo Cunha (2100kg), Wanderley & Comp.

(1400kg), José Soares F. Sobrinho (1400kg), Olyntho Pinto (1400kg), José Martins Ramos

(1400kg), Fonseca & Cabral (1260kg), Theodoro Câmara (1050kg) e Abel Fonseca (1050kg).

(AMORIM, 2008).

Além do algodão produzido em terras potiguares, outro produto importante na

economia do estado, e particularmente da região do Vale do Açu, foi a carnaúba. Porém,

diferentemente do ouro branco produzido por longo período com finalidades de

comercialização externa, principalmente para o mercado inglês, os produtos derivados da

carnaúba eram comercializados com outras províncias brasileiras.

A carnaúba é uma palmeira típica das várzeas ou terras baixas e pode ser encontrada

em diversos lugares do Brasil. No Rio Grande do Norte ela é comum nos municípios de

Macaíba, Ceará-Mirim, Mossoró, Campo Grande, Upanema e destaca-se o carnaubal do Vale

do Açu que começa nas proximidades da cidade do Assú e estende-se até Macau. Ocupando

uma grande extensão de terra nas ribeiras do Rio Açu, a carnaúba era utilizada tanto na

indústria de extração de cera quanto em construções, fazendo com que o Vale se tornasse uma

das maiores indústrias extrativas do estado nas primeiras décadas do século XX.

Nativa do sertão, a carnaúba é uma planta da qual praticamente tudo se aproveita. A

madeira grossa possibilita a produção de linhas, caibros, ripas, bancos e diversos outros

utensílios, proporcionando a construção de casas. As palhas podem servir para a confecção de

esteiras, chapéus, bolsas, cestas e vários outros objetos. O talo pode ser aproveitado para portas

e cercas e o caroço tem aplicação industrial e também pode servir para a alimentação do gado.

O que mais se aproveita da palmeira é a produção da sua cera, bastante utilizada a partir das

primeiras décadas do século XX na confecção de discos e velas, na composição de pomadas

que lustram calçados e arreios, na preparação de vernizes para assoalhos e móveis, na

fabricação de produtos de beleza, papel carbono e na indústria de conservação de material

eletrônico, entre outras aplicações. De acordo com Ferreira (1999, p. 62):

A cera recebe três qualidades conforme vai-se procedendo o

processo de sua apuração, que em princípio dava-se em prensas rústicas. A

primeira qualidade é amarela, clara e limpa. A segunda, é amarelo fechado.

E a terceira é escura, dura e de pouco valor. O primeiro passo para a apuração

da cera contava com a sua secagem. Com esse processo, o Rio Grande do

Norte, o Ceará e o Piauí foram os maiores produtores da cera de carnaúba,

pois levavam a vantagem de o escaldante sol do Nordeste fazer essa secagem

rapidamente. Essa vantagem em relação a outros Estados se dava porque

mesmo tendo a carnaubeira um potencial invejável, eram desconhecidas as

suas técnicas de exploração, bem como os seus empregos científicos, somente

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mais tarde a máquina de bater palha substituiu a secagem natural por um

processo artificial.

Silveira (1995, p. 85), informa que em 1908, “a produção de cera de carnaúba do Rio

Grande do Norte era de 324.500 quilos. O Assú sozinho produziu 160 mil quilos”. Em 1915,

a produção no município aumentou para 375 mil quilos. A extração acelerada e a produção da

cera de carnaúba no Vale do Açu durou do início do século XX até os meados de 1940 e fez

com que a cidade do Assú fosse cognominada de Terra dos Verdes Carnaubais.

(PINHEIRO, 1997). O quadro 2 apresenta a produção da cera de carnaúba no município entre

os anos de 1921 a 1928:

QUADRO 2: PRODUÇÃO DA CERA DE CARNAÚBA NO MUNICÍPIO DO ASSÚ (1921-1928)

ANO PRODUÇÃO/KG

1921 210.000

1922 180.000

1923 225.000

1924 150.000

1925 225.000

1926 135.000

1927 180.000

1928 175.000

FONTE: Amorim (2008, p. 14).

O avanço da economia possibilitou uma série de transformações na cidade e os sinais

do progresso começaram a chegar a partir da segunda metade do século XIX com a construção

do Cemitério Público e do primeiro Mercado Público, a fundação de uma farmácia de

manipulação – a Farmácia Amorim, a instalação da estação telefônica, a criação da Padaria

Santa Cruz, a criação da primeira tipografia, o prédio da Intendência Municipal onde também

funcionava a cadeia pública no térreo, uma Biblioteca Pública e a criação de algumas praças.

Sob os reflexos da Proclamação da República, ocorrida no ano de 1889, o poder

público assuense continuou desenvolvendo sinais de inovações que denotavam um certo

progresso para uma pequena cidade do interior. Segundo Bezerra (2006, p. 4):

quando o Tenente Coronel Antonio Sabóia de Sá Leitão assumiu a

Presidência da Intendência Municipal, no ano de 1908, as finanças públicas

lhe permitiram promover uma série de melhoramentos materiais, dando um

segundo aspecto às praças e dotando o município de benefícios relevantes.

Outras inovações importantes podem ser percebidas com a inauguração do Grupo

Escolar Tenente Coronel José Correia, do Colégio Nossa Senhora das Vitórias da Congregação

das Filhas do Amor Divino, da implantação da energia elétrica e de uma fonte, da instalação

de uma agência do Banco do Brasil e dos Correios e Telégrafos, da construção da ponte

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Felipe Guerra – edificada sobre o Rio Açu, e da instalação de um serviço de alto-falante

denominado A Voz do Município, empreendimentos realizados até meados dos anos de 1950.

Até o início do século XX, o abastecimento de água ocorria na cidade com um sistema

de armazenamento proveniente da água das chuvas em cisternas, retiradas de cacimbões

perfurados nas próprias residências ou de cacimbas abertas no leito dos rios. Em 1918, foi

construída uma fonte pública para o atendimento da população, provida de poço, bomba e

moinho onde eram captadas grandes quantidades de água do subsolo. Todavia, de acordo com

Ferreira (1999, p. 64, grifo da autora) o abastecimento se configurava a partir de moldes

discriminatórios, dado que:

as famílias pobres pegavam a água diretamente na fonte, carregando-a para

casa em latas. As mulheres carregavam as latas d’água equilibrando-as sobre

a cabeça. Os homens, ao invés de conduzirem as latas sobre a cabeça, a

prendiam por cordas ou correntes a cada uma das extremidades de um pedaço

de madeira que era colocado sobre os ombros, ficando as latas d’água

penduradas nas cordas. Eram os chamados galões. As famílias abastadas, ao

contrário das pobres, não iam diretamente à fonte, pois contavam com um

abastecimento feito em carroças que transportavam a água em várias latas,

enchendo rapidamente os seus tanques e demais depósitos d’água.

O sistema de iluminação também expressava um fator discriminatório na cidade. A

iluminação pública deu-se inicialmente de forma particular consistindo em dois postes com

lampiões a querosene situados na frente das casas de duas famílias mais ricas. Posteriormente

processando-se com outros métodos, um número maior de habitantes eram favorecidos. No

novo sistema, as famílias mais abastadas utilizavam velas de cera de carnaúba e as mais pobres

azeite de peixe, reforçando a distinção socioeconômica da época. A partir de 1925, a cidade

recebe o fornecimento de energia elétrica num método em que eram exigidas lâmpadas de

filamento metálico de 32 velas. As praças, ruas e travessas eram servidas de iluminação nos

horários de 17:30hs às 4:00hs da manhã, ressalvando-se que em noites de luar a cidade não

contava com o sistema de iluminação.

Até mesmo as comemorações festivas, como as festas dançantes, os bailes de gala e de

carnaval, reforçavam as distinções sociais presentes na cidade. Nos bailes dançantes, por

exemplo, permitia-se apenas a participação de membros da elite. Uma comissão era nomeada

para ficar na porta de entrada anunciando a chegada das famílias e de impedir o acesso de

pessoas que não pertenciam a esse ciclo social. Por ser uma sociedade ainda marcada pelos

resquícios do escravismo, primava-se por não misturar os membros da elite com as pessoas de

classes mais populares e negros. Pinheiro (1997, p. 77) relata que por ocasião de um grande

baile de gala ocorrido na cidade no início do século XX, as moças da elite trajaram vestidos

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de cetim branco. Apesar de ser uma festa de todos, existiu uma preocupação de não se

misturarem as classes. A medida encontrada foi organizar um outro baile para os membros das

classes consideradas inferiores com a determinação de que as moças comparecessem vestidas

de linho todo sombreado forrado de cor rósea para não confundir com os vestidos brancos

utilizados pelas moças da elite.

Até 1925, a Intendência Municipal havia revestido as principais ruas da cidade e criado

calçadas de pedras contínuas e uniformes, com dez palmos de largura. Pinheiro (1997, p. 63)

explica que esse processo de urbanização primária das ruas favorecia os passeios das pessoas,

principalmente moças e rapazes, nas tardes de domingo, dado que:

o passeio dominical expressa que o surgimento da calçada nas ruas do Assú,

contribuiu para mudanças nas formas de vida daquela cidade. As moças,

particularmente, saem do seu enclausuramento doméstico, para verem e

serem vistas, e para comunicarem-se num encontro face a face, expressando,

ainda, que a calçada tem uma finalidade que garante a sociabilidade, o

encontro e o desencontro, prestando-se igualmente a um espaço de lazer,

conversa, namoro. Essas ruas, em 1925, receberam placas de identificação

com suas denominações e as casas com numeração, evidenciando a

organização urbana.

A partir de algumas informações extraídas de Amorim (2008, p. 10) e Lima (1990, p.

142), apresentamos alguns picos demográficos na cidade do Assú no intuito de ter uma noção

do aumento do índice populacional no município no seguintes anos: 1872 – 7941 habitantes;

1900 – 8597 habitantes; 1905 – 12511 habitantes; 1920 – 24779; e 1928 – 2800014.

Pela impossibilidade de fontes mais detalhadas, não conseguimos informar os dados

populacionais da Vila Nova da Princesa. Pelos dados apresentados, percebemos um

crescimento populacional pequeno no Assú entre os anos de 1872 e 1900. Porém, a partir da

virada do século, esse número aumenta consideravelmente, principalmente entre os anos de

1920 e 1928. Esse crescimento pode estar relacionado ao aumento da demanda de serviços

públicos e privados no município intensificados a partir do final do século XIX e primeiras

décadas do século XX.

2.3 EXPANSÃO CULTURAL E LITERÁRIA: JORNALISMO, POESIA E TEATRO

Os registros históricos apontam que o passado da cidade do Assú é marcado por uma

efervescência cultural com destaque para o jornalismo, a literatura, com a poesia e a prosa, e

14 O primeiro censo registrado no Rio Grande do Norte data do ano de 1872 e foi realizado por religiosos. Outros

dados censitários passaram a ser registrados por órgãos oficiais apenas no final do século XIX.

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às artes, com o teatro e a música. Amorim (1977, p. 2), expressa que em meados de 1920 a

cidade do Assú “já era de há muito conhecida, através dos seus poetas, dos seus jornalistas e

dos seus escritores”. Essas manifestações começaram a ganhar ênfase na segunda metade do

século XIX, justamente com o início da publicação de diversos jornais que abriram o cenário

da vida literária na cidade. Entre os principais expoentes e incentivadores da literatura e das

artes no Assú podemos citar o médico Luís Carlos Lins Wanderley, que atuou na cidade como

jornalista, literato, romancista e dramaturgo.

A imprensa despontou na cidade no ano de 1867 com a circulação do Jornal O

Assuense, da responsabilidade de João Carlos Wanderley, criador da primeira tipografia15 da

cidade. A partir daí vieram outros jornais considerados de grande, médio e pequeno porte,

alguns com vida efêmera e outros com um período de existência mais demorado. Um dos

jornais que circulou com maior duração, durante quase 30 anos, foi o periódico A Cidade, sob

a responsabilidade de Palmério Filho, militante das letras que tratava a imprensa como uma

preocupação constante e uma missão em sua vida. Fundado em 08 de dezembro de 1901, o

Jornal A Cidade tinha uma linha de pensamento mais informativa, fugindo aos ataques

pessoais e políticos da época. Esse noticiário circulou no Assú até o dia 05 de outubro de 1930.

Amorim (1965), fez um levantamento dos impressos que circularam na cidade entre os

anos de 1867 e 1965. Começando pelo Jornal O Assuense, de 1867, até O Bisu, de 1965, o

memorialista catalogou 117 periódicos publicados diariamente, semanalmente ou

mensalmente e que destacavam em suas páginas temas e assuntos variados como política,

moral, notícias, críticas, humor, educação, literatura, poesia, comércio e religião, entre outros.

O autor também apresenta um perfil dos principais militantes da imprensa na cidade do Assú

e no Rio Grande do Norte e cita entre os principais nomes João Carlos Wanderley, Pedro

Soares de Araújo, Elias Antonio Ferreira Souto, Palmério Filho, Antonio Saboya de Sá Leitão,

Teógenes Amorim, Nestor dos Santos Lima, Otavio Amorim, João Celso Filho, Sinhazinha

Wanderley, João Marcolino de Vasconcelos e Renato Caldas.

Vasconcelos (1966, p. 17), aponta que no passado da lendária cidade sertaneja a

predisposição para o jornalismo foi uma prática constante, ímpeto que arrefeceu “depois da

morte de Palmério Filho”, que faleceu em abril de 1958 e era considerado “a mola espiritual

que impulsionava a mocidade para as lides da imprensa”16.

15 No Rio Grande do Norte o primeiro jornal começou a circular na capital em 1832, chamava-se O Natalense. 16 Com o advento da internet, os periódicos impressos foram substituídos na região pela circulação de blogs e sites

de notícias. O último jornal impresso a ser publicado no Assú foi a Tribuna do Vale do Açu, que circulou entre os

anos de 1988 e 2012.

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Dentro do contexto literário da cidade, sobressaiu-se principalmente a produção

poética, desenvolvendo-se a partir do final do século XIX. Ferreira (1999), pesquisando

elementos pedagógicos nas obras de Renato Caldas, enfatiza que a cidade do Assú teve realce

no panorama da cultura e literatura potiguar como uma das detentoras de maior número de

poetas, recebendo, assim, o epíteto de Cidade dos Poetas. As produções locais apresentavam

estilos diversificados, com temas satíricos, românticos, modernos, cívicos, populares e

regionais, evidenciando ainda as paisagens do Vale do Açu e registrando aspectos históricos

e o amor à terra, como podemos perceber no soneto Assú de João Natanael Soares de Macedo,

transcrito a seguir:

ASSÚ

Terra natal é bela quando esplende

O azul da tua abóbada infinita,

Torrão, no qual tanta nobreza habita,

Onde o Piranhas plácido se estende.

Sertaneja cidade, em ti palpita

Um seio amigo e bom que a todos prende;

Teu campo é um ninho alegre que recende

Aos raios tropicais que o sol vomita.

Nordestino rincão, valor genérico

De um povo, a resistir a intensidade

Do terrível flagelo climatérico.

Ao vir do inverno, em vez do mal profundo,

Pode-se comparar tua bondade

A um pedaço do céu dentro do mundo. (VASCONCELOS, 1977, p. 58).

A família do médico Luiz Carlos Lins Wanderley apresentou contribuições

significativas para a poesia assuense com as produções do próprio médico e de seus filhos

Segundo Wanderley, Ezequiel Wanderley, Celestino Wanderley e Maria Carolina Wanderley

Caldas (Sinhazinha Wanderley). Outros nomes que colaboraram com a expansão da poesia

assuense no contexto potiguar foram Angelina Macedo, Antônio Soares, Nestor dos Santos

Lima, Américo Macedo, Palmério Filho, Francisco Amorim, Pedro José, Moisés Soares,

Moisés Sesyon, Renato Caldas, Júlio Soares, Oliveira Júnior, João Celso Filho, Celso da

Silveira, João Celso neto (pai, filho e neto) e Moacir de Medeiros, entre outros17.

Porém, a atuação desses poetas não se limitava apenas a essa produção, dado que

escreviam prosas, artigos para jornais, peças teatrais, hinos religiosos e cívicos e crônicas com

17 No livro Poetas do Rio Grande do Norte, lançado em 1922 e reeditado em 1993, Ezequiel Wanderley reúne

produções e biografias de 107 poetas potiguares. Entre esses, 39 são de Natal, 27 do Assú, 10 de Ceará-Mirim, 6

de Macaíba, 4 de São José de Mipibú e de Macau, 2 de Angicos e Nísia Floresta e 1 representante das cidades de

Arês, Mossoró, Caicó, Apodi, Touros, Jardim do Seridó, Canguaretama e Lajes.

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temáticas variadas, evidenciando o cotidiano da cidade. O registro dos elementos históricos,

dos tipos e da geografia do contexto local presentes nas linhas dos escritores assuenses

colaboram com a construção da própria identidade da cidade, dado que “as histórias da cidade

passam pelas ruas porque os passantes tecem os lugares, dando qualidades a essa trajetória de

cerzir a cidade”. (BARBOSA, 1999, p. 159).

Paralelo ao desenvolvimento da literatura na cidade do Assú, destacamos também o

teatro. Em 16 de março de 1884 foi inaugurada a Sociedade Recreio Familiar, primeira

sociedade dramática que deu origem ao Teatro São José. Nesse espaço eram encenadas várias

comédias e dramas. Com o desaparecimento da Sociedade Recreio Familiar e do Teatro São

José, foi fundada em 1891 a Sociedade Recreio Dramático Juvenil Assuense que passou a

encenar suas peças no Teatro São João. Esse novo espaço foi inaugurado em 24 de fevereiro

de 1892 e funcionou até 1897.

No dia 24 de junho de 1902, iniciava atividades na cidade a Fênix Dramática Assuense.

Estreando num armazém comercial localizado na Rua São Paulo que servia de sede própria

para a companhia improvisaram um pequeno palco. De acordo com Amorim (1972, p. 11) a

primeira apresentação teve de ser realizada de portas abertas, porque o prédio tinha dimensões

precárias e “tamanho foi o comparecimento de espectadores, que não regatearam louvores aos

jovens amadoristas”. Essa sociedade desenvolvia diversos dramas, comédias e algumas cenas

cantadas.

Desaparecida a Fênix Dramática e com algumas tentativas de grupos idealistas de

manterem a arte teatral na cidade, em 1912 era lançado o Clube Dramático Arthur Azevedo

que adquiriu um prédio na Rua de Hortas. Depois de empreender alguns reparos no

estabelecimento e montar um palco, o espaço tomou o nome de Teatro Alhambra. Inaugurado

no dia 1° de dezembro de 1912, contou com um grande público “o que deveras concorreu para

os seus organizadores continuarem a prodigalizar aos seus ‘habitués’ esplêndidas noitadas”.

(AMORIM, 1972, p. 15, grifo do autor). Não conseguimos precisar a data de encerramento

das atividades do Teatro Alhambra, porém, no livro História do Teatro no Assú (1972),

Francisco Amorim apresenta registros de encenações realizadas nesse espaço até o ano de

1945.

Entre 1925 e 193018 o industrial Francisco Fernandes Martins idealizou e construiu um

novo teatro na cidade com espaço amplo e grandes dimensões para a época onde eram

realizados espetáculos musicais e projeção de filmes mudos. Esse novo espaço foi chamado

18 Não especificamos a data correta de inauguração do Cine Teatro Pedro Amorim porque alguns registros

divergem. Contudo, apontam sempre esse recorte temporal.

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posteriormente de Cine Teatro Pedro Amorim numa homenagem póstuma ao médico e

primeiro prefeito da cidade, doutor Pedro Soares de Araújo Amorim, que administrou-a entre

os anos de 1929 e 1930. As expressões artísticas apresentadas nesse novo espaço eram

realizadas por companhias vindas de fora, por grupos e sociedades dramáticas locais, com

dramas e comédias representadas e escritas pelos filhos da terra. (FERREIRA, 1999). Na

década de 1940, Francisco Martins importou equipamentos para a adaptação do cinema falado.

Esse espaço, considerado uma verdadeira casa de cultura da cidade por décadas, funcionou até

meados de 1980 quando foi abandonado pelo poder público e literalmente ficou em ruínas19.

Amorim (1972, p. 2), chama a atenção para o arrefecimento e o ressurgimento da vida

teatral na cidade, marcando um colapso provocado pelo “aparecimento do cinema, da

televisão, dos movimentos esportivos, em geral”. Entre os principais representantes que

tentaram manter viva a arte teatral na cidade o autor enfatiza as atuações de Luiz Carlos Lins

Wanderley, Enéas da Silva Caldas, João Celso da Silveira Borges, Joaquim de Sá Monteiro,

Manoel Lins Wanderley Segundo, as irmãs Jesuína, Luzia e Maria Amélia, José Correia de

Araújo Furtado, Ezequiel Epaminondas da Fonseca, João Luiz de Araújo Picado, Palmério

Filho, Teógenes Augusto Caldas de Amorim, Izabel Pio Dantas, João Celso Filho, Otávio

Amorim, Francisca Sales, Francisca Adélia, Pedro de Medeiros, entre outros nomes que se

revezavam nas diretorias e atuações das sociedades dramáticas amadoras sempre com o

objetivo de manter viva a tradição da cultura local.

2.4 CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE E A

EDUCAÇÃO PRIMÁRIA

Ferreira (1999), atenta para o fato de que os principais nomes das famílias que

contribuíram com o desenvolvimento da vida literária e cultural da cidade do Assú são

descendentes dos europeus que dominaram e colonizaram a região, notadamente, portugueses

e holandeses, como as famílias Wanderley, Lins, Amorim e Caldas. Para a autora, esse fato

denota que o processo de colonização deixou resquícios e efeitos substanciosos de influências

da cultura europeia e possibilitou o desenvolvimento da cultura assuense por meio das letras

e das artes, incorporada também, “mediante o desenvolvimento econômico começado na

19 Numa parceria entre a Prefeitura Municipal do Assú, o Governo do Estado do Rio Grande do Norte, por meio

da Fundação José Augusto, e da Petrobras, o Cine Teatro Pedro Amorim foi reerguido, revitalizado e reinaugurado

em julho de 2013.

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ribeira do Assú que proporcionou a fixação de famílias brancas introduzindo novos costumes

na região, já que até então aquele território pertencia aos índios”. (FERREIRA, 1999, p. 56).

Outro fator que contribuiu para o desenvolvimento econômico, cultural e literário do

Assú foi a elevação da antiga Vila Nova da Princesa à categoria de cidade, incorporando um

projeto de inovações e transformações que ecoavam pelo país, trazendo mudanças no aspecto

das vilas e cidades nos meados do século XIX. Nesse sentido, concordamos com a afirmação

de Sodré (1978, p. 29) de que “nas cidades é que a cultura tem a possibilidade de crescer; nelas

passam a sediar-se os ofícios artesanais, nelas as atividades religiosas ganham brilho e

solenidade, nelas as letras ganham pares”.

A importância da divulgação de ideias literárias pode ser notada na instalação de uma

biblioteca popular no Assú, ocorrida em 03 de maio de 1874. Contava com um acervo de dez

volumes de obras doadas pelo Tenente Coronel João Maria Júlio Chaves. O Coronel Manoel

Lins Wanderley doou exemplares do periódico Novo Mundo e o Dr. Luiz Carlos Lins

Wanderley doou seis volumes de obras de literatura. Funcionou inicialmente num dos

cômodos da casa do Dr. João Carlos Wanderley “enquanto não houvesse uma casa em

melhores condições para fundação da Biblioteca”. (ASSU EM REVISTA, 1980, p. 16).

Pinheiro (1997, p. 70) observa que as marcas dos sinais de urbanidade que se

desenvolveram na cidade do Assú entre os séculos XIX e XX atendiam aos interesses e valores

“das grandes famílias proprietárias de terras e do comércio local: Wanderley, Amorim, Soares,

Cabral, Pimentel, Macêdo, Fonseca, Souto, Oliveira, Melo, Montenegro”.

Como veremos nos próximos capítulos, muitos dos nomes de militantes da literatura,

da imprensa e da cultura na cidade do Assú preocuparam-se com a questão da educação no

município ou desenvolveram atividades no campo educacional, seja como professores de

primeiras letras, atuando em suas residências, ou assumindo turmas e a direção do Grupo

Escolar Tenente Coronel José Correia. Entre esses nomes podemos citar o professor Elias

Antônio Ferreira Souto, a professora Maria Carolina Wanderley Caldas (Sinhazinha

Wanderley), os diretores João Celso Filho e Alfredo Simonetti, e José Correia de Araújo

Furtado e Antônio Saboya de Sá Leitão, representantes do poder público local.

Um dos fatos marcantes do país no século XIX que ecoaram significativamente na

cidade do Assú foi a campanha abolicionista, com a fundação no dia 13 de maio de 1883 de

uma associação denominada Libertadora Assuense, entrando na luta contra o sistema de

escravidão. A associação foi presidida pelo vigário Antônio Germano Barbalho Bezerra e

contava com um grupo seleto de personalidades locais. De acordo com Lima (1990, p. 148),

a campanha foi feita de forma legal, sem empreender “violências ao direito do dono de

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escravo; mas, conquistava-se a liberdade pelo resgate pecuniário, pelo conselho persuasivo,

pelos meios regulares”. Até que no dia 24 de junho de 1885 os escravos da cidade do Assú

foram considerados livres20.

Os pontos apresentados anteriormente expressam o desenvolvimento socioeconômico

e a expansão cultural da pequena cidade sertaneja do interior do Rio Grande do Norte, e por

meio deles fica mais fácil compreender e assimilar os diversos epítetos que ela recebeu, como

Terra dos verdes carnaubais, Terra dos Poetas e Atenas Norte-rio-grandense.

Encontramos esse último em registros de pesquisadores locais e regionais e destacamos as

reflexões de Vasconcelos (1966, p. 17). O autor observa que os assuenses apresentaram uma

atuação notável no campo vasto da cultura e da literatura potiguar, especialmente no

jornalismo e na poesia e acrescenta que se o estado do Maranhão é considerado a Atenas

Brasileira, a cidade do Assú pode ser considerada a Atenas Norte-rio-grandense, porque

“basta nascer nessa terra prodigiosa, beber água da lagoa do Piató e ouvir o farfalhar

acariciante das flabelas do carnaubal esguio e numeroso, para possuir, inato, o dom poético,

elevado à mais alta potência criadora21”.

No campo educacional, a Educação Primária surgiu ainda na Vila Nova da Princesa

em 1829. Nesse ano foram instituídas duas cadeiras de primeiras letras, uma masculina e uma

feminina. O senhor José Felix do Espírito Santo começa a exercer o magistério na cidade,

dando início a primeira escola masculina e sendo considerado o primeiro professor primário

da história do Assú. A primeira cadeira feminina só começa a funcionar em 1834. Durante

todo o período imperial foram se desenvolvendo outras escolas públicas e particulares na

cidade sob a responsabilidade de diversos regentes, como veremos no próximo capítulo.

20 É importante salientar que o Rio Grande do Norte nunca contou com um grande contingente de escravos como

ocorreu em outras regiões do pais, principalmente na região Sudeste. A exploração dessa mão-de-obra em terras

potiguares alternou momentos demográficos diferentes em função de diversos fatores como a seca de 1845 onde

a população era de uma média de 18.000 escravos mas caiu drasticamente para 13.000 por volta de 1870. Esse

número também diminuiu porque milhares de escravos da região Nordeste foram vendidos para as províncias do

Sudeste na primeira fase de expansão do café. Por esses e outros motivos, no Rio Grande do Norte a abolição do

trabalho escravo ocorreu em vários lugares antes mesmo da promulgação da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888,

como em Mossoró (1883), Assú (1885), Caraúbas e Campo Grande (1887). Quando a lei instituída pela Princesa

Isabel entrou em vigor, na província do Rio Grande do Norte existiam apenas 482 escravos. (MONTEIRO, 2015). 21 Piató é a maior lagoa do município do Assú que mede 18km de extensão por 3km de largura. Em períodos de

cheia tem capacidade para 18 milhões de m³ de água, possibilitando aos moradores do entorno da lagoa, conhecido

como Anel da Lagoa do Piató, o consumo de peixes e projetos de irrigação de plantações variadas. Habitada

inicialmente pelos indígenas da região, durante o processo de colonização a lagoa também passa a ser palco da

Guerra dos Bárbaros. No idioma dos habitantes primitivos, Piató viria da palavra ipia-a-tá, que significa lagoa

da casa, ou lagoa da morada, numa referência a uma tradicional fazenda de gado instalada pelos primeiros

colonizadores às margens da lagoa (SILVEIRA, 1995) (ALMEIDA; PEREIRA, 2006). Em função da seca que

atinge a região nos últimos anos, o nível de água da lagoa do Piató vem diminuindo drasticamente.

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A implantação da instrução primária na cidade foi fruto da legislação de 15 de outubro

de 1827 que instituía o ensino de primeiras letras em alguns pontos do país a partir do advento

da Proclamação da Independência do Brasil da Coroa Portuguesa, em 1822. E por mais de um

século o ensino elementar foi o modelo de educação vigente no Assú, dado que as escolas

secundárias foram criadas na cidade na década de 1940. Mas, nos parece que mesmo o contato

apenas com a Educação Primária foi essencial para a formação da identidade cultural e literária

que se desenvolveu na cidade e também se torna significativo, inclusive, para a construção da

cognominação da Atenas Norte-rio-grandense.

Alguns pesquisadores do contexto cultural e literário do Assú afirmam que os filhos

da cidade sempre foram pródigos no campo da poesia e essa seria uma herança, ou um pendor,

trazido do berço até mesmo sem a necessidade desses poetas cursarem bancos escolares para

desenvolverem a camaradagem com as musas ou seus dotes artísticos, que são espontâneos na

arte de versejar e isso caracterizaria o verdadeiro poeta. Francisco Amorim, por exemplo,

acredita que os versos dos assuenses:

não tem a tortura da arte o que demonstra a falta de cultura em compensação

a fertilidade da imaginação. Às vezes, na própria escassez de conhecimentos

ressalta os fulgores da inteligência. Já se tornou tão proverbial esse atributo

que, nem sempre, podemos distinguir o assuense do poeta ou o poeta do

assuense. (ASSU EM REVISTA, 1980, p. 38).

O memorialista destaca o pendor dos assuenses para a imprensa citando a participação

efetiva de José Marcolino de Vasconcelos, que teve sua existência presa à uma tipografia. Sem

ter cursado o primário, Vasconcelos dedicou-se às artes gráficas com devotamento e afeição e

confeccionou por quase uma vida diversos jornais editados no Assú. Convivendo com

intelectuais, chegou a rabiscar algumas coisas que publicou sob pseudônimos e exerceu o

cargo de diretor do Centro Operário Assuense, porém, nunca esteve em bancos escolares.

Segundo Amorim (1965, p. 71), José Marcolino de Vasconcelos foi um leal servidor do Jornal

A Cidade “na qualidade de tipógrafo, até o seu último número, demonstrando sempre boa

vontade e melhor disposição na feitura desse periódico, incontestavelmente, o intimorato

pugnador dos anseios maiores da coletividade assuense”.

Todavia, o próprio Francisco Amorim cursou apenas as primeiras letras com as

professoras Luísa de França das Chagas Cavalcante e Sinhazinha Wanderley, mas notamos que

essa formação primária foi essencial para a sua contribuição vasta no campo da literatura, do

teatro e da imprensa e em outros trabalhos onde o memorialista retratou com muita propriedade

as paisagens, os personagens e os fatos locais. Isso fica evidente na própria linguagem utilizada

pelo memorialista, que se apropria muitas vezes de termos complexos e articulados. Da mesma

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forma, Palmério Filho, irmão de Francisco Amorim, “apenas cursando o primário manejava

com correção e pureza o idioma pátrio”. (ASSÚ EM REVISTA, 1980, p. 40). O jornalista

recebeu as primeiras letras do professor Manoel Maria da Apresentação, contudo, fica evidente

que essa educação foi bastante significativa, dado que se tornou um dos principais militantes

da imprensa na cidade do Assú.

Oliveira (1966, p. 11), destaca que no processo de expansão da cultura do Assú “homens

que nunca tinham frequentado os bancos de escolas secundárias e superiores e possuíam a

inclinação natural para os livros, existiam na antiga Nova Vila de Princesa e do maior quilate.

O seu número não era limitado: era grande”. (Grifo nosso). Essa visão do protagonismo e da

disposição dos assuenses para o mundo das letras, contando apenas com a instrução primária,

é compartilhada por Wanderley (1965, p. 39):

Desde os primeiros tempos que a nossa gente se destaca pela sua

natural vocação para as letras, principalmente a poesia e o jornalismo. Até às

primeiras décadas do século atual [século XX], os assuenses não dispunham

de outro estabelecimento de ensino além de cursos primários, inclusive o

Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, inaugurado em 1911.

Mesmo assim, tornam-se autodidatas e brilham pela inteligência e pelo

espírito. Que estudos tiveram João Celso Filho, João Carlos Wanderley e

Angelina Macêdo, Palmério Filho, Francisco Amorim, Oliveira Junior e

Renato Caldas? Nunca viram, nem ouviram as aulas de um colégio

secundário, nem tampouco tiveram professores de humanidades. No entanto,

fizeram e fazem milagres nos setores intelectuais.

Como havíamos afirmado antes, as análises de Oliveira e Wanderley demonstram que

a cidade contou apenas com escolas de Educação Primária por um longo período, apesar do

desenvolvimento econômico com a produção acelerada do algodão e da cêra de carnaúba, das

transformações no espaço urbano e do reconhecimento no campo da literatura.

Oliveira viveu sua infância em Assú entre os anos de 1913 e 1925. Depois, migrou

para o Recife, formando-se em Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de

Pernambuco e assumindo funções no magistério em universidades e colégios pernambucanos.

Ele apresenta em sua palestra uma memória significativa da presença marcante de sua

professora de primeiras letras, D. Maria de Sá Leitão, “mãe de sacerdotes e de freiras”.

(OLIVEIRA, 1966, p. 12). Wanderley (1965, p. 39), também recorda em seu texto o Grupo

Escolar Tenente Coronel José Correia, instituição onde cursou as primeiras letras.

Os espaços de difusão da Educação Primária mostram-se significativos principalmente

porque as cidades são o meio por excelência da escrita. Nelas nasce, se produz e oferece toda

uma panóplia de elementos visuais de signos, de usos, funções e possibilidades diversas. Além

disso, de acordo com Frago (1993, p. 92):

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É no espaço urbano onde mais visíveis são as normas, os limites e o

recurso subjetivo e pessoal à expressividade gráfica exercida com liberdade,

direito e transgressão; onde a luta por ocupar espaços – sociais e materiais –

de escrita e leitura é mais evidente; onde toda escrita torna-se, em última

instância, signo e imagem dessa ocupação e, portanto, de poder, junto a outros

signos, grafias e imagens; mais objeto visual – publicidade, ostentação – que

legível. Daí que seja neste contexto, o da constrição e o da expressividade

gráfica, o da diversidade funcional e o da legibilidade, no qual se deve

considerar – tanto histórica quanto atualmente – a confrontação entre a

aprendizagem ou usos escolares da leitura e escrita e o domínio e uso de

ambas as habilidades em âmbitos e dimensões tão diferentes quanto o

cotidiano, o intelectual e o estético.

A cidade do Assú também recebeu o pseudônimo de Atenas Norte-rio-grandense numa

alusão ao desenvolvimento de Atenas, capital da Grécia e uma das principais cidades do

mundo grego antigo. Considerada o berço da civilização ocidental, que deu origem a filosofia,

a literatura, a dramaturgia e a ideia de democracia moderna, na Antiguidade a cidade estava

aberta ao comércio, tornando-se rica, próspera e dinâmica, influenciando diretamente a

formação cultural e política do Ocidente. No processo de construção da identidade do povo

grego na Antiguidade, exerce importância fundamental o desenvolvimento da filosofia, com

um destaque acentuado para à educação e à formação dos cidadãos em sua sociedade,

construindo a ideia de democracia e participação popular.

Contudo, a democracia proposta à época de expansão da cultura grega no mundo antigo

era marcadamente elitista e machista, onde apenas os cidadãos livres, homens, poderiam

participar dos desdobramentos e do direcionamento da vida social, deixando de lado a

participação dos escravos, das mulheres e das crianças. A educação também seguia essa

segregação e os filhos da elite é quem recebiam formação para participar da vida pública tendo

a possibilidade de discursar na ágora22, dando continuidade a um governo que se dizia

democrático, mas que na verdade expressava a permanência dos ideais oligárquicos.

Dessa forma, surge um questionamento sobre a construção da identidade do próprio

povo assuense a partir do processo de colonização do território no século XVII e da expansão

econômica e cultural da cidade no final do século XIX e início do século XX: que personagens

contribuíram para a construção da identidade do povo assuense e quem participava ativamente

e era beneficiado diretamente por esse processo? Como citado anteriormente por Ferreira

(1999) e Pinheiro (1997) as famílias mais beneficiadas pelo desenvolvimento socioeconômico

e cultural, como no caso da iluminação, da fonte pública e das festas e momentos de lazer,

eram descendentes diretas de famílias europeias que compunham a elite local. Fica evidente

22 As ágoras eram os espaços públicos onde os gregos se reuniam para discutir os destinos da cidade.

Concentravam-se, geralmente, nas praças públicas.

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também na expansão literária e cultural do município que as produções desenvolvidas

contavam com a participação efetiva dessas famílias, que viviam principalmente do comércio

e do trabalho agrário nas fazendas e dominaram a região marcadamente por três períodos da

história do Brasil: a Colônia, o Império e a Primeira República.

Ao mesmo tempo, nos perguntamos sobre os que constituíam o oposto da vida social

nessa pequena cidade sertaneja; os que formavam grande parcela da população mas que não

tinham acesso direto à terra e ficavam à margem dos avanços econômicos, sociais e do

desenvolvimento cultural e literário, mesmo que tenham contribuído significativamente com

o progresso econômico da região por meio de sua força de trabalho, desde o início do processo

de colonização. Essa camada populacional era formada principalmente pelos mestiços

nascidos na própria capitania, descendentes dos poucos indígenas sobreviventes da Guerra

dos Bárbaros; dos homens que se incorporaram nas tropas militares de conquista da região

na condição de soldados, como os negros, caboclos, pobres e sem terras que viviam mediante

relações de trabalho não assalariado. (MONTEIRO, 2015).

As investigações do processo de construção, transformações e possíveis conflitos

ocorridos nas relações sociais desenvolvidas na pequena cidade sertaneja em diferentes

temporalidades são necessárias pois manifestam significados que definem e delineiam a

paisagem urbana e as próprias imagens da cidade do Assú. Reconstruir essas diversas imagens

repletas de memórias e sentidos, modificadas por processos políticos e culturais externos e

internos, experiências e vivências sociais instituídas na cidade, nos aproximam do

entendimento dos modos de viver, de moradia, de lutas, de trabalhos e de diversão e lazer dos

moradores que, com suas ações, impregnam e constituem a cultura urbana. Para Fenelon

(1999, p. 6), agindo dessa forma, “esses moradores deixam registradas ou vão imprimindo

suas marcas no decorrer do tempo histórico, marcas que traduzem a maneira como se

relacionaram ou construíram seus modos de vida neste cotidiano urbano”.

Essa abordagem da diversidade de elementos presentes na investigação das

temporalidades pode ser utilizada para criarmos a ponte entre os apontamentos elitistas e

excludentes presentes na Grécia antiga e na cidade do Assú, a Atenas Norte-rio-grandense,

e nos fazem refletir sobre os aspectos educacionais da cidade que vinham se desenvolvendo

desde o início do século XIX.

Na conjuntura de construção e expansão da cidade do Assú apresentada nesse capítulo,

percebemos uma relação de interação com fatores mais globalizantes. É importante considerar

que a instituição do processo de escolarização é marcado por uma série de elementos voltados

para momentos históricos, políticos, ideológicos, culturais, sociais, estéticos, entre outros.

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Nos capítulos seguintes, apresentamos aspectos educacionais da cidade e atentamos

para as influências de ideias relacionadas com contextos mais amplos como as mudanças no

cenário político do país e com a diversidade de práticas voltadas para o universo urbano. Essas

relações nos ajudam a compreender o próprio sentido histórico da implantação da Educação

Primária na cidade. Embasamos nosso pensamento principalmente em Magalhães (2004, p.

46). Para o teórico:

com efeito, se se buscam um significado e um sentido histórico para o

processo de institucionalização da educação escolar, eles surgem

sumariamente na resposta à complexificação estrutural e organizativa, na

atualização curricular e didática, no reforço do estar – um processo dialético

marcado por frequentes tensões, quer pela integração e inclusão de novos

públicos, quer por desafios de modernização, quer ainda pela conflitualidade

com outras instâncias de (in)formação.

Nos próximos capítulos, apresentamos a compreensão de como os militantes da

literatura e das artes participaram das atividades no campo educacional, apontando as

interações observadas entre escolarização e cidade. Também evidenciamos a forma como a

Educação Primária foi implantada na cidade e que parcela da população foi beneficiada.

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Assú23

(Antônio Soares de Araújo)

Do Cabuji além, na sertaneja plaga

Que a estiagem flagela e a chuva enche de vida,

O nde, à tarde, o nordeste acaricia, afaga,

Do ve rde carnaubal a copa ao alto erguida.

Está florente e bela, a cidade querida

Que é meu berço natal, por mais singela e vaga,

A memória conserva, em saudade envolvida,

A impressão infantil, que o tempo não apaga.

Recordo a várzea, o rio...aspectos que vi,

A lagoa do Piató, na enchente e na vazante,

O parque e o laranjal da casa em que nasci.

Recordo a voz do sino em vibração feliz

E o cordeirinho branco esguio e vigilante,

Solitário, a girar, na torre da matriz.

23 Transcrito de Vasconcelos (1977, p. 25)

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3 EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA ASSÚ IMPERIAL: ESCOLAS DE PRIMEIRAS

LETRAS PARA OS FILHOS DA ATENAS NORTE-RIO-GRANDENSE

O processo de escolarização passa a existir no Brasil com a chegada dos primeiros

padres jesuítas, em 1549, atendendo ao pedido de Dom João III, então rei de Portugal. Os

primeiros religiosos vieram com a missão de converter os gentios e criaram nas novas terras

escolas e seminários que espalharam-se por diversos pontos do território. A formação escolar

dos primeiros missionários jesuítas para os indígenas embasava-se nos aspectos da

colonização, da educação e da catequese, com a finalidade de converter, ensinar e doutrinar

os gentios nas coisas da fé. De acordo com Saviani (2013, p. 29):

O processo de colonização abarca, de forma articulada mas não

homogênea ou harmônica, antes dialeticamente, esses três momentos

representados pela colonização propriamente dita, ou seja, a posse e

exploração da terra subjugando os seus habitantes (os íncolas); a educação

enquanto aculturação, isto é, a inculcação nos colonizados das práticas,

técnicas, símbolos e valores próprios dos colonizadores; e a catequese

entendida como a difusão e conversão dos colonizados à religião dos

colonizadores.

Exercendo o monopólio da educação no Brasil nos dois primeiros séculos da

colonização, a pedagogia ofertada pelos jesuítas não se restringiu apenas à formação dos

indígenas. Os filhos dos colonizadores que se estabeleceram no Brasil e os que nasceram nas

novas terras necessitavam de formação e essa se tornou uma prioridade para os jesuítas. O

plano educacional inicial contava com elementos simples como o aprendizado do português,

a escola de ler e escrever, a doutrina cristã e a gramática latina. Mas, esse plano inicial foi

suprimido e a nova estrutura educacional seguia o Ratio Studiorum, que mostrou-se um plano

de caráter universalista, adotado pelos jesuítas em qualquer lugar onde estivessem. Era

também elitista porque destinou-se aos filhos dos colonos e excluiu os indígenas, convertendo-

se no instrumento de formação da elite colonial. (SAVIANI, 2013)24.

Com a expulsão dos jesuítas de Portugal e seus domínios, a Coroa passa a criar

estatutos para regulamentar a instrução pública sob a orientação do Marques de Pombal. No

24 De acordo com Saviani (2013), O Ratio Studiorum iniciava-se com o curso de humanidades com um currículo

que abrangia classes ou disciplinas de retórica, humanidades, gramática superior, gramática média e gramática

inferior e a formação prosseguia com cursos de filosofia e teologia. Os jesuítas foram expulsos de Portugal e de

suas colônias por ato do Marques de Pombal em 1759, mas o plano educacional que criaram com o Ratio Studiorum

é considerado por muitos especialistas extremamente importante à compreensão da educação moderna. A

consolidação desse novo plano deixou marcas excludentes no ensino ofertado no Brasil que inclusive podem ser

sentidas até os dias atuais.

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âmbito dos estudos menores referentes às primeiras letras foi lançada a Lei de 6 de novembro

de 1772, instituindo as aulas régias.

Apesar dos padres jesuítas estarem presentes em diversos pontos da Colônia, o

processo educacional na Capitania do Rio Grande ocorreu de forma atrasada e lenta. Os

conflitos provocados pela dominação holandesa e a Guerra dos Bárbaros fizeram a situação

econômica retroceder e relegaram a existência e a necessidade do ensino, provocando um

quadro de analfabetismo e ignorância como regra para a maioria da população. Porém, Araújo

(1979, p. 18) informa que com uma consequente normalização na vida da Capitania nas

primeiras décadas do século XVIII:

a necessidade de escolas começou a ser sentida. Uma primeira manifestação

é registrada quando os Oficiais do Senado da Câmara, em carta de 26 de

janeiro de 1728, dirigida a D. João V, solicitam a construção de um hospício,

em que residiriam jesuítas ou franciscanos, a fim de que estes ensinassem

gramática àqueles que desejassem seguir a carreira religiosa.

Por ser a Capitania do Rio Grande dependente de Pernambuco, esse pedido inicial foi

negado, mas a ideia continuou sendo acalentada e em 21 de julho de 1731 foi criada, em Natal,

a primeira cadeira de Latim.

O ensino de primeiras letras vinha sendo ministrado na Capitania em alguns

remanescentes de aldeias de índios por vigários e capelães e aos filhos de moradores ricos nas

fazendas que se difundiam na região. Dessa forma, a educação desenvolvida inicialmente na

antiga Taba-Açu depois do processo de colonização seguia o mesmo padrão dos modelos

tradicionais religiosos.

Encontramos alguns exemplos de instrução primária no período colonial na formação

dos padres Francisco Brito de Guerra e Antônio Freire de Carvalho, que receberam as

primeiras letras ainda na então Vila Nova da Princesa, mas depois seguiram para Olinda, onde

deram continuidade aos estudos no Seminário daquela cidade.

Padre Francisco Brito de Guerra, mais conhecido como Senador Guerra, ordenou-se

em Olinda no ano de 1801 e destacou-se no cenário político do Rio Grande do Norte como

deputado da Primeira Assembleia Legislativa Provincial (1835-1837). Em 1837 foi escolhido

para representar a província no Senado do Império. Ainda atuou como Visitador-Geral,

professor de latim, Comendador da Ordem de Cristo e foi um dos fundadores do O Natalense,

primeiro jornal a ser publicado no Rio Grande do Norte.

Padre Antônio Freire também iniciou as primeiras letras na Vila Nova da Princesa e se

formou no Seminário de Olinda. Depois de ordenado retornou para o Assú e atuou como

coadjutor do padre Manoel Januário Bezerra Cavalcante. Posteriormente, seguiu para Mossoró

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tornando-se vigário da freguesia e logo depois, com a elevação de Mossoró à Vila em 15 de

março de 1852, elegeu-se presidente da Câmara Municipal. Em 1856 passou a residir em

Caruaru/PE onde exerceu a função de capelão e foi designado para vigário. (AMORIM, 1982).

3.1 CONSOLIDAÇÃO DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS NA CIDADE

DO ASSÚ

Após a Proclamação da Independência do Brasil dos domínios portugueses, em 1822,

inicia-se a tarefa de estruturar o novo país de forma jurídico-administrativa surgindo assim a

elaboração e a promulgação de uma Constituição. Com a convocação da Assembleia Geral

Constituinte por Dom Pedro I, em 3 de junho de 1822 e a inauguração e instalação dessa

Assembleia, em 3 de maio de 1823, o Imperador levantou a necessidade de uma legislação

especial que tratasse da instrução pública. Foi criada uma Comissão de Instrução Pública da

Assembleia Geral Constituinte e Legislativa apresentando um projeto que estimulava o

surgimento de um Tratado Completo de Educação da Mocidade Brasileira.

A ideia era receber propostas que apresentassem soluções urgentes e prioritárias para

o tema da educação destacando a organização de um sistema de escolas públicas com um plano

comum implantado em todo o território do novo império. Entre as propostas apresentadas,

destacaram-se os projetos de Martim Francisco Ribeiro d’Andrada Machado e Januário da

Cunha Barbosa. Contudo, essa preocupação inicial com a organização educacional nacional

foi deixada temporariamente de lado e retomada entre os anos de 1826 e 1827. A Câmara dos

Deputados aprovou um projeto modesto limitado à Educação Primária. Resultando na Lei de

15 de outubro de 1827, determinou a criação das Escolas de Primeiras Letras. (SAVIANI,

2013).

Contendo 17 artigos, essa lei trata de temas diversos que deveriam consolidar o projeto

de unificação da educação nacional. Entre esses artigos, destacamos os seguintes: O artigo 1°

instituía que “Em todas as cidades, villas e logares mais populosos, haverão as escolas de

primeiras letras que forem necessárias”. O artigo 3° afirmava que “Os Presidentes em

Conselho, taxarão interinamente os ordenados dos professores, regulando-os de 200$000 a

500$000 annuaes: com atenção às circumstancias da população e carestia dos logares”. O

artigo 4° instituía que “As escolas serão de ensino mútuo nas capitães das províncias; e o serão

também nas cidades, villas e logares populosos delas, em que for possível estabelecerem-se”.

O artigo 6° afirmava que “Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de

arithmetica, prática de quebrados, decimaes e proporções, as noções mais geraes de geometria

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prática, a grammatica da língua nacional”, incluindo “os princípios de moral christã e da

doutrina da religião catholica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos

meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brazil”. O artigo

11 afirma que “Haverão escolas de meninas nas cidades e villas mais populosas, em que os

Presidentes em Conselho, julgarem necessário este estabelecimento”. O artigo 12 orienta que

“As Mestras, além do declarado no art. 6°, com exclusão das noções de geometria e limitando

a instrucção da arithmética só às suas quatro operações, ensinarão também as prendas que

servem à economia doméstica”. E o artigo 13 instituiu que “As Mestras vencerão os mesmos

ordenados e gratificações concedidas aos Mestres.” (IMPÉRIO DO BRAZIL, 1827). Para

Saviani (2013, p. 126):

Essa primeira lei de educação do Brasil independente não deixava

de estar em sintonia com o espírito da época. Tratava ela de difundir as luzes

garantindo, em todos os povoados, o acesso aos rudimentos do saber que a

modernidade considerava indispensáveis para afastar a ignorância. O

modesto documento legal aprovado pelo Parlamento brasileiro contemplava

os elementos que vieram a ser consagrados como o conteúdo curricular

fundamental da escola primária: leitura, escrita, gramática da língua nacional,

as quatro operações de aritmética, noções de geometria, ainda que tenham

ficado de fora as noções elementares de ciências naturais e das ciências da

sociedade (história e geografia). Dada a peculiaridade da nova nação, que

ainda admitia a Igreja Católica como religião oficial e estava empenhada em

conciliar as novas ideias com a tradição, entende-se o acréscimo dos

princípios da moral cristã e da doutrina da religião católica no currículo

proposto.

Além desses pontos apontados por Saviani sobre a construção do conteúdo curricular

nacional e da inclusão de disciplinas com temas religiosos, nos chama a atenção os conteúdos

comuns propostos para os meninos e as meninas e logo depois uma diferenciação para meninas,

voltados principalmente para as prendas domésticas. Todavia, essa mesma distinção não é

observada na imposição dos salários de professores e professoras que deveriam ser igualados,

inclusive sendo-lhes concedidas as mesmas gratificações.

Essa lei orientou e serviu como base para a organização do ensino primário vigente

durante todo o percurso do Brasil-Império, mesmo que em períodos determinados sejam

propostas alterações ou novos projetos de legislação. Ela é contemporânea de um momento

mais paulatino, em que se buscava o fortalecimento de uma perspectiva político-cultural na

tentativa de construir-se uma nação independente e um Estado Nacional.

De acordo com Faria Filho (2003, p. 137, grifo do autor), nesse momento de

consolidação do novo Império, a instrução:

era vista como uma das principais estratégias civilizatórias do povo brasileiro,

tal qual frações importantes da elite concebiam e propunham-se organizar.

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Instruir as ‘classes inferiores’ era tarefa fundamental do Estado brasileiro e, ao

mesmo tempo, condição mesma de existência desse Estado e nação.

Segundo Magalhães (2004, p. 21), a ideia de relacionar civilidade e educação foi tratada

mais atentamente por Erasmo de Roterdã:

A inclusão da civilidade na educação, nomeadamente na educação

escolar, mereceu de Erasmo de Roterdã uma atenção muito particular, ficando

a dever-se-lhe a organização de um catecismo para a infância, contendo as

normas básicas de civilidade. Conciliando educação cívica com educação

escolar, mediante uma argumentação e uma textualização das normas de

civilidade como (in)formação curricular, Erasmo largou o projeto educacional

humanista, laicizando e legitimando a ação escolar como mediatizadora entre

o público e o privado.

Na província do Rio Grande do Norte, a política para o funcionamento das Escolas de

Primeiras Letras ocorreu de forma lenta. Na então Vila Nova da Princesa, a história oficial da

Educação Primária começa com a criação de uma cadeira masculina de primeiras letras no dia

2 de setembro de 1829. No dia 5 do mesmo mês é criada outra cadeira feminina. Apenas em

1873 foi criada uma segunda cadeira primária do sexo masculino na cidade. (LIMA, 1990, p.

143). O exercício efetivo do magistério pós legislação de 1827 ocorreu na Vila Nova da

Princesa em 1829 com o senhor José Felix do Espírito Santo. Bezerra (2006, p. 4) observa que

essa iniciativa origina “a primeira escola, consequentemente o primeiro professor primário da

história do Assú. A aludida unidade educacional funcionou até o ano de 1843”.

O exemplo do professor José Felix foi seguido por dona Maria Joaquina Ezequiel da

Trindade que assumiu em 1834 a 2ª cadeira de Escola de Primeiras Letras da Vila Nova da

Princesa, criada para o público feminino e que funcionou em sua residência. Dessa forma, ela

se tornava a 1ª professora a lecionar na Vila. A partir do pioneirismo dos professores citados,

outros letrados adotaram procedimento semelhante durante o século XIX e início do século XX

e tornaram-se importantes educadores contribuindo com a formação primária dos futuros

jornalistas e literários da Atenas Norte-rio-grandense. (BEZERRA, 2006).

Em 1834, poucos anos depois da promulgação da Lei de 1827, foi lançado um Ato

Adicional desobrigando o governo central de cuidar da instrução primária e secundária e

transferia a responsabilidade para os governos provinciais. Araújo (1979), informa que o

primeiro Regulamento Provincial estabelecendo as normas para as aulas de primeiras letras no

Rio Grande do Norte saiu no dia 5 de novembro de 1836. Para a autora, as atribuições do

governo local no campo do ensino foram caracterizadas durante os anos de 1835 e 1888 por um

crescimento instável e um número elevado de escolas vagas explicados, principalmente, por um

movimento constante chamado por ela de cria e extingue, fenômeno derivado da “oscilante

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receita arrecada, mas também do caráter aleatório que acompanhou o surgimento de muitas

delas”. (ARAÚJO, 1979, p. 33).

No Quadro 3 apresentamos uma relação dos principais professores de Escolas de

Primeiras Letras que desenvolveram atividades na cidade do Assú entre os anos de 1829 e 1908.

QUADRO 3: PROFESSORES DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS DA CIDADE DO ASSÚ (1829-

1908).

Professor (a) Ano

José Felix de Espírito Santo 1829-1843

Maria Joaquina Ezequiel da Trindade 1834-1843

Manoel da Silva Ribeiro 1835

Francisca Germina das Chagas Cavalcante 1855-1866

Raymundo Candido Ribeiro 1858

Manoel Maria da Apresentação 1858-1874

Matheus da Rocha Bezerra 1862-1876

Maria Hermenegilda F. Pinto 1870

Elias Antônio Ferreira Souto 1873-1885

Antônio Corsino Lopes de Macedo 1873-1890

Manoel Ferreira de Macedo Jalles 1875-1908

Idalino Alípio Carneiro Monteiro 1878-1881

Josefa Bezerra Cavalcante Lopo 1881

Luiza de França das Chagas Cavalcante 1881-1893

Maria Bezerra da Rocha Varella Coelho 1893-1908

FONTE: Silveira (1995, p. 132) Lima (1990, p. 175)

Percebemos no Quadro 3 que a cadeira masculina passou por um desfalque de

professores apenas entre os anos de 1843 e 1858. Contudo, a cadeira feminina conta com

grandes espaços de tempo sem a presença de professoras durante o período apresentado. Dessa

forma, acreditamos que a cadeira masculina de primeiras letras se manteve estável, mas a

cadeira feminina passou pelo fenômeno do cria e extingue. No ano de 1830, a escola do

Professor José Felix do Espírito Santo contava com a matrícula de 54 alunos. Nessa época, a

cadeira feminina ainda não tinha uma regente (ARAÚJO, 1979).

Em seu trabalho, Araújo (1979) expõe um relatório apresentado pelo Presidente da

Província do Rio Grande do Norte, Pedro Leão Veloso, na sessão ordinária do ano de 1862 que

aponta uma matrícula de 58 alunos na escola masculina do Assú, mas desconsidera a existência

de uma escola feminina na cidade. Pelo Quadro 3, notamos que Dona Francisca Germina das

Chagas Cavalcante era professora durante esse período, mas não conseguimos afirmar se essa

escola funcionava. Provavelmente, ela poderia assumir aulas como professora particular.

As primeiras medidas legisladoras para o funcionamento de escolas particulares no Rio

Grande do Norte surgiram no início dos anos de 1850 com a exigência de requisitos como a

licença de um inspetor, mediante informações do delegado da região em que o professor

pretendia estabelecer a sua escola. Um regulamento de 1858 estipulou normas mais severas e

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outro de 1869 apresentou uma política mais branda como uma comunicação feita pelos

professores aos inspetores de comarca que definia os programas, a localização e início de

funcionamento, possibilitando a condição de subvenção para essas escolas. (ARAÚJO, 1979).

Outros dados presentes no trabalho de Araújo (1979) fazem menção a um relatório do

dia 15 de maio de 1873 apresentado por Francisco Gomes da Silva, Diretor da Instrução

Pública, ao vice-presidente Bonifácio Francisco Pinheiro. O relatório aponta nesse mesmo ano

uma matrícula de 48 alunos na cadeira masculina da cidade do Assú, mas não apresenta dados

de matrículas na cadeira feminina. No Quadro 3, observamos que não existiam professoras

regendo aulas na cidade nesse período. A consolidação das Escolas de Primeiras Letras no Rio

Grande do Norte e a realidade das cadeiras femininas começa a melhorar no final do período

imperial. No ano de 1889, o estado conta “com 152 escolas oficiais, sendo oitenta e oito

masculinas, sessenta femininas e quatro mistas, para uma matrícula masculina de 3175 e uma

feminina de 1905, totalizando 5080 alunos, ou seja, uma média de trinta e três alunos por

escola”. (ARAÚJO, 1979, p. 40).

No momento em que as Escolas de Primeiras Letras estavam se consolidando no Rio

Grande do Norte, o país passava por um processo de reformulação política com a instituição do

governo republicano. Esse novo perfil político-administrativo instituí novas ideias pedagógicas

na instrução primária nacional originando os Grupos Escolares, projeto educacional implantado

lentamente no estado, como veremos no capítulo 4.

3.2 ATUAÇÃO DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NA CIDADE

DO ASSÚ

Pinheiro (2002, p. 9), chama a atenção para as distinções existentes entre as formas de

organização da instrução primária no período imperial e no governo republicano e esclarece

que as Escolas de Primeiras Letras “funcionavam sob o precário controle do Estado, além de

ter seu funcionamento pedagógico quase sempre subordinado única e exclusivamente ao

arbítrio do próprio professor, detentor da cadeira”. O autor prefere trabalhar com a

nomenclatura de escolas isoladas, mas aponta outras denominações que as instituições

primárias assumiram no período imperial, principalmente na Paraíba, como:

aula régia; aula pública; cadeiras régias; cadeira de instrução primária; cadeira

de ensino primário; cadeira de (...) (nome da localidade, da cidade, da vila etc.)

– por exemplo: cadeira da Cidade Alta, de Mamanguape, de Campina Grande

etc.-; cadeira de (...) (nome da disciplina) – por exemplo, cadeira de latim, de

português, de aritmética, de história do Brasil etc. -; cadeira municipal; cadeira

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mista; 1ª cadeira, 2ª cadeira, 3ª cadeira etc.; escola menor; escola elementar;

escola rudimentar; escola primária masculina/feminina/para ambos os sexos;

e, naturalmente, cadeira isolada. (PINHEIRO, 2002, p. 7)25.

Entre os professores que se destacaram durante o período imperial na cidade do Assú

podemos citar Elias Souto. Paralítico e circulando sempre de cadeira de rodas sendo empurrado

pelo menino Luis Rosa, isso não se tornou um empecilho para o exercício do magistério e nem

para as militâncias do professor, que participou de causas abolicionistas como membro orador

da Associação Libertadora Assuense. Durante a campanha abolicionista na cidade Elias Souto

produziu, juntamente com o Dr. Luíz Carlos Lins Wanderley, o Hino à Liberdade, da

associação. Transcrevemos um trecho a seguir:

Surge a aurora resplandecente

Nas orlas dos horizontes

Derrama-se, luz fulgente,

Pelas colinas e montes.

É que surge a liberdade

Neste solo tão gentil

Ergue-se livre a cidade,

Parabéns glória ao Brasil (PINHEIRO, 1997, p. 80).

Além do exercício do magistério, Elias Souto realizou atividades no campo do

jornalismo, fundando periódicos em Assú, Macau, São José de Mipibu e em Natal. Entre os

jornais publicados pelo professor no Assú, destaca-se O Sertanejo que circulou na cidade entre

os anos de 1873 e 1876 e tinha um perfil mais voltado para a política. Amorim (1965, p. 51),

considera que o professor Souto se mostrava “ardoroso, vibrante, impetuoso e incontrolável,

causticava impiedosamente, o antagonista em linguagem rebarbativa e insolente, traçando

artigos de combate em que não sabíamos o que admirar; se a veemência do vocabulário ou se a

segurança da argumentação”.

Em 1876, O Sertanejo passa a se chamar Jornal do Assú sendo publicado com esse nome

até 1885 quando passou a se chamar O Assuense, mantendo sempre “atitudes corajosas, rasgos

de rebeldia e destemor, atacando de frente o adversário em editoriais bem traçados e em artigos

contundentes pela sátira e pelo desassombro”. (AMORIM, 1965, p. 51). Mudando-se de Assú

para outros lugares como Macau e Natal, Elias Souto continuou atuando no campo do

jornalismo potiguar. Em Macau assumiu o cargo de administrador da Mesa de Rendas

Provinciais e criou o jornal O Macauense. E em Natal, fundou em 1894 o jornal O Nortista que

25 O autor esclarece que os termos aula régia e cadeira régia eram mais utilizadas durante o período colonial. Em

nosso trabalho, optamos pela denominação Escolas de Primeiras Letras por estar em consonância com a

nomenclatura proposta na Lei de 15 de outubro de 1827 e ser o termo mais utilizado no Rio Grande do Norte.

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em 1895 passou a se chamar O Diário de Natal, sendo considerado o primeiro periódico com

circulação diária no estado.

Dona Luíza de França das Chagas Cavalcante iniciou no magistério como professora

pública e exerceu atividades entre os anos de 1881 a 1893 no Assú. Depois continuou dando

aulas particulares em sua casa e era responsável pela inclusão de homens e mulheres de uma

condição social mais abastada no mundo das letras. Francisco Amorim foi aluno da professora

e apresenta relatos das aulas:

Aos oito anos já frequentava a escola particular da professora França

(Tia França). Levava um tinteiro com tinta preparada em casa com anilina, um

pedaço de pau tendo uma pena na ponta, amarrada com linha e a Carta do ABC.

Estes apetrechos eu os conduzia em uma caixa de charutos.

A escola era mista. Como colegas tinha Jorge, meu irmão; Luiz Sócrates Filho

(hoje residente no Recife); Júlio Soares, poeta e musicista já falecido e

Nozinho, filho de um fogueteiro cujo destino ignoro. Do lado feminino: Anísia

Cabral, Maria Galvão de Oliveira, Maria Luiza, Elita de Oliveira e outras que

não me acodem à memória. (AMORIM, 1982, p. 9).

Tendo nascido em 1899 e contando com 8 anos na época das aulas com a Professora

França, depreendemos que essa recordação de Francisco Amorim refere-se ao ano de 1907,

quando o Brasil estava vivendo o processo de implantação dos Grupos Escolares. Pela descrição

conhecemos detalhes do material utilizado nas aulas e os companheiros de sala, que não

apresentava distinção entre os sexos, além de fortalecer a ideia de que as aulas eram particulares.

Em outro trecho de seu livro Assú da minha meninice, onde faz relatos importantes sobre os

tipos e acontecimentos da cidade do Assú, Amorim (1982, p. 13) apresenta outra reminiscência

importante sobre as aulas com a professora Luiza de França numa crônica intitulada O primeiro

e único bolo:

A minha Mestra França tinha ido à Igreja assistir a uma cerimônia

religiosa. A escola ficou sob o controle dos alunos. Balbúrdia e confusão a

valer. Em dado momento estabelece-se entre a minha pessoa e uma aluna cujo

nome não me vem à memória, uma divergência a propósito de um tinteiro com

anilina verde. Cada qual julgava-se o dono. Irritado, joguei a tinta na calçada.

Ao chegar a Mestra França ficou inteirada da ocorrência, chamou-me e

aplicou-me, com a palmatória, um bolo dado com suavidade, dizendo:

- Não foi a questão do tinteiro. Foi você ter derramado a tinta na calçada,

emporcalhando a rua.

O relato demonstra alguns elementos característicos da educação no período imperial,

como o fato de por serem aulas ministradas na residência do próprio professor, existia uma

liberdade na condução das mesmas chegando ao ponto de permitir que os alunos ficassem

sozinhos em sala sem uma condução ou orientação e a própria indisciplina produzida por esse

fato. Para Pinheiro (2002, p. 73), o funcionamento das escolas nas casas dos professores

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“acarretava problemas tanto de ordem administrativa quanto de ordem pedagógica” e a

convivência de alunos e familiares dos professores no mesmo espaço físico “trazia uma série

de constrangimentos”.

Outro elemento importante é a permissão dos castigos físicos aplicados pelo mestre nos

casos da indisciplina citada anteriormente. Mesmo tendo sido um “bolo dado com suavidade”,

configurou-se o exercício da autoridade do professor recorrendo, inclusive, aos castigos físicos

para exercer essa autoridade.26 Sabendo do amor da professora pelo magistério e a preocupação

com seus alunos nas aulas, Chisquito27 preparou uma vingança, como podemos perceber na

continuação do relato:

Planejei uma represália. Planejei e cumpri. No dia seguinte não fui à aula, isto

é, escondi-me em um matagal que ficava em frente à uma tosca casinha onde

morava o mestre pedreiro Agostinho, lugar que hoje é um prédio residencial

pertencente a Edmilson Caldas. O ponto escolhido foi para verificar a volta à

casa do colega Luiz Sócrates que residia onde atualmente é o Hotel Nordeste.

Com a sua volta devia ter terminado a aula. A velha mãe do pedreiro ao ver-

me naquelas imediações indagou:

- Menino, o que é que você anda fazendo?

Respondi que tinha vindo comprar uns ovos. Na verdade eu estava somente a

cumprir o horário de aula para punir minha mestra de sua repreensão. Eu sabia

que ela sofria quando um aluno se magoava com ela.

No dia seguinte compareci normalmente à aula. Não como um frustrado, mas

como um vitorioso. Mestra França estava mesmo muito preocupada com a

minha ausência da véspera.

A articulação da punição realizada por Chisquito teve por base a preocupação que

provocaria na professora França pelo fato de ter faltado à aula um dia após o desgastante caso

do bolo e foi assertiva. Conhecendo a professora e sabendo a forma como ela se sentia diante

de alguma mágoa provocada aos seus alunos, o menino planejou a punição com detalhes e ela

surtiu o efeito desejado de tal forma que retornou a aula no dia seguinte “como um vitorioso”.

Fica evidente na história relatada que apesar de ter o direito de exercer sua autoridade em sala

aplicando o castigo físico, a professora se mostrava dedicada e preocupada com o aprendizado

e a participação de seus alunos nas aulas.

26 A abolição dos castigos físicos, e também dos prêmios, no campo educacional foram tema de um longo discurso

proferido pelo Barão de Macahubas (Abílio César Borges) no Congresso Pedagógico Internacional ocorrido em

Buenos Aires no dia 2 de maio de 1882. Em sua tese, o Barão posicionava-se contra os castigos físicos e aboliu os

prêmios por achá-los inúteis e exercerem uma influência danosa no espírito das crianças. Segundo Saviani (2013,

p. 147), o Barão observou “que tanto os premiados como os que nenhum prêmio recebiam continuavam com o

mesmo comportamento e a mesma aplicação nos estudos”, mas com a diferença de que os premiados ficavam cada

vez mais orgulhosos e vaidosos e os outros desanimavam ou se tornavam piores e enfezados pela humilhação que

sofriam. 27 Apelido de Francisco Amorim na infância.

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Esse momento da história da educação brasileira, marcado por características

tradicionais, é representado por ideias onde o mestre era o centro do processo educativo por ser

o portador do conhecimento escolar. De acordo com Magalhães (2004, p. 28) a pedagogia

tradicional estava centrada “no professor, no agente, de cuja ação esperava uma normatização

da ação, no plano da instrução, mas também no plano normalizador das práticas,

comportamentos, saberes e atitudes”.

Em carta enviada à Francisco Amorim em 20 de dezembro de 1963 para ser publicada

no livro História da Imprensa do Assú (1965), Manoel Assis, que se tornou professor

exercendo o magistério no Assú e em outras cidades do Rio Grande do Norte, apresenta

aspectos importantes da educação local, além de citar na missiva informações sobre os

professores Manoel Ferreira de Macedo Jalles, Antonio Soares de Macedo Filho e seu próprio

exercício. Nascido em 1883 nas Pedrinhas, antigo povoado anexado ao município de Santana

do Matos e hoje pertencente a Ipanguassú, Manoel Assis recorda que aprendeu:

a Carta do ABC na velha e gloriosa cidade do Assú, na Escola do professor

Manoel Ferreira de Macedo Jalles. Éramos 43, dos quais restamos cinco:

Antonio Saboia de Sá Leitão, Manoel Lindolfo de Siqueira Cortez, Teógenes

Amorim e Luiz Correia de Sá Leitão. Eu, o benjamim, já ultrapassei os 80 anos.

No verão de 1901, aprendi noções de Geografia, História, Gramática,

Aritmética, etc. na Escola Particular de Antonio Soares de Macedo Filho. No

ano seguinte tornei-me Mestre-escola, abrindo a minha primeira aula no dia 3

de fevereiro de 1902, no lugar Sombra das Pinturas, município de Caicó, hoje

pertencente a Jucurutu. Depois peregrinei por diversas fazendas dos

municípios de Santana, Assú e Angicos durante mais de sete anos. Nessas

andanças, consegui alfabetizar cerca de mil jovens potiguares. (AMORIM,

1965, p. 73).

O relato inicial do professor Manoel de Assis é significativo porque demonstra aspectos

importantes das turmas onde estudou as primeiras letras e impressiona pela quantidade de

alunos que iniciaram as aulas com o professor Manoel Macedo. É importante destacar que

alguns colegas de Manoel de Assis tornaram-se figuras importantes na cidade do Assú, como

Antônio Saboia de Sá Leitão, que assumiu a Intendência Municipal nas primeiras décadas do

século XX e empreendeu transformações importantes no espaço urbano como mostramos no

capítulo 2, e Luiz Correia de Sá Leitão, influente político da cidade.

Na segunda parte do relato, atentamos para as disciplinas cursadas nas aulas do professor

Antônio Soares de Macedo Filho, necessárias para as noções iniciais de leitura, cálculos e

aspectos geográficos e históricos. Porém, deixa entrever que não existia um sistema mais amplo

de disciplinas nesse período. E na terceira parte, mostram-se importantes as peregrinações de

Manoel Assis exercendo o ofício do magistério em diversos lugares e contribuindo de forma

significativa para a formação de milhares de jovens no Rio Grande do Norte.

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O professor Manoel Assis casou na própria cidade do Assú em 1904 e trabalhou nas

salinas da cidade de Macau entre 1908 e 1909. Ele continua o relato autobiográfico contando

que nesse último ano foi convidado para trabalhar como guarda-livros na firma José Antônio

de Moura, mas abandonou a função um ano depois por ter sido nomeado para professor

municipal no Assú, no começo de 1910. “Em julho de 1912, passei a exercer as mesmas funções

no povoado de Sacramento, hoje cidade de Ipanguassú, onde permaneci até agosto de 1915,

quando passei a botar o papel de advogado, sob a batuta do saudoso Dr. Luiz de Oliveira”.

(AMORIM, 1965, p. 73).

Mudando para Mossoró em 1919, Manoel Assis serviu na Comissão Werneck que

construiu a estrada de ferro da cidade, foi caixeiro viajante e assumiu funções como substituto

de Delegado Secional do Recenseamento e titular do 1° Cartório da cidade. Com a fundação da

Escola Normal da cidade em 1922, foi nomeado secretário pelo Governador Antônio de Souza,

cargo em que permaneceu até 1953, quando se aposentou.

Existem outros nomes de senhores e senhoras que atuaram na instrução primária na

cidade do Assú, mas, não conseguimos localizar as datas específicas do exercício do magistério.

No entanto, notamos por alguns registros que os mesmos colaboraram com o processo de

educação na cidade no período de transição entre o Império e a República. É o caso do professor

Américo Macedo que nasceu em 29 de dezembro de 1877 e faleceu em 02 de janeiro de 1948.

Além de professor, foi poeta e glosador, autodidata e publicou o livro de versos Sombras, com

prefácio de Luiz da Câmara Cascudo. (SILVEIRA, 1995, p. 19).

O professor Olegário Olindino de Oliveira nasceu em 1895 na cidade de Campo Grande,

mudando-se para o Assú ainda criança. Um tipo inteligente, revelou desde cedo pendor para o

magistério ao lecionar as primeiras letras à juventude assuense. Um caso interessante registrado

por Fonseca Filho sobre o professor Olegário é que ele mantinha amizade com Pedro Jacob, o

guarda-fios do telégrafo. Na época, Jacob contava com quarenta anos de idade e era analfabeto.

Com paciência e abnegação o professor Olegário conseguiu alfabetizá-lo e graças ao mestre

“Pedro Jacob chegou a ocupar o lugar de Inspetor de linhas telegráficas e dizia a todos com

ufania o que sou na vida, devo a Olegário”. (FONSECA FILHO, 1984, p. 35, grifo do autor)

Além de exercer funções no magistério, Olegário foi comerciante, escrivão da polícia,

advogado, entre outras funções em que revelava os dotes de sua inteligência, dedicação e amor

ao trabalho. Escrevendo poesias, sempre enalteceu a cidade do Assú, como podemos perceber

nos versos a seguir:

Salve, terra Natal! Açu, berço de Heróis!

Princesa do sertão, terra da liberdade.

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Solo fecundo e bom, pátria de tantos sóis

Sempre farta de luz, cheia de amenidade

Teus verdes carnaubais trescalam suavidade

A doce orquestração dos ledos rouxinóis

Sinto o olor da tristeza e amargo da saudade

Assim longe de ti, gleba dos meus avós

Tens glórias no passado e luzes no presente

Nas páginas da história, esplendorosamente

Teu nome já fulgura em letra multicor

Salve glorioso Açu! Majestoso luzeiro!

Berço róseo e gentil do meu sonho primeiro

Terra que viu nascer meu primeiro amor. (FONSECA FILHO, 1984, p. 35).

Em relação aos salários dos professores estipulado na Lei de 1827, Araújo (1979)

assinala que variavam em função das circunstâncias da população e do custo de vida dos lugares

onde funcionavam as escolas. Segundo Silveira (1995, p. 72), o ordenado de um professor

primário na Vila Nova da Princesa em 1832 era de 250$000 anuais, valor que estava dentro do

padrão estipulado na época da promulgação da Lei de 15 de outubro de 1827. Já na comunidade

de Oficinas durante o mesmo período, o ordenado era de 150$000 por ano. O Regulamento

Provincial de 1836 concedeu uma gratificação, mas que não excedesse um terço dos respectivos

vencimentos para os professores que contassem 12 anos de bons serviços prestados no

magistério.

Durante todo o Império existiram poucas alterações no salário dos professores e “nos

breves períodos em que passaram a receber remuneração mais digna, os professores públicos

geralmente sofriam duras críticas em relação à qualidade do seu trabalho, sendo taxados de

incompetentes e inábeis, dentre outras qualificações”. (PINHEIRO, 2002, p. 24). Além disso,

os salários seguiam uma política organizacional discriminatória. Em 1887, os salários dos

professores do Rio Grande do Norte eram estipulados entre 350$000 e 550$000 e as

gratificações variavam entre 150$000 e 3000$000.

Na Lei de 1827, o que diferenciava as escolas da capital e do interior era apenas os

títulos dos professores. Com o Regulamento n° 21, de 9 de dezembro de 1865, lançado na

Província do Rio Grande do Norte, efetiva-se uma divisão pedagógica em três classes: nas

cidades seriam de primeira classe; em vilas, com foro civil, seriam de segunda classe; e nas

demais vilas e povoados seriam de terceira classe. Essa divisão durou até 1872, quando as

escolas passaram a ser organizadas em entrâncias: as escolas mais importantes que abrangiam

a capital e as cidades correspondiam a terceira entrância; nas segundas entrâncias ficavam as

vilas; e nos povoados existiam as de primeira entrância. As divisões e classificações estipuladas

durante o Império obedeciam a um perfil de importância dos lugares onde as aulas haviam sido

instaladas. Essa política organizacional condicionava discrepâncias nos salários e nomeações

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dos professores e estabelecia explicitamente um caráter discriminatório. (ARAÚJO, 1979, p.

47).

Como vimos no capítulo 2, ainda na antiga Vila Nova da Princesa vinham se

desenvolvendo importantes atividades no contexto econômico do Rio Grande do Norte com as

charqueadas na comunidade de Oficinas. Com a elevação à categoria de cidade e o fim das

charqueadas, outras atividades econômicas importantes foram implantadas na região com as

plantações de algodão e a carnaúba, fatores que deram visibilidade e aceleraram cada vez mais

o progresso sociocultural da cidade. Dessa forma, a cidade contou inicialmente com escolas de

primeira classe e posteriormente, de terceira entrância.

3.3 PERFIL EXCLUDENTE E ALUNOS DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA

Entre os séculos XIX e primeiras décadas do século XX, Bezerra (2006, p. 4) aponta

que a Educação Primária na cidade do Assú era um “privilégio de poucos afortunados” e que

grande parte da população era de analfabetos. A parcela ‘afortunada’ denunciada na fala do

historiador assuense era formada pelos filhos da elite local, compreendendo principalmente

fazendeiros, políticos, comerciantes e industriais das firmas de algodão e cera de carnaúba.

Essa realidade seguia um padrão vigente que se formou no Brasil-Colônia e persistiu durante

o Império onde a escola pública apresentava um caráter elitista e excludente e reforçava o

perfil de representatividade social das camadas mais abastadas.

Retomando os dados demográficos do município do Assú apresentados no capítulo 2

(p. 60) e os números de matriculados apresentados anteriormente na cadeira primária

masculina, podemos ter uma noção mais evidente dessa realidade. Os dados demográficos

apontam uma população estimada em 8000 pessoas por volta de 1872. Considerando esse total

e o número de matriculados em 1873, 48 alunos, o percentual chega a menos de 1% de

alfabetizados na cidade nesse período. Por meio desse percentual, e relembrando os hábitos

excludentes e elitistas existentes na cidade nesse mesmo período, podemos prever que a Escola

de Primeiras Letras atendia prioritariamente os filhos da elite local. De acordo com Ferreira

(1999, p. 55):

a nossa elite intelectual brasileira foi formada por diferenciações econômicas,

uma vez que os donos de engenhos, os fidalgos portugueses e os mineradores

preocupavam-se em dar uma educação letrada aos seus filhos, muito

distanciada da prática do trabalho manual, posto que era executada por

escravos. Assim, a formação acadêmica procurada por essa elite era muito

mais voltada para o status do que para uma prática profissional. Nesse

sentido, a educação recebida era uma educação marcadamente literária com

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influencias europeizantes, adquirida nos colégios dos padres ou em suas

próprias casas. (Grifo nosso).

Essa cultura também predominava na cidade do Assú, dado que acontecia de forma

concomitante em diversos lugares do Império. Como nosso país foi formado a partir da

miscigenação de diversos povos, mas sofrendo influências do domínio europeu,

principalmente dos portugueses, não nos surpreende o fato de a formação da educação do povo

brasileiro se consolidar a partir de práticas e leituras vindas de além-mar permeadas por uma

cultura universalista, predominantemente voltada para as letras, que denotava diferenciações

sociais.

Os relatos de Pinheiro (1997) evidenciam essa realidade. A autora investigou a

biografia e a produção literária e pedagógica da professora Maria Carolina Wanderley Caldas

(Sinhazinha Wanderley) e apresenta aspectos importantes de sua formação educacional. Como

membro de uma das famílias mais importantes na cidade do Assú durante o século XIX e

início do século XX, Sinhazinha recebeu em sua própria casa, por parte dos familiares ou de

professores particulares, aulas de música, literatura, catecismo, francês, inglês e latim. Além

das cadeiras avulsas, essas aulas de línguas estrangeiras eram oferecidas em determinados

momentos às pessoas de destaque social na cidade por padres e freiras que desenvolviam

trabalhos religiosos na localidade.

Sinhazinha recebeu uma formação elaborada e completa num período em que as

mulheres, mesmo as do seu nível social, recebiam aulas fundadas basicamente na trilogia ler,

escrever e contar. O fato de ter recebido aulas diretamente em sua casa, com professores

particulares, ratifica a realidade apresentada anteriormente no trabalho de Araújo (1979)

quando a autora evidencia a dificuldade do funcionamento da Escola de Primeiras Letras para

o público feminino criada na cidade do Assú. Por outro lado, pode expressar uma opção das

próprias famílias da elite local de ofertarem o ensino para as mulheres em suas próprias casas,

com professores particulares.

A dificuldade para compreendermos melhor esse fenômeno do atendimento da

educação feminina na cidade do Assú, mesmo das mulheres da elite, esbarra principalmente

no fato de termos encontrado informações mais detalhadas apenas da formação de Sinhazinha

Wanderley. De acordo com Frago (1993, p. 33), o processo de alfabetização esteve relacionado

por muito tempo com a relevância de aspectos ideológico-culturais e destacou-se “como um

instrumento de dominação ou liberação, quanto sua influência no atraso da alfabetização

feminina em determinadas regiões ou países”. Entretanto, a convivência de Sinhazinha com

atividades culturais ligadas à literatura, à música, ao teatro e ao magistério despertou nela uma

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vocação para se dedicar às artes explorando sempre em suas produções os aspectos locais e

demonstrando grande amor por sua terra. Mesmo sendo de uma família abastada e tendo a

possibilidade de migrar para lugares mais desenvolvidos ampliando seus conhecimentos ou

difundindo suas produções como fizeram alguns de seus parentes, Sinhazinha preferiu morar

permanentemente no Assú.

Ao contrário dela, e apesar de também demonstrarem amor à terra natal e às tradições

locais por meio dos versos poéticos ou da produção jornalística, muitos assuenses de posses

sentiram a necessidade de enviar seus filhos para dar continuidade aos estudos, depois de

concluído o ensino primário, em lugares distantes que ofereciam cursos secundários durante o

período imperial. E algumas famílias migraram para lugares maiores e mais desenvolvidos

com o intuito de ampliar a atuação política, jornalística, no comércio ou em serviços públicos.

Essa realidade é apresentada por Wanderley (1965, p. 40) que também se estabeleceu em Natal

em busca de novas oportunidades:

O exemplo vem do século passado [século XIX], quando João Carlos

Wanderley e seu genro Luiz Carlos vieram para Natal, destacando-se nas

letras, e na política. Além de intelectuais foram deputados provinciais e

estiveram no governo da Província na qualidade de vice-presidentes. O

mesmo aconteceu a Elias Souto, ao cel. Pedro Soares, e ao comandante

Caldas, que também vieram para a capital, seguidos pelos seus filhos todos

ilustres. Os Lima, Ana, Deolindo, Nestor, Luiz Antônio e Galdino, para aqui

vieram e aqui se educaram e brilharam, em diversos setores. No Recife, fixou-

se, depois de ordenado em Roma, o padre Manuel Gonçalves de Amorim,

historiador renomado, que defendeu a naturalidade potiguar de D. Antônio

Felipe Camarão, o índio Poti, e em Natal, os Soares – Moisés, João, Antônio

e Luiz Soares.

Muitos dos representantes das famílias de elite davam continuidade aos estudos

secundários em Mossoró ou Natal e recebiam títulos de cursos superiores em cidades como

João Pessoa, Fortaleza, Maceió, Pará, Salvador e até no Rio de Janeiro28. De acordo com

28 Na cidade do Assú, funcionaram cadeiras de Latim e Francês, comumente chamadas cadeiras avulsas e

consideradas de cursos secundários. Apesar de não priorizarmos esse conteúdo em nosso trabalho, consideramos

importante registrar a existência dessas cadeiras na cidade. De acordo com Silveira (1995, p. 65), em 1827 foi

criada uma cadeira de Latim na Vila Nova da Princesa (Assú). Wanderley (1965, p.47) reforça essa informação

sobre a criação da cadeira de Latim no Assú e acrescenta que a cidade contou com uma cadeira de Francês criada

em 1858. Sobre essa cadeira de francês, Lima (1990, p. 143) informa que foi criada sob a Lei 417 de 4 de setembro

de 1858. O primeiro professor que assumiu a cadeira de latim em 1827 foi Francisco Emiliano Pereira. Padre

Francisco Theodósio de Seixas Bailon nasceu em Assú e tornou-se lente da disciplina de latim no Ateneu Norte-

Rio-grandense, posteriormente removido para a terra natal, ficou responsável pelas aulas nos anos de 1843 à 1866.

Entre 1866 e 1869 a cadeira foi assumida por Francisco Justiniano Lins Caldas. Logo depois, o professor João

Tiburcio da Cunha Pinheiro Junior, “na intenção de não deixar a cidade desvalida deste ensinamento, fez funcionar

no ano de 1869 uma outra cadeira de latim”. (BEZERRA, 2006, p. 4). Em 1875 as aulas de latim ficaram sob a

responsabilidade do professor Pedro Soares de Araújo. Vereador na Câmara Municipal, Pedro Soares de Araújo

também foi responsável no mesmo período pelas aulas de francês no município. Entre 1876 e 1892 as aulas de

latim ficaram sob a responsabilidade do professor Antonio Cabral de Oliveira Barros Filho. Essas cadeiras de latim

e francês foram suprimidas nos primeiros anos do governo republicano.

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Alves (2012, p. 101), era uma prática comum em cidades do interior e entre grupos

privilegiados a escolha das famílias de encaminharem os filhos para escolas distantes, o que

“poderiam lhes garantir um capital cultural e simbólico de maior rentabilidade na disputa por

postos de influência no aparato governamental ou na direção do mundo econômico”.

Entre os assuenses que iniciaram a Educação Primária na cidade e deram continuidade

aos estudos secundários em outros lugares destacamos Luiz Carlos Lins Wanderley. O mesmo

doutorou-se em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia em dezembro de 1857 e é

considerado um dos primeiros médicos norte-rio-grandenses. Doutor Luiz Carlos Wanderley

atuou no Assú como político, poeta, jornalista e teatrólogo e sua família foi uma das que mais

participaram do movimento cultural e literário da cidade.

Luiz Antônio Ferreira Souto Junior fez as primeiras letras com o professor José Félix

do Espírito Santo e com seu avô materno, o coronel Antônio Barbalho Bezerra. Estudou latim

com o padre Francisco Theodosio de Seixas Bailon e depois dos estudos preparatórios

matriculou-se na Faculdade de Direito do Recife, recebendo o diploma de Bacharel em 1865.

Antônio Soares de Araújo fez parte do curso primário em Assú e deu continuidade em

Natal, concluindo em 1886. Ingressou na Faculdade de Direito do Recife e recebeu o título de

bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais no dia 13 de dezembro de 1902. Participou de

entidades culturais e foi membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras, perpetuando a

tradição literária assuense como podemos notar no soneto Assú, na abertura desse capítulo.

Teógenes Augusto Caldas de Amorim concluiu o curso primário com o professor Antonio

Rodrigues Pereira da Silva, depois seguiu para Natal onde deu continuidade aos estudos

ginasiais. Irmão de Francisco Amorim e Palmério Filho, retornando ao Assú Teógenes

colaborou com o jornalismo local tomando parte ativa em 1898 na produção do periódico O

Vigia e gerenciou em 1923 o jornal A Cidade.

Nestor dos Santos Lima recebeu os estudos primários pela própria mãe, dona Ana

Souto Lima. Matriculando-se na Faculdade de Direito do Recife, formou-se bacharel em

Ciências Jurídicas e Sociais no ano de 1909. Afonso de Ligori Soares de Macedo fez as

primeiras letras com o próprio pai, Coronel Antônio Soares de Macêdo, na cidade do Assú.

Formou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito do Recife em

1910. Ainda no Assú, muito cedo demonstrou vocação para o jornalismo dirigindo em 1899,

com seu irmão, Américo Macedo, o periódico A Crença e colaborou nos jornais A Semana e

A Cidade. Viajando por vários lugares, Afonso Macedo prestou serviços em jornais do Rio

Grande do Sul, Pernambuco e na Bahia, onde faleceu em 1923.

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Mariano Coelho recebeu as primeiras letras pela própria mãe, a professora primária

Maria Bezerra da Rocha Varella Coelho. Cursou a Faculdade de Medicina da Bahia entre 1919

e 1924. Escreveu versos e poesias. Ezequiel Epaminondas da Fonseca Filho recebeu as

primeiras letras de seu pai, Ezequiel Epaminondas da Fonseca, e concluiu o curso primário em

Natal. Em Recife, iniciou o Curso de Farmácia, mas depois matriculou-se na Faculdade de

Medicina da Universidade do Rio de Janeiro onde recebeu o diploma de médico em dezembro

de 1925.

Como podemos perceber na narrativa dos personagens das famílias de elite citadas

anteriormente, depois de realizada a instrução primária no Assú, formaram-se em espaços mais

desenvolvidos do ponto de vista educacional. Também fica evidente que alguns deles deram

os primeiros passos no mundo das primeiras letras em suas casas e com os próprios

progenitores ou membros da família. De acordo com Ferreira (1999, p. 56), era recorrente nas

práticas educacionais e formativas das famílias dos intelectuais do Assú, “descendentes de

fidalgos portugueses e holandeses, que mesmo quando não recebiam uma educação em

instituições de ensino, a recebiam em suas próprias casas através de professores particulares”.

Outro fator importante que precisamos destacar é que enquanto estavam no Assú ou

depois de terem se formado em outros lugares e retornado para a cidade, esses intelectuais

participaram do desenvolvimento literário e cultural que ocorria na cidade. Os que retornaram

atuaram ativamente nesse contexto e os que se foram levaram para suas experiências em outros

lugares o que aprenderam no Assú sobre o jornalismo, a poesia e o gosto pelas artes como

verdadeiros valores estéticos, literários e intelectuais. Vasconcelos (1977, p. 63) constata que

os descendentes dessas famílias, “como aves de arribação, emigraram do seu natural habitat

para Natal e outras plagas, onde se fixaram, não perdendo, todavia, o amor pela poesia e nem

a inspiração nascida na adolescência, acalentada pela paisagem das palmeiras nativas”.

A continuidade das atividades literárias e culturais desses representantes em outros

territórios, que tiveram início em solo assuense, também contribuiu para a construção da

imagem da cidade como a Atenas Norte-rio-grandense. Expandir e levar a cultura local,

inclusive para fora do estado, foi significativo e essencial nesse processo de afirmação da

produção cultural e literária desenvolvida na pequena cidade sertaneja.

Entre os assuenses que se destacaram pelo contato com as primeiras letras e a

continuidade dos estudos secundários, podemos citar Luis Rosa, o menino que na década de

1870 empurrava a cadeira de rodas do professor Elias Souto. Nascido ao pé da Serra do Cuó,

no Assú, e filho de prestadores de serviços da família do professor, Luis Rosa recebeu a

incumbência de empurrar a cadeira de Elias Souto ainda muito criança e conduzia-o por todos

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os pontos da cidade. Ezequiel Fonseca Filho em texto Do folhetim Assú em Revista (1980, p.

20, grifo do autor) afirma que o menino Luiz Rosa tornou-se:

companheiro inseparável do mestre escola, do agente dos Correios, do

jornalista, do coletor da mesa de rendas, profissões que o professor Elias

Souto exerceu na vida. Nunca se afastava das traseiras da cadeira que

empurrava com brandura e extrema dedicação, parando onde lhe era

ordenado. Assim, o menino Luis Rosa, assistia as aulas do mestre, ajudava-o

na abertura das malas postais, ouvia a leitura dos artigos inflamados que

redigia contra João Carlos Wanderley que, por sua vez, não lhe poupava a

pele pelas colunas do “CORREIO DO AÇU”. Lia-os em voz alta e grande

entusiasmo.

Luis Rosa conviveu e foi educado no ambiente literário e militante de Elias Souto sem

se afastar da tarefa de empurrar o mestre para os seus afazeres. Com a mudança do professor

para Macau, onde fundou os jornais A Imprensa e O Macauense, o menino acompanhou-o. Até

mesmo depois que o professor se mudou para Natal e deu continuidade aos trabalhos no campo

da imprensa fundando na capital do estado o Jornal O Nortista, Luis Rosa não abandonou o

mestre. Ainda segundo Ezequiel Fonseca Filho, bebendo das fontes proporcionadas pelo

contato com Elias Souto e recebendo do próprio professor a formação das primeiras letras, o

ajudante:

matriculou-se no Atheneu quando Elias Souto já havia falecido. Continuou

seus estudos, aplicado e perseverante, qualidade que conquistara no convívio

de seu protetor e amigo.

Anos depois mudou-se para o Pará lá conseguindo-se bacharelar-se em

ciências jurídicas e sociais. Exerceu a função de promotor e mais tarde a de

Juiz de Direito de uma comarca do interior do Estado.

Luis Rosa da Silva, da família dos Rosas, ainda existente à margem direita do

Rio Açu, família humilde, pobre e analfabeta, sem representação social,

vivendo da agricultura e da vaqueirice, teve em Luis Rosa o seu elemento

destacado.

E não se diga que o homem não é o produto do meio. Se Luis Rosa, naquele

tempo, não tivesse sido o menino que empurrava a cadeira de rodas do

Professor Elias Souto, não há dúvida, seria um trabalhador de enxada. (ASSÚ

EM REVISTA, 1980, p. 20).

O texto de Ezequiel Fonseca Filho expressa a importância do contato com o processo

de escolarização para a formação e o sucesso do ser humano, mas, ao mesmo tempo, apresenta

uma visão excludente por parte de quem não participa do universo das letras, reforçando o perfil

da elite assuense que apresentamos no capítulo 2. Isso fica evidente quando o autor

marcadamente afirma a ideia de que a família do jovem Luis Rosa, composta por gente

“humilde, pobre e analfabeta” não teria nenhuma “representação social” e a possibilidade de

conviver num meio totalmente diferente do da família teria favorecido ao jovem o sucesso e

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ascensão profissional. Da mesma forma, se tivesse continuado no seio da família, com certeza

“seria um trabalhador de enxada”.

Anteriormente, havíamos citado a afirmação de Bezerra (2006, p. 4) em nosso trabalho

de que a Educação Primária desenvolvida entre os séculos XIX e início do século XX no Assú

seria um privilégio de poucos. No mesmo trabalho o pesquisador afirma que “saber ler naquela

época em Assú não tinha muita importância. Afinal, aprender a ler para quê? Para trabalhar na

roça, cuidar de gado, caçar e pescar? Em qual dessas profissões era necessário ser

alfabetizado?”. Porém, a partir das informações presentes no texto de Ezequiel Fonseca Filho

fica evidente que a pouca importância da educação presente na fala de Bezerra destinava-se

para os filhos das famílias pobres, dado que para esse grupo social o elemento formativo ou o

mundo das primeiras letras não teria muita finalidade ou serventia. De acordo com Frago (1993,

p. 38), “ainda que a alfabetização e a escola sejam instrumentos de controle, moralização e

disciplina, abrem opções e criam possibilidades que não existem em uma sociedade ou

indivíduos analfabetos”.

3.4 CASA DE CARIDADE E EXTERNATO SÃO JOSÉ: ESPAÇOS DE

ESCOLARIZAÇÃO NÃO OFICIAL

Diante da evidência excludente da Educação Primária na cidade do Assú, fica a dúvida

se os filhos de famílias humildes e pobres realmente não recebiam nenhum tipo de formação na

cidade e se estavam presentes no contexto local apenas para prestar serviços à elite. No intuito

de levantar possíveis investigações sobre esse contexto apresentamos a seguir dois modelos de

educação voltados diretamente, e indiretamente, para as classes mais pobres na cidade do Assú.

Apesar de existir uma formação elementar nesses espaços, é importante frisar que não foram

implantados a partir de uma legislação, caso das outras instituições primárias que nos propomos

a investigar. Começaremos apresentando a educação oferecida na Casa de Caridade e, logo

depois, no Externato São José.

A Casa de Caridade do Assú foi criada em 1862 pelo Padre Ibiapina, missionário

nascido em Sobral/CE, que atuava nos sertões do Nordeste colaborando com diversas obras de

evangelização e promoção social29. Essa instituição acolhia e dava instrução às moças pobres e

29 José Antônio de Maria Ibiapina, o Padre Ibiapina (1806-1883), nasceu em Sobral (CE), foi deputado, advogado

e juiz de direito. Aos 47 anos abandona a vida civil e se torna padre peregrinando pelos sertões do Nordeste,

evangelizando, e promovendo obras socioeducativas. Padre Ibiapina esteve no Ceará, Rio Grande do Norte,

Paraíba, Piauí e Pernambuco construindo açudes, cemitérios, capelas, cacimbas, igrejas, Casas de Caridade e

colaborando na fundação de municípios. Suas missões mobilizavam as populações por meio dos rituais religiosos

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órfãs. No período em que estavam na Casa de Caridade, as jovens recebiam ensinamentos de

primeiras letras, flores, labirintos, bordados e trabalhos domésticos, restringindo-se a uma

educação que visava prepará-las para adquirir habilidades características ao modelo de mulher,

esposa e mãe. Quando as acolhidas atingiam a idade de casar, o Procurador escolhia um rapaz

honesto, bom, cristão e trabalhador. Feita a escolha, os jovens eram apresentados na presença

do Procurador e da Superiora da instituição e se os dois se agradassem, o casamento era

realizado por conta da Casa de Caridade. A instituição era dirigida pelas Irmãs da Caridade e

mantida às custas do Patrimônio da Paróquia de São João Batista do Assú.

Apesar de se mostrar uma instituição importante para a formação de moças pobres e

órfãs, diversos registros do Livro de Tombo da Paróquia de São João Batista demonstram um

processo de decadência na manutenção e funcionamento da Casa de Caridade do Assú. D.

Antônio dos Santos Cabral e uma comitiva de sacerdotes realizaram uma visita pastoral a cidade

entre os dias 15 e 23 de julho de 1920. O registro feito pelo Padre Joaquim Honório da Silveira

apresenta o itinerário da visita, que contou com missas e pregações, assembleias, crismas,

comunhões, batizados e casamentos. Há também a citação de uma visita realizada na antiga

Casa de Caridade, fundada pelo Padre Ibiapina. O registro informa que a casa foi encontrada

em lamentável estado de desasseio e desorganização. Outro registro datado do dia 18 de

dezembro de 1923 notifica a presença de D. José Pereira Alves e mais uma visita à Casa de

Caridade destacando que a instituição estava à mercê do apoio do povo católico. (LIMA, 2002).

Amorim (1972), informa que no dia 14 de novembro de 1927 foi realizada uma

representação dramática muito aplaudida no Teatro Alhambra em benefício da Casa de

Caridade. A iniciativa dos jovens amadoristas promovedores da apresentação demonstrava seus

generosos propósitos de levar conforto e assistência às velhas Irmãs da Caridade, Teresa,

Dionísia e Isabel, que viviam há longos anos asiladas, entregues aos favores públicos. Amorim

registra que a Irmã Teresa Maria de Jesus Ibiapina ocupou o cargo de Regente da Confraria,

e mutirões de trabalho organizados para a execução das construções, desenvolvendo ideais de civismo e

produtividade. As Casas de Caridade figuram como as principais obras do Padre Ibiapina e congregavam todo um

ideal de vida que deveria ser seguido pelas irmãs e acolhidas. O modelo de formação empregado nas instituições

orientava-se por documentos elaborados pelo próprio Padre, pautado na orientação, regulação e moralização das

acolhidas com atividades como trabalho, fé e educação de primeiras letras, ancorado em noções de civilidade,

disciplina e utilidade social. Durante o itinerário de peregrinação do missionário foram construídas vinte e duas

Casas de Caridade distribuídas entre os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.

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exercendo seu magistério de amor ao próximo durante 67 anos, destacando de maneira

edificante seus pendores humanitários.

Mesmo que precariamente, essa instituição de atendimento as crianças pobres e

desvalidas continuou funcionando na cidade do Assú até 1948. Nesse ano foi fundado no dia

10 de outubro, no mesmo espaço, o Instituto Padre Ibiapina, com a finalidade de amparar os

menores pobres e abandonados. Recebeu essa denominação com o propósito de dar

continuidade aos ideias de promoção social empreendidas pelo Padre Ibiapina.

Por volta de 1908 ou 1909, contando quase duas décadas da implantação do governo

republicano, Sinhazinha Wanderley manteve com recursos próprios o Externato São José. Essa

escola funcionava na sala principal de sua casa, numa mesa grande com cadeiras ao redor que

serviam de assento aos alunos. A escola funcionava sem subvenção e atendia inclusive crianças

pobres dos sexos feminino e masculino. A proposta de ensino era elaborada pela própria

Sinhazinha. A professora enviava correspondências para livrarias de São Paulo solicitando

livros e material de ensino como cubos coloridos, alfabeto com animais e globo terrestre.

Segundo Pinheiro (1997, p. 131), nessas aulas ela distribuía lápis e caderno para as crianças e

“realizava passeios às margens do Rio Assu, ou do córrego existente naquela cidade, onde dava

aulas de Ciências e de Geografia. O percurso, durante o qual a professora e crianças entoavam

canções infantis, era feito a pé”.

Depois de suspensas as aulas da professora Luiza de França, Francisco Amorim passou

a frequentar a escola da professora Sinhazinha Wanderley e apresenta outros aspectos das

práticas pedagógicas da professora. De acordo com o memorialista (1982, p. 9), a poetisa e

musicóloga que já lecionava cheirando à pedagogia moderna “ensinou-me música e fez-me

aprendiz de flautim, chegando ao ponto de, sob sua batuta, tocar a muribeca, por ocasião de

uma missa consagrada à Nossa Senhora da Conceição”.

Mesmo sendo uma escola que funcionava com os próprios recursos da mestra e

independente de fazer parte de um grupo que tinha uma melhor condição social, Sinhazinha

recebia em sua escola crianças pobres e ricas, como é o caso de Francisco Amorim, filho do

único farmacêutico da cidade na época e irmão de Palmério Filho, proprietário de jornais.

Pinheiro (1997) chama a atenção para o fato de Sinhazinha ter sido uma pessoa muito

religiosa, inclusive, compondo hinos para serem cantados na igreja do Assú e sempre praticar

hábitos altruístas e solidários como doar leite para pessoas de comunidades carentes na cidade

ou abrigar em sua casa ex-funcionários da fazenda de sua família que estavam na velhice. Essa

formação humanitária da professora pode ser observada na atenção dedicada por ela à

necessidade de as crianças das classes mais populares também as primeiras letras.

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O fato de os registros e fontes da história do Assú sempre exaltarem os grandes

personagens da cidade e suas famílias abastadas dificultam a reconstrução da educação que

possivelmente teria sido ofertada para as crianças mais pobres. Nesse sentido, o registro da

história de Luiz Rosa, a presença da Casa de Caridade, a criação do Externato São José por

Sinhazinha Wanderley e a ausência de registros mais aprofundados sobre as camadas populares

evidenciam que as crianças mais pobres realmente ficavam à margem da educação oferecida

pelo poder público ou das escolas particulares, reforçando o caráter excludente tão perceptível

na cidade, como no caso da fonte de água, da iluminação e dos eventos festivos apresentados

no capítulo 2.

Também fica explícito que essas pessoas apresentaram pouca ou nenhuma contribuição

para a construção da identidade da cidade do Assú como Atenas Norte-rio-grandense que foi se

construindo desde a segunda metade do século XIX. As Escolas de Primeiras Letras existentes

na cidade durante o período imperial foram importantes pois colaboraram com a expansão

cultural e literária da cidade dado que alguns professores e diversos alunos estavam envolvidos

com o universo da imprensa, da poesia e da literatura, mas o público da classe social mais

simples não teve participação efetiva nessa expansão, ao menos durante o regime imperial. De

acordo com Pinheiro A. (2002, p. 29):

pode-se considerar que, no período imperial, a organização da sociedade civil

era ainda embrionária, e poucos eram os grupos sociais que dispunham de

capacidade organizativa para pressionar o Estado, visando à obtenção de

maiores investimentos para a educação, em geral, e, mais particularmente, para

a instrução pública escolar. Vale lembrar que, à época, o Brasil – cuja

economia era sustentada pela atividade agrária – tinha em seu imenso território,

que apresentava baixíssima densidade demográfica, um contingente

populacional rural elevado, boa parte do qual formado por escravos, sem

direito à escola. Diante dessas condições materiais, a instrução escolar não se

constituía em necessidade tão premente que suscitasse, nos grupos sociais

subalternos, movimentos reivindicatórios de acesso à escola.

No caso da cidade do Assú, que apresentava um contingente populacional rural elevado,

essa excludência se fazia evidente em apontamentos já levantados antes de que o processo de

alfabetização não teria utilidade para as pessoas trabalhadoras em atividades da roça, pecuária,

caça ou pesca. Dessa forma, a escolarização local seguia uma realidade presente em diversos

outros pontos do país onde o poder público não via necessidade em oferecer instrução para a

parcela mais carente da população, reproduzindo e mantendo, dessa forma “uma estrutura social

extremamente estratificada. A ‘multiplicidade’ de escolas deveria, portanto, restringir-se ao

mundo urbano e destinar-se àqueles cujas profissões exigissem, pelo menos, a habilitação

preliminar de saber ler e escrever”. (PINHEIRO, 2002, p. 30, grifo do autor).

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Frago (1993, p. 39), afirma que a posse da habilidade de ler e escrever é funcional para

um indivíduo quando ele faz uso dela:

seja por razões econômicas (comércio), profissionais (escrivãos, clérigos,

funcionários), ideológicas (proselitismo religioso ou político) ou de status (a

posse de livros e o conhecimento da escrita como símbolo de distinção social

entre aqueles que não necessitam dela econômica ou profissionalmente).

Parece-nos que esses apontamentos de Frago mantém uma relação com o recorte

temporal e espacial delimitado em nosso trabalho, pois, numa sociedade excludente como a

cidade do Assú ser alfabetizado pressupõe uma relação com um caráter econômico-profissional,

com a busca de status ou um perfil ideológico.

Essa realidade do Império ainda vigente na cidade mesmo durante a instituição da

Primeira República deixa entrever que as ideias e medidas educacionais tomadas na sede do

poder público nacional não eram de imediato adotadas nos lugares mais recônditos,

principalmente por estarem condicionadas aos interesses de grupos políticos e oligarquias

locais. As dificuldades presentes na consolidação da instrução pública caracterizam e reforçam

a perspectiva da história das ideias pedagógicas (SAVIANI, 2013), dado que a forma como a

instrução primária foi se estabelecendo no Rio Grande do Norte apresentou grandes processos

de lentidão, enfrentou dificuldades geradas pelo movimento do cria e extingue apontado por

Araújo (1979), se mostrou excludente até mesmo para pessoas livres e estava aquém das

propostas presentes nos documentos legislativos.

Frago (1993) considera que o fenômeno da história da alfabetização apresenta

complexidades e inter-relaciona-se com uma diversidade ampla de causas e efeitos que

expressam ligações com interesses e bases ideológicas de lugares, momentos históricos, grupos

sociopolíticos e sujeitos que motivam, legitimam, impulsionam ou freiam os modos e

procedimentos do processo de alfabetização em sua difusão temporal, espacial e social.

Para Souza (1998, p. 27), nas últimas décadas do século XIX intelectuais, políticos,

homens de letras e grandes proprietários rurais brasileiros manifestaram uma série de interesses

e para levá-los adiante “enfrentaram e debateram intensamente os problemas do crescimento

econômico do país, a transição para o trabalho livre, a construção de uma identidade nacional,

a modernização da sociedade e o progresso da nação”. Observamos que o novo momento de

consolidação da história da educação no país fez parte desse debate.

De acordo com Frago (1993, p. 32), um exemplo claro das ligações e interesses de

grupos dominantes ocorrem:

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já na segunda metade do século XIX, quando as exigências tecnológico-

produtivas, comerciais e de controle sócio-político (extensão do direito ao

voto), propiciaram uma maior atenção dos poderes públicos à educação

elementar e tornaram evidentes as vantagens de uma determinada

alfabetização”.

No contexto do final do regime imperial no Brasil, Saviani (2013, p. 164, grifo do autor),

aponta que a questão da escolarização e do voto do analfabeto foi amplamente discutida e estava

atrelada a interesses políticos, consubstanciando-se:

no projeto de reforma eleitoral apresentado pelo conselheiro José Antonio

Saraiva em 1880. Além das eleições diretas, o projeto preconizava a exclusão

do voto do analfabeto. Rui Barbosa pronunciou-se favoravelmente ao projeto

acreditando que esse dispositivo iria estimular o interesse pela difusão da

instrução; e, em consequência, os governos iriam agir de forma mais decisiva

investindo na abertura de escolas. Os que eram contrários ao projeto, cujo

principal porta-voz foi José Bonifácio, ‘o moço’, entendiam que o projeto

aristocratizava o voto e distorcia o processo eleitoral, pois reduzia o eleitorado

a uma pequena minoria da população do país. Mas a posição de Rui Barbosa

saiu vitoriosa e o projeto converteu-se na Lei Saraiva, aprovada em 9 de janeiro

de 1881. Como resultado da aplicação do novo critério, que condicionava o

exercício do voto ao domínio da leitura e da escrita, o corpo eleitoral foi

reduzido de 13% da população livre, em 1872, para 0,8% em 1886.

Retomando a atuação de Sinhazinha Wanderley no Externato São José apresentada por

Pinheiro (1997), chama-nos a atenção os métodos pedagógicos utilizados pela professora que

expressam as inovações pedagógicas difundidas por todo o Brasil com a reforma educacional

proposta pelo governo republicano presentes nos Grupos Escolares.

Nota-se a relação das práticas e do material utilizado nas aulas com o método intuitivo

que orienta a metodologia preconizada no funcionamento dos Grupos Escolares e tinha como

objetivo, como veremos mais adiante, desenvolver as habilidades e ampliar as dimensões de

ensino-aprendizagem dos alunos por meio da observação e dos sentidos. Inclusive, a própria

Sinhazinha Wanderley compôs o primeiro corpo docente do Grupo Escolar Tenente Coronel

José Correia, instalado na cidade do Assú em 1911. Dessa forma, o Externato São José pode ter

servido como um laboratório para a nova empreitada que a professora passaria a viver no campo

educacional na cidade do Assú.

Os Grupos Escolares já vinham estabelecendo em todo o Brasil um modelo emergente

de modernização da Educação Primária com novas propostas e características pedagógicas,

arquitetônicas, metodológicas e profissionais totalmente diferentes das vigentes durante o

período imperial. Tinham a finalidade de substituir as Escolas de Primeiras Letras que

funcionavam nas residências dos professores ou em outros ambientes insalubres, com métodos

e material pedagógico considerados ultrapassados e contando, muitas vezes, com professores

com pouca formação.

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Para Saviani (2013, p. 166), um grande entrave que dificultou a consolidação da

organização das Escolas de Primeiras Letras como uma ideia de sistema nacional de ensino

com normas e objetivos comuns no Brasil do século XIX encontra-se nas “condições materiais

precárias decorrentes do insuficiente financiamento do ensino”. Ainda segundo o autor, entre

os anos de 1840 e 1888 a média anual de recursos financeiros investidos na educação foi uma

cifra irrisória de 1,8% do orçamento governamental. Desse valor, uma média de 0,47% foi

destinada para a instrução primária e secundária.

Ficava como herança para o governo republicano, portanto, a responsabilidade de

direcionar mais investimentos para a instrução pública com destaque para a Educação Primária.

No âmbito de inovações urbanas, o governo republicano atenta para uma série de mudanças no

próprio espaço das cidades, cenário determinado para o intento da visibilidade de um novo

momento da história política do país.

De acordo com Moreira (2005, p. 24) uma das metas principais era trabalhar nas cidades:

com o imaginário social para fazê-la símbolo dos novos tempos do país, tirando

partido dos elementos que alimentavam esse imaginário coletivo – os serviços,

os transportes, o incremento do consumo e do lazer citadino -, na perspectiva

de favorecer a assimilação da cidade, como centro irradiador da novidade, da

civilização.

Como vimos no capítulo 2, dadas as suas proporções de pequena cidade sertaneja, no

Assú vinham sendo sedimentadas algumas transformações que apontavam para esse novo

momento vivido em todo país por meio da implantação da iluminação elétrica, do

abastecimento de água, do calçamento de ruas, dos teatros, das reformas em logradouros

públicos como o mercado, o cemitério, a sede da intendência municipal, entre outros. Silva

(2010, 47), assinala que essas mudanças:

denotam ao mesmo tempo a intenção de modernização e o desejo da elite local,

que se encontrava a frente da estrutura administrativa da cidade de Assú, em

garantir sobre seu espaço (a cidade) a inserção de novidades consideradas para

a época como elementos integrantes de uma cultura moderna.

Além das transformações urbanísticas, a própria mudança de mentalidade do povo

brasileiro era uma exigência nesse momento. Sentir-se parte da pátria e contribuir com o

desenvolvimento da nação são premissas essenciais para formar um cidadão praticante de

hábitos voltados para a ordem e o progresso do país. Os Grupos Escolares surgem como espaço

ideal para a concretização desse projeto.

Esse novo modelo é instalado na cidade do Assú e abre uma nova página da história da

Educação Primária na cidade. Consideramos os questionamentos de como esse espaço de

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escolarização contribuiu ou participou da vida literária e cultural da Atenas Norte-rio-

grandense, como foi implantado e o público alvo atendido, reflexões que levantaremos nos

próximos capítulos.

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HINO OFICIAL DO GRUPO ESCOLAR

TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA30

(Ezequiel Wanderley)

Por entre o calor de palmas

Que alguma coisa traduz

Vamos abrir nossas almas

Para o batismo da luz

Estribilho

Quanta luz, quanta grandeza,

Na terra de nossos pais

Orlado pela beleza

Dos verdes carnaubais

É bem preciso estudarmos

Em nossa quadra infantil

Para assim glorificarmos

Pelo amor nosso Brasil

Há dentro de nossas história

Radiante de um povo herói

Feitos cobertos de glória

Que o tempo jamais destrói.

30 Transcrito de Fonseca Filho, (1984, p. 122).

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4 GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA: ESPAÇO DE

MODERNIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA

Com a Proclamação da República, em 1889, a educação popular continuava sob a

responsabilidade das antigas províncias, que passavam a ser denominadas de estados. O Decreto

n° 981, de 8 de novembro de 1890 assinado por Benjamin Constant instituía a reforma dos

ensinos primário e secundário. Apesar de estar restrito ao Distrito Federal, o documento poderia

apresentar-se como uma referência para a organização do ensino nacional. Porém, Saviani

(2013, p. 165) afirma que essa reforma, que pretendia conciliar estudos literários e científicos,

recebeu diversas críticas e “a tentativa mais avançada em direção a um sistema orgânico de

educação foi aquela que se desenvolveu no estado de São Paulo”, lançando em 8 de setembro

de 1892 a Lei n° 88.

Embora a reforma promulgada por esse documento abrangesse todos os setores da

instrução pública, o foco do documento era a Educação Primária e a grande novidade veio com

a instituição dos Grupos Escolares representando um momento de modernização do ensino no

Brasil dado que a estrutura das escolas de primeiras letras:

eram classes isoladas ou avulsas e unidocentes. Ou seja, uma escola era uma

classe regida por um professor, que ministrava o ensino elementar a um grupo

de alunos em níveis ou estágios diferentes de aprendizagem. E essas escolas

isoladas, uma vez reunidas, deram origem, ou melhor, foram substituídas pelos

grupos escolares. (SAVIANI, 2013, p. 172).

Esse modelo educacional tomou forma no Estado de São Paulo a partir de 1894 com a

criação do Grupo Escolar Escola-Modelo da Luz (MOREIRA, 2005, p. 93) e era constituído

pela reunião ou agrupamento de três ou mais escolas regidas cada uma por um professor,

compreendendo cursos infantil, elementar e complementar, sob a direção de um diretor e se

consolidou em todo o Brasil.

De acordo com Araújo (1979, p. 98, grifo da autora), no Rio Grande do Norte a Diretoria

da Instrução Pública passava por reformulações nos últimos anos do regime imperial com uma

organização que trazia algo de novo e legava à República:

uma incipiente complexidade de órgãos que já começavam a exigir

especialização e treinamento. O ‘cria e extingue’ habitual de nossa política

escolar ou a falta desta, com os costumeiros movimentos de centralização e

pseudodescentralização, como se vê, inquinou não só a vida das escolas, mas

também a vida dos organismos de administração.

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Nos primeiros anos da República ocorre no estado uma proposta de municipalização do

ensino que inicialmente tirava do poder público estadual a competência pelo ensino e

apresentava um projeto de organização com os municípios. Porém, o estado ia transferindo

lentamente para os municípios a maior parte dos encargos relativos à educação. Por sua vez, os

municípios não tinham condições financeiras de manter o aparato escolar, mas sentiam a

necessidade de conservar essa situação para fins eleitoreiros, dependendo, dessa forma, das

dádivas do governo estadual.

A medida de competência mista citada anteriormente foi substituída pela Lei n° 131, de

13 de setembro de 1899 passando para os munícipios a responsabilidade pelo provimento da

instrução primária e o pagamento dos vencimentos dos professores. Ao governo do Rio Grande

do Norte caberia a concessão de uma subvenção de 600$000 anuais por cadeiras existentes nos

municípios e continuaria pagando aos professores pertencentes ao quadro do magistério antes

da instituição da Lei. (ARAÚJO, 1979).

A situação da educação potiguar se mostrava drástica nos primeiros anos da República

e a desorientação administrativa tornava-se evidente exigindo tomadas de posição eficientes.

Em 22 de novembro de 1907 foi instituída a Lei n° 249 autorizando uma reforma na Instrução

Pública do Estado. Em abril de 1908 o Decreto n° 178 trouxe novas oportunidades para a escola

potiguar. Segundo Araújo (1979, p. 118):

As mudanças que se prenunciavam pela Lei n° 249, de 22 de

novembro de 1907, serão concretizadas pelo Decreto N° 178, de 29 de abril

de 1908 – a chamada Reforma Pinto de Abreu31, que imprimiu novos rumos

à instrução estadual. Na sua execução, suprimiram-se todas as cadeiras

primárias mantidas pelo Estado, sendo postos em disponibilidade os

serventuários inadaptáveis aos novos métodos, e, em seu lugar, foram

criados, com novos professores escolhidos para sua manutenção, os

chamados Grupos Escolares.

O primeiro Grupo Escolar do Rio Grande do Norte foi instalado na cidade de Natal. O

Grupo Escolar Augusto Severo foi criado pelo Decreto n°174, de 5 de março de 1908, no

exercício do governo de Antônio José de Souza e Melo (1907- 1908). No ano seguinte foi

instalada a Reforma da Instrução Pública (Lei n. 284, de 30 de novembro de 1909) na

perspectiva de estabelecer diretrizes para o sistema de ensino público, no âmbito do ensino

primário, secundário e normal, sob a responsabilidade do governo estadual. De acordo com o

31 Pinto de Abreu foi o autor intelectual dessa reforma e deu uma nova orientação ao ensino potiguar. Por ser um

grande entusiasta e ter introduzido os princípios do método intuitivo na Educação Primária do estado ficou

conhecido como o Pestalozzi potiguar.

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Decreto n° 198, de 10 de maio de 1909, o Grupo Escolar Augusto Severo passa a servir de

Escola-Modelo para outros grupos construídos no estado. (MOREIRA, 2005).

Em 15 de dezembro de 1910 foi lançado o Decreto n° 239 organizando o ensino público

oficial do Rio Grande do Norte que seria dividido em curso primário, com escola infantil e

elementar, curso normal, curso geral e ensino profissional de agronomia, zootecnia, comércio,

indústria, agrimensura e belas-artes. Posteriormente, são lançados outros documentos

apresentando algumas alterações no Código de Ensino estadual, como o Decreto n° 261, de

28 de dezembro de 1911, a Lei n° 359 de 22 de dezembro de 1913 e a Lei n° 405, de 29 de

novembro de 1916, todos assinados pelos governadores. Todavia, Araújo (1979, p. 123)

esclarece que esses documentos “não apresentarão inovações especiais: serão meras

arrumações administrativas tendentes a estabelecer precedências e vantagens”.

Apenas em 15 de maio de 1925, com a criação do Departamento de Educação sob a

direção geral de Nestor dos Santos Lima, é lançado o Regimento Interno dos Grupos

Escolares. Esse documento orienta o funcionamento desses estabelecimentos em todo o

estado, o comportamento dos funcionários administrativos, professores e alunos, os programas

de ensino e horários, entre outras informações.

A partir da criação do Grupo Escolar Augusto Severo, outros grupos serão construídos

em terras potiguares. No entanto, assim como aconteceu nas Escolas de Primeiras Letras do

regime imperial, a instituição do novo modelo de Educação Primária passa por uma série de

reveses para ser implantado no Rio Grande do Norte, inclusive, enfrentando o movimento do

cria e extingue que era tão característico no governo anterior. De acordo com Araújo (1979,

p. 126):

no ato da criação, os grupos quase sempre foram constituídos de escolas

masculinas, femininas e mistas. Muitas, depois, ficavam somente com uma

escola. O Grupo Escolar Quintino Bocaiuva32, por exemplo, criado em 1914,

foi paulatinamente extinguindo cadeiras, até necessitar de novo decreto de

criação, em 1924. As estatísticas apresentadas em 1920 atestavam a

existência de trinta e dois grupos, para, mais tarde, José Augusto, em sua

mensagem de 1° de novembro de 1924, citar apenas quinze grupos: Natal

(Augusto Severo e Frei Miguelinho), Mossoró, Macaíba, Ceará Mirim, Nova

Cruz, Açu, Caicó, Penha, Macau, Caraúbas, Martins, São José, Santa Cruz e

Goianinha. O Governador Juvenal Lamartine, em sua mensagem de 1930,

apontava vinte e um grupos, com uma matrícula de 4881 alunos.

Apesar das visíveis dificuldades nos primeiros anos de implantação dos Grupos

Escolares eles se consolidaram porque também faziam parte do projeto de modernização do

32 O Grupo Escolar Quintino Bocaiuva foi implantado na cidade de Santa Cruz a partir do Decreto n° 26, de

07/12/1914.

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estado, juntamente com outros aspectos de melhoramento como “a abertura de estradas, a

construção de linhas férreas, o aformoseamento de praças e ruas, a iluminação elétrica e as

práticas de higienização e civilidade da população”. (SILVA, 2011, p. 56).

Moreira (2005, p. 110), ainda considera que a consolidação desses novos espaços de

escolarização estavam “intrinsecamente relacionadas às demandas políticas e às diferentes

práticas econômicas” desenvolvidas nas regiões de implantação, visivelmente correlacionadas

“às localidades inscritas nas áreas da produção do açúcar e do algodão”, núcleos mais

representativos do Rio Grande do Norte e mais fortes politicamente33.

4.1 GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA: UM ESPAÇO EM

SINTONIA COM OS IDEAIS DE ORDEM E PROGRESSO

Como havíamos destacado no capítulo 2, nas primeiras décadas do século XX a cidade

do Assú apresentava importantes aspectos de transformações e a implantação do novo modelo

de funcionamento da Educação Primária proposta pelo governo republicano acontece

exatamente dentro do progresso econômico e desenvolvimento cultural e literário da cidade,

que passava a ser conhecida como Atenas Norte-rio-grandense.

Fazendo parte das mudanças e inovações aplicadas no contexto urbano e nos serviços

públicos, os Grupos Escolares simbolizavam uma educação pública de qualidade para a

população e expressava um modelo de pedagogia moderna do ideário republicano, em sintonia

com as propostas de transformação que circulavam por todo o país. De acordo com Bezerra

(2010, p. 84):

A euforia da sociedade assuense na busca para desenvolver o

município e ter condições de acompanhar o ritmo do Estado e do País era

surpreendente. A alta estima do povo era algo louvável, digno de

reconhecimento pela história.

A cidade já contava com Blocos Carnavalescos de Rua (1902); Bandas de

Música; Grupos de Teatro; Grupos Folclóricos os quais se apresentavam

quando das festas juninas e natalinas; diversos jornalistas, poetas, músicos e

artesãos os quais tinham a palha de carnaúba como matéria prima.

Economicamente, o algodão e a cera de carnaúba já despontavam com suas

primeiras grandes produções para exportações. O jornal A República, no ano

de 1908, informou que o Rio Grande do Norte tinha participado da Exposição

Nacional de Produtos e que a produção de cera de carnaúba do Estado,

naquele ano, tinha sido de 324.500 quilos destacando que o Assú sozinho

produziu 160 mil quilos.

33 Nos trabalhos de Araújo (1979) e Azevedo e Stamatto (2012) encontramos a informação de que o Grupo Escolar

Tenente Coronel José Correia foi o 15° grupo implantado no Rio Grande do Norte. No trabalho de Moreira (2005)

a informação é de que seria o 14°. Entendemos que a divergência de posições apresentadas nos trabalhos não

diminui a importância que a cidade do Assú vinha conquistando no contexto econômico, político e cultural do

estado.

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Mas toda esta empolgação carecia de algo capaz de assegurar a elevação não

só cultural, mas, acima de tudo a formação educacional da juventude

assuense.

A ideia de implantação de um Grupo Escolar na cidade do Assú se deu a partir de 1910

sob a iniciativa do juiz de Direito José Correia de Araújo Furtado. Diante dos sinais de

progresso pelos quais a cidade passava, José Correia percebeu o quanto era necessário um local

apropriado que pudesse oferecer instrução primária de qualidade para a população e realizou

campanhas comunitárias para levar adiante o empreendimento. Bezerra (2006, p. 4) apresenta

as seguintes informações:

O então Juiz de Direito da Comarca do Assú, Tenente Coronel José

Correia, vendo a necessidade de a cidade dispor de um espaço físico para

implantar uma instituição educacional para o ensino primário de crianças e

jovens, encampou uma campanha para levantar recursos em prol das

instalações de uma escola. Decorridos poucos meses de luta adquiriu, com o

apoio de fazendeiros, amigos e a participação de influentes senhoras da

comunidade, um prédio para funcionamento da primeira escola pública.

O intendente municipal à época era o coronel Antônio Saboya de Sá Leitão (1908-1913),

e vinha desenvolvendo importantes obras no espaço urbanístico da cidade, como a construção

da fonte pública, a reforma do edifício da Intendência Municipal e do mercado público,

ampliação do calçamento das ruas da cidade, instalação da iluminação pública movida a

querosene, organização da charanga musical e abraçou a ideia da implantação de um Grupo

Escolar no Assú, “sendo esse um acontecimento de alto relevo para a cidade, que já necessitava

de um estabelecimento de ensino à altura do seu desenvolvimento e da sua elevação

demográfica”. (AMORIM, 1982, p. 44). A administração da construção do Grupo Escolar ficou

sob a responsabilidade do capitão Sebastião Cabral de Macedo.

De acordo com Silva (2004, p. 53), “os municípios que apresentavam interesse em

instalar uma escola desse porte precisavam assumir o compromisso com as despesas da

construção do prédio”. Além disso, a criação de um Grupo Escolar poderia ser solicitada pelo

intendente do município, associações ou particulares, que se responsabilizavam pelo pagamento

do porteiro-zelador, das despesas materiais e de expediente, como a conservação do prédio e o

mobiliário. O governo estadual se responsabilizava pela nomeação e remuneração do

professorado.

Durante a administração do Governador Alberto Maranhão foi lançado no dia 11 de

agosto de 1911 o Decreto n° 254 criando “na cidade do Assú um Grupo Escolar denominado

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Tenente Coronel José Correia34, comprehendendo duas escolas elementares, uma para cada

sexo e uma mista infantil”. (RIO GRANDE DO NORTE, 1911). Demonstrando o envolvimento

do povo assuense com os ideais patrióticos que tomavam conta do país à época “suas portas

foram abertas na data em que se comemorava a Independência do Brasil” (BEZERRA, 2006,

p. 5), no dia 07 de setembro de 1911.

Os Grupos Escolares representam um novo momento das ideias pedagógicas no

contexto da história da educação brasileira. Todo o processo de escolarização presente nesse

espaço é pensado com a finalidade de romper com a imagem arcaica e tradicional dos modelos

e métodos das Escolas de Primeiras Letras do período imperial. Os Grupos Escolares se

mostravam como uma instituição escolar com traços marcantes, dispondo de grande aparato de

inovações pedagógicas e tinham a finalidade de construir uma nova identidade nacional e um

perfil de povo civilizado e letrado formando cidadãos amantes da ordem e do progresso35.

Pinheiro (2002, p. 140) esclarece que esses espaços de funcionamento da Educação

Primária apresentavam como principais características físicas:

prédios escolares, projetados com base na racionalização do espaço interno,

com várias salas de aula, sala de direção, sala dos professores, secretaria,

laboratórios didáticos, museu, biblioteca, áreas de recreação de cuja

configuração constavam pátios internos, jardins, largos, refeitório e/ou cantina,

quadra para jogos e, posteriormente, campo de futebol.

O programa de ensino empregado nos Grupos Escolares seguia o modelo da escola

graduada, por meio do qual se esperava alterar padrões antes existentes e atingir a

homogeneidade no ensino brasileiro. A graduação do ensino levava a uma eficiente divisão do

trabalho e da uniformidade escolar ao formar classes com alunos do mesmo nível de

aprendizagem, possibilitando um melhor rendimento. Segundo o artigo 8° do Regimento

Interno dos Grupos Escolares (RIO GRANDE DO NORTE, 1925, p. 7), o curso graduado

constava de seis anos, “sendo dois infantis, ou de iniciação, dois elementares, ou de

desenvolvimento e dois complementares, ou de integração, por sua vez divididos em duas

classes correspondentes a cada um anno do curso”.

De acordo com Saviani (2013, p. 172), essa nova organização do ensino “implicava uma

progressividade da aprendizagem, isto é, os alunos passavam, gradativamente, da primeira à

34 Aos grupos escolares eram atribuídos nomes de homens que ocuparam cargos públicos, senadores, deputados,

políticos, barões e coronéis, perpetuando a memória dessas autoridades ilustres. 35 De acordo com Pinheiro (2002, p. 162, grifos do autor) “A partir da implantação do regime republicano [...], a

questão educacional ganhou progressiva centralidade política nos discursos da elite brasileira, chegando, inclusive,

a dar o ‘tom’ nas campanhas eleitorais. ‘Educar o povo’ passou a constituir uma das metas mais importantes a ser

alcançada por gestores públicos”.

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segunda série e desta à terceira até concluir a última série [...] com o que concluíam o ensino

primário”. O Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia iniciou suas atividades com a

matrícula de 90 alunos: 30 na classe infantil, 30 na classe elementar feminina e 30 na classe

elementar masculina. O curso complementar foi criado na instituição em 1924.

Os elementos presentes nesse espaço institucional nos remetem a Magalhães (2004, p.

58). Segundo esse teórico:

A ideia de instituição consagra uma combinatória de finalidades, regras e

normas, estruturas sociais organizadas, realidade sociológica envolvente e

fundadora, relação intra e extra-sistémica; é, por consequência, uma ideia mais

ampla e mais flexível do que a de sistema. Consagra ainda a ideia de

relação/comunicação e de categoria social, como condições instituintes que, no

plano educativo, compreendem alteridade, autonomização, participação e

implica materialidade, representação, apropriação, normatividade.

Amorim (1982, p, 44), contando com 12 anos na época da implantação do Grupo Escolar

Tenente Coronel José Correia, recorda que a solenidade de inauguração “foi por demais festiva

e teve seleto comparecimento”. A festa foi destaque na matéria intitulada A Reforma da

Instrução Pública, do Jornal A República, importante veículo de comunicação de Natal com

circulação em todo o Rio Grande do Norte. A sessão inaugural contou com a participação de

algumas autoridades como o coronel Antônio Sabóya de Sá Leitão, presidente da Intendência

e representante do Governador do Estado; Dr. José Correia de Araújo Furtado, juiz de direito;

coronel Antônio Soares de Macedo; capitão Ezequiel Epaminondas da Fonseca, delegado

escolar; Palmério Filho e Otávio Amorim, representantes da cidade; além de distintas famílias

e cavalheiros. (A REFORMA DA INTRUÇÃO PÚBLICA, 1911).

Segundo a matéria, a festa de inauguração contou com uma série de discursos

exaltando o modelo de educação proposto pelo ideário republicano. Em seu discurso, por

exemplo, o professor Amphilóquio Câmara abriu a sessão de inauguração enaltecendo a

reforma da instrução pública realizada na época pelo governador Alberto Maranhão e

mostrava “os erros e prejuízos existentes no sistema de ensino de outrora e os meios de evita-

los”, referindo-se ao modelo educacional aplicado no período imperial, “passando em seguida

a dissertar sobre as três espécies de educação, física, moral e intelectual e explicando como

deveria ser ministrado o ensino moderno nos Grupos Escolares”. No encerramento da sessão,

o professor Amphilóquio Câmara “congratulou-se com o povo assuense pela inauguração do

Grupo Escolar, que vinha a ser um atestado bem eloquente do amor e dedicação dados aquela

terra pelos espíritos esclarecidos e progressistas do Dr. José Correia e Cel. Antônio Saboya”.

(A REFORMA DA INTRUÇÃO PÚBLICA, 1911).

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O discurso do professor Amphilóquio destaca a importância dada em todo o país aos

Grupos Escolares como espaços pedagógicos modernos e expressa a dedicação e visão dos

ideais progressistas que tomavam conta dos representantes políticos no início do século XX,

principalmente em relação aos documentos que reestruturavam a instrução primária e

orientavam o funcionamento dos Grupos Escolares.

A exposição do professor sobre as três espécies de educação ofertadas nos Grupos

Escolares, por exemplo, está embasada no Decreto n° 239, de 15 de dezembro de 1910.

Segundo o artigo 9° do documento (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p. 120) “a instrução

infantil e elementar, será proporcionada às condições physio-psychologicas do educando, com

o tríplice fim intelectual, moral e physico, consoante á pedagogia experimental e processos da

pedagogia”.

4.2 DIRETORES E PROFESSORES: NOVAS ATRIBUIÇÕES

As inovações do ensino presentes nos Grupos Escolares diferenciavam-se das Escolas

de Primeiras Letras por contar com um corpo de funcionários comprometidos com a qualidade

da educação, que deveriam trabalhar respeitando as orientações estipuladas nos documentos

reguladores. Souza (1998, p. 62), enfatiza que os Grupos Escolares foram “responsáveis por

uma nova organização do trabalho e pela distribuição interna do poder dentro da escola”.

Magalhães (2004, p. 144), chama a atenção para as relações e hierarquias estabelecidas

entre os sujeitos e agentes das instituições educativas. Segundo ele:

na área pedagógica e didática, a relação entre professores, alunos e

funcionários é fundamental (sendo contudo central a relação entre o corpo

docente e o discente). Na área de direção e gestão, quer os alunos quer os

professores, enquanto docentes, são secundados ante os órgãos de

administração, chefia e poder.

Como veremos mais adiante, os Grupos Escolares favorecem uma nova maneira do

fazer pedagógico e as relações entre professores e alunos. Mas, do ponto de vista hierárquico é

entronizada a figura do diretor, “desconhecida nas escolas primárias durante os anos do Rio

Grande do Norte imperial” (ARAÚJO, 1979, p. 136), que assumiu a organização central dos

processos desenvolvidos na escola.

Segundo o artigo 123° do Decreto n° 239, de 15 de dezembro de 1910 (RIO GRANDE

DO NORTE, 1910, p. 135) competia ao diretor dos estabelecimentos de ensino uma série de

funções: representação oficial nas relações externas; direção geral das cadeiras para regular o

funcionamento; representar contra funcionários faltosos e aplicar penas regulamentares; velar

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pela conservação e utensílios do prédio; requisitar fornecimento de material e expediente ao

poder competente; encerrar diariamente o livro de ponto marcando as faltas; organizar no

último dia de cada mês a folha de pagamento do pessoal, mencionando as faltas e seus motivos;

apresentar relatório anual do movimento da repartição e fazer cumprir as leis do ensino e as

instruções da Diretoria Geral.

Os documentos posteriores apresentam outras atribuições para o diretor dos Grupos

Escolares. Além das funções administrativas, o artigo 26° do Decreto n° 239, de 15 de dezembro

de 1910 (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p. 122) orientava que “a direção dos grupos

escolares, até o máximo de cinco escolas, pertence a um dos professores, indicado ao Governo

pelo Diretor Geral, com Direito á gratificação adicional constante da tabela”. Apenas os grupos

com mais de seis escolas seriam administrados por um professor diplomado que não era

obrigado a assumir uma classe.

Luiz Correia Soares de Araújo assumiu a cadeira masculina elementar e esteve à frente

da direção do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia até 1913. Em seu discurso durante

a sessão de inauguração do Grupo Escolar, o professor Amphilóquio Câmara parabenizava a

“família assuense pela aquisição de Luiz Soares para professor do grupo, no qual folgava de

ver um verdadeiro amante da instrução e que na escola, ele seria um verdadeiro continuador da

obra do lar”. (A REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1911). O destaque dado ao

professor Luiz Soares como diretor e professor do Grupo Escolar expressa a relação existente

entre escola e família para que o ensino fosse eficiente e obtivesse resultados satisfatórios36.

Nascido em Assú, Luiz Soares formou-se pela Escola Normal de Natal e foi o orador da

primeira turma de diplomados da instituição tornando-se “uma notável vocação de educador,

que se projetou pela vida toda”. (NONATO, 1988, p. 150). Iniciou suas atividades no magistério

em 1911 no Grupo Escolar Almino Afonso, em Martins, e foi removido no mesmo ano para o

Assú. Luiz Soares era bisneto do patrono do Grupo Escolar da cidade, Tenente Coronel José

Correia de Araújo Furtado, participante da junta do Governo Provisório da Província na

primeira metade do século XIX, como mostramos no capítulo 2, e primo do juiz de direito, José

Correia de Araújo Furtado, idealizador da construção do Grupo Escolar no Assú37. Depois de

sua atuação no Assú, foi designado em 1913 para Natal onde dirigiu por diversos anos o Grupo

36 Alguns anos depois, o professor Alfredo Simonetti expressa que “a missão do professor primário cada vez mais

se evidencia, não só porque o seu fito é espalhar por toda a parte a luz intensa do abecedário como também porque

é seu mister amoldar os caracteres infantis, lapidar estes diamantes ainda não lapidados, contribuindo para a

fortaleza da família e consequentemente a grandeza da pátria”. (PINHEIRO, 1997, p. 143). 37 A prática de repetir os nomes nos familiares descendentes era comum no Assú. Pesquisando esse período

encontramos essa realidade em várias famílias.

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Escolar Frei Miguelinho, a Escola Profissional e colaborou com a fundação e a expansão do

escotismo no Rio Grande do Norte recebendo a comenda Tapir de Prata, a mais alta insígnia

mundial do escotismo38.

Outros diretores do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia dentro do nosso recorte

temporal e que obtemos informações de suas atuações foram João Celso Filho (1913-1918) e

Alfredo Simonetti (1923-1930).

João Celso Filho cursou o ensino primário na cidade do Assú. Em 1906, partiu para a

cidade de Maracanã, no Pará, onde submete-se a concurso para Fiscal do Consumo, sendo

aprovado. Participou da vida intelectual do estado fundando o jornal Hebdomadário de

Maracanã, com uma brilhante atuação no jornalismo e na poesia a ponto de vencer um concurso

patrocinado pelo governo estadual com a poesia Terra Bendita, publicada em 1911 no livro

de mesmo nome. Em 1912, abandona o cargo e retorna ao Assú para assumir funções no Grupo

Escolar Tenente Coronel José Correia, onde, segundo Amorim (1965, p. 67) deixou “traços

inapagáveis da sua atuação em proveito da mocidade”. Vasconcelos (1977, p. 41) recorda que

o professor João Celso Filho dedicou-se à advocacia com “marcante atuação no foro desta e das

comarcas circunvizinhas, ganhando renome e conceito durante a sua longa militância nos meios

forenses do Rio Grande do Norte”.

Alfredo Simonetti nasceu em Natal no dia 24 de outubro de 1900 e formou-se em 1920

pela Escola Normal de Natal. O professor iniciou no ensino primário no mesmo ano quando foi

nomeado para o Grupo Escolar Moreira Brandão, na vila de Goianinha, e em 1923 foi

promovido como professor do curso complementar do Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia. Como diretor, criou uma biblioteca infantil39. Chegando ao Assú ainda moço, casou-

se com Maria Augusta de Sá Leitão, irmã da professora Clara Carlota de Sá Leitão. Ainda atuou

como poeta, jornalista, animador cultural e escreveu algumas peças de teatro.

Mudou-se para Mossoró em 1930, passando a atuar como professor e diretor da Escola

Normal da cidade. Somente em 1935, foi nomeado por concurso efetivo para reger as cadeiras

de pedagogia e pedologia desse estabelecimento. Ainda em 1933, assumiu o cargo de inspetor

das escolas públicas do Assú, Macau, Areia Branca, Mossoró, Augusto Severo (Campo

38 Luiz Correia Soares de Araújo administrou a Federação Norte-rio-grandense de Desportos, onde inaugurou o

Estádio Juvenal Lamartine, em 1929, e contribui decisivamente para “a criação da Policlínica do Alecrim, que

hoje tem seu nome, e para a criação da Faculdade de Farmácia e Odontologia e a de Direito de Natal. Foi vereador

em Natal e presidente da Câmara. Sócio da Associação dos Professores e do Instituto Histórico, do Conselho de

Educação e Cultura, da Academia Potiguar de Letras”. (SILVEIRA, 1995, p. 31). 39 O Regimento Interno dos Grupos Escolares (1925) orienta a criação de uma biblioteca nos Grupos Escolares

com o objetivo de incentivar a cultura dos alunos ou de pessoas estranhas que possam acessá-la com a permissão

do diretor.

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Grande), Santana do Matos e Flores (Florânia). Raimundo Nonato, memorialista mossoroense,

descreve que o desempenho do professor Alfredo Simonetti e sua ação na escola “foi assim,

como uma espécie de aticismo de claridade fixadora e espontânea, de sensação do respeito à

disciplina, de atos enérgicos, de força moral e persuasão pessoal que revestiam todas as suas

manifestações e atitudes humanas”. (SIMONETTI, 1995, p. 31).

Além do professor Luiz Correia Soares de Araújo, na primeira turma de docentes do

Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia foram empossadas as professoras Clara Carlota

de Sá Leitão e Maria Carolina Wanderley Caldas (Sinhazinha Wanderley) e o porteiro-zelador

Manoel Marcolino Filho40.

Clara Carlota de Sá Leitão e Sinhazinha Wanderley faziam parte de famílias tradicionais

da cidade do Assú. No Grupo Escolar, foram nomeadas provisoriamente para assumir as

cadeiras feminina elementar e infantil mista, respectivamente. As professoras não tinham

titulação formal na época da criação do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia. Para

assumirem o cargo efetivo era exigida a formação profissional do ensino primário que deveria

ser realizada num curso oferecido pela Escola Normal com prática de estágio no Grupo Escolar

Augusto Severo, em Natal. De acordo com Pinheiro (1997, p. 133) o curso normal contava com

quatro anos de duração, sendo que:

ao concluir o último ano, o aluno aprovado requeria a prova de capacitação

profissional, a qual lhe dava o diploma de professor primário em regime

efetivo, em qualquer Grupo Escolar do Estado do Rio Grande do Norte. Os

professores atuantes em grupos escolares que funcionavam no interior do

Estado, e em regime de contrato provisório, poderiam solicitar ao Diretor Geral

de Instrução, cargo hoje correspondente ao de Secretário de Educação, a

inscrição nos exames de habilitação.

Dessa forma, no ano de 1918 as professoras fazem o pedido de requerimento de

inscrição nos referidos exames de admissão e enfrentaram uma longa viagem que durou três

dias, a cavalo, de Assú para Taipu, onde pegariam o trem para Natal e prestariam os exames de

capacitação. As provas foram realizadas entre os dias 10 e 14 de janeiro de 1918 por uma

comissão composta pelos professores Ivo Cavalcante, Cônego Estevam Dantas, Theódulo

Câmara, Tavares Guerreiro e Luiz Correia Soares de Araújo, antigo colega de trabalho das

professoras. Maria Carolina Wanderley Caldas e Clara Carlota de Sá Leitão receberam seus

títulos de professoras primárias e permaneceram no Grupo Escolar do Assú até meados da

década de 1950.

40 Manoel Marcolino Filho atuou como oficial de justiça e tornou-se uma figura muito conceituada e estimada na

cidade do Assú gozando “da amizade de juízes, tabeliães, promotores e advogados junto a quem servia, sempre

fiel ao seu mandato judicial”. (SILVEIRA, 1995, p. 32).

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Mesmo não tendo participado diretamente do universo cultural e literário da Atenas

Norte-rio-grandense, Clara sempre dedicou sua vida à educação e teve diversas promoções por

merecimento, chegando a exercer o cargo de diretora do Grupo Escolar na década de 1930.

Chamamos a atenção para esse fato, apesar dele estar fora de nosso recorte temporal, porque o

cargo de direção nos Grupos Escolares permaneceu por bastante tempo destinado aos homens.

Apesar das mulheres terem se inserido de forma definitiva no magistério, espaço que se

constituiu “num dos primeiros campos profissionais ‘respeitáveis’, para os padrões da época,

abertos à atividade feminina” (SOUZA, 1998, p. 62, grifo da autora), as salas de aula ficavam

sob sua responsabilidade principalmente porque elas “evidenciavam em sua maioria,

características de bondade, pureza, delicadeza, fragilidade, doçura, solicitude e doação como

próprios da condição feminina”. (SILVA, 2010, p. 33).

No Quadro 4, destacamos os nomes de outros professores que desenvolveram atividades

no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia dentro do recorte temporal de nosso trabalho.

QUADRO 4: PROFESSORES DO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA (1911-1928).

PROFESSOR ANO

Luiz Corrêa Soares de Araújo 1911 - 1913

Maria Carolina Wanderley Caldas 1911 - 1950

Clara Carlota de Sá Leitão 1911 - 1953

João Celso Filho 1914 - 1915

Antonio Gomes da Rocha Fagundes Netto 1916 - 1923

Alfredo Simonetti 1924 - 1930

Stella Araújo 1924

Maria Laura Fontoura 1925 - 1927

Margarida Saboya de Lima 1927 - 1928

FONTE: Silveira (1995), Lima (1990)

As mudanças presentes nos Grupos Escolares apontavam novos comportamentos no

cotidiano da sala de aula e na ação dos professores, que se afastavam do direito de autonomia

didática e do sentimento de propriedade da escola como era tão comum nas Escolas de

Primeiras Letras. Os processos pedagógicos e didáticos estabelecidos nos grupos baseavam-se

numa forma relacional inovadora entre professores, alunos e conhecimento.

Pinheiro (1997, p. 141) identifica que com a aplicação desses novos processos

inaugurava-se:

uma forma diferente de ensinar que implicava diretamente na relação entre

alunos e o conhecimento que antes, na maioria das vezes, caracterizava-se pelo

tédio, pavor ou monotonia. Para aprender era preciso, quase sempre,

experimentar a dor, o terror, o pavor, o medo ou a humilhação. Não aprender

significava vivenciar o sentimento de fracasso diante das expectativas dos

colegas, do professor, da família, e, consequentemente, a humilhação.

Significava, também, a possibilidade de ser punido, na maior parte das vezes,

fisicamente.

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Essa descrição do universo educacional vigente no período imperial pôde ser notada no

capítulo 3 quando apresentamos as reminiscências de Francisco Amorim nas aulas da

professora Luiza de França, que utilizava, inclusive, os castigos físicos para manifestar

autoridade em sala. Com os métodos utilizados nos Grupos Escolares, os castigos físicos foram

abolidos e as novas orientações afirmavam como base da disciplina a afeição recíproca entre os

mestres e discípulos, instituindo como meios acessórios para os professores o emprego

moderado de prêmios e penas. (RIO GRANDE DO NORTE, 1910). Na matéria intitulada Pelo

ensino do jornal A Cidade, de 1925, o professor e diretor do Grupo Escolar Tenente Coronel

José Correia, Alfredo Simonetti, indicava um pensamento que converge para essa orientação:

Hoje a escola evoluiu extraordinariamente, não há mais o silencio

gélido e sepulcral, e obediência passiva que eterniza a seriedade que se

transforma em tristeza, matando a claridade sã e natural da infância; essa

disciplina rígida foi suplanta pela harmonia das punições morais, falando-se ao

aluno como a um amigo, apelando-se para a sua alma sensível e a nobreza do

seu coração, já que ele se acha habitado no ter à prática do dever sem o temor

do castigo. (PINHEIRO, 1997, p. 143).

Assim, a palmatória, principal instrumento de punição adotado no cotidiano das Escolas

de Primeiras Letras e representação do poder e autoridade do professor, além de uma provável

segurança que o processo de escolarização seria eficaz, perde seu lugar central e sua função

disciplinadora. Ao menos legalmente, os castigos físicos dão lugar a uma prática mais branda

e respeitável entre professores e alunos apresentando uma cumplicidade, respeito e afeto nas

relações mútuas. De acordo com Faria Filho (2014, p. 166, grifo do autor), nesse novo momento

da Educação Primária “elogiava-se a professora que não mais empregando o ‘bolo’ conseguia

conduzir sua turma com energia, carinho e sensibilidade”.

Como veremos mais adiante, a própria imagem do professor, mesmo no âmbito social,

era importante para favorecer um ensino eficiente e perpetuar hábitos ordeiros e de civilidade

para os seus alunos. Segundo Souza (1998, p. 61), na constituição da profissão docente ele passa

“a ser responsabilizado pela formação do povo, o elemento reformador da sociedade, o portador

de uma nobre missão cívica e patriótica”. Nesse novo universo de profissão docente, era

exigida uma sólida formação geral por parte dos professores que deveriam demonstrar

sabedoria no entendimento do mundo, do homem e da sociedade, ser experientes na arte de

ensinar e no domínio metodológico.

Além das inovações apontadas, perceberemos mais adiante outras interações entre

professores e alunos, agentes e sujeitos do processo de escolarização nos Grupos Escolares que

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nos remetem as reflexões de Magalhães (2004, p. 34). Para esse teórico “responsabilidade e

reflexividade marcam a relação entre educador e educando, como entre mestre e discípulo,

como marcam ainda a relação do sujeito com o contexto e a apropriação da realidade objetual”.

O levantamento dessas questões é importante porque deixa entrever o conflito existente

na circulação de novas práticas pedagógicas em detrimento da antiga forma de ensinar do

mestre-escola. Põe em evidência as mudanças ou os rompimentos com os diversos aspectos

orientadores da ação dos professores nos dois momentos da história da Educação Primária

brasileira destacados em nosso estudo, Império e República, e as ideias pedagógicas

(SAVIANI, 2013) que circulavam à época.

Enquanto os professores das Escolas de Primeiras Letras tinham a possibilidade de

exercer sua autoridade em sala empregando os castigos físicos, ensinavam em espaços pouco

adaptados e com recursos considerados ultrapassados para as dimensões de ensino-

aprendizagem, os professores dos Grupos Escolares interagiam mais afetivamente com os

alunos, contavam com um espaço servido de amplas instalações, com material e recursos

didáticos considerados inovadores e seguiam métodos mais atrativos para despertar a atenção

dos alunos.

Apesar dos parâmetros inovadores presentes na atuação docente no período republicano,

os salários eram pagos de acordo com o tipo de escola onde lecionavam. Como nas Escolas de

Primeiras Letras, existiam três divisões ou classes e cada uma correspondia a um salário, dando

continuidade ao perfil excludente do período imperial: os professores de primeira classe

lecionavam na capital e recebiam 1600$000; os professores de segunda classe lecionavam nas

cidades do interior e recebiam 1200$000; e os professores de terceira classe lecionavam nas

vilas e recebiam 960$000. Araújo (1979, p. 136), assinala que essa realidade deixa entrever que

a República, “apesar de suas veleidades de inovar, vai, nos seus concursos e nomeações,

repetindo os velhos métodos do Império”.

4.3 ARQUITETURA, MÉTODO INTUITIVO E PRÁTICAS DE HIGIENE NOS

GRUPOS ESCOLARES

A Diretória Geral do Departamento de Educação concebia nos documentos e planos de

ensino discussões sobre a arquitetura dos prédios escolares destacando a localização, tamanhos,

distribuição de salas, iluminação, aeração dos espaços e equipamentos com o intuito de

substituir a imagem das Escolas de Primeiras Letras que funcionavam nas residências dos

professores, em galpões ou casebres e existiam em função do mestre-escola, pois, se ele fosse

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transferido, a escola também seria transferida. Da mesma forma, se ele fosse destituído do cargo

ou morresse, a escola fechava.

Azevedo e Stamatto (2012, p. 54), observam que a partir do estabelecimento de um

prédio para o funcionamento da escola, em caso de qualquer eventualidade com o professor “a

instituição escolar continuava presente na comunidade, não pela ação do mestre, mas pela

presença suntuosa do edifício onde funcionava a aula”. Moreira (2005, p. 40), afirma que o

funcionamento da escola em um prédio apropriado e dotado de amplas instalações elevava “os

edifícios escolares à altura da importância atribuída à educação nas primeiras décadas do

período correspondente à República Velha”.

Sobre o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, a matéria do Jornal A República

(A REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1911), publica que “o belo e elegante edifício

do grupo está situado na Rua São Paulo, em lugar seco e elevado, afastado do centro e de grande

atividade comercial e quase no meio de uma área de 52 metros de largura, por 65 metros de

comprimento” com “orientação para o norte e mede 14m.50 de largura por um comprimento de

17m.50 e 14m.30 de altura”. A nota destaca ainda as divisões internas do Grupo Escolar:

O edifício grupal tem todos os compartimentos exigidos por lei e em

muito boas condições. São eles: três salas de aula, 1 no centro (a infantil) com

4m.25 de largura, 7m.10 de comprimento e 4m de altura; uma esquerda, lado

oeste (classe elementar masculina) medida 8 metros de comprimento por

4m.45 de largura, e uma outra a direita, do lado nascente, que é a sala da classe

elementar feminina tendo as mesmas dimensões da elementar masculina; dois

vestiários, lado do norte, continuação das salas d’aula elementar, medindo cada

um 4m.45 de largura por 5m.25 de comprimento; um gabinete para a diretoria

e arquivo, com 2m.70 de comprimento e 4m.25 de largura, e mais um salão

colocado no lado ao sul, que se presta perfeitamente ao funcionamento de uma

aula com bancos individuais, tendo 2m.70 de largura por 13m.60 de

comprimento correspondendo está extensão a largura do prédio. Em todos

esses compartimentos há luz e ar suficientes, as duas questões capitais a se

resolver no estabelecimento de ensino, pois crescido é o número de aberturas,

portas e janelas, que o edifício oferece. (A REFORMA DA INSTRUÇÃO

PÚBLICA, 1911).

O lado do ocidente do grupo apresentava cinco janelas e uma porta no centro “que dá

passagem para o recreio dos meninos; para o nascente o mesmo número de janelas e porta, que

facultam a fiscalização de ambos os recreios, e para o norte, a classe infantil tem uma porta e

cada vestiário duas janelas”. Ainda sobre as áreas destinadas ao recreio “são muito espaçosas e

divididas por um muro ao meio, com divisão para ambos os sexos, sendo alpendradas”. (A

REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1911).

Magalhães (2004, p. 23) observa que desde finais do século XIX as políticas e

organizações educacionais passavam por transformações baseadas em visões pluridimensionais

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e multifatoriais, sendo representadas por organismos sistêmicos, internos e de relação. Nesse

processo de transformações no campo educacional, o autor chama a atenção para a focalização

da renovação da pedagogia escolar antes centrada na figura do professor e nesse novo momento

baseia-se no eixo escola-aluno. No âmbito dos Grupos Escolares, são aplicados novos métodos

e recursos didáticos no sentido de envolver e transformar as relações de ensino-aprendizagem

por parte dos alunos.

Os processos didáticos e metodológicos adotados nos Grupos Escolares expressavam

uma orientação pedagógica dada ao ensino apresentando novos rumos para a Educação

Primária. Segundo o artigo 42 da Lei 405, de 29 de novembro de 1916 (RIO GRANDE DO

NORTE, 1916, p. 53), as lições aplicadas nos Grupos Escolares seriam práticas e concretas; e

“os professores as encaminharão de modo que as faculdades do alumno sejam incitadas a um

desenvolvimento gradual e harmônico, cumprindo ter em vista o desenvolvimento da faculdade

de observação, empregando-se para isto processos intuitivos”.

Saviani (2013) constata que o Decreto n° 7247, de 19 de abril de 1879, documento

conhecido como Reforma Leôncio de Carvalho, sinalizava para o uso dos princípios do método

intuitivo no município da Corte41. O documento explicita algumas disciplinas que apontam para

o uso do método, como Prática do ensino intuitivo ou lições de coisas e Noções de coisas.

Todavia, Caetano de Campos tomou o método como base para a organização das escolas-

modelos e dos Grupos Escolares na reforma da instrução pública paulista no final do século

XIX e o método intuitivo tornou-se referência na educação durante a Primeira República.

Para a instituição do método intuitivo nos Grupos Escolares, era necessário uma série

de aparatos que despertassem o desejo do aprendizado pelos alunos e contextualizassem de

forma mais dinâmica a observação e a assimilação dos conteúdos, colocando em circulação as

ideias pedagógicas despertadas pelo método. A iminência da Revolução Industrial na Europa

viabilizou a produção de materiais didáticos como suporte físico do método de ensino. Saviani

(2013, p. 138), assinala que esses materiais:

difundidos nas exposições universais, realizadas na segunda metade do século

XIX com a participação de diversos países, entre eles o Brasil, compreendiam

peças do mobiliário escolar; quadros-negros parietais; caixas para ensino de

cores e formas; quadros do reino vegetal, gravuras, objetos de madeira, cartas

de cores para instrução primária; aros, mapas, linhas, diagramas.

41 De acordo com Saviani (2013, p. 173, grifos do autor), o método intuitivo surgiu na Alemanha no final do século

XVIII e foi “divulgado pelos discípulos de Pestalozzi no decorrer do século XIX na Europa e nos Estados Unidos,

esteve na pauta das propostas de reforma da instrução pública formuladas no final do império. Rui Barbosa foi um

grande defensor desse método, cujos princípios e fundamentos foram por ele sistematicamente apresentados em

seus célebres ‘pareceres’, culminado com a tradução do livro de Calkins sobre a Lição de coisas, que é a essência

do método intuitivo”.

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O Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, seguindo os novos preceitos

pedagógicos, contava com a utilização de recursos que ajudavam no auxílio da aprendizagem

do aluno, como figuras, mapas geográficos e outros recursos deixando as salas coloridas,

alegres, propícias para o aprendizado.

O material pedagógico utilizado inicialmente no Grupo contava com 2 contadores

mecânicos, 1 coleção de sólidos e formas geométricas de madeira, 1 mapa do Brasil, 1 globo

terrestre, 3 quadros negros de 1m. por 2m., 1 frasco de tinta preta, 2 dúzias de lápis Faber, 1

caixa de giz, 1 resma de papel almaço, 1 caixa de penas e 2 folhas de mata-borrão. O material

escolar consistia em 3 mesas para professores sobre estrados e respectivos tinteiros, 6 cadeiras

de junco austríacos, 45 bancos carteiras, sendo 15 para meninos de pequenas estaturas e os

restantes de bitola mais alta para dois alunos cada um, sistema americano, 4 escarradeiras, 1

lavatório completo, 6 toalhas felpudas, 3 tímpanos, 1 sineta grande e 1 relógio de parede. (A

REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1911).

Os princípios do método intuitivo rejeitavam as aulas apenas expositivas com o intuito

de despertar a atenção dos alunos com perguntas e explicações, provocando a participação.

Azevedo e Stamatto (2012, p. 57), consideram que “para o benefício dos processos intuitivos,

a experiência baseada nos sentidos deveria ser associada à recreação e ao prazer, estratégia para

o desenvolvimento da criatividade dos alunos com o fito de levar à educação intelectual”.

Clarice de Sá Leitão Soares iniciou o curso primário no Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia e apresenta o seguinte depoimento:

O primeiro ano infantil era a classe da alegria. Ali cantava-se, declamava-se.

Fazia-se calistênica42, marchas e evoluções na própria classe. Ninguém sentia-

se cansado. Relembrando tudo isso ainda sinto saudades, até a emoção. Ao

início da aula cantávamos:

Deixemos os brinquedos vamos estudar

O mestre é nosso amigo, a escola outro lar

Atentos pois ouçamos dos mestres as lições

Que ilustram nossa mente

Que nos tornam bons.

O término era com canto também:

42 A calistênica sueca fazia parte das práticas de ginástica desenvolvidas nos Grupos Escolares. Era realizada

geralmente na própria sala de aula, entre as carteiras, e consistia em movimentos regulares de cabeça, tronco e

membros e evoluções entre as carteiras. Essa prática era proposta pelo Departamento de Educação com a finalidade

de auxiliar e regular o desenvolvimento do corpo e repousar o espírito dos educandos. Estava em consonância com

o ensino proposto pelo governo republicano, com o objetivo de desenvolver as condições físico-psicológicas e

despertar os aspectos intelectuais, morais e físicos dos alunos. Até mesmo o uso dos cantos, que ocorriam no início

e fim das aulas e no percurso dos passeios escolares, fazia parte das práticas recomendadas pelo Departamento de

Educação, além dos intervalos para recreio estipulados em meia hora, interrompendo as quatro horas de aulas

diárias. (PINHEIRO, 1997).

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Até amanhã escola

Com saudades te deixamos

Na certeza que consola

Que bem cedo voltaremos

Depois de estudarmos tanto

Como é grato repousar

No amparo amigo e santo

Da sombra amável do lar. (PINHEIRO, 1997, p. 150).

Aluna de Sinhazinha Wanderley no Grupo Escolar do Assú, Clarice de Sá Leitão Soares

relembra que a professora “era o protótipo da educadora”, pois dava sempre “aulas

maravilhosas! Era a escola da vida e a pedagogia do amor”. Sobre o material didático utilizado

em sala, Clarice recorda Páginas Infantis, de Mariano de Oliveira, como o livro estudado e

que “havia na classe mapas de linguagem, de matemática, representado por bolinhas, para

ensinar a contar”. (PINHEIRO, 1997, p. 150). Em sua prática didática, Sinhazinha Wanderley

sempre procurou desenvolver atividades prazerosas, lúdicas, trabalhando a leitura, a escrita, a

literatura, o teatro e o canto. Nessas aulas o aluno tinha a possibilidade de observar, vivenciar,

experimentar o conteúdo conforme sugere o método intuitivo. (SILVA, 2010).

O cotidiano escolar da escola primária republicana também traz a preocupação com a

higiene e a formação de um povo ordeiro, educado, organizado, limpo física e mentalmente.

Segundo o Regimento Interno dos Grupos Escolares (RIO GRANDE DO NORTE, 1925, p.

18), em seu artigo 39, “antes do início dos trabalhos de cada dia, haverá revistas de asseio não

só do corpo, como das roupas” e expressa como uma das funções do professor “providenciar

para que seja sanada qualquer falta que encontrar” sem expor o aluno ao ridículo.

As orientações existentes nos documentos relacionadas aos cuidados com o corpo, a

saúde e a higiene física e mental exerciam diversas funções e contribuíam para acabar com os

vícios, cultivar e promover atitudes saudáveis de higiene e prevenir doenças desde a infância.

Além disso, existia o objetivo premente de desenvolver hábitos de civilidade e urbanidade

necessários para a vida em uma sociedade moderna que o governo republicano buscava formar.

Até mesmo o planejamento arquitetônico dos Grupos Escolares deveria possibilitar a

formação de hábitos de higiene, moralização e controle. Para Azevedo e Stamatto (2012, p. 29)

a arquitetura dos prédios escolares pode ser considerada um elemento curricular, “visto que

seus efeitos se voltavam para a organização disciplinar e a espacialização de sujeitos e práticas,

condicionando mentes e comportamentos”. Sobre o Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia, a matéria do Jornal A República destaca que:

o grupo está erguido do nível do solo um metro e 90 tendo uma escadaria de

sete degraus, que dá subida em frente para a aula mixta nos lados para os

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vestuários o porão sobre que está posto o pavimento assoalhado do edifício,

possui muitos ventiladores, de sorte que, na parte inferior do prédio, o ar

renova-se bem, não causando prejuízo a saúde dos que diariamente vem ao

grupo. No salão do gabinete do Diretor há uma escadaria em forma de espiral,

dando acesso a um sótão de um dos salões que tem 10m.10 de comprimento

por 4m.25 de largura, com cinco janelas para o oeste, outras 4 para leste e duas

portas com varandas para sul e mais duas para norte.

As latrinas estão construídas de conformidade com o que recomenda o art. 50

do Cód. de Ensino, tendo uma, a dos meninos 5,50 metros de comprimento e

2,50 metros de largura e outra, a das meninas, 3 metros de largura e 5,50 metros

de comprimento. (A REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1911).

Percebemos na nota que o prédio do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia seguia

as orientações do Regimento Interno dos Grupos Escolares e demonstrava ser um ambiente

favorável por contar com grande quantidade de janelas, favorecendo a circulação do ar no

ambiente e contando com ventiladores. Essa orientação para a circulação do ar era necessária

inclusive para evitar a proliferação de possíveis doenças no espaço escolar. Os cuidados com

as concepções de higiene e saúde também ficam evidentes na descrição das latrinas, construídas

em conformidade com as recomendações do código de ensino.

A percepção desses elementos que preconizavam hábitos saudáveis e higiênicos

exerciam sobre os alunos um papel pedagógico e disciplinar sendo levados inclusive para a

convivência fora do espaço escolar. De acordo com Azevedo e Stamatto (2012, p. 31), os

diversos princípios higienistas presentes tanto na arquitetura quanto nas práticas escolares

“possibilitariam às crianças o contato com um ambiente confortável e permeado de influências

positivas para o seu processo de formação, aspectos nem sempre presentes em suas próprias

residências”.

4.4 DISCIPLINAS BÁSICAS E INTEGRAIS NOS GRUPOS ESCOLARES

Outra inovação presente nos Grupos Escolares se refere ao uso do tempo. Se as Escolas

de Primeiras Letras eram marcadas por um ensino individual, com um tempo aleatório marcado

pelo ritmo da aprendizagem do aluno ou da livre decisão do professor, no cotidiano dos Grupos

Escolares o emprego do tempo mostrou-se extremamente relevante para a racionalização das

atividades pedagógicas. Era necessário criar um calendário escolar determinando início e

término do ano letivo e fixando uma jornada escolar marcada por cadencias, ritmos, intervalos

e descansos num horário de aulas estabelecido. Souza (1998, p. 37) chama a atenção para o fato

de que esse novo formato de aplicação e controle da Educação Primária implicava em períodos

de “ocupação e descanso de professores e alunos nos diversos momentos da aula e a

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fragmentação do saber em matérias, unidades, lições e exercícios, reforçando mais os aspectos

que distinguiam uma matéria da outra do que daqueles que as aproximavam”.

Disciplinas como leitura, escrita e cálculo, existentes nas Escolas de Primeiras Letras,

consistiam no fundamento básico do ensino primário proposto no Programa de Ensino dos

Grupos Escolares e continuavam mostrando-se como habilidades fundamentais para a inserção

dos alunos na sociedade da escrita, além de constituir oportunidades imprescindíveis para a

formação do caráter. De acordo com Frago (1993, p. 40):

A aprendizagem da leitura é um exercício visual e auditivo, no qual

primeiro identificam-se as letras por seu som, e depois, progressivamente, com

soletrações sucessivas e repetidas, as sílabas, palavras e frases. O da escrita,

por sua vez, constitui um exercício visual e manual, que não se inicia até que

não se domine perfeitamente o da leitura e que requer o uso de um material e

instrumentos onerosos e ao alcance habitual de um público mais reduzido. A

primeira disciplina a memória; a segunda, a mão. A primeira prepara

passivamente para a recepção da mensagem; a segunda, mediante a caligrafia,

para o desenho e o adorno, antes que para a criação e transmissão.

Além dessas disciplinas base, nos Grupos Escolares são acrescidas língua materna,

desenho e disciplinas acessórias seguindo um cuidadoso processo de desenvolvimento dos

conteúdos nos cursos infantil misto, elementar e complementar de acordo com a dinâmica da

seriação presente nas instituições escolares. Eram aplicadas aulas de canto com destaque para

os hinos patrióticos e canções cívicas; leitura e escrita; aritmética; lições de coisas que constava

de exercícios para cultivar os sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar), valorizando a

intuição como fundamento do conhecimento, palestras sobre objetos, animais e a espacialidade

em torno do cotidiano dos alunos; geografia, com destaque para a observação dos acidentes

geográficos no entorno do Grupo Escolar ou durante os passeios e excursões a lugares

próximos43; história pátria onde se destacavam os fatos e os heróis da nossa história; moral e

civismo, destacando regras de comportamento e valores; desenho natural; trabalhos manuais e

exercícios físicos.

Na classe feminina elementar era inserida a disciplina economia doméstica abordando

uma conotação explícita do modo de ser da mulher. Permeada por conteúdos que despertassem

nas meninas habilidades domésticas e formando-as para serem anfitriãs perfeitas, boas esposas

43 A orientação do Departamento de Educação era que os passeios escolares ocorressem de preferência nos campos

de cultura, fábricas, estabelecimentos industriais e fazendas. Esses momentos tinham a finalidade de aproximar os

alunos de realidades apresentadas durante as aulas de lições de coisas e contextualizar o aprendizado por meio da

observação e da prática dos sentidos. Sobre os passeios escolares, o Jornal A Cidade noticiou no dia 30 de agosto

de 1925: “O nosso Grupo Escolar realizou mais um proveitoso passeio escolar para o sítio Lagoa do Ferreiro, onde

os alunos ouviram excelentes preleções sobre geografia, coisas e história local e fizeram vários exercícios

educativos”. (PINHEIRO, 1997, p. 158).

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e mães dedicadas, a implantação dessa disciplina destinava-se a um “modelo de mulher

idealizado pelo discurso republicano, que era o de educadora dos filhos e futuros cidadãos, além

de se pretender um traquejo social e a boa representatividade na mulher junto ao esposo”.

(SILVA, 2010, p. 41).

O curso complementar, também chamado de escola primária superior, foi criado pelo

artigo 3° da Lei n° 405, de 29 de novembro de 1916. (RIO GRANDE DO NORTE, 1916, p.

39). Entretanto, o ato n° 51, de 15 de maio de 1925, que criou o Regimento Interno dos Grupos

Escolares no Rio Grande do Norte, especifica de forma mais detalhada os objetivos principais

dessa nova etapa dentro dos Grupos Escolares. Para se matricularem no curso complementar,

os alunos deveriam ter de 12 a 18 anos, estarem vacinados e com boa saúde e apresentar

certificado do curso elementar completo realizado em escola oficial. A implantação do curso

complementar no Grupo Escolar do Assú ocorreu por meio do Decreto n° 220, de 4 de

dezembro de 1923. (PINHEIRO, 1997, p. 19).

Graduado em dois anos e contando com turmas mistas, o curso complementar

funcionava com uma nomeação simples ou desdobrada e disciplinas distintas para cada

seriação: na série simples eram oferecidos estudos da língua materna, aritmética, geometria

prática, geografia e história do Brasil, instrução cívica, educação física e prendas manuais para

as classes femininas. No curso desdobrado eram ofertados estudos especiais de línguas

estrangeiras, datilografia, escrituração mercantil, noções de agricultura, zootecnia, veterinária,

mecânica, eletricidade, artes manuais, industriais ou economia doméstica.

A segunda parte do curso apresentava um perfil voltado exclusivamente para a

profissionalização dos estudantes ao término dos estudos. Exatamente por isso, o curso

complementar era chamado de integração e possibilitava o ingresso direto nas escolas normais

sem a necessidade de fazer exames de admissão. Para Souza (1998, p. 247), assim a escola

primária deixava de ser apenas a aprendizagem das primeiras letras, conferindo “ao aluno status

e poderia facultar-lhe uma inserção melhor no mercado de trabalho, atestando ao indivíduo a

posse de um determinado saber”.

No final do ano letivo, geralmente na segunda dezena de novembro, o Departamento de

Educação orientava a realização das provas de promoção e os exames finais dos cursos

graduados. Os alunos eram cobrados por provas de caligrafia, ditado ou redação, desenho,

cálculo e outras matérias e poderiam ser considerados habilitados com distinção, plenamente,

ou simplesmente. Era comum a realização de exames orais em que os alunos seriam

questionados sobre determinados temas por uma comissão examinadora presidida pelo diretor

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da instituição e composta pelo professor da classe e outro professor do Grupo Escolar ou um

estranho.

As sessões constituíam acontecimentos e momentos de visibilidade social do universo

escolar e eram acompanhadas pelos pais e a população, tornando-se verdadeiros espetáculos

nas cidades, inclusive com cobertura da imprensa. Francisco Amorim participou de um desses

momentos no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia:

Quando eu já pertencia ao corpo redacional de ‘A Cidade’, tive que

ir, como repórter, assistir à realização dos exames finais de um ano letivo.

Acontece, porém, que lá para as tantas um dos examinadores precisou

ausentar-se e convidou-me para substituí-lo. Aceitei. O que aconteceu, porém,

não esperava. O ponto sorteado foi ‘acidentes geográficos’. Confesso que não

sabia patavina da matéria. Como arguir o aluno? Não hesitei. Mandei que o

examinando falasse. Ele, sem pestanejar, disse que um dos acidentes

geográficos era um córrego que passava ali ao lado do Grupo – um braço do

rio Assú. Aliviei. Por intuição ia ficando a par do assunto. Nesse ínterim chega

o titular da disciplina que, ao reassumir o lugar, agradeceu a minha

colaboração. Mal sabia ele que eu, no íntimo, é que agradecia a sua volta,

receioso de futuros constrangimentos na minha missão de examinador.

(AMORIM, 1982, p. 44, grifos do autor).

Os Grupos Escolares diferenciam-se das Escolas de Primeiras Letras por explorarem

disciplinas relacionadas com uma formação mais integral, voltadas para temas que ampliavam

as dimensões de ensino-aprendizagem por parte dos alunos, atentando para uma noção de

aspectos diversos e a assimilação de conteúdos mais abrangentes. Nesse sentido, a própria

realidade social se insere no universo escolar e os modelos formativos conformam novas ideias

pedagógicas e práticas de alfabetização. De acordo com Frago (1993, p. 107):

alfabetizar-se não é aprender e dominar algumas determinadas habilidades

técnicas de decodificação, produção e compreensão de certos signos gráficos,

mas adquirir e integrar novos modos de compreensão da realidade, do mundo,

de si mesmo e dos outros. Ler e escrever são práticas culturais que reestruturam

a consciência e a mente e, como consequência disto, o comportamento. A

questão da alfabetização afeta de cheio o núcleo da educação e das relações

interculturais: embora as habilidades ou destrezas derivadas da mesma sejam

individuais, de fato são adquiridas e exercitadas no curso de atividades

participativas, social e culturalmente organizadas. Por outro lado, tais práticas

e atividades variam no espaço e no tempo e com elas os critérios pelos quais

uma pessoa é qualificada ou não de alfabetizada. A alfabetização é uma noção

estática. Carece de essência universal.

Magalhães (2004, p. 16), salienta que o conceito de educação mostra-se complexo e está

sustentado numa base polissêmica. Para o teórico o processo educativo “funciona de forma

integrada e integrativa por parte dos sujeitos, no que se refere à sua construção como pessoa

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humana, correlacionando designadamente os quadros da pedagogia escolar e da instrução

educativa, na sua internalidade e no contexto da sociedade”.

Como exemplo desse novo aspecto do processo de alfabetização nos Grupos Escolares

e de uma educação que apresenta uma relação de internalidade e interação com a sociedade,

podemos citar as disciplinas moral e civismo, ou instrução cívica no curso complementar, e

história pátria, que tinham a finalidade de disseminar e divulgar os ideais republicanos

transformando a própria realidade social. Por meio delas, a educação era concebida como

responsável pela organização da nação, repassando valores de urbanidade e civilidade aos

indivíduos crianças. Segundo Pinheiro (2002, p. 165), verifica-se dessa forma, “que a

preocupação em formar o indivíduo, humanizando-o, viria a consubstanciar, de forma mais

consequente, o fortalecimento da nação, da pátria”.

As lições de moral deveriam acontecer em lugar próprio, no horário das classes,

aproveitando-se os estímulos derivados da vida escolar, social e familiar e a oportunidade das

boas ou más ações dos alunos, estimulando e corrigindo com conselhos e exemplos. A formação

do sentimento cívico deveria ser feita por meio de explicações sobre a organização política do

Brasil, do estado e seus municípios, do exercício dos direitos e deveres do cidadão e referências

aos principais fatos da história pátria.

Outros momentos poderiam ser aproveitados para fortalecer o espírito nacionalista e

propagar os ideais de amor à pátria. Pinheiro (1997), relata que no Grupo Escolar Tenente

Coronel José Correia, durante as aulas-passeio realizadas para o Rio Açu ou nos sítios locais,

além das aulas do programa aplicadas nesses momentos, como geografia e lições de coisas, os

professores, juntamente com os alunos, cantavam o Hino dos Voluntários do Norte,

homenageando os irmãos Ulisses e Olegário Caldas e outros soldados assuenses participantes

da Guerra do Paraguai44.

Esses momentos de alusão aos heróis nacionais visavam despertar nos alunos o amor e

pertencimento à pátria e a formação moral e cívica, pois os valores presentes nas biografias dos

soldados e heróis e a narração de fatos notáveis da história do país serviam como exemplo a ser

seguido pelos alunos.

44 De acordo com Lima (1990, p. 145), “Na Guerra com o Paraguay, foi grande e valioso o concurso do povo do

Assú, mandando em 1865, para os campos de batalha, a fina flor da sua mocidade: Ulysses Caldas, Ponciano

Souto, João Perceval, Manoel Barbalho e tantos outros que se salientaram na rude peleja, em que o Brasil contou

victoria, cobrindo-se de glórias militares”. O Tenente Ulisses Olegário Lins Caldas morreu no dia 7 de novembro

de 1866 em plena campanha da Guerra do Paraguai e tornou-se um dos participantes mais aclamados na cidade do

Assú. Seu irmão, João Perceval Caldas, foi porta-bandeira e depois alferes. Lutou contra a resistência do Forte de

Humaitá, morrendo em 19 de fevereiro de 1868. Na disciplina história da pátria, o Programa de Ensino dos Grupos

Escolares indicava o estudo da Guerra do Paraguai e de Ulisses Caldas e Baraúna Mossoró para o curso elementar.

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Dentro dos preceitos e ideais de educação voltados para o civismo e o patriotismo, o

professor Alfredo Simonetti, em matéria do Jornal A Cidade intitulada Educar e publicada em

agosto de 1923, refletia sobre a concepção da educação como um grande fator de transformação

social predominante na época e concebia a figura do professor primário como um importante

missionário:

Um professor primário é o sacerdote da educação, celebrando a missa

augusta do dever: a Escola é o templo sagrado onde se dá a transubstanciação

ditosa, a comunhão excelsa do civismo.

Fora da Escola há a treva, luta insana das vaidades, da suprema escalada do

mundo, do império, ao passo que dentro dela a luz se expande em todo o seu

esplendor, as cores matizam os seus firmamentos.

Todos quanto dela se acercam recebem nos pulmões o ar puro que fortifica,

que fortalece, contribuindo para a saúde do espírito e saúde da alma.

Instruir educando é o lema da Escola.

A instrução tornando apto o espírito para a longa viagem da vida, tão

escabrosa, tão difícil.

A educação preparando a alma, formando-a por assim, para reagir contra os

males que a querem empolgar, contra os bacilos virulentos do pessimismo

destruidor e da inatividade.

A juventude de hoje – diz uma ilustre escritora ao enumerar os males da

civilização – está completamente contaminada de maus exemplos e ideias

extravagantes.

Uma menina de agora – acrescenta ela – sabe mais em qualquer terreno da vida

sentimental que uma senhora de 80 anos. Em sua maioria, as rodas de moços

revelam uma decrepitude espiritual pasmosa, um alheio amanto desolador dos

nobres ideais e uma amoralidade, quase cinismo de critérios que assusta. São

tão sábios! ... O rubor dos lábios já é quase um simples “fenômeno phisico” e

a vergonha está neles agora, infelizmente, quase esgotada.

Como reagir contra esses males, contra o vírus da degenerência social”?

Só uma palavra nos vem inesperadamente aos lábios, palavra que é uma chave

mágica abrindo novos horizontes da vida.

Educar ... Educar!. (PINHEIRO, 1997, p. 143-144).

A fala do Professor Simonetti relacionando o ensino com os ideais de civismo e amor à

pátria reforçam o projeto pedagógico modernizador do ideário republicano e relacionam-se

com a importância dada por Magalhães (2004) para as ações dos agentes e sujeitos que

participam efetivamente das instituições educativas e agem no sentido de atingir seus intentos,

demonstrando ser necessário inferir os propósitos, as perspectivas, as formas de realização e

participação e os itinerários escolares e extraescolares.

Esse processo de consolidação dos intentos educativos citados por Magalhães (2004)

encontram expressão na ideia das práticas educativas citadas pelo próprio autor, por meio das

quais se veiculam crenças, normas, condutas, valores e capacidades apropriadas pelos

estudantes e mantem uma estrita relação com o contexto sociocultural e político.

A educação tinha a finalidade de orientar e organizar diversos setores da nação por meio

da formação moral, incutindo valores capazes de destruir vícios, perversões e outros malefícios

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que ameaçavam a moralidade social. Simonetti (1995, p. 16) acredita que para os educadores

dos Grupos Escolares, espaços de transformação da própria realidade social, “inserir-se no

contexto do ensino público [...] significou não só, um feito de caráter pessoal e individual, mas,

um compromisso de cunho social com a educação de quantos foram seus alunos, e, de seu saber,

aprendizes”.

Nesse sentido, o artigo 50 da Lei 405/16 (RIO GRANDE DO NORTE, 1916, p. 54)

expressa que:

a formação do carácter do educando deve ser uma das maiores preocupações

do professor. Para isso, elle procurará investigar a feição moral dos seus

alumnos, não só indagando dos paes e responsáveis quaes seus hábitos e

tendências, como também observando-os durante a classe, recreios, entradas e

sahidas, e nas suas relações mutuas.

Para Faria Filho (2014, p. 38), nesse momento da história da Educação Primária

brasileira “reinventar a escola significava, dentre outras coisas, organizar o ensino, suas

metodologias e conteúdos; formar, controlar e fiscalizar a professora; adequar espaços e tempos

ao ensino; repensar a relação com as crianças, famílias e com a própria cidade”.

Dessa forma, a educação cumpre uma série de papéis e finalidades determinadas pela

sociedade materializados no cotidiano escolar a partir de projetos, discursos e teorias

pedagógicas. De acordo com Magalhães (2004, p. 31):

a analogia e idiossincracia entre formação/participação escolar e

ação/participação cívica constituíram e constituem questões fundamentais na

pedagogia contemporânea, podendo estabelecer-se, uma vez mais, um

continuum desde a vivência e a participação escolar, como embrião da

renovação das práticas sociais, até uma adaptação e submissão estreitas das

práticas escolares às normas e às regras sociais vigentes.

Como veremos no próximo capítulo, além de seguir as orientações estipuladas em

diversos documentos para a aplicação do programa e do funcionamento, existiam outras

atividades que demonstravam eficiência pedagógica no universo dos Grupos Escolares, como

o teatro, a literatura e o jornalismo que circulavam corriqueiramente no universo da cidade do

Assú e encontravam um ponto de convergência, um espaço de continuidade e afirmação no

Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia.

Segundo Pessanha e Silva (2012, p. 262), analisar a interação entre a escola e as práticas

produzidas na cidade é necessária porque “essas relações são de grande importância na medida

em que podem influenciar na forma como a escola se organiza internamente”.

Também concordamos com Herschmann, Kropf e Nunes (1996, p. 157) quando

afirmam que o movimento de “decifrar a escola na cidade é cifrá-la novamente a partir de

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fragmentos num jogo interminável entre o pertencimento e o distanciamento, a indeterminação

e a precisão, a domesticação e a liberdade, o rigor e a imaginação”.

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AS NOITES DA MINHA TERRA45

João Celso Filho

As noites da minha terra

Eflúvios, têm, langarosos,

Quando o luar de prata erra

Por sobre os montes fragosos...

Imensa, se desenrola

Como um manto o céu de opala...

A terra é uma corola

Que mil perfumes exala...

Há singulares conversas

No matagal reluzente...

As sebes em luz imersas

Segredam tranquilamente...

Por toda parte estridulam

Vozes que não se conhecem...

As cousas como que osculam

E logo depois fenecem...

Estrelas louras quais virgens

Têm sonhos na alcova astrosa...

Às vezes grandes vertigens

Queda lhes dão, luminosa...

Nas madrugadas d’Abril

Há vaporosas doçuras...

O son o brando, sutil,

E feito só de brancuras...

Como um rolar de cascata

Por sobre um bando de areia,

Ao longe, na serenata,

Um violão salmodeia.

E pelo espaço sem fim

Como uma nau que flutua,

Da mesma cor que o jasmim,

Vai boiando a casta lua...

45 Poesia escrita em 1910 pelo professor João Celso Filho na cidade de Maracanã, no Pará, e dedicada aos amigos

do Assú. Transcrito de Celso Filho (1986, p. 25).

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5 GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA: ESPAÇO DE

ATIVIDADES CULTURAIS E LITERÁRIAS PARA OS FILHOS DA ATENAS

NORTE-RIO-GRANDENSE

No capítulo 4, ficou evidente que os Grupos Escolares expressavam uma finalidade

iminente de produzir um novo perfil de homem e mulher num espaço urbano moderno que

exigia hábitos de civilidade e urbanidade. Para alcançar esse intuito, o governo republicano, por

meio de um projeto de fortalecimento da pátria e o ideário de ordem e progresso, colocou em

circulação uma nova forma de conviver em sociedade associada ao processo de escolarização,

em detrimento dos métodos educativos presentes no Império. Sobre a implantação da Educação

Primária republicana, Faria Filho (2014, p. 20, grifos do autor) destaca:

não se nos apresentava uma escola que ‘apenas’ reproduzia as relações sociais

e, ao mesmo tempo, permitia aos sujeitos apropriarem-se de conhecimentos

para produzir o social segundo suas intencionalidades e seus interesses,

subsumindo assim, enquanto instituição, no movimento maior de produção e

reprodução da sociedade. Era isso sim, mas não apenas. Era, também, uma

instituição – a escola – que cada vez mais singularizava sua contribuição à

produção/reprodução do social, que fortalecia e legitimava as práticas culturais

urbanas em detrimento àquelas do mundo rural que, enfim, propunha-se a

contribuir na construção da Nação, no processo civilizador do povo brasileiro,

na formação do cidadão-trabalhador, na reorganização do mundo do trabalho

e da produção. Essa complexificação das funções escolares trazia também,

como seu elemento constitutivo, a busca por determinar de maneira cada vez

mais detalhada as ‘formas autorizadas’ do fazer, do pensar e do sentir

escolarizado.

No contexto do governo republicano, a necessidade do despertar para a civilidade do

povo brasileiro e do fazer, pensar e sentir escolarizado, se manifestaria com a criação dos

Grupos Escolares, mas fazia-se necessária uma educação estética para alcançar a população e

facilitar a assimilação das propostas do projeto de reinvenção da nação. A ideia de uma

educação estética pode ser notada no envolvimento das habilidades manuais, na educação das

mulheres para o lar, no cuidado com os hábitos de higiene e com o corpo, no contato com a

literatura brasileira, na declamação de poesias e versos, nos cantos, nas danças e apresentações

teatrais, nas festas escolares e das cidades e na própria arquitetura dos grupos. Enfim, esses e

outros elementos formavam um conjunto essencial para que os intentos e objetivos fossem

alcançados.

Para Veiga (2003, p. 406-407, grifo da autora):

a educação estética pressupõe sujeitos plásticos, flexíveis que, por meio da

educação dos sentidos e do aprimoramento da capacidade de ver, ouvir, falar,

olhar, tocar, aprendam a ‘valorizar’ e usufruir do chamado acervo cultural da

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humanidade, o patrimônio das obras de arte e literatura, consagrado por

instâncias socioculturais complexas.

Apesar da autora não expressar explicitamente, chama-nos a atenção a relação que o

despertar e a importância dos sentidos presentes na educação estética mantem com as lições de

coisas, base da aplicação do método intuitivo nos Grupos Escolares. As lições de coisas mantém

uma relação direta com o despertar dos sentidos e com a observação de todo o universo em

torno dos alunos, desde o próprio corpo, passando pelo material escolar, a espacialidade dos

grupos, das ruas, da própria cidade, dos objetos e da natureza. Poderíamos afirmar que a

educação estética seria uma alternativa pedagógica de despertar os alunos para uma nova forma

de vivenciar as lições de coisas. Na educação estética “destaca-se também toda uma concepção

estética presente na elaboração dos ambientes escolares e na produção de outros espaços

urbanos”. (VEIGA, 2003, p. 409).

Além das práticas voltadas estritamente para o campo pedagógico e metodológico, as

dramatizações teatrais, momentos literários e produção de jornais eram atividades recorrentes

no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia que ampliavam as dimensões de ensino-

aprendizagem por parte dos alunos e envolviam temas cívicos, patrióticos, regionalistas,

educativos, ético-morais, religiosos, entre outros. Assim, consideramos essas outras formas de

despertar as dimensões de ensino-aprendizagem por parte dos alunos como parte da concepção

de educação estética apresentada por Veiga.

Magalhães (2004, p. 130) afirma que os estudos sobre o currículo escolar “revelam que

os graus de liberdade e autonomia das instituições não se configuram à interpretação dos

normativos curriculares, mas revestem-se de dimensões criativas tendo em vista a divergência

e a aplicação às necessidades e às culturas locais”.

A conjuntura cultural e literária que elevou a cidade do Assú à categoria de Atenas

Norte-rio-grandense, como vimos no capítulo 2, aponta para dimensões de intercâmbio de

experiências e identidades com o contexto social em que a instituição Grupo Escolar está

inserida, desperta e amplia os próprios sentidos dos alunos e coloca em circulação produções e

modelos culturais. De acordo com Alves (2012, p. 105) as práticas voltadas para as dimensões

de intercâmbio possibilitam a percepção de uma “formação política embutida nos rituais, nas

organizações estudantis, na imprensa escolar, mas, sobretudo, na relação que a escola mantem

com a cidade e a visibilidade que adquirem seus estudantes na cena urbana”.

Essa noção de contextos também é chamada por Magalhães (2004) de comunidade

envolvente e por meio dela manifesta-se um processo de interação entre a instituição educativa

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e o quadro sociocultural do qual ela faz parte. Para esse teórico (2004, p. 68), trata-se de um

processo que origina a própria identidade histórica da instituição:

O imaginário, a cultura e a gesta escolares estruturam-se e definem-

se no quadro sociocultural, cumprindo objetivos políticos, sociais,

antropológicos. A instituição educativa apresenta uma identidade que não varia

significativamente com as circunstâncias geográficas ou com as circunstâncias

históricas. É, porém, na relação que estabelece com o público e com a realidade

envolvente, na forma como a cultura escolar interpreta, representa e se

relaciona com o contexto na sua multidimensionalidade, como na medida em

que o público se apropria e se relaciona com as estruturas e órgãos de uma

mesma instituição, que as instituições educativas desenvolvem a sua própria

identidade histórica. Deste modo, ainda que segmentadas e especializadas,

articuladas ou não de forma sistêmica, as instituições educativas desenvolvem

uma identidade com base na relação com o contexto.

5.1 A LITERATURA NO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ

CORREIA: PROSA E POESIA

No Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, o desenvolvimento cultural e literário

era incentivado por diretores como Alfredo Simonetti, João Celso Filho e a professora

Sinhazinha Wanderley. Esses dois últimos, em especial, descendentes de famílias oligárquicas

locais, se profissionalizaram no campo educacional, ou outros campos, e faziam parte de uma

geração de intelectuais que participaram ativamente do contexto cultural e literário da cidade

do Assú. Nesse sentido, entendemos que a atuação desses professores, agentes e sujeitos, é

essencial para as interações estabelecidas entre a instituição educativa e a comunidade

envolvente.

Outro fator importante a ser destacado em relação a esses agentes e sujeitos é que eles

receberem a instrução primária no momento em que a identidade da cidade do Assú como

Atenas Norte-rio-grandense estava se formando e foram influenciados pelo movimento cultural

e literário da cidade. Essa realidade se torna importante porque, segundo Faria Filho (2014, p.

17) “a cidade, descoberta nos itinerários da escola, impõe-se, mais tarde, como objeto de

pesquisa, quando o percurso se transforma e a tarefa significa reconstruir a trajetória da escola

nas trilhas da cidade”.

De acordo com Pinheiro (1997, p. 134), como profissionais do universo das letras, esses

educadores viveram e atuaram num momento histórico:

em que o Estado brasileiro gestava um projeto de modernidade que assentava

suas bases na exigência da escrita e da leitura e, consequentemente, na

necessidade de ampliação de um público leitor. Em meio a esse projeto, que

ganhou forma nítida nos anos 30, a literatura desempenha um importante papel

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na expansão do nacionalismo, que, de um lado, combatia a presença dos usos

e costumes estrangeiros, e de outro, tentava atacar o analfabetismo e expandir

a escola primária.

As ideias de combate ao analfabetismo presentes no projeto reformador e de construção

de um país moderno, ampliando as possibilidades de transformar o povo brasileiro em um

público leitor se coadunam com algumas reflexões de Frago. Para esse autor (1993, p. 28), o

processo de alfabetização “pressupõe uma pedagogia da escuta, da voz e do ouvido. Da

comunicação com seus diversos códigos e formas, da linguagem e da fala. Uma pedagogia

rítmica e corporal, imaginativa e poética, isto é, oral e retórica”.

Levantamos esses pontos destacados por Frago (1993) porque o ato de alfabetizar não

pressupõe apenas a leitura e a escrita, mas é necessário uma série de outros elementos que

colaboram na consolidação e eficiência do processo de escolarização. Chamamos a atenção

para esse fato porque os diversos elementos literários e culturais que circularam na cidade do

Assú compõem e colaboram na construção do processo de alfabetização e encontramos esses

elementos na atuação de alguns professores do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia.

João Celso Filho, como citamos no capítulo 4, projetou-se como jornalista inclusive fora

do Rio Grande do Norte. O diretor e professor do Grupo Escolar do Assú dirigiu a Revista

Paládio publicada na cidade em 1915. Amorim (1965, p. 26) indica que a revista tinha “feição

tipográfica atraente, com uma colaboração esmerada e escolhida”. O professor colaborou ainda

com os jornais locais O Quiproquó, O Bric-à-Brac, A Cidade e O Jornal do Sertão.

João Celso Filho mostrou-se um orador de grandes méritos e um poeta brilhante,

inclusive, lançando o livro Terra Bendita em 1911. Com uma atuação em diversos setores da

atividade cultural e comercial assuense ele foi o único poeta da cidade “que teve suas produções

traduzidas para o castelhano46”. (FONSECA FILHO, 1984, p. 186). Em seus textos, João Celso

Filho expressa reflexões filosóficas, existenciais, temas relacionados a terra onde nasceu e uma

vertente romântica como na poesia Ditosos, reproduzida a seguir:

Na várzea, entre joazeiros escondida,

Será nossa vivenda confortante ...

Eu cantarei de amor por toda a vida,

Tu de amor cantarás a todo instante.

Branca, nossa casinha estremecida

Será um ninho sem igual, cantante,

Onde eu terei e tu terás, querida,

Gozo, harmonia, paz e amor constante ...

Quão ditoso será o nosso ninho!

46 A poesia Terra Bendita, que dá título ao livro de João Celso Filho, ganhou o 1° lugar num concurso realizado

no Pará e foi traduzida para o espanhol por Rafael Guttieri. (CELSO FILHO, 1986, p. 18).

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Eu serei o teu doce canarinho,

Tu serás minha terna companheira.

Eu ao teu lado viverei sonhando,

Tu ao meu lado viverás cantando ...

Passaremos assim a vida inteira!. (CELSO FILHO, 1986, p. 38).

O professor Alfredo Simonetti era sócio do Centro Artístico Operário Assuense, da

Associação de Professores do Rio Grande do Norte e da Cooperativa dos Funcionários Públicos.

Na cidade do Assú incentivou a participação dos jovens no escotismo, promoveu várias festas

escolares, até mesmo em benefício da construção do Colégio Nossa Senhora das Vitórias, e

escreveu algumas peças literárias para serem encenadas por seus alunos.

Américo Simonetti (1995, p. 40, grifo do autor), informa que a herança cultural do

professor Alfredo Simonetti foi ampliada:

com a criação de textos didáticos e obras literárias [...] como Lições de

Pedologia, Análises por Diagrama e Composições, Lições de Pedologia e

Apontamentos de Geografia. Todos estes textos foram organizados e

trabalhados pelo professor Simonetti em forma de ‘pontos’, ou lições para seus

alunos.

Um dos grandes méritos do professor durante sua passagem pelo Grupo Escolar do Assú

foi ter incentivado os alunos do Curso Complementar do Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia a criarem o Grêmio Complementarista, associação estudantil que atuou por muitos anos

no contexto literário e cultural da cidade, como veremos mais adiante. Sendo considerado por

Rômulo Chaves Wanderley (1965, p. 111) “antes de tudo um professor, com breves incursões

pela poesia”, dado que por toda a sua vida preocupou-se com atividades de ensino, da literatura

e da cultura, Alfredo Simonetti escreveu versos líricos revelando sentimentos íntimos e alma

romântica e sonhadora.

Destacamos do professor Simonetti o texto Velas (Imitação de Correia), executado

por Clara Amorim e Silva, aluna do Curso Complementar, num festival realizado no dia 12 de

abril de 1925:

Vão se as primeiras Velas mar em fora

Tentar fortuna, brancas, desfraldadas;

Vão outras ... mais ... e outras enfunadas

Mal no horizonte já desponta a aurora.

E à tarde quando o Séo rubro descóra,

Dando lugar à noutes enluaradas,

Ellas vêm qual doudas namoradas,

Beijar a Terra que saudosa chora! ...

Também do nosso Amor onde esboroam

As Esperanças ... uma a uma aproam

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Como as Velas em busca dos coraes ...

No azul da Phantazia, elas se chocam ...

Morrem ... Mas se a um porto as Velas tocam,

Ellas ao nosso Amor não voltam mais ... (AMORIM, 1972, p. 66).

Assíduo colaborador e mantendo um bom relacionamento com a imprensa local, entre

1923 e 1925 o professor Simonetti atuou como colunista do jornal A Cidade, escrevendo

sistematicamente artigos e poesias. Estava sempre atencioso no envio de notícias sobre eventos

e para agradecer as divulgações ou homenagens que recebia, como a da passagem de seu

aniversário publicada em outubro de 1925 pela direção do jornal A Cidade:

Não podemos olvidar a data feliz do seu natal, pois que o Professor Simonetti

tem-se revelado um decidido e esforçado amigo desta terra. [...] Geralmente

acatado e estimado dos seus discípulos, o Professor Simonetti, tem sido

incansável nessa benemérita cruzada em prol do ensino, ora fundando

sociedade e criando um jornal para pugnar pelo interesse e desenvolvimento

da instrução, ora promovendo representações teatrais da mais salutar e benéfica

moralização, entre os seus educandos. (SIMONETTI, 1995, p. 30).

Mesmo tendo ido residir em Mossoró, o professor Simonetti continuou mantendo

contato com os literatos e educadores da cidade do Assú e à distância colaborava com o

jornalismo e a educação da cidade. Logo depois de seu falecimento, ocorrido no dia 23 de

janeiro de 1939, alguns dos seus ex-alunos e alunas do Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia fizeram-lhe uma saudosa homenagem manifestando carinho e gratidão pela dedicação

e o trabalho do professor no contexto educacional e cultural da cidade do Assú.

No dia 23 de fevereiro de 1939 seus alunos distribuíram uma polianteia47 de pequeno

formato que trazia na capa o retrato do professor Simonetti e as colaborações de alguns dos

seus amigos assuenses. Entre os textos desse livreto-homenagem, Amorim (1965, p. 37) destaca

“honra ao Mérito – de uma amiga - Descansa em Paz, de um assuense – Preces, de M.L. – Uma

Lágrima e uma Prece, de Palmerio Filho – Calvário, de Antônio Guerra – Duas Lágrimas, de

C.S.L. – Descansa em Paz, (versos) de Sinhazinha Wanderley”. A homenagem trazia ainda

notas biográficas e foi impressa na tipografia do jornal A Cidade.

Sobre Sinhazinha Wanderley, Montenegro (1978, p. 71) destaca que “com a pujança de

sua inspiração e amor telúrico ao seu Açu querido”, tornou-se uma musicóloga, escritora e

poetisa de grandes méritos “que conseguiu perpetuar-se nas músicas que compôs, nos versos

que fez. Centenas de meninos e de fieis cantam nas escolas e nas igrejas, a sua alma poética e

mística, através de hinos religiosos e patrióticos, os mais expressivos”.

47 Antologia de obras de uma pessoa ilustre, organizada em sua homenagem, ou referente a algum evento

notável.

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A professora colaborou em jornais no Assú escrevendo textos com temas diversos e

poesias, como na Revista Paládio (1915) em que publicou os versos Recreio e A nova Escola,

ou na Revista Atualidades de 1950 onde escrevia textos variados48. Seus manuscritos abordam

temas sentimentalistas, filosóficos, sociológicos existências. Muitas vezes, a professora

decantou as belezas naturais da terra e os tipos humanos e acontecimentos do Assú, como na

poesia reproduzida a seguir publicada na Revista Atualidades, em 26 de fevereiro de 1950 (p.

5, grifo da autora):

Assú, Às 11 do dia

São horas de almoçar, há movimento,

Badala no Mercado, uma sinêta,

Há gente pelas ruas, na Valeta

Um pequeno tropeça e, no momento...

Um carro a buzinar, corre violento

Um preto a pedinchar uma gorgêta,

Não guarda um só centavo na gaveta,

Compra aguardente em vez de um alimento!

Há silêncio nos lares. Nos hotéis,

Engenheiros, Bancários, Coronéis,

Vão fazer sua farta refeição.

Enquanto um pobre ser, acocorado,

Tira do “caco” um sebo mal torrado

E o põe a misturar-se no feijão...

Segundo Fonseca Filho (1984, p. 57), a professora era uma amante dos versos, que ora

se mostravam tristes, “ora jocosos. Escrevia versos para si e para os outros. Não havia um

batizado, festa de aniversário, bodas de casamento ou outro acontecimento social em que não

estivessem presentes as quadrinhas de Sinhazinha Wanderley”.

O uso da poesia e da literatura durante as aulas era uma prática constante da professora

no Grupo Escolar Tenente Coronel Jose Correia e estava em consonância com o Departamento

de Educação que orientava o uso e a declamação de poesias e prosas durante as aulas de língua

materna. (RIO GRANDE DO NORTE, 1925). De acordo com Clarice de Sá Leitão

(PINHEIRO, 1997, p. 151), a professora dava poesias e versos aos alunos, “muitos dos quais

ela própria fazia para aprendermos. Na hora da declamação ela chamava cada aluno que tinha

que vir a mesa da professora ao lado, e declamar em frente aos colegas”.

48 Apesar de não ter publicado nenhum livro, a produção intelectual da professora Sinhazinha Wanderley pode ser

encontrada em diversas obras de memorialistas e escritores assuenses como Wanderley (1965), Vasconcelos

(1977), Montenegro (1978), Fonseca Filho (1984), Lopes (2011) e na coluna Paisagens da Minha Terra que a

professora escrevia semanalmente no Jornal Atualidades, periódico que circulou na cidade do Assú durante o ano

de 1950.

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Esse recurso do uso das poesias em sala e a importância do ato de declamar,

relacionando ao mesmo tempo a escrita e a oralidade, nos remete a Frago (1993, p. 21). Para

esse teórico, “justamente porque a linguagem é um fenômeno oral, porque o homem é um ser

que fala – que pensa com a fala e que fala quando e como pensa -, [...] a alfabetização e a

oralidade não devem ser dissociadas”, pois, opor esses dois elementos fundamentais que

participam tanto do processo de escolarização quanto social, supõe “um empobrecimento de

ambas”.

Souza (1998, p. 202) afirma que no universo dos Grupos Escolares prezava-se por

poesias voltadas para as propostas de civilidade do ideário republicano e o professor “deveria

ter escrupuloso cuidado na escolha dos trechos de poesias, a fim de que não se caísse em certos

preceitos pouco próprios à elevação de bons sentimentos”. Aqui, é possível estabelecer relações

com as funções escolares e sociais apontadas por Frago (1993, p. 27), pois no processo de

alfabetização os textos, ou questões, não devem ser objetos “de ensino de um modo isolado,

separado ou sem relação com a vida e cultura” do alfabetizando. O ato de “alfabetizar não é só

ler, escrever e falar sem uma prática cultural e comunicativa, uma política cultural

determinada”.

Assim, entendemos que elementos como a poesia não exercem funções neutras no

contexto da educação presente nos Grupos Escolares. São atividades produzidas mutuamente

entre as normas da escola e as necessidades da sociedade. Dessa interação também surge uma

forma diferente de aprendizagem no cotidiano escolar. Segundo Magalhães (2004, p. 32):

A ação educativa, em síntese, integra um sujeito, um agente, um

argumento, os meios adequados e desenvolve-se num determinado contexto,

com vista a um fim. A educação é constructo que resulta da interação destes

elementos e destes fatores por apropriação do sujeito; é relação e

relacionamento.

Em termos educacionais, não há uma transmissão e uma assimilação lineares,

mas da interação entre os intervenientes e da (re)construção do argumento

cultural que serve de texto e de prática à ação educativa resulta um (novo)

produto e todos os intervenientes são afetados, quer pela ação, quer pelo seu

resultado e reflexão, como revela a evolução semântica do vocábulo

aprendizagem.

Retomando a concepção de educação estética, é importante salientar que a educação e

o despertar do gosto para o belo exige uma atmosfera iluminada e o próprio exemplo do

envolvimento dos professores com esse universo. De acordo com Veiga (2003, p. 411),

“somente num espaço que combine razão e sensibilidade é possível a consolidação das práticas

pedagógicas destinadas à educação do gosto e formação do novo cidadão”.

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Dessa forma, os mestres deveriam apresentar gosto artístico e literário, sentimento,

expressão e o envolvimento com o canto. E Sinhazinha Wanderley e outros professores citados,

por circularem por esses elementos na cidade do Assú, apresentavam condições indispensáveis

para influenciar hábitos dessa natureza em seus alunos.

Alguns dos alunos de Sinhazinha Wanderley no Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia tornaram-se poetas pela convivência com a professora, como é o caso de Rômulo

Chaves Wanderley. Ele nasceu no Assú em 1910 e recebeu as primeiras letras com uma senhora

chamada Mãe Aninha. Amorim (1965, p. 82) relata que Rômulo foi aluno do Grupo Escolar

Tenente Coronel José Correia “onde fez, com notas distintas, todo o curso primário e o

complementar, já publicava sonetos e poemas n’A Cidade e no Jornal do Sertão, para o qual

escreveu as primeiras crônicas, revelando sempre acentuado amor as letras”. Mudando-se para

Natal, Rômulo atuou nos jornais A República, Diário de Natal, A Notícia e Tribuna do Norte.

Como jornalista nato foi um dos fundadores da Associação Norte-Rio-grandense de Imprensa

e publicou alguns trabalhos49.

Sua obra mais famosa é o poema Canção da Terra dos Carnaubais, registrado em

livro com o mesmo nome no ano de 1965. Rômulo dedicou-o à professora Sinhazinha

Wanderley, que, segundo ele, “ao lado do Prof. Antônio Fagundes, no Grupo Escolar Tte. Cel.

José Correia, muito procurou ensinar-me, tendo, como recompensa, modestamente, a minha

gratidão e o que consegui aprender”. (WANDERLEY, 1965, p. 4). O texto contém oito estrofes

onde o poeta apresenta aspectos históricos do Assú, destacando o desenvolvimento econômico,

cultural e literário e exalta algumas figuras da cidade:

I

Minha terra tem poetas

De inspirações magistrais,

Nascidos ao farfalhar

De verdes carnaubais.

Minha terra floresceu

Às margens do rio Assú,

E deu filhos que lutaram

Nos campos de Curuzu.

II

A minha gente provém

De indígenas e portugueses,

E traz, no sangue, também,

O sangue dos holandeses.

Se os seus filhos, quando nascem,

Talento não denunciam,

49 Rômulo Chaves Wanderley publicou os seguintes livros: Uma tempestade num copo d’água (1951), Arca de

Noé (1952), Panorama da poesia norte-rio-grandense (1965), Canção da Terra dos Carnaubais (1965) e A geografia

potiguar na sensibilidade dos poetas (1984).

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Morrem na infância primeira,

Porque asnos lá não se criam.

III

Muitos deles, quando querem

Dar asas à inspiração,

Emigram para outras plagas,

Como aves de arribação.

E, mesmo sentindo nalma

Fundas saudades dalí,

Vêm cantar amôres

Às margens do potengí.

IV

E olhar de perto a praieira,

Da canção de Otoniel,

De olhos ternos, cismadores,

Lábios doces como mel,

Que ama escutar trovadores,

Que tenham vindo de lá,

Para dizer-lhe ao ouvido

Estrofes de Itajubá.

V

Minha terra tem história,

Poesia e tradição!

E em tempos idos, já foi

A Atenas do meu sertão.

Antigamente, a escola

Lá era risonha e franca,

E o negro, banqueteado,

Nos salões do amplo sobrado

Do barão de Serra Branca.

VI

Teve seu berço no Assú,

Luiz Carlos Lins Wanderley,

Que, médicin, malgré tout,

Era poeta de lei.

E os Soares e Amorins,

Macêdos, Caldas e Lins,

E outros mais, que ainda há,

Os quais, logo que nasceram,

Inspiração receberam

Nas águas do Poassá.

VII

Na poesia popular,

Houve Moisés Sesiom,

Que, semelhante a Bocage,

Glosava no melhor tom.

E não se deve esquecer

João Celso e Palmério Filho,

Que, na tribuna e na imprensa,

Pontificaram com brilho

VIII

Deus te salve, terra amada,

Berço dos meus ancestrais!

Eu morreria de mágua

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Se não te revisse mais.

Se não pudesse beijar-te,

Nos meus dias outonais,

Escutando o farfalhar

Dos verdes carnaubais. (WANDERLEY, 1965).

João de Oliveira Fonseca iniciou os estudos no Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia a partir de 1924, onde teve contato com o mundo das letras. Sua primeira mestra foi a

professora Sinhazinha Wanderley. Em coletânea sobre poetas do Assú, Lopes (2011) informa

que João de Oliveira Fonseca “deve sua tendência para poesia (além de ter nascido na Terra

dos Poetas), à sua primeira professora, poetisa Sinhazinha Wanderley”. Em seus escritos, João

Oliveira dá preferência para a quadra e a trova, como a que reproduzimos:

Cheio de tédio e cansaço,

Alma descrente, vencida:

Horas e horas eu passo,

Olhando o drama da vida.

Em toda trova que faço,

A razão não sei por que,

Há sempre um toque, um traço,

Que me faz lembrar você.

Com razão o povo diz,

(E nisto não se atrapalha)

Quem quiser viver feliz,

More num rancho de palha ...

Embora de mim te escondas,

E meu olhar não te atraia

Tenho o destino das ondas,

Que morrem beijando a praia. (LOPES, 2011).

Renato Caldas, poeta assuense que mais se destacou no campo literário na cidade do

Assú, também fez a Educação Primária no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia. O

poeta iniciou as primeiras letras na escola de dona Luiza de França em 1908 e em 1911 entrou

para o Grupo Escolar participando das primeiras turmas de alunos da instituição. Foi tipógrafo

e colaborou em jornais no Assú. Saindo da cidade, continuou trabalhando com imprensa nos

estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Atuando com literatura e arte, excursionou

por cidades do interior de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia recitando seus poemas e

tocando violão. Retornando ao Assú, se empregou como avaliador e partidor da Comarca do

Assú.

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Dos livros escritos e publicados pelo poeta, Fulô do Mato é o mais famoso50. De acordo

com Fonseca Filho (1984, p. 21, grifo do autor), mesmo sendo o Assú uma cidade que contou

com a atuação de grandes poetas “ninguém até hoje sobrepujou a poesia de Renato Caldas. Seus

versos são espontâneos e de uma graça excepcional. Lendo-se ‘Fulô do Mato’, não se tem

vontade de parar. Tudo nesse livro é bom” e é uma obra onde o poeta assuense expressa em

diversos momentos “os dramas angustiosos dos anos secos, das calamidades climáticas que

assolam a terra de seu berço”.

Do livro de Renato Caldas, destacamos o poema Açu (1980, p. 54):

Açu, de chapéu de palha!

Que luta ... vive e trabalha

Somente para comer.

Açu, que vive sofrendo

Na própria dor escondendo

A angústia do seu viver!

Heróis, poetas, escritores,

Boêmios e trovadores

Ilustram tradições!

Que não serão sepultadas

Para serem proclamadas

Pelas novas Gerações.

Meu Açu das vaquejadas!

Das noites enluaradas ...

Que gratas recordações!

Cantigas feitas de sonhos

Dos seresteiros risonhos,

Conquistando corações.

Dança dos Congos, Lapinha,

Folguedos da argolinha,

Bumba meu boi! Pastoril

Eram brincos engraçados,

Hoje porém, divulgados

De Norte a Sul do Brasil.

E, como o tempo é cruel!

Jogos de prenda ... e anel

Ninguém sabe onde ficou?! ...

Sei eu, onde está guardado

O meu Açu do passado,

Minha saudade guardou.

50 A 1ª edição desse livro saiu em 1940, pelo Diário da Manhã, de Recife; a 2ª edição circulou em 1953 pela

Tribuna da Imprensa, no Rio de Janeiro; a 3ª edição, em 1954, pela empresa Hoje, de São Paulo; a 4ª edição em

1970 pela Editora da UFRN, Natal; e a 5ª edição pela Fundação José Augusto, também em Natal. (CALDAS,

1980).

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5.2 O TEATRO NO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA

Amorim (1972, p. 20), registrando aspectos históricos do teatro no Assú e evidenciando

essa atividade cultural e artística tão aclamada no passado da Atenas Norte-rio-grandense,

destaca que o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia “no louvável propósito de estimular

os seus frequentadores nos domínios da literatura e da arte, desde seu início, sempre promoveu

festividades cívicas, cuja programação não era indiferente à arte de representar”, demonstrando

que a atividade teatral contribuía “para o aprimoramento intelectual, moral e cívico, espiritual

e educacional dos moços do Assú, de vez que o treinamento da ribalta equivale, não apenas a

um recreamento do espírito, mas, sobretudo, ao desenvolvimento educativo”.

As apresentações teatrais eram recorrentes nos festivais realizados nas datas

comemorativas e patrióticas seguindo as orientações do Departamento de Educação, que

instituía as festas escolares nos dias 3 de maio, festa da natureza, 7 de setembro, festa da Pátria,

e 19 de novembro, festa da Bandeira, entre outras. (RIO GRANDE DO NORTE, 1925). Souza

(1998, p. 254) esclarece que por meio das apresentações realizadas nessas datas comemorativas

e em outros momentos “a escola tornava-se palco e cenário, algumas vezes caprichosamente

ornamentado, onde alunos-atores encenavam para a sociedade o espetáculo da cultura, das

letras, da ordem, das lições morais e cívicas”.

Veiga (2003, p. 413) recorda que educar os sentidos e torná-los ativos por meio de

atividades como o desenho, a música, o teatro, a dança, entre outras, é:

o objetivo fundamental da educação estética na formação integral da criança.

É necessário, para isso, o exercício efetivo das práticas artísticas na escola, seja

na decoração da sala de aula, na execução de programas didáticos, na

realização de exposições, nas apresentações em festas, na comemoração das

datas nacionais.

A data cívica mais comemorada pelos alunos era o dia 7 de setembro, data de celebração

da Independência do Brasil e do aniversário da inauguração do Grupo Escolar Tenente Coronel

José Correia. Amorim (1972), registra que em 7 de setembro de 1923, os alunos realizaram um

festival lítero-dramático encenando a peça As três datas, do poeta Segundo Wanderley. Na noite

de 7 de setembro de 1926, o Grêmio Complementarista organizou uma hora artística no teatro

Alhambra contando com representações cênicas executadas em três partes. Na primeira parte

foi exibida a comédia A dona de casa. A segunda parte constou de números de variedades,

destacando-se a apresentação Alho e Pimenta, e na terceira parte foi encenada a comédia Quem

manda sou eu, escrita pelo professor Alfredo Simonetti.

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Ainda no teatro Alhambra, no dia 7 de setembro de 1927, o Grêmio Complementarista

realizou um festival lítero-dramático com um programa constando de variedades e as

encenações do drama em um ato O anjo dos pobres e a comédia A escola Pândega, escrita por

Francisca Clotilde. No dia 7 de setembro de 1929, foram exibidas diversas peças na ribalta do

próprio Grupo Escolar: Merenda das garotas, escrita por Irene de Drumont, As vogais e

Variedades. A última peça encenada nesse dia foi a comédia A dona da casa, escrita pelo

professor Carlos Goés e interpretada por alunas do Curso Complementar. (AMORIM, 1972).

No final do ano, durante o encerramento das aulas, eram recorrentes algumas

apresentações. No dia 8 de dezembro de 1924 foi exibida no próprio Grupo Escolar a cena

dramática Fé, Esperança e Caridade. Em 19 de novembro de 1927, dia de encerramento das

aulas e dedicado à Bandeira, efetuou-se na própria instituição escolar números de variedades e

a encenação de uma representação dramática que deixou boa impressão. No encerramento das

aulas do ano de 1928, ocorrido no dia 19 de novembro, foi promovido mais um festival

dramático. (AMORIM, 1972).

De acordo com Souza (1998, p. 274), nos diversos momentos de celebração nas

instituições escolares, enquanto “as datas cívicas objetivavam reforçar os símbolos de unidade

e solidariedade social e legitimar o regime político”, outras festividades diversas, como as

religiosas e profanas, “mostram a inserção na escola de costumes enraizados na prática social”.

Azevedo e Stamatto (2012, p. 14) assinalam que os Grupos Escolares se constituíam em

“centros de reunião social, pois centralizavam em sua sede eventos comemorativos entre as

escolas da região e, assim, tanto reuniam o seu público interno quanto recebiam a população

externa a ele, que, diante da expressão das comemorações, se encaminhavam a tais cerimônias”.

As festas escolares, cívicas ou não, também foram pensadas dentro da relação estabelecida entre

a cultura nacional e a educação estética, “como um momento de manifestação máxima de

emoções”. (VEIGA, 2003, p. 414).

Algumas festividades ocorriam em função do aniversário do corpo docente e diretores

do Grupo Escolar, como a comemoração do natalício do professor Alfredo Simonetti, em 1925:

Homenageando a transcorrência da data natalícia do seu esforçado

Diretor, o provecto Professor Alfredo Simonetti, a 24 de outubro de 1925, os

corpos docente e discente do Grupo Escolar Ten. Cel. José Correia

promoveram um festival que obedeceu ao seguinte programa: ‘Jeca Tatu na

cidade’, comédia pelos alunos do Curso Complementarista José Martins,

Demóstenes Amorim, Ezequias Fonseca. ‘O Lobisomem’ pelos alunos da

elementar masculina, João Martins, José Vieira, Francisco Oliveira, José

Quirino, Jônatas de Albuquerque, Sebastião Vieira e Plácido de Amorim e

Silva. Um ato de variedades pelos alunos de todos os cursos, para terminar com

a comédia ‘Visita a casa de tia Chica’ pelos alunos do Curso

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Complementarista, Ezequias Fonseca, Demóstenes Amorim e José Martins.

(AMORIM, 1972, p. 22, grifos do autor).

Como grande entusiasta do teatro a serviço da pedagogia no Grupo Escolar Tenente

Coronel José Correia, Sinhazinha Wanderley escreveu peças didáticas, incentivando a criação

de elencos formados por seus alunos. Entre essas encenações, destaca-se o texto A professora

de aldeia. Segundo Pinheiro (1997, p. 154), este drama escolar disposto em três atos foi

ensaiado e apresentado pelos alunos do Grupo Escolar e:

mostra a dinâmica de uma escola da zona rural, daquela época, onde uma

professora recém-formada, descendente de uma família abastada, que passou

a ser arrimo de família, expressa seus receios e ansiedades, ante a profissão do

magistério, no momento em que assume, como professora, uma classe.

O talento da professora Sinhazinha Wanderley para os textos teatrais é exaltado por

Amorim (1972, p. 23-24, grifos do autor). Segundo o memorialista, no dia 1° de dezembro de

1912, quando estava encerrando as atividades escolares:

os alunos levaram à cena, em palco adrede preparado, duas composições da

talentosa professora Sinhazinha Wanderley, denominada ‘A Taba Assú’ e ‘A

Reforma da Instrução’, que conquistaram francos aplausos, não só pelo bom

desempenho dado, como pela inteligente elaboração das peças.

De acordo com Pinheiro (1997, p. 158), a peça Taba Assú abordava questões da história

da cidade do Assú e “retratava de forma heroica a atitude do índio frente aos perigos da

dominação dos colonizadores”.

Os temas dos textos escritos pela professora expressam situações cotidianas e históricas

mostrando que a arte é uma ferramenta importante para refletir sobre temas mais amplos até

mesmo nos espaços de escolarização. Nesse sentido, Veiga (2003, p. 415) afirma que “o belo e

o sublime perfilam como novas emoções estéticas apresentadas à população e para o seu

desenvolvimento a escola é chamada”.

5.3 A CIRCULAÇÃO DE JORNAIS NO GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL

JOSÉ CORREIA

O jornalismo era outra atividade literária recorrente no Grupo Escolar Tenente Coronel

José Correia. De acordo com Amorim (1965, p. 48), o incentivo para esse tipo de atividade

tinha a finalidade de trazer às novas gerações “traços da vida e das atividades jornalísticas dos

homens que no passado e, também no presente, muito fizeram e fazem para dar nome e renome

ao Assú, através de exemplos edificantes de desprendimentos pessoais e nobreza de atitudes”.

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De acordo com Frago (1993, p. 96), atividades como a imprensa, que leva em conta uma

pluralidade de códigos, sistemas ou tecnologias de armazenamento, transmissão e recepção de

informação com diferentes funções, usos e valorização social, são importantes no processo de

construção de “uma tipologia das alfabetizações nas sociedades de escolarização e alfabetização

generalizadas”.

Complementando as perspectivas de Amorim e Frago, entendemos que a imprensa e sua

relação com a educação constitui-se num corpus documental permeado de inúmeras dimensões,

consolidando-se como testemunho de métodos e concepções pedagógicas de um determinado

período histórico e dos sujeitos que a produz. Para Araújo, Carvalho e Gonçalves Neto (2002,

p. 72), a imprensa ligada à educação pode ser fruto:

da própria ideologia moral, política e social, possibilitando aos historiadores

da educação análises mais ricas a respeito dos discursos educacionais,

revelando-nos ainda, em que medida eles eram recebidos e debatidos na esfera

pública, ou seja, qual era a sua ressonância no contexto social.

Segundo Amorim (1965, p. 27), o primeiro órgão de incentivo às artes e à literatura a

funcionar no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia foi a Associação Literária Palmério

Filho, que organizava o jornal O Alfabeto. Esse periódico tinha publicação mensal e foram

lançados apenas dez números pelo custo de 1$000, por trimestre. O primeiro saiu no dia 19 de

novembro de 1917 e o último no dia 21 de abril de 1919. O jornal contava com a colaboração

das alunas Maria Antônia de Morais, Cecília Cândida da Silva, Maria Augusta de Sá Leitão,

América de Queiroz e Maria Deborah da Fonseca.

As atividades culturais e literárias comuns no universo da Atenas Norte-rio-grandense

encontraram um campo fértil de germinação na atuação dos alunos do Curso Complementar.

Esses, fundaram no dia 8 de fevereiro de 1925 o Grêmio Complementarista, órgão escolar com

importante participação na vida cultural assuense apresentando dramatizações e realizando

atividades no campo do jornalismo, visando um maior envolvimento cultural por parte dos

próprios alunos do Grupo Escolar.

A posse da diretoria da agremiação ocorreu em 24 de fevereiro de 1925. Foi formada

por Clara de Amorim e Silva, presidente; Dalila Fagundes Caldas, vice-presidente; Rosália

Fonseca, secretária geral; Ofélia Wanderley, substituta da secretária; Marta Wanderley,

oradora; Lívia Cysneiro, substituta da Oradora e Demóstenes Amorim, tesoureiro. (AMORIM,

1965).

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Para difundir ainda mais as atividades desenvolvidas pela agremiação, os alunos

resolveram produzir um jornal de circulação local e organizaram algumas ações no sentido de

angariar recursos para levar adiante esse objetivo:

Em benefício de um órgão de publicidade que viesse a servir de

aprendizagem aos seus associados, o que aliás se concretizou com a publicação

do “O Paládio”, a 7 de setembro de 1925, o Grêmio levou a efeito no teatro

“Alhambra” mais um festival lítero-dramático na noite de 12 de abril de 1925,

dividido em quatro partes: A primeira foi “Paládio por Dentro” – Jornal falado

assim distribuído: O nosso Destino – Editorial do Professor Alfredo Simonetti,

Sursum Corda – Redação – Dalila Fagundes, o Luar do Sertão – Fantasia –

Rosália Fonseca, Saudade – Fantasia – Marta Wanderley, Palmério Filho –

redação – Ezequias Fonseca, O Grupo Escolar – Clara de Amorim e Silva,

Crônica Social – Redação – Deborah Fonseca. A segunda constou da

representação do entreato “Ave Maria” produção do apreciado intelectual

norte-riograndense, já desaparecido, Jorge Fernandes, tomando parte nele

Clara de Amorim e Silva, Marta Wanderley e Maria Eufrosina. A terceira parte

do programa que pelo seu bem acabado desempenho despertou vibrantes

aplausos, constou dos seguintes números: “Velas” barcarola por Clara de

Amorim e Silva, Marta Wanderley e Maria Iná.

Com a encenação da comédia “O Progresso Feminino”, da autoria da

inteligente escritora brasileira D. Maria Amélia Rodrigues, a quarta parte do

programa, terminou o festival. Na sua representação que alcançou rasgados

elogios da seleta assistência, pela absoluta correição dos papéis exercidos,

figuraram as complementaristas, Rosália Fonseca, Maria Lima, Maria

Eufrosina, Clara de Amorim e Silva, Ezequias Fonseca e Deborah Fonseca.

(AMORIM, 1972, p. 21, grifos do autor).

O primeiro número do Jornal O Paládio, órgão oficial de publicidade das atividades do

Grêmio Complementarista do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, circulou na cidade

do Assú no dia 07 de setembro de 1925. O periódico de circulação mensal era dedicado ao

ensino, literário, “veiculava as notícias da época, [...] oferecia artigos de conhecimentos gerais,

lições de geografia, contos e etc.”. (SIMONETTI, 1995, p. 38).

Em seu artigo de apresentação dizia ter nascido fadado para um futuro promissor e belo

e trazia o retrato do emérito assuense Dr. Nestor dos Santos Lima. Era impresso no Atelier

Otavio, em Mossoró, quase sempre em tinta de cor e media 35x25. Em 16 de março de 1927 o

periódico entrou em sua segunda fase, com o mesmo tamanho e o mesmo preço das assinaturas

e permaneceu com a circulação mensal. Mas na nova fase a impressão era feita nas oficinas do

jornal A Cidade, em Assú, e quase sempre em tinta azul. As principais dirigentes do Jornal O

Paládio foram Maria Maristela Amorim Souto, Marta Wanderley e Maria Deborah da Fonseca.

(AMORIM, 1965, p. 31).

As descrições de Américo Simonetti e Francisco Amorim expressam as principais

informações que o periódico procurava destacar, como a relação direta com o ensino, o universo

literário, propagando notícias que circulavam na época, oferecendo para seus leitores artigos de

conhecimentos gerais, além de concentrar lições educacionais como geografia e versos. Essas

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informações fornecem um panorama do corpo do jornal, mas podemos supor que existia uma

preocupação em ampliar conhecimentos e conteúdos fazendo do próprio periódico um veículo

pedagógico. Outro ponto significativo é a preocupação na circulação das notícias da época e

conhecimentos gerais, demonstrando uma sintonia com os fatos e a realidade contemporânea.

O desejo das responsáveis do jornal em fazê-lo continuar circulando é digno de nota,

pois, numa cidade como o Assú onde existia uma grande quantidade de periódicos mesmo

circulando de forma efêmera, não deveria ser fácil para um grêmio estudantil consolidar esse

projeto por tanto tempo. E chama a atenção a homenagem feita pelos alunos ao Dr. Nestor dos

Santos Lima, Diretor Geral do Departamento de Educação à época de circulação do jornal,

deixando entrever o orgulho do povo assuense por ter um filho da terra ocupando um cargo tão

importante num órgão da administração do estado.

Dessa forma, entendemos que a produção desse tipo de jornal permite compreender a

forma de circulação de ideias sobre os conteúdos transmitidos e ensinados na escola e, ao

mesmo tempo, evidenciam as concepções educativas que permeavam a proposta de formação

dos estudantes. Segundo Passos e Pavan (2012, p. 238), esses impressos podem ser vistos como

documentos preciosos e “fontes indicadoras do projeto de formação social desencadeado pela

escola, ainda mais ao mostrarem que os conhecimentos escolares não eram socialmente neutros.

Tinham uma função social e política e contribuíam para manter as hierarquias sociais”.

Além de transmitirem os saberes escolares, os impressos escolares como o Jornal O

Paládio, ensinam aos alunos esquemas ligados à organização da própria sociedade. Assim,

concordamos com Faria Filho (2014, p. 87, grifos do autor), quando o autor salienta que “apesar

do ‘domínio’ ser o escolar, este já não pode se auto-organizar ou definir suas próprias regras e

formalidades: é preciso o concurso de outros conhecimentos e tecnologias de ‘tratamento’ do

humano”.

Nesse sentido, percebemos que o jornalismo, associado ao campo da história da

educação, transforma-se em objeto de referência para apreendermos e assimilarmos o processo

histórico-educacional. Essa interação faz emergir novas interpretações edificando outras

concepções de educação e possibilitam-nos visualizar horizontes diversificados e múltiplas

aproximações envolvendo questões relacionadas ao campo educacional. Maria Helena Câmara

Bastos e Denice Bárbara Catani, citadas por Araújo, Carvalho e Gonçalves Neto (2002, p. 74),

assinalam que:

A imprensa pedagógica – instrumento privilegiado para construção do

conhecimento, constitui-se em um guia prático do cotidiano educacional

escolar, permitindo ao pesquisador estudar o pensamento pedagógico de um

determinado setor ou grupo social, a partir da análise do discurso veiculado e

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a ressonância dos temas debatidos, dentro e fora do universo escolar.

Prescrevendo determinadas práticas, valores e normas de conduta, construindo

e elaborando representação do social, a imprensa pedagógica afigura-se como

fonte por professores para professores, feita para alunos por seus pares ou

professores, feita pelo Estado ou outra instituição como sindicatos, partido,

Associação e igrejas. Sua análise possibilita avaliar a política das organizações,

as preocupações sociais, os antagonismos e as filiações ideológicas, as práticas

educativas e escolares.

Como vimos anteriormente, o professor Alfredo Simonetti foi o principal incentivador

da criação do Grêmio Complementarista no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia e

atuava com os alunos no jornal da agremiação. De forma elogiosa e simpática, os alunos sempre

expressavam muito carinho e respeito pelo professor, inclusive com publicações no próprio

jornal O Paládio. Em nota de 1925 afirmavam ser o professor Alfredo Simonetti um:

espírito esclarecido pelo fanal da inteligência burilado no cadinho da instrução

haurida na Escola Normal de Natal, caráter de rija têmpera, paladino

intemerato pela causa do bem nos campos da instrução, o professor Simonetti

não se tem poupado a nenhum esforço na incessante faina de instruir e educar.

(SIMONETTI, 1995, p. 30).

O Grêmio Complementarista tornou-se um órgão de reconhecida utilidade pública e

prestou relevantes serviços aos estudantes e a sociedade assuense. A agremiação fundou

gratuitamente, para crianças e adultos de ambos os sexos, uma aula noturna no Grupo Escolar

Tenente Coronel José Correia regida pelos próprios alunos do Curso Complementarista. Alguns

anos depois, essa aula foi oficializada pelo Departamento de Educação passando a ser

ministrada por professores diplomados. (SIMONETTI, 1995, p. 38).

Antes da inauguração do Educandário Nossa Senhora das Vitórias, ocorrida no dia 09

de março de 1927, diversos setores da sociedade assuense mobilizaram campanhas para a

arrecadação de recursos e empreender a construção do prédio que abrigaria as Filhas do Amor

Divino e as futuras alunas da instituição. No dia 24 de junho de 1925, o Grêmio

Complementarista do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia realizou um festival infantil

no Teatro Alhambra em benefício das obras para a construção do Educandário. De acordo com

Amorim (1972, p. 22), o festival contou com comédias e variedades e teve “a melhor acolhida

pelo crescido número de famílias que ao festival compareceu”.

Por iniciativa do então diretor do Grupo Escolar, professor Alfredo Simonetti, o Grêmio

Complementarista novamente promoveu, na noite de 13 de maio de 1926, “um festival,

encenando, entre outras representações, as cenas dramáticas ‘As Sete Notas’ e a brilhante

opereta ‘Tereza ou Judith’, de Rodrigo Otávio. O festival rendeu pouco mais de 300$000”.

(AMORIM, 1977, p. 12-13, grifos do autor).

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Um fator importante desses eventos organizados pelo Grêmio Complementarista é que

além de se mostrarem beneficentes, tornam-se opções de lazer e “o elemento cultural de uma

sociedade, pois essa se agrega, se socializa e interage por meio dessas manifestações”. (GATTI;

GATTI JÚNIOR; INÁCIO FILHO, p, 219). A atuação do grêmio também evidencia uma ampla

possibilidade de ações no contexto do Assú e uma participação ativa da população escolar no

desenvolvimento cultural da cidade.

Ainda que atuações como as do Grêmio Complementarista tenham ocorrido de forma

localizada, concordamos com Gonçalves Neto (2002, p. 222) quando o autor afirma que esse

tipo de iniciativa “significava a tentativa de incorporação de valores cultivados nos distantes

grandes centros, que serviam de espelho para os emergentes do interior”.

Como vimos anteriormente, a introdução e a apropriação de novas atividades nos

programas escolares, como o canto, a dança, o teatro e a difusão da literatura envolvendo a

poesia e jornalismo, temas explorados nesse capítulo, visaram ao aperfeiçoamento dos sentidos,

mas, atentavam para a formação do sujeito autônomo. Para Veiga (2003, p. 419), as gerações

formadas nas vivencias dessas práticas, recitando poesias, apresentando peças teatrais, cantando

o hino nacional em festas públicas, participando de atividades cívicas, entre outras, “guardaram

na memória o que diziam ser o melhor da escola, as trocas de emoções, as formas de

sociabilidade e a ansiedade que antecedia o início do espetáculo”.

Observamos que a introdução das atividades culturais e literárias no Grupo Escolar

Tenente Coronel José Correia foi significativa inclusive para a inserção das mulheres nesse

universo. Tanto na Associação Literária Palmério Filho como no Grêmio Complementarista,

percebemos uma atuação importante das alunas que estavam sempre à frente assumindo a

direção, a redação ou o secretariado dos jornais publicados pelas associações, O Alfabeto e O

Paládio, respectivamente.

Em sua importante pesquisa sobre a história da imprensa na cidade do Assú, Amorim

(1965) faz menção a essas colaboradoras que participaram de forma efetiva e atuante da

imprensa no Grupo Escolar, como Maria Antonia de Morais, Cecília Cândida da Silva, Maria

Augusta de Sá Leitão, América de Queiroz, Marta Wanderley, Maria Deborah da Fonseca e

Maria Maristela Amorim Souto. Até mesmo nas dramatizações e festivais literários organizados

na instituição educativa eram frequentes as participações das alunas encenando ou recitando

poesias e textos51.

51 Infelizmente, não conseguimos encontrar fontes ou informações de possíveis produções poéticas das alunas do

Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia. Aparentemente, ao menos nesse campo o acesso continuava sendo

predominantemente masculino

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Essa constatação denota um crescimento elevado do número de mulheres recebendo a

escolaridade elementar nas primeiras décadas do governo republicano. Como apontamos no

capítulo 3, existiu uma dificuldade para identificarmos os momentos de funcionamento das

Escolas de Primeiras Letras femininas na cidade do Assú e a quantidade de meninas que

recebiam a Educação Primária na cidade. No Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia,

mesmo com salas por diferenciação sexual, constatamos um atendimento igualitário com a

presença de classes para meninos e meninas. Nesse sentido, Souza (1998, p. 114) afirma que a

instituição dos Grupos Escolares “facilitou o acesso da mulher à escola primária”.

Também fica evidente que os hábitos culturais e literários presentes nesse espaço de

escolarização são portadores de práticas simbólicas e significados socioculturais. Expressam

uma cultura que se manifesta no universo escolar e no imaginário sociopolítico, disseminando-

se por toda a sociedade. Apesar de ser um espaço aparentemente encerrado em seus muros,

grades e paredes, e outras fronteiras não materiais, nesse movimento de circulação de ideias e

hábitos o Grupo Escolar abria-se para as manifestações presentes na cidade, na rua, na

sociedade.

É importante retomar até mesmo os projetos nacionais e a ideia de formação da nação

com sua perspectiva civilizada de recriação do povo. Segundo Gonçalves Neto (2002, p. 223),

essa mesma ideia “é gestada nos grandes centros mas alcança o interior, onde os representantes

da intelectualidade ilustrada se encarregam de divulgar para a população letrada os princípios

básicos por que se pugna”.

Frago apresenta uma série de elementos de valorização da alfabetização que mantêm

relação com alguns dos pontos levantados em nosso trabalho, como a poesia, a imprensa e o

teatro, e se aproximam da ideia de educação pedagógica apontada por Veiga (2003). Segundo

ele, os modos de expressão e pensamento da escrita, da leitura e da oralidade devem ser

recuperados culturalmente pois são:

aqueles que, através da voz e do som, incorporam – fundindo utilidade e

estética – o ritmo, a rima, a música, a canção, o canto, a fórmula, a expressão

poética e o corpo – movimento, dança, gestos. Aqueles que implicam, em

uníssono, o corpo e a mente, que frente à perspectiva única e ao ponto de vista

fixo, linear, analítico e distante, recorrem ao ‘olho móvel’, ao empático, à

receptividade envolvente e à confrontação/identificação com ele ou com os

ouvintes. Aqueles, enfim, que privilegiam os valores estéticos, emocionais,

poéticos e imaginativos, a fantasia, o humor e a ironia, o absurdo, os jogos de

palavras, o paradoxo, o contraditório e o ambíguo, a metáfora, o mito e a

retórica como relato ou arte de contar histórias. Não a fragmentação e o

isolamento, mas o global e o comunicativo. Só a partir do desenvolvimento da

oralidade como cultura e da revalorização na escola e em outros contextos

sociais de intercâmbio de informação dos modos de expressão e pensamento

característicos dessa oralidade, é possível assentar o alfabetismo e a

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‘literalidade’. Não a partir da oposição e do esquecimento, menos ainda a partir

do quixotiano desprezo, mas a partir do pleno desenvolvimento de ambos os

âmbitos – o da oralidade e o da escrita; ou seja, a partir daquela interação que

corresponde a uma cultura não já apenas oral, mas tampouco apenas escrita,

mas mista. Nada ilustra melhor esta necessidade que a análise das mudanças

ocorridas nos usos e práticas da leitura e da escrita. (FRAGO, 1993, p. 87-88,

grifos do autor).

As atividades culturais e literárias vigentes no Grupo Escolar Tenente Coronel José

Correia colocavam em circulação a produção desenvolvida na cidade. Fruto da atuação dos

antepassados de seus alunos, encontraram seu primeiro ponto de convergência nas Escolas de

Primeiras Letras do período imperial, ao mesmo tempo que colaboravam com o processo de

Educação Primária.

Para Faria Filho (2014, p. 75-76, grifo do autor):

a relação entre escola e cidade não é tipo ‘criador e criatura’, mas que

observamos muito mais um processo de produção mútua, onde o lugar da

escola é definido no espaço da cidade – enquanto prática de apropriação

específica do/no urbano e, em contrapartida, a cidade vai definindo seu lugar

específico no espaço da escola – no sentido que vai impondo à escola uma

maneira específica de conceber e ordenar as relações sociais.

Atentando às relações interacionais entre a escola e a comunidade envolvente,

Magalhães (2004, p. 163) destaca:

Privilegiar a relação entre a instituição educativa e o espaço

geográfico e sociocultural envolvente é tomar como pressuposto que toda a

instituição, na sua dinâmica histórica, erige um espaço de envolvimento e de

influência – o território educativo. Esse território, sociocultural e geográfico,

pode ser descontíguo à instituição, como pode, de igual modo, sofrer alterações

de localização e de configuração ao longo do tempo.

5.4 O GRUPO ESCOLAR COMO ESPAÇO DE EXCLUSÃO SOCIAL

Apesar de ter se tornado um importante espaço de convergência e circulação de hábitos

e atividades culturais e literárias no Assú, a implantação do Grupo Escolar Tenente Coronel

José Correia não anulou a presença de outros modelos de instrução primária na cidade. O

Decreto n° 239, de 15 de dezembro de 1910 orienta em seu artigo 2° que “o ensino primário

será dado nos grupos escolares, cadeiras isoladas e escolas nocturnas estabelecidas em cada

município”.

Em seu artigo 5°, a Lei n. 405 de 29 de novembro de 1916 (RIO GRANDE DO NORTE,

p. 9) registra que as escolas isoladas eram estabelecimentos de “ensino primário creado pelo

governo do Estado, da mesma forma que os grupos escolares, porém sem dependência de outras

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escolas”, podendo “ser mixtas, masculinas e femininas, diurnas e nocturnas” e ministrando “o

ensino por meio de cursos graduados, infantil e elementar, com o mesmo material escolar e

pedagógico que os grupos escolares”.

Além do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, que por volta de 1929 contava

com uma matrícula de 161 alunos52, existiam mais três escolas subvencionadas pelo governo

estadual ou municipal funcionando no centro do Assú: a Escola Santa Ignes, mista, dirigida

pela professora particular Maria Eufrosina Fernandes com a matrícula de 116 alunos; a Escola

Santa Therezinha, mista, dirigida pela professora particular Josefa Soares de Macedo com 24

alunos, e o Colégio Nossa Senhora das Vitórias, da Congregação das Filhas do Amor Divino,

com uma matrícula de 78 alunas. (PINHEIRO, 1997). O Colégio Nossa Senhora das Vitórias

funcionava em um prédio próprio e atendia prioritariamente meninas de elite, inclusive de

outras cidades da região, que ficavam na escola em regime de externato, semi-internato ou

internato.

Outras escolas funcionavam nesse mesmo período na zona rural da cidade: Escola

Rudimentar53 do Piató de Baixo, mista, dirigida pela professora Luiza de França Siqueira de

Faria, com a matrícula de 57 alunos; Escola Rudimentar de Comboeiro, mista, dirigida pelo

professor João Ignácio Pereira Netto, com uma matrícula de 40 alunos; Escola Rudimentar de

Rosário, mista, dirigida pelo professor José de Calazans de Oliveira, com uma matrícula de 30

alunos e a Escola Rudimentar de Canto do Mangue, mista, dirigida pelo professor Virgílio

Bráulio dos Santos, com uma matrícula de 37 alunos. Os professores dessas escolas

rudimentares eram particulares, contratados pelo Departamento de Educação do Estado. O

munícipio dava a casa, o mobiliário e o expediente. (AMORIM, 2008).

Observamos nos dados apresentados que existiam 379 alunos matriculados no centro da

cidade e 164 na zona rural, contabilizando um total de 543 alunos matriculados no município

em 1929.

Pinheiro (1997, p. 147) apresenta alguns dados referentes ao ano de 1920:

Tanto as escolas particulares subvencionadas quanto a pública atendiam a um

número reduzido da população, pois segundo a estatística registrada no

recenseamento de 1920, o município do Assú contava com 24.779 habitantes,

dos quais 11.992 pertenciam ao sexo feminino e 12.787 ao sexo masculino,

52 Percebemos que o atendimento no Grupo Escolar aumentou consideravelmente nesse ano em relação a matrícula

no ano de inauguração, 1911, que era de 90 alunos. A implantação do Curso Complementar misto pode ter

favorecido esse aumento. 53 As escolas isoladas e rudimentares contavam com um sistema misto e eram “disseminadas por vilas, povoações

ou fazendas, atendendo a uma clientela infantil, adolescente ou adulta, formada, em sua maioria, por pessoas

pobres ou que, mesmo abastadas, encontravam-se distanciadas dos centros mais evoluídos”. (ARAÚJO, 1979, p.

128).

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sendo 13.124 adultos e 11.655 crianças. Das crianças, 4.870 encontravam-se

com idade igual ou maior que oito anos, portanto em idade escolar, e 6.785

menores de oito anos. Quanto aos adultos, 3.383 sabiam ler e escrever,

enquanto que 9.741 eram analfabetos.

O Colégio Nossa Senhora das Vitórias ainda não havia sido construído em 1920 e não

encontramos informações sobre outras escolas funcionando na cidade do Assú nesse ano além

do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia.

No ano de 1929, quando existem registros de outras escolas em todo o município como

mostramos anteriormente, o número total de alunos matriculados era de 543. Por volta dessa

época, a estimativa populacional era de 28000 habitantes. Concluímos que as escolas presentes

no município atendiam um percentual de aproximadamente 2% da população. Esses dados

evidenciam que a educação escolar precisava ser bastante difundida para que o índice de

analfabetismo diminuísse de forma mais consolidada no município.

Em relatório de 1928, Amorim (2008, p. 16) afirmava à época que “o município de Assú

é um dos que mais se preocupa com a instrução pública. Não obstante a média de frequência

escolar é muito baixa em relação à sua população infantil”, explicando-se a dificuldade de

combate ao analfabetismo na cidade “pela grande disseminação das habitações e falta de meios

fáceis de comunicação”. De acordo com Pinheiro (1997, p. 147), considerando a quantidade de

pessoas em idade escolar na cidade, o grande número de analfabetos decorria “da reduzida

oferta de escolas, uma vez que as escolas subvencionadas particulares atendiam [...]

praticamente aos filhos de proprietários rurais, comerciantes e alguns filhos de moradores das

fazendas”.

Agregue-se a isso o fato de os prédios construídos para o funcionamento de um Grupo

Escolar não possuírem “um número grande de salas de aula, e que cada municipalidade

construía apenas um edifício para o funcionamento de um grupo escolar”. (AZEVEDO;

STAMATTO, 2012, p. 119).

As escolas mais importantes que funcionavam no centro do Assú em 1929 eram o

Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia e o Colégio Nossa Senhora das Vitórias. Por

contarem com um espaço arquitetônico próprio, mais estruturado para a aplicação das aulas,

uma organização bem elaborada em termos de hierarquia e métodos didáticos e pedagógicos,

poderiam ser os espaços preferidos para o atendimento dos filhos da elite local. Dessa forma,

apesar de parecer colaborar com a diminuição do analfabetismo, dado que concentrava a maior

quantidade de alunos, o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia não favorecia o acesso à

maioria da população. De acordo com Pinheiro (1997, p. 148), o perfil excludente era notado

em elementos simples:

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A seletividade e excludência estavam presentes em decisões de aparente

irrelevância, como por exemplo, o fardamento escolar. A primeira farda

(1911), segundo se observa em fotografias e descrições feitas através de

depoimentos orais, expressam um tipo de indumentária própria a uma camada

social mais favorecida. O referido fardamento é assim apresentado: para as

meninas, vestido branco, com faixa na cintura de cor azul natiê, saia com

pregas, blusa com gola e punhos contornados com bico; para os meninos, calça

curta e camisa de cor branca. Todas as crianças usavam chapéu da mesma cor

e tecido da farda, sapato e meia.

Segundo Saviani (2013, p. 175), durante a Primeira República os Grupos Escolares

funcionavam como “uma escola mais eficiente para o objetivo de seleção e formação das elites.

A questão da educação de massas populares ainda não se colocava”. Apesar de ter se mostrado

um modelo escolar desenvolvido e organizado em relação as antigas Escolas de Primeiras

Letras do período imperial e ofertarem uma educação de qualidade, os Grupos Escolares se

tornaram uma instituição educativa que não atingia a grande parcela da população.

Como citado anteriormente, as escolas existentes em Assú atendiam principalmente os

filhos da elite local formada em geral por proprietários rurais, comerciantes e fazendeiros. Essas

famílias poderiam estar preocupadas com um projeto social mais amplo voltado à formação

escolar de seus filhos para o atendimento dos serviços públicos e privados da cidade. Dessa

forma, as novas gerações continuariam exercendo os melhores serviços e direcionando para as

classes mais pobres e, talvez, mais desinformadas, os serviços braçais. É importante lembrar

que para Frago (1993, p. 41), o processo de alfabetização escolar historicamente mantém uma

correspondência direta com a estrutura sócio-ocupacional e:

mostra sua distribuição desigual entre os diferentes estamentos, classes,

categorias ou grupos sociais. O modelo ou processo de alfabetização seguido

pode modificar essa distribuição, atenuar ou acentuar diferenças, afetar ou não

determinados grupos, mas, em qualquer tempo e lugar, não se pode fazer sua

história sem fazer, ao mesmo tempo, a história da sua distribuição social

desigual. Sua evolução não é, em todo caso, linear. Uns grupos avançam e

outros estancam ou retrocedem comparativamente, mas a generalização do

processo sempre ocorre, em suas linhas gerais, das camadas sociais superiores

para as inferiores.

O paradigma excludente dos Grupos Escolares em suas primeiras décadas de

funcionamento é identificado em diversos lugares do Brasil. Na Paraíba, Pinheiro (2002, p. 125)

observa que a “implantação e expansão desse novo tipo de instituição escolar ocorreu de forma

desigual e atendeu necessidades sociais e culturais condicionadas a particularidades políticas e

econômicas e no nível de organização escolar existente em cada estado”. Em São Paulo, Souza

(1998, p. 113) aponta que em suas primeiras décadas de funcionamento os Grupos Escolares

apresentavam um perfil seletivo “voltado para alguns setores, isto é, aqueles mais bem

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integrados na sociedade urbana e mantendo excluídos os trabalhadores subalternos, os negros,

os pobres, os miseráveis”.

Nesse sentido, percebemos que em seus primeiros anos de funcionamento os Grupos

Escolares mantém uma relação intrínseca com interesses particulares associando a imagem

dessas instituições a espaços que reforçam hábitos excludentes, fazendo desse perfil uma

identidade inerente à essas instituições educativas. De acordo com Magalhães (2004, p. 69):

na sua ação concreta e do quotidiano, como na dimensão temporal, as

instituições educativas, sendo instâncias complexas e multifacetadas,

engendram e desenvolvem culturas, representações, formas de organização,

relacionamento e ação que se constituem em fatores de diferenciação e de

identidade. Inseridas em contextos geográficos e em tempos históricos

marcados por fatores de natureza sociocultural, conjunturas e circunstâncias

históricas específicas, estas instituições, se bem que estruturadas por uma

matriz de base e perseguindo objetivos comuns, existem de forma própria e

este quadro existencial fomenta representações e apropriações, elas mesmas,

diferenciadas.

Como observamos nos capítulos anteriores, a cidade do Assú no final do século XIX e

primeiras décadas do século XX, era marcada por diversos elementos excludentes. Até mesmo

a expansão cultural e literária desenvolvida de forma tão importante na cidade apresentava

marcas da contribuição e participação ativa prioritariamente da elite local. Assim, acreditamos

que ao menos em suas primeiras décadas de funcionamento o Grupo Escolar Tenente Correia

José Correia, e, consequentemente, as atividades culturais e literárias presentes na instituição

educativa, continuaram reproduzindo o mesmo perfil excludente identificado nas Escolas de

Primeiras Letras do Império, perpetuando essa realidade tão enraizada na cidade.

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CONCLUSÃO

Por meio deste trabalho tentamos reconstruir a história da Educação Primária na cidade

do Assú em dois períodos importantes da formação de nosso país: Império e Primeira

República.

O objetivo geral que estipulamos tinha como meta uma análise da importância da

Educação Primária para a construção da identidade dessa pequena cidade do interior do Rio

Grande do Norte, conhecida como Atenas Norte-rio-grandense, considerando as influências e

contribuições que se estabeleceram entre as atividades culturais e literárias desenvolvidas na

cidade e o processo de escolarização nos períodos estudados.

A cidade recebeu essa cognominação exatamente em função da expansão cultural e

literária com destaque para o jornalismo, o teatro e a produção poética. E os espaços de

escolarização aos quais nos referimos são as Escolas de Primeiras Letras, implantadas na

cidade em 1829, e o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, inaugurado em 1911,

modelos de escolarização de instrução primária, remetendo exatamente ao nosso objeto de

estudo.

Observamos que a Educação Primária ofertada nas Escolas de Primeiras Letras foi

importante no processo de interação com a cultura local, por se tratar de espaços de

alfabetização, com práticas de leitura e escrita, atividades essenciais para o desenvolvimento

cognitivo e formativo dos educandos e necessárias para a inserção em um mundo letrado.

Entretanto, a participação de professores e alunos das Escolas de Primeiras Letras no universo

cultural e literário da cidade do Assú ocorria de forma isolada, não estabelecendo uma relação

mais próxima do espaço escolar.

Por parte dos professores, identificamos a participação de Elias Souto, jornalista,

orador e escritor, e do professor Olegário Oliveira, que desenvolveu atividades no campo da

poesia. Em relação aos alunos de Escolas de Primeiras Letras no Assú, destacamos a atuação

de Luiz Carlos Wanderley, jornalista, teatrólogo e poeta e membro de uma das famílias que

mais contribuiu com o movimento cultural e literário na cidade. Podemos citar os nomes dos

irmãos Francisco Amorim, Palmério Filho e Teógenes Amorim, que colaboraram

significativamente com o desenvolvimento das letras na cidade, atuando no jornalismo, na

produção poética e textos diversos. E identificamos ainda os nomes do jornalista Afonso de

Ligori Soares de Macêdo e dos poetas Mariano Coelho e Antônio Soares de Araújo. Todos

receberam as primeiras letras na cidade do Assú e faziam parte da elite local.

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Com a implantação do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, em 1911, a

interação entre o processo de escolarização e as atividades culturais e literárias da cidade

ficaram mais evidentes. Além de ofertar a leitura, a escrita e diversas outras disciplinas

voltadas para uma formação mais integral dos alunos, a presença da instituição educativa na

cidade favorecia a circulação e a convergência de um conjunto de práticas do universo urbano

nesse espaço de instrução primária.

Dois fatores foram essenciais para a circulação das atividades que faziam do Grupo

Escolar um espaço de intercâmbio sociocultural: a primeira era a orientação presente nos

documentos que regulamentavam o funcionamento dos Grupos Escolares para a aplicação do

uso de poesias durante as aulas e o teatro nas festividades ocorridas na instituição, e a segunda

era a atuação de alguns professores no universo cultural e literário da cidade do Assú.

Esse segundo ponto ficou evidente nas figuras da professora Sinhazinha Wanderley e

do diretor e professor Alfredo Simonetti. A professora participava do universo cultural e

literário da cidade do Assú escrevendo textos para jornais, poesias e compondo músicas. No

Grupo Escolar da cidade, ela preparava versos e poesias para seus alunos declamarem

despertando neles o interesse por essa produção literária. Entre os alunos que se tornaram

poetas e escritores por influência da professora podemos citar Rômulo Chaves Wanderley e

João de Oliveira Fonseca. O professor Alfredo Simonetti atuou junto à imprensa assuense

colaborando com jornais locais e escreveu poesias e versos. Recebendo apoio incondicional

do professor, alguns de seus alunos criaram um jornal de circulação local, O Paládio, e

organizaram no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia o Grêmio Complementarista

com o objetivo de desenvolver atividades culturais e literárias na cidade.

Essas constatações reforçam a hipótese levantada em nosso trabalho de que existia um

movimento de interação entre as instituições de Educação Primária e as atividades culturais e

literárias desenvolvidas na cidade do Assú. Mesmo que essa percepção tenha ficado mais

evidente no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, a instrução primária contribuiu

significativamente para a construção da identidade da cidade como Atenas Norte-rio-grandense

na medida em que a alfabetização mostra-se como um processo cognitivo importante e

necessário para o registro de atividades culturais e literárias e, ao mesmo tempo, esses modelos

educacionais apresentam influências dessas atividades por meio da produção de jornais, poesias

e apresentações teatrais.

para alcançarmos esse objetivo foi essencial a análise do objeto de estudo a partir das

reflexões de Frago (1993), sobre a história da alfabetização e de Magalhães (2004), sobre os

conceitos de comunidade envolvente e agentes e sujeitos.

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No processo de alfabetização, atentamos para a forma como essa atividade contribui

com o próprio desenvolvimento cultural do ser humano e a inserção do alfabetizado no mundo

da escrita, da leitura e da imaginação, ações totalmente relacionadas com o universo cultural e

literário que se expandiu na cidade do Assú dentro do recorte temporal investigado.

O conceito de comunidade envolvente (MAGALHÃES, 2004) se refere as relações

estabelecidas entre a instituição educativa e o contexto sociocultural e geográfico em que está

inserida. Dessa forma, esse conceito contribuiu com a análise das interações efetivadas entre os

espaços de instrução primária e o contexto sociocultural da cidade do Assú, considerando as

contribuições e influências que se manifestam entre instituição educativa e sociedade.

E a noção de agentes e sujeitos mantem uma relação com a participação dos envolvidos

no processo educacional para alcançar os intentos e as metas estipuladas para as instituições.

Percebemos essa relação na atuação de alguns professores de Escolas de Primeiras Letras, mas,

ela ficou mais evidente na atuação do corpo docente e discente do Grupo Escolar Tenente

Coronel José Correia.

Atingir o objetivo geral proposto possibilitou o levantamento de outras observações

relacionadas aos objetivos específicos de nosso trabalho.

O primeiro refere-se as transformações no território original da cidade do Assú. Este,

passou por modificações importantes a partir do século XVII com a colonização portuguesa.

Apesar do conflito conhecido como Guerra dos Bárbaros, as mudanças ocorridas na região

favoreceram o desenvolvimento econômico da cidade com as charqueadas, o algodão e a

carnaúba e beneficiaram melhoramentos no espaço urbano e social, além de influenciar o

movimento literário e cultural da cidade. Todavia, ficou evidente que o processo de expansão

econômica e cultural apresentou hábitos excludentes, favorecendo principalmente a elite e

deixando as pessoas de outras classes mais simples à margem dos progressos iniciados pela

colonização.

O segundo objetivo específico diz respeito a implantação da Educação Primária na

cidade do Assú por meio das Escolas de Primeiras Letras e do Grupo Escolar Tenente Coronel

José Correia.

As Escolas de Primeiras Letras foram criadas na cidade em 1829 e os primeiros a

exercerem o magistério foram o senhor José Félix do Espírito Santo, numa cadeira masculina

ainda em 1829, e a senhora Maria Joaquina Ezequiel da Trindade assumindo a cadeira feminina

em 1834. Depois desses professores pioneiros, diversos outros letrados exerceram o magistério

no Assú. Porém, observamos que a cadeira feminina passava por um fenômeno de supressão

em diversos momentos e dificultava o atendimento escolar para esse público.

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Sobre os métodos pedagógicos nas Escolas de Primeiras Letras, estes seguiam padrões

pautados na figura do professor, que lecionava geralmente em sua própria residência e poderia

exercer sua autoridade aplicando castigos físicos. E as disciplinas abarcavam um número

restrito de temas, mais voltados para a inserção dos alunos no mundo letrado com a escrita, a

leitura e os cálculos.

O Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia foi implantado na cidade em 1911 e

apresentava uma série de inovações em relação as Escolas de Primeiras Letras, com um sentido

totalmente diferente no processo de escolarização. Esse novo modelo institucional contava com

um prédio próprio para o funcionamento das aulas, exigia profissionais mais preparados para o

exercício do magistério, estava pautado no método intuitivo, colocando o aluno no centro da

experiência pedagógica e despertando suas habilidades por meio dos sentidos e da observação.

A instituição educativa contava também com uma quantidade maior de disciplinas voltadas para

uma formação mais integral e universal.

Outro fator destacado nos Grupos Escolares é que esses espaços visavam despertar

relações entre as finalidades patrióticas e cívicas propostas no ideário republicano, fazendo

desse modelo muito mais que uma escola de ensinar a ler, escrever e contar. Existia uma

emergência iminente de moldar, disciplinar e controlar professores e alunos, formando cidadãos

preocupados com hábitos de higiene, civilidade e urbanidade, participando e contribuindo com

os valores de ordem e progresso da nação.

Reforçamos novamente as contribuições de Frago (1993) nesse objetivo, pois, na

passagem dos espaços de Educação Primária, a própria alfabetização ganha conotações

diferentes. A noção de instituição educativa de Magalhães (2004) também se faz presente, dado

que a materialização do espaço educacional ocorre a partir de um conjunto de normas, interesses

políticos, espacialidade e recursos.

Ainda sobre Magalhães, retomamos o conceito de agentes e sujeitos. Nas Escolas de

Primeiras Letras e no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia evidenciam-se normas

orientando o comportamento desses agentes e sujeitos e na passagem de um modelo para o

outro são estabelecidas novas propostas para a orientação dos comportamentos. Ainda

utilizamos o conceito de práticas educativas de Magalhães (2004), que mantem uma relação

muito próxima da atuação dos agentes e sujeitos e são orientadas pelas normas e crenças

presentes no espaço escolar.

Essas alterações, ou inovações entre um modelo e outro, apontam para a história das

ideias pedagógicas (SAVIANI, 2013). Não só a atuação dos agentes e sujeitos e as práticas

educativas, mas todas as inovações aplicadas na passagem dos modelos de Educação Primária

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apontam para uma transformação nas ideias vigentes no espaço escolar, relacionadas com o fato

concreto e real da educação. Essas transformações, influenciadas pelo momento político e o

contexto sociocultural, apresentam reflexos no cotidiano escolar, na arquitetura, nos métodos

pedagógicos, nos recursos didáticos e na própria relação dos agentes e sujeitos do processo

escolar.

O último objetivo específico proposto neste trabalho visava identificar o público alvo

atendido pelo processo de escolarização da Educação Primária na cidade do Assú. Para

alcançarmos esse objetivo, voltamo-nos para uma constatação apresentada no primeiro objetivo

específico: o progresso socioeconômico e a expansão cultural da cidade do Assú manifestaram-

se a partir de práticas excludentes. Essa realidade esteve presente nas Escolas de Primeiras

Letras e no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia. O processo de escolarização da

instrução primária na cidade, dentro do recorte temporal estudado, reforçou um perfil

excludente à época, favorecendo os membros da elite local e apresentou-se como um elemento

de manutenção das famílias da elite nos melhores postos da sociedade.

Nesse último objetivo, recorremos principalmente as reflexões de Frago (1993). O

teórico destaca que o processo de alfabetização por muito tempo foi caracterizado exatamente

pela manutenção das elites no poder e estava voltado principalmente para uma finalidade sócio-

ocupacional, direcionando para essa mesma elite os melhores postos na sociedade.

Para alcançarmos esses objetivos, além de nos apropriarmos das reflexões dos teóricos

citados que colaboraram com a forma como lemos nossas fontes, foi essencial o acesso às

referências bibliográficas sobre o contexto da cidade do Assú e referências relacionadas com a

Educação Primária em outros pontos do país. Relacionar as fontes sobre o nosso objeto de

estudo com a bibliografia levantada colaborou no sentido de entendermos o contexto no qual

as Escolas de Primeiras Letras e os Grupos Escolares inseriam-se e como ocorreu a implantação

desses espaços de instrução primária em outros lugares, identificando similitudes e diferenças.

No início deste trabalho apresentamos como justificava a necessidade da ampliação de

pesquisas voltadas para o campo da história da educação na cidade do Assú/RN. E a medida

que liamos os textos referentes ao contexto da cidade ficava evidente a emergência dos

pesquisadores locais se debruçarem sobre esse locus de pesquisa, pois foram se apresentando

alguns possíveis objetos de estudo, elencados a seguir.

Durante as leituras sobre o Império, identificamos a presença da Casa de Caridade,

fundada na cidade em 1862 pelo Padre Antônio de Maria Ibiapina. Além do Rio Grande do

Norte, esse modelo de instituição foi implantado pelo padre nos estados do Ceará, Paraíba e

Pernambuco. No Rio Grande do Norte, essas instituições funcionaram em Mossoró, Assú e

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Acari. A Casa de Caridade do Assú foi uma das que funcionou por mais tempo, até o ano de

1948. Esse espaço formativo atendia principalmente meninas pobres e órfãs e tinha a finalidade

de educá-las para adquirirem habilidades voltadas para as atividades domésticas, além de

ensinamentos de primeiras letras, trabalhos manuais e um cotidiano marcado pela religiosidade.

Encontramos alguns trabalhos acadêmicos voltados para as Casas de Caridade construídas nos

outros estados, porém, ainda não foi realizado nenhum trabalho destacando essas instituições

no Rio Grande do Norte.

Nas informações referentes ao Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, chamou-

nos a atenção a figura de Alfredo Simonetti. A forma como o professor dedicou sua vida ao

magistério deixa entrever que para ele essa não era apenas uma função profissional, mas um

verdadeiro exercício vocacional. Além da relação muito próxima com o universo escolar, o

professor atuava no espaço cultural e literário da cidade do Assú estabelecendo relações

amistosas de colaboração e companheirismo com os literatos locais. Mesmo depois de ser

designado para Mossoró, onde deu continuidade ao exercício do magistério, o professor

Simonetti manteve relações amistosas com a sociedade assuense. A própria mudança de

espaços de escolarização podem servir de pontuação para uma pesquisa dessa natureza. No

Assú o professor atuava no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, e em Mossoró,

assumiu cadeiras na Escola Normal.

Ainda sobre o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, nosso recorte temporal foi

estipulado até 1929 e essa instituição escolar ainda existe na cidade do Assú. Nos anos de 1970

passou a ser chamada de escola estadual e ampliou sua oferta de ensino para alunos do ensino

fundamental II. Analisar as mudanças existentes nessa instituição em seus mais de 100 anos de

funcionamento pode possibilitar diversos objetos de estudo.

Conhecemos outras instituições e realidades educativas da cidade do Assú nesse

percurso de leituras, mas não fizemos referencias em nosso trabalho.

A história da educação secundária tem início na cidade com a implantação de uma

Escola Técnica de Comércio nas instalações do Educandário Nossa Senhora das Vitórias, a

partir de 1940. Apesar de não termos citado essa instituição em nosso trabalho, compreender a

importância de uma escola voltada estritamente para objetivos profissionais na cidade pode ser

um importante objeto de estudo.

A partir de 1949, a Casa de Caridade citada anteriormente transformou-se numa

instituição de atendimento à crianças carentes, meninos e meninas, e passa a se chamar Instituto

Padre Ibiapina numa homenagem ao sacerdote que atentou para as necessidades dos órfãos no

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Nordeste do século XIX. Por volta de 1960, essa instituição passou a ser conveniada com o

estado e mudou alguns dos seus aspectos internos.

Por último, durante todo o ano de 1950 circulou na cidade do Assú um periódico

chamado Atualidades. Essa revista conta com a colaboração de diversos professores escrevendo

artigos, textos e poesias. Além da participação de educadores locais, o periódico apresenta

informações sobre as instituições educacionais presentes na cidade à época e as atividades

dessas instituições no contexto sociocultural assuense.

Enfim, esses são alguns possíveis objetos com os quais os historiadores da educação

podem se debruçar no sentido de evidenciar e trazer à luz outras importantes histórias referentes

à educação na Atenas Norte-Rio-grandense.

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