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SENADO IMPERAL ANNO DE 182 9 LIVRO 1 ANAIS DO SENADO Secretaria Especial de Editoração e Publicações - Subsecretaria de Anais do Senado Federal TRANSCRIÇÃO

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  • SENADO IMPERAL

    ANNO DE 1829LIVRO 1

    ANAIS DO SENADO

    Secretaria Especial de Editorao e Publicaes - Subsecretaria de Anais do Senado Federal

    TRANSCRIO

    yuribeloCaixa de texto ANNAES DO SENADO DO IMPERIO DO BRAZIL

  • SENADO

  • Sesso de 3 de Abril 9

  • Sesso de 5 de Maio 45

    o segundo at o de sessenta. O segundo participando igualmente que o mesmo Augusto Senhor houve por bem sanccionar as seguintes Resolues da mesma Assembla Geral: primeira, para aposentar com o ordenado por inteiro a Joo Baptista de Soares Meirelles, professor de Grammatica Latina nesta Crte; segunda para pagar ao Monsenhor Miranda uma penso de oitocentos mil ris; terceira, para conceder cartas de naturalisao a Jos Angelini Rozelli, Miguel Jos Teixeira Chaves, Manoel Antonio de Freitas e Antonio da Costa; quarta, para se pagar a D. Maria Victoria Pulcheria da Silva e D. Thereza de Jesus da Silva, como penso, a tera parte do ordenado do officio de Escrivo da Alfandega do Algodo em Pernambuco; quinta, para se proceder s eleies determinadas no Regimento das Camaras Municipaes, e dar posse aos eleitos, logo que elle fr publicado nas cidades e villas do lmperio; sexta, para se darem gratificaes a empregados necessarios no servio dos dous cursos juridicos, e lentes de cadeiras de estudos preparatorios que fr preciso crear, e a professores que ensinem Geometria nas Provincias, onde as no haja; setima, para se organisar o Correio Geral, dando-lhe novo Regulamento.

    3 Remettendo o Decreto da Assembla Geral Legislativa que tem por objecto a organisao das Camaras Municipaes, em que o Imperador consente.

    De tudo ficou o Senado inteirado e decidio-se que se participasse a Camara dos Srs. Deputados. Passando-se nomeao da Commisso da Redaco do Diario, o Sr. Barroso pedio a palavra, e sendo-lhe concedida, disse:

    O SR. BARROSO: Eu seria de parecer que se alterasse nesta parte o estylo: em geral as Commisses so para examinar. Ora, cada um dos illustres membros da Commisso

    que est muito capaz de fazer isto, e at mesmo um s melhor, porque para dar qualquer providencia no depende de que se ajuntem os outros dous, o que s vezes custa, e por politica fica parado o negocio; este o meu parecer, que emitto se o Senado o julgar conveniente pde alterar, reduzindo-se a um s membro.

    O Sr. Presidente offereceu ento considerao do Senado a proposta do Sr. Barroso, que se reduzia a que fosse um s membro encarregado dos negocios pertencentes mesma Commisso, e pedindo a palavra, disse

    O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS: Eu no concordo com o illustre Senador, e sinto muito, penso por outro modo.

    Eu j no quiz faIlar quando ha pouco se nomeou a Commisso de Poderes; achava-a desnecessaria; ella de certo no ter muito que fazer, e podia ser dispensada, mas agora sou obrigado a fallar.

    A Commisso do Diario tem tres objectos, de que se occupar; um, os Tachygraphos; outro, o Redactor, e o outro, a Imprensa: portanto, parece-me que os tres so indispensaveis, pois os Senhores da Commisso entre si mesmo repartem, e cada um fiscalisa um destes objectos; v se os Tachygraphos do conta do seu trabalho, se perfeito. Se o Redactor no presta e se algum destes empregados preciso despedir, e admittir-se outro; v que tenha andamento na impresso, verdade que o Diario do anno passado est muito atrazado, necessario promover o seu andamento; portanto, havendo estas tres attribuies, acho que se devem nomear os tres, porque sendo cada um occupado especialmente em cada uma cousa, ha mais prompto conhecimento deste negocio; portanto no concordo em que seja um s.

    No concordo inteiramente com a opinio do nobre Senador; mas ella a mesma cousa, que eu propunha; elle quer por diverso meio o mesmo fim, e se est assim instituida na

  • Commisso a diviso das attribuies, ento bem; no se altere: e a mesma Commisso que o diga; mas como

  • Sesso de 6 de Maio 47 Julgando-se a materia discutida, propz o

    Sr. Presidente se a indicada Commisso devia continuar a ser composta de tres membros, assim se venceu; e conseguintemente procedendo-se nomeao dellas, foram eleitos os Srs. Jos Ignacio Borges, com 21 votos; Nicolo Pereira de Campos Vergueiro, Com 18, e Manoel de Almeida e Albuquerque, com 17.

    Passou-se nomeao de Commisso ad hoc do Regimento Interno, e Sr. Presidente ponderou que achando-se alterada a Commisso do anno passado, respeito aos seus membros, por haverem entrado outros, era necessario decidir-se se devia continuar a do anno passado, ou nomear-se outra e de quantos membros deveria constar. Ento tomando a palavra disse:

    O SR. OLIVEIRA: A razo da alterao foi por haver entrado um Sr. Senador em lugar do Sr. Barroso, que foi nomeado Ministro de Estado, outro em lugar do Sr. Carneiro de Campos, que foi para a Bahia, e outro em lugar do Sr. Carvalho, que se achava molesto.

    O SR. BORGES: Os membros da Commisso so o Sr. Carneiro de Campos, eu e o Sr. Carvalho; foi depois em lugar destes que entraram outros pelos motivos j ditos.

    Dando a hora ficou adiada esta materia e o Sr. Presidente deu para Ordem do Dia seguinte:

    1 A deciso deste negocio adiado; 2 O Projecto de Lei regulando a liberdade

    de exprimir os pensamentos por palavras, ou por escriptos;

    3 A Resoluo autorisando o Hospital da Caridade, na cidade de Porto Alegre, para adquirir e possuir bens de raiz, at o valor de oitenta contos de ris.

    Levantou-se a Sesso s duas horas da tarde.

    SESSO EM 6 DE MAIO DE 1829.

    PRESIDENCIA DO SR. BISPO CAPELLO-MR.

    As dez horas, achando-se presentes 35

    Srs. Senadores, abrio-se a Sesso; e, lida pelo Sr. 4 Secretario a Acta da antecedente, foi approvada.

    Passou-se primeira parte da Ordem do Dia, que era a questo adiada na Sesso da antecedente, que tinha por objecto decidir a Commisso ad hoc do Regimento Interno do anno passado devia continuar, ou nomear-se outra, e de quantos membros constaria.

    Pedio a palavra, e sendo-lhe dada, disse: O SR. MARQUEZ DE INHAMBUPE:

    Est visto que o objecto de que se vai occupar esta Commisso determinado, e acabado elle, acaba a Commisso; isto mesmo aconteceu j quando a Camara ordenou que se fizesse este Regimento, por isso estou que a Commisso agora deve ser ad hoc.

    Ns j temos Regimento; mas tem-se-lhe feito emendas, tem apparecido idas novas; ellas foram aqui distribuidas, e no sei que rumo levaram. Ora para acabarmos de uma vez com este negocio, e para termos uma regra certa nomeemos essa Commisso, e seja de tres membros, a qual entregue-se a este necessario trabalho, e acabe logo que nos apresente um resultado, que crte as questes, que se sujeitam em falta de bom Regimento. E' verdade que nada se tem perdido com a demora, porque servio para conhecermos as alteraes que deviamos fazer ao Regimento, e a experiencia agora marca-nos um melhor caminho; porm nomeie-se a Commisso ad hoc, e de tres membros, porque s assim teremos uma regra invariavel para os nossos trabalhos.

    Julgando-se discutida a materia, propz o Sr. Presidente: 1, se a mencionada Commisso devia ser ad hoc: venceu-se que sim; 2, se deveria compr-se de tres membros: venceu-se que sim.

  • 48 Sesso de 6 de Maio Procedeu-se nomeao destes, e foram

    eleitos: os Srs. Nicolo Pereira de Campos Vergueiro, com 18 votos; Marquez de lnhambupe, com 12, e Jos Ignacio Borges, com 12.

    Passou-se segunda parte da Ordem do Dia, comeando-se pela 1 e 2 discusso do Projecto de Lei que regula a liberdade de exprimir os pensamentos por escripto ou palavra.

    TITULO I

    Dos abusos da liberdade de exprimir os

    pensamentos por escripto, ou palavra, e suas penas.

    Art. 1 Todos tm direito de communicar

    os seus pensamentos por escripto, ou palavra, e fazel-os imprimir, e circular vontade, sem dependencia de censura com tanto que respondam pelos abusos que commetterem no exercicio desse direito.

    Pedio a palavra, e sendo-lhe concedida, disse:

    O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS: No trato da Lei em geral, primeiro porque necessaria; segundo, porque regulamentar. Tambem no fallarei agora do seu merecimento; elle se ir mostrando proporo que se fr discutindo; mas exporei algumas duvidas, que encontro logo no principio.

    A primeira sobre a sua epigraphe; e a segunda sobre os abusos, de palavras. A epigraphe diz: (leu) ora v-se que ella no tem a extenso que deveria ter, comparando-se com o Titulo; este trata tambem das gravuras e isto no exprimir pensamento? E' s por escriptos e palavras que estes se exprimem? No; logo deve-se tambem pr gravuras. A epigraphe deveria dizer por gravuras, ou por outra qualquer maneira; e portanto acho-lhe o defeito de no comprehender em resumo tudo o que deveria conter.

    Tambem no vejo que seja preciso o art. 1 porque j temos o artigo da Constituio,

    portanto principiar logo pelo artigo 2, o qual diz: (leu). No se diga que elle vem aqui como fundamento da Lei, porque j est decidido que as Leis no devem conter as razes de motivos, e s sim a enunciada em ultima depurao. O direito e que cada um tem de communicar os seus pensamentos natural ao homem; a Constituio no lhe d o que elle j possuia, mas garante-o. Assegurar, porm, que a communicao dos pensamentos no ser mais prohibida, est feito j por um artigo muito mais forte do que o desta Lei, isto , por um artigo da Constituio. Logo desnecessario o primeiro, como disse, e devemos comear pelo segundo. Quando se queira porm que de alguma maneira se mencione esse direito de exprimir os pensamentos, ento refunda-se o artigo 1 com o 2 e diga-se, que do direito que tem cada um de communicar os seus pensamentos, abusa-se, primeiro por isto, segundo por aquillo. E bem verdade que j temos feito algumas Leis, nas quaes se tm inserido artigos constitucionaes, at com as mesmas palavras, v. g. na Lei que se fez do Conselho Supremo de Justia; mas isso s quando positivo; aqui no preciso, porque no se trata de firmar o direito, que cada um tem de exprimir os seus pensamentos; o que a Constituio nos manda fazer s uma Lei a respeito dos abusos, e no firma um direito que j tinhamos.

    Tratando agora deste mesmo artigo, julgo que eIle abrange mais do que quer a Constituio. Esta falla s nos abusos da Imprensa; diz que todos podem communicar os seus pensamentos por palavras, por escriptos, e publical-os pela Imprensa, com tanto que hajam de responder pelos abusos que commetterem no exercicio deste direito, e que o podem fazer sem dependencia de censura; eis o que a Constituio garantio. Ora o artigo da Lei diz assim (leu): e qual esse direito de que falla a Constituio? E' sem duvida o de imprimir sem censura; logo aquelle que abusa da palavra, no pertence disposio Legislativa sobre o abuso

  • nem ns fazemos esta Lei para que cada cidado possa imprimir, e sim para se coarctarem os abusos dos impressos. Deveriamos

    da liberdade de Imprensa, e sim ao Codigo Criminal. Quando muito a disposio podia extender-se gravura, porque tem muita ana

  • Sesso de 7 de Maio 71

    prova testemunhal, que ao presente est muito corrupta.

    Fez-se a apologia dos Jurados. Tambem eu a fao; mas a prova

    testemunhal que se d nesse corpo de delicto de que tenho todo o medo; elle mesmo illustre Senador Juiz experimentado de muitos annos conhece o perigo, em que pde pr a qualquer membro de Sociedade; ainda mesmo o conversando podem ser interpretadas as suas palavras em diverso sentido, e achar-se quem deponha; aproveitar-se qualquer inimigo de uma expresso para torcel-a a seu geito, e ser o homem, pelo menos, accusado, e que far o Juiz, quando se lhe apresentar o testemunho de tres, que digam eu vi? Onde est o descanso da sua consciencia para dar a sentena neste caso? Pois isto o mesmo que o delicto da imprensa, que d um vestigio permanente? No. O querer igualar isto no mesmo caso, querer igualar cousas desiguaes entre si, que nunca se podem igualar.

    O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS: Sr. Presidente. Esta Lei um mixtiforio, e a discusso tambem um mixtiforio, e isto vem de se no poderem destruir, que apresentam nesse caso Iadeia-se para fra, e faz embrulhada mixtiforia. Ora quer-se dar entender que das minhas razes se tira que no quero que se cohibam os abusos das palavras; ao contrario, digo, sim, Senhor, devem se cohibir, mas nem nesta Lei, nem da maneira por que est at agora cohibido; porque quando se falla do Rei logo a pena de morte; e no ha de ser tambem por prova verbal.

    Ora ainda ninguem negou a bondade do Juiz dos Jurados, era preciso no ter principio algum de direito, e negar tudo quanto ha, para negar isto tambem; assim a dissertao que se fez foi escusada, ao menos pela minha parte a dispenso.

    O que eu tratei foi da bondade da Lei, e se convinha ou no estabelecer j Jurados, como est nesta Lei; e se nella, como j se

    aquelle que chamar a outro tolo tinha Jurados, etc., porque isso mesmo de dizer que mentio, que tolo, etc., diminuia a sua reputao; pois est na Lei, eis o que ella diz (leu): e estou que no haver mais que fazer do que convocar sempre Jurados; eis porque eu disse que no era Lei boa, e que se devia ir isto em parallelo com esta, mas no se entendeu assim, trouxe-se aqui logo o caso de uma revoluo, e de anarchia; sem se lembrar que nesse caso o povo sem regra. Quero que vamos s com o artigo da Constituio, e leiam-se todos os mais: quando o artigo diz: qualquer tem direito de emittir os seus pensamentos por palavras, escriptos, e fazer imprimir e publicar sem censura prvia: a quem que se refere isto? E' s impresso; tudo o mais fugir da sua lettra.

    Eu j disse que no ha direito algum que no tenha abusos; porque a todo o direito que ha se lhes pe responsabilidades; ao contrario seria abuso esse mesmo direito; diz-se pde usar da espada, do fogo, etc., mas quando se usa fica-se responsavel pelo abuso que se faz do seu uso. Isto principio geral, que cada um responde pelo abuso que fizer dos seus direitos, sejam quaes forem; logo para que esto os Srs. illustres Senadores com esta dissertao to longa? Quantos escriptos no se fizeram em Frana que mostram que era preciso a censura prvia; e ainda hoje? E o que diziam os antigos? Que o abuso devia ser prevenido, e no reprimido; que era melhor evitar que punir; ora a Constituio julgou s que bastava reprimir; assim no possivel, nem pde haver censura naquillo que no se imprime; portanto, j disse, a censura no pde ser seno a respeito daquillo que se imprimir. O artigo das garantias versa s sobre aquellas cousas, em que o Governo absoluto no havia reconhecido o direito de Cidado.

    O illustre Senador que disse no havia Lei que tratasse da palavra, vio que se tinha enganado; mas o illustre Senador, que a apontou, no me assegura que ella fosse feita

  • disse, no quadram: ora diz o artigo 5 (leu), por consequencia segue-se que uma descompostura, mesmo de duas regateiras, ia a Jurados; um homem por algumas palavras com mais despejo ia a Jurados: mesmo

    em poca, e em estado pacifico, como o em que nos achamos.

    Os homens so como a pendula, segundo

  • 72 Sesso de 7 de Maio

    pintam os Francezes, e que dizem que elles pendem para o lado a que o leva o impulso; assim as Leis da liberdade da imprensa da Frana no servem seno para dar garrote liberdade da imprensa, portanto no se pde citar estas Leis da Frana como exemplares. Ainda hontem estive com um discurso de Benjamin Constant, onde desenvolve bem esta materia; ora sobre isto tem sido tantas, e to varias as opinies, que at j houve a de que no houvessem periodicos. Se, porm, se acha conveniencia em metter-se aqui a doutrina sobre o abuso das palavras; isso outra cousa; mas por ora do que se trata s da liberdade da imprensa, que o esteio do Governo Monarchico Constitucional Representativo, o seu paladio a liberdade de imprensa, sem ella no pde progredir. Agora direi contra o que lembrou o illustre Senador do Orador de Inglaterra, que essa liberdade alli foi no tempo do Rei Joo, e Constitucionalmente a houve s no tempo de (no se ouvio)... porque a Magna Carta, assim chamada, foi logo em desprezo; era o mesmo que os Reis de Portugal quando tinham Crtes, e se os Reis eram poucos influentes nellas, as Crtes iam bem, se elles tinham maior fora, como sempre succedeu, ellas queriam, e eram s Crtes que elle tambem queria, e no fim tudo ficava como o Rei queria, que tudo era do Rei; o que eu aqui j disse do tributo lanado na Frana, no tempo de Luiz XIV, elle ainda assim teve escrupulo, mas logo lhe passou, pelo Juizo do Padre Jesuita. De mais todos os povos tm tido Crtes, ainda mesmo os mais barbaros, e era por isso que esses antigos zelavam tanto os seus direitos, que se viram depois obrigados a derramar muito sangue para recobrarem esses mesmos direitos.

    O SR. CARNEIRO DE CAMPOS: Sr. Presidente. Eu pedi a palavra para responder ao illustre Senador o Sr. Borges, que disse que eu tinha apresentado Leis do tempo da Revoluo. No assim; o illustre Senador no reparou nas datas que eu apontei. Eu apresentei a Lei de (leu) e a de (leu), e todas estas Leis tm o titulo

    na commoo de Pernambuco, mas isto no me prohibido, o facto foi muito publico, e disse-o, porque vinha para mostrar que a tranquillidade de que ns gozamos, no to grande, que no possa ser perturbada, e mesmo os Officios do Ministro no dizem que fra s uma assuada, tomou outro caracter, tanto que foi preciso dar-se promptas providencias. Eu no determino bem o caracter que isto tinha, mas ella no foi mera assuada, assim em fallar no facto no commetti excesso algum.

    O nobre Senador, que me precedeu agora, diz que no tenho respondido aos seus argumentos, os quaes eram que as garantias s vinham proteger os direitos, que eram negados, e para isto referio-se historia, que j havia contado, de Luiz XIV a respeito da propriedade. Eu acho que o illustre Senador est enganado, porque s no Governo do Turco que ha isso de ninguem ter propriedade, e que tudo do Gro Senhor; nos Governos da Europa ainda ninguem disse tal cousa, apezar do dito de Luiz XIV; logo quando a Constituio garantio agora a propriedade, no garantio um direito novo, ou que fosse negado, pois no uma cousa absolutamente nova o direito da propriedade, e gozo de certos direitos, a ella annexos, o que se fez foi firmar de uma maneira mais explicita essa propriedade, que de maneira em que estava at agora, no estava assentado sobre bases to solidas, e desenvolvidas; ns at agora tinhamos sim o direito de fallar, mas esse direito estava sujeito a Leis demasiadamente severas, para no dizer barbaras; no estava isto bem formado; agora sim, faz-se a declarao de uma maneira mais explicita; portanto no acho razo alguma para se dizer, que seja s Lei da Imprensa, e s quem no tiver olhos para ler que dir o contrario, vista do Artigo da Constituio. Tambem ns tinhamos Camaras Municipaes; e comtudo veio um artigo para se fazer uma Lei a esse respeito, antes isto j era cousa de que os Povos estavam gozando.

    J se mostrou que a respeito do direito de fallar no eram to fracas as penas; e tudo o

  • (leu)... e so depois da Revoluo: logo est mostrado que satisfiz ao que prometti quando se disse que haviam Leis. Accusou-me tambem de fallar

    mais que se tem dito sobre o liberdade da Imprensa, que preciso dar-Ihe toda

  • Sesso de 7 de Maio 73

    a plenitude, isso ninguem o nega, e se os nobres Senadores pensam que eu opino de outra sorte no me entendem.

    O SR. VISCONDE DE CAYR: Sr. Presidente. Parecer egoismo o fazer uma reflexo, mas no importa, serei taxado assim, e muito menos quando j o illustre Senador, pelo que disse, me considera como por elle excommungado para no fallar mais commigo; mas a questo no trata aqui disto, e ficar no caso daquellas cousas que entre ns se diziam, que El-Rei tem costas, quanto mais eu. Ns no estamos no caso.

    N. B. O illustre Senador fez um longo discurso em opposio s razes do Sr. Borges, mas no pde ser ouvido capazmente, por isso o no transcrevemos.

    O SR. BORGES: Sr. Presidente. O nobre Senador o Sr. Carneiro escandalisou-se de eu dizer que tocou em Pernambuco, sem ser necessario, e diz que no foi mera assuada, eu digo s que as participaes esto sobre a mesa, e dizem que no foi perturbado o socego publico, os Officios que o dizem, no sou eu.

    Julgada a materia bastantemente discutida, o Sr. Presidente pz votao, da maneira seguinte:

    Propz: 1 Se se approva que se tratasse da epigraphe depois de ser discutida a materia dos titulos. Venceu-se que sim, e ficou por consequencia prejudicada a primeira parte da emenda do Sr. Borges.

    2 Se o artigo 1 devia ser supprimido. No passou.

    3 Se o artigo 1 seria redigido como est litteralmente na Constituio, artigo 179 paragrapho 4. Assim se resolveu.

    4 Se se devia additar a extenso, e limite do direito de propriedade nos escriptos. Foi rejeitado.

    O Sr. Secretario pedio a palavra, e leu dous officios do Ministro da Justica.

    1 Communicando, que tendo o Presidente da Provincia de Pernambuco

    participado pelo seu officio de 12 de Fevereiro do corrente anno, que na noite do 1 para 2 daquelle mez, no Sitio dos Alagados, proximo Capital, uns poucos de individuos armados, depois de proclamarem alli o Systema Republicano, e a abolio da Monarchia Constitucional jurada, e estabelecida no Imperio, marcharam pelo interior do Paiz, sublevando os Povos, e arrastando-os aos seus perniciosos fins, coincidindo este facto com as noticias que ao Governo haviam chegado em diversas pocas, dos boatos que naquella Provincia o partido desorganisador fizera espalhar, de que com a abolio do trafico da escravatura tornariam escravido todos os homens de cr libertos, o que concorreu para haver uma quasi commoo na Freguezia de Ipojuca, que no teve consequencias pelas promptas providencias adoptadas pelo respectivo Presidente; as participaes feitas pelos nossos agentes dos Estados Unidos da America e Gr-Bretanha, de que dalli se dispunham partir, e haviam j partido para aquella mesma Provincia e outras, alguns dos principaes cabeas da Revoluo de 1824, que haviam sido banidos e sentenciados morte; os pasquins insolentes contra a Sagrada Pessoa de Sua Majestade o Imperador, e papeis incendiarios, que se fixavam no Maranho, apontando o Districto de Pastos Bons, como lugar onde deveria ser proclamado o mesmo Systema Republicano; a opinio derramada em algumas outras Provincias, com maior tendencia para aquelle fim; a licena demasiada, com que de certo tempo os Periodicos, a titulo de opposio, procuravam desacreditar os Agentes do Governo, e incutir mascaradamente aos Povos, por meio de correspondencias, desconfiana contra todos os seus actos; os ataques feitos na occasio das Eleies a empregados

  • 74 Sesso de 8 de Maio publicos; e finalmente a ida de aquelle acontecimento tendo tido lugar em uma Provincia onde j por duas vezes se tinha querido estabelecer a Systema democratico, poderia ter grandes ramificaes, que ameaassem a segurana do Estado, e perturbassem o socego dos pacificos habitantes della: todos estes motivos obrigaram Sua Majestade o Imperador a lanar mo de medidas energicas, Ordenando, pelo Decreto de 27 de Fevereiro passado, que remette por cpia, que na conformidade do artigo 179 paragrapho 35, da Constituio, se suspendessem alli provisoriamente as formalidades que garantem a liberdade individual, em quanto durasse a urgencia desta medida, afim de que por este meio se pudesse no s vir ao verdadeiro conhecimento da extenso que poder ter aquelle attentado como prevenir o seu progresso.

    Esta providencia, porm, que foi ditada pela solicitude com que o mesmo Augusto Senhor vela sobre a segurana de todos os seus fieis subditos, e estabilidade do Governo, que felizmente nos rege, foi suspensa pelo Decreto de 27 do passado, junto por cpia, logo que pelos officios recentemente recebidos, constou que aquelles rebeldes, no tendo com effeito achado apoio algum, e perseguidos pela tropa, que immediatamente fra em seu alcance, se haviam dispersado, e se acha na Provincia restabelecida a tranquillidade. E remettendo as cpias dos officios, que recebera sobre este objecto, accrescenta smente que alm dos individuos que constam da relao junta, e que foram apprehendidos pela tropa, que os perseguiam, e de alguns pronunciados pelos Pasquins que se affixaram, nenhuma outra medida de preveno consta haver-se tomado.

    2 Remettendo a devassa, a que

    se procedeu na Provincia do Maranho em consequencia dos requerimentos, que dirigiram a este Senado o Capito Jos Francisco Gonalves da Silva, o Tenente-Coronel Francisco do Valle Porto, e Manoel Jos de Medeiros contra o ex-Presidente daquella Provincia, o Senador Pedro Jos da Costa Barros.

    O primeiro officio, foi remetido s Commisses de Constituio e de Legislao, e o segundo foi smente de Legislao.

    Tendo dado a hora o Sr. Presidente marcou para Ordem do Dia.

    1 Continuao do Projecto de Lei regulando a liberdade de imprimir os pensamentos por escriptos ou palavras.

    2 O Projecto de Lei declarando os alvars de 17 de Julho de 1809, e 2 de Outubro de 1811, relativos aos legados do uso fructo vitalicio.

    3 A Resoluo autorisando o Hospital da Caridade da cidade de Porto Alegre para adquirir, e possuir bens de raiz at o valor de oitenta contos de ris.

    Levantou-se a Sesso depois das duas horas da tarde.

    SESSO EM 8 DE MAIO DE 1829.

    PRESIDENCIA DO SR. BISPO CAPELLO-MR.

    A's dez horas, achando -se presentes 38

    Srs. Senadores, declarou o Sr. Presidente aberta a Sesso; e, lida pelo Sr. 4 Secretario a Acta da anterior, foi approvada.

    Como no houvesse expediente, annunciou-se que se tratava da primeira parte da Ordem do Dia, que era a continuao da 2 discusso do Projecto de Lei regulando a liberdade de exprimir os pensamentos por escripto, ou palavras.

    O Sr. 1 Secretario leu ento o artigo 2, que o seguinte:

  • Sesso de 8 de Maio 75 Abusam do direito de communicar os seus

    pensamentos por escripto os que por impresso de qualquer natureza os emittirem.

    Pedio a palavra, e sendo-lhe concedida, disse:

    O SR. SATURNINO: No se lendo todos os paragraphos que compem este artigo, devo crer que s se discute este primeiro membro; mas elles so de tal sorte ligados entre si, que quasi se no podem destacar; parecia bom que se declarasse que todos elles vo entrar em discusso.

    O SR. PRESIDENTE: Pde ler-se o artigo 2 e o paragrapho 1, porque estes paragraphos tm divises e sub-divises, e sendo isto muito para se comprehender de uma s vez devemos ir por partes.

    O SR. SATURNINO: Fiz essa reflexo porque intento fallar sobre a ordem dos paragraphos.

    O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS: Tem sido sempre o estylo discutirmos artigo por artigo; ora o 2 comprehende todos estes paragraphos; logo parece que se devem ler todos, e cada um de ns fallar daquelle sobre que tiver duvida. Todavia convirei que vamos discutir um, e depois outro, porque este Projecto envolve penas, que materia muito importante. Mas a leitura s do artigo no mais que uma introduco.

    O SR. PRESIDENTE: Eu j tinha declarado que entrava em discusso o artigo 2 e paragrapho 1.

    O Sr. Secretario leu: Art. 2 Abusam do direito de communicar

    os seus pensamentos por escriptos os que por impressos de qualquer natureza que seja, os emittirem.

    1 Ataques directos contra o Systema Monarchico Representativo, abraado e Jurado pela Nao, e seu Chefe.

    Os responsaveis incorrem na pena de priso de 3 a 9 annos e na pecuniaria de 1 a 3 contos de ris.

    O SR. SATURNINO: A primeira

    Este relativo os parece que se refere aos antecedentes, porque (leu) que rege estes ataques? Como isto no faz portuguez, julgo melhor dizer-se assim (leu) menos aos e seguir ataques directos contra o Systema, etc.

    O SR. PRESIDENTE: Eis o authographo aqui est o os encaixado como que fora, porque at est por outra lettra; parece que ficar melhor como lembra o Sr. Saturnino.

    O SR. SATURNINO: Se preciso emenda, eu a mandarei, e ainda tenho mais que dizer para baixo.

    O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS: Sr. Presidente. Queria unicamente saber se no authographo est a relativo os como se l no impresso.

    O SR. PRESIDENTE: O os est encaixado fora, e por outra lettra, tanto que est entre linhas.

    O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS: Esse relativo os como bem disse o illustre Senador, referido aos pensamentos.

    O SR. SATURNINO: Quero mandar a emenda para que se supprima o relativo os que precede palavra emittirem. (Apoiados.)

    EMENDA

    Supprima-se o relativo os que precede

    palavra emittirem no fim do 1 membro do artigo 2 Saturnino.

    Foi apoiada. O SR. CARNEIRO DE CAMPOS: Sr.

    Presidente. Eu me conformo com a emenda suppressiva do artigo os porm tenho de fazer outra reflexo, e , que o membro do artigo deve ser redigido desta maneira: os que emittirem por impressos. Fundo-me em que tanto o artigo que precedeu a este na Lei, como o Artigo Constitucional, que se lhe substituio, quando falla no escripto, entende ser escripto de mo, logo aqui este escripto synonimo de manuscripto; assim se diz na Constituio: todos podem communicar seus pensamentos

  • observao que tenho de fazer , que aqui parece haver um erro grammatical; no sei se typographo, ou se do mesmo authographo.

    por palavras, por escriptos, e fazel-os imprimir, etc. A verdadeira ordem devia ser principiada se pelas palavras, dahi pelos manuscriptos,

  • 76 Sesso de 8 de Maio

    e depois passar aos impressos; mas a Lei tomou outro methodo, e comeou pelos impressos para depois passar s palavras. Eu no combato esta preferencia, porque com effeito a communicao por via dos impressos a mais extensa e talvez a mais importante; mas tendo-se no primeiro artigo, que foi substituido pelo da Constituio, usado da palavra escriptos com o synonimo de manuscripto, no se deve aqui usar della de outra maneira. E uma incoherencia muito grande dar em um artigo ou paragrapho uma ida, e emittir em outro outra ida sempre com a mesma palavra; isto torna-se equivoco, e pde occasionar ms intelligencias; convm, pois, conservar-se tanto em um como em outro a mesma linguagem. Offereo e mando Mesa uma emenda a este respeito.

    EMENDA

    Artigo 2. Abusam do direito de

    communicar os seus pensamentos por impressos de qualquer maneira que seja, os que emittirem. Carneiro de Campos.

    Foi apoiada. O SR. MARQUEZ DE INHAMBUPE: Sr.

    Presidente. Tenho de fazer uma pequena observao a respeito da ordem e collocao destes paragraphos; bem vejo que agora s se trata do 1, mas por isso mesmo que fallo da ordem de sua collocao, por me parecer tempo opportuno.

    Sabido que quando se trata de outros objectos conjuntamente com a materia Religiosa, sempre esta occupa o primeiro lugar; parece-me, portanto, que o paragrapho que diz respeito Religio, deve aqui vir antes dos outros (Apoiados). Quanto, porm, a respeito do artigo nem me posso conformar com elle, nem com a emenda, porque j se venceu, que se comprehendessem tambem os ataques feitos por escripto, como v. g. cartas-missivas, etc.; ora, este artigo como est, diz abusam por escripto, e por impresso o que quer dizer, que

    antecedente, 1, etc. e ir dest'arte numerando os paragraphos, porque ento vai comprehendida toda a materia, como palavras e escriptos ns limitamo-nos aqui a impressos, quando se venceu que tambem se tratasse de escriptos, e esta foi a opinio do Sr. Marquez de Caravellas; se isto assim como vamos s fallar dos impressos? Isto parece contradictorio Constituio, ao vencido, e at mesmo ao que se quer evitar. Para que limitar ainda mais aquillo, que j est to limitado? Eu no queria emendar a Lei, porque temos necessidade della, e talvez que as emendas faam com que no passe; mas todavia, no podemos deixar de emittir as nossas idas, e portanto sou de opinio que se diga que abusam na frma do artigo antecedente, porque dizendo-se unicamente por impressos onde ficar ento o que se venceu? No offereo emenda.

    O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS: Ns temos aqui duas emendas; uma suppressiva do relativo os outra a respeito do impresso, e quer que se diga tambem por escripto. Quanto primeira, convenho porque necessaria, alis ficava a grammatica errada. Porm no acho razo nas outras reflexes que se fizeram; parece que nasceram, primeiro de se no ponderar o systema Seguido nesta Lei; segundo de se no ter lido toda. Pelo systema desta Lei, aquelles crimes, que no eram dignos de maiores penas, tiveram o primeiro lugar e eis o motivo por que se veio a fallar da Blasphemia, e da Religio depois, suppondo se que no eram crimes de tanto risco, em que os homens cahissem. Quanto opinio de que se devem pr as palavras antes dos escriptos e depois destes os impressos direi, que pela mesma razo de se attender ao maior abuso, se deu preferencia ao impresso. Por escriptos podem entender-se os manuscriptos, e podem entender-se os impressos; mas como nos impressos se podem encontrar os maiores crimes, deu-se-lhe o primeiro lugar, por isso mesmo que onde ha maior delicto, maior deve

  • no ha abuso de pensamentos, quando se no imprimirem. Parecia-me portanto muito mais natural dizer-se: que abusam de communicar os seus pensamentos na frma do artigo

    ser a pena. Destes escriptos o primeiro o impresso; depois vemos os escriptos que fazem a materia do artigo 5, o qual diz (leu) nos mesmos casos, em que por esta

  • tema

  • que nos devemos occupar primeiro, e logo, pela mesma ordem do Chefe da Nao; e em seguimento das outras cousas. Depois nesta Lei no se trata de Religio, e sim daquellas cousas, que convm acautelar. A Divindade no precisa que o Legislador tome sobre si a vingana das suas offensas; ella tem todos os meios de punio como todo o mundo sabe; preciso porm cohibir abusos, porque a Nao deve defender e sustentar a Religio do Estado, e porque tolera o culto das outras Religies. E por este principio que vem o paragrapho 3 neste artigo da Lei, tudo o mais querer achar difficuldade onde no existe. Acho, pois, muito bom que se conserve a ordem systematica em que est a Lei, de mais agora no ha o perigo dessas controversias Religiosas, no ha Brazileiro algum que deixe de ser Catholico Romano, porque nascem, e so educados todos nestes principios. Portanto acho que o Projecto est muito bom assim.

    O SR. VISCONDE DE CAYR: Sr. Presidente. O illustre Sr. Senador Borges qualificou de intoleravel tyrannia o fazer-se Legislao para se reprimirem abusos de liberdade de communicar pensamentos por palavras, allegando o perigo de excitar delatores, que vo denunciar, bem ou mal ouvindo, palavras ditas ainda em companhia de amigos.

    Sr. Presidente. Longe de mim justificar o horrido abuso dos delatores, que Tacito qualificou de pessimo genero de homens, que tanto mal causaram no tempo dos tyrannos Imperadores de Roma, quando segundo diz aquelle historiador, no se distinguiram os ditos dos delictos nec secernebantur dicta maleficiis.

    Para se obstar a essa tyrannia no tempo dos Imperadores Antoninos se publicou a Lei que se acha no Codigo do Imperio Romano no Tituto De Lis qui Imperatori maledixerint que repellio os denunciantes de injurias ao Soberano, dispondo-se que, se procederam de leveza, deviam se desprezar; se de loucura, o

  • ro era digno de compaixo; se de malignidade, convinha perdoar-se. Ainda entre ns, no tempo do Governo Absoluto, corria o proverbio vulgar EL-

  • 80 Sesso de 8 de Maio

    accumulem-se emendas a emendas; ponham-se penas maiores neste primeiro paragrapho, estabelea-se de novo a Inquisio, haja sangue... Mas eu direi sempre que no este o lugar de tratarmos da importancia da Religio, aqui s devemos seguir a ordem das penas maiores. E' verdade que podiamos seguir differente systema, como v. g. principiarmos pelos crimes menores e subir destes aos maiores, graduando-se as penas, porque os crimes assim como as virtudes tm seus degros, e a cada um livre seguir este ou aquelle methodo, ou de maior a menor, ou de menor a maior; mas sou de opinio que no preciso inverter-se a ordem da Lei, porque em nada offende assim a Religio.

    O SR. VISCONDE DE CAYR: Sr. Presidente. Parece-me que seria nulla e irrisoria a Lei de cohibir os abusos da liberdade da imprensa, se unicamente se punissem os ataques directos contra a Religio, Constituio, e Autoridades estabelecidas. S loucos rematados, ou pessoas que tivessem tdio vida, poderiam publicar impressos em que directamente se affirmasse, ou sustentasse, por exemplo, que era falsa a nossa Religio, que no se devia guardar a Constituio jurada, que se podia desobedecer ao Chefe da Nao, e resistir a seu Governo. Ordinariamente a esse respeito os arteiros e temerarios s inculcam ataques indirectos com malignas ironias, allegorias, epigrammas, parabolas, romances e sarcasmos, que so ainda de maior effeito e perigo, espalhando pelo vulgo. Seria, em minha opinio, absurdo dizer-se que taes ataques indirectos no deviam ser do conhecimento dos Jurados, e que hajam de ficar impunidos. Muitas vezes taes ataques indirectos so to pungentes e evidentes, que parecem apontar com o dedo os objectos contra que os mal intencionados dirigem os seus tiros bem que os no nomeiem. Nesta mesma Lei em discusso se reconhece e enuncia a distinco entre ataques directos e indirectos quando se prope que os ataques feitos directa ou indirectamente contra os

    que faria a Lei casuistica, e sempre incompleta, parece-me para obviar difficuldades, que o mais simples e opportuno adoptar-se a Emenda proposta de supprimir-se a expresso de ataques directos para deixar-se o Juizo Religio, e consciencia do Jurado, que ponderar bem as circumstancias para reconhecer a sinistra inteno do escriptor, e os gros da criminalidade.

    O SR. ALMEIDA E ALBUQUERQUE: Eu vou s explicar a razo por que se alterou a ordem. A Lei da liberdade da imprensa foi apresentada em Projecto Assembla Constituinte, e no foi discutida; esta que agora discutimos j passou na Camara dos Srs. Deputados, e aquelle foi mandado executar-se talvez por se achar bom. Mas conheceram-se os defeitos e por isso trata-se agora desta Lei, que uma das Regulamentares. Emende-se muito embora toda ella, o 1 artigo j foi alterado e tantas emendas se faro que uma tal disposio Legislativa ainda no passe neste anno, sendo alis de grande necessidade.

    O SR. PRESIDENTE: Proponho se do por discutida esta materia.

    O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS: Parece-me que a discusso est fixada quanto a este 2 artigo, sobre o mais ainda nada se tratou, isto , sobre o paragrapho, porque o que se disse foi s sobre a maneira de se enunciar o artigo. Entendo, pois, que est em discusso o paragrapho 1 do artigo discutido.

    O SR. PRESIDENTE: Sim, Senhor. Est em discusso o paragrapho primeiro.

    O SR. MATTA BACELLAR: Parece-me que neste primeiro paragrapho do artigo seguinte, que o de que se trata (leu) nesta palavra directos se deveria dizer no s directos, como tambem indirectos porque os ataques podem ser de um e de outro modo, como, por exemplo, dizendo-se que a Nao Brazileira no estava capaz de receber Constituio. Julgo, pois, attendivel esta reflexo e offereo a seguinte:

  • Ministros no se entendem ser contra o Imperador. Mas, como na verdade difficil exactamente enumerar exemplos de ataques indirectos, o

    EMENDA No paragrapho 1 do artigo 2, depois da

    palavra directos accrescente-se e indirectos. Matta Bacellar.

  • Sesso de 8 de Maio 83

    proprio Paiz uma pessoa capaz para ser Rei, e foi para isso buscar um Baro d'Allemanha, que no sabia a lingua do Paiz destinado a governar". O escriptor foi condemnado, e foi refugiar-se na Frana. Porm depois se publicou em um grande livro a obra de Godwin, intitulada Justia Civil que amplamente refutava o Systema Monarchico de qualquer frma. No foi todavia o autor chamado a Jurado, por se considerar mero romance de um enthusiasmado. De certo o Brazil no est em iguaes circumstancias para se tolerarem taes livros.

    O SR. MATTA BACELLAR: Sr. Presidente. Levanto-me unicamente para responder a uma imputao gratuita, que me fez o Sr. Borges. Eu no disse que fossem ambos os crimes medidos pela mesma pena, no estabeleci penas; nem to pouco defini o que so ataques indirectos; fra preciso primeiramente termos uma Lei de definies. Mas parece-me que todos sabem o que so ataques directos, e indirectos; o que disse que o Systema Monarchico Constitucional Representativo no o que convm Nao Brazileira, faz um ataque directo, assim como faz aquelle que disser que a Nao no estava capaz de receber este Systema. Mas estas definies no se devem explicar na Lei; isto fica aos Juizes, que devem entender o que ataque directo, e o que indirecto; pela maneira que elle se faz, que se pde conhecer e definir. Todavia, se fr approvada a Emenda do Sr. Saturnino, com a qual me conformo, retirarei a minha, porque o que quero no dar occasio de suppr-se que os ataques indirectos ficam impunes.

    O SR. SATURNINO: Sr. Presidente. O nobre Senador o Sr. Borges pedio que lhe definisse o que era directo, e indirecto; eu acho isso, muito difficultoso. Disse que o exemplo, que produzi, era um ataque directo, e contino a chamal-o indirecto; vem isto dos nossos principios, e o mais que se conclue que no somos concordes. Eu suppuz um escriptor, que

    ao nosso systema, mas sim indirectamente, pois que um homem que conta uma historia, no falla directamente de ninguem. Esta a razo por que chamei aquillo ataque indirecto. Mas diz o nobre Senador que pela emenda iro envolvidos na Lei os direitos, e os indirectos, sendo a pena uma e a mesma para estas duas especies, e eu respondo que em tal caso distinguirei os ataques graduando-os em maior ataque e menor ataque; como se ha de fazer em uma Lei uma distinco, e gradao exacta de crimes? Eu no vejo que outra se possa fazer mais prudente do que a que se faz pelas penas de maximo, mdio e minimo.

    Para se tirar toda a difficuldade de uma tal distinco e gradao, que eu disse que se supprimisse a palavra directos porque com ella o Juiz se ver em muito embarao; a parte pde dizer crimina-me por uma cousa que ataque indirecto, e elle o pe como se fosse directo. Se pudessemos assignalar caracteres communs a certo numero de ataques, e dizer so directos estes, e indirectos aquelles, tenham estes estas penas, e aquelles estoutras fariamos uma Lei casuistica, e como isto no so gradaes, que se devam tocar em extremos, fica ento ao Juiz classificar entre os tres ataques, maximo, mdio e minimo, o gro de criminalidade que possa haver.

    Quanto definio, que me pede, no lha posso dar, salvo se a inventar.

    O SR. ALMEIDA E ALBUQUERQUE: Sr. Presidente. No me posso conformar com o que se diz, e j o illustre Senador o Sr. Borges respondeu a isso. Ataque indirecto tem uma grande extenso e quasi to vaga como a que se encontra entre a certeza e a incerteza. Mas dizendo simplesmente a Lei ataques e envolvendo-se nesta palavra os indirectos, seguir-se-hia que a Lei ia pr os Juizes de Facto na necessidade de ajuizar sempre ataque, ainda aquelles que s fosse indirecto, porque no poderiam fugir de dizer que ha ataque; e como fariam elles a distinco de directo e de indirecto, se a Lei a no faz? Isto, a fallar

  • narrasse um facto, e contasse o que o Governo tinha de mo, e suppuz que havia verdade no que elle dissesse, calando as outras cousas, que haviam boas; dest' arte elle commettia um ataque indirecto, porque no se dirigia positivamente

    verdade, armar rde aos homens. A Lei fallou s nos ataques directos, para

    que o Juiz os conhecesse, porque os

  • reitos

  • 90 Sesso de 9 de Maio

    e Conveniencias do lmperio do Brazil e os interesses de seus subditos se acham devidamente attendidos e guardados nos Tratados e ajustes que o Discurso do Imperial Throno annunciou.

    Dolorosamente ouvio o Senado o inesperado acontecimento da usurpao da Cora de Portugal. E posto que estivesse constantemente na persuaso de que a atilada politica do Governo de Vossa Majestade Imperial se no complicaria em tal acontecimento, expondo s suas consequencias a tranquillidade e fortunas Brazileiras, todavia no pde deixar de admirar com Jubilo, e na effuso dos mais vivos agradecimentos, os effeitos do extremoso amor que Vossa Majestade Imperial Tem sempre Manifestado em todas as circumstancias pela Felicidade do Brazil e que ora to generoso se eleva no corao Heroico de Vossa Majestade Imperial sobre os sentimentos da Natureza offendida, Afianando-se quebra da Sua Alta Dignidade o Firme Principio em que Vossa Majestade Imperial est de no comprometter na Questo Portugueza a Tranquillidade e os Interesses do Imperio.

    Effeito, porm, diverso, o da indignao, sentio o Senado com a noticia de haver insurgido um partido desorganizador levantando a voz da Rebellio em uma das Provincias do Imperio, que compellio o Governo a empregar medidas extraordinarias para restabelecer a Ordem. O Senado, Senhor, reconhece que semelhantes medidas so sempre salutares nos Iimites da Constituio.

    A liberdade da Imprensa, esse Direito de cujo beneficio o Brazil especialmente devedor Vossa Majestade Imperial desde 1821 que estende o dominio do pensamento, e e prodigioso manancial da Instruco, e civilisao dos Povos e sobretudo o sustentaculo das Liberdades Publicas, quando se no traspassam as raias da justia e decencia, reclamou da Previdencia de Vossa Majestade Imperial a Recommendao de uma Lei repressiva contra a criminosa licena que frequentemente alardeam

    com que espera preencher a Expectao de Vossa Majestade Imperial.

    Continuam a ser dos primeiros cuidados do Senado os Negocios da Fazenda, e os da Administrao da Justia, certo do quanto importa para esse effeito, e para o progresso do Systema Constitucional a reforma da Legislao relativa principalmente da criminal. Foroso, porm, Senhor, nessa ardua tarefa proceder-se mais lentamente, porque tendo por objecto actos em que a honra, a vida e a liberdade do homem podem achar-se empenhadas, toda a meditao e escrupulo em suas materias da mais transcendente importancia.

    Finalmente, o Senado em reverente considerao Imperial Lembrana sobre a Lei da Naturalizao e Regulamento para distribuio das terras incultas, e est profundamente convencido de que taes medidas Legislativas ho de cooperar efficazmente para convidar de fra braos prestadios e promover o desenvolvimento da nossa Agricultura, fonte inexaurivel e por agora a mais importante da Riqueza do Brazil.

    Taes so, Senhor, os sentimentos do Senado de que hoje temos a honra de ser fieis Interpretes perante o Throno Augusto de Vossa Majestade Imperial. Elle nos encarrega de assegurar mui respeitosamente, que Vossa Majestade Imperial Achar sempre em seu patriotismo e leal amor Sagrada Pessoa de Vossa Majestade Imperial o mais decidido empenho e firme determinao de coadjuvar a Vossa Majestade Imperial na empreza que Se Tem Proposto de Firmar a Sua Gloria, e o Esplendor do Seu Constitucional Throno na Prosperidade do Brazil. Marquez de Maric. Marquez de Paranagu. Visconde de Cayr.

    O SR. PRESIDENTE: Tem sido costume ficar sobre a Mesa para ser examinada.

    O SR. CAMARA: S me levanto para pedir que no fique por muito tempo, antes pretendo que entre quanto antes em discusso: queria uma pequena alterao, e que se diga de Sua Majestade e no do Ministerio depois

  • Impressos descommedidos. O Senado em prompto desempenho do seu dever j se occupa da discusso de um Projecto de Lei sobre esse objecto, que passou na Camara dos Deputados,

    ahi onde vem partido diga-se faco parece-me que ha muito pouco que emendar.

    O SR. MARQUEZ DE CARAVELAS: No

  • quer

  • 112 Sesso de 11 de Maio

    outra Provincia, ainda maritima, afim de os tornar subditos uteis. Em objectos litterarios pessoas, s vezes incapazes de violar as Leis da Justia e da Moral, se desatinam a fazer pessimos escriptos, por enthusiasmo e fanatismo de opinies exageradas, mas que facilmente mudam de idas e de conducta.

    O SR. OLIVEIRA: O nobre Senador acabou outra vez de expender a sua primeira opinio a respeito da pena de degredo. Eu j disse que a pena de degredo para o centro do Brazil era muito leve, porque viver, hoje, no centro do Brazil , talvez, melhor do que nas grandes capitaes, principalmente um homem que tenha fortuna mdia l vive muito bem. Eu estou que no nos convm estabelecer uma pena atroz, qual a pena de morte, porque era querer destruir um systema nascente, ainda quando no criou raizes entre ns, e que por isso, como bem disse outro illustre Senador, era precisa uma Lei de circumstancias, porque ainda no estamos to illustrados como as grandes Naes que legislam sobre a liberdade da imprensa.

    Trouxe um illustre Senador o exemplo de uma Portaria que sahio no Diario a respeito dos escravos. Perguntarei eu: E o mesmo crime o que faz um escravo, s vezes, victima, s, do capricho do seu senhor, e o que pratica um homem livre que quer destruir com seus escriptos a Sociedade e o Governo Representativo? Tem isso parallelo? Parece-me que no.

    Trouxe, tambem, outro illustre Senador o argumento de que nove annos era tempo excessivo. Parece-me que elle o achou excessivo porque no attendeu que a pena dos nove annos para aquelles cujos escriptos estiverem no gro maximo, porque para aquelles cujos escriptos no forem capazes de produzir to grandes attentados, calculou-se a pena de tres a seis annos. No , portanto, a meu ver, excessiva, porque j uma Camara, a de Frana, ou de Inglaterra, que passou muito bem por essa sensibilidade, e que pesou todas

    horrorosos, fallemos em prises quaes as que deve haver no Systema Constitucional, e se acabaro esses soffrimentos que tinham os presos nessas masmorras. Ns devemos esperar melhoras a este respeito. Na Provincia da Bahia j se mandou um plano para melhoramento da cada; e j o Conselho Provincial pedio que se lhe dsse dinheiro para o executar; ento, ho de ser aproveitados os homens que estiverem presos: no ho de estar ociosos, ho de trabalhar para si e para os outros.

    O SR. EVANGELISTA: Tem-se fallado, Sr. Presidente, sobre as penas que se devem impr aos autores de escriptos incendiarios; mas parece-me que se no differenou o effeito produzido pelo escripto incendiario da malicia s do escripto que ainda no produzio effeito. Eu julgo que esta distinco muito essencial. Supponhamos que sahio um escripto incendiario que no produzio effeito, e outro que produzio uma sedio, um levante contra a ordem publica. Ha de ser este condemnado como aquelle que no produzio effeito? Eu estou que o que no produzio effeito tambem deve ser punido, mas assento que sempre se deve aggravar a pena quelle pelo effeito que tem produzido; porm vejo que isto no vem bem explicado; e, portanto, se fr necessario, eu mandarei uma emenda Mesa neste sentido.

    EMENDA

    Ao artigo 2 Nada de penas pecuniarias,

    devendo accrescentar-se a de priso; nunca, porm, que exceda a nove annos. Evangelista.

    Foi apoiada. O SR. CARNEIRO DE CAMPOS: Eu

    sustento o artigo tal qual veio da Camara dos Srs. Deputados. E evidente que, havendo differentes gros de imputao, preciso que haja differentes gros de pena, e, por consequencia, preciso que haja os gros

  • as consideraes que se acabaram de fazer, votou que era um castigo muito proporcionado, prescindindo j da pena de morte, e das outras de vinte e trinta annos. No fallemos tambem em calabouos

    minimo, maximo e mdio, porque mister entrar a fundo na qualidade dos delictos. O artigo comprehende este principio. Logo, assim, vamos conforme a qualidade dos crimes. Este crime o maximo dos crimes, e, por ser o maximo, tem a pena de tres a nove annos da priso, porque a experiencia

  • Sesso de 11 de Maio 113

    tem mostrado que o maximo das penas no tem produzido effeito; mas muita gente se queixa de que a actual imprensa tem feito muitos males, e a Lei passada tinha dez annos de degredo, quando era ataque directo, e cinco quando era indirecto. Ora, se ns vemos que at agora nada tem produzido esses annos de degredo, a pena do artigo est muito bem posta, porque uma priso, em certas circumstancias, mais excessiva que a pena de degredo. Para muitos ha de ser isto assim. Um pai de familia na priso no falla com a sua familia, tem outros muitos incommodos, pelo que se lhe faz muito sensivel esta pena. Portanto, parece que o artigo deve passar. E bastante a pena dos nove annos. Quanto observao feita sobre a pena pecuniaria no estou por ella, porque se o escriptor quiz perturbar a Sociedade preciso que v compensado nos males que quiz fazer; por isso, aquelle folliculario que no tem dinheiro, e no pde pagar com a bolsa, esse, ento, pague com a pessoa. Esta a minha opinio.

    O Sr. Borges pronunciou um discurso que no foi colhido; e mandou Mesa a seguinte:

    EMENDA

    A pena de priso seja de 3 a 5 annos, e a

    pecuniaria de 400$000 a 1:200$000. Borges. Foi apoiada. O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS:

    Sr. Presidente. Eu professo principios em Direito Criminal que so para mim invariaveis; e, at, os sigo como pr obrigao. Eu acho que na questo se deve attender a um principio de Direito Criminal, que : a pena deve ser proporcionada ao delicto. Quer dizer que se deve pr uma pena tal que faa com que o homem se cohiba. Se a pena maior, a lei demasiado severa, tyranna; se menor, a Lei imprevidente, imperfeita. Por consequencia, toda a questo saber se esses nove annos so muito ou se os cinco annos so sufficientes para remover o homem que intentar destruir o

    todos os males que so consequencia de tudo isso. Ora, olhando-se com atteno para a Historia, ns divisamos que esse delicto um dos que trazem comsigo immensos delictos. Se isto assim, como se diz que a pena aqui imposta quelle que intentar fazer taes desordens excessiva? Eu no vejo que ella seja tal, quando acho na pratica e theoria que a pena deve ser proporcional ao delicto. Assim, se esta que se pe proporcionada util. E um principio de Direito Criminal que a pena deve ser proveitosa quelle que tenha commettido um delicto, para que se corrija, vendo que, longe de haver obtido o que esperava conseguir do delicto, se tornara desgraado. Por exemplo: Um ladro que tivesse enriquecido custa dos incautos, se puzesse uma somma do triplo, que esperanas de utilidade o podiam impellir a continuar a roubar? Assim, o homem que escreve um escripto incendiario, que quer abolir os fundamentos da Sociedade j constituida, commette porventura um pequeno delicto? No tem o fito e o desejo de levar a sedio avante, porque espera lucros, e muito grandes, dessa empreza, e desse attentado? Creio que sim. E deve se lhe impr uma pequena pena? No. Isto verdadeiramente um negocio de risco. O escriptor neste caso como um especulador que vai fazer uma viagem Asia ou roda do mundo: leva muito risco de naufragar, mas, entretanto, antolha-se-lhe a riqueza ou a grande gloria, e o premio que lhe daro, se elle completar essa viagem, e mais que o seu nome ficar em lembrana como o dos viajantes La Perouse e Cook. Assim, tambem, esse homem que quer fazer uma rebellio vai com o fito em grandes lucros. Verdade que, fallando rigorosamente, no se pde dizer que a pena dos nove annos excessiva; nem se pde dizer que a dos cinco annos conforme; porque cada um calcula como julga acertado, e o juizo dos homens vario, e no temos uma regra, um thermometro que nos encaminhe nesta questo. Daqui vem que uns acham que os

  • Systema Constitucional, que puzer em convulso a Sociedade, e suscitar com seus escriptos uma guerra civil, uma, anarchia, e

    nove annos no gro maximo sero sufficientes para remover estes delictos. Argumenta-se com a Lei dos Paizes Baixos. Eu j disse que os Paizes Baixos nunca tiveram Lei da liberdade de imprensa. Era o Paiz em que a houve mais

  • 114 Sesso de 11 de Maio

    livre em todo o tempo, na Hollanda principalmente. Os livros mais incendiarios iam imprimir-se em Amsterdam, ainda, mesmo, nos antigos tempos, em que no estavam as luzes to diffundidas. Alm disso, o povo hollandez um povo apathico, no como o povo brazileiro. O Brazil ainda est no principio, e, como disse um illustre Senador, o Systema no est ainda bem radicado; e, em consequencia disso, qualquer confuso pde fazer um mal terrivel. E, como no temos bastante instruco, ha mais quem engula ptas; e aqui que est o perigo. Como ignorantes, so illudidos, no sabem pezar os males que se seguiro, e estes males so mais de receiar dessa mesma facilidade dos periodicos, pois que os livros volumosos no se divulgam tanto, nem todos esto nas circumstancias de os ler. Esta differena me induz a votar que se carregue mais a mo sobre a pena que se impuzer quelles, porque eu no acho que deva haver a mesma igualdade de pena para um homem que escreve uma obra, um livro, e para aquelle que escreve um simples folheto de poucas paginas, um papel avulso que gira e circula num momento por toda parte. Um periodico incendiario muito mais perigoso do que os principios incendiarios de uma obra grande, porque esse folheto mais comprehensivel, mais facil, mais geral, e abrange a massa do povo; nessa massa que est a fora que nocivamente pde ser abalada. Por consequencia, deve-se pr uma pena maior quelle que commette um delicto que se reputa maior e mais grave, e que, de sua natureza, mais proprio para concitar desordem do que o outro. Os livros no passam das mos de homens habituados leitura, e o povo no gosta de ler livros. Como ha aqui desigualdade de Lei? Haveria se estes homens s fizessem periodicos escrevendo da mesma maneira, e que, tendo a mesma imputao, se lhes impuzesse uma pena diversa; mas de outra maneira no.

    Diz o illustre Senador que temos exemplos

    tambem, no confundir uma Lei que faz a explicao dos crimes com uma Lei que no faz isso. E um principio geral de Direito Criminal no confundir a qualidade do crime com a imputao do delicto, que consiste na maior ou menor malicia de quem o commettesse. Se ns fizessemos essa explicao faziamos a Lei pessima, e muito casuista; seria ella muito boa para dirigir o Juiz obrigado a julgar na frma da Lei; mas para o legislador no possivel. O legislador no ha de estabelecer seno principios geraes de que ninguem duvide; e, por essa causa, nas Leis no esto caracterisados com particular individuao os delictos; por isso no est esse que quizer subverter a ordem publica, aquelle que quizer destruir o Systema Constitucional; no est distincto o daquelle que commetteu blasphemia do daquelle que escarneceu das religies dos outros Paizes, ou injuriou aquella que ns temos adoptado. Quer dizer que no mesmo delicto h diversas graduaes. O homem que ferio com uma espada tem o mesmo delicto do que ferio com uma pistola ou com uma faca de ponta? O que fez um ferimento mortal tem o mesmo delicto de outro que no matou? Outra cousa quando as differenas so mui notaveis e mudam absolutamente a natureza da gravidade do crime. Isso so doutrinas que escusado expender na Camara. Diz o illustre Senador que fazendo-se a differena de um livro para um folheto destruia-se o systema da Lei quer dizer que ns havemos de ser to cautelosos em harmonisar a Lei, sem attendermos a que fazemos uma cousa vergonhosa para que se diga que o Brazil ainda no sabe os principios criminaes. J muito se tem escripto sobre esta materia, j o devemos saber, o contrario seria uma vergonha. Smente necessario que a Camara attenda a isto: se aquelle que escreve um livro expe to facilmente a Sociedade como aquelle que escreve papeis incendiarios, avulsos, e faz circular idas de rebellio. Pergunto: seriam castigados igualmente? Se o fossem seria horroroso. Disse que no sabia a

  • de obras que produziram esses males. Convenho; mas j disse que essas obras no produziam tanto mal aos que liam s as obras, como quelles que liam, extrahidas dessas obras, passagens particulares, e as espalhavam, ento, entre o povo. Ora, necessario,

    razo por que se quer o numero nove. J se disse que a Lei fazia essas imputaes: aquelle que est com maior imputao foi com mais conhecimento de causa e maior dolo, e, por

  • 120 Sesso de 12 de Maio

    por anno foi pago: De facto que, em boa consciencia, no o devia receber porque no deu conta do fim a que se propz. Dos Diarios novos existem alguns impressos, porque o official-maior, vendo o abandono em que estavam, encarregou-se de os redigir gratuitamente, em quanto no houvesse o novo Redactor, porm diz que no pde continuar.

    Quanto ao que disse o nobre Senador, que se acabe com este estabelecimento eu no direi nada: parece-me que se no deve resolver isso to repentinamente; faa-se uma Indicao, que o Senado resolver o que fr conveniente.

    O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS: Sr. Presidente. E verdade que ns temos queixas do Diario, mas necessario examinar as causas. Eu assento que nada pde adquirir perfeio de salto, e quando isso se quer nada se faz porque as mesmas obras da Natureza nunca foram de salto. E como queremos, de repente, ter tachygraphos perfeitos, quando a Arte to moderna? Talvez que aquelles que se chamam mestres de tachygraphos na Europa no fossem completamente bons em principio, porque lembro-me de ler em uma obra de M. de Stael que na Inglaterra, de ordinario, o que se diz nas Camaras imprime-se logo nas folhas publicas, e com tanta presteza que os oradores, chegando casa, lem os seus proprios discursos, e, s vezes, bem longos. Accrescenta que achou-se em uma assembla distincta de Londres umas vinte e tantas milhas, onde o povo era immenso, e havia um tachygrapho que, entre o aperto, estava escrevendo tudo o que se dizia, que daqui se expediam logo emissarios para Londres, de maneira que, voltando pela porta, achou j impresso tudo quanto se tinha passado naquella assembla. Ns no podemos chegar j a essa perfeio; e, se desprezarmos esta Arte, ento nunca teremos bons tachygraphos. Quando chegarmos ao ponto de os termos, e que os homens conheam que um meio de ganhar dinheiro para se sustentarem, ento poderemos

    Que ella muito util a experiencia o tem mostrado. Dantes havia repetidas queixas contra este Senado, e, at, diziam, por fra, cousas que entre ns no se tinham dito. Consta de uma Acta, impressa com imperfeio, que ns recebemos com especial agrado uma participao do Governo de que na Provincia da Bahia queriam o Governo Absoluto! Tambem a imprensa ainda no est boa. Remediemos com os tachygraphos que temos; elles se iro apurando; j este anno achei o trabalho melhor que o do anno passado. Sou de opinio. portanto, que tenhamos Diarios. A Camara assim o decidio; e, alm disso, esta tribuna no se limita aqui s: preciso que a Nao toda saiba quaes so os nossos votos, pois tem direito a isso. Voto pelo Parecer da Commisso, de que os redactores sejam da escolha della, e que sejam, como ella quer, mais do que um. Quanto ao mais parece-me que no se deve obrigar o Redactor a repr o que recebeu porque elle tambem teve inconvenientes.

    O SR. OLIVEIRA: Sr. Presidente. A Nao no deve pagar segunda vez o que j pagou. Querendo a Commisso passada conciliar todas estas cousas, propz um dos pretendentes que eram tres (um delles consta que continuou a redigir os Diarios da Camara dos Deputados, por ver talvez demorarse a sua preteno do Senado). Ficaram dous. Um offerece-se a 8$000 por cada sesso; outro por 10$000, com varias condies; porm o primeiro sujeita-se ao que quizer a Commisso, no s redigindo os Diarios deste anno, mas, tambem, incumbindo-se do resto com a condio mencionada. E certo que a Commisso no tem provas da capacidade de um ou de outro; mas o primeiro que requereu apresenta como prova da sua capacidade ter j redigido o Diario Fluminense. Eu digo isto para illustrao da actual Commisso.

    O SR. BARROSO: Sr. Presidente. Se ha quem redija o Diario, recebendo-o desde que o Redactor deixou de fazer, ento no ha

  • dizer que no haja Diario, porque haver muitas pessoas que venham escrever as discusses das Camaras. Portanto, sou de opinio que conservemos o Diario, e que demos um impulso a esta Arte.

    prejuizo; porm como elle recebia ordenado para redigir os Diarios todos das sesses ordinarias e extraordinarias, e no fez em um anno mais que redigir os de um mez, parece que est obrigado a concluir o resto. As razes que apontou o nobre Senador res

  • porque fra, ento, dar aos Jurados, como bem disse um nobre Senador, as mesmas funces de um concilio. Eu estou pela emenda do Sr. Marquez de Maric, mas parecia-me que se lhe devia tirar a palavra blasphemia, e explicar melhor: aqui s se trata de sustentar as bases da Religio e a Moral, que so a existencia de Deus e a immortalidade da alma; por isso julgo que o paragrapho se podia exprimir simplesmente dizendo-se em vez de "blasphemias contra Deus, blasphemias contra a existencia de Deus e a immortalidade da alma. Creio que assim ficar bem.

    O SR. EVANGELISTA: Sr. Presidente. Ouvi dizer a um illustre Senador que estas questes sobre Religio s se devem tratar em relao Sociedade, como se houvesse alguma questo de Religio que no affecte directamente a Sociedade. O homem que no respeite a Religio, que, por exemplo, negue a existencia de Deus, da divindade de Jesus Christo, esse homem suspeito; em todas as suas aces abusada Sociedade; jura sacrilegamente, porque, como no cr nos pontos principaes da Religio, no pde ter fora o seu juramento, freio o mais seguro e forte para conter os homens nos seus deveres. Uma vez que se metta bulha a Religio da qual depende a Sociedade, pois que a sua arma mais poderosa, estar tudo perdido.

    Tem-se dito que as injurias feitas a Deus devem-se castigar em relao Sociedade. E falso este principio, porque quando no se respeita a Deus tambem no ha segurana para a Sociedade. Diz-se que pela Constituio livre qualquer culto, e que ninguem deve ser violentado sobre Religio; mas perguntarei eu: Um homem que diz que Jesus Christo no Deus respeita, porventura, a Religio do seu Paiz? Certamente que no. Ento, se elle proferir taes injurias no deve ser punido? Sr. Presidente. Eu no estou por distinco que podem ir minando pouco a pouco a Religio. Vejo que na nossa crena o merecimento do juramento de grande monta; desprezado o

    e sem Religio no ha segurana no Estado. S ella pde reprimir o homem em suas maldades; e, uma vez que seja tratada com indifferena, no haver crime que o homem no commetta. E, no acreditando na Religio, no pde ser util Sociedade. Seja, embora, indifferente, mas guarde comsigo mesmo a sua opinio; no profira blasphemias, no escandalise a Sociedade, porque no respeitar a Religio do Estado o escrever obras em que se expendem principios que tendem a destruir essa mesma Religio do Estado. Portanto, segundo o meu modo de entender, no se devem admittir taes principios.

    O Sr. Marquez de Maric pedio que queria fazer uma nova redaco; e, sendo-lhe concedida, apresentou-a assim concebida:

    EMENDA

    Substitua-se no paragrapho 3 as seguintes palavras negar a existencia de Deus, a immortalidade da alma, e vida futura, e blasphemar contra Deus. Marquez de Maric.

    Foi apoiada. O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS:

    Sr. Presidente. No posso estar pelas emendas que se tm feito, nem, mesmo, pela ultima, que diz: negar a existencia de Deus, blasphemando. Parece que ella no se combina com o paragrapho. Um homem que compuzer um livro, e nelle se veja, pelas doutrinas expendidas, que elle no ataca a existencia de Deus, que no foi esse o seu intento, que no estabelece o atheismo, ha de ser este homem condemnado e perseguido por um motivo de Religio, contra artigo expresso da Constituio? Aquelle, porm, que, de proposito, quer derribar o Deismo, mostrando que o Ente Supremo uma chimera, que as cousas que vemos no procedem desse Ente que ns temos imaginado, etc., esse est em mui differente caso. Quantos homens, porm, ns no vemos que se no explicam bem, e que por isso no podem ser bem entendidos?

  • juramento a Sociedade soffrer um terrivel prejuizo. Como pde um homem executar as Leis sobre que um juramento uma arma indispensavel, se elle no cr na fora do juramento? A Religio do Estado , em todo caso, a base da Sociedade,

    Quantos tm dito que o systema philosophico de Condillac o do Materialismo, s porque refere todas as idas sensao, ao passo

  • 136 Sesso de 14 de Maio que outros, por muitas razes do seu autor, entram melhor na intelligencia daquelle systema, no lhe descobrem Materialismo? Gall, esse autor que quiz provar que as inclinaes do homem no dependiam da Educao, mas, sim, de diversos orgos que descobrio no sensorio, vio fechar-se a sua Escola em Vienna d'Austria, e abrir-se em Pariz com credito e concurso Portanto, sendo to diverso o modo de entender dos homens, no admitto os principios da emenda, porque fra dar azo perseguio.

    Esta Lei para prevenir o mal que possa vir Sociedade pelos abusos da liberdade de imprensa; e nenhum mal se segue de um homem que quiz destruir a ida da existencia de Deus, porque ninguem far caso do que elle disser. E menos ainda pde provir mal de obras metaphysicas e muito abstractas que no esto ao alcance de uma grande parte dos nossos leitores. Eu nunca li o Systema da Natureza, no por medo, pois que tenho bem firmadas as minhas idas religiosas: sou catholico, hei de viver e morrer como tal. Sei o que se diz no Systema da Natureza por uma obra muito conhecida intitulada Exame do Materialismo, obra to metaphysica que preciso ler de principio ao fim, e com muita atteno, para se entenderem as suas continuadas abstraces. Estou persuadido de que nada aproveitar o que escrever contra a existencia de Deus, porque no ha quem deixe de acreditar nella. C li enarrant gloriam Dei, et opera manuum

    ejus annunciat firmamentum, diz o Psalmista. Approvaria, pois, a emenda do Sr. Marquez de Maric, mas sem a palavra negar". Parece-me ampla demais, quando esta Lei s para evitar os perigos que podem provir dos abusos da liberdade de imprensa; e devemos combinal-a o mais que fr possivel com o artigo da Constituio. Elle se refere principalmente Religio revelada, porque diz: "Ninguem ser perseguido por motivos de Religio, uma vez que respeite a do Estado, e no offenda a Moral Publica". Isto deve entender-se da Religio

    zombarias, metter a ridiculo, etc." E' isto o que faz mal, isto o que perverte, bem como conversas e persuases. Eu tenho visto rapazes ainda preguiosos para ler um livro latino, e j tratando, e com escandalo, de certos pontos religiosos. As conversaes so, por isso, muito mais perigosas do que os mesmos escriptos, no quero dizer, entretanto, que elles no faam mal, mas um mal relativo, porque escriptores ha que dizem heresias sem saberem o que dizem, e sem saberem o que heresia. Ora, quando se trata de castigar um herege, a pena ecclesiastica a excommunho neste ou naquelle gro, e os males que aqui devemos evitar so, s, os que podem affectar a Sociedade pelos abusos da liberdade de imprensa. No ha duvida que a Religio a base da Moral, e que sem Moral no pde haver Sociedade; por isso convm manter a Religio e castigar aquelles que tentarem destruil-a; mas, tambem, importa castigar os crimes que commetter o homem quando abusa da liberdade de imprensa; e disso que agora tratamos.

    O SR. VISCONDE DE CAYR: Sr. Presidente. Bem que reconhea ser eu incompetente para discutir artigo de tanto momento, comtudo; submetterei ao Senado a minha opinio.

    Parece-me necessaria a emenda proposta pelo nobre Marquez de Maric ao artigo em discusso; porquanto, supposto alguns escriptores considerem conter blasphemias os escriptos em que se combate a existencia de Deus, e a sua justia aos homens na vida futura, comtudo, para excluir duvidas em to grave ponto, inconveniente preterir em silencio nesta Lei os impressos que contestam os Dogmas capitaes de toda a Religio, isto , a existencia da divindade, e a immortalidade da alma, discriminado-os do caso da blasphemia, que tem directamente por objecto o de trahir a honra de Deus. Devem os legisladores ter sempre em vista a Regra do Apostolo das Gentes: Accedentibus ad salutem oportet

  • revelada, pois que a respeito della que se pde dar um tal perigo. Estou, tambem, que o maior crime que ha nisso na frma como se expressa o paragrapho seguinte, isto : calumnias,

    credere, et quod Deus est, et inquirentibus se remunerator est.

    Presumo que a Camara dos Deputados, que decretou pena s contra a blasphemia, omittio a expressa declarao de to graves abusos da liberdade de imprensa, por estar

  • Sesso de 14 de Maio 137 persuadida de que no Brazil nunca haveria fatuos que escrevessem e imprimissem taes impiedades. Os legisladores da Grecia no fizeram Legislao para punirem o parrecidio por entenderem que to atroz crime era moralmente impossivel; mas a sabedoria dos legisladores romanos determinou expressa Lei sobre tal crime, porque a experiencia tinha feito ver que tambem elle, pela corrupo dos costumes, se tinha perpetrado. O nosso seculo est muito corrupto por livros impios estrangeiros, tendentes a inculcar ao povo ser erronea a crena na existencia de Deus, e na immortalidade da alma.

    Deus no permitta que no Imperio do Brazil se propague pela imprensa tal monstruosidade que tanto contribuio para a sanguinaria revoluo da Frana, onde o Atheismo impunido alou a cabea, at que por fim destruio aos seus mesmos corypheus. A disseminao de to perniciosas doutrinas foi uma das principaes causas por que o povo francez, que antes da revoluo era afamado por humanidade, se fez de caracter feroz. Os revolucionarios, como os selvagens, julgavam ser igual destruir um homem ou quebrar uma garrafa. O seu despota militar, Bonaparte, dizia que podia sacrificar na guerra trinta mil homens por mez, e que nisso s destruia o lucro da populao.

    Os Dogmas da existencia de Deus e da immortalidade da alma so as bases da Moral Publica que no se deve considerar qual a de Volney e de outros infieis escriptores que tm seduzido a mocidade, no fazendo a eterna e immutavel distinco entre a virtude e o vicio, reduzindo o bem ou mal a calculo de interesses, e a sensaes agradaveis ou desagradaveis.

    Disse um Senador que, passando a emenda proposta, seria quasi nenhuma a liberdade de imprensa, e ver-se-hia a pratica dos Governos que condemnaram as obras de Condillac e de Gall como suspeitas de Atheismo, s porque Condillac explicava os

    ordem social ou necessaria srie das causas e effeitos que tira a liberdade dos agentes moraes; mas a Lei em discusso no tem esse rigor; no condemna os impressos por theses amphibologicas, mas por directas doutrinas contra a existencia de Deus e immortalidade da alma.

    Disse mais o mesmo Senador que a Constituio prohibia a perseguio por causa da Religio; mas o citado artigo, evidentemente, s teve por objecto a tolerancia dos Ritos dos cidados, e no os seus impressos impios. Seja, embora, por sua desgraa, atheu algum Brazileiro, e tenha para si que perecer como a besta, mas no deve ser-lhe permittido propagar pela imprensa to blasphemas doutrinas no corpo do povo, que reduz o pobre e miseravel a viver sem consolao, e morrer sem esperana de remunerao de sua virtude.

    Outro Senador insistio no que j disse em outra sesso: que publicistas modernos sustentavam ser mera vaidade do homem, to infinitamente pequeno, arrogar-se o direito de ser o vingador das offensas Divindade, e que isso s pertencia ao Ente Supremo. No posso adoptar tal doutrina, que mero co de uma falla do tyranno Imperador Tiberio, no Senado Romano: Derrum injuriae diis cura. Todos os Governos regulares tm reconhecido a necessidade de reprimir doutrinas do Atheismo e Materialismo, que subvertem as bases de toda a Religio pela experiencia de seu funesto influxo na desordem dos Estados. At o Governo de Athenas exterminou Anaxagoras porque na sua aula ensinava a eternidade da materia, e punio de morte a Socrates s porque pretendeu alterar a crena do povo na pluralidade dos deuses. At Rousseau diz que se deve punir de morte o Atheu.

    Sr. Presidente. E' de summa importancia que a mocidade no se perverta, e que todos os cidados estejam firmes na regra do Psalmista Rei e do Patriarcha Job: Ipse Deus fecit nos et non ipsi pos. Singulariter in soe constituisti

  • phenomenos da intelligencia por sensaes, e Gall explicava os actos e habitos moraes pelo mecanismo dos ossos da cabea. No meu conceito esses Governos tiveram razo de prevenir o progresso de to sinistras doutrinas, porque dellas se deduz o systema do mecanismo da

    ns. Reposite est h e espes mea in simu

    meo. O Sr. Marquez de Maric proferio um

    discurso que no foi colhido.

  • 138 Sesso de 14 de Maio

    O SR. CARNEIRO DE CAMPOS: Estou conforme com a emenda do illustre Senador; e, para irmos segundo o systema da Lei, eu diria: ataques ou doutrinas que forem dirigidas a destruir a verdade da existencia de Deus e da immortalidade da alma."

    Estou conforme com o que diz o nobre Senador que faria honra ao Senado a proclamao desses principios, isto , que fosse criminoso o que negasse a existencia de Deus ou propagasse doutrinas contra a immortalidade da alma; mas por esta maneira creio que damos providencias estabilidade dos principios religiosos ou religiosidade. Diz um celebre poeta:

    Geminis fundator nostra colunis Religii; Esse Deum auctorem verum justique

    tenacem, Esse animos nullo perituros temporis

    vio." So estas as duas bases de todas as

    religies; portanto, preciso apontal-as contra o perigo dos tempos. Quanto apostasia e heresia, digo que passaram j esses infelizes tempos. Hoje ninguem mudar da Religio Catholica para as seitas protestantes ou quaesquer outras. A respeito, porm, da propagao do Atheismo, da irreligio e das doutrinas da mortalidade da alma, ainda subsistem perigos que ameaam a Sociedade; por consequencia, convem atalhar esses males; e de summa importancia que se refiram s influencias dos que quizerem propagar doutrinas contrarias existencia e dignidade do primeiro Ser. Rousseau bem tolerante era, e, comtudo, dizia que o que negasse a existencia de Deus ou morresse, ou fosse lanado fra da Sociedade, e, se bem me lembro, porque tinha mentido diante das Leis.

    Farei, pois, uma emenda neste sentido: que sejam punidos todos aquelles que propagarem doutrinas dirigidas a destruir os dous dogmas ou verdades fundamentaes que so a existencia de Deus, e a immortalidade da alma.

    da immortalidade da alma, e a espalhar blasphemias contra Deus. Carneiro de Campos."

    Foi apoiada. O SR. GOMIDE: Sr. Presidente. Eu no

    assisti leitura da emenda. Requeiro que se leia. (Leu-se).

    Pouco me resta a dizer porque a materia est exhaurida; smente accrescentarei que tendo ns adoptado a Religio Catholica Apostolica Romana como Religio do Estado, devemos por isso mantel-a e honral-a, mas, todavia, sem deixarmos amplo caminho perseguio.

    Os rios de sangue que ella tem feito correr em controversias religiosas so muito maiores do que os que tem corrido em divergencias politicas; por isto devemos obstar a um principio que pde abrir a porta a to horrorosas desgraas, ao mesmo tempo que a Constituio afiana que ninguem ser perseguido por motivos religiosos. Julgo, pois, que a emenda ficaria melhor se dissesse ataques dirigidos a destruir a essencia, etc."; a palavra essencia abrange tudo, e creio que assim no se do meios de perseguio.

    O SR. EVANGELISTA: Sr. Presidente. Pedi a palavra para dizer que materias to importantes no se podem exprimir por palavras e idas abstractas; nem comprehendo que se possa tratar separadamente a respeito da existencia de Deus e a respeito da mortalidade da alma.

    Pergunto: Ser conveniente deixar a Religio exposta a todos os ataques que lhe fizerem, sem haver autoridade que os castigue? Ser admissivel deixar a Religio sem defesa no estado actual das cousas? Certamente que no; principalmente quando se no faz caso da autoridade dos Ministros de Deus, que, desgraadamente, tambem diversificam do seu caracter augusto.

    Diz-se que os Jurados no entendem de materias ecclesiasticas. Ah! Senhores! Pois elles no entendem e no sabem de Religio? Se um

  • EMENDA Doutrinas dirigidas a destruir as verdades

    fundamentaes da existencia de Deus, e

    homem disser que pecca por querer ignoraro os Jurados que isto contrario aos fundamentos da nossa Santa Crena?

  • Sesso de 14 de Maio 139

    Tambem se disse que pde alguem dizer heresias sem saber que o so; pois o lutherano, o calvinista, o sociniano no sabem dessas cousas concernentes ao dogma, dessas heresias proximas, e em materias dogmaticas, como, por exemplo, a confisso amicular, a verdade e necessidade dos Sacramentos? E preciso que elles sejam muito ignorantes! Sou, portanto, de opinio que a respeito desta materia haja maior discusso porque muito importante, e porque pde ficar entrada franca tolerancia sobre que deve haver grande cuidado.

    O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS: Sr. Presidente. Ns estamos tratando neste paragrapho relativamente quelles que negarem a existencia de Deus, que a base da Religio; depois trataremos de heresias, e, ento, veremos o que heresia proxima ou remota. O certo que os Jurados no sabem destas cousas; e agora s tratamos de blasphemias contra Deus.

    Julgando a materia sufficientemente discutida, o Sr. Presidente propz votao pela maneira seguinte:

    1 O paragrapho 3, salvas as emendas. Passou.

    2 A emenda do Sr. Marquez de Inhambupe. No passou.

    3 A emenda do Sr. Saturnino. No passou.

    4 A do Sr. Carneiro de Campos. Foi approvada.

    Julgou-se, assim, prejudicada a emenda do Sr. Marquez de Maric.

    Passou-se a discutir o membro do paragrapho relativo s penas; e pedindo a palavra, disse:

    O SR. VERGUEIRO: Parece-me que no natural deixarmos de applicar alguma pena neste paragrapho. Aquellas a que se refere aqui, e que so as do paragrapho antecedente (leu) talvez sejam muito asperas. No convm, todavia, que se no applique alguma pena, e o melhor seria modificar-se a

    salvao, espalhando essas doutrinas; porm como devemos marcar pena civil julgo que o melhor seria metade da do artigo antecedente. Offereo neste sentido a seguinte:

    EMENDA

    Paragrapho 3 Um a tres annos: 400$000

    a 1:200$000. Vergueiro. Foi apoiada. O SR. EVANGELISTA: Eu quizera, Sr.

    Presidente, que o nobre Senador escrevesse na sua emenda que esse homem fosse banido de entre ns, porque esta pena, at, ser bom para elle mesmo, visto que pde ir viver muito bem em outra parte qualquer, mas entre ns no.

    No havendo mais quem pedisse a palavra, o Sr. Presidente pz votao:

    1 O membro relativo s penas do paragrapho 3, salva a emenda. Passou.

    2 A emenda do Sr. Vergueiro. Foi rejeitada.

    Seguio-se a discusso do paragrapho 4: Calumnias, injurias e zombarias contra a

    Religio do Imperio, assim pelo que pertence aos seus dogmas, como ao seu culto. Evidente offensa da Moral Publica.

    Os responsaveis incorrem, pelo que pertence aos dogmas nas mesmas penas do paragrapho 2; e, pelo que pertence ao Culto e Moral, na pena de priso de seis mezes a um anno, e na pecuniaria de cincoenta mil a cento e cincoenta mil ris.

    Pedio a palavra e disse: O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS:

    Parecia-me que este artigo devia passar tal como est, porque contm tudo quanto preciso; est muito conforme com o artigo da Constituio, e estabeleceu a regra capital da tolerancia religiosa, a qual que ninguem pde ser perseguido pela sua opinio religiosa, porque esta perseguio seria uma crueldade, e at inutil, visto que os castigos no tm fora alguma para reprimir o pensamento. Que foi

  • que est posta. J um illustre Senador disse que o escriptor que escrevesse essas doutrinas mereceria a casa de Orates. Tambem se pde dizer que elle teria incorrido em muito grande pena, qual a perda da

    que quiz a Constituio

  • 140 Sesso de 14 de Maio estabelecendo a tolerancia? Manter a Religio que tinhamos adoptado, e, tambem, as outras religies, no fazendo embarao esta tolerancia Religio do Estado; o que quer dizer que se respeite, que se venere, que se tenha em considerao, e no se metta a ridiculo, no s o respeito aos seus dogmas, como do seu uso. Emfim, o artigo est muito bom, ahi est enunciado do melhor modo possivel, porque s desta maneira que se ataca no publico a Religio.

    A calumnia: Aquelle que calumniar a Religio, dizendo que della tem vindo males, v. g. que se derramou muito sangue em consequencia della, etc. A injuria: Que se mettam a ridiculo os actos religiosos, que no se esteja com decencia como se deve estar nos templos, etc., etc. E' isto o que quiz a Constituio; e, alis, ns nunca poderiamos estabelecer a Heresia, a Apostasia, sem offender a Tolerancia. Eu j disse que ninguem pde ser privado de pensar como quizer, e tanto a Lei attendeu a isso que diz no artigo 3: (leu). Quem faz uma analyse razoavel dos costumes religiosos no injuria, e no ataca de ridiculo, que a arma mais perigosa para convencer o ignorante.

    Quanto ao mais, compete aos homens de lettras; a Heresia, mesmo, s para elles, porque a Heresia toda doutrina contra declarao expressa da Igreja, e a Igreja reprovou aquella doutrina, e disse que era contra a Religio aquelle que a professasse, e que no seria alistado na grei catholica.

    Ha muitos pontos em que os homens tocam sem saberem que vo contra o artigo da Religio. Eu, na Constituinte, chamei, at, a atteno de V. Ex., Sr. Presidente, que estava a meu lado, para o que dizia um Deputado que, at, era padre: eu creio que foi por principio de indifferentismo que dizia, s vezes, cousas sem saber o que era. No acho criminalidade nesse ponto, e nem acho que esta doutrina possa fazer mal, nem, mesmo, ao Estado, quando se quer sustentar Religio. Se fr neste Bispado,

    um homem que dissesse uma cousa destas para ser castigado! Ns j estamos fra disto. Parece-me que o artigo deve passar tal qual se acha.

    O SR. EVANGELISTA: Sr. Presidente. A Heresia est connexa com os dogmas, e o nobre Senador sustentou-a. Vamos interpretao que d a Constituio. Diz que ninguem ser perseguido por motivo de Religio. Isto, entendo eu, que se tiver a desgraa de, por exemplo, na confisso, entender que s me devo confessar a Deus, e no a outro homem, no tenho crime; mas se entrar a propagar, e a dizer aos outros que faam o mesmo, sou culpado porque ataco os dogmas. Nesta materia devemos fallar muito claro. Pergunto eu: se o Jurado fr to ignorante que apresentando-se em juizo um papel contra a Religio elle no saiba distinguir? Se nesse papel se disser que s nos devamos confessar a Deus, comprehender elle, ainda que assim o pratique, que assim se desrespeita a Religio do Estado? O homem que o praticar deve ser expulso, porque um cidado vil. Nestes casos do Dogma, que so connexos, desprezar dar azo. E que interesse temos ns de passar por homens suspeitos em materia de Religio? J em Roma ns passmos! Eu reclamo que se peze bem o quanto influe a Religio Christ no andamento do Estado e na Politica; que se peze bem este principio da Constituio que indica manter a Religio Catholica; at o primeiro juramento que se exige, e exige-se primeiro que a Constituio, tal foi e interesse da materia. Portanto, deixar passar por alto, nisso no convirei.

    O SR. MARQUEZ DE CARAVELLAS: O nobre Senador trouxe o argumento da Confisso: que o homem que dizia ao outro homem que no devia