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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
CAMPUS DE CAICÓ – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES
ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-
BRASILEIRA
MARIA DE LOURDES PEREIRA DE MEDEIROS
MESTRAS DA CULTURA POPULAR: A PRESENÇA FEMININA NAS
BRINCADEIRAS POPULARES EM ESTADOS DO NORDESTE, NA
ATUALIDADE.
CAICÓ-RN
2016
MARIA DE LOURDES PEREIRA DE MEDEIROS
MESTRAS DA CULTURA POPULAR:
A PRESENÇA FEMININA NAS BRINCADEIRAS POPULARES EM ESTADOS
DO NORDESTE, NA ATUALIDADE
Trabalho de Conclusão de Curso, na
modalidade Artigo, apresentado ao Curso de
Especialização em História e Cultura
Africana e Afro-Brasileira, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Centro de
Ensino Superior do Seridó, Campus de
Caicó, Departamento de História, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Especialista, sob orientação do Prof. Dr.
José Pereira de Sousa Júnior.
CAICÓ
2016
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 05
2 PERCURSOS HISTÓRICOS ............................................................................................. 07
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 17
FONTES .................................................................................................................................. 19
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 20
MESTRAS DA CULTURA POPULAR: A PRESENÇA FEMININA NAS
BRINCADEIRAS POPULARES EM ESTADOS DO NORDESTE, NA
ATUALIDADE
Maria de Lourdes Pereira de Medeiros1
José Pereira de Sousa Júnior²
RESUMO
O presente Artigo visa discutir a presença feminina nas brincadeiras populares em
estados do Nordeste na atualidade, partindo de questionamentos advindos de nossa
inquietação quanto a essa presença, uma vez que há poucas indicações por parte dos
estudiosos da presença da mulher nos folguedos populares. Com isso, pretendemos
investigar a participação dessas mulheres como mestras, como também questionar por
que só agora essa participação vem ocorrendo com maior frequência. Nosso interesse
por essa temática se justifica em razão do trabalho que desenvolvemos na área de
cultura popular como cordelista, mamulengueira e apreciadora do gênero coco, além do
interesse em conhecer mais sobre a presença feminina nos folguedos populares, em
estados do Nordeste, a fim de enriquecer o trabalho em sala de aula, como professora de
História. Para viabilizar nossa pesquisa, pretendemos fazer uma revisão da literatura, do
que já foi produzido sobre o tema em questão, elencando livros, artigos, sítios de
internet, teses e dissertações. Tomaremos como base alguns fundamentos da História
cultural e um estudo bibliográfico será realizado. Nossa pesquisa é de base
metodológica qualitativa. Faremos um pequeno mapeamento das mulheres nas
brincadeiras atuais em estados do Nordeste. Analisaremos porque as mulheres estão
assumindo a maestria, em alguns casos em que não havia registros no passado, e como
outras estão mais aparentes, na atualidade.
Palavras-chave: Cultura Popular. Mestras. Brincadeiras Populares.
1 Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira – Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de
Caicó, Departamento de História (DHC). Graduada em História pela UFRN, CERES, Campus de Caicó.
Professora da Rede Estadual de Ensino, na Escola Estadual Professor Antônio Aladim de Araújo (Caicó-
RN), onde ministra a disciplina de História. E-mail: [email protected]
² Professor do DHC UFRN/CERES. E-mail: [email protected].
5
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo visa discutir a presença feminina nas brincadeiras populares,
em estados do Nordeste, na atualidade, partindo de questionamentos advindos de nossa
inquietação quanto a essa presença; em estados como a Bahia, vamos encontrar
registros no samba de roda; no Maranhão, no tambor de crioula, por exemplo. Nosso
interesse nesse assunto se dá em razão do trabalho que desenvolvemos na área de
cultura popular como cordelista, mamulengueira e apreciadora do gênero coco, além do
interesse geral em conhecer mais sobre a presença feminina nos folguedos populares,
em estados do Nordeste.
Outro elemento que motivou nosso interesse pela presença/importância das
mulheres foi a disciplina Etnomusicologia, que indica a presença feminina no samba de
roda do Recôncavo baiano; a presença histórica das rainhas no Maracatu Nação em
Pernambuco, como é o caso de Dona Santa, uma mulher que marcou a história recente
dessa forma de expressão cultural afro-brasileira. Em Pernambuco vamos encontrar
ainda a presença de Dona Selma do Coco e da cirandeira Lia de Itamaracá, ambas
fundamentais na reorientação da cultura tradicional na década de 1990.
A importância feminina no Tambor de crioula, no Maranhão, é fundamental,
pois, conforme diversos relatos, são elas que fazem a dança, apenas elas. E como a
dança é o fundamento principal dessa manifestação, sem as mulheres não há tambor de
crioula.
Na Paraíba sabemos da presença de mestras como Penha Cirandeira, Odete de
Pilar e de Ernestina, mestra do cavalo-marinho infantil do bairro dos Novais (LIMA,
2008). Mário de Andrade registrou toadas do folguedo do cavalo-marinho, em 1938,
quando da sua estada em Pernambuco, cantadas por uma mulher, dona Senhorinha. Da
mesma forma, nos registros da Missão de Pesquisas Folclóricas, coordenada por Mário
de Andrade em 1938, encontramos a presença das mulheres.
No Rio Grande do Norte temos, mais recentemente, estudos sobre a atividade da
cantadora de romances Dona Militana – inclusive com a gravação de um CD. Mas, essa
mulher parece ser uma exceção nos estudos sobre a participação das mulheres na cultura
popular do RN. Outra presença que merece estudo é a de Dona Iza de Pontes Galvão,
viúva do Mestre Manoel Marinheiro, que, após a morte do mesmo, está conduzindo a
brincadeira do boi de reis, um caso inédito, pois, na história desse folguedo, tem-se
6
apenas o registro de homens atuando como líderes, mestres. O caso de dona Iza é
importante. Indica uma mudança na continuidade da brincadeira na atualidade.
Não havia a participação significativa de mulheres nas brincadeiras populares
em estados do Nordeste, ou os folcloristas do passado não teriam dado importância à
presença da mulher nas manifestações musicais das culturas populares? Que tipos de
mudanças podem estar ocorrendo e estimulando a maior participação recentemente da
mulher nas manifestações populares?
Interessa-nos então investigar a presença, o papel, a atuação das mulheres nas
manifestações musicais das culturas populares em estados do Nordeste, na atualidade.
No passado as mulheres tinham menor presença como mestras de manifestações das
culturas populares? Por que mais recentemente as mulheres estão se tornando mestras
nas brincadeiras populares?
Tendo em vista a escassez de material produzido sobre o tema pesquisado,
utilizaremos alguns livros e artigos que identificam, mas não discutem a presença da
mulher nas brincadeiras populares, como também, nos apropriaremos de trabalhos
acadêmicos que possam nos auxiliar na investigação de nossa pesquisa, como é o caso
de um estudo sobre a romanceira potiguar D. Militana³.
Para viabilizarmos nosso trabalho, pretendemos fazer uma revisão da literatura,
do que já foi produzido sobre o tema em questão, elencando os livros, artigos, sítios de
internet, teses e dissertações, a fim de responder aos questionamentos feitos na
problemática.
Tomaremos como base alguns fundamentos da História Cultural. Faremos um
pequeno mapeamento das mulheres nas brincadeiras atuais, em estados do Nordeste.
Analisaremos por que as mulheres estão assumindo a maestria em alguns casos onde
não havia registros no passado, e como outras estão mais aparentes na atualidade. Nossa
pesquisa é de base metodológica qualitativa.
_______________________________
³Feito por Edilbertom Cleutom dos Santos, o artigo da Profª. Drª. Lady Selma Ferreira Albernaz,
sobremulheres e cultura popular; um artigo de Ricardo Cantos e Acácio Tadeu, discutindo música,
mulheres, territórios; o trabalho de Patrícia Geórgia Lady Selma, sobre gênero e cultura e cultura popular;
a tese de doutorado de Laila Andressa, que trata das juremeiras da nação Xambá (Olinda- PE); o livro de
Deífilo Gurgel sobre o folclore potiguar; o trabalho de Ignez e Marcos Ayala que discute os cocos; o livro
7
de Peter Burke, sobre Cultura popular na Idade Moderna, o livro de Nilza B. Megale, sobre o folclore
brasileiro; dicionário do folclore brasileiro de Câmara Cascudo; também faremos uma busca na internet a
fim de encontrarmos material produzido sobre o assunto, em sites, blogs, revistas eletrônicas e outros;
além de outras fontes que serão utilizadas na nossa pesquisa; a tese de doutoramento de Agostinho Jorge
de Lima sobre o Cavalo Marinho na Paraíba; o livro de Alceu Araújo sobre Cultura popular brasileira.
2 PERCURSOS HISTÓRICOS
Como suporte teórico nos apropriaremos dos conceitos de alguns pesquisadores
que abordaram temas afins aos que vamos discutir no nosso trabalho.
Iniciaremos discutindo o conceito de cultura popular. Segundo Peter Burke, há a
problemática, “popular”, pois o termo “cultura popular” dá uma falsa impressão de
homogeneidade, e que seria melhor usá-lo no plural, ou substituí-lo por uma expressão
como a cultura das classes populares (MANDOR, GINZBURG: in, BURKE, 1978)
Outra questão levantada é quanto ao “modelo de duas camadas” de cultura de elite e
cultura popular, como sendo vago, posto que a discussão deveria ser voltada para a
interação e não para a divisão entre elas (BURKE, 1978). Outra discussão apontada por
Burke é quanto à questão do conceito de “cultura”, que foi modificando-se à medida
que historiadores e outros intelectuais ampliaram seus interesses, se no passado, o termo
“cultura” referia-se a arte, literatura e música, hoje seu significado ampliou-se,
referindo-se a quase tudo que pode ser aprendido em sociedade- comer, beber, andar,
falar, silenciar e assim por diante, ou seja, cultura está ligada as ações cotidianas
(BURKE, 1978).
Ainda discutindo conceitos de cultura popular, citaremos Roger Chartier,
segundo o qual “A cultura é uma categoria erudita”. Relembra ainda que os debates em
torno da própria definição de cultura popular foram (e são) travados a propósito de um
conceito que quer delimitar, caracterizar e nomear práticas que nunca são designadas
pelos seus autores como pertencente à “cultura popular”. Sendo assim, Chartier reduz as
inúmeras definições de cultura popular em dois grandes modelos de descrição e
interpretação, o primeiro concebe a cultura popular como um sistema simbólico,
coerente e autônomo. O segundo percebe a cultura popular em suas dependências e
carências em relação à cultura dos dominantes. (CHARTIER, 1992).
8
De acordo com Araújo, no livro Cultura popular brasileira, a festa faz parte da
vida do homem, desde os mais remotos tempos. Provavelmente, começaram a ocorrer a
partir do momento que o mesmo inicia a atividade agro produtora, seria uma forma de
celebrar e agradecer à natureza ou às entidades supraterrenas pela boa colheita ou pedir
intersecção às mesmas, para evitar algum dano à plantação. No Brasil, as festas estão
ligadas a fatores socioeconômicos, bem como à religiosidade influenciada pelos jesuítas
quando aqui estiveram, dessa forma, nossas festividades têm muito a ver com os santos
católicos. (ARAÚJO, 2007).
Para a professora Marta Abreu, cultura popular é um conceito permeado por
controvérsias, “desde o final do século XVIII, foi utilizado com os objetivos e em
contextos variados, envolvendo juízos de valor, idealizações, homogeneizações e
disputas teóricas e políticas”. (ABREU, 2003). Marta continua dizendo que “por outro
lado, se cultura popular é algo que vem do povo, ninguém sabe defini-lo muito bem.
Tanto pode ser usado em termos positivos quanto negativos”. (ABREU, 2003). A citada
autora ainda se refere à cultura popular como sendo equivalente ao folclore, enquanto
“conjunto das tradições culturais de um país ou região”. (ABREU, 2003).
Sobre Folclore, a pesquisadora Nilza Megale, no livro Folclore Brasileiro,
credita a origem dessa palavra ao inglês William John Thoms- 22/08/1846. Tendo o
próprio Thoms atribuído ao vocábulo folk, o significado de povo, e lore, conhecimento
ou ciência que estuda todas as manifestações do saber popular. (MEGALE, 1999).
Megale ainda diz que o folclore é: “encontrado na literatura sob a forma de poemas,
lendas, contos, provérbios e canções, assim como nos costumes tradicionais como
danças, jogos, crendices e superstições.” (MEGALE, 1999).
Segundo a Carta do Folclore Brasileiro, de 1951, citada pela autora acima, o
“fato folclórico é constituído pelas maneiras de pensar, sentir e agir de um povo”. Sendo
assim, para se considerar um fato como folclórico, será necessário observar suas
principais características: anonimato, aceitação coletiva, transmissão oral,
tradicionalidade e funcionalidade. (MEGALE, 1999).
O folclorista e pesquisador norte-riograndense, Deífilo Gurgel, citando o
professor Rossini Tavares, diz que essa definição de folclore teria evoluído, em face da
dinâmica cultural: “folclore é a ciência sociocultural que estuda a cultura espontânea da
gente dos campos e das cidades”. (GURGEL, 2008). O próprio Gurgel, no livro, Espaço
9
e Tempo do Folclore Potiguar, defende que a principal característica do folclore é a
“espontaneidade da manifestação cultural”. (GURGEL, 2008). O mesmo autor cita que:
Os costumes e os usos do povo sofrem, constantemente, o impacto das
descobertas científicas e técnicas das classes mais favorecidas da
sociedade e, quando não desaparecem de vez, disfarçam-se em novas
expressões, para poder sobreviver (GURGEL, 2008).
O folclorista potiguar Câmara Cascudo, em seu Dicionário de Folclore Brasileiro,
define folclore como: “cultura popular, tornada normativa pela tradição (...)”:
Não apenas contos e cantos, mas a maquinaria faz nascer hábitos,
costumes, gestos, superstições, alimentação, indumentária, sátiras,
lirismo, assimilados nos grupos sociais participantes”. Cascudo ainda
diz que “onde estiver um homem aí viverá uma fonte de criação e
divulgação folclórica”. A respeito de cultura popular, o referido autor
a considera “sagrada, hierárquica, veneranda, reservada para a
iniciação, aberta à transmissão oral e coletiva, estórias e acessos às
técnicas habituais do grupo, destinada à manutenção dos usos e
costumes no plano do convívio diário. (CASCUDO, 2000).
2.1 PARTICIPAÇÃO FEMININA NOS FOLGUEDOS POPULARES
Segundo Selma Ferreira, o bumba meu boi maranhense é classificado como
cultura popular, dividindo-se em quatro tipos, denominados “sotaques” (categorias), e
de acordo com os “sotaques” há uma divisão por classe, raça, gênero e dentro desta
divisão fica demarcada a posição de homens e mulheres. O bumba meu boi é uma festa
cíclica, no Maranhão, acontece homenageando São João, diferente de outros estados do
país, em que o boi é dançado no período natalino ou durante o carnaval. É uma
brincadeira que envolve dança, música e um auto. Tem como principais personagens
brincantes: o amo, Pai Francisco, Catirina, o boi, os vaqueiros e demais brincantes, que
dançam em torno dos principais; são chamados bailantes, formando os cordões, que
recebem nomes de acordo com os “sotaques”: caboclos de fita/rajados; índios e índias.
(ALBERNAZ, 2004)
Até a década de 70, do século XX, o boi maranhense era “eminentemente
masculino” (PRADO in: ALBERNAZ, 2004), ficando relegado à mulher o papel de
10
acompanhante, como também à tarefa de confeccionar, guardar e preservar as
indumentárias, além de se ocuparem da feitoria dos alimentos para as festas. Outra
referência a respeito da posição das mulheres no boi é a de “mutuca” e enquanto tal são
legitimadas e reconhecidas. Também há a “posição de madrinha, nos rituais de batismo
e morte, subtendendo-se que à mulher cabia o papel de cuidadora (ALBERNAZ,
2004)”. Há ainda outro aspecto que merece destaque, é a justificativa para a ausência
feminina em determinadas posições: proteção e controle moral; poupá-las do desgaste
físico e da assunção das responsabilidades; controle da sexualidade e da moralidade
(ALBERNAZ, 2004). Atualmente essa participação tem sido maior na liderança dos
grupos de boi, como dona da brincadeira, mas como amo, a pesquisa de Albernaz,
identificou apenas uma mulher, mas não cita o nome desta. (ALBERNAZ, 2004).
Laila Andressa trata das representações do feminino e relações de gênero na
jurema sagrada da nação Xambá4, Olinda-PE, enfocando a luta de mulheres negras,
enquanto líderes religiosas, políticas e culturais. Uma questão importante, discutida pela
autora acima citada, são as perseguições e repressões policiais sofridas pelo terreiro
Xambá, durante o Estado Novo, de Getúlio Vargas, denotando a superioridade das elites
brancas. Dentro da nação Xambá, merece destaque mãe Biu- Severina Paraíso da Silva,
cujo Oyá Meguê era o segundo orixá (ajuntó), foi a ialorixá que liderou o terreiro por
mais de quatro décadas. Mãe Biu foi iniciada por Maria Oyá, assumindo o lugar da
mesma em decorrência de seu falecimento.
Nesse mesmo trabalho, Laila fala da Missão de Pesquisas Folclóricas, de Mário
de Andrade, que esteve em Recife em 1938, como uma referência histórica para os
estudos etnomusicólogicos do Brasil, sendo relevante para os estudos sobre religiões
afro-brasileiras e especificamente, da música do culto da jurema, chamada por eles de
“catimbó” (ROSA, 2009). A maioria das mulheres do terreiro citado anteriormente eram
negras e assumiam diversas funções, além de Militantes e articuladoras culturais
(carnavalescas), foram parteiras, enfermeiras, líderes comunitárias (ROSA, 2009). Na
música, conheciam o repertório dos orixás, do canto ao bater dos tambores.
_________________________
11
4Ilê Axé Oyá Meguê- significa casa do axé de Oyá Meguê, em ioruba que corresponde ao tronco
linguístico da etnia Ketu ou Nagô (África Ocidental). Oyá é o orixá feminino, conhecido como Iansã,
deusa dos ventos e das tempestades. Ilê Axé Oyá Meguê, é um terreiro de matriz africana de nação
Xambá. Quanto à origem do nome xambá, este seria da região de Camarões.
De acordo com o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional), O Tambor de Crioula maranhense tem ligação com outras expressões como
“Bumba Boi, do Divino Espírito Santo, dos Terreiros de Mina, dos Santos e das
entidades presentes no universo religioso afro- maranhense”.
Quando do seu surgimento tinha a função de encerrar os festejos como forma de
divertimento, com o passar do tempo, passou a ser autônomo e independente. Na
religiosidade católica, o santo mais cultuado é São Benedito, mas há referência ao
Divino Espírito Santo, Nossa Senhora da Conceição e Entidades cultuadas nos terreiros
de Mina, como o Preto Velho e outros.
Com relação aos sentidos, o Tambor de Crioula:
É visto como um elemento para entender o modo de vida das pessoas,
sintetizando a vida cotidiana das mesmas, as relações de parentesco e
compadrio, os conflitos, as expectativas, os desejos, a religiosidade, a
fé; revelando os costumes, comportamentos e a cosmovisão dos
brincantes. (IPHAN, 2006).
Segundo o relato dos brincantes mais antigos, no passado, o tambor era tocado e
dançado por homens. “Homem pungava o outro, dava pungada e jogava distante. Aí ele
se ajeitava de ladinho e o couro comia de novo [...] Depois que passou a ter essa
violência acabou esse negócio de homem na dança” (Dona Mocinha, Tambor Lírio de
São Benedito).
Estaria aí um dos motivos para que a dança se tornasse feminina. O outro seria a
perseguição e proibição aos cultos africanos, fazendo com que as crioulas-escravas
fossem admitidas na brincadeira como um atrativo, uma forma de dissimular e dar
continuidade ao culto.
O Samba de Roda é encontrado em todo o estado da Bahia, conforme dados do
IPHAN, apresenta variações relacionadas com aspectos ecológicos, históricos e
socioeconômicos de regiões diferentes do Estado, especialmente no Recôncavo, por sua
12
importância na formação política, social e econômica, como também é responsável
pelas referências artístico-culturais. Para situar a geografia do lugar, recorreremos ao
Guia Cultural da Bahia, vol.2, Recôncavo (1997):
A faixa de terra que contorna a baía de Todos os Santos, formada por
mangues, baixas e tabuleiros, é conhecida como a Região do
Recôncavo. Para este guia cultural, que adota a divisão econômica do
Estado, o Recôncavo está dividido em duas regiões distintas, uma
compreendendo a Região Metropolitana de Salvador e a outra
chamada Recôncavo Sul, incluindo, além dos municípios
tradicionalmente identificados com o Recôncavo, aqueloutros que
constituem o vale do Jiquiriçá. Reúne 33 municípios, totalizando
10.015 km², 1,7% da superfície da Bahia. Suas coordenadas
geográficas se estendem de 12E 23’ a 13E 24’ lat. S e de 38E 38’ a
40E 10’ long. W. (GUIA CULTURAL DA BAHIA. Recôncavo,
1997).
Quanto à realização do samba de roda, não há ocasião específica para isso, mas
está associada ao catolicismo, com também à religiosidade afro-brasileira. Acontece no
final de setembro em alusão aos santos Cosme e Damião ou aos ibeji-orixás iorubanos.
É considerado um culto aos caboclos, entidades espirituais afro-brasileiras, mas que
referencia o universo ameríndio.
Outra festa religiosa em que o samba de roda se faz presente é a de Nossa
Senhora da Boa Morte, em agosto, na cidade de Cachoeira-BA. É uma dança feminina,
cabendo aos homens, o toque dos instrumentos, caracteriza-se pela umbigada- traço
cultural de origem banto, e alternância na coreografia, para que a roda não seja desfeita.
Pode ser dançado em diversos lugares.
No que diz respeito à presença feminina no Maracatu Nação em Pernambuco,
apropriaremo-nos da pesquisa de Ivaldo Lima, que, segundo o mesmo, esta
manifestação cultural brasileira é construída e praticada por homens e mulheres negras
em sua maioria.
Pode ser definido como manifestação cultural, de elementos diversos: dança,
canto, fantasias, estilo musical próprio. Sua música cantada por um mestre é
acompanhada por batuqueiros, alfaias (tambores), caixas, taróis, mineiros (espécie de
13
ganzá) e gonguês. Alguns maracatus tem ligação com religiões de matriz africana, como
o xangô, a jurema e a umbanda.
Suas personagens são rei, rainha, príncipe e princesa, duque e duquesa, vassalos,
escravos, lanceiros, baianas e damas do paço. O período em que mais se apresenta é no
carnaval, mas podem ocorrer apresentações em outros momentos. No carnaval de
Pernambuco, encontramos dois tipos de Maracatu: nação ou baque virado e orquestra ou
rural.
Com relação à presença feminina, enquanto mestra do maracatu pernambucano,
destacamos Maria Julia do Nascimento, Dona Santa, rainha do Maracatu Elefante, tendo
substituído a Cosme Damião Tavares nos anos 40, séc. XX. Dona Santa ainda é a
principal referência entre os maracatuzeiros do Recife, segundo Ivaldo Lima.
No Rio Grande do Norte, a cultura popular é bastante rica e variada, danças,
folguedos, jogos entre outros. São várias as manifestações folclóricas praticadas por
nosso povo. Nesse trabalho, trataremos do boi de reis, maneiro o pau, romanceiro
popular, João Redondo e os cocos.
Com relação a estes, Ayala diz que é de natureza coletiva, pode ser dança, canção
ou canto em desafio, recebe várias nomenclaturas: coco praieiro, coco de roda, coco de
embolada. Quanto à origem, não é consenso entre os estudiosos desse folguedo. “São
fortes as marcas da cultura negra nos cocos, especialmente nos dançados: instrumentos
utilizados, todos de percussão (ganzá, zabumba ou bumbo, zambê ou pau furado, caixa
ou tarol)” (AYALA, 2000). É encontrado em vários estados do Nordeste.
Tomamos como referência os estudos de Santos, sobre a romanceira Dona
Militana. Antes de entrarmos no universo militaniano, vamos tecer algumas
considerações sobre o estudo da memória.
Para Santos, “a memória tem sido objeto de estudo em diversas épocas, e por
várias ciências- Filosofia, Psicologia e a Psicanálise, todos voltaram suas atenções e
instrumentações teóricas para a compreensão da função, do mecanismo e do significado
da memória para o homem”.
De acordo com Santos, a memória é construída em função de “quadros sociais” e
que estes teriam servido de referência para a estruturação da mesma. No caso de Dona
14
Militana, romanceira potiguar, sua memória parece guardar o que de mais significativo
ficou em suas lembranças.
Dona Militana5 é natural do município de São Gonçalo do Amarante-RN. Foi
pesquisada pelo folclorista potiguar Deífilo Gurgel.
O repertório de Militana compõe-se de modinhas, cocos, aboios e outros, todos
guardados no seu imaginário, tendo aprendido com seu pai ainda criança. Não pôde
cantar em público, pois numa sociedade patriarcal não era permitido às moças
frequentar e cantar nas festas, situação essa que perdurou após seu casamento pelo
mesmo motivo.
No entanto o contato com essas manifestações não deixou de existir, uma vez que
seu pai era brincante de fandango e chegança, então Dona Militana no interior de sua
residência podia cantar o que houvera aprendido com o pai.
Numa entrevista ao Diário de Natal, de 25 de setembro de 2006, Dona Militana
diz: “vem das coisas que eu ouvia menina, criança e continuei ouvindo. Eu canto desde
pequena. Cantava pras filhas, canto pros netos, pro povo. Assim o povo me ouviu e
pediu que eu cantasse mais. Lembro de tudo. De tanta coisa desse mundo de Deus...”
Conforme o autor estudado, Dona Militana exerceu o ofício de rezadeira, trabalhou
como agricultora, fabricou cestos de cipó, nesse universo doméstico, guardou seu
acervo memorístico de romances, cantigas.
_____
5 Militana Salustino do Nascimento nasceu aos 19/03/1925, em São Gonçalo do Amarante, RN, onde faleceu em 19/06/2010.
15
Outra mestra da cultura popular norte-rio-grandense é Dadi calungueira6, de
Carnaúba dos Dantas-RN. De acordo com (PEREIRA, 2010), Dadi considerava a poesia
uma válvula de escape para amenizar seus sofrimentos. Devota de vários santos,
zeladora do Coração de Jesus, foi enfermeira e parteira, além de agricultora,
confeccionava ex-votos. Seu contato com a brincadeira de calunga se deu na infância,
despertando na mesma o desejo de ser brincante, prontamente repreendida pela mãe:
“menina, essa é uma brincadeira de homem”.
Somente aos 48 anos de idade é que Dadi realizou seu sonho, começou a
confeccionar os calungas por encomenda da UFPE (Universidade Federal de
Pernambuco). A partir daí começou a brincar e a confeccionar cada vez mais bonecos.
Já ministrou oficina de bonecos na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do
Norte). Dá palestras nas escolas de seu município, falando das etapas da confecção e
história dos bonecos. Embora não se reconheça como mestra, mas calungueira:
Dadi, por sua vez, sabe da importância do papel que assumiu perante a
sociedade e se dá conta de que a produção de seus calungas, em suas
várias etapas, torna-se um gesto pessoal e único, afirmando sua
própria historicidade... ela tem voz, rosto e o seu nome impresso na
história, como mestra brincante do teatro de bonecos no RN.
(PEREIRA, 2010)
___________
6Maria Ieda da Silva Medeiros nasceu aos 04/09/1939 em Jaçanã, RN. Atualmente reside em Carnaúba dos Dantas-RN
16
Outra mestra dos nossos folguedos é dona Iza de Pontes Galvão7, viúva de
Manoel Marinheiro, mestre do Boi de Reis de Felipe Camarão Natal-RN. Dona Iza foi
agricultora, louceira, costureira. Filha de embolador de coco, desde a infância teve
contato com a cultura popular. Segundo entrevista ao Museu da Pessoa (2009), ao
se casar com seu Manoel Marinheiro, citado anteriormente, passou a brincar e a costurar
os figurinos do Boi, atividade que exerce até hoje.
Após a morte do companheiro, dona Iza assume o comando da brincadeira e
torna-se mestra da mesma. Em Felipe Camarão, bairro onde reside e está a sede do Boi,
desenvolve atividade com crianças (Boi mirim), mantendo e continuando viva a tradição
da cultura popular.
As dificuldades para a continuidade do seu trabalho são inúmeras, principalmente
na questão financeira, pois falta apoio dos órgãos governamentais. Ela relata que chega
a usar seus próprios recursos na compra de materiais para a confecção dos figurinos do
Boi de Reis.
7Nome de batismo: Odaísa de Pontes Galvão, nasceu aos 25/10/1945, em Mamanguape, município de João Pessoa-PB. Atualmente, reside no bairro de
Felipe Camarão em Natal-RN.
17
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Cultura Popular é muito abrangente, controversa, envolve ampla discussão em
relação a seus conceitos, não havendo fórmula predeterminada para defini-los. Em
estados do Nordeste do Brasil, a cultura popular é bastante rica e variada - danças,
folguedos, jogos, entre outros. São várias as manifestações folclóricas praticadas nessa
região. Procuramos investigar a participação das mulheres como mestras das
brincadeiras populares, como também conhecer o trabalho das mesmas em suas
comunidades, além de discutir o papel e a atuação dessas mulheres enquanto agentes de
continuidade de práticas culturais.
Fizemos algumas leituras sobre autores e temas afins ao nosso trabalho e
podemos finalizar, sem, no entanto fazer uma conclusão, dizendo que a presença
feminina enquanto mestra nas brincadeiras populares em estados do Nordeste, na
atualidade é tímida, embora forte e significativa. No caso específico do Rio Grande do
Norte, por exemplo, são mulheres que exercem ou exerceram outras atividades na área
de saúde, como foi o caso de dona Militana parteira, na agricultura, Dadi, por exemplo,
como donas de casa, costureiras, mães de família, essas mulheres tiveram ou tem um
papel muito importante em seu meio social, o de dar continuidade a práticas culturais
quase esquecidas e ensinar essas práticas às gerações futuras.
Chegamos a essa conclusão partindo de nossa experiência enquanto mulher,
mãe, dona de casa, professora, cordelista, mamulengueira e apreciadora do gênero coco.
A partir das leituras feitas no percurso do nosso trabalho e de nossa prática enquanto
brincante, pudemos observar a importância das mulheres como mestras da cultura
popular, no sentido da permanência e continuidade das práticas culturais que perpassam
o tempo.
Percebemos que houve uma mudança nessa participação - de coadjuvantes
passaram a protagonistas, seja em decorrência da própria ascensão da mulher em várias
áreas de trabalho, como também na área cultural, enquanto mestra, e não apenas como
acompanhante, cuidadora ou costureira de figurinos, seja por motivos diversos como
substituir um mestre por motivos de falecimento deste, para não deixar morrer aquela
brincadeira, como é o caso, por exemplo, de dona Iza de Pontes Galvão, que assume o
lugar de mestra no Boi de Reis de Felipe Camarão em Natal-RN.
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MASTERS OF POPULAR CULTURE:
THE PRESENCE OF WOMEN IN THE PLAYS POPULAR IN NORDESTE
STATES, IN THE NEWS
ABSTRACT
This article aims to discuss the female presence in popular games in Nordeste states,
today, from some questions arising from our concern regarding this presence, since
there are few indications by the presence of women scholars in popular festivities. We
intend to investigate the participation of these women as teachers, but also to question
why now this participation has been taking place more frequently. Our interest in this
subject is justified because of the work we do in popular culture area as cordelista,
mamulengueira and fond of the genre coconut, plus interest to know more about the
female presence in popular festivities in Nordeste states, to enrich work in the
classroom as a teacher of history. To make our research, we intend to make a review of
the literature, which has been produced on the subject in question, listing books,
articles, internet sites, theses and dissertations. We will build on some fundamentals of
cultural history and a literature study will be conducted. Our research is qualitative
methodological basis. We will make a small mapping of women in the current play in
Nordeste states. We will analyze why women are taking mastery, in some cases where
there were no records in the past, and how others are more apparent today.
Keywords: Popular worship. Master. Popular games.
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FONTES
Tendo em vista a escassez de material produzido sobre o tema pesquisado,
utilizaremos alguns livros e artigos que identificam, mas não discutem a presença da
mulher nas brincadeiras populares, como também, nos apropriaremos de trabalhos
acadêmicos que possam nos auxiliar na investigação de nossa pesquisa. Também
faremos uma busca na internet a fim de encontrarmos material produzido sobre o
assunto, em sites, blogs, revistas eletrônicas e outros, além de outras fontes que
surgiram no decorrer da nossa pesquisa.
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REFERÊNCIAS
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classe e geração no bumba meu boi do Maranhão. In: Articulações entre gênero,
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