30
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE VETERINÁRIA ESPECIALIZAÇÃO EM ANÁLISES CLÍNICAS VETERINÁRIAS DIAGNÓSTICO DE DERMATOFITOSE EM PEQUENOS ANIMAIS: UM ESTUDO RETROSPECTIVO NA REGIÃO SUL DO RIO GRANDE DO SUL ANTONELLA SOUZA MATTEI PORTO ALEGRE 2009

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ... · Obrigada pelo amor, carinho, paciência, compreensão, apoio e estímulo em todos os momentos. As minhas amigas Alejandra

  • Upload
    lekhue

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE VETERINÁRIA

ESPECIALIZAÇÃO EM ANÁLISES CLÍNICAS VETERINÁRIAS

DIAGNÓSTICO DE DERMATOFITOSE EM PEQUENOS ANIMAIS: UM ESTUDO

RETROSPECTIVO NA REGIÃO SUL DO RIO GRANDE DO SUL

ANTONELLA SOUZA MATTEI

PORTO ALEGRE

2009

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE VETERINÁRIA

ESPECIALIZAÇÃO EM ANÁLISES CLÍNICAS VETERINÁRIAS

DIAGNÓSTICO DE DERMATOFITOSE EM PEQUENOS ANIMAIS: UM ESTUDO

RETROSPECTIVO NA REGIÃO SUL DO RIO GRANDE DO SUL

Autor: M.V Antonella Souza Mattei

Orientador: Prof. Dr. Laerte Ferreiro

Monografia apresentada à Faculdade de

Veterinária como requisito no curso de

Especialização em Análises Clínicas

Veterinárias

PORTO ALEGRE

2009

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela vida, pela saúde, conquistas, por ter uma família unida e

querida e amigos inigualáveis.

Aos meus pais Alice e José, por tantos anos de dedicação, amor, paciência,

companheirismo, amizade e cuidados que os devo agradecer para sempre. As minhas irmãs,

Caroline e Liara, que sempre estiveram ao lado me dando força. Ao meu lindo cachorro

Floppy, que me deu muito carinho nas horas que não cabiam palavras. Muito obrigada, amo

vocês.

Aos meus tios Gilka e Clóvis que me acolheram em sua casa, me dando carinho,

atenção e amor, durante as aulas da especialização.

Ao meu namorado e amigo Anderson a quem sem dúvida devo muito também.

Obrigada pelo amor, carinho, paciência, compreensão, apoio e estímulo em todos os

momentos.

As minhas amigas Alejandra e Wendy com quem dividi além dos finais de semana,

amizade, companheirismo, passeios e chimarrões.

Aos amigos do Laboratório de Micologia, pela oportunidade da realização desta

monografia, mas também pela amizade, apoio, força, paciência, experiência e compreensão a

mim dedicados.

Ao Prof. Dr. Laerte pela ajuda e conhecimento dispensados na realização desta

monografia.

A todos os professores da Especialização em Análises Clínicas Veterinárias pelos

ensinamentos e amizade.

RESUMO

A população de animais de companhia, nos últimos anos, tem aumentado significativamente, estando cada vez mais inserida no nosso cotidiano. Seguindo esta tendência mundial, na região de Pelotas/RS/Brasil, estima-se que a população de cães seja aproximadamente de 60 mil, havendo um cão para cada 5,6 habitantes. Assim, o estreito relacionamento homem-animal pode facilitar o contato com microorganismos patogênicos, predispondo o desenvolvimento de enfermidades zoonóticas, como por exemplo, a dermatofitose. Como essa doença é de interesse público, o conhecimento de como se comporta na região sul do Rio Grande do Sul pode auxiliar os Médicos Veterinários no diagnóstico, tratamento, controle e prevenção, tanto para animais quanto para humanos. Neste contexto, o presente trabalho objetiva relatar a ocorrência de dermatofitose em pequenos animais na região sul do Rio Grande do Sul, nos últimos 12 anos. As informações relacionadas ao diagnóstico de dermatofitose foram coletadas através do banco de dados do Laboratório Regional de Diagnóstico, Setor de Micologia, UFPel/RS durante o período de 1996 a 2008. Foram analisadas 852 amostras enviadas com suspeita de dermatofitose de cães e gatos, sendo confirmados 66 casos de dermatofitose, 46 (69,7%) em caninos e 20 (30,3%) em felinos. O agente etiológico mais freqüente foi o Microsporum canis correspondendo a 54 casos (82%), seguido do M. gypseum, 8 casos (13%), Trichophyton spp., 2 casos (3%), T. mentagrophytes e T. verrucosum, 1 caso cada (1%). Em relação ao material coletado, a maior freqüência de isolamento dos dermatófitos foi obtida a partir de amostras de pêlos. O período do ano com maior freqüência desta enfermidade foi no mês de abril com 21,2% dos casos, seguido do mês de junho com 18,2% e agosto com 15,1%. Em relação ao sexo, a dermatofitose ocorreu em 49% das fêmeas e 51% dos machos, em caninos e felinos. Em 53% dos casos, a enfermidade predominou na categoria jovem, 25% em adultos e 22% em idosos. Com relação à raça, os animais sem raça definida representaram 58% dos casos, enquanto que, os de raça pura, tiveram o Yorkshire como a mais freqüente, nos caninos e o Persa, nos felinos. A dermatofitose em pequenos animais no sul do Rio Grande do Sul comporta-se de forma semelhante aos trabalhos descritos na literatura, porém com diferente sazonalidade. Desse modo, a pesquisa poderá auxiliar os clínicos na compreensão, tratamento, controle e prevenção da doença nesta região. PALAVRAS-CHAVE: cão, gato, Microsporum spp, Trichophyton spp, zoonose

ABSTRACT

The pet population has increased in the last years. These animals are more and more inserted in our daily life. Following the world tendency, in Pelotas/RS/Brazil region, the dog population is estimated in approximately 60,000, with one dog for each 5.6 inhabitants. Thus, the closer relationship between man and animal would facilitate contact with pathogenic microorganisms, predisposing the development of zoonotic diseases, such as the dermatophytosis. As this disease is of public interest, the knowledge of how it behaves in the south region of Rio Grande do Sul state can help the veterinarians with the diagnostic, treatment, control and prevention of both animals and humans. In this context, this study aimed to report the dermatophitosis occurrence in small animals in the south region of the state of Rio Grande do Sul, in the last 12 years. The related information of dermatophytosis diagnostic was collected through database of the Diagnostic Regional Laboratory, Sector of Mycology, UFPel/RS from 1998 to 2008. From a total of 852 samples collected from dogs and cats that were found to be suspectious of being contaminated with dermatophytosis during this period, 66 cases were confirmed, 46 (69.7%) in dogs and 20 (30.3%) in cats. The most common etiologic agent was Microsporum canis, in 54 cases (82%); followed by Microsporum gypseum, in eight cases (13%); Trichophyton sp, in two cases (3%); T. mentagrophytes and T. verrucosum, both in one case each (1%). In the material collected, the hair samples obtained the highest frequency of isolation. April was the month of the year when this disease appeared with more frequency (21.2%), followed by June (18.2%) and August (15.1%). Regarding sex, the dermatophytosis occurred in 49% of the females and 51% of the males, both canine and feline. In 53% cases, this disease prevailed in young category, 25% in adults and 22% in olderly. So, the dermatophytosis occurred in mixed breeds, 58% of the cases, while in the pure breeds it was more frequent in the Yorkshire canines and Persian felines. The dermatophytosis, in the small animals in the south region of the state of Rio Grande do Sul had similar characteristics to the studies described in the literature, but with difference in seasonality. The research helps clinicians to understand the treatment, control and prevention of the disease in this region. KEY-WORDS: cat, dog, Microsporum spp, Trichophyton spp, zoonosis

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1: Porcentagem de amostras de caninos e felinos com suspeita de

dermatofitose enviadas ao Laboratório Regional de Diagnóstico, Laboratório de

Doenças Infecciosas – Setor de Micologia, UFPel/RS no período de 1996 a 2008..........

20

Gráfico 2: Diagnósticos de dermatofitose em pequenos animais realizados nos últimos

12 anos no Laboratório de Regional de Diagnóstico, Laboratório de Doenças

Infecciosas, Setor de Micologia da UFPel/RS...................................................................

21

Gráfico 3: Número de casos de dermatofitose em pequenos animais, no período de

1996 a 2008, relacionados com a época do ano do diagnóstico e agente etiológico

envolvido............................................................................................................................

23

Figura 1A e B: Macroscopia (A) e microscopia (B) de colônia de Microsporum canis

isolada no Laboratório Regional de Diagnóstico – Laboratório de Doenças Infecciosas,

Setor de Micologia da UFPel.............................................................................................

22

Figura 2A e B: Macroscopia (A) e microscopia (B) de colônia de Microsporum

gypseum isolada no Laboratório Regional de Diagnóstico – Laboratório de Doenças

Infecciosas, Setor de Micologia da UFPel........................................................................

22

Figura 3A e B: Macroscopia (A) e microscopia (B) de colônia de Trichophyton

mentagrophytes isolada no Laboratório Regional de Diagnóstico – Laboratório de

Doenças Infecciosas, Setor de Micologia da UFPel.........................................................

22

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Casos de dermatofitose relacionados com o agente etiológico e espécie

animal acometida durante os últimos 12 anos, na região sul do Rio Grande do Sul.........

21

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

LRD Laboratório Regional de Diagnóstico

UFPel Universidade Federal de Pelotas

FIV Imunodeficiência Viral Felina

FeLV Leucemia Viral Felina

SRD Sem raça definida

KOH Hidróxido de potássio

PAS Ácido Periódico de Schiff

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO............................................................................................. 10

2. DESENVOLVIMENTO............................................................................... 11

2.1 Revisão bibliográfica.................................................................................... 11

2.1.1 Definição...................................................................................................... 11

2.1.2 Etiologia....................................................................................................... 11

2.1.3 Epidemiologia.............................................................................................. 13

2.1.4 Patogenia...................................................................................................... 14

2.1.5 Sinais Clínicos.............................................................................................. 14

2.1.6 Diagnóstico................................................................................................... 15

2.1.7 Tratamento.................................................................................................... 16

2.1.8 Prevenção e Controle................................................................................... 17

2.2 Objetivos........................................................................................................ 18

2.3 Materiais e métodos..................................................................................... 19

2.4 Resultados..................................................................................................... 20

2.5 Discussão....................................................................................................... 24

3. CONCLUSÃO............................................................................................... 27

REFERÊNCIAS................................................................................................... 28

10

1. INTRODUÇÃO

A população de animais de companhia, nos últimos anos, tem aumentado

significativamente, estando cada vez mais inseridos no nosso cotidiano. Seguindo esta

tendência mundial, na região de Pelotas/RS/Brasil, estima-se que a população de cães seja

aproximadamente de 60 mil, havendo um cão para cada 5,6 habitantes.

Assim, o estreito relacionamento homem-animal facilitaria o contato com

microorganismos patógenos, predispondo o desenvolvimento de enfermidades zoonóticas,

como por exemplo, a dermatofitose.

A dermatofitose acomete estruturas queratinizadas do corpo, sendo causada por um

grupo de fungos denominados dermatófitos que estão divididos em três gêneros:

Microsporum, Trichophyton e Epidermophyton, sendo considerada a doença fúngica mais

comum na clínica de pequenos animais. As três espécies que causam a maioria dos casos

clínicos em cães e gatos são Microsporum canis, M. gypseum e Trichophyton

mentagrophytes.

Como essa doença é de interesse público, o conhecimento de como se comporta na

região sul do Rio Grande do Sul auxiliaria os médicos veterinários no diagnóstico, tratamento,

controle e prevenção, tanto para animais quanto para humanos.

Neste contexto, o presente trabalho objetiva relatar a ocorrência de dermatofitose em

pequenos animais na região sul do Rio Grande do Sul, durante o período de 1996 a 2008.

11

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Revisão bibliográfica

2.1.1 Definição

A dermatofitose é uma infecção superficial da pele, confinada ao epitélio queratinizado,

sendo a doença fúngica mais comum na clínica de pequenos animais (COPETTI et al., 2006).

Esta enfermidade é constituída por um grupo de fungos com características semelhantes,

que são dos gêneros Microsporum, Trichophyton e Epidermophyton, e compreendem mais de

40 espécies, tendo apenas algumas patogênicas (DAHDAH; SCHER, 2008). Os fungos são

classificados do ponto de vista ecológico em antropofílicos, geofílicos e zoofílicos.

(COELHO; ALEGRIA; RODRIGUES, 2008). A infecção nos animais ocorre frequentemente

pelas espécies zoofílicas, mas também pelas geofílicas e excepcionalmente pelas

antropofílicas (CHERMETTE; FERREIRO; GUILLOT, 2008).

2.1.2 Etiologia

As três espécies que causam a maioria dos casos clínicos de dermatofitose em cães e

gatos são Microsporum canis, Trichophyton mentagrophytes e Microsporum gypseum

(SCOTT et al., 1996).

O Microsporum canis é caracterizado como zoofílico, no qual o felino pode ser

reservatório assintomático transmitindo aos humanos pelo contato direto ou indireto

(NOBRE; MEIRELES; CORDEIRO, 2000). O parasitismo do pêlo ocorre da forma ectothrix

(ao redor do pêlo). Seu crescimento em ágar Sabouraud dextrose é rápido, de seis a 10 dias.

As colônias apresentam uma textura algodonosa, com discreto relevo umbilicado e radiado,

de tonalidade branca. O reverso apresenta coloração amarelo-limão, que pode difundir-se pelo

meio e com o tempo torna-se castanho. O pleomorfismo muitas vezes é evidenciado,

apresentando-se como colônias algodonosas altas. A microscopia das colônias demonstra

grande número de macroconídios fusiformes, de parede grossa e com septos, que variam de

seis a quinze células. Os microconídios, quando presentes, são sésseis e sem valor de

12

diagnóstico. Podem ainda ser observados clamidoconídios, órgãos nodulares e hifas

pectinadas (LACAZ et al., 2002; SIDRIM; ROCHA, 2004).

Microsporum gypseum é uma espécie geofílica e a infecção de humanos e animais

ocorre através do contato com solo. O parasitismo no pêlo é do tipo ectothrix, produzindo

poucos esporos. O crescimento é rápido, em torno de três a cinco dias, a temperatura de 25ºC

em ágar Sabouraud dextrose. Suas colônias caracterizam-se por uma superfície plana, de

bordas irregulares e extremamente granulares, conferindo aspecto de areia de praia, com

pigmentação do verso amarelo-acastanhado e o reverso pode variar de laranja a marrom,

porém este não se difunde pelo meio. Nesta espécie, há uma forte tendência ao pleomorfismo

das colônias, caracterizadas por superfície algodonosa e branca, constituída apenas de hifas

estéreis. Microscopicamente apresenta uma grande quantidade de macroconídios simétricos

com três a sete septos com parede fina, extremidade arredondada e superfície rugosa.

Algumas cepas podem ainda apresentar numerosos microconídios piriformes (LACAZ et al.,

2002; SIDRIM; ROCHA, 2004).

Trichophyton mentagrophytes possui cinco variedades, interdigitale, mentagrophytes,

quinckeanum, erinacei e nodulare. As variedades interdigitale e nodulare são antropofílicas e

as outras são zoofílicas (LACAZ et al., 2002).

T. mentagrophytes var. mentagrophytes quando invade o pêlo é do tipo ectothrix com

conídios pequenos. Em ágar Sabouraud dextrose, as colônias são planas, de coloração branca

a creme e superfície pulverulenta a granular. Algumas colônias apresentam dobras ou tufos

centrais e áreas penugentas, devido ao pleomorfismo. O reverso possui coloração marrom-

amarelado, variando até marrom-avermelhado. No exame direto das colônias observa-se

abundância de estruturas de frutificação como, grande quantidade de microconídios

arredondados e agrupados, conferindo formato de cacho. Os macroconídios, quando

presentes, mostram aspecto de charuto de um a seis septos transversais ligados a hifas hialinas

e septadas. Além de apresentarem estruturas de ornamentação como, hifas em espiral, órgãos

nodulares, hifas em raquete e clamidoconídios intercalares (LACAZ et al., 2002; SIDRIM;

ROCHA, 2004).

T. mentagrophytes var. quinckeanum quando parasita o pêlo pode ser do tipo ectothrix

ou endothrix (no interior do pêlo). Em ágar Sabouraud dextrose, as colônias são planas ou

levemente elevadas e pregueadas, com textura acamurçada de coloração branca a creme e

reverso de cor marrom-amarelado a marrom-rosado. Microscopicamente há numerosos

microconídios, predominantemente clavados, finos quando jovens nascendo lateralmente ao

longo das hifas. Com envelhecimento os microconídios tornam-se mais largos e piriformes

13

com algumas formas subglobosas. Podem ainda estar presentes alguns macroconídios

clavados, multisseptados e de parede lisa.

T. mentagrophytes var. erinacei parasita o pêlo na forma ectothrix. Em ágar Sabouraud

dextrose, as colônias são brancas, planas, pulverulenta ou penugentas com reverso amarelo-

limão. São observados numerosos microconídios largos e clavados nascendo ao lado da hifa.

Os macroconídios são clavados de parede lisa e de tamanhos variados, podendo apresentar

apêndices terminais (LACAZ et al., 2002).

2.1.3 Epidemiologia

Quanto à distribuição geográfica, os dermatófitos são ubiquitários, não há área ou grupo

de ocorrência destes fungos. A variada distribuição etiológica desta enfermidade pode ser

explicada por áreas onde condições geoclimáticas e sociais são extremamente diferenciadas,

fatalmente influenciando nas espécies de dermatófitos isolados (COSTA et al., 2002).

A frequência desta enfermidade nos caninos varia de 4 a 10%, mas existem estudos

demonstrando que este percentual está aumentando, enquanto que nos felinos fica em torno de

20% (BRILHANTE et al., 2003).

A prevalência varia de acordo com clima, umidade relativa, temperatura e precipitação

em regiões demográficas diferentes, além da presença de reservatórios naturais

(BRILHANTE et al., 2003; CAFARCHIA et al., 2004). Na Itália, o M. canis é o dermatófito

mais comumente isolado em cães, enquanto que, as espécies geofílicas, como o M. gypseum e

T. terrestre têm sido isolados também em cães, com prevalência de 2,2 a 8,7% (CAFARCHIA

et al., 2004).

A transmissão pode ocorrer através do contato direto com as lesões, entre e intra-

espécies ou pelo contato indireto, através de instrumentos e ambientes contaminados (ATES

et al., 2008).

A espécie felina pode comportar-se como portadora assintomática de espécies fúngicas

zoofílicas, apresentando índices de 8 até 88% dos casos. Isso ocorre devido à presença de um

emulsificado lipídico na superfície da pele que inibe a patogenicidade determinada pelos

dermatófitos (NOBRE; MEIRELES; CORDEIRO, 2000; RAMALHO et al., 2007).

Não há diferenças na prevalência da micose com relação ao sexo dos animais (PAIXÃO

et al., 2001; MANCIANTI et al., 2002; BALDA et al., 2004; COELHO; ALEGRIA;

RODRIGUES, 2008), porém em relação à idade, os jovens com idade inferior a um ano

apresentam maior predisposição a dermatofitose (PAIXÃO et al., 2001; MANCIANTI et al.,

14

2002; BALDA et al., 2004). Em relação à raça, parece haver predisposição aos animais puros,

ocorrendo principalmente em Yorkshire, nos caninos; e nos Persas, em felinos (BALDA et

al., 2004).

A susceptibilidade aos dermatófitos depende do estado geral de saúde do animal,

doenças concomitantes como hiperadrenocorticismo ou terapia prolongada com

medicamentos podem favorecer o desenvolvimento desta enfermidade. Em felinos pode estar

relacionada a doenças imunossupressivas, como vírus da leucemia felina (FeLV) e

imunodeficiência viral felina (FIV) (CHERMETTE; FERREIRO; GUILLOT, 2008).

2.1.4 Patogenia

O desenvolvimento da micose ocorre quando o animal é exposto ao dermatófito,

podendo ocorrer ou não a invasão do estrato córneo. Assim, há germinação dos esporos ao

redor do pêlo que podem ser do tipo ectothrix ou endothrix. Logo após, formam-se hifas que

invadem o óstio do folículo piloso, proliferando e migrando para o bulbo do pêlo, no qual

produzem enzimas ceratolíticas. As hifas continuam infectando outros pêlos que encontram-se

na fase de crescimento (anagênica), invadindo de forma centrífuga, caracterizando as lesões

circulares. A resolução espontânea pode ocorrer, se os pêlos infectados entrarem na fase

telogênica ou ocorrer reação inflamatória local. Esta inflamação cutânea ocorre devido a

toxinas produzidas no estrato córneo que provoca uma espécie de dermatite por contato

biológico (SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 1996; LACAZ et al., 2002; SIDRIM; ROCHA,

2004).

2.1.5 Sinais clínicos

Os sinais clínicos da dermatofitose caracterizam-se por lesões alopécicas, regulares e

circulares com eritema regional e descamação. Geralmente não há prurido. Podem apresentar

lesões únicas ou múltiplas e localizadas ou disseminadas (CHERMETTE; FERREIRO;

GUILLOT, 2008).

As lesões do tipo quérion, também conhecidas como dermatofitose nodular, são

granulomatosas, úmidas, exsudativas, variavelmente circunscrita e frequentemente está

associado a infecções por M. canis, M. gypseum ou T. mentagrophytes (SCOTT; MILLER;

GRIFFIN, 1996). Ferreira et al. (2006) descreveram um caso de dermatofitose nodular em um

15

canino da raça Dachshund com lesão no focinho, no qual o agente isolado foi M. gypseum,

sendo o primeiro caso registrado no Brasil.

Enquanto que, o pseudomicetoma dermatofítico ocorre quando há invasão do

dermatófito para o interior da derme e do tecido subcutâneo produzindo um processo

inflamatório piogranulomatoso, do tipo corpo estranho. As regiões comumente afetadas são o

dorso e base da cauda com lesões nodulares de consistência firme ou friável e de formato

irregular, sendo a raça Persa a mais acometida (TOSTES; GIUFFRIDA, 2003; PEREIRA et

al., 2006).

2.1.6 Diagnóstico

O diagnóstico da dermatofitose é realizado através da anamnese, sinais clínicos, exame

da lâmpada de Wood, exame microscópico dos pêlos arrancados, unhas e crostas, citologia,

exame micológico e histopatologia (SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 1996; LACAZ et al.,

2002). O diagnóstico definitivo é realizado pela micologia, pois só com este exame ocorre a

identificação do agente envolvido facilitando o tratamento e controle desta enfermidade.

A lâmpada de Wood é utilizada sobre os pêlos e caspas suspeitos que irão fluorescer à

coloração amarelo-esverdeada, quando há presença de espécies como M. canis, M. audouinii,

M. distorum e T. schoenleinii. Aproximadamente 50% das infecções por M. canis fluorescem,

além de existir diversas falhas no uso e interpretação deste método (SCOTT; MILLER;

GRIFFIN, 1996).

Ao exame direto pode-se utilizar hidróxido de potássio (KOH) de 10 a 40%. Coloca-se

a amostra (pêlos, unhas ou crostas) em lâmina de microscopia juntamente com KOH,

deixando agir por alguns minutos, para que ocorra clarificação. Em seguida, ao microscópio

óptico, em objetivas de 10 e 40x, pode-se observar a fase de crescimento no pêlo (hifas e

artroconídeos) (SIDRIM; ROCHA, 2004).

No exame micológico realiza-se cultivo das amostras que são colocadas em ágar

Sabouraud dextrose acrescido de cloranfenicol e cicloheximida (ágar Mycosel) e incubadas a

25ºC por até 15 dias. Avalia-se a macroscopia e microscopia das colônias isoladas. Para o

exame direto, retira-se uma alçada da colônia, colocando entre lâmina e lamínula contendo

lactofenol azul de algodão e após, observa-se as estruturas no em objetivas de 10 e 40x

(SIDRIM; ROCHA, 2004).

Na histopatologia pode-se observar dermatite hiperplásica e foliculite supurativa, com

hiperqueratose e acantose da epiderme associada a microabscessos. Nos tecidos visualizam-se

16

hifas septadas, ramificadas e artroconídeos ou fragmentos de hifas. Na coloração de PAS

(Ácido Periódico de Schiff) e Prata Metenamina de Gomori são visualizados hifas e

artroconídeos no estrato córneo e no interior ou ao redor dos pêlos. Já na análise do

pseudomicetoma ocorre a presença de nódulos e processo inflamatório granulomatoso na

derme, com vários agregados de aspecto bolhoso semelhantes a hifas septadas e esporos

embebidos em material amorfo eosinofílico, conhecido como reação de Splendore-Hoeppli

(PÉREZ; CARRASCO, 2000; MEIRELES; NASCENTE, 2009). Assim, o exame

histopatológico pode ser útil quando ocorre uma apresentação clínica incomum, mas não

permite conhecer a espécie do dermatófito envolvida (PÉREZ; CARRASCO, 2000;

CHERMETTE; FERREIRO; GUILLOT, 2008).

O diagnóstico diferencial deve ser feito das enfermidades foliculares como, foliculite

estafilocócica e demodicose. Além do pênfigo foliáceo e eritematoso, hipersensibilidade à

picada de pulgas, dermatite seborréica e várias foliculites eosinofílicas estéreis. Os quérions

dermatofíticos devem ser diferenciados de outros granulomas infecciosos ou por corpo

estranho e dermatite acral por lambedura ou neoplasias. Enquanto que o pseudomicetoma

dermatofítico, de outros granulomas infecciosos ou por corpo estranho, paniculite estéril e

várias neoplasias (SCOTT, MILLER; GRIFFIN, 1996).

2.1.7 Tratamento

O tratamento preconizado para dermatofitose seria tópico, quando não há remissão das

lesões em quatro semanas, o indicado seria o tratamento sistêmico. Para o sucesso do

tratamento tópico, deve-se cortar o pêlo ao redor das lesões e ainda, se o animal possuir pêlos

longos, deve-se realizar a tricotomia generalizada. Recomenda-se o uso de pomadas ou loções

contendo antifúngicos (cetoconazol, clotrimazol ou miconazol) e xampus a base de

clorexidine 3% por até duas semanas após a cura clínica ou cultura negativa (SCOTT;

MILLER; GRIFFIN, 1996).

Entre os antifúngicos sistêmicos indicados encontram-se griseofulvina, cetoconazol e

itraconazol, sendo que este último apresenta menores efeitos colaterais, indicado para fêmeas

prenhes e animais jovens, principalmente para felinos (CHERMETTE; FERREIRO;

GUILLOT, 2008). Em um estudo realizado sobre a eficácia da griseofulvina e terbinafina em

cães e gatos com dermatofitose foi observado cura aos 41 dias de 100% dos animais sem

efeitos colaterais com a utilização da griseofulvina, enquanto que a terbinafina apresentou

alguns efeitos colaterais (BALDA; OTSUKA; LARSSON, 2007).

17

O tratamento de lesões focais do tipo quérion consiste na utilização de antibiótico,

corticóide e antifúngico (SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 1996). O tratamento tópico com

creme contendo associação medicamentosa de miconazol, gentamicina e betametasona, duas

vezes ao dia, por quarenta e cinco dias, determinou a regressão completa do quadro, sem

recidiva clínica (FERREIRA et al., 2006).

O tratamento preconizado para o pseudomicetoma dermatofítico inclui, além da

remoção cirúrgica, a terapia com antifúngicos sistêmicos como itraconazol, com o tempo

variável de seis a 18 meses (SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 1996). Pereira et al. (2006) relatou

um caso de pseudomicetoma dermatofítico causado por Microsporum canis em um gato

persa, no qual o tratamento escolhido foi o itraconazol sistêmico e sem a remoção cirúrgica,

descrevendo que após um mês de tratamento o animal já apresentava redução das lesões.

Zur e Elad (2006) testaram o lufenuron in vitro em cães e gatos com dermatofitose, e

não houve inibição dos dermatófitos tanto in vitro quanto in vivo, porém sua atividade

imunomoduladora poderia ser possível. O lufenuron é um fenol benzil-uréia que inibe a

síntese de quitina, sendo usado como inseticida.

2.1.8 Prevenção e controle

Existe uma vacina no mercado com antígenos de M.canis para o tratamento da

dermatofitose, preconizando três doses com intervalos de 14 dias após a primeira dose e 10

dias após a segunda dose, aplicada intramuscular em caninos, e subcutâneo em felinos. É

recomendada também a utilização preventiva, com duas doses, a partir dos três meses de

idade e revacinar anualmente para garantir adequada imunidade. Um estudo realizado por

Rybnikar et al. em 1997 testaram uma vacina contra M. canis em gatos com dermatofitose,

observando remissão das lesões no grupo tratamento, enquanto que no grupo controle estas

permaneceram.

As medidas de controle da dermatofitose visam interferir na cadeia de transmissão da

enfermidade, entretanto, o controle dessa doença é particularmente difícil devido a existência

de animais portadores assintomáticos. Assim, as medidas profiláticas consistem no controle e

isolamento de animais doentes, além das medidas higiênico-sanitárias. Para a desinfecção de

pisos, instalações e utensílios pode-se utilizar hipoclorito de sódio (1:10), Biocid (1:250) ou

soda cáustica a 5%. Considerando que os artroconídeos podem permanecer viáveis por até 18

meses no ambiente, a desinfecção de materiais e instalações é fundamental para evitar a

contaminação e recontaminação dos animais e humanos (MEIRELES; NASCENTE, 2009).

18

2.2 Objetivos

a) Gerais

Realizar um levantamento das amostras enviadas ao Laboratório Regional de

Diagnóstico (LRD), Laboratório de Doenças Infecciosas/Setor de Micologia da Universidade

Federal de Pelotas/RS, com suspeita de dermatofitose em pequenos animais, durante o

período de 1996 a 2008.

b) Específicos

• Determinar o número de amostras enviadas com suspeita de dermatofitose

durante esse período;

• Relacionar as amostras positivas com método de coleta;

• Determinar a freqüência da dermatofitose em relação à sazonalidade, espécie,

sexo, raça e idade;

• Determinar qual o agente da dermatofitose foi o mais isolado.

19

2.3 Materiais e métodos

No banco de dados do Laboratório Regional de Diagnóstico foram coletadas

informações pertencentes às amostras enviadas ao Laboratório de Doenças Infecciosas - Setor

de Micologia, durante o período de 1996 a 2008.

O LRD pertence à Universidade Federal de Pelotas/RS, no qual presta serviços

laboratoriais nas áreas de parasitologia, patologia, bacteriologia, micologia e virologia

veterinária à comunidade da região sul do Rio Grande do Sul.

No período de 2007 a 2009 o Laboratório de Micologia desenvolveu um projeto de

extensão de diagnóstico micológico em pequenos animais junto à comunidade da região,

visando esclarecer e auxiliar os clínicos nos diagnósticos de enfermidades fúngicas.

Os materiais enviados ao laboratório, após coleta, eram carpetes, pêlos, crostas, biópsias

de pele e swabs. Para cada amostra eram preenchidas fichas com os dados do animal,

histórico, sinais clínicos, medicação utilizada e provável diagnóstico. Conforme a suspeita

clínica, a amostra era semeada em placas de Petri contendo ágar Sabouraud dextrose

acrescido de cloranfenicol e/ou oliva e Mycosel incubadas a 25º e/ou 37ºC. A partir das

colônias formadas, realizava-se exame microscópico com lactofenol azul de algodão ou

coloração de Gram para a caracterização do gênero e espécie fúngica. Quando a visualização

não era possível, realiza-se microcultivo em lâmina.

Os dados coletados eram referentes às amostras enviadas com suspeita de dermatofitose

em cães e gatos, assim, analisaram-se o número de amostras enviadas durante o período

mencionado, os diagnósticos positivos, agente etiológico envolvido, método de coleta,

sazonalidade, raça, sexo, idade e espécie animal.

Em relação ao agente etiológico mais frequente foram comparadas as espécies de

Microsporum canis, M. gypseum e Trichophyton mentagrophytes. De acordo com a

sazonalidade, caracterizou-se o período em que o diagnóstico foi realizado. O método de

coleta foi relacionado com diagnóstico positivo como, carpete, pêlos ou biópsia. A idade foi

dividida em categorias como, jovem (zero a três anos), adulto (quatro a sete anos) e idoso

(acima de oito anos), e a espécie animal avaliada foi canina e felina.

Logo após a análise de todos os dados, se estabeleceu a freqüência de dermatofitose em

relação a cada variável escolhida, descrevendo a situação desta enfermidade na região sul do

Rio Grande do Sul nos últimos 12 anos.

20

2.4 Resultados

Foram analisadas 852 amostras enviadas ao Laboratório de Doenças Infecciosas – Setor

de Micologia com suspeita de dermatofitose em cães e gatos durante o período de 1996 a

2008. Do total coletado, 721 (84,7%) amostras eram provenientes de caninos e 131 (15,3%)

de felinos (Gráfico 1).

Gráfico 1: Porcentagem de amostras de caninos e felinos com suspeita de dermatofitose

enviadas ao Laboratório Regional de Diagnóstico, Laboratório de Doenças Infecciosas – Setor de Micologia, UFPel/RS no período de 1996 a 2008.

Neste período foram diagnosticados 66 casos de dermatofitose em pequenos animais,

sendo 46 (69,7%) em caninos e 20 (30,3%) em felinos. Destes, 43 foram diagnosticados no

período de 1996 a 2006 e 23 casos entre 2007 a 2008. Em 1998 não houve nenhum caso de

dermatofitose em pequenos animais, diagnosticado pelo LRD (Gráfico 2). Houve

envolvimento zoonótico confirmado em dois casos, realizados por laboratório humano.

21

Gráfico 2: Diagnósticos de dermatofitose em pequenos animais realizados nos últimos 12

anos no Laboratório Regional de Diagnóstico, Laboratório de Doenças Infecciosas, Setor de Micologia da UFPel/RS.

O agente etiológico isolado mais freqüente foi o Microsporum canis (Figura 1A e B)

com 54 casos (82%), seguido do Microsporum gypseum (Figura 2A e B) em oito casos (13%),

Trichophyton spp. em dois casos (3%), Trichophyton mentagrophytes (Figura 3A e B) e

Trichophyton verrucosum, ambos em um caso cada (1%), descritos na tabela 1.

Tabela 1: Casos de dermatofitose relacionados com o agente etiológico e espécie animal acometida durante os últimos 12 anos, na região sul do Rio Grande do Sul.

ESPÉCIE ISOLADA CASOS CANINA FELINA

Microsporum canis 54 35 19

Microsporum gypseum 8 8 -

Trichophyton mentagrophytes 1 - 1

Trichophyton spp. 2 2 -

Trichosporum verrucosum 1 1 -

TOTAL 66 46 20

22

A B

Figura 1A e B: Macroscopia (A) e microscopia (B) de colônia de Microsporum canis isolada no Laboratório Regional de Diagnóstico – Laboratório de

Doenças Infecciosas, Setor de Micologia da UFPel.

BA

Figura 2A e B: Macroscopia (A) e microscopia (B) de colônia de Microsporum

gypseum isolada no Laboratório Regional de Diagnóstico – Laboratório de Doenças Infecciosas, Setor de Micologia da UFPel.

A B Figura 3A e B: Macroscopia (A) e microscopia (B) de colônia de Trichophyton

mentagrophytes isolada no Laboratório Regional de Diagnóstico – Laboratório de Doenças Infecciosas, Setor de Micologia da UFPel.

23

Em relação ao material coletado, a maior freqüência de isolamento dos dermatófitos foi

obtida a partir de amostras de pêlos, correspondendo a 45 casos (68,2%). Com a técnica de

coleta por carpete, 20 casos (30,3%) foram diagnosticados e apenas um (1,5%) por biópsia. A

amostra obtida por biópsia era proveniente de um felino fêmea da raça Persa, no qual o

isolamento foi de Microsporum canis e juntamente com histopatológico foi caracterizado

como pseudomicetoma dermatofítico.

O período do ano com maior freqüência de casos de dermatofitose em pequenos animais

foi no mês de abril com 21,2% dos casos, seguido do mês junho com 18,2% e agosto com

15,1%, sendo o Microsporum canis o mais isolado nestes meses (gráfico 3).

Gráfico 3: Número de casos de dermatofitose em pequenos animais, no período de 1996 a

2008, relacionados com a época do ano do diagnóstico e agente etiológico envolvido.

Em relação ao sexo, a dermatofitose ocorreu em 49% das fêmeas e 51% dos machos,

nos caninos e felinos. Em 53% dos casos, a enfermidade predominou na categoria jovem,

25% em adultos e 22% em idosos.

Assim, a enfermidade ocorreu nos animais sem raça definida com 58% dos casos,

enquanto que, em raça pura a mais freqüente foi Yorkshire, nos caninos e Persa, nos felinos.

24

2.5 Discussão

O laboratório de micologia durante 12 anos de estudo (1996 a 2008) diagnosticou 66

casos de dermatofitose em pequenos animais, enquanto que destes, 23 casos ocorreram nos

dois últimos anos (2007 a 2008). Provavelmente, este aumento da casuística foi decorrente ao

projeto de extensão inicializado pelo laboratório, no qual notou-se facilitação do envio de

amostras com suspeitas de enfermidade fúngica pelos clínicos, obtendo diagnósticos

diferenciais e precisos.

Copetti et al. (2006) realizou um estudo semelhante no qual analisou 1240 amostras

provenientes de caninos e felinos de clínicas veterinárias de Santa Catarina, Paraná e Rio

Grande do Sul, principalmente em Santa Maria durante o período de 1998 a 2003. A

porcentagem de amostras positivas para caninos foi próxima à encontrada neste estudo,

enquanto que em felinos foi dez vezes maior. Isto pode ter ocorrido pela maior demanda de

felinos em clínicas veterinárias e além desta espécie, poder carrear em seu pelame o

Microsporum canis, facilitando assim, a sua infecção.

Um estudo realizado na cidade de Porto Alegre sobre a prevalência das dermatopatias

em 250 caninos no período de um ano observou-se que as doenças fúngicas ocorreram em

7,6% dos casos, sendo o M. canis o mais isolado (MACHADO; APPELT; FERREIRO,

2004).

Em outros estudos sobre dermatofitose, as amostras analisadas de caninos estiveram em

maior número, similar ao encontrado no presente estudo. Porém o diagnóstico ocorreu na

espécie felina com 15,2% das amostras enviadas (PAIXÃO et al., 2001; BRILHANTE et al.,

2003; CAFARCHIA et al., 2003; BALDA et al., 2004).

O principal dermatófito isolado nos animais com suspeita desta micose foi o

Microsporum canis, concordando com outros estudos (BRILHANTE et al., 2003;

CAFARCHIA et al., 2003; BALDA et al., 2004; COPETTI et al., 2006; COELHO et al.,

2008), seguidos por M. gypseum e T. mentagrophytes, respectivamente, espécies que também

foram obtidas em outros trabalhos (PAIXÃO et al., 2001; MANCIANTI et al., 2002;

COPPETI et al., 2006). Entretanto, em Portugal, o T. mentagrophytes foi a espécie mais

isolada, seguido pelo M. canis (COELHO et al., 2008). Numa pesquisa realizada por Bentubo

et al. (2006), em que amostras de pelame de felinos adultos assintomáticos foram coletadas de

um zoológico de São Paulo, obteve-se maior isolamento de Microsporum gypseum, sugerindo

que este poderia ser uma fonte de infecção para humanos.

25

Segundo Ferreiro et al. (2007), M. canis está gradualmente aumentando a casuística de

dermatofitose, tanto em animais quanto em humanos, destacando a importância da

transmissão zoonótica.

Nas amostras de pêlos conseguiu-se maior isolamento de dermatófitos, o que indica que

quando utilizou-se este método de coleta para diagnóstico, o número de positivos foi superior

quando comparado ao uso de carpete estéril ou swab, além de apresentar como vantagem a

possibilidade de realizar o exame direto, observando as formas de parasitismo e crescimento

no pêlo (LACAZ et al., 2002; SIDRIM; ROCHA, 2004).

Os dois casos zoonóticos diagnosticados no período do estudo eram de proprietários de

felinos que apresentavam lesões cutâneas e conviviam muito próximos aos animais. A

participação do felino na disseminação desta enfermidade e a importância como zoonose já

foi descrito, no qual cinco pessoas da mesma casa adquiriram a doença após o contato com o

animal de estimação que possuía lesões (NOBRE; MEIRELES; CORDEIRO, 2000).

O caso de pseudomicetoma dermatofítico por M. canis, diagnosticado pelo LRD durante

a pesquisa, acometeu um felino da raça Persa, sendo localizado em regiões do dorso e cauda,

como descrito na literatura (TOSTES et al., 2003; PEREIRA et al., 2006), e em 2008 foi

descrito o primeiro caso de micetoma por M. canis em felino da raça Persa, macho de nove

anos (KANO et al., 2008).

Não houve tendência na frequência sexual em nenhuma espécie. Estes dados conferem

com outros descritos (SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 1996; MANCIANTI et al., 2002).

Entretanto, Cafarchia et al. (2003) observaram em seu estudo que em caninos, a prevalência

de dermatofitose foi maior em machos.

Com relação à idade, neste estudo e em outros, os jovens são os mais acometidos pela

dermatofitose, pois o sistema imune destes animais está ainda em processo de formação,

predispondo a ocorrência de enfermidades oportunísticas (SCOTT; MILLER; GRIFFIN,

1996; MANCIANTI et al., 2002; CAFARCHIA et al., 2003; BALDA et al., 2004).

A ocorrência da enfermidade predominou nos animais SRD, provavelmente pela maior

freqüência de amostras enviadas, porém as raças Persa e Yorkshire, como descritas por outros

autores, foram as mais frequentes em felinos e caninos respectivamente (CAFARCHIA et al.,

2003; BALDA et al., 2004).

A maioria dos casos de dermatofitose ocorreu durante as estações de outono e inverno,

como relatado por Cafarchia et al. (2003) no sul da Itália e Brilhante et al. (2003) em

Fortaleza (Brasil). Entretanto, Balda et al. (2004) não observou diferença sazonal, em São

Paulo (Brasil) e Mancianti et al. (2002) no norte da Itália observou maior prevalência no

26

verão. Assim, de acordo com a situação geográfica esta enfermidade pode ocorrer em

diferentes estações do ano.

27

3 CONCLUSÃO

A dermatofitose em pequenos animais no sul do Rio Grande do Sul comporta-se de

forma semelhante aos trabalhos descritos na literatura, porém com diferente sazonalidade.

O principal dermatófito isolado tanto em caninos quanto em felinos foi Microsporum

canis. A espécie Trichophyton mentagrophytes foi isolada apenas em felinos, enquanto que

Microsporum gypseum e Trichophyton verrucosum, apenas em caninos. Desse modo, a

pesquisa auxiliará aos clínicos na compreensão, tratamento, controle e prevenção da

enfermidade nesta região.

28

REFERÊNCIAS

ATES A, ILKIT, M, OZDEMIR, R, OZCAN, K. Dermatophytes isolated from asymptomatic dogs in Adana, Turkey: A preliminary study. Journal de Mycologie Médicale, v. 18, p. 154-157, 2008. BALDA, A.C, LARSSON, C.E, OTSUKA, M, GAMBALE, W. Estudo retrospectivo de casuística das dermatofitoses em cães e gatos atendidos no serviço de dermatologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. Acta Scientiae Veterinariae, v. 32, n. 2, p. 133-140, 2004. BALDA, A.C.; OTSUKA, M.; LARSSON, C.E. Ensaio clínico da griseofulvina e da terbinafina na terapia das dermatofitoses em cães e gatos. Ciência Rural, v.37, n.3, p. 750-754, 2007. BENTUBO, H.D, FEDULLO, J.D, CORRÊA, S.H, TEIXEIRA, R.H, COUTINHO, S. Isolation of Microsporum gypseum from the haircoat of health wild felids kept in captivity in Brazil. Brazilian Journal of Microbiology, v. 37, p.148-152, 2006. BRILHANTE, R.S.N., CAVALCANTE, C.S.P., SOARES-JUNIOR, F.A., CORDEIRO, R.A., SIDRIM, J.J.C., ROCHA, M.F.G. High rate of Microsporum canis feline and canine dermatophytoses in Northeast Brazil: Epidemiological and diagnostic features. Mycopathologia, v. 156, p. 303–308, 2003. CAFARCHIA, C., ROMITO, D., SASANELLI, M., LIA, R., CAPELLI, G., OTRANTO, D. The epidemiology of canine and feline dermatophytoses in southern Italy. Mycoses, v. 47, p. 508–513, 2004. CHERMETTE, R., FERREIRO, L. ; GUILLOT, J. Dermatophytoses in Animals. Mycopathologia, v. 166, p. 385–405, 2008. COELHO, A., ALEGRIA, N. ; RODRIGUES, J. Isolamento de dermatófitos em animais domésticos em Vila Real, Portugal. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 60, n. 4, p.1017-1020, 2008. COPETTI, M.V., SANTURIO, J.M., CAVALHEIRO, A.S., BOECK, A.A., ARGENTA, J.S., AGUIAR, L.C., ALVES, S.H. Dermatophytes isolated from dogs and cats suspected of dermatophytosis in Southern Brazil. Acta Scientiae Veterinariae, v. 34, n. 2, p. 119-124, 2006. COSTA M., PASSOS, X.S., SOUZA, L.K., MIRANDA, A.T., LEMOS, J.A., JÚNIOR, J.G., SILVA, M.R. Epidemiologia e etiologia das dermatofitoses em Goiânia, GO, Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 35, n. 1, p. 19-22, jan-fev, 2002. DAHDAH, M. ; SCHER, R. Dermatophytes. Current Fungal Infection Reports, v. 2, p. 81–86, 2008. FERREIRA, R.R., MACHADO, M.L., SPANAMBERG, A., FERREIRO, L. Quérion causado por Microsporum gypseum em um cão. Acta Scientiae Veterinariae, v. 34, n. 2, p. 179-182, 2006.

29

FERREIRO, L, SANCHES, E.M.C, SPANAMBERG, A, FERREIRA, R.R, MACHADO, M, ROEHE, C, PEREIRA, S.A., SCHUBACH, T.M., SANTURIO, J.M. Zoonoses micóticas em cães e gatos. Acta Scientiae Veterinariae. v. 35, p.296-299, 2007. KANO, R., EDAMURA, K, YUMIKURA, H, MARUYAMA, H, ASANO, K, TANAKA, S., HASEGAWA, A. Confirmed case of feline mycetoma due to Microsporum canis. Mycoses. v. 52, p. 80–83, 2008. LACAZ, C., PORTO, E, MARTINS, J., HEINS-VACCARI, E., MELO, N. Tratado de Micologia Médica. 9. ed. São Paulo: Sarvier, 2002. 1104p. LAUTENSCHLÄGER, JUSSARA. Pelotas tem um cão para 5,6 habitantes. Diário Popular, Pelotas, 12 jul. 2008. Caderno Cidade. Disponível em:< http//www.diariopopular.com.br/12_07_08/p0301.html > Acesso em: 27 mar. 2009 MACHADO, M.L., APPELT, C.E.,; FERREIRO, L. Dermatófitos e leveduras isolados da pele de cães com dermatopatias diversas. Acta Scientiae Veterinariae. v. 32, n. 3, p. 225 - 232, 2004. MANCIANTI, F., NARDONI, S., CECCHI, S., CORAZZA, M., TACCINI, F. Dermatophytes isolated from symptomatic dogs and cats in Tuscany, Italy during a 15-year-period. Mycopathologia,v.156, p. 13–18, 2002. MEIRELES, M.C.A.; NASCENTE, P.S. Micologia Veterinária. Pelotas: Universitária. UFPEL, 2009. 543p. NOBRE, M.O., MEIRELES, M.C. ; CORDEIRO, J.M.C. Importância do felino doméstico na epidemiologia da dermatofitose por Microsporum canis. Revista da Faculdade de Zootecnia, Veterinária e Agronomia. Uruguaiana, v.7/8, n.1, p. 81-84, 2000. PAIXÃO, G.C., SIDRIM, J.J.C., CAMPOS, G.M.M., BRILHANTE, R.S.N., ROCHA, M.F.G. Dermatophytes and saprobe fungi isolated from dogs and cats in the city of Fortaleza, Brazil. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 2001, n.5, Belo Horizonte out., 2001. PEREIRA, A.N., DAMICO, C.B., SOUZA, H.J., CORGOZINHO, K.B., GRAÇA, R., ALMEIDA, E.C., FERREIRA, A.M. Pseudomicetoma dermatofítico causado por Microsporum canis em gato da raça persa. Acta Scientiae Veterinariae. v. 34, n. 2, p. 193-196, 2006. PÉREZ, J. ; CARRASCO, L. Diagnóstico histopatológico de micosis en patología veterinária. Revista Iberoamericana de Micologia. v.17, p.18 - 22, 2000. RAMALHO, F., FARIAS, M., BIER, D., CONDAS, L., MURO, M., PIMPÃO, C. Avaliação do estado de carreador assintomático de fungos dermatofíticos em gatos destinados à doação em centros de controle de zoonoses e sociedade protetora de animais. In: 2007, Recife. RESUMOS. Recife: 5ºCongresso Brasileiro de Micologia, 2007, p.268.

30

RYBNIKAR, A., VRZAL, V., CHUMELA, J., PETRÁS, J. Immunization of cats against Microsporum canis. Acta Veterinary Brunensis. v. 66, p. 177-181, 1997. SCOTT, D., MILLER, W., GRIFFIN, C. Muller & Kirk, dermatologia de pequenos animais. 5. ed. Original. Rio de Janeiro: Interlivros, 1996. 1130p. SIDIRM, J. ; ROCHA, M. Micologia médica à luz de autores contemporâneos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 388p. TOSTES, R.A ; GIUFFRIDA, R. Pseudomicetoma dermatofítico em felinos. Ciência Rural, Santa Maria, v.33, n.2, p.363-365, 2003. ZUR, G. ; ELAD, D. In vitro and in vivo Effects of Lufenuron on Dermatophytes Isolated from Cases of Canine and Feline Dermatophytoses. Journal of Veterinary Medicine B, v. 53, p. 122–125, 2006.