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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÍDIA E COTIDIANO WAGNER DA SILVEIRA BEZERRA A MEDIAÇÃO DO CONSUMO MIDIÁTICO NO UNIVERSO ESCOLAR: estudo de caso do Projeto GENTE Niterói 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTE E ...‡ÃO WAGNER DA... · em busca de conhecimento e na superação das armadilhas das certezas fáceis e da presunção do saber

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÍDIA E COTIDIANO

WAGNER DA SILVEIRA BEZERRA

A MEDIAÇÃO DO CONSUMO MIDIÁTICO NO UNIVERSO ESCOLAR: estudo de

caso do Projeto GENTE

Niterói

2015

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WAGNER DA SILVEIRA BEZERRA

A MEDIAÇÃO DO CONSUMO MIDIÁTICO NO UNIVERSO ESCOLAR: estudo de

caso do Projeto GENTE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense, como requisito final para a obtenção do grau de Mestre em Mídia e Cotidiano.

Linha de Pesquisa: linguagens, representações e produção de sentidos

Orientador: Prof. Dr. Alexandre Farbiarz. Coorientador: Prof. Dr. Ricardo Artur Carvalho

Niterói

2015

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WAGNER DA SILVEIRA BEZERRA

A MEDIAÇÃO DO CONSUMO MIDIÁTICO NO UNIVERSO

ESCOLAR: estudo de caso do projeto GENTE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano, da Universidade Federal Fluminense, como requisito final para a obtenção do grau de mestre em Mídia e Cotidiano.

Aprovado em: ___/___/2015.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Farbiarz

PPGMC-UFF Orientador

________________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Artur Pereira Carvalho

PUC-RJ Coorientador

________________________________________________ Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares

ECA-USP Membro externo

________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Patricia Gonçalves Saldanha

PPGMC-UFF Membro interno

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

B574 Bezerra, Wagner da Silveira.

A mediação do consumo midiático no universo escolar: estudo de caso do Projeto Gente / Wagner da Silveira Bezerra. – 2015.

128 f. Orientador:  Alexandre  Farbiarz.  

Coorientador:  Ricardo  Artur  Carvalho.  

Dissertação (Mestrado em Mídia e Cotidiano) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e Comunicação Social, 2015.

Bibliografia: f. 123-128.

1. Tecnologia educacional. 2. Educação. 3. Mídia. 4. Comunicação. 5. Inovação educacional. I. Farbiarz, Alexandre. II. Carvalho, Ricardo Artur. III. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Arte e Comunicação Social. IV. Título.

CDD 371.33

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Aos Polegarzinhos e Polegarzinhas, da Rocinha.

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AGRADECIMENTO

Ao concluir esta etapa do meu aprendizado, como integrante da primeira turma do

Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense, me

vejo no início de um novo ciclo de trabalho e de vida. Por isso, quero agradecer às pessoas

que, de algum modo, me ajudaram a transformar sonhos em conquistas.

Professor Alexandre Farbiarz, meu orientador, com quem pude contar nesta travessia

em busca de conhecimento e na superação das armadilhas das certezas fáceis e da presunção

do saber.

À Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e à comunidade escolar da

Escola André Urani, por ter autorizado a pesquisa e pela disponibilidade em me receber e

conceder as entrevistas que foram fundamentais para a investigação. Em especial à Diretora

Márcia Roberto e à Alice Andrés Ribeiro e Rafael Parente, ex-gestores do Projeto GENTE.

Professoras e professores do PPGMC/UFF, pelas inúmeras contribuições e pelo afeto

recebido ao longo desta jornada. Professor Ricardo Artur Carvalho, coorientador, que somou

conhecimentos específicos relevantes para a pesquisa.

Professoras Regina de Assis e Eliany Salvatierra Machado, com quem tive o privilégio

de contar na banca de qualificação, pelas preciosíssimas observações, que ajudaram a aguçar

o meu olhar de pesquisador e a ampliar o lastro teórico da pesquisa.

Cláudia Garcia, secretária do PPGMC/UFF, pela diligência e prontidão no

atendimento de todas as demandas acadêmicas, que não foram poucas.

Colegas do programa, que me acolheram no grupo que afortunadamente pude integrar

nestes dois anos, e que fizeram dos encontros nas salas do IACS 2, na UFF, momentos

inesquecíveis.

Aos educadores José Xavier Cortez e Mario Sergio Cortella, pelo estímulo.

Meus filhos queridos, Maria e José, Alessandra, Vital, Wagner e Camila.

Minha querida mãe, Dona Regina, e meu pai, Leão (em memória). Meus irmãos,

Graça, Márcio e Marcos, e suas respectivas famílias.

Minha querida sogra, Dona Luiza, e meu sogro, José Robaine. Meus cunhados,

Marina, Zezé, Carlinhos, Célia, Jorge, Valmar e Rose, e suas respectivas famílias.

E, muito especialmente, agradeço e dedico este trabalho a você, Heloisa Dias Bezerra,

meu amor, pelas leituras, conversas, sugestões, carinhos, paciência e apoio fundamentais para

que eu pudesse trazer à realidade este desejo tão acalentado.

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Somos aquilo que vemos e ouvimos, assim como somos aquilo que comemos;

por isso, é importante imprimir nos indivíduos a necessidade de evitar a comida ruim da cultura da mídia

e escolher produtos mais sadios e nutritivos. Isso exige o aprendizado da discriminação e do cultivo

dos melhores sabores da cultura da mídia, além de outras modalidades de cultura [...]

(Douglas Kellner, A Cultura da mídia)

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RESUMO

BEZERRA, Wagner da Silveira. A mediação do consumo midiático no universo escolar: estudo de caso do Projeto GENTE. 2015. 129f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015. O problema central desta dissertação refere-se à necessidade de adaptação da comunidade escolar em face da necessária reconfiguração das estratégias de ensino-aprendizagem, a partir do uso das novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) enquanto ferramentas pedagógicas nos ambientes escolares. O objetivo principal é analisar o processo de adaptabilidade de educandos e educadores frente a esse processo, por meio do estudo de caso do Projeto Ginásio Experimental de Novas Tecnologias (GENTE), desenvolvido na Escola Municipal André Urani, na Rocinha, Rio de Janeiro. O objetivo secundário é compreender como se dá a mediação do consumo de mídia em um ambiente em que o uso das TICs ganhou centralidade. Do ponto de vista teórico, pretende-se discutir aspectos das interconexões entre os campos da Comunicação e da Educação, a partir de referencial que tem como alicerce a produção de autores filiados aos estudos culturais, sobretudo os latino-americanos, em posição dialógica às teorias dos campos da Educação para a mídia, destacando-se a Educomunicação e a Mídia-Educação, bem como alguns pressupostos da chamada Educação para o Século XXI. Para o levantamento de dados valeu-se, primordialmente, da abordagem qualitativa, com uso de pesquisa exploratória, observação participativa e entrevistas em profundidade. A análise dos dados baseou-se na utilização da teoria do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) e do software desenvolvido para aplicação dessa técnica. Dentre os principais resultados alcançados, destaca-se a agregação de conhecimento científico que possa, de alguma forma, colaborar com as políticas públicas de Educação e com ações subsequentes do uso das TICs nos ambientes públicos escolares, por meio do relato de um caso real de empenho adaptativo coletivo para tornar o uso das novas tecnologias um aliado na missão de educar e preparar os alunos para a vida cidadã, sem perder de vista os novos desafios da Educação, como a promoção da autonomia e do protagonismo infantil e juvenil.

Palavras-chave: Tecnologias educacionais. TICs na Educação. Educação para a mídia. Educomunicação. Novas tecnologias.

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ABSTRACT

BEZERRA, Wagner da Silveira. The mediation of media consumption in educational environments: the case study of Project New Technologies Experimental Gymnasium (GENTE in portuguese). 2015. 129f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015. The core problem of this work concerns the need to adapt the school community, due to the necessary reconfiguration of teaching and learning strategies from the use of new Information and Communication Technologies (ICTs) as teaching tools in educational environments. The main objective is to analyze the adaptability process of learners and educators to this process through the case study of Project New Technologies Experimental Gymnasium (GENTE in portuguese), developed at André Urani Municipal School at Rocinha, Rio de Janeiro. The secondary objective is to understand how the mediation of media consumption occurs\happens on the environment in which the use of ICTs has gained centrality. From a theoretical point of view, we intend to discuss aspects of the interconnections between the fields of Communication and Education, from a reference that has as its foundation the production of authors affiliated with the well-known School of Latin American Cultural Studies, in dialogic position to theories of media education courses, highlighting Educational Communication and Media-education, as well as some assumptions of the so-called Education for the twenty-first century. For data collection a primarily qualitative approach was chosen, using exploratory research, participative\ interactiveobservation and in-depth interviews. Data analysis was based on the use of the Collective sSbject Discourse theory (DSC) and the software developed for the application of this technique. Among the main results that we sought to achieve, we can\should\must emphasize, adding scientific knowledge that can somehow work with public policies of education and subsequent actions of the use of ICTs in school public environments through the account of a real case of adaptive collective commitment to make the use of new technologies an ally in the mission of educating and preparing students for civic life, without losing sight of the new challenges ineducation, such as the promotion of autonomy and child and youth participation.

Keywords: Educational technology. ICT in education. Media education. Educational communication. New technologies.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento CAAE Certificado de Apresentação para Apreciação Ética CEP/CONEP Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal Fluminense CETIC Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação Conanda Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente DSC Discurso do Sujeito Coletivo ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ECH Expressões-Chave EJA Educação de Jovens e Adultos GEA Ginásio Experimental das Artes Visuais GENTE Ginásio Experimental de Novas Tecnologias Educacionais GEO Ginásio Experimental Olímpico GES Ginásio Experimental do Samba GECs Ginásios Experimentais Cariocas IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IC Ideias Centrais LDB Lei das Diretrizes e Bases NAVE Núcleo Avançado em Educação NCE/USP Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo NTE Núcleos de Tecnologia Educacional PPGMC Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano ProInfo Programa Nacional de Tecnologia Educacional Prouca Programa Um Computador por Aluno SME/RJ Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TICs Tecnologias da Informação e da Comunicação UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10 2 A EDUCAÇÃO PARA A MÍDIA .............................................................................. 18 2.1 UMA NOVA ARQUITETURA DO SABER ............................................................ 18 2.2 AS TICs NO UNIVERSO ESCOLAR ....................................................................... 23 2.3 O DISCURSO DA MÍDIA E A PRODUÇÃO DE SENTIDOS ................................ 27 3 CONSUMO E HIPERCONSUMO DE MÍDIA ........................................................ 36 3.1 CONSUMO E ESPETÁCULO .................................................................................. 36 3.2 CONSUMO E CONSUMISMO NA PÓS E NA HIPERMODERNIDADE ............. 44 3.3 A “BRANDINGIZAÇÃO” DA COTIDIANIDADE ................................................. 46 4 AS TICs NO AMBIENTE ESCOLAR DO PROJETO GENTE ............................ 52 4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA ............................................................ 52 4.2 PROJETO GENTE ..................................................................................................... 56 4.3 A INOVAÇÃO COMO MARCA PEDAGÓGICA ................................................... 59 5 ESTUDO DE CASO DO PROJETO GENTE .......................................................... 65 5.1 PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA ........................................................................ 68 5.2 ABORDAGEM METODOLÓGICA ......................................................................... 69 5.2.1 Roteiro de perguntas ............................................................................................. 70 5.2.2 Análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) .................................................. 72 5.2.2.1 Figuras metodológicas do Discurso do Sujeito Coletivo ..................................... 72 5.2.2.2 Relatório síntese das Ideias Centrais (IC) da pesquisa e percentuais

quantitativos resultantes da aplicação do software Qualiquantisoft ..........................

73 5.3 ANÁLISE DO DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO E DISCUSSÃO DOS

RESULTADOS .........................................................................................................

77 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 115 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 123 ANEXO A ........................................................................................................................ 130 ANEXO B ........................................................................................................................ 131

 

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1 INTRODUÇÃO

Minha aproximação com o universo da educação para a mídia teve início no ano de

1998, na antiga Fundação Roquete Pinto – TV Educativa, localizada no Rio de Janeiro, onde

eu era responsável pelos roteiros e direção dos primeiros programas da série de Matemática,

produzidos para compor a grade de programação da recém-criada TV Escola e dos

interprogramas chamados Plantão da Língua Portuguesa.

Foi a partir da curiosidade de produtor de conteúdos audiovisuais do núcleo de

Educação a Distância da TVE, coordenado pela Prof.ª Marlene Montezi Blois, que nasceu o

meu interesse em investigar as aproximações entre a mídia e a Educação. Já naquela época, eu

intuía tratar-se de algo determinante e constitutivo da forma como o homem contemporâneo

enxerga a si mesmo e ao mundo à sua volta.

Desafiado a compreender os imbricamentos e correlações entre os dois campos,

comecei então a observar a amplitude do fenômeno comunicativo e midiático em seu

atravessamento cotidiano, no comportamento, nas formas de consumo, na cultura, na

formação dos valores e na produção e difusão de conhecimento.

Logo em seguida, em 1999, era publicado o Manual do telespectador insatisfeito, pela

editora Summus, no qual eu desafiava o leitor a lidar criticamente com a relação de consumo

– naquele caso, consumo de produtos e conteúdos provenientes da TV –, e apontava a

“passividade do espectador” diante dos meios de comunicação como algo a ser discutido. O

livro também abordava certa timidez do marco regulatório brasileiro das telecomunicações,

comparando-o à legislação vigente nos chamados países desenvolvidos.

Nos anos seguintes, mantendo a curiosidade como guia, participei de alguns eventos

acadêmico-profissionais das áreas afins e escrevi artigos de opinião, como este, publicado no

Jornal do Brasil, com o título “A Educação infantil na era da internet, uma reflexão”:

[...] Se eu fosse criança diria ao meu professor que eu não quero trocar o livro pelo tablet. Quero os dois. Explicaria que eu quero aprender mais sobre ciberespaço, inteligência coletiva e tudo que me faz gostar tanto de assistir TV, acessar o Second Life, jogar no Facebook, falar no MSN e mandar mensagens pelo celular, tudo ao mesmo tempo, triturado e junto. Se eu fosse criança, tentaria convencer os adultos que não basta a tecnologia da informação mudar o mundo. É preciso decidir o que fazer com ela. Me esforçaria para fazê-los aceitar que, daqui pra frente, vou estar cada vez mais ligado, antenado, conectado, ciberespacializado. E que eles precisam decidir que tipo de Educação vai ser midiatizada para todos nós. Agora, como não sou mais criança, faço da mídia-educação uma profissão de fé, para que pais, professores e gestores da Educação incluam permanentemente a alfabetização para os meios no cardápio literário do público infanto-juvenil; para que se ampliem os benefícios oriundos do conteúdo positivo da TV e internet; para

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que o lixo midiático seja reciclado pelos próprios midiacidadãos; para que a tecnologia da informação e os novos recursos digitais estejam, cada vez mais, em comunhão com a formação de cidadãos críticos e esclarecidos. Crianças, sejam famintos, mas, jamais sejam tolos. (BEZERRA, 2011).

No mesmo ano do artigo citado, em 2011, voltei a publicar sobre o tema. Desta vez,

novamente me dirigindo especialmente aos universos infantil e juvenil, com o livro O

Segredo da Caverna – a fábula da TV e da internet, pela Cortez Editora, uma livre adaptação

do Mito da Caverna, do filósofo Platão, que convida à reflexão crítica acerca do consumo de

mídia. A partir de então, estavam lançadas as bases para seguir adiante.

A necessidade de ampliar as referências bibliográficas e o desejo de me integrar a um

núcleo de pesquisa acadêmica, com enfoque em estudos das práticas mídia-educativas e

educomunicativas, motivaram minha candidatura ao Programa de Pós-Graduação em Mídia e

Cotidiano da Universidade Federal Fluminense, na linha de pesquisa “Linguagens,

representações e produção de sentidos”, que aborda as formas de produção de sentido e

construção de identidade e memória social, decorrentes da relação entre os diferentes agentes

sociais e os discursos midiáticos em distintos suportes.

A partir daquele momento, meu foco principal passaria a ser os aspectos que ligam os

produtos e subprodutos da mídia1 à Educação por meio do consumo de informações, de

cultura, de entretenimento e, de forma destacada, de Educação.

Segundo estudiosos, a Educação e a própria escola estariam atravessando um

momento de busca de novos caminhos, necessitando se reinventar tendo em vista as

demandas do aluno do século XXI (COSTA, 2008).

Em muitos casos, aponta-se que o atual modelo da pedagogia escolar parece estar com

os dias contados, o que poderia ser justificado, em parte, por projetos pedagógicos que fazem

lembrar as antigas linhas de produção, baseados na hegemonia do livro didático, do ensino

massificado caracterizado pela velha “educação bancária2” (FREIRE, 1970) com suas

carteiras enfileiradas, e na figura do professor que, em certos casos, sente-se incapaz de

desapegar-se da representação de único detentor do saber (SODRÉ, 2012).

Em meio a esse cenário, o consumo desenfreado das novas tecnologias da informação

por crianças e adolescentes não cansa de multiplicar-se, e é justamente a partir de um modelo

de escola que demonstra carecer de renovação que a vida conectada, tão difundida entre                                                                                                                1 O conjunto dos meios que geram e/ou produzem informações, Educação e entretenimento, on-line e off-line, sejam esses impressos eletrônicos, digitais ou audiovisuais (rádio, TV, cinema, jornais, revistas, blogs, sites, redes sociais, etc.). 2 Expressão-conceito cunhada por Paulo Freire, nos anos 1970, para evidenciar formas de opressão vivenciadas em determinados modelos escolares.

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crianças e adolescentes, inspira novos projetos a partir do uso pedagógico das Tecnologias da

Informação e Comunicação (TICs) nas escolas.

Seria justamente a partir da tendência da tecnologização do ensino que poderiam

emergir projetos inovadores, capazes de aliar às modernas tecnologias da informação e da

comunicação o desafio de criar possibilidades originais de circulação do conhecimento e

remodelar os modelos pedagógicos e o interesse das crianças e jovens na vida escolar

(TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2014). Os exemplos práticos desta tendência são inúmeros, no

caso brasileiro, e têm sido implementados em diversas regiões do país.

Nas aulas do professor Ricardo Nunes, do Colégio Internacional Vocacional Radial,

São Paulo, que atua do ensino fundamental 2 até o ensino médio, nas disciplinas de robótica e

informática, a teoria vira prática por meio de aulas colaborativas utilizando o “Google

hangout”, para interagir com colegas que estão em casa, datashow e lousa digital, nas quais os

alunos são desafiados a ganhar pontos de forma inovadora. Como relata Nunes (2015), “para

ganhar um ponto na média mensal, o aluno tinha que resolver desafios em forma de exercícios

e perguntas do professor sobre o tema, tirar dúvidas dos colegas e charadas”. Segundo o

professor, a dinâmica ajudou aos colegas que têm demonstrado dificuldade com o uso das

TICs nas salas de aula.

Com mais de trinta anos de magistério, a ex-Secretária de Educação e professora

Benedita Amélia Batista, da Escola Municipal Manoel Machado Homem, relata que o projeto

“Desenrolando a Matemática” é a fórmula que ela encontrou para tornar a disciplina mais

“gostosa” de ser digerida. Trata-se de trabalhar de forma lúdica, no laboratório de informática

da escola, com alunos dos 4º e 5º anos do ensino fundamental, os conteúdos da matéria. De

acordo com o informado pela professora, “As crianças não gostam da matemática porque não

aguentam mais ouvir ‘abra o livro na página tal’, mas com ajuda dos jogos, conseguem, sim,

entender com facilidade” (BATISTA, 2015).

Para a professora Luciana Taegtow, da escola Marcos Moog, em Novo Hamburgo,

Rio Grande do Sul, o ensino conectado da arte foi um dos caminhos encontrados para inserir a

comunidade escolar no uso das TICs. A escola integra o projeto ‘Um computador por aluno’3

                                                                                                               3 O Programa Um Computador por Aluno (Prouca), do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), auxilia estados e municípios a adquirir equipamentos, com recursos próprios ou com financiamento do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES). Instituído pela Lei nº 12.249, de 14 de junho de 2010, o Prouca tem por objetivo promover a inclusão digital pedagógica e o desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem de alunos e professores das escolas públicas brasileiras, mediante a utilização de computadores portáteis denominados laptops educacionais.

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e atende duas centenas de estudantes da Educação infantil, dentre os quais um número

relevante de portadores de necessidades especiais.

A professora compreende o uso das TICs sob uma perspectiva humanista:

“entendemos que em frente a cada computador tem um ser humano que precisa se expressar, e

não ser mero espectador. Nunca ficamos na máquina pela máquina”. Em seu relato, ela

menciona as facilidades oferecidas pelas TICs ao projeto pedagógico da escola e ao

desenvolvimento de um trabalho que comparava os autorretratos de pintores famosos com os

“selfies”. O trabalho, desenvolvido com pré-adolescentes de até 12 anos, foi tomado como

exemplo do momento em que os alunos superaram o interesse maior pelos jogos ao

descobrirem outras possibilidades de uso dos tablets escolares (TAEGTOW, 2015).

Vale destacar que o Programa Um Computador por Aluno (Prouca) integra um

conjunto de políticas ancoradas no Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo) –

inicialmente denominado de Programa Nacional de Informática na Educação, criado pelo

Ministério da Educação pela Portaria nº 522, em 9 de abril de 1997 – com o objetivo de

fomentar o uso pedagógico das TICs no ensino público fundamental e médio. O acesso ao

programa se dá a partir dos estados, sendo coordenado em cada unidade da Federação pelos

Núcleos de Tecnologia Educacional (NTE), que possuem, em sua estrutura, suporte técnico e

de especialistas, tanto na parte operacional quanto para a elaboração de projetos.

Em outros casos, a liberdade vivenciada pelas novas gerações nas mídias sociais

contrasta com o enclausuramento gerado por modelos pedagógicos vistos como atrasados, que

podem ser responsáveis por provocar o distanciamento e o desinteresse do aluno em relação à

realidade escolar. Isso, na opinião de estudiosos, resulta no imenso “fosso”, em parte

provocado por professores treinados apenas para transmitir conteúdos, como se fossem porta-

vozes do saber (SODRÉ, 2012).

Em alguns casos, a reconfiguração pedagógica atravessa as escolas, nas quais o ensino

conectado tem sido implementado por meio de ações vistas como “de cima para baixo”. O

risco maior relatado é que tais mudanças sirvam apenas de mural para a propaganda

governamental. Ou seja, não bastaria trocar o quadro negro pelo digital, o livro pelo tablet,

tampouco a biblioteca pelos buscadores da internet, se permanece intocada a essência das

dinâmicas opressoras dos antigos modelos, distantes da renovação que atenderia a questões

recorrentes como a autonomia e o protagonismo dos alunos, como afirmam os teóricos que

defendem a propalada Educação para o Século XXI (DELORS, 2006).

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Essas ações, quando implementadas com o suporte das TICs como ferramenta

didático-pedagógica, poderiam ir ao encontro das expectativas das comunidades escolares,

principalmente no ensino público, por fatores específicos:

[...] expandem o acesso à informação, permitindo que professores e alunos acionem diferentes fontes e aprofundem sua pesquisa e seu repertório [...] aproximam a experiência escolar da linguagem [cultura digital] do aluno [...] despertam o interesse do aluno, que redescobre o prazer de aprender ao lidar com novas ferramentas de aprendizagem, mais dinâmicas e interativas aos processos educativos que ocorrem dentro e fora da sala de aula [...] ampliam as possibilidades de expressão, experimentação e autoria do aluno [...] facilitam o relacionamento e a troca de informações e conhecimentos entre alunos, professores e outros agentes educacionais, viabilizando a criação de amplas comunidades de aprendizagem [...] permitem o aprendizado colaborativo entre professores, alunos e outros agentes educacionais [...] promovem a personalização do aprendizado, permitindo que cada aluno aprenda no seu ritmo e do seu jeito... (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2014).

É a partir desse cenário que se destaca o problema central desta dissertação: a

necessidade de adaptação da comunidade escolar, nesse caso o coletivo formado pelos alunos,

gestores e professores do Projeto Ginásio Experimental de Novas Tecnologias (GENTE4),

frente à reconfiguração das estratégias de ensino-aprendizagem a partir do uso das novas

tecnologias da informação e da comunicação (TICs) enquanto ferramentas pedagógicas no

ambiente escolar.

Criado em fevereiro de 2013, com o desafio de corporificar um novo modelo de escola

pública, o GENTE, objeto de estudo desta dissertação, é resultado de parcerias público-

privadas entre a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e empresas, fundações e

instituições sociais.

Dentre as demandas adaptativas postas como desafios para a comunidade escolar do

GENTE, destacam-se, em primeiro lugar, a mudança dos papéis sociais desempenhados pelas

professoras e professores, que, convocados a se afastarem do centro transmissor do

conhecimento e a dar espaço ao protagonismo dos alunos, podem manifestar certo

desconforto com esse processo. Em segundo, mas em mesmo grau de relevância, o fato de

que os alunos, por constituírem uma geração com características singulares, possuem

expectativas de participação social e necessidades de aprendizagem específicas voltadas para

a autonomia e o protagonismo que lhes permitiriam tornarem-se arquitetos dos seus próprios

conhecimentos.

                                                                                                               4 Ginásio Experimental de Novas Tecnologias, projeto piloto implementado na Escola Municipal André Urani, Rocinha, Rio de Janeiro, que atende alunos do 7º ao 9º anos.

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A pesquisa foi realizada utilizando-se a abordagem qualitativa, orientada à

investigação dos principais aspectos da adaptabilidade da comunidade escolar à

reconfiguração pedagógica, em curso no ambiente de ensino-aprendizagem por meio da

utilização das TICs, usando como técnica a observação participativa.

Assim, decidiu-se pelo estudo de caso, precedido de extensa pesquisa exploratória e

revisão bibliográfica para fins de avaliação prévia do desenho da pesquisa, o qual possibilitou

a melhor compreensão do objeto no que tange ao consumo de mídia (conteúdos oriundos da

TV e internet e não outros) e às modulações da mediação entre educadores e educandos no

ambiente escolar.

No entender de Peruzzo (2003), em todas as modalidades de pesquisa participante,

dentre elas a observação participativa, a investigação deve ocorrer no ambiente natural onde

se dá o fenômeno a ser investigado. Em outras palavras, deve-se observar “de dentro” o

objeto a ser estudado.

Além da observação participante, para a realização da pesquisa de campo foram

realizadas entrevistas semiestruturadas com os professores e gestores do GENTE, recrutados

com base no método bola de neve.

Segundo Penrod et al. (2003), o método bola de neve, também conhecido por “cadeia

de informantes”, permite a seleção dos atores participantes das entrevistas em profundidade

pelo papel social que representam, de acordo com o reconhecimento de seus pares, agregando

valor à amostra.

Em relação aos alunos, a observação se deu nos ambientes de ensino-aprendizagem,

sempre com a presença de professores. Ambos os grupos foram formados por voluntários, ou

seja, indivíduos que aceitaram participar sem qualquer tipo de ajuda de custo ou

financiamento5.

Os dados foram analisados com base na técnica do Discurso do Sujeito Coletivo

(DSC), com o uso do software Qualiquantisoft, desenvolvido para esse tipo de abordagem

metodológica, a qual propõe que os dados empíricos podem resultar em um tipo de discurso

que revela a complementaridade de discursos relevantes para os objetivos da investigação,

pois “se o discurso individual revela não somente a fala individual, mas o que há de coletivo

[...] os discursos individuais nada mais são do que discursos coletivos enunciados por apenas

uma pessoa” (GONDIM; FISCHER, 2009, p. 6).

                                                                                                               5 Os alunos entrevistados foram autorizados a participar por seu responsável legal.

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O objetivo principal é analisar o processo de adaptabilidade de educandos e

educadores frente a esse processo, por meio do estudo de caso do Projeto Ginásio

Experimental de Novas Tecnologias (GENTE), desenvolvido na Escola Municipal André

Urani, na Rocinha, Rio de Janeiro. O objetivo secundário é compreender como se dá a

mediação do consumo de mídia em um ambiente em que o uso das TICs ganhou centralidade.

Dentre as perguntas de pesquisa que, espera-se, sejam respondidas, destacam-se: de

que forma o educando se apropria do aparato tecnológico oferecido pelo Projeto GENTE?

Qual o papel do educador na mediação realizada no ambiente escolar ao aplicar as estratégias

pedagógicas por meio das TICs? Como se organizam as preferências de alunos e alunas em

relação aos conteúdos midiatizados? De que forma eles navegam no ambiente tecnologizado

para obtenção dos objetivos escolares e de vida? Como se dá a adaptabilidade de alunos e

professores frente à presença das TICs como estratégia pedagógica no ambiente de ensino-

aprendizagem? A utilização das TICs com a presença efetiva de um mediador resulta em

alterações dos padrões de consumo de mídia e demais conteúdos escolares (autopercepção dos

professores)?

A dissertação foi desenvolvida ao longo de quatro capítulos, mais a introdução e as

considerações finais. No primeiro, “A Educação para a mídia”, pretende-se apresentar os

eixos teóricos que referenciam a investigação nos campos da Educação e da Comunicação e

os referenciais da Educação para o Século XXI, assim como trazer à baila o contexto de uso

das TICs como ferramentas pedagógicas a partir de políticas públicas de Educação.

No segundo capítulo, “Consumo e hiperconsumo de mídia”, pretende-se discutir

aspectos do consumo e hiperconsumo de mídia, utilizando, para tal, teorias que abordam tanto

as relações entre sujeitos e consumo de mercadorias, quanto às relações entre sujeito versus

consumo de mídia.

No terceiro capítulo, “As TICs no ambiente escolar do Projeto GENTE”, pretende-se

contextualizar o problema da pesquisa, destacar as características principais que delimitam o

objeto de estudo, o modelo pedagógico, que tem na inovação uma de suas marcas, e os

princípios norteadores do projeto, em comparação aos modelos que serviram de inspiração

aos idealizadores do projeto, em posição dialógica, a sustentação de autores que discutem o

uso das novas tecnologias na Educação em consonância à construção de uma pedagogia

emancipadora, focada na autonomia e no protagonismo dos alunos.

No quarto capítulo, a metodologia, apresentam-se as estratégias utilizadas na pesquisa

de campo e os dados analisados referentes ao caso estudado, ou seja, as entrevistas e os

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documentos pertinentes ao Projeto GENTE, e a discussão das resultantes, à luz dos autores e

escolas que nortearam toda a pesquisa.

Nas considerações finais serão retomados alguns aspectos que tiveram mais

significado para o caso estudado, além de serem feitos alguns apontamentos, a título de uma

breve agenda de pesquisa referente aos desdobramentos possíveis em torno do campo da

Educação para a mídia.

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2 A EDUCAÇÃO PARA A MÍDIA

Neste capítulo pretende-se dialogar entre os campos da Comunicação e da Educação,

naqueles aspectos em que um adentra as fronteiras do outro, ou seja, os aspectos educativos

da comunicação e a multiplicidade comunicativa da Educação.

Ao destacar a Educação para mídia neste capítulo, supõe-se que esta possa atuar como

o diferencial que agregue significado à utilização das TICs nos espaços de ensino-

aprendizagem, tanto para os educadores quanto para os educandos, ao atuar como um

mecanismo catalisador que favoreça o despertar de uma consciência crítica, do consumo

responsável, solidário e consciente, promovendo a autonomia e o protagonismo infantil e

juvenil, face aos conteúdos disponibilizados nas diversas plataformas que coabitam os

espaços escolares.

2.1 UMA NOVA ARQUITETURA DO SABER

Neste estudo, para compreender as interfaces entre os campos da Comunicação e da

Educação, toma-se como essencial um referencial teórico composto por autores dos chamados

Estudos Culturais na América Latina, a exemplo de Martín-Barbero, Canclini, Orozco

Gómez, entre outros. A estes somam-se pesquisadores da área da mídia-educação, a exemplo

de Belloni, Fantin e Rivoltella, bem como da Educomunicação, tais como Soares e Orozco

Gómez, além de investigadores da área das literacias mediáticas, que utilizam o conceito de

alfabetização midiática informacional, como Wilson et al. (2013).

O conceito “estudos culturais” começa a ser estudado por volta de 1958, no

Birmingham Center for Contemporary Studies, voltado para investigações científicas sobre as

subculturas operárias, filiadas ao campo da sociologia, tendo como cenário a Inglaterra no

centro das lutas da classe operária no pós-Guerra (HOLLANDA, 2004).

Nas produções científicas das últimas duas décadas do século XX, na América Latina,

os estudos culturais passaram a dialogar multidisciplinarmente com diversos campos, dentre

os quais a sociologia, a antropologia, a literatura e a educação.

De acordo com Ortiz (1999), o vigor que os estudos culturais, produzidos no viés

inglês, ofereceu às pesquisas sobre comunicação social favoreceu a expanção do novo campo.

Não obstante reconhecer em Martín-Barbero e Canclini a legítima representação dos estudos

culturais na América Latina, Ortiz afirma que a multidisciplinaridade dos estudos culturais

latino-americanos se opõe ao enrijecimento das fronteiras disciplinares, “podemos chamar de

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sociologia da cultura, antropologia, estudos literários, comunicação, que entre nós se

desenvolveu de maneira distinta do que ocorreu nos Estados Unidos ou na Inglaterra”

(ORTIZ, 1999, p. 35).

Segundo Kellner (2001, p. 9), a cultura da mídia tem sido a matéria-prima com que

muitas pessoas constroem seus princípios, valores, visão de mundo e as percepções mais

arraigadas sobre o que acontece a si e a sua volta. De acordo com o autor, ao serem

percebidas como fonte privilegiada de informações relevantes e fidedignas, “as narrativas e as

imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos que ajudam a

constituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo”.

De acordo com Martín-Barbero (1996, p. 52), “[...] os novos educadores devem ser

capazes de compreender que há uma nova cultura juvenil irreversivelmente em formação,

vendo nelas mais que ameaças, mas novas e interessantes formas de fazer uma nova aula e

uma nova escola”.

No campo da Educação, a pesquisa utiliza como referencial o sentido de Educação

estruturado a partir do ideário pedagógico para o século XXI, conforme descrito no “Relatório

para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI”,

particularmente os critérios definidos como os quatro pilares da Educação:

Aprender a ser: [...] a Educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa – espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade. Todo o ser humano deve ser preparado, especialmente graças à Educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida [...] Para isso, não negligenciar na Educação nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se. Aprender a conhecer: [...] combinando uma cultura geral, suficientemente vasta, com possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias. O que também significa aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades pela Educação ao longo de toda a vida. Aprender a fazer: [...] a fim de adquirir, não somente uma qualificação profissional mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Aprender a viver juntos: [...] desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências – realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos – no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz. (DELORS et al., 2006, p. 99-102).

Destes, emergem diversos novos desafios cotidianamente vivenciados nos ambientes

escolares no tempo atual, dentre os quais a construção de novos paradigmas para a Educação,

por meio de projetos pedagógicos que visem desenvolver as capacidades e formar cidadãos

produtores de riquezas tangíveis e intangíveis necessárias à Educação para a vida (COSTA,

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2006). Como referenciais complementares, trazem-se à baila os relatos das vivências

socioeducativas ocorridas na Escola da Ponte6, em Portugal, nas últimas duas décadas

(ALVES, 2012), e, ainda, estudos realizados por Michel Serres (2012), sobre o uso da internet

por parte das crianças e adolescentes.

Nesta dissertação, buscou-se trabalhar com os termos mídia e mídias, especialmente

referindo-se ao primeiro com o duplo sentido de “agentes sociais de socialização” e, a partir

deste, como “agentes sociais da Educação” (SETTON, 2011, p. 7). Dessa maneira, entende-se

por mídia e/ou por mídias:

[...] todo o aparato simbólico e material relativo à produção de mercadorias de caráter cultural. Como aparato simbólico, considero o universo das mensagens que são difundidas com a ajuda de um suporte material como livros, CDs etc., a totalidade de conteúdos expressos nas revistas em quadrinhos, nas novelas, nos filmes ou na publicidade; ou seja, todo um campo de produção de cultura que chega até nós pela mediação de tecnologias; sejam elas as emissoras de TV, rádio ou internet. (SETTON, 2011, p. 7).

Ao mencionar a atuação da mídia como agentes sociais de socialização e,

simultaneamente, de educação, faz-se referência aos imbricamentos entre mídia, educação e

sociabilidade, presentes em ações que, por vezes, provocam rupturas e tensionamentos junto

aos demais atores sociais, tais como “a família, a religião e a escola [...] Desta forma a mídia

atuaria como instância transmissora de valores, padrões e normas de comportamento”

(SETTON, 2011, p. 8).

Para efeito de balizamento conceitual, adotamos como referência a seguinte definição

para o uso dos termos mídia ou mídias, de acordo com o texto publicado pela Organização

das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 2013, observando

que, para efeito deste estudo, se utilizarão também as TICs, valendo-se de cada significante,

de forma alternada, variando de número, buscando facilitar o entendimento dos leitores:

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) consistem em todos os meios técnicos utilizados para lidar com informações e facilitar as comunicações, incluindo os equipamentos de computadores e redes, bem como os programas necessários. Em outras palavras, as TICs consistem em Tecnologias de Informação, juntamente com a telefonia, as mídias de transmissão de todos os tipos de processamento e transmissão de áudio e vídeo. Elas enfatizam o papel das comunicações (linhas de telefone e sinais sem fio) na moderna tecnologia de informação. (WILSON et al., 2013, p. 193).

                                                                                                               6 Escola Básica da Ponte nº 1, em Vila das Aves, Portugal, que, nas últimas duas décadas, se tornou paradigma de excelência e referência na Educação do 1º ciclo do ensino básico, pela qualidade de suas práticas pedagógicas baseadas na autonomia, formação crítica e cidadã dos seus alunos.

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O conceito de mediação utilizado foi denominado “modelo da mediação múltipla” por

relacionar-se a “uma série de mediações intervenientes nos processos comunicativos, tanto a

partir do emissor quanto da mensagem e de sua circulação, bem como a partir da recepção, de

seus processos, de seus contextos, de seus cenários e de suas audiências” (OROZCO

GÓMEZ, 2014, p. 28).

Segundo Martín-Barbero (2014, p. 20), a mediação pode ser compreendida como

“pensar o acontecimento como práxis, ir além das formas para entrever as mediações que

religam a palavra à ação e constituem as chaves do processo de liberação”. Embora não sejam

excludentes, nesta dissertação trabalhar-se-á principalmente com o sentido dado por Orozco

Gómez.

As mediações são entendidas como “filtros” que atuariam como lócus de negociação

de sentidos, lugares que sofreriam pressão dos contextos socioculturais, variando de acordo

com a cultura do consumidor, sendo ele coparticipante das tensões postas entre divergentes

culturas locais ou dominantes (SETTON, 2011).

As relevantes contribuições dos estudos de recepção de Martín-Barbero e Geertz,

dentre outros, são usadas como recorte teórico para fins analíticos das relações entre a mídia e

a Educação, recorrendo à centralidade do consumo de mídia enquanto conceito explicativo

para a recepção de conteúdos midiáticos. A centralidade do consumo está relacionada à

intenção de evidenciar a amplitude da presença da mídia na vida cotidiana.

Os entrelaçamentos e imbricações causais e consequenciais entre os campos da

Comunicação e da Educação, sobretudo quando planejados para atender as demandas postas

como centrais da Educação para o Século XXI, nos ajudam a pensar sobre a construção de um

educando crítico, autônomo, consciente, sujeito da sua própria história, construtor e construto

da sua cidadania. Supõe-se que tais questões possam contribuir com aqueles que atuam,

investigam, formulam, implementam e/ou avaliam as políticas públicas em ambos os campos,

ajudando na compreensão sobre “– Que tipo de homem queremos formar? – Que tipo de

sociedade, para cuja construção, queremos contribuir?” (COSTA, 2008, p. 97).

Ao incluir no Relatório da UNESCO certa preocupação com o que chamou de

evolução técnica e com a suspeição de que seu grande poder midiático poderia se tornar ainda

mais abrangente no século em curso, Delors (2006, p. 99, notas) fazia referência aos riscos de

alienação presentes na exposição constante às “formas obsessivas de propaganda e

publicidade” ou, mais extremamente, ao “risco de expulsão do homem pelas máquinas, do

mundo do trabalho”. No entanto, encontra-se latente a necessidade de oferecer aos educandos

uma formação intelectual crítica. Noutras palavras, uma espécie de ponte que os auxiliasse a

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caminhar melhor na compreensão do mundo e a se posicionar como atores responsáveis e

justos.

Quando ressignifica os quatro eixos centrais do Relatório da UNESCO, Costa (2008)

afirma que o ser humano passa por uma crise ontológica no que se refere à sua totalidade.

Como caminho para a superação, sugere que é preciso reequilibrar as várias dimensões do ser

humano, tendo como inspiração a “infância feliz da humanidade” (COSTA, 2008, p. 16). O

autor sugere que há quatro dimensões que devem ser incorporadas às práticas educativas:

- logos, a dimensão do pensamento, do conceito ordenador e dominador da realidade pela razão, ciência e técnica; - pathos, a dimensão do sentimento, da afetividade, geradora da simpatia, da empatia, da antipatia e da apatia na relação do homem consigo mesmo e com os outros; - eros, a dimensão do desejo, das pulsões, dos impulsos, da corporeidade, da emanações vitais básicas, do élan vital; - mythos, a dimensão da relação do homem com o mistério da vida e da morte, do bem e do mal (COSTA, 2008, p. 16-17).

A referida proposta transpassa a interdisciplinaridade e assenta-se no enfoque que o

autor nomeia por interdimensional, que seria a forma de incorporar e atender às novas

demandas e desafios que os jovens educandos trazem consigo. O modelo aponta a

necessidade de se destravarem os sistemas de Educação, dilatando-os de forma a abrigar e

valorizar novos sentidos pedagógicos como “a sensibilidade, a corporeidade, a

transcendentalidade, a criatividade, a subjetividade, a afetividade, a sociabilidade, a

convivência e outras dimensões relacionadas principalmente com o pathos, o eros e o mythos”

(COSTA, 2008, p. 20).

Como refere Delors (2006), quando a Educação é posicionada como ‘um tesouro a

descobrir’ deve-se buscar um novo paradigma, a partir do qual seja viável enxergar além das

próprias expectativas e modelos, abrindo-se às novas práticas e experimentações, seja no

âmbito social, produtivo e cognitivo, de maneira compreensiva e intensa. Portanto, a

aplicação prática desses princípios estaria atrelada à construção de um percurso educativo em

que deveriam constar a aquisição de capacidades, pela incorporação de posturas, e o despertar

de aptidões resultantes das mediações ao longo dessa trajetória.

Desse modo, a aprendizagem seria então “o processo por meio do qual o educando

interage, assimila, incorpora, compreende, significa e domina um conteúdo [...] refere-se a

uma atividade de natureza interativa e aquisitiva” (COSTA, 2008, p. 22). Exemplos desta

prática educativa, que Costa (2008) denomina por interdimensional, podem ser encontrados

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em escolas onde as alterações nos padrões curriculares têm cedido espaços importantes a

saberes antes vistos como coadjuvantes. Esses espaços anteriormente eram reservados

prioritariamente à dimensão do logos, ou seja, às “estrelas” dos currículos, às ciências e

matemáticas, mas agora têm sido ocupados, por exemplo, pelo ensino da arte, que se situa nas

dimensões eros, pathos e mythos. Essa nova prática pode ser encontrada na Escola da Ponte,

em Portugal.

Ao corporificar a possibilidade de exercitar diversos saberes, sistemas, formatos,

inclusive “sentimentos, desejos, crenças, valores, significados e sentidos existenciais

profundos, sem que qualquer dessas dimensões recalque ou oprima as demais” (COSTA,

2006, p. 24), essa prática geraria os fatores que, pela criatividade, permitiriam transcender o

que antes eram habilidades em direção a uma nova atitude criativa diante da vida.

Na perspectiva da construção de uma nova arquitetura do saber, para que o educando

possa de fato encontrar oportunidades educativas de crescimento, a convivência constante

com a mídia como porta de acesso a novos conhecimentos seduz e convida os educandos e os

educadores a incorporarem práticas e linguagens comumente vivenciadas nos ambientes

digitais. Essas novas práticas, contudo, ainda podem simbolizar ameaça e desconforto. De

acordo com Delors (2006) e Costa (2008) – autores que defendem uma nova Educação –

romper com padrões consolidados e estabelecer novas práticas, desarmar-se em relação às

influências socioculturais percebidas como impertinentes e submeter-se à premente inclusão

digital são desafios postos à Educação.

2.2 AS TICS NO UNIVERSO ESCOLAR

Na opinião de Belloni (2010, p. 61), nas últimas décadas as mídias eletrônicas e

digitais têm atuado como mecanismos de socialização das gerações atuais por motivos

distintos, em parte, “porque ocupam a quase totalidade do tempo livre das crianças, mas

também porque fornecem os conteúdos [...] com os quais elas vão construir seu imaginário e

suas próprias representações”. De acordo com a autora, muitos pesquisadores estão se

afastando da linha de investigação que aponta a passividade da criança em relação à mídia, ou

seja, “do que as mídias fazem com as crianças” (BELLONI, 2010, p. 63), buscando entender

as crianças enquanto usuárias ativas, ou seja, na perspectiva “do que as crianças fazem com as

mídias” (BELLONI, 2010, p. 61).

De acordo com Wilson et al. (2013, p. 11), “vivemos em um mundo no qual a

qualidade da informação que recebemos tem um papel decisivo na determinação de nossas

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escolhas e ações, incluindo nossa capacidade de usufruir das liberdades fundamentais”. Tais

estudos conferem à influência das mídias o papel de agente transformador dos “modos de

perceber, de pensar, de aprender e mesmo de sentir e se relacionar [...]”.

Prensky (2001) e Palfrey e Gasser (2011) ilustram a relação que crianças e

adolescentes mantêm com as TICs, seja nos ambientes de ensino-aprendizagem, intra e

extraescolar, seja na vida privada cotidiana. Para os autores, essa nova geração é o que

podemos chamar de nativos digitais.

Você os vê em toda parte. A garota adolescente com o iPod, sentada à sua frente no metrô, digitando freneticamente mensagens em seu telefone celular. O inteligente garoto estagiário de verão do seu escritório, a quem você pede ajuda quando o seu programa cliente de e-mail falha. A garota de 8 anos que consegue bater você em qualquer videogame – e também digita muito mais rápido que você. Até a sua sobrinha recém-nascida em Londres, que você ainda não conheceu, mas a quem já está ligado devido à série de fotos digitais que chegam toda semana. Todos eles são nativos digitais [...]. (PALFREY; GASSER, 2011, p. 11).

Por sua vez, Serres (2012, p. 85) descreve sua personagem Polegarzinha7, que serve de

arquétipo para milhões de garotos e garotas com habilidades para acessar as tecnologias

digitais com mais destreza, familiaridade e interesse do que os adultos:

Observem, agora, a Polegarzinha usando o telefone celular e controlando, com os polegares, teclas, jogos ou motores de busca: ela utiliza sem hesitação um campo cognitivo que uma parte da cultura anterior, das ciências e das letras, por muito tempo deixou adormecido e que se pode denominar ‘procedural’. Esse manuseio, esses gestos só nos serviam, antigamente, no ensino fundamental, para colocar de maneira correta as operações simples da aritmética e, eventualmente, organizar artifícios retóricos ou gramaticais. Em vias de concorrer com o abstrato da geometria, tanto quanto com o descritivo das ciências não matemáticas, esses procedimentos invadem, hoje, o saber e as técnicas. Formam o pensamento algorítmico. Este começa a compreender a ordem das coisas e a servir às nossas práticas.

As narrativas de Palfrey e Gasser (2011) e de Serres (2012), criadas para ilustrar as

relações de consumo de crianças e adolescentes com as TICs, demonstram também a

oralidade difusa na internet, enquanto “espetáculo integrado” (DEBORD, 1992, p. 172), que

grassa em escala planetária, “lócus de encontro, de procura e de troca [...] fonte permanente

de informação, segurança, interrogações, afetos...” (ALVES, 2012, p. 108). Embora

descontínuas, dispostas na sequência de multiplicidades conexas, efervescentes e

                                                                                                               7 Polegarzinhas e Polegarzinhos serão utilizados nesta dissertação como conceito, e não como personagens, e dizem respeito aos personagens criados pelo filósofo francês Michel Serres para descrever a impressionante habilidade das crianças ao enviar mensagens de texto, pelo celular, utilizando os polegares.

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fragmentadas, ainda que meramente ilustrativas, as ações desses personagens poderiam ser

consideradas comuns à vida de crianças e jovens contemporâneos que frequentam escolas nos

cinco continentes, não obstante as diferenças culturais e socioeconômicas que limitam

condições de acesso e de consumo midiático.

Do local ao global, com ou sem portas, muros ou salas, em todos os ambientes de

ensino-aprendizagem em que os educandos sorvem a intertextualidade fragmentada que

permeia a cotidianidade, leituras de formas industrializadas da cultura são consumidas

diariamente, num dia letivo qualquer. Deste e de outros modos, as interatividades se

modificam por meio desses intercâmbios, transformando-se em redes (CANCLINI, 2008).

Nessa mistura de mosaico, labirinto e caleidoscópio, os saberes são distribuídos. Espaços de

proximidades imediatas são erguidos (SERRES, 2012).

Ao contrário de alguns adultos que, de maneira geral, permanecem agarrados a velhos

padrões e prontos a criticar ou suspeitar de tudo que pareça novo, os “polegarzinhos” se

mostram dispostos a inventar novos laços, justificando, de certa forma, o fenômeno de atração

exercido sobre eles pelas redes sociais como facebook, tumblr, instagram etc., especialmente

a primeira (SERRES, 2012, p. 22-23).

Nesses espaços de alteridade mediada pelas tecnologias, os educandos de diversas

escolas que têm rotinas semelhantes às dos personagens de Serres (2012) deslocam-se

continuamente entre distintos papéis. Frente à oferta formativa dos meios, esses sujeitos são

consumidores de conteúdos midiatizados, ora leitores, espectadores ou internautas, e

aproximam-se uns dos outros também na condição de autores e produtores. Sujeitos que

alocam o sentido dos conhecimentos em permanente negociação entre línguas e imagens. “Na

mesma pessoa combinam-se a leitura que se ouve num disco, livros escaneados, publicidade

da televisão, [...] uma variedade de imagens textos e saberes que formigam na palma de sua

mão” (CANCLINI, 2008, p. 12-13).

Falamos de uma época com características singulares, em que indivíduos desfrutam

das facilidades da “infovia global”, que descentraliza e multiplica o poder da informação e da

alegria da comunicação interativa (CASTELLS, 1999, p. 430). Um jeito de ser que pode

significar apenas reproduzir vozes. Para ‘pessoas que viram coisas demais’ (GEERTZ, 1996,

apud CANCLINI, 2008, p. 14), sem tempo suficiente para olhar apenas uma de cada vez, o

hábito de transitar continuamente entre bilhões de sites, redes sociais e assemelhados, que se

proliferam na rede de modo incontrolável, poderia tornar-se algo fascinante e, ao mesmo

tempo, desorientador.

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Desse modo, a velocidade da informação, a dinâmica de navegação e a multiplicidade

de plataformas “transformaram as formas de aprendizado formal e informal de todos nós [...]

exigindo, pois uma nova forma de pensar sobre os processos de formação do homem da

modernidade” (SETTON, 2011, p. 22).

Em tempo de mudanças velozes, em que a economia criativa da tecnologia

revoluciona a Medicina com a nanotecnologia e os eletrônicos vestíveis da gigante do setor,

Google8, invadem a cotidianidade, Morin (2000, p. 74) acredita que “[...] os seres humanos

servem-se das máquinas, que escravizam energia, mas são, ao mesmo tempo, escravizados

por elas”. Para o autor, uma das questões relevantes e estratégicas do ser humano continua a

ser o acesso à informação e à possibilidade de transformá-la, gerando valor individual e

coletivo.

Caem as fronteiras. Diferentes culturas se misturam. O caráter multimodal que

fomenta a troca das informações que se encontravam encasteladas em livros, filmes, peças de

teatro, discos e outras mídias off-line multiplica o acesso a esses conteúdos de forma

infinitesimal. Modos de ser, ver, ler e escrever se modificam.

Em função de tantas transformações, os chamados neodigitais, ou seja, indivíduos que

nasceram e/ou cresceram nas décadas pré-internet em rede, sentem-se pouco à vontade na

convivência com os novos dispositivos tecnológicos ou gadgets9. Para eles, a mensagem que

emerge do tecido social é clara: “o mundo desconectado não existe mais!”. Para Canclini

(2008), esses indivíduos precisam se adaptar para conseguir habitar, pois não existem mais

espaços de desconexão.

Em posição dialógica à visão de Canclini, Serres (2013, p. 49) conclui que o saber

fragmentado, espalhado em toda parte, como móbiles incontroláveis, sinaliza aos educandos e

educadores que “a sala de antigamente morreu, mesmo que ainda a vejamos tanto, mesmo que

só saibamos construir outras iguais, mesmo que a sociedade do espetáculo ainda procure se

impor”.

Sendo assim, diante da inevitável presença das TICs na cotidianidade, e a partir de sua

presença no ambiente escolar, somente restaria aos educadores apoderarem-se dos aparatos

tecnológicos e pôr em prática suas possibilidades didático-pedagógicas para construir

                                                                                                               8 GOOGLE EMPRESA, cuja missão é “organizar as informações do mundo e torná-las mundialmente úteis e acessíveis”. 9 A expressão gadgets significa dispositivos tecnológicos portáteis vistos como inovações, tais como celulares, tablets, pagers, PDAs, smartphones, tocadores de MP3 e MP4. Da língua inglesa, idioma original da palavra, quer dizer “geringonça eletrônica”.

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estratégias que auxiliem nos processos de aprendizagem de seus alunos? Essa é uma das

questões norteadoras da pesquisa empírica que embasa o presente trabalho.

De acordo com Serres (2012), as transformações tecnológicas e as rupturas resultantes,

ocorridas em um tempo histórico tão curto, tornam inevitáveis as tensões frequentes entre pais

e filhos, educadores e educandos. Para esses últimos, de modo geral, o ensino escolar ainda é

oferecido “em estruturas que datam de uma época que eles não reconhecem mais: prédios,

pátios de recreio, salas de aula [...] os próprios saberes” (SERRES, 2012, p. 24). Para o autor,

levando-se em conta tal cenário, do ponto de vista da Educação emergem três questões: o que

transmitir, a quem transmitir e como transmitir.

A reconfiguração tecnológica que se encontra em curso e se propõe ao uso intensivo

das TICs em grande escala tem se apresentado como promissora para o fazer pedagógico.

Como exemplo, citamos a produção de conteúdos diversos, a partir de diferentes dispositivos

e técnicas, retratando as realidades individuais e coletivas no ambiente educacional; a prática

de compartilhamento dos conteúdos captados a partir do espectro midiático e sua consequente

decodificação e ressignificação; a desconstrução dos conteúdos das aulas convencionais; a

ressignificação de sentidos dos conteúdos da TV e da internet; a classificação qualitativa de

produtos e conteúdos; o consumo de mídia consciente e sustentável, entre outros.

A presença das TICs no ambiente escolar justifica-se pela necessidade de atender a

questões pertinentes às novas formas de ensino-aprendizagem, agora mediadas pelas

linguagens audiovisuais e digitais. No entanto, a relação educandos/educadores permanece

também sendo atravessada por essas novas práticas, exigindo adaptação das comunidades

escolares aos novos modelos.

Para a inclusão compreensiva quanto ao uso das mídias na cotidianidade do ambiente

escolar seria desejável a capacitação dos educadores para a mediação das práticas mídia-

educativas junto aos educandos. Dessa forma, seria possível caminhar na direção de um

consumo crítico e consciente diante das infinitas opções oferecidas pelo universo midiático

(SOARES, 2011).

2.3 O DISCURSO DA MÍDIA E A PRODUÇÃO DE SENTIDO

Os paradigmas da Educação para o Século XXI (COSTA, 2008) apontam para o

protagonismo do aluno no processo de aprendizagem. A partir dessa posição, qual seria o

papel da mídia na construção do conhecimento? De que forma o aprender a aprender estaria

relacionado ao consumo dos conteúdos veiculados pela mídia? Em que momento as mídias

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atravessariam a fronteira da Comunicação e ocupariam o lugar dos educadores, mesmo que

transitoriamente, atuando no processo de construção de conhecimentos por meio da

autodidaxia? (PERRIAULT, 1998 apud BELLONI, 1998).

Autodidaxia deve ser entendida como o ato do internauta, ou do leitor, ou do

espectador, de apreender conteúdos e ressignificá-los, alocando-os cognitivamente,

autonomamente, ou seja, aprendendo e educando-se durante o consumo dos conteúdos dos

meios, de modo independente em relação à educação formal.

Segundo Lévy (2011, p. 27), por meio das contínuas interações com a informação,

com os signos e com os meios desenvolvem-se habilidades e adquirem-se conhecimentos. De

acordo com o autor, “toda atividade, todo ato de comunicação, toda relação humana implica

um aprendizado”.

De acordo com Belloni (2010, p. 223), a autodidaxia diz respeito também às formas de

aprender, referindo-se ao uso escolar das TICs, ou seja, sobre “[...] as próprias formas de

aprender a utilizar as máquinas e todos seus recursos. Esse é o ponto de vista da autodidaxia

[...]”.

Ao referir-se às mídias como “uma nova matriz cultural”, destacando seu papel

socializador, afirma Setton (2011, p. 10):

Elas têm interesses e mensagens que consideram importantes, calculam estrategicamente como essa intenção chegará ao receptor, mas jamais saberão como foram compreendidas, apropriadas e interiorizadas pelos indivíduos. A prática de transmitir conhecimentos e valores que as mídias se propõem é um ato pedagógico e, portanto, também comunicativo.

Belloni e Gomes (2008) destacam aspectos colaborativos dentre as estruturas

comportamentais presentes na dialogia entre mídia – nesse caso referindo-se às TICs – e seus

consumidores, ocorrências especialmente evidentes nos públicos infantil e juvenil. Isso

originaria o que referiram como novos modos de aprender, a partir da hipótese de que

“ambientes de aprendizagem computacionais tendem a ser eficazes para esta aprendizagem,

pois possibilitam a mediação entre o sujeito e o objeto do sujeito a ser construído”

(BELLONI; GOMES, 2008, p. 1). Segundo as autoras, esse modelo de aprendizagem

dissemina-se por meio de práticas espontâneas, voluntária e involuntariamente, em ambientes

para além do espaço escolar, como, por exemplo, no consumo infantil de TV, games, redes

sociais, blogs, vlogs e demais produtos midiáticos. Não depende, portanto, do consentimento

direto de quaisquer instâncias de poder formal e legalmente constituído, seja escola, tampouco

família ou governo. Nesse caso, para existir a autodidaxia -– também descrita como

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metacognição – seria preciso apenas haver o sujeito consumidor e a conexão ou ligação

estabelecida com o meio ou produto da mídia, em um processo assim descrito:

A metacognição intervém na faculdade de aprender a aprender: a reflexão e a verbalização das condutas e processos cognitivos permitem que o sujeito aprendente avance em seu processo, internalizando as etapas vencidas e projetando ainda por desenvolver. (PERRIAULT, 1998 apud BELLONI; GOMES, 2008, p. 717).

Ao pensar a internet como uma grande enciclopédia e o internauta como sujeito

migrante, Canclini (2008, p. 15) nos ajuda a entender as relações dos indivíduos com os

fluxos comunicacionais: “Como reorganizar os saberes para dar lugar aos múltiplos

conhecimentos e modos de conhecer que desafiam as hierarquias instauradas pelas ciências

modernas: [...] as hibridações entre vários sistemas classificatórios praticados por

migrantes?”.

Segundo Orozco Gómez (2014), para entender as sociedades contemporâneas faz-se

necessário perceber a centralidade do ato comunicativo, sendo mister, para o educador,

entender o que ele chama de “condição comunicacional”, a qual facultaria aos consumidores

de mídia a ampla possibilidade do intercâmbio comunicativo, algo mais que reinterpretar,

ressignificar ou traduzir simbolicamente conteúdos. Para o autor, essa condição tornaria

possível superar a prática da produção de conhecimento fundamentado apenas no ensino

escolar e deixar para trás os limites impostos por modelos baseados na memorização e cópia,

pois “Era preciso assumir que de qualquer programa aprende-se, mesmo que não seja

‘educativo’, [...] abrir o próprio conceito de Educação, [...] romper seus limites como um

processo instrutivo, para poder abarcar quase todos os processos da vida” (OROZCO

GOMÉZ, 2014, p. 23, 31).

Na visão de Martín-Barbero (2014, p. 125), a partir de uma perspectiva histórica,

“estamos diante de um processo de produção em que o conhecimento está passando ao lugar

que ocuparam primeiro, a força muscular humana e, depois, as máquinas”. Isso implicaria na

revolução tecnológica onde ocorrem mutações nos modos de circulação do saber, ainda que

este continue a ser um mecanismo de manutenção do poder. O autor defende que esse

descentramento realoca o saber antes enclausurado no livro e na escola. Contudo, estaríamos

diante de um processo que não substituirá o livro, mas que suprime a centralidade deste,

transformando-o, de uma “pilha de saberes-sem-lugar-próprio” (MARTÍN-BARBERO, 2014,

p. 127). na aprendizagem que não cessa ao longo da vida.

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Segundo Morin (2000, p. 52), a cultura carrega junto a si a história, as tradições, os

modos de vida, o que é transmitido, apreendido, e comporta normas e princípios de aquisição,

ao considerar que o “homem somente se realiza plenamente como ser humano pela cultura e

na cultura”. Desse sentido de cultura a que o autor se refere poderiam se originar outros

sentidos, como os conteúdos midiatizados que produzem significados – ressignificados por

aqueles que os consomem –, que atravessam a sociedade, que educam, que transformam a

cultura em distintas culturas, de modo singular e múltiplo, individual e coletivo,

simultaneamente.

Portanto, a cultura “se apresentaria também como resultado das diferenças de sentido

ou diferenças de usos entre os diversos indivíduos que a produzem e a consomem” (SETTON,

2011, p. 18), não se limitando somente à materialidade dos objetos, valores e demais riquezas

materiais de uma sociedade. Noutras palavras, as diferenças de sentidos, quando mediadas

pelos discursos que conduzem os sentidos difundidos pela mídia, tornam-se relevantes

culturalmente por expressarem valores e posicionamentos próprios desta última.

Conforme sugere Cortella (2006, p. 45), cultura pode ser entendida como bem de

produção. No entanto, “[...] como em nossa civilização a transmissão da cultura não ocorre

por hereditariedade e genética, cada geração, não podendo limitar-se a consumir a cultura já

existente, necessita também, recriá-la e superá-la”. Para o autor, parte constituinte da cultura é

imprescindível para a interpretação da realidade, uma vez que o conhecimento apresenta-se

lado a lado com a Educação – em suas múltiplas formas –, sendo esta o veículo a transportá-lo

e reproduzi-lo.

Ao perceber o tecido midiático como matriz cultural é necessário considerá-lo como

“um sistema de símbolos com linguagem própria, distinta das demais matrizes da cultura

(imagem, som, texto, e a mistura de todos eles) que compõem o universo socializador do

indivíduo contemporâneo” (SETTON, 2011, p. 14).

Quando utiliza o conceito de “espetáculo” de Debord (1992), deslocando-o para a

observação das relações mídia-sociedade nos dias atuais, Serres (2012, p 18), sugere que a

sociedade do espetáculo se transformou em uma sociedade pedagógica, devido a sua presença

sempre grandiosa, ao tempo em que a mídia há muito teria assumido a função de ensino.

Nesse cenário “instituidor dominante”, os professores seriam os atores que angariam menos

audiência.

Martín-Barbero (2014, p. 10) acredita que há em movimento uma rede educativa que

perpassa todos os segmentos sociais e todas as relações na cotidianidade: “A idade para

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aprender são todas e o lugar pode ser qualquer um – uma fábrica, um hotel, uma empresa, um

hospital –, os grandes e pequenos meios ou a internet”.

Segundo Belloni e Gomes (2008), o sujeito contemporâneo traz consigo parte da

herança resultante das mutações da relação com o meio TV. Esse sujeito aprendeu a conviver

de modo natural com a TV e com o computador em seu cotidiano. Dessa forma, passou a se

apropriar, serena e intimamente, das TICs, sendo percebido pela indústria cultural como ator

relevante no mapa do consumo.

Ao significar e ressignificar conteúdos vários, esse consumidor é capaz de assentá-los

na memória, dando vazão ao ato cognitivo ao juntar, num mesmo espaço de percepção,

diferentes leituras de diferentes meios, cuja simbiose de ações e linguagens “redefiniu o lugar

onde se aprendiam as principais habilidades – a escola – e a autonomia do campo

educacional” (CANCLINI, 2008, p. 22).

O antropólogo Grant McCracken (2003, p. 120), rompendo os limites estabelecidos

por Thorstein Veblen (1965), a quem atribui ser o “pai-fundador” do campo de estudo das

relações pessoa-objeto, sugere atentar para a “qualidade alienável, móvel e manipulativa do

significado [...] em três instâncias: o mundo culturalmente constituído, o bem de consumo e o

consumidor individual”.

Ao vislumbrar um futuro que acaba por transformar-se em presente, Debord (1992)

conclui que a transformação que mais impactou as últimas duas décadas encerra-se na própria

manutenção do espetáculo. Isso diz respeito ao aperfeiçoamento do aparato tecnológico que,

no mundo pós-moderno, atingiu níveis superlativos, com a submissão de toda uma geração à

sua lógica dominante. “As condições extraordinariamente novas em que viveu essa geração

constituem um resumo exato e suficiente de tudo o que doravante o espetáculo impede; e

também de tudo o que ele permite” (DEBORD, 1992, p. 172).

Os herdeiros do tempo-espetáculo descrito por Debord (1992) são as crianças e

adolescentes que constituem esse novo sujeito consumidor, visto como um corpus capaz de

consumir mídias diversas, por vezes autointitulando-se multitarefas, possuidores de

habilidades para desempenhar múltiplas atividades mentais simultâneas.

Sobre o comportamento de crianças e adolescentes frente ao apelo midiático, Belloni e

Gomes (2008, p. 719) afirmam serem eles capazes de conferir afeto às personagens que se

habituam a consumir por meio da mídia: “Vão construindo seu imaginário a partir destas

significações, misturando ficção com realidade, super-heróis e personalidades políticas,

catástrofes com violência fictícia”.

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Dessa forma, considerando que os públicos infantil e juvenil poderiam encontrar no

consumo de mídia ao mesmo tempo meio e parceiro constante das suas experiências de

aprendizagem, a autodidaxia descrita por Belloni e Gomes (2008) demonstra que, na verdade,

eles utilizariam as TICs de forma análoga ao que fazem cotidianamente, por exemplo, com o

livro.

Segundo Goulemot (1996, p. 108), referindo-se à relação do sujeito leitor com o livro,

“ler é dar um sentido ao conjunto, uma globalização e uma articulação aos sentidos

produzidos pelas sequências”. Ao deslocar o sentido dado pelo autor para a igualmente

polissêmica leitura, quando o sujeito midiático encontra-se diante de uma ou mais telas, seja

no contato com o meio TV, cinema, celular, tablet, ou assemelhados, ao percorrer o caminho

da leitura entre o sujeito leitor e o ato de ler o resultado poderia adquirir sentidos distintos. Ou

seja, independente das intenções do autor, para que diferente fosse “implicaria que o prazer de

ler o texto se originasse na coincidência entre o sentido desejado e o sentido percebido, em

um tipo de acordo cultural”.

Supõe-se que, em tempos de convergência (JENKINS, 2008), os conteúdos

negociados no tensionamento que transcorre do deslocamento de sentidos e significados – por

meio digital, analógico ou, ainda, provenientes de quaisquer outras linguagens e suportes,

quando consumidos pelo leitor – de certa forma conduziriam saberes diferentes dos iniciais.

Ou seja, “as informações, fragmentadas, convergem para um mesmo aparelho e,

simultaneamente, este aparelho consegue reelaborar, em novo formato e ricas em significado,

essas informações” (ROCHA; PEREIRA, 2009, p. 69).

Jenkins (2008, p. 27), ao mencionar o fenômeno da convergência dos meios, refere-se

à corrente de conteúdos diversos que navegam por diferentes tipos de suportes midiáticos. De

acordo com o autor, tal convergência diz respeito também à “cooperação entre múltiplos

mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação,

que vão a quase qualquer lugar parte em busca de experiências de entretenimento do que

desejam”.

A partir do pressuposto de que o ato de ler, seja livro, seja tela, é sempre constituir, e

não reconstituir um sentido (GOULEMOT, 1996), supõe-se que o ato de educar seja um

verbo praticado igualmente para além do espaço escolar.

Dialogando com Goulemot (1996), Farbiarz, Farbiarz e Nojima (2003, p. 5) sustentam

que no esquadrinhamento dos nexos da produção de sentidos, “a partir do uso de

computadores como mídia de leitura [...] das implicações causadas pelas novas tecnologias do

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livro digital, a percepção do suporte na produção de sentidos se torna mais aparente e

relevante”.

Em relação ao que Goulemot (1996) chamou de “biblioteca”, o contato com a leitura e

o encontro com as memórias e outros bens culturais também poderia ocorrer ao assistir um

programa de TV ou acessar determinado site na rede. Tal polissemia, de modo análogo, se faz

presente nas demais relações de consumo midiático. Essas memórias permitiriam emergir

outro sentido que até então permanecera latente e circunscrito a determinado repertório ou

biblioteca.

Segundo Canclini (2008), as categorizações que posicionam o leitor como sujeito

ativo, pensante, e o espectador como passivo, submisso, perdem efeito quando a leitura e o

espetáculo são consumidos juntos pelo internauta por meio da “portabilidade cultural”

disponibilizada pelos meios.

Para perceber esse efeito, faz-se necessário posicionar a pedagogia vista como

discurso, que, segundo Foucault (1999), seria formação discursiva, a multiplicidade de

sistemas de relações que se pode estabelecer entre enunciados localizáveis em seus domínios

correlativos. Pedagogia que, ao figurar no papel de discurso, é passível de ser interpretada

como retórica, ou técnica de persuasão, aproximando-se ao que Sodré (2012) qualifica como

“logotécnicas” ou “tecnologias discursivas”, conceitos presentes no tecido dialógico das

diversas ferramentas da comunicação, do marketing, da publicidade e das demais

manifestações audiovisuais, tanto no ambiente on-line quanto off-line.

Nesse caso, a Educação é visitada em seus aspectos cotidianos, quando

“pragmaticamente vida e comunicação se equivalem, na medida em que aquilo que se

transmite entre os indivíduos e as gerações são hábitos de fazer, pensar e sentir” (DEWEY,

2004 apud SODRÉ, 2012, p. 122).

O sistema de Educação apresenta-se como uno e múltiplo, pois “há tantas espécies de

Educação, em determinada sociedade, quantos meios nela existirem” (DURKHEIM, 1978, p.

38). Uno no que se refere aos portadores individuais do saber, múltiplo por não se limitar a

um determinado lócus de difusão de saber.

Ao supor como provável a afirmação que aponta a escola apenas como um dos meios

para a prática da Educação, é possível presumir que a mídia também opere como outro desses

meios, principalmente – dentre diferentes motivos – por sua multipresença cotidiana.

Dessa forma, conjetura-se que esse fenômeno se multiplica, atravessando espaços e

ambientes onde quer que haja um consumidor “plugado” ou “antenado”, do primeiro ao

último segundo de cada contato, de cada relação de consumo.

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A mídia é observada como médium, do latim, simultaneamente veículo de divulgação

e meio social, meio que ora conduz à mensagem e, por vezes, é a própria mensagem, capaz de

captar a atenção do consumidor de tal forma a produzir efeito semelhante a uma massagem

condicionadora10. Dito de outra forma, meio que condiciona não pelo que informa, senão pelo

modo como o faz, como propõe McLuhan (1969), justapondo emissores e receptores da

comunicação numa espécie de ‘hipnose’, que ocorre de maneira semelhante tanto no consumo

midiático quanto nas relações educando-educador (DURKHEIM, 1978).

A Educação em sentido amplo é – na perspectiva politicamente liberal de Dewey, sustentada pelo pragmatismo de William James, assim como pelo evolucionismo biológico de Charles Darwin – o instrumento dessa continuidade vital, que requer comunicação ativa e adaptação dos indivíduos ao meio em que vivem. Por isso, toda comunicação é educativa, ou, como ele explicita, ‘há mais do que um vínculo vocabular entre comum, comunidade e comunicação’. Viver em comum educa por si só – a escola é apenas um meio particular de atingir essa mesma finalidade. (SODRÉ, 2012, p. 122).

Parte de uma “torrente informacional”, de acordo com Orozco Gómez (2014), a

aprendizagem se dá de modo aberto, ininterrupto e independente do ambiente escolar, como

no caso dos meios de comunicação de massa, das TICs, das redes sociais, que, sem

ostentarem o título de educadores, permanecem educando. Embora, reconhece o autor, o

produto dessa Educação seja objeto de polêmica, “As aprendizagens estão em concorrência

[...] Às vezes ganha a escola, outras vezes a família, outras ainda a religião. Faz tempo que

quase sempre ganham os meios de comunicação” (OROZCO GÓMEZ, 2014, p. 25).

Retomando o conceito da autodidaxia descrito por Perriault (1998 apud BELLONI,

1998), as semelhanças entre as relações mídia-consumidor e educador-educando, grosso

modo, transformariam a mídia numa espécie de macroescola e o sujeito do consumo seria

permanentemente educado pela atribuição de sentido que ocorre na absorção de

conhecimentos produzidos coletivamente.

Essa escola distinta da congênere formal multiplica o acesso ao conhecimento e à

formação cultural por meio do avanço da comunicação digital e eletrônica, de forma que “os

jovens adquirem nas telas extracurriculares uma formação mais ampla, em que conhecimento

e entretenimento se combinam” (CANCLINI, 2008, p. 24).

Com isso, podemos relacionar a mídia a um tipo de autoridade da cultura, como

sugerido por Morin (2000, p. 37), quando se refere à sociedade: “meio com características de                                                                                                                10 Como recorte epistemológico, consideramos como constituintes do termo mídia todos os meios de comunicação que atuam nos ambientes audiovisuais (rádio, TV e cinema) e os pertinentes aos que regularmente aparecem incluídos sob a denominação de TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação).

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ente global, mais que contexto, um todo organizador do qual fazemos parte”. Por analogia,

pode-se imaginar que desde a primeira geração da TV às mais recentes, somando-se o

advento da internet, o consumidor midiático poderia estar sendo educado pelos meios a partir

do autoaprendizado.

Chama a atenção o fato de que os conteúdos dessa autodidaxia venham sendo histórica

e prioritariamente pautados pelos meios, em boa parte pela busca de carrear audiências ou

pelos interesses estratégicos e corporativos dos conglomerados de mídia. Contudo, cabe

ressaltar que parte significativa desses conteúdos não tem vinculação com os currículos

escolares tradicionais, tampouco com os pressupostos da Educação para o Século XXI

(COSTA, 2008) ou com o que determina a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) (BRASIL, 1996).

A autodidaxia atinge de modos distintos o consumidor ativo e o passivo. No entanto, é

à superação da passividade dos consumidores que forma os públicos infantil e juvenil que

pesquisadores como Soares (2011), Belloni e Gomes (2008) e Rivoltella e Fantin (2012) têm

se dedicado. Uma dessas possibilidades de superação da passividade diante dos meios

encontra-se no próprio hábito de consumo midiático do sujeito contemporâneo. Ao discordar,

Setton (2011, p. 25) sustenta que “os indivíduos que consomem os produtos das mídias não

são passivos. Eles interpretam os conteúdos das mensagens a partir de uma bagagem de

valores apreendidos em outras instâncias socializadoras”. Todavia, é possível imaginar que

em algumas crianças, iniciadas nas práticas de consumo midiático ainda na mais tenra idade,

antes inclusive da vida escolar, tais “instâncias socializadoras” sequer tenham tido

oportunidade de se instalar. Nesse caso, elas se tornam sim vulneráveis e passivas frente à

convivência com os conteúdos das mídias.

Na opinião de Pereira (2000), é na interface entre a mídia e a Educação que reside a

importância para o desenvolvimento da capacidade crítica do sujeito midiático11. O caso mais

emblemático seria o de consumo de propaganda por crianças, visto que elas são mais

vulneráveis que os adultos em função da repetição do conteúdo publicitário consumido

diariamente.

Neste capítulo discutiram-se os entrecruzamentos dos campos da Educação e da

Comunicação, destacando-se os efeitos da autodidaxia e as características comunicativas da

Educação praticada pelos meios. Demonstrou-se a centralidade do consumo de mídia e, a partir

desta, da atribuição de sentidos e da ressignificação destes na transitividade de conhecimentos e

saberes por meio da informação que é consumida pelo sujeito contemporâneo.

                                                                                                               11 Tratamos o consumidor médio de produtos da mídia por sujeito midiático.

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3 CONSUMO E HIPERCONSUMO DE MÍDIA

Neste capítulo pretende-se discutir aspectos do consumo e hiperconsumo de mídia,

utilizando, para tal, teorias que abordam tanto as relações entre sujeitos e consumo de

mercadorias quanto as relações entre sujeito versus consumo de mídia. Referenciado na teoria

crítica, discutir-se-ão os hábitos e preferências que regem o consumo de mídia comparando-o

com os hábitos e preferências no consumo de produtos no tempo atual, considerando que no

mundo contemporâneo “[...] o humanismo da mercadoria se encarrega dos ‘lazeres e da

humanidade’” (DEBORD, 1992, p. 31).

Para Kellner (2001, p. 27), o mundo atual desenvolveu características singulares face à

circulação simultânea de informações entre os diversos meios: “No mundo da convergência

das mídias, toda história importante é contada, toda marca é vendida e todo consumidor é

cortejado por múltiplos suportes de mídia”.

A relevância de se analisarem aspectos do consumo de mercadoria, tomando-os como

parâmetro para a análise do consumo de mídia que atravessa a cotidianidade, diz respeito aos

processos adaptativos inerentes à presença das TICs no ambiente escolar.

3.1 CONSUMO E ESPETÁCULO

O ponto de partida é a teoria do espetáculo criada por Debord (1997), que sugere que

há tempos a sociedade transformou-se em uma sociedade atravessada pelo espetáculo e

dominada pela mídia. Ele descreveu, no início dos anos 1970, que a sociedade do consumo

atingiria sua plenitude no início do século XXI, com o que chamou de “sociedade do

espetáculo”. Assim, passaria a ressignificar a totalidade das relações de consumo, pois “o

mundo presente e o ausente que o espetáculo faz ver é o mundo da mercadoria dominando

tudo o que é vivido [...] a Terra como mercado mundial” (DEBORD, 1997, p. 28-29).

Esse mercado, cuja operacionalidade é descrita, é o lugar onde as mercadorias e seus

subprodutos midiático-culturais “conseguem integrar-se em uma diversidade de espaços

produtores de cultura – a indústria fonográfica, cinematográfica, editorial [...] televisiva,

publicitária e virtual” (SETTON, 2011, p. 33).

Canclini (2008, p. 23) aproxima-se desse ponto de vista ao mencionar que a sociedade

vem se tornando cada vez mais interligada por trocas mercantis, “convertendo todos os

cenários em lugares de compra e venda. Se na Educação, na arte, na ciência e na política

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ocorrem processos distintos daqueles [...] trata-se de detalhes supostamente redutíveis ao que

tais âmbitos têm de mercado”.

Essas trocas mercantis imateriais, que se assemelham àquelas utilizadas nas relações

de consumo de bens materiais, constituem, segundo Setton (2011, p. 32), “[...] um mercado de

bens simbólicos, todavia, um sistema de mercado fragmentado em uma infinidade de

instituições produtoras de cultura. [...] Uma estrutura comercial que se fortalece interna e

externamente já que tem acesso e visibilidade planetária”. Cultura esta, supõe-se, gerada para

o consumo do tipo fast-food, que atenderia à demanda do consumidor faminto pelo consumo,

“base de uma indústria do entretenimento e do lazer, da fruição e do prazer para uns, fontes de

alienação e barbárie para outros”.

Baudrillard (2000) propõe que o consumo transcende as relações entre mercadorias

materiais e imateriais em sua “lógica formal”12, proposição esta justificada pelo fato de que,

para além do objeto, ainda se referindo ao consumo: “É ele a totalidade virtual de todos os

objetos e mensagens, constituídos de agora então em um discurso cada vez mais coerente. O

consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de

signos” (BAUDRLLARD, 2000, p. 206-207).

O autor afirma ainda que, antes que seja adquirido, o objeto deve atender à pré-

condição de tornar-se signo, agregando a capacidade de significar. Dessa forma, reforça a tese

de que aquilo que, por fim, é consumido, jamais é apenas objeto, mas sim a inerente relação

adjacente a este.

Segundo McCracken (2003), as relações pessoa-objeto referem-se ao chamado

“significado móvel”, ou seja, aquele capaz de deslocar-se por meio de bens, em trânsito

constante, e percorrer simultaneamente diferentes pontos do tecido social.

Portanto, na sociedade do espetáculo, os bens de consumo possuem significações que

abrangem fronteiras para além de seu restrito valor comercial e sua função específica

enquanto produto (BAUDRILLARD, 2000).

Sem se ater a um único sentido, o significado percorreria trajetos e localizações,

partindo do mundo culturalmente constituído e sendo transportado nos bens de consumo até

atingir o seu destino final, quando transcenderia do meio de transporte para o consumidor.

Esse caminho, construído a partir das sensibilidades do consumidor, teria diante de si uma

bifurcação articulada: “mundo-para-bem e bem-para-indivíduo [...] para tornar-se inerente aos

                                                                                                               12 Lógica formal da mercadoria – categoria analisada por Karl Marx; en La Enciclopédia Planeta-larouse, Las voces: Lógica Formal y Materialismo, p. 446.

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bens de consumo, precisaria desengajar-se do mundo e transferir-se para o bem”

(MCCRACKEN, 2003, p. 100).

Neste arquétipo de ação simbólica, consumidores e bens seriam locais de transbordo

do significado, que por meio da propaganda, do design, do showbusiness ou de quaisquer

gadgeets, facilmente encontrados, por exemplo, nas mãos de crianças e adolescentes,

ganhariam movimento e flexibilidade, amalgamando determinadas representações às

mercadorias.

Assim, as características já experimentadas no cotidiano transferem-se para atributos

ainda não experimentados dos bens de consumo. Ao final, a viagem de significado da

cotidianidade para as mercadorias consumíveis, materiais e imateriais, atingiria seu objetivo,

passando a orientar o consumidor de modos ainda não totalmente identificados

(MCCRACKEN, 2003).

Do final do século XX para cá, o movimento gerado pela abundância da mercadoria se

multiplicou por meio de infinitos tipos e subtipos de bens materiais e imateriais, os quais

passaram a se reproduzir autonomamente nos modos e formas de espetáculo, gerando assim

uma mercadorização da própria cotidianidade, pois “a economia transforma o mundo, mas o

transforma apenas em mundo da economia” (DEBORD, 1997, p. 30). A partir desse cenário,

a cultura pode ser vista enquanto constitutiva da sociedade do espetáculo, ou seja, “esfera

geral do conhecimento e das representações do vivido [...] tornada integralmente mercadoria

deve também se tornar a mercadoria vedete da sociedade espetacular” (DEBORD, 1997, p.

119-126).

Debord (1997, p. 30) supôs que, em dado momento, coisificada em mercadorias

imateriais, essa tendência poderia impregnar a cultura, os bens culturais e em especial o

comportamento do sujeito contemporâneo, e definiu: “O espetáculo é o momento em que a

mercadoria ocupou totalmente a vida social [...] não se consegue ver nada além dela: o mundo

que se vê é o seu mundo”. Portanto, “a cultura ‘constitui’ o mundo, investindo-o com seus

próprios significados particulares. É deste mundo assim constituído que parte o significado

cultural rumo aos bens de consumo” (MCCRACKEN, 2003, p. 102).

Desse modo, o consumo pode ser entendido como categoria central, constitutiva da

vida contemporânea, e, conforme Rocha e Pereira (2009, p. 76),

(1) o consumo, material ou imaterial, é sempre um signo componente de um sistema coletivo de significados; (2) esse sistema classifica pessoas, indicando pertencimento por um lado, e diferenciação, por outro; (3) quando, no século XVIII/XIX. O consumo se estabelece, é o surgimento da comunicação de massa que contribui para que nele sejamos socializados [...] (4) a publicidade realiza esse

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processo de socialização através de uma narrativa que se aproxima do universo mágico, do encantamento, da lógica classificatória [...].

Em relação à conduta deste sujeito consumidor forjado na sociedade do espetáculo,

Canclini (2008, p. 28) propõe que, ao longo do tempo, ele tem se tornado cada vez mais

despossuído da sua capacidade de intervenção nas diversas modalidades de espetáculos e de

informação ofertados pelos meios. De certa forma, o sujeito consumidor tornou-se refém de

uma espécie de “simulacro de participação e de democracia direta”, o que poderia sugerir

certa passividade diante dos meios e das escolhas necessárias quando da utilização destes.

Homens e mulheres percebem que muitas perguntas próprias dos cidadãos – a que lugar pertenço e que direitos isso me dá, como posso me informar, quem representa meus interesses – recebem sua resposta mais através do consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa do que nas regras abstratas da democracia ou pela participação coletiva em espaços públicos. (CANCLINI, 1999, p. 37).

A mídia e o próprio consumo de mídia podem ser entendidos como produtos, a partir

de modos específicos de incorporação ao tecido social: “Incorporada aos produtos em sua

composição, [...] incorporada aos processos de produção que organizam os fluxos

informacionais [...] na circulação das mercadorias e da função do marketing, convertida ela

mesma em produto” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 127).

Setton (2011, p. 81-82) destaca as categorias de análise propostas por Martín-Barbero,

nos estudos de recepção que analisam o consumo de mercadorias e bens simbólicos dos

diversos atores sociais:

[...] a) As diferenças entre grupos, modos diferenciados de consumir material e simbolicamente os produtos midiáticos [...] b) Os espaços de integração de comunicação de sentido, como circulação e popularização de sentido [tribos] [...] c) O espaço de objetivação do desejo estimulado por uma sociedade hedonista e consumista [...] d) O espaço do rito de criação de modelos de consumo que são heterogêneos nos diferentes segmentos sociais.

Tomando a perspectiva de Martín-Barbero (2014), os modos de consumir

simbolicamente os produtos midiáticos aproximam-se do entendimento de Baudrillard (2000,

p. 174-175) acerca do sentido que a publicidade desempenha no sistema que nominou

conceitualmente de “sistema dos objetos”. Para esse autor, embora a publicidade atue

diretamente sobre o consumo, seria também ela mesma “objeto de consumo”: “[...] se

resistimos cada vez mais ao imperativo publicitário, tornamo-nos ao contrário cada vez mais

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sensíveis ao indicativo da publicidade, isto é, à sua própria existência enquanto segundo

produto de consumo e manifestação da cultura”.

Dessa forma, o hábito de conviver com a mídia e, mais especificamente, com a

publicidade enquanto produto, dada sua amplitude na cotidianidade, acaba por transformar-se

também em produto. Canclini (2008) exemplifica essa condição mostrando que, quando o

consumidor adquire um aparelho celular, sem que perceba está comprando junto, ao mesmo

tempo, a atitude de consultar o aparelho a cada momento para ver as horas, postar imagens,

navegar na internet, verificar os e-mails, além de outros comportamentos que passarão a fazer

parte do dia a dia. Isto ocorre sem que nenhum dos itens relativos ao comportamento tenha

sido previamente anunciado pelo vendedor do produto: “Você não ganha de presente o

celular. Você é o presente, você é que é ofertado para o aniversário do celular” (CANCLINI,

2008, p. 41).

Assim, o autor sugere a hipótese de que o costume de consumir mídias seja também

uma mercadoria. Tese que pode ser ilustrada na analogia presente na “fábula do

contrabandista de caminhões” (GITLIN, 2003, p. 12), cujo produto do contrabando demora a

ser descoberto. Isso exemplifica metaforicamente o modo como as mídias vendem o hábito

que permeia a cotidianidade e multiplica o consumo por sua reprodução.

Um fiscal da alfândega observa um caminhão aproximar-se da fronteira. Desconfiado, manda o motorista descer e revista o veículo. Retira painéis, para-choques e cubos de roda, mas não encontra nem fiapo de contrabando [...] Os anos passam, o fiscal experimenta revistar o próprio motorista, tenta raios X, sonar, tudo em que consegue pensar [...] Finalmente, depois de muitos anos, o fiscal vai se aposentar. O motorista chega. - Sei que você é contrabandista – diz o fiscal. – Nem adianta negar. Mas não consigo imaginar o que você contrabandeou esses anos todos. Estou quase me aposentando. Juro que não vou prejudicar você. Por favor, me conte o que é que você está contrabandeando. - Caminhões – diz o motorista.

Ao caminhar nesta trilha de investigação, instiga-se questionar de que forma o

“contrabando dos meios”, pelos aparatos tecnológicos, abarrota, transforma e reconfigura o

cotidiano (GITLIN, 2003).

Veblen (1965) faz referência ao tempo ocioso dos menos favorecidos, que é

empregado no trabalho necessário à sobrevivência, em comparação ao “ócio conspícuo” dos

mais abastados, que poderia indicar sinais de poder e importância social.

A desbiologização do tempo, fruto da colonização da mídia, resulta num tempo-

mercadoria. No caso da quantidade de tempo destinada ao consumo de mídia por públicos que

fazem uso constante de multitelas, especialmente os infantil e juvenil, podem-se sugerir duas

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questões importantes: se, por um lado, poderia significar o uso do tempo para fins produtivos,

como no exemplo do emprego do “tempo ocioso” em que “as classes inferiores não podem

evitar o trabalho” (VEBLEN, 1965, p. 47), por outro poderia significar também alienação e a

integração do tempo à lógica do espetáculo permanente (DEBORD, 1997).

Segundo Debord (1997, p. 106), o tempo destinado ao consumo de imagens poderia

atuar como elo entre as mercadorias e os instrumentos do espetáculo.

O tempo pseudocíclico consumível é o tempo espetacular, tanto como tempo do consumo de imagens, em sentido restrito, como imagem do consumo do tempo, em toda a sua extensão. O tempo do consumo de imagens, meio de ligação de todas as mercadorias, é o campo inseparável em que se exercem plenamente os instrumentos do espetáculo.

Referindo-se ao sujeito que é visto como mero receptor de conteúdos, Orozco Gómez

(2010, p. 16) afirma que “não somos somente telespectadores, somos usuários e

consumidores, fazemos mais do que interpretação, podemos interferir e interagir com o

produto”.

Ao buscar definir as relações entre mídia e consumo, pode-se concluir que “o

consumo é um sistema de significação; o consumo é um sistema cultural; o consumo é um

sistema simbólico; o consumo é por fim um sistema (representações e práticas) de valores

coletivamente compartilhados” (ROCHA; PEREIRA, 2009, p. 76). Nesse sentido, os autores

abordam o consumo em uma perspectiva sistêmica que extrapola e ao mesmo tempo

incorpora o indivíduo às suas práticas. Por outro lado, Martín-Barbero (2002, p. 55) propõe

retomar o protagonismo do indivíduo frente à avalanche de ofertas de produtos, pari passu ao

estabelecimento de limites dados pelos próprios meios:

Temos que estudar não o que fazem os meios com as pessoas, mas o que fazem as pessoas com elas mesmas, o que elas fazem com os meios, sua leitura. Atenção, porque isso pode nos levar ao idealismo de crer que o leitor faz o que lhe der vontade; mas há limites sociais muito fortes ao poder do consumidor.

Todavia, é a partir dos aspectos que envolvem a colonização do tempo pela mídia que

se torna importante avaliar a fatia da liberdade individual que tem sido dedicada ao consumo

e ao hábito de viver com a mídia e seus múltiplos e transversos produtos e conteúdos

(GITLIN, 2003). Esse consumo é praticado por integrantes de uma sociedade que tem na

liberdade de expressão um de seus princípios basilares.

O tempo, na condição de “mercadoria espetacular”, também seria um bom exemplo da

imaterialidade constitutiva dos subprodutos do cotidiano espetáculo, como, por exemplo, a

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permanente guerra pelas audiências travada entre meios e conglomerados de mídia Assim, o

tempo poderia ser transacionado como commodity, ou seja, como uma das matérias-primas

essenciais para uma extensa linha de produtos e ativos relacionados à Educação, à cultura, ao

lazer e ao entretenimento (DEBORD, 1997, p. 106).

Ao destinar boa parte do cotidiano ao consumo de mídia, o sujeito consumidor

favorece que “o tempo que tem a sua base na produção de mercadorias, é ele próprio uma

mercadoria consumível, que reúne tudo o que anteriormente se havia diferenciado [...] como

vida privada, vida econômica, vida política” (DEBORD, 1997, p. 104).

Dessa forma, o tempo seria colonizado pela mídia e o sujeito contemporâneo tornaria

o consumo midiático em algo natural, capaz de alimentar o seu próprio desejo consumista, ou

seja, “penso, logo consumo” ou “consumo, logo sei que existo” (BARBOSA; CAMPBELL,

2006, p. 57). O tempo colonizado pela mídia pode ser entendido como o tempo

desbiologizado.

Ao investigar a própria experiência do consumo e o consumo da experiência, nesse

caso recortando-se os hábitos relativos ao consumo de mídia na cotidianidade, sugere-se

evitar avaliações morais ao desprezar-se a complexidade das subjetividades que envolvem o

tema.

Há uma grande diferença entre perceber o espetáculo e o encantamento como partes de certos ambientes e atividades e reduzir as idas ao shopping e o próprio shopping a uma permanente aventura em um mundo de hiper-realidade, no qual as pessoas e suas respectivas racionalidades e subjetividades se encontram anuladas. (BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p. 12).

A centralidade do consumo na vida cotidiana reflete a busca de uma verdadeira

identidade do “eu” oculto nas reações do sujeito consumidor. Ao consumirmos um capítulo de

novela ou calçarmos um par de sapatos novos e “monitorando nossas reações a eles,

observando do que gostamos e do que não gostamos é que começaremos a descobrir quem

realmente somos” (BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p. 53). Para esses autores, embora em

permanente mutação identitária, os próprios consumidores são responsáveis por seus desejos

irrefreáveis de consumo na busca do encontro consigo mesmo.

No entanto, segundo Baudrillard (2000, p. 104), o que o objeto pode oferecer ao

homem não é uma sobrevida, e sim a garantia “[...] de viver a partir de então continuamente

em uma forma cíclica e controlada o processo de sua existência e ultrapassar assim

simbolicamente esta existência real cujo acontecimento irreversível lhe escapa”.

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O volume de horas que crianças e adolescentes dedicam ao consumo de produtos e

conteúdos midiáticos ainda é uma grande interrogação para pais e educadores. De acordo com

Guzzi (2013, p. 29-30), pesquisa realizada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da

Informação e da Comunicação (CETIC), em 2013, com cerca de três mil jovens brasileiros de

9 a 23 anos, aponta que 62% dos respondentes se conectavam todos os dias e 80% deles, ao

acessar a internet, tinham como principal objetivo as redes sociais.

Segundo a pesquisadora, ao navegar nas redes sociais, da mesma forma que os

“amigos” podem curtir os “posts” com interesses diversos, não exatamente com a finalidade

de manter a amizade apenas, nessa relação também estão embutidos riscos maiores, que

podem afetar usuários menos maduros ou emocionalmente frágeis por algum motivo. A partir

dessas observações, a autora relata que no Brasil, em 2012, houve o registro de dois casos de

suicídio de adolescentes divulgados pela mídia, relacionados à intolerância e

constrangimentos, que têm sido chamados ciberbullying. Ainda de acordo com o CETIC

(2013), noutra pesquisa da mesma natureza, que entrevistou 2.261 usuários de internet de 9 a

17 anos, apenas 8% dos pais/responsáveis acreditam que o filho tenha passado por alguma

situação de incômodo ou constrangimento na internet.

De fato, os nativos digitais têm se apropriado de uma boa parcela do “capital

tecnológico” familiar, o que, em parte, é justificado pela destreza com que manipulam objetos

e aplicativos conectados à internet em rede. Crianças e adolescentes têm manifestado

preferências e compõem grupos de audiências que chamam a atenção de pesquisadores e

produtores de conteúdo. Intitulados e, por vezes, se autointitulando como multitelas ou

multitarefas, para eles “o tempo parece amigo, companheiro bem conhecido, sem mistérios e,

portanto, totalmente dominado” (ROCHA; PEREIRA, 2009, p. 70).

De acordo com Lévy (2011, p. 26), um dos benefícios do acesso ao mundo da

informação digital seria “promover a construção de coletivos inteligentes nos quais as

potencialidades sociais e cognitivas de cada um poderão desenvolver-se e ampliar-se de

maneira recíproca”.

Ainda segundo o autor (2011, p. 26), dessa forma se tornaria viável transcender da

sociedade do espetáculo “para abordar uma era pós-mídia, na qual as técnicas de comunicação

servirão para filtrar o fluxo de conhecimentos, para navegar no saber e pensar juntos”.

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3.2 CONSUMO E CONSUMISMO NA PÓS E NA HIPERMODERNIDADE

Nesta seção, pretende-se abordar a relação entre consumo material e imaterial,

especialmente o de produtos e subprodutos da mídia, na perspectiva da pós e da

hipermodernidade.

Lipovetsky (2005) define a pós-modernidade como o período em que, ao refletir-se

sobre o início de uma nova era, percebe-se que se acentuam determinadas características

históricas da anterior. Ainda que um novo momento das artes e do saber ofereça sinais de

renovação, outros fatores – dentre os quais a desagregação da sociedade, da moral vigente e

dos costumes do indivíduo, o vicejar do consumo de massa, o início de uma cultura em que

predominam o hedonismo frente ao desenvolvimento de novas formas de socialização e de

individualização – sinalizam na direção oposta.

Embora o autor reconheça não se tratar de um recorte preciso, o faz por meio de

grandes questões que marcaram a ruptura com culturas e modos de vida que vigoravam nos

séculos XVII e XVIII:

[...] esgotamento de uma cultura hedonista e vanguardista ou emergência de uma nova potência inovadora? Decadência de uma época sem tradição ou revitalização do presente através de uma reabilitação do passado? Continuidade de uma nova espécie na trama modernista ou descontinuidade? Peripécia na história da arte ou destino global das sociedades democráticas? Recusamo-nos aqui a circunscrever o pós-modernismo a um quadro regional, estético, epistemológico ou cultural: se surge uma pós-modernidade [...] um novo tipo de sociedade, de cultura e de indivíduo, que nasce do interior e no prolongamento da era moderna. (LIPOVETSKY, 2005, p. 74-76).

Marcado pelo que o autor chamou de “primazia do aqui-agora”, o neologismo traz

como marcas a rápida expansão do consumo e das comunicações de massa, “surtos de

individualização” e “consagração do hedonismo”, símbolos que passariam a constituir uma

temporalidade social ainda não experimentada. A hipermodernidade configura-se como tempo

de infinita criação de necessidades e desejos, “[...] hipercapitalismo, hiperclasse,

hiperpotência, hiperterrorismo, hiperindividuaismo, hipermercado, hipertexto – o que mais

não é hiper? O que mais não expõe uma modernidade elevada à potência superlativa?”

(LIPOVETSKY, 2004, p. 51-53).

Em outra perspectiva, Bauman (2008) acredita que um dos sinais da hipermodernidade

é a ideia de que a felicidade permanece atrelada ao consumo. Para o autor, o consumismo

emplaca sua marca quando a capacidade individual de querer, desejar e almejar tornam-se

atributos da sociedade, ou seja, desejar e querer passam a figurar como valores sociais.

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Noutras palavras, esse seria o momento em que o desejar, o querer, o ansiar tornam-se

elementos centrais no sustento da economia, do convívio humano e da cotidianidade ou, como

propõe Canclini (1999, p.83), “em um sentido mais radical, o consumo se liga, de outro

modo, com a insatisfação que o fluxo errático dos significados engendra”.

De acordo com a leitura que Bauman (2008, p. 90) faz do sujeito da pós-modernidade,

especialmente no que refere à passagem do consumo de produtos diretos da prateleira de um

shopping para aqueles adquiridos via celular ou via smart TV, o consumismo dos dias atuais

vai muito além da mera satisfação de necessidades. Quaisquer limites que vinculem o prazer

aos limites da realidade podem ser descartados, e o querer pode substituir o desejo, em um

desenlace que completaria a quebra das amarras do voo do prazer, onde “a compra é casual,

inesperada e espontânea”.

Por outro lado, dialogando com a perspectiva de Canclini (1999, p. 75), pode-se

concluir que o consumo tem se tornado um fato social cada vez mais denso, repleto de

nuances que descartam os esquemas simplistas e obviedades:

Hoje vemos os processos de consumo como algo mais complexo do que a relação entre meios manipuladores e dóceis audiências. Sabe-se que um bom número de estudos sobre comunicação de massa tem mostrado que a hegemonia cultural não se realiza mediante ações verticais, onde os dominadores capturariam os receptores: entre uns e outros se reconhecem mediadores como família, o bairro e o grupo de trabalho.

A relação entre a satisfação dos desejos por meio do consumo metaforicamente

assemelha-se a uma competição na qual os competidores, ainda que partam de um mesmo

ponto específico, jamais alcançam a chegada, pois esta seria como outro competidor que se

encontra sempre na frente, sem deixar-se vencer. Dessa forma, movidos apenas por um desejo

que nasce para durar alguns instantes, que não se abre ao diálogo, tampouco à contestação, os

competidores permanecerão infinita e compulsivamente na corrida cujo prêmio é a escolha,

até que tudo se transforme em vício. Ou seja, o vício de comprar, comprar, comprar...

Segundo Bauman (2001, p. 87), “[...] tudo numa sociedade de consumo é uma questão de

escolha, exceto a compulsão da escolha – a compulsão que evolui até se tornar um vício e

assim não é mais percebida como compulsão”.

Ainda conforme Bauman (2001), a hipermodernidade é marcada pela ruptura e

superação da modernidade sólida pela líquida. Ambas distinguem-se entre si por meio de

características singulares. Na sociedade dos produtores – modernidade sólida –, o que era tido

como duradouro, confiável, ordenado e regular representava a segurança e um grande volume

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de bens poderia sugerir proteção. Na modernidade líquida, sonhos de bens estáveis já não se

ajustam à sociedade consumista. Na sociedade sólida o prazer ocorre em longo prazo; na

líquida, o gozo mais seguro é virtual.

O autor ainda afirma que, enquanto no início do século XX o consumo ostensivo era

marcado pelo exibicionismo dos bens duráveis, na modernidade líquida há a necessidade de

satisfazer um volume infinito de novos desejos e o consequente descarte e substituição destes

por outros.

O ambiente líquido-moderno traz em si o gene da “obsolescência embutida”. Acelera-

se a depreciação da percepção do valor dos bens duráveis. Dessa forma, estar-se-ia criada a

“cultura agorista” ou cultura apressada. No espaço-tempo líquido-moderno, o conceito

“tempo” deixa de ser cíclico e linear, torna-se “pontilhista” (BAUMAN, 2008, p. 47),

pontuado, separado por pontos e intervalos que desconstroem quaisquer sintomas de vínculos

perenes e duradouros (BAUMAN, 2001, p. 45).

Se, por um lado, na modernidade líquida de Bauman, a inconsistência dos instantes

eternos seduz com a promessa do sujeito consumista ser feliz outra vez, mesmo que por um

centésimo de segundo, abortando de vez a ideia do ‘para sempre’ (BAUMAN, 2008), na visão

de Canclini (1999, p. 83) “consumir é tornar mais inteligível um mundo onde o sólido se

evapora”. Nessa coleção de infinitos instantes, pode-se referir que o tempo da necessidade e

do progresso é substituído pelo das possibilidades, transbordantes e aleatórias. De outro

modo, se na arte estampada nas ‘telas pontilhistas’ cada ponto é dotado de significado

distinto, na vida “agorista” cada oportunidade que o instante contém será único, sem segunda

chance (CANCLINI, 1999, p. 45).

Na era consumista, o adquirir e juntar capitula frente ao descartar e substituir. Nesse

universo liquefeito das possibilidades, quase tudo é instantâneo. Bens, serviços, produtos,

relacionamentos, novidades vestidas de retrô ou vintage abarrotam de spams as caixas de

entrada (BAUMAN, 2008).

3.3 A “BRANDINGIZAÇÃO13” DA COTIDIANIDADE

Há mais de meio século as TICs figuram na literatura científica como extensões do

homem. Para McLuhan (1969, p. 64),

                                                                                                               13 Neologismo usado por Klein (2004), que faz menção à palavra do vocabulário norte-americano “branding” –que diz respeito à gestão de logomarcas – para descrever as maneiras como as logomarcas invadem a cotidianidade do homem contemporâneo não respeitando limites.

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o homem é perpetuamente modificado por ela, mas em compensação sempre encontra novos meios de modificá-la. É como se o homem se tornasse o órgão sexual do mundo da máquina [...] fecundando-o e permitindo o envolver de formas sempre novas, numa espécie de servomecanismos.

Daquela época para os dias atuais, o acesso à tecnologia e a própria relação homem-

máquina transformaram-se em eventos comuns. Atualmente, ainda na primeira infância, a

criança dá os passos iniciais e começa “a conviver e a conciliar uma variedade de informações

e tecnologias passando a acumular conhecimentos não só vindos do seu ambiente próximo –

pais grupos de amigos e ou professores –, mas, sobretudo, produzidos pelas mídias”

(SETTON, 2011, p. 23).

O consumo dos gadgets assume acentuada centralidade no universo do jovem

contemporâneo. Dessa forma, adolescentes e jovens conectados em suas plataformas

eletrônico-digitais, pela comunicação em suas múltiplas formas, delimitam territórios,

estabelecem fronteiras e se transformam em ativos cobiçados e alvo preferencial das ações

publicitárias empreendidas pelo mercado de bens e marcas, explana Setton (2011).

Cotidianamente, quebram-se as correlações diretas entre marcas, produtos e locais de

uso ou origem destes. Adquire-se aqui o que fora produzido acolá, anuncia-se lá fora o que se

produz aqui. Desse modo, as marcas conseguem chegar onde seus respectivos objetos ainda

não estão ou não tardarão a chegar, “redes de significados tornam-se independentes [...].

Habitamos dois mundos que trabalham para separar-se: o dos usos quotidianos dos objetos e o

do espetáculo das marcas” (CANCLINI, 2008, p. 65).

Pode-se considerar a “brandingização” da cotidianidade um dos aspectos sensíveis na

relação dos consumidores infantis e juvenis com os conteúdos da mídia, nesse caso da

publicidade, frente à posição avançada das ferramentas do marketing na vida privada. Os

mecanismos da propaganda se fazem cada vez mais presentes em espaços até pouco tempo

considerados como preservados, tais como as escolas. E mais, quando a própria mídia

posiciona-se na função de educar, e, dessa maneira, realizar o ensino no sentido grego

“ensign” ou “ensignar”, isto “[...] ensinar é o que você grava em algo ou alguém”

(CORTELLA, 2011, p. 9), por conseguinte, deixar um sinal, marcar, dá sequência a mais uma

via da “brandingização”.

Assim, o debate contra a transformação da Educação em um exercício de extensão de

marcas corporativas é muito semelhante àquele dos parques nacionais e reservas naturais:

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esses espaços quase sagrados nos lembram de que ainda é possível ter espaços sem marca,

compara Klein (2004).

Se o preço de se modernizar é permitir publicidade nas escolas, então os pais e professores terão de engolir [...] depois de ganhar uma cabeça-de-ponte, os gerentes de marca estão agora fazendo o que fizeram na música, nos esportes e no jornalismo fora das escolas: tentando sobrepujar seu anfitrião, ocupar o papel principal. (KLEIN, 2004, p. 74).

Ainda sobre o tema, Klein (2004, p. 83) explana:

As crianças de hoje são tão bombardeadas com nomes de marca que parecia que proteger os espaços educacionais da comercialização era menos importante do que os benefícios imediatos de encontrar novas fontes de financiamento [...] [afinal...] o que era uma propaganda a mais na vida desses garotos cercados de marcas?

Ao observar o fenômeno da vida hiperconectada, faz-se necessário trazer à tona

aspectos da ausência de fronteiras para a “brandingização” da cotidianidade, no que tange à

publicidade dirigida à criança e ao adolescente.

Com isso, busca-se evidenciar as múltiplas formas do branding14 de produtos e como

elas são incorporadas pela própria mídia e se fazem presentes nos tempos hipermodernos,

como logotipos simbolicamente tatuados na vida privada do sujeito consumidor (KLEIN,

2004). Marcas que, em certos casos, atravessam a cotidianidade adentrando espaços bem

definidos, como o da Educação, nos quais o consumidor é o educando que absorve os

conteúdos da mídia simultaneamente aos conteúdos da vida.

Klein (2004), analisando a publicidade da década de 1970, concluiu que a presença da

mídia na cotidianidade, inclusive escolar, se consolidaria por meio do imperativo publicitário.

De acordo com a autora, a cotidianidade é permeada por uma íntima relação imposta pela

indústria de consumo, por meio de uma miríade de ações segmentadas de branding, as quais

possibilitariam o acesso das marcas corporativas aos espaços individuais e privados.

Algumas vezes, isso ocorreria de modo consentido e noutras sem que o consumidor

percebesse sequer a natureza da relação posta entre o marketing e o ato de consumo. Dessa

forma, é plausível cogitar que, se nos dias de hoje não há mais espaços sem marcas, não

haveria também tempo algum desmidiatizado.

Martín-Barbero (2014, p. 131) acredita que

                                                                                                               14 Branding: processo de estabelecer e gerenciar imagens, percepções e associações pelas quais o consumidor se relaciona com um produto ou empresa.

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é com este sujeito que a Educação tem que lidar hoje: um adolescente cuja experiência da relação social passa cada dia mais por sua sensibilidade, seu corpo, já que é através deles que os jovens – que em sua maioria conversam muito pouco com os pais – estão dizendo muitas coisas aos adultos por meio de outros idiomas: os rituais de se vestir, tatuar e se enfeitar, ou de emagrecer conforme os modelos de corpo que lhes propõe a sociedade através da moda e da publicidade.

Ao refletir os aspectos simbólicos que conduzem certos traços essenciais da cultura,

como valores e práticas, Rocha e Pereira (2009, p. 60) apontam que o arsenal midiático da

publicidade já não se limita às antigas fórmulas: “[...] é possível compreender como a

sociedade entende a juventude e identificar, por outro lado, a partir de que premissas a

juventude, ela mesma, passar a se autorreferenciar”.

Mesmo concordando com os que defendem que a sociedade pós-moderna conviverá

com produtos e mercadorias que investem na “humanização” de suas marcas, personalizando-

as, atribuindo-lhes significado e exibindo-as de maneiras tão criativas como nunca, é

relevante destacar que há quem posicione a publicidade e seus tentáculos como um simples

promotor da “ordem frívola dos signos” (LIPOVETSKY, 1987, p. 220).

Isso que poderia soar ingênuo quando se refere ao uso da publicidade, destacando

apenas sua capacidade mobilizadora, utilizada em campanhas de utilidade pública, educativas

e de apelo cidadão – como as que abordam o combate ao alcoolismo e às drogas ilícitas,

redução da mortalidade no trânsito, e outros – por outro lado poderia ajudar a analisar a

questão. Generalizando-se, a publicidade “dirige-se a indivíduos maiores capazes de

compreender a gravidade por trás do espetáculo” (LIPOVETSKY, 1987, p. 225-226).

Contrariando as críticas quanto ao poder do marketing sobre a tomada de decisão do

sujeito consumidor, Lipovetsky (1987, p. 225-226) afirma que, embora a publicidade seja

valiosa para empresas, “é insignificante para os indivíduos em suas vidas e em suas escolhas

profundas”.

No Brasil, a tarefa de educar crianças e adolescentes em tempos de hiperconsumo de

mídia pode requerer mais cooperação entre Estado e sociedade civil, em atividades

historicamente desempenhadas por mães, pais, professoras e professores. Nesse sentido, o

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão da Secretaria

de Direitos Humanos da Presidência da República, publicou, no Diário Oficial da União, a

Resolução nº 163/2014, que pode ser considerada um marco histórico, por tornar abusiva a

publicidade voltada a crianças e adolescentes.

Seguindo o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no intuito

de proteger a criança, a nova resolução classifica como inadequada toda comunicação

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mercadológica destinada a esse público com a intenção de persuadi-la para o consumo de

qualquer produto ou serviço. Passam a ser considerados impróprios os comerciais que contêm

linguagem infantil, trilhas sonoras de músicas infantis, desenho animado, promoção de

distribuição de prêmios ou brindes colecionáveis com apelo ao público infantil, dentre outros.

A resolução determina àqueles que desrespeitarem o dispositivo a possibilidade do pagamento

de multa e detenção de três meses a um ano na prática de publicidade abusiva (AGÊNCIA

BRASIL, 2014).

Embora não se preste ao papel de antídoto ao hiperconsumo, que não chegaria a ser

um mal em si, pois “nem tudo é para ser rejeitado, muito é para ser reequilibrado a fim de que

a ordem tentacular do hiperconsumo não esmague a multiplicidade dos horizontes da vida”

(LIPOVETSKY, 2007, p. 370), a educação para a mídia aparece como prática educacional

para a formação do sujeito crítico, para que dele possa emergir um novo pluralismo de valores

(SOARES, 2011).

Segundo Palfrey e Gasser (2011, p. 310), os nativos digitais, como qualquer outro

usuário da internet, em algum momento, inadvertidamente, podem vir a cometer ou serem

vítimas de atos agressivos, que podem causar danos ou prejuízos a terceiros ou a si próprios.

Segundo os autores, “o comportamento agressivo online não é necessariamente ruim; ele pode

conduzir a uma mudança social positiva, mas pode também levar ao dano”. Dessa forma,

ainda de acordo com os autores, todos os educadores, incluindo-se os pais, devem se

preocupar e se ocupar acerca dos ambientes digitais que povoam boa fatia do dia a dia de seus

filhos.

A vulnerabilidade do consumidor midiático infantil frente à insegurança que permeia

as relações na internet tem sido vista pela sociedade como preocupante, visto que:

[...] assim como a lógica da mercadoria predomina sobre as diversas ambições concorrenciais de todos os comerciantes, ou como a lógica da guerra predomina sobre as frequentes modificações do armamento, também a rigorosa lógica do espetáculo comanda em toda parte as exuberantes e diversas extravagâncias da mídia. (DEBORD, 1997, p. 171).

Portanto, se é factível a hipótese de que a vida hiperconectada de outro modo

implicaria em hiperconsumo de mídia, seria plausível supor a importância de se

desenvolverem mecanismos de proteção dos direitos da criança e do adolescente específicos

para ela, para os excessos de um tipo social do consumo que, não raro, torna-se ameaça ao

público juvenil.

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Diferente de censura, a educação para a mídia se apresenta como meio capaz de

transformar o consumidor midiático passivo (aquele que reflete o que a mídia faz com o

sujeito), ou o ativo (aquele que reflete sobre o que o sujeito faz com a mídia), no consumidor

seletivo, compreensivo, como sugerido nos estudos culturais desenvolvidos nos campos da

educação para mídia (CANCLINI, 2008; SOARES, 2011); na mídia-educação (BELLONI,

2010); na Educomunicação (SOARES, 2011, OROZCO GÓMEZ, 2014); nas literacias

mediáticas (UNESCO, 2013), entre outras literacias mediáticas e/ou pedagogias críticas da

mídia (KELLNER, 2001).

Neste capítulo, discutiu-se a centralidade do consumo enquanto categoria fundamental

para a análise e a compreensão das implicações da presença midiática na contemporaneidade,

bem como os nexos que constituem esse atravessamento, a partir de teorias de diferentes

escolas de pensamento, com destaque para os Estudos Culturais Latino-americanos e

estudiosos dos fenômenos sociais na hiper e pós-modernidade, bem como os diferentes modos

e formatos de consumo produzidos pelas mídias e adquiridos pelos consumidores.

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4 AS TICS NO AMBIENTE ESCOLAR DO PROJETO GENTE

Neste capítulo, busca-se descrever o projeto GENTE em sua amplitude, revelar as

fontes inspiradoras do modelo educativo, caracterizar os principais eixos conceituais e

estruturantes da proposta pedagógica, discorrer sobre as opções metodológicas que nortearam

sua criação, bem como os objetivos educacionais que impulsionam o esforço adaptativo da

comunidade que compõe a Escola André Urani, desenvolvidos ao longo de dois anos da

implantação do projeto piloto.

4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA

De acordo com Martín-Barbero (2001, p. 264), desde os anos 1980 o ambiente

comunicacional latino-americano pode ser representado emblematicamente pelas “novas

tecnologias” presentes na comunicação via satélite, TV a cabo, videotexto, etc. Ainda distante

da vida conectada da segunda década do século XXI, o autor menciona a aceleração de uma

modernidade que tardaria a dar novo salto qualitativo “[...] desde a Revolução Industrial até a

Revolução Eletrônica – da qual nenhum país pode estar ausente sob a pena de morte

econômica e cultural [...] Informatização ou morte! – é o lema de um capital em crise [...]”.

Um dos problemas perversos, paradoxal, advindo do crescente avanço das novas

tecnologias, seria o sentido de uma lógica evolucionista que reivindica para si alto valor

identitário, ao tempo em que reduz aqueles em descompasso à condição de atrasado, ou seja,

“o que nos constitui é o que nos falta [...] E o de que carecemos, o que mais nos faltaria hoje

seria isto: a tecnologia produzida pelos países centrais, esta que vai nos permitir afinal dar o

salto definitivo para a modernidade” (MARTÍN-BARBERO, 2001, p. 266).

Segundo Serres (2012), historicamente, durante o longo caminho que antecedeu a

presença das TICs na escola, é possível encontrar rastros da evolução que propiciou as

mutações pedagógicas que utilizaram diferentes tecnologias em diferentes tempos. O autor

menciona que, nesse caminhar, o saber passou por processos de objetivação que tiveram

início nos suportes da escrita, tais como velinos ou pergaminhos e “[...] a partir do

Renascimento, em livros de papel, suportes da imprensa. E hoje, concluindo na internet,

suporte de mensagens e informação” (SERRES, 2012, p. 25).

Portanto, de acordo com Serres (2012), é plausível supor que, a partir do uso das TICs

em larga escala, em salas de aula, esteja em curso uma nova transformação dos modelos

pedagógicos usuais.

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Ainda que tais mutações possam ser vistas como sinais da evolução pedagógica, Costa

(2008) questiona se apenas a presença das TICs nos espaços de ensino-aprendizagem

representaria a reconfiguração que acarretaria no surgimento das condições necessárias ao

atendimento das novas demandas pedagógicas da Educação do século XXI, como, por

exemplo, ampliar a autonomia e fomentar o protagonismo dos educandos.

Acerca de tais transformações, Serres (2012, p. 27) afirma: “Da mesma maneira que a

pedagogia foi inventada pelos gregos (Paidéia), no momento da invenção e da propagação da

escrita, e assim como ela se transformou ao emergir a imprensa [...] a pedagogia muda

completamente com as novas tecnologias”.

Supõe-se que as mudanças em curso, da pedagogia tradicional para o ensino

conectado, atravessem os ambientes de ensino-aprendizagem, impondo às comunidades

escolares uma série de alternâncias de papéis que podem afetar professores e alunos de

diferentes maneiras, cada qual buscando, a seu modo, adaptar-se às iminentes transformações.

De acordo com estudos desenvolvidos por Rivoltella (2007 apud DIDONÊ, 2007, p.

1), que assessora a formação de docentes do ensino público italiano para as práticas

educacionais com o uso das TICs em sala de aula, é possível afirmar que, tanto na Itália

quanto no Brasil, há certa resistência por parte de educadores e gestores na substituição das

abordagens pedagógicas tradicionais. Segundo o pesquisador, “[...] os professores não são

formados para lidar com elas [...] na maioria das experiências em curso há predominância do

conhecimento técnico dos meios de comunicação, não o crítico”.

Em Portugal, por meio da literacia mediatica15, desde 2006, o Parlamento Europeu e o

Conselho da União Europeia vêm estabelecendo parâmetros que incluem a competência

digital e o aprender a aprender como ferramentas centrais para a formação dos cidadãos para

uma sociedade do conhecimento inclusiva.

No modelo português verifica-se o engajamento de diversas instituições no sentido de

preparar e formar os cidadãos para serem capazes de ler e de usar criticamente os media (a

mídia), as novas redes, as plataformas e as ferramentas digitais – incluindo textos, sons e

imagens transmitidos por diferentes tipos de meios, tais como televisão, cinema, vídeo, sites,

rádio, jogos e comunidades virtuais. Eles acreditam que entender e avaliar a mídia e seus

conteúdos de modo crítico é um pré-requisito para o exercício da cidadania e que a inclusão

digital deve envolver todos os indivíduos, sejam crianças, jovens, adultos ou cidadãos na

maturidade (PINTO, 2011).

                                                                                                               15 Conceito utilizado principalmente em Portugal, análogo à Mídia-Educação e a Educomunicação.

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No Brasil, apesar dos estudos que afirmam que a inserção da Educação para a mídia

na grade curricular do ensino público caminha muito lentamente, a interface entre a

Comunicação e a Educação para esse fim não está descartada, como propõe Ismar Soares

(2011, p. 54) ao afirmar que “a leitura do mundo passa necessariamente pela leitura da

comunicação”.

Para Serres (2012), apenas o uso das TICs nas escolas não seria suficiente para

desenvolver uma pedagogia inclusiva, capaz de alterar modelos convencionais considerados

por alguns como superados. Dessa forma, poder-se-ia indagar se, em determinado cenário,

mesmo com a utilização das TICs, dependendo, portanto, do modo como elas são

empregadas, corre-se o risco de se estar atuando apenas no aspecto decorativo da paisagem

educativa, como em uma pedagogia de “fogos de artifício” (FARBIARZ; FARBIARZ, 2008),

todavia preservando o mesmo modelo pedagógico (SERRES, 2012).

A respeito dessas e de outras inquietações correlatas, propõe Alves:

Como têm sido as escolas? Que nos diz e memória? A imagem: uma casa, várias salas, crianças separadas em grupos chamados ‘turmas’. Nas salas, os professores ensinam saberes. Toca uma campainha. Terminou o tempo de aula. Os professores saem. Outros entram. Começa uma nova aula. Novos saberes são ensinados. O que os professores estão fazendo? Estão cumprindo um ‘programa’. ‘Programa’ é um cardápio de saberes organizados em sequência lógica, estabelecido por uma autoridade superior invisível, que nunca está com as crianças. Os saberes do cardápio ‘programa’ não são ‘respostas’ às perguntas que as crianças fazem. (ALVES, 2012, p. 54).

Na linha das ações que, ao inserir o uso das TICs na escola, buscam compensar as

desigualdades sociais da população ao facultar-lhes o acesso à Educação de qualidade,

principalmente às populações oriundas das periferias dos grandes centros urbanos, novos

projetos despontam com o objetivo de promover a unificação entre as TICs e a Educação.

Desse modo, vislumbram-se novas formas de superar o “fosso tecnológico” que

separaria a vida escolar da vida social (BELLONI; GOMES, 2008), ou o “fosso entre a

comunicação social – que transmite experiências dos indivíduos de modo vivo e imediato – e

a transmissão escolar” no modo tradicional (SODRÉ, 2012, p. 122-123).

Serres (2012) sinaliza alguns riscos a serem evitados nas tais ações compensadoras das

desigualdades sociais, quando postas em prática por meio de políticas públicas criadas apenas

para propagandear gestões marcadas pela chamada tecnologização do ensino. Nesses casos,

por analogia, poder-se-iam comparar tais políticas a “curativos feitos em perna de pau,

apressados e malfeitos [...] Só que os remendos acabam piorando o estado da tíbia, mesmo

que artificial, e enfraquecem o que se tentava consolidar” (SERRES, 2012, p. 28).

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Nos casos em que as escolas reproduzem esses modelos, por vezes determinados por

agências governamentais, os alunos representariam tipos de “unidades biopsicológicas

móveis” (ALVES, 2012, p. 36). O autor – ao mencionar o modelo de escola “oficina do

artesão”, no qual os alunos tecem, juntos, o próprio fazer pedagógico, cada qual construindo

sua parte do e no aprendizado – critica as práticas educativas que adotam o modelo “linhas de

montagem” visando a padronização do ensino (ALVES, 2012, p. 37).

Em artigo intitulado “Ensino não é fábrica” (ASSIS, 2014), a educadora Regina de

Assis tece fervorosas críticas ao modelo pedagógico “linha de montagem”:

Um anúncio da Prefeitura do Rio de Janeiro, ilustrado por uma foto em que crianças fazem parte de uma linha de produção, informação que é reiterada na legenda da publicidade divulgada nos jornais, vem levantando grande revolta nas redes sociais e entre todos os que nos preocupamos com a Educação Pública de nossa Cidade. Há muitos anos, a educadora Maya Pines publicou um livro em que demonstrava que as Escolas podem atender a três modelos: o de um jardim, o de uma linha de produção e o de uma viagem. No primeiro, crianças e adolescentes seriam comparados a flores, que necessitam de ar, água e cuidados para crescer, no qual, obviamente, seus professores seriam os jardineiros [...] No entanto, é importante lembrar que crianças não se desenvolvem como flores, posto que interagem, são curiosas, vêm de situações familiares e sócio/econômicas diferentes, apresentando uma rica e desafiadora diversidade. O segundo modelo de escola descrito por Maya Pines é, justamente o da linha de produção, semelhante ao proposto pela visão taylorista/fordista do início do Século XX, com o pressuposto de que, fornecendo escolas, carteiras, quadros de giz, livros e materiais necessários ao processo de ensino a serem usados por professores e estudantes durante o ano letivo, obtém-se resultados pedagógicos desejados. Simples assim.

Segundo Alves, no modelo linha de montagem, por meio da igualdade das práticas e

dos aprendizados, as crianças seriam padronizadas de forma análoga aos produtos

manufaturados em série. DesSa forma, o educando “se revela, então, um simples suporte para

os saberes-habilidades que a ele foram acrescentados durante o processo [...] formatada, isto

é, de acordo com a forma” (ALVES, 2012, p. 38).

A Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ), seguindo a

tendência da utilização das TICs nos ambientes de ensino-aprendizagem, em janeiro de 2011,

colocou em prática o projeto Ginásio Carioca. O novo modelo foi criado para atender as

chamadas “escolas de segundo segmento”, ou seja, as que atuam do 6° ao 9° ano

(SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2014).

De acordo com o programa, trata-se de uma ação educativa, alicerçada em três

diferentes eixos, a saber: busca da excelência acadêmica, foco no projeto de vida do educando

e Educação para valores, sendo o ensino suportado pelo uso das TICs e pela plataforma de

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Educação a distância chamada Educopédia16. No mesmo programa, estão inclusos os Ginásios

Experimentais Cariocas (GECs), dessa vez atendendo alunos do 7° ao 9° ano (SECRETARIA

MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2014).

Até o final do ano letivo de 2014, os alunos das escolas que integram o projeto

Ginásios Cariocas eram atendidos em horário integral, com um currículo diferenciado com

ênfase nas aulas de Português, Matemática, Ciências e Inglês, oferecidas por professores

contratados em regime de dedicação exclusiva (SECRETARIA MUNICIPAL DE

EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2014).

Ao todo, a rede de Ginásios Experimentais Cariocas (GECs) possui trinta unidades

assim distribuídas: seis colégios “vocacionados” – com espaço diferenciado para o ensino

musical; três unidades do Ginásio Experimental Olímpico (GEO); Ginásio Experimental das

Artes Visuais (GEA); Ginásio Experimental do Samba (GES); e Ginásio Experimental de

Novas Tecnologias Educacionais (GENTE), no qual foi desenvolvido o estudo de caso que

enseja esta dissertação (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE

JANEIRO, 2014).

4.2 PROJETO GENTE

Projeto piloto inicialmente planejado com duração de dois anos (2013-2014), segundo

seus idealizadores, o GENTE nasce a partir do desejo de transformar em escala sistemas

educacionais que já não atenderiam aos objetivos da Educação do século XXI, necessitando,

portanto, serem revistos. Em médio prazo, a expectativa da SME/RJ seria multiplicar em

escala os resultados dos experimentos obtidos no projeto, em parte ou no todo, para toda a

rede de ensino do município (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE

JANEIRO, 2014).

Inspirado em iniciativas educativas consideradas inovadoras, como a Escola da Ponte,

em Portugal, e o Núcleo Avançado em Educação (Nave)17, que integra o Colégio Estadual

José Leite Lopes, no Rio de Janeiro, e ancorado nas diretrizes da “Educação para o século

XXI” apontadas no relatório da UNESCO (DELORS et al., 2006)18 e em estudos de

                                                                                                               16 Plataforma de ensino a distância, via internet, mantida pela SME/RJ, que contém um portal de acesso a conteúdos educativos, padronizados pela própria Secretaria de Educação do Rio de Janeiro. 17 Nave – Núcleo Avançado em Educação. Programa voltado para a pesquisa e o desenvolvimento de soluções educacionais, que usa as tecnologias da informação e da comunicação no ensino médio, capacitando os estudantes para profissões na área digital. 18 Quando refere à Educação para o século XXI.

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especialistas em Educação, como o educador Antonio Carlos Gomes da Costa, o GENTE

apresenta-se como um modelo de escola destinado a envolver, motivar e emocionar a

comunidade escolar (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE

JANEIRO, 2014).

Em relação ao que vem sendo praticado na Escola da Ponte, o GENTE incorpora

algumas características comuns à congênere portuguesa: os salões de aprendizagem ao invés

das convencionais salas de aulas fechadas; professores com liberdade para exercer múltiplos

papéis; os alunos sendo corresponsáveis pelos próprios processos de aprendizagem e uma

visão mais humanista e humanizada da Educação como um todo.

Desde sua criação o projeto GENTE foi marcado pela revisão de paradigmas e

incorporação de inovações às práticas pedagógicas mais comuns na rede municipal de ensino

do Rio de Janeiro. Desde então, atravessa uma complexa fase adaptativa em função da

conversão pedagógica em curso, cuja principal diretriz é fazer das TICs um dos principais

meios para o educando caminhar no sentido da “Educação para o Século XXI” (COSTA,

2008), e não da tecnologização como um fim em si.

Sobre o modelo inspirador, apontado por seus idealizadores como projeto pedagógico

de referência, a Escola Básica da Ponte nº 1 – que funciona em Vila das Aves (conselho de

Santo Tirso), Portugal, e atende crianças da alfabetização até a 5ª série – possui características

singulares, levando-se em conta o modelo de educação pública naquele país. Sua influência

na criação do GENTE, e de outros tantos projetos similares mundo afora, pode ser justificada

pela adoção do conceito que define a Educação como caminho e percurso, de forma que o

primeiro seria constitutivo do caminhante, e não o oposto (ALVES et al., 2012).

Organizada a partir de agudas rupturas, que há mais de vinte anos deram origem a um

novo projeto de escola, a Ponte transformou-se num marco positivo no ensino básico

português. As mudanças, que deram novas feições às relações escolares, tornaram-se viáveis

pela reconfiguração conceitual, social e física de uma escola praticamente em ruínas,

transformada em um projeto onde todos se definem como “membros de uma comunidade

educativa” (ALVES et al., 2012, p. 17).

Como relata Rubem Alves, no livro A Escola com que sempre sonhei sem imaginar

que pudesse existir:

Quando compreendemos que cada criança é um ser único e irrepetível, que seria errado imaginar a coincidência de níveis de desenvolvimento, concluímos que não seria inevitável pautar o ritmo dos alunos pelo ritmo de um manual ou pela homogeneização operada pelos planos de aula destinados a um hipotético aluno médio. E avançamos com uma outra organização da escola, uma outra relação entre

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os vários grupos que constituem a equipe educativa [pais, professores, alunos, pessoal auxiliar], um outro modo de refletir as práticas. Passou-se de objetivos de instrução a objetivos mais amplos de Educação [...] É uma formação social em que convergem processos de mudança desejada e refletida, um lugar onde conscientemente se transgride, para libertar a escola de atavismos, para a repensar. Não é o projeto de um professor, mas de uma escola, pois só poderemos falar de projeto quando todos os envolvidos forem efetivamente participantes, quando todos se conhecerem entre si e se reconhecerem em objetivos comuns. (ALVES et al., 2012, p. 104).

Ao longo dos anos, a Ponte tornou-se um centro de visitação que atrai a atenção de

pesquisadores tanto pelas práticas adotadas quanto em função dos resultados obtidos ano após

ano, destacando-se por ser um lugar onde o protagonismo do aluno não tem limites e pode ser

constatado nas diversas práticas que determinam o cotidiano escolar (ALVES et al., 2012).

Seja nos planos de trabalho, nas formas e nos resultado das avaliações face aos

objetivos de aprendizagem, nos roteiros de consulta bibliográfica ou no compartilhamento das

descobertas individuais, no atendimento solidário para dirimir dúvidas e oferecer apoio

àqueles que solicitam ajuda, tudo gira em torno do aluno (ALVES et al., 2012).

Até para receber os visitantes que, por curiosidade, interesse científico, etc., acorrem à

Escola da Ponte, rotinas que, noutros modelos, ficariam a cargo de professores e gestores

escolares, neste caso são tarefas que cabem aos alunos desempenhar (ALVES et al., 2012).

Segundo Alves et al. (2012, p. 79), a Ponte é um espaço construído diariamente por

meio do “respeito e interajuda aluno-aluno, professor-professor, professor-aluno, professor-

professor; respeito por todos os saberes, valores e atitudes, de todos, igualmente [...] onde se

vive o que se aprende e aprende o que se vive”. Ou, conforme relatado por uma aluna de apenas

10 anos:

Nós não temos, como nas outras escolas, salas de aulas. Não temos classes separadas, 1º, 2º, 3º ano... Também não temos aulas, em que um professor ensina a matéria. Aprendemos assim: formamos pequenos grupos com interesse comum por assunto, reunimo-nos com uma professora e ela, conosco, estabelece um programa de trabalho de 15 dias, dando-nos orientação sobre o que devemos pesquisar e os locais onde pesquisar. Usamos muito os recursos da internet. Ao final dos 15 dias nos reunimos de novo e avaliamos o que aprendemos. Se o que aprendemos foi adequado, aquele grupo se dissolve, forma-se outro para estudar outro assunto. (ALVES et al., 2012, p. 43).

De acordo com as linhas mestras do Projeto GENTE, pode-se considerar que o caráter

colaborativo impresso no ambiente escolar da Escola da Ponte seria mais uma das

características que nortearam a criação do GENTE.

Ao demonstrar o espírito colaborativo da Escola da Ponte, Alves et al. (2012, p. 45)

referem que, afixadas num dos quadros de aviso da Ponte, estão as seguintes frases que

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reforçam a expressão de solidariedade do lugar: “Tenho necessidade de ajuda em...” e “Posso

ajudar em...”. A esse respeito, o autor relata que, nesse tipo de permutas, quaisquer dos

alunos, ao enfrentar eventuais dificuldades quanto à apreensão de determinados conteúdos,

não se acomoda e sente-se à vontade para solicitar ajuda. Em contrapartida, os que se julgam

capazes oferecem, gerando um círculo virtuoso de trocas de conhecimentos e informações.

4.3 A INOVAÇÃO COMO MARCA PEDAGÓGICA

O acesso dos alunos ao GENTE se dá por meio de critérios de seleção semelhantes às

demais unidades da rede municipal, isto é, levando-se em conta pré-requisitos de localização

e ordem de efetivação das matrículas.

De acordo com os documentos que referenciam o projeto, destacam-se:

A concepção do GENTE é resultado de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Educação do Rio, o Ministério da Educação e as seguintes organizações: Fundação Telefônica Vivo, Instituto Natura Intel, MSTech, Tamboro, Instituto Ayrton Senna, Instituto Conecta, e UNESCO. Ele integra os programas Ginásio Carioca, implantado em 2011, e Escolas do Amanhã, criado em 2009 pela Secretaria Municipal de Educação. O Ginásio Experimental Carioca (GEC) tem como base três eixos: excelência acadêmica, Educação para valores e projeto de vida do aluno. Dentro desse novo modelo, a Secretaria de Educação ainda conta com escolas experimentais do 7° ao 9° anos, nas quais inovações pedagógicas são testadas e, posteriormente, ampliadas para toda a rede. As escolas do GEC, onde o GENTE está inserido, atendem jovens de todas as regiões da cidade, atuando como núcleo animador de um movimento de qualificação da Educação no segundo segmento, sendo fonte de inovação em conteúdo, método e gestão. A metodologia foi adotada em dez unidades escolares em 2011 e, em 2012, mais nove escolas passaram a funcionar dessa forma, oferecendo mais tempo de aulas de português, matemática, ciências e inglês. A entrada de mais nove escolas em 2013 reflete o sucesso do programa. O Programa Escolas do Amanhã tem como objetivo reduzir a evasão escolar e melhorar a aprendizagem em 155 escolas localizadas nas áreas mais vulneráveis da cidade ou recém-pacificadas. Integram as estratégias do programa cuidar do ambiente físico, acadêmico e social da escola e trabalhar para o desenvolvimento e promoção de uma cultura baseada em valores. A estrutura do Ginásio Experimental de Novas Tecnologias Educacionais No GENTE, o aluno está no centro do processo de aprendizagem. Por isso, as alterações arquitetônicas realizadas no prédio da escola têm como objetivo proporcionar uma nova utilização pedagógica para o espaço. Foram criados espaços amplos e abertos, possibilitando o trabalho coletivo de alunos e professores, transformando o ambiente em local atrativo ao aprendizado, com identidade visual e mobiliário próprios. Toda essa modificação também visa adequar a escola aos novos equipamentos que disponibilizam a vanguarda da tecnologia para os alunos e professores. O designer Jair de Souza e o Grupo do Rio assinam o projeto de ambientação e programação visual da escola. Disciplinas eletivas São de livre escolha do aluno e também relacionadas a seus projetos de vida. O GENTE oferece várias eletivas, como robótica e mecatrônica, construção de blogs

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como portfólios; Inteligência Artificial (curso da Universidade de Stanford); programação básica; webdesign e os livros de Shakespeare, em inglês, num curso oferecido pela Universidade de Harvard. Projetos transdisciplinares São desenvolvidos pelos alunos a cada semestre a partir de uma situação-problema ou uma pergunta para digestão e aplicação do conhecimento. Será uma forma de Educação “hands on” relacionada a áreas diversas. Nesses projetos, os alunos terão de analisar dados reais, trabalhar em grupos pré-definidos e atuar como agentes transformadores de suas realidades. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2014).

Segundo seus criadores, o Projeto GENTE se alicerça a partir de três pilares: mentoria,

que visa a aprofundar os laços entre alunos e alunos, alunos e professores, professores e

professores; aprendizagem adaptativa ou personalização do ensino, que tem em vista

responder às necessidades, momentos e ritmos de aprendizagem específicos, nos quais o

aluno é protagonista e situa-se no centro do processo educativo; e a Educação

interdimensional, com o foco no desenvolvimento de habilidades cognitivas, não cognitivas e

socioemocionais, por meio do aprendizado com base em projetos transdisciplinares

(SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2014).

Ao definirem o entendimento que o GENTE utiliza para significar as novas

tecnologias educacionais, os idealizadores do projeto mencionam ampliar o papel que

compete às TICs para além de simples dispositivos – rede Wi-Fi, computadores, tablets ou

smartphones – posicionando-os como novas metodologias, ou seja, novas formas do fazer

educativo. Nesse caso, os livros tradicionais coexistirão com as TICs enquanto facilitadores

do acesso à informação (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE

JANEIRO, 2014).

Dentre as principais estratégias pedagógicas que compõem o leque de inovações do

GENTE destacam-se a avaliação diagnóstica, o itinerário formativo e o projeto de vida,

mecanismos adotados com a missão de dar suporte ao professor para o desenvolvimento dos

aspectos cognitivos e não cognitivos e socioemocionais dos alunos. Dessa forma, é possível

pôr em prática a individualização do ensino visando a fomentar a autonomia, o protagonismo

e o sentido crítico dos educandos (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO

DE JANEIRO, 2014).

Realizada no início de cada ano letivo, a avaliação diagnóstica busca sinalizar as

características socioemocionais e os conhecimentos individuais do aluno, com vistas a

identificar o seu momento do aprendizado. Com isso, objetiva-se identificar onde ele se

encontra e deveria estar em termos acadêmicos, face à série em que está matriculado, versus

as habilidades que deveria possuir. Esse mecanismo permitiria à escola alocar o aluno de

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modo adequado e estratégico entre seus pares, visando a facilitar o seu caminhar pedagógico

(SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2014).

O itinerário formativo seria o caminho que o aluno deveria trilhar para aprimorar

conhecimentos e habilidades necessários ao seu desenvolvimento individual, observando-se o

cronograma escolar. Portanto, se o ano letivo possuir trinta e duas semanas, o itinerário

formativo deverá ser composto pelo mesmo número de habilidades a serem desenvolvidas,

uma a cada semana. À medida que as demandas de cada aluno são identificadas por meio da

avaliação diagnóstica, torna-se possível traçar o itinerário formativo dele (SECRETARIA

MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2014).

O projeto de vida seria a atividade informada, que permitiria à escola melhor conhecer

o ideário, os sonhos e as expectativas desse aluno e, espera-se, dessa forma, ajudá-lo a tomar

decisões mais estruturadas para caminhar em determinada direção (SECRETARIA

MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2014).

O uso das TICs no GENTE estrutura-se atento a dois vetores: 1) motivação dos alunos

e professores; 2) quebra das barreiras de tempo e espaço para que ambos possam dar

continuidade às rotinas de pesquisa e aprendizagem nos diversos ambientes intra e

extraescolar (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2014).

Projetada como uma plataforma adaptativa digital e estrategicamente pensada para

atuar como ferramenta de suporte tecnopedagógico, a Educopédia foi estruturada para

viabilizar a personalização do ensino, ao realizar o mapeamento cognitivo de cada aluno. Seu

propósito é identificar as forças e fraquezas relacionadas ao autoconhecimento do educando e

determinar os pontos que precisariam ser revistos, para que ele possa superar eventuais

inconsistências de aprendizado e seguir adiante no seu itinerário formativo com mais

autonomia. Por exemplo, se o aluno não consegue absorver com clareza conteúdos como

realizar operações de multiplicação, frações e equações de primeiro grau, não conseguirá

solucionar equações de segundo grau (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO

RIO DE JANEIRO, 2014).

Dessa maneira, a Educopédia, por meio da Máquina de Testes, permitiria mapear os

ganhos cognitivos individuais, mensurados pelas contínuas avaliações realizadas diretamente

nos dispositivos, aferindo as habilidades necessárias para que o aluno absorva conhecimentos

específicos de cada disciplina, da mais básica à mais complexa, respeitando suas

singularidades e necessidades. Portanto, a ferramenta vincularia o caminhar pedagógico à

superação das metas de aprendizado específicas, observando seu projeto de vida e o mapa

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formativo individual (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE

JANEIRO, 2014).

Em posição análoga à personagem Polegarzinha (SERRES, 2012), os alunos do

GENTE, que têm no acesso à Educopédia a oportunidade de adquirir novos conhecimentos,

também podem orgulhar-se de possuir uma cabecinha “mais bem constituída do que cheia.

Não tendo que se esforçar tanto para armazenar o saber, pois ele se encontra estendido diante

dela, objetivo, conectado” (SERRES, 2012, p. 37). Tal qual a personagem, os alunos do

GENTE, ao utilizarem as ferramentas da Educopédia, poderiam se ater mais em inventar

soluções do que em armazená-las.

Dentre outras possibilidades, a Educopédia oferece conteúdos compatíveis com os

descritores dos 7º, 8º e 9º anos do ensino fundamental, o que torna admissível supor que os

educandos do GENTE, assim como a Polegarzinha (SERRES, 2012), poderão usufruir da

possibilidade da cognição externa, entre as mãos, disponível a partir de suportes eletrônico-

digitais, que possuem memórias “mil vezes mais poderosa que a nossa; uma imaginação

equipada com milhões de ícones; um raciocínio também, já que programas podem resolver

cem problemas que não conseguiríamos sozinhos” (SERRES, 2012, p. 36).

No GENTE, todos os espaços são vistos como espaços de aprendizagem, tendo sido

projetados com características arquitetônicas planejadas para facilitar os aspectos

interrelacionais da cotidianidade escolar. Nesse sentido, uma das inovações é a ausência das

paredes, que transformou as clássicas salas de aula em grandes salões coloridos, abertos, onde

os alunos estudam literalmente juntos. Nesse caso, o objetivo foi que alunos e mentores, como

são designados os professores, se ajudem entre si, formando um ambiente colaborativo que

permite a todos trabalhar na construção de conhecimentos coletivos e individuais

(SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2014).

Em cada um dos três ambientes de ensino-aprendizagem do GENTE, cerca de 180

alunos (2013), e 220 (2014), dos 7º, 8º e 9º anos, estudam juntos e multisseriados, tendo à

mão tablets individuais. Ao invés das turmas tradicionais, foram formados times com dezoito

(2013) a vinte e quatro alunos (2014) e famílias de estudo. Famílias são denominações para os

subgrupos dos times, com até seis alunos cada uma, que se organizam, aleatoriamente ou por

afinidade, em torno das mesas de estudo hexagonais e coloridas (SECRETARIA

MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2014).

Fazendo um paralelo com um dos projetos inspiradores do GENTE, na Escola da

Ponte, após um curto período nominado iniciação, as crianças das séries iniciais da

alfabetização, também chamadas de 1º ciclo, igualmente convivem e aprendem em espaços

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comuns, sendo classificadas apenas pelo desejo de pertencer a determinado grupo. O critério

de organização é o afetivo, a partir do qual se busca “coesão e entusiasmo pelo trabalho,

alegria criadora de quem se sente a construir um universo” (ALVES et al., 2012, p. 102).

Nos dois primeiros anos do projeto piloto, o tempo de estudo no GENTE foi previsto

para oito horas, organizado em blocos de duas horas, das oito da manhã às quatro da tarde,

com intervalos de uma hora de almoço e dois recreios de trinta minutos, ao invés dos

tradicionais tempos de cinquenta minutos por disciplina praticados nas demais unidades da

rede municipal. Outros procedimentos internos, como alimentação adequada, acesso à quadra

poliesportiva, à piscina e à sala de leitura, compõem um cardápio de ações planejadas para

ampliar a interatividade entre alunos e mentores (SECRETARIA MUNICIPAL DE

EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2014).

Tomando por base o ano de 2014, o conjunto de dezesseis mentores (professores)

divide-se entre seis especialistas e dez generalistas, além de duas gestoras internas. Todos os

professores do GENTE foram convidados para atuar como mentores, devendo mediar

conhecimentos de um total de cinco disciplinas, por meio do critério da trans e

interdisciplinaridade. Por exemplo, se o professor é licenciado em matemática, deverá

também mediar conhecimentos das ciências, história, artes e literatura, totalizando cinco

disciplinas (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2014).

Finalizando, buscando referenciar o ambiente sócio, político e geográfico no qual está

localizado o Projeto GENTE, ressaltamos que a Escola André Urani está localizada na

Rocinha, bairro do Rio de Janeiro que conta com forte adensamento populacional (69 mil

habitantes, distribuídos em 23 mil domicílios). Considerado um dos maiores assentamentos

urbanos da América Latina, ocupa uma mancha urbana de 86 hectares e sua população possui

renda média per capita de 433 reais. A taxa de alfabetização é de 87,9% e a média de anos de

estudos por pessoa é de apenas 4,2 anos (IBGE, 2010). Portanto, conforme os números

sugerem, trata-se de uma comunidade densa, que possui dados referenciais quantitativos

superiores a diversos municípios de médio porte, com população de baixa escolaridade.

Segundo a SME/RJ, 24,7% da população, cerca de dezessete mil pessoas, possuem

entre 0 e 14 anos, ou seja, uma população muito jovem, sendo um quarto desse grupo

composto por crianças ou adolescentes entre 0 e 14 anos, igualmente distribuídos nas faixas

de 0 a 4; 5 a 9; e 10 a 14 anos. Esses dados expõem uma comunidade de grande porte,

bastante jovem, que abriga famílias de baixa renda, com poucos anos de estudo, portanto,

jovens e crianças, filhos de pais e mães que, na maioria dos casos, não completaram o

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primeiro ciclo do ensino fundamental. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO

RIO DE JANEIRO, 2014).

Neste capítulo, buscou-se contextualizar, por meio de dados sociodemográficos, a

região onde se localiza a escola que desenvolve o projeto educacional observado, com vistas

ao estudo sobre a adaptabilidade de uma comunidade escolar às novas tecnologias da

informação e da comunicação. Além disso, evidenciaram-se aspectos singulares do projeto

pedagógico referido, buscando-se oferecer elementos para a compreensão do capítulo

analítico que se segue.

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5 ESTUDO DE CASO DO PROJETO GENTE

Neste capítulo, pretende-se apresentar a metodologia utilizada no estudo de caso,

destacar as variáveis que compuseram as etapas da investigação, justificar as estratégias

metodológicas para a pesquisa de campo e, finalmente, discutir as resultantes dos objetivos da

pesquisa, atentando-se ao problema central, à luz dos autores que discutem os estudos

culturais latino-americanos e do campo da Educação para a mídia, os quais nortearam o

presente estudo.

Ao discutir os resultados dessa investigação a partir do campo da Educação para a

mídia e seus autores, embora se utilizem diferentes conceitos e pontos de vista, elegeram-se

como centrais aqueles que estudam a Educomunicacão, a Mídia-Educação e a Literacia

Mediática, destacando-se apenas os aspectos comuns entre eles, embora se reconheça que

possam divergir entre si em determinados aspectos. Dessa forma, foram deixadas de lado

possíveis diferenças insuperáveis, sejam elas conceituais, semânticas ou abordagens

divergentes.

Buscar-se-á evidenciar a centralidade da Educação para a mídia, como ferramenta

auxiliar para o atendimento das demandas adaptativas das escolas que dão os passos iniciais

nas práticas do uso pedagógico das TICs e que buscam aliar suas ações às premissas da

Educação para o Século XXI. Tais práticas voltam-se para o desenvolvimento do sujeito

autônomo, capaz de exercer criticamente seu direito à liberdade de expressão e ao consumo

de produtos e conteúdos midiáticos de qualidade, sejam eles informação, entretenimento,

Educação ou quaisquer outros.

Torna-se evidente a crescente demanda por ações educativas envolvendo a presença

das TICs no ambiente escolar, como se comprova por eventos realizados no Brasil, nos

campos da Educação19 e no da Comunicação20. Pesquisadores de diferentes matizes teóricas

que investigam e atuam na Educação para a mídia, ou na intercessão entre as duas, indicam

interesses comuns, dada a responsabilidade social que envolve o tema.

Embora existam outros conceitos igualmente relevantes para os estudos que envolvem

mídia e Educação, um dos principais utilizados nas ações de Educação para a mídia é a

Educomunicação. Esse neologismo, criado por Ismar de Oliveira Soares no início da década

                                                                                                               19 Por exemplo, o 4º Colóquio de Pesquisas em Educação e Mídia, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, em 2014. 20 Por exemplo, o V Seminário de Pesquisas em Mídia e Cotidiano, realizado pelo Programa de Pós-Graduação Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense, em 2014.

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de 1980, que se tornaria subárea da educação para a mídia e seria agregado pela UNESCO

como equivalente a media education, foi compreendido, em sua definição inicial, por ações

do campo da Educação criadas para dialogar com os efeitos provenientes dos meios de

comunicação na formação de crianças e jovens. No final dos anos 1990, mais precisamente

entre 1997 e 1999, o Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo

(NCE/USP) realizou uma ampla pesquisa, reunindo “176 especialistas, de 12 países da

América Latina, que indicariam a comunicação como eixo transversal das atividades de

transformação social” (SOARES, 2011, p. 11).

Naquele momento, o NCE/USP agregaria à Educomunicação novos sentidos, que

envolviam “o conjunto das ações que produzem o efeito de articular sujeitos sociais no espaço

da interface Comunicação/Educação”. O autor chama a atenção para o fato de que, naquela

oportunidade, acrescenta-se a ideia de gestão da comunicação nos espaços educativos aos

conceitos de leitura crítica da mídia e de produção midiática realizada por jovens (SOARES,

2011, p. 11).

Destacada pela UNESCO (WILSON et al., 2013, p. 11), a alfabetização midiática e

informacional consolida mais um conceito que suporta investigações e projetos de educação

para a mídia. Objetiva, desse modo, o desenvolvimento crítico do cidadão e o engajamento

dos professores como agentes principais do esforço que “reconhece a necessidade de os

sistemas políticos e educacionais promoverem a compreensão crítica, pelos cidadãos, dos

‘fenômenos da comunicação’ e sua participação nas (novas e antigas) mídias” (WILSON et

al., 2013, p. 16).

De acordo com as referências anteriormente detalhadas, dentre os diversos princípios

identitários comuns aos campos Mídia-Educação, Educomunicação e Alfabetização

Midiática, pesquisadores como Belloni (2003), Soares (2011), Rivoltella e Fantin (2012)

destacam a mediação tecnológica, a gestão dos processos da comunicação em espaços

educativos, a leitura crítica da mídia, a relação que os receptores/consumidores de mídia

estabelecem com os meios, a busca pela compreensão do modo como os conteúdos midiáticos

são recebidos e ressignificados, dentre outros.

Outras pesquisas indicam que, no mesmo período, a UNESCO e a Comunidade

Europeia teriam produzido os primeiros documentos que referenciam a mídia-educação, outro

conceito que ancora estudos, projetos e ações de Educação para a mídia, tendo sido designado

por “uma primeira abordagem que diz respeito às políticas públicas para a mídia-educação”

(RIVOLTELLA; FANTIN, 2012, p. 18).

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A relevância do tema pode ser demonstrada nas Cartas do Rio de Janeiro, resultante da

IV Cúpula Mundial de Mídias para Crianças e Adolescentes (2004) e da Rio Summit on

Youth, Media and Children (2004), eventos organizados pela mídia-educadora Regina de

Assis, que se tornariam exemplos de construção do debate público e plural sobre mídia-

educação em âmbito internacional.

Carta dos Profissionais: [...] a mídia exerce uma influência central no desenvolvimento e na formação de crianças e adolescentes – a mídia influencia não apenas as atitudes e comportamentos deles, mas também suas identidades – nos preocuparmos profundamente pelos valores negativos e estilos de vida promovidos por grande parte da mídia hoje. A mídia vem assumindo funções antes desempenhadas apenas por famílias e educadores, sem que esteja preparada para lidar com este desafio gigantesco. As crianças e os adolescentes merecem algo melhor do que recebem atualmente da mídia. Nossas crianças e adolescentes representam o maior investimento que podemos fazer para o nosso futuro. Isto nos responsabiliza a assumir compromissos tanto com a mídia quanto à sociedade, e não deixar de implementar ações que não podem mais ser adiadas. (CÚPULA MUNDIAL DE MÍDIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, 2004, p. 1).

Ainda a respeito das experiências históricas fundamentais para o desenvolvimento do

campo da Educação para a mídia, há registros de experimentos realizados no Brasil desde a

década de 1984.

Segundo Belloni e Gomes (2008), o primeiro experimento de campo da mídia-

educação foi realizado em Salvador, Bahia, em 1984, com 287 adolescentes, alunos de

escolas públicas, abordando questões relativas às mídias (principalmente o meio TV) e a seus

entrelaçamentos com a Educação. Um segundo experimento se deu em Brasília, em 1987 e

1988, com 497 jovens de oito a dezoito anos, de escolas públicas e privadas, e explorou a

programação televisual e buscou analisar os modos de apropriação e reelaboração das

mensagens. O terceiro experimento aconteceu em Florianópolis, em 1996, e investigou o uso

pedagógico de mensagens televisuais na pré-escola (universo de crianças de cinco e seis

anos).

Rivoltella e Fantin (2012, p.19-20) propõem compreender o campo da Educação para

a mídia a partir de três linhas interpretativas: a primeira, institucional, presente nos

documentos produzidos, entre outros, pela UNESCO; a segunda, de cunho social, evidente

nos inúmeros eventos que afirmam a mídia-educação como uma questão universal do sujeito

contemporâneo, que atravessa os ambientes de trabalho, salas de aula, família e a própria

cotidianidade; e uma terceira, de natureza teórica, organizada a partir dos modelos conceituais

e aportes metodológicos com origem no trabalho dos estudiosos do campo. Esses seriam os

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recortes das pesquisas que, segundo os autores, têm contribuído para sensibilizar governos e

gestores na implementação de ações e políticas, visando promover a “consciência do valor de

produzir reflexão crítica sobre a mídia com os jovens”.

Na narrativa de sua trajetória no campo da Educomunicação, Guillermo Orozco

Gómez (2014, p. 22), ao comentar sobre a eficácia do uso educativo do seriado “Vila

Sésamo”, distribuído mundialmente pela Television Children’s Workshop, de Nova Iorque,

nos anos 80, destacou que, para além dos resultados positivos aferidos pela série, ela não se

aproximava do que ele dizia ser “o problema educativo maior”. Nesse caso, não são os efeitos

desejados pelo consumo desse tipo de programação, mas sim aqueles indesejados, gerados

pelo consumo infantil de todo o restante da programação. Para o autor, “aí se manipulava,

incitava-se ao consumismo, produziam-se e difundiam-se estereótipos, excluíam-se setores da

população, levava-se a cabo a definição de agenda, e assim por diante”.

Ao mapear a produção acadêmica brasileira sobre Educomunicação, considerando o

período entre 1998 e 2011, Pinheiro (2013) produziu, em sua tese de doutoramento, um

retrato da abrangência do campo ao analisar 97 trabalhos, entre dissertações de Mestrado e

teses de Doutorado. O estudo revelou que 42% deles foi produzido por pesquisadores da

Universidade de São Paulo (USP), justificando, portanto, a contribuição da instituição para o

amadurecimento do campo. Ratificando essa posição, em 2009, a USP criou o primeiro curso

de ensino superior da área no país, com a Licenciatura em Educomunicação (SOARES, 2011,

p. 35).

Segundo Orozco Gómez (2014, p. 16), a principal questão que a Educação para a

mídia propõe como desafio pode ser definida como “o que os meios de comunicação de

massa fazem e podem fazer pela Educação?”

5.1 PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA

A investigação contou com avaliação favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade Federal Fluminense (CEP/CONEP), cujo parecer consubstanciado, emitido pela

Plataforma Brasil, obteve o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº

29131014.0.0000.524321.

                                                                                                               21 Anexo B.

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A pesquisa de campo foi formalmente autorizada pela Secretaria Municipal de

Educação do Rio de Janeiro, por meio de carta de aceite expedida pela Coordenadoria de

Convênios e Pesquisas22.

Em todas as entrevistas realizadas utilizou-se o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE), respeitando-se os procedimentos formais relativos ao sigilo da pesquisa

e entrevistas, sendo todos os entrevistados devidamente notificados dos eventuais riscos no

decorrer dos procedimentos de coleta das informações.

5.2 ABORDAGEM METODOLÓGICA

A presente investigação ocorreu na Escola André Urani, comunidade da Rocinha, Rio

de Janeiro, que recebeu o Projeto GENTE, objeto deste estudo de caso, implementado como

projeto piloto pela SME/RJ e, a partir do qual foi designado o uso das TICs como ferramenta

pedagógica no ambiente de ensino-aprendizagem escolar.

A pesquisa exploratória norteou-se por revisão bibliográfica, análise documental e

entrevistas com os idealizadores e gestores responsáveis pela formulação e implantação do

GENTE.

Na fase de campo, optou-se pelo estudo de caso, utilizando uma abordagem teórico-

metodológica qualitativa, primeiramente em função dos objetivos de pesquisa – os quais

possuem características não demonstradas a priori e somente reveladas após a compreensão

das camadas de realidade que compõem o objeto – e por se tratar de um universo pequeno em

relação à dimensão da amostra pesquisada. Conforme Cervi (2009, p. 134), o método

qualitativo é ideal para estudar o interior dos casos, sendo amplamente “usado em estudos de

comunidades com o objetivo de examinar casos específicos ou detalhes”.

Na opinião de Peruzo (2003, p. 6), a observação participante, ou pesquisa participante,

permite ao pesquisador acessar o objeto estudado em toda sua extensão e complexidade,

visando aproximar-se das “[...] origens do fenômeno, suas partes constitutivas, os significados

e as transformações sofridas. Em outras palavras, procura captar o ‘movimento’ e nele

compreender a essência e todas as dimensões do fenômeno”.

A pesquisa de campo desenvolveu-se entre os meses de novembro e dezembro de

2014, quando foram realizadas as entrevistas em profundidade, por meio das quais foi

                                                                                                               22 Anexo A.

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ouvida a amostra, contendo dez dos mentores (especialistas e generalistas), de um total de

dezesseis.

Para a coleta de dados, utilizaram-se entrevistas individuais em profundidade,

juntamente com a observação participativa, em função da necessidade da inserção do

pesquisador no ambiente natural da ocorrência do caso estudado, para a relevante interação

deste com o ambiente natural da Escola André Urani, na Rocinha.

Segundo Peruzo (2003, p. 17), ao fazer a opção pela observação participante é

facultada ao pesquisador a possibilidade de utilizar outras técnicas consorciadas para a coleta

de dados, como a entrevista em profundidade ou semiestruturada, “análise documental e o

estudo de dados secundários (informações já disponíveis em órgãos públicos e privados ou de

instituições vinculadas ao próprio grupo pesquisado etc.)”.

A amostra da pesquisa circunscreveu-se a dez professores/mentores, especialistas e

generalistas, oriundos de um contingente de dezesseis mentores, subdivididos em dez

generalistas e seis especialistas, os quais compõem o corpo docente da escola23.

5.2.1 Roteiro de perguntas

As entrevistas em profundidade seguiram um roteiro semiestruturado de quatorze

perguntas, a seguir registradas, realizadas com pequenas variações, buscando-se modular as

formulações iniciais das questões com vista ao melhor aproveitamento e clareza dos

enunciados na mediação junto aos entrevistados.

• Pergunta 1: Qual a maior inovação que o GENTE oferece aos seus alunos?

• Pergunta 2: Colocar o aluno no centro do processo de aprendizado. Na prática, o que isso

tem a ver com tecnologia?

• Pergunta 3: Quando o aluno é admitido no GENTE, ele passa por uma “avaliação

pedagógica”, a partir da qual se elabora um “itinerário formativo” e um “projeto de vida”.

Como isso funciona?

• Pergunta 4: De que forma o uso das mídias é inserido na rotina dos alunos e professores do

GENTE?

                                                                                                               23 Nota técnica: considerando que as autorizações à participação de menores como sujeitos da pesquisa tiveram baixo retorno por parte dos familiares responsáveis pelos alunos, optou-se por trabalhar somente com as entrevistas concedidas por professores-mentores.

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• Pergunta 5: Com a utilização das TICs, o professor deixa de ser o único detentor do

conhecimento?

• Pergunta 6: Tornou-se imperativo para o educador apoderar-se das TICs? Em função disso,

há alguma ameaça ou desconforto de sua parte?

• Pergunta 7: O GENTE seria possível sem a utilização das TICs?

• Pergunta 8: Quais as diferenças entre o ensino-aprendizagem utilizando o modelo

convencional do livro didático e com as TICs?

• Pergunta 9: O tipo de mediação praticada pelos mentores com os alunos seria mais técnico,

crítico em relação ao conteúdo ou ambos?

• Pergunta 10: O (a) senhor (a) se sente corresponsável pelos conteúdos midiáticos que os

alunos consomem nos ambientes de ensino-aprendizagem?

• Pergunta 11: Em dois anos de funcionamento do GENTE, o (a) senhor (a) percebeu

alterações nos padrões de consumo de mídia dos alunos?

• Pergunta 12: Qual é a função da Educopédia?

• Pergunta 13: Fale sobre a Máquina de Testes e as avaliações do rendimento dos alunos.

• Pergunta 14: O uso das TICs no ambiente escolar alterou o interesse dos alunos nos livros

impressos disponibilizados na sala de leitura?

A partir desse roteiro, foram geradas aproximadamente doze horas de gravação de

áudios dos entrevistados, que foram transcritas, totalizando 145 laudas de texto24, as quais

constam no anexo disponibilizado on-line, para consulta da Banca Examinadora.

Ressalte-se que, em todas as transcrições, buscou-se preservar a essência da riqueza da

oralidade captada nas entrevistas em profundidade, desprezando-se acidentais discrepâncias

de vocabulário, problemas de concordância gramatical e demais incongruências na

formulação do texto oral transcrito.

Outrossim, ao se atender ao caráter de sigilo da pesquisa pactuado com os

entrevistados por meio do TCLE, preservou-se o nome dos entrevistados, atribuindo a cada

um (a), siglas: M 1 [mentor – (a)], M2, M3...

                                                                                                               24 Formato: fonte Times; corpo 12; espaçamento: 1,5.

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5.2.2 Análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC)

O trabalho foi desenvolvido valendo-se da pesquisa exploratória e da análise

qualitativa, visando atender ao objetivo principal da investigação, qual seja, buscar

compreender o processo de adaptabilidade de educandos e educadores frente à reconfiguração

pedagógica que ocorre com a utilização das TICs no ambiente de ensino-aprendizagem do

Projeto GENTE. O caminho de investigação objetivou captar a percepção individual e

subjetiva que os atores que compõem o universo escolar do projeto GENTE têm do processo

adaptativo no uso das TICs, do qual fazem parte como sujeitos relevantes, levando-se em

conta a análise do discurso desses sujeitos. Para proceder a esse exame, optou-se pela análise

do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), seguindo os parâmetros metodológicos desenvolvidos

por Lefèvre, Lefèvre e Marques (2009), suportado pelo software Qualiquantisoft.

O Discurso do Sujeito Coletivo baseia-se em um modelo analítico fundamentado em

categorias que operam para uma análise sistemática a respeito das configurações sociais que

exercem interferência sobre as formas de ação dos sujeitos (LEFÈVRE; LEFÈVRE;

MARQUES, 2009).

5.2.2.1 Figuras metodológicas do Discurso do Sujeito Coletivo

Ao lançar-se mão do método DSC para proceder à análise do discurso resultante da

empiria, busca-se aferir dados quantitativos do discurso dos entrevistados simultaneamente à

compreensão qualitativa desse mesmo discurso.

A estratégia do método reside na descrição dos sentidos individuais contidos nas

produções de sentido e representações sociais dos entrevistados. Os procedimentos do DSC

são sistematizados a partir de chaves metodológicas que, entrelaçadas, orientam e organizam

as informações captadas. A saber: Expressões-Chave (ECH) – fragmentos literais do discurso

que demonstrem seu cerne; Ideias Centrais (IC) – o tema central de cada discussão no

desenho do tema; Ancoragens (AC) – posicionamentos que reflitam a ideologia do

entrevistado, não necessariamente dita de modo claro nas entrevistas, mas que contenha

informações relevantes do entrevistado frente ao tema (FISCHER et al., 2009).

O método designa que se destaque a essência do discurso por meio das Expressões-Chave

(ECH) de cada fala, buscando-se revelar o discurso síntese de cada entrevistado. Em um segundo

momento, deve-se reinserir as ECH numa única fala coletiva, classificada por categorias

resultantes das Ideias Centrais (IC) de cada sujeito entrevistado (FISCHER et al., 2009).

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As categorias representam as modulações contidas nas falas dos entrevistados, que

poderiam identificar diferentes sentidos discursivos, convergentes ou divergentes.

A resultante do DSC é um discurso síntese a ser reorganizado pelo entrevistador, na

primeira pessoa, composto pela soma das ECH de cada discurso individual que possui a

mesma IC ou AC (FISCHER et al., 2009). A proposta do DSC foi criada a partir dos

pressupostos da teoria das representações sociais de Jodelet (1989 apud LEFÈVRE;

LEFÈVRE, 2006). Dessa forma, o método:

elenca e articula uma série de operações sobre a matéria-prima de depoimentos coletados em pesquisas empíricas de opinião por meio de questões abertas, operações que redundam, ao final do processo, em depoimentos coletivos confeccionados com extratos de diferentes depoimentos individuais – cada um desses depoimentos coletivos veiculando uma determinada e distinta opinião ou posicionamento, sendo tais depoimentos redigidos na primeira pessoa do singular, com vistas a produzir, no receptor, o efeito de uma opinião coletiva, expressando-se, diretamente, como fato empírico, pela “boca” de um único sujeito de discurso. (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2006, p. 517).

Ao proceder à análise dos dados qualitativos obtidos à luz da teoria do Discurso do

Sujeito Coletivo, buscou-se reproduzir um somatório de olhares, levando-se em conta

variáveis isoladas que, embora partindo de diferentes atores, ao atuarem diretamente na

cotidianidade do sujeito-objeto observado, interagem entre si, tornando-se, assim,

determinantes para a investigação.

5.2.2.2 Relatório síntese das Ideias Centrais (IC) da pesquisa e percentuais quantitativos

resultantes da aplicação do software Qualiquantisoft

De acordo com os procedimentos técnicos criados por Lefèvre e Lefèvre (2006) para a

aplicação do Discurso do Sujeito Coletivo, nesse caso buscando-se conhecer as camadas da

realidade que constituíram o período de adaptação da comunidade escolar do GENTE ao uso

pedagógico das TICS, por meio da metodologia qualitativa, foram necessários seguir alguns

princípios apontados pelos autores.

O procedimento se iniciou na análise de todo o conteúdo oral captado nas entrevistas

de cada um dos entrevistados, ou seja, de cada resposta às questões contidas no questionário.

A partir da análise, pode-se selecionar alguns trechos das transcrições literais que,

pretende-se, respondam às questões norteadoras e ao problema de pesquisa em si, dos quais

foram geradas as Expressões-Chave (ECH).

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A partir das ECH, ao buscar-se identificar o sentido contido em cada uma e nomeá-los

por meio de uma expressão linguística foram designadas as Ideias Centrais, agrupando-as

posteriormente em categorias, o que permitiu enquadrar cada uma das ECH, correlacionando-

as à respectiva IC categorizada.

Segundo Lefèvre, Lefèvre e Marques (2009), é possível observar-se em cada ECH

mais de uma IC, o que constituiria um conjunto discursivamente heterogêneo, sendo

necessário agrupá-las de acordo com cada categoria. Noutras oportunidades, a ECH apresenta

apenas uma IC, determinando um conjunto discursivo homogêneo.

Destaca-se que não foi utilizada a figura metodológica da Ancoragem, prevista no

DSC como tipo específico de resposta que carrega sentidos como teoria, ideologia, crença ou

valor, a qual deve ser utilizada para enquadrar determinadas situações.

A partir da aplicação desse processo, utilizando como suporte o software que suporta o

DSC, obteve-se a quantificação da incidência dos dados qualitativos, de acordo com as

categorias designadas a partir das IC.

Dessa forma, a partir da execução dos procedimentos metodológicos do DSC, foi

gerado o relatório que representa a síntese das Ideias Centrais da pesquisa de campo e os

respectivos percentuais quantitativos resultantes da frequência de cada IC, por categoria, em

relação às ECHs que sintetizaram o discurso coletivo dos entrevistados, ao responderem cada

uma das perguntas do questionário de pesquisa.

• Pergunta 1: Qual a maior inovação que o GENTE oferece aos seus alunos?

A - Ensino multisseriado. (30%)

B - Construção da autonomia. (10%)

C - Ensino colaborativo. (40%)

D - Arquitetura tecnológica. (20%)

• Pergunta 2: Colocar o aluno no centro do processo de aprendizado. Na prática, o que isso

tem a ver com tecnologia?

A - Construção da autonomia. (30%)

B - Promover o protagonismo. (30%)

C - A queda das paredes. (10%)

D - Transdisciplinaridade. (20%)

E - Consciência crítica. (10%)

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• Pergunta 3: Quando o aluno é admitido no GENTE, ele passa por uma “avaliação

pedagógica”, a partir da qual se elabora o “itinerário formativo” e o “projeto de vida”.

Como isso funciona?

A - Não funciona / Não foi posto em prática. (30%)

B - Interfere positiva, mas parcialmente. (20%)

C - Ficou a cargo dos mentores. (20%)

D - Tem funcionado a contento. (10%)

E - Não respondeu. (20%)

• Pergunta 4: De que forma o uso das mídias é inserido na rotina dos alunos e professores do

GENTE?

A - Aporte tecnológico é compatível com a demanda. (20%)

B - Aporte tecnológico é incompatível com a demanda. (40%)

C - O uso das TICs tende a melhorar. (30%)

D - Não respondeu. (10%)

• Pergunta 5: Com a utilização das TICs, o professor deixa de ser o único detentor do

conhecimento?

A - Amplia o paradigma e oportuniza o crescimento. (30%)

B - O professor passa a ser mediador. (50%)

C - O professor ainda é visto ou se vê como porta-voz do conhecimento. (10%)

D - Independe da tecnologia. (10%)

• Pergunta 6: Tornou-se imperativo para o educador apoderar-se das TICs? Em função disso,

há alguma ameaça ou desconforto de sua parte?

A - O apoderamento é imperativo. Há desconforto. (50%)

B - O apoderamento deve dialogar com a pedagogia tradicional. (30%)

C - O apoderamento é necessário. Há desconforto. (20%)

• Pergunta 7: O GENTE seria possível sem a utilização das TICs?

A - Não há dependência tecnológica. (40%)

B - O projeto foi concebido com base na tecnologia. Há dependência. (30%)

C - A tecnologia não cumpriu os objetivos iniciais do projeto. (10%)

D - Não respondeu. (20%)

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• Pergunta 8: Quais as diferenças entre o ensino-aprendizagem utilizando o modelo

convencional do livro didático e com as TICs?

A - A tecnologia expande o conhecimento. (40%)

B - O ideal é a complementaridade entre o livro convencional e as TICs. (40%)

C - A tecnologia dispersa o aluno. (10%)

D - Não respondeu. (10%)

• Pergunta 9: O tipo de mediação praticada pelos mentores com os alunos seria mais técnica,

crítica em relação ao conteúdo ou ambas?

A - Mediação técnica, operacional. (10%)

B - Crítica e solidária. (20%)

C - Técnica e crítica. (40%)

D - Moeda de troca, incentivo. (30%)

• Pergunta 10: O (a) senhor (a) se sente corresponsável pelos conteúdos midiáticos que os

alunos consomem nos ambientes de ensino-aprendizagem?

A - Sou corresponsável. (30%)

B - Não sou corresponsável. (10%)

C - A responsabilidade deve ser solidária e coletiva. (20%)

D - Não respondeu. (40%)

• Pergunta 11: Em dois anos de funcionamento do GENTE, o (a) senhor (a) percebeu

alterações nos padrões de consumo de mídia dos alunos?

A - Há alterações visíveis nos padrões de consumo. (20%)

B - Não há alterações. (20%)

C - Mudanças de padrão acontecem em médio e longo prazos. (30%)

D - Não respondeu. (30%)

• Pergunta 12: Qual é a função da Educopédia?

A - Satisfatória, atrativa - atende à demanda tecnológica. (50%)

B - Não é atrativa, é insatisfatória - não atende à demanda tecnológica. (10%)

C - Precisa melhorar a oferta de conteúdo. (30%)

D - Não respondeu. (10%)

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• Pergunta 13: Fale sobre a Máquina de Testes e as avaliações do rendimento dos alunos.

A - Avaliações conflituosas entre o modelo tecnológico e o da rede municipal de ensino.

(10%)

B - Modelo tradicional adotado na rede municipal de ensino. (40%)

C - Modelo alternativo híbrido desenvolvido pelos mentores. (40%)

D - Não respondeu. (10%)

• Pergunta 14: O uso das TICs no ambiente escolar alterou o interesse dos alunos nos livros

impressos disponibilizados na sala de leitura?

A - Os livros têm sido tão atrativos quanto os computadores. (10%)

B - Os computadores são mais atrativos. (10%)

C - Os livros são mais atrativos. (10%)

D - Livros e computadores são complementares. (50%)

E - Não respondeu. (20%)

5.3 ANÁLISE DO DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO E DISCUSSÃO DOS

RESULTADOS

Ao utilizar-se o DSC como método de análise foi possível sistematizar os discursos

resultantes de cada uma das catorze perguntas de pesquisa formuladas aos entrevistados.

Ainda que se trate de uma pesquisa qualitativa, no intuito de hierarquizar as principais

resultantes das Ideias Centrais oriundas das Expressões-Chaves de cada resposta presente no

Discurso do Sujeito Coletivo do objeto investigado, decidiu-se usar os resultados

quantitativos, mantendo-se, assim, dois tipos de representatividades: a qualitativa, ao sugerir

que “cada distinta opinião coletiva é apresentada sob a forma de um discurso, que recupera

distintos conteúdos e argumento que conformam a dada opinião na escala social [...] e a

quantitativa porque tal discurso tem, ademais, uma expressão numérica” (LEFÈVRE;

LEFÈVRE, 2006, p. 522).

De acordo com Lefèvre, Lefèvre e Marques (2009, p. 522), o DSC organiza-se por

meio de um discurso síntese, redigido na primeira pessoa do singular, que aglutina o

somatório das ECHs retiradas das respostas dos entrevistados que apresentaram ICs análogas

ou semelhantes, ocorrendo, em certos casos, a possibilidade de o DSC ser formado por ECHs

de somente uma resposta. Dessa forma, a edição do DSC responde à subjetividade do

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pesquisador, que busca destacar a fala coletiva dos entrevistados, em resposta às questões e

aos problemas de pesquisa, a partir da aplicação dos procedimentos metodológicos indicados

no método, conforme explicitam os autores:

Sabemos, por certo, que, de uma ótica estritamente “positiva”, pensamentos coletivos sob a forma natural de discursos não “existem”, como “existe” o discurso presente na resposta de um indivíduo a uma questão de pesquisa, gravada numa fita magnética; que, portanto, qualquer pensamento coletivo sob a forma de um discurso é um constructo ou recriação que implica em algum grau de artificialismo. Mas, este necessário artificialismo é, sem dúvida, bem menos artificial que aquele presente nas pesquisas tradicionais, de corte quantitativo, onde o pensamento dos indivíduos são, desde o início do processo de pesquisa, profundamente violentados em sua natureza discursiva (e portanto qualitativa) quando apresentados pelo pesquisador ao pesquisado sob a forma de questões fechadas com alternativas de resposta, expediente que, supostamente, permitiria somar os mesmos pensamentos de indivíduos distintos produzindo assim pensamentos coletivos do tipo: 20% dos indivíduos tem a opinião x sobre um tema enquanto 30% tem a opinião y, etc. Mas apesar do DSC ser uma forma qualitativa de generalizar o pensamento de indivíduos que compõem uma coletividade, após esta agregação qualitativa, é perfeitamente possível e necessário o uso de tradicionais procedimentos quantitativos, obviamente importantes para descrever fatos ou realidades sociais como o pensamento de coletividades. Mas, vale insistir, antes de serem descritos quantitativamente, os pensamentos individuais precisam ser “coletivisados” sob uma forma qualitativa; é para esta finalidade que o DSC foi construído.

Para efeito de facilitar a leitura dos trechos dos DSCs que foram destacados, optou-se

por grafá-los em itálico e assinalar entre colchetes a pergunta e a categoria equivalentes,

respectivamente. Ao buscar-se manter as características da oralidade contidas originalmente

nas respostas captadas na pesquisa de campo, mais uma vez foram desprezados eventuais

problemas gramaticais e de grafia que possam figurar nestas citações.

Pergunta 1: Qual a maior inovação que o GENTE oferece aos seus alunos?

Categoria A: Ensino multisseriado (30%)

A possibilidade de termos um computador pra cada um é a maior inovação. Porque às vezes a Prefeitura disponibiliza o computador na escola, mas você não tem um computador pra cada um. Além disso, não adianta ter o computador e não ter a rede. A distribuição dos alunos por séries, isto geralmente nós temos nas escolas tradicionais. Aqui nós temos as classes multisseriadas, onde alunos do sétimo, oitavo e nono anos estudam juntos, o que também é uma coisa interessante. A queda das paredes, a questão de ter um grande salão e todos juntos e ao mesmo tempo separados pelos times, num mesmo grupo é um dos pontos mais fortes. Outra característica é o professor que não é o especialista da sua disciplina, sendo responsável por um conjunto de disciplinas, por exemplo quando um professor formado em história é responsável por história, geografia, matemática, português e

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ciências. Então você perde a figura do profissional formado na área, que está capacitado pra trabalhar com aquela área, numa espécie de polivalência.

Categoria B: Construção da autonomia (10%)

A maior inovação é proporcionar mais autonomia a esse aluno, autonomia participativa, autonomia de estudo. Eu acho que, mais do que qualquer ferramenta, essa autonomia que permite que ele possa se responsabilizar pelo andamento do seu estudo e o espaço para o diálogo é o que faz mudar o comportamento desse aluno. Eles acabam ganhando maior autonomia de ação não só para estudar, pelo tipo do projeto a porção tecnológica acaba ficando em segundo plano em relação a essa autonomia.

Categoria C: Ensino colaborativo (40%)

O conjunto é que cria a inovação, a estrutura física da escola, não ter salas de aula também já provoca um outro olhar. O papel da tecnologia como instrumento pedagógico dentro da escola provoca essa inovação. Isso tudo é inovação, o pensamento colaborativo, tentar trabalhar dentro de um espaço onde tudo é colaborativo, o conhecimento é colaborativo, o ensino é colaborativo, isso é bem diferente. O principal diferencial que eu vejo neste projeto é que ele busca muito a parte de interação pessoal. Os grupos de alunos não terem separação entre séries, de anos 7º, 8º e 9º ano, é bastante significativo em termos interrelacional. Eu já pude, de certa forma, vivenciar uma melhora em termos de desenvolvimento pessoal dos alunos. Isso eu achei bastante interessante, é uma coisa que foge de qualquer modelo que eu havia vivenciado em termos de aprendizagem. A individualização do processo de aprendizagem do aluno é realmente o foco desse processo, embora isso não tenha sido concretizado como se esperava. Eu imagino que uma das inovações é esse respeito à individualidade do aluno, não só o uso da tecnologia, o computador, que nós usamos isso bastante, a lousa digital, mas também uma relação muito próxima do professor com o aluno, do aluno com o professor. É uma forma nova de você encarar a Educação. Na verdade, você utiliza seu conhecimento pedagógico para reverter, rever na verdade, o seu modo de lidar com ou tratar do ensinar ao aluno, aquela matéria, aquela disciplina, aquele conteúdo.

Categoria D: Arquitetura tecnológica (20%)

A concepção do Projeto foi de ser inovador, ela agregou ferramentas estruturais, arquitetônicas, artísticas, até pra conceber o espaço físico, o espaço de ambientação com dois amplos salões coloridos, a disposição de mobiliários diferenciados na sua inovação de forma, com trapézios articulados para receber grupos de 6 estudantes e 5 professores no meio de cada um desses salões. Tem um outro salão lá embaixo, que é sala de leitura também, então houve um conceito aí que respaldou a produção e a implantação desse projeto, há dois anos. Tudo isso foi colocado como uma possibilidade de inovação, fora o instrumental tecnológico, o aporte dos computadores, rede Wi-Fi pra acessar as ferramentas da Educopédia, várias ferramentas da internet que foram disponibilizadas, isso vem como um boom, um impacto proveniente dessa escola inovadora. Isso foi verdade no momento da implantação, quando de fato aconteceu essa possibilidade e pedagogicamente a arquitetura foi colocada à disposição para os professores deixarem a sua posição de especialistas e se colocarem, segundo a ideia do projeto, como mentores. A arquitetura do projeto foi planejada pra ser inovadora realmente. Aprender a

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pesquisar na internet, procurar informação também pode ser considerada uma inovação.

Discussão dos resultados da pergunta 1

No discurso coletivo que resultou da variável inovação no projeto GENTE, quem

ocupa a centralidade da narrativa no discurso coletivo de 40% dos entrevistados é a prática do

ensino colaborativo e, na opinião de 30% dos entrevistados, é o ensino multisseriado. Ambas

as práticas permeadas pelo uso pedagógico das TICs na escola.

[...] as classes multisseriadas, onde alunos do sétimo, oitavo e nono anos estudam juntos, o que também é uma coisa interessante. A queda das paredes, a questão de ter um grande salão e todos juntos e ao mesmo tempo separados pelos times, num mesmo grupo é um dos pontos mais fortes [...]. [P.1;C.A].25 [...] Isso tudo é inovação, o pensamento colaborativo, tentar trabalhar dentro de um espaço onde tudo é colaborativo, o conhecimento é colaborativo, o ensino é colaborativo, isso é bem diferente. O principal diferencial que eu vejo neste projeto é que ele busca muito a interação pessoal [...]. [P.1;C.C].

Concordando com Martín-Barbero (2014, p. 121) quando menciona que se vive, nesse

momento, um novo tecido comunicacional costurado por conexões, fluxos e redes, onde as

possibilidades do encontro agora passam a ser mediadas pelas imbricações de alianças

informacionais que provocam transformações que deslocam a todos “de uma sociedade com

sistema educativo para uma sociedade do conhecimento e aprendizagem contínua”. A

autonomia, o espírito colaborativo e a “queda das paredes” vivenciadas pela comunidade

escolar no projeto GENTE foram percebidos como as inovações mais expressivas.

Tal qual o relato de Alves (2012, p. 118), a respeito da experiência vivenciada na

Escola da Ponte, em Portugal, “reforçar os mecanismos de interação solidária e os

procedimentos cooperativos [...] é, pois, um imperativo de qualquer política educativa que

pretenda assumir a Educação como uma responsabilidade social”. No GENTE, a interação

pessoal entre mentores e alunos, alunos e mentores sobressai às TICs no discurso coletivo.

A superação dos limites impostos pelas salas de aula tradicionais, substituídas por

grandes e coloridos salões, tornou-se uma experiência bem-sucedida na congênere portuguesa

por meio de aulas em espaços compartilhados, “sem separação por turmas, sem campainhas

anunciando o fim de uma disciplina e o início de outra [...] Pequenos e grandes são

companheiros numa mesma aventura” (ALVES, 2012, p. 69). No projeto GENTE, na

                                                                                                               25 Pergunta 1; Categoria A.

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Rocinha, os espaços de ensino-aprendizagem multisseriados também se destacam no discurso

coletivo dos sujeitos entrevistados.

Pergunta 2: Colocar o aluno no centro do processo de aprendizado. Na prática, o que

isso tem a ver com tecnologia?

Categoria A: Construção da autonomia (30%)

Eu acho que toda escola, hoje, no século XXI, deveria querer colocar o aluno no centro da aprendizagem. Acho que isso não é uma premissa apenas do GENTE, é uma premissa da Educação. Buscar que o aluno seja autônomo, que o aluno consiga por si só estabelecer metas e meios pra chegar a um fim, a um objetivo comum da turma ou da escola. O aluno nunca era visto como centro, ou quando era dito que ele era visto como centro, isso era só teórico. Na prática, era muito pouco. Não foi porque as novas tecnologias que foram criadas puderam em algum momento ser implementadas dentro do projeto que isso mudou. Eu acho que o aluno como centro ficou mais claro a partir desse diálogo que ele pode ter mais próximo com os mentores, tanto generalistas, tanto com os especialistas. Então, ele também começou a se ver como centro. Essa questão da autonomia, isso influencia diretamente o fato dele ser o centro porque não adianta somente o livro teórico, livro maravilhoso, dizendo que o aluno deve ser o centro. A autonomia ela é muito mais forte do que isso e ela acontece não por questões tecnológicas, mas pela proximidade maior entre o aluno e o mentor.

Categoria B: Promover o protagonismo (30%)

Negar a tecnologia, uma cultura cibernética, hoje, isso é impossível, não tem como negar. O aluno está no centro, ele deveria continuar no centro do trabalho sempre, e a tecnologia como suporte. A tecnologia é uma ferramenta para que essa autonomia do aluno, para que esse respeito à individualidade se concretize. Eu acho que, não só pelas plataformas educacionais como a Educopédia, a tecnologia acaba funcionando como uma ferramenta para que ele conquiste essa autonomia, para que desenvolva a autonomia e a maturidade para poder estudar e ser de fato o centro do processo. Eu acho que o bom professor é aquele que se faz gradativamente desnecessário, e, se partir disso, o aluno aprender, eu acho que vou ter assim a minha recompensa. Porque o professor não vai estar sempre com o aluno, vai chegar o momento em que ele precisa estar sozinho. Eu tive muita dificuldade no inicio da faculdade porque eu fui obrigado a ser autônomo ali, eu não tinha uma turma, haviam várias turmas, como existem aqui, enfim, eu tive uma dificuldade que eu imagino que os nossos alunos não vão passar no futuro. Colocar o aluno no centro do processo é você pegar o aluno, a dificuldade que o aluno tem, o conhecimento que o aluno tem e elaborar uma forma de dar aula elaborada especificamente para ele. Utilizando a facilidade que ele tem para uma determinada área, pegando essa facilidade e tentando jogar com a dificuldade e aí você vai mexendo com o aluno. Na verdade, você não trabalha o conteúdo só daquela disciplina com todos, você trabalha diversificando. A ideia é justamente um aluno ajudar o outro nas suas dificuldades. O aluno que tem facilidade na questão da matemática ajudar aquele que tem dificuldade, o que tem facilidade com português ajudar os outros colegas no entendimento do conteúdo do português, ou seja, é pegar o aluno e mediar aquele conhecimento que ele tem.

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Categoria C: A queda das paredes (10%)

Tem a ver com a questão do aluno correr atrás do conhecimento, um ajudando o outro a buscar essa autonomia, para buscar conhecimento. Tecnologia é só um pequeno detalhe, porque tecnologia... a gente pode estar falando de tecnologia educacional , tecnologia eletrônica, a própria "queda das paredes" já é um avanço nessa tecnologia educacional.

Categoria D: Transdisciplinaridade (20%)

Esta construção da autonomia se dá com o tempo, ela acompanha a maturidade da criança, pré-adolescente, adolescente, para poder chegar na autonomia de fato. No GENTE há alguns progressos, mas eu acharia mais interessante se isso começasse nas séries anteriores, na Educação infantil, por exemplo, porque é uma construção, a autonomia do aluno é uma construção e isso teria que começar bem cedo. Na verdade, qualquer tecnologia deve colocar o aluno como centro do processo, a questão é que a dinâmica da escola tradicional sempre confere para nós professores um espaço único, para lecionar uma disciplina só, e esse projeto concebeu que este espaço deveria ser interdisciplinar, para que o aluno se envolvesse com todas as disciplinas.

Categoria E: Consciência crítica (10%)

Eu acho que independe da questão da tecnologia. Talvez exista um falso pressuposto de que a tecnologia, por si só, será capaz de resolver questões que são muito mais amplas e que estão relacionadas com práticas pedagógicas que têm sido implantadas há muito tempo. Então, há uma falsa crença de que basta o aluno ter o acesso a determinados conjuntos de tecnologias que, desta forma, resolvemos as nossas questões em Educação. Eu, enquanto professor, penso o seguinte: a tecnologia e as diversas possibilidades que ela traz podem enriquecer o processo, dependendo do uso pedagógico que eu faço desse material, ou seja, eu posso ter uma Educação muito mais alienante com a mais alta tecnologia, se eu não problematizar o uso dessa tecnologia. Por exemplo, se ao pegar um determinado conjunto de um assunto que estou estudando, eu não pensar sobre quem produziu aquela informação, com qual objetivo aquela informação foi produzida, se eu não pensar questões mais complexas do próprio material que a gente está utilizando.

Discussão dos resultados da pergunta 2

Nesta questão, os discursos coletivos que mais se destacaram aproximam-se entre si

em torno de duas categorias principais: autonomia e protagonismo. Na opinião dos

entrevistados, cada categoria obteve 30% como sendo a melhor estratégia capaz de posicionar

o aluno no centro do processo de aprendizagem. Ambas sinalizam que apenas a presença da

tecnologia e da informática no projeto GENTE, a princípio, não garantem quaisquer

transformações, muito embora possam incentivar a inovação.

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A este respeito, Martín-Barbero (2014, p. 12) pontua que “localizada no exterior do

modelo pedagógico e comunicativo, a tecnologia só pode contribuir para modernizar a

‘decoração’ do ensino, e não para transformação radical das estruturas ou metodologias,

tampouco para as práticas de aprendizagem”. “[...] A autonomia ela é muito mais forte do que

isso e ela acontece não por questões tecnológicas, mas pela proximidade maior entre o aluno

e o mentor[...]” [P.2;C.A].

Segundo Costa (2008), o caminho a ser trilhado pela Educação para a formação de

jovens solidários e autônomos passa essencialmente por projetos que trabalhem o

protagonismo juvenil. Conforme estudo recente, o uso escolar das TICs deve caminhar lado a

lado com projetos pedagógicos que de fato posicionem o aluno no centro do processo e, para

isso, “desenvolvam competências importantes para o século XXI e provoquem reflexões

sobre o papel do professor, dos estudantes, das avaliações e da própria escola” (TODOS

PELA EDUCAÇÃO, 2014, p. 7). “[...] Eu acho que o bom professor é aquele que se faz

gradativamente desnecessário, e, se partir disso, o aluno aprender, eu acho que vou ter assim

a minha recompensa [...].” [P.2;C.B].

Na opinião de Belloni e Gomes (2008, p. 735), a autonomia torna-se um atributo

indissociável do homem na modernidade, “uma meta a buscar na Educação das crianças, uma

competência”. De acordo com as autoras, os resultados pedagógicos relacionados a ações que

adotam esse viés são relevantes e devem ser buscados pela Educação “[...] é preciso levar em

consideração as idéias, as emoções, as atitudes do educando, especialmente a criança, que

deve estar no centro do processo pedagógico”.

Pergunta 3: Quando o aluno é admitido no GENTE, ele passa por uma “avaliação

pedagógica”, a partir da qual se elabora um “itinerário formativo” e um “projeto de vida”?

Como isso funciona?

Categoria A: Não funciona / Não foi posto em prática (30%)

Tudo isso está num plano teórico, mas, ele não acontece ainda aqui nessa escola. A situação mais complicada, na minha opinião, é o afeto não cognitivo, a consciência, o aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender a fazer, o aprender a conviver. Esses aspectos emocionais, fundamentais para o exercício cotidiano na escola. Na prática, os alunos fizeram uma prova para vir pra cá, para a gente ver o nível. O nível deles é o nível da Rede, dizer que eles tem protagonismo, ou projetos de vida, isso aí... A gente faz com eles o que o professor faz naturalmente.

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Categoria B: Interfere positiva, mas parcialmente (20%)

O itinerário formativo nada mais é do que as matérias, os descritores que você vai dar ao longo do ano. O modelo individual, por aluno, sétimo ano, oitavo ano, nono ano, seria gerado pela Máquina de Testes. Por exemplo, você tem que estudar isso aqui do sétimo ano, tem que estudar isso aqui do oitavo, o aluno escolhe o que ele quer estudar dentro daquelas opções todas, e a ordem de como ele quer aprender aquilo ali, ele diz que está pronto, o professor entrega a Máquina de Testes, ele faz o teste e a máquina diz ao professor e ao aluno o que está pendente ou não, aí ele refaz ou vai adiante. Essa avaliação diagnóstica foi feita no início do projeto para o ano anterior, eu acho que ficou um pouco perdida porque deveria ter sido um pouco mais profunda, ela fugiu um pouco do foco do projeto, porque teve uma avaliação inicial e depois foi deixada de lado.

Categoria C: Ficou a cargo dos mentores (20%)

O itinerário tinha que ser seguido e o aluno teria as suas habilidades a cumprir, e ele só poderia evoluir nessas habilidades conforme ele fosse fazendo essas avaliações, então ele teria um roteiro para ser respeitado. Só que essa Máquina de Testes nunca realmente existiu. Então, a gente tenta de alguma forma se adaptar a essa necessidade do aluno, só que eu tenho certeza que aqui tem alunos que não estão achando esse processo muito fácil, quer dizer, a individualidade do aluno acaba não sendo respeitada dessa maneira. Alcançar as metas estipuladas nos marcos conceituais do projeto foi o grande desafio. O fato é que o distanciamento desta proposição e a realidade do acompanhamento do Projeto dando sustentabilidade a toda essa inovação é o que se configurou a coisa mais difícil. À medida em que o tempo foi passando, as proposições conceituais que precisavam estar em prática foram perdendo o lastro e os professores, que foram intitulados mentores, foram ficando cada vez mais desassistidos pelos proponentes do projeto. À medida que ampliava o sucesso midiático do projeto na imprensa mundo afora, os professores ficavam mais sujeitos a flutuações de humores das correntes que estavam mobilizando a escola para ser vitrine. Isso gerou dificuldades internas para executar o projeto, principalmente pelo desenvolvimento dessa transdisciplinaridade com a abordagem de individualização do processo de aprendizagem dos alunos. Algo que não poderia simplesmente só ficar a cargo de um professor. Era necessária a formação de uma equipe multidisciplinar também para dar o necessário suporte técnico pedagógico, psicológico, de formação continuada, para esse professor. Nada disso foi efetivado à medida que o processo de implementação do projeto foi acontecendo e as pessoas que eram responsáveis por orientar também não foram ouvindo as nossas necessidades na mesma medida em que os problemas aconteciam.

Categoria D: Tem funcionado a contento (10%)

No itinerário formativo, cada aluno teria que ter o seu itinerário, então, durante a semana ele teria que aprender determinados assuntos, e não poderia passar para outro assunto enquanto não tivesse o domínio daquele. Dentro da Educação Física nós não colocamos esse aspecto porque trabalhamos com o coletivo. A gente trabalha com a individualidade? Trabalha. Mas somente na hora da preparação física, quando a gente dá aulas mais voltadas para o treinamento. O itinerário formativo é muito forte na aula de inglês.

Categoria E: Não respondeu (20%)

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Discussão dos resultados da pergunta 3

Ao serem indagados sobre os estes três marcos conceituais do GENTE – avaliação

pedagógica, itinerário formativo e projeto de vida – a maioria, 30% dos entrevistados, revelou

haver um distanciamento entre os conceitos preconizados como basilares na concepção do

projeto e a prática necessária para a realização de tais rotinas no dia a dia escolar. Como

justificativa, foram elencadas situações que precisaram ser enfrentadas pela equipe de

mentores, como, por exemplo, o isolamento do grupo no esforço de implantação e

manutenção das rotinas sugeridas no projeto e a inconsistência no acompanhamento técnico

por parte dos gestores externos. Outros 20% dos que responderam à questão trouxeram à tona

o esforço adaptativo que vem sendo realizado pela comunidade escolar para criar alternativas

e buscar adaptar os preceitos do projeto inicial às rotinas da realidade escolar.

[...] O itinerário formativo nada mais é do que as matérias, os descritores que você vai dar ao longo do ano [...]. [P.3; C.B]. [...] Essa avaliação diagnóstica foi feita no início do projeto para o ano anterior, eu acho que ficou um pouco perdida [...]. [P.3; C.B]. [...] Alcançar as metas estipuladas nos marcos conceituais do projeto foi o grande desafio, o fato é que o distanciamento desta proposição e a realidade do acompanhamento do Projeto dando sustentabilidade a toda essa inovação é o que se configurou a coisa mais difícil [...]. [P.3;C.C].

Segundo Costa (2008, p. 86), o projeto de vida diz respeito ao que o autor chama da

“memória das coisas que ainda não aconteceram [...] desdobrar as possibilidades contidas no

presente numa linha do tempo, de modo a conferir direção e sentido à nossas ações

cotidianas”.

O planejamento do itinerário formativo do aluno seria uma forma de o educando

estabelecer uma velocidade adequada de aprendizado, de acordo com as suas características

individuais e, ao mesmo tempo, ter a possibilidade de superar gradativamente eventuais

limitações quanto aos conteúdos e habilidades não absorvidas como o esperado e que foram

ficando para trás. Essas dificuldades seriam superadas também por meio das TICs como

suporte: “[...] plataformas adaptativas oferecem alternativas mais envolventes e eficientes

para os alunos que precisam de reforço escolar” (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2014, p. 6).

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Pergunta 4: De que forma o uso das mídias é inserido na rotina dos alunos e

professores do GENTE?

Categoria A: Aporte tecnológico é compatível com a demanda (20%)

Na disciplina Inglês, ano passado, por utilizar a sala de multimídia, eu tinha acesso a um quadro interativo. Esse quadro interativo para o ensino do Inglês foi maravilhoso porque realmente incentivou a produção oral dessas crianças, a ida ao quadro, a repetição em grupo e a repetição individual. Como o quadro também tinha acesso à internet, a gente poderia assistir vários vídeos complementares, fazer produção individual e como os alunos usavam o próprio notebook, eles podiam seguir o itinerário de inglês, que é o mesmo pra todos, o de inglês é nivelado, mas eles podiam seguir no ritmo deles. Eu acho que a mídia tem que entrar na escola atualmente, porque eu, numa sala de aula, dando a minha matéria com a ajuda da internet, eu dou um show. Aí eu tenho milhões de coisas para mostrar, e para eles verem e também como fonte de pesquisa, apesar de que algumas pesquisas não oferecem necessariamente as respostas corretas, então isso dificulta um pouco, mas, por outro lado, eles têm a visualização imediata de tudo.

Categoria B: Aporte tecnológico incompatível com a demanda (40%)

É muito complicado estas questões da divisão dos computadores, da manutenção dos computadores, questão de bateria, tempo de vida, carga dos computadores. São oito horas que os alunos passam aqui na escola, você tira uma hora de almoço, tira mais duas horas com os professores especialistas, sobram mais ou menos quatro horas com os professores generalistas, que dão Matemática, Português, História, Geografia e usam muito mais computador do que os especialistas. Se todos ligarem os computadores, não tem internet para todo mundo, a conexão fica muito devagar, então, quer dizer, isso é um problema. Muitos já aboliram o uso, não querem mais usar o computador porque você gasta metade do tempo que teria pra estar dando aula lidando com problemas de computador. Eu sou um deles não uso mais computador, eu levo o meu computador e projeto as imagens com o projetor que nós temos na parede ou em qualquer lugar em que eu possa projetar e eu trabalho com todos ali numa projeção. No ano passado havia lá dezoito computadores, dezoito alunos, enfim, a gente conseguia fazer, eu colocava lá provas, exercícios no meu blog, nos blogs de outros professores... Existe uma rede de blogs aqui muito interessante, blogs de recados, recados de professores especialistas na matéria obviamente, então sou de Língua Portuguesa, então eu colocava exercícios de língua portuguesa no meu blog, eles acessavam os exercícios do outro professor, então havia uma rede muito interessante. Embora a gente tenha um parque de máquinas que não é suficiente pra todos os alunos, os recursos tecnológicos podem ser considerados expressivos, projetores, tela branca, espaço de laboratório, que agora no segundo semestre desse ano a gente conseguiu viabilizar para ter um acesso mais focado para as multipossibilidades, e não só para Ciência. Isso também foi uma conquista. Eu tenho que dar conta das cinco disciplinas, aí eu preciso usar as mídias mesmo, os recursos da internet, imprimir trabalhos, produzir painéis, produzir experiências, e isso a gente faz com muita dificuldade de organização porque são cinco disciplinas. A nossa responsabilidade não é lidar com planejamento curricular, que o professor está acostumado a fazer. Com o déficit de máquinas. Quando um grupo está no computador e o outro está sem, eu acho ruim.

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Categoria C: O uso das TICs tende a melhorar (30%)

Eu trabalho com todos os alunos da escola, então eu dou aula de teatro, de arte, de pintura, de mexer com argila, normalmente eu quase não uso os computadores com os alunos, eu mexo mais com a ferramenta humana que também é uma tecnologia. Sentar em roda, é o conversar, é olhar no olho, ou problematizar as emoções, os sentimentos naquele momento. Porque o aluno vai ter mais tempo lidando com os computadores com os professores polivalentes, eles irão estar usando mais os computadores. De vez em quando faço um trabalho com eles, mas é muito pouco ainda. Ainda não consegui chegar nessa dimensão de usar tecnologia mais como transversal em tudo. Por exemplo, numa guerra de facções aqui na comunidade, a gente propõe problematizar essa cena, daí eu sugiro aos alunos usarem seus celulares, vamos usar essa tecnologia de bolso, mas eles ainda não perceberam a força da narrativa, de criação de sua própria narrativa e da sua própria estética de mundo, eles não pegaram ou eu que não soube ainda inspirá-los, entende? Tem aí toda uma dificuldade afetiva mesmo. Primeiro houve um conflito porque foi aquele negócio, nunca tiveram. Agora eles chegam e tem um computador para si mesmo, então acho que isso aí criou muita fantasia na cabeça da criança, do adolescente. Depois, isso foi até de certa maneira controlado. O professor-mediador tenta fazer com que o aluno foque na aprendizagem através do computador, somente isso de certa forma também criou pra eles uma certa barreira, porque mesmo oferecendo a Educopédia, por exemplo, como meio de aprendizado por meio do computador, o aluno não estava acostumado com aquilo. O aluno veio de uma realidade onde ele tinha apenas o livro para estudar, não era uma coisa virtual, entendeu? Isso aí criou um desequilíbrio muito grande, essa troca criou um desequilíbrio. De certa forma, para o mentor também, porque inicialmente esqueceu-se um pouco o material didático anterior, e só depois nós identificamos que, deste modo, não era possível, até porque a mudança, ela não pode ser tão repentina, ela tem que ser progressiva. Justamente por conta de trabalhar outras disciplinas, nas quais eu não tenho formação, muitas vezes o uso dessa tecnologia acaba sem ser potencializada no que ela pode trazer de novo. Por exemplo, quando eu vou trabalhar História, por exemplo, aí eu consigo. Estou discutindo com os alunos os movimentos sociais, movimento negro nos Estados Unidos, eu consigo já previamente porque eu tenho formação naquilo. O aparato tecnológico para mim modifica justamente na possibilidade de que uma quantidade maior de materiais, de fontes históricas, fontes de pesquisa, consequentemente vou avançar, por exemplo, na questão de uma análise de um dado do discurso, posso fazer uma leitura de imagens de épocas, de contextualização, são discussões que estão relacionadas ao campo do conhecimento histórico, à capacidade de relacionar épocas.

Categoria D: Não respondeu (10%)

Discussão dos resultados da pergunta 4

Ao responder sobre de que forma as TICs são inseridas na cotidianidade escolar dos

alunos do GENTE, o discurso coletivo de 40% dos entrevistados sustenta que, embora o

aporte tecnológico disponibilizado pelo projeto inicialmente tenha sido suficiente para

proporcionar o uso de um computador por aluno, após dois anos, com o aumento do número

de vagas, já não seria satisfatório.

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A saída encontrada para superar o desconforto foi o uso rotativo dos dispositivos

tecnológicos. Dessa forma, os alunos precisaram alternar-se em grupos para que todos

conseguissem executar os acessos às TICs para realizar suas rotinas de tarefas escolares. Os

professores, por sua vez, também buscaram criar alternativas para a situação.

Segundo estudos, a otimização do uso das TICs por meio de modelos híbridos pode

representar um caminho alternativo interessante para as escolas em fase adaptativa do seu uso.

Ao alternar as rotinas escolares em atividades realizadas com e sem o suporte de computador,

quadro digital, datashow, videoteca, etc., professores e alunos conseguem tornar o uso das

ferramentas tecnológicas algo rotineiro no dia a dia escolar (TODOS PELA EDUCAÇÃO,

2014, p. 19). O modelo híbrido usa simultaneamente a nova e a antiga tecnologia. Já a

inovação disruptiva substitui paulatinamente a segunda.

Nesses casos, tais ações se tornam ainda mais eficazes “quando a tecnologia se torna

‘transparente’, ou seja, quando é usada de maneira natural e orgânica, como hoje acontece

com a caneta e o caderno”.

[...] Embora a gente tenha um parque de máquinas que não é suficiente pra todos os alunos, os recursos tecnológicos podem ser considerados expressivos [...]. [P.4;C.B]. [...] Quando um grupo está no computador e o outro está sem, eu acho ruim. Geralmente, tento utilizar o computador como uma ferramenta de apoio para alguma coisa que agente tiver estudando, às vezes como a ferramenta principal [...]. [P.4;C.B].

Além da rotação, opção utilizada pela comunidade escolar do GENTE para suplantar a

limitação do número de comutadores disponíveis, outros modelos de gestão do uso das TICs

também podem ser utilizados. A saber: “ensino invertido”, quando os alunos fazem uso do

computador antes ou depois das aulas, seja na escola ou em espaços extraescolares; “flex”,

quando o ensino é semipresencial, por meio de plataformas on-line, com a supervisão de

professores; ou “comunidades de aprendizagem”, formato ideal para práticas

interdisciplinares, por fortalecerem o lastro de informações das comunidades virtuais pela

troca coletiva de informações (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2014, p. 19).

É relevante citar que, de acordo com o discurso coletivo de 30% dos que responderam

este item, à medida que o projeto amadurece a tendência é que o uso dos novos meios

tecnológicos se torne mais eficiente.

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Pergunta 5: Com a utilização das TICs, o professor deixa de ser o único detentor do

conhecimento?

Categoria A: Amplia o paradigma e oportuniza o crescimento (30%)

Aqui no GENTE, o que eu acho mais interessante é eu poder dizer ao meu aluno "não sei", sem ter vergonha nenhuma. Esse "não sei" não é porque eu não sou formada em Matemática, talvez porque naquele momento eu não saiba uma determinada questão de Português e aí eu viro para ele e digo: Vamos olhar juntos, vamos pesquisar. Outro dia era uma palavra, eu falei: “Gente, eu não me lembro, vamos olhar no Google. Não! Vamos aprender a procurar no dicionário!” Eles toparam abrir o dicionário, mas, antes, eles queriam usar o Google. O que eu acho legal é isso, eu poder dizer que não sei e o meu aluno não se acanhar para me explicar uma coisa. Eu acho que isso permite você usar ao máximo toda a sua flexibilização. Aquilo que a gente tanto estuda em pedagogia e que, às vezes, na prática, não consegue ser tão flexível quanto profissional. Eu não acredito que eu estou acima e eles embaixo. Eu acredito que a gente está no mesmo lugar, eu acho que o conhecimento pode ser construído de várias maneiras. Por exemplo quando eles trazem uma questão, me explicam, dão uma aula sobre, falam das suas preferências, entram na internet para me mostrar e sugerem atividades. O fato da gente estar no mesmo lugar, onde eu posso ensinar, mas também posso aprender, significa que eles também não estão aqui só para aprender, eles também podem ensinar. Temos aí o exemplo de uma relação mais horizontal, porque o professor está em outro lugar que não é o pedestal, ele está exatamente no mesmo nível que o aluno, aprendendo a aprender junto com o aluno. Quando o aluno se vê nesse lugar, ele se espelha, e aí vem um trabalho muito bonito que vai ao encontro das dimensões humanas, que são o mito o Eros, o Pathos e o Logos. E quando você começa a trabalhar essas dimensões humanas no espaço escolar, o aluno vai perceber que embora o professor talvez tenha o Logos mais desenvolvido até um certo momento, porque ele tem mais idade, mais experiência de vida, o aluno também está se desenvolvendo e percebendo isso. No caso das TICs, por exemplo, é a mesma coisa. Opa, o professor às vezes está menor ou abaixo do aluno. A princípio acho dá uma certa insegurança. O professor foi formado na faculdade para ser o detentor de todo o conhecimento. Alguns professores sempre me falaram: “Não, você tem que mostrar que você não sabe tudo, o aluno ele não precisa achar que você é um Deus ou uma Deusa.” Eu acho legal o aluno saber que o professor é um ser humano comum, que ele tem suas limitações, que ele tem seus problemas. Quando aluno ajuda o professor ele se sente importante, ele se sente parte integrante daquele movimento. As meninas vivem brincando comigo. Certas vezes eu digo: “Olha, gente, eu não estou conseguindo baixar isso.” “Ah, professora, me dá aqui o seu celular, faz isso.” Eu não me sinto mal com isso, não me sinto inferior, pelo contrário. Os alunos dizem: “E aí, professora, conseguiu” Eu respondo: “Consegui, mas eu acho que eu vi outro aplicativo, baixa pra mim, por favor.” “Isso não, professora.” Dá pra sentir que não é uma coisa de cima pra baixo. Tem momentos que é, sim, de cima pra baixo, mas tem muitos momentos que é o oposto, porque eles trazem o conhecimento da comunidade, coisas que eu não tenho e não domino. “Professora, não faz isso, aqui dentro da comunidade não pode agir dessa forma.” Eu acho que nós não podemos fechar ou restringir nosso campo de atuação, nós temos que perceber que eles têm muito conhecimento, eles têm muitas informações.

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Categoria B: O professor passa a ser mediador (50%)

Você cria uma complementaridade. Na disciplina Inglês, com aulas expositivas, o professor inicia e eles conseguem dar os passos seguintes com a máquina. A interação do tradicional com o novo é muito interessante, porque você já tem uma didática diferenciada, já existe naturalmente uma busca por tecnologias. Há muito eu utilizo recursos de áudio, vídeo, pesquisa. Talvez o professor de Inglês seja um dos mais adaptados nessa mudança de paradigma. Quando eu atuei como generalista, eu pude perceber que alguns alunos ainda não conseguem utilizar corretamente a ferramenta de busca, eles utilizam basicamente a Educopédia, que traz exemplos, exercícios, etc. Para adentrar novos horizontes, eles precisam do professor. Nestes casos, eles me procuram para que eu realmente seja um mediador: “Como é que eu faço pra chegar a tal lugar?” Eles buscam o professor para que o professor indique os próximos passos. Por ser generalista, o professor que estudou para dar uma disciplina pode não ter domínio total das outras que ele precisa ministrar. Vamos dizer que eu não conheça um determinado conteúdo: além dos alunos buscarem aquele conhecimento, eu também busco esse conhecimento, em parte porque vou precisar tirar as dúvidas dos alunos. Isso pode se tornar muito interessante, porque muitas vezes você vê o professor acompanhando aluno a outro mentor para tirar dúvidas. Aí você vê aluno e professor tirando as mesmas dúvidas, vê o aluno olhando para o professor e falando assim: “Pô, você tem a mesma dúvida que eu, a gente tá aqui tirando uma dúvida junto!” Isso é interessante, eu vejo isso como ponto positivo. O professor muda o papel dele no sentido de que ele não é mais o cara, não é mais o dono da verdade. Hoje, com o acesso a essas ferramentas, você tem, por exemplo, o Google, que pode dar uma informação muito mais precisa sobre qualquer coisa do que o próprio professor. Então ele tem que largar um pouco aquela vaidade dele achar que ele é o detentor do conhecimento. No mundo moderno, isso não acontece mais, o aluno é capaz de obter certas informações até mais precisas pela internet, basta que ele saiba fazer um bom uso da ferramenta. O processo é difícil, mas quando a gente convive com a empatia necessária para que os alunos desenvolvam uma atividade coletivamente, então a cooperação acontece em muitos momentos, embora não seja uma coisa tão regular. Eles não desenvolvem a cooperação no estudo tão facilmente. Eu acho que nunca fomos detentores únicos da informação, porque você sempre teve alguma outra mídia ligada, como o livro didático, como a própria apostila da Prefeitura, então nós sempre estivemos ligados a outras mídias, não necessariamente novas tecnologias, ou seja, os eletrônicos. Agora, o eletrônico facilita, por exemplo no acesso a uma biblioteca virtual, qualquer dúvida ele pode tirar fazendo uma pergunta pra máquina. Todavia, isso não tira do aluno a necessidade de ter um especialista ao lado, porque, por exemplo, na minha matéria eu tenho um leque de opções para poder fazer você aprender e entender a minha matéria.

Categoria C: O professor ainda é visto ou se vê como porta-voz do conhecimento

(10%)

O aluno ainda vê o professor como o portador do conhecimento. Não creio que a informática vá superar isso tão rápido. Se você dá um tema a ser desenvolvido e o aluno tem como instrumento o computador para pesquisar, nem sempre o aluno tem total segurança quanto ao significado do que ele vai encontrar. Não é tão simples pesquisar e achar o tema e fazer o trabalho. Constantemente as perguntas surgem numa potencialidade maior e o aluno precisa do professor para acessar aquele assunto no computador. Tem alguns alunos que nos surpreendem com tal apoderamento que desenvolvem com a tecnologia.

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Categoria D: Independe da tecnologia (10%)

Paulo Freire já questionava estas ideias, do "professor detentor do saber" e dos alunos como "depósito do conhecimento". Eu mesmo, em sala de aula, sem o uso da tecnologia, já problematizo essa concepção de Educação. Eu preciso da tecnologia para ter ou não esse modelo de Educação? Eu acho que, se você pensar a Educação numa perspectiva mais dialógica, de construção conjunta do conhecimento, uma perspectiva de aproveitamento das diversas experiências dos sujeitos envolvidos naquele processo, e pensar todos como sujeitos, e não o professor como sujeito e o aluno como objeto, eu acho que isso independe da questão da tecnologia. Vai muito da concepção de mundo, da concepção pedagógica, dos valores e perspectivas de construção de sociedade. Você pode fazer, com o uso da tecnologia, uma aula tão ou mais autoritária do que outra aula, depende muito do uso que você vai fazer dessa tecnologia.

Discussão dos resultados da pergunta 5

A respeito da alternância de papéis a partir do uso das TICs na sala de aula, quando o

professor deixaria de ser o único detentor do conhecimento, o discurso coletivo de 50% dos

que responderam à questão enfatizou que no GENTE houve o deslocamento da figura do

professor tradicional, representada pela imagem de “porta-voz do saber” (SERRES, 2012, p.

45), para a condição de mediador, “quando o mestre está a serviço dos aprendizes e não os

aprendizes a serviço do mestre” (ALVES, 2012, p. 39).

[...] O professor muda o papel dele no sentido de que ele não é mais o cara, não é mais o dono da verdade. Hoje, com o acesso a essas ferramentas, você tem, por exemplo, o Google, que pode dar uma informação muito mais precisa sobre qualquer coisa do que o próprio professor, então ele tem que largar um pouco aquela vaidade dele achar que ele é o detentor do conhecimento [...]. [P5;C.B].

De acordo com Alves (2012, p. 33) o educador não se deve limitar à condição de atuar

somente como conteudista ou “transmissor de conhecimentos”, mas empenhar-se na

transmissão de “uma influência positiva sobre os educandos e ser uma presença rica de

significados”.

[...] O que eu acho legal é isso, eu poder dizer que não sei e o meu aluno não se acanhar para me explicar uma coisa. Eu acho que isso permite você usar ao máximo toda a sua flexibilização. Aquilo que a gente tanto estuda em pedagogia e que, às vezes, na prática, não consegue ser tão flexível quanto profissional. Eu não acredito que eu estou acima e eles embaixo. Eu acredito que a gente está no mesmo lugar, eu acho que o conhecimento pode ser construído de várias maneiras [...]. [P.5;C.A].

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Na opinião de Belloni e Gomes (2008), frente a esse universo tão rico de

transformações poder-se-ia imaginar que os educadores se convertessem em mediadores do

desenvolvimento de aprendizagens baseadas na pesquisa, para que seus alunos, cada vez

mais, projetem seus conhecimentos com autonomia e pensamento crítico. No entanto,

conforme adverte Soares (2011, p. 51), “[...] ainda são poucos os pensadores da área de

comunicação que se sentem à vontade em aproximar estas expectativas de valores ao universo

representado pela comunicação, suas linguagens e tecnologias”.

Segundo o autor, é como se, do ponto de vista de tais pesquisadores, esses dois lugares

– comunicação e Educação –, em uma espécie de relação platônica no sentido mais raso do

termo, ainda não se encontrassem no campo da didática.

No entender de Belloni e Gomes (2008), mediar os bens culturais produzidos pela

mídia, correlacionando-os com outros produzidos no ambiente escolar, é também, de certa

forma, edificar o sujeito crítico, capaz de reciclar as diversas narrativas fragmentadas que se

integram e significam nas experiências do dia a dia.

No discurso coletivo de 30% dos que responderam à mesma pergunta ficou evidente a

constatação de que o uso das TICs na sala de aula amplia o paradigma educativo e oportuniza

o crescimento do aluno.

[...] Temos aí o exemplo de uma relação mais horizontal, porque o professor está em outro lugar que não é o pedestal, ele está exatamente no mesmo nível que o aluno, aprendendo a aprender junto com o aluno. Quando o aluno se vê nesse lugar, ele se espelha, e aí vem um trabalho muito bonito que vai ao encontro das dimensões humanas, que são o mito o Eros, o Pathos e o Logos. E quando você começa a trabalhar essas dimensões humanas no espaço escolar, o aluno vai perceber que, embora o professor talvez tenha o Logos mais desenvolvido até um certo momento, porque ele tem mais idade, mais experiência de vida, o aluno também está se desenvolvendo e percebendo isso [...]. [P.5;C.A].

De acordo com Costa (2008, p. 20), ao incluir no ato pedagógico aspectos que atuem

sobre o lado humano do aluno, por meio da valorização de dimensões como “[...] a

sensibilidade, a corporeidade, a transcendentalidade, a criatividade, a subjetividade, a

afetividade, a sociabilidade [...] relacionadas com o pathos, o eros e o mythoss”, o educando

amplia sua capacidade de adquirir determinadas habilidades necessárias ao seu

desenvolvimento.

Pergunta 6: Tornou-se imperativo para o educador apoderar-se das TICs? Em função

disso, há alguma ameaça ou desconforto, de sua parte?

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Categoria A: O apoderamento é imperativo. Não há desconforto. (50%)

Eu não me sinto nem ameaçada e nem desconfortável. Acho o máximo quando eu não sei e eles falam "Como é que você não sabe isso?" ou "Ó, você clica aqui" ou "Clica aqui faz isso, faz aquilo, está vendo como é fácil?". Eu acho que é imperativo, sim, eu tenho que me apoderar, sim, disso. Eu tenho que aprender, sim, a lidar com isso. Eu não estou dizendo que preciso saber tudo, mas tenho que dominar minimamente esta máquina, até para ser capaz de ajudar quando necessário. E quando eu não souber, meu aluno me ajudar. Vivemos outro tempo, outro momento, eu era aquele aluno que, se tivesse uma música, não conseguia ler. Atualmente, os alunos leem com música ou com o outro falando e ainda respondendo a outro no Facebook. Enquanto educadora, eu tenho que me aproximar dessas máquinas e entender quais são as possibilidades que ela traz para mim, o que eu posso tirar dela para que o processo seja mais dinâmico, mais suave, menos dolorido ou mais interessante. Eu vejo isso até como uma necessidade, porque nós, educadores, temos que estar nos aprimorando também. A busca constante não deve ser só do aluno, o professor tem que se qualificar também para isso. A capacitação, o desenvolvimento, não vem só do aluno, o professor também precisa estar se capacitando sempre, procurando acompanhar e interagir com o desenvolvimento tecnológico. Eu acho que a gente ainda precisa aprofundar as discussões no campo pedagógico, acerca das diversas possibilidades que estão chegando junto com as TICs no ambiente escolar. Alguns de nós já conseguem avançar, alguns conseguem se apropriar dessas ferramentas tecnológicas para produzir conhecimento. Eu acho genial quando o professor consegue fazer o uso ds TICs para a construção de um determinado conhecimento. É um processo lento, a gente parte de um pressuposto que os alunos, por acessar a internet, dominam amplamente essa linguagem. Por exemplo, na questão da discussão sobre a privacidade, como eu uso uma informação que está disponibilizada na internet? Eu posso falar o que eu quiser naquele espaço? No meu Facebook, eu posso falar o que quiser do meu amigo ou não? Eu tenho que ter cuidado? De que forma uma determinada publicação minha pode interferir na vida das outras pessoas? A questão do plágio, o que é plágio? O que é cópia? Acho que tudo isso forma um campo de discussões onde a gente tem que avançar. O que é um site oficial e o que é um site não oficial? Como vou comprovar as informações que estão na rede? Acredito em tudo, tudo ali é verdade, ou não? Estas indagações nos fazem pensar sobre o uso que a gente faz da informação que está disponível para todo mundo na internet, nisso a gente ainda tem que avançar muito. A tecnologia realmente facilita o trabalho do educador e o educador deve sim buscar as novas tecnologias e ser capacitado para acompanhar o seu aluno. A mídia entra como o livro, agora, de que forma você vai ler esse livro, se é no papel ou se é na tela, o que vai fazer uma grande diferença é que, com um click, você consegue mudar de mundos rapidamente. Para mim, é realmente fantástico. Eles são nativos digitais. Eu, não.

Categoria B: O apoderamento deve dialogar com a pedagogia tradicional. (30%)

Tenho receio de ficar dependente das TICs e não conseguir mais dar aula com um quadro-negro e um giz. Eu já me vi nessa situação porque, além daqui, eu trabalho em outra escola e lá essas mudanças já aconteceram. Do quadro branco e marcador mudaram para quadro eletrônico, de livro para tablet. Algumas vezes, você vai dar aula e não tem internet, aí dá aquele medo de não conseguir mais dar aula, porque você esqueceu como é dar aula com o marcador. Eu acho que tem que ter um equilíbrio entre os dois modelos, o das aulas digitais e o tradicional, das aulas com quadro branco e marcador. Não sei se o aluno percebe a dificuldade que alguns professores têm para ligar um cabinho, botar um pendrive, essas coisas básicas, do mais simples até preparar uma aula interessante utilizando essa tecnologia. Eu ainda respeito muito o ensino tradicional. Sou favorável a uma

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adaptação da tradição com a modernidade. Acho que a modernidade deve resgatar alguns valores do ensino tradicional. Os alunos, hoje, são muito antenados na internet, mas eu acho que abrir mão de todo esse conhecimento dito tradicional, como é promovido por alguns sites e por algumas redes, eu acho que pode ser danoso. No mundo moderno, se o aluno fizer um bom uso da rede, talvez ele consiga extrair muito mais informações do que ele poderia extrair do professor, basta que ele saiba fazer o uso eficiente das TICs. Isso é uma tendência natural, que as novas tecnologias incorporam na Educação, não só a internet. Tem uma ferramenta muito bacana que é a lousa digital, que por meio dela é possível criar aulas a partir da internet, numa espécie de PowerPoint, mas de uma maneira muito mais interessante e facilitada. Hoje, o aluno consegue até criar aulas junto com os colegas. A tecnologia está presente, latente, o dia inteiro em nossa vida, mas não precisamos usar o computador como se fosse a única ferramenta de aprendizado, a única ferramenta de conhecimento, não, ela faz parte, ela é mais uma. Não podemos deixar de lado o livro, o caderno, o papel, são recursos ainda muito necessários.

Categoria C: O apoderamento é necessário. Há desconforto. (20%)

Eu percebo um certo desconforto até em mim mesmo. Embora eu me veja como analfabeto tecnológico, mesmo assim eu ainda me sinto de certa forma dentro desse contexto tecnológico. Sou dessa geração que já veio se desenvolvendo junto com essa cultura cibernética, mas existe sim a necessidade de me apoderar mais dessa linguagem. A cultura cibernética começou nas décadas de 1970, 1980, 1990 e não parou mais, foi evoluindo. A tecnologia hoje faz parte dos hábitos mais comuns do homem, como escovar os dentes, pentear o cabelo, trocar de roupa, quase um traço cultural. Esse é um momento de ruptura, mudança de paradigma, não tem como negar a tecnologia. Existem os riscos, mas você não precisa ser abduzido pela tecnologia e esquecer o humano em detrimento da tecnologia. Não há como fugir, como diziam os antigos, "é o avanço da ciência", a tecnologia vai sempre se impor às necessidades humanas. O professor tem até a opção de não aceitar ou de não querer aceitar, mas hoje ele está dentro de um sistema totalmente vinculado à dimensão digital e a velocidade dessa adaptação pode se tornar algo muito cruel. Cruel, porque nos induz a correr para aprender muito rápido uma coisa que os nossos alunos estão sempre muitos passos à nossa frente, mas que o professor pode relativizar com o seu conhecimento de vida. O aluno sabe navegar no meio digital e fazer muitas coisas que intuitivamente deseja fazer, mas, para transformar isso em conhecimento, precisa de mediação. É aí que entra o professor, com o humano, e não com o tecnológico. É esse elemento humano que eu acho que faz a diferença. O professor precisa mostrar ao aluno como interligar todas essas informações. Esse é o papel do professor, ajudar a fazer as conexões sinápticas lado a lado com os estudantes.

Discussão dos resultados da pergunta 6

No discurso coletivo resultante da fala de 50% dos entrevistados sobre o imperativo

que convoca os educadores a apoderarem-se das novas tecnologias, sobressai que – além de

relevante em função do necessário aprimoramento dos aspectos técnicos para manuseio e

operação das TICs – outras perspectivas, como os conhecimentos da legislação que regula as

atividades na internet e a apropriação dos mecanismos de navegação que lhes permitam

mediar o acesso dos alunos, são igualmente importantes e urgentes. De modo complementar,

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30% daqueles que responderam à pergunta, salientam que o apoderamento tecnológico deve

dialogar com a pedagogia tradicional.

[...] Eu acho genial quando o professor consegue fazer o uso ds TICs para a construção de um determinado conhecimento. É um processo lento, a gente parte de um pressuposto que os alunos, por acessarem a internet, dominam amplamente essa linguagem. Por exemplo, na questão da discussão sobre a privacidade, como eu uso uma informação que está disponibilizada na internet? Eu posso falar o que eu quiser naquele espaço? No meu Facebook, eu posso falar o que quiser do meu amigo ou não? Eu tenho que ter cuidado? De que forma uma determinada publicação minha pode interferir na vida das outras pessoas? A questão do plágio, o que é plágio? O que é cópia? Acho que tudo isso forma um campo de discussões onde a gente tem que avançar. O que é um site oficial e o que é um site não oficial? Como vou comprovar as informações que estão na rede? Acredito em tudo, tudo ali é verdade, ou não?[...]. [P.6;C.A].

Um dos pontos centrais tanto para a mediação do acesso às TICs nos ambientes

escolares quanto para o entendimento da centralidade do tema para a docência de modo geral,

mas, especialmente, para os que lidam com a infância e juventude, reside na constatação de

que os brasileiros se destacam entre as populações que mais consomem internet no mundo.

De acordo com o Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação

(CETIC, 2013), mais da metade dos brasileiros (53%) acessa regularmente a internet, para

diversos fins, incluindo a comunicação, o entretenimento, a Educação e o lazer.

Estudiosos alertam que os “nativos digitais” (PRENSKY, 2001) possuem características

bastante singulares em relação às gerações que mais tardiamente tiveram acesso às novas

tecnologias, referindo-se ao comportamento dos jovens na atualidade “Eles estudam, trabalham,

escrevem e interagem um com o outro de maneiras diferentes das suas quando você era da

idade deles. Eles leem blogs ao invés de jornais”(PALFREY; GASSER, 2011, p. 14).

Os autores sugerem que, diferentemente de boa parte dos adultos “imigrantes digitais”

(PRENSKY, 2001), que só recentemente, há menos de uma década, iniciaram sua

convivência com as TICs, os nativos digitais dedicam boa parte do seu cotidiano à vida

conectada, em muitos casos “sem distinguir entre o on-line e o off-line” (PALFREY;

GASSER, 2011, p. 14). “[...] A tecnologia está presente, latente, o dia inteiro em nossa vida,

mas, não precisamos usar o computador como se fosse a única ferramenta de aprendizado, a

única ferramenta de conhecimento, não, ela faz parte, ela é mais uma [...]” [P.6;C.B].

Portanto, diante de tamanha exposição dos alunos à vida conectada, de acordo com

Canclini (2008, p. 24), seria aceitável que “escolas e universidade renovadas com professores

treinados nas novas linguagens e habilidades, ajudariam a discernir o valor da informação e

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dos espetáculos”, capacitando o aluno para o consumo crítico dos conteúdos midiáticos,

especialmente na internet.

Palfrey e Gasser (2011, p. 17) acreditam que atualmente um dos maiores desafios

enfrentados pelos educadores, incluindo-se mães e pais, é compreender “o potencial da

tecnologia digital e a maneira em que os Nativos Digitais a estão usando”.

Pergunta 7: O GENTE seria possível sem a utilização das TICs?

Categoria A: Não há dependência tecnológica. (40%)

Eu acho que tem muitas coisas que o GENTE propõe que são possíveis de ser feitas sem um computador e sem a rede, e todos estes recursos que tem aqui. Por exemplo, alcançar a autonomia, que é uma das coisas que o GENTE propõe, ou o protagonismo, eu acho que isso é possível fazer sem as TICs. Eu trabalhava numa escola que não tinha computador, nem datashow, tampouco tela digital ou ar condicionado, mas, havia alunos autônomos, alunos protagonistas de seu próprio processo de aprendizagem. Eles diziam “Já acabei, posso pegar um livro pra ler, professora?”, “Li isso, olha que legal”. Agora, claro que se eu tivesse lá tudo que nós temos aqui, o computador, uma internet que funciona, certamente seria mais interessante. Eu acho que em vários momentos que nós não tivemos internet aqui na escola a gente teve que se adaptar. O professor tem que ser criativo para num momento assim usar outras tecnologias, como o velho lápis, a caneta e o papel. Eu não vejo o computador como tão fundamental no GENTE. A grande sacada aqui são os salões e a questão de misturar os alunos. O acesso à dimensão digital ajuda a mostrar caminhos e sistematizar os saberes a partir da nossa linguagem, mas ele não é a única forma de aprendizagem possível não, a gente tem atividades que não são tão vinculadas assim à questão tecnológica, que podem ser melhor sistematizadas pela oralidade. A gente pode criar conhecimento a partir de uma dimensão digital com o aluno, mas isso não é tudo, ele precisa também aprender a escrever melhor, a debater os assuntos que são tratados dentro da coletividade, a encaminhar propostas, a se organizar, aspectos que não são alcançados exclusivamente pela via tecnológica. Eu acho que o que falta na concepção metodológica de um novo projeto pedagógico é aliar as duas coisas. O projeto GENTE propôs um caminho, mas se ele não conseguir unir a via da humanização com a via da tecnologização não conseguirá seu objetivo.

Categoria B: O projeto foi concebido com base na tecnologia. Há dependência. (30%)

Em função do modelo traçado pelo projeto eu acho que, sem a tecnologia, ele não seria possível, porque fugiria do molde proposto. Aqui no Gente, a não inserção das novas tecnologias desfocaria o projeto. Porque a tecnologia, especialmente o uso das ferramentas educacionais, como a Educopédia, que são ferramentas para que o aluno adquira a autonomia, eu não consigo imaginar sem o uso das ferramentas adequadas para que o aluno consiga visualizar todas as matérias, todas as disciplinas. Se não fosse a Educopédia, eu não conseguiria e o aluno também não conseguiria ter acesso às diversas informações relevantes para a aquisição de habilidades em Ciências, por exemplo, porque ao contrário do que as pessoas podem pensar o professor/mentor não sabe tudo sobre todas as matérias. O mentor é aquele que vai sentar junto com o aluno e tentar entender ou explicar ao aluno aquele conteúdo. A gente não tem como saber tudo sobre Geografia, Ciências,

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Matemática, História e Português, dos três anos [7º, 8º e 9º], são cinco disciplinas em três anos. Então realmente ele não sabe. Portanto, se faz necessário uma ferramenta que possa auxiliar o professor nesse sentido. Para conseguir isso, eu não consigo imaginar qualquer outra ferramenta que não seja a internet. Todas as escolas estão avançando para tecnologia, imaginar o GENTE sem a tecnologia seria um retrocesso.

Categoria C: A tecnologia não cumpriu os objetivos iniciais do projeto. (10%)

O projeto inicial não foi implantado na sua totalidade em nenhum momento, várias das tecnologias propostas não foram efetivamente viabilizadas. Além disso, a gente continua com problemas de rede de internet, manutenção dos computadores, tudo isso é muito complexo.

Categoria D: Não respondeu. (20%)

Discussão dos resultados da pergunta 7

Ao responder se haveria viabilidade para o projeto GENTE sem a utilização do

aparato tecnológico, o discurso coletivo de 40% da amostra mencionou novamente o ensino

multisseriado, ou seja, a possibilidade de todos os alunos estudarem juntos em grandes salões,

como um dos pontos de mais destaque do projeto. O mesmo contingente de entrevistados

afirma também haver viabilidade na adoção de um caminho intermediário, no qual as TICs

atuassem em consonância com os formatos pedagógicos ditos convencionais na construção

dos objetivos pedagógicos escolares.

[...] Eu não vejo o computador como tão fundamental no GENTE. A grande sacada aqui são os salões e a questão de misturar os alunos. O acesso à dimensão digital ajuda a mostrar caminhos e sistematizar os saberes a partir da nossa linguagem, mas ele não é a única forma de aprendizagem possível não, a gente tem atividades que não são tão vinculadas assim à questão tecnológica, que podem ser melhor sistematizadas pela oralidade [...]. A gente pode criar conhecimento a partir de uma dimensão digital com o aluno, mas, isso não é tudo, ele precisa também aprender a escrever melhor, a debater os assuntos que são tratados dentro da coletividade, a encaminhar propostas, a se organizar, aspectos que não são alcançados exclusivamente pela via tecnológica. Eu acho que o que falta na concepção metodológica de um novo projeto pedagógico é aliar as duas coisas [...] [P.7; C.A].

De acordo com Sodré (2012, p. 123), as teorias que ancoram as práticas pedagógicas

precisam ser postas à prova na sua efetividade e proveito social: “Nada, portanto, de

pedagogias abstratamente centradas sobre um programa ou sobre a criança, e sim a eleição de

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‘centros de interesses’, em função da dinâmica própria dos educandos, de como utilizam as

coisas”.

[...] Se não fosse a Educopédia, eu não conseguiria e o aluno também não conseguiria ter acesso às diversas informações relevantes para a aquisição de habilidades em Ciências, por exemplo, porque ao contrário do que as pessoas podem pensar o professor/mentor não sabe tudo sobre todas as matérias. O mentor é aquele que vai sentar junto com o aluno e tentar entender ou explicar ao aluno aquele conteúdo [...] Todas as escolas estão avançando para a tecnologia, imaginar o GENTE, sem a tecnologia seria um retrocesso. [P.7;C.B].

Todavia, outros 30% responderam que, da forma como o GENTE foi concebido, caso

fosse suprimido o uso das novas tecnologias, o projeto perderia suas feições primárias,

afastando-se da sua proposta essencial. Nesse sentido, de acordo com Serres (2012, p. 50-51)

os alunos do GENTE perderiam a possibilidade de acessar ou procurar o saber diretamente no

seu computador, tablet, celular ou laptop. O retorno às aulas, aos métodos e livros

convencionais, que nas escolas anteriores se dava apenas no modo desconectado, quando

“página após página, classificações estudiosas distribuíam, para cada disciplina, sua parte, sua

seção, seus locais, seus laboratórios, sua prateleira na biblioteca, seus créditos, seus porta-

vozes e seu corporativismo”, sentenciariam os educandos a um tipo de retrocesso.

Pergunta 8: Quais as diferenças entre o ensino-aprendizagem utilizando o modelo

convencional do livro didático e com as TICs?

Categoria A: A tecnologia expande o conhecimento. (40%)

O livro traz conhecimento? Traz. Mas o livro vai parar ali e a tecnologia vai avançar. Se eu quiser saber algo mais e aquele livro não puder ajudar, vou ter que procurar outro livro e, se a escola não possuir esse outro livro, com esse algo mais que eu quero saber, a internet poderá ser uma solução mais rápida. Se bem usada, a internet expande o conhecimento, ela permite que você pesquise em vários lugares ao mesmo tempo. A facilidade em abordar um assunto de forma mais imediata, mas não esquecendo o suporte dos livros, é claro. Se o aluno ler somente um livro ou assistir um vídeo ele não conseguirá informações diversificadas. Com a internet ele pode procurar outros caminhos para aprender aquele conteúdo, acho que essa é uma mudança significativa. Quando você ficava apenas no caderno ou no livro, você acabava ficando limitado. O computador abre o horizonte. Eu acho que a criança gosta mais de trabalhar com a internet do que folheando um livro, as redes sociais são mais atrativas. Tudo para eles acontece no celular. Eles se sentem mais confortáveis em trabalhar com a mídia eletrônica.

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Categoria B: O ideal é a complementaridade entre o livro convencional e as TICs.

(40%)

Alguns alunos relatam que sentem falta do quadro, sentem falta do manuseio. Eles gostam de explorar os livros, mas a leitura na tela do computador durante muito tempo gera dor de cabeça, a gente tem várias queixas disso aqui. Eu vejo pelo aspecto físico, pelo aspecto psicológico, de uma maneira geral há reclamações do tipo “Ah, professora, eu não quero usar o computador hoje não, posso fazer no livro?”. Eles querem ter a opção entre os diversos formatos e plataformas. A diferença principal seria a economia de espaço, de papel, de quantidades de coisas. O tempo que leva para o aluno buscar o conhecimento no livro é maior, nas TICs busca-se com maior rapidez, a velocidade ajuda. O livro não precisa da energia, você pode abrir o livro a hora que você quiser e fechar idem, já o computador vai precisar de energia. Essas duas dimensões devem dialogar e ser problematizadas constantemente. Permitir que um aluno acesse o computador o tempo todo pode gerar um isolamento desse aluno dentro de um ciclo de convivência. Este é um dos problemas que as novas tecnologias estão gerando, que fica evidente aqui dentro. Tem alunos trabalhando no computador que parecem estar cada um no seu mundo. Como avaliar esse nível de aprendizagem? Quando faço um blog com os alunos, tento gerar a possibilidade de levar algo que eles têm trabalhado para sistematizar e ter um olhar reflexivo sobre o legado coletivo. Eles podem olhar na abordagem que fizeram a organicidade que deram àquele momento de aprendizagem. Em seguida eu faço a reflexão com eles. A diferença vai estar no uso que o professor com seus estudantes vai fazer das TICs, ou seja, você pode fazer uma aula totalmente conservadora e alienante com a maior tecnologia e uma aula totalmente provocativa e crítica com o livro didático e até sem ele. Mas, é claro que o conjunto desses materiais tecnológicos ajuda, porque você tem mais opções, mais possibilidades, tudo depende do uso que se faz dessa tecnologia.

Categoria C: A tecnologia dispersa o aluno. (10%)

Com o computador, os alunos se dispersam muito, isso é fato. O professor observa a tela daquele aluno e parece que tem apenas uma página aberta, mas você percebe as abas lá embaixo, as janelinhas abertas, uma está no Youtube, outra no Facebook, outra em alguma mídia de relacionamento. E o livro e a matéria? Seja lá o que for, Wikipedia ou fazendo uma pesquisa, enfim, manter o controle é muito difícil. O professor tenta monitorar o uso das páginas da internet e o aluno está preocupado em observar o professor para não ser pego. Então, fica essa guerra o tempo todo. Eu acho que esta é uma prática que deveria começar nas séries iniciais, treinando o aluno para o uso dessas tecnologias.

Categoria D: Não respondeu. (10%)

Discussão dos resultados da pergunta 8

Ao se posicionar acerca das diferenças entre o ensino-aprendizado com suporte do

livro didático e com o uso pedagógico das TICs os dois grupos principais, igualmente

distribuídos (40%), afirmaram que, embora as novas tecnologias de fato ampliem o acesso ao

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conhecimento, a melhor opção seria aliar o uso escolar das TICs às possibilidades inerentes

ao livro didático.

Ao mencionar a atitude dos segmentos infantil e juvenil em relação às TICs, Rivoltella

e Fantin (2012) fazem referência ao comportamento “multitarefas”, o constante acesso à

“multitelas” e ao deslocamento veloz e simultâneo entre diferentes dispositivos. Segundo os

autores, tais características favorecem a elaboração cognitiva acelerada e podem tornar

superficial a apreensão dos temas visitados, supostamente por não haver tempo para pesquisar

mais a fundo cada assunto.

Sobre esta questão, Martín-Barbero (2002) afirma que o livro e a escola, há bastante

tempo, deixaram de figurar como único eixo organizador do conhecimento, dos saberes e do

imaginário. Por outro lado, Canclini (2008, p. 33) entende que ainda estamos longe da

unidade quando se trata da construção de uma escola capaz de ressignificar mudanças

baseadas no entrelaçamento da leitura com a cultura oral e audiovisual eletrônica.

Na visão de Serres (2012, p. 49), com o uso das TICs ampliam-se consideravelmente

as possibilidades de acessar o saber em toda parte, em todo lugar. Dessa forma, desfazem-se

os limites das salas de aula para a transmissão do conhecimento: “O saber se espalha em um

espaço homogêneo, descentrado, de movimentação livre. A sala de antigamente morreu,

mesmo que ainda a vejamos tanto [...] mesmo que a sociedade do espetáculo ainda procure se

impor”.

[...] Permitir que um aluno acesse o computador o tempo todo pode gerar um isolamento desse aluno dentro de um ciclo de convivência. Este é um dos problemas que as novas tecnologias estão gerando, que fica evidente aqui dentro. Tem alunos trabalhando no computador que parecem estar cada um no seu mundo [...]. [P.8;C.B],

No entanto, na formulação do discurso coletivo dos entrevistados que responderam à

questão, também foi possível identificar certo tensionamento quanto ao bom uso das TICs.

Nesses casos, os entrevistados condicionaram os resultados pedagógicos esperados ao bom

uso dos meios utilizados nos ambientes de ensino-aprendizagem.

[...] Se bem usada, a internet expande o conhecimento, ela permite que você pesquise em vários lugares ao mesmo tempo. A facilidade em abordar um assunto de forma mais imediata, mas não esquecendo o suporte dos livros, é claro [...]. [P.8;C.A]. [...] A diferença vai estar no uso que o professor com seus estudantes vai fazer das TICs, ou seja, você pode fazer uma aula totalmente conservadora e alienante com a maior tecnologia e uma aula totalmente provocativa e crítica com o livro didático e até sem ele. Mas, é claro que o conjunto desses materiais tecnológicos ajuda,

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porque você tem mais opções, mais possibilidades, tudo depende do uso que se faz dessa tecnologia. [P.8;C.B].

Na opinião de Palfrey e Gasser (2011, p. 309), no momento em que os nativos digitais

conseguirem desenvolver modos de elaborar criticamente os conteúdos da internet serão

também capazes de avaliar as fontes de informação por meio do que ele chama de “ceticismo

saudável”. Tal evolução, segundo os autores, não se dará de modo centralizado ou por meio

de leis regulatórias, mas por meio de ações colaborativas de comunidades digitais.

Pergunta 9: O tipo de mediação praticada pelos mentores com os alunos em relação ao

conteúdo que eles acessam na escola seria mais técnica, crítica ou ambas?

Categoria A: Mediação técnica, operacional. (10%)

Quando os alunos estão com o computador existe um acompanhamento, mas não é tão preciso como seria se houvesse uma ferramenta muito interessante que era o BlueLab. Com ela, o professor poderia acompanhar o que seus alunos estariam visualizando em seus computadores. Eu poderia mandar uma mensagem para o aluno dizendo assim: “Por favor, saia já do Facebook!”. Só que essa ferramenta não foi viabilizada, tornando-se indisponível.

Categoria B: Crítica e solidária. (20%)

Eu acho que a mediação deve ser crítica. Nem todo site é bom, nem toda informação é 100%. Eu quero que meus alunos sejam capazes de dizer: “Esse site aqui não tem nada a ver com o livro, estou analisando um monte de coisas, mas quem escreveu isso aqui não leu o livro”. Quando o aluno chega a esse ponto, eu comemoro porque ele leu o livro e consegue discutir com propriedade o texto da internet que fala sobre o livro. Tem que ter o olhar crítico, saber o que é um “copia e cola”, direitos autorais, o que é de sua autoria e o que não é, tudo isso tem que ser ensinado. O acesso às redes sociais sempre foi um pouco conflitante, aos poucos nós começamos a conscientizar o aluno de que existem momentos mais adequados para cada coisa. Não é fácil, porque as turmas não são homogêneas, mas, hoje em dia eu vejo que, de certa forma, eles respeitam mais o foco no estudo. Quanto à questão da crítica dos conteúdos eu tenho que ficar muito em cima, porque eles acessam conteúdos de diversas fontes e podem vir com respostas contendo informações não confiáveis.

Categoria C: Técnica e crítica. (40%)

Eu acho que a mediação deve ser mais técnica, porque é necessário que o aluno domine minimamente a informática, que tenha preparo para lidar com a tecnologia, acessar as diversas possibilidades das plataformas que ele tem à mão. Por outro lado, o aspecto humano dessa troca, da conversa, do diálogo, do sonho, do projeto de vida do aluno, também são importantes. O aluno vai estar lidando sempre com essas duas faces da mesma moeda, o humano e a máquina. O humano não deixa de

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existir por causa da máquina e a máquina perderia o sentido se não houvesse o ser humano. Por meio do debate, da conversa, o mentor parte do interesse do aluno naquele dado momento de afeto ou desafeto, para criar novas oportunidades pedagógicas. Alguns professores, por exemplo, criaram blogs pessoais para contornar dificuldades com a avaliação. Tudo depende do momento, isso se aplica também na questão do tipo de uso que eles fazem das TICs. Às vezes o professor vai pensar que está saindo daquilo que foi proposto inicialmente na aula, mas se aquele caminhar está gerando uma curiosidade muito grande do grupo, se há uma curiosidade em torno de um assunto que faz mais sentido para eles do que o que foi proposto inicialmente, eu acho que a mediação tem um papel fundamental nesse caso. Na maioria das vezes o adolescente acessa os sites ou aplicativos que são do interesse dele, mas quando você amplia e diversifica esse conhecimento, você mostra para ele que existem outras oportunidades, que ele pode aprender de outras formas.

Categoria D: Moeda de troca, incentivo. (30%)

A questão é levar o aluno à reflexão sobre a apropriação do dispositivo, do celular, por exemplo, no momento que ele está desenvolvendo uma atividade. Então, certas vezes o professor pode e deve ser muito crítico sim; em outras, o aluno convence o professor de que ele também tem o direito de fazer aquele acesso ali com o celular dele, como instrumento pedagógico. Existe a negociação. O aluno chega a um determinado ponto da matéria onde já alcançou êxito no que foi solicitado, então ele pode ter a liberdade de utilizar o seu terminal para escutar música, estudar, ver um vídeo, até para entrar um pouco no Facebook, mas isso vai depender do grau de envolvimento dele dentro dessa aula. A "moeda de troca” depende de cada mentor/mediador.

Discussão dos resultados da pergunta 9

Perguntados sobre o tipo de mediação oferecida pelos mentores aos alunos, em relação

ao uso das TICs no ambiente escolar, se ela seria predominantemente crítica, técnica ou

ambas, em 40% do discurso coletivo dos entrevistados predominou o viés da técnica e crítica

simultaneamente. Outros 30% dos que responderam a questão admitiram permitir aos alunos,

como forma de bonificação por produtividade na execução das tarefas das disciplinas, o

acesso livre e indiscriminado aos conteúdos da internet, nos salões de ensino-aprendizagem.

[...] o aspecto humano dessa troca, da conversa, do diálogo, do sonho, do projeto de vida do aluno, também são importantes. O aluno vai estar lidando sempre com essas duas faces da mesma moeda, o humano e a máquina. O humano não deixa de existir por causa da máquina e a máquina perderia o sentido se não houvesse o ser humano. [P.9;C.C].

Não obstante a relevância da mediação técnica que visa otimizar a lida diária dos

alunos com as plataformas educacionais na escola, critério escolhido pela maioria dos

entrevistados, o expediente da “moeda de troca” empregado pelos outros 30% traz à baila a

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discussão acerca da liberdade do aluno face ao consumo indiscriminado de conteúdos da

internet na escola.

Segundo Belloni e Gomes (2008, p. 722), “embora o uso das TICs propicie

aprendizagens novas, especialmente novos modos de aprender, ele não é suficiente, por si só,

para desenvolver o espírito crítico e utilizações criativas”. As pesquisadoras acreditam na

eficácia da mediação permanente dos educadores no dia a dia escolar do educando, atuando

em acordo com os princípios da mídia-educação.

Na visão de Canclini (2008), o desenvolvimento de leitores e espectadores críticos

esbarra na manutenção das graves desigualdades e no anacronismo de algumas políticas

públicas culturais que insistem em olhar o cidadão a partir de um cenário pré-digital.

Para Rivoltella e Fantin (2012), esse novo cenário oportuniza acoplar à presença das

TICs nas escolas o aprendizado da leitura crítica da mídia, seja por meio de laboratórios

multi, inter e transdisciplinares, seja por abordagens teóricas, mediada por especialistas, com

o intuito de contextualizar a presença e a utilização dos meios no ambiente educativo.

Ao mencionar a “pedagogia crítica da mídia”, Kellner (2001, p. 424), sinaliza quanto à

relevância da promoção do ensino de formas de decodificação crítica das mensagens da

mídia, com o intuito de combater a passividade diante dos meios, buscando capacitar alunos e

professores a diferenciar o amplo espectro de efeitos e conteúdos das mensagens

midiatizadas.

Nesse sentido, conceitua que “somos aquilo que vemos e ouvimos, assim como somos

aquilo que comemos; por isso, é importante imprimir nos indivíduos a necessidade de evitar

comida ruim da cultura da mídia e escolher produtos mais sadios e nutritivos...”, o que sugere

que cada consumidor deve aprender a escolher (KELLNER, 2001, p. 425).

Pergunta 10: O (a) senhor (a) se sente corresponsável pelos conteúdos midiáticos que

os alunos consomem nos ambientes de ensino-aprendizagem?

Categoria A: Sou corresponsável. (30%)

A gente tem que educar os alunos também nos “excessos” que eles cometem nas redes sociais. É um processo de acolhimento. São os pais em casa e nós aqui na escola, cada um com a sua responsabilidade, que devem educar. Eu me sinto corresponsável por tudo o que eles fazem ou deixam de fazer na internet, mas, neste desafio, alcançar a perfeição é praticamente impossível. No tempo livre dos alunos este acompanhamento é um pouco mais solto. A gente tem que ficar atenta. Para isso a gente tinha aqui no GENTE o Bluelabs, um programa em que eu poderia enxergar o computador dos alunos, mas este também deixou de funcionar.

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Categoria B: Não sou corresponsável. (10%)

Eu não tenho o mínimo controle sobre 24 crianças, simultaneamente, com os computadores voltados para elas. Não consigo ver o que eles estão acessando. Eles conseguem abrir três, quatro páginas cada um. Você tem que, de vez em quando, passar pelas mesas e observar quantas páginas estão efetivamente abertas e em que navegadores. Alguns dos nossos computadores têm duas telas, é fácil para o aluno ocultar uma delas apenas com um toque.

Categoria C: A responsabilidade deve ser solidária e coletiva. (20%)

Eu não consigo lutar contra ao Facebook. O que eu tento é mostrar para os alunos que a vida não é só o Facebook. Eu não vou lutar contra o Twitter, o que pode e o que não pode a gente tenta estabelecer juntos, em grupo. Acho que, com o diálogo constante, os alunos acabam se conscientizando. No início é um pouco mais problemático porque o aluno, muitas vezes, não faz um bom uso da liberdade que ele tem com o computador, afinal, ele tem o mundo à disposição. É curioso que, passo a passo, o desrespeito às normas da escola se torna muito menor. Hoje, praticamente eu não tenho problemas com os alunos acessando o Facebook, porque esse diálogo é tão constante, essa conversa, essa conscientização, que eles acabam compreendendo. É claro que um ou outro vai acessar um “no varal do Youtube”, mas são ocorrências pontuais.

Categoria D: Não respondeu. (40%)

Discussão dos resultados da pergunta 10

Ainda que 40% da amostra pesquisada tenha optado por não responder a esta questão,

no discurso coletivo dos que emitiram opinião sobre a corresponsabilidade do educador frente

ao uso e ao consumo de conteúdos da mídia dos alunos nos espaços de ensino-aprendizagem,

30% afirmaram se sentirem corresponsáveis e outros 20% disseram que a responsabilidade de

tudo que o aluno acessa nos computadores em sala de aula deve ser solidária e coletiva.

[...] A gente tem que educar os alunos também nos “excessos” que eles cometem nas redes sociais. É um processo de acolhimento. São os pais em casa e nós aqui na escola, cada um com a sua responsabilidade, que devem educar. Eu me sinto corresponsável por tudo o que eles fazem ou deixam de fazer na internet, mas, neste desafio, alcançar a perfeição é praticamente impossível [...]. [P.10;C.A].

Segundo Canclini (2008), face à insegurança que permeia a rede e às brechas das

legislações que deveriam regular as relações na internet, faz-se necessário ampliar a

corresponsabilidade dos educadores frente ao uso e ao consumo dos conteúdos e produtos da

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mídia, inclusive nos ambientes escolares. Ao sustentar que há fragilidades nesse processo, o

autor (2008, p. 30) sinaliza que é necessário “[...] proteger a privacidade no mundo digital, o

que fazer para que as brechas no acesso não agravem as desigualdades históricas entre nações

e etnias [...] níveis econômicos e educacionais?”.

De acordo com Palfrey e Gasser (2011, p. 19), ao contrário de apostar na Educação

como forma de oferecer aos jovens nativos digitais as “[...] ferramentas e habilidades de que

necessitam para se manterem seguros, nossos legisladores falam em proibir [...] em vez de

preparar os garotos para lidar com um ambiente complexo e explodindo de informações”.

[...] Acho que, com o diálogo constante, os alunos acabam se conscientizando. No início é um pouco mais problemático porque o aluno, muitas vezes, não faz um bom uso da liberdade que ele tem com o computador, afinal, ele tem o mundo à disposição. É curioso que, passo a passo, o desrespeito às normas da escola se torna muito menor [...]. [P.10;C.C].

Ao sinalizar na direção do uso corresponsável dos meios, a Educomunicação se

apresenta como alternativa concreta de Educação para a mídia, cujo desafio é tornar-se

política pública em condições de atender a educandos e educadores na condição de “um

paradigma orientador de práticas que têm como objetivo o fortalecimento do protagonismo

dos sujeitos sociais, mediante a gestão compartilhada e solidária das tecnologias da

informação, num exercício prático do direito universal à expressão” (ABPEDUCOM, 2015).

De acordo com a interpretação proposta por Soares (2011), a inclusão da

Educomunicação na grade curricular do ensino público poderia aproximar o educando

contemporâneo da sua autonomia frente o uso constante das TICs, por meio da construção de

um sujeito capaz de produzir, ler e acessar conteúdos de forma crítica e questionadora. Ainda

que empoderado tecnologicamente, se ele não estiver apto a processar uma leitura crítica do

que consome na mídia possivelmente continuará a reproduzir a baixa capacidade crítica,

impeditiva de um consumo midiático seletivo e sustentável.

Pergunta 11: Em dois anos de funcionamento do GENTE, o (a) senhor (a) percebeu

alterações nos padrões de consumo de mídia dos alunos?

Categoria A: Há alterações visíveis nos padrões de consumo. (20%)

Eu vejo que houve uma sensível mudança. Agora, muitos acessam alguns sites ligados à Educação, alunos que, antes, só acessavam, por exemplo, redes sociais. Você vê um número maior de alunos utilizando outros meios tecnológicos, eu acho

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que o acesso às TICs na escola, de certa forma, ampliou o leque deles. Não digo que todos estejam no mesmo nível, mas houve uma alteração. Um aluno que me indicou o site "Minhateca", que tem conteúdos educativos muito interessantes, eu estava com dificuldade em baixar o aplicativo e ele me ensinou.

Categoria B: Não há alterações. (20%)

Não houve nenhuma alteração, porque a maior parte dos nossos alunos já chega aqui com uma bagagem muito grande, eles já acessam a internet há muito tempo. Os conteúdos que eles acessam, de uma maneira geral, continuam sendo os mesmos, é o Facebook, o Instagram, eles não mudaram o hábito. Acho que o comportamento é o mesmo.

Categoria C: Mudanças de padrão acontecem em médio e longo prazos. (30%)

Esse é um processo que a escola, sozinha, não consegue mudar. Agora, a escola ela tem que tentar sempre. Em alguns alunos eu já vejo uma mudança de postura. Eu espero que eles alcancem isso ao final desse projeto. Eles estão mais aptos a procurar informação. Hoje se você perguntar onde fica a rua tal, eles, imediatamente, sabem procurar no Google Maps as informações. O que, para mim, já é muito bom, porque se você pensar que o aluno antigo não sabia fazer isso e, às vezes, até se perdia na rua, hoje, o aluno tecnológico realmente é o cara que soluciona os problemas de forma mais rápida.

Categoria D: Não respondeu. (30%)

Discussão dos resultados da pergunta 11

Na questão que inquiriu se, após dois anos de projeto piloto, teria sido notada alguma

alteração nos padrões de consumo midiático por parte dos alunos do GENTE, no discurso

coletivo de 30% dos que responderam o questionário, embora tenham evidenciado mudanças

qualitativas em função do aumento da preferência dos alunos a sites educativos e mecanismos

de busca de informação on-line, ficou demonstrado também que mudanças ainda mais

significativas requerem mais tempo para ocorrer, ou seja, só acontecem em médio e longo

prazos.

[...] Agora, muitos acessam alguns sites ligados à Educação, alunos que, antes, só acessavam, por exemplo, redes sociais. Você vê um número maior de alunos utilizando outros meios tecnológicos, eu acho que o acesso às TICs na escola, de certa forma, ampliou o leque deles [...]. [P.11;C.A]. [...] Em alguns alunos eu já vejo uma mudança de postura. Eu espero que eles alcancem isso ao final desse projeto. Eles estão mais aptos a procurar informação. Hoje se você perguntar onde fica a rua tal, eles, imediatamente, sabem procurar no Google Maps as informações [...]. [P.11;C.C].

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Em percepção oposta, 20% dos entrevistados disseram não ter havido alteração

alguma, o que indica que os alunos continuam acessando e/ou consumindo o mesmo cardápio

de conteúdos do período em que iniciaram suas atividades no GENTE: “[...] Não houve

nenhuma alteração, porque a maior parte dos nossos alunos já chega aqui com uma

bagagem muito grande, eles já acessam a internet há muito tempo [...].” [P.11;C.B].

Ao traçar um paralelo entre o que ocorreu durante os dois anos de período adaptativo

da comunidade escolar do GENTE quanto ao uso das TICs com o experimento relatado por

Belloni (2010) – que procurou observar indicadores de autodidaxia e de colaboração com o

uso das novas tecnologias, numa turma de alfabetização de uma escola particular, de classe

média-alta, situada na região Sul do Brasil, onde todas as crianças têm computador em casa e

fazem uso contínuo das TICs – alguns aspectos demonstram que o tempo de convivência com

os meios tecnológicos seria uma das variáveis relevantes para a questão.

De acordo com Belloni (2010, p. 245), no caso estudado foram percebidos elementos

claros de autodidaxia, quando os próprios alunos descobrem caminhos para resolver

problemas ou simplesmente vão além do que foi pedido pela professora, por exemplo,

acessando níveis diferentes ou superiores de jogos. Uma das conclusões foi a de que as

“práticas de uso já estabelecidas há algum tempo, revelaram com clareza o quanto o uso

lúdico e precoce dessas tecnologias favorecem comportamentos autônomos de

aprendizagem”.

Quanto ao esforço adaptativo realizado pelos alunos GENTE, segundo estudos, entre

os eixos principais que norteiam o uso eficaz das TICs na escola para obtenção de resultados

satisfatórios destacam-se a autonomia e a motivação: “os alunos precisam ter espaço para

fazer escolhas e aprender no seu ritmo e do seu jeito [...] é fundamental que o uso das

tecnologias permita a realização de atividades mais estimulantes [...] e que motivem os alunos

a aprender” (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2014, p. 9).

Pergunta 12: Qual é a função da Educopédia?

Categoria A: Satisfatória, atrativa, atende à demanda tecnológica. (50%)

A Educopédia funciona em algumas matérias como apoio à parte didática, disponibilizando conteúdos tanto de livros, quanto dos cadernos pedagógicos da própria SME/RJ. Na disciplina Inglês, ela tem o conteúdo equivalente aos livros da Cultura Inglesa, só que de modo mais interativo. Então, o aluno tem a oportunidade de escutar, de repetir e de praticar mais com esse conteúdo. Para o Inglês, ela é

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essencial. Nas outras matérias ela é mais uma facilitadora. Não diria substituir, e sim um complemento do livro didático. A Educopédia e a Educoteca têm aproximado o aluno dos professores. A Educopédia oferece uma diversificação das ferramentas de aprendizagem. Volta e meia eu utilizo com meus alunos buscando ampliar as possibilidades de conteúdo, é um excelente suporte de ensino. Lá, você acessa jogos educativos que, quando bem utilizados, facilitam a vida do aluno e do mentor. Eu já utilizo há três anos. Como professor que não domina determinada disciplina a qual sou responsável, em função do critério de atuar como generalista, onde eu atuo em pelo menos três matérias que não tenho total domínio, a Educopédia torna-se um suporte valioso. Quando vão surgindo dúvidas, ela oferece o suporte pedagógico que a gente tem para recorrer. O acesso é facultado a todos, não só dentro da Rede, ela é aberta e isso é muito legal. Você pode acessar a Educopédia na sua casa, sem senha, sem nada. Nós, professores da Rede, temos uma senha, mas qualquer pessoa pode acessar a Educopédia e a Educoteca. A Educoteca é voltada para conteúdos de livros, livros falados, desenhos, tem o Pé de Vento que é para as crianças menores, que são historinhas. É um portal onde você tem o conteúdo das disciplinas, eles também sugerem sites como o youtube.edu, e várias outras ferramentas para que os alunos tenham mais subsídios educativos.

Categoria B: Não é atrativa, é insatisfatória, não atende à demanda. (10%)

A Educopédia seria uma das linhas principais do projeto, mas ela é tão fraca que nós quase não utilizamos atualmente.

Categoria C: Precisa melhorar a oferta de conteúdo. (30%)

É um portal onde você tem exercícios calibrados por bimestre pra cada ano, do primeiro ao nono ano e para o EJA26, separados por disciplina. Agora, se você pegar um caderno pedagógico da SME/RJ e comparar à Educopédia você vai ver que eles são calibrados de forma diferente. Às vezes uma matéria que é classificada no terceiro bimestre no Educopédia, aparece no primeiro no caderno pedagógico, isso é um problema da Rede. Ora, se a Educopédia é da Rede e o caderno pedagógico idem, eles teriam que ser calibrados com os mesmos descritores daquele bimestre. Isso é currículo, está no currículo, não adianta eu ter acesso a um material fantástico do Educopédia, que meu aluno pode acessar até em casa, se ele não está calibrado com o que eu ofereço na escola. Vários professores utilizam como uma ferramenta inicial de acesso à internet, mas tentar explicar para cada aluno que aquele link relacionado àquele tema não é do quarto bimestre do Educopédia, e sim do terceiro, ou do primeiro, é um desgaste monumental. É como você escrever uma matéria no quadro e dizer “olha a matéria é essa aqui, você tem que estudar isso aqui”, depois, quando você pede ao aluno que acesse a Educopédia em casa, ele entra num outro mundo, que não é aquele do plano de aula. Aquele link em que ele está clicando abre para uma coisa que não tem nada a ver com o caderno pedagógico que ele está necessitando estudar. Quer dizer, ela é uma ferramenta que a SME/RJ oferece baseada no caderno pedagógico, mas o Projeto Gente não é baseado no caderno pedagógico. A Educopédia tem esse problema, é superlegal, mas, às vezes, os links que eles disponibilizam para o aluno não abrem, aí você trava naquele determinado exercício. A Educopédia não permite que eu insira os vídeos que eu tenho produzidos com os alunos, então eu fico armazenando esse material sem saber como compartilhar para os alunos poderem se verem, ter uma espécie de projeção, interação, para os pais poderem interagir, para comunidade poder interagir. Deste modo, a ferramenta deixa de cumprir uma parte daquilo que se propõe.

                                                                                                               26 Educação de jovens e adultos.

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Categoria D: Não respondeu. (10%)

Discussão dos resultados da pergunta 12

De acordo com o discurso coletivo de 50% dos entrevistados, a Educopédia oferece a

contento o suporte pedagógico e conteúdos on-line para a obtenção dos objetivos escolares

dos alunos e mentores do GENTE.

Ao atuar como a principal plataforma adaptativa utilizada pela SME/RJ, a Educopédia

assemelha-se, em suas funções, a outros modelos que vêm sendo implementados em larga

escala pela chamada Educação conectada e a distância.

Por definição, a plataforma adaptativa é um sistema on-line, ou seja, um tipo de

“plataforma inteligente, que utiliza softwares que propõem atividades sob medida para as

respostas e reações que cada aluno demonstra ao realizar as tarefas” (SECRETARIA DE

ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ, 2015, p. 2). Por meio delas, alunos e professores

conseguem acessar múltiplas possibilidades de conteúdos pedagógicos com a capacidade de

mensurar em tempo real o desempenho de cada educando. Esse mecanismo permite, por

exemplo, que o aluno avance em pontos específicos do seu percurso formativo, refazendo

etapas quando necessário e progredindo de acordo com o seu ritmo e capacidade individuais.

A Geekie Games e a Khan Academy são exemplos de plataformas adaptativas que podem ser

acessadas tanto por alunos quanto por professores.

[...] das ferramentas de aprendizagem, volta e meia eu utilizo com meus alunos buscando ampliar as possibilidades de conteúdo, é um excelente suporte de ensino. Lá, você acessa jogos educativos, que, quando bem utilizados, facilitam a vida do aluno e do mentor [...]. [P.12;C.A]. [...] Como professor que não domina determinada disciplina a qual sou responsável, em função do critério de atuar como generalista, onde eu atuo em pelo menos três matérias que não tenho total domínio, a Educopédia torna-se um suporte valioso [...]. [P.12;C.A]. [...] O acesso é facultado a todos, não só dentro da Rede, ela é aberta e isso é muito legal. Você pode acessar a Educopédia na sua casa, sem senha, sem nada. Nós professores da Rede, temos uma senha, mas qualquer pessoa pode acessar [...]. [P.12;C.A].

Por outro lado, segundo Palfrey e Gasser (2011, p. 18), embora o acesso às

plataformas adaptativas possa assegurar que o consumo midiático pedagógico cumpra o seu

papel agregador de conhecimento e habilidades necessários ao desenvolvimento do aluno,

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deve-se estar atento a outros tipos de acessos que podem ocorrer simultaneamente. Em certos

casos, por meio de outras plataformas, como, por exemplo, via celular pessoal, os alunos

poderão acessar conteúdos diversos que nem sempre estarão de acordo com o espaço escolar,

muitas vezes, inclusive, atuando como verdadeiras ameaças à criança, do tipo pedofilia,

disseminação de preconceitos e violência. Segundo os autores, há uma infinidade de relatos a

respeito da atuação na rede de “intimidadores cibernéticos, predadores on-line, viciados em

internet e pornografia on-line”, o que preocupa, sobretudo, a educadores e pais,

principalmente quando “seus filhos digitalmente conectados estejam mais em risco de serem

dominados quando passam horas por dia em um ambiente digital descontrolado, onde poucas

coisas são exatamente o que parecem à primeira vista”.

Pergunta 13: Fale sobre a Máquina de Testes e as avaliações do rendimento dos

alunos?

Categoria A: Há conflito entre o modelo tecnológico e o da rede municipal de ensino.

(10%)

Esse é um grave problema no GENTE. Criaram o GENTE, que funciona numa escola da Prefeitura e, por conta disso, os alunos precisam fazer as provas bimestrais como em qualquer outra escola da rede municipal. Mas, o projeto que referencia as práticas do GENTE diz que eu tenho que esperar o processo individual do aluno, cada aluno vai ter seu momento, etc. Porém, na realidade, o aluno tem que fazer uma prova que não espera por esse momento, uma prova que os alunos têm que fazer porque eles pertencem a uma escola que faz parte da rede municipal. Eu acho que a rede tinha que ter pensado nisso, o aluno é da rede, mas o projeto propõe um novo modelo, isso é um paradoxo, um conflito. É injusto chegar o dia da prova e o meu aluno se sair mal, e dizer assim “Eu não sou bom aluno porque eu não fui bem na *** dessa prova”. Ele tem que fazer a prova e essa nota vai para o boletim. Mesmo que eu dê a minha avaliação, a nota da prova bimestral vai constar lá, e a minha avaliação vem abaixo. Já aconteceu do pai virar para mim e dizer “Mas aqui ele tirou 4 como é que aqui ele pode ter 7”, porque são duas avaliações diferentes no mesmo boletim.

Categoria B: Modelo tradicional adotado na rede municipal de ensino. (40%)

As avaliações são convencionais, existia uma Máquina de Testes que foi projetada, mas que nunca funcionou. Os conteúdos programáticos continuam sendo os conteúdos programáticos da rede, os alunos são avaliados por meio de provas bimestrais que vêm prontas da Secretaria, a Escola Municipal André Urani faz parte da rede, como todas as outras escolas. Toda essa perspectiva de resgatar as dúvidas que o aluno tenha de anos anteriores, a gente tem que fazer, mas fazemos igual ao que outros professores fazem em toda a rede, ou seja, com o esforço individual dele e do aluno, através de inúmeras tentativas e erros, o que dificulta o caminhar desse aluno. A Máquina de Testes seria um modelo de avaliação que

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respeitaria de fato a individualidade do aluno. Ela permitiria que o aluno seguisse um itinerário formativo, fazendo as avaliações conforme fosse progredindo. Sem ela, essa individualização do ensino ficou somente por conta dos professores.

Categoria C: Modelo alternativo híbrido desenvolvido pelos mentores. (40%)

A Máquina de Testes ainda não aconteceu e isso vai virando um problema que o professor tem que administrar e se adaptar a essa realidade sem, contudo, conseguir individualizar o ensino. Outros critérios de avaliação são vistos nos cadernos: eles têm um caderno eu passo a matéria eles copiam, fazem o dever. A partir do momento que a gente soube que a Máquina de Testes não iria ser disponibilizada, começamos a trabalhar com blogs para diversificar mais um pouco as avaliações. Eu lanço um tema, por exemplo, “A importância da alimentação no esporte”, aí eu posto um material a respeito, às vezes coloco um texto e eles leem e a partir disso produzem alguma coisa. Eles também podem postar, tem uma parte só de comentários, depois eles podem postar alguma coisa com relação àquele tema e aí a gente vai mediando, avaliando. A promessa do Projeto GENTE era baseada na Máquina de Testes que teria parâmetros avaliativos, de nivelamento de saberes baseados na habilidade e competências que cada aluno alcançasse ao longo do ano. Sem ela, o professor ficou completamente à mercê da sua possibilidade, cada um na sua. Alguns professores apelam para máquina de xérox, tiram cópia, fazem prova, sentam juntos, discutem as coisas. Eu, sinceramente, acho que isso é desespero. Essa não foi uma escola criada para ser tradicional, ela não pode simplesmente se vincular ao tradicionalismo e ponto. Eu crio ferramentas na internet para isso, formulários de avaliação para os alunos até de outras disciplinas. Isso não veio do projeto, não foi ninguém da coordenação pedagógica da escola, ninguém da direção, não foi nenhum gerente do projeto.

Categoria D: Não respondeu. (10%)

Discussão dos resultados da pergunta 13

De acordo com o discurso coletivo dos entrevistados que responderam sobre o modelo

de avaliação e a respeito da Máquina de Testes – modelo de plataforma adaptativa projetada

para integrar a Educopédia e, dessa forma, atuar como suporte para a realização das

avaliações – 40% da amostra afirma que, em função da não implementação da Máquina de

Testes, as avaliações dos alunos da Escola André Urani se dão da mesma maneira das demais

unidades que integram a rede municipal, ou seja, por meio de provas bimestrais

convencionais.

[...] os alunos são avaliados por meio de provas bimestrais que vêm prontas da Secretaria, a Escola Municipal André Urani faz parte da Rede, como todas as outras escolas. Toda essa perspectiva de resgatar as dúvidas que o aluno tenha de anos anteriores, a gente tem que fazer, mas, fazemos igual ao que outros professores fazem em toda a rede [...] A Máquina de Testes seria um modelo de avaliação que respeitaria de fato a individualidade do aluno. [P.13; C.B].

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Outros 40% dos entrevistados informam que o impasse criado entre o modelo de

avaliação convencional aplicado a todas as escolas da rede municipal e a diretriz do projeto

GENTE de utilizar nas avaliações o conceito de itinerário formativo, que permitiria ao aluno

progredir nos conteúdos, segundo suas necessidades e possibilidades específicas, respeitando-

se seu próprio ritmo de aquisição de conhecimentos e habilidades, fez com que fossem

empreendidos pela comunidade escolar esforços adaptativos específicos.

[...] Essa não foi uma escola criada para ser tradicional, ela não pode simplesmente se vincular ao tradicionalismo e ponto. Eu crio ferramentas na internet para isso, formulários de avaliação para os alunos até de outras disciplinas, isso não veio do projeto. [P.13;C.C]. [...] A Máquina de Testes ainda não aconteceu e isso vai virando um problema que o professor tem que administrar e se adaptar a essa realidade, sem, contudo, conseguir individualizar o ensino. [P.13;C.C]. [...] A partir do momento que a gente soube que a Máquina de Testes não iria ser disponibilizada, começamos a trabalhar com blogs para diversificar mais um pouco as avaliações [...]. [P.13;C.C].

Tal estado de coisas permitiu que alunos e mentores se aproximassem ainda mais na

tentativa de superar o problema, ao desenvolverem modelos de avaliação híbridos,

intermediários, que, por um lado, mantiveram as diretrizes das SME/RJ quanto à aplicação

das provas regulares, mas, ao mesmo tempo, por outro lado, permitiram que o GENTE

avançasse no critério do itinerário formativo sinalizado no projeto inicial.

Pergunta 14: O uso das TICs no ambiente escolar alterou o interesse dos alunos nos

livros impressos disponibilizados na sala de leitura?

Categoria A: Os livros têm sido tão atrativos quanto os computadores. (10%)

Ah, com certeza! Nós estimulamos a leitura.

Categoria B: Os computadores são mais atrativos. (10%)

Poucos alunos aqui gostam de ler, mas um número pequeno deles de fato gosta.

Categoria C: Os livros são mais atrativos. (10%)

No ano passado eu trabalhei na sala de leitura e aconteceu um fato muito interessante. Eu havia chegado do salão do livro com livros novinhos e uma aluna

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cheirou o livro e disse assim “Ai, cheiro de papel novo é tão gostoso, né?”. Então, você vê que eles se identificam com o livro. Percy Jackson, eles adoram, eles leram o livro e depois assistiram o filme. Desse modo saem da experiência palpável do livro para o imaginário da imagem do computador, mas de uma forma crítica. Eles curtem. Tem algumas resistências, como qualquer criança ou adolescente. Eu acho que isso tem aumentado bastante a procura por livros.

Categoria D: Livros e computadores são complementares. (50%)

No início havia alunos que não suportavam ler, tudo para eles era computador e só pegavam livrinhos fininhos, porque uma das provas bimestrais é uma produção de texto a partir do livro que o aluno leu no bimestre. Outros vão à sala de leitura e pegam livros seguidos. Eu tenho um grupo de alunos que era uma “lenha” para conseguir fazer ler um livro. Quando chegou o projeto da Caixa de Leitura, que veio o Harry Potter, que tem 642 páginas, dos 24 alunos apenas catorze quiseram ler, o projeto é um oferecimento da sala de leitura. Aos poucos, quem não estava lendo por iniciativa própria começou, por receio que valesse nota. Quando veio “Os Miseráveis” todos quiseram ler, porque antes a gente passou o filme. Na verdade, eles gostam de todos os tipos de livros, gibis, de fotos, com muitas letrinhas, didáticos, a internet só aguça a curiosidade, eu tenho essa sensação. Eu vejo alguma coisa na internet, logo isso me dá vontade de ter o livro na mão, o tato, aí eu não consigo mais ficar só na interação virtual. Eu acho que o aluno sempre vai ter interesse, sim, de ir à biblioteca escolher um livro pra ler. A tradição da leitura do livro impresso não vai morrer nunca, porque é humano. Por sua vez, ao contrário do que já disseram, a televisão não acabou com a reunião de família, ela sedimentou. O papel da televisão era reunir a família numa sala, para todo mundo ver um programa junto e a partir daquele programa poder conversar, interagir e trocar ideias. A internet tem o mesmo papel, só que ela ampliou mais ainda, cada um com seu celular. Depois de ler um livro, acessar este mesmo livro on-line ou assistir um filme na TV ou no cinema sobre esse livro, o que eu faço com essa informação? Eu preciso trocar, compartilhar. Eu acho que a internet aguça os sentidos, os alunos ainda têm muito interesse de ir para a sala de leitura, manusear, ter essa relação, esse contato, que não é nostálgico ou saudosista, mas que continua presente nas nossas práticas. Na sala de leitura houve um aumento significativo da procura de livros impressos, porque quando nós detectamos que alguns alunos tinham muita dificuldade na leitura e na interpretação, fizemos um trabalho de conscientização da importância da leitura, e isso deu certo e aumentou a procura, com ou sem o uso da tecnologia.

Categoria E: Não respondeu. (20%)

Discussão dos resultados da pergunta 14

A fala dos entrevistados contida no discurso coletivo dos que responderam se o acesso

às TICs alterou o interesse dos educandos nos livros impressos disponibilizados na sala de

leitura da escola revela que 50% acreditam que os alunos apostam, em sua maioria, na

complementaridade entre livros impressos e os acessados nas TICs. De acordo com Martín-

Barbero (2002), há pelo menos cinco décadas os saberes e o imaginário deixaram de se

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orientar apenas a partir do viés letrado ou de um exclusivo meio para sistematizar os

conhecimentos.

[...] quando chegou o projeto da Caixa de Leitura, que veio o Harry Potter, que tem 642 páginas, dos 24 alunos apenas catorze quiseram ler, o projeto é um oferecimento da sala de leitura. Aos poucos, quem não estava lendo por iniciativa própria, começou, por receio que valesse nota. Quando veio “Os Miseráveis” todos quiseram ler, porque antes a gente passou o filme. [P.14;C.D].

Na opinião de Canclini (2008, p. 33-34), o acesso às multitelas do mundo moderno,

que também permitem o acesso aos diversos textos que são ou foram produzidos, não indica

haver uma supremacia da imagem sobre o hábito de ler, “muitos, porém, relutam em traduzir

essas mudanças no conceito de uma escola que admita a interação da leitura com a cultura

oral e a audiovisual-eletrônica”. Segundo o autor, os atuais modos de uso dos meios pelos

“leitores-espectadores-internautas” e a fusão de linguagens e formatos, que juntam conteúdos

anteriormente produzidos e consumidos em separado, não permitem mais imaginá-los em

separado, como “ilhas isoladas”.

A tradição da leitura do livro impresso não vai morrer nunca, porque é humano. Por sua vez, ao contrário do que já disseram, a televisão não acabou com a reunião de família, ela sedimentou [...] a internet tem o mesmo papel, só que ela ampliou mais ainda, cada um com seu celular. Depois de ler um livro, acessar este mesmo livro on-line ou assistir um filme na TV ou no cinema sobre esse livro, o que eu faço com essa informação? Eu preciso trocar, compartilhar. [P.14;C.D].

Canclini (2008, p. 59) afirma ainda que, embora possam discordar, “quem lê sem

separar aquilo que, nele, também é espectador e internauta, lê – e escreve [...] lê da mesma

forma a Cervantes, Kafka, Borges [...]”, visto que não haveria apenas um modo de ler tais

autores.

Alves (2012, p. 108), ao relatar a vivência dos alunos da Escola da Ponte, que, de

modo similar aos alunos do GENTE, ressignificaram a relação com os livros impressos a

partir do uso escolar das TICs, “[...] a biblioteca e as novas tecnologias de informação e

comunicação são lócus de encontro, de procura e de troca de informações [...] os professores

são também uma fonte permanente de informação, segurança, interrogações, afetos [...]”.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Amparado nas teorias discutidas ao longo desta dissertação e nos resultados de

pesquisa apontados no quarto capítulo, destacam-se, a seguir, algumas camadas da realidade

percebida durante a observação de certos aspectos do processo de adaptação da comunidade

escolar que constitui a Escola Municipal André Urani, na Rocinha, a qual está inserida em um

projeto educacional que tem como um dos seus eixos principais a implementação do uso das

TICs como principal ferramenta pedagógica do Projeto GENTE – Ginásio Experimental de

Novas Tecnologias.

Nos dois anos em que funcionou como projeto piloto27 – 2013 e 2014 –, a comunidade

escolar do GENTE foi convocada a migrar do modelo pedagógico convencional – ancorado

no sistema de ensino seriado, nas avaliações por meio de provas escritas e ênfase no uso do

livro didático – para o ensino conectado, com suporte de plataformas pedagógicas on-line e

uso corrente das TICs nos espaços de ensino-aprendizagem.

Ao buscar responder às perguntas de pesquisa, ao longo do caminho dissertativo, a

polifonia discursiva dos principais atores responsáveis pelo processo adaptativo dos alunos e

professores/mentores do Projeto GENTE confrontou-se dialogicamente com aspectos teóricos

que nortearam a investigação.

Embora houvesse a orientação metodológica de realizar entrevistas em profundidade

ouvindo tanto os professores/mentores quanto os alunos, no período dedicado à observação de

campo, especialmente nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2013, a comunidade

da Rocinha, mais uma vez, estaria mergulhada em uma série de conflitos armados que, não

raro, alteram severamente o cotidiano dos alunos e de suas famílias, servidores, professores e

gestores do Projeto Gente.

Nesse período, foi detectado, pelos gestores do GENTE, certo receio de parte dos

responsáveis, que não concordaram em assinar as autorizações (Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido) necessárias para a oitiva dos alunos.

Dessa forma, considerando o baixo número de autorizações assinadas pelos familiares

responsáveis pelos alunos, optou-se por trabalhar somente com as entrevistas concedidas por

professores-mentores como sujeitos da pesquisa.

Segundo Wilson et al. (2013, p. 17), “os professores alfabetizados em conhecimentos

e habilidades midiáticas e informacionais terão capacidades aprimoradas de empoderar os                                                                                                                27 De acordo com a SME/RJ, pretende-se que o projeto GENTE seja multiplicado no todo ou em parte nas demais unidades escolares da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro.

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alunos em relação a aprender a aprender, e aprender de maneira autônoma...”. Desse modo,

atenderiam ao princípio da construção da autonomia do aluno, um dos pilares do GENTE.

Do confronto de conceitos e visões que dialogaram por meio de autores que discutem

os fenômenos educativos e comunicacionais, destacou-se como fundamental, para a

compreensão da extensão dos imbricamentos midiático-educativos e de seus reflexos na vida

escolar por meio do uso corrente das TICs, o consumo de produtos e conteúdos da mídia.

Sobretudo, a histórica evolução do consumo de mercadorias materiais e imateriais ligadas ao

mundo-espetáculo, que, associado ao cotidiano hiperconetado de crianças a adolescentes, tem

tornado as pessoas cada vez mais dependentes da presença e do uso de gadgets, seja o celular,

o game, o computador da lan house, além de tantos outros suportes eletrônico-digitais.

Ao destacar a seguir a multiplicidade de sentidos armazenados nas falas e enunciados

que teceram o discurso do sujeito coletivo resultante das entrevistas coletadas na empiria,

busca-se demonstrar as diversas polifonias individuais daqueles que se dispuseram a

colaborar, revelando fragmentos cotidianos da adaptação dos alunos, professores e gestores

do GENTE ao uso pedagógico das TICs em uma escola pública, localizada numa das maiores

comunidades do Rio de Janeiro.

Durante a pesquisa ficaram evidentes aspectos que, embora possam ser considerados

consequentes do uso das novas tecnologias, não dependem exclusivamente dela. Por exemplo,

a opção do projeto GENTE pela “queda das paredes” e a criação dos ambientes

multisseriados, gerando espaços de ensino-aprendizagem onde quase tudo é colaborativo – o

conhecimento é colaborativo e, principalmente, o ensino é colaborativo – demonstrou a

exequidade de outras ações referenciadas como inovadoras e que independem do uso das

TICs.

Do mesmo modo, destacou-se o discurso coletivo que respondeu sobre aspectos que,

para gerarem resultados, necessitariam das TICs, como, por exemplo, para posicionar o aluno

na centralidade dos processos pedagógicos. Nesse caso, foi evidenciado que a autonomia do

aluno é de fato um dos fatores resultantes do uso das TICs. Todavia, sobressaiu-se que, no

GENTE, o protagonismo do educando não resulta exclusivamente do aporte tecnológico, mas,

também, da aproximação que o uso das TICs pode propiciar entre alunos e mentores.

De acordo com Lévy (2011, p. 27-28), a importância das trocas recíprocas que

ocorrem também entre alunos e professores, seja no mundo hiperconetado, no ciberespaço ou

fora dele, bem como os resultados dessas mediações, podem ser surpreendentes e fazem

refletir:

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[...] quem é o outro? É alguém que sabe. E que sabe as coisas que eu não sei. O outro não é mais um ser assustador, ameaçador: como eu, ele ignora bastante e domina alguns conhecimentos. Mas como nossas zonas de inexperiência não se justapõem ele representa uma fonte possível de enriquecimento de meus próprios saberes. Ele pode aumentar meu potencial de ser, e tanto mais quanto mais diferir de mim. Poderei associar minhas competências às suas, de tal modo que atuemos melhor juntos do que separados.

Destacou-se o esforço coletivo dos mentores que buscaram, individual e

coletivamente, superar os eventuais impasses diante de dificuldades para implantar áreas da

plataforma adaptativa Educopédia, como a Máquina de Testes, que possibilitaria aos alunos

projetarem seus itinerários formativos, tendo como meta dar os passos mais adequados na

direção dos seus projetos de vida. Nesse caso, durante o período de adaptação, ao invés de se

resignarem às dificuldades técnico-administrativas que impossibilitaram o acesso à Máquina

de Testes, os mentores usaram da criatividade como ferramenta e adotaram como estratégia

priorizar as necessidades do aluno. Desse modo, garantiriam o respeito às individualidades,

conforme anunciado no projeto, guiados pela percepção de que estavam apenas no começo do

percurso até que, de fato, as TICs conseguissem perpassar transversalmente todas as

disciplinas e atividades do projeto.

Outros fatores adversos, como o número limitado de computadores para atender toda a

demanda, a manutenção precária dos computadores, problemas com rede de Wi-Fi, etc.,

oportunizaram a exequibilidade de um modelo pedagógico híbrido que uniu a pedagogia

convencional à conectada, como solução intermediária encontrada pela comunidade escolar

do GENTE para vencer adversidades. Ao reconhecer as limitações – e dispostos a superá-las

– mentores e alunos somaram esforços para executar as atividades em grupos, visando

cumprir as rotinas pedagógicas de forma tanto on-line, com as plataformas disponíveis,

quanto off-line, por meio do uso comum dos recursos tecnológicos limitados.

O discurso coletivo dos entrevistados revelou que a Educopédia foi de grande valia

para que, atendendo ao caráter da polivalência no ensino, mentores generalistas tivessem

acesso a conteúdos de outras disciplinas que não aquelas em que são especialistas.

A centralidade ocupada pela mediação na relação entre alunos e mentores foi

justificada no discurso coletivo dos entrevistados pelo caráter multisseriado do projeto; pelo

fato de que alguns professores atuam em mais de uma disciplina (mentoria generalista e

polivalente); pelo modelo adotado, em que a tecnologia mostrou-se determinante no caminhar

dos alunos no estudo conectado do ambiente escolar.

A aquisição de habilidades e o acesso às informações, por vezes tirando dúvidas,

muitas vezes comuns a ambos, lado a lado, foram fatores de aproximação e integração entre

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mentores e alunos, sendo a Educopédia o elemento chave, ao oferecer o suporte adequado à

demanda.

Ao se analisar, na perspectiva do consumo, as ofertas de conteúdos formativos

disponibilizados pelas plataformas adaptativas, é possível que, no futuro próximo, o uso desse

modelo de suporte pedagógico amplie sobremaneira sua utilização nos ambientes escolares

públicos e privados, como já acontece com as plataformas www.youtube.edu e

https://pt.khanacademy.org, entre outras.

Se, por um lado, a adoção das salas de aula conectadas pode significar que o professor

venha a conhecer mais detalhadamente cada aluno, ao identificar as potencialidades e

limitações individuais e criar oportunidades para superar eventuais limitações, por outro torna

a questão mais complexa. A ampliação do uso dessas novas ferramentas tecnológicas pode

significar que as corporações que as desenvolvem e comercializam, consequentemente, salvo

haja limites impostos por legislações ainda não criadas, terão acesso privilegiado aos dados e

preferências de consumo dos alunos usuários, o que, do ponto de vista estratégico-

corporativo, pode ser deveras vantajoso, conforme adverte Siqueira (2015).

No caso do GENTE, outras possibilidades de uso de plataformas com fins

pedagógicos, não previstas no projeto original, como o uso individual do próprio dispositivo

celular dos alunos, se configuraram como ações experimentais alternativas que ajudaram

mentores e alunos a perceber a importância da tecnologia na construção de narrativas

educativas e pessoais relacionadas às formas de significar relevantes conteúdos escolares e de

vida. O deslocamento de papéis sociais entre mentores e alunos, quando os primeiros

deixaram de ocupar a posição de únicos detentores do conhecimento, pela emergência do

protagonismo dos alunos, gerado pelo uso das TICs, foram relatados como momentos de

superação do distanciamento entre ambos.

Na visão de Wilson et al. (2013, p. 17), ao alfabetizar os alunos para lidar com a mídia

os professores atenderiam, simultaneamente, à defesa de uma cidadania bem informada e

“estariam respondendo a mudanças em seu papel de educadores, uma vez que o ensino

desloca seu foco central da figura do professor para a figura do aprendiz”.

De acordo com Kellner (2001, p. 10), ao descortinar formas de ler e criticar a mídia, o

educando evita deixar-se manipular, aumenta sua autonomia diante da cultura da mídia,

podendo ainda “adquirir mais poder sobre o meio cultural, bem como os necessários

conhecimentos para produzir novas formas de cultura”.

Conforme foi descrito no discurso coletivo que descortinou a interação, a mediação e

as rotinas colaborativas, inúmeros momentos de aprendizagem transformaram-se em

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oportunidades de troca de papéis entre mentores e alunos, nas quais o espírito colaborativo

deu o tom das rotinas escolares. Na polifonia contida no discurso coletivo que trouxe à tona

mais e mais camadas dessa realidade, puderam ser questionados alguns conceitos como o do

professor “detentor do conhecimento” e o do aluno “depósito de conhecimento”.

A pergunta sobre a implantação do modelo pedagógico que faz uso das novas

tecnologias como determinantes para o desenvolvimento de uma Educação que persiga

atender às demandas do século XXI, com ênfase na autonomia e no protagonismo dos alunos,

gerou respostas que evidenciaram o quanto esse processo depende fundamentalmente da

forma como as novas e as antigas tecnologias são mediadas pelo próprio ambiente escolar e

pelo tipo de mediação oferecida aos alunos pelos mentores.

Segundo Kellner (2001, p. 427), toda essa tecnologia, dependendo da forma como for

utilizada, pode significar manutenção das desigualdades ou a ampliação de horizontes,

“instrumento de dominação ou de libertação, de manipulação ou esclarecimento social, e cabe

aos produtores de cultura [...] determinar de que modo as novas tecnologias serão usadas [...]

e a que interesses atenderão”.

O necessário apoderamento dos professores/mentores diante do uso das novas

tecnologias, presente no discurso coletivo dos pesquisados, revelou que, embora pareça

imperativa, a adaptação deve ocorrer gradativamente, tirando-se proveito dos aspectos

colaborativos e da maior capacidade adaptativa dos alunos nativos digitais. Ao se constatar

que consumir e viver com as tecnologias tornou-se parte dos hábitos mais comuns dos

adolescentes, visto quase como um traço cultural, a troca de informações e a ajuda em relação

ao uso das TICs se destacaram como momento de aproximação e integração.

De acordo com Palfrey e Gasser (2011), não são apenas os responsáveis que temem o

impacto gerado pela internet na vida dos jovens, também os professores “[...] se preocupam

com o fato de eles próprios estarem em descompasso com seus alunos Nativos Digitais, que

as habilidades que eles têm [...] estejam se tornando perdidas ou obsoletas”.

Noutra perspectiva, concluiu-se que, para transformar as informações acessadas via

internet em conhecimento, a mediação aluno/mentor, mentor/aluno, repleta de significado

humano e transdimensional, se constituiu como um marco fundamental para a busca de

resultados no projeto.

Quanto às diferenças entre a pedagogia conectada e a convencional, observou-se no

discurso coletivo haver mais complementaridade entre o ato de abrir o livro e/ou ligar o

computador do que desigualdades; as duas dimensões necessitam dialogar e serem

constantemente problematizadas entre si. Embora historicamente pertencentes a diferentes

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universos tecnológicos, a convivência escolar a partir da intercessão entre o livro didático e as

TICs parece ter sido absorvida pela comunidade do GENTE como um desafio natural, com

resultantes favoráveis.

No discurso coletivo resultante da investigação ficou evidente que os mentores

fizeram opções quanto à parcela pessoal e individual de responsabilidade e/ou

corresponsabilidade que lhes cabia sobre os conteúdos acessados pelos alunos e quanto aos

modelos de mediação. A esse respeito, para alguns mentores a mediação técnica foi o

caminho adotado, visando orientar os alunos para o desenvolvimento de habilidades

necessárias ao uso das TICs com vistas à melhor absorção de conteúdos pedagógicos. Para

outros mentores, oferecer possibilidades de desenvolvimento de mais seletividade crítica

frente à oferta de conteúdos provenientes das TICs foi decisivo até para a segurança dos

alunos do GENTE no acesso à internet.

De acordo com Wilson et al. (2013), a inclusão da educação para a mídia nos

currículos escolares projeta-se a partir das tendências de convergência das mídias que

aproxima, embora de modo fragmentado, os conteúdos do rádio, da televisão, da internet, dos

livros, das bibliotecas, dos filmes, etc., em uma única plataforma. Dentre os benefícios desse

processo estaria a integração desses novos meios agregadores de saberes, conhecimentos e

informações diversas no cotidiano escolar dos alunos.

Frente ao atravessamento decorrente do uso das TICs na educação escolar, as práticas

educomunicativas, mídia-educativas ou provenientes das demais literacias, como a

alfabetização midiática informacional, “podem equipar os cidadãos com habilidades de

raciocínio crítico, permitindo que eles demandem serviços de alta qualidade das mídias e de

outros provedores de informação” (WILSON et al., 2013, p. 16).

Palfrey e Gasser (2011, p. 24) apontam que apenas saber acessar a rede já não é um

hábito sustentável por si só: “Os jovens precisam desenvolver uma alfabetização digital –

habilidades para navegar neste mundo complicado e híbrido [...] Esta será uma desigualdade

inusitadamente importante movendo-se para frente”.

Kellner (2001, p. 423) acredita que “talvez no futuro, haja grupos de estudos da mídia,

assim como existem grupos de estudo em livros hoje [...] e o ensino da mídia passe a fazer

parte dos currículos escolares, do ensino fundamental à universidade”.

Segundo Palfrey e Gasser (2011, p. 21), uma boa sugestão àqueles que se sentem

distantes dos nativos digitais é permitir que antigos ensinamentos, como o velho bom senso,

os guie também neste novo tempo. Eles orientam que, ao invés de proibir ou mesmo “[...]

deixar suas crianças as usarem sozinhos em seus quartos [...] pais e professores precisam

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deixar os Nativos Digitais serem seus guias nesta maneira de viver, nova e conectada. Então,

pode ter início a conversa”.

Ao final das indagações da pesquisa de campo, o discurso coletivo dos entrevistados

revelou que, desde o início do projeto, ocorreram alterações nos padrões de consumo

midiático dos alunos do GENTE. Foi relatado que houve aumento significativo nos acessos às

plataformas educativas, tanto por meio da Educopédia, quanto de outras plataformas

adaptativas que disponibilizam conteúdos eminentemente educativos e, também, na procura

de livros no acervo da Sala de Leitura da escola, que registrou aumento considerável.

Concluindo, entende-se que para a utilização da mídia (seus dispositivos, produtos e

conteúdos), como instrumento pedagógico regular nos ambientes escolares, torna-se

fundamental que educandos e educadores sejam capazes de produzir uma análise crítica dos

conteúdos acessados ou mediados. Nesse sentido, a educação para a mídia pode orientar e

fornecer o lastro teórico e as habilidades necessárias à leitura com o uso das novas

tecnologias, construindo, assim, uma educação cada vez mais inclusiva, responsável e

solidária, por meio da qual se possa trilhar o caminho da autonomia e do protagonismo

infantil e juvenil, elementos determinantes para a Educação do Século XXI.

O que se espera, ao concluir este estudo, por um lado, é contribuir para outros

processos adaptativos semelhantes que possam tomar como fonte de inspiração o retrato de

uma comunidade empenhada em fazer das novas tecnologias um instrumento de inclusão

voltado para uma prática cidadã na formação dos educandos, tanto nos aspectos de suas

habilidades e conhecimentos técnicos quanto sociais e de vida. Por outro lado, espera-se

oferecer elementos que sirvam para incrementar a formulação, a implementação e a avaliação

de políticas públicas para o processo educacional em questão.

De acordo com Pereira et al. (2014, p. 6), a Educação para os Media, ou Educação

para a mídia, procura, por meios pedagógicos, preparar os cidadãos para atuarem de maneira

crítica frente à “ecologia comunicacional dos nossos dias. Visa aproveitar os recursos e

oportunidades que os meios e redes de comunicação facultam para enriquecer o

desenvolvimento pessoal e social”. De acordo com a pesquisadora, em Portugal e em vários

outros países-membros da União Europeia a educação para a mídia tem integrado políticas de

educação que buscam orientar a educação conectada.

Ao identificar, dentre as literacias midiáticas, a Educomunicação como aquela que,

historicamente, agregou às pedagogias críticas da mídia o contributo do educando como

elemento produtor e gerador de outro olhar sobre os meios, a partir do seu apoderamento

escolar em relação a estes, afirma-se que se torna relevante assegurar aos nativos digitais o

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direito de sonhar “não exatamente com um mundo fantástico [...] dado pelos adultos, mas com

um mundo que ele mesmo seja capaz de construir, a partir de sua capacidade de se comunicar.

É o que a Educomunicação tem condições de propor ao sistema educativo formal” (SOARES,

2011, p. 53).

Quanto a uma futura agenda de pesquisa, sinaliza-se com a perspectiva de retomar e

aprofundar estudos de cunho mais teórico acerca das aproximações conceituais entre as

abordagens típicas da pedagogia crítica da mídia e das literacias midiáticas, pontuando

questões envolvendo as práticas da educação para a mídia, bem como de que forma os

projetos pedagógicos com uso das TICs têm se apropriado desses estudos.

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