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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA RIO CRIANÇA GLOBAL: UMA POLÍTICA DE LÍNGUAS NEOLIBERAL GRAZIELE FERREIRA DOS ANJOS NITERÓI 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA RIO CRIANÇA GLOBAL:

UMA POLÍTICA DE LÍNGUAS NEOLIBERAL

GRAZIELE FERREIRA DOS ANJOS

NITERÓI

2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA RIO CRIANÇA GLOBAL:

UMA POLÍTICA DE LÍNGUAS NEOLIBERAL

GRAZIELE FERREIRA DOS ANJOS

Dissertação elaborada sob orientação da Profa. Dra. Del Carmen

Daher, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos

da Linguagem como pré-requisito para obtenção do título de

Mestre.

NITERÓI

2019

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PROGRAMA RIO CRIANÇA GLOBAL:

UMA POLÍTICA DE LÍNGUAS NEOLIBERAL

GRAZIELE FERREIRA DOS ANJOS

Dissertação elaborada sob orientação da Profa. Dra. Del Carmen

Daher, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos

da Linguagem como pré-requisito para obtenção do título de

Mestre.

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________________________________

PROFA. DRA. DEL CARMEN DAHER (ORIENTADORA) – UFF

______________________________________________________________________

PROFA. DRA ISABEL CRISTINA RODRIGUES – CAP/UERJ

______________________________________________________________________

PROFA. DRA TELMA CRISTINA DE ALMEIDA SILVA PEREIRA - UFF

SUPLENTES:

______________________________________________________________________

PROFA. DRA BEATRIZ ADRIANA KOMAVLI DE SÁNCHEZ - UERJ

_____________________________________________________________________

PROFA. DRA DAYALA PAIVA DE MEDEIROS VARGENS - UFF

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Dedico este trabalho a todos os

professores e aos quase professores de

Língua Espanhola e deixo-lhes uma

mensagem: RESISTIR É PRECISO.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ter me sustentado, principalmente, nos dias em que minhas forças

pareciam sucumbir.

À minha amada mãe, Eliete, e à minha querida irmã, Gisele, pelo apoio, pelo suporte

emocional, pelas orações e pelas palavras de conforto que me faziam acreditar que eu

era capaz.

A meu amado pai, Laerte (in memoriam), que tão precocemente nos deixou e que não

estará aqui para comemorar comigo mais essa conquista, mas de onde estiver, eu sei que

está torcendo por mim. Guardarei para sempre em meu coração teu sorriso e tua leveza

para encarar as adversidades da vida.

Ao meu amado marido, Ricardo, que, mesmo com sua escala de trabalho extenuante,

sempre se colocou à disposição para cuidar e passear com nosso filho, Henrique, para

que eu tivesse mais tempo para estudar.

Ao meu espoleta e divertido filho, Henrique, que, ainda em tenra idade, soube

“compreender” minhas ausências e torcer pela conclusão desta pesquisa.

À minha cunhada, Rosângela, por me socorrer, quando surgiam os problemas técnicos e

tecnológicos.

Às minhas queridas amigas, Gabrielle e Giselle, que por diferentes caminhos chegaram

até mim e que, a cada encontro, me ensinam a enxergar outras possibilidades, a entender

a vida por outros espectros.

Aos meus amigos da UERJ, por simplesmente estarem na minha vida e por termos a

oportunidade de participarmos uns da vida dos outros.

À companheira de trabalho e de mestrado, Sthéfani, com quem pude compartilhar a

experiência de ser pesquisadora, mesmo nos momentos de surtos e de angústias.

Aos companheiros da Escola Municipal João Brazil, escola que aprendi amar e que me

permitiu (re) encantar-me pela educação.

Aos companheiros do grupo de pesquisa da UFF, por me ajudarem a encontrar o meu

caminho, quando tudo parecia perdido.

À doce Alice, por ter sido minha interlocutora, pelas infindáveis trocas de áudios e

chamadas de vídeo, quando precisava de um papo cabeça.

Às professoras Vera e Isabel, por terem aceitado participar da minha banca de

qualificação e pelas ricas contribuições.

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Às professoras Isabel Rodrigues, Telma Pereira, Beatriz Sánchez e Dayala Vargens por

aceitarem o nosso convite para participar da banca examinadora.

À minha paciente e inteligente orientadora, Del Carmen, quem eu já admirava desde os

tempos de UERJ e que admiro ainda mais pelo seu engajamento na formação de

professores de Língua Espanhola e na defesa por uma educação pública de qualidade.

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(...)

Caminante, son tus huellas

el camino y nada más;

caminante, no hay camino,

se hace camino al andar.

Al andar se hace camino

Y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca

se ha de volver a pisar

Caminante, no hay camino

sino estelas en la mar…

Hace algún tiempo en ese lugar

donde hoy los bosques se visten de espiones

se oyó la voz de un poeta gritar

“Caminante, no hay camino,

Se hace camino al andar…”

(…)

(Caminante no hay camino – Antonio Machado)

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RESUMO

PROGRAMA RIO CRIANÇA GLOBAL:

UMA POLÍTICA DE LÍNGUAS NEOLIBERAL

Em 2009, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ) cria o

Programa Rio Criança Global (PRCG), por meio do Decreto Municipal nº 31187/2009

(RIO DE JANEIRO, 2009), cujo objetivo declarado é a ampliação da oferta do ensino

da Língua Inglesa para todo o Ensino Fundamental, tida como a “língua das

oportunidades” pela secretária de educação, à época, Cláudia Costin. A Rede Municipal

de Ensino carioca possibilitava aos alunos o contato com a Língua Espanhola, a Língua

Francesa e a Língua Inglesa. Desta forma, esta pesquisa buscou responder a seguinte

pergunta: como se fez possível a criação do Programa Rio Criança Global, que institui

uma política de línguas monolíngue nas escolas da SME/RJ, reconhecida por ser

plurilíngue? Conduzida pelo seguinte objetivo: dar visibilidade aos posicionamentos

discursivos que atravessam essa política de línguas e inaugura uma ruptura discursiva no ensino das Línguas Estrangeiras na mencionada rede de ensino. Recorremos ao

conceito de rizoma de Deleuze e Guattari (1995) e discurso de Foucault (2008) para a

constituição do corpus, composto pelas materialidades linguísticas: Decreto Municipal

nº 31187/2009, Circular E/SUBE/nº 13/2012, Circular E/SUBE/nº 08/2015, Entrevista

de Cláudia Costin para a Revista PontoCom, Peça Publicitária da Prefeitura do Rio,

divulgada no jornal “O Globo”, Carta do Prefeito do Plano Estratégico da Prefeitura do

Rio de Janeiro 2009 – 2012 (PEPRJ 2009) e Carta do Prefeito do Plano Estratégico da

Prefeitura do Rio de Janeiro 2013 – 2016 (PEPRJ 2013). Nosso arcabouço teórico está

fundamentado nos preceitos da Análise do Discurso de linha francesa, em especial,

aquela filiada aos domínios do conhecimento desenvolvidos por Maingueneau (1997,

2002, 2008a, 2008b) e nas contribuições de Foucault (2008, 2012, 2013a, 2013b). Para

analisar nosso corpus recorremos às categorias de ethos, cenas da enunciação

(MAINGUENEAU, 2002, 2008a), gênero do discurso (MAINGUENEAU, 2002, 2008a

2008b) e modalidade assertiva e deôntica (CERVONI, 1989). A partir dos movimentos

analíticos empreendidos, observamos que a perspectiva monolíngue adotada com a

implantação do PRCG é sustentada por um discurso neoliberal – educação submetida

aos interesses do mercado - que atravessou as práticas discursivas da SME/RJ ao longo

das gestões de Eduardo Paes e Cláudia Costin.

Palavras-chave: Programa Rio Criança Global; política de línguas monolíngue; discurso

neoliberal; análise do discurso; rizoma.

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RESUMEN

PROGRAMA RIO CRIANÇA GLOBAL:

UNA POLÍTICA DE LENGUAS NEOLIBERAL

En 2009, la Secretaría Municipal de Educación del Rio de Janeiro (SME/RJ) crea el

Programa Rio Criança Global (PRCG), por medio del Decreto Municipal nº 31187/2009

(RIO DE JANEIRO, 2009), cuyo objetivo declarado es la ampliación de la oferta de la

enseñanza de la Lengua Inglesa para toda la Enseñanza Fundamental, comprendida

como la “lengua de oportunidades” por la secretaria de educación, a la época, Cláudia

Costin. La Red Municipal de Enseñanza carioca posibilitaba a los estudiantes el

contacto con la Lengua Española, la Lengua Francesa y la Lengua Inglesa. Por ello, esta

investigación ha buscado contestar la siguiente cuestión: ¿cómo se hizo posible la

creación del Programa Rio Criança Global, que instituye una política de lenguas

monolingüe en las escuelas de SME/RJ, reconocida por ser plurilingüe? El

cuestionamiento ha sido conducido por el objetivo: dar visibilidad a los posicionamientos discursivos que atraviesan esa política de lenguas e inaugura una

ruptura discursiva en la enseñanza de las Lenguas Extranjeras en la mencionada red de

enseñanza. Recurrimos al concepto de rizoma de Deleuze y Guattari (1995) y de

discurso de Foucault (2008) para la constitución del corpus, compuesto por las

materialidades lingüísticas: Decreto Municipal nº 31187/2009, Circular E/SUBE/nº

13/2012, Circular E/SUBE/nº 08/2015, Encuesta de Cláudia Costin para la Revista

PontoCom, Propaganda del Ayuntamiento del Rio, divulgada en el periódico “O

Globo”, Carta del Alcalde del Programa Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro

2009 - 2012 (PEPRJ 2009) y Carta del Alcalde del Programa Estratégico da Prefeitura

do Rio de Janeiro 2013 - 2016 (PEPRJ 2013). Nuestra base teórica se fundamenta en

los conceptos del Análisis del Discurso de línea francesa, en especial, la que se inscribe

en los dominios del conocimiento desarrollados por Maingueneau (1997, 2002, 2008a,

2008b) y en las contribuciones de Foucault (2008, 2012, 2013a, 2013b). Para analizar

nuestro corpus recurrimos a las categorías de ethos, escenas de enunciación

(MAINGUENEAU, 2002, 2008a), géneros del discurso (MAINGUENEAU, 2002,

2008a, 2008b) y modalidad asertiva y deóntica (CERVONI, 1989). A partir de los

movimientos de análisis emprendidos, observamos que la perspectiva monolíngue

adoptada con la implantación del PRCG se sostiene en un discurso neoliberal –

educación sometida a los intereses del mercado – que atravesó las prácticas discursivas

de SME/RJ a lo largo de las gestiones de Eduardo Paes y Cláudia Costin.

Palabras-clave: Programa Rio Criança Global; política de lenguas monolingüe; discurso

neoliberal; análisis del discurso; rizoma.

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SUMÁRIO

CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA

CAPÍTULO 01: INTERVENÇÕES URBANAS E EDUCACIONAIS NA

CIDADE OLÍMPICA

1.1 O Rio de Janeiro de cara nova

1.2 Uma educação carioca de “qualidade”

CAPÍTULO 02: LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

E CARIOCA

CAPÍTULO 03: ENTRE CAMINHOS: FUNDAMENTOS TEÓRICO-

METODOLÓGICOS

3.1 Os passos metodológicos

3.2 O discurso, saber e poder

3.3 Os gêneros do discurso

CAPÍTULO 04: ENUNCIADOS EM DISPERSÃO: POR QUE SÓ O INGLÊS?

4.1 As Cartas do Prefeito: cidadão-gestor ou gestor-cidadão?

4.2 O Decreto Municipal: a vontade do povo?

4.3 A Peça Publicitária: é uma fábrica ou uma escola?

4.4 As Circulares: para informar ou disciplinar?

4.5 A Entrevista de Cláudia Costin: a economia ou a educação?

4.6 Considerações de análise

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

ANEXOS

14

20

20

27

34

49

49

55

60

64

64

70

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LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

AD - Análise do Discurso

APEERJ - Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro

CEE - Conselho Estadual de Educação

CEB - Câmara de Educação Básica

CF - Constituição Federal

CNE - Conselho Nacional de Educação

CRE - Coordenadoria Regional de Ensino

DCNEF - Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental

E/SUBE - Educação/ Subsecretaria

FAETEC - Fundação de Apoio à Escola Técnica

GEC - Ginásio Experimental Carioca

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC - Ministério da Educação e da Cultura

PCN-LE - Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira

PEPRJ 2009 - Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro 2009 - 2012

PEPRJ 2013 - Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro 2013 - 2016

PNLD - Programa Nacional do Livro Didático

PRCG - Programa Rio Criança Global

SEEDUC - Secretaria Estadual de Educação

SEPE - Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação

SINPRO - Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro e Região

SME - Secretaria Municipal de Educação

UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro

USAID - United States Agency for International Development

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ÍNDICE DE FIGURAS

FIGURA 01 – Fragmento da Peça Publicitária da Prefeitura do Rio de Janeiro

ÍNDICE DE QUADROS

QUADRO 01 – Composição do corpus

QUADRO 02 - Perguntas da entrevista à Cláudia Costin selecionadas para análise

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CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA

Dentre os tantos caminhos possíveis para apresentar esta pesquisa, parece-me

relevante trazer à memória o (não) tão distante ano de 2001, ano de ingresso no curso de

Letras, habilitação Português-Espanhol, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro

(UERJ); na expectativa de deixar claro o porquê de voltar meu olhar inicial para a

Língua Espanhola e para os professores que a lecionam.

Ao ingressar no curso de Letras, tinha como pretensão profissional tornar-me

professora de Língua Portuguesa, por influência de uma querida professora do Ensino

Médio. Tal escolha, no entanto, começou a tomar outros rumos após participar de uma

aula inaugural, ministrada pela então coordenadora do Setor de Língua Espanhola da

faculdade. Com brilho nos olhos, a professora relatara à turma a importância da Língua

Espanhola na formação dos alunos da Educação Básica e os esforços empreendidos, ao

longo da década de 80 e 90, para que o espanhol regressasse ao currículo das escolas

públicas fluminenses. Nos primeiros dias de aula, sua fala doce e contundente ainda

ressoava, fazendo-me pensar em outros percursos.

Saí do encontro, confiante de que até a formatura a Língua Espanhola já haveria

(re) conquistado seu espaço e poderia proporcionar-me mais campos de atuação. A

partir dessa reunião, comecei a desconfiar da minha (in) certeza de que atuaria como

professora de Língua Portuguesa e Literaturas. Naquela aula, pude compreender o lugar

de resistência que ocupa a Língua Espanhola e o professor de Língua Espanhola. Nada

tão diferente do que vivenciamos nos tempos atuais.

Em 2006, ano da conclusão do curso, comecei a participar de processos seletivos

para a Língua Espanhola, para as redes públicas de ensino, tanto para a rede estadual

quanto para as redes municipais. Com exceção da Rede Municipal de Ensino do Rio de

Janeiro, que já realizara seleções para professores de espanhol em 1998 e 20011, outros

municípios abriram concursos para essa disciplina, a partir de 2005, motivados pela

sanção da Lei Federal nº 11.161/ 20052 (BRASIL, 2005), que decretava a

obrigatoriedade da oferta da Língua Espanhola no Ensino Médio e a facultatividade no

Ensino Fundamental das escolas brasileiras. Ao longo de minha trajetória profissional,

atuei como professora de Língua Espanhola tanto em escolas estaduais como em escolas

1 Em 1985, retomou-se a prática de concursos para professores de Língua Espanhola para a Rede Estadual

(DAHER, 2006, 2011, 2012). 2 Revogada pela Lei Federal nº 13.415 de 2017.

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municipais. Atualmente, faço parte do quadro de servidores da Fundação Municipal de

Educação de Niterói e da Secretaria Municipal de Educação de Nova Iguaçu.

Em 2012, o tão esperado concurso para o cargo de professor de Língua

Espanhola da Rede Municipal do Rio de Janeiro fora divulgado. Tão esperado pelo fato

de o último concurso ter sido realizado há onze anos, ou seja, em 2001 e pelo

reconhecido caráter plurilíngue da rede, em relação à presença das Línguas Estrangeiras

no currículo, o que proporcionava mais um campo de atuação para os professores de

Língua Espanhola. Logo, o anúncio desse concurso gerou grandes expectativas tanto

para os recém-formados quanto para os já atuantes professores de Língua Espanhola.

Diferentemente de outros processos seletivos, esse certame exigiu dos

candidatos além dos conhecimentos específicos da disciplina, de língua portuguesa e de

fundamentos teórico-metodológicos e político-filosóficos da Educação, a comprovação

de saberes acadêmicos articulados à experiência específica de sala de aula por meio de

prova oral. Aspecto este que agregou mais exigência ao concurso.

Participei dessa seleção e obtive a aprovação para a instituição para a qual há

muito tempo ansiava. Entretanto, a empolgação cedeu espaço para o descontentamento

ao deparar-me, no ato da escolha de escola, com orientações, advindas da Secretaria

Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ), que não me garantiam lecionar o

componente curricular - Língua Estrangeira, especificamente, a Língua Espanhola.

Assim, a escola “indicada” para minha atuação foi um Ginásio Experimental Carioca

(GEC) 3 e chegando lá, foram-me apresentadas as seguintes possibilidades: lecionar a

Língua Espanhola no formato de cursos livres aos alunos da rede, fora do horário das

aulas regulares; atuar, de forma polivalente, na área das Humanidades - Geografia,

História e Língua Portuguesa - e em outras atividades da parte diversificada -

Protagonismo Juvenil, Projeto de Vida e Estudo Dirigido – e, por fim, ministrar uma

disciplina eletiva voltada para a Língua Espanhola, em horário estabelecido pela direção

da unidade escolar. Dentre essas alternativas, fui encaminhada para lecionar Língua

Portuguesa sob a supervisão de outro professor da disciplina. Assegurar a formação em

serviço foi a justificativa alegada pela gestora dos GECs para a relação de tutoria

estabelecida entre os professores antigos e os recém-convocados.

3 “Novo modelo de ensino para as escolas de segundo segmento (7º ao 9º Anos) da Prefeitura do Rio, o

Ginásio Carioca, implantado pela Secretaria Municipal de Educação em 2011, foi concebido levando-se

em consideração as experiências educacionais e o modelo pedagógico e de gestão desenvolvidos nas

escolas-pilotos – Ginásios Experimentais Cariocas – e os resultados que demonstraram sua eficácia”.

http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/exibeconteudo?id=2285016. Acesso em 26/08/17.

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Sem entender muito bem os motivos dessa orientação, dei-me conta de dois

movimentos que até então não haviam sido postos em relação de exclusão; de um lado,

a sanção do Decreto Municipal nº 31187, em 06 de outubro de 2009 (RIO DE

JANEIRO, 2009), que criava o Programa Rio Criança Global (PRCG) e expandia o

oferecimento da Língua Inglesa para todo o Ensino Fundamental e, do outro lado, uma

paulatina retirada da Língua Francesa e da Língua Espanhola da matriz curricular,

apesar da recente realização e convocação de mais de 100 professores de Língua

Espanhola aprovados no último concurso público.

Com a expansão na oferta da Língua Inglesa, outras atividades foram elencadas

como possíveis atribuições para os professores de Língua Espanhola e de Língua

Francesa que, embora estivesse em menor número, também fora afetado pelas

orientações. Essas orientações se materializaram na forma de circulares e de correios

eletrônicos institucionais, encaminhadas pela SME/RJ às Coordenadorias Regionais de

Ensino (CREs) entre os anos de 2012 e 2016, período em que Eduardo Paes governou a

cidade e que Cláudia Costin comandou a Secretaria Municipal de Educação; decurso em

que se situa esta pesquisa.

Esse foi o cenário encontrado, quando assumi o cargo de professora de Língua

Espanhola na prefeitura carioca, e que me causou indignação e aflição por, pelo menos,

dois motivos. Primeiramente, por não entender a real necessidade de realização de um

concurso público para preenchimento de 100 vagas para professores de Língua

Espanhola, num momento em que se destinavam outras funções para esses profissionais

no interior das escolas.

E em segundo lugar, por não entender qual seria o lugar da Língua Espanhola e

da Língua Francesa, bem como dos docentes que as lecionam, frente a uma política de

línguas que passava a priorizar o ensino de um idioma específico, nesse caso, a Língua

Inglesa, por meio da criação e implantação do PRCG. Política esta que contrastava com

a perspectiva plurilíngue da rede. No fragmento “nossa intenção é retomar e clarificar a

proposta para o ensino de Espanhol, Francês e Inglês, assinalando a concepção de

leitura e expandindo o conceito de texto: textos escritos, orais e visuais” (RIO DE

JANEIRO, 2008a, p. 17), extraído do documento “Multieducação: o ensino de Línguas

Estrangeiras”, faz-se referência aos idiomas oferecidos nas escolas municipais cariocas,

corroborando assim o que afirmamos sobre a pluralidade linguística presente nas

escolas municipais.

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A partir dessas angústias e da expectativa de encontrar explicações, surgiu o

interesse por desenvolver esta pesquisa de mestrado. Para Rocha e Daher (2015) há

quatro perfis de pesquisa em Linguística Aplicada, dentre esses, dois estão relacionados

à curiosidade do pesquisador: a primeira, quando a demanda é formulada em função dos

objetivos próprios da pesquisa e a segunda, quando a demanda é formulada em função

dos objetivos atribuídos a um dado coletivo. Os autores (2015, p. 122) corroboram que

aquelas “são desenvolvidas em função exclusiva dos interesses e das escolhas do

próprio pesquisador, sem que haja qualquer tipo de interlocução com o universo

envolvido” e estas (2015, p. 122) “formulam uma demanda que atribui a um coletivo

maior, baseando-se em seu conhecimento da situação”. É comum observar esse perfil

em pesquisas direcionadas ao ensino/aprendizagem de línguas ou matéria educacional

afim, sendo o pesquisador partícipe de uma dada organização de trabalho.

Este trabalho se encaixa no perfil de pesquisa em que o interesse é formulado

pela própria pesquisadora em função de uma demanda que pode ser atribuída às

discussões empreendidas no grupo de pesquisa, Práticas de linguagem, trabalho e

formação docente4, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e certificado pelo

Centro Nacional de Pesquisa (CNPq). Esse grupo reúne professores, alunos e ex-alunos

dos cursos de mestrado e doutorado do Programa de Pós-graduação da referida

instituição e inscreve-se na linha de pesquisa Teoria do texto, do discurso e da interação

e fundamenta-se nos aportes teóricos da Análise do Discurso (AD) de base enunciativa.

Essa corrente teórica concebe a linguagem enquanto atividade essencialmente

interativa, produto da ação de sujeitos inscritos em conjunturas históricas e sociais. A

própria denominação da disciplina aponta para seu objeto: o discurso que remete a um

modo de apreensão da palavra sócio-historicamente constituído, isto é, o texto na

relação constitutiva com as condições de produção que o legitima (MAINGUENEAU,

1997). Não sendo possível, portanto, compreender um discurso desvinculado de sua

inscrição histórica.

A noção de discurso é polivalente, podendo funcionar, “ao mesmo tempo, como

referindo objetos empíricos (‘há discursos’) e como algo que transcende todo ato de

comunicação particular (‘o homem é submetido ao discurso’)” (MAINGUENEAU,

2015, p. 23), assim, o discurso pode ser categorizado com base (a) nos posicionamentos

em um campo discursivo, (b) nos tipos de discurso, (c) nas produções verbais

específicas de uma categoria de locutores e (d) nas funções da linguagem. Pensar o

4 Este grupo de pesquisa é liderado pela Profa Dra Del Carmen Daher.

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discurso a partir dos posicionamentos, ou seja, sob uma ótica de luta ideológica,

permite-nos falar em “discurso comunista”, “discurso feminista”, entre outros e a partir

das produções verbais, em “discurso das enfermeiras” ou “discurso das mães de

família”, por exemplo. Por ora, limitamo-nos a essas concepções de discurso, pois,

serviram como referência para constituir as problematizações desta pesquisa.

Inicialmente, nosso interesse recaía em compreender o discurso dos professores

de Língua Espanhola sobre sua atividade de trabalho em um contexto de expansão da

oferta da Língua Inglesa. Conquanto, com base nas discussões empreendidas no grupo

de pesquisa, pareceu-nos mais relevante, nesse momento, antes de falar sobre o trabalho

do professor, refletir sobre essa reconfiguração do ensino de Línguas Estrangeiras com a

implantação do Programa Rio Criança Global, que cerceou o espaço de atuação dos

professores de Língua Espanhola e de Língua Francesa.

Conforme pontuado anteriormente, em AD, os discursos não podem ser

desvinculados das condições de produção que o constituem. Dessa forma, importa levar

em consideração a equipe gestora que estava à frente da Prefeitura e da SME, enquanto

instância enunciativa portadora de discursos que sustentam determinados sentidos de

educação; ademais do momento histórico vivido pela cidade, a preparação e a realização

dos eventos esportivos, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos e

Paraolímpicos de 2016.

Dito isso, o problema que esta pesquisa procura abordar é: como se fez possível

a criação do Programa Rio Criança Global, que institui uma política de línguas

monolíngue nas escolas da SME/RJ, reconhecida por ser plurilíngue? A busca por

responder essa questão é conduzida pelo seguinte objetivo geral: dar visibilidade aos

posicionamentos discursivos que atravessam essa política de línguas e inaugura uma

ruptura discursiva no ensino das Línguas Estrangeiras na rede municipal.

Para dar conta de nosso questionamento de pesquisa, constituímos o objeto de

investigação, fundamentado no conceito de rizoma de Deleuze e Guattari (1995), sendo

composto pela Carta do Prefeito, capítulo de abertura do Plano Estratégico da Prefeitura

do Rio de Janeiro 2009-2012 (PEPRJ 2009) e do Plano Estratégico da Prefeitura do Rio

de Janeiro 2013-2016 (PEPRJ 2016), pelo Decreto Municipal nº 31187/2009, pela Peça

Publicitária da Prefeitura do Rio, divulgada no jornal O Globo, pelas circulares

E/SUBE/nº13/2012 e E/SUBE/nº 08/2015 e pela entrevista de Cláudia Costin concedida

à Revista PontoCom.

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Recorremos às reflexões de Foucault (2008, 2009, 2012, 2013) no que concerne

à noção de discurso, à formação discursiva e à relação saber-poder. Além disso,

buscamos em Maingueneau (1997, 2002, 2008a, 2008b, 2015) contribuições referentes

à prática discursiva, à cenografia discursiva, ao ethos e aos gêneros do discurso.

Finalizamos essas considerações iniciais, apresentando a organização dessa

dissertação. No primeiro capítulo, “apresentamos” a equipe gestora que esteve à frente

da prefeitura, no período de 2012 a 2016, e seu modo de governar a cidade que, nas

palavras de Foucault (2013), se remete à maneira de gerir os homens na relação com os

bens físicos e materiais de um território. Pontuamos alguns aspectos relevantes do

“Plano do Legado da Cidade para Copa 2014 e Jogos Olímpicos e Paraolímpicos” na

gestão da cidade. No que concerne às questões educacionais, dissertamos sobre o

Projeto “Salto de Qualidade na Educação Carioca”, que engloba o Programa Rio

Criança Global, tendo como referência a “qualidade” na educação.

No segundo capítulo, recuperamos o histórico da implantação das Línguas

Estrangeiras no currículo das escolares brasileiras e discorremos sobre a entrada da

Língua Espanhola nas escolas municipais cariocas que se deu em um momento

posterior em relação à Língua Francesa e à Língua Inglesa, mobilizando outras

intervenções. Falar da presença de uma Língua Estrangeira na escola é falar da relação

entre língua e sociedade, logo, revisitamos o conceito de políticas linguísticas.

No capítulo terceiro, explanamos sobre os encaminhamentos teórico-

metodológicos que fundamentam a pesquisa. No quarto capítulo, dedicado às análises,

devido à quantidade e à especificidade de textos que compõem nosso material de

análise, optamos por conceituar as categorias de análise demandadas em cada texto

antes dos procedimentos analíticos. E, por fim, tecemos os comentários finais e

sinalizamos possíveis desdobramentos a partir do que fora discutido nesta dissertação.

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CAPÍTULO 01: INTERVENÇÕES URBANAS E EDUCACIONAIS NA CIDADE

OLÍMPICA

Neste capítulo, com apoio de documentos elaborados na gestão de Eduardo Paes,

como “Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro (2009-2012) – Pós 2016: o Rio

mais integrado e competitivo” (PEPRJ 2009), “Plano Estratégico da Prefeitura do Rio

de Janeiro (2013-2016) – Pós 2016: o Rio mais integrado e competitivo” (PEPRJ 2013)

e “Plano do Legado da Cidade para Copa 2014 e Jogos Olímpicos e Paraolímpicos”,

pretendemos compreender as práticas de governo da equipe gestora que administrou a

cidade de 2009 a 2016 e foi a responsável pela implantação do Projeto “Salto de

Qualidade na Educação Carioca” e do Programa Rio Criança Global.

1.1 O Rio de Janeiro de cara nova

Após uma acirrada disputa entre Eduardo Paes5, do Partido Movimento

Democrático Brasileiro (PMDB), e Fernando Gabeira, do Partido Verde (PV), nas

eleições para prefeito da cidade do Rio de Janeiro em outubro de 2008, o candidato do

PMDB, atual MDB, é eleito o mandatário da cidade carioca, ficando à frente da

prefeitura por dois mandatos de 2009 a 2012 e de 2013 a 2016.

A eleição de Eduardo Paes para prefeito da capital fluminense marca o fim de 16

anos de domínio de César Maia, do Democratas (DEM)6. O ex-prefeito governou a

cidade por três mandatos de 1993-1996, de 2001-2004 e de 2005-2008. Entre os anos de

1997 a 2000, a cidade esteve sob o comando de Luiz Paulo Conde, seu aliado político.

Em todas as gestões de Maia, Paes atuou de alguma forma no governo, como

subprefeito, vereador, deputado federal e secretário municipal do Meio Ambiente.

Apesar disso, essa parceria não evitou que o candidato à prefeitura, durante a campanha

eleitoral de 2008, fizesse severas críticas ao prefeito em exercício. Ao tomar posse,

Eduardo Paes aprovou um pacote de decretos para apagar as marcas deixadas por seu

antecessor, César Maia, ex-padrinho político e atual desafeto7, entre elas, o sistema de

aprovação automática no ensino municipal8.

5 O político já foi filiado aos seguintes partidos políticos: PV, PFL, PTB, PSDB, PMDB e DEM.

6 Informações acessadas em 05/03/19 e extraídas de https://oglobo.globo.com/brasil/eleicoes-

2008/prefeitura-do-rio-o-primeiro-grande-desafio-na-carreira-politica-de-eduardo-paes-4998713. 7 Informações acessadas em 05/03/19 e extraídas de https://politica.estadao.com.br/noticias/geral.paes-

suspende-pagamento-de-obra-de-cesar-maia.301494. 8 Para Eduardo Paes, um dos grandes entraves para uma educação de “qualidade” era a forma de

avaliação, chamada de aprovação automática. No entanto, a forma de avaliação estava condizente com o

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Ao início de cada mandato, o governo de Eduardo Paes divulgava os

documentos norteadores de sua gestão: o “Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de

Janeiro (2009-2012) – Pós 2016: o Rio mais integrado e competitivo” (PEPRJ 2009) e o

“Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro (2013-2016) – Pós 2016: o Rio mais

integrado e competitivo” (PEPRJ 2013), sendo o segundo uma ampliação das metas e

das iniciativas presentes no primeiro plano (RIO DE JANEIRO, 2013).

Brigeiro e Sangenis (2014), quando em referência ao PEPRJ 2009, afirmam que

o plano estratégico apresenta um diagnóstico e define as diretrizes, as metas e as

iniciativas estratégicas de cada uma das 10 áreas de resultado, a saber, saúde, educação,

ordem pública, emprego e renda, infraestrutura urbana, meio ambiente, transportes,

cultura, esporte e lazer, assistência social, e gestão e finanças públicas. Segundo os

referidos autores, a partir da realização do diagnóstico, que permitiu identificar os

principais desafios e oportunidades das áreas de resultado, o governo delineou os

objetivos centrais e as diretrizes para cada setor mencionado. Estas, por sua vez, foram

desdobradas em metas específicas e mensuráveis a serem alcançadas durante os

mandatos do então prefeito. Sendo as iniciativas estratégicas o caminho pelo qual o

governo pretendia cumprir efetivamente os compromissos firmados com a população

carioca.

Assim, os planos estratégicos são documentos que expunham o

comprometimento da gestão com cada uma das referidas áreas de resultado. Dentre elas,

interessa-nos aqui tecer considerações acerca das intervenções no setor educacional,

mediadas pelo Projeto “Salto de Qualidade na Educação Carioca”, gerido pela SME/RJ,

a partir do que fora estabelecido no PEPRJ 2009; dedicar-nos-emos a esse tema no

subcapítulo seguinte.

Em consonância com esses planos estratégicos, a prefeitura elaborou o “Plano

do Legado da Cidade para Copa 2014 e Jogos Olímpicos e Paraolímpicos”, no qual

constavam as principais iniciativas para viabilizar a realização dos jogos, que deixariam

um suposto legado social para os cariocas. Falamos em um suposto legado porque, de

acordo com Santos e Lins (2018), quase dois anos após a Rio 2016, os equipamentos

esportivos e culturais construídos ou reformados não estão tendo manutenção/ uso

sistema de ciclos implementando na Rede Municipal de Ensino Carioca, que não segue os mesmos

padrões da seriação. Talvez o grande problema não era apenas a forma de avaliação dos estudantes, que,

porventura, tenha se tornando uma aprovação automática, tendo em vista dificuldades para implantar o

sistema de ciclo como fora idealizado. A chamada aprovação automática foi revogada pelo Decreto

municipal nº 30340, em 01 de janeiro de 2009.

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esperado ou estão parados; haja vista a subutilização do estádio do Maracanã, do Parque

Olímpico e do Parque Radical, por exemplo. Ademais de obras previstas, à época, não

realizadas ou não concluídas, como a de despoluição da Baía da Guanabara e a de

construção da Transbrasil.

Dito isto, apresentamos o “Plano do Legado da Cidade para Copa 2014 e Jogos

Olímpicos e Paraolímpicos” o qual contemplava intervenções em quatro áreas

específicas, a saber, transporte, infraestrutura urbana, meio ambiente e desenvolvimento

social. Considerando nossos objetivos, limitamo-nos a comentar sobre as ingerências na

infraestrutura urbana e no desenvolvimento social. Na área de infraestrutura urbana, os

projetos incluíam a revitalização de alguns pontos da cidade, como os entornos do

Maracanã, do Engenhão, do Sambódromo, do Parque Olímpico e da Região Portuária e

a construção da Vila dos Atletas, situada na Barra da Tijuca, entre outros. E na área de

desenvolvimento social, as ações preconizavam a urbanização e instalação de

infraestrutura nas comunidades cariocas, por meio do programa Morar Carioca; a

universalização da Língua Inglesa nas escolas da Rede Municipal, através do programa

Rio Criança Global e o fomento à prática esportiva e a atividade física em áreas

públicas, motivada pelo programa Rio em forma olímpico.

A princípio, uma leitura superficial desse documento nos leva a vislumbrar uma

imagem de Rio de Janeiro como uma cidade global, moderna e integrada, capaz de

atrair investidores e olhares do mundo. Sem embargo, nessa disputa pelos sentidos, ao

darmos voz a outros interlocutores, como pesquisadores e cariocas afetados diretamente

por essas intervenções, que também reivindicam um lugar de fala sobre o plano de

legado da cidade olímpica, é possível notar controvérsias, polêmicas, resistências

silenciadas no discurso institucional e, principalmente, os discursos que sustentam a

forma de governar a cidade.

Conceituamos governo, não no sentido comumente empregado, mas, a partir do

entendimento de Foucault sobre o tema. Para o filósofo francês, governar significa gerir

os homens na relação com as coisas, ou seja, na relação com “as riquezas, os recursos,

os modos de subsistência, o território em suas fronteiras, com suas qualidades, clima,

seca, fertilidade etc” (FOUCAULT, 2013, p. 415). Desse modo, pensar a reestruturação

espacial da cidade é pensar a sua relação com o social.

Durante a execução desse plano, Castro et al (2015) enfatizam que os

investimentos na cidade não se deram de forma democrática, ou seja, apenas uma

parcela da população seria beneficiada. O processo de reestruturação urbana se

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concentrou, prioritariamente, na Zona Sul, área habitada pela elite econômica do

município; na Região Portuária, área antes desprezada pelo setor imobiliário e

negligenciada pelo poder público e na Barra da Tijuca, área de expansão do capital

imobiliário. Ficando evidente que as regiões “privilegiadas” foram aquelas que

interessavam principalmente às conveniências privadas, como as do setor imobiliário,

dos conglomerados financeiros e do setor turístico.

No entanto, para a realização da construção dessa cidade global, segundo os

mencionados pesquisadores, intensificaram-se os processos de segregação

socioespacial, tão presentes na cidade, por meio de remoções da população mais

vulnerável das áreas, que passariam pelas intervenções urbanísticas ou próximas de

equipamentos esportivos e culturais, destinadas à realização desses eventos. Depois da

remoção, essas populações eram realocadas em outros pontos da cidade, às vezes, mais

periféricos e distantes de seus locais de trabalho e de estudo.

Matos (2016, p.12) reforça que a reconfiguração do espaço urbano carioca,

tendo em vista a organização da agenda internacional, “é pautada na expulsão daqueles

considerados indesejáveis das áreas recém-renovadas”. É o exemplo da comunidade

Vila Autódromo9, vizinha ao Parque Olímpico, na Barra da Tijuca. Essa comunidade

virou alvo da especulação imobiliária, pois, estava situada em um ponto privilegiado da

Barra da Tijuca, entre os novos estádios construídos para os jogos olímpicos, hotéis e a

Lagoa de Jacarepaguá.

Dessa forma, o processo de remoções e desapropriações promovido pela

Prefeitura do Rio de Janeiro assegurou e privilegiou os interesses de capital privado em

detrimento de uma gestão democrática que garantisse a participação ampla da

população nas decisões relacionadas aos impactos econômicos, urbanísticos e

ambientais na vida coletiva. Ainda sobre a comunidade Vila Autódromo, é relevante

destacar que esta estava inserida em uma Área Especial de Interesse Social, destinada

exclusivamente à moradia de interesse social, validada pela Lei Complementar nº

47/2005 e pela Lei Complementar nº 79/2006. Logo, argumentos como o de duplicação

das Avenidas Salvador Allende e Embaixador Abelardo Bueno, com vistas a facilitar o

acesso ao Parque Olímpico, não deveriam servir de motivação para mudança do uso e

ocupação do solo (MATOS, 2016). Apesar disso, as remoções foram efetivadas por

meio de decretos, assinados por Eduardo Paes. O decreto, embora seja um ato

9 Situada próxima ao antigo Autódromo de Jacarepaguá, organizada enquanto comunidade formal a partir

da criação da Associação de Moradores e Pescadores da Vila Autódromo, em 1987.

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normativo, não está submetido ao mesmo processo de criação de textos legais,

expressando assim a vontade particular da autoridade executiva em exercício.

Como assevera Castro et al (2015), o Poder Público, balizado pela dinâmica do

mercado, passa a determinar quem pode ou não permanecer, principalmente, nas áreas

consideradas valorizadas para atração de investimento e de turismo. O que reforça a

incapacidade da administração pública municipal pensar a cidade a partir de critérios

universalistas que promovam efetivamente a inclusão dos diversos grupos sociais na

apropriação do espaço urbano carioca. Ao contrário disso, ainda nas palavras dos

estudiosos, a cidade passou por um processo de elitização no qual se transferiu

forçosamente para os setores do capital imobiliário espaços antes sob a posse das

classes populares, criaram-se serviços e equipamentos urbanos geridos pela iniciativa

privada e transformou-se o Rio de Janeiro em um lócus de negócios considerado seguro

pela elite. Ao construir essa imagem, a capital fluminense passa a constar no

competitivo mercado mundial de cidades e ocupar esse espaço promove-a e valoriza seu

potencial para realização de investimentos e de turismo, consequentemente, atraindo

mais investidores e mais turistas (CASTRO et al, 2015).

Ao se proporem a realizar esses megaeventos, as cidades-sede “precisam” se

projetar internacionalmente, ou seja, mostrar ao mundo que têm condições de fazer

parte do rol dos “países modernos”, por isso, Carlos Vainer (2000 apud Matos, 2016)

afirma não ser difícil entender a semelhança existente entre as propostas de

reestruturação urbana, seja qual for a cidade, visto que todas devem vender “o mesmo

produto” aos mesmos compradores que têm, constantemente, as mesmas necessidades.

É preciso atender aos interesses e necessidades de um grupo seleto.

Podemos compreender que essa forma de pensar o tecido urbano e de

reestruturá-lo não segue padrões aleatórios, antes está sustentada pelas possibilidades de

transformações impostas pelo neoliberalismo que, por vez, não se aplicam apenas às

mudanças globais na economia e no Estado, mas também ao modo de organização

social e espacial de uma urbe.

Maricato (2014 apud Matos, 2016) reforça que os planejamentos estratégicos

das cidades, independente da realização de megaeventos ou não, passou a considerar a

reestruturação produtiva no mundo, isto é, a relação de subordinação às novas

exigências do processo de acumulação capitalista. À vista disso, não é difícil perceber

que uma lógica neoliberal delineou as intervenções urbanas praticadas no Rio de

Janeiro, durante as gestões de Eduardo Paes. Apesar das discursividades em prol do

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legado para a cidade, essas intervenções não tiveram como ponto de partida melhorar as

condições de vida da população em geral e a efetivação de direitos ao espaço urbano

com maior justiça social, mas maximizar os lucros para determinados setores da

sociedade carioca, como as camadas de renda média e alta, mas, especificamente, os

detentores da propriedade fundiária e pelos capitais da promoção imobiliária.

Matos (2016) defende que as cidades-sede de megaeventos, com a Copa do

Mundo e com os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, ademais de se transformarem em

cidades equipadas com novos equipamentos esportivos, culturais e melhorias10

no

sistema de mobilidade e acessibilidade, subordinam-se aos interesses do capital global.

Assim, ao invés das intervenções urbanas colaborarem para a cidade se tornar um lugar

melhor para os cariocas, foi a cidade e os cariocas que se adequaram para acomodar os

eventos esportivos. Santos e Lins (2018, p. 128) concordam que sediar eventos dessa

magnitude pode ser positivo e favorável para uma cidade desde que se leve em conta o

desenvolvimento econômico sustentável e “que há articulações mais complexas, em que

mais que a operação urbana, por exemplo, como legado tangível, deve-se ter

planejamento e gestão pública continuada”.

Como já dito, as ações do plano do legado olímpico contemplavam quatro

setores: transporte, infraestrutura urbana, meio ambiente e desenvolvimento social.

Contudo, limitamo-nos a problematizar a atuação da administração municipal a partir

das intervenções referentes à infraestrutura urbana porque priorizamos falar da

reestruturação espacial e social que deu ao Rio uma nova cara. Ao trazermos a voz de

críticos à preparação da cidade em nome dos referidos eventos esportivos, observa-se

que as práticas discursivas da gestão municipal se alinham a uma dinâmica do mercado

capitalista, ou seja, uma submissão das políticas públicas aos interesses dos setores

hegemônicos da economia e da política. Dessa maneira, compreendemos que as

iniciativas empreendidas ao longo das gestões de Eduardo Paes foram sustentadas por

um discurso neoliberal, quando a lógica mercantil se sobrepõe a lógica do Estado.

10

Pensando no caso do Rio de Janeiro, especialistas ouvidos pelo jornal O Globo em 04/09/2017 afirmam

ter havido um impacto positivo no sistema de transporte, ainda que tenha falhas e deficiências, se

pensamos a mobilidade urbana no interior da cidade carioca, contudo, para os outros municípios da

Região Metropolitana as melhorias foram imperceptíveis. Reportagem disponível em

https://oglobo.globo.com/rio/olimpiada-rio-2016-deixou-legado-na-mobilidade-mas-da-para-fazer-

melhor-21777655, acesso em 10/03/2019.

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A partir do que discutimos ao longo do capítulo, foi-nos possível refletir sobre o

modo de governo da cidade do Rio de Janeiro, empreendido entre 2009 e 2016.

Acreditamos que o governo da cidade, ou seja, a relação estabelecida entre os cariocas,

o contexto socioespacial e os elementos que o compõem, tenha se pautado na lógica de

funcionamento do mercado. Lógica esta que atravessou as iniciativas estratégicas

adotadas nos outros setores do plano do legado olímpico - transporte, meio ambiente e

desenvolvimento social -, bem como nas 10 áreas de resultados dos planos estratégicos

de 2009 e de 2013.

Como dissemos ao início dessa discussão, nosso interesse recai sobre as

intervenções no setor educacional, especialmente, no Programa Rio Criança Global, que

apreendemos como um acontecimento que eclode e provoca rupturas no ensino das

Línguas Estrangeiras da Rede Municipal carioca. Antecipamos que a referida rede é

reconhecida por seu caráter plurilíngue, tendo em vista que os alunos podiam estudar a

Língua Francesa, a Língua Inglesa ou a Língua Espanhola no segundo segmento do

Ensino Fundamental; no capítulo 02 detalharemos a inclusão desses idiomas no

currículo das escolas municipais.

Consideramos relevante apreender o PRCG no âmbito das políticas educacionais

da SME/RJ desenvolvidas nos anos de 2009 a 2016, recorte temporal em que se situa

esta pesquisa, pois, nenhuma intervenção pedagógica, por mais simples que seja, está

desvinculada da concepção de educação, de escola que fundamenta as práticas

discursivas de uma secretaria de educação ou de uma unidade de ensino.

Na próxima seção, dedicamo-nos a refletir sobre alguns aspectos do Projeto

“Salto de Qualidade na Educação Carioca”, o qual engloba o PRCG.

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1.2 Uma educação carioca de “qualidade”

No PEPRJ 2009, o diagnóstico da educação apontou como problemas

enfrentados pela Rede Municipal de Ensino, rendimento insatisfatório dos alunos,

promovido pelo o que se convencionou chamar de “aprovação automática”, falta de

investimentos na educação infantil, professores desmotivados e sem orientações

pedagógicas, falta de professores e de profissionais de apoio, baixo envolvimento dos

pais no processo educacional, problemas frequentes de segurança em algumas escolas e

desequilíbrio geográfico na oferta de vagas (RIO DE JANEIRO, 2009, p. 45).

Construiu-se um cenário de fracasso na educação carioca. Embora parâmetros e

critérios empregados na geração desses dados não tenham sido divulgados, o discurso

institucional é assumido como verdade, legitimado pela e na relação saber-poder. Para

Foucault (2009, p. 54), “a ‘verdade’ está circularmente ligada a sistemas de poder, que a

produzem e apoiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem”. Portanto,

fazer essa “verdade” circular é relevante para que as ingerências pedagógicas e

administrativas propostas sejam naturalizadas como necessárias e urgentes.

De acordo com Brigeiro e Sangenis (2014), é nesse contexto que a Prefeitura do

Rio elabora o Projeto “Salto de Qualidade na Educação Carioca”, um projeto integrado

de intervenção no sistema público e que envolve um conjunto de políticas públicas

educacionais formuladas e orientadas pela SME/RJ. Quanto à conceituação de políticas

educacionais, apoiamo-nos em Vieira (2007) que, em um primeiro momento, as define

como as ações governamentais voltadas para resolver as questões referentes à educação.

Entretanto, afastando-se das simplificações, a pesquisadora assevera que as

políticas educacionais não se constituem única e exclusivamente como uma iniciativa

do aparelho estatal, na qual existiriam os formuladores e os executores. Pelo contrário, é

um processo social, ancorado em um tempo e um espaço, marcado por negociações,

contestações, contradições, enfim, por uma correlação de forças sociais em disputa que

agem diretamente na elaboração de uma política educacional.

Nas palavras de Vieira (2007, p. 57), “são objeto de interesse e de análise da

política educacional as iniciativas do Poder Público, em suas diferentes instâncias (...) e

espaços (órgãos centrais e intermediários do sistema e unidades escolares)”. A escola,

de acordo com essa concepção de política educacional, não é apenas a executora, mas

configura-se como espaço de reconstrução, de ressignificação e de inovação, ou seja,

um espaço que contribui para a formulação e reformulação de outras políticas.

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Dessa forma, escola e professores desempenham um papel fundamental, pois

cabe a esses agentes sociais questionar as políticas educacionais que, porventura, apesar

de sustentadas por um aparente discurso de defesa da educação de qualidade, muitas

vezes, não se comprometem com a transformação social nem com a formação de

cidadãos críticos para enfrentar o mundo excludente e competitivo no qual estamos

inseridos. Considerando que toda e qualquer política pública educacional é atravessada

por discursos sobre a qualidade do ensino público, contudo, não há garantias de que os

sentidos atribuídos à qualidade do ensino público sejam convergentes, uma vez que as

políticas educacionais são enunciadas de posições enunciativas distintas, ou seja, fala-se

a partir das regras das formações discursivas nas quais os sujeitos discursivos se

inscrevem (MAINGUENEAU, 2008b).

No que tange às políticas implantadas pela SME/RJ, de modo geral, professores

e secretária de educação não compartilhavam da mesma compreensão do que seria a

qualidade de educação nas escolas municipais cariocas. O que fez com que professores

da rede11

e demais educadores criticassem com veemência as intervenções pedagógicas

propostas.

A responsável por pôr em prática o Projeto “Salto de Qualidade na Educação

Carioca” foi a economista Cláudia Costin12

, que permaneceu no cargo de secretária

municipal de educação de 2009 a julho de 2014, estando à frente da SME/RJ durante

todo o primeiro e parte do segundo mandato de Paes, tendo deixado o governo para

compor o Departamento de Educação do Banco Mundial, na sede da instituição em

Washington, nos Estados Unidos.

É pertinente pontuar os contextos de atuação de Cláudia Costin, porque, de certa

forma, sinalizam de onde enuncia, proporcionando-nos assim apreender seus

posicionamentos, enquanto instância enunciativa. Desde uma perspectiva discursiva, o

posicionamento se remete a uma identidade enunciativa, isto é, um lugar de produção

discursiva bem específico (CHARAUDEAU, MAINGUENEAU, 2016).

Ao longo de sua trajetória, a então gestora da SME/RJ teve intensa participação

na administração pública federal. Entre os anos de 1991 a 1999, atuou nos governos de

11

Pauta da Greve dos Professores - 2013: http://www.seperj.org.br/admin/fotos/boletim/boletim262.pdf.

Acesso em 30 de junho de 2019. E abaixo-assinado “Cláudia Costin, Não” contra indicação para ocupar

secretaria do MEC, disponível em https://peticaopublica.com.br/?pi=P2012N32256. Acesso em 08 de

abril de 2019. 12

Informações acessadas em 09 de setembro de 2018 e extraídas de: https://ceipe.fgv.br/quem-somos;

http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/claudia-maria-costin e

http://www.worldbank.org/pt/about/people/c/claudia-costin.

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Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, especificamente, nas

áreas de Economia, Administração e Planejamento. Entre os anos de 1999 a 2003,

comandou o Instituto Hélio Beltrão e, em paralelo, prestava consultorias a governos

estaduais.

Entretanto, antes de assumir a pasta da Educação da cidade do Rio de Janeiro,

atuava como vice-presidente na Fundação Victor Civita (2005 – 2007), instituição que

afirmava voltar-se para a melhoria da educação pública. À frente dessa fundação,

juntamente com outras organizações, criou o movimento da sociedade civil “Todos pela

Educação”13

do qual é membro da Comissão Técnica. Depois de se desligar do cargo de

Secretária Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro, assumiu o cargo de

Diretora Sênior para Educação no Banco Mundial de julho de 2014 a junho de 2016.

Desde então, atua no Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais

(CEIPE).

Como se pode observar, com exceção da Secretaria Municipal de Educação

carioca e a Fundação Victor Civita, instituições centradas na educação, cada uma a seu

modo, as demais atividades de Cláudia Costin concentraram-se nas áreas de gestão e de

economia, em governos orientados por uma perspectiva neoliberal. Inscrevendo-se,

portanto, em práticas discursivas cujo posicionamento concebe a educação não mais

como um direito social e subjetivo, entretanto, como um serviço mercantil

(FRIGOTTO, 2011).

Dito isso, atemo-nos ao referido projeto. Por não estar mais disponível na página

eletrônica da SME, as discussões que tecemos aqui são provenientes de leituras de

autores que se debruçaram sobre esse projeto e das informações compiladas no

“Caderno de Políticas Públicas – Rio de Janeiro” (RIO DE JANEIRO, 2014).

Conforme exposto nesse documento, entre as intervenções pedagógicas para

“requalificação do ensino público no município” (RIO DE JANEIRO, 2014, p. 05)

constam o fim da aprovação automática; a reorganização da rede em Espaço de

Desenvolvimento Infantil (EDIs), Primário Carioca (1º ao 6º) e o Ginásio Carioca (7º ao

9º); a elaboração de um currículo básico para todas as escolas; as avaliações internas de

13

Indicamos o artigo “Relações do movimento empresarial na política educacional brasileira: a discussão

da Base Nacional Comum”, de Liane Maria Bernardi et al. Para os autores (2018, p. 30), o “Todos pela

Educação”, “nascido em 2006, tornou-se uma Organização Social sem fins lucrativos em 2014.

Convocado pela financeira Banco Itaú Unibanco Participações S.A., em parceria com empresários do

país, apresentou-se como uma iniciativa da sociedade”, mas que se constitui em uma rede política

congregando diversos agentes sociais, recorrendo a um discurso comum: o da democratização da

educação.

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Português, Matemática, Ciências e Redação; a elaboração de materiais próprios, os

chamados Cadernos Pedagógicos, com a consultoria de especialistas; a correção do

fluxo escolar, através do Programa de Reforço Escolar; a valorização dos profissionais

da educação; a implantação do Programa Rio Criança Global; o desenvolvimento da

plataforma digital, Educopédia e a implantação de escolas de turno único.

Não esmiuçaremos todas as políticas educacionais propostas pela SME,

problematizaremos a que se refere ao sistema de avaliação interno. Pois, de modo

simultâneo, essa intervenção pedagógica envolve as peças centrais do processo ensino-

aprendizagem, professor e aluno. Instâncias estas que serão retomadas ao longo do

processo analítico, visto que a imagem que se constrói discursivamente sobre elas nos

ajudam a apreender os discursos que balizaram a reconfiguração do ensino das Línguas

Estrangeiras nas escolas municipais.

Brigeiro e Sangenis (2014) destacam que o período da gestão Eduardo Paes e

Cláudia Costin foi marcado por um recorrente discurso sobre a qualidade na Educação,

acompanhado por uma necessidade de urgência na melhoria da educação carioca;

melhoria esta mensurável por meio do desempenho dos discentes no Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) do governo federal. Logo, o sistema de

ensino deveria priorizar ações educativas que gerassem resultados positivos nas

avaliações externas. Para promover esses “saltos de qualidade”, a SME, nas palavras

dos pesquisadores, induziu reconfigurações na autonomia do docente, na rotina escolar

e nas prioridades da/na educação pública. Ademais de impor à rede a proposição de

novos dispositivos de gestão e de regulação do sistema que, de certo modo, ferem a

autonomia escolar e do docente e o deslocamento autoritário de atribuições do Estado

para o setor privado, a partir de parcerias e convênios.

O modelo de gestão e de regulação imposto pela SME/RJ às unidades escolares

pauta-se em um modelo transnacional de governo da educação que se faz hegemônico

entre as forças que operam na educação. Para serem condizentes a esse modelo, os

sistemas de ensino precisam articular metas quantificáveis em educação e

responsabilização dos atores escolares pelos resultados alcançados. Por isso, ao longo

dessa gestão, observou-se uma ênfase no estabelecimento de um sistema avaliativo e

uma padronização curricular. Dentro dessa lógica, segundo Brigeiro e Sangenis (2014,

p.140) “a qualidade do processo educativo é a excelência atribuída aos seus produtos”,

tal afirmação ajuda-nos a entender a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação

do Município do Rio de Janeiro (IDERIO), sistema de avaliações interno da rede.

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Em 2010, foi elaborado o IDERIO que, por meio da Prova Rio, avalia o

desempenho dos estudantes do 3º e 7º anos, em Língua Portuguesa, Matemática e

Ciências. O IDERIO não avalia só os estudantes antes também serve como marco

regulatório da atividade de trabalho e do desempenho dos profissionais da escola, tendo

em vista que esses são premiados com o 14º salário – o Prêmio de Desempenho –

quando a escola alcança o índice pretendido. Estabelece-se uma forma de disciplinar e

controlar as práticas desse professor que está sob vigilância constante, ademais de

instituir processos meritocráticos.

Desse modo, consideramos que o IDERIO tem um funcionamento semelhante a

um dispositivo panóptico que, ao mesmo tempo, exerce poder e produz saber sobre as

escolas e professores. O Panopticon, para Foucault (2012, p. 88), produz uma

“vigilância permanente sobre os indivíduos por alguém que exerce sobre eles um poder

(...) e que, enquanto exerce esse poder, tem a possibilidade tanto de vigiar quanto de

constituir, sobre aquele que vigia, a respeito deles, um saber”. Esse saber objetiva não

mais determinar se aconteceu alguma coisa ou não, consiste em determinar se um

indivíduo se comporta ou não de acordo com as regras estabelecidas.

No que tange ao sistema de avaliação interno da rede, o poder se exerce quando

todos os professores, independemente de suas realidades, são obrigados a cumprir o

currículo proposto e a submeter-se a esse processo avaliativo e o saber que se constitui

sobre cada escola se refere à observância da meta estabelecida ou não. Caso a escola

não alcance o IDERIO, esta é penalizada, ou seja, é submetida a uma sanção

normalizadora que consiste no não recebimento do 14º. A sanção normalizadora é um

instrumento de penalizar as frações mais leves de uma conduta. O princípio geral do

panoptismo repousa não na relação de soberania, mas nas relações de disciplina

(FOUCAULT, 2009). Assim a disciplina, de acordo com a perspectiva foucaultiana,

fabrica indivíduos, cria corpos docilizados. À SME/RJ, importa “fabricar” professores

acordes com uma perspectiva de educação de resultados que se impõe à rede. Contudo,

é preciso ressaltar que, embora a instituição exerça esse controle sobre o corpo docente,

essas estratégias não inibem uma atuação crítica e criativa dos professores.

Pontuamos que as críticas dirigidas às avaliações não recaem sobre a

legitimidade dos governos de aplicá-las ou não para avaliar seus sistemas de ensino,

mas ao fato de uma hipervalorização, ou seja, de serem vistas como motor indutor de

evolução contínua das performances escolares (BRIGEIRO, SANGENIS, 2014). Ao

invés de a avaliação funcionar como um dispositivo social para correção de rumos e

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suporte ao projeto pedagógico da escola, ela funciona como um dispositivo moral para

premiar e punir os segmentos escolares, sem que se encarem os problemas da

precarização dos serviços públicos como um todo.

Como vimos, nesse período, o modelo de gestão adotado pela SME/RJ está

focado em uma educação de resultados, nos processos de avaliação produtivistas, nos

quais os processos pedagógicos se desenvolvem mediante cumprimento de metas e

competências, além do incremento de programas que fomentam a parceria público-

privada. Nas palavras de Cunha (2015, p.05) “não é, portanto, sem motivos o interesse

crescente que as empresas privadas vêm demonstrando em relação à educação como um

negócio”, comumente, essas empresas replicam discursos de urgência de um ensino

eficiente na escola pública. Assim, passo a passo, vai se dando a privatização indireta da

educação pública.

Ainda segundo essa pesquisadora, a gestão de Eduardo Paes e Cláudia Costin

pautou muitas de suas ações governistas na gestão de políticas públicas assumidas pela

iniciativa privada, sob a etiqueta de organizações sociais ou chamado de terceiro setor.

Dessa forma, além dos programas já executados com o financiamento do governo

federal, a Prefeitura carioca juntamente com a SME implementou um conjunto de

“programas e projetos vinculados à parceria de grandes empresas privadas, como a

Fundação Ayrton Senna, Fundação Roberto Marinho, Sangari Brasil, Instituto Natura,

entre outros” (CUNHA, 2015, p. 05).

Dentre essas parcerias firmadas, citamos o caso do Instituto Ayrton Senna, da

Fundação Roberto Marinho e da Cultura Inglesa. Ficou a cargo da primeira instituição

os projetos Realfabetização 1 (para o 3º, 4º e 5º anos), Realfabetização 2 (para os alunos

do 6º ano) e Projeto Aceleração, cujo objetivo declarado é atender aos alunos oriundos

da Realfabetização 1 e demais alunos já alfabetizados, porém com distorção série-idade.

Já a Fundação Roberto Marinho realizou os seguintes projetos: Aceleração 2A, voltada

para alunos do 6º ano e a Aceleração 3, para os alunos dos 7º e 8º anos, atividade foram

elaboradas a partir do uso da metodologia de telessala. À Cultura Inglesa, coube a

seleção e capacitação dos professores e a elaboração do material didático para ensino da

Língua Inglesa, pautado na conversação (OLIVEIRA, 2017).

Considerando o que foi exposto até aqui, as intervenções pedagógicas praticadas

pela SME/RJ, em especial, o sistema de avaliação interno aponta para um entendimento

de educação, no qual escolas e professores são remunerados de acordo com sua

produtividade em termos do quantitativo de alunos aprovados, apontando para uma

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perspectiva meritocrática. E os institutos ou organizações sociais passam a desempenhar

as funções do Estado, ou seja, avaliam professores e alunos de acordo com conteúdos,

métodos e processos não condizentes com o previsto nos documentos oficiais.

Submetem-se à escola os métodos e a competitividade exigidos pelo mercado

(FRIGOTTO, 2011). Deixando assim a escola de ser um espaço que represente os

interesses de todos e que proponha alternativas inovadoras para formar alunos críticos e

conscientes para interagir em uma sociedade excludente e competitiva.

Brigeiro e Sangenis (2014) advertem que essas alterações no modus operandi do

sistema de ensino municipal não é exclusivo da SME/RJ trata-se de um processo que já

está em curso em diversas partes do mundo, há pelo menos três décadas, inclusive, aqui

no Brasil. Durante os anos 1990, foram disseminadas pela Organização das Nações

Unidas (ONU), as pautas geradas a partir das demandas oriundas do processo de

mundialização do capital, incorporadas por diversos organismos internacionais, entre

eles, o Grupo Banco Mundial. No Brasil, essas demandas penetraram no governo

Fernando Henrique, acompanhadas de discursos que legitimavam necessidade de

“modernização” e de “reforma do Estado”, operando processos de reconfiguração do

papel do Estado, de sua relação com a sociedade civil e de seus modos de intervenção

governativa.

Por isso, os referidos autores (2014) afirmam não ser incomum observar um

protagonismo de grandes empresas privadas e de organismos internacionais em

detrimento dos pais e dos professores como agentes fundamentais em educação,

estabelecendo as diretrizes educacionais a serem seguidas, no geral, “diretrizes difíceis”

de não serem contempladas no mundo globalizado, principalmente, quando são essas

instituições que oferecem os investimentos às iniciativas de reforma que os favoreçam.

É no conjunto dessas políticas educacionais que se inclui o Programa Rio

Criança Global que, ao mesmo tempo, categorizamos como uma política educacional e

uma política de línguas, cujo objetivo declarado é a ampliação da oferta da Língua

Inglesa nas escolas municipais cariocas.

No capítulo seguinte, dedicamo-nos a comentar a entrada das Línguas

Estrangeiras no cenário educacional brasileiro e, principalmente, na cidade do Rio de

Janeiro.

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CAPÍTULO 02: LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E

CARIOCA

Neste capítulo, trazemos algumas considerações acerca da oferta das Línguas

Estrangeiras no contexto educacional brasileiro com ênfase nas intervenções normativas

ou não que garantiram sua presença nos currículos oficiais das escolas municipais

cariocas.

Antes de figurar em reformas educacionais, o primeiro movimento de

institucionalização do ensino da Língua Francesa e da Língua Inglesa no Brasil coincide

com a instalação da família real portuguesa e de sua corte, no Rio de Janeiro, e com a

inserção dessas duas línguas no Plano de Estudos do Colégio Pedro II, inaugurado em

1837 (VIDOTTI, 2012).

De acordo com a referida pesquisadora, a criação das primeiras cadeiras de

inglês e francês institui-se por meio da Decisão nº 29, de 14 de julho de 1809, assinada

pelo príncipe regente D. João. Essa medida foi, entre tantas outras, uma das ingerências

no cenário político-educacional para atender às demandas de uma sociedade em

transformação, ou melhor, da parcela pertencente à incipiente elite carioca. Tal ato

normativo configura-se como uma política linguística; conceito a ser explicado nas

linhas seguintes.

Quando se fala em políticas linguísticas, podemos abordá-las de várias

perspectivas teóricas, como da Sociolinguística, da Etnolinguística e da Linguística

Aplicada, ou das “pesquisas que abordam o fenômeno da linguagem pelo viés

discursivo, dado que estes trabalhos observam o modo como a história e a ideologia se

inscrevem nos enunciados que circulam na sociedade” (SAAVEDRA, LAGARES,

2012, p. 16).

A Política Linguística, quando comparada a outras áreas dos Estudos da

Linguagem, uma vez que as políticas linguísticas existem desde muito tempo, é um

campo científico relativamente recente e tem seu início em meados do século XX. Sua

constituição coincide com a emergência da Sociolinguística e, nessa fase inicial,

configurava-se, nas palavras de Severo (2013, p. 452), como um campo disciplinar que

foi atravessado “por esforços de sistematização e racionalização de um modelo

aplicável aos estudos de descrição da relação entre as línguas e de seu funcionamento

(político) nos limites do Estado”.

Do ponto de vista da Sociolinguística, a política linguística refere-se às

determinações de grandes decisões em relação às línguas e às sociedades (CALVET,

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2007). O pesquisador assevera que o homem sempre interveio nas questões relacionadas

à língua. Há as intervenções gerenciadas pelos próprios sujeitos falantes e referem-se ao

modo como resolvem seus problemas de comunicação, e há aquelas interferências que

não partem necessariamente da relação língua-falante, mas do que se estabelece por

terceiros como apropriado para uma determinada comunidade linguística e que

dependem da presença do Estado. Dito de outra forma, os esforços empreendidos para

influenciar o comportamento linguístico dos outros podem dar-se na relação entre os

falantes - em ambiente familiar, escolar ou laboral - ou por intermédio de leis e

portarias. Considerando estes esforços, a política linguística pode ser concebida, então,

como uma estratégia afetada por questões estatais que dispõem de alguns mecanismos

jurídicos e legais para a intervenção sobre o linguístico.

Garcez e Schulz (2016) asseveram que, provavelmente, é o Estado o agente de

políticas linguísticas mais expoente, entretanto, este não é uma entidade abstrata antes é

movido pelos atos de pessoa de carne e osso, inscrita em um determinado contexto

histórico e social. Logo, as políticas linguísticas não estão isentas de embates

ideológicos, sociais e econômicos, uma vez que “são resultados das ações de gente que

usa a linguagem e que disputa recursos com outros indivíduos e grupos. Políticas

linguísticas implícitas, portanto, andam juntas com as políticas explícitas” (GARCEZ e

SCHULZ, 2016, p. 04).

A distinção entre política explícita e implícita é proposta por Schiffman, em

1996, no livro Linguistic Culture and Language Policy, àquela refere-se à legislação

oficial e esta, às regras linguísticas não formalizadas, mas que se manifestam em

práticas sociais (SILVA, 2013). Dessa forma, a compreensão de uma política linguística

explícita perpassa pelo confronto com a política implícita, isto é, nas palavras de Silva

(2013, p. 310), “implica estabelecer uma relação entre as práticas e representações

linguísticas e a conjuntura histórica, social, cultural, educacional e mesmo religiosa da

comunidade cuja política se deseja compreender”. Ainda, de acordo com o pesquisador,

essa proposta de Schiffman traz contribuições significativas para o debate sobre a

política linguística, visto que desloca o ponto central da análise das decisões de um

indivíduo consciente para a cultura linguística que a compreende como um

acontecimento inscrito na história.

Assim como Schiffman, Spolsky apresenta uma concepção ampliada de política

linguística, conforme assegura Silva (2013). Em seu modelo teórico de políticas

linguísticas, Spolsky (2016) argumenta que, embora o objetivo seja o de dar conta das

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escolhas individuais, as políticas linguísticas são fenômenos essencialmente sociais,

inseparáveis de comportamentos consensuais e das crenças de indivíduos pertencentes a

uma comunidade de fala. Posto isso, pensa a política linguística como a interação de

três componentes inter-relacionados e, ao mesmo tempo, independentes: práticas,

crenças e gestão. O primeiro componente refere-se às práticas linguísticas definidas pelo

teórico como as escolhas e comportamentos observáveis, isto é, o que as pessoas

realmente fazem; as crenças remetem-se aos valores atribuídos às variedades

linguísticas e aos traços e, a gestão tem a ver com os esforços de alguns membros que

afirmam ter autoridade para modificar as práticas e as crenças existentes em uma

comunidade de fala. Embora, nas palavras do autor, “a forma mais óbvia de gestão

linguística é uma constituição ou lei estabelecida por um estado-nação que determina

alguns aspectos do uso oficial da linguagem” (SPOLSKY, 2016, p. 36), não é

exclusividade das forças estatais; no domínio familiar, por exemplo, essa gestão

linguística poder ser exercida pelos pais imigrantes quando incentivam a manutenção da

língua de herança ou persuadem seus filhos a aprenderem a nova língua. Para esse

teórico, as representações sobre a língua e a linguagem de uma determinada

comunidade de fala derivam das práticas e, de modo simultâneo, são influenciados por

elas que, por sua vez, não desconsideram a conjuntura histórica mais ampla em que se

inscrevem. Silva (2013, p. 315) acrescenta que nesse modelo ampliado de política

linguística concebido por Spolsky, as línguas não são neutras e estão envolvidas em

agendas políticas, ideológicas, sociais e econômicas e, consequentemente, os

mecanismos de política linguística “também não são neutros e atuam como veículos de

promoção e perpetuação dessa agenda”. Com base na discussão empreendida, observa-

se que a Política Linguística, enquanto campo de pesquisa, nas concepções de

Schiffman e Spolsky, não se desvincula do social e do político.

Como dissemos anteriormente, Saavedra e Lagares (2012) salientam que a

relação entre a língua e a política não tem sido objeto de estudo apenas dos

pesquisadores da Sociolinguística, outros estudiosos advindos de outros campos do

saber têm se interessado por essa relação. Entre esses pesquisadores, citamos Orlandi

(2007, p.08) que sugere pensar a política linguística enquanto política de línguas, a qual

“concede a língua um sentido político necessário”. Dessa forma, a língua é um objeto

simbólico atravessado pelo político e pelo social intrinsecamente. Não sendo possível

pensar as relações que se estabelecem entre línguas e sentidos como se fossem inerentes

a elas, ou seja, como se não estivessem inscritas em um contexto social e histórico.

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Consoante com essa proposição, Guimarães (2013) corrobora que as línguas são

afetadas, no seu funcionamento, por condições históricas específicas. Em razão de não

serem objetos abstratos escolhidos aleatoriamente por um determinado grupo, antes, são

objetos históricos e sociais inseparáveis daqueles que as usam.

Jantuta (2010, p. 20), retomando Guimarães (2003), afirma que a concepção de

“política de línguas desloca-se da política linguística tomada a partir das noções de

poder legitimado para as questões próprias do político, ou seja, do conflito linguístico,

que não opera apenas por uma intervenção do Estado”, mas leva em consideração a

relação dos sujeitos com as línguas e com seu entorno político, social e histórico.

Nesse sentido, a Decisão nº 29, que institucionaliza o ensino da Língua Francesa

e da Língua Inglesa, não é resultado de uma ação meramente estatal, mas vincula-se à

historicidade em que se inscreve e aos valores sociais que foram concedidos a essas

Línguas Estrangeiras. Nas palavras de Vidotti (2012), essa institucionalização está

sustentada por discursos que atribuem a línguas sentidos de utilidade como acesso ao

conhecimento científico e como instrumento de comunicação. Em relação ao

conhecimento científico, a pesquisadora assevera que esses idiomas, além de ocuparem

lugar de prestígio nos cursos de medicina e matemática, também eram uma ponte para o

conhecimento, pois, livros didáticos estavam escritos, em sua maioria, em francês ou

inglês. Não podemos deixar de mencionar que a Língua Francesa era considerada a

língua da elite o que conferia ao sujeito um status socialmente aceito.

No que tange à compreensão das línguas como instrumento de comunicação, é

preciso pontuar que essa lei linguística se inscreve em uma temporalidade atravessada

por reafirmações de relações comerciais entre Portugal e Inglaterra e por conflitos

políticos entre Portugal e França, que, apesar dessas divergências, não anularam por

completo o comércio existente entre ambos os países. Assim, tanto a Língua Francesa

quanta a Língua Inglesa foram preservadas nas relações comerciais, embora Vidotti

(2012, p. 56, grifo no original) ressalte que a Decisão nº 29 tenha apresentado “o inglês

no discurso da língua inglesa como língua útil, silenciando ser esta a língua do aliado

político no momento”.

Ademais dessa intervenção, outra ação político-educacional que fomentou o

ensino da Língua Francesa e da Língua Inglesa foi a criação do Colégio Pedro II, em 02

de dezembro de 1837, estabelecimento que serviria de modelo para a instrução pública

secundária na Corte. De acordo com Picanço (2003), com a fundação do Pedro II, dá-se

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início a uma noção de educação nacional até então inexistente devido à falta de escolas

no Brasil colonial, o que levava a instrução escolar ser ministrada em espaços privados.

Durante todo o período imperial, os demais liceus e colégios, públicos ou

particulares da então província tiveram de adequar seus planos de estudos e programas

aos do Colégio Pedro II, nas palavras de Neves (2015, p. 69), “essa foi a maneira

encontrada para padronizar o ensino secundário em todo o país no Império”. Ressalta

ainda que o status do Colégio Pedro II vigorou até meados do século XX. Essa

informação é relevante, pois, de certa forma, ajuda-nos a compreender a presença da

Língua Francesa e da Língua Inglesa na matriz curricular das escolas municipais

cariocas.

Em relação ao programa curricular oficial do Colégio Pedro II, fundamentava-se

no modelo de educação francesa e sua ênfase no ensino clássico e humanista o que dava

às Línguas Estrangeiras um lugar de destaque. Desse jeito, ademais das línguas

clássicas14

, os alunos estudavam o francês, o inglês, e o alemão. Porém, “o italiano e o

espanhol não faziam parte do currículo do Pedro II” (PICANÇO, 2003, p. 28).

Freitas (2010) assevera que, apesar de não constar entre as disciplinas

obrigatórias do colégio, entre os anos de 1919 e 1925, o espanhol figurou como

disciplina de caráter optativo, ministrada por Antenor Nascentes, mediante aprovação

em seleção para ocupar a cadeira de Língua Espanhola na instituição. Vargens (2012),

em sua tese de doutorado, afirma ter havido um processo seletivo, anterior ao de 1919,

para o provimento da cadeira de espanhol do colégio. De acordo com informações

coletadas pela pesquisadora nos arquivos do Núcleo de Documentação e Memória do

Colégio Pedro II (NUDOM), em 1885, foi apresentada a tese “Litteratura Hespanhola

do XVII século. Escriptores Hespanholes do XVII século: suas produções principaes”,

por Alfredo Augusto Gomes como requisito para concorrer à vaga ofertada. Apesar de

não haver dados substanciais sobre os desdobramentos do concurso, como esclarece a

pesquisadora.

Tal como acontecera com a Língua Francesa e a Língua Inglesa, o ensino da

Língua Espanhola institucionalizou-se por intermédio de um ato normativo, o Decreto

nº 4244, de 09 de abril de 1942 (BRASIL, 1942), a Lei Orgânica do Ensino Secundário,

inserida na chamada Reforma Capanema15

, de autoria do ministro Gustavo Capanema.

14

Grego e latim eram as línguas clássicas ensinadas no Colégio Pedro II, conforme assevera Rodrigues,

2010. 15

Os níveis de ensino foram organizados em primário e secundário. O primário correspondia aos

primeiros anos de escolaridade, dos 07 aos 11 anos, o secundário subdividia-se em ginásio, com duração

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Para Rodrigues (2010), essa foi a primeira legislação educacional que incluiu a Língua

Espanhola como disciplina obrigatória nos currículos do ensino secundário.

Ao longo da vigência desse decreto, todos os alunos desde o ginásio até o

científico ou clássico, em algum momento, estudavam latim, francês, inglês e espanhol.

Leffa (1999) diz ter sido essa reforma a que mais deu importância ao ensino das

Línguas Estrangeiras.

Dessarte, no ginasial, além da Língua Portuguesa, presente em todos os anos de

escolaridade, os alunos estudavam latim e francês no primeiro ano; do segundo ao

quarto ano, além das línguas citadas, também aprendiam o inglês. No clássico, durante o

primeiro e o segundo ano, os alunos estudavam latim, grego, francês ou inglês e

espanhol e no terceiro, latim e grego. Já no científico, no primeiro ano, eram oferecidos

francês, inglês e espanhol; no segundo, francês e inglês e, no terceiro, nenhuma língua

estrangeira era estudada.

Quanto às outras Línguas Estrangeiras modernas, o espanhol não tem um lugar

de destaque na matriz curricular. Enquanto o francês e o inglês eram obrigatórios em

todo o ginasial e nos dois primeiros anos do científico; o espanhol aparecia como

obrigatório nas séries iniciais do clássico e apenas na primeira série do científico. Para

Rodrigues (2010, p.78), tal carga horária “pode ser compreendida como meramente

simbólica”; uma vez que essa língua não se vinculava a nenhuma das áreas do

conhecimento relacionadas aos cursos da etapa final do ensino secundário.

Picanço (2003) compreende que a inclusão da Língua Espanhola tanto como

área do conhecimento acadêmico quanto disciplina escolar atende aos anseios da década

de 40: por parte das classes dirigentes, a valorização da erudição, pois era a língua de

autores consagrados e, por parte do governo, o enaltecimento de modelos de patriotismo

e respeito às tradições e histórias nacionais. O espanhol substituiu o alemão, presente no

currículo da escola secundária havia quase uma década, por naquele momento estar

representando a língua do inimigo de guerra, da II Guerra Mundial. Muitas escolas de

colônias alemãs foram fechadas ou tiveram de ensinar o português como primeira língua

e não mais o idioma de seus antepassados, em razão de, no ideal de pátria para o Estado

de quatro anos, e científico ou clássico, de três anos. Concluído o ginásio, os estudantes eram

direcionados ao clássico ou ao científico, segundo suas preferências acadêmicas.

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Novo, não haver mais espaço para a pluralidade cultural e linguística que se havia

constituído no Brasil no início do século.

A mencionada pesquisadora cita aspectos relevantes que justificam o ensino da

Língua Espanhola nas escolas brasileiras. Entretanto, considerando sua tardia

institucionalização, em comparação à Língua Francesa e à Língua Inglesa, e sua

desigual distribuição de carga horária na matriz curricular proposta na Reforma

Capanema, observa-se que a constituição da Língua Espanhola, enquanto, Língua

Estrangeira é atravessada por conflitos e articulações políticos que não conferem a esse

idioma o mesmo lugar social que é dada ao francês e ao inglês. Logo, não sustentam o

ensino da Língua Espanhola discursos que reivindicam a Língua Francesa e Língua

Inglesa sentidos de utilidade como acesso ao conhecimento científico e como

instrumento de comunicação, que, segundo Vidotti (2012), atravessaram a Decisão nº

29. Em contrapartida, discursos nacionalistas fundamentam a institucionalização da

Língua Espanhola frente à impossibilidade de a Língua Alemã continuar sendo

oferecida nas escolas brasileiras.

Motivar um ensino patriótico por excelência era um dos objetivos da reforma do

ensino secundário de 1942, tendo em vista que se defendia que era necessário promover

“entre os adolescentes a compreensão da continuidade histórica da pátria, os

reformuladores dos programas de ensino tentaram vincular todos os conteúdos à questão

do nacionalismo” (PICANÇO, 2003, p. 32). A autora também assevera que, naquele

momento, a Língua Espanhola fora privilegiada por ser a língua de autores de grande

relevância, como Cervantes, Bécker e Lope de Vega.

Por isso, a Reforma Capanema foi criticada por alguns educadores como

documento fascista por sua exaltação ao nacionalismo. Apesar disso, as décadas de 40 e

50 formaram os anos dourados das Línguas Estrangeiras no Brasil (LEFFA, 1999).

O pesquisador afirma que a primeira alteração radical ocorre, em 1961, com a

novata Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nº 4024, de 20 de dezembro do

mesmo ano (BRASIL, 1961). Em tal documento, não há referências ao ensino de

Línguas Estrangeiras – clássicas ou modernas - que eram disciplinas obrigatórias no

currículo proposto pela Reforma Capanema. Na LDB de 1961, não apareciam nem

como obrigatórias, nem como optativas.

As Línguas Estrangeiras só não foram excluídas de vez do currículo oficial das

escolas brasileiras porque poderiam ser incluídas como disciplinas obrigatórias ou

optativas pelos Conselhos Estaduais de Educação (CEE’s). Esses órgãos foram criados

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em 1961 pela legislação vigente e tinham autonomia para completar o quadro das

disciplinas obrigatórias, assim como para determinar as optativas, por serem

corresponsáveis pela organização da estrutura curricular (RODRIGUES, 2010).

Apesar do desestímulo à oferta das Línguas Estrangeiras promovido por essa

legislação, a Língua Francesa e, em especial, a Língua Inglesa conservaram-se

preponderantes, segundo Catta Preta (2018, p. 03), enquanto a Língua Espanhola

praticamente desaparecera das escolas brasileiras. Entretanto, no Colégio Pedro II a

Língua Espanhola juntamente com o francês e o inglês continuou sendo ofertada no

curso Clássico, ao longo da década de 60 (FREITAS, 2010) e em algumas escolas da

rede pública do Estado da Guanabara, que realizou concurso para professor de espanhol

em 1967 (DAHER, 2009).

Seguida à LDB de 1961, está a LDB nº 5692, sancionada em 11 de agosto de

1971 (BRASIL, 1971), que mantém a mesma organização do currículo escolar, dando

autonomia aos CEE’s para inclusão de disciplinas obrigatórias e optativas.

Diferentemente do que acontecia na normativa anterior, a LDB de 1971(BRASIL,

1971), em sua textualidade, faz referências às Línguas Estrangeiras como disciplinas a

serem inseridas no programa oficial. No entanto, apesar desse aparente avanço, algumas

incongruências se destacam: quais e quantas línguas ensinar. Tais considerações não são

especificadas, como ocorria no Decreto nº 4244/1942, de 1942 (BRASIL, 1942).

Por meio da Resolução nº 58, do Conselho Federal de Educação (CFE), de 22 de

dezembro de 1976 (BRASIL, 1976), o apagamento das Línguas Estrangeiras das escolas

brasileiras, originado na LDB de 1961 (BRASIL, 1961), foi interrompido. De acordo

com a Resolução de 1976 (BRASIL, 1976), a Língua Estrangeira moderna retorna como

disciplina obrigatória ao currículo escolar do que hoje é o Ensino Médio e teve sua

inclusão recomendada para o Ensino Fundamental. Os artigos dessa Resolução que

determinam essa obrigatoriedade funcionam como substitutivos aos da LDB de 1971

(BRASIL, 1971), que listavam as Línguas Estrangeiras como disciplinas a serem

escolhidas pelos CEE’s para compor a matriz curricular das unidades de ensino

(RODRIGUES, 2010).

A referência à “Língua Estrangeira Moderna” na superfície textual da normativa

ignora a Línguas Estrangeiras clássicas, conforme defende Rodrigues (2010, p. 99), essa

resolução é considerada como “a responsável pela exclusão definitiva das línguas

clássicas do currículo escolar, já que, nas legislações anteriores, o sintagma ‘língua

estrangeira’ não era acompanhado do adjetivo restritivo ‘moderna’”.

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A Resolução de 1976 (BRASIL, 1976) mantinha a não especificação sobre quais

e quantas línguas ensinar. Segundo a pesquisadora, é fato que havia uma valorização

das línguas veiculares, em particular, o inglês, por ser apreciado como uma língua de

prestígio internacional e dotada de tecnologias que as metodologias de ensino de

Línguas Estrangeiras da época sugeriam como base para êxito no processo de ensino

aprendizagem.

A década de 60 foi marcada por uma série de acordos firmados entre o

Ministério da Educação e da Cultura (MEC) e o “United States Agency for International

Development” (USAID), acordos estes que propuseram reformas em todos os níveis de

ensino da educação brasileira, especialmente no ensino superior, onde se desejava

implantar o modelo norte-americano de ensino. Franzon (2015, p. 49621) esclarece que

“pelo papel estratégico deste nível, a reforma visava uma formação técnica mais

ajustada ao plano desenvolvimentista e econômico brasileiro em consonância com a

política norte-americana para o país”. Assim, como forma de garantir os recursos

concedidos, através de empréstimos e doações, para a execução de programas e

projetos, o Governo Brasileiro se submetia e adequava-se às imposições do organismo

internacional (BRASIL, 1967). A atuação da USAID não se restringia apenas ao Brasil,

mas a todos os países periféricos, nos quais os Estados Unidos pretendiam cristalizar a

vigência do sistema capitalista, impondo a estes as concepções e a organização social,

política e econômica que já prevalecia no país ianque (PINA, 2011).

Ao longo da década de 70, como consequência dos acordos firmados

anteriormente, o Brasil passou a comprometer-se mais ainda com as determinações dos

órgãos financeiros internacionais para os países em desenvolvimento. Nesse cenário, há

uma reconfiguração do sistema educacional, que cria o 2º grau profissionalizante,

objetivando atender às necessidades do mercado de trabalho que carecia de mão-de-obra

qualificada. Consoante com essa visão, como dito anteriormente, consolida-se o

favoritismo pelo ensino da Língua Inglesa como exigência do mercado de trabalho, para

acesso a novas tecnologias, para acesso ao mundo globalizado e participação nele. Nas

palavras de Picanço (2003, p.47, grifo no original), “o papel do ensino de línguas

passou a ser fundamentalmente instrumental (...) no sentido de ferramenta para certos

fins”. Reforçando a manutenção apenas do ensino da Língua Inglesa nas escolas, não

por uma adequação a um ato normativo ou por princípios pedagógicos, mas por filiar-se

a discursos que a associam à modernidade, ao desenvolvimento e à prosperidade

econômica.

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Vinte e cinco anos depois da primeira legislação educacional, é sancionada a

LDB nº 9394 em 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), após um conturbado

processo de tramitação entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Em relação à

oferta das Línguas Estrangeiras, essa lei traz algumas modificações já sinalizadas na

Resolução nº 58/1976.

No Ensino Fundamental, o artigo 2616

, parágrafo 5º, prevê a inclusão de, pelo

menos, uma Língua Estrangeira moderna a partir da 5ª série, atual 6º ano, cuja escolha

fica a cargo da comunidade escolar e consoante com as possibilidades da instituição. E

no Ensino Médio, reitera-se o ensino de uma Língua Estrangeira, presente na resolução,

em caráter obrigatório e acrescenta-se a possibilidade da oferta de outro idioma, em

caráter facultativo, a serem definidos pela comunidade e de acordo com as

possibilidades dos sistemas de ensino.

Entretanto, é relevante destacar ainda a aprovação da Lei federal nº

11161/200517

(BRASIL, 2005), conhecida como a Lei do Espanhol, marcada por

polêmicas, polêmicas estas relacionadas ao fato de essa legalidade determinar a oferta

obrigatória, no Ensino Médio, de uma Língua Estrangeira, nesse caso, a Língua

Espanhola, contrastando assim com a legislação nacional em vigor. Como visto, a LDB

de 1996 registra em sua textualidade a obrigatoriedade do ensino das Línguas

Estrangeiras no currículo das escolas brasileiras, contudo, diferentemente do Decreto nº

4244/1942 (BRASIL, 1942) e da Lei do Espanhol, não define quais línguas deveriam

ser ensinadas, sendo de responsabilidade dos sistemas de ensino juntamente com a

comunidade escolar a definição sobre qual(is) Língua(s) Estrangeira(s) constaria(m) em

suas matrizes curriculares.

Até aqui nos dedicamos a abordar as legislações educacionais que normatizaram

a presença das Línguas Estrangeiras nas escolas brasileiras, sem perder de vista que a

“escolha” por um ou por outro idioma não é uma decisão neutra e consensual, é uma

decisão atravessada por conflitos políticos e discursivos. Embora o nosso lócus de

pesquisa seja a Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, é pertinente observar

como a macroestrutura, o sistema federal, organiza a política nacional de educação para

entender como os sistemas de ensino a ressignificam, uma vez que estes não podem

contradizê-la. 16 § 5

o No currículo do ensino fundamental, a partir do sexto ano, será ofertada a Língua

Inglesa. (Redação dada pela Lei federal nº 13.415, de 2017) 17

Antes da promulgação da Lei do Espanhol, de acordo com Rodrigues (2010), tramitaram na Câmara

dos Deputados, entre os anos de 1958 a 2007, 19 projetos de lei que tematizavam a implantação do ensino

da Língua Espanhola e, no Senado Federal, de 1987 a 2003, 7 projetos foram apresentados.

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Ao longo do capítulo, pontuamos que não foram todas as legislações que

priorizaram o ensino das Línguas Estrangeiras, apesar disso, a disciplina fez-se presente

nas matrizes curriculares das escolas brasileiras e os idiomas mais requisitados foram a

Língua Francesa e a Língua Inglesa. Nas escolas municipais cariocas não foi diferente,

ou seja, essas línguas também compuseram sua matriz curricular. Atribuímos essa

inclusão ao fato de que todas as escolas, pelo menos, até meados do século XX, terem

como instituição modelar o Colégio Pedro II.

Em relação à Língua Francesa, de acordo com informações do Diário Oficial do

Município do Rio de Janeiro18

, foram realizadas quatro seleções para professores de

francês em 1976, 1985, 1988 e 199219

. Em contrapartida, no que concerne à Língua

Inglesa, segundo Picanço (2003) e Rodrigues (2010), a partir da década de 70, houve

uma “predileção” por esse idioma – o que chamamos de imposição -, o que fez com que

as seleções para professores de inglês não ficassem restritas a um marco temporal.

Conforme já discutido, a inclusão da Língua Francesa e da Língua Inglesa nas

escolas municipais cariocas não é aleatória, pelo contrário, é situada em um contexto

histórico-social e atravessada pelo político, ou seja, pela relação que se estabelece entre

as línguas e a sociedade, o que lhes concede um status de Língua Estrangeira a ser ou

não ensinada nas escolas. Dessa forma, quando se deu a implantação, sob aquela recaía

sentidos de prestígio social e intelectual, e sob esta se atribuía sentidos de força política

e prosperidade econômica.

Na década de 90, mais especificamente em 199620

, a SME/RJ encaminha às

escolas municipais o “Multieducação – Núcleo Curricular Básico”, documento que

continha os princípios educativos e os núcleos conceituais que fundamentavam a

concepção de educação, de ensino e de organização curricular da rede. Dentre os

capítulos que o compõem, interessa-nos o intitulado “As disciplinas do Núcleo

18

Explicitamos que esses diários oficiais não estão disponíveis na internet, por isso, recorremos à

pesquisa presencial na Biblioteca da Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro. 19

De acordo com as informações obtidas, nas seleções de 76, 85 e 92, foram oferecidas 171 vagas para

professores de Língua Francesa. No que tange ao concurso de 88, não tivemos acesso ao edital do

concurso somente ao edital de convocação, o que não nos permitiu saber o quantitativo de vagas

oferecidas, em contrapartida, foi-nos possível saber que, nessa primeira chamada, 50 professores foram

convocados. 20

As decisões em torno das línguas são atravessadas pelo político e pelo social, como já afirmamos

anteriores, ou seja, não estão descoladas do contexto histórico-social em que se inscrevem. Posto isto,

consideramos relevante pontuar que em 1996, quando a Multieducação foi entregue à comunidade

escolar, ideias neoliberais circundavam desde a administração municipal à federal, haja vista as lideranças

políticas à frente dos governos. No município do Rio, César Maia; no governo do Estado do Rio,

Marcello Alencar e, no governo federal, Fernando Henrique Cardoso, os dois últimos filiados ao Partido

da Social Democracia Brasileira (PSDB). O que, de certa forma, influenciou as discussões sobre o ensino

de Línguas Estrangeiras na Rede Municipal de Ensino da cidade carioca.

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Curricular Básico”, em especial a seção “Línguas Estrangeiras”. Nessa seção, observa-

se a menção à pluralidade linguística, por conta do sintagma nominal “línguas

estrangeiras”, que reitera o que já vinha sendo praticado na rede, isto é, a oferta da

Língua Francesa e da Língua Inglesa.

Ademais disso, o enunciador institucional destaca a relevância da aprendizagem

das Línguas Estrangeiras em ambiente escolar, atribuindo-lhes outros sentidos que, de

certa maneira, afastam-se dos sentidos mencionados anteriormente. De acordo com o

documento, o mundo contemporâneo é pluri e intercultural, o que ocasiona a

aproximação entre as línguas, as culturas e os povos, facilitando assim a comunicação e

a disseminação de saberes (RIO DE JANEIRO, 1996).

Desse modo, o enunciador institucional sugere que o ensino,

independentemente, da Língua Estrangeira deva proporcionar uma apropriação crítica e

criativa de formas de expressão e de linguagens contemporâneas e também favorecer

aos alunos:

um diálogo permanente entre a nossa cultura, nossa identidade como

cidadãos cariocas e brasileiros e as múltiplas influências dos demais povos e

culturas, de modo a construir conhecimentos, conceitos, valores valiosos para

a vida nos dias de hoje e para a sociedade do futuro (RIO DE JANEIRO,

1996, p. 165).

Observa-se a concepção de ensino de Língua Estrangeira volta-se para a

formação cidadã e crítica desses estudantes que, por sua vez, são compreendidos como

sujeitos sociais e discursivos, inscritos em uma historicidade. A partir dessa perspectiva,

a língua não pode ser mais considerada apenas uma estrutura desvinculada de sua

história e do povo que a constitui. E, além disso, a Língua Estrangeira passa a ser vista

como um contributo para a formação integral do estudante extrapolando a visão de

língua como mera ferramenta para acessar conhecimentos e para comunicar-se.

Ainda sobre esse documento, é preciso pontuar que o enunciador cita as

“influências marcantes da língua e da cultura inglesa, francesa e italiana na nossa

cultura” (RIO DE JANEIRO, 1996, p. 163), contudo, não faz referências às marcas

deixadas pela cultura e Língua Espanhola na constituição da identidade do povo

brasileiro. Esse apagamento causou certo estranhamento em alguns setores da

comunidade acadêmica, tendo em vista que desde meados da década de 80 reacendeu

uma demanda pela oferta do ensino do espanhol no estado fluminense. Catta Preta

(2018, p. 04) destaca que “começava-se a vislumbrar o retorno da língua espanhola aos

bancos escolares e os protagonistas desse movimento eram os docentes da área”. A

partir daí, várias conquistas aconteceram: a fundação da Associação dos Professores de

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Espanhol do Estado do Rio de Janeiro, em 1981 (DAHER, 2006); o concurso público

para professores de Língua Espanhola da Rede Estadual, em 1985 (DAHER, 2006,

2011); a inclusão da Língua Espanhola como opção de Língua Estrangeira nos

vestibulares nas universidades fluminenses, em 1986; a promulgação da Lei estadual nº

2447/ 1995 (RIO DE JANEIRO, 1995), dentre outras.

Na esfera municipal, algumas intervenções político-pedagógicas promoveram a

inserção da Língua Espanhola nas escolas municipais cariocas. Em 1998, foi firmado

um convênio entre a UERJ e a SME/RJ, a partir do contato estabelecido entre a equipe

de professores de espanhol, do Instituto de Letras, atuantes no curso de Especialização

de Língua Espanhola – Instrumental para a Leitura e a equipe responsável pela

coordenação de grupo de Língua Portuguesa e Línguas Estrangeiras da SME/RJ. A

parceria possibilitou a implementação de oficinas em Língua Espanhola para os alunos

da rede, participantes do projeto “Trabalho e Cidadania”, que integrava o projeto

“Educação pelo Trabalho”, coordenado pela Diretoria de Educação Fundamental. O

projeto “Trabalho e Cidadania” objetivava oferecer o ensino de Línguas Estrangeiras

como fator de desenvolvimento do potencial do aluno para o trabalho.

Os docentes da UERJ envolvidos formalizaram o convênio por meio do projeto

de oficina “O Ensino Fundamental e o Espanhol como Língua Estrangeira:

instrumentalizando pelo trabalho”21

. Como, à época, não havia professores de Língua

Espanhola na rede, as aulas eram ministradas por licenciandos/ bolsistas da UERJ sob a

supervisão dos docentes responsáveis pelo projeto. A atuação dos estudantes de

Licenciatura em Português-Espanhol não se restringia à elaboração e desenvolvimento

das oficinas, cabia-lhes participar do planejamento conjunto proposto pela unidade de

ensino e pela supervisão do projeto “Educação pelo Trabalho”, e dos Conselhos de

Classe, como docentes responsáveis pelas oficinas.

De acordo com os objetivos do projeto, a cooperação entre a UERJ e a SME/RJ

proporcionou benefícios tanto aos alunos da rede municipal quanto aos estudantes da

graduação. Aos alunos da rede, permitiu-lhes aproximar-se da cultura dos países

hispano-falantes, desenvolver a alteridade e o respeito pelo outro, conhecer e aprender

outra língua; aos alunos da graduação, deu-lhes a possibilidade de vivenciar de forma

mais intensa a docência, de refletir e discutir questões de ordem teórico-prática e de

atuar de diferentes formas no espaço escolar, seja ministrando aulas ou participando das

21

As oficinas foram desenvolvidas, inicialmente, em 02 das 21 escolas-pólos, participantes do projeto

“Educação pelo Trabalho”, com 03 turmas iniciantes por pólo, com um número de 20 alunos por turma,

02 vezes por semana e com duração de 100 min dia/aula.

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reuniões pedagógicas, dos conselhos de classe, entre outros. Ademais, podemos dizer

que esse projeto impulsionou a inserção da Língua Espanhola na matriz curricular das

escolas municipais cariocas22

.

Com vistas à implantação desse idioma na Rede Municipal, a Prefeitura, ao

longo dos anos, realizou três concursos públicos para professores de Língua Espanhola,

nos anos de 1998, 200123

e 2012. O primeiro concurso foi regido pelo Edital Fundação

João Goulart (FJG) nº 14/ 1998; o segundo, pelo Edital Conjunto Secretaria Municipal

de Educação e Fundação João Goulart (SME/FJG) nº 01/2001 e o terceiro, pelo Edital

Secretaria Municipal de Administração (SMA) nº 54/ 2012. O quantitativo de vagas

oferecidas foram, respectivamente, 100, 80 e 100.

Um ano após, a realização do primeiro concurso, a câmara dos vereadores da

cidade do Rio de Janeiro aprova a Lei Municipal nº 2939, de 24 de novembro de 1999

(RIO DE JANEIRO, 1999) que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino da Língua

Espanhola nas escolas municipais cariocas, conforme disposto no artigo primeiro.

Essas intervenções político-pedagógicas alavancaram a implantação, ao lado da

Língua Francesa e da Língua Inglesa, da Língua Espanhola na Rede Municipal carioca,

reforçando assim o viés plurilíngue da mencionada rede. É preciso ressaltar que entre as

três Línguas Estrangeiras presentes na matriz curricular estabeleceu-se uma relação de

coexistência e não de exclusão.

Passados 10 anos da promulgação da Lei Municipal nº 2939/1999, outro ato

normativo é expedido, o Decreto Municipal nº 31187/2009 (RIO DE JANEIRO, 2009),

o qual promulga a criação do Programa Rio Criança Global, cuja finalidade é a

ampliação da oferta da Língua Inglesa para todos os anos de escolaridade do Ensino

Fundamental.

Embora não esteja explícito na textualidade do decreto, para viabilizar a

expansão na oferta da Língua Inglesa, concomitantemente, inicia-se um processo

declarado de redução na oferta da Língua Francesa e da Língua Espanhola. Para tanto,

essa política de línguas, conceito que concede à língua um sentido político e não

sentidos “inerentes”, mobilizou também outros aparatos jurídico-institucionais, como a

produção de circulares, em específico a E/SUBE/nº 13/2012 e a E/SUBE/nº 08/2015,

22

Essas informações foram extraídas do Projeto de extensão: “O Ensino Fundamental e o Espanhol como

Língua Estrangeira: instrumentalizando pelo trabalho” e do Projeto SR-3 (P367): “O ensino fundamental

e o espanhol como língua estrangeira (E/LE): alternativas à formação docente”, coordenados pelas

professoras Del Carmen Daher e Vera Sant’Anna. 23 A capacitação dos professores de Língua Espanhola aprovados nos concursos de 1998 e 2001foi

realizada pelos docentes da UERJ.

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com vistas a orientar diretores e coordenadores das CREs sobre o lugar dos professores

de Língua Espanhola e Língua Francesa no atual cenário de ensino de Línguas

Estrangeiras. E assim poder, de fato, implantar a Língua Inglesa em todos os anos do

Ensino Fundamental.

Concebemos esse enunciado, a saber, o Decreto Municipal nº 31187/2009, sob a

ótica de Foucault (2008), como um acontecimento discursivo que irrompe em um

determinado tempo e espaço, implicando uma ruptura e/ou regularidade histórica. A

apreensão de acontecimento requer, por um lado, levar em consideração as condições de

existência que determinam a materialidade própria do enunciado e, por outro lado,

interrogar como ele, o enunciado, pôde se formar historicamente e em quais realidades

se articula.

Portanto, a partir desse entendimento de acontecimento discursivo, interessa-nos

compreender os processos históricos e discursivos que constituíram esse enunciado,

possibilitando assim sua emergência e inaugurando uma ruptura discursiva que

provocou uma reconfiguração no ensino das Línguas Estrangeiras nas escolas

municipais cariocas, deslocando-o de uma perspectiva plurilíngue para uma perspectiva

monolíngue. Dito isso, no próximo capítulo, apresentamos os encaminhamentos teórico-

metodológicos recorridos para a constituição do material de análise.

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CAPÍTULO 03: ENTRE CAMINHOS: FUNDAMENTOS TEÓRICO-

METODOLÓGICOS

Neste capítulo, apresentamos os passos metodológicos e os conceitos teóricos

adotados na pesquisa. Recorremos aos aportes teóricos da Análise do Discurso, de base

enunciativa, cujo interesse recai em apreender os enunciados como imbricação de um

texto e de um lugar social. Segundo Maingueneau (2008, p. 137), “o objeto dessa

análise do discurso não é, portanto, nem a organização textual nem a situação de

comunicação, mas sim aquilo que as une mediante modo de enunciação”. Dito de outra

forma, para essa corrente teórica, é imprescindível considerar o que se fala – o

linguístico – e de onde se fala – o social.

A AD pertence ao campo da linguística, no entanto, tal pertencimento não a

torna uma disciplina exclusiva, desse campo, com limites intransponíveis, ao contrário,

é uma disciplina que, desde sua gênese, se aproxima de outros campos das ciências

humanas como a psicologia, sociologia, história, entre outras. O que nos leva,

considerando os objetivos desta investigação, a buscar interlocuções com teóricos de

outras áreas do saber, em especial, Foucault (2008, 2009, 2012, 2013) e Deleuze e

Guattari (1995); ademais de Cervoni (1989), que se dedica aos estudos da Semântica e

da Pragmática.

3.1 Os passos metodológicos

Compreender a reconfiguração do ensino das Línguas Estrangeiras nas escolas

municipais cariocas, inaugurada com a criação do Programa Rio Criança Global,

compreendido como um acontecimento discursivo, em 2009, é o centro da nossa

investigação.

Isto é, considerando nossa filiação teórica, interessa-nos compreender o

funcionamento discursivo do Decreto Municipal nº 31187/2009 (RIO DE JANEIRO,

2009) e das circulares E/SUBE/nº 13/2012 e E/SUBE/nº 08/2015 que legitimam essa

reestruturação do ensino das Línguas Estrangeiras “proposta” pela SME/RJ, a qual

altera práticas já instituídas e impõe às unidades escolares, aos docentes e aos estudantes

uma nova racionalidade. Racionalidade, um dos conceitos foucaultianos, nas palavras

de Castro (2009), é entendida como os modos de organizar os meios para alcançar um

fim.

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Com base nessa conceituação, parece-nos que a ampliação da oferta da Língua

Inglesa e, consequentemente, a restrição no oferecimento da Língua Espanhola e da

Língua Francesa são ações que visam a um determinado fim bem específico,

estabelecido para a educação carioca, ao longo das gestões de Eduardo Paes à frente da

Prefeitura e de Cláudia Costin, da Secretaria Municipal de Educação. Dessa forma, essa

política de línguas assim como as demais políticas educacionais não estaria

desvinculada de uma concepção de educação, de ensino de Línguas Estrangeiras, de

professor e de aluno sustentada pela equipe gestora da SME/RJ. É preciso dizer que,

embora os professores também sejam integrantes da SME, na maioria das vezes, há

divergências quanto às concepções defendidas.

Dito isso, observamos que limitar nossa análise apenas ao funcionamento

discursivo da norma jurídica, a saber, o decreto municipal e das circulares poderiam não

dar conta de responder ao nosso questionamento de pesquisa. Ademais de não dar

visibilidade a uma rede discursiva que atravessou e sustentou as políticas educacionais

da SME/RJ, e que, inclusive, possibilitou a enunciação desse decreto.

Como veremos na próxima seção deste capítulo, os enunciados estão em

dispersão e cabe ao analista recuperar as regras, ou melhor, as regularidades que

permitem a emergência ou não de determinados discursos, nas diferentes épocas. Os

discursos são acontecimentos dispersos em sua historicidade. Nas palavras de Foucault,

é preciso estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua

irrupção de acontecimentos, nessa pontualidade em que aparece nessa

dispersão temporal que lhe permite ser repetido, sabido, esquecido,

transformado, apagado até nos menores traços, escondido bem longe de todos

os olhares, na poeira dos livros. (FOUCAULT, 2008, p. 33).

Considerando que na AD o que importa não é somente o que se diz, mas

também o como se diz e as condições que possibilitam um dizer; começamos a buscar

outros textos que pudessem nos ajudar a entender e problematizar o que estamos

chamando aqui de uma reconfiguração no ensino das Línguas Estrangeiras na rede

municipal de ensino carioca. Não estamos em busca de uma verdade, até porque o

trabalho do analista do discurso não consiste em encontrar verdades – cabe, inclusive,

questionar o que é a verdade - mas desnaturalizar o que é dado como óbvio, como o

único caminho a ser seguido. Em nossa pesquisa, referimo-nos à ampliação da oferta da

Língua Inglesa para todos os anos de escolaridade do Ensino Fundamental, tida como a

língua das oportunidades, reiterada nas falas de Cláudia Costin e de Eduardo Paes.

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Tomamos como ponto de partida a procura de textos em que a então secretária,

Cláudia Costin, em interlocução com a população carioca por intermédio dos meios de

comunicação, falasse sobre o ensino das Línguas Estrangeiras nas escolas municipais.

Para tanto, recorremos à ferramenta de pesquisa da empresa Google e utilizamos

construções linguísticas como “Cláudia Costin e ensino de línguas”, “Cláudia Costin e

ensino de línguas estrangeiras”, “Cláudia Costin e ensino de inglês”, e “Cláudia Costin

e língua espanhola” como palavras-chave para o encaminhamento das buscas.

Fundamentada nesse direcionamento, tivemos acesso a um grande número de

textos dos mais variados gêneros, como entrevistas, notícias publicadas em jornais e no

site oficial da prefeitura, cartas abertas à secretária, cartas de apoio, entre outros. Entre

os textos acessados, a princípio, selecionamos duas entrevistas de Cláudia Costin

concedidas à Revista Época, em 11/07/2010, e à Revista Ponto Com, em 21/09/2012.

Justificamos essa escolha, primeiramente, porque em ambas as entrevistas

abordaram-se, de alguma forma, o ensino das Línguas Estrangeiras nas escolas

municipais cariocas, ou melhor, da Língua Inglesa, embora esperássemos uma discussão

mais aprofundada. Aproveitamos para salientar que a referência apenas ao idioma

anglo-saxão já diz muito sobre essa política de línguas.

E, em segundo lugar, devido às especificidades do gênero entrevista, é

concedido ao entrevistado um espaço de fala mais ampliado do que, por exemplo, no

gênero notícia, para que este possa responder aos questionamentos do entrevistador.

Assim, nessas entrevistas, Cláudia Costin teve mais tempo para discorrer sobre sua

atuação à frente da educação carioca e sobre as propostas planejadas já desenvolvidas

ou em desenvolvimento; tendo como eixo organizador de sua fala o roteiro elaborado

pelo entrevistador.

Apesar disso, como já dito, pouco se falou da Língua Inglesa e nada se

mencionou sobre as demais Línguas Estrangeiras – Língua Espanhola e Língua

Francesa - ofertadas na rede municipal aos alunos. O não dizer muito já diz. Em

contrapartida, observamos que os outros temas foram bastante explorados, como o

sistema de avaliação implantado e o ciclo da alfabetização, por exemplo. Tais

percepções corroboraram que não poderíamos compreender a ampliação da oferta da

Língua Inglesa, sem considerar que essa política de línguas estava insertada no conjunto

mais amplo das políticas educacionais praticadas pela SME/RJ, e que, por sua vez,

parecia-nos filiar-se a um determinado projeto de educação que, aparentemente, se

afastava de uma concepção de educação libertadora (FREIRE, 1996).

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Demo-nos conta de que precisaríamos entender também que concepção de

educação dava sustentação às práticas pedagógicas da SME/RJ. Para isso, fez-se

necessário buscar outros textos que proporcionassem essa reflexão. Sem uma pesquisa

virtual tão refinada quanta a que nos possibilitou encontrar às entrevistas de Cláudia

Costin, ou seja, com palavras-chave bem definidas. Empregamos à expressão

“imposição da Língua Inglesa” e, como num ambiente virtual, um texto vai levando a

outros, chegamos a um documento do Grupo Banco Mundial (GBM), intitulado

“Estratégia 2020 para a Educação: Aprendizagem para todos”. De acordo com Pronko

(2014), trata-se de uma nova estratégia lançada pelo GBM24

para o setor educacional,

para o decênio 2010-2020, que objetiva investir nos conhecimentos e nas competências

das pessoas para promover o desenvolvimento.

Em um primeiro momento, durante a leitura do texto, chamou-nos atenção a

presença de vocábulos lado a lado, como “melhoria da educação”, “aprendizagem”,

“crescimento econômico”, “mercado de trabalho”, “competitividade”, e a semântica que

se pode atribuir a eles dentro de uma formação discursiva – conceito a ser esmiuçado na

seção seguinte - que advoga uma concepção de educação alinhada aos interesses do

mercado, em outros termos, a uma concepção de educação pautada numa perspectiva

neoliberal. Em um segundo momento, nota-se que é possível estabelecer relações entre

os pontos abordados nas entrevistas, em especial, na concedida à Revista PontoCom e

as estratégias que são “sugeridas”, no documento, a fim de garantir essa aprendizagem

para todos. O que nos leva a pensar que as políticas educacionais adotadas pela SME/RJ

estejam pautadas numa concepção de educação afinada com as questões neoliberais.

Em Análise do Discurso, consideramos que os sentidos não são dados a priori,

são produzidos discursivamente; sendo, portanto, necessário proceder a uma análise

mais refinada dessa entrevista e do documento do GBM para compreender os efeitos de

sentidos, as relações interdiscursivas e assim apontar a vinculação da educação carioca a

uma perspectiva neoliberal. Entretanto, não podemos deixar de pontuar que essa

possibilidade (re) orientou, de certa forma, nosso processo de busca por mais textos para

composição do material de análise.

24

Vale destacar que o GBM é uma agência especializada independente do Sistema das Nações Unidas,

maior fonte global de assistência para o desenvolvimento, responsável por bilhões anuais em empréstimos

e doações aos países-membros.

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Assim, chegamos a uma peça publicitária25

sobre a educação carioca produzida

pela Prefeitura do Rio e veiculada no jornal “O Globo”, em 08 de dezembro de 2014. E

também aos Planos Estratégicos da Prefeitura do Rio de Janeiro, produzidos ao início de

cada gestão de Eduardo Paes que condensava os objetivos centrais e diretrizes traçadas

pelo governo para cada secretaria. Em ambos os planos, ou seja, o PEPRJ 2009 e

PEPRJ 2013, chamou-nos atenção o capítulo de abertura intitulado “Carta do Prefeito”,

no qual o mandatário se dirige aos cidadãos cariocas e apresenta como pretende

governar a cidade, o que, de certa forma, aponta seu modo de governar que, por sua vez,

refletirá nas práticas de governo da Educação, da Saúde e das outras secretarias, já que

esses setores se subordinam a um projeto maior, ou seja, estão vinculados ao projeto de

governança da Prefeitura carioca.

Ao longo do nosso percurso metodológico, foi-nos ficando claro que, para dar

conta de nossas demandas da pesquisa, não seria possível seguir uma única direção, ou

seja, recorrer a um único texto. Dessa forma, nossa busca por textos para constituição

do material de análise aparentemente difusa e dispersa aproximou-se do conceito de

rizoma de Deleuze e Guattari (1995), termo emprestado da Botânica.

Inicialmente, empregado para referir-se a raízes que apresentam um crescimento

diferenciado, polimorfo, que crescem horizontalmente e não têm uma direção clara e

definida. Na teoria filosófica dos mencionados autores, o rizoma é um modelo

epistemológico que não se fecha sobre si, é aberto para experimentações, é sempre

ultrapassado por outras linhas de intensidade que o atravessam. Nas palavras de Deleuze

e Guattari (1995, p. 15), o rizoma é mapa e não um decalque e como um mapa “é

aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de

receber modificações constantemente”. O rizoma têm múltiplas entradas, não sendo

possível determinar um caminho certo, um acesso válido. Entra-se num rizoma a partir

de qualquer um dos pontos.

Os filósofos acrescentam, em relação à análise da linguagem, que o método do

tipo rizoma obriga-se a efetuar um descentramento sobre outras dimensões e outros

registros. Ao estabelecer essa relação com o estudo da linguagem, essa noção filosófica

dialoga com o entendimento de Foucault (2008) de que os enunciados que, por sua vez,

garantem a existência dos discursos, estão em dispersão e recuperar as regularidades

25 A publicidade na íntegra está reproduzida nos anexos do trabalho. Disponível em

https://educacao.uol.com.br/noticias/2014/12/09/prefeitura-do-rio-compara-escola-a-fabrica-e-gera-

criticas-no-facebook.htm. Acesso em 01 de março de 2019.

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que os possibilitam permite ao analista perceber os discursos que estão em circulação.

No tocante à investigação em desenvolvimento, viabiliza-nos compreender os discursos

sobre educação, sobre ensino de línguas que atravessaram as práticas discursivas da

SME/RJ e que legitimaram o processo de reconfiguração do ensino das Línguas

Estrangeiras nas escolas municipais cariocas.

Finalizamos esta seção, sintetizando em um quadro os textos que comporão

nosso material de análise. Maingueneau (2015) adverte que em AD não se estudam

textos, desde que sejam convertidos em corpus, que “pode ser constituído por um

conjunto mais ou menos vastos de textos ou de trechos de textos, até mesmo por um

único texto” (MAINGUENEAU, 2015, p. 39). Assim, nosso corpus está constituído

pelos seguintes textos:

Texto Data

Decreto Municipal nº 31187 06 de outubro de 2009

Circular E/SUBE/nº 13 07 de março de 2012

Circular E/SUBE/nº 08 24 de fevereiro de 2015

Entrevista de Cláudia Costin à Revista

PontoCom

21 de setembro de 2012

Peça Publicitária da Prefeitura do Rio 08 de dezembro de 2014

Carta do Prefeito do PEPRJ 2009 2009

Carta do Prefeito do PEPRJ 2013 2012 Quadro 01: Composição do corpus

Em tempo, aproveitamos para esclarecer que optamos por não incluir o

documento do GBM, “Estratégia 2020 para a Educação: Aprendizagem para todos”

(BANCO MUNDIAL, 2011), entre os textos que serão analisados, optamos pelos textos

produzidos pela voz institucional, como o decreto, as circulares, as cartas do prefeito, e

por meio dela, como a entrevista e a peça publicitária. Em contrapartida, o documento

do GBM foi-nos útil para selecionar qual das duas entrevistas de Cláudia Costin

analisar, uma vez que, como dito anteriormente, entre a entrevista publicada na Revista

PontoCom e esse documento havia mais pontos de encontro do que com a entrevista

publicada na Revista Época. As questões abordadas na “Estratégia 2020 para a

Educação” e reiteradas, de alguma forma, na entrevista selecionada referem-se à

aceleração da aprendizagem, à ênfase na aprendizagem desde cedo, à ênfase na

alfabetização e na aritmética na fase primária, à avaliação do sistema de ensino e à

participação do setor privado na educação.

A seguir, apresentamos os conceitos macro que explicitam nossa filiação teórica

e fundamentam nosso trabalho, uma vez que, devido à grande quantidade de material de

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análise e a especificidade de cada texto, priorizamos por conceituar as categorias

analíticas ao longo do capítulo de análise.

3.2 O discurso, saber e poder

Os conceitos que orientam este trabalho são advindos da Análise do Discurso

Francesa de base enunciativa (MAINGUENEAU 1997, 2002, 2008a, 2008b, 2015).

Como já enfatizamos também nos apropriamos de algumas conceituações de Foucault

(2008, 2009, 2012, 2013) para encaminhar a discussão que empreendemos; embora seus

estudos não se vinculem especificamente à AD. Entretanto, Joanilho e Joanilho (2011,

p. 28) asseveram que “muitos pesquisadores em AD filiam seus trabalhos, pelo menos

em parte, às questões levantadas por Michael Foucault, principalmente, às relativas ao

discurso, à autoria e ao enunciado”. Mesclando assim os conceitos próprios de sua área

do saber com as proposições foucaultianas para analisar seu objeto de investigação, isto

é, o discurso.

A AD compreende a linguagem como um modo de produção social, logo, é um

lugar de confrontos ideológicos e que, por isso, não pode ser analisada fora da sociedade

que a produziu, visto que os processos que a constituem são histórico-sociais

(BRANDÃO, 2004). Volta-se para a exterioridade linguística, procurando apreender

como se inscrevem no linguístico as condições de produção, estas entendidas como os

aspectos históricos e sociais que envolvem o discurso e que viabilizem sua produção.

Maingueneau (2008b, p. 17) corrobora que a AD se situa “no lugar em que vêm se

articular um funcionamento discursivo e sua inscrição histórica, procurando pensar as

condições de uma ‘enunciabilidade’ passível de ser historicamente circunscrita”.

A noção de discurso é um dos conceitos basilares para essa corrente teórica e

sua formulação foi influenciada pelas contribuições de Michel Foucault. Maingueneau

(2008a) destaca que, considerando as influências de Pêcheux e de Dubois, as de

Foucault foram um tanto quanto indiretas para a Análise do Discurso, contudo, bastante

expressivas. O filósofo dedicou-se a reflexões e questionamentos sobre a sociedade,

bem como os saberes e os discursos produzidos, os quais constituem os sujeitos e suas

práticas.

Nesta pesquisa, atemo-nos a compreender os discursos e as condições de

existência que contribuíram para que a política de ensino de Línguas Estrangeiras da

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SME/RJ, antes pautada em uma perspectiva plurilíngue, assumira um caráter

monolíngue, privilegiando, em especial, o ensino da Língua Inglesa.

De acordo com Foucault (2008), apesar de lê-los sob a forma de texto, uma vez

que dependem da materialidade linguística, os discursos não são um entrecruzamento de

coisas e palavras, uma superfície entre uma realidade e uma língua, antes são práticas,

sustentadas por um conjunto de regras, que formam sistematicamente os objetos de que

falam. Regras essas, chamadas de regras de formação, as quais são as condições de

existência, de manutenção, de modificação e de desaparecimento de um discurso. Por

sua vez, essas regras determinam as formações discursivas, definidas como:

princípio de dispersão e de repartição, não das formulações, das frases, ou

das proposições, mas dos enunciados (no sentido que dei à palavra) o termo

discurso poderá ser fixado: conjunto de enunciados que se apoia em um

mesmo sistema de formação; é assim que poderei falar do discurso clínico,

do discurso econômico, do discurso da história natural, do discurso

psiquiátrico (FOUCAULT, 2008, p. 127).

Observa-se que não é possível definir o que é discurso sem remeter-nos à prática

discursiva, à formação discursiva e ao enunciado. São inseparáveis. Mesmo diante dessa

indivisibilidade, tentaremos esmiuçar um pouco mais cada um desses conceitos.

Diremos, pois, que o enunciado é a unidade elementar, básica que forma o

discurso, ou seja, é o enunciado que garante a existência dos discursos. O enunciado é

entendido não como uma estrutura, antes é um acontecimento que irrompe num certo

tempo e lugar, sempre marcado pela relação que estabelece com outros enunciados.

Segundo as palavras do filósofo, “ele [enunciado] não é em si mesmo uma unidade, mas

sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz

com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço” (FOUCAULT,

2008, p. 98).

Entretanto, como já visto, para que possamos falar em determinado discurso, é

preciso que os enunciados que o constituem estejam pautados em um princípio de

regularidade. Regularidade esta delimitada pela individualidade singular da formação

discursiva, um feixe complexo de relações que funcionam como regra, prescrevendo o

que deve ser correlacionado em uma prática discursiva. As formações discursivas

legitimam os enunciados uma vez que regulam o que pode ou não pode ser dito, dentro

de determinado campo e de acordo com a posição ocupada pelo sujeito nesse campo de

saber.

Por isso, conforme Maingueneau sugere (2008b), as formações discursivas

devem ser vistas sempre dentro de um espaço discursivo, isto é, sempre em relação, em

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concorrência, delimitando-se em uma região determinada do universo discursivo, diante

do propósito do analista.

Fischer (2001, p. 203) assevera que a formação discursiva “funcionaria como

‘matriz de sentido’, e os falantes nela se reconheceriam, porque as significações ali lhes

pareceriam óbvias, ‘naturais’”. E essa é justamente a tarefa do analista do discurso

desnaturalizar o que é dado como óbvio, mostrar que os sentidos não são dados a priori

são produzidos discursivamente. Em nossa pesquisa, por exemplo, desnaturalizamos a

compreensão de que a Língua Inglesa, reverberada em discursos institucionais,

discursos midiáticos, inclusive, nas declarações de Paes26

e de Costin, é o idioma das

oportunidades, que abre as portas para o mercado de trabalho.

Com base no exposto, afirmamos que é a partir das formações discursivas que as

palavras produzem sentidos no interior de um discurso, apesar de que não há garantias

de que esses serão os “previstos” por seus produtores, dado que cada sujeito está

inscrito na história e é fundado nessa historicidade que constituirá os sentidos. Ademais,

ressaltamos que à AD de base enunciativa não lhe interessa as intenções do enunciador,

mas sim os sentidos que se produzem dadas as condições de produção.

Em relação à definição de discurso, Maingueneau concorda com o filósofo

francês quando este defende a opacidade do discurso, a saber, que não é algo redutível à

língua, nem a instâncias sociais ou psicológicas. Ou ainda que o discurso não é um

dado, mas algo “sustentado por um ruído de práticas obscuras que o configuram e o

fazem circular segundo trajetórias que se confundem com seus múltiplos modos de

existência” (MAINGUENEAU, 2008a, p. 32).

A partir dessas ideias e de outras advindas de correntes teóricas que permeiam

o coletivo das ciências humanas e sociais, o analista do discurso concebe seu

entendimento de discurso como uma dispersão de textos, no qual o modo de inscrever-

se na histórica permite definir como um espaço de regularidades enunciativas. Assim, o

discurso é marcado por um sistema de regras que define a especificidade de uma

enunciação.

Maingueneau (2008b) acrescenta que o discurso não deve ser compreendido

exclusivamente como um conjunto de textos, uma vez que o funcionamento de uma

sociedade é intrínseco à produção de discursos que circulem em seu interior. O autor

26 Disponível em http://www.prefeitura.rio/web/guest/exibeconteudo?id=1100326. Acesso em 26 de

setembro de 2018.

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define, com base nas proposições foucaultianas, seu conceito de prática discursiva e

afirma que uma atividade discursiva possui duas faces: a social e a textual.

Para o filósofo francês (2008, p. 130), a prática discursiva é definida como um

“conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço,

que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica,

geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa”. Exercer

uma prática discursiva, desde a concepção de Foucault, é falar segundo determinadas

regras, e expor as relações que se dão dentro de um discurso.

Já Maingueneau (1997, p. 56), entende-a como “reversibilidade essencial entre

as duas faces, social e textual, do discurso”, integrando assim dois elementos: a

formação discursiva e a comunidade discursiva, a saber, “grupo ou a organização de

grupos no interior dos quais são produzidos, gerados os textos que dependem da

formação discursiva”.

Desse modo, a prática discursiva envolve, concomitantemente, a produção de

textos e a produção de uma comunidade discursiva que sustenta esses textos. Posto isso,

pontuamos que a partir dessa perspectiva analisamos os textos que compõem o corpus

deste trabalho, visto que compreendemos que a prática discursiva se estabelece na

relação entre os textos produzidos e a comunidade que os produz e faz circular.

Conforme já dissemos a presença de Foucault sempre foi bastante relevante para

AD, Fischer (2013) corrobora dizendo que essa influência consiste na forma como o

filósofo compreendia os discursos e os saberes produzidos, sem ater-se às polarizações

entre verdade e ideologia, certo e errado, bom e mau. Em contrapartida, apreendia os

discursos a partir de suas relações históricas e da articulação entre enunciados e práticas.

Propunha-se a refletir a circulação dos discursos, como e porque lhe é atribuído um

determinado valor de verdade e como os grupos sociais deles se apropriam e como se

dão as rupturas nas “coisas ditas”. Dito de outra forma, o que importa não é “revelar” a

verdade veiculada em um discurso, mas compreender como um discurso surge como

verdadeiro, nas palavras do filósofo:

Creio que o problema não é de se fazer a partilha entre o que num discurso

releva da cientificidade e da verdade e o que relevaria de outra coisa; mas de

ver historicamente como se produzem efeitos de verdade no interior de

discursos que não são em si nem verdadeiros nem falsos (FOUCAULT,

2013, p. 44).

Podemos perceber, então, que uma determinada verdade se constrói

discursivamente e na coletividade, uma vez que cada sociedade, nas diferentes épocas,

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elabora seu regime de verdade, ou seja, elabora critérios para “estabelecer” quais

discursos serão considerados verdadeiros ou não. Por sua vez, esse regime de verdade

está submetido a sistemas de poder que produzem e fazem circular “as verdades”.

Assim, a verdade não existe fora das relações de poder, inclusive, porque é o discurso

um espaço onde saber e poder se articulam, segundo Brandão (2004, p. 37), “esse

discurso, que passa por verdadeiro, que veicula saber (o saber institucional), é gerador

de poder”.

O discurso não é somente lugar de expressão de um saber, através dele se exerce

poder. Saber e poder estão implicados mutuamente, não se pode conceber uma relação

de poder sem constituir-se um campo do saber e, ao mesmo tempo, todo saber constitui

novas relações de poder. Para Foucault (2013, p. 230), não se pode contentar em dizer

que “o poder tem necessidade de tal ou tal descoberta, desta ou daquela forma de saber,

mas que exercer o poder cria objetos de saber, os faz emergir, acumula informações e as

utiliza”.

É preciso destacar que o poder que o saber exerce não é do tipo violento ou

repressor, pelo contrário, age como agregador, uma vez que convence àqueles que

compartilham um mesmo saber (VANDRESEN, 2010). O saber aparece e é aceito

como verdadeiro porque obedece a regras, a condições políticas que possibilitam sua

emergência em saberes de determinada época. Foucault (2013) afirma ainda que a

investigação do saber não deve remeter a um sujeito do conhecimento, este não deve ser

concebido como ponto de origem, e sim às relações de poder, considerando que estas

estão em sua gênese. Dessa forma, não há saber neutro e que não seja político.

Ainda que os conceitos - saber e poder - não sejam tematizados pelo AD como

os já apresentados – discurso, formação e prática discursivas -, fez-se pertinente

conceituá-los, visto que compõem o nosso cenário de fundamentação teórica.

Brandão (2004, p.36) afirma que “as ideias de Foucault são fecundas na medida

em que colocam diretrizes para uma análise do discurso”, entretanto, observar como

essas diretrizes se concretizam na superfície linguística não era sua preocupação, essa

tarefa deixava para os linguistas, até porque ele era filósofo. Apesar de o discurso ser

seu objeto de investigação, não o era enquanto problema linguístico.

Dito isto, para proceder à análise do corpus recorreremos a algumas categorias

analíticas propostas por Maingueneau. Devido à diversidade e à especificidade de cada

texto que compõe nosso material, uma vez que cada um irá mobilizar categorias

distintas, pareceu-nos mais apropriado conceituá-las ao longo do capítulo de análise.

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Acreditamos que essa organização não se opõe ao que Maingueneau (1997, p. 21)

sugere “qualquer apresentação de questões referentes à AD supõe duas etapas:

inicialmente, a exposição dos conceitos linguísticos; a seguir, a explicação da forma

como a AD pode explorá-los”.

Ressaltamos que as categorias de análise mobilizadas são: ethos e cenografia

discursiva (MAINGUENEAU, 2002, 2008a) na Carta do Prefeito, do PEPRJ-2009 e

PEPRJ-2013; cenas da enunciação (MAINGUENEAU, 2002, 2008a, 2015) na Peça

Publicitária; modalidade assertiva (CERVONI, 1989) na Entrevista de Cláudia Costin;

modalidade deôntica (CERVONI, 1989) nas circulares E/SUBE/nº 13/2012 e

E/SUBE/nº 08/2015 e gênero do discurso (MAINGUENEAU, 2002, 2008a 2008b), no

Decreto Municipal.

É preciso esclarecer que, como o conceito de gênero do discurso, é relevante

para essa linha teórica e será retomada, de algum modo, em todas as análises, optamos

por apresentá-lo em um subcapítulo à parte, seguinte ao que concluímos e não no

capítulo dedicado às análises.

3.3 Os gêneros do discurso

Ao início deste capítulo, pontuamos que o interesse da AD consiste na

imbricação de um texto e de um lugar social, por sua vez, lugar social pode ser

compreendido como, por exemplo, um posicionamento27

em um campo discursivo.

Dessa forma, nas palavras de Maingueneau (2015, p. 47), “pensar os lugares

independentemente das falas ou pensar as falas independentemente dos lugares dos

quais são parte pregnante, é permanecer aquém das exigências que fundam a análise do

discurso”.

Essa corrente teórica atribui um papel central ao gênero do discurso, que opera a

articulação entre texto e situação de comunicação. Compreende-se o gênero discursivo

como um dispositivo de comunicação, ao mesmo tempo social e verbal, historicamente

situado. É preciso salientar que a AD definiu e expandiu a conceituação de gêneros do

27 Charaudeau e Maingueneau (2016, p. 392-393), no “Dicionário de Análise do Discurso”, apresentam a

seguinte definição: num campo* discursivo, “posicionamento” define mais precisamente uma identidade

enunciativa forte (“o discurso do partido comunista de tal período”, por exemplo), um lugar de produção

discursiva bem específico (...) Mas “posicionamento” se emprega também para identidades de fraca

consistência doutrinal (um programa de televisão, uma campanha publicitária etc.). Assim sendo, (...) o

posicionamento corresponde à posição que um locutor ocupa em um campo de discussão, aos valores que

ele defende (consciente ou inconscientemente) e que caracterizam reciprocamente sua identidade social e

ideológica.

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discurso, a partir dos postulados de Bakhtin (2011). Para esse autor, a língua se

concretiza em forma de enunciados que são únicos e concretos, resultado de uma ou

outra esfera da atividade humana. E cada uma delas elabora seus tipos relativamente

estáveis de enunciados, isto é, os chamados gêneros do discurso.

Não se pode falar em gêneros do discurso sem associá-lo ao tipo de discurso.

Entre esses dois conceitos, estabelece-se uma relação de interdependência, ou seja, a

existência de um depende da presença do outro. Maingueneau (2015) sustenta que os

gêneros do discurso só adquirem sentidos quando integrados aos tipos de discurso.

Assim, todo tipo é uma rede de gêneros e todo gênero se reporta a um tipo.

Os tipos de discurso designam práticas discursivas relacionadas a determinadas

esferas das atividades da sociedade, isto é, agrupam os gêneros estabilizados por uma

mesma finalidade social, entendidos também como instituições de palavras socialmente

reconhecidas (MAINGUENEAU, 2015).

Considerando nosso material de análise, podemos situar os gêneros discursivos

em dois tipos, a saber, o discurso institucional e o discurso midiático. Naquele,

englobamos o decreto, as circulares e as cartas do prefeito, e, neste, incluímos a

entrevista de Cláudia Costin e a peça publicitária da Prefeitura. Esse agrupamento de

gêneros corresponde à lógica do copertencimento a um mesmo aparelho institucional.

Maingueneau (2008a) sugere que o agrupamento de gêneros no conjunto dos tipos de

discursos pode seguir duas lógicas distintas: a do copertencimento a um mesmo

aparelho institucional e a de dependência de um mesmo posicionamento. O primeiro

refere-se a uma lógica de funcionamento do aparelho e a segunda, a uma ótica de luta

ideológica, na qual se delimita um território simbólico contra outros posicionamentos.

Como visto, para a AD, importa apreender um dizer no entrelaçamento do

linguístico com o extralinguístico, ou seja, o dito não é apenas fragmento de uma língua

natural desta ou daquela formação discursiva, é uma amostra de certo gênero do

discurso cujo funcionamento é regulado por um contrato específico que define seu

ritual. Compreender um gênero e os sentidos que se produzem engloba articular o

linguístico com o “como dizer” ao conjunto de fatores do ritual enunciativo. “Não

existe, de um lado, uma forma, e, do outro, as condições de enunciação”

(MAINGUENEAU, 1997, p. 36).

Um gênero do discurso encontra-se submetido a um conjunto de condições de

êxito. Essas condições abarcam elementos de diversas ordens: uma finalidade

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reconhecida, o estatuto dos parceiros legítimos, o lugar e o momento legítimos, um

suporte material e uma organização textual.

A finalidade reconhecida refere-se ao propósito, isto é, à função social de dado

gênero; o estatuto dos parceiros legítimos remete-nos aos coenunciadores envolvidos na

situação comunicativa; o lugar e o momento legítimos dizem respeito ao lugar e ao

momento constitutivos de um gênero; um suporte material tem a ver com sua existência

material, ou seja, com seu modo de existência semiótico e, por fim, a organização

textual relaciona-se com os elementos linguísticos requisitados por cada gênero

(MAINGUENEAU, 2002). Como se pode observar esse olhar sob o gênero do discurso

contempla os aspectos comunicacionais, situacionais e linguísticos.

Portanto, o analista do discurso, durante um processo analítico, para não ficar

aquém das exigências que fundam essa corrente teórica, precisa considerar esses

elementos. Inclusive, porque nos interessa observar como se inscrevem na exterioridade

linguística as condições de produção. Posto isto, nas palavras de Maingueneau sobre o

analista do discurso assevera que ele:

levará em conta as propriedades do próprio gênero do discurso, os papéis

sociodiscursivos que ele põe em relação (animador, convidado), as diferentes

estratégias de legitimação dos locutores, a maneira de cada um ajustar seu

posicionamento etc (MAINGUENEAU, 2015, p. 48).

Considerando o exposto, ao analisar um corpus, tomando como referencial

teórico-metodológico a AD, não se pode deixar de refletir sobre o gênero do discurso,

porque discurso e gênero estão intrinsecamente relacionados, pois, o segundo define as

condições para que o primeiro possa ser reconhecido como legítimo. Maingueneau

(2008a) advoga que a AD se tornou um domínio de pesquisa extremamente ativo no

mundo e é marcada pela heterogeneidade de seus conceitos e de seus procedimentos,

bem como pela heterogeneidade dos trabalhos desenvolvidos.

Retomando o que dissemos no subcapítulo 3.1, a constituição do material de

análise deu-se de forma rizomática, ou seja, de forma dispersa, quando se recorre a mais

de um caminho, a mais de uma possibilidade, o que justifica a multiplicidade e

diversidade dos gêneros discursivos a serem analisados.

Finalizadas as considerações sobre o nosso percurso teórico-metodológico e a

exposição dos conceitos principais que embasam a análise concluímos este capítulo. No

capítulo seguinte retomaremos os conceitos apresentados aqui e exploraremos as

categorias analíticas ao longo do processo de análise do Decreto Municipal nº

31187/2009, das circulares E/SUBE/nº 13/2012 e E/SUBE/nº 2015, da Entrevista de

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63

Cláudia Costin, da Peça Publicitária e das Cartas do Prefeito do PEPRJ 2009 e PEPRJ

2013.

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64

CAPÍTULO 04: ENUNCIADOS EM DISPERSÃO: POR QUE SÓ O INGLÊS?

Neste capítulo, buscamos aprofundar as considerações teóricas que nos

permitam compreender o processo de reconfiguração do ensino de Línguas Estrangeiras

nas escolas municipais cariocas, assim como os discursos que o sustentam. Para tanto,

organizamos o processo analítico em quatro momentos. O subcapítulo 4.1 compreende a

análise da Carta do Prefeito do PEPRJ 2009 e do PEPRJ 2013. À continuação, no

subcapítulo 4.2, analisamos o Decreto Municipal nº 31187/2009 e no 4.3, a Peça

Publicitária da Prefeitura do Rio, divulgada no jornal O Globo; no subcapítulo 4.4,

dedicamo-nos a análise do funcionamento discursivo das circulares E/SUBE/nº13/2012

e E/SUBE/nº 08/2015 e no subcapítulo 4.5, analisa-se a entrevista de Cláudia Costin

concedida à Revista PontoCom, em 21 de setembro de 2012. E, por fim, no subcapítulo

4.6, tecemos as considerações de processo analítico.

4.1 As Cartas do Prefeito: cidadão-gestor ou gestor-cidadão?

Conforme apresentamos no subcapítulo 1.1, o PEPRJ 2009 e o PEPRJ 2013 são

documentos institucionais, nos quais a Prefeitura do Rio de Janeiro, ou melhor, a equipe

gestora, sinaliza os problemas encontrados na cidade e aponta as medidas estratégicas a

serem adotadas para solucioná-los. Esses planos são documentos públicos e ficam

disponíveis, na página eletrônica da Prefeitura, para a consulta de qualquer cidadão

carioca.

Esses planos estratégicos, organizados em oito capítulos, apresentam a seguinte

estrutura: Carta do Prefeito, Visão de futuro para o Rio, Introdução, Objetivos e

princípios de atuação do governo, Áreas de resultado, Uma meta olímpica para todos,

Institucionalização do Plano Estratégico e o Rio mais integrado e competitivo. Dentre

estes, interessa-nos o capítulo de abertura, “Carta do Prefeito” de ambos os planos. Para

analisá-las, recorremos aos conceitos de cenografia discursiva e de ethos propostos por

Maingueneau (1997, 2002, 2008a) e retomados por Daher (2007).

Maingueneau (2002) afirma que um enunciado não se estabelece no absoluto,

toma como ponto de referência o próprio ato enunciativo do qual é produto e carrega

marcas que definem sua situação de enunciação, a saber, enunciador, coenunciador,

lugar e momento da enunciação.

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65

Consoante com o analista do discurso, Daher (2007, p. 60), a partir de

Maingueneau, entende por cenografia discursiva a situação de enunciação que “legitima

cada discurso a partir da reunião de uma determinada locução discursiva, uma

cronografia e uma topografia”.

Assim, todo enunciado pressupõe um EU que se dirige a um TU (locução

discursiva) situado em um espaço (topografia) e em um tempo (cronografia)

determinados. Destacamos que essas marcas não são dadas a priori, ou seja, a partir de

um sujeito, de uma conjuntura histórica e de um espaço objetivamente determináveis do

exterior, constroem-se discursivamente na cena que sua enunciação produz e pressupõe

legitimar. O sujeito constrói a cenografia de sua autoridade, definindo “para si e para

seus destinatários os lugares que este tipo de enunciação requer para ser legítima”

(MAINGUENEAU, 1997, p. 44).

O analista do discurso ainda afirma que “não basta falar de ‘lugares’ ou de

‘dêixis’; a descrição dos aparelhos não deve levar a esquecer que o discurso é

inseparável daquilo que poderíamos designar muito grosseiramente de uma ‘voz’”

(MAINGUENEAU, 1997, p. 45). Essa voz trata-se do conceito de ethos, definido como

uma determinada representação do enunciador construída discursivamente.

A noção de ethos advém da Retórica de Aristóteles, no entanto, Maingueneau

assevera que há pontos de encontro entre o que postula a AD em que se inscreve e a

perspectiva aristotélica, a saber

- o ethos é uma noção discursiva; ele se constitui por meio do discurso, não é

uma ‘imagem’ do interlocutor exterior à fala;

- o ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre o

outro;

- o ethos é uma noção fundamentalmente híbrida (sociodiscursiva), um

comportamento socialmente avaliado, que não pode ser apreendido fora de

uma situação de comunicação precisa, ela própria integrada a uma conjuntura

sócio-histórica determinada (MAINGUENEAU, 2008a, p. 63).

Como visto o ethos é uma instância subjetiva que se manifesta por meio do

discurso como uma “voz” a qual se pode atribuir um “corpo enunciante” historicamente

especificado e situado (MAINGUENEAU, 2008a). Isto é, “por meio da cenografia

discursiva cria-se uma dimensão interativa que dá ‘vocalidade’, ‘caráter’ e

‘corporalidade’ ao enunciador” (DAHER, 2007, p. 60). É o ethos que possibilita a

adesão dos sujeitos a determinados posicionamentos, uma vez que se convoca o

destinatário a ocupar um lugar, inscrito na cena de enunciação que o texto implica.

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66

Maingueneau (2008a) destaca que a noção de ethos não pode ser entendida

apenas como um meio de persuasão, é parte integrante da cena de enunciação; não

podendo assim dissociar a organização de seus conteúdos e do modo de legitimação de

sua cena de fala. Definidas as categorias analíticas das cartas, passemos à análise.

Na “Carta do Prefeito” do PEPRJ 2009, a locução discursiva, ou seja, o “eu” e o

“tu”, é retomada pela presença de embreantes, como “nossa”, “nosso” e “nós”. Dessa

forma, o enunciador estabelece uma relação de proximidade com seus coenunciadores,

os cidadãos cariocas, mostrando que ambos compartilham as mesmas impressões e

percepções sobre a cidade:

o Rio de Janeiro tem demonstrado através de sua história uma incrível

capacidade de se reinventar. Foi assim com a chegada da família real, com a

ida da capital para Brasília, e com inúmeras reformas urbanas que

modificaram a topografia da nossa cidade (RIO DE JANEIRO, 2009, p. 05.

Grifo nosso).

Toda cenografia discursiva engendra os coenunciadores em uma coordenada

espacial e temporal. No mencionado fragmento, observa-se que se constrói uma

topografia de um Rio de Janeiro moldável, isto é, uma cidade não engessada que (re)

atualiza seu espaço urbano de acordo com as necessidades que se lhes impõe; uma

cidade com potencial urbanístico para reinventar-se e redesenhar-se.

Em relação à cronografia, o enunciador recorre ao uso dos embreantes

temporais, em sua maioria, formas verbais conjugadas no presente, destacadas no

excerto, para referir-se ao atual momento vivido pela capital fluminense:

Ninguém discute a relevância cultural, econômica e histórica do Rio de

Janeiro. Mas nós, que vivemos e fazemos esta cidade, precisamos

questionar o presente e a realidade que nos cerca para novamente alimentar

os sonhos de um futuro promissor. A expectativa de ser a capital da Copa

2014 e a conquista dos Jogos Olímpicos de 2016 estabelecem um momento

oportuno para transformar esses sonhos em ideias, projetos, realizações. (RIO

DE JANEIRO, 2009, p. 05. Grifo nosso)

O enunciador cria discursivamente uma realidade que não está favorável para os

cariocas, uma vez que, em um tom de conciliação, convida-os a questionarem esse

presente e a refletirem sobre o futuro da cidade, futuro este que inclui os megaeventos

esportivos de 2014 e 2016. Institui como verdade a necessidade de mudanças e toma

como marco regulatório a realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos.

Como já pontuamos, quando se dirige ao coenunciador, o enunciador recorre a

formas verbais e ao pronome de primeira pessoa no plural, o que o inclui no grupo de

seus coenunciadores, apesar de ocupar o cargo mais alto da administração municipal.

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67

Retomando o dito sobre ethos (MAINGUENEAU, 1997, 2002, 2008a), todo

enunciado evidencia uma imagem do enunciador que corresponde à sua personalidade,

manifestada através da enunciação, sem estar necessariamente explícito no enunciado.

Embora saibamos que o locutor extradiscursivo da carta é o prefeito Eduardo Paes, o

ethos que vai se constituindo não é a de um gestor e sim a de um cidadão comum que

comparte com seus conterrâneos projetos e aspirações para transformar o Rio de Janeiro

em um lugar melhor para os cariocas. Constrói-se, discursivamente, um espaço de

pertencimento comum.

A partir da imagem produzida, o enunciador, em um movimento de aproximação

de seus coenunciadores, recorrendo aos dêiticos de pessoas - “somos”, “podemos”,

“nosso”-, conclama-os a aderirem às propostas elaboradas para a administração do

município e a participarem ativamente dessa gestão, mostra-se, desse modo, “aberto ao

diálogo” com a população:

A prefeitura, através de seu Plano Estratégico, propõe um caminho para

alcançarmos esse objetivo. E convida a refletir o que somos, o que

pretendemos e – mais importante – como podemos juntos, poder público e

cidadãos, redesenhar nosso futuro (RIO DE JANEIRO, 2009, p. 05. Grifo

nosso).

O enunciador apresenta-se, então, como aquele gestor próximo da população,

quem “atenderá aos desejos dos cidadãos”, visto que esses desejos são os seus também.

Intervir no presente para que no futuro a cidade seja aquilo que os cariocas anseiam.

Brigeiro e Sangenis (2014) afirmam que o governo de Eduardo Paes, confiando

na possibilidade de alcançar o segundo mandato, ainda durante o processo eleitoral de

2012, lança o plano estratégico para o quadriênio seguinte, de 2013 a 2016.

Na “Carta do Prefeito” de PEPRJ 2013, essa afirmação encontra ecos no

fragmento “o sucesso do atual Plano, que se encerra agora em 2012, encheu a Prefeitura

de satisfação” (RIO DE JANEIRO, 2012, p.09), o enunciador recorre ao dêitico

“agora”, acompanhado da expressão “em 2012”, que situa temporalmente o enunciado,

de modo simultâneo, no final do primeiro mandato e durante o período da campanha

eleitoral.

Esse presente enunciativo permite traçar um quadro temporal que instala

discursivamente um passado recente, reiterado pelo dêitico temporal “de lá pra cá” e

pelas formas verbais “mudou” e “acumulou”, o qual destaca as ações planejadas e em

desenvolvimento, principalmente, em prol dos eventos que a cidade sediaria entre os

anos de 2013 e 2016 e de um “futuro melhor” para a capital fluminense.

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68

De lá pra cá, o Rio mudou e acumulou muitas conquistas: a consagração da

cidade como palco de grandes eventos, como a Jornada Mundial da

Juventude, em 2013, a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos

de 2016; o processo de recuperação de áreas degradadas, como o da Região

Portuária através do projeto Porto Maravilha; o início de obras de mobilidade

urbana que vão permitir a integração com toda a cidade (...) (RIO DE

JANEIRO, 2012, p. 09. Grifo nosso).

Com relação ao marco espacial, no fragmento referido, pode-se observar que a

cidade falada não é toda a capital fluminense, apenas a que se transformou em canteiro

de obras, visando adequar-se às exigências impostas pelos eventos internacionais

realizados no Rio de Janeiro.

Diferentemente do que percebemos na “Carta do Prefeito” do PEPRJ 2009, o

ethos que se configura na carta do PEPRJ 2013 não é mais de um enunciador-cidadão

comum e sim o de um enunciador-gestor que alega ter promovido mudanças na cidade

carioca, inclusive, na forma de administrá-la, “o lançamento do primeiro Plano

Estratégico da Prefeitura do Rio, em 2009, representou um grande avanço na forma de

administrar a cidade” (RIO DE JANEIRO, 2012, p. 09). Reforçando assim aos

coenunciadores, os cidadãos cariocas, eleitores seus ou não, suas conquistas à frente da

prefeitura, justamente no momento em que ainda acontecia a campanha eleitoral de

2012, conforme sinalizamos anteriormente, e apontando como certa sua reeleição, como

se observa nos fragmentos destacados em:

Depois de três anos, estamos desenvolvendo a primeira revisão do Plano

Estratégico, que vai ampliar a visão da cidade para 2030 e, assim, definir

novas diretrizes, metas e iniciativas para o período de 2013 a 2016 (RIO DE

JANEIRO, 2012, p. 09. Grifo nosso).

Ao longo da carta, reforça-se a cenografia de uma prestação de contas e a

imagem do enunciador como gestor público, não mais inserido na categoria de cidadão

comum conforme ocorrera no PEPRJ 2009, que apresenta à população o que fez e o que

ainda vai fazer na/pela cidade. No excerto “a transparência na divulgação das metas e

iniciativas, assim como dos resultados obtidos, tem nos aproximado cada vez mais do

cidadão carioca, seja para reconhecimento ou para cobrança” (RIO DE JANEIRO,

2012, p.09), ao empregar o elemento dêitico “nos” o enunciador não faz menção à

locução discursiva, isto é, ao eu e ao tu. Em contrapartida, esse emprego do “nos”

remete-se a um sujeito coletivo (MAINGUENEAU, 2002), entendido como o

enunciador-gestor e sua equipe de governo. Posto isso, o enunciador não se coloca mais

lado a lado de seus coenunciadores, estes ficam subentendidos por meio da alusão a não

pessoa, o cidadão carioca.

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69

Sem embargo, ao falar de seu lugar de prefeito, o enunciador-gestor não se

distancia totalmente de seus coenunciadores, ao contrário, mantém a relação de

proximidade e de confiança estabelecida na carta de 2009. Inclusive, no excerto final da

carta, “é com muito orgulho que encaminhamos esta revisão do Plano aos cariocas, para

que possamos juntos, ajudar a construir nosso ideal de cidade maravilhosa” (RIO DE

JANEIRO, 2012, p. 09), o dêitico de pessoa “nosso” e o presente dêitico “possamos”,

reforça o compromisso do trabalho coletivo, entre o enunciador, o prefeito, e os

coenunciadores, os cariocas, para o bem da cidade, postura que se inaugurou outrora, na

carta do PEPRJ 2009. Ainda sobre o fragmento destacado, é relevante destacar que esse

ideal de cidade maravilhosa é a ideia de cidade almejada/planejada por esse enunciador,

não a cidade maravilhosa que efetivamente os coenunciadores, os cariocas, desejam.

Segundo Maingueneau (2002, p.97), “toda fala procede de um enunciador

encarnado; mesmo quando escrito, um texto é sustentado por uma voz – a de um sujeito

situado para além texto”, assim sendo, a voz que sustenta as cartas introdutórias dos

planos estratégicos fala do lugar de prefeito do Rio de Janeiro, entretanto, em cada um

dos enunciados se constrói uma imagem diferente de enunciador, produzindo

determinados efeitos de sentido, ora de proximidade total ora de proximidade

relativizada com os coenunciadores.

Na “Carta do Prefeito” de 2009, atribuímos ao enunciador o ethos de um cidadão

carioca comum e, na “Carta do Prefeito” de 2013, o ethos de gestor da cidade. A

despeito do ethos em cada uma das situações de enunciação, há um aspecto que as

conciliam, a saber, a produção de imagens positivas das práticas de governo adotadas

pela gestão de Eduardo Paes e seu secretariado e de como essa forma de administração

beneficiaria a cidade do Rio de Janeiro.

Conforme já dissemos, a “Carta do Prefeito” é um dos capítulos que compõe os

planos estratégicos de 2009 e 2013, cujo título de ambas as versões é “Pós 2016 um Rio

mais competitivo e integrado”. Nesse título, chama-nos a atenção a expressão “pós

2016”. A partir das análises das cartas, observa-se que o título antecipa o que o

enunciador, por meio do discurso, destaca no enunciado, ou seja, o modus operandi de

governar a cidade que tomou como marco regulatório os megaeventos sediados na

cidade carioca entre os anos de 2013 e de 2016. O “pós 2016” situa o Rio de Janeiro no

futuro, no momento em que a população carioca se beneficiaria do suposto legado

deixado pelas transformações pelas quais a cidade passara. Logo, funciona como

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argumento para justificar as controversas intervenções urbanas, sociais, econômicas,

pedagógicas e políticas impostas à cidade.

4.2 O Decreto Municipal: a vontade do povo?

No capítulo teórico-metodológico, acentuamos que Maingueneau (2008a) atribui

papel central ao gênero do discurso, pois, defende que entre gênero e discurso há uma

relação intrínseca, dado que aquele define as condições deste.

A partir dessa perspectiva, analisamos o Decreto Municipal nº 31187/200928

(RIO DE JANEIRO), considerando os aspectos definidores de um gênero discursivo, a

saber: um estatuto legítimo entre os parceiros da comunicação; uma finalidade

reconhecida; coordenadas de tempo e espaço definidas; formas de circulação e

organização textual (MAINGUENEAU, 2002). De acordo com o referido pesquisador

(2002, p. 87) “todo discurso, por sua manifestação mesma, pretende convencer

instituindo a cena de enunciação que o legitima” (MAINGUENEAU, 2002, p. 87),

entretanto, a cena instituída não impede ao leitor ou ouvinte de identificar o tipo e o

gênero do discurso.

A cena de enunciação envolve três níveis, a saber: cena englobante, cena

genérica e cenografia. A cena englobante refere-se ao tipo de discurso, como, por

exemplo, religioso, político ou publicitário, atribui ao discurso um estatuto pragmático.

O autor fala sobre os folhetos que recebemos na rua e que reconhecemos de qual

discurso se trata. É a cena englobante que permite ao coenunciador situar-se para em

seguida interpretá-lo, “em nome de quê o referido folheto interpela o leitor, em função

de qual finalidade ele foi organizado” (MAINGUENEAU, 2002, p.86).

A cena genérica corresponde ao gênero ou ao subgênero do discurso que implica

um contexto específico, como, “papéis, circunstâncias [em particular, um modo de

inscrição no espaço e no tempo], um suporte material, uma finalidade, etc.”

(MAINGUENEAU, 2008a, p. 116). Segundo o estudioso, essas duas cenas já são

suficientes para determinar o espaço estável no qual o enunciado ganha sentido, visto

que estabelecem o tipo e o gênero do discurso.

28

Os efeitos do decreto ainda ecoam na gestão de Marcelo Crivella, ou seja, a Língua Inglesa ainda é a

prioridade, entretanto, acreditamos não haver mais a parceria com a Cultura Inglesa, uma vez que, de

acordo com o Portal da Transparência, em 2018 não houve mais o repasse de verbas para a Learning

Factory LTDA, o último repasse, no valor de R$ 4.588.221,30, fora feito em 2017. Informações retiradas

do site: http://riotransparente.rio.rj.gov.br/ Acesso em 12 de abril de 2019.

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A terceira cena é a cenografia com a qual o leitor ou o ouvinte se depara. A

cenografia é a cena de fala que se institui e autoriza a enunciação de um discurso. Não

é imposta pelo tipo ou gênero de discurso, ela se institui pelo próprio discurso. Posto

isso, “a cenografia é ao mesmo tempo a fonte do discurso e aquilo que ele engendra; ela

legitima um enunciado que [...] deve legitimá-la, estabelecendo que essa cenografia

onde nasce a fala é precisamente a cenografia exigida para enunciar como convém”

(MAINGUENEAU, 2002, p. 87-88). Nem todos os gêneros constituem uma cenografia,

limitam-se a sua cena genérica, o que não impede a produção dos efeitos de sentido e a

compreensão da imagem que se constrói do enunciador. O decreto e a circular são

exemplos de gêneros que não instituem uma cenografia, expressam-se por meio da cena

englobante e da cena genérica.

O decreto situa-se no campo das práticas jurídicas, sendo prerrogativa do chefe

do executivo – prefeitos, governadores, presidentes – enunciá-lo. É relevante destacar

que o decreto não é submetido a um processo legislativo29

assim como as leis. O

processo legislativo consiste na sucessão de atos realizados para produção de normas

jurídicas, entre esses atos, estão a apresentação e a discussão do projeto de lei na casa

legislativa, seguida da sanção do Poder Executivo que transforma em lei o projeto de lei

aprovado pelo Poder Legislativo.

Posto isto, podemos dizer que o decreto exprime a vontade singular de um

governo, não considerando, de certa forma, a vontade do povo e sujeitando-lhe a suas

deliberações. Ao optar por decretos, podemos estabelecer uma relação comparativa

entre os atuais soberanos e Édipo que, de acordo com Foucault (2012, p.45), “é aquele

que não dá importância às leis e que as substitui por suas vontades e suas ordens”.

Segundo Deusdará e Rocha (2013, p. 128), “a organização textual de um

documento, seu modo de se apropriar do código linguageiro, os rituais ativados em sua

própria enunciação nos remetem ao exercício da soberania”, nesse caso, quem tem

legitimidade para exercer a soberania e enunciar o Decreto Municipal 31187/2009 (RIO

DE JANEIRO, 2009) é o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, à época, Eduardo Paes.

Esse gênero destaca-se pela rigidez de sua organização textual, consoante com

os ritos e as prescrições da ordem constitucional vigente, apesar disso, não nos impede

de observar os enunciados que o atravessam e assim dar visibilidade aos discursos que

29 Definição de acordo com Glossário do Portal da Câmara dos Deputados, disponível em

https://www2.camara.leg.br/glossario/arquivos/glossario-em-formato-pdf. Acesso em 03 de janeiro de

2019.

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fundamentam e sustentam o que se institui por meio dessa enunciação. O decreto está

constituído pelas seguintes partes: preliminar, normativa e final, por sua vez, estas

apresentam suas subdivisões (BRASIL, 2012).

A parte preliminar é composta pela epígrafe, pela ementa e pelo preâmbulo. A

parte normativa engloba o conteúdo normativo propriamente dito. E a parte final é

composta pela cláusula de vigência e o fecho. Apresentamos o decreto, seus elos

constituintes e tecemos nossa análise.

Com vistas a facilitar a condução do processo analítico, dividiremos a parte

preliminar em dois momentos, um no qual constará a epígrafe e a ementa e o outro, o

preâmbulo.

Parte preliminar

Epígrafe Decreto nº 31187, de 06 de outubro de 2009.

Ementa Cria o Programa Rio Criança Global no âmbito da Secretaria Municipal

de Educação

A ementa do decreto antecipa seu conteúdo, a saber, a criação do Programa Rio

Criança Global. Na sequência, o enunciador do texto assume a terceira pessoa,

apresentado através do sintagma “o prefeito da cidade do Rio de Janeiro”. Reforça sua

autoridade legal para expedir esse decreto com referências ao sintagma “legislações em

vigor”. A ausência das marcas de subjetividade não nos impede de compreender o ethos

que se constrói desse enunciador, nas palavras de Maingueneau (2008a, p.69), “o que

pode ser um ethos de um enunciado [...] que não mostra a presença do enunciador?”.

Um gênero põe em evidência coenunciadores em relação. No decreto, observa-

se um enunciador autorizado: o prefeito da cidade carioca, no entanto, não há marcas

explícitas do coenunciador, o que institui um sentido de que o decreto deva ser de

conhecimento de todos, de toda a população carioca, isto é, espera-se que todos tenham

a possibilidade de acesso.

À continuação, antes do sintagma verbal “Decreta” que ressalta a posição do

enunciador em relação a esse ato, há uma série de considerandos. Para Lopes (2016) o

considerando é uma espécie de causa justificativa que se emprega quando a legalidade é

de grande importância para o setor que regula ou quando traduz grandes reformas ou

provoca um grande impacto na opinião pública. A pesquisadora acrescenta que os

“‘considerandos’ são argumentos que manifestam fatos, acontecimentos sociais,

políticos, econômicos e culturais, isto é, acontecimentos exteriores, cuja relevância

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social embasa a implementação do decreto” (LOPES, 2016, p.72). Os considerandos

sucedem a ementa e localizam-se na seção intitulada Preâmbulo, como veremos a

seguir.

Preâmbulo O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso das

atribuições que lhe são conferidas pela legislação em vigor e

CONSIDERANDO que a Cidade do Rio de Janeiro sediará os Jogos

Olímpicos e Paraolímpicos no ano de 2016;

CONSIDERANDO que no ano de 2016, com a realização das

Olimpíadas, a Cidade do Rio de Janeiro receberá turistas de todo o

mundo, o que propiciará a convivência com diversas culturas;

CONSIDERANDO que uma das características do mundo contemporâneo

é o estreitamento de culturas, por intermédio da disseminação do saber, da

arte, da tecnologia, da comunicação e dos esportes;

CONSIDERANDO que a aprendizagem da Língua Estrangeira não se

resume, apenas, no domínio de habilidades a partir de um inventário de

estruturas linguísticas, mas envolve, também, a apropriação de novos

olhares sobre o mundo que nos cerca, envolvendo diferentes culturas e

dizeres;

CONSIDERANDO que o enfoque adotado pela Secretaria Municipal de

Educação, compreende a linguagem como uma forma de apropriar-se de

práticas discursivas na Língua Estrangeira, especialmente, o idioma

inglês;

DECRETA:

Como se observa nos considerandos iniciais, o primeiro argumento que se utiliza

para justificar a instituição do PRCG é a realização dos Jogos Olímpicos e

Paraolímpicos de 2016, o que ressalta a importância dada a esses eventos. Essa

referência ao futuro da cidade não está presente apenas no decreto, conforme

apresentamos no subcapítulo 4.1 desta dissertação, é retomado também em outros

documentos institucionais, como na “Carta do Prefeito”, capítulo de abertura dos Planos

Estratégicos de 2009 e de 2013. Constrói-se uma cenografia futurista que situa o Rio de

Janeiro no ano de 2016, funcionando assim como uma prerrogativa que fundamenta as

práticas de governo da gestão que esteve à frente da Prefeitura, entre os anos de 2009 a

2016.

Dessa forma, o enunciador vai deixando marcas em seu dizer que salientam o

entrelaçamento entre esses eventos esportivos e as intervenções pedagógicas, políticas,

urbanas, sociais, econômicas praticadas na cidade.

Nos considerandos seguintes, as justificativas pautam a relevância do ensino de

Línguas Estrangeiras desde a perspectiva dos objetivos educacionais desse componente

curricular, referendados em documentos oficiais tanto os que circulam na esfera

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municipal quanto os que circulam na esfera federal. No âmbito federal, citamos os

Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), as Orientações Curriculares para o Ensino

Médio (2006) e no âmbito municipal, a Multieducação – Núcleo Curricular Básico

(1996, 2008a), as Orientações Curriculares de Língua Estrangeira (2010) e as

Orientações Curriculares Revisitadas de Língua Inglesa (2012).

Ecoa uma concepção de ensino de Língua Estrangeira que aponta para uma

formação cidadã, crítica, consciente dessa “criança global”, situada historicamente em

um mundo e em um tempo marcados pela aproximação com outras culturas. Tal

compreensão não se inaugura com a promulgação do decreto já estava presente na

proposta educacional da Rede Municipal, materializada no documento intitulado

“Multieducação: Núcleo Curricular Básico”, de 1996, na seção dedicada às Línguas

Estrangeiras, como podemos perceber no seguinte fragmento “uma das características

do mundo contemporâneo é o estreitamento de culturas, através da disseminação do

saber, da arte e da tecnologia, através da comunicação, cada vez mais facilitada e

ampliada entre os povos” (RIO DE JANEIRO, 1996, p. 163).

Ao enfatizar que a aprendizagem de uma Língua Estrangeira não se deve limitar

à aquisição de estruturas linguísticas, ao contrário, deve proporcionar aos educandos

apropriar-se de práticas discursivas no idioma estudado, o enunciador corrobora sua

anuência à perspectiva de ensino de Língua Estrangeira que vinha sendo praticada nas

escolas municipais cariocas. Na versão atualizada do “Multieducação: O Ensino de

Línguas Estrangeiras – Série Temas em Debate”, de 2008, e contemporâneo à

promulgação do decreto, nota-se que a linguagem é compreendida como um fenômeno

social e histórico, afastando-se de visões estruturalistas que concebem a língua como

um sistema regular, estável e desvinculado de contextos e sujeitos.

No último considerando, reforça-se essa concepção de linguagem que respalda o

ensino de Língua Estrangeira nessa rede e acrescenta que esta deva ser em particular a

Língua Inglesa. No entanto, ao empregar o sintagma adverbial “especialmente”, o

enunciador não exclui a continuação da oferta dos outros idiomas presentes nas escolas

municipais, como o Espanhol e o Francês, a princípio, não se contrapondo às

legislações em vigor, como a LDB 9394/1996 (BRASIL, 1996) e a Lei municipal

2939/1999 (RIO DE JANEIRO, 1999). Aquela, à época da promulgação do decreto

municipal, em seu artigo 26, previa a inclusão de pelo menos uma Língua Estrangeira a

partir do atual 6º ano, condicionada à escolha da comunidade escolar e de acordo com

as possibilidades da instituição. E esta determinara a oferta da Língua Espanhola em

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todos os anos do segundo segmento do Ensino Fundamental nas escolas municipais

cariocas. É relevante destacar que esta lei não fora regulamentada, ou seja, não há um

ato normativo30

que defina como deveria ser posta em prática no interior das escolas

municipais.

Com base nas justificativas apresentadas, podemos dizer que o PRCG se

sustenta por discursos que defendem um ensino de Língua Estrangeira pautado na

pluralidade linguística e cultural, dialogando assim com a política linguística que

caracteriza a Rede Municipal de Ensino carioca. Inclusive, a referência ao termo

“global” no sintagma nominal “criança global” corrobora esse sentido de multiplicidade

que se atribui ao programa.

Seguida a sequência de considerandos, está o sintagma verbal “Decreta” que

marca a posição do enunciador em relação a esse ato enunciativo, ou seja, é quem tem a

legitimidade para agir sobre seu coenunciador e sobre o mundo circundante

(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2016). É um exemplo de um enunciado

performativo cuja característica é realizar o ato que ele denota, nesse caso, promulgar

uma norma. A norma esta disposta na seção subsequente do decreto, intitulada parte

normativa.

Parte normativa

Art. 1º Fica criado, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, o Programa Rio

Criança Global, que tem por objetivo ampliar, para todos os anos do Ensino

Fundamental, o ensino da Língua Inglesa nas unidades escolares da Rede Pública

Municipal de Ensino, com enfoque na conversação.

Art. 2º O Programa a que se reporta o artigo 1º será implementado gradualmente, a

partir do ano de 2010, da seguinte forma:

I – em 2010: 1º ao 3º ano;

II – 2011: inclui-se o 4º ano;

III – 2012: inclui-se o 5º ano;

V – 2013: inclui-se o 6º ano;

VI – 2014: inclui-se o 7º ano;

VII – 2015: inclui-se o 8º ano;

VIII – 2016: inclui-se o 9º ano.

Art. 3º Nas unidades escolares do Programa Escolas do Amanhã, além das atividades

desenvolvidas no horário normal, deverá haver reforço do ensino da Língua Inglesa,

no contraturno, duas vezes por semana, em diferentes níveis de complexidade (Básico,

Intermediário e Avançado).

Como se observa no conteúdo normativo, o decreto é composto por três artigos.

E nesses artigos, encontram-se verbos conjugados no futuro do presente do indicativo –

30

De acordo com Carvalho Filho (2015), o ato normativo é uma das cinco modalidades de ato

administrativo, de caráter geral e abstrato, viabiliza o cumprimento das leis.

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“será implementado” e “deverá haver” - que denotam atividades cujo desenvolvimento

se considera certo a partir da publicação do ato normativo. Posto isto, as coordenadas

temporais constituídas fazem ver um presente, no qual o decreto é anunciado, e um

futuro, no qual as ações prenunciadas pelo decreto começam a entrar em vigor.

As ações em questão remetem-se, principalmente, ao objetivo do programa, isto

é, à ampliação da oferta da Língua Inglesa em todos os anos de escolaridade do Ensino

Fundamental, do 1º ao 9º ano e o seu processo de implantação nos referidos anos de

escolaridade que findaria no ano em que ocorreria o último megaevento esportivo

sediado no Rio de Janeiro.

É relevante pontuar que o sintagma nominal “Língua Estrangeira” mencionado

algumas vezes na sequência de considerandos presente na seção preliminar do decreto;

na parte normativa, é reformulado e passa a designar “Língua Inglesa”, o que promove

um distanciamento da pluralidade linguística e cultural sinalizadas anteriormente.

Desse modo, o conteúdo normativo rompe com a pluralidade e singulariza o

termo “global” que passa a significar única e exclusivamente a Língua Inglesa.

Instituindo na Rede Municipal de Ensino carioca uma reconfiguração na política

linguística de ensino de Línguas Estrangeiras, na qual o prefixo “pluri” de

plurilinguismo desliza para o prefixo “mono” de monolinguismo.

Percebe-se também um deslocamento na concepção de ensino de Língua

Estrangeira em relação ao que se observa na primeira parte do decreto, visto que a

norma “sugere” um ensino da Língua Inglesa com ênfase na conversação. A alusão ao

termo “conversação” causa um estranhamento, dado que em documentos oficiais –

municipais e federais - sobre o ensino de Línguas Estrangeiras, para referir-se à

oralidade, é comum a menção à competência oral ou, até mesmo, habilidade oral,

conforme se verifica nas Orientações Curriculares de Língua Estrangeira, de 2010, da

SME/RJ:

As orientações se baseiam em um tripé: o eixo socioeducacional, com ênfase

nos aspectos culturais e sociolinguísticos relacionados à língua estrangeira; o

eixo sociocognitivo, que enfoca o desenvolvimento de estratégias

relacionadas às habilidades – leitura, principalmente, oralidade (produção e

compreensão) e aspectos básicos da escrita – e o eixo linguístico, que trata

dos elementos da língua em si – léxico e gramática – que emergem das

práticas discursivas promovidas (RIO DE JANEIRO, 2010, p.06. Grifo

nosso).

A referência ao termo “conversação” situa o ensino de Línguas Estrangeiras em

outro espaço educacional que não é o das escolas regulares que compõem a Educação

Básica, mas, em específico, os cursos de idiomas. Nesses estabelecimentos de ensino, os

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objetivos da aprendizagem de uma Língua Estrangeira não são semelhantes aos

objetivos estabelecidos para as escolas regulares, onde o valor educacional da

aprendizagem de uma Língua Estrangeira vai além de meramente capacitar o aprendiz a

usar um idioma para fins comunicativos. Há outros compromissos a serem cumpridos,

como contribuir com a formação integral dos educandos. Quando se estabelece uma

correlação entre Língua Inglesa e conversação, observa-se que o enunciador fala sobre o

ensino desse idioma a partir de outra perspectiva, perspectiva esta que compreende a

língua como uma ferramenta para a comunicação; como já salientado, marcando um

posicionamento distinto do apresentado nas causas justificativas do decreto.

Assim, pode-se destacar que o ato normativo é atravessado por discursos de

formações discursivas distintas, sinalizando uma disputa por sentidos sobre o ensino de

Línguas Estrangeiras. Retomando o apresentado no capítulo teórico-metodológico,

entende-se por formação discursiva o princípio de dispersão e de repartição dos

enunciados (FOUCAULT, 2008) segundo o qual se “sabe” o que pode e o deve ser dito,

considerando determinado campo e de acordo com certa posição que se ocupa nesse

campo. Por sua vez, o filósofo define discurso como “conjunto de enunciados, na

medida em que se apoiem na mesma formação discursiva” (FOUCAULT, 2008, p.

132). Os discursos não se justificam por si mesmos, manifestam-se dentro de um campo

enunciativo no qual se constroem.

Dito isso, na primeira parte do decreto, notamos que há enunciados que nos

remetem a discursos sobre ensino de Línguas Estrangeiras pautados na plurilinguismo e

na concepção de língua como um fenômeno social e historicamente situado, isto é,

consoante com uma formação discursiva que contempla uma educação emancipadora,

voltada para a formação de cidadãos engajados social e discursivamente, ponderada nos

documentos oficiais.

Em contrapartida na parte normativa, onde se concentra a ordem jurídica,

destacam-se enunciados que se reportam a discursos que defendem o monolinguismo e

a concepção de língua como um instrumento que propiciaria a comunicação em outro

idioma. Esse discurso assume um valor de verdade, estabelece-se e sustenta o modo

como deveria ser abordado o ensino da Língua Inglesa a partir desse momento, nas

escolas municipais cariocas, onde os espaços para a coexistência na matriz curricular

das outras línguas, como a Língua Espanhola e a Língua Francesa, foram sendo

limitados.

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O ensino da Língua Inglesa nas escolas municipais “passa a contar” com a

parceria da Cultura Inglesa, um curso de idiomas privado que fica responsável por

selecionar e “capacitar” os docentes e elaborar o material didático para os alunos e

outros materiais pedagógicos para os professores. Oliveira (2017, p. 34) pondera que a

parceria com essa escola de idiomas, “renomada e tradicional”, “faz com que os seus

interlocutores acreditem que isso é algo positivo e que agora os alunos terão a chance de

aprender inglês ‘de verdade’”. O que reforça discursos do senso comum de que não se

aprende inglês, ou qualquer outro idioma, nas escolas regulares.

A mencionada pesquisadora (2017) afirma que, de acordo com a apresentação

institucional da editora Leaning Factory, no que tange à capacitação do aluno, concebe-

se a comunicação oral em inglês com vistas à preparação para o mundo globalizado e

para a inserção do mercado de trabalho. Ressaltamos mais uma vez que os objetivos

pedagógicos, em relação à Língua Estrangeira, em uma escola regular e uma escola de

idiomas são totalmente distintos. Conforme podemos observar no seguinte fragmento

dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCN-LE), (BRASIL,

1998), documento contemporâneo à promulgação do decreto:

A aprendizagem de Língua Estrangeira é uma possibilidade de aumentar a

autopercepção do aluno como ser humano e como cidadão. Por esse motivo,

ela deve centrar-se no engajamento discursivo do aprendiz, ou seja, em sua

capacidade de se engajar e engajar outros no discurso de modo a poder agir

no mundo social (BRASIL, 1998, p.15).

Oliveira (2017) destaca também que as alterações promovidas nas Orientações

Curriculares da SME/RJ, em 2012, inclusive, pelo fato de ter sido voltada só para a

Língua Inglesa, foram modificadas em função da entrada do curso de idiomas no ensino

de inglês e que houve uma assimilação das práticas tradicionais comuns ao contexto de

cursos livres nos espaços das escolas municipais cariocas. Nessas Orientações

Curriculares, “a maneira como o ensino do inglês é dignificado, nos remete a um

discurso que circula de forma naturalizada que afirma ser o inglês uma língua franca”

(OLIVEIRA, 2017, p. 38).

Como se observa a imagem de “criança global” que se constrói na parte

preliminar do decreto não é a mesma construída em seu conteúdo normativo; enquanto

aquela circulava por diversas culturas, línguas e povos, a esta se lhe impõe a Língua

Inglesa, a dita língua franca, considerada como o idioma que atende a expectativas da

globalização.

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Assis-Peterson e Cox (2007) afirmam que junto com a expansão da Língua

Inglesa também se expande um conjunto de discursos que promovem

concomitantemente ideais do Ocidente e da modernidade, como progresso, liberalismo,

capitalismo, democracia, dentre outros. Corroborando assim essa “verdade” que se

constitui discursivamente, isto é, que a Língua Inglesa é a língua global. “Verdade” esta

que só pôde ser afirmada e veiculada porque está amarrada às dinâmicas de poder e de

saber da época em que se constitui e às condições históricas e sociais que possibilitam a

emergência desse discurso. Não é incomum observar a reverberação desse enunciado,

do inglês como a língua franca no discurso midiático, no próprio discurso educacional

(em alguns setores da educação), no discurso do senso comum, em outros espaços

discursivos.

Para Foucault (2013, p. 231), há uma relação intrínseca entre saber-poder, “não é

possível que o poder se exerça sem saber, não é possível que o saber engendre não

poder”. Assim, em relação ao decreto municipal analisado, ao mesmo tempo em que o

discurso jurídico veicula um saber institucional sobre o ensino Língua Inglesa, exerce

poder sobre as escolas municipais cariocas, ou melhor, exerce uma ação sobre ações

que, por sua vez, acaba por estabelecer uma reconfiguração no ensino das Línguas

Estrangeiras nas escolas da SME/RJ, impondo a oferta desse idioma.

Siqueira (2011), retomando a Phillipson (1992), advoga sobre a necessidade de

romper com essa tendência de atribuir à Língua Inglesa o status de única capaz de servir

aos propósitos da modernidade, pois, só reforça uma ideologia dominante e uma

aceitação da ordem global, política e econômica a que o idioma serve, definida por

Santos (2002), como globalização hegemônica.

O pesquisador adverte que atualmente há um debate em torno de uma questão:

há uma globalização ou várias. Advoga haver a globalização hegemônica, sustentada

pelo consenso econômico neoliberal, e a globalização contra-hegemônica. Defende que

a globalização dominante ou hegemônica não melhora o nível de vida da grande maioria

da população mundial, ao contrário, aumenta as desigualdades entre os países ricos e

pobres; pauta o desenvolvimento de uma nação atrelado ao crescimento econômico e à

competitividade a nível global; impõe a agenda neoliberal aos países periféricos e

semiperiféricos como condições para renegociação de dívidas; liberaliza o mercado de

trabalho, reduzindo os direitos liberais, enfim, medidas que beneficiam a um grupo bem

específico, como às empresas multinacionais e aos grandes conglomerados econômicos.

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Em compensação, a globalização contra-hegemônica surge como resistência.

Suas ações residem “na promoção das economias locais e comunitárias, economias de

pequena-escala, diversificadas, autossustentáveis, ligadas a forças exteriores, mas não

dependentes delas” (SANTOS, 2002, p. 72). Desse modo, em uma economia e em uma

cultura desterritorializada, reterritorializar é a resposta contra os malefícios impostos

por uma globalização hegemônica, o que significa redescobrir e inventar atividades

produtivas de aproximação. Esse entendimento promove identificação, criação e

promoção de inúmeras iniciativas locais em todo o mundo, que o pesquisador chama de

localização, ou seja:

conjunto de iniciativas que visam a criar ou manter espaços de sociabilidade

de pequena escala, comunitários, assentes em relações face-a-face, orientados

para a autossustentabilidade e regidos por lógicas cooperativas e

participativas (SANTOS, 2002, p.72).

Essas propostas de localização não denotam um fechamento isolacionista,

apenas, referem-se a medidas de proteção contra as investidas predadoras da

globalização neoliberal. Com esse paradigma, o estudioso não defende ou propõe recusa

de resistências globais ou translocais, mas põe em relevo a promoção das sociabilidades

locais. Da mesma forma que o global acontece localmente, sugere que o local contra-

hegemônica aconteça globalmente. Logo, compreendemos que a globalização contra-

hegemônica proposta por Santos (2002) luta pela transformação de trocas desiguais,

promovidas pela globalização neoliberal, em trocas de autoridade partilhada. Nas

palavras de Santos:

no campo das práticas capitalistas globais, a transformação contra-

hegemônica consiste na globalização das lutas que tornem possível a

distribuição democrática da riqueza, ou seja, uma distribuição assente em

direitos de cidadania, individuais e coletivas, aplicados transnacionalmente

(SANTOS, 2002, p. 75).

Pensar a globalização a partir da perspectiva contra-hegemônica, parece-nos que

sugere uma reterritorialização da Língua Inglesa, ou seja, nesse contexto, não há espaço

para a predileção por uma única língua e cultura estrangeiras, todas teriam seu grau de

importância e de relevância no cenário mundial. Considerando que a transformação

contra-hegemônica propõe a construção de multiculturalismo emancipatório, ou seja,

“na construção democrática das regras de reconhecimento recíproco ente identidades e

entre culturas distintas” (SANTOS, 2002, p. 75).

No decreto em análise, como temos visto, o que ocorre é justamente o contrário,

isto é, a Língua Inglesa se sobrepõe as outras Línguas Estrangeiras ofertadas nas escolas

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municipais cariocas. Desnaturalizar os discursos que autorizam essa sobreposição é

justamente o objetivo de nossa investigação.

É preciso enfatizar que com essa imposição legislações, como a LDB 9394/1996

(BRASIL, 1996) e a Lei municipal 2939/1999 (RIO DE JANEIRO, 1999),

aparentemente respeitadas no preâmbulo do decreto, acabaram sendo invisibilizadas e

ignoradas em seu conteúdo normativo. Percebe-se, então, no interior do ato normativo

um conflito discursivo, com posicionamentos bastante divergentes, entretanto, um

discurso se impõe, alterando as práticas pedagógicas instituídas até a enunciação do ato

normativo. Para mais de que o decreto “sugere” uma configuração no ensino das

Línguas Estrangeiras, em âmbito municipal, não prevista na LDB, na legislação

nacional, que, a posteriori, passa a definir a Língua Estrangeira a ser ensinada nas

escolas regulares, por intermédio das alterações suscitadas pela Lei nº 13415/2017

(BRASIL, 2017).

Conforme já ponderamos, o decreto não possibilita a instituição de uma

cenografia discursiva, é definido pela cena englobante – discurso jurídico - e pela cena

genérica que legitimam o enunciado e estabelecem que é a cena requerida para enunciar

nessa circunstância. A partir da cena instituída, é possível especificar e validar o ethos

que, nesse caso, remete-nos a imagem de um soberano que impõe sua vontade, mas que,

por meio da enunciação, deixa antever que sua decisão não é homogênea, uniforme, é

marcada por polêmicas e atravessada por enfrentamentos discursivos. Tendo em vista

que, como busca “adesão” ao programa, não apaga completamente os sentidos de

Língua Estrangeira instituídos nos documentos oficiais.

Em relação à etapa final do decreto, o fechamento dá-se da seguinte forma:

Parte final

Cláusula

de

vigência

Art. 4.º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.

Fecho Rio de Janeiro, 06 de outubro de 2009.

EDUARDO PAES

D.O.RIO de 07.10.2009

Reparam-se menções às coordenadas temporal e espacial. A expressão de local e

data da assinatura do decreto – “Rio de Janeiro, 06 de outubro de 2009” – juntamente

com a forma verbal “Decreta”, no presente do indicativo, localizada na seção inicial do

ato normativo, indicam o momento da enunciação, situada a partir de um encadeamento

histórico que abrange uma sucessão de pontos cronológicos. Deusdará e Rocha (2013,

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p.129) afirmam que “o presente da enunciação é um desses pontos em certa linearidade

histórica oficial”. A coordenada espacial é apontada pela referência à cidade do Rio de

Janeiro, que aparece antes da data de assinatura do decreto, reforçando assim que o

coenunciador desse ato enunciativo é a população carioca.

E para finalizar, aparece a data 07 de outubro de 2009, antecedida pela sigla D.O

RIO, que significa Diário Oficial do Rio de Janeiro. Segundo os referidos

pesquisadores, o decreto após ser assinado pelo prefeito, deve ser encaminhado para a

publicação no Diário Oficial do município, procedimento que se constitui como parte do

ritual de expedição de um ato ordinatório como esse e que o delimita a um contexto

específico de circulação.

Dito isto, retomamos aqui a performatividade atribuída ao sintagma verbal

“Decreta”. De acordo com Charaudeau e Maingueneau (2016), apoiando-se na Teoria

dos “Speech Acts” de Austin, o próprio ato de falar é uma forma e um meio de ação, ou

seja, ações se efetivam por meio da linguagem. Os enunciados31

que têm a propriedade

de, em condições propícias, realizar o ato que eles salientam, “isto é, ‘fazer’ qualquer

coisa pelo simples fato do ‘dizer’: enunciar”, são chamados de enunciados

performativos (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2016, p.72).

Desse modo, o enunciador ao dizer “Decreta”, realiza um ato, pratica uma ação;

no caso do texto legal analisado, a promulgação da criação do Programa Rio Criança

Global. Embora “Decreta” seja um mesmo ato de linguagem, pode receber distintas

realizações, uma vez que, de acordo com os autores (CHARAUDEAU;

MAINGUENEAU, 2016, p. 74), a abordagem interacionista agregou contribuições à

noção de ato de linguagem, uma delas refere-se ao fato que como “um enunciado se

destina a vários destinatários, ele pode muito bem estar carregado de diferentes valores

para esses destinatários”. Considerando que no conjunto da população carioca –

coenunciador do decreto – podemos incluir os pais de alunos das escolas municipais

cariocas, os estudantes, os professores de outras disciplinas, os professores da Língua

Inglesa e das demais Línguas Estrangeiras, a Cultura Inglesa entre outros, de fato, há

distintas realizações.

Ademais, ao ponderar os enunciados como atos, admite-se que são realizados

para não apenas agir sobre o outro, mas também para levá-los a reagir, nesse caso, a

31

Esclarecemos que nesses fragmentos que nos remetendo aos atos de linguagem, entendemos

enunciados como frases. Logo, não há nenhuma relação com a definição de enunciado da perspectiva

foucaultiana.

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reação esperada é que se acate a ordem jurídica, a saber, a criação do PRCG que amplia

a oferta da Língua Inglesa para todos os anos de escolaridade do Ensino Fundamental.

Como já vimos debatendo, a promulgação do Decreto Municipal nº 31187/2009

(RIO DE JANEIRO) instaurou o Programa Rio Criança Global que altera práticas já

instituídas. Contudo, faz-se relevante refletir um pouco mais sobre esse acontecimento

discursivo que inaugura essa reformulação no oferecimento das Línguas Estrangeiras

nas escolas municipais cariocas, deslocando o ensino de línguas de uma perspectiva

plurilíngue para uma perspectiva monolíngue.

Posto isto, retomamos algumas considerações do pensamento foucaultiano para

conduzir nossa reflexão. Ao filósofo interessava-lhe o discurso, apreendido como um

acontecimento num dado momento. Logo, sua preocupação consistia em compreender

por que determinados enunciados, entendidos como a unidade elementar do discurso,

foram produzidos e qual o contexto em que esses mesmos enunciados apareciam.

O enunciado não é uma unidade do mesmo gênero da frase, da proposição ou do

ato de linguagem, ele é e está dentro de um campo de relações de vários outros

enunciados e dentro de um jogo de regras que o determinam, propiciando sua

emergência (FOUCAULT, 2008).

A partir do exposto, a produção dos enunciados, que sustentaram a

predominância do ensino da Língua Inglesa no âmbito da SME/RJ, não se deu de forma

isolada, antes estava ancorada nas condições de existência de outros sistemas de

enunciados que atravessaram o conjunto das políticas educacionais implantadas nessa

rede, entre os anos de 2009 a 2016.

Buscando compreender essas condições de existência, estabelecemos relações de

sentido entre o PRCG e a Peça publicitária32

da Prefeitura do Rio, veiculada no jornal

“O Globo”, em 08 de dezembro de 2014, esse enunciado será analisado no próximo

subcapítulo.

32 A publicidade na íntegra está reproduzida nos anexos do trabalho. Disponível em

https://educacao.uol.com.br/noticias/2014/12/09/prefeitura-do-rio-compara-escola-a-fabrica-e-gera-

criticas-no-facebook.htm. Acesso em 01 de março de 2019.

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4.3 A Peça Publicitária: é uma fábrica ou uma escola?

Analisamos a Peça Publicitária da Prefeitura do Rio, recorrendo ao conceito de

cena englobante, cena genérica e cenografia. Como dissemos ao início da seção, na

instituição de cenas enunciativas, alguns gêneros discursivos recorrem apenas às cenas

englobante e genérica. Em contrapartida, segundo Maingueneau (2008a, p. 70), outros

gêneros exigem escolhas de uma cenografia, como “é o caso dos gêneros literários,

filosóficos, publicitários (há propagandas que apresentam cenografias de conversação,

outras, de discurso científico etc)”.

O pesquisador salienta que a cenografia não deve ser compreendida como algo

semelhante a um elemento decorativo, dado a priori, independente do discurso que o

constitui. A cenografia é origem e produto do discurso, legitima um enunciado e,

concomitantemente, estabelece que essa é a cenografia requerida para contar uma

história, para denunciar uma injustiça, dentre outros. Assim, longe de uma relação

hierarquizante, as três cenas dialogam entre si e articulam-se, desencadeando um

processo de legitimação mútua entre cenografia e enunciação, denominado

entrelaçamento paradoxal. Nas palavras de Maingueneau, “quanto mais o coenunciador

avança no texto, mais ele deve se persuadir de que é aquela cenografia, e nenhuma

outra, que corresponde ao mundo configurado pelo discurso” (MAINGUENEAU,

2008a, p. 118). À continuação, passemos à análise da peça publicitária.

Figura 01: Fragmento da Peça Publicitária da Prefeitura do Rio de Janeiro

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No que tange à cena englobante, temos o discurso governamental no qual o

governo municipal carioca seria o enunciador institucional e busca promover o

programa Fábrica de Escolas do Amanhã, responsável pela fabricação de estruturas pré-

moldadas para a construção de novas escolas, pelo armazenamento e pela distribuição

de material para as unidades da rede de ensino. O discurso governamental se apresenta

sob a forma do gênero publicidade impressa que, por sua vez, fora publicada somente

no jornal “O Globo”, esta é, pois, a cena genérica que funciona como normas e suscita

expectativas. Por intermédio da cena genérica, o enunciador promove a ideia de que

quanto mais escolas construídas mais educação haverá na cidade, ao mesmo tempo,

busca a adesão de seu coenunciador uma vez que, embora não haja marcas de uma

interpelação direta, recorre a um gênero discursivo cuja função social é persuadir,

convencer o outro acerca de um determinado ponto de vista. Pontuamos que construir

escolas é fundamental para permitir o acesso democrático à educação escolar, no

entanto, ressaltamos que esta não se reduz nem se limita apenas a ampliação da

estrutura física; é preciso muito mais para se garantir mais educação à população, é

preciso que seja uma educação de qualidade que liberta e não aprisiona.

Em relação à estrutura composicional, nota-se a imbricação característica do

gênero publicidade entre a linguagem verbal e a não-verbal. Há um slogan “Nossa linha

de produção é simples: construímos escolas, formamos cidadãos e criamos futuros.

Fábrica de escolas do amanhã. Mais educação para o Rio de Janeiro” e uma imagem

central com a qual se relaciona. A imagem, ao mesmo tempo, em que se assemelha a

uma fábrica ou indústria por conta da presença da esteira mecânica, se distancia, uma

vez que, ao invés de produtos tipicamente fabris ou industriais, há crianças

aparentemente uniformizadas sentadas, ordenadamente, em carteiras tipicamente

escolares e com canetas e papéis sobre elas. Ainda que estejam faltando elementos que

integram uma sala de aula real, como o professor, o quadro negro ou quadro branco, os

armários, os murais; há mais componentes que remetem a um ambiente escolar que um

espaço fabril.

Compondo a publicidade, abaixo da esteira de linha de produção, há um texto

acompanhando uma foto, devido à qualidade da resolução da imagem não é possível lê-

lo, isto posto, não nos ateremos a ele, o que de certa forma não prejudica nossa análise,

haja vista que a imagem central e o slogan já são suficientes para a reflexão que aqui

nos propomos.

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Como já dissemos as três cenas enunciativas complementam-se e interpenetram-

se, dessa forma, temos um discurso governamental que se materializou na forma de uma

peça publicitária cuja cenografia instituída equipara a escola a um setor de produção

fabril, um departamento que costuma ser socialmente desvalorizado. A escola, nesse

caso, fabrica pessoas como se objetos fossem, todos em um mesmo padrão.

Maingueneau (2015, p. 123) ressalta que “a cenografia se apoia na ideia de que o

enunciador, por meio da enunciação, organiza a situação a partir da qual pretende

enunciar”. O enunciador, ao estabelecer essa relação, salienta, portanto, certo discurso

sobre uma concepção de educação focada na formação do educando para o desempenho

de destrezas, inversamente oposta ao que propunha Paulo Freire, isto é, “uma prática

educativo-progressiva em favor da autonomia dos educandos” (FREIRE, 1996, p. 14).

É preciso retomar que a representação da esteira mecânica exibida no enunciado

remete-nos aos modelos de produção capitalista surgidos no século XX, conhecidos

como modelo taylorista/fordista que previa a produção em massa e em série, a fim de

elevar a capacidade de produtividade e gerar mais lucratividade para os detentores dos

meios de produção. Embora Castro (2011) advirta que, no final dos anos de 1960 e o

início dos anos de1970, esse modelo de produção já não tenha conseguido atender tanto

aos interesses do capital e tenha se recorrido a outras formas de concepção de produção,

consideramos relevante para a compreensão dos efeitos de sentido produzidos na

publicidade analisada apresentar o conceito de taylorismo e de fordismo.

Castro (2011) define o taylorismo como um sistema de gestão produtiva

fundamentado na especialização do operário a partir da fragmentação de tarefas para

elevar os níveis de produção industrial. No entanto, essa forma de produzir faz com que

o trabalhador perca a intimidade com o seu trabalho, limitando-se assim sua autonomia

e criatividade. Freitas (2010, p. 59) corrobora que “o ideal Taylorista é o trabalho

uniforme, no qual as singularidades do trabalhador, suas preferências e opiniões são

ignoradas”.

Paralelamente à consolidação do taylorismo, surge o fordismo que “pregava a

verticalização das estruturas produtivas e sustentava-se em dois pilares principais: o uso

da tecnologia e a adoção dos princípios tayloristas” (CASTRO, 2011, p. 03). O

fordismo não expressou somente um determinado tipo de gestão industrial ou a opção

pela a produção em larga escala, Ponte (2014), retomando Tremblay (1996), adverte que

esse modelo de produção implica também certa regulação social e política dos

consumidores. Como visto o fordismo não ficou restrito à esfera empresarial, expandiu-

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se na organização social, assim, nas palavras de Ponte (2015, p. 113-114), a produção

de massa significava também “a) consumo de massa; b) novo sistema de reprodução da

força de trabalho; c) nova política de controle e gerência do trabalho; d) nova estética;

e) nova psicologia”. O que levou a constituir um novo tipo de sociedade, “democrática,

racionalizada, modernista e populista” (PONTE, 2015, p. 114).

Retomando a publicidade, o enunciador iguala o processo educativo dos

estudantes à produção de objetos em série e em larga escala, fundamentada no modelo

taylorista/fordista que surgiu com o propósito de atender às demandas da época, do

capitalismo e do liberalismo econômico. Representar os alunos, apesar de socialmente

diversos, deslocando-se sob uma esteira mecânica, aponta para uma formação

padronizada que os molda às ditas necessidades do mercado, pautado na atual

perspectiva neoliberal, e não consoante com os anseios dos próprios sujeitos em

desenvolvimento, nem com o previsto na LDB 9394/96 (BRASIL, 1996), no artigo 2º,

que defende o pleno desenvolvimento do educando. Uma formação que não lhes

favorece pensar de forma crítica e autônoma sua realidade e já pré-estabelece um futuro

a ser seguido. Como critica Freire:

do ponto de vista de tal ideologia [neoliberal], só há uma saída para a prática

educativa: adaptar o educando a esta realidade que não pode ser mudada. O

de que precisa, por isso mesmo, é treino técnico indispensável à adaptação do

educando, à sua sobrevivência (FREIRE, 1996, p. 22).

Por meio da enunciação, enunciador e coenunciador concordam que não há outra

possibilidade de educar os alunos das escolas municipais cariocas que não seja uma

formação submetida à lógica do mercado. Legitimam assim uma constituição de escola

que é dada como verdadeira, necessária e, inclusive, responsável por docilizar os corpos

(FOUCAULT, 2009), ou seja, torná-los obedientes e úteis. Ademais, parece-nos que a

relação entre escola e uma linha de montagem sugere também que a esses alunos, da

escola pública, caberá ocupar os postos de trabalho menos concorridos e menos

valorizados socialmente.

Como já dissemos toda cenografia discursiva é sustentada por um EU que se

dirige a um TU (locução discursiva) situados em um espaço (topografia) e em um

tempo (cronografia) determinados. Assim, na publicidade analisada, o embreante

“nossa” e as formas verbais conjugadas na primeira pessoa do plural destacadas no

slogan “Nossa linha de produção é simples: construímos escolas, formamos cidadãos e

criamos futuros” (grifo nosso) remetem-se a um nós, ou seja, ao enunciador

institucional que corresponde ao governo municipal. Em contrapartida, não se observa

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marcas textuais explícitas ao coenunciador, entretanto, é possível identificá-lo, quando

observamos o lugar de circulação dessa publicidade; deter-nos-emos ao TU nas

próximas linhas.

Em relação ao espaço discursivo, o enunciador que se constitui na enunciação

fala desde uma sala de aula comparada a um setor operacional nos moldes da produção

capitalista do século XX, dessa forma, educar se transforma numa ação repetitiva e não

reflexiva e de formação de objetos de repetição, esses objetos seriam os próprios alunos.

No que tange a relação temporal, o presente dêitico – construímos, formamos e criamos

– situa o enunciador e o coenunciador em um momento no qual o complexo processo

educativo é simplificado e reduzido ao cumprimento de etapas. Posto isto, na cenografia

instituída, que desloca a escola para um ambiente fabril, o enunciador se apresenta

como aquele responsável por gerenciar a linha de produção – a educação, composta por

procedimentos consecutivos, aparentemente independentes e revestidos por uma

pretensa objetividade: construir escolas, formar cidadãos e criar futuros. Estabelece-se

uma relação de causa-consequência, isto é, cumpridas essas etapas, mais educação se

oferece no município carioca. Ademais, o enunciador se torna o responsável por não só

controlar o processo educativo, mas também por controlar a atividade dos trabalhadores

– os professores, que nem são mencionados, nem representados na cena, e a produção

final – o aluno “pronto” e padronizado para se entregue à sociedade.

A concepção de educação e de escola instituída na cenografia fundamenta-se em

práticas tayloristas e fordistas, nas quais não há espaços para a produção de

individualidade e de subjetividade, portanto, pouco importa quem é o professor, seus

métodos de trabalho e suas singularidades serão ignoradas, visto que precisa haver uma

padronização, que culmina na domesticação do fazer pedagógico que passa

necessariamente pela domesticação dos professores. Pois, ao enunciador importa a

formação cidadã uniforme e homogênea desses alunos, moldados para atender e se

adaptar a uma racionalidade neoliberal que se impõe.

Essa compreensão é compartilhada pelo coenunciador que concebemos como o

leitor do jornal “O Globo”, uma vez que o lugar de circulação da publicidade salienta

certa projeção de público-alvo com o qual o enunciador estabelece proximidade. Esse

leitor, em sua maioria, é ocupante das classes sociais A e B33

, pessoas que geralmente

são os donos dos meios de produção, não usuários dos serviços públicos, cujos filhos, 33

Pesquisa na qual o jornal “O Globo” divulga o perfil de seus eleitores. Disponível em

https://www.infoglobo.com.br/anuncie/perfilLeitores.aspx. Acesso em 02/06/2019.

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provavelmente, não estão matriculados em uma escola municipal e são dependentes da

mão-de-obra que, por sua vez, é oriunda das classes médias e baixas que usufruem das

atividades prestadas pelo poder público. Esse coenunciador não se identifica com essa

formação padronizada, no entanto, concorda que esta deva sustentar as práticas

discursivas da SME/RJ. Caso não estivesse de acordo com o enunciador, ou essa

publicidade seria publicada em outro jornal ou outra cenografia se instituiria. Fica

claro, então, que tanto para enunciador quanto o coenunciador a concepção de educação

oferecida a esses estudantes, é preciso enfatizar, estudantes de escolas públicas deva

convencê-los de que a realidade social, que, a princípio, é histórica e cultural, passa a

ser ou virar “quase natural” (FREIRE, 1996), quase um determinismo social.

Para divulgar o programa Fábrica de Escolas do Amanhã e convencer a

população carioca, ou pelo menos parte dela, que a quantidade de escolas construídas

representa mais educação, o discurso governamental recorreu ao gênero publicidade que

cumpre essa função social de convencimento e persuasão. Por sua vez, para dar corpo

ao discurso governamental, ou seja, para falar sobre a construção de escolas institui-se

no interior da cena genérica uma cenografia discursiva que equipara o processo

educativo ao processo de produção capitalista.

Conforme advoga Maingueneau (2002) a cenografia autoriza a enunciação de

um discurso, nesse caso, reconhecemos na publicidade a presença do discurso

econômico neoliberal que subordina a educação aos princípios e práticas da economia

capitalista. Dessa forma, o enunciador institucional, ou seja, o governo municipal

ademais de promover seu programa Fábrica de Escolas do Amanhã, permite-nos

compreender em qual formação discursiva se inscreve e o discurso neoliberal como

sustentação das práticas discursivas da SME/RJ.

É nesse contexto de atravessamento do discurso neoliberal na educação carioca

que se faz possível a produção de enunciados que assumem valor de verdade e

legitimam a predominância da oferta da Língua Inglesa e de uma proposta de ensino

acorde com as supostas demandas do mercado de trabalho, ou seja, para fins

comunicativos.

Podemos, inclusive, retomar uma declaração, entre várias, da ex-secretária34

de

educação do Rio na qual se dirige a alunos do 9º do Ensino Fundamental de uma escola

situada na Gávea, e observa-se essa verdade já naturalizada atravessando seu dizer. Ou

34 Disponível em http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/exibeconteudo?id=1073828. Acesso em 26 de

setembro de 2018.

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seja, a relação direta entre o saber a Língua Inglesa e a atuação profissional. O que

contribui para a constituição da imagem de um sujeito-aluno que, provavelmente, não

frequentará um curso superior, cujo destino final, após, o Ensino Médio é o mercado de

trabalho.

Daqui a quatro anos, muitos de vocês já estarão no mercado de trabalho.

Essa aula de inglês com o embaixador é mais uma oportunidade para

despertar o interesse pela língua e reconhecer a importância do idioma em

todas as carreiras. – destacou a secretária Cláudia Costin (SME, 2010. Grifo

nosso).

Assim, para dar conta desse projeto de educação neoliberal da SME/RJ, e

implantar a Língua Inglesa foram necessárias intervenções bem arquitetadas e

coordenadas, como a produção de um dispositivo legal, o Decreto Municipal, para

determinar a presença desse idioma em todas as escolas e a produção de dispositivos

institucionais – as circulares – para reposicionar os professores das outras Línguas

Estrangeiras em outras atividades.

Na próxima seção deste capítulo, dedicamo-nos a observar o funcionamento

discursivo das circulares E/SUBE/nº 13/2012 e E/SUBE/nº 08/2015, documentos que

orientaram os professores da Língua Espanhola e da Língua Francesa quanto suas

atividades de trabalho nas escolas, de modo a garantir, de certa forma, a implantação

efetiva do PRCG.

4.4 As Circulares: para informar ou disciplinar?

No âmbito da Administração Pública, a circular se situa entre os gêneros

discursivos que compõem o conjunto de atos ordinatórios35

. Esses atos visam a

estruturar o funcionamento dos órgãos e a conduta de agentes públicos; são

modalidades de correspondência interna que ajudam a definir a organização dos órgãos

e setores do serviço público. De acordo com o Manual de Redação Oficial da Prefeitura

do Rio (RIO DE JANEIRO, 2008b, p.51), a circular uniformiza “procedimentos em

vários órgãos municipais, transmite informações, ordens e recomendações, assim como

esclarece o conteúdo de leis, normas e regulamentos”.

35

Os atos ordinatórios assim como os atos normativos são exemplos de atos administrativos e circulam na

esfera da Administração Pública que, por sua vez, são definidos por Carvalho Filho (2015, p. 95) como a

exteriorização da vontade dos agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição,

que, sob o regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao

interesse público. Dessa forma, ao ato administrativo cabe o importante papel de controle sobre as

atividades da Administração Pública.

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Sob pena de ilegalidade, os atos ordinatórios precisam estar acordes com os atos

normativos existentes. Tal concordância é inerente ao funcionamento da Administração

Pública, regulada por um ordenamento jurídico e pelos princípios constitucionais da

Carta Magna – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Observando os objetivos desta pesquisa, limitando-nos a conceituar o princípio da

legalidade que condiciona a vontade da Administração Pública à vontade popular, uma

vez que no exercício de suas funções os agentes do Poder Público só podem praticar as

condutas autorizadas em lei. Dito isto, consideramos que a produção das circulares

E/SUBE/nº 13/2012 e E/SUBE/nº 08/201536

foi possibilitada pela existência do Decreto

Municipal nº 31187/2009 (RIO DE JANEIRO, 2009).

Conforme já discorremos nas linhas anteriores, respaldada na conceituação

proposta por Maingueneau (2002), todo gênero discursivo prevê um estatuto de

parceiros legítimos. No caso dessas circulares de 2012 e de 2015, situadas

historicamente no primeiro e no segundo mandato de Eduardo Paes, são as

subsecretárias de Ensino da SME/RJ, respectivamente, Regina Helena Bomeny e

Jurema Helena Holperin, responsáveis pelo dito, e os gestores das CREs e das unidades

escolares cariocas, a quem cabe pôr em prática o previsto nesses documentos

institucionais. Tem-se estabelecido o estatuto de parceiros legítimos.

Como veremos, os professores, os principais interessados, são o objeto de fala, a

não pessoa, o enunciado não os tem como parceiro, até porque como expusemos as

circulares encenam uma enunciação da subsecretaria de ensino aos gestores das CREs e

das escolas. Isto é, constitui-se uma relação intrainstitucional. No que concerne ao lugar

e ao momento legítimos, a enunciação define como espaço a SME/RJ e como tempo o

início de cada ano letivo, período em que professores e alunos retomam as escolas para

suas atividades acadêmicas. Essa enunciação tem como finalidade transmitir orientações

quanto à lotação dos professores de Língua Estrangeira nas escolas, tendo em vista a

implantação do PRCG e visando à uniformização das práticas e à homogeneização da

conduta dos servidores envolvidos nesse processo.

Ademais da função social, as circulares assim como o decreto apresentam uma

organização textual bastante rígida que define seu estilo composicional e singulariza-as

na interação com outros gêneros pertencentes ao mesmo aparelho institucional

(MAINGUENEAU, 2008a). Compõem a estrutura do gênero: o timbre da instituição, o

título e sua numeração, o local e a data, a ementa, o vocativo, o assunto e a assinatura

36

Reforçamos que as circulares estão reproduzidas na íntegra no conjunto de anexos do trabalho.

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acompanhada da identificação do signatário (RIO DE JANEIRO, 2008b) que

corroboram a legitimação e validade do enunciado.

A circular E/SUBE/nº 13/2012 começa assim:

Sr. (a). Coordenadora de E/SUBE/CRE

Sr. (a). Gerente da E/SUBE/CRE/GED

Sr. (a). Gerente de E/SUBG/CRE/GRH

A implantação do Programa Rio Criança Global, desde seu início, vem ampliando

gradativamente as aulas de inglês para os alunos da Rede.

2. Contratamos novos professores e priorizamos a lotação, inicialmente em turmas

do 1º segmento.

3. A partir de 2011, os professores novos deveriam ser lotados de forma a atender

também aos alunos do 6º ano e agora em 2012, a prioridade é de atendimento aos

alunos de 1º ao 7º anos.

4. O objetivo final é implantar o ensino de inglês para todos os alunos até o 9º ano em

2014.

5. Gradativamente, teremos o ensino de inglês na grade curricular e o espanhol e o

francês como segunda língua estrangeira a ser oferecida como ampliação de horário

escolar, nas escolas de turno único, ou no contraturno, nas escolas de horário parcial.

Como se observa, nos cinco parágrafos iniciais da circular retoma-se o conteúdo

do decreto do PRCG, reforçando que seu objetivo é a implantação da Língua Inglesa em

todas as turmas do Ensino Fundamental, para tanto, embora não se diga, seria

necessário alterar, de alguma forma, a atividade de trabalho dos professores de Língua

Espanhola e de Língua Francesa.

De acordo com a circular, a prioridade inicial tinha sido alocar os professores de

Língua Inglesa nas turmas do primeiro segmento, espaço até então não ocupado por

nenhuma Língua Estrangeira. Com isso, a entrada da Língua Inglesa, aparentemente,

tenha se dado sem tantos embates, pelo menos, em relação aos outros idiomas; por outro

lado, é relevante pontuar que no concurso realizado em 2010 para professores de Língua

Inglesa, essa informação sobre a atuação no primeiro segmento não constava no edital.

Sendo assim, muitos professores, no ato da escolha de escola, foram surpreendidos com

essa especificidade desse concurso, ou seja, que a Língua Inglesa também estaria

presente nesse segmento (OLIVEIRA, 2017). Atuação esta não contemplada nos cursos

de licenciatura, uma vez que, segundo a LDB, a Língua Estrangeira é oferecida para as

turmas do segmento do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. E, à época, nem pelos

documentos oficiais – da esfera municipal ou federal - que norteavam o ensino desse

componente curricular na Educação Básica.

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Até aqui se observa que o enunciador institucional, ou seja, a subsecretaria de

ensino, reiterado pelo dêitico “nós” em “contratamos” e “priorizamos”, em um tom de

conciliação, faz um percurso narrativo no qual relata as etapas já atendidas, visando ao

cumprimento do prescrito no PRCG. Dessa forma, a atenção recai sob o enunciador e as

medidas adotadas para que a Língua Inglesa nas escolas municipais cariocas fosse

implantada conforme o calendário proposto.

Em contrapartida, no sexto parágrafo, reproduzido nas linhas seguintes, o

enunciador institucional começa a anunciar como se organizará a oferta das Línguas

Estrangeiras na rede. Em relação aos parágrafos iniciais, percebe-se que não há marcas

textuais que destacam a presença do enunciador e de suas ações. O foco da atenção

desloca-se do enunciador e recai sob o coenunciador, embora não haja outras marcas

linguísticas explícitas, ademais dos vocativos “sr. (a) coordenadora de E/SUBE/CRE”,

“sr. (a) gerente da E/SUBE/CRE/GED” e “sr. (a) gerente de E/SUBG/CRE/GRH”, que

o referenciam. Entretanto, a relação que se estabelece entre enunciador e enunciado nos

permite ponderar que o dito no sexto parágrafo da circular visa implicar fortemente o

coenunciador.

Maingueneau (2002, p. 107) advoga que “todo enunciado possui marcas de

modalidade”. A modalidade indica a atitude do enunciador frente ao seu dizer ou a

relação que este estabelece com seu coenunciador intermediado pelo ato enunciativo.

Em outras palavras, é possível distinguir na materialidade linguística o conteúdo

proposicional e o ponto de vista do enunciador sobre este conteúdo (CERVONI, 1989).

Cervoni (1989) defende que o conceito de modalidade pertence tanto aos

linguistas quanto aos lógicos, estes a categorizaram em três grupos: aléticas, epistêmicas

e deônticas. As aléticas referem-se à verdade do conteúdo das proposições; as

epistêmicas remetem-nos ao eixo da crença e as deônticas estão no campo da ordem, da

volição. Observemos os fragmentos que se seguem:

6. Para melhor atender a essa nova organização, seguem orientações gerais para

lotação dos professores de Língua Estrangeira:

§ Os professores de espanhol e francês devem ser lotados, preferencialmente, em

turmas de 8º e 9º anos e projeto de Aceleração 3, em 2012;

§ A lotação de professores de inglês nas turmas de 8º e 9º anos não está proibida, mas

a CRE só poderá fazê-la após ter professores atendendo a todas as turmas de 1º ao 7º

anos.

§ Caso haja necessidade de cessão ou de complementação de carga horária em outra

escola, deve ser observada a distância entre as escolas para minimizar as mudanças

no cotidiano do professor.

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§ A CRE deve analisar com cada direção de escola a situação de seus professores,

para então tomar as providências quanto à cessão e complementação de carga horária.

§ As diretoras das escolas para onde os professores forem cedidos devem ser

informadas da lotação de professores dessas disciplinas e a que turmas eles

atenderão, para evitar confusões e devoluções por desconhecimento da realidade da

CRE como um todo (SME, 2012. Grifo nosso).

Em todo o sexto item da circular, nota-se a presença da modalidade deôntica

que, como visto, se refere “ao eixo da conduta e da linguagem das normas e

compreende a esfera da obrigação, proibição, necessidade e permissão” (BORIM, 2006,

p. 35). O enunciador indica que admite como obrigatório o conteúdo proposicional

anunciado em seu dizer, dessa forma, considerando a funcionalidade da circular, cabe

ao seu coenunciador, os gestores das CREs e das unidades escolares, garantir a

efetivação do que fora prescrito.

O espectro de significação da modalidade deôntica vai do obrigatório até o

permitido. Nos fragmentos mencionados, há locuções verbais, como “devem ser

lotados”, “deve ser observada”, “deve analisar”, “devem ser informadas”, que denotam

a obrigatoriedade do que se propõe, ou seja, o enunciador espera que suas normas sejam

cumpridas. Assim, para garantir a ampliação da Língua Inglesa, consoante com o

discurso neoliberal que atravessou as práticas da SME/RJ, restringe-se o campo de

atuação dos professores de Língua Espanhola e de Língua Francesa, levando-os a

lecionar apenas nos 8º e 9º anos e no projeto de Aceleração 337

, em 2012.

Para mais, observa-se que se atribui às CREs e às escolas uma posição de

controle e de vigilância, a essas instituições cabe exercer um poder sobre seus liderados,

nesse caso, os professores de Língua Estrangeira. Sendo as responsáveis por fazer

cumprir essas determinações, de modo que cada professor de Língua Estrangeira atue

nos espaços que lhe são concedidos, ou melhor, permitidos. Isto é, os professores de

Língua Inglesa atuando do 1º ao 7º ano e os professores de Língua Espanhola e de

Língua Francesa, nos 8º e 9º anos e no projeto de Aceleração 3, até que o cronograma

de implantação seja cumprido.

Ainda sobre esse item, ademais da modalidade deôntica, o que reforça o caráter

injuntivo observado nessa segunda parte da circular, é o uso desse símbolo (§) que

representa o parágrafo e é comumente encontrado em textos normativos, o que nos leva

a comparar o funcionamento dessa circular a um texto de lei, cuja função é normatizar.

37

Projeto para alunos oriundos do 8º ano com defasagem idade/ano e com duração de um ano para

terminalidade do Ensino Fundamental

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Desse modo, o funcionamento discursivo da circular não cumpre apenas a

função de compartilhar a informação com os envolvidos nesse processo pedagógico,

mas principalmente de regulamentar o decreto, ou seja, apresentar as estratégias de

como a Língua Inglesa será implantada em todas as turmas do Ensino Fundamental, em

um contexto que predominava a coexistência das Línguas Estrangeiras, um cenário

reconhecido pela perspectiva plurilíngue e não monolíngue.

À continuação, comentamos a circular E/SUBE/nº 08/201538

, como já dito, de

autoria de Jurema Helena Holperin, subsecretária de Ensino, e situada temporalmente

no segundo mandato de Eduardo de Paes.

Diferentemente da circular anterior, na ementa já consta que sua função é a

regulamentação do ensino da Língua Inglesa, logo, já assume um caráter prescritivo-

normativo. No início da circular, o enunciador pontua que desde 2009, momento

anterior à enunciação, esse idioma é obrigatório na rede e que a implantação fora

concluída em 2014, dois anos antes do previsto no PRCG; apesar disso, aponta a

existência de inconsistências e o objetivo é ajustá-las.

Observemos o terceiro parágrafo da circular onde se concentram as interpelações

ao coenunciador:

3. Com o objetivo de ratificar as deliberações anteriores e eliminar dúvidas e

equívocos relacionados a esse assunto, reafirmam-se abaixo algumas das principais

determinações:

a. a. Todas as turmas regulares de 1º ao 9º ano, incluindo as turmas de 6º ano

experimental, devem ter oferta de ensino de Inglês;

b. b. Não será permitida a oferta de ensino de Espanhol ou Francês, em detrimento da

oferta de ensino de Inglês, para as turmas de 1º ao 9º ano ou de 6º ano experimental.

c. c. Caso a escola tenha, também, professores de Espanhol ou Francês, estes devem

assumir as turmas de Projeto ou, em casos de escolas de Turno Único, trabalhar em

disciplinas eletivas.

d. d. Será admitida a oferta de Espanhol ou Francês em turmas do 8º e 9º anos apenas no

caso de a escola não possuir professores de inglês em seu quadro de profissionais para

suprir todas as suas turmas. As Coordenadorias Regionais de Educação devem estar

atentas a esses casos e buscar alternativas de solução para garantir o atendimento em

Inglês para todas as turmas da escola.

e. e. A carga horária de Inglês segue o estabelecido na matriz curricular vigente.

f. f. As turmas de 6º e 7º ano farão prova de inglês no período do 4º bimestre, nos moldes

das provas bimestrais elaboradas pela Secretaria Municipal de Educação para as

demais disciplinas curriculares. (SME, 2015. Grifo nosso)

38 No início da gestão de Marcelo Crivella, quando César Benjamin era o Secretário Municipal de

Educação, essa circular fora republicada com a seguinte numeração: E/SUBE nº02, de 09 de fevereiro de

2017.

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96

Repara-se que o enunciador institucional, em relação à circular E/SUBE/nº

13/2012, mantém seu ethos de regulador do comportamento dos outros, recorrendo,

portanto, à modalidade deôntica, principalmente, para reiterar sentidos de obrigação e

de proibição. Em “devem ter oferta de ensino de inglês”, corrobora a obrigatoriedade

desse idioma em todos os anos de escolaridade, e a interdição da oferta da Língua

Espanhola e da Língua Francesa, em detrimento da Língua Inglesa, por intermédio da

construção “não será permitida”. Por conseguinte, o lugar a ser ocupado por essas

línguas são as turmas dos projetos de Aceleração ou as eletivas nas turmas das escolas

de turno de único. Sobre essas atuações, é pertinente fazer algumas ponderações.

Primeiramente, em relação aos projetos de Aceleração, é preciso dizer que

abrangem os alunos com distorção série-idade, esta pode ter sido motivada por uma

infinidade de fatores, inclusive por dificuldades de aprendizagem. Dificuldades estas

que não os tornam incapacitados para aprender, mas que sugerem a necessidade de se

buscar outras formas para aproximá-los do conhecimento.

Apesar disso, o enunciador, ao indicar o ensino de espanhol e de francês a esses

grupos, reforça discursos do senso comum sobre uma suposta facilidade da

aprendizagem de uma língua neolatina frente à Língua Inglesa e sobre uma provável

incapacidade desses alunos se apropriarem do idioma anglo-saxão. Pois, de acordo com

o previsto no Programa Reforço Escolar39

, que engloba os projetos de Aceleração, assim

como os demais alunos da rede estes também deveriam estudar a Língua Inglesa. Mas,

ao invés do inglês, a circular determina que estudem espanhol ou francês.

Em segundo lugar, as eletivas são atividades cujo programa é livre, ficando a

cargo de o professor definir se desenvolverá temáticas relacionadas à Língua Espanhola

ou à Língua Francesa ou não. É relevante destacar também que a carga horária semanal

das Eletivas é de 02 tempos, conforme disposto na matriz curricular vigente à época,

sendo que os professores precisam cumprir um total de 12 tempos semanais, ou seja,

para dar conta de sua carga horária, teriam de desempenhar outras atividades, não,

necessariamente, relacionadas aos idiomas em questão.

39

No intuito de resolver o analfabetismo funcional, defasagem idade/ ano escolar, déficit de

conhecimentos e de garantir a aprendizagem foi criado o Programa Reforço Escolar, que tem por objetivo

o aprimoramento da qualidade do ensino das escolas públicas da Rede Municipal, desenvolvendo projetos

e ações que favoreçam o sucesso escolar de todos os alunos matriculados na Rede. Nesse sentido,

colabora para o salto na qualidade de ensino da educação carioca: todo aluno aprendendo cada vez mais e

melhor e na idade adequada ao ano em que estuda.

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS£oFinal.pdf · Del Carmen Daher, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem como pré-requisito para obtenção

97

Ao propor aos professores atividades que não contemplam a formação e sua

disciplina de ingresso, via concurso público, o enunciador institucional mostra-se filiado

a discursos que, de certa forma, não valorizam a formação e a prática que constituem o

professor de Língua Espanhola e de Língua Francesa. Nota-se que o importante para o

enunciador institucional é garantir o espaço para a entrada e permanência da Língua

Inglesa, não importando muito quais seriam as atividades atribuídas aos professores das

demais Línguas Estrangeiras.

A fim de garantir que o Decreto Municipal seja cumprido, ademais dessas

determinações, estabelece-se formas para controlar a implantação do PRCG e também a

atividade de trabalho dos professores de Língua Inglesa.

No item d, a modalidade deôntica “devem estar atentas”, expressa em “as

Coordenadorias Regionais de Educação devem estar atentas a esses casos e buscar

alternativas de solução para garantir o atendimento em inglês para todas as turmas”,

sugere aos coenunciadores manter-se em constante vigilância, uma vez que precisam, de

qualquer forma, assegurar a presença da Língua Inglesa em todo o Ensino Fundamental.

Já no item f, observa-se outra forma de controle quando o enunciador comunica a

aplicação de uma avaliação de Língua Inglesa para os alunos dos 6º e 7º anos, elaborada

pela SME/RJ.

De acordo com Oliveira (2017), a equipe constituída para formular a prova é

composta por professores da rede e supervisionada pelos profissionais da equipe do

curso de idiomas, a Cultura Inglesa. É preciso ressaltar que essa escola de idiomas não

está submetida às normativas educacionais do país, ou seja, não está sob a jurisdição do

MEC e, sim, da área comercial. O que faz com que sejam adotados outros princípios e

parâmetros para o ensino da Língua Inglesa e para a avaliação da aprendizagem. Apesar

da participação de alguns professores, à maioria cabe acatar o que foi definido por uma

pequena parcela de professores e dos supervisores da entidade privada como as

prioridades no processo avaliativo, a qual não leva em consideração as singularidades

de cada professor nem as particularidades cada turma. Assim, os demais professores

não incluídos na elaboração das provas têm acesso apenas aos descritores, isto é, às

habilidades e competências exigidas, por sua vez, esses descritores, segundo

informações da SME (2013), se pautam nas Orientações Curriculares e no material

didático adquirido da Learning Factory, grupo editorial da Cultura Inglesa.

Entretanto, salientamos que a avaliação se fundamenta exclusivamente na

proposta de ensino de Língua Estrangeira apresentada pelo material didático, haja vista

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98

que o exposto no Caderno de descritores – Inglês, para a prova de 2013, não contempla

a concepção de língua e de ensino de Língua Estrangeira presente Orientações

Curriculares da SME/RJ. Neste documento, a língua é compreendida como um

fenômeno histórico e social diferentemente da visão apresentada no Caderno de

descritores:

As questões serão elaboradas a partir de situações comunicativas,

verificando, prioritariamente, o conhecimento do léxico e das estruturas

linguísticas, assim como o efetivo uso da língua em situações cotidianas

(SME, 2013).

Também nos respaldamos em Oliveira (2017, p.91) que afirma que o material

didático não se aproxima dos princípios previstos na legislação educacional brasileira,

pois aponta “para um ensino de Língua Inglesa voltado à repetição e reprodução de

frases e estruturas gramaticais descontextualizadas de uma efetiva situação de uso

social”.

Conforme enfatizado na circular, os professores de Língua Inglesa, em sua

maioria, não produzem a prova a ser aplicada, pela SME, às turmas. A ínfima

participação dos professores concursados nesse processo de elaboração da avaliação

corrobora a conclusão a qual a mencionada pesquisadora chegou que o PRCG constrói

uma imagem de um profissional passivo e incapaz de gerir sua própria sala de aula.

Observa-se, portanto, um exercício de poder que “retira” desse professor da SME/RJ

seu saber e submete-o aos “saberes” dos profissionais da Cultura Inglesa, por sua vez,

não subordinados às exigências da legislação educacional brasileira e que balizam o

ensino da Língua Inglesa na lógica do mercado.

De mais a mais, acrescentamos que a imposição dessa avaliação única, a ser

seguida por todos, leva a uma padronização. Padroniza-se o trabalho docente, o

processo de ensino e a avaliação da aprendizagem, inclusive, padronizam-se os

conhecimentos da Língua Inglesa a serem apreendidos pelos alunos, ou seja,

independente de sua realidade, necessidades e interesses. Ao mesmo tempo, controla-se

e avalia-se o professor e suas práticas. Como vimos durante o processo analítico da

publicidade, na seção anterior, tal padronização é condizente com a concepção de

educação neoliberal vinculada às práticas discursivas da SME/RJ, durante a gestão de

Paes e Costin.

Em concordância com o que expusemos até aqui, as circulares E/SUBE/nº

13/2012 e E/SUBE/nº 08/2015 assumem uma função que vai além de uniformizar

procedimentos adotados por um setor ou órgão, normatizam o Decreto Municipal, ou

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99

seja, estabelecem as regras que visam a possibilitar a ampliação da oferta da Língua

Inglesa.

Dessa forma, as circulares funcionam como um poder disciplinar cuja função é

enquadrar a vida e os corpos dos indivíduos (FOUCAULT, 2012), nesse caso,

enquadrar os professores de Língua Espanhola e de Língua Francesa na reconfiguração

do ensino das Línguas Estrangeiras nas escolas municipais, motivada pela criação do

PRCG, que não estimula a pluralidade linguística. Ao contrário, impõe a presença de

um único idioma e este é a Língua Inglesa que é naturalizada como o idioma condizente

com o mundo global em que estamos inseridos. Nas palavras de Santos (2002),

condizente com seu conceito de globalização hegemônica que submete aos interesses

transnacionais os interesses nacionais.

As determinações propostas nas circulares sugerem uma vigilância permanente

sobre os professores de Línguas Estrangeiras por parte daqueles que exercem sobre eles

um poder, isto é, os coordenadores das CREs e diretores das escolas, a quem cabe a

responsabilidade de verificar se estão atuando nos espaços que lhes são autorizados.

Para Foucault o exercício de poder diz respeito a um modo de ação de uns sobre os

outros (DREYFUS; RABINOW, 2013).

O filósofo francês defende que a sociedade atual é uma sociedade panóptica, isto

é, uma sociedade disciplinar. Retomando o apresentado anteriormente, esse modelo de

sociedade foi desenvolvido com base no conceito de panóptico de Jeremy Bentham. O

panóptico era uma forma de estrutura arquitetônica projetada para cárceres e prisões que

permitia o constante olhar do vigilante sobre o indivíduo.

Para Bentham esta pequena e maravilhosa astúcia arquitetônica podia ser

utilizada por uma série de instituições. O Panopticon é a utopia de uma

sociedade e de um tipo de poder que é, no fundo, a sociedade que atualmente

conhecemos – utopia que efetivamente se realizou. Este tipo de poder pode

perfeitamente receber o nome de panoptismo. Vivemos em uma sociedade

onde reina o panoptismo (FOUCAULT, 2012, p.87).

Destarte, o panoptismo é uma forma de poder que se exerce sobre os indivíduos

por intermédio de uma vigilância contínua, de um controle e recompensa, e de uma

correção, que conduzirão à transformação dos indivíduos em função de certas normas

(FOUCAULT, 2012). A partir dessa compreensão, pode-se dizer que a circular funciona

como um dispositivo panóptico, uma vez que seu poder é exercido sob o outro, apoiado

na vigilância e no controle das práticas dos professores de Línguas Estrangeiras e,

consequentemente, na correção, caso não estejam de acordo com o estabelecido.

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100

De outra maneira, a vigilância dá-se quando as CREs e os gestores das unidades

escolares precisam assegurar a presença da Língua Inglesa em todas as turmas do

Ensino Fundamental. O controle ocorre quando a SME/RJ institui um sistema de

avaliação para “acompanhar” o processo de ensino-aprendizagem da Língua Inglesa dos

alunos dos 6º e 7º anos. E a correção quando verificado o não cumprimento das

determinações, solicita-se o pronto ajuste. Este ajuste consistia em deslocar os

professores de Língua Espanhola e de Língua Francesa de turmas ou até mesmo de

escolas para garantir a entrada e a permanência da Língua Inglesa40

.

Assim, a circular normatiza o que se promulga no decreto que, por sua vez,

legitima como verdade discursos naturalizados e retomados em diversos espaços

sociais, que a Língua Inglesa, entendida como um instrumento de comunicação, é

fundamental para se alcançar oportunidades, principalmente, as que se referem ao

mercado de trabalho. Dessa forma, prioriza-se a formação do “cidadão” para o mercado

de trabalho e não a formação do cidadão para a sociedade, para a vida. Como vimos

enfatizando, ao longo do capítulo, tais discursos neoliberais, que acompanham a

globalização hegemônica em que as sociedades ocidentais estão imersas, emergem

porque há condições de possibilidade de existência que os autorizam.

À continuação, analisamos a entrevista de Cláudia Costin concedida à Revista

Ponto Com.

4.5 A Entrevista de Cláudia Costin: a economia ou a educação?

Nesta seção, dedicamo-nos a analisar a entrevista da ex-secretária municipal de

educação, Cláudia Costin41

, concedida à Revista PontoCom, em 21 de setembro de

40

Em um momento anterior, quando o nosso interesse de pesquisa recaía sob atividade de trabalho dos

docentes de Língua Espanhola, em 2017, solicitamos aos professores que respondessem a um

questionário, no qual uma das perguntas consistia em saber, se por conta das determinações da SME/RJ

veiculadas nessas circulares, houve a necessidade de alterar as atividades desenvolvidas ou de mudar de

escolas. Dos 15 questionários recebidos, 08 professores não mudaram de escola, mas, em compensação,

tiveram suas atividades alteradas. Alguns foram deslocados para as turmas de 8º e 9º anos, que não

tinham aulas da Língua Inglesa, para a sala de leitura e para outras atividades pedagógicas que não foram

especificadas. Os demais professores mudaram de escola, 01 ou até 04 vezes, nas novas escolas,

lecionaram a Língua Espanhola para as turmas de 8º e 9º anos, que não tinham professores de Língua

Inglesa e para as turmas de projeto de Aceleração; ademais dessas atividades, ministraram reforço escolar

de redação, oficina de raciocínio lógico, desenvolveram projetos pedagógicos em parceria com outras

disciplinas e outras funções de apoio que não foram especificadas. 41

Como apresentamos no subcapítulo 1.2, com exceção da SME/RJ, da Fundação Victor Civita e do

CEIPE, setores voltados para a Educação, Cláudia Costin atuou, principalmente, nas áreas de gestão e de

economia, dos governos de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

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101

2012. Portanto, antes de proceder à análise, discutimos os critérios aos quais recorremos

para selecionar os fragmentos analisados, uma vez que não são todos os pontos

abordados na entrevista que atendem aos questionamentos e objetivos de pesquisa.

Como sinalizado anteriormente, devido à multiplicidade e à diversidade de nosso objeto

de estudo, optamos por condensar alguns apontamentos teórico-metodológicos no

próprio capítulo dedicado à análise. No decorrer do processo analítico, temos

problematizado que essa política de línguas não está desvinculada da política

educacional municipal implantada durante as gestões de Eduardo Paes e Cláudia Costin.

A partir dessa perspectiva, pareceu-nos pertinente selecionar, na entrevista, as respostas

nas quais a ex-secretária abarque uma parte do conjunto de intervenções praticadas no

sistema educacional carioca e, entre elas, o ensino das Línguas Estrangeiras. Das 15

perguntas que compõem o roteiro de entrevista, observamos que apenas a 02 perguntas

foram dadas respostas que contemplam o critério elencado. No quadro abaixo,

sinalizamos em negrito as perguntas cujas declarações de Cláudia Costin foram

selecionadas para a análise.

Roteiro da entrevista de Cláudia Costin à Revista PontoCom

1. Qual era radiografia da rede de ensino do Rio quando a senhora assumiu?

2. Que tipo de estatísticas?

3. O que as diretoras das escolas disseram?

4. A avaliação das estatísticas e das diretoras foi o ponto de partida?

5. O resultado destas provas serviu apenas como diagnóstico?

6. A senhora falou sobre o contexto do primeiro e segundo segmentos. E com

relação à alfabetização? Qual era o cenário?

7. Houve mudanças também no conteúdo do ciclo de alfabetização, não foi?

8. Há um investimento em diferentes tipos de projetos experimentais, envolvendo

poucas escolas. Por quê?

9. Quais são os desafios hoje da rede municipal?

10. Como ‘anda’ a relação das secretarias de Educação do país com as

universidades, com as faculdades de Educação?

11. Como a senhora avalia o Plano de Carreira da categoria e o salário base?

12. Em entrevista à revistapontocom, diretores de faculdades de educação do Rio

destacaram que sua gestão aposta bastante na avaliação da rede – o que é

importante segundo eles – mas que deixa de lado a política pedagógica. A

senhora concorda?

13. Outra crítica vem do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe).

O Sepe destaca que atual gestão fez uma série de parcerias retirando recursos

públicos da Educação, da escola, repassando para a iniciativa privada, tirando

a autonomia do professor.

14. Sua gestão vem ‘ganhando’ a simpatia e adesão dos professores?

15. O prefeito Eduardo Paes sendo reeleito, a senhora continua no cargo? Quadro 02: Perguntas da entrevista à Cláudia Costin selecionadas para análise

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102

Apresentado o critério de seleção do corpus, tecemos breves considerações

acerca da Revista PontoCom, suporte de circulação da entrevista de Cláudia Costin. De

acordo com informações veiculadas no website, essa revista é um dos produtos do

Planeta PontoCom – Inovação em Educação que, por sua vez, é uma Organização da

Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)42

que reúne iniciativas de mídia-educação

– uma abordagem pedagógica inovadora, nas palavras de seus idealizadores, e tem

como objetivo promover o estudo da mídia e da comunicação dentro da grade

curricular. Consoante com essa perspectiva, a Revista PontoCom assume como sua

função informar e debater questões relacionadas à área de mídia e educação, além disso,

afirma ser seu público-alvo pais, professores, responsáveis pela indústria da mídia,

pesquisadores e acadêmicos. Intitula-se como um ambiente que se propõe a

proporcionar trocas de informações e experiências com crianças, jovens e adultos, no

que diz respeito à educação, em seu sentido mais amplo e não apenas a dita educação

formal, oferecidas pelas escolas públicas e privadas. É uma revista dedicada a assuntos

relacionados à educação, no entanto, não é uma revista que possa ser inscrita no

universo de revistas acadêmicas.

Ainda de acordo com a apresentação institucional, a revista fora lançada em

2008 e, desde então, divulga matérias, entrevistas, artigos, pesquisas, entre outros, via

newsletter43

semanal e pelas redes sociais. Mensalmente, é acessada, em média, por

cerca de 20 mil visitantes únicos e tem um quantitativo de 30 mil visualizações. Devido

a uma das formas de divulgação do conteúdo digital ser através de newsletter, conforme

dados do website, a revista mantém uma lista de endereços eletrônicos, formada por

profissionais da mídia, formadores de opinião, estudantes, pesquisadores e professores

42

Esse tipo de organização é regulamentado pela Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que dispõe sobre

a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências.

Um dos requisitos para ser uma OSCIP é ter como vocação a promoção da assistência social, cultura,

educação, saúde, segurança alimentar e nutricional, meio ambiente, trabalho voluntário, combate à

pobreza, ética, paz, cidadania estudo e pesquisa. O Ministério da Justiça é o órgão que avalia, reconhece e

expede o certificado de uma OSCIP. Informações disponíveis em https://www.justica.gov.br/seus-

direitos/politicas-de-justica/entidades/oscip-1 e www.filantropia.org/conteudo.php?id=2428. Acesso em

02 de maio de 2019. 43 É um boletim informativo que pode ser distribuído em formato de jornal impresso, no entanto, o mais

comum é o formato digital que permite o envio por meio eletrônico, em especial, por e-mail para as

pessoas que demonstraram interesse em receber o conteúdo de uma determinada organização.

Informações disponíveis https://www.profissionaldeecommerce.com.br/como-uma-newsletter-pode-

ajudar-no-marketing-de-conteudo/, acesso em 01 de junho de 2019.

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da Educação Básica à Pós-graduação, reunindo cerca de 8 mil contatos brasileiros e

estrangeiros44

.

No subcapítulo 3.3 do trabalho, destacamos que, além de considerarmos as

condições de êxito aos quais estão submetidas os gêneros do discurso, observar o lugar

e o modo de circulação também é relevante para que se compreenda o como e o porquê

se pode dizer e se diz, bem como os efeitos de sentido que se produzem. O que nos

permite afirmar que conhecer o perfil da revista onde foi publicada a entrevista, seu

público-alvo, seu modo de circulação é bastante pertinente para o encaminhamento do

processo analítico.

Complementando o dito, Maingueneau (2015) assevera que o gênero discursivo

é um dispositivo de comunicação social, verbal e historicamente situado. Logo, ademais

de pontuar o modo de circulação, importa também sinalizar que essa entrevista se insere

na campanha “Educação: o que quero para minha cidade?”, promovida pela Revista

PontoCom, no período da disputa eleitoral para prefeitos e vereadores de 2012. De

acordo com a revista, o primeiro objetivo da campanha consistia em proporcionar um

espaço de interlocução com os seus leitores para debaterem os desafios e os rumos da

educação brasileira. O segundo consistia em promover entrevistas com os candidatos à

Prefeitura do Rio de Janeiro45

, com ex-secretárias da educação carioca, com diretores

das Faculdades de Educação das universidades públicas e com diretores do Sindicato

Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE) e do Sindicato dos Professores do

Município do Rio de Janeiro e Região (SINPRO) para discutir a realidade específica da

educação do município do Rio. Pontuamos que as entrevistas restringiram-se a

educação46

da cidade carioca, município que abriga a sede da revista, conforme

declarações do editor47

.

Nas palavras de Hoffnagel (2005), a entrevista é um gênero discursivo

eminentemente oral, haja vista a entrevista de emprego, a entrevista com médico, a

44

As páginas acessadas para obter essas informações são http://planetapontocom.org.br/institucional/ e

http://planetapontocom.org.br/produtos/revistapontocom, em 02 de maio de 2019. 45 Entre os entrevistados estavam os candidatos à Prefeitura: Aspásia Camargo, Otávio Leite, Marcelo

Freixo, Rodrigo Maia e Eduardo Paes; as ex-secretárias de educação: Carmen Moura, Mariléa da Cruz,

Regina de Assis, Terezinha Saraiva e Cláudia Costin; os diretores das Faculdades de Educação: Jorge

Najar (UFF), Rosana Glat (UERJ), Janaína Specht (UNIRIO) e Ana Maria Monteiro (UNIRIO); o

presidente do SINPRO, Wanderley Quêdo e a diretora do SEPE, Susana Gutiérrez. 46 Maior Rede Pública da América Latina, conta com um total de 1540 unidades escolares e de 641.118

alunos. Informações disponíveis em http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/assista/tv/14784-

institucional-sme-2019 e http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/educacao-em-numeros, em 17 de agosto de

2019. 47

Informações extraídas da página http://revistapontocom.org.br/materias/fique-por-dentro, em 02 de

maio de 2019.

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entrevista jornalística, inclusive, as publicadas em jornais e revistas. De acordo com

autora, as entrevistas que circulam na esfera jornalística impressa antes de serem

transcritas para publicação, na maioria das vezes, são realizadas oralmente. A entrevista

pressupõe a existência de coenunciadores, ou seja, entrevistador e entrevistado que vão

revezando as posições de enunciador e coenunciador, embora seus papéis sejam bem

delimitados e bem demarcados. Assim, ao entrevistador cabe o papel de orientar e

reorientar a interação, e ao entrevistado, participar respondendo as perguntas que lhe são

feitas. No que tange à entrevista jornalística impressa, também há o coenunciador em

ausência, em alusão ao leitor. Em relação à Revista PontoCom, o público leitor é

composto por dois grupos distintos: o fidelizado, formado por pais, estudantes e

professores, que semanalmente recebe o newsletter, e o não fidelizado que

esporadicamente acessa os conteúdos produzidos.

Ao entrevistar a então secretária, Cláudia Costin, a Revista PontoCom concede

ao governo da época mais um espaço de interlocução com a sociedade para falar sobre

os planos e as medidas implantadas na educação carioca e promover o debate sobre as

políticas públicas educacionais, considerando o momento político em curso. Nesse

contexto, cabe à secretária de educação, que já estava na função antes das eleições, falar

sobre a educação carioca; importa-nos observar na situação enunciativa como se

constrói a interação enunciador-entrevistado e coenunciadores, os efeitos de sentidos

que se produzem, de modo que contribua com as reflexões empreendidas até aqui sobre

o processo de reconfiguração do ensino das Línguas Estrangeiras.

Embora nosso interesse não recaia sob as perguntas, acreditamos ser pertinente

fazermos alguns esclarecimentos. Na primeira pergunta “A avaliação das estatísticas e

das diretoras foi o ponto de partida?”, a referência à “avaliação das estatísticas e das

diretoras” dialoga com os questionamentos feitos anteriormente; um sobre os tipos de

estatísticas consultados pela secretária para preparar o diagnóstico da educação carioca

e o outro sobre as colocações e reclamações das diretoras sobre a rede, ouvidas em

reuniões realizadas entre elas e a gestora municipal. Já a segunda questão “Houve

mudanças também no conteúdo do ciclo de alfabetização, não foi?” também é um

desdobramento da pergunta anterior cujo foco era o panorama encontrado na

alfabetização, quando da assunção da pasta, em 2009.

Em resposta à primeira pergunta, a secretária fala das intervenções pedagógicas

adotadas, como a prova de nivelamento, as modalidades de reforço, a elaboração de um

currículo e a avaliação unificada da rede. Refletiremos acerca dessas questões e dos

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objetos que se constroem discursivamente um pouco mais adiante, a partir das

sequências selecionadas. A princípio, deter-nos-emos na locução discursiva, o EU e o

TU, que estabelece a interação entre enunciador e coenunciador, tomando como ponto

de partida os elementos linguísticos sublinhados no texto.

Revista PontoCom: A avaliação das estatísticas e das diretoras foi o ponto de partida?

Cláudia Costin: Não isoladamente, visto que já contávamos com dados sobre o

desempenho das escolas. Mas ajudou muito. Em seguida, aplicamos uma prova de

nivelamento para ver, de fato, como estavam os nossos alunos. Afinal, de onde

partiríamos? Tínhamos poucos dados concretos sobre o ensino, sobre a aprendizagem

das crianças. Decidimos fazer duas grandes provas: uma para o 4º, 5º e 6º anos

para saber se havia analfabetos funcionais. E uma entre os estudantes do 2º ano

para saber se havia déficits importantes de defasagem em Português e

Matemática. Descobrimos que havia na rede cerca de 28 mil analfabetos funcionais,

do 4º ao 6º ano. Isso significava que tínhamos 14% de analfabetos funcionais, do 4º

ao 6º ano. Era um dado que não era condizente com o Brasil, com a 6ª economia do

mundo. Não podíamos aceitar isso. Tínhamos uma taxa de reprovação em torno de

30%, do 6º ao 9º ano. Resolvemos investir pesado em diferentes modalidades de

reforço, além de estruturar um currículo e oferecer estratégias, instrumentos aos

professores. A rede contava com o Núcleo Curricular Base, a MultiEducação, que

trazia uma linguagem parecida com os Parâmetros Curriculares Nacionais, mas que

era bastante genérica e não definia com clareza quais deveriam ser as competências

dos professores em cada etapa de ensino. Para alguns professores, recém-saídos da

universidade, que, como mostra Bernadeth Gatti, enfatiza teorias, fundamentos e tem

pouca vivencia prática, a chance de fazer um trabalho sólido e sequencial, sem uma

orientação estruturada, era bem pequena. Decidimos montar um currículo muito

claro, organizado por bimestres, determinando precisamente o que cada criança

deveria aprender. Produzimos, então, o chamado material estruturado, feito pela

própria rede, que auxiliava o trabalho do professor com base no currículo. E por

fim resolvemos implantar provas bimestrais unificadas que permitissem que

cada escola soubesse se aquela criança estava evoluindo positivamente ou

negativamente, e que a rede soubesse, inclusive, como cada escola estava

evoluindo comparativamente com as outras, com a média da rede. Desde então,

ao final do exame, cada diretor recebe um mapa onde é possível enxergar todos esses

dados por disciplina. A princípio pode parecer que estávamos tirando a autonomia do

professor. Não é o caso. Costumo me fazer valer de uma fala de Cláudio Moura

Castro. Ele afirma que a Educação é como se fosse uma orquestra. Nesta orquestra, é

fundamental que cada um tenha a sua partitura, caso contrário não promovemos o

sequenciamento da aprendizagem e a interdisciplinaridade. Isso não impede, de forma

alguma, que cada músico coloque toda a sua magia no desenvolvimento da música.

Nesta perspectiva que implantamos, um professor maravilhoso vai produzir uma aula

encantadora. Aquele não tanto maravilhoso vai, pelo menos, cumprir os conteúdos

necessários. (Grifos nossos)

Maingueneau (2002, p. 105) afirma que “o enunciado não se assenta no

absoluto; ele deve ser situado em relação a alguma coisa”, o ponto de referência é o

próprio ato enunciativo do qual é produto. No enunciado em análise, o embreante “nós”,

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retomado por meio das formas verbais na primeira pessoal do plural, grifadas no texto,

remete-se ao enunciador-entrevistado, à secretária e também à SME/RJ, instituição que

representa. Fala em nome de uma coletividade institucional o que não inclui o

coenunciador seja o que está em presença, o coenunciador-entrevistador, ou em

ausência, o coenunciador-leitor. Não há referências explícitas ao coenunciador no

enunciado, discursivamente, estabelece-se um distanciamento entre enunciador-

entrevistado e coenunciador-leitor, apesar de uma pretensa proximidade por parte da

instituição SME/RJ com o público interessado em discutir questões referentes à

educação brasileira, principalmente, a educação carioca, intermediada por essa

entrevista.

Em relação à cronografia discursiva, as mesmas formas verbais, as sublinhadas

no enunciado, que permitem reconhecer o embreante de pessoa também funcionam

como o embreante temporal e fazem referência a um momento anterior à enunciação,

isto é, anterior a 2012, quando as ações e medidas elaboradas na e pela sua gestão foram

sendo colocadas em prática. Ainda que nas palavras do enunciador-entrevistado, o

cenário não fosse caótico, a educação carioca poderia ser aperfeiçoada. Para definir o

lugar que se constitui nessa enunciação, é necessário observar a entrevista como um

todo e não apenas parte dela, posto isso, a enunciação define como espaço o Rio de

Janeiro marcado pelas atuais transformações no sistema educacional. É a partir dessas

coordenadas que o enunciador-entrevistado situa seu enunciado.

Considerando as sequências destacadas no texto, observa-se uma determinada

postura do enunciador em relação ao seu dizer, fala sobre as intervenções político-

pedagógicas sem recorrer a valorações ou ponderações, dando destaque aos fatos

mencionados. A atitude que o enunciador expressa frente ao enunciado, como já

discutimos, refere-se à modalidade (MAINGUENEAU, 2002; CERVONI, 1989).

O enunciado possui marcas de modalidade, por sua vez, “essas marcas podem

restringir ao modo verbal (o indicativo, o subjuntivo especialmente)”

(MAINGUENEAU, 2002, p.107). No caso das referidas sequências, a marca linguística

são as formas verbais “aplicamos”, “decidimos”, “descobrimos”, “resolvemos”,

“promovemos” e “implantamos”, destacadas no excerto em análise, e exprimem uma

atitude de certeza do enunciador no tocante às proposições de seu enunciado. O fato de

um enunciado ser modalizado ressalta as conexões estabelecidas pelo enunciador,

demonstrando um maior ou menor engajamento ou distanciamento do que afirma.

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Destaca-se, portanto, na entrevista como um todo a modalidade assertiva.

Cervoni (1989) advoga que essa modalidade juntamente com a interrogativa,

exclamativa e imperativa são as modalidades fundamentais da frase e aproxima-se das

modalidades aléticas que, concebidas pelos lógicos, se referem à verdade da matéria das

proposições. Na modalidade assertiva, o enunciador põe em relevo o conteúdo de seu

enunciado, evita emitir suas opiniões, sua subjetividade, o que provoca um efeito de

objetividade e de autoridade.

A entrevista de Cláudia Costin é toda apoiada em asserções o que, de acordo

com o apresentado, atribui-lhe um valor de verdade irrefutável associado também ao

saber do enunciador. Nas palavras de Foucault (2008, p. 204), “um saber é também, o

espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos de que se ocupa em

seu discurso”, com base nessa definição de saber, acreditamos que o enunciador-

entrevistado, apesar de gerir a pasta de educação, sustenta seu discurso sobre a educação

carioca, posicionado em outros campos do saber, em especial, no campo da gestão e no

campo da economia, como discutimos no subcapítulo 1.2. Ter participado de governos

com orientação neoliberal, situa a então secretária, enquanto instância enunciativa, em

comunidades discursivas que concebem um determinado modo de compreender e

constituir a educação.

Entretanto, o lugar institucional que o enunciador-entrevistado ocupa autoriza e

legitima esse seu saber sobre educação. E como poder e saber estão implicados

mutuamente, exercer poder cria objetos de saber. Essa relação saber-poder valida a

concepção de educação, que disciplina e padroniza os corpos e as práticas docentes, e

que, por sua vez, atravessa a política educacional da SME/RJ, como problematizamos

na análise da peça publicitária, na seção 4.3 e que vamos retomar na análise em curso.

Destacamos que, de acordo com Foucault (2009, p. 30), “não é atividade do sujeito do

conhecimento que produziria um saber, útil ou arredio ao poder, mas o poder-saber, os

processos e as lutas que o atravessam e que o constituem”. Assim, o saber sobre

educação da então secretária vincula-se às práticas discursivas em que se inscreve.

Nas linhas a seguir, ater-nos-emos a refletir alguns pontos do conjunto das

políticas educacionais implantadas pela SME/RJ, priorizados pela secretária nesta

entrevista e que, de certa forma, contribuem para o entendimento da alteração na

perspectiva plurilíngue para monolíngue no ensino das Línguas Estrangeiras. Os

fragmentos reproduzidos a seguir são os mesmos que foram grifados no quadro anterior

e compõem a resposta concernente à pergunta “A avaliação das estatísticas e das

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diretoras foi o ponto de partida?”. Para facilitar a retomada desses enunciados na

discussão empreendida, vamos nomeá-los de “Fragmento” seguido de uma numeração

que, por sua vez, faz referência à ordem de aparecimento no texto.

Fragmento 01: “Em seguida, aplicamos uma prova de nivelamento para ver, de fato,

como estavam os nossos alunos”.

Fragmento 02: “Decidimos fazer duas grandes provas: uma para o 4º, 5º e 6º anos

para saber se havia analfabetos funcionais e uma entre os estudantes do 2º ano para

saber se havia déficits importantes de defasagem em Português e Matemática”.

O enunciador–entrevistado destaca que para compor o diagnóstico sobre a rede

recorreu a dados estatísticos e aplicou uma prova de nivelamento em Língua Portuguesa

e Matemática para obter dados concretos sobre a aprendizagem dos alunos e, assim,

comprovar a existência ou não de analfabetos funcionais, dado apresentado, pelas

diretoras de escola, como incontestável.

Conforme já problematizamos, o enunciador sustenta seu dizer com base em

asserções que são assumidas como verdades absolutas, dispensando assim explicações e

discussões mais consistentes sobre os temas abordados. O que leva a um não

esclarecimento do que se entende por prova de nivelamento (fragmento 01) e por

analfabetismo funcional (fragmento 02), da mesma forma não se explicam os critérios

que balizaram a elaboração da prova e os motivos que justificaram a aplicação dessa

prova para alunos do 2º ano e do 4º ao 6º anos. O enunciador parte de uma compreensão

de que todos que teriam acesso à entrevista compartilham da mesma concepção que se

atribui à prova de nivelamento e ao analfabetismo funcional. Há, portanto, um

silenciamento na disputa pelos sentidos e impõe-se aos coenunciadores o sentido

instituído como verdade pelo enunciador-entrevistado.

No que concerne ao entendimento de prova de nivelamento e suas implicações,

são necessárias algumas considerações sobre a avaliação, uma das dimensões do

processo de ensino aprendizagem. Luckesi (2011), uma das referências em avaliação da

aprendizagem, defende que a avaliação é um meio e não um fim em si mesma,

delimitada por uma teoria e por uma prática que a sustentam. Dito de outra forma, a

avaliação está vinculada a uma concepção de educação, de escola e de formação cidadã.

Com base nessa perspectiva, a avaliação é um meio para se alcançar um determinado

objetivo que, de modo geral, consiste em compreender e promover o desenvolvimento

pleno de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos submetido a um processo de

aprendizagem.

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A avaliação excede, pois, as práticas quantificadoras, nas palavras de Datrino et

al (2010, p. 37), é “ressarcida de valores construídos pelos homens, buscando um

projeto maior de sociedade que atenda os interesses de toda população”, logo, as

práticas avaliativas precisam estar condizentes com os pressupostos de uma educação

emancipatória, crítica e reflexiva.

À luz dos preceitos de Luckesi (2000), a avaliação não implica aprovar ou

reprovar o educando, ao contrário, implica observar seu processo de aprendizagem,

identificar os motivos de suas dificuldades e propor outras estratégias, intervenções

pedagógicas, visando às especificidades e à melhoria de sua aprendizagem e de seu

desenvolvimento. É uma avaliação contínua e formativa centrada no acompanhamento

do processo e não no resultado. Ademais de focar nas capacidades dos alunos,

respeitando as individualidades e demandas, e não apenas nos “conteúdos” trabalhados.

Desse modo, a prova de nivelamento, apesar de o enunciador-entrevistado

apontar como justificativa a observação da defasagem em Língua Portuguesa e em

Matemática, não se aproxima dos preceitos de uma avaliação formativa, tendo em vista

que não consiste em investigar as causas da alegada defasagem, nem o processo de

aprendizagem, de outro modo, está centrada no resultado e há um interesse em constatar

dados, levando em consideração o desempenho cognitivo do aluno em um momento

estanque do processo.

Essa forma de avaliar mediada pela prova de nivelamento sugere que todos os

educandos precisam aprender os mesmos “conteúdos” da mesma forma e ao mesmo

tempo, desconsiderando assim as especificidades e as necessidades educacionais dos

estudantes e o contexto social no qual as escolas estão inseridas. Uma avaliação da

aprendizagem que pretende equalizar, homogeneizar, como essa prova de nivelamento,

mostra-se consoante com uma concepção de ensino uniformizadora, fundamentada na

estrita transmissão de “conhecimentos”, não havendo uma preocupação com ideais

emancipatórios. Esse ensino, por sua vez, compromete-se com a formação de cidadãos

“obedientes” e “moldados” para manter o status quo e não para questioná-lo e

transgredi-lo.

A partir da prova de nivelamento, o enunciador-entrevistado afirma, com base

nos dados quantitativos e estatísticos gerados, haver um percentual de 14% de

analfabetos funcionais do 4º ao 6º anos. Esse dado numérico gera um efeito de

objetividade a mais e funciona como uma estratégia de convencimento dos

coenunciadores para compartilharem e concordarem com a política educacional

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implantada na educação carioca. Entretanto, o que parece estar isento de valorações

subjetivas, fundamenta-se no modo, como uma comunidade discursiva e inscrita em

formações discursivas bem específicas, compreende e concebe a educação e o ensino.

Nos fragmentos seguintes, o enunciador elenca as estratégias propostas para

intervir no cenário educacional encontrado. Estão balizadas por uma visão de educação

e de ensino que padroniza e uniformiza as práticas docentes e a formação dos discentes,

consentâneo com uma perspectiva de educação neoliberal.

Fragmento 03: Resolvemos investir pesado em diferentes modalidades de reforço,

além de estruturar um currículo e oferecer estratégias, instrumentos aos professores.

Fragmento 04: Decidimos montar um currículo muito claro, organizado por

bimestres, determinando precisamente o que cada criança deveria aprender.

Como se vê o resultado da prova de nivelamento suscitou uma série de ações

(fragmento 03) para reverter a “realidade constatada” que, nas palavras da ex-secretária,

“era um dado não condizente com o Brasil, com a 6ª economia do mundo”. Não

podemos deixar de salientar que se estabelece uma relação entre a educação e a

economia, não se fala da educação como ferramenta para a transformação social, para a

formação de sujeitos comprometidos com o social, para a prática da liberdade e para o

exercício da cidadania. Fala-se da educação como possibilidade de crescimento

econômico para o país, consoante com o que apregoa os organismos internacionais,

como, por exemplo, o Banco Mundial, “quando as crianças aprendem, a vida melhora e

os países prosperam” (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 09).

Dentre as ingerências, a maior parte delas está relacionada diretamente às

práticas docentes, como a elaboração de um currículo claro e de um material

estruturado, e o oferecimento de estratégias e instrumentos para que o professor

“aplique” em sua sala de aula. As práticas docentes estão no centro das intervenções e à

medida que o enunciador-entrevistado disserta sobre elas vai se constituindo uma

determinada imagem do professor que atua nas escolas municipais cariocas. Essa

imagem dialoga com o que discutimos sobre a domesticação do fazer pedagógico,

quando analisamos a peça publicitária. Todas estas instâncias se correlacionem –

currículo, professor, educação, ensino -, não sendo possível falar de um sem remissão

ao outro, contudo, dedicar-nos-emos a refletir sobre a concepção de currículo que

atravessa o discurso da ex-secretária sobre a educação carioca.

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No fragmento 04, observa-se a necessidade do enunciador enfatizar que o

currículo que propôs definia com bastante clareza os “conteúdos” a serem ensinados e

os prazos a serem cumpridos pelo professor, diferentemente, do que propunha o

documento existente na rede, o Núcleo Curricular Base. A partir do que o enunciador

diz, nota-se que o currículo é compreendido como um documento, marcado por uma

pretensa cientificidade e neutralidade, onde o que é relevante é a especificação dos

conteúdos, dos objetivos, dos procedimentos e dos métodos para que se alcancem os

resultados que, por sua vez, podem ser verificados por intermédio de registros

quantificadores (SILVA, 2010).

Essa visão de currículo distancia-se das teorias críticas e pós-críticas de

currículo, Campos e Silva (2009) respaldando-se em Moreira e Silva (1995), afirmam

que o currículo é um artefato social e cultural, não é:

um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do

conhecimento social, ao contrário, o currículo está implicado em relações de

poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o

currículo produz identidades, estabelece culturas individuais e coletivas

(CAMPOS; SILVA, 2009, p.36).

Nesse entendimento, o currículo não se reduz a uma estrutura organizacional

que concentra informações referentes aos conteúdos e às estratégias de ensino, antes é

um espaço de lutas e confrontos discursivos, de contestações e de transgressões,

inserido em um contexto histórico-social específico e que envolve diversos agentes

sociais, entre eles, o sistema de ensino, os professores e a comunidade escolar como um

todo.

Como já visto, a concepção de currículo defendida pelo enunciador aproxima-se

das teorias de currículo tradicionais que pretendem ser mais neutras e científicas,

deslocando-se assim de embates ideológicos, embora também estejam atravessadas por

relação de poder, nas palavras de Silva (2010, p. 16), “privilegiar um tipo de

conhecimento é uma operação de poder”. Essa compreensão de currículo explica a

proposta de implantação de um currículo único a toda rede, o que, de certa forma,

aponta um silenciamento e invisibilização das especificidades e das subjetividades de

cada escola, ademais de imprimir a professores e a alunos formas de controle; àqueles

controla-se a atividade de trabalho e a estes, o que devem ou não aprender,

independente, da historicidade em que estão inscritos.

Essa “imposição” se faz possível, uma vez que o enunciador-entrevistado

desconsidera que o currículo é, sobretudo, uma construção coletiva e situada a partir de

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coordenadas socioespaciais, e que cabe à comunidade escolar ressignificar o currículo

proposto pela SME/RJ, a fim de atender as demandas e as necessidades dos alunos e da

própria escola. Não questionamos a legitimidade do referido sistema de ensino para

elaborar sua proposta curricular, inclusive, entendemos que é uma de suas

incumbências, o que buscamos problematizar é o fato de se objetivar que um currículo

único seja “aplicado” a todas as escolas da rede e da mesma forma. Para garantir a

observância do proposto no currículo, o enunciador-entrevistado submete a rede a um

olhar disciplinar, como podemos ver nos fragmentos 05 e 06.

Fragmento 05: Produzimos, então, o chamado material estruturado, feito pela própria

rede, que auxiliava o trabalho do professor com base no currículo.

Fragmento 06: E, por fim, resolvemos implantar provas bimestrais unificadas que

permitissem que cada escola soubesse se aquela criança estava evoluindo

positivamente ou negativamente, e que a rede soubesse, inclusive, como cada escola

estava evoluindo comparativamente com as outras, com a média da rede.

Para Foucault (2009), a vigilância hierárquica, juntamente com a sanção

normalizadora e o exame, visa, ademais de buscar produzir saber a respeito dos

vigiados, exercer sobre eles um poder disciplinar, o que promove o adestramento de

seus comportamentos e o condicionamento de suas práticas.

Objetivando o “cumprimento do currículo único”, independente da realidade

escolar, o enunciador-entrevistado desenvolve o que estamos chamamos de técnicas de

vigilância, isto é, a elaboração do material estruturado, os chamados cadernos

pedagógicos, e a implantação de um sistema de avaliação bimestral unificado, no qual

todos os alunos da rede faziam as mesmas provas de Ciências, Língua Portuguesa e

Matemática48

. É preciso destacar que embora os cadernos pedagógicos não fossem de

uso obrigatório (CAMPOS et al, 2015), o desempenho da escola assim como dos alunos

baseavam-se no conteúdo apresentado nesse material que, por sua vez, estava ajustado

ao proposto no currículo único. O que impulsionava o professor e a escola a optarem

pelo uso dos cadernos pedagógicos, cumprindo assim o currículo único. São exercidas

formas de controle e homogeneização das práticas docentes.

A vigilância hierárquica, ao mesmo tempo, que disciplina, produz saber a

respeito do objeto vigiado. Em relação às provas bimestrais, o objeto em questão é a

48

Foram contemplados esses componentes curriculares, pois, de acordo com justificativa apresentada por

Cláudia Costin essas são as disciplinas que compõem a avaliação do Programme for International

Student Assessment (PISA) - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes -, desenvolvido e

coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

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escola como um todo, incluindo, alunos, professores e gestores das escolas municipais

que são submetidos ao sistema de avaliação unificado (fragmento 06).

O saber que se constitui sobre o objeto vigiado se refere ao desempenho na

avaliação proposta que, por sua vez, é aferido a partir de referenciais numéricos, haja

vista que o enunciador faz alusão a termos como “média da rede” e

“comparativamente”, o que nos remete, mais uma vez, a uma concepção de avaliação

classificatória, cujo interesse recai sob os resultados e não sob o processo de

aprendizagem. Corrobora-se, então, o que já havíamos discutido anteriormente que a

concepção de avaliação que classifica, seleciona, premia é a que atravessa o discurso

sobre educação da ex-secretária e, por conseguinte, as intervenções pedagógicas

propostas.

Nas linhas anteriores, sublinhamos que o professor ocupa o centro das políticas

elaboradas pela SME/RJ para influir na educação carioca. Assim, nas palavras do

enunciador, ofereceram-se ao professor estratégias, instrumentos, currículo e material

pedagógico. O professor é a não-pessoa e, no ato da enunciação, encontra-se em uma

esfera bem diferente da que é ocupada pelos coenunciadores, o EU e o TU, portanto, o

professor é falado (MAINGUENEAU, 2002). Importa-nos também discutir como o

professor é falado, isto é, a imagem que o enunciador constrói sobre ele.

Ao longo do enunciado, discursivamente, vai se constituindo uma imagem de

professor dependente de ingerências externas para gerir o processo de ensino-

aprendizagem de seus alunos e suas atividades docentes, como se o professor não fosse

capaz de refletir sua prática e a partir daí tomar decisões de cunho metodológico ou

teórico. Sendo necessária, do ponto de vista do enunciador, a condução das práticas

desse professor.

Dessa forma, o professor é colocado em um lugar de passividade, ou seja, não o

incluindo, primeiro, como agente produtor de saberes sobre sua própria atividade de

trabalho e, em segundo lugar, como agente produtor das políticas educacionais. No

subcapítulo 1.2, discutimos que a produção das políticas públicas não é uma ação

exclusiva do Poder Público e que a escola, isto é, professores e comunidade escolar, não

é uma instância meramente executora, mas a quem compete também debatê-las e

ressignificá-las.

Zeichner (2003) advoga ser recorrente o não reconhecimento, por parte do que

nomeia como planejadores educacionais, que os professores são agentes importantes na

produção das políticas educacionais. Há uma tendência, em tempos de avanço do

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discurso neoliberal na educação, de investir “em professores-funcionários irreflexivos e

obedientes, que implementem fielmente o currículo prescrito pelo Estado, empregando

os métodos de ensino prescritos” (ZEICHNER, 2003, p. 37). Essa reflexão possibilita-

nos compreender a “instrumentalização” do professor promovida por essa política

educacional da SME/RJ.

Ademais disso, observa-se que atravessa essa “instrumentalização” discursos

naturalizados que atribuem ao professor uma formação inicial deficitária que não os

prepare para prática da sala de aula, sendo necessária, portanto, a condução das

atividades de trabalho desse profissional. Como estratégia de convencimento do

coenunciador sobre a necessidade de oferecer “suporte ao professor”, o enunciador-

entrevistado inclui em seu dizer a voz do outro a fim de corroborar que as medidas

adotadas são fundamentadas em argumentos de autoridade. Recorre ao discurso relatado

definido por Maingueneau (2002, p. 139) como “uma enunciação sobre outra

enunciação, põem-se em relação dois acontecimentos enunciativos, sendo a enunciação

citada objeto da enunciação citante”. O enunciador opera especificamente com a

modalização em discurso segundo, quando se manifesta explicitamente na materialidade

linguística que não é o responsável pelo enunciado. Entretanto, utiliza-se a enunciação

citada para corroborar o que se defende na enunciação citante.

Ainda na primeira resposta, em análise, de Cláudia Costin à Revista PontoCom,

nota-se a presença do discurso relatado em “para alguns professores, recém saídos da

universidade, que, como mostra Bernadeth Gatti, enfatiza teorias, fundamentos e tem

pouca vivência prática, a chance de fazer um trabalho sólido e sequencial, sem uma

orientação estruturada, era bem pequena”, quando o enunciador-entrevistado incorpora

em seu enunciado o que postula Bernadeth Gatti, professora aposentada da

Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora na Fundação Carlos Chagas, sobre a

formação de professores nas universidades brasileiras que investe pouco nas atividades

de prática de ensino.

Ao trazer para seu enunciado esse argumento de autoridade, o enunciador-

entrevistado mostra-se filiado a discursos que atestam a ineficiência dos cursos de

pedagogia e das licenciaturas, responsáveis pela formação dos professores.

Fundamentado nesse discurso, o enunciador encontra respaldos que justificam essa

“instrumentalização” dos professores das escolas municipais cariocas, reforçando assim

a imagem que se constitui desse profissional, que carece de orientações para

desenvolver um trabalho sólido e coerente.

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Frigotto (2011, p. 247) assevera que a primeira década do século XXI fora

marcada “pelas concepções e práticas educacionais mercantis típicas da década de 1990,

seja no controle do conteúdo do conhecimento seja nos métodos de sua produção ou na

socialização, autonomia e organização docente”. Com base no que discutimos até aqui,

podemos afirmar que essa concepção mercantil de educação atravessou a política

educacional implantada na SME/RJ, durante os anos de 2009 a 2016.

De acordo com o pesquisador, três mecanismos articulados estão em ampla

expansão nas secretarias estaduais e municipais de educação. Dentre eles, há um

mecanismo que se remete à formação docente realizada, principalmente, nas

universidades públicas. Na esfera midiática, circulam discursos que atacam a formação

de professores tanto nos cursos de pedagogia quanto nas licenciaturas alegando que

muito se investe em teorizações e análises econômicas e pouco se dedica a ensinar ao

professor as técnicas do “bem ensinar” (FRIGOTTO, 2011).

É preciso fazer com que esses discursos circulem e sejam aceitos como

verdadeiros, para que se corroborem as formas de controle que se exercem sobre a

atividade docente, concordantes com a perspectiva neoliberal que tem atravessado as

práticas educacionais. Essa concepção de formação docente confere aos “aspectos

técnicos” uma centralidade na atividade de trabalho dos professores, quando na

realidade a atividade pedagógica vai além, estabelecendo diálogos com os saberes

teóricos e metodológicos e com saberes oriundos da esfera política, social e econômica

em que se inscreve. Propor tais relações é relevante, pois, proporciona aos professores

refletir sobre sua prática, sobre o processo de ensino-aprendizagem de seus alunos e

fundamentar suas decisões em aspectos teórico-metodológicos apropriados a sua

realidade.

Entretanto, parece que ao sistema e a uma parcela comprometida com os ideais

neoliberais, não interessa um professor reflexivo, criativo, crítico e que exerça sua

autonomia pedagógica, ao contrário, interessa um professor passivo que se conforme

com a padronização estipulada pelos sistemas de ensino, referimo-nos aqui à SME/RJ,

em nome de uma pretensa melhoria na qualidade de ensino oferecida.

No decorrer da análise, observamos que o enunciador-entrevistado assim como a

instituição que representa, a SME/RJ, está vinculado a práticas discursivas neoliberais

que justificam a concepção de educação que homogeniza e padroniza as práticas

docentes e a formação do aluno, impondo a toda rede municipal um currículo único e

aplicação de avaliações unificadas. A avaliação que se pratica tem um caráter

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classificatório e não diagnóstico, dessa forma, destaca-se o interesse pelos resultados e

não pelo processo de aprendizagem dos estudantes. E, por fim, constrói-se a imagem de

um professor dependente de orientações para o desenvolvimento das atividades em sua

sala de aula.

À continuação, dedicamo-nos a analisar a última resposta da ex-secretária que

selecionamos para compor nosso corpus.

Revista PontoCom: Houve mudanças também no conteúdo do ciclo de alfabetização,

não foi?

Cláudia Costin: Sim. Tiramos do ciclo de alfabetização as aulas específicas de

História, Geografia e Ciências. Qual era a intenção? Focar na alfabetização bem

feita. Não inventamos isso. Cingapura fez a mesma coisa. Depois que o aluno está

alfabetizado, fica mais fácil entrar com as outras disciplinas. Mas ao mesmo tempo

em que tiramos estes conteúdos, resolvemos introduzir as áreas de arte e inglês.

Em relação ao ensino de inglês, contamos com o auxílio da Cultura Inglesa para

nos orientar uma metodologia que investe muito na oralidade. Para tanto,

passamos a exigir no concurso público para professores de idiomas uma prova

oral. Já a arte tem um papel importantíssimo na formação dos estudantes, para a

ampliação de repertório do aluno. O ensino de artes só acontecia do 6º ao 9º ano. Na

2ª Coordenadoria Regional de Educação resolvemos ir além. De forma experimental,

o ensino de arte, com o professor especialista, já faz parte do dia a dia da educação

infantil.

Nesse enunciado, como vimos no primeiro bloco, mantém-se a presença das

asserções, vide as sequências em destaque, introduzidas pelas formas verbais – tiramos,

inventamos, resolvemos, passamos -, que lhe confere um efeito de objetividade e de

autoridade, apresentando-se como o discurso da ciência, da verdade.

Da mesma forma, como procedemos no primeiro bloco de análises, exibiremos

em separado, os excertos a serem comentados.

Fragmento 07: Tiramos do ciclo de alfabetização as aulas específicas de História,

Geografia e Ciências.

Fragmento 08: Não inventamos isso. Cingapura fez a mesma coisa.

Ao responder sobre as mudanças no ciclo da alfabetização, o enunciador

comenta sobre a retirada de História, Geografia e Ciências da matriz curricular

(fragmento 07), contudo, não apresenta os argumentos teórico-metodológicos que

justifiquem essa alteração na estrutura organizacional desse ciclo, apenas defende que é

uma forma de fazer “uma alfabetização bem feita”, assim como acontece em Cingapura

(fragmento 08).

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O ensino desses componentes curriculares está previsto na Resolução nº 7, 14 de

dezembro de 2010 (BRASIL, 2010), que determina as Diretrizes Curriculares Nacionais

para o Ensino Fundamental, de agora em diante DCNEF. No artigo 30, inciso II dessa

resolução, afirma-se que os três anos iniciais do Ensino Fundamental devem assegurar:

o desenvolvimento das diversas formas de expressão, incluindo o

aprendizado da Língua Portuguesa, a Literatura, a Música e demais Artes, a

Educação Física, assim como o aprendizado da Matemática, da Ciência, da

História e da Geografia (BRASIL, 2010, art.30).

Bem anterior às DCNEF, nos PCN (1997), já constava a relevância dessas

disciplinas no primeiro segmento, que atualmente engloba também o ciclo da

alfabetização. De acordo com o documento, o ensino da História poderia contribuir para

a constituição da noção de identidade, na relação que se estabelece entre as identidades

individuais, sociais e coletivas. A Geografia possibilitaria ao aluno compreender o lugar

que o homem ocupa na relação da sociedade com a natureza e que suas ações

individuais e coletivas trazem consequências para toda a coletividade. Moreira et al

(2014) asseveram que um ensino crítico e reflexivo desses componentes contribui para a

autonomia crítica do educando.

Em referência ao ensino de Ciências, os PCN afirmam que esse conhecimento

proporcionaria ao educando entender o mundo, suas transformações e que o homem é

parte integrante desse universo. Ademais de promover a compreensão acerca dos

fenômenos da natureza e dos modos de intervenção e utilização de seus recursos. Em

toda a extensão dos parâmetros, observa-se que atravessa esse enunciado uma

compreensão de que o ensino dessas disciplinas, cada uma dentro de suas

especificidades e de seu referencial teórico-metodológico, tem muito a colaborar com a

formação emancipadora e consciente desses educandos.

Apesar disso, na visão de alfabetização concebida pelo enunciador-entrevistado,

esses componentes não são relevantes nessa fase da escolarização. Para convencer o

coenunciador de que essa decisão não é infundada, embora tenhamos reparado a

ausência de uma argumentação teórica, o enunciador faz referência ao modelo de

alfabetização de Cingapura, que, como veremos nas próximas linhas, funciona como um

argumento de autoridade.

Para Charaudeau e Maingueneau (2016), da perspectiva argumentativa, a

autoridade consiste na aceitação de um ponto de vista ou de uma informação, pautada

não na conformidade do enunciado, mas levando em consideração a fonte e o canal

pelos quais a informação foi recebida. Está inscrita em uma legitimidade que “faz-se

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acreditar”. O argumento de autoridade “corresponde à substituição por uma prova

periférica da prova ou do exame diretos” (CHARAUDEAU, MAINGUENEAU, 2016,

p. 86-87), isto é, não se submete a contestações, determina a obediência em função de

sua origem.

Segundo os pesquisadores, considerando o modo como a fonte da mensagem é

explicitada, distingue-se a autoridade mostrada e a autoridade citada. No enunciado em

análise, faz-se presente a autoridade citada, por esse motivo, não faremos referências à

autoridade mostrada. A autoridade citada, por ser considerada uma fonte legitimadora,

ratifica um dizer ou uma maneira de fazer proferido por um L1 em presença de um L2.

Dessa forma, o locutor se contenta com uma simples menção que conota um discurso

dominante, prestigioso ou especializado (CHARAUDEAU, MAINGUENEAU, 2016).

Para compreender a alusão a Cingapura como um argumento de autoridade, é

preciso pontuar que esse país, juntamente com Taiwan, Coreia do Sul e Hong Kong,

compõe figurativamente os “Tigres Asiáticos”. Esses países, ao longo do século XX,

experimentaram um processo de industrialização acelerado baseado no progresso

tecnológico, o que fez com que passassem de “economias agrárias e com baixo padrão

de desenvolvimento tecnológico em referência de crescimento e prosperidade em

aproximadamente em três décadas” (SILVA, 2014, p. 48).

Barbosa e Filho (2014) acrescentam que esse avanço econômico e tecnológico é

resultado da acumulação de capital físico e de capital humano. Dito de outra forma, no

discurso econômico capitalista, o crescimento econômico fundamenta-se no aumento da

produtividade do capital humano49

– da população - e do nível de produtividade do

capital físico (VIANA, LIMA, 2010). Entende-se por capital físico a infraestrutura de

um país - sistemas de transporte, de comunicação e de energia - as instalações

industriais, o capital financeiro e comercial. E por capital humano o nível de educação e

conhecimento da população. Nas palavras dos pesquisadores, a acumulação de capital

humano “supõe a existência de um sistema educacional que além de universal seja

capaz de reter os alunos na escola e preparar os mesmos para o mercado de trabalho”

(BARBOSA, FILHO, 2014, p. 34). Assim sendo, observa-se que o discurso econômico

capitalista apregoa uma relação de dependência entre educação e crescimento

econômico, na qual os investimentos em educação não objetivam, exclusivamente, o

desenvolvimento e formação dos educandos enquanto sujeitos sociais, mas a sua

49 Indicamos a leitura do artigo: VIANA, G.; LIMA, J. Capital humano e crescimento econômico.

Interações, v. 11, n. 2, p. 137-148, jul./dez. 2010.

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formação e sua qualificação para o trabalho, com vistas ao desenvolvimento econômico

do país.

Essa alusão a Cingapura não é aleatória nem neutra, ao contrário, está

atravessada por um discurso econômico que, como discutimos, vincula a prosperidade

econômica desse país e dos demais “Tigres Asiáticos” à melhoria no nível de educação

ou de habilidades dos trabalhadores, visando elevar seu nível de produtividade. Desse

modo, discursivamente, Cingapura constitui-se como um referencial positivo em

questões relacionadas à educação e à economia, é, pois, um modelo a ser seguido.

A referência ao modelo de alfabetização de Cingapura funciona como um

argumento de autoridade, uma vez que se alinha a formação discursiva em que se

inscreve o enunciador-entrevistado e que concebe a educação não mais como um direito

social e subjetivo, afastando-se do campo social e político para ingressar-se no mercado

e atender às suas necessidades. Por conta disso, o enunciador busca experiência de

práticas e atividades educativas que se sustentem nesse modo de compreender a

educação.

Ao mesmo tempo em que se retiram os componentes curriculares de História,

Geografia e Ciências da matriz curricular do ciclo da alfabetização, o enunciador fala

sobre a inclusão de outras disciplinas, como Arte e Língua Inglesa, conforme se

apresenta nos excertos seguintes.

Fragmento 09: Mas ao mesmo tempo em que tiramos estes conteúdos, resolvemos

introduzir as áreas de arte e inglês.

Fragmento 10: Em relação ao ensino de inglês, contamos com o auxílio da Cultura

Inglesa para nos orientar uma metodologia que investe muito na oralidade.

O enunciador-entrevistado encena uma argumentação ao afirmar que a Arte

possibilitaria a ampliação do repertório do aluno apesar de não esclarecer o que se

entende por repertório ou a qual repertório se refere, nem as manifestações artísticas que

seriam abordadas em sala de aula e a forma de intervenção pedagógica. Apresenta-se

como uma justificativa imprecisa, vaga e pouco consistente. Em contrapartida, no que

concerne à Língua Inglesa, não há vestígios de uma fundamentação teórico-

metodológica que explique a relevância da aprendizagem de uma Língua Estrangeira na

alfabetização e, muito menos, o porquê desta ser a Língua Inglesa.

Ainda que já tenhamos dito, é preciso retomar que o modo como o enunciador-

entrevistado constrói seu dizer, isto é, apoiado na modalidade assertiva, concede ao

enunciado um efeito de cientificidade que sugere um silenciamento na disputa pelos

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sentidos de alfabetização e impõe aos coenunciadores a concepção de alfabetização

defendida pelo enunciador, um modelo de alfabetização que retira História, Geografia e

Ciências e insere Arte e Língua Inglesa na matriz curricular (fragmento 09).

Essa não argumentação em prol da Língua Inglesa permite-nos problematizar

que esse enunciado está atravessado por discursos que circulam de forma naturalizada e

atribuem ao inglês o status de língua global, por ser considerado o “idioma apropriado”

para promover a interação e a comunicação com todas as partes do mundo e por atender

aos imperativos da globalização que, por sua vez, é sustentado pelo discurso econômico

neoliberal (SANTOS, 2002). Por conseguinte, a Língua Inglesa é constituída

discursivamente como o idioma relevante para uma sociedade que se organiza segundo

essa racionalidade neoliberal.

Durante o processo analítico desse corpus, temos observado que o

posicionamento discursivo do enunciador-entrevistado e a política educacional da

SME/RJ estão alinhados a um discurso neoliberal para a educação, sendo este um

desdobramento do discurso econômico neoliberal. Logo, a inclusão da Língua Inglesa

na alfabetização torna-se uma verdade indiscutível e silencia qualquer possibilidade de

se questionar o oferecimento de outras Línguas Estrangeiras, como o espanhol ou o

francês, idiomas também presentes na Rede Municipal de Ensino. Portanto, o não falar

da Língua Espanhola e da Língua Francesa aponta para um (não) lugar dessas

disciplinas nas escolas municipais, visto que esses idiomas não são vistos

discursivamente como a língua da globalização, das informações e das “oportunidades”.

Para o enunciador, mais importante que justificar a relevância da Língua Inglesa

na alfabetização ou em outro ano de escolaridade, é salientar a parceria público-privada

com a Cultura Inglesa50

, empresa que ficou responsável pelo ensino do inglês, voltado

para o desenvolvimento da oralidade, haja vista o que fora apresentado no subcapítulo

4.2. De modo igual à referência a Cingapura, a menção à Cultura Inglesa funciona como

um argumento de autoridade (fragmento 10).

À medida que se reforçam discursos do senso comum que dizem que na escola

não se aprende Língua Estrangeira, evocam discursos de “promessa” de que, com essa

parceria, os alunos das escolas municipais cariocas iriam efetivamente “aprender a

50 É preciso enfatizar que a SME/RJ repassou valores altíssimos à Cultura Inglesa e proibiu os professores

de Língua Inglesa de usarem os livros gratuitamente enviados pelo MEC. No artigo “Dialogue entre les

études du langage et les présupposés de la démarche ergologique: le travail de sélection d’enseignants

pour e’en-seignement public brésilien”, publicado em Revue Phronesis (no prelo, v. 8, n. 4, 2019/2),

Daher apresenta esses valores e discute sobre o processo de seleção de professores no sistema de ensino

brasileiro.

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falar” a Língua Inglesa, uma vez que há crenças que defendem que só se aprende

Línguas Estrangeiras em escolas de idiomas. Portanto, faz-se necessário ressaltar uma

vez mais que os objetivos pedagógicos e linguísticos de um curso de idiomas e de uma

escola regular em relação ao ensino de uma Língua Estrangeira são completamente

distintos. Há outros aspectos a serem considerados também, amplamente discutidos e

documentados, como a quantidade de alunos por turma e a carga horária semanal

dedicada à aprendizagem das Línguas Estrangeiras na escola.

A referência à Cultura Inglesa, como fonte legitimadora, para promover um

ensino com foco na oralidade, remete-se a instituição da Língua Inglesa como a língua

da comunicação e, muitas vezes, os sentidos que se atribuem à comunicação restringem-

se a habilidade oral, o que faz com que seja a habilidade mais privilegiada socialmente,

pelo menos o é para o enunciador-entrevistado e para a instituição que representa.

Ademais, nas palavras de Oliveira (2017, p. 34), aludir a Cultura Inglesa como a

responsável pelo ensino de inglês nas escolas municipais cariocas, para alguns

coenunciadores, “constitui-se discursivamente como possibilidade de “inclusão” dos

que não tem poder aquisitivo de frequentar o curso, de vir a fazê-lo, levando a crer que

se equalizam oportunidades”.

Entendemos também que a menção a essa autoridade citada para o enunciador e

a comunidade discursiva em se inscrevem reforça sua identidade enunciativa, isto é, sua

filiação ao discurso neoliberal na educação, considerando que, segundo Frigotto (2011),

o estabelecimento de parcerias entre o público e o privado é um dos mecanismos das

práticas educacionais mercantis. Intervenções estas que são incentivadas, por exemplo,

pelo Banco Mundial (2011, p. 02), organização que tem interesse em reforçar vínculos

entre a economia e a educação, “governos, organizações da sociedade civil (CSO),

comunidades e empresas privadas têm contribuído para este progresso, construindo

mais escolas e salas de aula e recrutando professores a níveis sem precedentes”.

Proliferam-se os discursos sobre a ineficiência da esfera pública para justificar a entrada

das empresas privadas “mediante disfarce, quando o privado permanece encoberto pelo

eufemismo que engloba organizações sociais ou o chamado terceiro setor”

(FRIGOTTO, 2011, p. 248). E assim, o público delega ao privado responsabilidades que

compõem seu quadro de atribuições.

Embora a entrevista não tenha sido analisada na íntegra, as respostas

selecionadas nos possibilitam compreender o funcionamento linguístico-discursivo

desse enunciado. No que tange à interação enunciador-coenunciador, observamos um

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efeito de distanciamento, apesar da pretendida proximidade com o público-leitor,

mediada pela entrevista, para discussões e reflexões sobre as questões relativas à

educação carioca, quando o enunciador não faz referências explícitas ao coenunciador.

Discursivamente, esse efeito de distanciamento e o efeito de cientificidade,

produzido pela presença das asserções, confere ao enunciador-entrevistado, autoridade e

legitimidade para falar das intervenções político-pedagógicas e apresentá-las como

verdades irrefutáveis e positivas. Ademais de institui-lo como um enunciador que

pressupõe o acordo de todos em relação aos temas abordados, uma vez que recorre a

uma estratégia de ocultar qualquer possibilidade de questionamento, fortalecendo assim

seu posicionamento discursivo, situado nas práticas discursivas neoliberais. Desse

modo, cabe ao coenunciador, ou seja, ao público-leitor da Revista PontoCom

“concordar” com o discurso sobre educação da ex-secretária sem questionar e aventar

outras alternativas para a educação carioca.

4.6 As Considerações de análise

Retomamos as análises empreendidas, colocando-as em relação e observando

como as reflexões produzidas respondem ao nosso questionamento de pesquisa.

Partimos de um entendimento de que a promulgação desse Decreto Municipal nº

31187/2009 (RIO DE JANEIRO, 2009) é um acontecimento discursivo e como tal

implica uma ruptura e/ou regularidade histórica. Apreender a emergência de um

acontecimento discursivo exige estabelecer relações entre processos históricos e

discursivos (FOUCAULT, 2008).

Com vistas a dar visibilidades a essas relações, recorremos ao conceito de

rizoma de Deleuze e Guattari (1995) para a construção de nosso objeto de pesquisa. Na

perspectiva rizomática, nega-se a existência de um ponto de origem fixado em

estruturas hierarquizadas, em contrapartida, defende-se que as relações são lineares e

estão em múltiplas dimensões nas quais todos os pontos podem conectar-se. O conceito

de rizoma é bastante produtivo no campo dos estudos da linguagem, e, referimo-nos

aqui, especificamente, às correntes teóricas que se debruçam sob o discurso.

Tendo em vista que a concepção de discurso também mobiliza essa ideia de

descentramento, haja vista as definições propostas por Foucault e Maingueneau. De

acordo com o filósofo francês (2008), os enunciados estão em dispersão e recuperar as

regularidades que os formam possibilita ao analista compreender os discursos em

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circulação. Segundo Maingueneau (2008a), o discurso é uma dispersão de textos e seu

modo de inscrição na história define um espaço de regularidades enunciativas.

Apesar de o rizoma ter múltiplas entradas e qualquer uma delas ser válida,

optamos por seguir uma ordem de entrada que nos pareceu mais apropriada para o

encaminhamento do processo analítico, desvinculada, portanto, de qualquer princípio de

hierarquização. Entretanto, neste subcapítulo, seguimos uma ordem diferente da

estabelecida no decorrer do processo analítico, para organizarmos melhor, na escrita,

nossas articulações.

Na Carta do Prefeito do PERJ 2009 e do PERJ 2013, por intermédio dos ethos

constituídos - de um cidadão carioca comum e de gestor da cidade - discursivamente, é

construída uma necessidade de transformar o Rio de Janeiro, sobretudo, em nome da

agenda dos eventos esportivos, ademais de imagens positivas das práticas de governo

elaboradas e implantadas, ao longo das gestões de Eduardo Paes, justificando assim,

num movimento de convencimento do coenunciador, as intervenções pelas quais a

cidade passaria. Tais transformações levariam o Rio de Janeiro a se tornar a cidade

maravilhosa, ou melhor, na ideia de cidade maravilhosa vislumbrada pelo enunciador.

Uma dessas intervenções foi a promulgação do Decreto Municipal nº 31187/2009 (RIO

DE JANEIRO, 2009), responsável pela criação do PRCG, ação integrante do “Plano do

Legado da Cidade para Copa 2014 e Jogos Olímpicos e Paraolímpicos”, que fora

conduzido pela Secretaria Municipal de Educação.

Apesar de uma aparente harmonia discursiva, uma vez que o decreto é um ato

normativo que exprime a vontade singular de um governo, não submetida aos mesmos

trâmites ritualísticos que envolvem a discussão e a promulgação de uma lei, o Decreto

Municipal é atravessado por embates e posicionamentos discursivos. De um lado,

observam-se referências a discursos que concebem a língua como um fenômeno social e

historicamente situado e que defende um ensino de Línguas Estrangeiras plurilíngue.

Por outro lado, há menções a discursos que se remetem a um ensino monolíngue de

Línguas Estrangeiras e a uma concepção de língua concebida como uma ferramenta de

comunicação. Essas discursividades produzem sentidos distintos para “global” presente

no sintagma nominal “criança global”; no primeiro caso, relacionam-se a diversidade e

a pluralidade e, no segundo, faz-se alusão à unicidade cultural e linguística, sendo esse

sentido aquele que se estabiliza, posto que o decreto aborda o ensino de uma Língua

Estrangeira e esta é a Língua Inglesa, constituída discursivamente como a língua franca

por “atender” aos interesses e às necessidades da globalização econômica.

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Esse sentido de língua global que se atribui ao inglês não é um dado imanente,

desvinculado do contexto histórico social em que se inscreve. É fruto de articulações

político-sociais que a valorizam como sendo o “idioma apropriado” para colocar o

Brasil no cenário internacional econômico. Contudo, aceitar esse status reforça os

princípios de uma ideologia dominante e de uma ordem global a que esse idioma serve.

Ideologia dominante essa que precisa ser rompida visto que, nas palavras de Santos

(2002), essa globalização hegemônica não melhora os níveis de qualidade de vida de

grande parte da população mundial, em contrapartida, faz aumentar a diferença entre os

índices sociais dos países desenvolvidos e dos países em desenvolvimento e

subdesenvolvidos.

No âmbito das escolas municipais, a Língua Inglesa “ganha destaque”, tendo em

vista o projeto neoliberal para a educação carioca que estava em curso. Por intermédio

da entrevista de Cláudia Costin, concedida à Revista PontoCom, observa-se que a

política educacional elaborada e implantada na rede municipal é atravessada por um

discurso neoliberal, quando os objetivos do mercado se sobrepõem aos objetivos da

educação. Logo, a predileção pelo ensino da Língua Inglesa também está fundamentado

nessa perspectiva discursiva, dado que essa política de línguas está inserida na política

educacional da SME/RJ.

Dentro dessa lógica mercantil, dois movimentos são relevantes e atravessaram-

nas. A primeira é a constituição de uma imagem de professor dependente de orientações

para exercer suas atividades docentes e a outra é a produção de uma imagem ineficiente

do serviço público para justificar a entrada das empresas privadas em nome de uma

melhoria na qualidade da educação. Posto isso, para coordenar o ensino da Língua

Inglesa, foi estabelecida uma parceria entre a SME/RJ e a Cultura Inglesa que, dentre

outras atribuições, ficou responsável pela elaboração do material didático e a

“capacitação” dos professores de Língua Inglesa, os quais tiveram suas práticas

controladas por essa empresa privada (OLIVEIRA, 2017), gerando assim uma

uniformização do fazer pedagógico.

Na peça publicitária analisada, a cenografia discursiva constituída remete-nos a

uma equiparação de uma sala de aula ao setor de produção fabril, o que salienta um

modo bem específico de se constituir a educação e a formação cidadã. Nesse contexto, a

concepção de uma educação como ferramenta para a transformação social cede lugar

para uma concepção de educação que disciplina e padroniza os corpos e as práticas

docentes, uma vez que se objetiva a formação de cidadãos obedientes e moldados aos

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interesses e às necessidades do mercado. Objetivos educacionais estão intrinsecamente

vinculados ao desenvolvimento econômico, o que leva a um não interesse em investir

em uma educação que priorize uma formação cidadão emancipadora que os liberte e

leve-os a questionar o status quo, ao invés de aceitá-lo passivamente.

Dito isso, Oliveira (2017) assevera que o ensino da Língua Inglesa, intermediado

pelo uso do material didático da Learning Factory, não contribuiu com a formação

crítica do aluno para que pudesse atuar nessa sociedade marcada pelas diferenças

sociais, por outro lado, contribuiu para que fossem apenas reprodutores de estruturas

gramaticais sem saber utilizá-las de forma efetiva, em diferentes situações com

diferentes sentidos.

Para que o PRCG fosse implantado efetivamente, de modo a garantir a entrada e

a permanência da Língua Inglesa nas escolas, considerando que esse espaço também era

compartilhado pela Língua Espanhola e pela Língua Francesa, foram produzidas as

circulares E/SUBE/nº 13/2012 e E/SUBE/nº 08/2015, situadas entre as práticas

ordinatórias da Administração Pública, cuja função é uniformizar os procedimentos em

uma repartição e fazer com que a informação chegue a todos da mesma forma.

Entretanto, seu funcionamento discursivo assume um caráter prescritivo-

normativo, desempenhando o papel de normatizar o Decreto Municipal. Essa

regulamentação acaba por instituir um (não) lugar da Língua Espanhola e da Língua

Francesa na matriz curricular e, principalmente, nas salas de aula cariocas. O que

demonstra certo desajuste administrativo por parte da SME/RJ, visto que os professores

dessas Línguas Estrangeiras passaram a ter possibilidades limitadas para lecionar suas

disciplinas de ingresso, na Rede Municipal, via concurso público.

A partir do processo analítico dessa rede de enunciados, pudemos problematizar

que a ampliação na oferta da Língua Inglesa não está alinhada necessariamente a

objetivos educacionais, à contribuição que o estudo dessa Língua Estrangeira pode

proporcionar a uma formação cidadã crítica e consciente dos estudantes. Inclusive

pouco se falou sobre a relevância dessa aprendizagem. Em contrapartida, esse

“incentivo” à Língua Inglesa está comprometido com o mercado, com o

desenvolvimento econômico e com a formação de mão de obra.

Após essas reflexões, finalizamos o nosso trabalho com algumas considerações

sobre o nosso percurso.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre idas e vindas, continuidades e descontinuidades, concluímos esta pesquisa,

apesar de saber que muito ainda poderia ser dito, mas colocar o ponto final é necessário.

Inicialmente, nosso interesse recaia em investigar a atividade de trabalho do

professor de Língua Espanhola, em uma dessas descontinuidades, movida por outras

leituras e reflexões, redirecionamos nosso olhar e questionamos: como se fez possível a

criação do Programa Rio Criança Global, que institui uma política de línguas

monolíngue nas escolas da SME/RJ, uma rede reconhecida por ser plurilíngue? E, assim

dar visibilidade aos posicionamentos discursivos que atravessam o PRCG e inauguram

uma ruptura discursiva no ensino das Línguas Estrangeiras nas escolas municipais

cariocas.

A Análise do Discurso tem como proposta considerar a relação entre a

linguagem e a exterioridade. Importa apreender como se inscrevem no linguístico as

condições de produção, em especial, os coenunciadores e o contexto histórico-social.

Fez-se relevante, portanto, observar os aspectos históricos e sociais que circundaram o

PRCG, como o modo de governo da cidade, por sua vez, pautado na lógica do

funcionamento do mercado, ao longo das gestões de Eduardo Paes, marcadas por

intervenções econômicas, arquitetônicas, educacionais e políticas, em nome dos eventos

esportivos que a cidade sediou entre os anos de 2013 a 2016.

Retomamos também os processos históricos de inclusão das Línguas

Estrangeiras no currículo oficial das escolas brasileiras, marcada por continuidades e

descontinuidades no discurso normativo, e, principalmente, como se deu a entrada da

Língua Espanhola, Francesa e Inglesa nas escolas municipais cariocas, fazendo com que

a Rede Municipal fosse reconhecida por essa perspectiva plurilíngue.

Estabelecer uma política de línguas que caminhe em sentido oposto a essa

orientação desconsidera toda essa historicidade, ademais de negar ao aluno a

possibilidade do contato com a diversidade cultural e linguística, apregoada nas

orientações curriculares da própria SME/RJ. Por isso, é importante que, nós, os

professores de Línguas Estrangeiras, estejamos atentos a esses movimentos que tendem

a silenciar a pluralidade linguística e cultural e que nos posicionemos seja através de

resistências in loco ou através de pesquisas acadêmicas, sendo uma forma, inclusive, de

aproximar a escola da academia ou a academia da escola, diminuindo assim a distância

entre essas instituições.

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Considerando nosso questionamento de pesquisa, recorremos a uma rede de

enunciados produzidos na esfera midiática e na esfera institucional sobre a educação

carioca e sobre as Línguas Estrangeiras, pela voz governamental, como decreto,

circular, carta do prefeito, ou por meio dela, como a entrevista e a peça publicitária, de

modo a recuperar sua regularidade e compreender os discursos em circulação.

Mobilizamos, para tanto, as seguintes categorias ethos, cenografia discursiva,

gêneros do discurso (MAINGUENEAU, 1997, 2002, 2008a, 2008b, 2015) e modalidade

assertiva e deôntica (CERVONI, 1989) para analisar o corpus. Assim, observamos que

esses enunciados são atravessados pelo discurso neoliberal, o qual atrela à educação

escolar à preparação para o trabalho, para às necessidades da livre iniciativa. Esta é a

discursividade que sustentou a política educacional da SME/RJ e, por conseguinte, o

PRCG, produzindo sentidos outros sobre educação, professor e formação cidadã não

condizentes com a compreensão de educação como um direito social e subjetivo, e uma

ferramenta para a transformação social.

Acreditamos que a função de uma pesquisa acadêmica é a de instigar

problematizações e reflexões sobre uma demanda. Esta pesquisa consistiu em dar

visibilidades a esses movimentos discursivos que sustentaram a criação do PRCG e

contestar a “predileção” pela Língua Inglesa como se fosse um dado natural e não fruto

de articulações político-sociais, de um determinado modo de constituição desse idioma.

Ademais de mostrar que cabe à comunidade escolar questionar sempre as intervenções

político-pedagógicas propostas pelos sistemas de ensino, em nosso caso, pela SME/RJ

quando estas não colocam em primeiro lugar uma educação emancipatória. Como

pesquisadora, mas, principalmente, como professora, acreditamos que o papel da

educação é transformar a realidade e para isso as políticas públicas educacionais

precisam ter como parâmetro de ação o ser humano e não o mercado.

Entendemos que as reflexões feitas neste trabalho não se encerram aqui. A partir

de 2016, a imposição da Língua Inglesa restrita ao município carioca, o que poderia ser

revogado, com a Medida Provisória nº 746 (BRASIL, 2016) e futuramente a Lei nº

13415/2017 (BRASIL, 2017), amplia-se para toda a educação nacional, sendo

obrigatório, do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, o ensino da

Língua Estrangeira. O que corrobora o (não) lugar dos professores de Língua Espanhola

e de Língua Francesa da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, falamos da

cidade carioca porque é o nosso locus de pesquisa, contudo, a alteração na LDB

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9394/1996 (BRASIL, 1996) afetará aos professores dessas e de outras Línguas

Estrangeiras em todos os sistemas de ensino brasileiro.

Em 2018, na gestão de Marcelo Crivella e do ex-secretário de educação, César

Benjamin, expandiu-se o número das escolas bilíngues em Língua Espanhola de uma

para onze unidades e criou-se uma em Língua Francesa, como uma possibilidade de

atuação dos professores desses idiomas, tendo em vista que nas escolas não bilíngues

não há espaço na matriz curricular para outro idioma a não ser para a língua obrigatória,

a Língua Inglesa.

Entretanto, em relação às incertezas futuras sobre os professores de Língua

Espanhola e de Língua Francesa, em um cenário no qual a legislação nacional agora

impõe a Língua Inglesa, cabem alguns questionamentos, como, por exemplo: Essas

escolas bilíngues absorverão todos os professores de espanhol e de francês? Como é

atividade de trabalho dos docentes em uma escola bilíngue? Caso o professor não queira

atuar em uma escola bilíngue, qual será sua atividade de trabalho?

Voltar o nosso olhar para a atividade de trabalho dos professores de Língua

Espanhola e de Língua Francesa pós-promulgação do Programa Rio Criança Global e

Lei federal nº 13415/2017 (BRASIL, 2017) é um possível desdobramento desta

pesquisa que, por hora, colocamos um ponto final.

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ANEXO 01

PLANO ESTRATÉGICO DA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO 2009 - 2012

A CARTA DO PREFEITO

O Rio de Janeiro tem demonstrado através de sua história uma incrível capacidade de se

reinventar. Foi assim com a chegada da família real, com a ida da capital pra Brasília, e

com as inúmeras reformas urbanas que modificaram a topografia da nossa cidade.

O Aterro do Flamengo, a duplicação da Avenida Atlântica, o Túnel Rebouças, as Linhas

Amarela e Vermelha são demonstrações exemplares da capacidade de autocrítica e de

reengenharia da cidade.

O Rio é responsável pela criação das marcas brasileiras mais conhecidas no mundo:

Maracanã, Copacabana, Ipanema, Corcovado, Pão de Açúcar, Samba, Bossa Nova. Sem

mencionar a marca Rio, abrigada no imaginário de pessoas no mundo inteiro, e que fala

por si só.

Ninguém discute a relevância cultural, econômica e histórica do Rio de Janeiro. Mas

nós, que vivemos e fazemos esta cidade, precisamos questionar o presente e a realidade

que nos cerca para novamente alimentar os sonhos de um futuro promissor. A

expectativa de ser a capital da Copa 2014 e a conquista dos Jogos Olímpicos de 2016

estabelecem um momento oportuno para transformar esses sonhos em ideias, projetos,

realizações.

A Prefeitura, através do seu Plano Estratégico, propõe um caminho para alcançarmos

esse objetivo. E convida a refletir o que somos, o que pretendemos e – mais importante

– como podemos juntos, poder público e cidadãos, redesenhar nosso futuro.

Não se trata de apresentar à sociedade apenas um documento. Queremos construir

juntos os fundamentos de uma nova realidade no Rio de Janeiro. A Prefeitura não

pretende apenas orientar e tomar decisões sobre políticas públicas, quer também

recuperar seu papel de pensar a cidade, influenciando investimentos e inspirando

empresas e pessoas a pensar como agente de mudança.

O Rio tem muitas qualidades e enormes desafios. Neste momento, temos diante de nós

o dever de enfrentá-los de forma planejada. E a convicção de que podemos vencê-los. É

hora de recuperar a maravilhosa ideia de cidade que queremos e podemos ser: o Rio

mais integrado e competitivo.

Eduardo Paes

Prefeito do Rio de Janeiro

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ANEXO 02

PLANO ESTRATÉGICO DA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO 2013 - 2016

A CARTA DO PREFEITO

O lançamento do primeiro Plano Estratégico da Prefeitura do Rio, em 2009, representou

um grande avanço na forma de administrar a cidade. Pela primeira vez, foram fixadas

metas anuais e objetivas para cada área de gestão, divulgadas de forma transparente para

a sociedade e acompanhadas por todos os cariocas. De lá para cá, o Rio mudou e

acumulou muitas conquistas: a consagração da cidade como palco de grandes eventos,

como a Jornada Mundial da Juventude em 2013, a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos e

Paralímpicos de 2016; o processo de recuperação de áreas degradadas, como o da

Região Portuária através do projeto Porto Maravilha; o início de obras de mobilidade

urbana que vão permitir a integração de toda a cidade; e a retomada da capacidade de

investimento da Prefeitura, inclusive com o reconhecimento das grandes agências

internacionais de classificação de risco, o que nos permitiu praticamente dobrar os

recursos para Saúde e Educação.

Depois de três anos, estamos desenvolvendo a primeira revisão do Plano Estratégico,

que vai ampliar a visão da cidade para 2030 e, assim, definir novas diretrizes, metas e

iniciativas para o período de 2013 a 2016. O sucesso do atual Plano, que se encerra

agora em 2012, encheu a Prefeitura de satisfação. A maior parte das metas traçadas foi

atingida e um volume expressivo de informações gerenciais foi coletado e analisado

como parte do acompanhamento do próprio Plano. O que só foi possível com o

envolvimento e comprometimento total dos servidores municipais, que hoje trabalham

por um Rio melhor e com melhores serviços. A transparência na divulgação das metas e

iniciativas, assim como dos resultados obtidos, tem nos aproximado cada vez mais do

cidadão carioca, seja para o reconhecimento ou para a cobrança.

Temos plena consciência de que os sucessos obtidos não representam a linha de

chegada. Ao contrário, funcionam como uma plataforma para outras ações e inovações,

cujo objetivo é transformar o Rio de Janeiro na melhor cidade do Hemisfério Sul para se

viver e trabalhar. É com muito orgulho que encaminhamos esta revisão do Plano aos

cariocas, para que possamos, juntos, ajudar a construir nosso ideal de Cidade

Maravilhosa.

Eduardo Paes

Prefeito do Rio de Janeiro

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ANEXO 03

DECRETO Nº 31187 DE 6 DE OUTUBRO DE 2009.

Cria o Programa Rio Criança Global no âmbito da Secretaria Municipal de Educação.

O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso das atribuições que lhe são

conferidas pela legislação em vigor e

CONSIDERANDO que a Cidade do Rio de Janeiro sediará os Jogos Olímpicos e

Paraolímpicos no ano de 2016;

CONSIDERANDO que no ano de 2016, com a realização das Olimpíadas, a Cidade do

Rio de Janeiro receberá turistas de todo o mundo, o que propiciará a convivência com

diversas culturas;

CONSIDERANDO que uma das características do mundo contemporâneo é o

estreitamento de culturas, por intermédio da disseminação do saber, da arte, da

tecnologia, da comunicação e dos esportes;

CONSIDERANDO que a aprendizagem da Língua Estrangeira não se resume, apenas,

no domínio de habilidades a partir de um inventário de estruturas linguísticas, mas

envolve, também, a apropriação de novos olhares sobre o mundo que nos cerca,

envolvendo diferentes culturas e dizeres;

CONSIDERANDO que o enfoque adotado pela Secretaria Municipal de Educação,

compreende a linguagem como uma forma de apropriar-se de práticas discursivas na

Língua Estrangeira, especialmente, o idioma inglês;

DECRETA:

Art. 1.º Fica criado, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, o Programa Rio

Criança Global, que tem por objetivo ampliar, para todos os anos do Ensino

Fundamental, o ensino da Língua Inglesa nas unidades escolares da Rede Pública

Municipal de Ensino, com enfoque na conversação.

Art. 2.º O Programa a que se reporta o artigo 1º será implementado gradualmente, a

partir do ano de 2010, da seguinte forma:

I – em 2010: 1º ao 3º ano;

II – 2011: inclui-se o 4º ano;

III – 2012: inclui-se o 5º ano;

V – 2013: inclui-se o 6º ano;

VI – 2014: inclui-se o 7º ano;

VII – 2015: inclui-se o 8º ano;

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VIII – 2016: inclui-se o 9º ano.

Art. 3.º Nas unidades escolares do Programa Escolas do Amanhã, além das atividades

desenvolvidas no horário normal, deverá haver reforço do ensino da Língua Inglesa, no

contraturno, duas vezes por semana, em diferentes níveis de complexidade (Básico,

Intermediário e Avançado).

Art. 4.º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.

Rio de Janeiro, 6 de outubro de 2009

Disponível em: http://doweb.rio.rj.gov.br/visualizar_pdf.php?edi_id=649&page=1.

Acesso em 26/08/2017

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Circular E/SUBE/ nº 13/2012. Rio de Janeiro, 07 de março de 2012.

Assunto: Orientações gerais para lotação de professores de Língua Estrangeira.

Sr.(a). Coordenadora de E/SUBE/CRE

Sr.(a) Gerente da E/SUBE/CRE/GED

Sr.(a) Gerente de E/SUBG/CRE/GRH

A implantação do Programa Rio Criança Global, desde seu início, vem

ampliando gradativamente as aulas de Inglês para alunos da Rede.

2 Contratamos novos professores e priorizamos a lotação, inicialmente em

turmas do 1º segmento.

3. A partir de 2011, os professores novos deveriam ser lotados de forma a

atender também aos alunos do 6º ano e agora em 2012, a prioridade é de atendimento

aos alunos de 1º ao 7º anos.

4. O objetivo final é implantar o ensino de Inglês para todos os alunos até o 9º

ano em 2014.

5. Gradativamente, teremos o ensino de Inglês na grade curricular e o Espanhol

e Francês como segunda língua estrangeira a ser oferecida como ampliação de horário

escolar, nas escolas de turno único, ou no contraturno, nas escolas de horário parcial.

6. Para melhor atender a essa nova organização, seguem orientações gerais para

lotação dos professores de Língua Estrangeira:

§ Os professores de Espanhol e Francês devem ser lotados,

preferencialmente, em turmas de 8º e 9º anos e projeto de Aceleração 3, em 2012;

§ A lotação de professores de Inglês nas turmas de 8º a 9º anos

não está proibida, mas a CRE só poderá fazê-la após ter professores atendendo a todas

as turmas de 1º ao 7º anos.

§ Caso haja necessidade de cessão ou de complementação de

carga horária em outra escola, deve ser observada a distância entre as escolas para

minimizar as mudanças no cotidiano do professor;

§ A CRE deve analisar com cada direção de escola a situação de

seus professores, para então tomar providências quanto à cessão e complementação de

carga horária;

§ As diretoras das escolas para onde os professores forem

cedidos devem ser informadas da lotação de professores dessas disciplinas e a que

turmas eles atenderão, para evitar confusões e devoluções por desconhecimento da

realidade da CRE como um todo;

ANEXO 04

PREFEITURA

DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Secretaria Municipal de Educação

Rua Afonso Cavalcanti, nº 455 - 3º andar – sala 301 – Bl. I - CASS

Cidade Nova - Rio de Janeiro – RJ – CEP 20211-901

Telefone: (21) 2976-2478/2479

Correio eletrônico: [email protected]

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7. Lembramos que o objetivo dessas orientações é minimizar a insatisfação

dos professores, informando que em breve teremos lotação de professores de Espanhol,

oriundos do concurso em andamento.

Atenciosamente,

Regina Helena Diniz Bomeny

Subsecretária de Ensino

70/19875

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ANEXO 05

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ANEXO 06

PEÇA PUBLICITÁRIA DA PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO

Disponível em: https://educacao.uol.com.br/noticias/2014/12/09/prefeitura-do-rio-compara-

escola-a-fabrica-e-gera-criticas-no-facebook.htm. Acesso em 01 de março de 2019.

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ANEXO 07

ENTREVISTA DE CLÁUDIA COSTIN À REVISTA PONTOCOM

“NO RIO, PROFESSORES E SECRETARIA TRABALHAM JUNTOS”

Publicado em Entrevistas

Tags:claudia costin, educomunicacao, mídia e educação, sme

21SET

Educação: o que eu quero para minha cidade? Este é o slogan da campanha

darevistapontocom.Conheça a proposta e participe. Abaixo, você confere a entrevista concedida

pela secretária municipal de Educação do Rio, Claudia Costin

As entrevistas aqui publicadas não traduzem a opinião da revistapontocom. Sua publicação obedece

ao propósito de promover o debate da política pública municipal de educação, no Brasil, com ênfase

no Rio de Janeiro, e de refletir as diversas tendências de pensamento. O espaço está aberto a todos os

interessados em se manifestar.

Por Marcus Tavares

“Não podemos considerar, por exemplo, que oferecemos um ensino de excelência se não tivermos,

no mínimo, sete horas de aula por dia. Os 15 melhores países no Pisa têm sete horas. Vamos

implementar isso aos poucos. Não poderíamos fazer de uma vez, pois estaríamos sendo

irresponsáveis. Cada mudança mínima em nossa rede tem um impacto tamanho. São cerca de 41 mil

professores”, afirma Claudia Costin, secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro.

Em entrevista à revistapontocom, Claudia faz um balanço de sua gestão. Conta qual foi a sua

estratégia de ação assim que assumiu a pasta. Traz dados estatísticos que mostram que a rede

municipal de escolas do Rio vem apresentando bons resultados no Ideb e na Prova Brasil. Rebate

críticas de professores e sindicatos de que sua gestão só se preocupa com avaliações e de que a

política de sua administração tira a autonomia do professor. E adianta que, caso o prefeito Eduardo

Paes seja reeleito, deseja continuar à frente da secretaria. Projetos futuros: plano de cargos e salários

dos professores e ampliar o horário escolar.

Acompanhe:

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revistapontocom – Qual era a radiografia da rede de ensino do Rio quando a senhora

assumiu?

Claudia Costin – Resisti muito até aceitar o convite do prefeito Eduardo Paes. Trabalhava em São

Paulo, na Fundação Victor Civita, voltada para a melhoria da educação pública, e assumir a

secretaria significava uma mudança de vida muito complicada. Inicialmente, em vez de assumir,

propus a elaboração de um plano de melhoria do sistema educacional da cidade, que poderia ser

tocado por outra pessoa. Eu disse não algumas vezes, mas, o prefeito insistiu e resolvi então aceitar,

porque acreditei – e acredito – que poderíamos transformar o Rio. Tínhamos uma rede bastante

organizada de professores. Com professores de qualidade, dado a competitividade dos concursos

públicos que conseguiam atrair, na média, bons mestres. Havia também sistemas informatizados

bastante razoáveis. Não começaríamos do zero e havia, portanto, pontos que permitiriam dar um

salto na qualidade da educação. A cidade já tinha tido boas secretárias. A Regina de Assis foi uma

ótima secretária. A Sônia Mograbi que me antecedeu foi uma secretária séria e muito dedicada.

Vínhamos de um cenário que não era um desastre. Mas poderíamos, com certeza, melhorar a rede.

Comecei então a preparar um diagnóstico mais preciso, observando algumas estatísticas.

revistapontocom – Que tipo de estatísticas?

Claudia Costin – Por exemplo: as notas da Prova Brasil e do Ideb. O Ideb da cidade do Rio não era

ruim para padrões nacionais, porém a nota da Prova Brasil estava em queda tanto no primeiro quanto

no segundo segmento. O que nos colocava numa posição perigosa, ainda mais quando o prefeito

Eduardo Paes havia me informado que o seu programa de governo previa o fim da aprovação

automática. Fiquei preocupada: se você colocasse as notas da Prova Brasil num mapa, perceberia

que as notas de 2007 eram muito desiguais pela rede. Havia escolas com desempenho europeu e

outras com resultado ruim, muitas localizadas em áreas conflagradas, o que reforçava a importância

de trabalharmos mais pesado, por meio de ações positivas, nestas regiões. Antes de tomar qualquer

medida, fiz reuniões com todas as diretoras de escolas, divididas pelas Coordenadorias Regionais de

Educação (CRE). Ouvi, ouvi muito.

revistapontocom – O que as diretoras das escolas disseram?

Claudia Costin – Que havia muito analfabeto funcional, que não se aplicavam mais provas na rede

e que a cultura do dever de casa não existia. Afirmaram também que as escolas careciam de

infraestrutura de apoio. As instituições não tinham secretárias, porteiros, inspetores…

revistapontocom – A avaliação das estatísticas e das diretoras foi o ponto de partida?

Claudia Costin – Não isoladamente, visto que já contávamos com dados sobre o desempenho das

escolas. Mas ajudou muito. Em seguida, aplicamos uma prova de nivelamento para ver, de fato,

como estavam os nossos alunos. Afinal, de onde partiríamos? Tínhamos poucos dados concretos

sobre o ensino, sobre a aprendizagem das crianças. Decidimos fazer duas grandes provas: uma para

o 4º, 5º e 6º anos para saber se havia analfabetos funcionais. E uma entre os estudantes do 2º ano

para saber se havia déficits importantes de defasagem em Português e Matemática. Descobrimos que

havia na rede cerca de 28 mil analfabetos funcionais, do 4º ao 6º ano. Isso significava que tínhamos

14% de analfabetos funcionais, do 4º ao 6º ano. Era um dado que não era condizente com o Brasil,

com a 6ª economia do mundo. Não podíamos aceitar isso. Tínhamos uma taxa de reprovação em

torno de 30%, do 6º ao 9º ano. Resolvemos investir pesado em diferentes modalidades de reforço,

além de estruturar um currículo e oferecer estratégias, instrumentos aos professores. A rede contava

com o Núcleo Curricular Base, a MultiEducação, que trazia uma linguagem parecida com os

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Parâmetros Curriculares Nacionais, mas que era bastante genérica e não definia com clareza quais

deveriam ser as competências dos professores em cada etapa de ensino. Para alguns professores,

recém-saídos da universidade, que, como mostra Bernadeth Gatti, enfatiza teorias, fundamentos e

tem pouca vivencia prática, a chance de fazer um trabalho sólido e sequencial, sem uma orientação

estruturada, era bem pequena. Decidimos montar um currículo muito claro, organizado por

bimestres, determinando precisamente o que cada criança deveria aprender. Produzimos, então, o

chamado material estruturado, feito pela própria rede, que auxiliava o trabalho do professor com

base no currículo. E por fim resolvemos implantar provas bimestrais unificadas que permitissem que

cada escola soubesse se aquela criança estava evoluindo positivamente ou negativamente, e que a

rede soubesse, inclusive, como cada escola estava evoluindo comparativamente com as outras, com a

média da rede. Desde então, ao final do exame, cada diretor recebe um mapa onde é possível

enxergar todos esses dados por disciplina. A princípio pode parecer que estávamos tirando a

autonomia do professor. Não é o caso. Costumo me fazer valer de uma fala de Claudio Moura

Castro. Ele afirma que a Educação é como se fosse uma orquestra. Nesta orquestra, é fundamental

que cada um tenha a sua partitura, caso contrário não promovemos o sequenciamento da

aprendizagem e a interdisciplinaridade. Isso não impede, de forma alguma, que cada músico coloque

toda a sua magia no desenvolvimento da música. Nesta perspectiva que implantamos, um professor

maravilhoso vai produzir uma aula encantadora. Aquele não tanto maravilhoso vai, pelo menos,

cumprir os conteúdos necessários.

revistapontocom – O resultado destas provas serviu apenas como diagnóstico?

Claudia Costin – Serviu e ainda serve para dar um retorno à escola sobre sua evolução e para a

definição e redefinição das ações de reforço escolar. O primeiro reforço que decorre do resultado

destas provas é o mais simples. Ele pode ser dado pelo professor, com a ajuda de voluntários e ou

estagiários. Produzimos um material específico para isso. O segundo tipo de reforço é mais

complexo. Trata-se da realfabetização dos analfabetos funcionais. Procuramos o MEC para saber

quem tinha, de fato, uma tecnologia educacional adequada. Era uma área não dominada pela rede. A

rede do Rio sabia alfabetizar, mas não realfabetizar. O MEC nos recomendou o Instituto Ayrton

Senna, que deu um show. Eles capacitaram cerca de 1500 professores da nossa rede. Isso sem contar

com o trabalho da MultiRio, que capacitou outros três mil profissionais para melhorar a

alfabetização inicial. Nossa gestão colocou a Multirio e a secretaria municipal de Educação do Rio

num caminho sintonizado. A MultiRio foi e é uma peça chave na capacitação dos professores e na

produção de material que dialoga com o professor e com o nosso currículo. Essas avaliações também

nos ajudaram a definir o Programa Acelera, que tem o objetivo de corrigir a defasagem idade/série.

Decidimos fazer isso de uma forma concreta e que resolvesse razoavelmente o problema de uma vez

por todas. Diante de um sistema de progressão continuada, que havia nas gestões anteriores,

tínhamos uma reprovação acentuada no 6º ano. Tínhamos 22% dos alunos, no 6º ano, com

defasagem idade/série. Chamamos a Fundação Roberto Marinho para capacitar nossos professores

num programa de aceleração do ensino. Foi incrível o resultado. Os alunos que participaram deste

programa tiraram notas, nas provas bimestrais, levemente superiores à média da rede. Quanto à

reprovação em si, resolvemos lidar com a questão por meio de um processo de diálogo com a escola,

no sentido de sensibilizar os diretores para conversar com seus professores para evitar que a

aprovação automática virasse uma reprovação automática. Ao perceber que o aluno não aprende, o

sistema de reforço escolar deve ser ativado, antes de se pensar em reprovar.

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revistapontocom – A senhora falou sobre o contexto do primeiro e segundo segmentos. E com

relação ao ciclo da alfabetização? Qual era o cenário?

Claudia Costin – Naquelas reuniões com as diretoras, no início de nossa gestão, elas me disseram

que alguns professores estavam deixando a alfabetização para o último ano do ciclo. A atitude estava

vinculada a uma visão um pouco populista da educação, de que o público é pobre, não possui

ambiente letrado em casa. Era a mesma visão que levava alguns professores a não passarem dever de

casa, não dar redação aos alunos. Não acabamos com o ciclo, pois se trata de uma determinação do

MEC, mas investimos, sim, numa metodologia de alfabetização, muito inspirada nas ideias da

professora Magda Soares, que critica a desmetodologização do processo de alfabetização.

Produzimos o nosso próprio material, o nosso livro de alfabetização, que organiza o ensino e a

aprendizagem no primeiro, segundo e terceiro ano do ciclo. Aproveitando o mote do MEC que

queria fazer um pacto nacional pela alfabetização aos oito anos, lançamos o nosso pacto de fazer o

mesmo, só que aos seis anos de idade. Ao lançar o pacto, já tínhamos investido na capacitação dos

professores, na escrita do livro e na construção de uma avaliação diagnóstica no primeiro ano, onde

foi possível identificar em que nível do processo de letramento se encontrava cada aluno. Instituímos

também uma avaliação interna, no meio do ano, e outra externa, ao final do ano. Com base nestas

avaliações externas, identificamos os alunos com mais dificuldades, que são, então, encaminhados

para o Nenhuma Criança a Menos, que conta com aulas em tempo integral três vezes por semana,

uma lista de livros de leitura obrigatória e monitoramento gerencial do desempenho pela direção.

Neste contexto, os estudantes tinham aulas integrais três vezes por semana. Os professores, cujos

alunos tinham tido êxito na prova, eram entrevistados pela MultiRio, no sentido de socializar seus

conhecimentos e práticas. Voltando ao pacto: hoje já estamos com 83% de nossas crianças

alfabetizadas já no primeiro ano – os dados são de 2011. Nosso desafio é chegar a 95%.

revistapontocom – Houve mudanças também no conteúdo do ciclo de alfabetização, não foi?

Claudia Costin – Sim. Tiramos do ciclo de alfabetização as aulas específicas de História, Geografia

e Ciências. Qual era a intenção? Focar na alfabetização bem feita. Não inventamos isso. Cingapura

fez a mesma coisa. Depois que o aluno está alfabetizado, fica mais fácil entrar com as outras

disciplinas. Mas ao mesmo tempo em que tiramos estes conteúdos, resolvemos introduzir as áreas de

arte e inglês. Em relação ao ensino de inglês, contamos com o auxílio da Cultura Inglesa para nos

orientar numa metodologia que investe muito na oralidade. Para tanto, passamos a exigir no

concurso público para professores de idiomas uma prova oral. Já a arte tem um papel

importantíssimo na formação dos estudantes, para a ampliação de repertório do aluno. O ensino de

artes só acontecia do 6º ao 9º ano. Na 2ª Coordenadoria Regional de Educação resolvemos ir além.

De forma experimental, o ensino de arte, com professor especialista, já faz parte do dia a dia da

educação infantil.

revistapontocom – Há um investimento em diferentes tipos de projetos experimentais,

envolvendo poucas escolas. Por quê?

Claudia Costin – Porque nossa rede é muito extensa. São cerca de 41 mil professores. Qualquer

mudança impacta o dia a dia de milhares de pessoas. Por exemplo: criamos o projeto Ginásio

Carioca, envolvendo uma escola de cada Coordenadoria Regional de Educação (CRE). Nestes

espaços, os alunos têm oito horas de aula, com estudo dirigido, disciplinas eletivas e ações de

protagonismo juvenil. Se ampliássemos as oito horas para todas as escolas criaríamos um caos no

sistema. Vamos devagar, analisando os resultados, positivos e negativos, reformulando as práticas e

ampliando a nossa base. As escolas que sediam o projeto Ginásio Carioca estão agora entre as 50

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melhores da rede e quatro delas, entre as dez. Resultados positivos que também verificamos com o

projeto Escolas do Amanhã, localizadas em áreas conflagradas do Rio, onde as crianças têm acesso a

uma diversidade de atividades. De 2009 a 2011, essas escolas registraram um aumento médio de

33% contra 22% da rede no 2º segmento. Com o experimento realizado é possível verificar se vale a

pena expandir para outras escolas. As escolas do projeto que estão em áreas pacificadas tiveram

resultados ainda mais impressionantes: 42,9%. Outro projeto experimental que também vem dando

boas notícias é a adoção de um professor para todas as disciplinas no 6º ano. Fizemos um teste com

50 turmas do 6º ano. Não é nenhuma novidade. Na Finlândia, só há professor especialista a partir do

8º ano. Em Cuba, somente no Ensino Médio. Em Cingapura, nos anos do 6º ao 9º, não há professor

especialista. A média da rede em Matemática foi de 5,4. Nestas turmas, de 7,5.

revistapontocom – Quais são os desafios hoje da rede municipal?

Claudia Costin – Uso muito a metáfora da construção da muralha da China. Ela levou mais de 300

anos para ser construída. Cada geração construiu um pedaço. Cabe a cada nova geração não destruir

o que já foi construído e avançar mais. Quando você está na metade da caminhada, corre o risco de

apenas valorizar o que já fez, se esquecendo de olhar para frente. Há de se fazer o exercício de olhar

para o passado e para o futuro. E quando olho para frente vejo que falta muita coisa. Não podemos

considerar, por exemplo, que oferecemos um ensino de excelência se não tivermos, no mínimo, sete

horas de aula por dia. Os 15 melhores países no Pisa têm sete horas. Vamos implementar isso aos

poucos. Não poderíamos fazer de uma vez, pois estaríamos sendo irresponsáveis. Cada mudança

mínima em nossa rede tem um impacto tamanho. São cerca de 41 mil professores. Além disso, o

número de filhos por mulher em idade fértil vem diminuindo. O numero de crianças de seis anos

vem caindo. Há ainda uma tendência de a nova classe média, que vem aumentando, tirar seus filhos

da rede pública e colocá-los na rede privada, como símbolo de status ou de diferenciação social. Se

construíssemos mais escolas para o período de sete horas, dentro de três anos, teríamos prédios

ociosos, desperdiçaríamos recursos públicos. Nossa meta até 2016 é que 35% das crianças tenham

sete horas de aula. Estamos preparando o terreno. Todos os concursos públicos para professores são,

agora, para 40 horas. Ao lado deste desafio, temos o da infraestrutura, da manutenção predial, que

envolve muito trabalho. E por último destacaria o problema do bem: as creches. Dobramos o número

de vagas. O que aconteceu: a demanda cresceu mais ainda e temos que atendê-la com qualidade.

revistapontocom – Como ‘anda’ a relação das secretarias municipais de Educação do país com

as universidades, com as faculdades de Educação?

Claudia Costin – A universidade no Brasil está muito distante das redes. Nós produzimos muitos

dados, mas poucos são trabalhados, pesquisados e investigados pelas universidades. Precisa haver

uma relação menos desconfiada. Podemos e devemos ampliar o diálogo.

revistapontocom – Como a senhora avalia o Plano de Carreira da categoria e o salário base?

Claudia Costin – Acho que é necessário construir um novo Plano de Carreira. Na média, é superior

ao de várias partes do Brasil. Mas, sim, precisa de um novo Plano. Este seria outro desafio

importante que vamos enfrentar, caso o governo seja reeleito. Todo administrador tem que olhar com

muito cuidado, pois se trata de uma rede gigantesca. Inclusive para aperfeiçoar elementos da

proposta atual. O salário do professor do município do Rio parece muito baixo, mas a carga horária é

baixa, são 16 horas. Se você considerar um professor de 40 horas, na metade da carreira, com todos

os direitos incluídos, ele ganha em média R$ 5.200,00. É ideal? Não. Mas é muito superior a média

nacional. É importante que o salário inicial seja atraente. É importante organizar isso tudo.

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revistapontocom – Em entrevista à revistapontocom, diretores de faculdades de educação do

Rio destacaram que sua gestão aposta bastante na avaliação da rede – o que é importante

segundo eles – mas que deixa de lado a política pedagógica. A senhora concorda?

Claudia Costin – Eu não concordo. Estava [a avaliação] tão em desuso que choca quando a gente

organiza. França, Finlândia, Coreia e tantos outros países têm avaliação. E não é bimestral não, é

mensal. A questão é que a nossa avaliação é unificada. Os bons professores da rede davam provas

mensais, alguns até quinzenais, antes da minha chegada. O que nós fizemos foi estabelecer provas

bimestrais. É um pouco, acredito eu, de espanto de uma retomada de uma prática que fazia parte, por

exemplo, da dita boa escola do passado. Achamos importante, sim, esta avaliação e uma avaliação

unificada para que cada diretor perceba a sua escola frente à média da rede. Mas não focamos apenas

nas avaliações. Introduzimos a disciplina de arte e inglês desde o 1º ano e não há prova alguma.

Colocamos ênfase no projeto de vida do aluno, há o trabalho do projeto Educopédia, colocamos

salas de música nas escolas, enfatizamos a Educação Física, trabalhamos os valores olímpicos etc.

Há uma série de projetos que não aparece na mídia, mas que, no entanto, são fundamentais para o

processo formativo do aluno. Mas esse espanto é natural. É o espanto do novo, bem de algo que não

é tão novo, mas que é essencial para que se tenham instrumentos para agir. Talvez, algumas escolas

olharam para isso e mobilizaram muitas energias contra, pois não tinham o hábito de avaliar. Hoje a

vida cultural das crianças, por exemplo, é muito mais intensa do que antes. Mas agora há ensino com

base no currículo, uma verificação se a criança está aprendendo e um reforço escolar.

revistapontocom – Outra crítica vem do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação

(Sepe). O Sepe destaca que a atual gestão fez uma série de parcerias retirando recursos

públicos da Educação, da escola, repassando para a iniciativa privada, tirando a autonomia do

professor.

Claudia Costin – Não concordo. Usamos o cadastro de tecnologias educacionais, certificado pelo

MEC, para a escolha das parcerias. Seria hoje vergonhoso se o Sepe informasse que a cidade tem 28

mil analfabetos funcionais. Reivindicação que não estava na agenda do sindicato. Nós não tínhamos

determinados saberes organizados de como realfabetizar e corrigir a defasagem idade/série. Faria

tudo de novo. Nenhum professor de fora veio dar aula. Nossas parcerias foram feitas com ONGs,

fundações e instituições reconhecidas. Não foram Organizações Sociais. Parcerias foram firmadas

como aconteceram em gestões anteriores, como acontece em vários municípios e estados brasileiros.

Chamaria de novo o Instituto Ayrton Senna, a Fundação Roberto Marinho. Fizeram um ótimo

trabalho e foram muito elogiados pelos professores da rede. Capacitar nossos professores, por meio

de universidades e fundações, é muito bom. Internaliza e socializa conhecimento. As boas

organizações fazem isso.

revistapontocom – Sua gestão vem ‘ganhando’ a simpatia e a adesão dos professores?

Claudia Costin – A nossa meta não é conquistar, é trabalhar junto. Sinto que há um diálogo muito

mais forte. Temos um conselho de professores. Eu fico no twitter três horas por dia, dialogando com

os professores, tirando dúvidas, ouvindo críticas, compartilhando experiências boas. Tenho cerca de

40 mil seguidores. Meu e-mail é aberto a todos os professores. Visito pessoalmente as escolas. Acho

que hoje os professores e a secretaria trabalham juntos. Basta ver como as escolas mobilizam. Todos

os professores devem ter uma crítica aqui um elogio ali. Mas é um trabalho em conjunto.

revistapontocom – O prefeito Eduardo Paes sendo reeleito, a senhora continua no cargo?

Claudia Costin – Isso é uma decisão que cabe ao prefeito. Mas ele já me fez o convite. Disse que

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numa eventual reeleição, eu aceito. Ainda gostaria de construir mais um pedaço deste processo. E

mais do que isso: estou vivendo uma intensa paixão. Viver este processo é o maior presente que

ganhei na minha vida. Ele é perfeito? Não. É um processo de avanços, acertos e recuos. Mas é um

processo de intensa paixão. Meu sonho é que toda criança aprenda, se desenvolva bem e esteja

habilitada para construir o seu futuro.

Disponível em: http://revistapontocom.org.br/entrevistas/%E2%80%9Cprofessores-devem-ter-uma-critica-aqui-um-

elogio-ali-mas-e-um-trabalho-conjunto%E2%80%9D. Acesso em 05/10/2018