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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO MANDRÁGORAS: MITOS E ASPECTOS DA CULTURA DE ISRAEL A PARTIR DE GÊNESIS 25 A 36 GLÓRIA MARIA DELLA LÍBERA PRATAS São Bernardo do Campo 2010

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MANDRÁGORAS:

MITOS E ASPECTOS DA CULTURA DE ISRAEL

A PARTIR DE GÊNESIS 25 A 36

GLÓRIA MARIA DELLA LÍBERA PRATAS

São Bernardo do Campo 2010

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MANDRÁGORAS:

MITOS E ASPECTOS DA CULTURA DE ISRAEL

A PARTIR DE GÊNESIS 25 A 36

Por

GLÓRIA MARIA DELLA LÍBERA PRATAS

Orientador: Prof. Dr. Milton Schwantes

Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

para a obtenção do grau de mestre.

São Bernardo do Campo, São Paulo, Brasil 2010

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A dissertação de mestrado sob o título “Mandrágoras: Mitos e Aspectos da cultura

de Israel a partir de Gênesis 25 a 36”, elaborada por Glória Maria Della Libera Pratas

foi apresentada e aprovada em 12 de março de 2010, perante banca examinadora composta

pelos professores Doutores Milton Schwantes (Presidente/UMESP), Tércio Machado

Siqueira (Titular/UMESP) e Renatus Porath (Titular/EDT).

__________________________________________

Prof. Dr. Milton Schwantes

Orientador/a e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________

Prof. Dr. Jung Mo Sung

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Literatura e Religião no Mundo Bíblico

Linha de Pesquisa: Estudos históricos e literários do mundo biblico

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Toda a beleza do mito é justamente seu mistério inacessível,

seu enigma não decifrado.

Arnaldo Jabor

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Agradeço a obtenção da Bolsa do IEPG para finalizar minha graduação

e ao meu orientador, prof. Dr. Milton Schwantes, por também contribuir com esse processo.

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AGRADECIMENTOS

Há sempre uma porta aberta para cada um de nós! Ao adentrarmos por ela

encontraremos oportunidades que nem sequer um dia almejamos. Eu adentrei e vivi esse

desafio! E nesse caminho encontrei pessoas que , sem elas, seria mais um desafio e, talvez,

impossível de ser concluído. Assim, a essas pessoas que me auxiliaram nessa trajetória

dedico esse espaço que não ficará somente em minha memória, ou na de cada uma delas,

mas gravado na eternidade que o tempo a este papel proporcionará.

Primeiramente quero expressar a minha gratidão e o meu louvor a Deus que me

possibilitou chegar até aqui, grau onde jamais sonhei, ou almejei, um dia chegar. Agradeço

a sensação de paz e conforte que ele me proporcionou diante das dificuldades, do desânimo

e das minhas fraquezas, me conduzindo com sua mão segura até o final dessa trajetória.

Uma pessoa a quem devo um eterno agradecimento e mérito por chegar a este grau é o

é o professor Milton Schwantes, meu orientador, que ouso chamar de amigo. Seu incentivo,

paciência, ensinamentos, orientação e investimento me conduziram ao fim desta jornada.

Desde os tempos da Faculdade de Teologia ele acreditou no meu potencial e me levou a

acreditar também.

Dedico, aqui, um espaço muito especial aos meus filhos Marjorie e César. Agradeço a

compreensão e amor. Vocês suportaram os meus momentos de dificuldades, de cansaço e

por mais difícil que fosse, compreenderam minha ausência e horas sem dormir. Vocês me

deram coragem e incentivo quando eu já não tinha. Por tudo, e mais isso tudo, é que eu amo

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muito vocês. Outra pequena pessoinha da família a quem não posso deixar de dedicar

algumas linhas é o meu grande amigo Fred do bem-me-quer, meu cãozinho, que não

desgrudou de mim um só momento nas noites e madrugadas, que passei escrevendo. Sua

companhia me animava e exalava alegria e carinho.

Outro espaço especial está reservado para minhas amigas e suas diferentes

participações e incentivos. À Aline Oliveira, minha amiga de mestrado, e hoje mestre e

amiga de coração, parceira de trabalhos, companheira, amiga e uma grande incentivadora

deixo um carinhoso agradecimento. À Rute Storelli meio amiga/meio irmã o meu muito

obrigado por estar sempre ao meu lado, pelo carinho e por ser tão presente, sempre. À Rita

de Souza que com sua dedicação e carinho me auxiliou nessa difícil jornada. À Sirley

Antoni pela pessoa maravilhosa que tanto me orientou nas tardes que passamos juntas

dividindo o seu chimarrão... muito obrigada amiga! À Regiane e Ana Fonseca amigas que

em seu trabalho na pós-graduação me auxiliaram e vibraram com a continuidade dos meus

estudos e bolsa.

Quero, também, agradecer àqueles/as que não me deixaram abater pelos vários

acontecimentos que dificultaram a minha jornada em 2009. O apoio, palavras de consolo e

incentivo foram fatores decisivos. São pessoas importantes que não esquecerei e que

acreditaram que eu era capaz de chegar até aqui.

Um agradecimento especial ao prof. Tércio Machado Siqueira e a todos os professores

e professoras que permitiram que eu obtivesse uma Bolsa IEPG para terminar esta

graduação e novamente ao meu orientador por contribuir com isso.

A todos/as o meu carinho, respeito e o agradecimento. Que Deus abençoe ricamente a

cada um/a de vocês que me proporcionaram este final feliz.

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PRATAS, Glória Maria Della Libera. Mandrágoras: Mitos e aspectos da cultura de Isarael no

Gênesis 25 a 36. São Bernardo do Campo, 2010. 126 f. São Bernardo do Campo, Universidade

Metodista de São Paulo. Dissertação de Mestrado, 2010.

Sinopse

A sexualidade de Lea e Raquel, o útero, as mandrágoras e o corpo de Jacó são fatores

que definem o alicerce do nosso texto como espaços de diálogo, mediação e estrutura do

cenário. O destaque principal está sob o capítulo 30.14-16 que retrata a memória das

mandrágoras. Como plantas místicas elas dominam o campo religioso e como plantas

medicinais elas são utilizadas para solucionar problemas biológicos.

As instituições e sociedades detentoras de uma ideologia e de leis que regulamentam

uma existência apresentam na narrativa, duas irmãs, mas também esposas de um mesmo

homem que, manipuladas por essa instituição que minimiza e oprime a mulher,

principalmente a estéril, confina-as como simples objeto de sexualidade e mantenedoras da

descendência por meio da maternidade.

A memória das mandrágoras é sinal de que a prática existente circundava uma religião

não monoteísta. Ela existia sociologicamente por meio de sincretismos, força e poderes

sócio-culturais e religiosos. Era constituída das memórias de mulheres que manipulavam e

dominavam o poder sagrado para controle de suas necessidades. O discurso dessas

mulheres, em nossa unidade, prova que o discurso dessa narrativa não se encontra somente

no plano individual, mas também se estende a nível comunitário, espaço que as define e lhes

concede importância por meio do casamento e dádivas da maternidade como continuidade

da descendência.

São mulheres que dominaram um espaço na história com suas lutas e vitórias, com

atos de amor e de sofrimento, de crenças e poderes numa experiência religiosa dominada

pelo masculino que vai além do nosso conhecimento atual. As lutas firmadas na fé e na

ideologia dessas mulheres definiram e acentuaram seu papel de protagonistas nas narrativas

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bíblicas que estudamos no Gênesis. A conservação dessas narrativas, e do espaço teológico

da época, definiu espaços, vidas, gerações e tribos que determinaram as gerações

prometidas e fecharam um ciclo: o da promessa de Iahweh quanto à descendência desde

Abraão.

Os mitos e as crenças foram extintos para dar espaço a uma fé monoteísta, mas a

experiência religiosa dessas mulheres definiu um espaço: do poder sagrado e místico que

corroborava com suas necessidades e definiam sua teologia.

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PRATAS, Glória Maria Della Libera. Mandrakes: Myths and aspects of culture in Isarael

Gênesis 25 a 36. São Bernardo do Campo, 2010. 126 f. São Bernardo do Campo,

Universidade Metodista de São Paulo. Dissertation of Masters Degree, 2010.

Abstract

Rachel and Leah’s sexuality, the womb, the mandrakes and Jacob’s body are factors

that define the foundation of our text as spaces of dialogues, mediation and structure of the

scene. The prominence of this scene is under chapter 30.14-16 that it portrays the memory

of the mandrakes. As mystics plants they dominate the field religious and as medicinal

plants they are used to solve health problems biological.

The institutions and holders societies of an ideology and laws that regulate an

existence present in the narrative, two sisters, but also wives of one exactly man, who

manipulated for this institution that minimizes and oppresses the woman, mainly the barren

one, confining them it simple object of sexuality and holders of a descent by means of the

maternity.

The memory of the mandrakes is signal of that practical the existing one surrounded a

religion not monotheist. It existed sociological by means of partner-cultural and religious

syncretism, force and powers. She was constituted of the memories of women who

manipulated and dominated the sacred power for control of its necessities. The speech of

these women in our unit test that the speech of this narrative does not only meet in the

individual plan, but also extends the communitarian level, space defines that them and it

grants to importance by means of the marriage and gifts to them of the maternity and as

continuity to them of the descent.

They are women who had dominated a space in history with its fights and victories,

with acts of love and suffering, beliefs and powers in a religious experience dominated by

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the masculine that goes beyond our current knowledge. The fights firmed in the faith and

the ideology of these women had defined and accented its paper of protagonists in the

Biblical narratives that we study in the Genesis. The conservation of these narratives, and

the theological space of the time, defined spaces, lives, generations and tribes who had

determined the engaged generations and had closed a cycle: of the promise of Iahweh how

much to the descent since Abraham.

The myths and the beliefs had been extinct to give to space to a faith monotheist, but

the religious experience of these women defined a space: of the sacred and mystic power

that it corroborated with its necessities and they defined its theology.

.

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SUMÁRIO

Introdução......................................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1 História e tradições em Gênesis 25-36 ........................................................... 18

1 História das origens do povo de Israel........................................................................... 21

1.1 Genealogias que irão compor a história ................................................................... 26

1.3 Substrato religioso................................................................................................. 35

1.4 Histórias das genealogias: migração, casamento e procriação ............................... 38

2. Tradições ................................................................................................................... 53

2.1 Espaços histórico-sociais ....................................................................................... 54

2.2 Associação de Iahweh com seu povo ...................................................................... 55

2.3 Casamentos .......................................................................................................... 56

3 Conclusão ............................................................................................................... 58

CAPÍTULO 2 ANÁLISE EXEGÉTICA DO GÊNESIS 30.14-16.......................................... 59

1 Tradução literal ........................................................................................................... 61

1.1 Tradução........................................................................................................... 61

1.2 A forma ............................................................................................................ 61

1.3 Lugar, datação e autoria ..................................................................................... 71

1.4 Conteúdo .......................................................................................................... 73

2 Conclusão ................................................................................................................... 78

Capítulo 3 SÍMBOLOS, MITOS E RELIGIÃO: A RELIGIOSIDADE NO ANTIGO ISRAEL81

1 Mito ........................................................................................................................... 83

1.1 Mandrágoras: mito ou lenda?.............................................................................. 89

2. Religião ..................................................................................................................... 94

2.1 Mito e religião ...................................................................................................... 97

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2.1 Mito, religião e sociedade .....................................................................................101

3 Mandrágora................................................................................................................106

3.1 Farmacopéia da Mandrágora: verdades e mitos ......................................................109

3.2 Raquel e as Mandrágoras......................................................................................112

CONCLUSÃO .................................................................................................................115

REFERÊNCIAS ..............................................................................................................120

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa visa fazer um estudo do texto do Gênesis 25-36 no que tange ao

imaginário social, cultural e religioso das narrativas bíblicas. A unidade selecionada,

para análise exegética, encontra-se no capítulo 30.14-16 cujo tema é sexualidade,

esterilidade e fecundidade.

Mais especificamente analisaremos a unidade questionando a sociedade e sua

construção de poder vigente, no qual o masculino sobrepõe ao feminino.

Analisaremos, conjuntamente, a religiosidade que constrói, reforça e reproduz esse

poder dominante sobre mulheres, casamentos e maternidade.

Desvendar o modo de vida e os costumes das pessoas da história dos primórdios,

uma sociedade extremamente distante, é árdua tarefa, pois a narrativa textual

encontra-se de forma parcial e não nos auxilia numa leitura precisa, ou mesmo correta,

dos fatos e modo de vida Por essa razão torna-se mais acentuada a complexidade de

fatos estranhos e incompreensíveis do bloco a ser analisado. Isso nos leva a recapitular

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uma frase da teóloga Elvira Moisés, em sua tese de doutorado,: “isso não impede que

o nosso olhar atual não auxilie na nova leitura”1

A unidade a ser estudada traça uma história de luta por um espaço social e pela

maternidade frente à esterilidade de Raquel. Para solucionar essa questão ela recorre

às mandrágoras, planta mística conhecida por seus poderes afrodisíacos e de

fertilidade. Como o papel da mulher na construção do tecido social está ligada à

sexualidade, ao corpo, a esterilidade e maternidade trabalharemos os conflitos que

envolvem as duas irmãs na construção de um espaço, dentro de um mesmo casamento,

com o personagem Jacó. As disputas pelo amor e pela maternidade delineiam o

quadro das irmãs Lea e Raquel. São histórias tecidas e constituídas em uma sociedade

clânica cuja atividade principal é o pastoreio e a agricultura. É nesse contexto que o

exercício de poder interage com as necessidades cotidianas do espaço doméstico.

O bloco 12-50 tece histórias de primogenitura, de aparições de Iahweh se

revelando a seu povo e conversando com ele, de bênçãos e maldições, de manipulação

e conflitos quanto a casamentos, maternidade, esterilidade e construção de relações de

poder do masculino sobre o feminino.

Quando defini o tema escolhi o livro do Gênesis , por ser o livro da história das

origens do universo, de um povo e de uma sociedade. Essas histórias, por vezes, estão

carregadas de lendas e mitos que circundam céus e terra, vida e morte e na herança

dos herdeiros da promessa dos patriarcas e matriarcas da época pré-monárquica.

1 Elvira Moisés da SILVA. Teologia, Memória e Poder das mulheres na tenda: uma leitura crítica à

estruturação das teologias bíblicas a partir de Gênesis 29-30. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de Ensino Superior, 2002, p.12. (Tese de Doutorado)

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Em um primeiro momento apresentarei uma síntese do bloco 25-36 do Gênesis

para situar o/a leitor/a, a respeito da história dos formadores de Israel, seu modo de

vida, constituição familiar e na aliança promessa que perpassa essas vidas no seu

espaço geográfico, social, cultural e religioso.

Em segundo a análise exegética será feita sob a unidade 30.14-16 abordando

especificamente o diálogo entre Lea e Raquel acerca das mandrágoras. Como esta

pesquisa está centralizada nas mandrágoras como detentora de poderes e mitos,

pertencente a uma cultura religiosa não monojavística, trabalharemos esse tema

valorizando a discussão e o acordo de Raquel com Lea sobre essa planta envolta em

misticismos, lendas e sincretismos cujo personagem, Raquel, acredita irá lhe conceder

a tão almejada maternidade.

Num terceiro momento discursaremos sobre os mitos – mito e religião e religião

e sociedade – numa abordagem antropológica e sociológica da unidade histórica.

Neste capítulo discursaremos, também, sobre os valores farmacológicos atribuídos à

mandrágora que, como planta medicinal detém o mito de planta afrodisíaca e de cura

da esterilidade. A Mandrágora, desde a Antiguidade, detinha a importância de ser uma

planta com poderes, cercada de mitos e lendas que circularam e atravessaram séculos

entre os povos. Assim, ela faz parte do universo mítico que expressa o mundo e a

realidade humana, numa representação e visão coletiva, vinda até nós, através de

várias gerações, seja pela representatividade do sagrado ou por intermédio dos

símbolos que ela detém.

Desse modo, como finalização, trabalharemos a conclusão em que abordaremos,

em linhas gerais, os pontos constatados no decorrer desta pesquisa.

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CAPÍTULO 1

HISTÓRIA E TRADIÇÕES

EM GÊNESIS 25-36

O bloco do Gênesis 25-36 é um complexo literário de tradições locais, religiosas

e familiares de um povo de vida nômade que protagoniza a história ancestral do povo

de Israel. São histórias de vida, preservadas pela oralidade, que nos remetem a

fragmentos de memória de um povo de origem pré-tribal de viajantes, de tradição

clânica, que buscam a preservação da sua genealogia nos casamentos e na maternidade

como continuidade de sua descendência numa aliança-promessa, dada por Iahweh, de

que seriam formadores de nações.

Os textos bíblicos que compõem esse bloco do Gênesis, bem como o livro em

geral, contêm fatos complexos e de difícil compreensão por serem fatos ocorridos com

pessoas comuns numa sociedade muito distante. Portanto, árdua tarefa será estudá- los

à luz de uma visão atual, em nossa sociedade moderna, que nos auxilie na leitura e

compreensão das sociedades clânicas e seu modo de vida nos tempos primevos.

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Neste capítulo não analisaremos todo o bloco, mas algumas perícopes que nos

ajudarão a tecer e a compreender melhor a teia genealógica existente em seu conteúdo

histórico-social- religioso, na tríade Jacó-Lea-Raquel e, em especial, a unidade do

capítulo 30.14-16 que discursa a respeito das mandrágoras. O estudo dessa unidade

nos ajudará a compreender melhor o papel na negociação de Raquel e Lea acerca das

mandrágoras, planta conhecida e utilizada na época como afrodisíaca e cura para a

esterilidade.

Juntamos a esse conhecimento, a fé de Raquel, uma esposa estéril, na crença

popular que cercava essa planta para a cura do seu problema. Raquel pertencia à uma

sociedade clânica em que à mulher era fadado o papel de reprodutora, de geradora da

descendência. Esse fator antropológico e sócio-cultural, existente no contexto dessas

sociedades, gerava conflitos, abandonos e rejeição de seus esposos para as mulheres

estéreis como Raquel.

Dessa maneira, buscar a solução para a esterilidade era ponto primordial para

essas mulheres e a mandrágora era, ao menos, um caminho, um remédio que gerava

esperança e não uma solução concreta. O fato concreto é que a sociedade da época se

encarregou de manter o mito ao ponto de termos um relato sobre as mandrágoras em

duas passagens no livro sagrado: no Gênesis e no Cântico dos Cânticos.

Assim, nos passos do contexto histórico e religioso dessa sociedade a unidade a

ser analisada, terá o útero como a chave para o cumprimento da aliança-promessa de

Iahweh, iniciada em Abraão, perpassando por Isaac e chegar até Jacó. Portanto, sendo

o útero o realizador da promessa, encontraremos um fator interessante a ser

mencionado e um pouco analisado: as “matriarcas” escolhidas para o cumprimento

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dessa promessa são estéreis. Uma das tentativas de Raquel para cura de sua

esterilidade foi as mandrágoras, mas como foi a esperança e o resultado final para as

outras “estéreis matriarcas”? Nosso estudo vai de encontro ao universo sócio-cultural-

religioso da época até chegarmos em nosso ponto crucial: a nossa personagem, Raquel

e as mandrágoras.

A crença nas mandrágoras não era considerada um fator idolátrico. Por ser

anterior ao surgimento do javismo situações e vivências míticas faziam parte da vida

sócio-cultural e da religiosidade da época. As aparições de Iahweh também são

cercadas de misticismo (hierofanias), afinal, ele se dirigia pessoalmente a esses

homens em palavras.

Portanto, não era somente a Moisés a quem Iahweh falava claramente “boca a

boca” (Nm 12.6-8), mas também a Abraão, Isaac e Jacó. Todos os três

experimentaram o impacto de Deus na sua vida.2 Kaiser menciona que:

Mais espantoso ainda era o fato de que o próprio Senhor

aparecia (lit. “Se deixava ver” [wayyera’]) a esses homens,

naquilo que subseqüentemente tem sido chamado uma

teofania (Gen 18.1). A realidade da presença do Deus vivo

sublinhava a importância e a autenticidade das Suas palavras

de promessa, conforto e orientação.3

Igualmente, veremos que Iahweh irá impactar a vida da esposa de cada um dos

“patriarcas”, pois todas eram estéreis e receberam a maternidade das bênçãos de

Iahweh. No bloco 12-50 do Gênesis temos enfáticas palavras de bênção e promessas

da parte de Iahweh para com eles. E sobre a promessa Dele os fatos ocorreram.

2 Walter C. Kaiser Jr. Teologia do Antigo Testamento. Tradução de Gordon Chown, 2ª. Edição, São

Paulo: Editora Vida Nova, 2008, 312p. p.88. 3 Walter C. Kaiser Jr. Teologia do Antigo Testamento . 2008, p.88

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Assim, estudaremos nesse capítulo conjunturas cruciais na história desses

homens e mulheres que tiveram uma experiência além da compreensão humana e

mítica com Iahweh.

1 História das origens do povo de Israel

É uma tarefa difícil esclarecer as origens de Israel e sua história primitiva.

Segundo Donner os povos civilizados do Antigo Oriente estiveram longe de responder

sobre as suas origens, pois dificilmente se pode esperar documentos históricos,

sobretudo, quando os envolvidos no processo viviam como nômades4.

A história das origens é um complexo narrativo, que aborda as tradições sócio-

culturais e religiosas, dos tempos pré-tribais, contendo registros da vida de um povo

nômade, marcado por lutas, fugas, maternidade, esterilidade, enriquecimento, acordos,

casamentos e poligamia.

Nas sociedades clânicas, típicas dos tempos pré-tribais, o direito e a posição de

cada pessoa na família eram indicados pela religião. A família era composta de um

pai, de uma mãe, de filhos e de escravos e a cada indivíduo competia uma disciplina.

Todos obedeciam à religião doméstica, mas tinham no pai o detentor das funções mais

elevadas, fosse no culto ou na autoridade do lar.

Segundo Fustel de Coualges a lei que permite ao pai comercializar bens ou até

mesmo matar o seu filho – como no caso de Abraão e Isaac – não foi criada pela

cidade. Ela é muito mais antiga. Quando a cidade começou a escrever suas leis ela

4 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. São Leopoldo: Sinodal, 2000, p.24.

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encontrou direitos já estabelecidos, enraizados nos costumes. Esse antigo direito não é

obra de um legislador: ao contrário, impôs-se ao legislador. Seu berço está na família5.

Dessa maneira podemos compreender, um pouco melhor, o porquê de toda a

trama encontrada nas narrativas bíblicas incompreensíveis e inadmissíveis, em alguns

momentos, para a nossa atualidade. Elas estão centradas na família, mas é a religião

que determina a ordem dos acontecimentos. Está acima das leis e detém costumes que

legalizam a poligamia e o concubinato para que teçam a descendência.

A maternidade é o que dá poder e status à mulher da sociedade clânica. A

promessa para Abraão, Isaac e Jacó, estende-se para a esterilidade de suas esposas:

Sara, Rebeca e Raquel. Estas foram ele itas para gerar a primogenitura que, por sua

vez, será a descendência dos ancestrais do povo de Israel. A luta pela maternidade

dessas mulheres estéreis, vinculada a uma mesma promessa dada por Iahweh aos seus

esposos, é o que torna emocionante a composição histórica de todo o bloco 25-36.

Essas histórias narram não somente a luta pela maternidade, mas outras lutas de

igual importância como a de Jacó e Esaú pela primogenitura; o trabalho de Jacó para

conseguir casar-se com Raquel, a mulher que amou desde o primeiro momento e por

ela trabalhou anos. Outro momento difícil para Jacó foi o de desvencilhar-se de seu

sogro Labão e adquirir os seus direitos de liberdade junto à família que ali compôs e

com ela partir. Outros fios tecem, não com menor importância, essa história, mas em

Jacó termina a aliança-promessa, iniciada em Abraão, sendo uma das histórias mais

intrigantes do complexo da descendência histórica de Israel.

5 Fustel de Coulages. A cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003, p.93.

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As dificuldades e lutas desse povo têm como pano de fundo o poder da religião,

que reveste e domina a sociedade, principalmente a clânica. A mulher não tem uma

posição tão elevada e de igualdade para com a dos homens. Dentre essas

desigualdades, encontramos o fato de que só aos homens era dado o direito de

representar os antepassados e lhes prestar culto. Ela não representava os antepassados,

pois não descende deles (esse é um direito apenas dos homens e primogênitos), mas a

ela se dá um importante papel: a maternidade, a continuidade da genealogia. Esse

papel não lhes dá notoriedade na sociedade, pois elas nasceram para a “função” de

reproduzir. Fica evidente, então, que quando ela é estéril, “incapaz” para essa função,

pode ter a rejeição de seu esposo e seu casamento desfeito.

Portanto, se a mulher está predestinada ao casamento e a maternidade, a

esterilidade será a sua decadência. O seu reconhecimento e valor social estão num

útero fértil, como o de Lea. Assim, é nesse contexto que se desenvolve a base do

nosso estudo adentrando nesse terreno da mulher-mãe/mulher-estéril. Ele nos levará

ao nosso texto: o das mandrágoras (30.14-16). Essa unidade será estudada sob um

ponto de vista antropológico-cultural juntamente com o seu valor histórico-religioso.

Decerto é uma tarefa difícil abordarmos o que concerne à sociedade nômade ou

o que é prioritário nela. É certo que a vida nômade, nos clãs do qual pertenciam os

ancestrais de Israel, produziram certas formas de sociedades, comportamentos e

peculiaridades religiosas. Na narrativa bíblica percebemos que o ponto central e

inicial da história está no poder e na sucessão advinda de uma aliança-promessa de

Iahweh para com Abraão e sua descendência, ou seja, uma aliança que perpetuaria

através dos primogênitos.

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Esse direito de primogenitura era o que conservava a unidade durante a série de

gerações impedindo-a de se fragmentar. Ela conservava, também, o patrimônio,

considerado bem comum que ficavam sob a autoridade do primogênito tendo este o

poder de pater. A autoridade principal não estava no pai, mas acima dele, ou seja, na

religião doméstica. Nela residia a autoridade indiscutível, pois cada família prestava

culto a uma divindade e esta detinha o seu deus doméstico (terafins).

Os antigos israelitas foram caracterizados, não como beduínos ou condutores de

caravanas, mas ‘ibrî “termo hebraico que se relaciona com este vocábulo e caracteriza

os antigos israelitas como grupos estrangeiros, de status inferior legal.”6 Eles foram

assim caracterizados por serem nômades errantes que permaneciam em um ou outro

estado, temporariamente. Eles trilhavam grandes distâncias, juntamente com a família,

seu gado maior e menor (constituído geralmente por ovelhas e cabras) e fincavam suas

tendas em semi-desertos e estepes7, ocupando áreas próximas a pastagens adequadas e

poços de água 8.

Uma peculiaridade que Donner9 apresenta a respeito desses dois grupos é que os

agricultores vivem na aldeia ou na cidade, em moradias fixas de tijolos dedicando-se

preponderantemente ao cultivo da lavoura e horta (cereais, vinho, verduras e frutas) e

à criação de gado, principalmente o bovino e em menor escala às ovelhas e cabras.

Eles viveram quase que exclusivamente da agricultura e da pecuária até meio século

atrás

6 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 2000, p.35. 7 Tipo de formação campestre que se caracteriza pela pouca densidade da vegetação herbácea, xerófila,

rasteira e com predominância de gramíneas, que ocorre em tufos afastados, deixando o solo descoberto. É uma formação vegetal de planície sem árvores, comp osta basicamente por herbáceas. É uma zona de transição vegetativa e climática entre a área de savana e o deserto.

8 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 2000, p.36. 9 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 2000, p.52.

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A respeito dos nômades, Donner10 esclarece que, devido à constante mudança de

localidade para atender as necessidades de seu rebanho, eles desenvolveram uma

agricultura modesta. Alguns nômades procuraram integrar-se a povoações rurais, já

existentes, e outros foram atraídos e absorvidos pelas cidades. É nesse ambiente que o

nosso protagonista, Jacó, vai trabalhar para Labão por catorze anos para ter Raquel

como esposa. Isso denota que Labão está arraigado a uma terra adquirida e preservada

por gerações (lei da primogenitura). Ele também está ligado a religião doméstica, pois

tem um terafim que é roubado por Raquel quando estes deixam as terras de seu pai

(31.19). Na unidade que analisaremos percebemos que as mandrágoras nasceram nas

terras de Labão cultivadas por Jacó (30.14-16).

A mandrágora que Ruben traz para sua mãe Lea, faz com que Raquel a negocie

para obter a sua tão desejada maternidade. A leitura dessa unidade nos aproxima, um

pouco mais, das esferas do social e do religioso, na cultura de Lea e Raquel, e cuja

razão principal da história é a reprodução humana, a continuidade da família que lhes

garante a descendência, culto aos antepassados e reconhecimento social.

Esses grupos, de agricultores seminômades, de sociedade e organização clânica,

irão compor o cenário da nossa pesquisa numa recontagem da cultura, dos mitos e

símbolos atuantes na religiosidade tribal. O destaque deste cenário está sob o capítulo

30.14-16 que retrata a memória das mandrágoras. Como plantas elas dominam o

campo religioso e como produtos medicinais elas são utilizadas para solucionar

problemas biológicos. Esse período não era considerado idolátrico pois as

mandrágoras existem sociologicamente antes do javismo.11

10 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 2000, p.52. 11 Elvira Moisés da SILVA. Teologia, Memória e Poder das mulheres na tenda:uma leitura crítica à

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1.1 Genealogias que irão compor a história

Todo o bloco 25-36 é composto por genealogias. É uma novela composta de três

gerações de primogenituras, composta por Abraão, Isaac e Jacó, geradoras da

ancestralidade de Israel, sendo que o primeiro e o último deles têm maior destaque,

pois o conjunto literário sobre Abraão e Jacó é mais complexo e cheio de narrativas,

ao passo que há poucas narrativas sobre Isaac.

Uma característica dessas narrativas é o fato delas terem sido construídas quase

que unicamente sobre fatores humanos, sendo que em determinados momentos

Iahweh comparecia de forma ativa e sobrenatural, dirigindo os acontecimentos;

declarando suas escolhas; fazendo alianças e determinando as genealogias. Schwantes

explica que a genealogia é “um gênero literário que, junto com o itinerário, perpassa

todo o Pentateuco e lhe vai dando estrutura e configurando seu esqueleto”12.

Ao abordarmos a origem, a genealogia, o elemento humano e também

sobrenatural que permeia todo o nascimento de Israel, não podemos deixar de narrar,

conjuntamente, que essa nação nasceu, não somente de uma terra seca, mas, também,

do ventre seco de suas mulheres que pela ação de Iahweh, tiveram aberta a sua madre

e geraram nações. Em nossa unidade (30.14-16) encontramos Raquel buscando nas

mandrágoras a solução para a sua esterilidade, mas a sua maternidade é narrada,

alguns versos à frente, como sendo ação de Iahweh.

Iahweh agia de forma ativa, presente, e lhes falava como a um humano e Dele

recebiam a fala profética e a promessa das gerações que viriam. Apesar de Iahweh

estruturação das teologias bíblicas a partir de Gênesis 29-30. 2002, p.5.

12 Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens. São Leopoldo: Oikos, 2008, p.13.

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com eles dialogar, como seres humanos, ouviram e desacreditaram (17.12-14) que de

suas esposas estéreis se cumpriria a promessa de gerarem as nações.

No capítulo 17 vemos que Iahweh inicia sua ação para compor as nações. Ele

apresenta-se de forma “humana” a Abraão (17.1), e promete que ele será o pai de uma

multidão de povos (17.5) por intermédio de Sara, sua esposa, e ele se chamará Isaac

(17.19). Sara está com 90 anos e até o momento não havia dado nenhum filho a

Abraão. Apesar dos momentos de incredulidade, Sara concebe e dá a luz a Isaac

(21.2-3).

Iahweh havia prometido a Abraão uma descendência numerosa, mas ele tinha

apenas o filho da promessa, Isaac. Ismael, filho de Abraão com a escrava Agar, fora

expulso das tendas por Sara e já havia partido com sua mãe abrindo, nesse momento,

um novo círculo narrativo na história, longe de Abraão.

A preocupação, de Abraão, agora, é encontrar uma esposa para Isaac, para que

se cumpra a aliança-promessa das nações. O servo de Abraão é enviado a outra terra

para escolher uma noiva para Isaac. Ali ele encontra Rebeca, prima de Isaac e a

escolhe para com ele se casar. Esse é um casamento endogâmico, (casamento com

membros de sua própria classe ou tribo, com a finalidade de conservar sua nobreza ou

sua raça), típico entre os padrões clânicos. Para Abraão a esposa de Isaac era a

esperança para o cumprimento da promessa de Iahweh de conceber muitos filhos e

deles gerar as nações. Isaac tinha a idade de quarenta anos quando se casou com

Rebeca, filha de Batuel, o arameu, de Padã-Arã e irmã de Labão, o arameu (25.20).

Protagonizando novo momento da história dos ancestrais temos Rebeca como

mais uma esposa estéril. A narrativa diz que “Isaac rogou ao Senhor por sua mulher”,

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para que concebesse filhos (25,21) e o Senhor ouviu a oração, e Rebeca, concebeu a

gêmeos. Havia duas nações no seu ventre. Nasce Esaú e Jacó. O texto fala da oração

de Isaac mas não fala da oração de Rebeca13, apenas que “ela foi consultar o Senhor,

pois as crianças lutavam no seu ventre” (25,21).

Esaú era forte e caçador enquanto Jacó era astuto e gostava de viver na tenda.

Enquanto Isaac apreciava Esaú, Rebeca preferia a Jacó. A partir desse momento as

narrativas detalham os momentos conturbados da história entre os irmãos: Jacó se

utiliza da fraqueza de Esaú para obter a primogenitura que é trocada por um prato de

lentilhas.

Outro momento conturbado entre os irmãos é tecido pela ardilosa trama armada

por Rebeca para que Jacó tome a bênção de Isaac, antes de ele morrer, em lugar de seu

irmão, Esaú. Com a ajuda de Rebeca, sua mãe, Jacó faz um cozido e ela reveste seus

braços e pescoço para que ele se pareça com Esaú e receba a bênção de Isaac.

Isaac já velho de dias, e cego, tateia o corpo de Jacó para aperceber-se se era o

corpo peludo de Esaú e abençoa Jacó. Quando Esaú descobre o ocorrido fica

inconformado e se revolta dizendo: “É a segunda vez que me enganou. Ele tomou o

meu direito de primogenitura e eis que agora tomou a minha bênção” (27.36). As

bênçãos, uma vez proferida, são irrevogáveis. Esaú passa a odiar Jacó e promete matá-

lo após a morte de seu pai.

No capítulo 29 do Gênesis, Jacó, temendo que seu irmão Esaú o matasse, foge

da casa do pai, em Canaã, e vai para Haran, na Mesopotâmia. Ele é enviado para a

13 Elvira Moisés da SILVA. Teologia, Memória e Poder das mulheres na tenda:uma leitura crítica à estruturação das teologias bíblicas a partir de Gênesis 29-30. 2002. 236f. Tese do Curso de Pós-graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2002, p.31.

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casa de seu tio, Labão, irmão de Rebeca. Ele aproveitou a viagem para, também,

atender a um pedido de seu pai, que queria que ele se casasse com uma das filhas de

seu tio, Labão, já que seu irmão Esaú, aos quarenta anos, se casa de maneira

exogâmica (não aparentados ou com grau de parentesco distante). Sociologicamente

falando, as leis e os casamentos dentro do clã, conservavam a linhagem, garantiam a

preservação da identidade e impediam a dispersão dos bens familiares, especialmente

no casamento com a prima (casamento entre os filhos de uma irmã ou irmão,

matrilateral). Dessa maneira o filho recuperava, mesmo que em parte, os bens saídos

do patrimônio por ocasião do casamento do pai.

Chegando a Haran, Jacó vai à fonte na qual sabia que, no passado, Eliezer –

servo de Isaac – havia encontrado sua mãe, Rebeca. No local, encontra alguns pastores

e entre eles vê a bela Raquel, uma das filhas do tio, apaixonando-se imediatamente por

ela: “E beijou Jacó a Raquel e ergueu sua voz e chorou” (29.11).

Jacó trabalha para Labão para poder se casar com Raquel. Ele é enganado pelo

sogro e toma Lea em casamento pensando ser Raquel. Labão alega ser costume

desposar primeiramente a mais velha, mas vemos que houve astúcia da parte dele

(“qualidade” familiar como vimos em Rebeca, também, anteriormente). Jacó firma

novo contrato com Labão por mais sete anos para casar-se com Raquel. Como Sara e

Rebeca, Raquel também é estéril. Enquanto Lea, sua irmã, gera filhos a Jacó, Raquel

permanece com a madre fechada.

No caso de Raquel, não vemos Jacó orar, mas a encontramos questionando Jacó

por ele não lhe dar filhos, ao que ele lhe responde: “Acaso estou eu em lugar de Deus

que te negou o fruto do ventre?” (30.1-2) Esse acontecimento leva Raquel a buscar

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nas mandrágoras (30.14) um meio de fertilidade e cura para a sua esterilidade, tema

este da nossa pesquisa. Raquel concebe, não com a utilização das mandrágoras, mas

no momento em que “Iahweh lembrou-se dela” (30.22). Lea e Raquel (e Bila e Zila

suas servas) cumprem a aliança-promessa de Iahweh de uma grandiosa descendência

dando doze filhos e uma filha a Jacó, sendo apenas dois de Raquel. Nascem as doze

tribos.

Muitas diferenças de estilo e tema distinguem as histórias desses ancestrais.

Todas, no entanto, se movem na mesma esfera social e política “aquela da família,

onde tantas coisas espantosas acontecem que suporta tão severas tensões”14, como

ressalta Gerhard Von Rad.

São narrativas de homens como Abraão, Isaac, Jacó, Esaú e José e de mulheres

como Sara, Hagar, Rebeca, Lia e Raquel que dentre tantas outras seguem compondo

essa história. Cada um/a desses/as personagens teve papel marcante e fundamental,

pois sem eles não haveria história.

Molina fala das narrativas da seguinte forma: “El narrador en efecto es una

artesano, utiliza la experiência humana como suerte de argamasa con la que se

construye, uniendo las palabras como si fuesen ladrillos, el edifício de la memória.”15

1.2 A história das origens pré-tribais

No relato do Gênesis 25-36, em sua complexa história das origens pré-tribais,

encontramos nas tradições Abraão/Sara e Jacó/Raquel/Lia, diferenças, tanto na

14 Gerhard Von Rad,. Genesis: A Commentary. Philadelphia: Westminster Press, 1972, p. 34. 15 Techi Molina. No hay silencio que pueda apagar La voz que nace. In: Nuevamerica, n. 59, Buenos

Aires, 1993, p.6.

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construção literária como nos conteúdos abordados.16 A teóloga Heide Jarschel, em

sua dissertação de mestrado, sobre o bloco do Gênesis 25-36, fala dessas diferenças

como sendo três: “promessas da terra e descendência; contrato de trabalho e

casamento e lugares santos e primogenitura de herança; grupos de famílias e das

relações de parentesco dos clãs”17 Ela complementa essa análise dizendo que o que há

em comum entre essas três tradições narrativas e o restante do Pentateuco, ao qual

pertence o livro do Gênesis, é uma estrutura literária composta por perícopes de

origem familial-popular.

Encontramos essa origem familial nas informações históricas iniciadas nos

primeiros grupos que originaram o povo de Israel: as tribos ou clãs. Essas tribos eram

uma organização social elaborada por camponeses e pastores, das estepes e das

montanhas, com a finalidade de experimentar um novo modelo de acesso a terra.

Segundo Schwantes as narrativas mais antigas em Gênesis 12-25 e 25-36 não

incluem nem a tribo e nem o estado. Para ele a instituição básica daquele s tempos era

a família ou o clã como vemos a seguir:

A instituição básica daqueles tempos é a família ou o clã. Esta

família não aparece como elo de um conjunto social maior,

seja ele uma tribo ou um estado. A família das origens aparece

como grandeza social auto-suficiente e autárquica. Os laços

que mantém com outros grupos familiais não interferem no

próprio grupo, mas existem com vistas ao matrimônio, à

preservação das respectivas famílias.18

16 Heidi Jarchel. Gênesis 25-36: Cotidiano transfigurado. Dissertação de mestrado. Umesp, 1994. p18. 17 Ibidem, p.18 18 Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens., 2008. p.73.

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Tal organização se constituía em um grupo de pessoas, unidas por parentesco e

linhagem, definidas pela descendência de um ancestral comum. Mesmo se os reais

padrões de consangüinidade forem desconhecidos, não obstante os membros do clã

reconhecem um membro fundador ou ancestral maior. Como o parentesco, baseado

em laços, pode ser de natureza meramente simbólica, alguns clãs compartilham um

ancestral comum estipulado, o qual é um símbolo da unidade do clã.

Ao estudarmos a formação dessa organização social vemos que elas privilegiam

questões familiares clânicas: nascimento, casamento, vida e morte. As diversas

relações e os problemas familiares são tematizados nas histórias do Gênesis 12-25 e

35-36. Schwantes as relaciona da seguinte forma:

Relação marido-esposa (Abraão/Sara, Isaque/Rebeca,

Jacó/Raquel) relação entre as esposas na poligamia (Sara-Agar

Lia-Raquel); relação mulher-filho (Sara, Rebeca e Raquel são

estéreis durante certo período de suas vidas), relação entre

irmãos (Jacó-Esaú, José-irmãos); relação entre sogro e genro

(Labão-Jacó); etc. Todas essas tensões são estritamente

familiares clânicas. Tensões e intrigas, amor e ternura variam

no cenário19.

O que era designado para um, era também para os outros. Schwantes relata que

quando havia fome, todos os integrantes da família eram igualmente atingidos pela

escassez. A miséria da fome não estava reservada para alguns (veja 47.13-26). Para

Schwantes existe uma diferença significativa entre as condições de vida da mulher e

da criança entre os círculos abraâmicos e as cidades-estado. Nas cidades, crianças

eram sacrificadas. Entre os nômades, a criança é a grande esperança de sobrevivência

[...] Nas cidades a mulher destina-se ao harém (12.10-20; 20; 26). Entre os nômades a

19 Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens. 2008. p.73

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mulher chega a desempenhar papel de relativa autonomia, como podemos ver nas

narrativas sobre Sara (cap. 18) e Rebeca (caps. 24 e 27).20

Sociologicamente falando, as leis e os casamentos dentro do clã, não somente

conservavam a linhagem, mas também garantiam a preservação da identidade e

impediam a dispersão dos bens familiares. Essas leis mantinham fundamentos que

operavam a favor da dignidade e do respeito para com a vida humana. Um dos

“mandamentos clânicos” em relação ao casamento, que não somente resguardava a

linhagem, a identidade e os bens, mas a segurança da mulher quando viúva, é a Lei do

levirato (Deuteronômio 25.5-7) .

O levirato era uma instituição que existia entre os israelitas, e outros povos do

Oriente Médio Antigo (como os assírios e os hititas), e consistia na obrigação imposta

às mulheres de se casarem com o irmão mais novo do falecido marido. Assim, o

cunhado tinha a responsabilidade de, através desse casamento com a viúva de seu

irmão, dar um herdeiro do sexo masculino ao falecido, de modo que o nome deste não

desaparecesse em Israel e mantivesse a propriedade em seu nome.

Desta forma, o primogênito, levava o nome do pai “legítimo” (ou seja, o

primeiro marido falecido), sendo o tio (pai biológico) o representante do pai. A

importância dessa lei, que já é consuetudinária (direito que surge dos costumes de

certa sociedade antes de Dt 25:5-10), foram constituídas não só para manter o nome

da família, já que proibia o casamento da viúva fora da família do marido, mas,

sobretudo, para a manutenção das propriedades dentro do clã.

20 Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens. 2008. p.74.

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Assumir a responsabilidade de cumprir esse dever para com o falecido irmão é a

essência do significado do levirato, como vemos no Gênesis 38 (episódio de Tamar e

Onã) e também na história de Rute (onde na falta de um cunhado, um parente mais

próximo assume esta responsabilidade).

Diante desse conjunto de leis clânicas de proteção e preservação, notamos que a

organização familial-clânica não era somente auto-suficiente, e autárquica, mas era,

também, juridicamente autônoma e religiosamente autárquica.21 Por serem nômades, e

em boa parte pastores, sua auto-suficiência econômica vinha da terra, do plantio de

cereais e pequenas plantações e trocavam seus produtos com os camponeses da vila.

Esses pastores se esquivavam dos tributos, mais uma razão para sua vida nômade.22

As famílias eram juridicamente autônomas23. As questões eram resolvidas

dentro da própria organização clânica, na família. Eles somente se utilizavam dos

portões das cidades para questões especiais, como no caso da Lei do levirato, por

exemplo, do qual poderiam fazer parte os anciãos, as pessoas em causa (acusado e

acusador), as testemunhas e as pessoas que quisessem assistir.

Outro fator de autonomia era a religiosidade. A organização clânica era

religiosamente autárquica24: elas não dependiam dos santuários nas cidades-estado.

Suas práticas religiosas eram familiares e ocorriam dentro do lar ou nos carvalhais e

colunas. O próprio ancião da família fazia às vezes de sacerdote valendo-se para tanto

dos instrumentos caseiros: circuncisão (17.23-27) e oferta de holocausto(22.1-19)25

21 Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens. 2008. p.74. 22 Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens. 2008, p.74. 23 Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens. 2008, p.74. 24 Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens. 2008. p.74. 25 Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens. 2008. p.74.

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As questões quanto à religião, leis e os ritos religiosos têm suas peculiaridades,

mas sua diretriz é para beneficiar e preservar a família. A preocupação com a família,

a preservação da terra, dos seus costumes, bens e religiosidade fez com que a

organização social clânica gerasse leis e rituais para que as gerações futuras

beneficiassem sua descendência como a preservação dos costumes, da família e da

herança. Não podemos esquecer que a religião era a base para a constituição dessas

leis.

Conforme nos relata Schwantes, a família-clânica, esboçada em Gênesis 12-25 e

25-36 (e também nos caps. 37-50), não há de ter sido a sociedade ideal, pois se

diferenciava em alguns momentos das cidades-estado que a circundavam26. Contudo,

pudemos constatar que para o clã e a tribo, as relações entre pais e filhos e a família

são de significado fundamental.

1.3 Substrato religioso

O material primitivo cerca os eventos cruciais da vida humana. Os antigos

israelitas tinham práticas e concepções, como outro povo ou sociedade, que se

conservaram até os tempos atuais. Segundo Fohrer, embora a preservação memorial

nos tempos subseqüentes tenha preservado o substrato religioso, outras informações

comuns, desapareceram com a mudança da vida nômade para a sedentária27.

Alguns elementos conhecidos, hoje, na comunidade judaica atual, vêm desse

material primitivo e das informações que sobreviveram a períodos posteriores. Elas

preservaram alguns substratos da vida e dos costumes desse povo nômade. Mas o

26 Milton Schwantes. História de Israel: vol. 1. Local e origens. 2008. p.74. 27 Georg Fohrer. História da Religião de Israel. 2006, p. 39

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substrato religioso foi preservado, seja por estar integrado à fé, à adoração, aos atos

ritualísticos ou por sobreviver, separadamente, como superstição, mas freqüentemente

atacados pela religião oficial.28

Dentre esses substratos ou “essência das memórias religiosas” uma das práticas

mais comuns, conservadas e vivas dentro da comunidade e da religiosidade israelita, é

a “circuncisão”29, a remoção cirúrgica do prepúcio. Segundo os escritos da Torá, a

circuncisão é de extrema importância religiosa e consideravelmente saudável para o

judeu:

Se bem que atenda a uma necessidade de higiene, segundo

afirmam os mais eminentes médicos do mundo, têm para o

judeu um sentido religioso muito elevado. Ela é o símbolo, a

prova e a condição para entrar na aliança que o Eterno

estabeleceu com o patriarca Abraão. Pela circuncisão o

israelita está realmente comprometido num pacto indissolúvel

com Deus, a virtude e o dever. [...] Esta aliança não é uma

idéia, uma palavra30.

Essa era uma prática encontrada entre os povos que se relacionavam com os

israelitas, como os amonitas, moabitas e edomitas. No Egito a circuncisão era apenas

exigida para os sacerdotes. Fohrer relata que a circuncisão, pode ter sido,

originalmente, um rito de maioridade ou até uma iniciação para o matrimônio (cf. Gn

34.14ss). Porém, a breve narrativa da circuncisão do filho de Moisés, por sua mãe

Zípora (Ex 4.24-26), confirma ou legitima a mudança para a circuncisão de infantes.

28 Georg Fohrer. História da Religião de Israel. 2006, p. 39 29 Georg Fohrer. História da Religião de Israel. 2006, p. 39 30 Roberto Luiz Guttmann,. Torá, a lei de Moisés. São Paulo: Editora Sêfer, 2001, p.38.

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37

Em todo caso, permanece em aberto a questão se a narrativa vê a circuncisão como

proteção contra os demônios31.

Os costumes relacionados a uma tradição, como relatos sobre luto, são também

primitivos. Segundo Fohrer,

não é mais possível determinar quais dentre os costumes que

aparecem no Antigo Testamento já eram praticados pelos

antigos israelitas. Para Fohrer o propósito quanto ao repasse

fúnebre era duplo: prover força vital para o morto (por

exemplo, por meio de lágrimas, que fornecem umidade

criadora e vital); ou desviar o mal que ameaçava o defunto

(por exemplo, com a mudança de roupar como meio de

disfarce). O lamento pode ter um dos dois propósitos

seguintes: fazer o morto reviver ou expulsar o espírito

desencarnado32.

Algumas práticas como sexo e alimentos puros e impuros são parte de outro

traço primitivo que é a proibição religiosamente motivada designada pelo termo

“tabu”. Os alimentos considerados impuros, um antigo tabu alimentar, proibia comer

animais impuros (porco), certas partes dos animais puros (sangue e gordura) e animais

não caçados ou abatidos pelo ser humano. Quanto ao abate, um animal só é

considerado morto se todo o seu sangue se esgotou. Enquanto houver sangue, ainda há

vida (Lv 17.14). Outra gama de tabu é encontrada na esfera sexual, como: copular,

ejacular, menstruar e a liberação de psus na região genital fazem que a referida pessoa

se torne tabu. Segundo Fohrer, até o sagrado pode ser considerado tabu quando em

contato com o profano.33

31 Idem, p. 39. 32 Georg Fohrer. História da Religião de Israel. 2006, p 39 33 Georg Fohrer. História da Religião de Israel. 2006, p. 39.

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38

Esses substratos ainda são elementos fundamentais dentro da esfera religiosa

israelita. Cabe, aqui, esclarecer que a vida nômade, ainda que não o elemento

fundamental da religião israelita34, pode ter sido o elemento constitutivo da formação

de Israel por conduzir a certas formas de sociedade, de comportamento e de

peculiaridades religiosas.

As memórias trazem e preservam histórias, em seu conjunto das práticas e

concepções humanas, perpetuadas na vida de homens, mulheres, crianças e anciãos.

Enfim, os antigos israelitas mantiveram o seu legado até os dias atuais e dele se

revestem como purificadores e mantenedores de sua fé e cultura.

1.4 Histórias das genealogias: migração, casamento e procriação

Gênesis 25-36 é uma composição de blocos e relatos sobre a esfera familiar. Em

nenhuma outra tradição, os relatos de casamento ocupam lugar tão especial como na

construção desse bloco literário35. Não são somente histórias sobre casamentos que

encontramos nesse bloco, mas de alianças de Iahweh com os personagens principais

dessa novela, iniciando na pessoa de Abraão e continuando na sua descendência, ou

seja, em Isaac e Jacó. Essa aliança promessa é a fonte propulsora das migrações, lutas,

fugas, procriação, disputas e poligamia, entre outras. Segundo Jarschel, é uma tarefa

complexa compreender tantas memórias, de tanta gente e em tantos lugares

diferentes.36

Essas memórias de migrações, nascimentos, descendências, conflitos entre

irmãos e irmãs, casamentos, trabalho, engodo, fuga, temor, artimanhas e

34 Georg Fohrer. História da Religião de Israel. 2006, p. 39. 35 Haidi Jarchel. Gênesis 25-36: Cotidiano transfigurado. p.33. 36 Haidi Jarchel. Gênesis 25-36: Cotidiano transfigurado. p.15.

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enriquecimento são relatos, narrativas, que compõe a história dos principais

personagens da história ancestral do povo de Israel: Abraão, Sara, Rebeca, Isaac, Jacó,

Esaú, Labão, Lia, Raquel, Bila e Zilpa.

As ações de Iahweh na vida e destino desses personagens se fazem sempre no

tempo presente para inclinar os corações a uma ação específica e fazê- las cumpridas.

Um exemplo dessas ações nas narrativas é a de ordenação de migração dada a Abraão:

“Sai-te da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que Eu te

mostrarei” (12.1). É Iahweh agindo na vida dos seres humanos e das nações, cujo

destino ele governa e determina.37 Ele é o protagonista dessa novela e outorga ou nega

as dádivas da natureza, a pessoas específicas, e em momentos específicos, como no

caso da esterilidade de Sara, Rebeca e Raquel: de três mulheres estéreis nascem as

nações que formaram Israel.

Para compreendermos melhor essas histórias vamos dividi- las em três blocos:

Abraão/Sara (12-25); Isaac/Rebeca (24-28); Jacó/Esaú/Raquel/Lia (25-36). Para cada

um desses blocos temos como acontecimentos em comum a migração, o casamento e a

procriação. O elemento fundante é a promessa que deles as nações surgirão. Esses

personagens são conhecidos, historicamente, como “patriarcais”. Mas, conforme

esclarece Jarschel,

Devemos abandonar essa definição porque as memórias

trazem histórias de muitas mulheres também. As histórias

dessas famílias são histórias de andanças, de conflitos com o

povo da cidade, de casamentos e de reproduções, onde estas

mulheres têm papel fundamental. 38

37 Georg Fohrer. História da Religião de Israel. 2006, p. 236. 38 Haidi Jarchel. Gênesis 25-36: Cotidiano transfigurado. 1994, p18.

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Um novo estágio na revelação divina iniciou-se em Gênesis 12. Nessa nova era,

houve uma sucessão de escolhidos por Iahweh para estender a Sua palavra de bênção

para toda a humanidade. Abraão, Isaac e Jacó recebem essa eleição divina e marcaram

uma nova fase na bênção divina acumulada.

A tradição que compõe o quadro do Gênesis 25-36 não é formada apenas pelas

relações e conflitos de parentesco ou de casamentos, mas de conflitos econômicos

também. A interligação existente entre os três blocos é uma estrutura literária

composta por perícopes de origem familial-clânica. Suas histórias são recheadas de

questões comuns. Segundo Schwantes, “entre blocos e perícopes há uma relação

direta. Um não existe sem o outro. Os blocos existem como junção de perícopes e

estas constituem blocos”.39

Esses blocos são um relato das muitas memórias autônomas e das tradições

históricas de Abraão/Sara; Isaac/Rebeca; Jacó/Esaú/Raquel/Lia que têm suas histórias

entrelaçadas por questões comuns, marcadas por diferenças em seus enfoques e

conflitos e, também, em sua teologia.

O fator teológico é o principal elemento que irá gerar os conflitos, a migração,

os casamentos e a procriação nos blocos a serem estudados e principia pela revelação

de Iahweh, em forma de uma promessa e de uma aliança a Abraão e a sua

descendência.

39 Milton Schwantes. Teologia bíblica . São Leopoldo, s.d., mimeografado, p.17.

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1.4.1 Primeiro bloco: Abraão e Sara

Abraão recebe a bênção e a promessa de que Iahweh “fará dele uma grande

nação [...] e nele serão benditas todas as famílias da terra” (12.1-3). Em 17.1-10

Iahweh cumpre a sua promessa fazendo uma aliança entre Ele e Abraão. Essa aliança

é firmada com a circuncisão de Abraão, como mandamento de Iahweh: “E

circuncidareis a carne do vosso prepúcio, e será por sinal de aliança entre Mim e vós”

(17.11). Como vimos anteriormente, no substrato religioso, a importância da

circuncisão foi, e ainda é, um mandamento de grande importância para o judaísmo no

qual só é reconhecido como verdadeiro descendente de Abraão aquele que está

circuncidado no corpo e no coração.40

A aliança-promessa está feita, mas Abraão questiona Iahweh de como isso

ocorrerá, afinal Sara é estéril: “E disse Abraão: Meu Senhor Iahweh, que me darás?

Continuo sem filho...” Abraão disse: “Eis que não me deste descendência e um dos

servos de minha casa será meu herdeiro.” (15.2-3). A resposta de Iahweh é a de que

aquele não será o seu herdeiro, mas alguém saído do sangue de Abraão (15.4). Desse

modo, a promessa é repassada a Sara, sua esposa (17.21).

Para o cumprimento dessa promessa Sara precisava gerar filhos a Abraão, mas

sua esterilidade faz com que ela entregue sua serva, Agar, para salvar a sua condição

de mulher estéril. Em sua condição de mulher serviçal e geradora, sem escolha para

tal, Agar tem a sua inserção na história e “gera por circunstâncias serviçais”41 com o

nascimento de Ismael (16.15). Ela dará o primeiro filho a Abraão. Mas a promessa é

40 Roberto Luiz Guttmann. Torá, a lei de Moisés. 2001, p. 39. 41 Elvira Moisés da Silva. Teologia, memória e poder das mulheres na tenda: uma leitura crítica à

estruturação das teologias bíblicas a partir de Gênesis 29-30. Tese de Doutorado: Universidade Metodista de Ensino Superior, 2002, p.27.

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para o filho que brotará do ventre de Sara para Abraão: ele será o herdeiro da

promessa.

O papel de Sara não era apenas o de fazer cumprir, por meio da maternidade a

promessa feita a Abraão, mas o de fazer cumprir o seu papel diante de uma sociedade

na qua l o “valor da mulher era justificado pela sua existência como filha pelo futuro

papel de gerar filhos para seu marido”42. Sara recebe a promessa de Iahweh de gerar a

Isaac (17.19) e assim ocorreu (22.2).

A promessa e a aliança, de Iahweh para com Abraão, continuarão na sua

descendência: “E estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência

depois de ti em suas gerações, por aliança perpétua, para te ser a ti por Iahweh, e à tua

descendência depois de ti.” (17.7). Iahweh fala a Abraão da continuidade de sua

aliança com Isaac e sua descendência: “E disse Iahweh: Na verdade, Sara, tua mulher,

te dará um filho, e chamarás o seu nome Isaac, e com ele estabelecerei a minha

aliança, por aliança perpétua para a sua descendência depois dele” (17.19).

Iahweh estabelece uma bênção para a descendência de Ismael: “E quanto a

Ismael, também te tenho ouvido; eis aqui o tenho abençoado, e fá- lo-ei frutificar, e fá-

lo-ei multiplicar grandemente; doze príncipes gerarás, e dele farei uma grande nação”

(17.20), mas a sua aliança será para com Isaac: “A minha aliança, porém,

estabelecerei com Isaac, o qual Sara dará à luz neste tempo determinado, no ano

seguinte” (17.21).

42 Alice L. Laffey. Introdução ao Antigo Testamento: Perspectiva feminista. São Paulo: Paulinas, 2000,

p.261. (coleção A Bíblia – Uma leitura de Gênero)

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43

Com o nascimento de Isaac cessa, nos capítulos posteriores do Gênesis, a

citação do nome de Ismael. A partir da narrativa do banquete que Abraão dá no dia em

que Isaac é desmamado, Sara ordena a seu marido que expulse Agar e seu filho Isaac

e Abraão o faz com pesar. A partir desse ponto Ismael passa a ser citado apenas como

“o menino”, “o moço” e o “filho de Agar”, retornando ao complexo literário, como

“filho de Abraão”, no capítulo 25.12-18, após a morte do pai. A promessa de Iahweh

de abençoar a descendência de Ismael encontra-se em 25.16: “Estes são os filhos de

Ismael e estes são seus nomes, em suas vilas e em seus palácios; doze príncipes

segundo as suas nações”.

A genealogia presente em 25.19 “eis a história de Isaac, filho de Abraão. Abraão

gerou Isaac”, é prova de que estamos diante de um novo bloco literário. Esse tipo de

abertura é comum dentro dos textos do Antigo Testamento para introduzir uma nova

perícope ou um novo problema43. Nesse caso, 25.19-34, introduz a linhagem de Isaac

e sua descendência.

Após o nascimento de Isaac a alegria de Abraão se converte em tristeza. São

duas as razões: Sara exige a saída de Ismael, o que é doloroso para um pai expulsar

um filho de casa (21.11). A segunda é que Abraão sabia que Ismael optara por valores

e condutas morais diferentes e até contrárias às suas44.

No capítulo 22, uma nova prova marca a vida de Abraão e Isaac. Iahweh pede a

Abraão que lhe entregue o seu único filho, Isaac (22.1-2). A narrativa não aborda o

sentimento de Abraão, mas que ele não hesitou em cumprir a ordem, pois a fidelidade

43 Elvira Moisés da Silva,. Teologia, memória e poder das mulhers na tenda: uma leitura crítica à

estruturação das teologias bíblicas a partir de Gênesis 29-30. Tese de Doutorado da Universidade Metodista de Ensino Superior, 2002, p.30.

44 Roberto Luiz Guttmann. Torá, a lei de Moisés. São Paulo: Editora Sêfer, 2001

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44

dele a Iahweh estava à prova. Vimos, anteriormente, no substrato religioso, que havia

o sacrifício de crianças, mas que nas famílias clânicas não ocorria esse tipo de

sacrifício aos deuses. Ao contrário, a criança era a continuidade, a sobrevivência do

clã, a continuidade de sua genealogia.

A Torá chama a atenção para esse fato na história entre Abraão e Isaac como

sendo a mudança radical de Abraão como um desligamento definitivo e radical do seu

passado, rompendo com a maneira de pensar e de viver do seu ambiente, e coloca os

fundamentos para uma vida completamente diferente. O texto na Torá continua

dizendo que o amor paterno e a autoconservação são, sem dúvida alguma, atributos

inatos do homem e se a religiosidade não fosse um bem natural seu, ele nunca

sacrificaria o que é natural a favor de algo artificial.45

1.4.2 Segundo bloco: Isaac e Rebeca

Dos três ancestrais de Israel aquele cuja história ocupa o menor espaço na Torá é

Isaac e no pouco espaço relata-se uma miscelânea de outros acontecimentos, mas nada

mais detalhado sobre a vida de Isaac.

Não há muitos relatos dos acontecimentos da vida de Isaac. Logo após o seu

nascimento o narrador apresenta alguns fatos ocorridos como: a saída de Agar e

Ismael expulsos por Sara (21.10); a aliança entre Abimeleque e Abraão (21.32); o

jardim de árvores frutíferas que Abraão plantou no local do juramento e da aliança

com Abimeleque (21.33). A próxima narrativa é a da oferta de elevação, o sacrifício

de Isaac (22.1-2) que deverá ser feito por seu pai Abraão. Esta passagem é um

símbolo inspirado pelas manifestações religiosas primitivas.

45 Roberto Luiz Guttmann. Torá, a lei de Moisés. 2001, p.55.

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45

O que sucede após esse ato de sacrifício é a intervenção do anjo de Iahweh para

o não-sacrifício do filho da promessa. Pela obediência e não questionamento de

Abraão vem o reforço da promessa: “abençoar-te-ei e multiplicarei tua semente, como

as estrelas dos céus” (22.17). Após essa bênção o narrador descreve a crescente

procriação na família-clânica de Abraão.

Após o capítulo 22 a história de Isaac é retomada no capítulo 24, quando Abraão

convoca o seu fiel servo a encontrar uma esposa para Isaac. Ele o envia a Aram-

Naharáim (Mesopotâmia) à cidade de Nachor, para ali encontrá- la. Abraão mantinha

relações cordiais com os povos que o rodeavam, mas não a ponto de estabelecer com

eles ligações matrimoniais. Ele sabia que casamentos mistos abriam portas para a

assimilação de novos costumes, crenças e culturas. Isso era um sério problema comum

entre os povos antigos, evitar casamentos mistos, pois suas formas distintas de ser

dificultam uma harmonização.

Decerto, não é apenas a questão de linhagem que o fator importante que deveria

ser encontrado na futura esposa, mas, também, grandes qualidades morais como:

bondade, afeição, caridade, hospitalidade e a nobreza da família. Esse pensamento

ainda permanece entre os judaitas. O importante, agora, para Abraão, já que teve

apenas “um filho” (pois o outro lhe foi tirado por ordem de Sara), sendo o que lhe

restara o verdadeiro filho da promessa, é crer que a descendência prometida por

Iahweh virá por intermédio de Isaac e de sua futura esposa.

O servo de Abraão encontra Rebeca, filha de Betuel, irmã de Labão (24.22-23),

e Isaac a toma como esposa (25.20). E Rebeca, como Sara, era estéril também, Em

25.21, Isaac “intercede” a Iahweh por Rebeca para que ela possa lhe dar filhos. O

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verbo empregado para a “oração” é ytr, “interceder” que, segundo Jarschel, é bastante

utilizado no relato das pragas em Êxodo 8-10.46

A intercessão de Isaac é atendida: “Iahweh atende e Rebeca, sua mulher,

concebeu” (25.21). A promessa-aliança que Iahweh faz a Isaac se cumprem na

continuidade da descendência. Para surpresa há, no ventre de Rebeca, duas nações

(25.23) marcadas, antecipadamente, por uma “divisão” e pelo “fortalecimento de uma

sobre a outra” (25.23).

“E houve fome na terra, além da fome” (26.1). Como nos tempos de seu pai

Abraão, a fome sobreveio. Isaac ia em direção ao Egito, mas Deus o impede e ele fica

na Filistéia. E foi Isaac a Guerar, a Abimeleque 47, rei dos Filisteus, para pedir auxílio.

Iahweh lhe pede que não desça ao Egito e dessa forma confirmaria o juramento que

fez a Abraão seu pai (26.3). Isaac é acolhido por Abimeleque e neste ponto do

capítulo 26 encontramos uma narrativa que aborda um mesmo acontecimento,

ocorrido, com o seu pai, sua mãe e Abimeleque.

Não sabemos se Abraão contou esse fato para Isaac, mas é interessante ver que

um mesmo acontecimento se repete de pai para filho. O mesmo temor de Abraão de

ser morto ao declarar, Sara como esposa, diante de Abimeleque, por ser uma mulher

“formosa à vista”, ocorre com Isaac quando este é questionado por Abimeleque acerca

de Rebeca. Em vista da formosura de Rebeca Isaac age igualmente ao seu pai no

passado, declarando que ela é sua irmã.

46 Haidi Jarchel. Gênesis 25-36: Cotidiano transfigurado. 1994. p15. 47 Abimeleque era o nome que se dava a todos os reis dos Filisteus, assim como se chamavam faraós

todos os reis do Egito.

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O temor de Abimeleque, pelo que poderia acontecer a ele e ao reino, é evidente

em ambas as situações caso outro homem tivesse se deitado com as esposas. A

questão dentro desse relato é a de que o narrador, de forma sutil, narra a covardia de

ambos quanto ao temor de serem mortos caso as declarasse como esposas. Vemos que

o mesmo temor pairava sobre os dois: Abraão e Isaac. Vale aqui ressaltar que o temor

de Abimeleque era quanto à culpa que recairia sobre eles como povo. A narrativa não

demonstra preocupação ou cuidado quanto ao que poderia ocorrer às mulheres,

vítimas de uma mentira que as expos a situações vexatórias e de perigo, tanto na

história com Abraão ou na história com Isaac.

1.4.3 Terceiro bloco: Jacó e Raquel

A narrativa dos fatos do nascimento de Jacó e Esaú é descrita nos mínimos

detalhes, como se o narrador tivesse acompanhado o fato bem de perto, ou mesmo

participado do nascimento das crianças48: “quando chegou o tempo de dar à luz, eis

que ela trazia gêmeos. Saiu o primeiro: era ruivo e peludo como um manto de pêlos;

foi chamado Esaú. Em seguida saiu seu irmão e sua mão segurava o calcanhar de

Esaú; foi chamado de Jacó” (25.24-26). Seria esta a preservação da memória de

mulheres que ajudaram no momento do parto, ou mesmo da parteira? Para relatar tão

detalhadamente seria necessário estar bem perto ou participando do acontecimento.

Talvez essa seja uma das perdas, como já citamos anteriormente, de substratos

históricos que relatariam como e quem participava do parto na tradição clânica. Ou,

quem sabe, não fosse importante para o narrador evidenciar ou expor os detalhes dessa

ocorrência.

48 Haidi Jarchel. Gênesis 25-36: Cotidiano transfigurado. 1994. p.32.

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A narrativa revela que a disputa já ocorria no útero, quando Jacó sai segurando o

calcanhar de Esaú. Essa disputa continua no âmbito familiar, teológico e social. Esaú

tem a preferência de seu pai e Jacó de sua mãe. “Esaú tornou-se um hábil caçador

enquanto Jacó era um homem tranqüilo, morando sob tendas” (25.27). Jacó era

ardiloso. A promessa de Iahweh de primogenitura já estava incorporada nele desde o

ventre. Ele sabia que a caça exigia esforço físico e, assim, prepara o alimento que fará

um Esaú, cansado e faminto, trocar a sua primogenitura pelo guisado que ele

preparou. Se não era uma artimanha da parte de Jacó, por que não foi Rebeca que

preparou o alimento?

Jacó não só toma a primogenitura de Esaú, mas a bênção também, que lhe foi

dada por seu pai Isaac, por meio do alimento. Em várias categorias a refeição surge

em todos os mitos como parte ritual de casamentos, sacrifícios fúnebres ou

propiciatórios, nos banquetes ou refeição comum. Nesse caso a fenomenologia nos

lança a um campo de investigação em relação aos rituais e simbologias que há no fator

alimento. A refeição é muito mais que uma necessidade fisiológica de sobrevivência,

mas é um momento social, uma realidade simbólica, é um campo religioso49. E, como

campo religioso é importante ressaltar a importância simbólica que a bênção, tanto

quanto a maldição, têm sobre a vida daquele que a recebe.

Rebeca assume o risco de ser amaldiçoada em favor da bênção de Isaac para

Jacó. A trama urdida por Rebeca coloca-a em posição de destaque e autoridade na

situação. Ela é a organizadora do que ocorre na narrativa do roubo da bênção de Esaú,

por Jacó (27.6-30), ao ouvir que Isaac pede a Esaú que lhe prepare uma caça para ele

49 Paulo Mendes Pinto. “O banquete no ciclo de Baal: imagem, onipresença e funcionalidade simbólica e

religiosa” in: Religião e Cultura . São Paulo: Editora PUC e Paulinas, 2005, 216p. p.32.

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49

se alimentar. Fica, mais uma vez, clara a predileção de Rebeca por Jacó: “caia sobre

mim tua maldição, meu filho!” (27.13).

O interessante é que as duas perdas ocorrem por um prato de comida: o guisado

para Esaú e a caça para Isaac. A intrincada narrativa de 27.38, em que Esaú pergunta

ao seu pai se não lhe sobrou uma única bênção e chora é, certamente, estarrecedora.

Nota-se que se Esaú não valorizava a primogenitura, valorizava a bênção! Mas, será

que Esaú não sabia que a bênção era dada ao primogênito? Isaac morreu sem saber

que Esaú a havia trocado por um prato de comida. De qualquer forma, Jacó a teria de

direito pela promessa.

Seguidamente vemos que Esaú se enfurece e jura Jacó de morte: “E guardou

Esaú rancor de Jacó pela bênção com que o bendisse seu pai, e disse Esaú em seu

coração: chegarão os dias de luto de meu pai, e matarei Jaco, meu irmão” (27.41). As

palavras de Esaú são denunciadas a Rebeca, e ela, mais uma vez, intervém a favor de

Jacó e o envia à casa de seu irmão Labão, por medo de perder os dois filhos. Esse eixo

conflituoso da história será solucionado em perfeita paz no encontro que ocorrerá,

muitos anos depois, entre os irmãos. Essa passagem será narrada em Gênesis 33.4.

Vimos que, por parte de Rebeca, Jacó é enviado a casa de seu tio Labão para

fugir de Esaú. Mas, após esse triste acontecimento, Jacó é enviado, também, por seu

pai para a casa de seu avô materno para buscar uma mulher (28.1-6). Isaac, além de

ratificar as bênçãos proferidas anteriormente, ele confirma as bênçãos de Abraão sobre

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Jacó, tornando-o seu sucessor espiritual e o terceiro elo da mesma corrente que

formará Israel (28.4)50.

A saída de Jacó, para outras terras, terá um novo enfoque nessa narrativa

histórica. Ele encontrará Raquel e iniciará uma nova rede de intrigas e conflitos entre

Jacó e Labão; Raquel e Lea. O assunto principal do bloco 29-31 é de trabalho,

casamentos (Lea e Raquel), conflitos e descendência.

Entre os capítulos 29-31 a rede de intrigas não é mais entre Jacó e Esaú, os

personagens são outros e a história também. No capítulo 29, Jacó irá conhecer Raquel

por quem irá se apaixonar e fechar um contrato de trabalho com Labão para com ela

se casar. Os conflitos iniciam com o trabalho de Jacó, para obter Raquel como esposa

e lhe é dado Lea, a filha mais velha, no lugar de Raquel, por seu pai Labão. A

alegação é a de ser costume entre eles que assim se faça: entregar, primeiramente, a

filha mais velha em casamento.

Jacó faz novo contrato de trabalho com Labão em troca de Raquel. Jarschel

relata que “em todos esses conflitos faz-se evidente o poder que estrutura a cultura

pastoril-patriarcal e, paralelamente aparecem os elementos que negam o ordenamento

dessa forma de vida, uma espécie de contra-cultura”51. A narração dos fatos que

envolvem Jacó, Labão, Lea e Raquel tecem uma trama que muitas vezes parece não

ter fim. A cada investida de Jacó para obter sua liberdade de não-escravo, com novos

contratos de trabalho, faz com que Labão insira novas regras para que isso ocorra. Em

todas elas firma-se um novo contrato. Essa novela de Jacó termina em 31.17-18.

50 Roberto Luiz Guttmann. Torá, a lei de Moisés. 2001, p.55. 51 Haidi Jarchel. Gênesis 25-36: Cotidiano transfigurado. 1994. p.32

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51

Os conflitos também se estendem às duas irmãs na disputa pelo amor de Jacó.

Como a tradição para as mulheres é a de gerar filhos, Raquel fica em desvantagem em

relação à Lea. Enquanto Lea gera filhos, “Raquel se mantém estéril e se desgosta com

a vida. Na tradição antiga a finalidade maior do ser humano é a de gerar filhos.

Cumprir somente o seu papel de mulher é uma função secundária”52

A questão teológica é evidente nessa parte da trama. A cada filho dado a Lea

esta se reporta a Deus como o responsável pela dádiva. Dessa maneira cresce o

questionamento de Raquel, para com Jacó, sobre as benevolências de Deus não

estarem sobre ela . Seu questionamento para com Jacó de continuar sendo uma mulher

estéril, traz a ira de Jacó, pois ele diz não estar no lugar de Iahweh que lhe negou o

fruto do ventre (30.1).

Mas essa nova introdução teológica, Jacó como escolhido de Iahweh para gerar

nações, faz com que Raquel apele para as mandrágoras quando ela as vê na mão de

Ruben. Para ela esta seria, talvez, uma solução para sua esterilidade. Até esse

momento ela havia dado um filho para Jacó através de sua serva Bilá. Mas do seu

ventre ainda não havia nenhum fruto. De qualquer maneira as mandrágoras não

solucionaram o seu problema.

“E lembrou-se Deus de Raquel” (30.22). A narrativa não esclarece quanto tempo

depois da passagem das mandrágoras Raquel, finalmente, tem aberta a sua madre

(30.22), e dá a luz a José. O narrador deixa claro que ela engravida por vontade Divina

e não pelas mandrágoras conhecidas pelo seu poder afrodisíaco e que age contra a

esterilidade. Raquel volta a ter sua madre aberta, novamente, dando à luz a Benjamim

52 Roberto Luiz Guttmann. Torá, a lei de Moisés. 2001, p.55

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52

(35.18), vindo a falecer ali, por problemas de parto. A tradição é mais uma vez

demonstrada nas palavras da parteira à Jacó: “Não temas, pois também este é um filho

para ti” (35.17). A vida se esvaiu de Raquel, mas o importante, como vimos

anteriormente, era a procriação e não o ser mulher: este era um fator secundário.

O reencontro de Jacó com seu pai, e a morte de Isaac, são relatados no capítulo

35: “E veio Jacó a Isaac seu pai, a Mamré, Kiriat Arbá, esta é Hebron, onde ali

moraram Abraão e Isaac. E foram os dias de Isaac cento e oitenta anos. E exalou a

alma Isaac, e morreu, e foi reunido ao seu povo, velho e pleno de dias, e sepultaram-

no Esaú e Jacó, seus filhos” (35.27-29).

Israel, que é identificado com Jacó em Gênesis 32.29 e 35.10, deve ser

considerado patriarca, mas separadamente. O capítulo 36 inteiro está quase dedicado à

genealogia de Esaú. Com o tempo o rancor entre os irmãos, principalmente o de Esaú,

se dissipou e voltaram a uma boa convivência após o reencontro.

A genealogia histórica da composição do povo de Israel é o tema do Gênesis 12-

50, mas o bloco analisado foi o de Gênesis 25-36, cerne da nossa pesquisa, tendo

como conteúdo relatos sobre a esfera familiar e genealógica da história dos ancestrais

do povo de Israel. A aliança-promessa é a fonte propulsora para as migrações, a

constituição de casamentos e a procriação. Nela pudemos constatar que Aliança não é

feita apenas com Abraão.

Ela é uma aliança afiançada que deverá se cumprir por intermédio da obediência

e cumprimento dos mandamentos ordenados por Iahweh permanecendo desde Abraão

até Isaac e Jacó. A narrativa em 26.3, nos mostra claramente num diálogo entre

Iahweh e Isaac: “Peregrina nesta terra e estarei contigo, e abençoar-te-ei; a ti e à tua

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semente darei todas estas terras, e confirmarei o juramento que jurei a Abraão, teu

pai.”. E ela será uma aliança perene.

2. Tradições

As narrativas do bloco 25-36 do Gênesis tecem uma teia histórica dos passos de

alguns personagens que foram escolhidos por Iahweh para se tornarem os “patriarcas”,

os ancestrais do povo de Israel. Tais narrativas nos levam desde os espaços sociais e

históricos ocupados aos espaços de conflitos e tradição familial-clânica, cujo espaço

religioso revela a fé em Iahweh e a aliança-promessa, iniciada em Abraão estendendo-

se aos seus descendentes que formariam a genealogia da tradicional “história da

formação do povo de Israel”. A tradição contém detalhes específicos acerca de

Abraão, Isaac e Jacó.53

Esses ancestrais de Israel, mais conhecidos como “os patriarcas” eram

seminômades que, como Abraão, “saem da sua terra e da sua parentela” em direção

aos caminhos já traçados por Iahweh para que a história se complete.

Segundo Donner,

A herança nômade é tão forte na tradição de Israel que a

rejeição de toda e qualquer pré-história nômade de Israel não

tem nenhuma probabilidade histórica a seu favor. Para ele

Israel sempre soube, e sustentou que seus pais eram nômades e

não sedentários.54

As questões referentes ao nomadismo e ao sedentarismo são abordadas por

Donner da seguinte maneira:

53 Georg Fohrer. História da Religião de Israel. 2006, p. 37. 54 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. p. 148.

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54

[...] precisamos nos acostumar a ver o fenômeno do

nomadismo de modo muito mais diferenciado do que até agora

habitualmente acontecia. O conceito “nômades” é de certo

modo um teto sob o qual se reúnem grupos de diversos tipos e

origens. Comum a todos é a não-sedentariedade consistindo

sua tomada da terra em se tornar sedentários, não mais viver

em tendas, mas em casas, e fundar localidades. Nisto consiste

a essência desse processo, não na passagem da criação de gado

para a agricultura, pois tanto agricultores sedentários, quanto

nômades praticam agricultura e criação de gado. No máximo

se poderá admitir que no processo de sedentarização ocorre

certa preponderância da agricultura sobre a criação de gado.55

Assim, para conhecermos um pouco melhor a história acerca dos ancestrais de

Israel, não basta nos fixarmos em sua genealogia, casamentos, intrigas, mortes,

bênçãos, alianças, mas nos espaços sociais em que estes eventos ocorrem e o lugar da

teologia em seu espaço vivencial. Dessa forma trabalharemos, a seguir, um pouco

mais sobre a relação de cada um/a desses/as personagens nesses espaços e seus

enredos complexos, ricos em tradições diversificadas e estruturados em genealogias.

2.1 Espaços histórico-sociais

Entre as dádivas concedidas por Iahweh, a terra está em primeiro lugar e tem um

importante papel nas tradições que cercam os acontecimentos da vida dos ancestrais

de Israel.56 Os espaços sociais em que esses acontecimentos ocorrem, são de terras,

geralmente longínquas, nas quais os nossos personagens são enviados por Iahweh,

levando seus pertences, famílias, escravos e escravas, gado e animais de pequeno

porte. Essas travessias se davam por regiões deserticas e de estepes

55 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos., p. 149. 56 Georg Fohrer. História da Religião de Israel. 2006, p.230.

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55

2.2 Associação de Iahweh com seu povo

A presença de Iahweh, sobretudo na tradição dos “patriarcas”, está intimamente

ligada à família e preocupa-se com os assuntos familiares: é Deus que lhes dá filhos,

que lhes ajuda a encontrar uma esposa, etc. Esse mesmo Deus é identificado como

tendo laços familiares quando lhe é denominado ser o “Deus do meu pai Abraão,

Isaac, Jacob...”

Nessas tradições se reflete uma religiosidade familiar, muito típica da época dos

patriarcas. É bem verdade que em épocas posteriores, a relação entre Deus e o seu

povo, assume cada vez mais um lugar central na fé de Israel; contudo, a religiosidade

familiar não deixa de existir. Ao contrário, afirma que a fé no Deus de Israel, e a fé no

Deus criador do Universo, se exprime também na relação com o próximo e com a

família. Não nos surpreende, por isso mesmo, que dois dos dez mandamentos

encontrados em Êxodo 20.12,14 dizem respeito à vida familiar: “Respeita o teu pai e a

tua mãe, para que vivas muitos anos na terra, que o Senhor, teu Deus, te vai dar. (v.

12); Não cometas adultério. (v. 14).

Outros aspectos da realidade familiar podem inclusive servir para entender

melhor a relação entre Deus e Israel. O profeta Oseías, por exemplo, compara Israel a

uma esposa infiel (Oseías 2.1,23) e Deus à mãe que ensina o seu filho Israel a andar

(Oseias 11.1,12.)

De fato, Deus não está distante, mas tão próximo da família que não o

surpreenda ser identificado através de laços familiares: o “Deus do meu pai Abraão,

Isaac, Jacob...” Reflete-se nestas tradições uma religiosidade familiar, muito típica da

época dos patriarcas.

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2.3 Casamentos

Questões concernentes a casamentos, no Antigo Testamento, são encontradas

nas narrativas históricas, principalmente na dos tempos dos patriarcas. Esses textos

refletem a vida familiar de nômades, na época do estado, vividos sob uma cultura

sedentária e agrícola. A família típica do Antigo Testamento está carregada de temas

não admissíveis para a sociedade atual como a “poligamia”, por exemplo, exercida

nos tempos “patriarcais”.

A poligamia não era uma constante na sociedade, mas foi exercida e retratada na

vida de Abraão e Jacó, sendo que Isaac teve somente filhos e um relacionamento com

Rebeca. A poligamia era respaldada por ser de origem legal na sociedade clânica, a

qual pertenciam. As leis quanto ao casamento estavam ligadas à descendência como

nos casos de Sara e Raquel que, enquanto estéreis, deram suas servas para gerarem em

seu lugar. Não sabemos interpretar o porquê isso não ocorreu com Isaac, mas devemos

ressaltar que ele ora a Iahweh para que Receba conceba, e Iahweh ouve e responde ao

clamor de Isaac!

Filhos como Ismael, do relacionamento de Abraão com Agar, serva de Sara,

bem como os de Jacó com as servas de Lea e Raquel, seriam considerados ilegítimos

na sociedade atual, mas não o eram dentro da sociedade clânica. Eles eram filhos

legítimos, pois pela sociedade clânica tinham sua descendência legitimada. Outro fator

que nos mostra a normalidade dessa questão é a de que Lea dava regularmente filhos a

Jacó, mas também deitou suas servas com Jacó. Talvez porque enquanto Raquel era

estéril, não concebia filhos a Jacó, mas tinha o seu amor, Lea era a pura fertilidade

num relacionamento estéril, sem amor. A descendência é o “elevador” social dentro de

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uma sociedade em geral, mas na clânica esse fator é maior por ser a descendência o

fator primordial.

Outro detalhe acerca dos casamentos numa sociedade clânica é o de ser somente

permitido o casamento entre primos/as e o de tio-sobrinha. O casamento com

estrangeiras era inadmissível para a sociedade clânica. A preferência era que se

efetuassem casamentos com parentes consangüíneos; assim, preservava-se a

integridade do patrimônio, entre outros, por intermédio do casamento endogâmico.

Um exemplo de casamentos exogâmicos, ou seja, com estrangeiros, é o casamento de

Esaú com duas mulheres hititas.

As alianças com nações vizinhas também determinavam o poderio e o número

de casamentos entre um rei ou outro personagem bíblico, seja com estrangeiras ou

não-estrangeiras; entre suas esposas e suas servas. De qualquer forma um homem

poderia viver com várias mulheres. Não surpreende que esta situação resulte muitas

vezes em ciúmes e rivalidade, como vimos anteriormente, especialmente entre as

esposas que têm filhos e as que são estéreis, como Sara e Agar, Raquel e Lea.

A esposa é, normalmente, escolhida pelo pai do jovem: “Eis que Rebeca está

diante da tua face; toma-a, e vai-te; seja a mulher do filho de teu senhor, como tem

dito o Senhor” (24:51), mas a aceitação dos cônjuges é necessária. Vários textos, no

entanto, revelam casamentos advindos de amor e paixão, como na história de Jacob e

Raquel, David e Betsabé ou na história do Cântico dos Cânticos.

Outro detalhe, acerca dos casamentos, era o dos acordos pré-nupciais. Era

costume o homem pagar um dote à família da mulher. O valor desse dote refletia a sua

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importância social. Este pagamento poderia ser substituído por trabalho (como no caso

de Jacó, que trabalhou durante catorze anos, para Labão, por Raquel).

3 Conclusão

Neste capítulo pudemos conhecer um pouco mais acerca do complexo literário

que trata dos ancestrais do povo de Israel, pertencentes ao bloco do Gênesis 25-36,

composto por histórias, de um povo de vida nômade, e suas tradições familial-clânica.

Tais histórias são compostas das memórias de um povo viajante, pertencente a

uma sociedade clânica, que procura preservar seus costumes, e dar continuidade à sua

descendência, por meio de uma aliança-promessa, feita a Abraão, de que seriam

“formadores de nações”.

Israel sempre soube, e sustentara, que seus pais eram nômades e não

sedentários.57 A essência desse povo nômade, geralmente pastores, criadores de gado,

de rebanho de pequeno porte e pequenos agricultores se destaca pelo processo de

transumância. “Comum a todos é a não-sedentariedade, consistindo sua tomada da

terra em se tornar sedentários, não mais viver em tendas, mas em casas, e fundar

localidades”58. O nomadismo, ao qual pertenciam os ancestrais de Israel, produziu

certas formas de sociedades, comportamentos e peculiaridades religiosas.

Abordaremos, aqui, as origens de Israel, sua pré-história e sua história primitiva,

as genealogias, as histórias pré-tribais, não de forma detalhada, mas destacando e

analisando passagens que irão nos auxiliar a compor a nossa pesquisa. No próximo

capítulo faremos a análise exegética da unidade 30.14-16.

57 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. p.149. 58 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. p.149.

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CAPÍTULO 2

ANÁLISE EXEGÉTICA DO GÊNESIS 30.14-16

Gênesis, em hebraico bereshit (“no princípio”), é um dos livros mais

significativos do Antigo Testamento. Ele abre a Torah (Pentateuco), que é a base para

toda a reflexão vétero-testamentária, e divide-se em duas partes: na primeira,

focalizam-se as origens do universo e da humanidade (cap. 1-11). Na segunda, as

narrativas populares, sobre as raízes da história ancestral do povo de Israel, e sua

genealogia (cap. 12-50). Gênesis oferece uma visão particular do começo da história

de Israel, que é mais propriamente a história de uma família 59.

O bloco 12-35 é o documento literário que conservou as tradições dos ancestrais

de Israel. A nossa unidade de estudo, 30.14-16, se encontra nesse bloco das tradições,

que narra as histórias dessas famílias ao longo de três gerações. Nelas encontramos

chefes de grupos familiares, nômades, que peregrinavam, de lugar a lugar, em busca

de alimento e água para si e para os seus rebanhos. Outros fatores, que ilustram o

quadro dessa intrigante história da linhagem ancestral do povo de Israel, referem-se a

59 Bíblia de Estudo Almeida revista e atualizada. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil. 1999, p.9.

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trabalho, acordos, trapaças, casamentos e nascimentos. É a história do amor de Jacó

por Raquel que, para desposá- la, faz um acordo de trabalhar sete anos para Labão, seu

futuro sogro, e por ele é trapaceado, recebendo Lea em seu lugar. Dessa situação

nasce a rivalidade e a intriga entre as duas irmãs que por Jacó são desposadas. Esse

episódio gera uma constante tensão entre Lea e Raquel: Lea dá filhos a Jacó na

esperança de obter o amor dele; já, para Raquel, que tem o amor de Jacó, o importante

é dar- lhe filhos, já que ela tem o amor dele.

A unidade 30.14-16 discorre sobre a discussão ocorrida, entre Raquel e Lea,

acerca das mandrágoras encontradas por Ruben. Raquel deseja obtê- las como

remédio, ou magia, para sua esterilidade. A mandrágora é uma planta cercada de mitos

e de propriedades afrodisíacas e de fertilidade. O interesse gera uma discussão e uma

negociação entre as duas irmãs: as mandrágoras de Ruben [Lea] para Raquel, em troca

de uma noite de Lea com Jacó. A rivalidade entre as irmãs, e a negociação, ocorre por:

amor, filhos e poder. Essa é a síntese central da disputa entre elas.

A análise desse texto nos conduzirá a uma compreensão dos mitos que cercam

as mandrágoras e seu poder medicinal. Sua utilização incide como “prática religiosa

cananéia de magia, adotada pelos israelitas”60. Tais práticas religiosas eram,

primariamente, formadas pela vegetação e cultos de fertilidade cananeus, cuja base era

bastante mágica. Assim, embora a tradição tenha freqüentemente mascarado o caráter

sincrético de sua religiosidade, a vida diária dos israelitas estava repleta de um grande

número de práticas de magia.

Essa unidade não se restringe apenas a analisar as mandrágoras como meio de

fertilidade, frente à esterilidade de Raquel, mas traçar a gênese religiosa e mítica das

60 Georg Fohrer. História da Religião de Israel. São Paulo: Editora Paulus, 2006, p.202.

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crenças existentes sobre ela no decorrer desta pesquisa. Essa análise não só nos

revelará a complexidade histórica e significado social, dessa unidade, como também

as implicações e conteúdos, de um período em que tais símbolos e mitos estavam

entrelaçados na religiosidade e na cultura e não eram considerados idolatria.

1 Tradução literal

Apresentaremos, aqui, uma tradução literal de cada versículo, a fim de

estudarmos cada detalhe que a unidade 30.14-16 irá nos oferecer.

1.1 Tradução

14 E foi (aconteceu) Ruben, nos dias da colheita do trigo, achou mandrágoras no

campo. E trouxe-as para Lea, sua mãe. E disse Raquel para Lea: Dá-me as

mandrágoras de teu filho.

15 E disse Lea: é pouco tomar meu homem? E pegar também as mandrágoras de meu

filho? E disse Raquel: por isso durma contigo esta noite, pelas mandrágoras do teu

filho.

16 E veio Jacó à tarde do campo, e saiu Lea ao seu encontro e disse a ele: porque

paguei salário, [eu] te contratei por mandrágoras de meu filho e deitou-se com ela

aquela noite.

1.2 A forma

A nossa unidade 30.14-16 encontra-se no bloco 25-36 do Gênesis. Dentro desse

bloco adentraremos o complexo literário 29.31–30.24 que contém a genealogia do

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nascimento dos doze filhos de Jacó, a nomeação e o significado de seus nomes. A

composição do bloco 25-36 é constituída por textos de “forma genealógica”, pois nele

encontramos relatório s desde o nascimento de Isaac, ao de Esaú e Jacó, seguido das

histórias de seus casamentos e nascimento de seus filhos, composição própria da

genealogia. O contexto histórico desse bloco pertence à sociedade clânica que garantia

o direito à propriedade, e a linhagem, por intermédio da genealogia.

A prosa é o gênero no qual está inserido o bloco dos relatos de passagens

especiais como a história do povo ancestral de Israel (dos patriarcas) e seus quadros

familiares e genealógicos. Mas, a nossa unidade, 30.14-16, é uma peça dentro desse

bloco e deverá ser analisada separadamente61.

No bloco 25-36 encontramos algumas interpolações narrativas e dentre elas está

a nossa unidade que contém a abertura de um novo episódio: o acordo das irmãs Lea e

Raquel em torno das mandrágoras. Este episódio, do capítulo 30, marca claramente a

rivalidade, entre as duas irmãs-esposas, por causa de Jacó. O motivo da forma

narrativa desse bloco separado, dentro do bloco 29-30, é que ele sai da fase de

declarações de nascimentos para a de disputa, claramente percebida no diálogo entre

Raquel e Lea.

O que faz com que o nosso texto incida como forma narrativa é que ele se

constitui do que poderíamos chamar de “diálogo”, mas o que encontramos, realmente,

é uma narrativa de rivalidade, uma disputa, uma discussão que gera um acordo entre

Raquel e Lea sendo Jacó o prêmio, o elemento da negociação pelas mandrágoras.

61 Claus Westermann. Genesis 12-36: A commentary. Minneápolis: Augsburg Publishing House, 1985,

P.471.

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Podemos, então, dizer que temos afinal um texto em que a mulher não é o elemento de

transação e negociação.

Outro fator metodológico e determinante para classificarmos essa unidade como

“narrativa” deve-se ao modo de comunicação e interação entre as personagens. Um

texto narrativo deve seguir a ordem das ações, sendo que os acontecimentos e as ações

devem suceder-se na ordem em que aconteceram. Ao analisarmos por esse método

vemos claramente essa seqüência em nossa unidade: à chegada de Ruben, com as

mandrágoras, segue-se a ação de negociação de Raquel com Lea para obtenção das

mandrágoras (v.14), o acordo e o cumprimento do acordo (v.15-16).

Desse ponto em diante inicia-se a nossa análise exegética na qual procuramos

manter a tradução o mais literal possível, tornando a mesma, confiável para a nossa

análise.

1.2.1 A unidade 30.14-16

A intenção da narrativa em nossa unidade é a de levantar a questão da rivalidade

entre as mulheres: um tema que sempre existiu e sempre vai existir na sociedade

humana – mesmo em formas modificadas de vida e de casamento. Seu propósito é

mostrar que o conflito no período patriarcal, entre as mulheres, foi considerado no

mesmo nível significativo que ent re os homens.

Considerando que os homens contendiam, basicamente, sobre um espaço e

meios de subsistência, as mulheres entraram em confronto sobre sua posição e status

na comunidade. Essa discussão se mantém na esfera simples da família onde o

reconhecimento pelo marido e o nascimento de filhos eram fatores decisivos para elas

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a sociedade local. Percebemos, ainda, que esse conflito deve-se ao valor sócio-cultural

estabelecido na época para que as mulheres mantivessem seu status comunitário: o da

maternidade.

A unidade pesquisada contém três versos desconectados dos versículos

anteriores e posteriores. Trabalharemos o complexo literário 29.31–30.24, de maneira

que possamos melhor compreender e analisar o contexto da trama e da rivalidade

entre Lea e Raquel. Essa rivalidade nasce do descumprimento do acordo de Labão, pai

das personagens, com Jacó, fazendo com que ele despose Lea, acordo esse de sete

anos de trabalho de Jacó para desposar Raquel.

Nos vs. 14-16, Raquel e Lea conversam pela primeira vez em todo o conjunto

redacional num diálogo rápido, no qual percebemos o sentimento de rivalidade e

indignação de Lea para com a questão Raquel e Jacó, como podemos ver no v. 15. O

diálogo é de negociação, tendo Jacó como um dos “objetos” de troca. Nesse tenso

episódio, o diálogo entre Lea e Raquel, acerca das mandrágoras (maçãs do amor)62,

que Ruben, filho de Lea, encontra, transforma-as em “maçã da discórdia”. O conflito

termina com um compromisso que beneficiaria ambas as mulheres. O redator descreve

bem o tenso diálogo e a negociação entre as irmãs como veremos a seguir.

1.2.2 Diálogo

As frases que compõem o diálogo estão descritas abaixo e tem seu ponto

conclusivo na última frase.

62 A mandrágora, cujo nome em hebraico é formado pela raiz de amor (duda’im), tem frutos (não

comestíveis), como os de uma pequena maçã. Isso a faz conhecida como “maçã do amor”. Sua raiz é da forma de um corpo humano e suas folhas e floração, como se fossem o cabelo. É tida como planta com poderes mágicos e afrodisíacos, promotora da fertilidade.

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65

14 E disse Raquel a Lea:

“dá a mim as mandrágoras de teu filho”

15 E disse:

“também por pouco tomaste o meu homem

e tomas em especial as mandrágoras de meu filho”

E disse Raquel:

“por isso durma contigo esta noite pelas mandrágoras de teu filho”

16 E chegou Jacó do campo na tarde e saiu Lea a chamar-lhe

e disse:

“comigo chega-te eis que pagar, paguei-te por mandrágoras de meu filho”

e dormiu com ela aquela noite.

Os vs. 14-16 mostram o tenso diálogo e a forma narrativa na qual ele é

construído. Do lado esquerdo temos a fala do narrador expressada por “E disse”; do

lado direito temos a fala, a discussão de Raquel e Lea. Essa discussão irá gerar a troca

das mandrágoras por Jacó, os “objetos” centrais da discussão.

1.2.3 A construção do diálogo

As frases são fundamentais na construção do diálogo. Elas são portas que se

abrem para a captação do contexto e do diálogo nela estabelecidos. Na seqüência

trabalharemos para uma melhor compreensão do discurso e sua finalidade.

1.2.3.1 E foi (aconteceu) Rúben, nos dias da colheita do trigo63, achou mandrágoras64 no campo65. E trouxe-as para Lea, sua mãe. E disse Raquel a Lea: Dá66 a mim por favor as mandrágoras67 de teu68 filho. (v.14)

63 hitim – substantivo feminino plural absoluto: plantas, grãos, trigo. 64 duda`im – substantivo masculino plural: mandrágoras. É formado pela raiz de amor (duda’im) 65 basadeh – preposição em contraída com artigo + subst. masc. sg. campo: no campo 66 teni – verbo dar, qal imperativo feminino singular: dá.

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66

Esse episódio ocorre “nos dias da colheita do trigo”. A primeira frase que

constrói esse diálogo inicia-se com “E aconteceu” onde o narrador insere os fatos e as

informações, enquadrando tempo e espaço na narrativa.

A colheita era ponto de referência no calendário 69. Na Palestina é semeado o

trigo em novembro ou dezembro, e recolhido em maio ou junho, segundo o clima e a

localidade. O campo é o local de trabalho e de produção do grupo demonstrando que

esses peregrinos partilhavam de uma economia agrícola. O trigo era o alimento

fundamental na Palestina: grão que se transforma em pão. Era um produto de alto

valor e importância para a economia local, pois além dele produzir o alimento era

utilizado na comercialização e como oferta aos deuses. Em Neemias 5.2-3 temos uma

clara noção de sua importância: “Gostaríamos de ter trigo para comer e viver! Outros

diziam: nossos campos, nossas vinhas e nossas casas, dâmo-los em hipoteca para

termos trigo durante a época da fo me”.

No capítulo anterior abordamos a questão do alimento como sendo mais que

refeição, mais que uma necessidade fisiológica de sobrevivência, mas ele tem valor

simbólico e mítico. Encontramos várias narrativas bíblicas sobre alimento. Ele

pertence ao cotidiano, seja num momento social, numa realidade simbólica ou no

campo religioso. A morte pela fome, para um povo, pode significar seu fim. Ao

67 miduda`ey – preposição de (indica origem, motivo) + subst. masc. plural construto: “mandrágoras

de”. 68 Benech – Substantivo masculino singular: filho, contraído com sufixo pronominal de 3ª. pessoa

feminino singular: tua: teu filho, teu descendente. 69 Elvira Moisés da Silva. Teologia, memória e poder das mulheres na tenda: Uma leitura crítica à

estruturação das teologias bíblicas a partir de Gênesis 29-30. Tese de Doutorado da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2002, p.59.

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mesmo tempo elimina uma religião juntamente com seus deuses e seus

antepassados.70

Ruben “encontra mandrágoras no campo”. Ele é o primogênito de Lea e Jacó e,

como tal, ocupa uma importante posição dentro da genealogia clânica. Esse quadro

denota que os filhos acompanhavam desde tenra idade, o pai, para o trabalho no

campo sendo preparados para a situação política, social e econômica do clã. Claus

Westermann diz que Ruben teria a idade aproximada de seis anos quando encontra as

mandrágoras71. Percebemos que o redator descreve que Ruben “encontra”

mandrágoras e as leva a sua mãe. Isso constrói a idéia de que ele tinha conhecimento

da importância delas, fosse por ele trabalhar no campo ou pelas tradições.

A mandrágora é uma planta que, além de conter propriedades medicinais,

também detém poderes mágicos, cercada por uma gama mitos. O termo

“mandrágora”, ?????? (dûdä´îm), em hebraico, deriva da mesma raiz de “amor”, o

que reforça a idéia de fertilidade e o seu elemento afrodisíaco. Era muito utilizada em

feitiçarias, na medicina e como poderoso afrodisíaco e conceptivo. De sua raiz, em

forma de corpo humano, assim como suas folhas, fazia-se chá e uma infusão, para ser

bebida ou banhada. Não podemos esquecer que cabia, geralmente, às mulheres o

conhecimento e a prática quanto às plantas e ervas medicinais.72 Algumas dessas

plantas estavam embebidas no poder dos mitos, como é o caso das mandrágoras. Não

podemos esquecer que Lea deveria utilizar suas propriedades medicinais e

afrodisíacas e Ruben tinha conhecimento disso.

70 Hans-Jürgen Greschat. “Religião e Comida” in: Religião e Cultura . São Paulo: Editora PUC e Paulinas, 2005, 216p. p.10

71 Claus Westermann. Genesis 12-36: A commentary. Minneápolis: Augsburg Publishing House, 1985, p.475.

72 Gil Martins Felipe. No rastro de Afrodite: Plantas afrodisíacas e culinárias. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004, p. 231.

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68

A discussão, aqui, está encabeçada nas mandrágoras. A frase “Dá-me

mandrágoras de teu filho”, dita por Raquel é enfatizada pelo verbo “teni” [dar], no qal

imperativo “dar”, “colocar”, “dispor”. É um verbo de ação que “move alguma coisa”

ou faz com que “chegue algo a alguém”. Por ser verbo imperativo acentua o caráter de

mando, de imposição, que exprime uma ordem a alguém, nesse caso seria o de Raquel

para Lea. Essa “ordem” é amenizada pela partícula “na”, de interjeição e de ênclise de

urgência: por favor.

Nos vs. 14 e 15 temos uma construção igual de frases havendo mudanças apenas

dos pronomes possessivos: “mandrágoras de teu filho” e “mandrágoras de meu filho”.

De qualquer maneira a favorecida aqui é Lea, pois foi Ruben, seu filho que encontrou

e tem a pertença das mandrágoras. Raquel quer as mandrágoras e Lea quer o marido.

A negociação favoreceria cada uma das irmãs a conceber filhos. Essa era a intenção

de Raquel. Só que a beneficiada continuou sendo Lea, pois Raquel não atingiu o seu

objetivo com as mandrágoras. Da mesma maneira que Iahweh se apieda de Lea por

não ser a escolhida de Jacó e lhe dá filhos, será ele o mesmo condutor da geração que

virá de Raquel. Iahweh será aquele que abrirá a madre de Raquel.

Há somente dois textos bíblicos que citam as mandrágoras: Gênesis 30.14-15

(nossa unidade) e no livro do Cântico dos Cânticos (7.14).

1.2.3.2 E disse Lea: é pouco tomar meu73 homem? E para tomar74 também75 as mandrágoras de meu76 filho? E disse Raquel: por isso durma77 contigo esta noite, em lugar das mandrágoras do teu filho (v.15).

73 `et- `ishi – partícula que antecede objeto direto ( sem tradução) + substantivo masculino singular:

homem + sufixo pronominal da 1ª. pessoa: meu homem. 74 ve-laqahat – verbo pegar, tomar, no infinitivo antecedido por vav. 75 gam – conjunção: também. 76 beni – substantivo masculino singular + sufixo pronominal da 1ª. pessoa: meu filho. 77 yishkav – verbo deitar-se, coabitar no qal, 3ª. Pessoa do masculino singular do imperfeito: e dormiu.

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69

A rivalidade surge a partir do capítulo 29.16 percorrendo os demais versículos

desembocando no capítulo 29.30 e 30.15:

“Jacó uniu-se também a Raquel,

e amou Raquel mais do que a Lea;

ele serviu ainda em casa de Labão durante outros sete anos”

As duas primeiras frases fundamentam a rivalidade entre as irmãs: elas

enfatizam a preferência de Jacó por Raquel aceitando trabalhar mais sete anos por ela.

O redator deixa claro o quadro dessa rivalidade definido nas disputas que se iniciam

por duas razões: o amor de Jacó e a maternidade.

O esquema acima nos dá o entendimento do por que Lea é enfática em sua

resposta e rejeita o pedido de Raquel com amargura em sua fala: “É pouco que você

tenha tomado o meu marido? E tomas também as mandrágoras de meu filho?” Aqui o

substantivo mandrágoras é acompanhado da conjunção aditiva gam (também, em

especial). No jogo de palavras desse diálogo enquanto Raquel utilizou o termo “dar”,

Lea se utiliza duplamente do termo “tomar” denotando que Raquel “tomou” dela o

marido (pelo coração, pelo amor) e agora quer “tomar- lhe” as mandrágoras. Talvez as

mandrágoras fossem para Lea a fonte que traria Jacó para si. Raquel pleiteia as

mandrágoras de sua irmã , talvez por ela achar que foram as mandrágoras que

favoreceram Lea a conceber e da mesma forma que as mandrágoras favoreceram Lea,

ela tem o direito de ser favorecida também. Para ela as mandrágoras são a esperança,

o caminho para a maternidade.

A negociação nesses casamentos não acaba. Labão negociou suas filhas com

Jacó: sete anos de trabalho pelo casamento com Raquel e, ao dar Lea em lugar de

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Raquel ele ganha mais sete anos de trabalho de Jacó. De uma forma mais sutil Raquel

e Lea negociam as mandrágoras em troca de uma noite de Jacó com Lea. Raquel faz

uma proposta justa que Lea aceita: ela dá seu marido para dormir com Lea uma noite

(obviamente, ele passava mais tempo com Raquel do que com Lea) em troca das

mandrágoras. Raquel entrega Jacó e Lea entrega as mandrágoras.

1.2.3.3 E veio Jacó à tarde do campo78, e saiu Lea ao seu encontro e disse a ele:, eis que pagar79, [eu] te aluguei80 por mandrágoras de meu filho e deitou-se com ela aquela noite (v.16).

Nesse v. 16 Jacob vem “do campo”, isso designa o estilo de vida de seu grupo.

Lea vai ao seu encontro, no final da tarde, e lhe diz que ele foi o objeto de um acordo.

Jacó desempenha aqui um papel bastante lamentável: ele surge apenas como objeto de

troca, de mercadoria. Aqui o redator o ausenta do diálogo: Jacó vem do campo, do seu

trabalho. Enquanto isso o redator relata o acordo feito entre Lea e Raquel acerca das

mandrágoras e de Jacó. As mandrágoras foram o “salário”, “o pagamento” de Lea por

uma noite com Jacó.

Lea diz a Jacó: “eis que paguei [eu] te aluguei por mandrágoras do meu filho”.

“Pagar” termo designado para um contrato feito acerca de algum tipo de trabalho.

Neste caso Lea “paga” para “dormir” com Jacó. Fica aqui a base da controvérsia entre

as irmãs, que sendo Lea a primeira esposa tem que pagar para poder “dormir” com o

seu esposo. Optamos, aqui, pelo termo “alugar”, pois poderíamos ter optado pelo

termo “contratar”, pois ambas são expressões que impõe uma limitação de tempo81.

78 min-ha-sadeh – preposição de (origem) + artigo + subst. masc. sg. campo: do campo. 79 sachor – verbo qal no infinitivo absoluto: pagar salário. 80 Shacharticha – verbo qal perfeito na 1ª. Pessoa do singular no tempo completo + sufixo pronominal

na 2ª. Pessoa do masculino singular: te aluguei. 81 Claus Westermann. Genesis 12-36: A commentary. Minneápolis: Augsburg Publishing House, 1985,

p.476.

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De qualquer maneira, ambos são resultados de um acordo, de um contrato

1.3 Lugar, datação e autoria

A nossa unidade 30.14-16 está inserida na história de Jacó que ocorre,

preponderantemente, na Palestina Central e na Transjordânia, diferente a localidade de

seus antecessores Abraão e Isaque.82 Ela tem como lugar central a terra de Padã-Aram,

local onde residia Labão e para o qual Jacó é enviado, não somente para fugir da ira de

Esaú, pelo roubo da primogenitura e da bênção (esta última principalmente), mas para

encontrar uma esposa.

A Palestina é a parte do corredor siropalestinense, entre os territórios de aluvião

fluvial do Egito e da Mesopotâmia: a parte central do chamado Crescente Fértil com

terras de cultura a nordeste, norte e noroeste do deserto sírio-arábico83. Ela obtém sua

fertilidade não da água de grandes rios, mas da chuva ocasionada pela evaporação do

Mar Mediterrâneo condensada nas serras. Há somente duas estações anuais: o inverno

chuvoso (outubro/novembro e abril/maio) e o verão, completamente sem chuvas.

Estas narrativas que, possivelmente, foram produzidas e editadas no reino do

norte (Israel), e fechadas antes que este terminasse o ano 722 a.C. Tinham como

função perpetuar a memória de experiências humanas que, em certos momentos da

vida e da história, tentaram explicar as intrigas político-sociais de homens, mulheres,

grupos ou famílias desses povos.

Quanto à questão de autoria, nossa unidade está incluída nas tradições que se

encarregaram de transmitir a mensagem preservada pelo povo, proclamando-a e

82 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos, São Leopoldo: Sinodal, 2000, p.85. 83 Herbert Donner. História de Israel e dos povos vizinhos. 2000, p.51.

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aplicando-a às circunstâncias próprias de cada momento. Acreditamos ser um texto

que provém das memórias de tradições mais antigas, relatos de poder e vivência de

mulheres de uma sociedade oral84. Talvez as pessoas que participaram desse episódio

possam ter contribuído para a fase redacional.

O diálogo ocorre no espaço doméstico, lugar onde as mulheres desempenham e

detêm uma posição de poder e autoridade para exercer determinadas práticas. Esse

exercício de poder está relacionado com as necessidades imediatas do cotidiano ou de

alguma questão pendente como é o caso de Raquel e Lea quanto à questão de amor e

filhos.

Nossa unidade encontra-se no bloco 29-30, entre os textos da história

“patriarcal”, dos ancestrais de Israel, no qual há um reconhecimento e um lugar mais

significativo para as mulheres. Aqui a mulher encontra-se numa sociedade na qual ela

detém certo espaço ao ponto de ser a voz da narrativa. Esse espaço de domínio é algo

marcante em todo o Gênesis principalmente no bloco 25-36 ao qual pertence a nossa

unidade de estudo. Nele encontramos mulheres elaborando, em seu espaço familial-

clânico, questões como intrigas e demanda de destinos (Sara/Agar), domínio e poder

sobre seus maridos, filhos e primogenituras (Rebeca/Isaac/Jacó/Esaú), disputas e

acordos (Raquel e Lea).

Dentro do bloco 29-30 consideramos como peças narrativas as unidades 29.31

como o início de uma narrativa que recomeça no verso 30b e assim segue em 29.15-

30. Um contexto narrativo mais amplo é continuado em um episódio novo. A

interposição no v. 31 prepara a unidade 30.1-6; 31-32 e 30.1-6 formando um bloco

84 Elvira Moisés da Silva. Teologia, memória e poder das mulheres na tenda: Uma leitura crítica à

estruturação das teologias bíblicas a partir de Gênesis 29-30. 2002, p.59

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narrativo independente. A narrativa progride na nossa unidade 30.14-16 abrindo um

novo episódio : o da rivalidade entre Lea e Raquel. O conflito encontrado nos versos

14-15 leva a um compromisso. Mas a narrativa antiga encontra-se alterada nos versos

17-18 pelo redator, como no verso 22-24 que conclui, ou digamos, fecha a narrativa.

1.4 Conteúdo

Os personagens do Gênesis 12-36, habitualmente chamados “patriarcas”, eram

chefes de grupos familiares nômades que iam de um lugar a outro em busca de comida

e água para os seus rebanhos. Não haviam chegado, ainda, à fase cultural do

sedentarismo e dos trabalhos agrícolas. Os seus assentamentos eram, em geral,

eventuais, demorando-se até que o seu gado consumisse os pastos ou chegasse uma

nova estação que os levava a mudanças. A história dos ancestrais de Israel abstrai-se

de uma atmosfera preponderantemente pacífica. Nela encontramos um panorama da

vida instável de migrantes que caminham com suas famílias e seus rebanhos,

habitando em suas tendas, plantando, criando o seu gado e vivendo da pecuária e da

agricultura, alimentando-se de pão, leite e carne. Ocasionalmente saíam para a caça

(Gn 25.27; 27.3ss.), conforme relata Donner85.

Em todo o bloco do Gênesis 25-36 encontramos um complexo das tradições

historiográficas das origens pré-tribais do povo de Israel. Nele encontramos a história

de Isaac e Rebeca, seguido da história de Jacó/Esaú e Raquel/Lea. O bloco se inicia no

capítulo 25.19 e se conclui no capítulo 36 onde se inicia uma nova novela, a de José,

filho de Raquel e Jacó. Esse bloco é composto de perícopes, de origem familial-

clânica, contendo questões comuns, bem como diferenças nos seus enfoques e

85 Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, volume 1.2000, p.87.

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conflitos. Para Schwantes “entre blocos e perícopes há uma relação direta. Um não

existe sem o outro. Os blocos existem como junção de perícopes e estas constituem

blocos”86. Elas encontram-se amalgamadas.

Amalgamada, também, está a vida e a história desses personagens detentores da

aliança-promessa de Iahweh. A tradição histórica desses ancestrais nômades está

repleta de migrações em busca de sobrevivência, de casamentos ou fugindo da ameaça

de outros grupos. Encontramos nesse cenário a migração de Esaú para o sul, onde

termina residindo, em Edom-Seir, e a de Jacó para o Norte.

Estabeleceremos o nosso cenário no Norte, lugar ao qual pertence a nossa

unidade (30.14-16), numa atmosfera de Jacó com suas esposas, Lea e Raquel, que

disputam o amor e a maternidade numa sociedade na qual imperava a importância da

fertilidade e filhos. É nesse contexto que se desenvolve a necessidade de uma, até

então estéril Raquel, negociar uma noite de Jacó com Lea em troca das mandrágoras.

Todo o bloco do Gênesis 12-36 é composto de genealogias. A de Jacó teve como

protagonistas principais Lea, Raquel (esposas), Bilha e Zelfa (concubinas), que

geraram doze filhos e uma filha, que formariam as doze tribos de Israel.

A primogenitura se dá na preservação dos costumes tribais: só o casamento

endogâmico (casamento com membros de sua própria classe ou tribo, com a finalidade

de conservar sua nobreza ou sua raça) preserva a linhagem da tribo. Esse era o

casamento clanicamente apropriado. Jacó deve agir diferentemente de seu irmão Esaú,

que se “misturou” com as cananitas, para conservar a linhagem nessa novela complexa

e garantir a preservação da identidade familiar. Para isso Jacó é enviado à casa de

86 Milton Schwantes. Teologia Bíblica. São Leopoldo, s.d. mimeografado, p.17.

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Labão, irmão de sua mãe, em Padã-Aram, na Mesopotâmia, para ali buscar uma

mulher, no meio de sua parentela, e cumprir a tradição (28.1-5).

O casamento exogâmico (entre estrangeiros), com o de Esaú, não era bem visto.

A razão dessa preservação refere-se à aversão, por parte dos israelitas, aos cultos e

culturas de outras regiões, em especial, as cananéias, consideradas não só profanas,

mas imbuídas de perversões sexuais. Esaú não seguiu a tradição e se casou com

mulheres cananitas (26.34-35).

Até este momento da história notamos que a tradição mantinha para os

ancestrais de Israel uma única esposa: Sara para Abraão e Rebeca para Isaque. Cada

uma delas cedia suas servas para seu esposo, como costume da época, para

procriarem. Mas, ao chegarmos à história de Jacó, notamos que ele não tem apenas

uma esposa, mas duas. Ele se apaixona por Raquel (Gn 29.11), e se compromete com

Labão a trabalhar sete anos para torná- la sua esposa. O casamento é consumado e, na

manhã seguinte, ao descobrir que Léa estava no lugar de Raquel, decepcionado, Jacó

queixa-se a Labão.

Labão justifica a sua ação alegando que “não se poder dar a jovem antes da

primogênita”. Elvira Moisés da Silva enfatiza em sua Tese que “Labão com essa

resposta eximiu-se de qualquer resposta que comprometa a sua posição social”87. No

processo narrativo não encontramos um diálogo entre Labão, com Lea ou Raquel,

acerca das intenções de Labão ficando subentendido que as filhas são sua propriedade

e, como tal, disponíveis para a ação e negociação de seu proprietário.

87 Elvira Moisés da Silva. Teologia, memória e poder das mulheres na tenda: Uma leitura crítica à

estruturação das teologias bíblicas a partir de Gênesis 29-30. Tese de Doutorado da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2002, p.59.

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A artimanha de Labão rende mais sete anos de jornada de trabalho a Jacó, isto é,

se este quiser casar-se com Raquel. Labão o consola, dizendo: “Completa essa semana

nupcial com Léa e lhe darei também a outra mais nova, em troca de mais sete anos de

trabalho” (29.26). Jacó aceita e desposa Raquel, na semana seguinte, trabalhando para

Labão mais sete anos. Jacó fica furioso com esse acontecimento e, por amar Raquel,

passa a maior parte do seu tempo se dedicando a ela. Somente pouco antes de morrer,

reconhece o valor de Léa, sendo que Raquel já estava morta.

A razão, aqui, não é a de compreender, ou ao menos tentar compreender, a razão

dessa rivalidade, pois não sabemos se ela existiu devido ao contexto criado por Labão.

Mas a narrativa dessa rivalidade se costura, também, a partir da insistência de Jacó em

desposar Raquel por seu amor a ela. Esse amor provoca o descaso dele por Lea. A

partir dessa realidade entrelaçou-se a base histórica dessa rivalidade que desemboca

em mais uma disputa: a maternidade. Enquanto Raquel tem o amor de Jacó, mas não

lhe dá filhos, Lea acredita ganhar o amor de Jacó dando- lhe filhos.

“Dá-me filhos ou morrerei” (30.1). Nessa narrativa Raquel é enfática em sua

fala para Jacó. Nessa frase subentende-se o que Raquel pensa: “de que vale ser a

preferida do coração de Jacó, mas não consigo lhe dar filhos?” Infelizmente Raquel vê

a decadência desse quadro, em seu casamento, com continuidade da sua esterilidade:

ela tinha o amor de Jacó e sua irmã os filhos!

As estrutura normativa sócio-cultural e religiosa determinava que uma mulher

era valorizada quando gerava filhos. Não somente a sociedade, mas o homem

privilegiava a mulher que o abençoava com filhos! Na sociedade elas teriam seu

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status. No casamento a valorização e a continuidade dele. Na religião a descendênc ia

perpetuaria o culto fúnebre, como veremos no capítulo três dessa pesquisa.

Por essa razão vemos que Raquel ao ver as mandrágoras que Ruben traz e o mito

que cerca a planta, inicia a negociação com Lea. Afinal, as mandrágoras não eram

facilmente encontradas (também abordaremos esse assunto no próximo capítulo), daí a

importância de negociá- las por “algo” tão importante: Jacó. Esse é o ponto crucial da

nossa unidade de estudo: o mito de que as mandrágoras beneficiam a maternidade

promovendo cura e procriação gera nova esperança em Raquel.

Quanto à questão de gênero temos uma relação de poder significativa das

mulheres. Elas são protagonistas em alguns capítulos e deixam suas marcas traçando o

enredo e o rumo na história dos personagens “patriarcais”. Elas são responsáveis por

tramas entre seus esposos e suas concubinas; seus filhos e o pai; trapaças e amarrações

de poder. São capítulos em que a tensão não diminui por ser trama de mulheres, mas

revelam a astúcia e a inteligência de como tecem a história.

A rivalidade entre Lea e Raquel serve para explicar os nomes próprios dos 12

filhos de Jacó. Os nomes devem ser entendidos, sem exceção, como nomes pessoais e

não tribais88. Todos eles estão ligados aos fatos ocorridos por essa disputa em família,

ou seja, entre as irmãs. Os significados dos nomes, do grupo formador das 12 tribos,

tem como relação à ação de Deus quanto aos fatos ocorridos relativos às situações

quando do seu nascimento.

88 Claus Westermann. Genesis 12-36: A commentary. Minneápolis: Augsburg Publishing House, 1985,

p.476

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Finalizando este capítulo complementamos o estudo enfatizando que a trajetória

de Jacó é marcada por três episódios importantes que tecem a sua teia histórica: a

primogenitura (25.36), seu casamento com Lea (29.23) e Raquel (29.28) e as varas

(30.37-39). Esse é o pano de fundo dos principais acontecimentos do nascimento das

doze tribos e o enriquecimento de Jacó por intermédio da intervenção que as varas

exerceram para a procriação do gado, dando- lhe a tão sonhada liberdade para sair da

casa de Labão, com sua família, e seguir o seu caminho.

2 Conclusão

A exegese permite uma aproximação mais abrangente da história cultural e

religiosa de um povo. Isso nos conduziu a uma análise mais profunda que nos

possibilitou compreender o contexto histórico, social, político e religioso da

comunidade em que a unidade está inserida.

Essa unidade contém memórias de experiências humanas que, em certos

momentos da vida e da história tentaram explicar as intrigas político-sociais regidas

por um sistema religioso que domina a vida de homens, mulheres, grupos ou famílias.

A rivalidade entre Lia e Raquel. percorre todo o bloco 29-30 em vários atos. A

narrativa dessa rivalidade se costura a partir das relações matrimoniais desembocando

na necessidade de gerar a descendência de Jacó. As duas realidades constituem a base

histórica da narrativa, principalmente na unidade 30.14 que relata a negociação de

Raquel e Lea, em troca das mandrágoras por Jacó.

Raquel e Lea fazem parte de um sistema social que lhes dá o direito ao

casamento poligâmico. Mas esse mesmo sistema social, advindo da religião, não

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inclui a esterilidade. Se em qualquer sociedade a relação poligâmica é conflituosa, e

banhada de rivalidade, em nossa unidade ela é forjada em outra rivalidade: a de Lea

ter o ventre fértil e Raquel um ventre estéril.

Não podemos deixar à margem que Lea sente-se rejeitada no amor de Jacó e é

recompensada na maternidade. Essa cadeia de acontecimentos tece a negociação das

irmãs-esposas. Se por um lado Lea tem o ventre fértil, Raquel tem o amor de Jacó e

nessa certeza negocia tranquilamente que Jacó se deite com Lea em troca das

mandrágoras. Por outro lado enquanto Raquel tem a preferência de Jacó, Lea tem a de

Iahweh.

O olhar de Iahweh vê que Lea não é amada e toma partido proporcionando no

encontro dela com Jacó, na troca pelas mandrágoras, mais uma gravidez. Resta para

Raquel apenas o retorno de Jacó para o seu leito. As mandrágoras não solucionaram a

sua esterilidade. Raquel sente-se marginalizada por Iahweh e sente inveja de sua irmã

inserindo sua serva Bila para dar filhos em seu lugar. Vemos que elas disputam o

mesmo espaço humano do amor e do respeito. A intervenção de Iahweh dá uma

paridade à situação, mas não resolve a rivalidade, pois ao abrir a madre de Raquel sua

vida se completa: ela passa a ter o status social, o respeito como esposa fértil e querida

pelo seu amado Jacó. Era o que faltava para complementar a vida conjugal,

matrimonial e social de Raquel. E Lea?

As mulheres manipulam e dominam o sagrado no controle de suas necessidades.

Por isso as experiências religiosas e místicas por elas vividas tiram-nas do contexto de

serem simples objeto de sexualidade para protagonistas do campo religioso utilizando-

se de suas crenças para atingirem o seu objetivo.

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Exegeticamente o texto abriu espaço para o próximo capítulo em que

abordaremos sobre as mandrágoras e seus poderes, sejam eles mitológicos ou

farmacológicos. A sua inserção na história bíblica carece de uma pesquisa que

identifique o seu espaço como plantas que dominam o campo religioso e como

produtos medicinais que solucionam os problemas biológicos.

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CAPÍTULO 3

SÍMBOLOS, MITOS E RELIGIÃO:

A RELIGIOSIDADE NO ANTIGO ISRAEL

Nos capítulos anteriores, fazendo uma breve revisão, tecemos o início da

história de um Israel como um conglomerado de povos seminômades, sem uma

religiosidade única, sem categorias como templo, pureza e etnia para servir como

diferencial. A análise do contexto histórico-social, do surgimento dessa nação, nos

mostrou que essas tribos existentes, anteriormente a dos filhos de Jacó, dependiam de

uma estrutura familiar normativa, conhecida como familial-clânica. Vimos que a

tecedura do quadro histórico-social iniciou-se na aliança-promessa firmada por

Iahweh com Abraão e continuada em sua genealogia por uma trama de intrigas e

disputas no espaço familial-clânico, principalmente na questão da maternidade, fato

que levou a nossa personagem Raquel a uma negociação com Lea para obter as

mandrágoras.

Nesse contexto de busca de maternidade e de centralidade uterina para compor a

genealogia da aliança-promessa é que centralizamos este capítulo na busca de Raquel

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pela cura de sua esterilidade na mitológica e lendária mandrágora, conhecida por seus

poderes afrodisíacos, e por sua potencialidade contra a esterilidade, em seu desejo de

ter e dar filhos a Jacó, como sua irmã Lea até aquele momento bem o fez!

Nesse capítulo trabalharemos o tema da nossa pesquisa: as mandrágoras. O pano

de fundo é o diálogo negociante de Raquel e Lea quanto às mandrágoras encontradas

por Ruben. Essa negociação, entre as duas irmãs-esposas de Jacó, fortalece o mito de

que desde a Antiguidade as mandrágoras eram conhecidas pelo seu poder afrodisíaco

e de fertilidade. Sua importância é evidenciada no diálogo quando Raquel oferece uma

noite para Lea, com Jacó, em troca das mandrágoras, que na época não eram

consideradas idolatria.

Evidenciaremos, aqui, que a base religiosa dos primórdios era composta de

símbolos, amuletos e plantas que continham propriedades e substâncias que eram

utilizadas para fins medicinais, cultuais e farmacológicos. Dentre essas plantas

algumas eram mais destacadas: quanto mais propriedades e finalidades continham,

maior quantidade de mitos e lendas as cercavam. Esse é o caso da Mandrágora,

cercada de mitos devido ao formato de sua raiz bífida, parece-se com figura de um

corpo humano, com braços e pernas. Além de ser uma planta cercada de mitos ela

contém propriedades farmacológicas que atuam como afrodisíaco entre outros.

A crença na sua eficácia como planta afrodisíaca vai muito de encontro à forma

de sua raiz. Foi muito utilizada até a Idade Média em filtros de amor e em soníferos.

No Antigo Testamento além do relato da sua utilização por Raquel, encontramo-la em

Cantares, onde se relata a propriedade de seu perfume e frutos.

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É importante salientar que na Antiguidade os sistemas religiosos não detinham

uma religiosidade única ou monogâmica, mas sua religiosidade e fé eram expressas e

vivenciadas em seus mitos. Sendo assim, abordaremos aqui a natureza dentro das

concepções e práticas religiosas míticas da nossa unidade (30.14-16), expressa na

mitológica mandrágora e seus poderes afrodisíacos e especiais. Sua importância e

utilização levam-na a ser citada na Bíblia em dois de seus livros: Gênesis (30.14) e

Cantares (7.13).

Primeiramente abordaremos o mito e suas características para que o/a leitor/a

compreenda o mito como um mecanismo propulsor e revelador da religiosidade no

tempo dos primórdios e nas culturas primitivas. Depois falaremos sobre a religião e

seu significado e conteúdo mítico-religioso da época. Seguiremos no próximo

momento com as mandrágoras abordando questões como: o que a torna tão

importante? Suas propriedades e substâncias são afrodisíacas e realmente potentes ao

ponto de curar a esterilidade como a de Raquel?

Esse estudo irá nos ajudar a esclarecer a trama que nos levará, de certo modo,

não somente a conhecer um pouco mais sobre a herança e identidade coletiva da

ancestralidade desse povo, mas, também a compreendermos a relevância das

mandrágoras e seu papel farmacológico e religioso em nossa unidade.

1 Mito

A palavra grega mythos, da qual deriva a palavra portuguesa “mito”, significava

originalmente “palavra”, “fábula” ou “história”. Foi a partir do trabalho do escritor

grego Heródoto no século IV a.C., em sua história da guerra entre os gregos e os

persas que o conceito de fato histórico se tornou estabelecida no antigo pensamento

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grego. Em oposição ao logos (palavra da verdade), mythos passou a significar

“fábula”. “Dessa época em diante reconheceu-se que logos sempre tem um autor

identificável, o qual nas tradições judaica, cristã e islâmica pode ser o próprio Deus;

ao passo que mythos chega até nós anonimamente, de alguma fonte remota e de um

tempo indeterminado”.89

Os mitos estão presentes em todas as culturas, como relatos ou narrativas das

origens. Apesar de ser um conceito não definido de maneira precisa, por seus

estudiosos, ele constitui uma realidade antropológica não limitada apenas a uma

explicação sobre as origens do homem e do mundo, mas ele traduz, entende e

interpreta, em símbolos, ricos de significados, a sua existência como um povo, ou

civilização e a do cosmos.

Esses símbolos foram incorporados e transmitidos, de maneira peculiar, em cada

sociedade, e sua interpretação nos chega em forma de relatos ou narrativas. São

histórias sobre o nascimento dos deuses (teogonias), a criação do mundo

(cosmogonias) e o destino do homem após a morte (escatologia). Esses são

representados por valores e símbolos que orientam e direcionam, de forma mítica, as

sociedades arcaicas sob dois pontos fundamentais: compreender a essência dos

fenômenos religiosos e decifrar e apresentar o seu contexto histórico.

Narrativas míticas ou histórias folclóricas “viajam” facilmente de um grupo de

povos para outro. À medida que os mitos são contados e recontados podem ter o seu

processo histórico alterado, podendo esse processo ocorrer até mesmo dentro do

próprio grupo. Muitas vezes é impossível descobrir o local de origem de uma história

89 Roy Willis (Coordenador). Mitologias: Deuses, heróis e xamãs nas tradições e lendas de todo o

mundo. Tradução de Thais Costa e Luiz Roberto M. Gonçalves, São Paulo: Publifolha, 2007, p.10.

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ou objeto mítico amplamente propagado como é o caso das mandrágoras. As lendas

ou mitos que a cercam correram mundo: Inglaterra, Grécia, Egito, França e foi

amplamente propagada e utilizada na Idade Média.

O fato de que fábulas arcaicas podem aparentemente se relacionar de forma

direta com o modo como a sociedade está organizada no presente, não significa que os

mitos não possam conter uma variedade de outros significados, talvez igualmente ou

mais importantes90.

Se o mito foi conceituado, durante séculos, como fábula, lenda, ficção e

invenção, hoje, nos dicionários atuais essa fala tornou-se secundária, pois a ele deu-se

a merecida importância , descrita em sua atual definição: “relato fantástico de tradição

oral, protagonizado por seres que encarnam, sob forma simbólica, as forças da

natureza e os aspectos gerais da condição humana [...]”91.

Portanto, vemos que o mito, hoje, é um relato dos acontecimentos ocorridos nos

tempos primordiais, e não, somente, uma forma comum de expressão lendária ou

mítica, mas algo que reflete nos seus símbolos e imagens a maneira de expressar e

refletir uma realidade verdadeira da experiência humana.

Na última metade do século XX, segundo Roy Willis, nenhum acadêmico fez

mais pelo entendimento profundo do mito do que o antropólogo francês Claude Lévi-

Strauss. Na análise de Levi-Strauss, um mito tanto suscita questões como as responde.

Em sua análise de mais de 800 mitos ele mostrou que questões colocadas pelos mitos

são absorvidas por outros mitos em um processo de entendimento que

90 Roy Willis (Coordenador). Mitologias: Deuses, heróis e xamãs nas tradições e lendas de todo o

mundo. p.13. 91 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 2.0, Editora Objetiva Ltda, 2007.

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incessantemente atravessa e reatravessa limites geográficos e tribais92. Vejamos a

definição que é dada ao mito segundo outros estudiosos:

Para Leonardo Boff,

(....) O mito, porém, será vivido e vestido como material

representativo de cada época. De tempos em tempos,

morreram os mitos. Mas a realidade que os fez nascer está

sempre aí a desafiar os homens, buscando irromper na

consciência do espírito. Por isso, nascem de novo outros

mitos, que por sua vez serão outras tantas tentativas de

apreender o inapreenssível, de formular o informuláve l, e

deixar falar o que é de per si, indizível93.

Segundo Mircea Eliade,

o mito é uma realidade cultural extremamente complexa,

que pode ser abordada e interpretada em perspectivas

múltiplas e complementares....o mito conta uma história

sagrada, relata um acontecimento que teve lugar no

tempo primordial, o tempo fabuloso dos começos...o mito

conta graças aos feitos dos seres sobrenaturais, uma

realidade que passou a existir, quer seja uma realidade

tetal, o Cosmos, quer apenas um fragmento, uma ilha,

uma espécie vegetal, um comportamento humano, é

sempre portanto uma narração de uma criação, descreve-

se como uma coisa foi produzida, como começou a

existir.94

92 Roy Willis (Coordenador). Mitologias: Deuses, heróis e xamãs nas tradições e lendas de todo o

mundo. p.13. 93 Leonardo Boof. O Evangelho do Cristo Cosmico: a realidade de um mito, o mito de uma realidade.

Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 1971, 121p. P. 62-63. 94 Mircea Eliade. Aspectos do Mito. Portugal: Edições 70, 2000, 176p. P.12-13.

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Em contrapartida Joseph Campbell argumenta que “a riqueza dos mitos não está

em elucidar ou revelar algum tipo de significado para a vida, mas o de ser um registro

simbólico da própria experiência de estar vivo. O mito capta a vida no seu eterno

fluir”.95

Outro entendimento do mito amplamente adotado, hoje, pelos estudiosos do

Antigo Testamento, parece ter um potencial mais promissor. John F. Priest em seu

artigo “Mito e Sonho na Escritura Hebraica”96 aborda essa concepção. Segundo ele

esse entendimento surge inicialmente das investigações sobre a natureza do mito e do

ritual no antigo Oriente Próximo, pois, ainda que os detalhes variem de cultura para

cultura, o propósito e a função do mito, ali, eram relativamente uniformes. Eles

visavam sustentar a vida humana e as instituições em um mundo que o homem não

controlava nem compreendia totalmente. Ele afirma que os mitos se referiam a “certos

problemas práticos e urgentes da vida diária”, como as atividades ordinárias de caça,

pesca, agricultura, paternidade e casamento — tudo de valor que se aglutinava na

continuidade da unidade social — davam a impressão de envolver forças além do

controle, que precisariam ser confrontadas e controladas para a preservação dos

homens. Essas necessidades recorrentes são comuns a todos os homens, e o mito, com

seu ritual associado, buscava atender a essas necessidades.

É nessa definição que encontramos o nosso símbolo, as mandrágoras, como

parte desses valores sociais da vida diária, em três pontos: na agricultura, na

composição e utilização farmacológica e na sexualidade. Essa compreensão de que o

mito expressa o mundo e a realidade humana, em cuja essência encontra-se,

95 Joseph Campbell. O Poder do Mito. 21ª. Ed. São Paulo: Editora Palas Athena, 2003, 250p. 96 John F. Priest. Mito e sonho na escritura hebraica. In: Joseph Camplbell (organizador). Mitos, Sonhos

e Religião: nas artes, filosofia e na vida cotidiana. Tradução de Angela Lobo de Andrade e Bali Lobo de Andrade, Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 51

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efetivamente, uma representação coletiva, seja pela representatividade do social, do

sagrado ou por intermédio dos símbolos que ela detém, veio até nós pelos relatos de

várias gerações.

Os elementos sobrenaturais, pertencentes ao mito, seja por forma animal,

vegetal, um monte, uma pedra ou um fragmento, existem ou co-existem, como objeto

sagrado, determinante de algo que “se não era começa a ser” como explicação do

mundo ou da história.

Se o mito pertence ou não ao conteúdo do consciente coletivo, como determinou

Jung, sabemos ao certo que nele esses conteúdos remontam a uma tradição cuja idade

é impossível determinar. O mito pertence a um mundo do passado primitivo, cujas

exigências espirituais são semelhantes às que se observam entre as culturas primitivas

ainda existentes. Ele pode conter significados e conotações diferentes, de acordo com

cada indivíduo e seu passado histórico.

Em síntese os mitos são uma linguagem imagística dos primórdios seja por meio

de um hábito, de costumes ou de uma gesta. Ele possui características socioculturais,

pessoais, antropológicas ou genéticas registradas na influência de seus símbolos,

sendo representado e expressado, de forma individual, nas diferentes culturas.

A Mandrágora expressa certa influência na antiguidade e tem o seu lugar como

símbolo mitológico pela forma de sua raiz em forma humana . Isso a fortaleceu como

mito nas diferentes culturas e povos da antiguidade. Suas propriedades e utilização

medicamentosa lhe atribuíram fama e a sua utilização por séculos afora, lhe

garantiram influências sócio-culturais e religiosas.

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1.1 Mandrágoras: mito ou lenda?

Embora o mito e a lenda estejam relacionados a acontecimentos de um passado

distante e fabuloso, ligados acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais encontradas

em culturas com antigas tradições literárias como China, Japão, Índia, Mesopotâmia,

Egito, Grécia e Roma, ambas tratam: uma de contar, a outra de explicar. Seu caráter

fabuloso, folclórico e sensacionalista, com uma mistura de fatos reais com

imaginários, dá- lhes o encantamento. Muitas delas foram traduzidas e incorporadas às

culturas. Dentre elas podemos destacar “As lendas do Rei Arthur e dos Cavaleiros da

Távola Redonda” e “Robin Hood”.

Os mitos, por sua vez, como já estudamos, constituem uma realidade

antropológica não limitada apenas a uma explicação sobre as origens do homem e do

mundo, mas ele traduz, entende e interpreta, em símbolos, ricos de significados, a sua

existência como um povo, ou civilização e a do cosmos. Todos estes componentes são

misturados a fatos reais, características humanas e pessoas que realmente existiram.

Alguns acontecimentos históricos podem se tornar mitos, desde que as pessoas de

determinada cultura agreguem uma simbologia que tornem o fato relevante para as

suas vidas.

A essência e a construção do mito jamais se perdem. Embora se modifique e

desenvolva incessantemente, o mito de alguma forma jamais perde contato com suas

raízes na experiência e nas interconexões entre todos os aspectos da vida, sejam elas

visíveis ou invisíveis, terrestres ou celestiais, humanas ou animais, vegetais e

minerais. Assim, o mito registra e transmite o significado que lhe é próprio e lhe coroa

de um senso profundo.

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Independente de sua posição na história o mito continua a exercer atração e ter

um solo fértil entre os povos. Todas as culturas possuem seus mitos. Alguns assuntos,

como a criação do mundo são bases para vários mitos diferentes aos povos. Existe em

diversas culturas um conjunto de associações simbólicas em elementos da natureza e

suas funcionalidades. O reino vegetal também inspirou mitos por ter suas raízes no

mundo subterrâneo e suas hastes ou galhos elevando-se para o céu. Assim temos a

mandrágora cercada por ambos: mitos e lendas.

Na área das lendas diz-se que a planta gritava ao ser arrancada da terra e seus

gritos ensurdeciam os homens que a colhiam, daí se empregarem cães para arrancar a

mandrágora. Por causa desses gritos ela é chamada na lenda inglesa de homem-

plantado por sua raiz tuberosa e bífida lembrar a figura de um ser humano 97.

Figura 1: Mandrágora: pintura do séc. XVII que retrata a lenda

97 Gil Martins Felipe. No rastro de Afrodite: Plantas afrodisíacas e culinárias. São Paulo: Ateliê

Editorial, 2004, p. 230.

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Figura 2: Medicina Antiqua: Libri Quattuor Medicinae, 13th Century.

Codex Vindobonensis 93. Facsimile. (Washington University, Becker Library)

Desde a antiguidade acreditava-se que o poder da raiz das plantas,

principalmente a da mandrágora, era proveniente do poder divino. O aspecto de sua

raiz antropomórfica, que se assemelha a um corpo humano, juntamente com um som

parecido com um grito ao ser arrancada da terra, fazia com que as pessoas gerassem a

crença de que sua constituição era da mesma terra com que Deus modelara o corpo de

Adão.

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Diz outra lenda que é difícil obter a mandrágora, pois ela se esconde das mãos e

dos olhos da pessoa que tenta apanhá- la. Para que ela seja apanhada é preciso regá- la

com urina de mulher que está menstruando. Mesmo assim ela não pode ser

simplesmente arrancada. É preciso cavar o solo ao redor da planta e amarrar com uma

corda a planta a um cachorro e deixar o local imediatamente. O cachorro tentando se

libertar acaba por arrancar a raiz, mas morre imediatamente em lugar do seu dono 98.

Temos, assim, lendas de diferentes culturas com traços de uma mesma história.

O mito da mandrágora de ser uma planta afrodisíaca, parte do formato de sua

raiz e da composição de suas substâncias existentes, principalmente nela. Amuletos de

mandrágoras eram usados nas casas para dar sorte e para curar esterilidade. Era

conhecida dos caldeus e hebreus que usavam suas propriedades toxicas para fins

criminosos.99 Os antigos hebreus acreditavam que o suco das raízes e dos frutos tinha

o poder de provocar excitação sexual e facilitar a concepção.

As categorias – mito, conto popular e lenda – segundo os estudiosos se

sobrepõem e se fundem. Embora o nosso estudo sobre a mandrágora se concentre em

abordar a sua existência dentro da religiosidade de Raquel e Lea não podemos nos

furtar de que ela tomou outros espaços dentro de cada cultura e religiosidade como

planta mitológica, mas suas lendas correm o mundo e, talvez, à nossa época, por ser

pouco conhecida, seja tida como conto popular.

Portanto, se a mandrágora entrou na história de Raquel e Lea como lenda ou

como mito em nossa unidade histórica no Gênesis, ou mesmo em Cantares, o ponto

98 Gil Martins Felipe. No rastro de Afrodite: Plantas afrodisíacas e culinárias. p. 230. 99 Gil Martins Felipe. No rastro de Afrodite: Plantas afrodisíacas e culinárias. p. 230.

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comum existente entre elas é que ela foi citada pelo seu poder afrodisíaco e

estimulante:

Gênesis 30.14: “Foi Rúben nos dias da ceifa do trigo, e achou

mandrágoras no campo, e trouxe-as a Lia, sua mãe. Então,

disse Raquel a Lia: Dá-me das mandrágoras de teu filho.”

Cântico dos Cânticos 7. 13: “As mandrágoras dão cheiro, e às

nossas portas há toda sorte de excelentes frutos, novos e

velhos; ó amado meu eu os guardarei para ti.”

Na antiguidade a educação e a religião eram corroboradas pela mitologia. O

mito cresce e toma espaço fundamentando ou explicando, por vezes, a vida, o

sobrenatural e o espiritual. Dessa maneira gerações beberam da fonte mítica, como é o

caso de Raquel, Lea que a repassa a seu filho Ruben que, conforme consta em nossa

unidade de estudo, detinha conhecimento dos mitos e dos poderes que cercavam as

mandrágoras e as trouxe para sua mãe Léa. Talvez Lea fizesse uso constante das suas

propriedades e o momento era oportuno para obtê- las já que Jacó estava passando

todo o seu tempo com Raquel. O que nos leva a essa conclusão é a fala de Lea ao

contestar com Raquel, quando esta lhe pede as mandrágoras, dizendo: “Ainda é pouco

que me tomes o marido, queres agora tomar as mandrágoras de meu filho?” (30.15)

Assim, temos na família de Raquel e Lea o conhecimento das propriedades da

mandrágora deixando-nos perceber que o mito que a cercava era conhecido das irmãs-

esposas de Jacó. Num tempo em que a religião era familial e individual, e que o

monoteísmo era ainda inexistente, temos uma riqueza de valores que compreendiam e

tornava a religião uma cosmogonia100.

100 A palavra cosmogonia vem do grego ??sµ?????a; ??sµ?? “universo” e ????a “nascimento”. É o

termo que abrange todas as teorias das origens do universo, sendo elas religiosas, científicas e

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2. Religião

A religião do latim religio, cognato do termo “religare” (ação de ligar, apertar,

atar que se refere a laços que unam o homem à divindade), é como um conjunto de

relações teóricas e práticas estabelecidas entre os homens e um poder superior, à qual

se rende culto, seja individual ou coletivo, por seu caráter divino e sagrado. Assim

“religião constitui um corpo organizado de crenças que ultrapassam a realidade da

ordem natural e que tem por objeto o sagrado ou sobrenatural, sobre o qual elabora

sentimentos, pensamentos e ações”101. Podemos assim dizer que a religião é a plena

ligação do ser humano ao divino ou às divindades.

O dicionário Houaiss classifica o termo religião da seguinte maneira: “culto

prestado a uma divindade; crença na existência de um ente supremo como causa, fim

ou lei universal a manifestação desse tipo de crença por meio de doutrinas e rituais

próprios”102. Portanto, a religião liga a humanidade a divindades ou ao divino, sendo o

caminho que esta utiliza para chegar ao sagrado.

Sendo um corpo organizado de crenças, embora variem muito os conceitos sobre

seu conteúdo e natureza da sua experiência, esta abrange desde as religiões dos povos

ditos primitivos uma característica comum: o reconhecimento do sagrado (definição

do filósofo e teólogo alemão Rudolf Otto) e a dependência do homem de poderes

supramundanos (definição do teólogo alemão Friedrich Schleiermarcher).103

mitológicas. Ela abrange a formação do mundo através dos mitos, antes de surgirem os primeiros filósofos para questionarem a origem do homem.

101 Coleção Pensamentos e Textos de Sabedoria. São Paulo: Editora Martin Claret, 2001, 144p. p.10. 102 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa . Versão 2.0, Editora Objetiva Ltda, 2007. 103 Coleção Pensamentos e Textos de Sabedoria. São Paulo: Editora Martin Claret, 2001, 144p. p.10.

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A idéia da existência de ser ou seres superiores que criaram e controlam o

cosmos e a vida humana estabelece de certa forma, uma submissão dos humanos a

esses poderes, e estes devem lhe prestar tributos e lhe serem subservientes, como

forma de submissão à essa(s) divindade(s).

Mircea Eliade, historiador das religiões, denominou a essa manifestação do

sagrado de “hierofania”, ou seja, algo sagrado que é mostrado ao homem, seja essa

manifestação por uma pedra, árvore ou pela encarnação de Deus em Jesus Cristo,

trata-se sempre de uma hierofania, de um ato misterioso que revela algo

completamente diferente da realidade do mundo natural, profano. 104

O conjunto mitológico sobre os mitos de um ou mais deuses, sobre a criação do

mundo e a criação do homem formam o conjunto de pensamentos de uma coletividade

religiosa. Eles tornam a religião uma instituição reguladora para a convivência com o

sagrado e as divindades. Essas regras surgem sob a forma de cerimônias ritualísticas

refletindo a tradição e os costumes. As cerimônias religiosas também são conhecidas

como ritos e seguem um padrão de ações e determinadas regras ao qual denominamos

de ritual.

A cada mito corresponde um rito. O culto com suas cerimônias rituais tornam-se

distintos e classificam a forma religiosa demonstrada por meio de suas tradições e

costumes. Os rituais determinam na religião a forma de culto e encarregam-se do

gesto, da ação, da prática e do fazer o símbolo se revestir de magia e transcender o

sagrado.

104 Coleção Pensamentos e Textos de Sabedoria. 2001, p.11.

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Os rituais encaminham o ser humano ao passado, às origens. Esse retorno às

origens, por intermédio do rito, leva o indivíduo a readquirir as forças que jorraram de

suas raízes, repetindo o que os deuses fizeram nas origens. Segundo Eliade o mito é

expresso pelo rito reatualizando as coisas, seja por meio de um objeto, animal ou

planta, readquirindo sobre elas um poder mágico, seja litúrgico ou ritualístico fazendo

reviver uma realidade primeva, contida no mito.

Nas antigas civilizações o mito exalta, codifica e exprime a crença oferecendo

regras práticas para a orientação do indivíduo. Assim o mito expressa uma

religiosidade fazendo com que o indivíduo a manifeste de forma ritualística.

Embebida na fonte do sobrenatural e da transcendência de suas origens o ser humano

se liga ao divino ou mostra-se dependente de forças invisíveis, tidas como

sobrenaturais, utilizando algumas vezes objetos naturais.

Para Eliade a História das Religiões é constituída por um número considerável

de manifestações do sagrado (hierofanias). Para ele, o homem das sociedades arcaicas,

diferente do homem moderno, tem uma tendência a viver o máximo possível no

sagrado ou muito perto dos objetos consagrados. Para estes o Cosmos, na sua

totalidade, pode tornar-se uma hierofania.

A hierofania, aparecimento ou manifestação reveladora do sagrado, torna coisas

integrantes, do nosso mundo natural, em sagradas. A partir da mais elementar

hierofania – por exemplo, a manifestação do sagrado numa pedra ou numa árvore –

como encontramos em várias narrativas bíblicas, e até a hierofania suprema, que é,

para um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de

continuidade segundo Eliade.

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Para o indivíduo moderno é difícil aceitar certas manifestações do sagrado

quando estas são manifestadas em árvores ou pedras, por exemplo. Elas não são

adoradas como árvore ou pedra, mas porque são hierofanias, porque “revelam”,

segundo Eliade, algo que não é nem pedra, nem árvore, mas o sagrado. Os indivíduos

das sociedades arcaicas viviam o máximo possível no sagrado, ou muito perto dos

objetos consagrados. Essa tendência é compreensível, pois para os “primitivos”, como

para o indivíduo das sociedades pré-modernas, o sagrado equivale ao poder e, em

última análise, à realidade por excelência.

Seguindo esse parâmetro vemos que há no conjunto de narrativas bíblicas

hierofanias manifestas no simbólico, tanto na religiosidade que havia como na que

estava surgindo por meio de Iahweh, uma única divindade. Em nossa unidade a

mandrágora se revela como o símbolo que detém poderes e este passa a ser negociado

pelas irmãs que detinham o conhecimento da importância em sua tradição mítico-

religiosa como planta propulsora de fertilidade, conhecido por seu mito de “planta do

amor e da fertilidade”. A aura mística que reveste essa planta mostra que o mito que a

cerca já era do conhecimento de Ruben, uma simples criança, que detinha

conhecimento de sua serventia por intermédio sua mãe, Lea.

2.1 Mito e religião

Aristóteles tem a seguinte expressão sobre o mito. Diz o filósofo: “também o

amante do mito é de algum modo filósofico.” Eliade, aborda em seu livro “O Sagrado

e o Profano”105, que embora seja um historiador das religiões, propõe-se a não

escrever somente sob a perspecitiva da ciência que cultiva, defendendo que “o homem

105 Mircea Eliade. O sagrado e o profano. Tradução Rogério Fernander, São Paulo: Martins Fontes,

1999.

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das sociedades tradicionais é, por assim dizer, um homo religiosus, mas seu

comportamento enquadra-se no comportamento geral do homem e, por conseguinte,

interessa à antropologia filosófica, à fenomenologia, à psicologia”106.

Eliade defende que a percepção do tempo como homogêneo, linear, e ir repetível

é uma forma moderna de não-religião da humanidade. O homem arcaico, ou a

humanidade religiosa (homo religiosus), em comparação, percebe o tempo como

heterogênio, isto é, divide-o em tempo profano (linear), e tempo sagrado (ciclico e re-

atualizável). Por meio de mitos e rituais que permitem o acesso a este tempo sagrado,

a humanidade religiosa proteje-se contra o 'terror da historia' (uma condição de

impotência diante dos dados historicos registrados no tempo, uma forma de existência

aflitiva).

O mito está relacionado com questões de linguagem e também da vida social do

homem, uma vez que a narração dos mitos é própria de uma comunidade e de uma

tradição comum. Isso não significa que a religião, tampouco o mito, conte uma

história falsa, mas que ambos descrevem uma realidade que transcende o senso

comum e a razão humana e que, portanto, não cabe em meros conceitos analíticos.

Não importa do ponto de vista do estudo da mitologia e da religião que Deus não

tenha criado o ser humano a partir do barro ou outras fontes históricas descritas pela

mitologia, pois Religião e mito diferem, não quanto à verdade ou falsidade daquilo

que narram, mas quanto ao tipo de mensagem que transmitem.

Seja rememorando os mitos, reatualizando-os, renovando-os por meio de certos

rituais, o homem torna-se apto a repetir o que os deuses e os heróis fizeram “nas

106 Mircea Eliade. O sagrado e o profano.1999, p. 20.

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origens”, porque conhecer os mitos é aprender o segredo da origem das coisas. E o

rito pelo qual se exprime (o mito) reatualiza àquilo que é ritualizado.

Essa reatualização ritualística dos mitos eternizou e elevou algumas fontes de

origem mítica para algumas religiões mantendo-as como parte dela ou como fonte e

instrumento ritualístico por intermédio da utilização ou cultuação a objetos

considerados com poderes sobrenaturais. Para o homem religioso, das sociedades

primitivas, os mitos constituíam sua “história sagrada”, ele não deve esquecê- los:

reatualizando os mitos, o homem religioso aproximava-se de seus deuses e participava

da santidade.

A religião dos primórdios mantém um sistema de crenças e de práticas cultuais e

culturais que estabelece relação especial entre um indivíduo, ou um grupo de

indivíduos e um animal, ou um vegetal, algum objeto material, um fenômeno natural e

a eles rendiam algum tipo de culto, respeito e ligação transcendental. Há, também, o

politeísmo, que para alguns é uma forma primitiva de religião107.

A religião dos tempos primevos não obedecia necessariamente a dois requisitos:

“além de não dar, à adoração dos homens, um só Deus, os seus deuses não aceitavam

indistintamente a adoração de todos e quaisquer homens”108. Assim, a religião, por

vezes, era puramente familiar: cada um dos seus deuses não podia ser adorado por

mais de uma família. Nesse espaço, a religião não se manifestava nos templos, mas

em casa: “cada família possuía os seus deuses, cada deus protegia uma só casa e uma

só família”.

107 Coleção Pensamentos e Textos de Sabedoria. 2001, p.13. 108 Fustel de Coulages, A Cidade Antiga. Tradução Jean Melville, São Paulo: Editora Martin Claret,

432pg, 2002, pg. 36.

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Essa particularidade é descrita no Gênesis 31.19 quando da saída de Jacó com

sua família da casa de Labão e Raquel rouba o “terafim” (deuses do lar ou doméstico)

de seu pai. A importância desse ato gera a ida de Labão ao encontro deles para

recuperar o terafim, afinal ele é o guardião dessa família, de suas terras e nelas

derrama a sua benevolência abençoando-a para uma boa produção e uma boa colheita.

São os terafins que guardam a casa dos “maus espíritos” e guia na outra vida os

mortos daquela família.

O universo “evolui”. À medida que o homem passa a organizar sua existência

numa base racional a religião primitiva dá espaço para novas expressões religiosas:

politeístas, panteístas, deístas e monoteístas. Passa da religião dos antepassados, da

religiosidade individual e familial, para uma religiosidade universal. O monoteísmo

desagrega, ou ao menos tenta desarraigar-se do primitivo animismo, mas toda religião

pressupõe alguma crença básica, seja ela relacionada com a sobrevivência depois da

morte ou com o mundo sobrenatural que a mantém segura no mundo natural.

Essas crenças podem ser de tipo mitológico – relatos simbólicos sobre a origem

dos deuses, do mundo ou do próprio povo; ou dogmática – conceitos transmitidos por

revelação da divindade, que dá origem à religião revelada e que são recolhidos nas

escrituras sagradas em termos simbólicos, mas também conceituais109.

A religião e o mito se mantém interligados, seja por intermédio do sobrenatural,

da hierofania, de símbolos ou dos ritos. Mitos, cerimônias, ritos e superstições foram

preservados em escritos. Estes foram repassados por gerações e deram continuidade às

cerimônias religiosas, moldaram a concepção e mantiveram a sua continuidade de sua

crença em determinadas culturas. A crença nos poderes que circundam céus e terra

109 Coleção Pensamentos e Textos de Sabedoria. 2001, p.13.

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elevou o ser humano ao reconhecimento e temor dos poderes da natureza, ventos,

chuvas, tormentas e tempestades. Os mistérios da vida e da morte levam-no a se ligar

e respeitar cada vez mais ao sobrenatural para sua sobrevivência no mundo natural.

Dessa forma a religião se mantém ligada ao mito, às hierofanias, como garantia de

sobrevivência seja na vida ou pós-morte.

2.1 Mito, religião e sociedade

Como forma de comunicação humana, o mito está relacionado com questões de

linguagem e também com a vida social do homem, uma vez que a narração dos mitos

é própria de uma comunidade e de uma tradição comum.

Essas informações, provenientes de tempos antigos, têm a ver com os temas que

sempre deram sustentação à vida humana, construíram civilizações e formaram

religiões através dos séculos. Eles relatam os profundos problemas interiores, com os

profundos mistérios e limiares da nossa travessia pela vida.

A diversidade de fenômenos religiosos, com o qual nos deparamos hoje, nos

coloca diante de vários questionamentos, e dificuldades, para a análise desses

fenômenos. Ela exige conhecimento e busca de seus fundamentos com o passado.

Hoje, cientistas sociais, debatem se o pluralismo de crenças e ritos desgasta a religião,

ou destroem a fé nos deuses, semeando ceticismo e dúvida.

Os primórdios através dos mitos, da superstição e da magia foram a matriz do

homo religiosus. Com o tempo, os relatos míticos passaram a fazer parte das crenças e

religiões, influenciando, ainda hoje, o modo como os povos vivem e compreendem o

mundo, a vida, a procriação e a morte.

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Em geral, as sociedades antigas dispunham de uma quantidade significativa de

mitos que, em diferentes graus, influenciavam a realidade cultural dos povos e de uma

sociedade. Esses mitos, segundo Eliade, narravam uma criação, descrevendo como

algo foi produzido ou quando começou a existir. Esse mistério associa-se ao do

nascimento, da procriação, da continuidade e preservação da família (essencial na

maioria das culturas).

Durante décadas, Joseph Campbell pesquisou os motivos comuns de inúmeras

lendas e religiões de sociedades antigas e modernas, incluindo gregos, romanos,

egípcios, asiáticos e nórdicos. Campbell apontou a existência de dois atributos: em

primeiro lugar, o mito envolve uma questão existencial sobre a morte, o nascimento

ou criação do mundo; em segundo lugar, o mito contém enigmas suscitados por

contradições insuperáveis: criação e destruição, vida e morte, deuses e homens 110.

Uma característica importante dos mitos é que, além de ser um relato simbólico

ligado à dimensão do pensamento humano, que transcende a esfera da vida cotidiana

na busca de uma explicação sobre o significado da vida, são as diferenças entre eles.

Cada povo constrói seus mitos a partir de sua visão de mundo. Um povo agrícola, por

exemplo, terá suas divindades ligadas às forças da natureza e às etapas do processo

produtivo. Esta mitologia procura estabelecer uma ligação entre o homem e o mundo natural,

reforçando o conceito interativo, onde o homem é visto como parte desse mundo, ao qual

deve respeito e um certo grau de submissão para garantir a própria sobrevivência.

Há certos fundamentos religiosos preservados que regem um povo, uma

comunidade ou uma sociedade. Em nossa unidade de pesquisa vemos que a

comunidade era formada por famílias clânicas. A religião não se manifestava nos

110 Joseph Campbell. O poder do mito. São Paulo: Editora Palas Athenas 2003, p.

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templos, mas em casa: “cada família possuía os seus deuses, cada deus protegia uma

só casa e uma só família”. Cada família possuía os seus deuses, conhecidos como

deuses domésticos ou terafins (Gn 31.19).

A religião determinava os comportamentos sociais e familiares. Uma delas dizia

que a família não deveria extinguir-se111. Nela eram prescritas as leis para o

casamento, a esterilidade, a viuvez (com ou sem filhos), os filhos (do concubinato, os

legítimos e os primogênitos), o direito de propriedade, o direito ao culto, etc.112 O

papel do pai era o de pontífice, do primeiro junto ao lar, executor dos atos

religiosos113. Às mulheres, um dos fatores que determinavam o seu espaço junto à

sociedade e à vida social era medido pela quantidade de filhos.

Aqui chegamos num ponto crucial da nossa unidade em que o mito, a religião e

a sociedade se encontram num mesmo caminho: a história de Raquel e as

mandrágoras. Nossa unidade está concentrada na rivalidade das irmãs na questão de

maternidade, que leva Raquel a negociar as mandrágo ras de Ruben pelo poder que

elas detêm para que fosse dado um fim à esterilidade de Raquel.

Esse é o fator que leva Raquel a questionar Jacó da atitude de Iahweh para com

ela, o de manter a sua madre fechada. Raquel diz: “Dá-me filhos senão eu morrerei”

(30.1). Segundo a Torá, o sofrimento de uma mulher estéril é o de como se ela não

existisse dentro de uma sociedade.114 A esterilidade de Raquel a leva a negociar com

Lea, em troca das mandrágoras de Rúben, uma noite com Jacó. Raquel, de

111 Fustel de Coulages. A cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003, p.56. 112 Fustel de Coulages. A cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003, p.92. 113 Fustel de Coulages. A cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003, p.93. 114 Roberto Luiz Guttmann. Torá, a lei de Moisés. São Paulo: Editora Sêfer, 2001, p. 83 (nota de rodapé)

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temperamento hábil e raciocínio rápido, investe tempo e fé numa planta: a mandrágora

para ser curada de sua esterilidade.

Hoje, a medicina e a ciência evoluíram quanto a esse problema que abrange

certa quantia de mulheres. Ainda nos é valido, nos tempos atuais, a utilização da

medicina natural, advinda do conhecimento e utilização das plantas e de sua aplicação

para cada tipo de caso. Em nossa pesquisa vemos que Raquel busca a cura para sua

esterilidade na mandrágora, mas não a obtém.

Podemos ligar a mandrágora ao mito e poder que ela exerce, como veremos a

seguir, mas não à um fa tor religioso, pois havia deuses da fertilidade como a deusa

Inana (deusa da Suméria e da Babilônia) e Anahita (deusa persa). Raquel questionou

Jacó sobre o porquê de não ter sua madre aberta pelo Deus de Jacó. Em seu desespero

vemos uma mulher que lamenta sua condição: tem o amor de Jacó, mas não consegue

lhe dar filhos. Aquém, temos sua irmã Lea que é também esposa de Jacó e lhe agracia

com filhos.

A sociedade da época é cruel para com as esposas estéreis. As leis agraciam o

homem contemplado com a esterilidade de sua esposa – ele pode rejeitá- la –, afinal a

religião doméstica era fundamentada e transmitida de varão em varão. Só a

descendência em linha masculina estabelecia a ligação religiosa. Esta passava de pai

para filho para dar continuidade ao culto.

O grande interesse da vida humana está em continuar a descendência para com

esta continuar o culto. Cada família possui uma religião e seus deuses valioso

repositório pelo qual deve olhar. A maior desgraça seria a interrupção de sua

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linhagem115. Coulages menciona que o celibato deveria ser considerado como

impiedade grave e desgraça: impiedade porque o solteiro põe em risco a felicidade de

sua família quanto à linhagem. A família cairia em desgraça caso ele se mantivesse

solteiro porque sem filhos ele não receberia nenhum culto depois de sua morte. Seria

para si e para os seus antepassados uma espécie de maldição.

Gerar um filho não era o bastante. Nascia-se para dar continuidade à linhagem e

à religião. Uma vez que o casamento era apenas para perpetuar a família, no caso de

esterilidade da mulher ele poderia ser anulado. Esse era feito no culto doméstico116. A

religião comandava os direitos de cada indivíduo e de cada família particularmente.

Em caso de esterilidade masculina sua esposa era obrigada a entregar-se a um irmão

ou parente para substituí- lo. Quanto poder existia nessa religião.

Segundo Coulages, o mito reinava sobre as almas. As crenças relativas aos

mortos, assim como o culto que lhes era devido constituíram para a família antiga a

maior parte das regras religiosas. O mito era o de que o homem era tido como um ser

feliz e divino, desde que cumprida à condição de os vivos lhe oferecerem sempre a

refeição fúnebre. Se isso não ocorresse ele sairia dessa condição para infeliz e passaria

à categoria de demônio e desgraçado. Por isso cada pai esperava pela sua

descendência.

Esse culto fúnebre era passado de varão para varão. A filha não poderia cumprir

o dever de continuar os sacrifícios fúnebres, pois casando ofereceria os sacrifícios só

aos antepassados de seu marido. A religião lhe proibe de herdar de seu pai.

115 Fustel de Coulages. A cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003, p.54. 116 Fustel de Coulages. A cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2003, p.55.

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Dessa forma, temos Raquel em uma situação delicada. Seu deus é agora o de seu

marido. À esse deus ela deve prestar culto. Segundo a religião a esterilidade pode

fazer com que seu casamento seja anulado, mas isso não ocorre porque Jacó a ama, e

Raquel, por sua vez, não desiste de tentar a maternidade. Sua busca e tentativa pela

mandrágora, suas lamúrias diante do Deus de Jacó, faz com que ela alcance o seu

objetivo: “E lembrou-se Iahweh de Raque l e escutou-a117, e abriu a sua madre”.

(30.22)

Afinal, não foi a mandrágora a detentora de sua gravidez, mas Iahweh. Será que

a mandrágora detém realmente esses poderes ou substâncias para atuar contra a

esterilidade? Esse é o nosso próximo ponto a ser estudado.

3 Mandrágora

O termo “mandrágora”, ?????? (dûdä´îm), em hebraico, deriva da mesma raiz de

“amor” o que reforça a crença de que era uma planta conhecida pelos seus poderes

férteis e afrodisíacos, reforçada pelo formato de sua raiz. Conhecida, também, como

“Maçã do amor”, devido ao formato de seus frutos. Esta é a razão que faz com que em

algumas partes do Oriente Médio, esta planta ainda seja considerada como afrodisíaco

capaz de excitar o amor e aumentar a fertilidade humana.

117 Grifo da autora da pesquisa.

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Figura 3: Raiz de uma mandrágora

Figura 4: Frutos da mandrágora

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a4/Mandragore_officinale_fruits.jpg/220

px-Mandragore_officinale_fruits.jpg

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Figura 5: Flores da mandrágora

Planta da família das solanáceas, a Mandragora officinarum é nativa do

Mediterrâneo. É uma planta perene, com raízes tuberosas espessadas que podem

chegar a sessenta centímetros de comprimento. Suas flores vão da coloração entre o

violeta e o amarelo-esverdeado. Os frutos redondos são inicialmente verdes e depois

amarelos. A raiz, freqüentemente bífida, possui contornos de uma forma humana —

mais especificamente, as de uma mulher — e, sendo grossa e carnuda, assemelha-se a

um par de pernas. Sua ocorrência se dá no Vale do Jordão e nas planícies de Moabe,

em Gileade e na Galiléia118. Os antigos germanos veneravam ídolos fabricados com a

raiz de mandrágora. Aqueles que os possuía em sua casa, acreditavam-se felizes, pois

elas velavam por ela e por seus moradores, guardando-os de todo mal. Diziam que

118 Angelo C. Pinto. Alcalóides: da morte de Sócrates aos inibidores de acetilcolinesterase. Trabalho

apresentado no Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, p.17.

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estes prediziam o futuro, emitindo certos sons ou vozes. O possuidor de uma

mandrágora, além disso, obtinha bens e riquezas, através de sua influência119.

O Glossário Teosófico fornece uma interpretação metafísica politicamente

correta onde “em linguagem cabalística”, “dudaim” corresponde à união do “manas

superior e inferior” ou da “Alma e do Espírito”, duas coisas “unidas em amor e

amizade (dodim)”.120

3.1 Farmacopéia da Mandrágora: verdades e mitos

As mais antigas fontes escritas médico-farmacêuticas são provenientes das

civilizações da Mesopotâmia e Egito. Na Mesopotâmia são constituídas por tabuinhas

de argila gravadas com um estilete em escrita cuneiforme. No Egito as fontes escritas

são principalmente papiros. O papiro mais importante para a história da Farmácia é o

de Ebers de 1550 a.C. Tem mais de vinte metros de comprimento e inclui referências

a mais de sete mil substâncias medicinais incluídas em mais de oitocentas fórmulas121.

O uso de plantas para envenenar adversários, condenados à morte e amantes é

mais antigo do que se imagina. Ao longo da história encontramos o uso de alcalóides

para matar e enfeitiçar. As plantas tanto serviam para aproximar como para afastar os

amantes.

119 Helena Petrovna Blavatsky, Glossário Teosófico. 5ª. Edição, Rio de Janeiro: Editora Ground, 1995,

778p. 120 Helena Petrovna Blavatsky, Glossário Teosófico. 5ª. Edição, Rio de Janeiro: Editora Ground, 1995,

778p 121 Ângelo C. Pinto. Alcalóides: da morte de Sócrates aos inibidores de acetilcolinesterase. Trabalho

apresentado no Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, p.17

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A fama da Mandrágora cresceu na Idade Média. Maquiavel122 escreve uma peça

teatral “A Mandrágora”, aproveitando-se da fama e do mito que a cercava. Ele conta a

história do jovem florentino Calímaco, que por conta de uma aposta, conhece e passa

a desejar furiosamente uma mulher casada que não consegue ter filhos com seu

marido. Para conquistá- la, com ajuda de um jovem embusteiro, de um frei sem

escrúpulos e da mãe da recatada esposa, ele finge ser médico e receita um tratamento a

base de mandrágora.

Gil Felippe, PhD em Botânica, relata que na Grécia, a mandrágora, era

conhecida como planta de Circe por ser eficaz como poção do amor. Também na

Grécia acreditava-se que era um afrodisíaco, consumida não só por homens comuns,

mas também pelos sátiros. No Egito antigo era um símbolo de amor e potente

afrodisíaco; faziam com ela um vinho que era muito popular123. Se mito ou verdade

ele relata que o período mais favorável para colher a mandrágora é durante a lua cheia,

entre a Páscoa e o dia de Ascensão.

Conhecida há milhares de anos, foi muito utilizada na Antigüidade e na Idade

Média, em manipulações, quer na medicina, quer na feitiçaria, nas religiões

campesinas e entre os escravos. São- lhe atribuídas as seguintes propriedades

medicinais: afrodisíaca, alucinógena, analgésica e narcótica.

Ela é estimulante, principalmente por sua raiz devido à presença de muitos

alcalóides124, entre eles a atropina125. “Por conter hiosciamina126 foi usada como

122 Nicolau Maquiavel escreve “A Mandrágora” uma peça de teatro, em 1503 e publica-a, pela primeira

vez, em 1524. 123 Gil Martins Felipe. No rastro de Afrodite: Plantas afrodisíacas e culinárias. p. 230 124 Alcalóides são compostos nitrogenados, em geral, heterocíclicos, de caráter básico, que são

normalmente produzidos por vegetais e têm ação enérgica sobre os animais - em pequenas quantidades podem servir como medicamentos, e em doses maiores são tóxicos. Eles correspondem aos principais terapêuticos naturais com ação: anestésica, analgésica, psico-estimulantes, neuro-

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111

anestésico até 1846, quando passaram a usar o éter. Dioscórides, cirurgião a serviço

de Nero, a utilizava durante suas cirurgias”127 O efeito afrodisíaco é o resultado da

ação desses alcalóides. Conheceremos um pouco mais sobre suas propriedades

farmacológicas que deram vazão ao mito que as cerca.

O que faz uma planta ser considerada afrodisíaca? Segundo Gil Felippe o efeito

afrodisíaco é o resultado da ação desses alcalóides. Plantas afrodisíacas são

encontradas entre as gimnospermas, as monocotiledôneas e as dicotiledôneas nos mais

diversos cantos do nosso planeta. Ele aponta a existência de mais de quatrocentas

espécies de plantas afrodisíacas, mas de acordo com a ciência quantas na verdade

podem ser aceitas como tendo um papel na libido? Para uns, afrodisíaco é a substância

que acorda a libido e para outros a que age diretamente na genitália. Qual seria

realmente a sua ação?

Segundo Gil Felippe, a verdade é que a Atropa beladona, Hyoscyamus niger e

muitas outras solanáceas como a Mandragora officinarum contém alcalóides, são

venenosas e contém um potente sedativo e analgésico. Em quantidades suficientes,

induzem a um estado de torpor e obliteração, propriedades essas que eram usadas em

cirurgias antigas. A Mandragora officinarum se tornou uma preparação homeopática

oficial em 1877 e hoje raramente é usada para qualquer outro propósito. Ela não deve

depressores, etc. Os alcalóides distribuem-se por toda a planta, mas tendem a se acumular em certas regiões, em particular nos tecidos externos, no tegumento das sementes e nas cascas dos caules e raízes. Em cada planta existe sempre uma mistura própria de vários alcalóides com estrutura química semelhante, e geralmente observa-se predomínio de um deles (alcalóide principal).

125 A atropina é um alcalóide, Atua bloqueando o efeito do nódulo sinoatrial, o que aumenta a condução através do nódulo atrioventricular e conseqüentemente o batimento cardíaco. A atropina quase não produz efeitos detectáveis no SNC nas doses usadas na prática clínica. Em doses terapêuticas (0,5 a 1,0 mg), a atropina causa apenas excitação vagal suave em conseqüência da estimulação da medula e centros cerebrais superiores. Com doses tóxicas da atropina a excitação central torna-se mais acentuada, produzindo agitação, irritabilidade, desorientação, alucinações ou delírio.

126 Composto da família dos alcalóides atua diretamente no nervo parassimpático dificultando o seu funcionamento. É extraído de plantas que pertencem à classe das Solanáceas.

127 Gil Martins Felipe. No rastro de Afrodite: Plantas afrodisíacas e culinárias. p. 230.

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ser confundida com Podophyllum peltatum (Mandrágora americana), uma erva

medicinal usual, chamada simplesmente de mandrágora.

As partes utilizadas são as raízes. Sua propriedades são sedativas, analgésicas e

efeitos purgativos e eméticos. Na antiguidade era utilizada internamente para aliviar a

dor, como afrodisíaco e no tratamento de desordens nervosas. Externamente era

utilizada para úlceras. Doses altas da Mandrágora podem provocar intoxicação,

alucinações, e em casos mais extremos até a morte, por isso devem ser manipuladas

somente por médicos qualificados. Atualmente, ela ainda é usada em doses seguras na

fabricação de remédios homeopáticos.

3.2 Raquel e as Mandrágoras

A unidade estudada (30.14-16) encerra-se com a aquisição das mandrágoras por

Raquel, mas nos furta maior conhecimento de como ela foi manipulada e preparada

para os fins desejados por Raquel: a fertilidade a qual tanto buscava.

Afinal de que serviriam as mandrágoras a Raquel sem o seu marido por perto?

De que maneira ela as utilizou? Guardou as mandrágoras para uma outra ocasião ou as

usou em algum ritual? Esses e outros questionamentos ficarão sem respostas devido

serem textos antigos e sem maiores explicações ou definições por parte do narrador.

De qualquer forma a dificuldade em se encontrar mandrágoras é evidente. A

Botânica dá como certo que não é uma planta comum, que cresce em várias regiões e

fácil de ser encontrada. Essa é, talvez, a principal razão de Raquel negociar com Lea.

Seu ventre deverá ser um espaço ocupado e não vazio como até o momento tem sido.

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Para isso vale o apelo às divindades ou à magia que se pregava sobre as propriedades

que ela continha para que Raquel cresse que por intermédio delas ela engravidaria.

Não é nosso desejo chegar a uma conclusão, ou esclarecer fatos, mas construir

uma ponte que nos leve não somente a uma religião não monoteísta, que a torna pura

por inclusão, e não por exclusão ou dominância, respeitando seu conteúdo histórico-

religioso carregado de símbolos, lendas e mitos. Dessa forma abriremos caminhos

para novas pesquisas e espaço para novos conhecimentos e eventuais reflexões dessa

narrativa histórica.

Raquel não obteve o resultado tão esperado com as mandrágoras. Ela não a

tornou fértil e não lhe deu o filho tão esperado. Mas a narrativa diz: “E lembrou-se

Deus de Raquel, e Deus a ouviu, e abriu a sua madre” (30:22). Iahweh ouve o clamor

e coroa Raquel com dois filhos: José e Benjamim.

Acreditamos que como o termo em hebraico a define essa planta está ligada ao

amor, como citado em Cantares, por ser: perfumada, e seu próprio nome sugerir

romance. Receber mandrágoras seria, e com certeza o é, mais impressionante que

receber buquês de flores, que apesar de muito bonitas, podem ser encontradas com

facilidade, ao contrário das mandrágoras.

Quanto às suas propriedades medicinais, foi utilizada entre os romanos e outros

povos como anestésico em cirurgias e outros fins medicinais, como já citamos

anteriormente. Quanto aos seus poderes afrodisíacos e de aumento da fertilidade

humana, não encontramos nada científico que comprove a cura para a esterilidade,

mas suas propriedades farmacológicas despertam a libido. Mas, fica claro no estudo

da narrativa bíblica estudada (30.14-16), em Gênesis, que não foi por intermédio da

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utilização das mandrágoras que ela obteve a cura para a sua esterilidade. Fica, então,

aberta a questão de que ela seja uma planta da fertilidade.

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CONCLUSÃO

Nosso estudo teve como primeiros passos o complexo historiográfico dos

antecessores de Israel, comumente conhecidos como “patriarcas”. São histórias

compostas de personagens de origem nômade, que se estabeleceram em terras

estranhas, trabalhando pela sobrevivência diária, revelando a estrutura e o modo de

vida familial-clãnica, tipo de sociedade que lhes garantia a continuidade de seu povo,

bens e religiosidade.

O nosso ponto de partida iniciou com Abraão e Sara, seguido de Isaac e Rebeca

e, logo depois, com Jacó e Raquel. Nessas narrativas bíblicas encontramos registros de

ideologias sistêmicas que exigiam que a mulher fosse submissa, mansa, humilde,

passiva, boa dona de casa, mãe e esposa carinhosa.

No bloco analisado percebemos que essa estrutura ideológica não corresponde à

prática, sendo que, vários elementos contrariam essa lógica. Neles encontramos Sara

dominando o espaço e expulsando sua serva, juntamente com o filho de Abraão, por

ciúmes; Rebeca que se apresenta como ajudadora e mulher prestativa no poço, para o

servo de Abraão, quando se casa com Isaac, mostra-se forte, dominadora, conspirando

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a favor do filho Jacó ganhando o espaço almejado; Raquel, embora a narrativa

apresente-a como rival de Lea, sua irmã e outra esposa, dialogam e entram num

acordo, acerca das mandrágoras, cujo pagamento, ou “objeto de troca”, é nada mais,

nada menos que Jacó, o esposo.

O bloco 12-50 está recheado de disputas e conflitos entre as mulheres. As razões

se entrelaçam entre: fertilidade e esterilidade, disputa sexual e de poder, preconceitos,

conceitos de feio e belo, de amor e desprezo, de domínio e dominância. Vimos que

nesse espaço, constituído por homens, a dominação e as narrativas são de mulheres

que ocupam um espaço evolutivo nas narrativas, sendo que estas ausentam, cada vez

mais, o espaço e narrativa masculina. Raquel e Lea protagonizam, por um bom espaço

,de tempo a história.

Tais narrativas retratam os tempos primórdios e são compostas por povos cujo

mundo é o do pastoreio de gado, de pequeno e médio porte, e a agricultura. Nossa

unidade 30.14-16 retrata, especificamente, o mundo agrícola porque nele encont ramos

Jacó trabalhando no campo e Ruben traz as mandrágoras de lá. O verso 14 descreve o

tipo de colheita, que é a de trigo, demonstrando que Labão possuía terras. Ele também

era possuidor de gado de pequeno porte (30.28) que era cuidado por Jacó.

Mas para que essa história chegasse ao cumprimento da aliança-promessa, de

Iahweh com Abraão, encontramos na porta de entrada, as protagonistas Sara, Rebeca e

Raquel para compor esse desfecho. Por se tratar de uma promessa que vai de encontro

à descendência de milhares e milhares, encontramos nas narrativas nada mais do a

esterilidade das escolhidas, para gerar esses povos. É sobre essa esterilidade que a

nossa pesquisa foi desenvolvida: sob as virtudes de fertilidade das mandrágoras. Elas

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foram encontradas por Ruben em meio à colheita do trigo. Por ser uma planta que não

se encontra facilmente, e que se desenvolve em terrenos propícios para o seu

desenvolvimento, como lugares úmidos, é que a protagonista da nossa unidade,

Raquel, irá compor o discurso e a negociação com Lea para obtê- las.

A realidade histórico-social e teológica nos leva a ver as mulheres lutando por

seus espaços no campo religioso e cultural cujo grupo, que preservava as tradições

religiosas e dos antepassados, era chefiado por homens. Os conceitos de pertença do

sistema social em que Raquel e Lea vivem, expõe as mulheres ao domínio e a

negociação de seus corpos. Essas mulheres são filhas e esposas e a ordem social,

vigente, autoriza e endossa essa negociação.128

Para alcançar seus objetivos e transformar esses espaços e cultura que as trata

como mercadorias negociáveis, elas passam de dominadas a dominante, na esfera

doméstica e social. Essa realidade é clara em nossa unidade: há um revés e inverte as

circunstâncias, isto é, a mulher passa a negociar o corpo do marido como o fez

Raquel.

As situações de dominação, trapaças e escravismo são claras no contexto

histórico-narrativo. Na história de Jacó e Labão, por exemplo, vemos que o contrato

de trabalho, para desposar Raquel, se duplicou, e Labão lucra com os catorze anos que

Jacó ali trabalhou e, quando do vencimento do contrato, não queria deixá- lo ir com a

família que adquiriu.

128 Haidi Jarschel. “Para que a memória histórica de resistência seja guardada... (Gênesis 38), in: Revista

de Interpretação Bíblica Latino-American no. 32, Petrópolis: Editora Vozes, p.41.

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O fato das mulheres serem protagonistas da unidade estudada, bem como em

todo o bloco, prova que a conservação de seus discursos foi de extrema importância,

fato que a história não pôde apagar. Assim o poder das mulheres é notório e em suas

angústias são ouvidas por Iahweh: “Ele está perto... Ele ouve... Ele vê... Ele atende ao

clamor”.

As categorias – mito, conto popular e lenda – segundo os estudiosos se

sobrepõem e se fundem. Embora o nosso estudo sobre a mandrágora se concentre em

abordar a sua existência dentro da religiosidade de Raquel e Lea não podemos nos

furtar de que ela tomou outros espaços dentro de cada cultura e religiosidade como

planta mitológica. Suas lendas correm o mundo e, talvez, à nossa época como conto

popular.

Conforme vimos durante a nossa pesquisa o mito reinava sobre as almas. As

crenças relativas aos mortos, assim como o culto que lhes era devido constituíram para

a família antiga a maior parte das regras religiosas. O mito era o de que o homem era

tido como um ser feliz e divino, desde que cumprida a condição dos vivos de lhe

oferecerem sempre a refeição fúnebre. Se isso não ocorresse ele sairia dessa condição

de feliz, para infeliz, e passaria à categoria de demônio e desgraçado. Por isso cada pai

esperava pela sua descendência.

Conforme nossa análise, constatamos que o nome dos filhos gerados a Jacó, que

compõe as doze tribos são formados por substantivos e verbos pronunciados por Lea e

Raquel descrevendo suas necessidades e angústias nascidas da rivalidade e tentativa

de dominância por espaço e reconhecimento social, e pelo amor e reconhecimento de

Jacó.

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A verdadeira fala desse texto é mostrar a gênese da vida e do poder que as

mulheres adquiriram em suas estruturas sociais e religiosas, extremamente opressoras,

na qualidade de mulheres que iniciam uma nova história e nela se revelam, fortes em

sua luta contra a esterilidade. São mulheres que se rebelaram contra um sistema e que

em sua maneira mística de ser e crer reforçaram uma teologia de vida onde as

tentativas e valorização do sagrado e do misticismo vai além da fé. Elas não

esmoreceram diante do quadro e das questões negativas, mas permitiram que sua fé

fosse vivenciada no sobrenatural e nas questões que permitiam ir além do

empoderamento cruel e opressor que a religião exercia sobre a vida dessas mulheres.

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FIGURA 1 Mandrágora: pintura do séc. XVII que retrata a lenda http://www.verbalog.com/cyro/

FIGURA 2 Medicina Antiqua: Libri Quattuor Medicinae, 13th Century. http://beckerexhibits.wustl.edu/Herbal/1/codex1.jpg

FIGURA 3 Raiz da mandrágora - http://www.carcasse.com/revista/gato_preto/mandragora/mandragora.jpg

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FIGURA 4 Frutos da mandrágora

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a4/Mandragore_officinale_fruits.jpg/220px-Mandragore_officinale_fruits.jpg

FIGURA 5 Flores da mandrágora http://www.paisagismodigital.com.br/Noticias/img/81-004.jpg

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