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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL PATRICIA GARCIA COSTA MÍDIA, RELIGIÃO E GÊNERO: A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NO PROGRAMA SHOW DA FÉ São Bernardo do Campo - SP 2013

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL

PATRICIA GARCIA COSTA

MÍDIA, RELIGIÃO E GÊNERO:

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NO

PROGRAMA SHOW DA FÉ

São Bernardo do Campo - SP

2013

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL

PATRICIA GARCIA COSTA

MÍDIA, RELIGIÃO E GÊNERO:

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NO

PROGRAMA SHOW DA FÉ

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às

exigências do Programa de Pós-graduação em

Comunicação Social, da UMESP - Universidade

Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de

Mestre.

Orientadora: Profª. Dra. Magali do Nascimento

Cunha.

São Bernardo do Campo-SP

2013

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A dissertação de mestrado sob o título “Mídia, Religião e Gênero: A Representação da

mulher no Programa Show da Fé”, elaborada por Patricia Garcia Costa foi apresentada e

aprovada em 11 de setembro de 2013, perante banca examinadora composta por Profª. Dra.

Magali do Nascimento Cunha (Presidente/UMESP), Profª Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves

(Titular/UMESP) e Profª. Dra. Malena Segura Contrera (Titular/UNIP).

__________________________________________

Prof/a. Dr/a. Magali do Nascimento Cunha

Orientador/a e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________

Prof/a. Dr/a. Marli dos Santos

Coordenador/a do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social

Área de Concentração: Processos Comunicacionais

Linha de Pesquisa: Processos Comunicacionais Midiáticos

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DEDICATÓRIA

Aos meus filhos: Pietra, Catherine e Natan.

Presentes de Deus que dão sentido à minha vida!!

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Um dia, vivi a ilusão

De que ser homem bastaria

Que o mundo masculino

Tudo me daria

Do que eu quisesse ter

Que nada

Minha porção mulher

Que até então se resguardara

É a porção melhor

Que trago em mim agora

É que me faz viver

Quem dera

Pudesse todo homem compreender

Oh Mãe, quem dera

Ser no verão o apogeu da primavera

E só por ela ser

Quem sabe

O Super Homem

Venha nos restituir a glória

Mudando como um Deus

O curso da história

Por causa da mulher

Superhomem - a Canção

(Gilberto Gil)

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AGRADECIMENTOS

Ao Deus da minha vida, o Alfa e o Ômega; o Princípio e o Fim; aquele que é Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, dono tanto do meu querer, quanto da minha capacidade de efetuar. À minha orientadora, Dra. Magali do Nascimento Cunha, profissional a quem eu muito admiro; por sua intelectualidade ímpar, sua disposição com o trabalho, sua energia contagiante e, principalmente, por sua generosidade. Professora Magali, sou muito grata, de coração, por ter sido você a pessoa responsável e peça fundamental neste processo tão importante da minha vida, por direcionar minha pesquisa rumo a um tema pelo qual, no início, eu me interessei e, com o tempo, me apaixonei: Gênero. Este trabalho não teria saído sem a sua preciosa colaboração e incentivo. Aos professores e funcionários do programa de mestrado em Comunicação Social da UMESP: Prof. Dr. Laan Mendes de Barros, Prof. Dra. Cicília Maria Krohling Peruzzo, Prof. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves, Prof. Dr. José Salvador Faro, em especial às secretárias acadêmicas Kátia Aparecida Bizan Franca e Vanete Gonzaga da RochaViegas. Às professoras Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e Prof. Dra. Sandra Duarte de Souza Ciências do programa de Pós-Graduação em Religião da UMESP, membros da banca de qualificação, pelos conselhos preciosos prestados naquele momento. À Sandra, por me aceitar no seu Grupo de Estudos em Gênero e Religião Mandrágora/ NETMAL, espaço de reflexão e diálogo nas diversas áreas de conhecimento sobre os temas feministas. Ao prof. Dr. Alfredo Dias D’Almeida por ter sido o meu primeiro incentivador na decisão de fazer o mestrado e por ter me ajudado na elaboração do primeiro pré-projeto. À CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelo apoio financeiro fundamental nos últimos quinze meses para a execução do trabalho. Ao Paulo Ferreira, amigo querido da vida acadêmica, sempre presente e amoroso. Ao Marcelo da Silva, por sua amizade ímpar, leitura crítica do texto e incentivo. À amiga Andréa Lubrano, da Faculdade do Povo – FAPSP, pela ajuda na formatação do texto. Aos amigos tão queridos e prestativos, Ronaldo Macedo e Cristina Teles, pela tradução dos resumos. À minha mãe Adelina, que me educou com poucas palavras e muitos exemplos; modelo de mulher resignada que viveu para a família. Obrigada por cuidar dos meus filhos na minha ausência, que eu sei, foram muitas... Ao meu parceiro de corrida, amigo e companheiro, Eder Salari, o homem que me ensinou a viver sem culpas, a quebrar protocolos e me encoraja, a cada encontro, a ser mais feliz, mais plena, mais humana.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Programas selecionados para análise obedecendo a ordem de hierarquia:

Casamento

Tabela 2 - Programas selecionados para análise obedecendo a ordem de hierarquia: Filhos

Tabela 3 - Programas selecionados para análise obedecendo a ordem de hierarquia: Saúde

Tabela 4 - Programas selecionados para análise obedecendo a ordem de hierarquia: Finanças.

Tabela 5 - Ano de 2011 - Quantidade de programas por hierarquia dos pedidos de

oração/orientação, na ordem: Casamento; Filhos; Saúde; Finanças.

Tabela 6 - Ano de 2012 - Quantidade de programas por hierarquia dos pedidos de

oração/orientação, na ordem: Casamento; Filhos; Saúde; Finanças.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Curso para formar pastores oferece aula sobre edição de TV, matéria publicada na

VEJA ON-LINE Como se forma um pregador, em 12 julho 2006. Foto de Fabiano Accorsi.

Figura 2 - Web Site Oficial Programa Marcos Feliciano

Figura 3 - Missionário R.R.Soares

Figura 4 - Sede da IIGD (Av: São João, 791), no bairro da República, centro velho, São

Paulo.

Figura 5 - Portal ongrace.com

Figura 6 - Logotipo do Programa Show da Fé

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 15

CAPÍTULO I ............................................................................................................................ 32

RELIGIÃO E GÊNERO: UM OLHAR SOBRE O PENTECOSTALISMO .......................... 32

1.1 Gênero e a questão da mulher ...................................... ............................................32

1.1.1 Ênfases nos estudos de gênero............................................................................... 34

1.1.2 Estudos de Gênero e a comunicação ..................................................................... 37

1.2 O discurso da dominação masculina ........................................................................ 43

1.3 Gênero nas igrejas ao longo da história .................................................................... 48

1.4 Gênero e Pentecostalismo .................................................................................... 51

1.5 Considerações preliminares ...................................................................................... 54

CAPÍTULO 2 ........................................................................................................................... 57

PENTECOSTALISMO E MÍDIA: R.R. SOARES E O SHOW DA FÉ ................................. 57

2.1 Conhecendo a história da comunicação religiosa – Panorama Geral ....................... 58

2.2 Os Evangélicos e a Mídia no Brasil – Como tudo começou .................................... 60

2.3 A Igreja Eletrônica................................................................................................... 62

2.4 Igrejas Pentecostais na Mídia .............................................................................. 67

2.4.1 Igreja Universal do Reino de Deus ...................................................................... 67

2.4.2 Igreja Apostólica Renascer em Cristo ................................................................. 68

2.4.3 Assembleia de Deus de Belém – Redes Boas Novas .......................................... 70

2.4.4 Igreja Sara Nossa Terra ....................................................................................... 70

2.4.5 Igreja Mundial do Poder de Deus ........................................................................ 71

2.4.6 Pastores midiáticos: Marco Feliciano e Silas Malafaia ......................................... 72

2.5 R.R.Soares e a Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) ............................ 74

2.6 O Programa Show da Fé ...................................................................................... 79

2.7 Considerações preliminares ................................................................................ 82

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CAPÍTULO 3 ........................................................................................................................... 85

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NO PROGRAMA SHOW DA FÉ: UMA ANÁLISE

DE DISCURSO ........................................................................................................................ 85

3.1 Seção Abrindo o Coração .................................................................................... 86

3.2 Perfil das remetentes ............................................................................................. 88

3.3 Metodologia de análise da seção Abrindo o Coração.............................................. 89

3.3.1 Importantes conceitos da Análise de Discurso ...................................................... 91

3.3.2 O Discurso Religioso segundo a Análise de Discurso .......................................... 95

3.3.3 Protocolo de leitura ................................................................................................ 97

3.4 Análise das Cartas ................................................................................................... 98

3.4.1 Quadro de Formações Discursivas – Tema Casamento ...................................... 100

3.4.2 Quadro de Formações Discursivas – Tema Filhos .............................................. 113

3.4.3 Quadro de Formações Discursivas – Tema Saúde .............................................. 118

3.4.4 Quadro de Formações Discursivas – Tema Finanças .......................................... 123

3.5 Indicações conclusivas ........................................................................................... 125

CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 127

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 135

ANEXOS ................................................................................................................................ 144

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COSTA, Patricia Garcia. Mídia, Religião e Gênero: a Representação da Mulher no

programa Show da Fé. (158) f. Dissertação de Mestrado em Comunicação Social –

Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2013.

Resumo

A pesquisa que relaciona gênero e comunicação ainda é pouco discutida no Brasil e abordada

de forma muito acanhada pelas universidades, suas iniciativas de estudo existentes têm

dedicado pouca atenção à religião e à representação da mulher neste contexto, em especial as

pesquisas que enfatizam a relação com as mídias. O objetivo é investigar como a construção

social do papel da mulher no discurso religioso neopentecostal é representada no programa

Show da Fé, bem como averiguar os caminhos que nos levam à discussão do fenômeno

religioso numa perspectiva de gênero. Elegemos como objeto de análise o quadro Abrindo o

Coração, que é apresentado no programa Show da Fé, pertencente à Igreja Internacional da

Graça de Deus, único programa religioso veiculado também em emissoras de TV abertas em

horário nobre. A base para este estudo são as ferramentas teórico-metodológicas da análise de

discurso e a reconstituição da trajetória dos estudos feministas associados aos estudos da

mídia, via revisões bibliográficas e conceitos relacionados à mídia religiosa. Os resultados

demonstram que a religião tem colaborado com a reprodução da visão patriarcal dominante e

com a representação social da mulher a partir desta compreensão e suas expressões midiáticas

baseiam-se nas referências da aceitação/resignação, da submissão, da renúncia/concessão e da

responsabilidade/culpabilidade que caracterizam o lugar das mulheres no imaginário

religioso, mais fortemente no pentecostalismo.

Palavras-chaves: Mídia; Religião; Gênero; Discurso Religioso; Show da Fé.

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COSTA, Patricia García. Medios de comunicación, Religión y género: la representación

de la mujer en el programa Show de la Fe (158) f. Disertación de Doctorado en

Comunicación Social - Universidad Metodista de Sao Paulo, Sao Bernardo do Campo, 2013.

Resumen

La investigación que relaciona género y comunicación aún es poco discutida en Brasil y es

abordada de forma muy tímida por las Universidades. Las iniciativas de los estudios

existentes le han dado poca atención a la religión y a la representación de la mujer en este

contexto, especialmente a la investigación que da énfasis a la relación con los medios de

comunicación. El objetivo es investigar cómo la construcción social del papel de la mujer en

el discurso religioso neopentecostal está representada en el programa Show de la Fe, así como

averiguar los caminos que nos llevan a la discusión del fenómeno religioso desde una

perspectiva de género. Hemos elegido como objeto de análisis el cuadro Abriendo el Corazón,

que es presentado en el Programa Show de la Fe y que pertenece a la Iglesia Internacional de

la Gracia de Dios, el único programa religioso que también es trasmitido en canales de

televisión abiertos en horario estelar. La base de este estudio son las herramientas teóricas y

metodológicas de análisis del discurso y la reconstitución de la trayectoria de los estudios

feministas asociados a los estudios de los medios de comunicación, a través de revisiones

bibliográficos y los conceptos relacionados con los medios de comunicación religiosos. Los

resultados demuestran que la religión ha colaborado con la reproducción de la visión

patriarcal dominante y con la representación social de la mujer a partir de esta comprensión y

sus expresiones en los medios de comunicación basados en las referencias de aceptación/

resignación de la sumisión, de la renuncia/concesión y de la responsabilidad/culpabilidad que

caracteriza el lugar de la mujer en el imaginario religioso, con más fuerza en el

pentecostalismo.

Palabras-clave: Medios de comunicación; Religión; Género; Discurso religioso; Show de la

Fe

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COSTA, Patricia Garcia. Media, Religion and Gender: representation of women on the

TV program named Show da Fé (158) f. Final Essay for Mastership in Social

Communications – Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2013.

Abstract

Researches that relate gender and communications are still scarcely discussed in Brazil and

handled very shyly by universities. The existing study initiatives have devoted little attention

to religion and the representation of women in this sense, especially researches that emphasize

their relationship with the media. This essay is intended to investigate how the social

construction of women's role in the neo-charismatic religious speech is represented on the

television program Show da Fé (show of faith), as well as to study the paths that might lead to

a discussion of this religious phenomenon from a gender perspective. As the object of

analysis, it has been chosen the show section named Abrindo o Coração (with hearts wide

open), which is part of the program Show da Fé, produced by the International Church of

God’s Grace, the only religious program also aired on local TV stations at peak viewing time.

The present study is based upon theoretical and methodological tools to analyze the speech as

well as on the reconstitution of the history of feminist studies related to media studies through

literature reviews and concepts connected with the religious media. The results show evidence

not only that religion has contributed with the reproduction of dominant patriarchal view and

the social representation of women from this understanding but also that the way they are

expressed on the media are based on references of acceptance/resignation, submission,

renunciation/concession and responsibility/guilt that characterize the women’s role in

religious imagery, particularly in Pentecostalism.

Keywords: Media; Religion; Gender; Religious Speech; Show da Fé.

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INTRODUÇÃO

Sabe-se, hoje, que as pesquisas sobre religião no meio acadêmico encontram-se em

plena expansão, devido ao potencial crescimento que o segmento protestante vem ganhando

nas últimas décadas; em especial as igrejas pentecostais e, mais especificamente, as igrejas

denominadas eletrônicas, que têm como foco a comunicação de massa, fator que mudou e

continua mudando de forma exponencial o cenário religioso.

Para iniciar a exposição do problema de pesquisa fazemos referência às palavras de

Otto Maduro (1997, p.26), quando declara que “nas sociedades contemporâneas, as mulheres

são oprimidas enquanto mulheres e, nessa opressão, os homens, enquanto homens, têm poder

e levam vantagem sobre as mulheres”. Compreende, em segundo lugar, o fato de que “a

opressão das mulheres não é somente física, econômica, doméstica ou exercida pelo mercado

de trabalho, mas é também ideológica, cultural e simbólica”. É aí que entra a religião, ou a

transmissão do discurso religioso sobre as relações sociais de gênero num processo de

construção de sentidos.

Para a professora Sandra Duarte Souza (2011), a religião ainda exerce uma importante

função de produção e reprodução de sistemas simbólicos que têm influência direta sobre as

relações sociais de sexo. Essas representações sociais acerca do homem e da mulher não

podem ser entendidas sem lançarmos o olhar sobre ela e sobre suas implicações na construção

social desse homem e dessa mulher, construções socioculturais, portanto, aprendidas. Souza

(2011, ON-LINE):

a religião contribuiu para a naturalização dessas representações quando as afirma como sagradas, como vontade divina. Essa mulher é domesticada de acordo com o padrão patriarcal da cultura, apresentada como uma supermulher que dá conta de todas as suas responsabilidades. A carga de culpa que as mulheres carregam por não corresponderem àquilo que é considerado “coisa de mulher” é enorme, por isso, temos tantos casos de mulheres adoentadas e exauridas.

A dominação de gênero ainda é um problema pouco discutido no âmbito religioso,

“pois sua contestação pode desconstruir boa parte das bases sobre as quais os próprios

sistemas religiosos se assentam, se organizam e constroem sua hierarquia” (SOUZA, 2004,

p.122).

No tempo da pós-modernidade, a construção das identidades se dá de formas múltiplas

e frágeis, utilizando as palavras de Bauman (2001), e os discursos midiáticos vão construindo

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uma identidade multifacetada da mulher. Neste contexto, a religião não mais aparece como

constituidora solitária dessas identidades, mas ela ainda tem um papel importante nesse

processo.

Analisar o fenômeno religioso não é tarefa simples, implica entendê-lo como uma

realidade situada, limitada e orientada socialmente, que influencia e é influenciada pelo meio

que a gestou.

É oportuno salientar que o espaço da igreja não é neutro nem tampouco pacífico como

se apresenta; que as relações familiares e de gênero, histórias de vida, subjetividade,

sexualidade e divisões de fé são peças que compõem o maquinário do poder no interior da

igreja.

Contudo, nem sempre foi possível pensar na mulher com um discurso religioso de

caráter crítico. Assim, para entender o reconhecimento do caráter religioso e cultural,

Durkheim (1989) enfatiza que: Os homens foram obrigados a formar noção do que é a religião, bem antes da ciência das religiões ter podido instituir suas comparações metódicas. As necessidades da existência obrigam-nos todos, crentes ou incrédulos, a representar, de alguma maneira, as coisas no meio das quais vivemos, sobre as quais temos sempre julgamentos a fazer e que devemos considerar no nosso comportamento. [...] consideramos as religiões na sua realidade concreta e procuremos apreender o que elas podem ter em comum; porque a religião só pode ser definida em função das características que estão presentes por toda parte onde há religião (DURKHEIM, 1989, p.53-54).

Nesse sentido, é necessário buscar o invisível do cotidiano religioso e procurar

compreender cada indivíduo em sua particularidade, observando que esses indivíduos estão

mergulhados em um território envolvido de segredos, sagrado e profano; pastor e rebanho,

homem e mulher; cuja religião sempre fez parte da história dos homens e das mulheres.

Durkheim (1989), nos esclarece o sentido dessa oposição: Para definir o sagrado do profano não resta senão a sua heterogeneidade [...]. O sagrado e o profano foram sempre e por toda parte concebidos pelo espírito humano como gêneros separados, como dois mundos entre os quais não há nada em comum. As energias que se manifestam em um não são simplesmente aquelas que se encontram no outro, com alguns graus a mais; são de outra natureza. Essa oposição foi concebida de maneiras diferentes, conforme as religiões (DURKHEIM, 1989, p.70).

A proposta de trabalho busca trazer esta reflexão sobre gênero e religião para o campo

da comunicação por meio do seguinte objeto: o discurso religioso televisivo construído pelo

líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em seus programas televisivos.

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Essa igreja recebeu a classificação de neopentecostal por pregar a crença de que “o

cristão deve ser próspero, saudável, feliz e vitorioso em seus empreendimentos terrenos, e por

rejeitar usos e costumes de santidade pentecostais, tradicionais símbolos de conversão e

pertencimento ao pentecostalismo” (MARIANO, 2004, p.124).

Como a IIGD, podemos citar a Renascer, Universal do Reino de Deus e Mundial do

Poder de Deus. Essas igrejas começaram a surgir na segunda metade da década de 1970,

trazendo figuras de líderes carismáticos. A prática adquirida por esse novo grupo de religiosos

rompe com os antigos padrões de pregação, que davam ênfase ao pentecostalismo dito

histórico – grupo que antecede os chamados neopentecostais e que possuem outro foco na sua

pregação. O processo de mudança nessa área do discurso ainda continua, dada a necessidade

de se manter em evidência, de modo a suprir as necessidades da nossa sociedade pós-

moderna, por meio de um discurso que esteja em sintonia com as demandas econômicas,

sociais e políticas.

Para continuar a crescer, as igrejas neopentecostais buscam conquistar cada vez mais

“adeptos” e usam as mídias – televisão, rádio, jornais, revistas e internet - para atingir esse

objetivo, com destaque para a televisão (CUNHA et al, 2008, p.6). São vários os veículos que

fazem parte do império midiático do líder da IIGD Romildo Ribeiro Soares, que se apresenta

como missionário R. R. Soares, do qual falaremos mais à frente. Nesse contexto, o programa

Show da Fé, que é o carro chefe da emissora, representa um marco simbólico não só para a

IIGD, como também para os evangélicos de forma geral espalhados pelo Brasil.

Segundo Moraes (2010, p.138), o missionário R. R. Soares é o televangelista mais

antigo em atividade no país. Há mais de trinta anos, desde o primeiro programa sob sua

liderança, com horário adquirido na Tupi, em 1977, ele tornou seu rosto familiar para a

população brasileira. Sempre foi obcecado por televisão e sonhou em usar este veículo para

propagar sua crença religiosa. Nos anos 80, ele amargou horários ruins na grade, mas na

década de 90, passou a investir pesado para emplacar de vez em horário nobre. Com a

aquisição da Rede Internacional de Televisão (RIT), seu império midiático ganhou força,

expressão e o reconhecimento dos evangélicos por ser eminentemente de cunho religioso.

Soares deixa claro que a RIT nasceu para ser a televisão destinada à família, cultivando

valores caros ao grupo religioso ao qual pertence.

O missionário diz acreditar que o poder da mídia é tão grande que pode influenciar

tanto para o bem quanto para o mal. Crítico ferrenho do conteúdo veiculado por mídias

secularizadas, Soares acredita que um conglomerado midiático, desde que com valores

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cristãos bem solidificados, pode mudar radicalmente não só a vida das pessoas, do ponto de

vista individual, mas também mudar uma nação inteira.

Concentraremos nossos estudos na Igreja Internacional da Graça de Deus,

representada pelo seu líder e comunicador R.R.Soares, com base nas seguintes questões: por

que no discurso religioso neopentecostal, de maneira geral, a mulher está sempre em segundo

plano, visto que elas aparecem quase sempre como espectadoras e colaboradoras e quase

nunca como protagonistas? De que forma o discurso religioso sobre a mulher disseminado por

Soares por meio do programa Show da Fé reproduz esta concepção?

1.1 Hipóteses

O campo acadêmico tem se pronunciado na reflexão acerca da importância histórica

das mulheres na vida religiosa, identificando e percebendo as relações humanas, como espaço

de permanências, rupturas e mudanças em que homens e mulheres são sujeitos inseridos em

contextos e tempos específicos.

Souza (2004) afirma:

as pesquisas baseadas no eixo gênero e religião se justificam pelo fato de que existe aí uma intimidade pouco verbalizada, mas experimentada, vivenciada no dia a dia, que é estruturada e que estrutura a vida em sociedade. Revelar essa intimidade é revelar também a cumplicidade da religião sobre o processo de socialização de homens e mulheres, e de reprodução das assimetrias sociais (SOUZA, 2004, p.123).

A hipótese desta pesquisa toma por base a premissa de que o papel mediador dos

meios de comunicação, com suas diferentes linguagens, tem uma responsabilidade social

muito grande na formação do repertório cultural do indivíduo, e que sua presença cotidiana e

os seus respectivos processos de produção ajudam a construir o imaginário deste público.

Nesse sentido, o programa Show da Fé revela-se um mediador que reproduz e contribui para a

manutenção do discurso religioso neopentecostal de minoração do lugar da mulher na

sociedade e na igreja.

1.2 Objetivos

O objetivo geral do estudo é investigar como a construção social do papel da mulher

no discurso religioso neopentecostal, reconhecidamente patriarcal e conservador, é

representada no programa Show da Fé. Para tanto, de modo específico:

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• Estudar a relação religião e mídia; mídia e gênero; gênero e religião, o discurso

religioso e o papel da mulher neste contexto;

• Verificar como as mulheres cristãs, em particular as pentecostais, se apropriam de um

discurso notadamente patriarcal e conservador;

• Apresentar o contexto sociohistórico e as formações discursivas que configuram esse

discurso;

• Estudar o lugar do programa Show da Fé na reprodução e manutenção do discurso

neopentecostal particularmente no que diz respeito ao papel das mulheres;

• Analisar o discurso de uma seção do programa Show da Fé a fim de refletir sobre a

representação das mulheres transmitida por esse programa religioso.

1.3 Justificativa

A pesquisa justifica-se na importância dos estudos de gênero na contemporaneidade e

na ocupação da lacuna deixada pelas escassas abordagens que os relacionam à comunicação e

mídias, em especial, às mídias religiosas.

A sociedade patriarcal, representada pela força masculina, exclui as mulheres dos

processos decisórios, e a presença significativa, mas ainda tímida de textos que discutam a

relação gênero e religião nas mais diversas publicações feministas, parece refletir a herança

moderna do feminismo. Souza nos aponta:

[...] a tensão entre a razão moderna e tudo o que de primitivo e medieval poderia conter a religião, parece pairar também sobre o dossel sagrado do feminismo e dificultar a incorporação da discussão sobre o fenômeno religioso no contexto dos estudos de gênero, negando assim a possibilidade do debate acerca da influência da religião sobre a construção social dos sexos (SOUZA, 2004, p.123).

Faz-se necessário salientar que nos últimos anos a religiosidade, em especial a

popular, tem sido objeto de estudo de diversos pesquisadores, sobretudo para conhecer e

compreender as teorias/conceitos/dinâmica da sociedade religiosa no contexto da sociedade

hodierna.

Ressaltamos, também, que as instituições religiosas e, em especial, as neopentecostais

têm mudado suas lógicas e regras de atuação em função dos processos midiáticos gerados

pela ambiência da midiatização. Os templos são transformados para que os cultos possam ser

televisionados e enquadrados para as mídias digitais. Passa-se a pensar em comunicação e em

estratégias midiáticas submetendo-se às lógicas e linguagens da mídia. Nesse sentido, o

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discurso religioso é adaptado para um discurso midiático. Na sociedade em processo de

midiatização, não se pode mais pensar apenas como igreja, mas também como mídia sob o

risco de não atingir mais os seus públicos.

A IIGD nasceu em 1980. Depois da inauguração, as igrejas do R. R. Soares foram se

espalhando pelo Brasil e também para outros países, contando atualmente com quase 2,5 mil

templos. Em trinta anos de ministério montou um império midiático para dar suporte ao seu

discurso: sua própria rede de TV –RIT, a Graça Editorial, a Graça Filmes, a Graça Music, a

Nossa TV, a Nossa Rádio, a Agrade e a USEM (União dos Servos Empresários). Desde 2003,

este líder está à frente do programa Show da Fé, transmitido diariamente em sua própria

emissora e também em horário nobre pela Rede Bandeirantes de Televisão. Escolhemos

pesquisar esta denominação por se tratar de uma igreja midiática, e também porque

R.R.Soares é o televangelista mais antigo em atividade no país. Há mais de trinta anos, desde

seu início na Tupi em 1977, ele tornou seu rosto familiar para a população brasileira.

Conhecer o programa Show da Fé nos permite compreender algumas estratégias sobre

como um programa de televisão é estruturado, além de entender a intenção discursiva,

política, ideológica e econômica de seus idealizadores. Em virtude da necessidade de se

distanciar do discurso das igrejas tradicionais, que sofreram um período de estagnação e não

crescimento numérico significativo, e se aproximar de seu público-alvo, as igrejas

neopentecostais incrementaram o uso da mídia, adotando estratégias discursivas voltadas às

necessidades básicas das classes mais desfavorecidas da população, notadamente as

vinculadas à prosperidade econômica e social. Nesse percurso, passaram a destacar as

passagens do Evangelho relacionadas à cura e ao sucesso. Na ânsia de ganhar espaço entre os

fiéis, em seus programas televisivos, os líderes neopentecostais adotam a estrutura de

programas de auditório seculares bem-sucedidos para conquistar audiência e manter ou

aumentar o número de adeptos.

Espera-se com este trabalho contribuir para repensarmos o lugar da mulher em novas

bases, não mais como o discurso da igreja vem perpetuando, sendo simplista e reducionista,

legitimando o patriarcalismo de dominação. Espera-se ainda contribuir para novas reflexões e

questionamentos de um dos poderes mais influentes do mundo – a igreja - e os processos

comunicacionais (especialmente os midiáticos) que a envolvem.

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1.4 Referencial Teórico

Este trabalho pertence ao campo da comunicação e dos processos comunicacionais

midiáticos. Para tanto, o primeiro passo deve ser na direção de determinarmos quais conceitos

e pressupostos básicos serão utilizados para o desenvolvimento da análise.

Com o objetivo de relacionarmos a temática de gênero à ênfase desta pesquisa - a

comunicação - e, particularmente, a comunicação midiática, destacaremos aqui sua conexão

com a abordagem das culturas. No que se refere à categoria gênero e mídia, os Estudos

Culturais foram pioneiros nas pesquisas, em especial no campo dos estudos feministas.

Os Estudos Culturais nasceram na segunda metade do século XX com a criação do

Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS). Este centro foi criado pelo pesquisador

Hoggart (1964), lugar onde, segundo palavras de Hall “velhas correntes de pensamento são

rompidas, velhas constelações deslocadas, e elementos novos e velhos são reagrupados ao

redor de uma nova gama de premissas e temas” (HALL, 2003, p.123). Isso quer dizer que o

Centro passou a estudar as relações entre cultura contemporânea e sociedade, suas formas

culturais, instituições, práticas e mudanças sociais. Três obras ajudaram a marcar essa nova

fase, e três autores merecem ser citados: Hoggart, Williams e Thompson1. Na pesquisa

realizada por Hoggart, o foco de atenção recai sobre a cultura popular e os meios de

comunicação de massa, e mostra que no âmbito popular não existe apenas submissão, mas

também resistência. A contribuição teórica de Williams também é fundamental para os

Estudos Culturais porque traz um olhar diferenciado sobre a história literária. Ele mostra que

cultura é uma categoria-chave que une a análise literária com a vida social. Para Thompson,

pode-se dizer que ele influencia o desenvolvimento da história social britânica de dentro da

tradição marxista (HALL, 2003, p.124-125).

Hoggart, Williams e Thompson formaram o trio fundante dos Estudos Culturais, mas

não menos importante é o intelectual jamaicano, Stuart Hall, que embora não tenha sido

citado como um dos fundadores do Centre for Contemporary Cultural Studies (Birmingham)

cabe ressaltar sua importante participação na formação dos Estudos Culturais. Stuart Hall é

um pesquisador notadamente reconhecido, pois ao substituir Hoggard, de 1968-1979, se

1HOGGART. Richard. The Uses of Literacy. Londres: Chatto&Windus, 1957. [As utilizações da cultura: aspectos da vida cultural da classe trabalhadora. Lisboa: Presença, 1971], WILLIAMS, Raymond. CultureandSociety1780-1950. Londres: Chatto&Windus, 1958. [Cultura e Sociedade 1780-1950. São Paulo: Nacional, 1969]. THOMPSON, E.P.The Making of de English Working Class. Londres: Victor Gollanz, 1963. [A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.]

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tornou um dos principais nomes associados ao Centre for Contemporary Cultural Studies

(Birmingham). Hall incentivou “a investigação de práticas de resistência de subculturas,

exerceu uma função de ‘aglutinador’ em momentos de intensas distensões teóricas e

destravou debates teórico-políticos, tornando-se um ‘catalizador’ de inúmeros projetos

coletivos” (ESCOSTEGUY, ON-LINE, p.3).

Seguir na linha de raciocínio dos pensadores e das pensadoras dos Estudos Culturais

nos dará norte para entendermos o processo de conquista não só da visibilidade feminina

como estudiosas e teóricas sobre as dimensões de gênero, mas da presença significativa das

mulheres na produção cultural, tanto nas suas formas elitizadas como nos seus momentos

cotidianos, no consumo de bens ou na recepção de informações.

Autoras brasileiras como Ana Carolina D. Escosteguy e Maria ImmacolataVassallo de

Lopes2 avançam em relação às noções de Marx e encontram uma “nova perspectiva para

pensar o mundo a partir da complexa imbricação de questões de classe, raça e gênero,

adotando uma posição teórica que des-hierarquiza estas relações entre si” (ADELMAN, 2006,

p.3).

Escosteguy (2008, p.14-28) diz que “o campo de investigação para aqueles que se

interessam em estudar a comunicação sob uma perspectiva de gênero é, sem dúvida, um

grande desafio”. Para tanto, nos aprofundaremos no capítulo 1 deste trabalho e faremos um

levantamento das principais pesquisas que estão sendo desenvolvidas nesta linha, que cruza

comunicação/gênero/mídia.

No capítulo 2, nosso objetivo é tratar da relação Mídia e Religião no Brasil, e com o

aporte teórico de pesquisadores como: Leonildo Silveira Campos, Hugo Assmann, Viviane

Borelli, Paulo Rodrigues Romero e Magali do Nascimento Cunha, entre outros; nos

aprofundaremos no processo de crescimento dos evangélicos com a mídia.

Campos (2008, p.9-10) faz um levantamento histórico do campo religioso e sua

relação com a mídia ao qual teremos acesso no capítulo acima citado. A partir destas

informações preliminares, daremos uma atenção especial na inserção dos evangélicos na

2Maria ImmacolataVassallo de Lopes é professora titular da Escola de Comunicações e Artes da USP, e sua linha de pesquisa está relacionada à epistemologia, Teoria e Metodologia da Comunicação, Comunicação e Ficção Televisiva, objetivando analisar a construção da teleficção como gênero e narrativa popular, produção e recepção de telenovela. Algumas trabalhos da pesquisadora: LOPES, Maria Immacolata V. Recepção dos meios, classes, poder e estrutura, Comunicação e Sociedade, n0 23, 99-110, 1995. _________________. Estratégias metodológicas de recepção, Revista Brasileira de Comunicação/INTERCOM, vol.XVI, n02: 78-86, 1993.JACKS, Nilda. A pesquisa de recepção no Brasil: em busca da influência latino-americana, in Lopes, Maria Immacolata (org.) Vinte anos de ciências da comunicação no Brasil - Avaliação e perspectivas. São Paulo: Intercom/Unisanta,171-183, 1999.

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mídia radiofônica e televisiva, apontando os principais nomes e buscando entender essa longa

história de expansão e de mudanças no campo religioso.

Dentro deste cenário, destacam-se os trabalhos do pastor Romeiro (2004) que

contribui com suas pesquisas referentes ao movimento neopentecostal, preocupado que é com

os problemas doutrinários nas igrejas brasileiras; pesquisadores e teóricos como Cunha (2007)

a partir de suas pesquisas com viés comunicacional, cultural, teológico e religioso, relaciona o

crescimento das Igrejas Evangélicas e explica por que as Igrejas Evangélicas estão hoje mais

visíveis e crescentes. Bem como, seguimos a proposta do teólogo e educador Hugo Assmann

(1986) que foi precursor dos estudos da Teologia da Libertação, e também da abordagem e

pesquisa que fez no contexto no qual surgiu a igreja eletrônica, objeto desta dissertação.

O tema Gênero e Religião foi construído a partir da participação da autora da pesquisa

no Grupo de Estudos em Gênero e Religião Mandrágora/ NETMAL, espaço de reflexão e

diálogo nas diversas áreas de conhecimento sobre os temas feministas, sob orientação da Prof.

Dra. Sandra Duarte de Souza, do programa de Pós-Graduação em Religião da UMESP,

tornando conhecidas as seguintes bases teóricas e autoras: Joan Scott (1989) e Eni de

Mesquita Samara (1997) foram consideradas pioneiras nesta abordagem; bem como

historiadoras, a exemplo de Andréa Lisly Gonçalves (2006), que discutem também a categoria

gênero e propõem uma reflexão ao ressaltar a importância das relações de gênero e a história

das mulheres na análise dos processos históricos.

Como conceitos chaves para a categoria entendemos que a palavra gênero nos remete

imediatamente à ideia de masculino ou feminino, e como as palavras na maioria das línguas

têm gênero e não “sexo” as mulheres intelectuais sentiram a necessidade de se expressar por

meio de um instrumento metodológico. Buscavam, dessa forma, reforçar a ideia de que as

diferenças comportamentais entre homens e mulheres não eram dependentes do sexo, como

questão biológica, mas sim definidas pelo gênero, portanto, ligadas à cultura. Joan Scott é

uma historiadora que reflete para além dos usos descritivos do gênero, que não interpreta nem

atribui causalidade, e afirma que “gênero é apenas um conceito associado ao estudo das coisas

relativas às mulheres, mas não tem a força de análise suficiente para interrogar e mudar os

paradigmas históricos existentes” (SOIHET, 1997, p.65). A proposta teórica de Scott pode ser

dividida em duas partes: “[...] de um lado, o gênero é um elemento constitutivo de relações

sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos; de outro lado, o gênero é uma forma

pioneira de significar as relações de poder” (SOIHET, 1997, p.67).

As feministas americanas foram as pioneiras a defenderem a importância dos sexos,

dos grupos de gênero no passado histórico. A partir da década de 1980 a contribuição

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feminina para a construção da história da humanidade passou a ser destaque nas pesquisas

acadêmicas. O conceito de gênero tornou-se amplamente utilizado para caracterizar as

relações entre homens e mulheres.

Esta breve descrição dos conceitos e referências deste trabalho darão suporte para a

reflexão sobre o objeto em questão aqui trabalhado: Mídia, Religião e Gênero, presentes no

discurso televisivo do comunicador midiático missionário R.R.Soares.

1.5 Percurso metodológico

Para responder à problemática colocada e alcançar os objetivos deste estudo, optamos

por realizar a pesquisa por meio da análise de discurso de linha francesa, compreendendo-a

como o método mais adequado ao que propusemos ao trabalho.

Antes de iniciarmos qualquer análise ou até mesmo criar um protocolo de leitura,

precisaremos compreender os fundamentos da análise de discurso, apresentando as bases

teóricas e os procedimentos analíticos para a sua compreensão.

Vale ressaltar que um dos segmentos da pesquisa em comunicação que mais vem se

desenvolvendo desde a década de 80, seja para o conhecimento acadêmico, ou com vistas à

pesquisa de mercado, é o da prática analítica da Análise de Discursos (PINTO, 1999, p.7).

Devemos ter claro que os textos nunca são transparentes, o pesquisador e analista não

deve levar em conta somente o seu valor documental, “isto é considerá-lo como inocente e

transparente em relação ao universo apresentado, confiando na letra do texto, o que significa

tratá-los como independentes dos contextos, esquecendo-se de sua opacidade ideológica, que

a análise de discursos coloca em primeiro lugar” (PINTO, 1999, p.25).

Neste trabalho compreendemos a Análise de Discurso (AD) de linha francesa3,

tomando como fundador dos estudos Michel Pêcheux4. Foi ele quem estabeleceu a relação

3 Para efeito de conhecimento, a outra linha da análise do discurso refere-se à linha anglo-americana. O conceito de discurso empregado por ela oscila entre uma definição que opõe discurso e frase, como uma unidade linguística constituída por uma sucessão de frases, e uma definição de discursos como uso (jogos de palavras) da linguagem verbal em contextos determinados, herdada de Ludwig Wittgenstein. Seu campo preferencial de trabalho é a análise dos esquemas gerais de organização e dos processos de tomada da palavra, abertura e fechamento na conversação cotidiana, desenvolvida por sociólogos como Erwin Goffman, Harold Garfinkel, Emmanuel Schegloff e Harvey Sacks, que vem sendo empregadas em análises de entrevistas médicas [...] Estes trabalhos são especialmente importantes para a análise de discursos em geral, por incorporarem técnicas de análises de textos orais com suas características de empostação, entonação, pausas [...] O conflito entre estas duas tradições era, assim, inevitável. Mas a boa quantidade de massa crítica já produzida sobre a análise de discursos, aliada a desenvolvimentos teóricos relativos à contextualização das marcas formais encontradas na superfície textual trazem não só a possibilidade de uma conciliação entre as tradições francesa e anglo-americana, como a tornam bastante promissora em termos teóricos e metodológicos (PINTO, 1999, p.19-20).

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existente no discurso entre língua/sujeito/história ou língua/ideologia; portanto, quem segue

este princípio pode afirmar uma filiação com a AD da linha francesa.

Nos anos 60, a AD foi reconhecida como um modelo metodológico que, segundo

Maingueneau (1989), surgiu na década de 60, associada a uma tradicional prática escolar

francesa: a explicação de textos. Trata-se, portanto, de uma metodologia que privilegia a

interdisciplinariedade, já que articula pressupostos teóricos da Linguística, do Materialismo

Histórico e da Psicanálise (ORLANDI, 2012, p.19).

Orlandi explica que essa contribuição ocorreu da seguinte forma: da linguística

deslocou-se a noção de fala para discurso; do materialismo histórico emergiu a teoria da

ideologia; e finalmente da psicanálise veio a noção de inconsciente que a AD trabalha com o

de-centramento do sujeito5.

Segundo Orlandi (2012, p.19-20) para a análise de discurso:

a língua tem sua ordem própria mas só é relativamente autônoma (distinguindo-se da linguística, ela reintroduz a noção de sujeito e de situação na análise da linguagem; a história tem o seu real afetado pelo simbólico (os fatos reclamam sentidos); o sujeito de linguagem é descentrado pois é afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia.

Entende-se, pois, que a linguagem não poderá ser estudada fora dos quadros sociais,

visto que o processo que a constitui e seus sentidos são histórico-sociais; razão pela qual os

conceitos de condição de produção do discurso, de formação discursiva e de formação

ideológica são postulados pelos estudiosos da AD como sendo fundamentais para o estudo da

linguagem.

Orlandi (2012) esclarece que a AD trabalha com o sentido e não com o conteúdo do

texto6, um sentido que não é traduzido, mas produzido, e afirma que o corpus da AD é

4 Michel Pêcheux (1938-1983) é o fundador da Análise de Discurso que teoriza como a linguagem está materializada na ideologia e como esta se manifesta na linguagem. Ele concebe o discurso, enquanto efeito de sentidos, como um lugar particular em que esta relação ocorre. Pela análise do funcionamento discursivo, ele objetiva explicitar os mecanismos da determinação histórica dos processos de significação (LABEURB, ON-LINE). 5 Sobre a noção de sujeito recorremos às explicações de Brandão (2002, p. 49-50). A autora explica que para tratar de sujeito a noção de história é fundamental, pois marcado no espaço e no tempo, o sujeito é essencialmente histórico. E porque sua fala é produzida a partir de um determinado lugar e de um determinado tempo, à concepção de um sujeito histórico articula-se outra noção fundamental: a de um sujeito ideológico. Sua fala é um recorte das representações de um tempo histórico e de um espaço social. Dessa forma, o sujeito situa o seu discurso em relação aos discursos do outro. 6 É exatamente esse ponto que diferencia a AD da análise de conteúdo (AC), duas metodologias com mecanismos teórico-metodológicos bastante diferentes; diferenciá-las foge das intenções dessa dissertação.

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constituído pela seguinte formulação: ideologia + história + linguagem. A AD privilegia em

seus estudos a noção de sujeito e de interdiscursividade7, acrescentando a ambas as noções de

história e de ideologia. Assim, o sujeito é concebido como essencialmente histórico; razão

porque sua fala é sempre produzida a partir de um determinado lugar e de um determinado

tempo e, desse modo, a noção de sujeito histórico articula-se a de sujeito ideológico. Como

consequência, o que este sujeito fala sempre compreende um recorte das representações de

um tempo histórico e de um espaço social, tratando-se de um sujeito descentrado entre o eu e

o outro: alguém projetado num espaço e num tempo. Tal projeção faz com que esse sujeito

situe o seu discurso em relação aos discursos do outro. Para a autora, o outro compreende não

só o destinatário – aquele para quem o sujeito planeja e ajusta a sua fala no plano

intradiscursivo8 – mas também envolve outros discursos historicamente já costurados

(interdiscurso) e que emergem em sua fala.

Essa concepção de sujeito abarca a noção de alteridade: “um sujeito que luta para ser

uno mas que – na materialidade discursiva - é polifônico” (ORLANDI, 2012, p.35). Nesse

sentido, entendemos que a alteridade introduz tanto o conceito de história como o de

ideologia. Tal deslocamento do sujeito do discurso é tratado por Orlandi (2012) como

dispersão: a produção de um discurso heterogêneo por incorporar e assumir, pelo diálogo,

diferentes vozes sociais, relacionando o mesmo com o seu outro, de modo a reconhecer no

discurso a coexistência de várias linguagens em uma só linguagem.

Por conta desta definição, daremos no capítulo três deste trabalho uma atenção

especial aos conceitos de condição de produção do discurso, de formação discursiva e de

formação ideológica, considerados fundamentais para o estudo da linguagem.

7 Relação de um discurso com outros discursos. Para Maingueneau (1984, p.11 apud BRANDÃO, 2002, p.90) a interdiscursividade tem um lugar privilegiado no estudo do discurso: ao tomar o interdiscurso como objeto, procura-se apreender não uma formação discursiva, mas a interação sobre formações discursivas diferentes. Neste sentido, dizer que a interdiscursividade é constitutiva de todo discurso é dizer que todo discurso nasce de um trabalho sobre outros discursos. Para Orlandi (2012, p.33-34) o interdiscurso é todo conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido é preciso que elas já façam sentido. E isto é efeito do interdiscurso: é preciso que o que foi dito por um sujeito específico, em um momento particular se apague na memória para que, passando para o “anonimato”, possa fazer sentido em “minhas” palavras. 8 Por intradiscurso Charaudeau e Maingueneau (2006, p.290) explicam: Opõe-se intuitivamente o intradiscurso, relações entre os constituintes do mesmo discurso, a interdiscurso, relação desse discurso com outros discursos. Mas é necessário desconfiar de qualquer representação que faria do “interior” e do “exterior” dois universos independentes. As problemáticas do dialogismo ou da heterogeneidade constitutiva mostram que o intradiscurso é atravessado pelo interdiscurso;* ver formação discursiva, heterogeneidade mostrada/constitutiva, interdiscurso, pré-construido, texto (DICIONÁRIO DE ANÁLISE DO DISCURSO, 2006, p.290).

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1.6 Delimitações Metodológicas de Análise do Quadro Abrindo o Coração

Nesta pesquisa não pretendemos medir o fenômeno, mas sim compreendê-lo em sua

dinamicidade, por isso, a pesquisa qualitativa9 é o tipo mais adequado para a nossa proposta.

O processo de produção dos discursos sobre a mulher ocorre em um contexto social com

marcas históricas e atuais que geram comportamentos específicos dessas mulheres e uma

postura frente aos homens da igreja.

Acreditamos que o melhor método é o dialético10 porque ele aborda a dinâmica da

realidade. Para ele, a realidade está sempre em transformação, o que torna os fenômenos

finitos. Ao identificarmos os sentidos do discurso religioso pela análise de discurso, podemos

verificar se realmente os enunciados são reconhecidamente antifeministas e conservadores, e

de que forma eles constroem as representações da mulher evangélica.

A partir das reflexões da banca de qualificação da pesquisa foi indicado que o melhor

caminho seria trabalhar com um único quadro do programa Show da Fé, o que é denominado

“Abrindo o coração”. A indicação se justifica pelo fato de que são as mulheres as principais

ouvintes e telespectadoras do programa, que escrevem pedindo ajuda, conselhos, orações,

falam de seus problemas e o fazem de forma muito íntima, como se estivessem conversando

face a face com um amigo.

A leitura das cartas na seção Abrindo o Coração tem no máximo trinta segundos, e a

resposta do Missionário depende muito do conteúdo da carta, não passando de um minuto, em

média. São recebidas por volta de 60 a 100 cartas por mês que vem de diversas partes do

Brasil, e pela análise da região se observa que a maior demanda parte do nordeste. Cada

quadro do Abrindo o Coração contém a leitura de uma única carta.

9 Lakatos e Marconi esclarecem o que é conhecimento científico e as técnicas de pesquisa, entendendo que a pesquisa qualitativa é traduzida por aquilo que não pode ser mensurável, pois a realidade e o sujeito são elementos indissociáveis. Assim sendo, quando se trata do sujeito, levam-se em consideração seus traços subjetivos e suas particularidades. Tais pormenores não podem ser traduzidos em números quantificáveis. O desenvolvimento de um estudo de pesquisa qualitativa supõe um corte espacial-temporal de determinado fenômeno por parte do pesquisador. Este corte definirá o campo e a dimensão que o trabalho irá se desenvolver, isto é, o território mapeado. O trabalho de descrição tem caráter fundamental em um estudo qualitativo, pois é por meio dele que os dados são coletados (LAKATOS; MARCONI, 1986). 10 Dialética é a arte de dialogar, ou seja, de argumentar e de contra-argumentar, em relação a assuntos que não podem ser demonstrados. A dialética, portanto, restringia-se, nestes casos, a omissão de opiniões “[...] que poderiam ser consideradas racionais, desde que fundamentadas em uma argumentação consistente” (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2003, p.71). Há também outra forma de se entender o método dialético, que disciplina a construção de conceitos para diferenciar os objetos, e examiná-los, com rigor científico. Dessa forma, aquilo que se coloca perante o pesquisador como verdade, deve ser contraditado, confrontado com outras realidades e teorias, para se obter uma conclusão, uma nova teoria. Estudar o método dialético como raciocínio faz com que seja possível “[...] verificar com mais rigor os objetos de análise, justamente por serem postos frente a frente com o teste de suas contradições possíveis (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2003, p.72).

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O corpus de análise foi composta por programas veiculados pela TV e vendidos em

DVDs, no ano de 2011 e 2012. A análise é composta de 12 edições dos programas – uma por

mês - de um total de 240 programas, considerando que durante um mês são apresentados 20

programas, um para cada dia útil.

O critério de seleção para a escolha das cartas foi feito da seguinte forma: foi

solicitado à produção do programa Show da Fé uma cópia de todos os programas veiculados

neste período, de agosto de 2011 a julho de 2012. A partir disso, separamos os programas por

mês, sendo vinte para cada mês. Cada CD veio com uma etiqueta contendo o dia e a hora que

os programas foram ao ar. Isso nos ajudou a colocá-los na sequência de data. Ouvimos cada

CD para identificar qual a maior incidência de pedidos de oração, os mais recorrentes e quem

os solicitava. Elencamos por hierarquia quantitativa da seguinte forma: Casamento; Saúde;

Filhos; Finanças.

Feita a separação dos CDs por mês e, posteriormente, por incidência de assunto, fomos

decidindo por eliminatória, utilizando como critério para esta avaliação o discurso da

subjetividade11. Não foi difícil perceber que as cartas e, principalmente, as respostas seguem

um padrão, uma sequência de raciocínio. As cartas, a princípio, fazem a apresentação do

emissor, seguem relatando o problema vivenciado por ele/ela e finalizam com o pedido de

ajuda, solicitando uma orientação, um caminho, uma resposta da parte de Deus12. Já as

respostas iniciam com uma palavra pessoal, às vezes, com uma pergunta, um discurso

retórico13, e seguem com relatos da Bíblia, utilizando-se do interdiscurso, com exemplos

11 A noção de subjetividade nos estudos linguísticos foi retomada por Benveniste, que se preocupou em analisar o processo de reprodução de um enunciado, buscando nele detectar a manifestação do sujeito. Entendendo a enunciação como um processo de apropriação da língua para dizer algo. Para este autor, a subjetividade se daria por meio da capacidade de o locutor se posicionar no discurso e de propor-se como sujeito do mesmo. Essa subjetividade, fundada no exercício da língua, seria detectada no discurso por meio dos pronomes pessoais eu e tu, na medida em que tais pronomes apresentam a marca da pessoalidade (BRANDÃO, 2002, p.46-47).

12 Esta expressão “da parte de Deus” é encontrada várias vezes nas cartas. Percebe-se que as pessoas querem, sim, receber um conselho, mas não o conselho do homem falível; elas desejam receber a resposta de Deus. E o representante dele aqui na terra tem autoridade para falar em nome dEle. O Missionário é a pessoa - escolhida por aqueles que escrevem cartas para o programa direcionadas a ele - utilizada por Deus para transmitir o ensinamento ao seu povo, por isso o seu discurso tem autoridade e legitimidade. “Toda comunicação está fundada em uma confiança mínima entre os protagonizadores, e cabe a uma retórica narrativa, segundo o autor”, ‘determinar como a enunciação contribui para criar, no enunciatário, uma relação de confiança fundada na autoridade que o enunciador deve se conferir caso deseje convencer (HALSALL, 1998, p.244 apud AMOSSY 2005, p.21).

13 A retórica é a ciência teórica e aplicada do exercício público da fala, proferida diante de um auditório dubitativo, na presença de um contraditor. Por meio de seus discursos, o orador se reforça para impor suas representações, suas formulações e para orientar uma ação. A retórica foi definida pelos teóricos da Antiguidade e foi desenvolvida até a época contemporânea por um paradigma de pesquisa autônomo (DICIONÁRIO DE ANÁLISE DO DISCURSO, 2006, p.433).

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bíblicos de pessoas que superaram os problemas ou a atitude que tiveram diante de uma

questão parecida.

Então, optamos, pela priorização de respostas mais longas, que deram margem para

uma análise mais completa, tendo sido selecionados, então, as edições do quadro indicadas a

seguir (a transcrição do conteúdo de cada edição selecionada encontra-se nos anexos).

TABELA 1 - Programas selecionados para análise obedecendo a ordem de hierarquia: Casamento

CASAMENTO ANEXOS PROGRAMAS DATA/HORÁRIO DESCRIÇÃO

I 1 18 agosto 2011 - (sábado) – 18h IN 1:00:54 OUT

1:06:00

Mulher diz que não é casada e mora com um companheiro e só

tem derrotas II 2 18 setembro 2011 –

(sábado) 14h IN 1:10:20 OUT 1:12:37

Mulher foi transferida para outra cidade, está longe do marido. Sobre relacionamento íntimo

III 3 8 outubro 2011 (sábado) – 18h IN 1:05:54 OUT

1:08:32

Mulher está cansada do casamento ruim

IV 4 6 novembro 2011 – 14h IN 1:05:20 OUT 1:09:42

Mulher diz que marido a agride fisicamente, mas o ama

V 5 3 dezembro 2011 (sábado)- 14h IN 1:07:55 OUT

1:10:39

Mulher deprimida, terceiro relacionamento

VI

6 8 janeiro 2012 – (domingo)

9h IN 1:04:31 OUT

1:07:34

Fim do casamento, marido foi embora. Ela se culpa, diz que

foi inconsequente. Pede o marido de volta

TABELA 2 - Programas selecionados para análise obedecendo a ordem de hierarquia: Filhos

FILHOS ANEXOS PROGRAMAS DATA/HORÁRIO DESCRIÇÃO

VII 7 5 fevereiro 2012 (domingo)– 14h- IN 0:52:30 OUT 0:54:33

Mulher idosa pede pela vida dos filhos por não serem

salvos VIII 8 11 março 2012 (domingo)– 9h-

IN 1:05:55 OUT 1:06:58 Mulher pede pela vida da

filha que está com câncer

IX 9 17 abril 2012 (domingo)– 9h IN 1:04:11 OUT 1:05:25

Problema com filho que rejeita a mãe

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Tabela 3 - Programas selecionados para análise obedecendo a ordem de hierarquia:

Saúde

SAÚDE

ANEXOS PROGRAMAS DATA/HORÁRIO DESCRIÇÃO X 10 13 maio 2012 (domingo)–

11h IN 1:06:30 OUT 1:07:46 Sofreu acidente no trabalho e não consegue obter a cura de

Deus XI 11 17 junho 2012 (domingo)– 9h

IN 1:02:47 OUT 1:04:34 Mulher em depressão porque

a mãe faleceu

Tabela 4 - Programas selecionados para análise obedecendo a ordem de hierarquia: Finanças.

FINANÇAS

ANEXOS PROGRAMAS DATA/HORÁRIO DESCRIÇÃO XII 12 15 julho 2012 (domingo)– 9h

IN 1:07:43 OUT 1:08:59

Mulher reclama que já está com 38 anos e não conquistou

nada na vida.

1.7 Apresentação da Dissertação

Esta dissertação de mestrado está dividida em três capítulos, a saber:

Capítulo 1: Religião e Gênero: um olhar sobre o Pentecostalismo

Neste primeiro capítulo, se fez necessária uma descrição teórico-metodológica da

categoria gênero, a fim de se entender o papel da mulher no século XXI, devido às profundas

transformações que ela vem sofrendo ao longo das últimas décadas. Esta nova realidade

destaca a mulher e, consequentemente, a categoria de gênero. O olhar sobre o pentecostalismo

relaciona-se aos objetivos desta pesquisa que buscam estudar a representação da mulher no

discurso do programa Show da Fé, da Igreja Internacional da Graça de Deus, reconhecida

como parte do segmento pentecostal.

Capítulo 2: Pentecostalismo e Mídia: R. R. Soares e o Show da Fé

Neste capítulo, abordamos as distintas concepções sobre o que seja ou represente a

igreja eletrônica - as principais características deste fenômeno que se utiliza dos meios

eletrônicos, especialmente da TV. Tomaremos como objeto a Igreja Internacional da Graça de

Deus e a figura carismática do seu líder religioso, Missionário R.R Soares, por se tratar de

uma igreja que veicula seus programas religiosos na mídia eletrônica.

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Capítulo 3 - A Representação da Mulher no Programa Show da Fé: Uma análise de discurso.

O principal objetivo do capítulo é analisar o discurso do líder religioso Missionário

R.R.Soares, pastor presidente da Igreja Internacional da Graça de Deus proferido em resposta

às cartas do quadro Abrindo o Coração. Este quadro, Abrindo o Coração, é apresentado no

programa Show da Fé, carro chefe da emissora. A análise busca conhecer as muitas

representações do feminino encontradas nestas cartas vinculadas à mídia televisiva.

Com este estudo, nosso interesse é compreender como o discurso religioso proferido

pelo líder de uma igreja midiática que possui grande representação no meio evangélico é

transmitido para as mulheres das igrejas, onde se encontram as marcas que o caracterizam

como legítimo e de que maneira isso é feito. Por meio da Análise de Discurso (AD)

buscaremos as formações discursivas que caracterizam este discurso como autoritário e

patriarcal, legitimando, dessa forma, a dominação masculina.

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CAPÍTULO I

RELIGIÃO E GÊNERO: UM OLHAR SOBRE O PENTECOSTALISMO

Neste primeiro capítulo, se faz necessária uma descrição teórico-metodológica, a fim

de se entender o papel da mulher no século XXI, devido às profundas transformações que ela

vem sofrendo ao longo das últimas décadas. Esta nova realidade destaca a mulher e,

consequentemente, a categoria de gênero. O olhar sobre o pentecostalismo relaciona-se aos

objetivos desta pesquisa que buscam estudar a representação da mulher no discurso do

programa Show da Fé, da Igreja Internacional da Graça de Deus, reconhecida como parte do

segmento pentecostal.

1.1 Gênero e a questão da mulher

Primeiramente, é importante entender como, quando e por que surgiu a palavra gênero

como categoria de análise. Não é difícil notar o uso da palavra em diversos títulos de livros ou

artigos, mas não há uma reflexão aprofundada sobre o assunto, só pela data das publicações,

já podemos notar que este estudo é recente, portanto, há muito que se discutir e se entender

sobre ele.

Algumas autoras são consideradas pioneiras nesta abordagem, dentre elas, vamos

adotar a perspectiva de Joan Scott (1989) e Eni de Mesquita Samara (1997), pois suas

explicações são didáticas e abrangentes.

Falar da categoria gênero é a mesma coisa que falar de categorias de classe, raça/etnia.

Para nós, falantes da Língua Portuguesa, o gênero de uma palavra nos remete imediatamente à

ideia de masculino ou feminino, e como as palavras na maioria das línguas têm gênero e não

“sexo” as mulheres intelectuais sentiram a necessidade de se expressar por meio de um

instrumento metodológico. Buscavam, dessa forma, reforçar a ideia de que as diferenças

comportamentais entre homens e mulheres não eram dependentes do sexo, como questão

biológica, mas sim definidas pelo gênero, portanto, ligadas à cultura.

Joan Scott é uma historiadora que reflete para além dos usos descritivos do gênero,

que não interpreta nem atribui causalidade, e afirma que “gênero é apenas um conceito

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associado ao estudo das coisas relativas às mulheres, mas não tem a força de análise suficiente

para interrogar e mudar os paradigmas históricos existentes” (SOIHET, 1997, p.65).

A proposta teórica de Scott pode ser dividida em duas partes: “[...] de um lado, o

gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre

os sexos; de outro lado, o gênero é uma forma pioneira de significar as relações de poder”

(SOIHET, 1997, p.67).

Entendemos que, num primeiro momento, Scott procura clarear e especificar a

necessidade de repensar o gênero nas relações sociais e institucionais e, num segundo

momento, o gênero se tornou uma maneira eficaz de significar o poder.

Neste âmbito, estão os estudos recentes do uso do Gênero que acabaram virando

sinônimo de Mulher. Onde se lia "Mulheres", agora leia-se "Gênero". Essa utilização passa a

dar uma conotação mais objetiva e neutra e inclui as mulheres sem as nomear.

Outras teorias explicam o Gênero para sugerir que “as informações a respeito das

mulheres são necessariamente informações sobre os homens, que um implica o estudo do

outro” (SCOTT, 1989, p.3). Esse uso insiste na ideia de que o mundo de mulheres faz parte

do mundo dos homens, que ele é criado dentro e por esse mundo. Rejeita-se assim as esferas

separadas, as justificativas biológicas. O Gênero seria uma forma de indicar construções

sociais. Gênero seria, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo

sexuado (IDEM, 1989, p.2-4).

Usar Gênero assim pressupõe todo um sistema de relações que pode incluir o sexo,

mas que não é diretamente determinado pelo sexo nem determina diretamente a sexualidade.

As (os) historiadoras (es) feministas realizam abordagens sobre o Gênero que podem

ser resumidas em três posições teóricas:

1- Esforço inteiramente feminista que tenta explicar as origens do Patriarcado

(necessidade criada pelo macho de dominar as mulheres);

2- Discussões dentro da tradição marxista (a sexualidade é para o feminino o que o

trabalho é para o marxismo: o que nos pertence mais e, no entanto, nos é mais alienado);

3- Inspira-se nas várias escolas de Psicanálise para explicar a produção e a reprodução

da identidade de Gênero do sujeito.

Diante do exposto, chegamos à necessidade - e seguindo o conceito expresso por Scott

- de entender que o termo "gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado

nas diferenças percebidas entre os sexos, “[...] o gênero é uma forma primária de dar

significado às relações de poder" (SCOTT, 1989, p.4).

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Historiadoras como Andréa Lisly Gonçalves (2006) discutem também a categoria

gênero e propõem uma reflexão ao ressaltar a importância das relações de gênero e a história

das mulheres na análise dos processos históricos.

Segundo a autora,

a constituição da história das mulheres como campo de conhecimento histórico se processou em relação direta com a atuação do movimento feminista das décadas de 1960 e 1970, quando então surge na década de 1980 a categoria de gênero. Assim, apresenta alguns aspectos da relação entre os movimentos feministas e a história das mulheres, tomando a publicação de O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, até chegar ao que denomina de crise do movimento feminista e da história das mulheres, com A segunda etapa, de Betty Friedan. Ressalta, dessa forma, o surgimento dos estudos sobre a "condição feminina" e a multiplicação dos trabalhos acadêmicos sobre a história das mulheres, bem como as críticas que esses trabalhos receberam (GONÇALVES, 2006, p.9).

Existem diversas obras especializadas na trajetória do conceito de gênero, às quais

daremos atenção neste trabalho. Sinalizamos, até o momento, que o conceito de gênero diz

respeito a uma construção social, distanciado, portanto, de um determinismo biológico. A

sociedade é quem nos impõe regras, posturas, obrigações e deveres que expressam o que é ser

homem ou ser mulher numa dada cultura ou sociedade.

1.1.1 Ênfases nos estudos de gênero

É certo, como mostrado até aqui, que as mulheres conseguiram, à custa de muito

trabalho e coragem, reformular os paradigmas que as impunham um caráter de submissão e

sujeição e, desta forma, nos deparamos com as mulheres do século XXI, que ganharam espaço

no mercado de trabalho, se descobriram como sujeitos sociais e hoje compõem a metade da

população economicamente ativa, não só do Brasil, mas mundial. Mas esta realidade nem

sempre foi assim e entender este processo evolutivo também faz parte do escopo deste

trabalho.

Recuperando elementos da história, identificamos que na Grécia a mulher ocupava

uma posição equivalente à do escravo porque executava simplesmente trabalhos manuais,

extremamente desvalorizados pelo homem livre. Ser livre significava ser homem e não

mulher, ser ateniense e não estrangeiro, ser livre e não escravo. Sua principal função era a

reprodução da espécie humana, não somente gerando, amamentando e criando os filhos, mas

também cuidando de tudo o que dizia respeito à subsistência do homem: fiação, tecelagem,

alimentação. As ocupações fora de casa, por serem consideradas de maior valor, era coisa de

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homem. Às mulheres também era cerceado o direito ao estudo, sendo excluída do mundo do

pensamento, do conhecimento, tão valorizado pela civilização grega (ALVES; PITANGUY,

1983, p. 11-12).

E diante dessa realidade que outrora existiu, feministas tantos séculos depois

assumiram a postura incômoda de se indignar com o fenômeno histórico em que metade da

humanidade se viu milenarmente excluída nas diferentes sociedades, no decorrer dos tempos.

Elas acreditaram que essa condição, mesmo que universal, poderia ser transformada

radicalmente. O primeiro passo foi entender que a própria condição de ser mulher envolvia o

aprendizado de uma imagem de si que era depreciativa e constrangedora. Teles (1993, p.11)

afirma:

o feminismo é uma filosofia universal que considera a existência de uma opressão específica a todas as mulheres. Essa opressão se manifesta tanto em nível das estruturas como das superestruturas (ideologia, cultura e política). Assume formas diversas conforme as classes e camadas sociais, nos diferentes grupos étnicos e culturais.

Tal autora continua argumentando que o feminismo é um movimento político, que

questiona as relações de poder, a opressão e a exploração de grupos de pessoas sobre outras.

Contrapõe-se radicalmente ao poder patriarcal e propõe uma transformação social,

econômica, política e ideológica da sociedade. A teoria feminista contemporânea luta contra

uma série de desigualdades que colocam a mulher em condições desfavoráveis em relação ao

homem. Como exemplo, podemos citar: mulheres que lutam contra os casamentos violentos,

salários diferenciados que desvalorizam o trabalho das mulheres, leis repressivas contra a

homossexualidade e a falta de verbas para serviços sociais (TELES, 1993, p.11-12).

Este movimento ganhou força com as intelectuais, mas ele já existia anteriormente,

com a luta de mulheres de origem popular, como negras nos quilombos e trabalhadoras no

mercado de trabalho. Todas elas contribuíram consciente ou inconscientemente para que este

movimento ganhasse força, no intuito de mudar as imposições de uma ideologia patriarcal e

machista.

A produção historiográfica, na área das ciências sociais, cresceu muito nos últimos

anos. “A participação das mulheres na sociedade, na vida pública, nos movimentos sociais fez

com que o tema ganhasse notoriedade e abrisse novos espaços, especialmente depois de

implantada a categoria gênero” (MATOS, 1993, p.91).

O campo dos estudos de gênero no Brasil originou-se alimentado por teorias

feministas estadunidenses e europeias, como bem explicou Scott (1989). Isso explica uma

parte da sua constituição. Em meados da década de 70, a participação ativa de acadêmicos no

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movimento feminista brasileiro conferirá um contorno particular à produção de gênero no

país. E nas universidades também se experimentou um crescimento das mulheres envolvidas

como coordenadoras nos núcleos de estudo, gerando uma transformação nas pautas, que já

não podiam mais ficar alheias às necessidades das mulheres. Há, por parte dessas mulheres,

uma reivindicação no campo de investigações científicas, da metodologia tradicional e dos

marcos conceituais clássicos.

O primeiro desafio foi o de mostrar a mulher, torná-la visível dentro de uma história

cujas testemunhas pareciam ter sido exclusivamente masculinas. O momento de contar outras

histórias a partir de outros sujeitos.

É nesse contexto que as Ciências Sociais no Brasil começaram a desenvolver os

estudos sobre a mulher. O livro de Heleieth Saffioti, A mulher na sociedade de classes14, é o

precursor dos estudos de gênero no Brasil. Os escritos sobre a mulher começam a ganhar

visibilidade, num contexto mais amplo de questionamento dos paradigmas que, até então,

informavam a ciência. O cotidiano é tomado como categoria analítica, conferindo um novo

olhar às ciências sociais. As abordagens da década de 1970 e 1980 tratavam do trabalho

feminino, da sexualidade e do papel social das mulheres no âmbito familiar. Nas palavras de

Souza:

A história da mulher e os estudos sobre a mulher foram cedendo lugar aos chamados estudos de gênero. O que se escrevia sobre a mulher ainda estava fortemente marcado ou pela vitimização ou pela herotização. O que era insuficiente para tratar das complexas relações sociais de sexo. É neste contexto que surge a categoria gênero, com seu caráter relacional revela o processo de produção social dos sexos (SOUZA, 2004, p.3).

Gênero, então, tomada como um instrumento teórico-metodológico permite pensar a

sociedade não mais na sua oposição binária entre o masculino e o feminino. Este campo de

estudo sobre a mulher, voltado a entender o que se denominava condição de mulher, é

ampliado e dá origem aos estudos de gênero. Nisso consiste a importância da utilização dessa

categoria para o estudo da religião (SOUZA, 2004, p.2-4).

Até aqui entendemos que os estudos de gênero estão conseguindo encontrar o seu

lugar no campo das Ciências Sociais, mas no que diz respeito aos estudos de religião, esta

categoria ainda permanece marginalizada.

A incorporação de gênero como categoria analítica nos estudos de religião ainda é

recente no Brasil. A resistência é a mesma que se encontra em outras áreas de pesquisa,

14 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo: Quatro Artes, 1969.

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porque o processo de produção do saber envolve relações de poder, como raça/etnia, idade,

sexo etc.

A outra questão é prática. Por ter nascido nos estudos feministas desenvolveu-se a

ideia de que gênero era problema de mulheres. Os núcleos de estudo sobre gênero, as

disciplinas e toda produção do saber são majoritariamente coordenados por mulheres.

1.1.2 Estudos de Gênero e a comunicação

Com o objetivo de relacionarmos a temática de gênero à ênfase desta pesquisa - a

comunicação - e, particularmente, à comunicação midiática, destacamos aqui sua conexão

com a abordagem das culturas. No que se refere à categoria gênero e mídia, os Estudos

Culturais foram pioneiros nas pesquisas, em especial no campo dos estudos feministas.

Os Estudos Culturais nasceram na segunda metade do século XX com a criação do

Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS). Este centro foi criado pelo pesquisador

Hoggart (1964), lugar onde, segundo palavras de Hall “velhas correntes de pensamento são

rompidas, velhas constelações deslocadas, e elementos novos e velhos são reagrupados ao

redor de uma nova gama de premissas e temas” (HALL, 2003, p.123). Isso quer dizer que o

Centro passou a estudar as relações entre cultura contemporânea e sociedade, suas formas

culturais, instituições, práticas e mudanças sociais.

Três obras ajudaram a marcar essa nova fase, e três autores merecem ser citados:

Hoggart, Williams e Thompson. Os livros inicialmente foram considerados uma simples

atualização do mundo pós-guerra, mas depois se percebeu que havia considerações acerca das

mudanças em nossa vida social, política e econômica. Na pesquisa realizada por Hoggart, o

foco de atenção recai sobre a cultura popular e os meios de comunicação de massa, e mostra

que no âmbito popular não existe apenas submissão, mas também resistência. A contribuição

teórica de Williams também é fundamental para os Estudos Culturais porque traz um olhar

diferenciado sobre a história literária. Ele mostra que cultura é uma categoria-chave que une a

análise literária com a vida social. Para Thompson, pode-se dizer que ele influencia o

desenvolvimento da história social britânica de dentro da tradição marxista (HALL, 2003,

p.124-125).

Dentro destas contribuições, estes intelectuais preocuparam-se em construir um

conceito de cultura como um modo de vida, relacionado ao cotidiano. Escosteguy explica que:

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[...] para ambos, Williams e Thompson, cultura era uma rede vivida de práticas e relações que constituíam a vida cotidiana, dentro da qual o papel do indivíduo estava em primeiro plano. Mas, de certa forma, Thompson resistia ao entendimento de cultura enquanto uma forma de vida global. Em vez disso, preferia entendê-la enquanto um enfrentamento entre modos de vida diferentes (ESCOSTEGUY, ON-LINE, p.2).

Hoggart, Williams e Thompson formaram o trio fundante dos Estudos Culturais, mas

não menos importante é o intelectual jamaicano, Stuart Hall, que embora não tenha sido

citado como um dos fundadores do Centre for Contemporary Cultural Studies (Birmingham)

cabe ressaltar sua importante participação na formação dos Estudos Culturais. Stuart Hall é

um pesquisador notadamente reconhecido, pois ao substituir Hoggard, de 1968-1979, se

tornou um dos principais nomes associados ao Centre for Contemporary Cultural Studies

(Birmingham). Hall incentivou “a investigação de práticas de resistência de subculturas,

exerceu uma função de ‘aglutinador’ em momentos de intensas distensões teóricas e

destravou debates teórico-políticos, tornando-se um ‘catalizador’ de inúmeros projetos

coletivos” (ESCOSTEGUY, ON-LINE, p.3).

Além das práticas acima mencionadas, Hall fala sobre a constituição de “duas

interrupções críticas” construídas a partir de uma nova perspectiva teórica, que são as

contribuições da teoria feminista e dos estudos críticos sobre raça. Ele reconheceu que este

novo campo de estudos, os Estudos Culturais, sob a perspectiva feminista, apesar de render

novos diálogos, também exigiu muito trabalho, tensão e conflito:

Dada a importância crescente do trabalho intelectual feminino, bem como dos primórdios do movimento feminista no início da década de 70, muitos de nós no Centro – na maioria homens, é claro – pensamos que fosse o momento de introduzir trabalho feminista de qualidade nos estudos culturais. E tentamos realmente atraí-lo, importá-lo, fazendo boas propostas a intelectuais feministas de peso. Como seria de esperar, muitas mulheres nos estudos culturais não estavam interessadas neste projeto “magnânimo”. Abríamos as portas aos estudos feministas, como bons homens transformados. E, mesmo assim, quando o feminismo arrombou a janela, todas as resistências, por mais insuspeitas que fossem, vieram à tona – o poder patriarcal plenamente instalado, que acreditara ter-se desautorizado a si próprio (HALL, 2003, p.197).

Seguir na linha de raciocínio dos pensadores e das pensadoras dos Estudos Culturais

nos dará norte para entendermos o processo de conquista não só da visibilidade feminina

como estudiosas e teóricas sobre as dimensões de gênero, mas da presença significativa das

mulheres na produção cultural, tanto nas suas formas elitizadas como nos seus momentos

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cotidianos, no consumo de bens ou na recepção de informações, e por que não falar da vida

pública em geral?

Para Adelman (2006, p.2):

a teoria feminista e os estudos de gênero nascem como resultado de esforços que acontecem em diversos campos interdisciplinares e dialogam para o desenvolvimento dos campos mais tradicionais como a sociologia, a antropologia e a filosofia, assim como se faz presente nas metodologias e outros novos campos interdisciplinares, como os Estudos Culturais e os Estudos Latinoamericanos.

Autoras brasileiras como Ana Carolina D. Escosteguy e Maria Immacolata Vassallo de

Lopes avançam em relação às noções de Marx e encontram uma “nova perspectiva para

pensar o mundo a partir da complexa imbricação de questões de classe, raça e gênero,

adotando uma posição teórica que des-hierarquiza estas relações entre si” (ADELMAN, 2006,

p.3).

Escosteguy (2008, p.14) diz que “o campo de investigação para aqueles que se

interessam em estudar a comunicação sob uma perspectiva de gênero é, sem dúvida, um

grande desafio”, e afirma também que a presença de temáticas sobre os estudos de gênero na

pesquisa em comunicação no Brasil ainda é tímida, mas que no campo acadêmico vem

ganhando, aos poucos, visibilidade.

Para tanto, faremos um levantamento dos principais trabalhos que estão sendo

desenvolvidos nesta linha de pesquisa, que cruza comunicação/gênero/mídia. Este campo

amplo de debate tem motivado a participação de pesquisadoras e pesquisadores de vários

países, de perguntas que surgem dentro das academias e também por motivações pessoais.

Nosso primeiro destaque vai para a pesquisadora e professora Ana Carolina

Escosteguy15. Segundo suas palavras, como docente, ela afirma que em diversos momentos de

sua trajetória houve uma inquietação sobre as diferenças históricas estabelecidas entre homens

e mulheres na vida social. Dessa forma, ela organizou, com a ajuda de outras pesquisadoras16,

15 Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da FAMECOS/PUCRS, pesquisadora do CNPq. Trabalho de pesquisa desdobrado nos seguintes projetos: Os estudos culturais e a problemática da recepção: a categoria 'gênero' em debate (CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Brasil)) e Os estudos de recepção e as relações de gênero no Brasil, (FAPERGS - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul - Brasil) (LATTES, 2013, ON-LINE).

16As seguintes autoras contribuíram para a elaboração deste trabalho. São elas: Márcia Rejane Messa, publicitária e mestre em Comunicação pelo PPGCOM/PUCRS. Geovana D’abreu Alvarez, jornalista pela FAMECOS/PUCRS. Teresa Santana Miller, jornalista pela FAMECOS/PUCRS. Mariana Pires, jornalista, bolsista de iniciação científica, CNPQ, 2003 (CARTOGRAFIAS – WEBSITE DE ESTUDOS CULTURAIS, 2008, p.7).

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de igual modo comprometidas com a pesquisa na área de comunicação e gênero, um

mapeamento que compõe uma revisão da bibliografia. Este estudo foi dividido em dois

recortes17: a reconstituição da trajetória dos estudos feministas associados aos estudos de mídia, no contexto anglo-americano, via revisões de bibliografia recentes que circulam apenas em língua inglesa, e a apresentação de um inventário de teses e dissertações, realizadas em programas de pós-graduação em comunicação, no Brasil, no decênio 1992-2002, onde a temática gênero é a motivadora da pesquisa (ESCOSTEGUY, 2008, p.8).

Outros trabalhos18 da autora mostram sua preocupação em incorporar a categoria

gênero nos estudos da mídia, mais especificamente da mídia televisiva, com o olhar

direcionado na perspectiva da recepção, tomando a mulher como elemento-chave. Para isso, a

autora toma como pano de fundo o levantamento feito pelos pesquisadores McAnany e La

Pastina (1994): 19 que compila 26 estudos sobre a audiência de telenovelas realizados na América Latina entre 1970 e 199320, identificam-se treze que enfatizam o processo de interação entre a audiência com os textos mediáticos e sinalizam uma diversidade de significados construídos pelos receptores, isto é, tratam a recepção, de um modo geral, à luz de alguns pressupostos associados com a perspectiva dos estudos culturais (ESCOSTEGUY, 2002, p.4).

Há também estudos sobre televisão feitos pelas antropólogas Heloisa Buarque de

Almeida (2003) e Esther Hambúrger (2005) que demonstram a necessidade e a riqueza

analítica de incluir a dimensão de gênero na abordagem dos discursos midiáticos, sua

17 Na parte I está o que Escosteguy chama de Mapeamento com os seguintes artigos: Os estudos de gênero na pesquisa em comunicação; As identidades de gênero nos estudos brasileiros de recepção; Os Estudos Feministas de Mídia: uma trajetória anglo-americana. A parte II estão: Amor e solidão pelas ondas do rádio no Madre Pelletier; A televisão na rotina das presidiárias do Madre Pelletier. Na parte III estão: Está tudo certo com o sexo: as identidades de gênero na revista Vip; As mulheres só querem ser salvas: Produção, texto e recepção de Sex andthe City. Na parte IV encontram-se os roteiros de leituras e sites (ESCOSTEGUY, 2008, ON-LINE).

18 ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. Os estudos de recepção e as relações de gênero: algumas anotações. CIBER LEGENDA - Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, n.7, 2002.

19 Antonio C. La Pastina é professor associado no Departamento de Comunicação da Texas A&M University, em CollegeStation. Possui o título de Ph.D pelo Departamento de Rádio-TV-Cinema da Universidade do Texas em Austin. Seus interesses de pesquisa estão na recepção da mídia, a representação da alteridade na mídia e seu papel na cultura da diáspora, bem como as implicações da inclusão digital para as comunidades periférias. Dr. Emile G. McAnany foi professor de Comunicação na Universidade do Texas em Austin, onde lecionou por 17 anos. Antes, lecionou no Departamento de Comunicação da Universidade de Stanford 1972-1978, onde obteve seu Ph.D. em comunicação em 1971. Tem focado suas pesquisas sobre os impactos sociais e culturais de várias tecnologias de comunicação nos países de terceiro mundo, principalmente na América Latina.

20McANANY, Emile; LA PASTINA, Antonio. Pesquisa sobre audiência de telenovelas na América Latina: Revisão teórica e metodológica. In:Revista Brasileira de Comunicação/INTERCOM, vol.XVII, n. 2, p.17-37, 1994. (Nota da autora deste trabalho).

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produção e recepção. Ambas examinam a produção de discursos sobre questões de consumo,

o privado e o público, masculino e feminino etc. Neste sentido, Hamburger consolida uma

clara abertura para novas possibilidades do feminino, sem que isso implique numa verdadeira

problematização da discriminação de gênero, ainda profundamente arraigada na sociedade e

na cultura (ADELMAN, 2006, p.15).

É certo que, além destes pesquisadores e trabalhos citados, há também pesquisas feitas

fora do Brasil sobre os estudos de comunicação/gênero/mídia/mídia-religiosa. Nesta

perspectiva, citamos as pesquisas de: AUBRÉE, Marion. La vision de La

femmedansl’imaginairepentecotiste. In: Cahiers Du BrésilContemporain, 35-36. Paris:

CRBC, 1998, pp. 231-245; GROSS, Rita. Feminism and Religion, an introduction. Boston:

Beacon Press, 1996; GAUNTLETT, David. Media, Gender and Identity: na introduction.

London/ New York: Routledge, 2002; HERMES, Joke. Critical Vieweship. In: HERMES,

Joke. Re-reading popular culture.UK: Blackwell Publishing, 2005; sites Feminist Media

Studies; Genders online Journal; Theory.org.uk, e a revista CienciasSociales y Religión,

Asociación, de CientistasSociales de la Religión en el Mercosur. Esta revista recebe artigos

semestralmente e seu tema de pesquisa está relacionado à religião como área de Ciências

Sociais e Humanas21.

No diálogo entre comunicação e gênero, vale lembrar também as revistas de estudos

de gênero, dada a sua importância no meio acadêmico; dentre eles, ressaltamos a Revista

Mandrágora22.

Em 1994, um grupo de alunas da Pós-Graduação em Ciências da Religião do Instituto

Metodista de Ensino Superior publicou o primeiro número da Revista Mandrágora.

21 A religião se apresenta como um tema clássico de estudo e pesquisa na área das Ciências Sociais e Humanas. Sua longa duração histórica a torna um fato social diversificado e de grande atualidade, que exige aprofundamento e pesquisa constante. A Associação de Cientistas Sociais da Religião do Mercosul é hoje uma referência regional e continental na área dos estudos da religião, tendo em seu periódico, CienciasSociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, um importante veículo de divulgação de pesquisas realizadas por seus sócios sobre o campo religioso nos países da América Latina e/ou sobre a religião de populações de migrantes latino-americanos em outros continentes. Tendo sido criada em 1999, CienciasSociales y Religión/Ciências Sociais e Religião têm mantido sua periodicidade sem interrupção (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL, ON-LINE). 22 A Revista Mandrágora é uma publicação do Grupo de Estudos de Gênero e Religião Mandrágora/NETMAL - do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, que desenvolve pesquisas interdisciplinares na área de Gênero e Religião, abordando temas como: Religião, Direitos Reprodutivos e Aborto; Estudos Feministas e Cristianismo; Gênero, Cultura e Religião; Direitos Reprodutivos; Religião e Ética; Religião e Homossexualidade; Ecofeminismo: Tendência e Debates; Gênero, Violência e Religião; História, Gênero e Religião; Gênero e Religião: um caleidoscópio de Reflexões; Gênero, Religião e Modernidade; O Imaginário Feminino da Divindade e Gênero, Religião e Masculinidades; Gênero, Religião e Políticas Públicas; Gênero, Fundamentalismo e Religião (UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO, ON-LINE).

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Participantes ativas do Núcleo de Estudos Teológicos da Mulher na América Latina –

NETMAL, essas mulheres decidiram iniciar uma publicação que permitisse o

entrecruzamento de gênero e religião.

Mandrágora conta com a colaboração de pesquisadoras e pesquisadores da UMESP

(Universidade Metodista de São Paulo) e de outras universidades do Brasil e de outros países.

São teólogas/os, biblistas e cientistas sociais que se revezam na produção de textos

direcionados tanto para a academia quanto para o movimento de mulheres. A revista é anual,

quase autossustentável, tem uma tiragem de 700 exemplares e aborda temas de ponta como

religião, direitos reprodutivos e aborto; estudos feministas e cristianismo; gênero, cultura e

religião; religião e ética; religião e homossexualidade; ecofeminismo: tendências e debates;

história, gênero e religião; violência, gênero e religião (SOUZA, 2004, ON-LINE).

Há, também, a Revista de Estudos Feministas (REF). Esta é uma das mais importantes

no campo dos estudos de gênero e do feminismo na América Latina. Criada em 1992, a

revista conta com dez indexadores internacionais e é reconhecidamente uma referência de

grande prestígio entre pesquisadoras, professoras e estudantes.

Em sua pesquisa, A Revista Estudos Feministas faz 10 anos, Um Breve Histórico do

Feminismo no Brasil23, a pesquisadora Grossi (2004, p.211-213) nos traz um panorama do

momento em que surge a Revista Estudos Feministas no Brasil. Ela explica que sua criação

foi idealizada, em 1990, durante um seminário histórico Encontro Nacional de Núcleos de

Estudos sobre mulher e gênero promovido pelo Núcleo de Estudos da Mulher da USP, em

março de 1991, organizado por Eva Blay24, que começaram as reflexões sobre a publicação

de uma revista. Em 1992, é publicada a Revista Estudos Feministas. Grossi explica que o

campo de estudos de gênero no Brasil também se fez através de apoios institucionais:

23GROSSI, Miriam Pillar. A Revista Estudos Feministas faz 10 anos - Uma Breve História do Feminismo no Brasil. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, n. 12, p. 211-221, set/dez, 2004 (REVISTA ESTUDOS FEMINISTAS, 2004, ON-LINE) .

24Pós-Doutora pela EcoledesHautesEtudesenSciencesSociales, EHESS, França. Doutora em Sociologiapela Universidade de São Paulo (USP), Professora titular da USP, Diretora Científica do Núcleo de Estudos daMulher e Relações Sociais de Gênero da USP, Membro associado da Third World Organization for Women inScience, Assessora AD Hoc da FAPESP, CNPq, CAPES e Fundação Carlos Chagas, e Membro da AssociaçãoInternacional de Sociologia. Autora de mais de quarenta textos, entre artigos científicos e capítulos de livros,e autora e/ou organizadora de cerca de quatorze obras, entre elas, Mulheres na USP: Horizontes que se abrem(2004), igualdade de Oportunidades para as mulheres (2002) e Oficina dos Direitos da Mulher (2001). (REVISTA ESPAÇO ABERTO, ON-LINE).

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A Fundação Ford, por exemplo, em parceria com a Fundação Carlos Chagas, teve um papel fundamental no desenvolvimento dos estudos de gênero no Brasil. Durante 20 anos (de 1978 a 1998), duas centenas de novos pesquisadores foram apoiados pelo importante concurso de dotações para pesquisa sobre mulher e gênero. Neste mesmo período desenvolveu-se a pós-graduação no Brasil e consolidaram-se importantes grupos de trabalho sobre mulher e gênero nas principais associações científicas das ciências humanas e da área de letras. Em 1992, quando a REF é criada, há, portanto no Brasil, uma sólida tradição de pesquisa sobre mulher e gênero (GROSSI, 2004, ON-LINE, p.213).

A REF possui periodicidade quadrimestral, tendo publicado vinte e dois volumes, com

uma média de 250 a 300 páginas cada um. Diniz e Foltran (2004) fizeram uma pesquisa para

saber o perfil das autoras e dos temas dos artigos publicados na REF de 1992 até 2002. Os

resultados da análise mostram que 95% das autoras são mulheres, ou seja, há poucos homens

no campo dos estudos de gênero, e estes que escreveram o fizeram a partir de uma perspectiva

das questões masculinas e sobre assuntos com um recorte de masculinidade. Os assuntos mais

discutidos foram nesta ordem: divisão sexual do trabalho, análise literária, reprodução e teoria

feminista.

Como parte deste mapeamento, a revista Pagu também merece ser referenciada. O

nascimento da revista se deu com as pesquisadoras Adriana Piscitelli, Elisabeth Lobo, Mariza

Corrêa e Margareth Rago, elas foram as primeiras componentes do grupo de estudos que,

mais tarde, viria a se tornar um grupo de pesquisa. Depois da participação no seminário Uma

Questão de gênero, que reuniu intelectuais feministas de todo o mundo - vale citar os nomes

de: Heleieth Saffioti, Celi Pinto, Eva Blay, Maria Luiza Heilborn, Eleonora Menicucci de

Oliveira, Albertina de Oliveira Costa, Cristina Bruschini, Elisabeth Lobo, Lia Zanotta, Lena

Levinas eram algumas das brilhantes acadêmicas presentes. Depois deste encontro, não tardou

a ser criado na Unicamp o Núcleo de Estudos do Gênero Pagu, nome, aliás, sugerido por

Elisabeth Lobo. As pesquisas, seminários, palestras não cessaram mais e, desde então, a

revista, que leva o nome de Cadernos Pagu, tem sido referência nesta área de comunicação e

gênero (RAGO, 1998, ON-LINE, p.1-2).

1.2 O discurso da dominação masculina

Não é possível tratar da categoria gênero, sem lançarmos nossa atenção para a

dominação masculina ou o sexo da dominação. Nessa abordagem importa uma referência a

Pierre Bourdieu (1998) e sua teoria do poder.

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Um dos esforços de Bourdieu é o de explicitar os mecanismos que fazem com que os

indivíduos vejam como naturais as representações ou as ideias sociais determinantes,

entendendo a dominação masculina, nesse caso, como algo dado, que está presente no

processo evolutivo do ser humano. Neste sentido, a dominação do homem sobre a mulher é

exercida por meio de violência simbólica25, compartilhada inconscientemente entre

dominador e dominado, determinado pelo habitus26.

Até aqui já temos muitas questões que podem ser levantadas. Entender, por exemplo,

que o algo dado pode ser chamado de doxa27. A ordem é de alguns, mas funciona como se

fosse para todos, é uma ordem construída. E por ser produto humano está sujeito à

desconstrução, desnaturalização, algo a ser criticado, debatido.

E a noção de habitus, tão cara para Bourdieu, é a explicitação dos mecanismos

naturalizantes, que fazem as pessoas fazerem o que fazem, serem o que são e sentirem da

maneira como sentem.

Bourdieu (1998, p.24) estabelece a dominação de gênero no centro da economia das

trocas simbólicas. Na sua análise, a constatação de que essa prática está corporificada,

fazendo vítimas tanto a mulheres quanto a homens. O corpo é, portanto, “o lugar onde se

inscrevem as disputas de poder, é nele que o nosso capital cultural está inscrito, é ele a nossa

primeira forma de identificação desde que nascemos – somos homens ou mulheres. E o nosso

sexo decide se seremos dominados ou dominantes”.

25O conceito de violência simbólica foi criado pelo pensador francês Pierre Bourdieu para descrever o processo pelo qual a classe que domina economicamente impõe sua cultura aos dominados. Bourdieu, juntamente com o sociólogo Jean-Claude Passeron, partem do princípio de que a cultura, ou o sistema simbólico, é arbitrária, uma vez que não se assenta numa realidade dada como natural. O sistema simbólico de uma determinada cultura é uma construção social e sua manutenção é fundamental para a perpetuação de uma determinada sociedade, através da interiorização da cultura por todos os membros da mesma. A violência simbólica expressa-se na imposição "legítima" e dissimulada, com a interiorização da cultura dominante, reproduzindo as relações do mundo do trabalho. O dominado não se opõe ao seu opressor, já que não se percebe como vítima deste processo: ao contrário, o oprimido considera a situação natural e inevitável (REVISTA ELETRÔNICA DE CIÊNCIAS, ON-LINE).

26Entende-se habitus como o produto de um aprendizado social. Aprendizado longo, sistemático. A pessoa reproduz automaticamente de tão inerente, introjetado. Peter Berger (1978) fala da legitimação cognitiva em seu livro: A Construção Social da Realidade: Tratado de Sociologia do conhecimento. Trad. Floriano Fernandes, Rio de Janeiro: Vozes, 4 ed. 1978, 247 pp. 27Doxa - Em grego significa opinião, juízo, ponto de vista, crença filosófica e também a fama, a glória humana (DICIONÁRIO MICHAELIS, 1998)

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Essas representações de sexo produzidas pelo capital simbólico28 é o quase consenso

de que a mulher é o ser menos capaz, o sexo frágil que precisa a todo tempo de um protetor,

ainda hoje relegada ao seu papel de reprodutora, enquanto a virilidade e os atributos

considerados masculinos como forte e protetor são dedicados aos homens. Assim, as

construções simbólicas partem do pressuposto que o homem é a norma, formando a

consciência de uma realidade objetivada. Por exemplo, a cozinha como sendo o lugar da

mulher, a maternidade como algo natural e a paternidade como um dado cultural. Essas

questões nos fornecem o nosso modo de viver a realidade, como se estas não pudessem ser

transformadas. É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os “sistemas simbólicos” cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo, assim, segundo a expressão de Weber, para a ‘dominação dos dominados’ (BOURDIEU, 1998, p.11).

Mariza Correa (1999) defende uma postura diferente de Bourdieu e faz muitas críticas

a este autor. Para ela, Bourdieu excluiu a história das mulheres, escreveu como se não

houvesse existido nenhuma possibilidade das mulheres exercerem poder, o que relativizaria o

poder do homem, recusando a ideia de uma dominação passiva. Em Bourdieu a história da

resistência não aparece, a dominação é universalizante.

Correa (1999, p.7-8) diz que o campo de estudos feministas para Bourdieu só merece

dois tipos de menção: “ou as feministas não sabem o que fazem – e este livro foi escrito para

mostrar-lhes o caminho da verdade, ou estão tão contaminadas pela lógica da dominação

masculina que suas análises são simples réplicas do mesmo esquema classificatório de

sempre”.

Correa defende o fato de as mulheres exercerem domínio no cotidiano, nos bastidores,

escapando da dominação e criando elas mesmas o movimento da história. Já Bourdieu não

reconhece as interrupções nos processos históricos, ele parte do macro para entender o micro.

Esta é uma das principais críticas feitas a este autor.

28 Capital Simbólico é um conceito utilizado por Bourdieu que diferentemente das outras modalidades de capital, não é imediatamente perceptível como tal. O capital simbólico é, a grosso modo, uma medida do prestígio e/ou do carisma que um indivíduo ou instituição possui em determinado campo. Deste modo, a partir desta marca quase invisível de distinção, o capital simbólico permite que um indivíduo desfrute de uma posição de proeminência frente a um campo. Como ele é um tipo de capital cuja posse permite um (re)conhecimento imediato da dominação do elemento que o possui sobre os demais elementos do campo, o capital simbólico é assim o instrumento principal da violência simbólica, ao impor seu peso sobre os que não o possuem ou o possuem em quantidades inferiores em um dado campo (CUNHA, 2007, ON-LINE).

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As análises de Bourdieu a respeito da universalidade da dominação masculina

mostram que ele se utiliza da lógica ocidental, ou seja, categorias de oposição binária que as

feministas têm se empenhado em “exorcizar”, como: sujeito/objeto; público/privado;

nós/outros e, por fim, masculino/feminino. A estrutura linguística é baseada em dicotomias e

estes signos nos fazem pensar a realidade formada sempre em pares que se opõe entre si. É

com esta base que a igreja, a educação, a ciência, a política tomam a forma de uma oposição

binária.

Quando falamos sobre gênero Scott (1989) afirmou que a tal dicotomia faz parte da

dinâmica da dominação, e que mexer nessas estruturas pode fazer ruir um sistema inteiro.

Afirma:

O gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o poder político foi concebido, legitimado e criticado. Ele se refere à oposição masculino/feminino e fundamenta ao mesmo tempo seu sentido. Para reivindicar o poder político, a referência tem que parecer segura e fixa fora de qualquer construção humana, fazendo parte da ordem natural ou divina. Desta forma, a oposição binária e o processo social das relações de gênero tornam-se, os dois, parte do sentido do poder, ele mesmo. Colocar em questão ou mudar um aspecto ameaça o sistema por inteiro (SCOTT, 1989, p. 27).

Historicamente, a dominação masculina configurou-se numa cultura denominada

patriarcal29. Considera-se que a sociedade patriarcal teve início na Grécia Antiga, onde a

mulher basicamente era objeto de satisfação masculina e “terminou” com a Revolução

Francesa objetivada na igualdade entre os sexos. Falar de patriarcalismo não é algo simples,

há que se entender a maneira como ele foi concebido dentro da história.

Pereira (1916) explica que o patriarcado surgiu, muito provavelmente, da divisão das

tarefas nos tempos primitivos. A maternidade tirava das mulheres a capacidade física, pois

passavam pelo processo gestacional e depois precisavam amamentar seus filhos, e também o

fato de os povos deixarem de ser nômades e domesticarem seus animais levou à criação de

uma economia, e ao conceito de propriedade privada, em vez de comunitária. Isso foi

determinante para a subordinação econômica da mulher, sobretudo porque à mulher coube a

responsabilidade de dar continuidade à herança do homem, através dos filhos. As

propriedades eram transmitidas de pai para filho e as mulheres não tinham quaisquer direitos.

Reminiscências dessas épocas são os costumes do dote, ou seja, a mulher passava a fazer

29 Patriarcado: sm (patriarca+ado), dignidade ou jurisdição do patriarca; exercícios das funções de patriarca; regime em que o chefe de família ou patriarca tinha poder absoluto em sua casa, resumindo toda instituição social de certas épocas da Antiguidade; patriarcalismo; diocese dirigida por um patriarca (DICIONÁRIO MICHAELIS, 1998).

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parte da família do seu marido, ou dos ornamentos em ouro que nos tempos antigos

consistiam na sua única defesa, dado que a propriedade era exclusivamente masculina. O

domínio dos homens sobre as mulheres chegou a tal ponto que a eles era dado o direito de

preservar ou retirar a vida (IDEM, 1916, p.11-30).

Uma síntese do que seja patriarcado e cultura patriarcal é dada por Santos (1993, ON-

LINE, p.1):

não há natureza humana assexuada; há homens e mulheres e, para alguns, outros sexos. Falar de natureza humana sem falar na diferença sexual é ocultar que a “metade” das mulheres vale menos do que a dos homens. Sob formas que variam conforme o tempo e o lugar, as mulheres foram consideradas como seres cuja humanidade é problemática (mais perigosa ou menos capaz) quando comparada com a dos homens. À dominação sexual que este preconceito produz chamamos patriarcado e ao senso comum que o alimenta e reproduz, cultura patriarcal.

Maturana (2009, p.47) explica que “os exemplos de supremacia feminina em

sociedades antigas não podem ser descritos como matriarcal já que essa importância e esse

poder nunca foram utilizados para dominar o outro sexo”. Existem autores que defendem a

existência de sociedades antigas que seguiam modelos mais igualitários e menos patriarcais,

chamadas culturas matrísticas30. A maior parte das sociedades desenvolvidas da atualidade

segue o modelo do patriarcado, apesar de as leis internacionais e nacionais promoverem cada

vez mais a igualdade de direitos e deveres entre os seres humanos.

A cultura patriarcal está baseada no entendimento que o homem é a maior autoridade,

e aqueles que não estão no mesmo nível - adultos e do sexo masculino - são subordinados a

eles e a eles prestam obediência. Dessa forma, as relações entre as pessoas são desiguais e

hierarquizadas. No poder Patriarcal, quem decide e estimula essas desigualdades é o patriarca,

é ele quem detem o poder e tem a autoridade, a pessoa mais importante que impõem suas

vontades, o que justifica tanto o seu lugar de superioridade quanto o lugar de subordinação.

Maturana (2009, p.53) diz que:

o patriarcado surgiu como uma mudança na configuração dos desejos que definiam nosso modo de coexistência em meio a um viver matrístico. Só uma nova modificação na configuração de nossos desejos, em nossa coexistência, pode levar-nos a uma transformação que nos tire do patriarcado. E ela só nos poderá acontecer agora se assim o quisermos.

30Conversações matrísticas e patriarcais é o primeiro capítulo do livro de Humberto Maturana e GerdaVerden-Zoller (1993), intitulado Amar e Brincar: Fundamentos esquecidos do humano, traduzido e publicado no Brasil pela Palas Athena Editora: São Paulo, 2009, citado nas referências bibliográficas deste trabalho.

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Religiões tão diversas como o cristianismo, o islamismo, judaísmo e o hinduísmo

foram determinantes para o aparecimento e continuidade do patriarcado. Na maior parte das

religiões, existem fundamentos que sustentam que as mulheres foram criadas por Deus para

servirem os homens e gerarem filhos (cristianismo ou judaísmo), ou que sendo mais

erotizadas do que os homens tinham de ser controladas de forma que não impedissem a busca

masculina da espiritualidade.

Santos (1993, ON-LINE, p.1), explica que: A cultura patriarcal vem de longe e atravessa tanto a cultura ocidental como as culturas africanas, indígenas e islâmicas. Para Aristóteles, a mulher é um homem mutilado, e para São Tomás de Aquino, sendo o homem o elemento ativo da procriação, o nascimento de uma mulher é sinal da debilidade do procriador. Esta cultura, ancorada por vezes em textos sagrados (Bíblia e Corão), tem estado sempre a serviço da economia política dominante que, nos tempos modernos, tem sido o capitalismo e o colonialismo.

O movimento feminista, ao analisar a desigualdade social que acomete as mulheres,

tem feito diversas críticas ao patriarcado, pregando a necessidade de sua eliminação para que

a desigualdade entre homens e mulheres seja superada.

Há muito que se falar sobre o patriarcalismo e a dominação masculina, o que demanda

mais profundidade para entender esta relação de poder e dominação. No que diz respeito a

esta pesquisa queremos ressaltar que o nosso cotidiano é formado pela dominação de gênero,

que em meio às nossas atividades triviais, a situação privilegiada do homem aparece como

algo natural, mas precisaremos entender também que devido às mudanças sociais ocorridas

nas últimas décadas, as mulheres não podem mais ser vistas como vítimas ou abnegadas à sua

condição de sujeito em favor das relações de poder. Para isso “o conceito de gênero foi

criado, com a finalidade de deslocar o foco das relações entre os homens e mulheres para o

social, antes concebidas no âmbito biológico e tidas como naturais” (SCOTT, 1989, p.11).

1.3 Gênero nas igrejas ao longo da história

Neste momento, o nosso interesse é entender como o patriarcalismo foi introjetado na

nossa cultura, e de que forma ele se faz presente até os dias de hoje, especificamente nas

igrejas tidas como protestantes, e mais particularmente nas pentecostais relacionadas ao

objeto desta pesquisa.

A realidade nos mostra que o patriarcalismo ainda prevalece, mesmo que

inconscientemente na sociedade, incluídas as igrejas. A raiz do patriarcalismo está fincada

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desde a era primitiva quando o homem se reconheceu como doador da vida, sendo a mulher

simplesmente um meio utilizado para o nascimento de uma vida.

É salutar saber que a ideologia patriarcal não atinge apenas o relacionamento entre

homens e mulheres, mas recai sobre toda a história da humanidade. A ideia de um líder ou de

uma figura centralizada, seja um pai ou marido, um padre ou um pastor, afeta os valores, o

desempenho dos papéis e as formas de organização das instituições.

Um dos pilares de sustentação do patriarcalismo no mundo ocidental fica evidente na

religião, particularmente na cristã que é predominante. As passagens bíblicas que submetem a

mulher ao homem são muitas. Podemos aqui citar uma das mais conhecidas: Adão e Eva no

jardim do Eden, onde Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, mas a mulher foi feita

da costela do homem (GÊNESIS 1.1).

Sendo assim, a mulher não provém do divino, mas passou a existir a partir do homem.

E não somente isso, Eva comeu o fruto proibido e ofereceu a Adão. A partir daí, o mundo se

dividiu entre bom e mau. À mulher coube o fardo da culpa por ter expulsado toda humanidade

do paraíso (MURARO, 2000, p.65-68).

Hoje, muitos relacionamentos são baseados em mandos e desmandos e são

naturalmente aceitos e justificados, e sobre isso Muraro nos explica que: A opressão não é natural, ela é fabricada pelo sistema para que exista a hierarquia. É natural que uns nasçam para ser escravos e outros nasçam para ser senhores. É natural que a mulher seja inferior ao homem. É natural que uns povos sejam escravizados. E assim vai se naturalizando a opressão (MURARO, 2000, p.36).

A história nos prova que as religiões não têm protagonizado mudanças sociais quanto

à subordinação das mulheres. E o que se vê é o poder de intervenção que as igrejas têm no

seio familiar e, consequentemente, na vida da mulher que é o tempo todo ensinada a ser boa

mãe, esposa zelosa e uma mulher virtuosa31.

A religião atuou e atua legitimando uma cadeia de dominação baseada no poder

patriarcal “aconselhando as mulheres a continuarem em seus casamentos minados pela

violência doméstica; a se submeterem aos mandos e desmandos de seus maridos; a

perseverarem como boas mães, a não se conceberem como sujeitos com direito ao sexo pelo

prazer” (SOUZA, 2009, p.48).

31Mulher virtuosa é a expressão utilizada nos escritos bíblicos para fazer referência às mulheres submissas aos seus maridos, boas mães, mulheres zelosas e dedicadas ao lar, sendo que nascer mulher é um fato; ser uma mulher virtuosa é ser mulher na sua excelência. Vários versículos bíblicos podem ser citados, dentre eles: “A mulher sábia edifica sua casa, e a insensata com as próprias mãos a derruba”. Provérbios 14.1, e o mais conhecido Provérbios 31”Mulher virtuosa quem a achará? O seu valor muito excede ao de finas joias [...]”.

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Em suas pesquisas sobre Religião e Gênero, Sandra Duarte (2004, on-line), explica

que:

[...] no Brasil a religião ocupou um lugar marginal e de importância secundária na academia. Esta resistência sofre a influência da herança que nos deixou o positivismo e sua aversão quase religioso-fundamentalista ao tema.

Por conta da expansão religiosa no Brasil, as academias viram a necessidade de

estudar este fenômeno e, hoje, seu estudo não se “restringe mais à abordagem intelectual-

orgânica das instituições religiosas, mas ao reconhecimento e a relevância da religião como

significativo objeto de análise sociológica”, pois para estudar religião é preciso entendê-la,

antes de tudo, como uma construção sociocultural. “Discutir religião é discutir transformações

sociais, relações de poder, de classe, de gênero, de raça/etnia etc” (IDEM, 2004, on-line)32.

Segundo Souza:

Este fenômeno não é estático, ao contrário, está em constante mutação, e se por um lado há um consenso nas Ciências Sociais sobre a importância do fenômeno religioso como dinamizador da sociedade, por outro, parece que a abordagem desse objeto tem dado pouca atenção aos aspectos de gênero que a envolvem (SOUZA, 2004, on-line).

Nos estudos de religião, as mulheres ainda não ocuparam o seu espaço, uma vez que

essa interlocução ainda é predominantemente feita com os homens e para os homens.

O que não se pode, apesar da presença minoritária das mulheres nos estudos da

religião, é deixar de reconhecer a importância do gênero para este estudo, sendo que, “a

religião exerce uma importante função de produção e reprodução de sistemas simbólicos que

têm influência direta sobre os sexos” (SOUZA, 2004, on-line).

É certo que as últimas duas décadas do século XX foram marcadas por importantes

transformações quantitativas e qualitativas no campo religioso brasileiro. Segundo dados do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Censo de 2010:33

Os evangélicos foram o segmento religioso que mais cresceu no Brasil no período intercensitário. Em 2000, eles representavam 15,4% da população. Em 2010, chegaram a 22,2%, um aumento de cerca de 16 milhões de pessoas (de 26,2 milhões para 42,3 milhões). Em 1991, este percentual era de 9,0% e em 1980, 6,6%.

32 O livro que marca esta passagem é de Cândido Procópio Ferreira. CAMARGO. Cândido Procópio Ferreira de. Católicos, Protestantes, Espíritas, Petrópolis, Vozes, 1973.

33 Informação retirada do site do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgado em 29 junho 2012, em matéria: Censo 2010: o número de católicos cai e aumenta o de evangélicos, espíritas e sem religião.

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É preciso lembrar que os evangélicos encontram-se entre os grupos religiosos que

apresentam as maiores taxas de fiéis do sexo feminino. Para sermos mais precisas, a

“proporção das mulheres - 56% - é superior em cinco pontos percentuais à representação

feminina na população brasileira 51%, perdendo somente para os espíritas, onde as mulheres

representam 59,7% do grupo” (MACHADO, 2005, p.2). A professora Cecilia Loreto Mariz

(201O, ON-LINE), explica por que o sexo feminino predomina nas igrejas pentecostais e qual

a relação que o modelo patriarcal estabelece com os fiéis.

Há, de fato, mais mulheres nas igrejas pentecostais do que homens. A afinidade da mulher com essas igrejas tem sido muito apontada e discutida. Uma das explicações seria o fato das igrejas valorizarem e, mais do que isso, apoiarem de fato com várias práticas e rituais a mulher sem companheiro, bem como também aquelas que se dedicam a cuidar da família e dos filhos. Uma forma desse apoio é defender um modelo homem ou um papel masculino mais semelhante ao feminino. Tal como a mulher, o homem pentecostal deve ter a família, esposa e filhos, deve ser fiel, acético e não beber álcool. Apesar da defesa do modelo patriarcal, no sentido que o homem deveria em princípio ter a última palavra, o pentecostalismo propõe uma igualdade de gêneros em muitos aspectos que a cultura mais ampla mantém desigual. É importante também destacar que o patriarcalismo pentecostal não significa que a última palavra do homem possa ir contra a lei de Deus. Essa última limita muito as práticas machistas, especialmente as que atinguem negativamente as mulheres (violência, sexo sem compromisso, ingestão de álcool) (MARIZ, 201O, ON-LINE).

Neste sentido, segundo apontamentos da professora Mariz, as mulheres se sentem

atraídas pela vida na igreja, pela vida em comunidade, porque se sentem valorizadas no seu

papel de mãe e esposa. Nesta perspectiva, o discurso religioso pentecostal está se

readequando, se reestruturando à nova concepção de família, do papel da mulher e do lugar do

homem no lar, que não o coloca acima da “vontade de Deus”.

1.4 Gênero e Pentecostalismo

Para se entender a religião e os movimentos que foram aparecendo ao longo dos

séculos, é importante não levar em conta somente a doutrina, necessário se faz a participação

nos cultos coletivos. Isso significa dizer que o espaço público é o lugar onde as pessoas

ganham expressão e também uma história. E foi a partir desta reflexão que pensamos no papel

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da mulher dentro das igrejas, hoje, já que por muitos séculos a participação das mulheres na

formação da sociedade foi deixada em segundo plano.

Entendemos, então, a partir da visão dos pentecostais que a mulher deve obedecer

primeiramente a Deus, e sua submissão ao homem não deve nunca fazê-la infringir a lei de

Deus. A submissão a Deus permite às mulheres romperem, em parte, com o machismo

tradicional.

Mas este rompimento não é visto como revolucionário, o modelo tradicional ainda

existe e consiste no fato de as mulheres assumirem o seu papel de esposa cuidadora, e aos

homens de provedor. Ou seja, desempenham papéis diferentes, mas complementares, cabendo

ao homem ser o “cabeça da família”.

Vale dizer que ao homem pentecostal cabe a decisão de abandonar a bebida, o bar e os

amigos, para se dedicar à sua esposa e aos seus filhos. Dessa forma, “o discurso oficial das

igrejas pentecostais tampouco difere daqueles da Igreja Católica e protestantes históricas”

(MARIZ, 2010, ON-LINE).

Essa categoria de religiosos - os pentecostais - tem uma maneira particular de agir se

comparada às igrejas tradicionais. O seu discurso é direcionado a um público de baixa renda e

pouca escolaridade, há maior aceitação com relação à vida moderna e principalmente são

mais abertas do que as igrejas tradicionais quanto à aceitação da liderança feminina.

Outra característica bem particular dessas igrejas consiste na crença que o Espírito

Santo, uma das pessoas de Deus (da noção da Trindade), no qual se baseia toda a teologia

(lógica) pentecostal, age tanto em homens quanto em mulheres. Essa prática “permite que

multipliquem lideranças femininas muitas vezes não oficiais e que muitas dessas possam

fundar novas igrejas quando se sentem inspiradas a isso” (MARIZ, 2010, ON-LINE).

Podemos citar algumas igrejas pentecostais que possuem mulheres na liderança, por

exemplo: Renascer, Ministério Ágape Reconciliação, Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo

e Cristo Vive. Mas este ainda é um assunto polêmico, pois a maioria das mulheres que

possuem o cargo de pastoras são esposas de pastores, portanto, ficam reduzidas à condição de

subordinação e controle de seus maridos, uma vez que eles ocupam cargos hierárquicos iguais

ou superiores em suas denominações.

É importante dizer que nem sempre a ascensão da mulher dentro da igreja está ligada

às suas reivindicações e aos seus apelos, mas o reduzido número de homens na igreja propicia

essa prática. Portanto, é importante examinar os caminhos que levaram esta mulher ao

pastorado e de que forma ela se mantém nele.

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Machado (2005) nos traz algumas estratégias já identificadas nas igrejas para que

houvesse impedimento das mulheres nos espaços de poder:

[...] a revisão na forma de conceber o ministério, que passou a ser um compromisso do casal, e a adoção nos rituais da pregação de sermões em parcerias; atrelar a consagração das mulheres à concepção do ministério do casal foi a fórmula encontrada pelas lideranças de várias denominações para preservar a dependência feminina em relação aos homens. A pregação conjunta também pode ser interpretada como uma forma de enquadrar a participação das mulheres na direção da comunidade religiosa [...] (MACHADO, 2005, p.4).

Há também questionamentos de outros estudiosos com relação ao pastorado da

mulher. Nunes (2005, ON-LINE) afirma que “as religiões são um campo de investimento

masculino por excelência”. Pela história sabemos que os homens possuem o domínio da

produção do que é sagrado. Essa prática é constatada pelos discursos proferidos nas igrejas e

pelas práticas religiosas, e aos homens cabem definir as doutrinas e as regras. Nas palavras de

Nunes, [...] as mulheres continuam ausentes dos espaços definidores das crenças e das políticas pastorais e organizacionais das instituições religiosas e o investimento da população feminina nas religiões dás-se no campo da prática religiosa, nos rituais, na transmissão, como guardiãs da memória do grupo religioso (NUNES, 2005, ON-LINE, p.1).

Um dos apontamentos que fizemos no início deste item foi reconhecer o motivo pelo

qual a mulher se entrega à prática religiosa. Uma hipótese seria que a escolha pela adesão

religiosa pentecostal acontece por motivos diferentes para o homem e para a mulher. As

histórias dos homens revelam situações de desemprego, dificuldades financeiras e problemas

pessoais na área da saúde, ou seja, quando sua identidade masculina está sendo ameaçada,

eles procuram a igreja. Já as mulheres, associam suas escolhas religiosas com as desavenças

familiares e as necessidades materiais e espirituais do grupo doméstico, ou seja, as mulheres

se sentem responsáveis e guardiãs das almas de todos que integram a família (MACHADO,

2005, p.2).

Notamos por meio dessa explicação que as mulheres buscam muito mais uma

experiência com o sagrado e a formação de um vínculo com a comunidade religiosa, isso

porque as doutrinas ensinadas pelos pentecostais estimulam que as mulheres recuperem a sua

autoestima e a sua autonomia diante de seus maridos e filhos, uma vez que elas se engajam

em trabalhos extradomésticos, possibilitando que os seus relacionamentos e sua vida social

sejam ampliados.

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Esse novo jeito de ser da mulher dá a ela condições de se reconhecer como alguém que

independe do marido, dos filhos e da casa, mas que de maneira nenhuma a exclui das

obrigações e responsabilidades com o lar e a família. Essa mudança e enfrentamento podem

ser vistas quando mulheres estão à frente “evangelizando em praças públicas, realizando

trabalhos voluntários em presídios, hospitais e entidades filantrópicas, participando de

programas religiosos televisivos, e mais recentemente, dedicando-se à militância política em

favor dos candidatos da igreja” (IDEM, 2005, p.3).

Pertencer a uma comunidade e participar ativamente dos trabalhos e da programação

da igreja reforça de tal forma a autoestima dessa mulher que a encoraja a buscar a sua própria

prosperidade, indo em busca de um trabalho, superando os constrangimentos da cultura

tradicional, o que favorece a participação das mulheres na esfera econômica, conforme as

palavras de Machado (2005, p.3)

Pesquisas demonstram o crescimento acentuado da participação das mulheres pobres na população economicamente ativa durante os anos de 1990. E esse é fenômeno novo, uma vez que nas décadas anteriores as taxas de representação desse segmento foram significativamente inferiores às das mulheres dos extratos médios e altos da sociedade brasileira. Entre os principais obstáculos enfrentados pelas mulheres pobres no mercado de trabalho, os estudiosos identificam: o baixo nível de escolaridade e qualificação, a ausência de apoio no cuidado com as crianças e na realização das tarefas domésticas e as barreiras culturais para sair em busca de um trabalho remunerado.

1.5 Considerações preliminares

As abordagens deste capítulo nos levam à compreensão que desde o período colonial a

exigência de submissão, recato e docilidade foi imposta às mulheres. Essas exigências

levaram à formação de um estereótipo de mulher que devia submeter-se ao ambiente

doméstico, onde sua tarefa seria de cuidar da casa, dos filhos e do marido, sendo totalmente

submissa a ele. Já as mulheres empobrecidas precisavam trabalhar, portanto, adentravam ao

espaço público, que era reservado aos homens, pois o sustento de sua família em muitos casos

dependia só delas. Mas fora do trabalho não podiam sair desacompanhadas e seu único lazer

estava ligado às atividades relacionadas à igreja.

Já o século XX trouxe mudanças, que, na verdade, não se estenderam a todas as

mulheres, pois as mais beneficiadas foram as mulheres ligadas à elite. As mudanças se

concentraram no fato de as mulheres terem maior liberdade para frequentar espaços públicos e

maior acesso à educação. Para as mulheres das camadas pobres, pouca coisa mudou nesse

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século. Continuavam a ser encaradas, na sua maioria, como mulheres desonrosas, decorrentes,

em muitos casos, dos meios que utilizavam para sobreviver.

Foi exatamente no início do século XX que as vozes de protesto começaram a

aparecer, o inconformismo que as mulheres sentiam por causa das restrições que lhes eram

impostas por aqueles que governavam o país, ou seja, os homens. Elas desejavam uma maior

participação na economia, na política e, principalmente, desejavam ser reconhecidas como

cidadãs, sendo livres e tendo os mesmos direitos que aqueles que séculos antes se declaravam

donos e senhores de suas vidas.

As feministas americanas foram as pioneiras a defenderem a importância dos sexos,

dos grupos de gênero no passado histórico. A partir da década de 1980 a contribuição

feminina para a construção da história da humanidade passou a ser destaque nas pesquisas

acadêmicas. O conceito de gênero tornou-se amplamente utilizado para caracterizar as

relações entre homens e mulheres. As pesquisadoras acreditavam que este novo olhar sobre a

categoria de gênero abriria as portas não só para uma nova história das mulheres, mas para

uma nova história. O que, de fato, aconteceu, pois a inclusão da categoria gênero enquanto

categoria analítica colaborou e continua colaborando para se repensar o domínio da religião

sobre a sociedade, e mais especificamente, sobre a mulher, identificando que a religião

sempre foi reconhecida como fonte de poder ou enfraquecimento pessoal e coletivo, e muitas

pesquisas têm sido produzidas para questionar a própria estrutura do pensamento teológico e

demonstrar o quanto a teologia é masculina.

Com o tempo, as mulheres passaram a utilizar o espaço religioso como parte integrante

de um processo modernizador que algumas usam como facilitador de entrada em novos

espaços sociais, mas é importante dizer que o entrecruzamento entre religião e gênero ainda

possui muitos desafios, como nos afirma Souza (2004, ON-LINE, p.5) “[...] o que produzimos

ainda é consumido por um público muito específico. Gênero é considerado “problema de

mulher”. E quanto às publicações nesta área:

[...] Religião vende, mas religião e feminismo ou religião e estudos de gênero é heresia, portanto, não vende. É uma equação não vendável e, portanto, não publicável. O que se tem publicado a esse respeito no Brasil tende a ser majoritariamente por editoras religiosas, o que nos submete a cortes nem sempre bem-vindos e o que nos condena a algumas prateleiras empoeiradas que são visitadas por um público muito restrito. Por outro lado, as editoras não religiosas raramente têm interesse em publicar textos sobre religião (SOUZA, 2004, ON-LINE, p.5).

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Portanto, há muito para pesquisar e, principalmente, há muito que refletir sobre o papel

da mulher nas igrejas pentecostais, pois o homem ainda procura no seu inconsciente a mulher

submissa, a abnegada: “[...] a afirmação sociocultural da masculinidade passa pelo exercício

do poder do homem sobre a mulher e os filhos, e a religião tem colaborado com a reprodução

dessa representação social da masculinidade” (SOUZA, 2004, ON-LINE, p.6).

A mulher desenvolveu o seu potencial, mas continua sendo a companheira do homem

e a mãe, dotada da sensibilidade e da força que Deus lhe concedeu. Muito essa geração de

mulheres guerreiras tem a ensinar, e ainda mais a aprender com o movimento da vida, que

sempre vence a morte e transforma mulheres frágeis em exemplos de superação e vitória

frente a um mundo adverso.

A partir destas considerações, debruçaremo-nos sobre o tema Pentecostalismo e mídia:

R.R Soares e o Show da Fé, que será abordado no segundo capítulo. Trataremos da presença

pentecostal na mídia, buscando compreender o processo histórico e as principais

características daquilo que hoje são consideradas igrejas eletrônicas.

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CAPÍTULO 2

PENTECOSTALISMO E MÍDIA: R.R. SOARES E O SHOW DA FÉ

Sabe-se, hoje, que as pesquisas sobre religião no meio acadêmico encontram-se em

plena expansão, devido ao potencial crescimento que a religião protestante vem ganhando nas

últimas décadas; em especial as igrejas pentecostais e, mais especificamente, as igrejas

denominadas como eletrônicas ou midiáticas, fator que mudou e continua mudando de forma

exponencial o cenário religioso.

Neste capítulo, abordaremos - de forma panorâmica, diante das distintas concepções

sobre o que seja ou represente a igreja eletrônica - as principais características deste fenômeno

que se relaciona aos meios eletrônicos, especialmente à TV. Enfatizaremos a Igreja

Internacional da Graça de Deus e a figura carismática do seu líder religioso, missionário R.R

Soares, por se tratar de uma igreja que veicula seus programas religiosos na mídia eletrônica e

que é objeto do nosso estudo.

Quem nos traz um dado relevante sobre os estudos de mídia e religião é a

pesquisadora Priscila Souza (2012, p.2). Em seu trabalho, ela discute a proposta de pesquisa

histórica sobre mídia e religião, apresenta e analisa dados sobre as pesquisas existentes no

Banco de Teses e Dissertações da Capes dos anos 1990 a 2010. O ano de 1994 inaugurou o campo de pesquisas em mídia e religião no Brasil, conforme os dados do Banco de Teses e Dissertações da Capes. As duas primeiras pesquisas foram abrigadas por programas de pós-graduação em Comunicação e em Sociologia, respectivamente, na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e na Universidade Federal do Ceará – UFCE. Uma delas focava as transformações religiosas a partir das tecnologias da comunicação em grupos evangélicos pentecostais e a outra discutia religião no contexto pós-secular a partir da Renovação Carismática. Até os dias atuais, esses são os dois principais grupos motivadores de pesquisas sobre as relações entre mídia e religião no país. Tema que prosseguiu atraindo pesquisadores durante a década de 1990, que fechou com 11 trabalhos defendidos e estourou na primeira década do século XXI: até 2010, o banco da Capes registra 78 teses e dissertações que apresentam as palavras “religião” e “mídia” no assunto.

Entendendo que estamos falando de um movimento que está em constante expansão,

nosso interesse para este capítulo será compreender o processo de mutação na história, seus

principais personagens e idealizadores.

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2.1 Conhecendo a história da comunicação religiosa – Panorama Geral

A história da evolução da mídia no Brasil e no mundo está intimamente ligada à

história e à evolução do comportamento humano, que possui o anseio inerente de se

comunicar. A mídia atravessou vários estágios de desenvolvimento e contribuiu de maneira

fundamental para as mudanças na nossa sociedade, tanto na esfera pública, como na cultura

do povo, incluindo a religião.

Neste momento da pesquisa, convém dizer que a relação mais forte dos evangélicos no

Brasil com a mídia se dá primeiro pelos impressos (jornais, revistas e livros). Campos (2004,

p.148), explica que desde o seu início no século XVI, a história dos evangélicos está ligada às

novas tecnologias de comunicação social, porque é sabido que a sua força diante do

catolicismo é bem menor, as estratégias para se ganhar novos adeptos fizeram com que a

circulação massiva de textos impressos tenha sido um dos fatores que mais contribuíram para

as grandes mudanças políticas e sociais.

Para efeito de conhecimento, citamos algumas publicações de jornais e revistas que

hoje não existem mais. O primeiro jornal evangélico brasileiro foi A Imprensa Evangélica

(1864). Depois dele, outros seguiram: O Púlpito Evangélico (1874), Salvação de Graça

(1875), A Sociedade de Tratados Evangélicos (1883), O Evangelista (1885), O Puritano

(1898), A revista Fé e Vida (1930), depois Unitas, apareceu para evangelizar a elite brasileira.

Mais recentemente citamos a Ultimato34, criada em 1968.

Esta pequena amostragem nos aponta a necessidade e importância da propaganda

como meio de divulgação. Entendendo desde cedo este processo, “os evangélicos saúdam

cada descoberta ou implementação de novas tecnologias comunicacionais como uma

‘oportunidade dada por Deus’ para a expansão do seu reino na face da terra por meio da

pregação” (IDEM, 2004, p.148).

Após a divulgação pelos impressos, os evangélicos viram a possibilidade de

propagação do evangelho pelos meios radiofônicos. Este crescimento foi ganhando força nas

duas últimas décadas do século XX, com o fim da ditadura militar, que proporcionou maior

liberdade de expressão, maior abertura econômica e o fim da censura. Sempre houve projetos

de compra de espaço, apesar da dificuldade de concessões, mas a inserção política dos

34 Ultimato tem uma tiragem de 20.500 exemplares por edição, sendo que 30% destinam-se a assinaturas pagas e 70% são enviadas gratuitamente a liderança evangélica (Assembleias de Deus, Igrejas Batistas, Casa de Oração, Cristianismo Decidido, Congregacional, Episcopal, Evangelho Quadrangular, Presbiterianas, Luteranas, Metodistas, Nazareno, Nova Vida, Exército da Salvação, Deus é Amor, Universal do Reino de Deus, e outras); Agências missionárias e de ensino teológico; grupos de evangelização (ABU, Atletas de Cristo, MPC, etc). (REVISTA ULTIMATO, ON-LINE)

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evangélicos no Congresso Nacional facilitou a concessão de rádio e TVs por parte de seus

representantes35. Buscando uma referência para a primeira transmissão de um programa

religioso pelo rádio, nos deparamos com duas informações. A primeira é de Moraes (2010,

p.41), onde ele afirma que “o primeiro programa religioso de rádio no Brasil, data de 23

setembro de 1943, intitulado a Voz da Profecia, e foi transmitido pelo pastor Roberto Rabello,

da Igreja Adventista”. Já a pesquisadora Gomes (2003, p.45) aponta como pioneiro o

programa A Voz Evangélica do Brasil. Este programa é fruto do trabalho de várias

denominações, como os presbiterianos, congregacionais, batistas e metodistas. Destes cultos

“a Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro organizou em suas duas primeiras apresentações

um coro que ficou conhecido como Coro da Voz Evangélica do Brasil”. Isso aconteceu nos

dias 15 e 22 de maio 1938, ou seja, antes da Voz da Profecia do pastor Rabello.

E na televisão não foi diferente, o primeiro programa evangélico da TV foi produzido

pelos adventistas, o registro é do dia 18 novembro de 1962 teve início primeiramente em São

Paulo e logo depois no Rio de Janeiro, o programa Fé para Hoje, apresentado pelo pastor

Alcides Campolongo e sua esposa.

Mais dois programas foram citados como sendo pioneiros. Transmitidos pela TV Tupi,

em meados da década de 60, Café com Deus era apresentado pelo bispo Roberto McAllister,

da Igreja de Nova Vida; e o programa Encontro com Deus, apresentado pelo reverendo João

Campos, da Igreja Presbiteriana de Recife (IDEM, 2003, p.50).

Coube ao pastor batista, Nilson Fanini, em meados da década de 70, a apresentação do

primeiro programa a ser transmitido em rede Nacional, intitulado Reencontro. Este programa

foi veiculado pela TV Educativa do Rio de Janeiro e segundo Cunha (2007, p.60) “era um

programa de variedades com apresentações musicais, entrevistas e pregações. O apelo à

salvação em Cristo era fundamentado com bases fundamentalistas e individualistas”.

Fanini e R.R. Soares foram os pioneiros na TV, sendo que R.R.Soares é o

televangelista que permaneceu e está há mais tempo na tela. Os televangelistas dos Estados

Unidos ocuparam um espaço importante nos anos 70 e 80 e criaram um padrão de programas

evangélicos, mas cabe ressaltar a diferença de cultura, e isso fica claro nas críticas ideológicas

que foram levantadas por estudiosos como Assmann (1986).

35 A entrada dos evangélicos na bancada parlamentar facilitou a ascensão dos grupos religiosos na mídia. Exemplo deste contexto político foi a forma como o pastor Nilson do Amaral Fanini, da Igreja Batista Memorial de Niterói, adquiriu a concessão do Canal 13 (TV Rio) do Rio de Janeiro. Devido ao bom relacionamento com o governo militar, e com o presidente João Batista Figueiredo, foi possível esta concessão (FONTELES, 2007, ON-LINE).

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A partir destas informações preliminares, daremos uma atenção especial na inserção

dos evangélicos na mídia radiofônica e televisiva, apontando os principais nomes e buscando

entender essa longa história de expansão e de mudanças no campo religioso.

2.2 Os Evangélicos e a Mídia no Brasil – Como tudo começou

O processo de crescimento da presença dos evangélicos nas mídias no Brasil se deu da

seguinte forma: num primeiro momento foi utilizado o evangelismo por meio de literatura, de

reuniões ao ar livre, para tornar o evangelho acessível; no segundo, utilizou-se dos métodos

anteriores, mas com o acréscimo dos rádios; agora numa fase mais promissora, encontramos

todos estes veículos juntos e também a ajuda agressiva da televisão.

Segundo Budke (2005, p.52), a principal relação entre os evangélicos e a mídia

consiste em quatro fatores: 1) o surgimento da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) na

década de 1980 e posteriormente sua compra da Rede Record de Televisão, a terceira maior

emissora de canal aberto no Brasil, doravante liderada por um segmento neopentecostal; 2) A

presença da bancada evangélica na constituinte de 1988 e o crescimento de políticos

evangélicos no país, tornando o mundo evangélico mais forte e atuante no sistema governante

do país; 4) O declínio numérico do catolicismo na sociedade brasileira, como também, a

pouca relação comercial com as emissoras não religiosas na concessão de programas

televisivos; 5) Muitas emissoras de televisão abrem espaço em horários nobres a grupos

religiosos, devido ao fato de seus telespectadores serem extremamente fiéis, resultando em

um considerável índice de audiência, que proporciona bons lucros através dos comerciais

divulgados.

Campos (2008, p.9-10) faz um levantamento histórico do campo religioso e sua

relação com a mídia: Em 1940 surgiram no Brasil os primeiros programas evangélicos no

rádio, sendo a Igreja Adventista do Sétimo Dia a pioneira neste trabalho em nível nacional,

através da implantação do Sistema Adventista de Comunicação (SISAC)36 transmitindo o

programa A Voz da Profecia com direção do Pr. Roberto Rabello, já citado anteriormente. As

36 O Sistema Adventista de Comunicação (SISAC) foi inaugurado em 1996, na cidade de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, com o objetivo de utilizar todos os meios de comunicação existentes para a pregação do evangelho eterno. Ela é uma organização da Igreja Adventista do Sétimo Dia que surgiu da junção de instituições já existentes: A Voz da Profecia, Quarteto Arautos do Rei, Está Escrito, Rede Novo Tempo de Rádio e a TV Novo Tempo. Hoje, ela está localizada na cidade de Jacareí, São Paulo (SISAC, ON-LINE).

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Igrejas Luteranas foram mais tímidas nesta área, não organizando nenhum órgão nacional de

comunicação social na época, principalmente no que se refere à evangelização via rádio.

Algumas iniciativas vinham surgindo nas próprias comunidades que transmitiram os

programas A hora luterana ou A hora evangélica como parte da programação das rádios

comunitárias, geralmente nas cidades de colonização alemã. Já entre os Presbiterianos,

Metodistas e Batistas ocorreu algo semelhante ao Luteranismo, porém, possuíam vínculos

com entidades americanas, as quais impulsionaram estas denominações religiosas a

organizarem mais rapidamente um departamento de comunicação social. “Percebe-se que o

conceito americano de comunicação religiosa sempre conduziu algumas denominações

protestantes a trilharem nos caminhos da mídia” (IDEM, 2008, p.10).

No pentecostalismo, o interesse pela mídia partiu da Igreja Evangélica Assembleia de

Deus com o programa Minutos com Jesus, entre outros. Em seguida, surgiu a Igreja do

Evangelho Quadrangular, O Brasil para Cristo e a Igreja Deus é Amor, veiculando programas

de rádio em todo território nacional. Algumas organizações evangélicas internacionais

fundaram comunidades evangélicas no Brasil, através da difusão de programas de rádio. Na

década de 50, o missionário canadense Roberto McAllister transmitia o programa A voz da

Nova Vida, que na década de 1960 originou a Igreja Nova Vida. Consequentemente,

evangelistas brasileiros interessados e cativados pela eficácia da comunicação religiosa norte-

americana no país, iniciaram campanhas para introduzir novos meios evangelísticos de

comunicação social. Na década de 60, os primeiros programas religiosos começaram aparecer

na televisão, sendo o SISAC novamente pioneiro, cobrindo algumas cidades dos estados

paulista e carioca. Não ficando para trás dos Adventistas, o missionário McAllister da Igreja

Nova Vida iniciou o primeiro programa pentecostal na TV Tupi do Rio de Janeiro.

Posteriormente, explodiu em nível nacional o marco fundamental da comunicação religiosa:

os programas de televangelistas norte-americanos Alguém ama você, de Rex Humbard, Clube

700 de Pat Robertson, e os cultos do Pastor Jimmy Swaggart, transmitidos para todo Brasil,

com divulgações sobre novas tendências teológicas e ideológicas destes líderes,

caracterizados pelo seu carisma frente a multidões e pelas técnicas inéditas de comunicação.

Contudo, tais programas não surtiram o mesmo efeito que tinham nos Estados Unidos, ou

seja, não tiveram aqui o poder de mobilização e pressão que exerciam entre os norte-

americanos, porque eram produzidos em outra cultura, com outra perspectiva de vida,

totalmente diferente da dos brasileiros. Esses programas duraram até meados da década de 80,

quando a produção nacional de televisão cresceu e tornou-se independente da produção

estrangeira.

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Nesta trajetória midiática, alguns acertaram os rumos e construíram pequenos ou grandes

negócios. Já outros não conseguiram se firmar neste meio de comunicação de alto custo de

produção. A atenção dos estudiosos se detém atualmente nesta última fase em que há intenso

uso do rádio, da televisão e da internet por parte dos evangélicos pentecostais. “Esta

visibilidade pentecostal na mídia é um fenômeno muito significativo, e que sinaliza para

grandes mudanças internas” (CAMPOS, 2008, p.2).

2.3 A Igreja Eletrônica

Basta ligarmos a TV para termos acesso a uma multiplicidade de programas religiosos,

com suas diferentes linhas, tendências teológicas e doutrinárias, isso nos dá a certeza de que é

um campo fértil de estudo e merece a atenção dos pesquisadores de comunicação. Mas esta

vasta expansão de programas religiosos pode levar ao erro de denominarmos todos como

sendo oriundos de igrejas eletrônicas, o que não é o caso, pois para se denominar como igreja

eletrônica há que se ter independência e autonomia dos programas.

O conceito de igreja eletrônica nasceu nos Estados Unidos, como explica Assmann,

(1986, p.17), e influenciou sobremodo a América Latina, mas é preciso distinguir o que é

importação e o que é produção interna em nossos países, uma vez que estamos envoltos em

um contexto social diferente e o público também é outro, conforme dissemos no item anterior.

A nomenclatura Igreja Eletrônica não está sozinha, mas é considerada a mais aceita,

por estar centrada na espetacularidade televisiva. Esta terminologia carrega um sentido

ideológico e também técnicas publicitárias. Assmann (1986, p.19) afirma: “as palavras são

também mercadorias, com todo o seu potencial fetichizador”. Outras terminologias foram

utilizadas por estudiosos de acordo com o recorte que fizeram das programações, por

exemplo: Religião Comercial (devido aos apelos financeiros), Marketing da Fé (para mostrar

que a maioria dos programas religiosos se pauta pelo modelo publicitário), Messianismo

Eletrônico (devido às promessas espetaculares de milagres, curas e salvação) e Assembleia

Eletrônica (um termo raro e fora de uso hoje) (IDEM, 1986, p.19-23).

Assmann (1986) nos explica que o contexto no qual surge a igreja eletrônica remete à

década de 50 e 60. Nessa época, os Estados Unidos eram um país eminentemente protestante,

passando por um período crucial de sua história, com a transnacionalização do capital, a crise

dos valores tradicionais, a luta pela ampliação dos direitos civis, a insurreição da juventude, e

a descoberta de não ser uma nação unicamente composta por anglo-saxões. Somando-se a

tudo isto, havia ainda o fracasso na guerra do Vietnã, e os grandes déficits na balança

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comercial. Todo este clima de instabilidade e a crise de legitimidade do sistema capitalista

americano propiciaram a vinda e crescimento dos televangelistas norte-americanos (IDEM,

1986, p.23-24).

Nessa época, começam a aparecer alguns dos evangelistas norte-americanos mais

famosos até hoje, a exemplo: Billy Graham, Oral Roberts, Jerry Falwell.

Quando lemos o relato das histórias de sucesso destes homens acima citados,

percebemos que na América Latina, mais precisamente no Brasil, os televangelistas

representam a reprodução de uma história que deu certo. Tomemos o exemplo de Oral

Roberts. Este televangelista norte-americano se destacava porque se utilizava das práticas de

cura: ele foi um dos primeiros a inventar o toque de mão pela TV. A propósito, vendeu

milhões de lenços com uma mão impressa neles, e supostamente tocados por uma mão

curadora. Também vale citar os Atletas de Deus, que se constituiu em uma organização

esportiva que jogavam basquete. Esse time colheu muitos triunfos e foi reconhecido pela

torcida como “um esporte como testemunho de fé’ e “isto foi uma vitória para Deus, não para

o basquete apenas” (IDEM, 1986, p.33-34). Aqui no Brasil, lembramos o movimento dos

Atletas de Cristo37, mais identificados com o futebol, apesar de reunirem esportistas de outros

segmentos.

Segundo Cardoso, (1984, p.7), a Igreja eletrônica, no contexto brasileiro, possui as

seguintes características e aspectos:

1. Programa distribuído nacional e internacionalmente;

2. Apresentação exercida por uma liderança de significativo peso carismático;

3. Solicitação de recursos por parte dos telespectadores para sustentação do programa ou da

estrutura que o mantém;

4. Elevados custos de produção e veiculação;

5. Venda de produtos, tais como: livros, Cd’s etc;

6. Sistema de controle por telefones, cartas e computação de simpatizantes, colaboradores e

telespectadores em geral.

Cunha (2007, p.58-59) explica que “a presença de evangelistas norte-americanos na

televisão foi experimentada no Brasil no final dos anos 70 e durante os anos 80. A

programação era exportada para todo o mundo e penetrou na América Latina com ampla

aceitação do público”. A pesquisadora afirma que a presença dos evangélicos brasileiros nos

37 Atletas de Cristo é um movimento integrado por atletas cristãos de várias denominações. Faz parte um grupo de atletas de várias modalidades esportivas, classes sociais e grupos étnicos (ATLETAS DE CRISTO, ON-LINE).

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meios de comunicação sempre foi mais intensa no rádio, pela facilidade de aquisição e

concessões ou de compra de espaços na grade das programações (IDEM, 2007, p.60). Matéria

da revista Veja On-Line38 em especial sobre os evangélicos aborda a força do rádio e da TV

no empenho em manter os fiéis sintonizados e até mesmo atrair novos adeptos:

FIGURA 1 - Curso para formar pastores oferece aula sobre edição de TV

Fonte: VEJA ON-LINE Como se forma um pregador, 12 julho 2006. Foto de Fabiano

Accorsi

Na área da mídia eletrônica há um verdadeiro império evangélico país afora. Existem centenas de emissoras de rádios evangélicas no Brasil e milhares de sites e pastores dando plantão on-line, na internet. Uma grande máquina televisiva cumpre também uma extraordinária missão arrecadadora, além de manter os fiéis sintonizados com suas práticas de fé 24 horas por dia, seja através de parte da programação da Rede Record, de propriedade da Igreja Universal do Reino de Deus, seja pela infinidade de horários comprados pelo pastor R.R.Soares e sua Igreja Internacional da Graça de Deus. O rádio e a TV servem ainda para a transmissão de modelos culturais e de comportamento, tanto nas redes e shows específicos, quanto na presença cada vez maior de várias celebridades convertidas que não têm vergonha de propagar suas crenças [...] (REVISTA VEJA ON-LINE).

No Brasil, alguns televangelistas se destacaram; dentre eles, podemos citar: Nilson do

Amaral Fanini, R.R.Soares, Edir Macedo e Roberto Mac Allister. Estes pastores procuraram

uma fórmula brasileira para produzir programas religiosos. Assmann (1986, p. 84-87) explica

o projeto ambicioso de Nilson do Amaral Fanini, pastor da Primeira Igreja Batista de Niterói,

cuja ascensão já se deu ao longo dos anos 70 quando pregava em estádios e posteriormente

montou seu programa Reencontro, “gravado na TV Educativa do Rio, difundido

primeiramente pela antiga TV-Rio e retomado por 88 emissoras de TV durante a semana”.

38 Matéria publicada na VEJA ON-LINE Como se forma um pregador, endereço eletrônico se encontra nas outras fontes deste trabalho.

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Este programa atingia uma audiência de 42 milhões de pessoas. A forma de pregação de

Fanini é comentada por Assmann:

Nas cruzadas evangelísticas e no seu programa Reencontro, o pastor Fanini já nos antecipou os traços da sua mensagem: nada que extrapole os apelos de renascimento individual (Jesus te espera! Jesus te salva!), fortes doses de moralismo privatista e recheios de ameaças de perdição eterna (Tu estás perdido! Só te resta Jesus!), uso aleatório de versículos bíblicos no clássico modelo fundamentalista, reafirmação constante da esfera do privado com não veladas alusões à iniciativa privada; nada que acentue o primado da justiça social (ASSMANN, 1986, p.87).

Fanini, assim como seus colegas americanos, prosperou. Conseguiu com a ajuda do

presidente da República, João Baptista Figueiredo, a concessão por 15 anos do canal 13, no

Rio de Janeiro, e ainda o controle de 75% das ações da Radiodifusão Ebenezer Ltda. No

entanto, não conseguiu manter a TV, e a vendeu aos padres capuchinhos proprietários da TV

Difusora de Porto Alegre.

Entendemos até aqui as principais características das igrejas eletrônicas, mas

necessário se faz também conhecer o posicionamento teológico e doutrinário destes

programas que são denominados pentecostais, e que neste trabalho chamaremos, segundo

Cunha (2007, p.15), de pentecostalismo independente.

Cardoso (1984, p.7-9) explica que o cristianismo primitivo recebeu influências de

diferentes concepções filosóficas uma delas foi o neoplatonismo39. Ao longo da história do

cristianismo, diferentes correntes religiosas vão desenvolver essa ideia de rejeição do mundo

real, rejeição dos prazeres do corpo, afirmando que o sofrimento é bom para o aprimoramento

do espírito. Ante os dissabores e as frustrações da vida existe a possibilidade da busca pelo

transcendente, pelo espiritual. Os cristãos primitivos negavam a dimensão existencial do ser

humano para salientar a dimensão espiritual, transcendente e divina, estabelecendo uma

dicotomia entre o homem carnal e espiritual e do mundo divino e profano. Esta concepção de

mundo e da fé cristã influenciou e continua influenciando toda a história da igreja cristã

39 O neoplatonismo se desenvolve a partir da obra de Plotino, no terceiro século de nossa era. Mais do que uma filosofia pura o neoplatonismo era altamente religioso, cujos adeptos adequaram ideias místicas ao pensamento de Platão e dos estóicos. O neoplatonismo salientava as virtudes da vida contemplativa e considerava que o científico estaria estritamente ligado ao conhecimento divino, de Deus. Assim o neoplatonismo tentava recuperar a ideia da transcendência divina que se realiza nos indivíduos; procurava estabelecer o retorno do mundo do mal, do mundo posto no maligno, do mundo perdido, ao mundo de Deus pela interiorização progressiva do homem (DICIONÁRIO MICHAELIS, 1998).

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institucionalizada e alcança os nossos dias nos movimentos fundamentalistas40, que se

expandem em diferentes movimentos e seitas, a exemplo da igreja eletrônica.

A expansão das igrejas brasileiras no exterior segue as mesmas estratégias ligadas ao

seu crescimento dentro do país, ou seja, o caminho mais viável é aquele que envolve alto

investimento midiático e a construção de megatemplos, o uso intensivo da mídia –

especialmente do Rádio e da Televisão - e a importância dada às instalações físicas

demandam grande volume de capital, bem como uma estrutura de comando rigidamente

centralizada. A estratégia midiática concede pouco ou nenhum poder ao fiel, ele apenas

assiste aos cultos e deposita suas contribuições em ofertas ou dízimos, ou seja, o fiel não

assume um compromisso com a igreja. Este pensamento se adequa ao mundo contemporâneo,

e essa nova realidade ganha espaço e possibilita o alcance de um público cada vez maior

(REFKALEFSKY, 2012, p.32-33).

As igrejas midiáticas são alvo de muitas críticas por parte de teólogos. Em entrevista

concedida ao jornalista Kennedy Alencar no programa "É Notícia", exibido pela Rede TV! 41,

no dia 26 setembro de 2011, o teólogo Leonardo Boff 42 falou sobre celibato, existência de

Deus e criticou as igrejas midiáticas, católicas ou evangélicas. "Eles continuamente pecam

contra o segundo mandamento, que é usar o santo nome de Deus em vão e apresentam um

cristianismo que é um pequeno Lexotan para acalmar as pessoas" (BOFF, 2011, ON-LINE).

Em sua pesquisa, Cunha (2007, p.18-20) explica que a cultura das mídias não é uma

versão atualizada da cultura de massa, porque há maior produção e uso da tecnologia, ela deve

ser entendida como uma nova prática social marcada pela existência dos meios de

comunicação. Em suas palavras:

40 O Fundamentalismo tem sua autoridade limitada à Bíblia como obra divina e infalível, regra para todos os problemas do homem. Possui uma visão mística do mundo e da vida, os quais somente se explicam e se realizam no céu ou no mundo dos anjos. Em contrapartida aos mitos e símbolos transcendentais, cria-se por outro lado, mitos e símbolos que expressam as mazelas terrestres como Satanás, que encarna os prazeres do mundo (o mundo está posto no maligno), que será derrotado na luta do bem contra o mal (LOPES, 2013, ON-LINE). 41 Entrevista concedida à TV Folha dia 26 set 2011. Teólogo Leonardo Boff afirma que Igrejas Midiáticas são pecadoras (TV FOLHA ON-LINE).

42 Leonardo Boff foi sacerdote da Igreja Católica e ajudou a consolidar a Teologia da Libertação no país -- que em suma define a pobreza como um pecado e promove um engajamento social na construção de uma sociedade mais justa e solidária. Seus questionamentos a respeito da hierarquia católica, expressos no livro "Igreja, Carisma e Poder" foram alvo de um processo na Congregação para a Doutrina da Fé, sob a direção de Joseph Ratzinger, que culminou no seu desligamento do quadro clérigo da igreja (LEONARDOBOFF.COM, ON-LINE).

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[...] a midiatização da sociedade, fenômeno da sociedade global, precisa ser reconhecida como a reconfiguração do processo coletivo de produção de significados por meio do qual um grupo social se compreende, se comunica, se reproduz e se transforma, a partir das novas tecnologias e meios de produção e transmissão de informação (CUNHA, 2007, p.19).

Douglas Kellner argumenta que “a cultura veiculada pela mídia fornece modelos de

como ser e agir, onde as imagens e espetáculos nela veiculados ajudam a construir o

cotidiano, padronizar comportamentos sociais e forjar identidades” (KELLNER, 2004, p.12).

Estudá-la, então, passa a ser uma premissa para compreender processos e práticas sociais que

surgem em nossa sociedade midiatizada.

2.4 Igrejas Pentecostais na Mídia

Este subtítulo merece uma atenção especial por entender que as igrejas pentecostais

são hoje a maior presença na mídia. Os donos de redes de TV e rádio são pentecostais e os

que mais pagam espaço na grade das emissoras de alcance nacional são pentecostais. As

igrejas com maior destaque são: IURD, Internacional da Graça, Renascer em Cristo,

Assembleia de Deus de Belém - Rede Boas Novas, Sara Nossa Terra, Mundial do Poder de

Deus, e os pastores midiáticos Marco Feliciano e Silas Malafaia, que estão bastante presentes

nas mídias. São todas pentecostais. Estas novas igrejas formam a base do pentecostalismo

midiático, por isso, serão tratadas, nesta pesquisa, de forma particular.

2.4.1 Igreja Universal do Reino de Deus

A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) foi fundada em 9 de julho de 1977 por

Edir Macedo Bezerra. A partir da sua fundação, seu crescimento foi visível, tornando-se num

verdadeiro império de comunicações. Hoje, com a ajuda do carisma de Edir Macedo e de suas

práticas de manipulação psicológica, a IURD é uma das igrejas que mais cresce em todo

território nacional, com grandes investimentos na mídia. Ao longo da sua jornada, a igreja

teve vários outros nomes, antes de assumir a atual denominação – Cruzada do Caminho

Eterno, Igreja da Bênção e, por fim, Igreja Universal do Reino de Deus. Hoje, coroando esta

caminhada que sempre apostou na Comunicação, Edir Macedo tem em suas mãos a TV

Record, bem como programas na Rede Mulher, Rede Família e CNT, o jornal Folha

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Universal, o portal on-line Arca Universal, espaço em inúmeras rádios cariocas e paulistas,

uma nova Igreja no continente africano, além de investir também na mídia escrita. Edir

Macedo tem um livro sobre a sua biografia – O Bispo – A História Revelada de Edir Macedo,

publicada pela Editora Larousse Brasil, no ano de 2009 43. A Revista Plenitude, lançada em

1980, que também circula em Portugal, e diversos outros gêneros literários, a exemplo de

jornais, circulando em países como África do Sul, Argentina e Venezuela (ROMEIRO, 2004,

p.60-62).

Para se ter uma ideia do poder de persuasão deste comunicador, a Revista IstoÉ

Independente, publicou em novembro de 2012, uma matéria sobre o livro Nada a Perder que

virou best-seller, a respeito da autobiografia de Edir Macedo44.

Trata-se de um fenômeno editorial. “Nada a Perder”, primeiro livro da trilogia autobiográfica de Edir Macedo, lançado pela Editora Planeta há menos de três meses, já vendeu mais de 350 mil exemplares e ostenta o título de livro mais vendido no Brasil em 2012, de acordo com o portal Publishnews, referência para o mercado editorial. A biografia do bispo superou o best-seller mundial “50 Tons de Cinza” e deixou para trás as biografias de Eike Batista, Danuza Leão e Steve Jobs.

A matéria traz, inclusive, uma fala do pesquisador Leonildo Campos, referenciado por

vezes nesta pesquisa: “Um líder carismático tende a agregar pessoas e qualquer coisa que ele

lançar será disputada por seus admiradores”, diz o professor de pós-graduação em ciências da

religião da Universidade Metodista de São Paulo, Leonildo Silveira Campos (idem nota de

rodapé).

2.4.2 Igreja Apostólica Renascer em Cristo

A Igreja Apostólica Renascer em Cristo nasceu na cidade de São Paulo em 1986, por

Estevam Hernandes e sua esposa, Sônia Hernandes. Com base nos dados da Revista Veja45, a

43 Após 15 anos sem falar com a imprensa, o bispo Edir Macedo rompe o silêncio e revela tudo sobre sua vida neste livro - uma reportagem biográfica completa. Ele trata de assuntos polêmicos, abre sua intimidade e responde sobre todos os episódios marcantes vividos por ele nos últimos anos, além de contar detalhes do funcionamento de sua organização religiosa e como comprou a TV Record e a transformou na segunda rede de televisão do país (LEMOS; TAVOLARO, 2009, ON-LINE).

44 Autobiografia de Edir Macedo é o livro mais vendido no Brasil e bate recordes no exterior. Em "Nada a Perder", fundador da Igreja Universal diz que sofreu bullying, afirma que sua sina é barrar os católicos e conta como a prisão influenciou sua vida (ISTOÉ, ON-LINE)

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igreja Renascer possui cerca de 120.000 fiéis no Brasil e conta atualmente com 870 templos.

A Igreja possui a programação de rádio Gospel 90.1 FM SP, que tem o sinal distribuído para

São Paulo e adjacentes através da grande torre ‘Deus é Fiel’, erguida em 2004, entre a Av.

Paulista e Consolação, centro financeiro mais importante da cidade de São Paulo. Além da

transmissão via rádio, a igreja conta também com a TV da Rede Gospel sintonizados em:

UHF 53, Net 28, TVA 21, Net ABC 98, além da editora CLER (Centro de Literatura

Evangélica Renascer). É também autor de vários livros, o mais recente lançamento recebeu o

nome de Sem Fé é Impossível – Unção Apostólica de Abraão46, e várias livrarias espalhadas

pelas igrejas locais47.

A Renascer é reconhecida pelo estilo novo e despojado de seus pastores e pastoras,

pelo culto vibrante e de caráter festivo, pelas programações inovadoras para jovens e, acima

de tudo, pela música gospel. A cada início de ano, durante o culto da virada, o apóstolo

Estevam anuncia a palavra profética que servirá como base das ministrações e bênçãos

daquele ano que se inicia: O ano de 2013 reserva o Ano de Joel.

A igreja é a autora do movimento designado Marcha para Jesus48, que reune milhares

de pessoas em várias partes do Brasil. Este evento faz parte do calendário oficial do país

desde setembro de 2009, quando a Lei Federal 12.025 foi sancionada pelo então Presidente

Luis Inácio Lula da Silva. Neste ano de 2013, a Marcha está marcada para o dia 24 de agosto,

na cidade de Guarulhos – SP.

Mas a Igreja Renascer também é alvo de denúncias, envolvendo seus líderes sob

acusação de comandarem uma organização criminosa que faria lavagem de dinheiro através

das doações dos fiéis. Em dezembro de 2006, a justiça brasileira bloqueou os bens dos

fundadores e deu ordem de prisão ao casal, acusados de estelionato, falsidade ideológica e

45 Informações retiradas do site Veja On-line, matéria de capa: Em Profundidade Evangélicos (VEJA ON-LINE, ON-LINE). 46 Informação retirada do site Comunicação Renascer. 47 Informações retiradas do site da igreja Renascer.

48 Os moldes do culto ao ar livre com peregrinação pela cidade é importado da capital inglesa, Londres, onde, em 1987, o pastor Roger Forster e os cantores e compositores Graham Kendrick, Gerald Coates e Lynn Green tiveram a ideia de expandir o culto à rua. Rapidamente a tendência de adoração chegou a cidades e países vizinhos. No Reino Unido, católicos e protestantes ignoraram as diferenças e, juntos, somaram mais de 200 mil cristãos, em 1989. O episódio seguiu por mais dois anos. O evento rompeu fronteiras e chegou à América Latina, em 1993, quando aconteceu pela primeira vez no Brasil a Marcha para Jesus. Organizado pela Igreja Renascer em Cristo, o evento trouxe às ruas de São Paulo 350 mil pessoas. O Vale do Anhangabaú protagonizou o final desta edição com shows e arrecadação de agasalhos. Desde lá, o evento foi transferido para algumas localidades da cidade, a maioria na zona norte, reunindo milhões de evangélicos (MARCHA PARA JESUS, ON-LINE).

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lavagem de dinheiro. Mas nada disso afastou os fiéis dos templos, e a Renascer permanece

sendo uma das igrejas evangélicas pentecostais mais bem-sucedidas.

2.4.3 Assembleia de Deus de Belém – Redes Boas Novas

A igreja Assembleia de Deus de Belém – Redes Boas Novas foi fundada em 18 de

junho de 1911, em Belém (PA), pelos missionários suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren. É a

primeira igreja pentecostal do país, ou seja, que acredita nas manifestações atuais do Espírito

Santo tal qual acontecia nos dias dos apóstolos49.

Dados do censo mostram que apesar de estar dividida em diversos ministérios, a igreja

marca seus 101 anos como a maior denominação evangélica do país. Estima-se que tenha 12,3

milhões de adeptos, cerca de metade dos protestantes brasileiros50.

Desde 1997 a Assembleia de Deus em Belém tem como líder o Pastor Samuel

Câmara, que preside a diretoria da igreja. A organização dos trabalhos em Belém é feita

através de 34 coordenações que abrangem todos os templos da cidade, possui Conselho Fiscal

constituído, bem como assessorias nas áreas jurídica, administrativa, social, eventos e

comunicação.

A igreja conta ainda com a Rede Boas Novas de Comunicação, para sua divulgação

através dos meios de comunicação de massa. A Boas Novas tem três emissoras próprias e

quase cem retransmissoras e afiliadas. No Rio de Janeiro, em uma área de 13 mil metros

quadrados, a emissora conta com 3 modernos estúdios com toda infraestrutura para produção

e exibição de programas. A programação da Boas Novas pode ser assistida de todo Brasil pela

antena parabólica.

2.4.4 Igreja Sara Nossa Terra

Sara Nossa Terra foi uma igreja que atraiu muitas pessoas do mundo artístico e por

isso chamou tanto a atenção da mídia. Famosos como Monique Evans (ex-jurada do programa

49 Informações retiradas do site da igreja Assembleia de Deus de Belém. 50 Pesquisa divulgada no site Gnotícias.

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do Chacrinha), Susana Alves (fazia o papel de Tiazinha), Joana Prado (ex-Feiticeira), Regina

de Oliveira Soares (fez 11 capas de revista masculina e participou de três filmes

pornográficos), se sentiram atraídas pela igreja por caracterizar um lugar que possui um

discurso liberal e tolerante quanto aos costumes das novas gerações. Nos cultos da Sara Nossa

Terra é comum ver os fiéis chegando em carros importados e vestindo roupas da moda. Aos

sábados, os jovens fazem a celebração com música tecno ou rock.

A igreja foi fundada por Robson Rodovalho, em fevereiro de 1992, em Brasília. Hoje,

a Sara Nossa Terra conta com mais de 750 mil fiéis e 800 igrejas no país e no exterior. O

ministério possui a rede Gênesis de TV, com programação diária, em centenas de cidades

brasileiras, tanto em TVs por assinatura como UHF. O jornal Sara Nossa Terra, a rede de

emissoras de rádio Sara Brasil e o portal Sara Net (www.saranossaterra.com.br) também são

instrumentos da mídia da igreja51.

2.4.5 Igreja Mundial do Poder de Deus

O apóstolo Valdemiro Santiago é o representante oficial da igreja Mundial do Poder

de Deus, que surgiu em fevereiro de 1998, na cidade de Sorocaba – SP. Antes de abrir a sua

própria igreja, Santiago era bispo da igreja Universal do Reino de Deus em Moçambique -

África do Sul - e, após ter passado por um livramento – como profere em seus discursos - abre

a IMPD. Em março de 2006, foi inaugurado um templo de 18 mil metros quadrados, no bairro

do Brás, na zona leste de São Paulo. Sua aparição forte na televisão se deu em 2008, quando

Valdemiro fechou contrato com a Rede Bandeirantes de Televisão por 22 horas de

programação diária. Sua força se mostra no ano de 2011 quando ele consegue juntar no

autódromo de Interlagos 2,3 milhões de fiéis, para pedir a paz52.

A Revista Época fez uma matéria especial da igreja de Valdemiro e trouxe alguns

dados relevantes que valem a pena serem citados53:

51 Informações retiradas do site da Igreja Sara Nossa Terra. 52 Informações retiradas do site da Igreja Mundial do Poder de Deus. 53 Informações retiradas do site oficial da revista Época, com matéria intitulada Milagres e Milhões, do dia 27 março 2010.

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Carismático, intuitivo, meio desafiador, meio fanfarrão, Valdemiro comanda uma estrutura que, de acordo com números da igreja, reúne 2.350 templos, cerca de 4.500 pastores e tem sedes em mais 12 países. Só em aluguéis de imóveis para cultos a Mundial gasta R$ 12 milhões por mês, segundo estima o diretor de compras da igreja, Mateus Oliveira, sobrinho de Valdemiro. Em número de templos, a Mundial superou duas de suas três concorrentes neopentecostais: a Internacional da Graça, do missionário R.R. Soares, e a Renascer, do casal Estevam e Sônia Hernandes. Nos últimos dois anos, a Mundial praticamente multiplicou por dez seu tamanho (em 2008, eram 250 templos). Mantido o atual ritmo de crescimento, ela ultrapassaria a Universal até 2012. A igreja de Edir Macedo afirma ter 5.200 templos e 10 mil pastores.

A Igreja Mundial do Poder de Deus ganhou muita visibilidade no mundo religioso e

tem investido pesado nos meios de comunicação de massa, competindo com igrejas de portes

consideráveis, como já mencionado nos subtítulos deste capítulo.

2.4.6 Pastores midiáticos: Marco Feliciano e Silas Malafaia

Marco Antônio Feliciano nasceu em 12 outubro 1972, é líder da denominação

evangélica Ministério Templo de Avivamento, ligada à igreja Assembleia de Deus, é

deputado federal brasileiro eleito pelo Partido Social Cristão (PSC) com 212 mil votos. Foi o

evangélico com maior número de votos no país e o 12° entre os 70 deputados eleitos por São

Paulo. Em março de 2013, Feliciano foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e

Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados do Brasil, também empresário e autor de 18

livros, produziu DVDs com mensagens de autoajuda que venderam cerca de 600 mil cópias;

lidera, junto à sua denominação, as seguintes entidades: Gravadora Grata Music, Editora

Tempo de Avivamento, Revista Tempo de Avivamento, Rádio Tempo de Avivamento,

Livraria Cristã Vida & Paz, entre outras54.

Feliciano é um homem polêmico. Acusado de homofobia e racismo gerou em torno da

sua figura um discurso de ódio e repúdio. A pesquisadora Cunha (2013, ON-LINE) 55 explica

que não há nada de novo no discurso de Feliciano, o que mudou foi a projeção que a mídia

religiosa tem dado a este tipo de discurso.

54 Informações retiradas do portal Gnotícias.

55 Sobre este assunto acessar o site para ter acesso, na íntegra, à matéria publicada pela professora Magali do Nascimento Cunha, sobre: O caso Marco Feliciano: um paradigma na relação mídia-religião-política.

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As notícias na mídia são tantas e tão ousadas em torno da figura de Feliciano que a

revista Veja, em 8 abril 2013, lançou a matéria sobre as eleições de 2014: Marcos Feliciano

na presidência? Ao que o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ) responde “Do

jeito que conheço o meio evangélico, o Feliciano se elege com mais de um milhão de votos no

ano que vem e traz com ele uns três deputados”56.

O quadro abaixo nos dará um parâmetro do tempo em que Marcos Feliciano se utiliza

da mídia televisiva para articular o seu discurso político no que ele entende ser direito da

família e da sociedade, a fim de alcançar a grande massa57.

FIGURA 2 - Programação Nacional: Programa Marco Feliciano País Estado / Cidade Emissora Dia Horário

Brasil Rede Nacional CNT Domingo 13h às 14h Brasil Nacional Direcionada Rede Boas Novas Sábado 8h às 8h30 Brasil Nacional Direcionada Rede Gênesis Sábado 16h:30 às 17h Brasil Guarulhos Tv Destaque Domingo 8h às 8h30 Brasil Itajaí - SC Tv Brasil Esperança Sábado e

Domingo 8h30 às 9h 4h às 4h30

Brasil Lucas do Rio Verde MT Tv Conquista Sábado 12h às 12h30 Brasil Cacoal e JI - Paraná RO Band Local Sábado 12h às 12h30 Brasil Imperatriz - MA Tv Tocantins Canal 21 Sexta-feira 12h30 às 13h30 Brasil Imperatriz - MA Tv Band Imperatriz Canal 04 Quinta-feira 11h30 às 12h30

Fonte: Web Site Oficial Programa Marcos Feliciano

Outro pastor midiático muito conhecido por seus discursos inflamados e polêmicos é

Silas Lima Malafaia. Líder de uma denominação de origem pentecostal, Assembleia de Deus

Vitória em Cristo, Malafaia nasceu em 20 de agosto de 1956, no Rio de Janeiro. É ele quem

coordena e apresenta há mais de 29 anos o programa Vitória em Cristo, transmitido por várias

emissoras, em rede nacional. Nos Estados Unidos é transmitido pela CTNI, e na Europa e

África pela TV Maná Sat1. Malafaia diz que um dos seus maiores objetivos é transmitir o

Programa Vitória em Cristo nos horários nobres de rede de televisão do Brasil58.

Silas Malafaia e Marcos Feliciano têm algo em comum: ambos são dados às aparições

em programas televisivos de entretenimento. Dia 15 março 201359, Malafaia estava no

56 Matéria publicada na revista Veja. 57 Informações retiradas do site Marcos Feliciano. 58 Informações retiradas so site Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

59 Informações retiradas do site Observatório da Imprensa, por Fernando Oliveira, em 23 abril 2013, ed.743, matéria: Emissoras brasileiras dão show de irresponsabilidade.

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programa Superpop, de Luciana Gimenez, sendo que poucos minutos antes Feliciano estava

no programa do Ratinho, no SBT. Nenhum dos dois se autointitula artista e sim pastor, mas

igualmente se utilizam da mídia para propagar e promover suas ideias e articular suas

ideologias.

Cunha (2013, ON-LINE) reitera essa aproximação destes dois homens da mídia:

No campo das igrejas, o já citado pastor Silas Malafaia, conhecido por polêmicas midiáticas desde a campanha presidencial de 2010, se alistou nas fileiras do deputado Feliciano e se tornou seu árduo defensor e colaborador desde o início da controvérsia da presidência da CDH 60.

O fato é que Malafaia tem deixado claro seu apoio a Feliciano; se isso é jogo de

marketing, jogo político ou são questões puramente ideológicas, seria necessário um estudo

mais detalhado sobre o assunto para averiguar estas hipóteses. Esta pesquisa se limitará a

apontar a presença dos pastores midiáticos que possuem a maior representatividade na mídia

televisiva.

Tomando por base o referencial teórico citado, daremos uma atenção especial à Igreja

Internacional da Graça de Deus, foco deste trabalho.

2.5 R.R.Soares e a Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD)

Romildo Ribeiro Soares, mais conhecido como missionário R.R.Soares, assim se

autodenomina por acreditar que sua missão é propagar a palavra de Deus para todos os

brasileiros. É pastor-líder e fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus. Nasceu na

cidade interiorana de Muniz Freire, Espírito Santo, em 1948. Era filho de pessoas humildes,

seu pai era pedreiro e sua mãe dona de casa. Aos seis anos de idade, foi levado por vizinhos a

uma Igreja Presbiteriana à qual aderiu, tendo depois frequentado a Igreja Batista. Em 1968,

aderiu ao Pentecostalismo, tornando-se fiel da Igreja Nova Vida, lá se casou com Maria

Madalena Bezerra Soares e com ela teve cinco filhos homens, David, André, Daniel, Marcos

e Filipe. Em 1974, foi consagrado pastor em outra igreja do ramo pentecostal, a Casa da

Bênção, junto com seu cunhado Edir Macedo. Foi nessa época que Soares decidiu abandonar

o desejo de estudar Medicina, na Universidade da Amizade dos Povos, em Moscou, para se

60 Sobre este assunto acesse o site para ter acesso, na íntegra, à matéria publicada pela professora Magali do Nascimento Cunha, sobre: Marcha pela família e a liberdade: "quem já viu este filme?".

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dedicar à evangelização. Em 1977, Soares e Macedo fundaram a Igreja Universal do Reino de

Deus (IURD) e, três anos depois, o primeiro se desliga e funda a sua própria igreja, a Igreja

Internacional da Graça de Deus (IIGD) (MARIANO, 1995, p.75-77).

Considerado dono de um singular carisma, Soares sempre se apresenta muito bem

trajado e bem-disposto. Tem a fala mansa e seu estilo de conversa é direta, desinibida,

brincalhona e recheada de piadas e risadas de apresentador. No púlpito, ele não se limita a

pregar. Aproveita também para demonstrar suas outras habilidades, como cantar, contar

histórias sobre sua vida e seu ministério, fornecer aconselhamento pastoral ao público, brincar

com seus espectadores e determinar a cura dos que assistem ao seu programa. Tudo isso de

uma maneira que transmite muita espontaneidade e naturalidade a quem o assiste.

Moraes (2010, p.140) explica que “a maneira sóbria como R. R. Soares se apresenta

no vídeo faz parte de uma estratégia clean, onde não pode haver exageros e onde transparece

muito equilíbrio”. É nesse momento que o missionário torna-se palatável para bom número

dos evangélicos e dos simpatizantes da fé evangélica.

FIGURA 3: Missionário R. R. Soares

O pregador R.R.Soares ocupa posição central na TV. Seu discurso enfatiza a teologia

da prosperidade, ele próprio testemunha o progresso financeiro que obteve. Afirma que aquele

que se encontra na pobreza, na miséria está entregue aos demônios, porém a "conversão" tem

a força de negar, invalidar esta realidade horrenda. Só quem não se converte fica preso nesse

mundo demoníaco. “Tem-se aqui uma versão mágico-religiosa que ‘explica’, sem nenhuma

análise das causas sócio-econômicas da miséria, a razão por que a miséria existe: porque as

pessoas se recusam a converter-se” (ASSMANN, 1986, p.96).

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R.R.Soares é proprietário do Grupo Graça, denominação da empresa que tem sua

central administrativa no bairro Taquara, zona oeste do Rio de Janeiro, onde concentram-se as

atividades financeiras da igreja, uma gráfica e também uma editora, denominada Graça

Editorial, o que facilita a sua divulgação. Possui revistas especializadas para crianças

(Turminha da Graça), e adultos (Show da Fé), esta possui uma tiragem de 180 mil exemplares

e com CD brinde em todas as edições, e também o Jornal do Associado, Gravadora Graça

Music, Agrade (Academia Teológica da Graça de Deus), Canal CJC Juventude Cristã, FAPSP

(Faculdade do Povo), Graça Filmes, Nossa Rádio, Nossa TV - nela o fiel tem acesso a 36

canais selecionados de maneira que a programação siga a moral da família evangélica -,

Jornal Show da Fé, Ministério Patrocinador, USEM (União dos Servos Empresários), e uma

emissora de televisão RIT (Rede Internacional de Televisão), que tem como carro chefe o

programa Show da Fé, também transmitido em rede de TV aberta. Na área de assistência

social oferece atendimento aos membros carentes da igreja, fazem visitas a hospitais e

presídios que recebem roupa, comida e pregação.

Sua editora está em plena expansão e lança uma diversidade de novos títulos por ano.

Seus mais recentes trabalhos são os livros Ruth, A Decisão Acertada61 e Três Histórias, um

destino62, este último foi inspirado em um filme que fez grande sucesso entre o público

evangélico.

Há ainda autores norte-americanos que podem ser lidos pela editora do missionário,

como Gordon Lindsay e T.L.Osborn. Este último foi um famoso pregador que dava ênfase à

cura divina e libertação dos demônios. Romeiro (2004, p.96), explica que R.R.Soares

confirma a influência de T.L.Osborn sobre sua vida e ministério numa publicação oficial de

sua organização. Soares diz que estava viajando e encontrou com um dos ex-donos de uma

editora que, no passado, havia publicado o livro de Osborn, "Curai Enfermos e Expulsai

demônios". Sabendo que aquela editora não tinha mais interesse em publicá-lo, Soares

perguntou como conseguir os direitos de publicação e conta como continuou a conversa Contei a ele que eu estava me preparando para fazer medicina. Por ser pobre, ganharia uma bolsa de estudos na Rússia, assim que eu falasse russo. Em 1968, eu estava no quarto livro de língua russa, e já falava alguma coisinha.

61 Livro de autoria do Missionário R.R.Soares, conta a história de Rute, a moabita demonstra que é muito importante agir pela fé e, ao mesmo tempo, estar atento à voz do Espírito de Deus, não se desviando dos Seus propósitos e mantendo-se firme para cumprir tudo aquilo que o Senhor planejou para sua vida, a fim de desfrutar de uma vida de paz e prosperidade (GRAÇA EDITORIAL, ON-LINE). 62 De acordo com os próprios produtores, "Três Histórias, Um Destino" pretende ser o primeiro "filme gospel" lançado em mais de 100 salas no Brasil. A estratégia de marketing foi batizada de "1+2=150 mil vidas!", encorajando explicitamente o público evangélico a motivar os amigos e familiares a também assistirem ao filme (CINEMA.COM, ON-LINE).

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Quando li o livro Curai enfermos e expulsai demônios, ouvi a voz de Deus me chamando para pregar o evangelho. O ex-dono da editora gostou e eu continuei a falar: ‘queria ter condições de publicar esse livro e, quem sabe, colocá-lo nas bancas de jornal, porque todo mundo precisa lê-lo; seja crente, católico, espírita, qualquer pessoa, pois ele é uma verdadeira enciclopédia sobre o assunto da cura divina’. Então, ele me disse: ‘irmão Soares, não faça isso’. Perguntei admirado: ‘Por quê?’ Ele explicou: ‘imagine, irmão Soares, se os pecadores aprenderem a curar um enfermo. Não! Isso tem de ficar em nossas mãos’. Pensei: ‘Meu Deus, como este homem é baixo de entendimento’. Quer dizer, ele conhecia a revelação de Osborn colocara no livro, mas achava que os outros não podiam compreendê-la. Quantas pessoas seriam curadas se ele não escondesse essa verdade? Ora, ele mostrou que ainda estava em trevas. Depois, compartilhou comigo dois problemas que me provaram estar o diabo agindo na vida dele (CARTA VIVA, 2000, p.8-9).

FIGURA 4 - Sede da IIGD (Av: São João, 791), no bairro da República, centro velho,

São Paulo.

R.R.Soares explica a sua vocação pela mídia televisiva quando ainda morava na

cidade de Muniz Freire - Es, conta que teve a oportunidade de visitar uma cidade vizinha

chamada Cachoeira do Itapemirim, no ano de 1958, e que lá viu pela primeira vez um

aparelho de televisão. Nessa época, com apenas onze anos de idade, observou que as pessoas

ficavam admiradas com aquele aparelho e que, naquele momento, fez uma oração e um voto a

Deus: “Não tem ninguém falando do Senhor nesse aparelho. Ah, Senhor, se o Senhor me der

condições, um dia eu estarei ai, falando só do Senhor” (CUNHA, et. alli, 2008, p.160).

A igreja conta com a ajuda de pastores que podem ser tanto consagrados como

auxiliares. Os consagrados precisam ser casados, possuir vocação e se reconhecerem

chamados por Deus para exercer o pastorado. Deles são exigidas disponibilidade e dedicação

integral. Os pastores não têm nenhuma autonomia para tomar decisões administrativas e,

frequentemente, são remanejados para outros Estados, evitando assim certo "comodismo com

a obra", conforme explicam as lideranças (MARIANO, 1995, p.76).

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Mais recentemente, com a abertura da Faculdade de Comunicação, FAPSP, pela IIGD,

os pastores, tanto auxiliares quanto os consagrados, são incentivados a estudar e, para isso,

recebem bolsa integral.

Hoje, a IIGD está presente em todo o Brasil e em países como Estados Unidos, Índia,

África do Sul, Egito, Portugal, Espanha e Japão. A IIGD, denominada, então, como uma

Igreja Eletrônica “é uma realidade concreta que surge no contexto pós-moderno, na

contemplação das imagens, dentro de um mundo globalizado e espetacular, e é aqui analisada

como fenômeno imagético e de comunicação" (SCHMIDT, 2008, p.2).

Outro importante braço da estrutura midiática da IIGD é o portal www.ongrace.com.

O portal, em português significa nagraça.com, apresenta-se com o nome em inglês, remetendo

assim, a intenção em divulgar sua doutrina para o exterior. O site foi lançado no ano 2000,

está disponível nos idiomas português, inglês, espanhol, francês, holandês e árabe, permitindo

um alcance para aproximadamente 22 países. A iniciativa digital só mostra o quanto a igreja

investe nos meios de comunicação. O portal opera como lugar estratégico para divulgação da

doutrina evangélica, bem como de seus produtos. No site é possível encontrar todas as

informações sobre os programas da TV, do rádio, as mensagens do missionário, as principais

notícias sobre eventos e horário dos cultos, a Bíblia on-line, as mensagens do dia, os pedidos

de oração, os testemunhos; enfim, todas as informações sobre esta igreja eletrônica. Borelli

(2011, ON-LINE) explica que as igrejas neopentecostais têm se inserido na internet com mais

profissionalismo, uma vez que se percebe que elas passam a atuar mais a partir de uma lógica

midiática do que religiosa. Isto é, são igrejas, mas pensam e agem como mídia:

[...] de uma forma geral, as igrejas neopentecostais possuem portais com canais que possibilitam o acesso a distintos conteúdos e plataformas de informação. Outra especificidade é que possuem, numa só plataforma de mídia, a convergência de várias linguagens – a escrita, a oral, a visual – na forma de distintas mídias. Através dos portais das igrejas, podem-se acessar os produtos impressos (revistas, jornais), os digitais (blogs, websites de notícias), além de poder acompanhar programas de rádio e televisão.

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FIGURA 5 - Portal ongrace.com

2.6 O Programa Show da Fé

A Igreja Internacional da Graça, por meio de seu fundador R.R.Soares, mostra sua

força e capacidade de manter-se no ar, por meio de um programa televisivo diário

denominado Show da Fé. Este foi o primeiro programa religioso a ser apresentado em horário

nobre na TV aberta brasileira. O programa possui vários horários. Pela RIT (Rede

Internacional de Televisão) é transmitido às 7h, 8h, 17h10 e 20h30, de segunda a sexta; e no

sábado, às 7h e 8h. Na Rede TV das 7h, 8h, de segunda a sexta; aos sábados às 7h e 8h63. E

pela Rede Bandeirantes de segunda a sábado às 20h2864.

63 Informações retiradas do site da emissora. 64 Informação retirada do site da Band.

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FIGURA 6: Logotipo do Programa Show da Fé

Para se ter um parâmetro da importância que o programa tem na mídia televisiva,

vejamos a pesquisa feita dia 2 agosto de 2012, segundo informações do site especializado em

TV, Na Telinha, do portal UOL65. Este site também mostra que o programa Show da Fé ficou

atrás apenas dos jornais Brasil Urgente e Jornal da Band, da Copa Sul-Americana e do Agora

é Tarde. O Programa Show da Fé alcança quinto lugar de audiência. Aqui também interessa

destacar que o programa ficou com média de dois pontos do ibope, que, na região

metropolitana de SP significa duas vezes 183.520 pessoas e 58.235 lares (medição de um

ponto do Ibope em 2011): Até então considerado como pivô da baixa audiência da Band no horário nobre e de inibir que a emissora alcançasse índices maiores, o "Show da Fé" ocupou, nesta última quarta-feira (01), o posto de quinta maior audiência do dia. O show religioso de RR Soares registrou média de 2 pontos no Ibope. O "Brasil Urgente" e "Jornal da Band", ambos com 5 pontos, a Copa Sul-Americana, com 4, e o "Agora é Tarde", com 3, foram as únicas atrações com índices superiores. O "Show da Fé" bateu atrações enlatadas, como as séries "Drake & Josh" e "Kenan & Kel" - ambos com 1 ponto cada, como também venceu os nacionais "Jornal da Noite" e "Claquete" - também com 1 ponto cada. Houve empate com o "Jogo Aberto", "Band Kids", "Os Donos da Bola" e o "Muito+", que também renderam 2 pontos de média. Esses índices são consolidados e são baseados na preferência de um grupo de telespectadores da Grande São Paulo.

Em 2010, o custo para manter o programa Show da Fé sendo vinculado em horário

nobre pela Band era de R$ 4 milhões de reais mensais, hoje, segundo dados recentes

65 Informações retiradas do site natelinha, com a notícia: "Show da Fé", de R.R. Soares, é a quinta maior audiência da Band, dia 2 agosto 2012.

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divulgados pela Uol Notícias, no dia 19 março de 201366, para renovar contrato, a Band pede

como pagamento a quantia de R$ 10 milhões de reais. Significa dizer que o valor pago pelo

horário foi inflacionado em 100%, desde então, como indica, um trecho da matéria: Pelo sexto ano consecutivo, a Band usa a mesma estratégia para tirar mais dinheiro do pastor R.R.Soares, para renovar o contrato de venda de horário de programação. O líder da Igreja Internacional da Graça já paga hoje cerca de R$ 8 milhões para ter 60 minutos em horário nobre diariamente. Segundo Ooops! apurou, a emissora quer subir esse valor agora para pelo menos R$ 10 milhões.

Numa breve observação sobre a estrutura midiática da IIGD identificamos que a

instituição busca exaltar o nome Show da Fé em todos os seus produtos. A Revista

Graça/Show da Fé agregou o nome do programa de TV, bem como o jornal impresso, Jornal

Show da Fé. A expressão remete à ideia de que a IIGD é um “show de fé”. Moraes (2010) diz

que “Soares não é muito criativo nos nomes de suas mídias, mas isso pode também ser

encarado como uma estratégia midiática para reforçar no mercado o nome, a marca”

(MORAES, 2010, p.17).

A mesma observação podemos fazer para os nomes empregados nas instituições como

Shopping do Povo e Faculdade do Povo, uma forma de trabalhar e servir ao povo, se

apropriando e construindo um significado de proximidade aos menos favorecidos. A partir

dessa observação, percebe-se uma tentativa em articular a estrutura midiática em torno de

uma marca que represente a identidade da instituição, mostrando assim que as práticas da

instituição evangélica têm características pensadas e geradas para e pelo campo das mídias,

para a comunicação de massa, lembrando, segundo Cunha (2007) que a cultura das mídias é

parte do mercado e trabalha para produzir em expansão, acompanhando o crescimento do

mercado, “os produtos da mídia são [A Revista Graça/Show da Fé, Jornal Show da Fé’] a

mercadoria que é oferecida com o objetivo de fornecer lucro aos grandes empresários da

comunicação, daí a necessidade de grande audiência e de ser eco das aspirações do público”

(IDEM, 2007, p.20).

Há nas igrejas eletrônicas o interesse em manter o fiel sempre em sintonia com as

programações da igreja e principalmente fazê-lo sentir-se, apesar da distância física do

66 Informações retiradas do site Uol Notícias, feita pelo colunista Ricardo Feltrin, dia 19/03/2013, às13h13, matéria: Para renovar com pastor, Band quer mais de R$ 10 milhões por mês.

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templo, participante da congregação, vivenciando a fé por meio de vários formatos e

linguagens.

A maioria dos programas é de pregação, com quadros de aconselhamento, testemunho (onde fiéis relatam seus sofrimentos e ganhos após tornar-se fiel de determinada igreja). A inclusão da voz do “outro” é uma estratégia de captura de novos fiéis que poderão se identificar com aquela história ali relatada e passar a acessar a programação da igreja e/ou frequentá-la. Além disso, são divulgadas as ações da igreja pelo Brasil e pelo mundo com agenda de encontros, eventos, etc. Essa prática obriga as igrejas a se estruturarem como mídias também, ou seja, devem ter um amplo rol de profissionais do campo da comunicação e ter um planejamento na área (BORELLI, 2011, ON-LINE).

As instituições religiosas são as que têm feito experimentações no sentido de

midiatizar-se mais, como já foi falado acima, através do diálogo entre as mídias, do uso de

estratégias midiáticas para atingir os seus públicos e do desenvolvimento de ações que

buscam prolongar o contato com os seus fiéis para ampliar o sentido de pertencimento.

2.7 Considerações preliminares

Tudo aquilo que valorizamos nos causa interesse, queremos conhecer, entender as

questões que permeiam o nosso jeito de ser e as nossas escolhas; sejam elas afetivas,

profissionais ou religiosas. Então, não é nossa intenção chegar a uma única conclusão, o que

se revela impossível dado o processo observado, o que fazemos é uma escolha sobre as

variadas possibilidades interpretativas.

Estamos refletindo sobre este processo entre mídia e religião, da religião se

apropriando do espaço midiático como forma de disseminar doutrinas. As igrejas que se

apropriaram deste novo jeito de pregar o evangelho são as chamadas igrejas pentecostais

independentes ou neopentecostais, estas já nasceram na era das mídias, diferentemente das

igrejas tradicionais, que não viam com bons olhos a presença da mídia.

Por ser um tema em estado de transformação, vivendo uma espécie de metamorfose, o

campo religioso tem sido recentemente objeto de vários estudos e pesquisas. Com o aporte

teórico de pesquisadores como Leonildo Campos (1996) que em sua tese de doutorado

analisou a origem e o desenvolvimento de um empreendimento religioso que se utilizou de

estratégias de marketing e comunicação de massa, a igreja IURD e Ricardo Mariano (1995)

que enfatizou as mudanças que o próprio pentecostalismo tem experimentado buscamos

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compreender o processo histórico e as principais características daquilo que hoje são

consideradas igrejas eletrônicas.

Pensar a história da comunicação nos dá norte e referências para entendermos o tempo

presente, pois “é impossível falar de modernidade e não tocar no assunto da mídia como um

produto e um agente da modernidade” (MORAES, 2010, p.9), mas nem de longe o conteúdo

aqui apresentado supriu todas as lacunas deste processo. O que ficou claro é que mídia e

religião estruturam-se num processo dialético, em que uma exige o conhecimento da outra, e

que o uso da mídia é uma estratégia de garantia de existência neste atual contexto.

O discurso religioso, então, foi adaptado para um discurso mais midiático, com mais

visualidade, mais coloquialidade e menos aprofundamento. Percebemos claramente este

discurso na igreja do R.R.Soares, que está entre as mais conceituadas igrejas midiáticas, por

possuir um pequeno império de meios de comunicação, sem falar nas suas aparições em

megaespetáculos, como Festa do Céu, Dia da Decisão; entre outros. O missionário R. R.

Soares (líder e fundador da igreja), continuamente presente nesses eventos, dirige os

espetáculos em campos de futebol, praças públicas, grandes ginásios etc, sendo que a

principal expectativa destes eventos é a de reunir milhares de pessoas, sempre com a ajuda de

atrações do mundo gospel.

Surge um fiel que busca estar em contato com a sua igreja além das formas

tradicionais de contato, que seria a mediação face a face entre igreja/pastor e fiel, hoje este

contato ainda permanece, mas não mais de forma direta.

É preciso perceber que estamos passando por mudanças muito significativas em nossa

sociedade, as relações sociais mudaram.

Borelli (2011, ON-LINE) esclarece que diante de uma sociedade cada vez mais

marcada pela superficialidade e pela instantaneidade, as relações se transformam e cada vez

mais a interação passa a ser atravessada por dispositivos técnicos e simbólicos. Nesse

contexto, a mídia passa a afetar os modos através dos quais as instituições agem e também as

relações entre os sujeitos. Por isso surge a sociedade em processo de midiatização.

Com base nessas premissas, relacionaremos o capítulo 1 e 2 por meio de análise do

discurso, a partir da seleção de doze programas veiculados pela mídia televisiva, denominado

Abrindo o Coração. Neste quadro, que está inserido dentro do programa Show da Fé, - carro

chefe da emissora – aplicaremos os conceitos desenvolvidos até aqui, tendo por certo que não

pretendemos esgotar o tema, mas levantar reflexões e questionamentos a respeito da

representação da mulher neste quadro que se mostrou pontual para a nossa análise. Vale dizer

que o título deste trabalho seguirá nesta ordem de importância, seja qual: Mídia, Religião e

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Gênero. Ou seja, o olhar de analista observará o fenômeno de interação destes dois campos

sociais, mantendo maior interesse nos aspectos comunicacionais do que religiosos, embora

um não exista, neste contexto, sem o outro.

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CAPÍTULO 3

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NO PROGRAMA SHOW DA FÉ: UMA

ANÁLISE DE DISCURSO

[...] minha bisavó reclamava

que minha avó era muito tímida minha avó pressionou minha mãe

a ser menos cética minha mãe me educou para ser bem lúcida

e eu espero que minhas filhas fujam desse cárcere que é passar a vida

transferindo dívidas.

Martha Medeiros

Esta dissertação de mestrado é um esforço para manter o diálogo entre a pesquisa

científica em comunicação social e as áreas correlatas, neste caso, com a linguagem, o

discurso em questão. Pretendemos mostrar que podemos reagir criticamente a um discurso

televisivo da mesma forma que reagimos a um filme, o que implica não só ter uma opinião

sobre um tipo de discurso, sendo positiva ou negativa; exagerada ou indiferente, mas

principalmente compreender quais mecanismos utiliza para funcionar no seio de uma

sociedade imagético-discursiva, como a contemporânea. Utilizando as palavras do cientista

Schwartz (s/d, p.20) “a ciência é uma construção humana. É o que acontece quando seres

humanos tentam, juntos, atribuir sentido às experiências com a natureza. São maneiras de

entender o mundo e um novo modo de entender a nós mesmos”.

A partir deste capítulo, o principal objetivo é analisar o discurso do líder religioso

missionário R.R.Soares, pastor presidente da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD)

proferido em respostas às cartas do quadro Abrindo o Coração do Programa Show da Fé,

introduzido no capítulo anterior. A análise busca conhecer as muitas representações do

feminino encontradas nestas cartas vinculadas à mídia televisiva e veiculadas por ela.

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3.1 Seção Abrindo o Coração

A proposta inicial deste projeto de pesquisa pretendia dar conta da análise na íntegra

do programa, que conta com uma hora de duração. No entanto, no processo de qualificação, a

partir de uma pequena amostra do programa, ficou clara a riqueza de enunciados expressos na

seção Abrindo o Coração, o discurso direto e direcionado às necessidades daqueles e daquelas

que se dispõem a escrever para um programa ao vivo na esperança de receber a resposta e a

cura para os males da alma e do corpo. Foi decidido, a partir dali, que nos dedicaríamos à

análise daquela seção do programa, pois nela está o discurso que responde de maneira pontual

a estas mulheres que escrevem e se expõem.

Uma tentativa metodológica foi a análise das cartas sem edição, ou seja, sem a

interferência de terceiros que, neste caso, são os revisores, o material ficaria mais rico, mesmo

que diminuíssemos a quantidade de cartas. Fizemos um esforço tarefa para conseguir a

autorização junto à produção do programa, mas não houve sucesso na tentativa. Decidimos,

então, retomar ao plano inicial e nos restringirmos às cartas tal como lidas no programa e,

portanto, públicas. Vale ressaltar que a produção promove pequenas alterações no texto

referentes a correções da língua portuguesa e ajuste de frases para que se tornem

compreensíveis ao público; o conteúdo - o que quem escreve demanda do programa - é

totalmente preservado.

A leitura de uma carta na seção Abrindo o Coração tem no máximo trinta segundos, e

a resposta do missionário depende muito do conteúdo dela, não passando de um minuto, em

média. São recebidas por volta de 60 a 100 cartas por mês que vem de diversas partes do

Brasil, e pela análise geográfica se observa que a maior demanda parte do nordeste.

A partir de 2003, quando o programa passou a ser exibido na Rede Bandeirantes de

Televisão este número aumentou, mas ultimamente tem sido menor. As cartas vêm pelo

correio e o endereço de correspondência é direcionado para a igreja-sede no Estado do Rio de

Janeiro, bairro Madureira. As cartas são encaminhadas para o departamento de revisão,

organizado por um grupo de colaboradoras. Lá elas fazem uma pré-seleção. Esta pré-seleção

diz respeito somente a ter uma letra passível de ser lida, bem como em boas condições de

conservação. Dessa forma, as cartas são encaminhadas por malote interno para o

departamento de revisão da igreja, cuja sede fica em São Paulo, na Av: São João, 791, lugar

onde são gravados os programas Show da Fé, posteriormente levados ao ar ao vivo.

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Em São Paulo, as cartas são direcionadas aos revisores que separam por conteúdo. As

cartas trazem as mais diversas histórias relacionadas à vida cotidiana ou a questões ligadas ao

casamento, aos filhos, à questão financeira, doenças; enfim, às necessidades e inquietações do

ser humano. Esta seleção também privilegia os pedidos de oração e a exposição dos

problemas. Não é momento para contar as bênçãos ou agradecer por algum milagre, cartas

com este teor aparecem, mas são em menor número, uma vez que os telespectadores já

conhecem a dinâmica do quadro. Para este fim o quadro Novela da Vida Real é mais

indicado. Nestes casos, estas cartas são encaminhadas à produção do programa que entra em

contato com a pessoa para uma possível gravação.

Todas as cartas são devidamente arquivadas como garantia do programa, para o caso

de futuramente algum autor se sentir lesado ou arrependido de ter a sua história lida ao vivo.

A produção do programa garante que isso não ocorreu até a presente data, de qualquer forma,

isso já é uma regra.

O conteúdo das cartas traz a história de vida de pessoas que sentem a necessidade

latente de receber orações e pedir conselhos. Nem todos os que participam deste quadro são

necessariamente evangélicos, alguns são simplesmente admiradores do programa e do

representante da igreja, R. R. Soares. Inclusive, os participantes fazem questão de dizer isso.

Iniciam suas histórias dizendo se são ou não evangélicos, se frequentam a IIGD, ou outra

denominação religiosa. E quando são patrocinadoras do programa fazem questão de enfatizar.

Inclusive, em algumas cartas, as pessoas cobram as bênçãos, pois se sentem no direito de

recebê-las, uma vez que colaboram financeiramente.

As cartas passam então pelo processo de revisão e edição. Neste sentido, é de total

responsabilidade dos revisores reescrever a história com no máximo 1000 caracteres, em

média, 30 segundos de leitura, desde que a questão central do problema não seja alterada, a

fim de serem respondidas de forma pontual pelo missionário.

As cartas são, na sua maioria, muito longas, de duas a três páginas. Observa-se um

diálogo muito íntimo, ou seja, as pessoas escrevem como se estivessem face a face com um

amigo próximo, em quem confiam. Percebe-se no decorrer da leitura uma necessidade real de

serem ouvidas, uma urgência para resolver os problemas e sanar as dúvidas. É como um

confessionário, com a diferença que o Brasil todo ouve, apesar do anonimato.

As cartas são então gravadas pela equipe que compõe o programa Show da Fé. A

leitura das cartas faz toda a diferença. Uma leitura cheia de emoção traz a sensação de que

esta história também pode ser do telespectador, há nitidamente uma participação ativa do

público participante do programa no término das gravações, as pessoas se expressam com

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risos ou mesmo comentários que muitas vezes escapam à edição do programa. Já ocorreu de

mulheres escreverem para o programa relatando o desejo de encontrar um companheiro

evangélico. Elas explicitam suas características físicas, contam suas histórias e idealizam um

homem, que na concepção delas, seria ideal. Esta carta é ouvida por um homem que sente o

mesmo desejo, e tudo parece tão perfeito que ele entra em contato com a produção do

programa para pedir o contato desta mulher. A produção resgata esta carta, liga para a mulher

e pergunta se ela quer ou não conhecer um possível pretendente. Recebendo uma resposta

positiva, a produção repassa o contato ao pretendente. O fim dessas histórias fica por conta da

imaginação ou “da vontade de Deus”.

É importante registrar que é sempre mantido o anonimato de todas as pessoas

remetentes, bem como sua localidade.

3.2 Perfil das remetentes

Um aspecto interessante e que salta aos olhos assim que nos deparamos com este

material, é que em quase 95% dos casos a maioria das remetentes são mulheres. Este dado

pode ser facilmente identificado na gravação dos programas, embora haja por parte da

produção um esforço considerável para balancear esta disparidade.

A faixa etária varia de acordo com os pedidos e as solicitações, ou seja, mulheres mais

velhas escrevem pedindo pelos filhos ou por saúde. Já as mulheres mais novas pedem por

casamento/relacionamento ou vida financeira. As cartas demonstram com clareza a identidade

de cada uma, pois são escritas com muitos detalhes, como idade, religião, onde moram, com

quem moram, há quanto tempo, se frequentam igreja, de qual denominação, se são

patrocinadoras, quantos filhos têm, falam da vida financeira e, às vezes, até quanto ganham.

Já as cartas escritas por homens são mais curtas e sucintas. Eles são objetivos e os

pedidos ou apelos estão quase sempre relacionados ao trabalho ou à vida sexual. É

interessante notar que boa parte é detento, se converteram ao cristianismo na penitenciária e,

por terem acesso aos programas televisionados, sentem o desejo de escrever e compartilhar.

Quando eles escrevem para falar da vida sexual, na maioria das vezes, são homens solteiros

que sentem desejo pelo sexo, mas por não serem casados, entendem que esta é uma prática

pecaminosa aos olhos de Deus. A pergunta pontual é como fazer para lidar com os desejos da

carne, sem pecar. No caso das mulheres, isso raramente acontece. Elas não se sentem à

vontade para falar sobre sexo, quando muito escrevem que tiveram vários relacionamentos e

que não conseguem ser felizes.

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As cartas vêm de várias regiões do Brasil, notando-se uma demanda maior da região

do nordeste, dos estados de Piauí, Bahia e também do Estado de Minas Gerais. A classe

social pode ser também observada pelo público que frequenta a IIGD. São pessoas de classe

C,D,E. A dificuldade com a escrita e com a norma culta da língua portuguesa também são

indícios de pouca escolaridade.

De forma geral, este é o perfil das mulheres autoras das cartas, responsáveis por

constituírem a maioria dos adeptos da igreja. Nosso esforço agora é reconhecer o que, de fato,

elas são; o que pensam que são, ou o que dizem que elas são.

3.3 Metodologia de análise da seção Abrindo o Coração

Como já exposto na introdução deste trabalho, a amostra de análise foi composta por

programas veiculados pela TV e vendidos em DVDs, no ano de 2011 e 2012 com 12 edições

dos programas – uma por mês - de um total de 240 programas, considerando que durante um

mês são apresentados 20 programas, um para cada dia útil. O critério de seleção para a

escolha das cartas foi a partir do estudo de cada DVD para saber qual a maior incidência de

pedidos, os mais recorrentes e quem os solicitava. Elencamos por hierarquia: Casamento;

Filhos; Saúde; Finanças. Mostraremos nas tabelas abaixo a quantidade de programas

encontrados em cada mês de acordo com a hierarquia dos pedidos de oração/orientação.

Tabela 5: Ano de 2011 - Quantidade de programas por hierarquia dos pedidos de oração/orientação, na ordem: Casamento; Filhos; Saúde; Finanças. ANO DE 2011

MÊS CASAMENTO FILHOS SAÚDE FINANÇAS

Agosto 12 4 3 1

Setembro 8 6 4 2

Outubro 10 6 3 0

Novembro 7 5 7 1

Dezembro 8 6 5 1

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Tabela 6: Ano de 2012 - Quantidade de programas por hierarquia dos pedidos de oração/orientação, na ordem: Casamento; Filhos; Saúde; Finanças.

ANO DE 2012

MÊS CASAMENTO FILHOS SAÚDE FINANÇAS Janeiro 6 6 4 4

Fevereiro 11 5 3 1

Março 10 6 3 1

Abril 13 5 1 0

Maio 15 4 0 1

Junho 9 5 4 2

Julho 12 5 1 2

O critério de seleção foi exposto na apresentação da metodologia da pesquisa na

introdução deste trabalho contendo o quadro dos programas selecionados, que reproduzimos,

mais uma vez, aqui:

Tabela 1 - Programas selecionados para análise obedecendo a ordem de hierarquia: Casamento

CASAMENTO ANEXOS PROGRAMAS DATA/HORÁRIO DESCRIÇÃO

I 1 18 agosto 2011 - (sábado) – 18h IN 1:00:54 OUT

1:06:00

Mulher diz que não é casada e mora com um companheiro e só

tem derrotas II 2 18 setembro 2011 –

(sábado) 14h IN 1:10:20 OUT 1:12:37

Mulher foi transferida para outra cidade, está longe do marido. Sobre relacionamento íntimo

III 3 8 outubro 2011 (sábado) – 18h IN 1:05:54 OUT

1:08:32

Mulher está cansada do casamento ruim

IV 4 6 novembro 2011 – 14h IN 1:05:20 OUT 1:09:42

Mulher diz que marido a agride fisicamente, mas o ama

V 5 3 dezembro 2011 (sábado)- 14h IN 1:07:55 OUT

1:10:39

Mulher deprimida, terceiro relacionamento

VI

6 8 janeiro 2012 – (domingo)

9h IN 1:04:31 OUT

1:07:34

Fim do casamento, marido foi embora. Ela se culpa, diz que foi

inconsequente. Pede o marido de volta

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Tabela 2 - Programas selecionados para análise obedecendo a ordem de hierarquia: Filhos FILHOS

ANEXOS PROGRAMAS DATA/HORÁRIO DESCRIÇÃO VII 7 5 fevereiro 2012 (domingo)–

14h- IN 0:52:30 OUT 0:54:33 Mulher idosa pede pela vida

dos filhos por não serem salvos

VIII 8 11 março 2012 (domingo)– 9h- IN 1:05:55 OUT 1:06:58

Mulher pede pela vida da

filha que está com câncer

IX 9 17 abril 2012 (domingo)– 9h IN 1:04:11 OUT 1:05:25

Problema com filho que rejeita a mãe

Tabela 3 - Programas selecionados para análise obedecendo a ordem de hierarquia: Saúde

SAÚDE

ANEXOS PROGRAMAS DATA/HORÁRIO DESCRIÇÃO X 10 13 maio 2012 (domingo)– 11h

IN 1:06:30 OUT 1:07:46 Sofreu acidente no trabalho e não consegue obter a cura de

Deus XI 11 17 junho 2012 (domingo)– 9h

IN 1:02:47 OUT 1:04:34 Mulher em depressão porque

a mãe faleceu

Tabela 4 - Programas selecionados para análise obedecendo a ordem de hierarquia: Finanças.

FINANÇAS

ANEXOS PROGRAMAS DATA/HORÁRIO DESCRIÇÃO XII 12 15 julho 2012 (domingo)– 9h

IN 1:07:43 OUT 1:08:59

Mulher reclama que já está com 38 anos e não conquistou

nada na vida.

3.3.1 Importantes conceitos da Análise de Discurso

Na introdução deste trabalho apresentamos as bases da Análise de Discurso como

método a ser utilizado nos estudos de linguagem a que esta pesquisa se propôs. A partir delas,

a fim de substanciar a análise que ora apresentaremos com base no corpus estabelecido,

registraremos nossa compreensão quanto aos conceitos de condição de produção do discurso,

de formação discursiva e de formação ideológica, considerados fundamentais para o estudo da

linguagem e, por conseguinte, para o estudo do discurso que constrói uma representação da

mulher no programa Show da Fé.

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Condições de Produção do Discurso

As condições de produção do discurso compreendem os sujeitos, a situação e também

a memória. Considerando as condições de produção em sentido estrito temos as circunstâncias

da enunciação: é o contexto imediato; consideradas em sentido amplo incluem o contexto

sócio-histórico e ideológico. A memória neste caso é tratada como interdiscurso porque já foi

pensada ou falada antes. Segundo Orlandi (2012, p.31) “é o que chamamos de memória

discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pre-

construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra”.

Orlandi explica que o dizer não é propriedade particular, as palavras não são só nossas,

elas significam pela história e pela língua, algo que não se aprende e não se ensina, mas que

produz seus efeitos. “Escolhemos as palavras porque já estamos filiados a uma rede de

sentidos sem mesmo percebermos. Essa escolha não é consciente, vai depender da história e

segundo Orlandi do acaso”. Todavia nossa escolha está relacionada com a relação com a

língua e a história, por nossa experiência de mundo, através da ideologia (IDEM, 2012, p.34).

Formação Discursiva

O conceito de formação discursiva vem de Foucault, de sua obra Arqueologia do

Saber, da qual Pêcheux usou a expressão formação discursiva, para um emprego específico

nos estudos do discurso. Foucault (2005, p.43) explica que a formação discursiva acontece

quando:

[...]se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva.

A noção de formação discursiva, ainda que polêmica, é básica na AD, pois permite

compreender o processo de produção dos sentidos, a sua relação com a ideologia e também dá

ao analista a possibilidade de esclarecer regularidades no funcionamento do discurso.

Para Brandão (2002, p.90): A formação discursiva é um conjunto de enunciados marcados pelas mesmas regularidades, pelas mesmas regras de formação. A formação discursiva se define pela sua relação com a formação ideológica, isto é, os textos que fazem parte de uma formação discursiva remetem a uma mesma formação ideológica. A formação discursiva determina “o que pode e deve ser dito” a partir de um lugar social historicamente determinado. Um mesmo texto pode

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aparecer em formações discursivas diferentes, acarretando com isso, variações de sentido.

Sobre formação discursiva, Orlandi (2012, p.42-43) esclarece que as palavras mudam

de sentido segundo as posições daqueles que as empregam, ou seja, tudo depende das

formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem. O que pode e deve ser dito será

definido “a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada” (IDEM,

2012, p.43). O discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo que o sujeito diz se

inscreve em uma formação discursiva e não outra para ter um sentido e não outro. Desta

forma, as palavras não têm um sentido nelas mesmas, estão inseridas nas formações

discursivas em que se inscrevem. Portanto, o discurso não é fechado em si mesmo e nem é do

domínio exclusivo do locutor: “aquilo que se diz significa em relação ao que não se diz, ao

lugar social do qual se diz, para quem se diz, em relação a outros discursos” (IDEM, 2006,

p.83). Isso tudo que se articula pode ser analisado na relação entre as formações discursivas e

a formação ideológica dominante.

Formação Ideológica

Brandão (2002, p.90) explica que “a formação ideológica é constituída por um

conjunto complexo de atitudes e representações que não são nem individuais, nem universais,

mas dizem respeito às posições de classe em conflitos umas com as outras”. Cada formação

ideológica pode compreender várias formações discursivas interligadas.

Pinto (1999) explica que quando nos assumimos como emissores ou coemissores de

uma situação de comunicação, desde “os primeiros momentos em que na primeira infância

acordamos para a comunicação e a linguagem, estamos entrando no amplo mundo das

representações (conhecimentos e crenças), das relações e identidades sociais”, e aceitamos

alguma forma de controle social. Aprendemos a ser o que somos por meio das regras e

convenções aos discursos que dominamos, as quais não podemos ignorar e que só podemos

alterar em situações de mudança social, mesmo que pensemos ser os senhores absolutos da

nossa vontade. Entramos nesse mundo de aparências, no mundo do ideológico e do poder, que

é o mundo da linguagem (PINTO, 1999, p. 40).

Não há como negar que o ideológico está presente no texto pelas marcas ou traços que

estas “regras formais de geração de sentidos deixam na superfície textual e que o analista de

discursos procura encontrar e interpretar”(IDEM, 1999, p.41). Uma parte do ideológico

também transparece num texto sob a forma de preconstruídos, que “são inferências e

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pressuposições que o coemissor deve fazer para suprir as lacunas e dar coerência à

interpretação que faz, interligando entre si as frases e partes do texto e ligando-o a um

mundo” (IDEM, 1999, p.41). Na verdade este intertexto consensual, assim como as regras

formais de investimento, contribuem para sustentar, de modo direto ou indireto, relações de

poder desiguais, relativas às diferenças sociais entre os participantes do evento. Essas disputas

criam relações de dominância entre os discursos reconhecidos como hegemônicos e os

discursos subordinados, favorecendo a naturalização ou reificação (como coisificação das

relações sociais, conforme o marxismo, quando tudo passa a contar como mercadoria ou valor

de troca) dos primeiros discursos (PINTO, 1999, p.41).

Em Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado (1974), Althusser afirma que, para

manter sua dominação, “a classe dominante gera mecanismos de perpetuação ou de

reprodução das condições materiais, ideológicas e políticas de exploração”. É ai que entra o

papel do Estado, que através de aparelhos repressores - compreendendo o governo, a

administração, o Exército, a política, os tribunais, as prisões etc - e aparelhos ideológicos,

compreendendo “religião, a escola, a família, o Direito, a política, o sindicato, intervém ou

pela repressão ou pela ideologia”, tentando forçar a classe dominante a submeter-se às

relações e condições de exploração (ALTHUSSER, 1974, p.43-44).

Segundo Brandão (2002, p.21-24), Althusser formula três hipóteses para explicar a sua

ideologia em geral.

Primeira: “a ideologia representa a relação imaginária de indivíduos com suas reais

condições de existência”. Com esta tese, Althusser se opõe à concepção simplista de ideologia

como representação mecânica da realidade; para ele, a ideologia é a maneira pela qual os

homens vivem a sua relação com as condições reais de existência, e esta relação é

necessariamente imaginária. “O imaginário é o modo através do qual o homem atua,

relaciona-se com as condições reais de vida, sendo essas relações imaginárias, isto é,

representadas simbolicamente, abstratamente, supõem um distanciamento da realidade”. E

esse distanciamento pode ser o caminho para a alienação das condições de existência do

homem.

Segunda: “A ideologia tem uma existência porque existe sempre num aparelho e na

sua prática ou suas práticas”. Para explicar sua tese, Althusser parte da colocação feita por

uma corrente idealista que reduz a ideologia a ideias dotadas por definição de existência

espiritual; em outras palavras, o comportamento material de um sujeito dotado de uma

consciência em que forma livremente as ideias em que crê. A existência da ideologia é,

portanto, material porque as relações vividas envolvem a participação individual em

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determinadas práticas e rituais no interior de aparelhos ideológicos concretos. Isso leva

Althusser a concluir que a prática só existe numa ideologia e através de uma ideologia.

Terceira: “A ideologia interpreta indivíduos como sujeitos”. Toda ideologia tem por

função constituir indivíduos concretos em sujeitos. Nesse processo de constituição, a

interpelação e o (re) conhecimento exercem papel importante no funcionamento de toda

ideologia. É através desses mecanismos que a ideologia, funcionando nos rituais materiais da

vida cotidiana, opera a transformação dos indivíduos em sujeitos. O reconhecimento se dá no

momento em que o sujeito se insere, a si mesmo e a suas ações, em práticas reguladas pelos

aparelhos ideológicos. Será somente através do sujeito e no sujeito que a existência da

ideologia será possível (BRANDÃO, 2002, p.21-24).

Há muito mais o que falar sobre condição de produção do discurso, formação

discursiva e formação ideológica, considerados fundamentais para o estudo da linguagem,

mas para os limites deste trabalho ficaremos com estas colocações, guardando alguns

princípios básicos que serão fundamentais para nos debruçarmos na análise, propriamente

dita.

3.3.2 O Discurso Religioso segundo a Análise de Discurso

Orlandi (2006) ao falar sobre a tipologia do discurso, apresenta de forma específica o

discurso religioso e suas características.

Althusser (1974) já nos explicou que os Aparelhos Ideológicos do Estado funcionam

pela ideologia e não pela violência, como é o caso dos Aparelhos repressivos de Estado. Mas

pontua que uma não existe sem a outra. Ou seja, os “AIE funcionam de modo mais massivo

pela ideologia e de modo secundário pela repressão, mesmo que no limite, mas apenas no

limite, esta seja bastante atenuada, dissimulada ou até mesmo simbólica” (ALTHUSSER,

1974, p.47).

O autor segue explicando que só existe ideologia através do sujeito e para sujeitos. Há

a necessidade do desdobramento do sujeito. Ele entende que a definição de sujeito aponta para

duas direções: a de ser sujeito e a de assujeitar-se. O sujeito tem um centro de iniciativa, autor

e responsável por seus atos, de outro lado um ser submetido, sujeito a uma autoridade

superior, portanto desprovido de toda liberdade, salvo a de aceitar livremente a sua

submissão. Orlandi (2006, p.242) explica que “só existe sujeitos para e pela sujeição e é assim

que se expressa o livre-arbítrio, em sua duplicidade: sujeitos submetidos ao Sujeito/sujeitos

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reconhecidos pelo sujeito”. O que ela afirma que “o conteúdo da ideologia religiosa se

constitui de uma contradição, uma vez que a noção de livre-arbítrio traz, em si, a de coerção”.

Se a língua é indiferente à divisão de classes sociais e à sua luta (daí a relativa autonomia do sistema linguístico), estas (as classes sociais) não o são em relação à língua a qual utilizam de acordo com o campo de seus antagonismos (PÊCHEUX, 1975 apud BRANDÃO, 2004b, p.43).

A partir dessa afirmação, entendemos que a noção de livre-arbítrio tem a sua carga

ideológica, pois prega a liberdade mas é carregada de coerção, pois o sujeito é livre mas nele é

incutida a culpa pelos atos que assume, considerados pecados. O mesmo se dá quando a

língua que é indiferente à divisão de classes é utilizada pelas classes para marcar a

distinção/antagonismo. Aqui há a ideologia na língua. A língua é carregada de ideologia na

forma como é utilizada nos discursos. Usar a ideia de livre-arbítrio mas promover a coerção é

a mesma coisa.

O discurso religioso é entendido por Orlandi (2006, p.247) “como autoritário em que

não há reversibilidade, ou seja, o emissor, que é o representante de Deus não pode modificá-

lo, as regras devem seguir seu procedimento com foco no texto sagrado, no qual não há troca

entre emissor e receptor”. Não existe autonomia para o emissor, seguem-se as regras de uma

pregação que não se dá aleatoriamente. Neste discurso, o poder divino é sustentado desde seu

inicio e origem pela desigualdade de papéis e de lugares. Dessa assimetria decorrem várias

outras com base na dicotômica (imortalidade/mortalidade; onipotência/submissão;

criador/criatura). Orlandi (2006) define o discurso religioso como assimétrico e não

autônomo:

Assimétrico por desnivelar categoricamente os envolvidos, emissor e receptor, situando o primeiro num patamar diferente dos demais, na medida em que o emissor ocupa o lugar privilegiado de representante de Deus. Não autônomo porque o emissor não tem qualquer possibilidade de alteração ou modificação da mensagem a ser veiculada, que se resumem nos preceitos religiosos, dogmas, crenças e convicções (ORLANDI, 2006, p.251).

Desta forma, para fazer a análise de discurso religioso é necessário buscar alguns de

seus sentidos, levar em consideração os valores que o permeiam, suas marcas sociais,

históricas e ideológicas. Para tanto, apresentamos um protocolo analítico para organizarmos

os elementos próprios da AD que pretendemos utilizar em consonância com o escopo teórico

do capítulo 1 e 2.

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3.3.3 Protocolo de leitura

Este caminho de compreensão dos elementos que constituem a Análise do Discurso é

fundamental para o analista fazer o recorte daquilo que pretende investigar. Diante de tantas

possibilidades de análise, o investigador se sente desafiado a optar por uma que consiga

abarcar todo processo de investigação, ou, pelo menos, que dê conta de responder às questões

colocadas nos limites deste trabalho. Por eliminatória ficou decidido que não trabalharíamos

com as marcas do texto, ou seja, seus aspectos formais, pois nosso interesse é pela

materialidade, portanto, linguístico-histórica; logo o processo que não se remete a regras do

discurso, mas às suas condições de produção e funcionamento.

Nosso objetivo é investigar como se dá a construção social do papel da mulher no

discurso religioso e analisar a sua representação no programa Show da Fé. Estas condições de

produção já darão margem a recortes discursivos pertinentes ao lugar de quem fala

(missionário), ou seja, fazem parte da identidade do discurso acessado pelo sujeito, trazendo

sentidos pré-construídos que figuram na memória do dizer da sociedade. A interpretação

deverá ser feita sempre entre o interdiscurso e o intradiscurso chegando às posições

representadas pelos sujeitos.

Criamos um protocolo de análise com base em nove formações discursivas que foram

definidas tendo como parâmetro as temáticas em maior evidência nos pedidos de

oração/orientação contidos nas cartas ao programa.

O quadro de formações discursivas sobre o casamento se mostrou o mais recorrente na

seleção das cartas, conforme quadro numérico já mostrado. As cartas com este perfil diziam

respeito a relacionamentos desfeitos, traições, violência doméstica e simbólica, separações,

divórcios, ciúmes no relacionamento etc. Por isso, elegemos seis cartas que trouxeram as

seguintes formações discursivas:

1. Formação Discursiva 1 (FD1) A Mulher Cristã;

2. Formação Discursiva 2 (FD2) A ambiguidade: Mulher Cristã x Mulher Contemporânea;

3. Formação Discursiva 3 (FD3) Mulher e Esposa;

4. Formação Discursiva 4 (FD4) Mulher x Agressão Física;

5. Formação Discursiva 5 (FD5) Mulher x Escolhas Amorosas;

6. Formação Discursiva 6 (FD6) Mulher x Culpa.

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O quadro de formações discursivas sobre filhos, apesar de ser em menor quantidade,

também é uma necessidade pontual colocada pelas mulheres. Por isso, elegemos três cartas

que dessem conta dessa temática, contendo problemas diferenciados, apesar de serem

classificados na categoria “filhos”. Para esta análise, optamos por fazer uma única formação

discursiva a fim de tornar o texto mais dinâmico.

7. Formação Discursiva 7 (FD7) Mulher x Maternidade.

O quadro de formações discursivas sobre o tema da saúde diz respeito a principal

doutrina da IIGD, que enfatiza cura e libertação, e foi por parte das mulheres solicitada. Desta

forma, trabalhamos com duas cartas que dessem conta das principais explicações.

8. Formação Discursiva 8 (FD8) Mulher x Saúde.

O quadro de formações discursivas sobre finanças também se mostrou relevante, pois

as mulheres se sentem muito responsáveis pelo bem-estar da família, e isso inclui uma vida

mais confortável e mais estável. Para esta formação discursiva elegemos uma carta.

9. Formação Discursiva 9 (FD9) Mulher x vida financeira.

3.4 Análise das Cartas

Daremos início à análise, tentando estabelecer o lugar daquele que fala e daquele que

ouve o discurso. Mas lembrando que para a AD não há esta separação de que um fala o outro

ouve e decodifica a mensagem; emissor e receptor realizam ao mesmo tempo o processo de

significação.

Temos como enunciador o missionário R.R.Soares, homem da mídia, pregador

religioso conhecido no universo evangélico e secular. Independente da religião é raro as

pessoas dizerem que nunca ouviram falar ou nunca se depararam com o programa Show da Fé

na mídia, conforme expusemos no capítulo 2.2, quando tratamos dos evangélicos e a mídia.

Isso faz com que o missionário ocupe um lugar de destaque quando fala, no sentido de que ele

é um emissor que possui autoridade na sua fala, e construiu características bem particulares no

seu modo de pregar, já expostas neste trabalho, como “fala mansa” e “jeito paternal”, que de

certa forma revelam sua idiossincrasia.

Não é difícil vermos R. R. Soares admitir que não sabe a resposta, ou simplesmente

dizer que se trata de uma escolha individual. Essa atitude, normalmente, é aplaudida pelas

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pessoas dentro do templo, pois não transparece como algo negativo, fruto da ignorância ou da

falta de conhecimento, e sim, de uma pessoa de “espírito humilde” e que não tem vergonha de

admitir que não sabe todas as coisas. Ele se mostra como alguém centrado, que independente

da maneira como as igrejas pentecostais eletrônicas vêm crescendo, ele mantém o seu jeito de

ser e a mesma proposta doutrinária, que está fundamentada na teologia da saúde e da

prosperidade através da “determinação”, doutrina que ensina o crente a "tomar posse da

bênção", pois, segundo esta doutrina os filhos de Deus têm direito de ter o melhor de tudo, já

que são "filhos do rei", mas cabe ressaltar que a igreja se utiliza de várias estratégias para se

manter no mercado e prolongar o contato com os seus fiéis, por isso, a mídia é de fundamental

importância neste contexto.

Toda essa relação de confiança vem se mantendo com o público há mais de trinta

anos. Isso não é pouco, dadas as mudanças que estão se consolidando neste novo século da

sociedade pós-moderna, com especial valorização ao individualismo, principalmente nos

grandes centros urbanos, onde as preocupações estão mais voltadas para os problemas

individuais do que problemas de ordem coletiva.

A situação em que se produz o dizer do missionário no momento das respostas às

cartas é confortável, ele ocupa o papel de autoridade, de alguém que fala com propriedade,

sabe o que está dizendo, é reconhecido e respeitado. Este lugar faz dele um especialista,

inclusive porque fala em nome de Deus, é o seu representante na terra. Lembrando Orlandi

(2006, p.243) a respeito do desnivelamento na relação entre locutor e ouvinte: “o locutor é do

plano espiritual (Sujeito, Deus) e o ouvinte é do plano temporal (os sujeitos, os homens)”.

A suas respostas têm sempre como base versículos bíblicos, porque seu lugar é de

embaixador de Deus, logo, é “como se” Deus falasse usando o missionário. Orlandi explica

que esta não é uma situação que nos reporta ao imaginário, pois isso seria o “faz-de-conta”, ao

contrário do que temos neste caso, quando falamos de “como se” “estamos tratando não da

relação com o imaginário, mas com o simbólico” (IDEM, 2006, p.244).67

Como sujeito discursivo, ele reflete o seu inconsciente e a sua ideologia, que dizem

respeito ao homem missionário falando, sua fala está investida de subjetivação, ou seja, aquilo

que ele fala, já foi dito antes, em outro lugar, em outro contexto. A forma como é construído o

seu discurso não é nova, tudo o que se sabe sobre discurso religioso está ali na fala dele, a

diferença está no momento da sua fala, no contexto em que ele fala, este sim é particular.

67 Neste caso, Orlandi traz uma noção de imaginário limitada e contrapõe imaginário de simbólico, o que vem sendo superado em estudos nos campos da antropologia, filosofia, conforme podemos verificar nas pesquisas de Gilbert Durand, cujo livro está intitulado: As estruturas antropológicas do imaginário. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

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Orlandi (2006) quando trata do sujeito e da situação de discurso também pontua as

circunstâncias da enunciação. Parece-nos, então, fundamental pensar no contexto imediato e

no contexto histórico/ideológico. O contexto imediato, neste caso, é a própria igreja, o

momento do culto, o lugar no púlpito, as câmeras voltadas para a imagem do missionário e os

microfones para a sua fala, que deve ser pontual, equilibrada, aparentemente “livre de

preconceitos”, mas dotada de sabedoria da “parte de Deus”. O contexto amplo seria

exatamente a forma como a nossa sociedade entende este homem, o reconhece nesta

construção do imaginário que faz parte da memória do

ouvinte/telespectador/fiel/membro/irmão.

Expressas nestas linhas as condições de produção do discurso, fomos buscar nas

formações discursivas definidas pela formação ideológica o que dentro deste contexto pode

ou não ser dito; já tendo claro o lugar que o sujeito deste discurso ocupa.

3.4.1 Quadro de Formações Discursivas – Tema Casamento

A seleção das cartas mostra a principal motivação que levou as mulheres a

escreverem: o casamento. A Bíblia diz: “O que Deus uniu, jamais separe o homem”

(MARCOS,10-9). É com base neste versículo bíblico que muitas mulheres se veem

envolvidas em um casamento falido e desprovido de proteção. Porém, olhando para o texto o

que temos é a interpretação da vontade de Deus expressa, é Ele quem faz isso acontecer,

exatamente porque é Ele quem quer que assim seja. É Deus quem une. E aquilo que é por Ele

unido, não pode ser por nós, a bel-prazer, separado. “A noção de família indissolúvel é o

discurso mais frequente nas celebrações de casamento cristãos, e o até que a morte os separe é

o slogan mais famoso” (SOUZA, 2009, p.18).

A questão que permeia esta discussão é: como se preservar em um casamento na

esperança de uma transformação divina? Esta é a pergunta chave, é isso que as mulheres

desejam saber, é em busca de uma resposta às suas aflições que elas escrevem. A mulher

cristã. Que mulher é essa? Como ela se reconhece?

Como vimos no capítulo 1, tratado no subtítulo Gênero e a questão da mulher, o

primeiro enfoque deve ser dado à postura que a mulher ocupa dentro do seu lar e a forma

como ela se vê responsável por manter uma estrutura familiar sólida, conforme Machado

(2005, p.2) “já as mulheres, associam suas escolhas religiosas com as desavenças familiares e

as necessidades materiais e espirituais do grupo doméstico, ou seja, as mulheres se sentem

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responsáveis e guardiãs das almas de todos que integram a família”. Nas cartas escritas, se

nota certa melancolia, um sentimento de fragilidade, de insegurança, de alguém que precisa

ser ouvida, ajudada e acolhida. Elas buscam a justiça de Deus que dê sentido ao seu

sofrimento e justifique a sua permanência em um casamento falido. Mas da mesma forma que

elas precisam da bênção para casar, precisam da bênção também para se separar. Essa

legitimação religiosa é o ponto de apoio destas mulheres, só isso justificaria as perguntas: o

que eu faço, missionário? E os apelos: por favor, me ajude, ore por mim e pela minha família.

Formação Discursiva 1 (FD1) “A Mulher Cristã”:

Programa 21 agosto 2011 (domingo) – 18h IN 1:00:54 OUT 1:06:00 (Anexo I)

Mulher diz que não é casada, mora com um companheiro e só tem derrotas.

Na leitura das cartas são recorrentes algumas palavras ou expressões, por exemplo:

não obedecer à Palavra de Deus, não ser fiel aos mandamentos de Deus, o diabo, o pecado,

como podemos observar nos trecho que seguem: “[...] Esse negócio de casamento é uma

problemática tremenda, quando a pessoa não obedece à Palavra de Deus”.[...] Eu pra dar um

conselho à senhora teria que ter mais detalhes, mas um outro pastor pode fazer isso e orientar

dentro da Palavra do Senhor Deus”.[...] não o Francisco tem que deixar a Maria, a Maria é

muito feia pra ele, tem que pegar aquela que é novinha, bonitinha, a Maria com aquele velhão,

para com isso, né? Quer dizer, fica pondo minhoca na cabeça e o Francisco e Maria, as outras

Franciscas, os outros Franciscos e Marias são fracos de mente e começam desejar. E o

demônio põe tudo e encaixa. As coisas começam anos ali” (Anexo I). A AD mostra que não

há nenhum discurso transparente, a finalidade da grande maioria dos discursos,

principalmente daqueles carregados de força persuasiva, é fazer com que os interlocutores

creiam no que é veiculado e executem ações. No caso do discurso religioso crer e executar são

necessários, pois ele é, ao mesmo tempo, de ordem cognitiva e prática, isso quer dizer que em

primeiro lugar é preciso garantir que os fiéis creiam no que é dito, para depois o fiel agir.

Aqui entra em jogo um fator de extrema importância que é a relação de confiança firmada

entre os interlocutores. Tendo clara a confiança que estas mulheres depositam no enunciador,

tudo o que for dito daqui para a frente deve ser encarado como verdade e, principalmente,

como mandamento de Deus.

A fé será a base da nossa análise, fé depositada nas palavras, no homem que a profere,

na certeza que dali sairá a vontade de Deus para a vida delas. Em relacionamentos tão

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descompensados dizer que “[...] separação segundo a Bíblia, só pode haver em caso de

adultério. E coitado do responsável pelo adultério. Essa pessoa vai pagar caro, por não ter

mantido o voto” (Anexo I), é sugerir que tudo se deve suportar, que a mulher sábia sabe como

lidar com as adversidades e principalmente sabe levar a sua família para a fé. O enunciador

fala com base nas escrituras que dizem: “Eu, porém, vos digo que qualquer que repudiar sua

mulher, a não ser por causa de prostituição, faz que ela cometa adultério, e qualquer que casar

com a repudiada comete adultério” (MATEUS 5-32).

Este é um dos assuntos mais polêmicos no meio cristão, pois há muitos casos de

violência, traição e abandono, que são de forma sutil tratados pelos líderes religiosos,

principalmente quando o meio usado para isso é um canal de televisão. Estudiosos já fizeram

muitas críticas sobre as igrejas midiáticas e afirmam: "Eles continuamente pecam contra o

segundo mandamento, que é usar o santo nome de Deus em vão e apresentam um cristianismo

que é um pequeno Lexotan para acalmar as pessoas" (BOFF, 2011, ON-LINE).

Nesse contexto, a mídia passa a afetar os modos através dos quais as instituições agem

e também as relações entre os sujeitos.

Formação Discursiva 2 (FD2) “A ambiguidade: Mulher Cristã x Mulher

Contemporânea”:

Programa 18 setembro 2011 – (sábado) 14h IN 1:10:20 OUT 1:12:37 (anexo II)

Mulher foi transferida para outra cidade, está longe do marido. Sobre relacionamento

íntimo.

Até agora falamos das mulheres cristãs, aquelas que frequentam igrejas, que são

submissas aos maridos, que ouvem o pastor e se fortalecem nos ensinamentos oriundos do seu

discurso, conforme exposto no capítulo 1, sobre gênero e pentecostalismo. Mas essas

mulheres são vistas com ambiguidade, pois se retomarmos àquilo que se sabe sobre a mulher

do passado, ao mesmo tempo em que elas são vistas como frágeis e vítimas, são reconhecidas

também como perigosas e pecadoras. Estas características trazem à memória duas mulheres

da Bíblia: Eva e Maria. A primeira pecou, a segunda foi santa e obediente. Esta última é o

modelo que deve ser seguido por toda mulher “evangélica”.

No caso, tudo o que já foi dito sobre a mulher evangélica, seu jeito de ser, sua busca,

está, de certo modo, significando aqui, é o que Orlandi (2012, p.31) chama de interdiscurso. E

há nas cartas esta busca, este desejo por desempenhar um papel cujas funções foram

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delegadas por Deus, como a tarefa de ser boa mãe e esposa. O discurso religioso acentua a

representação da mulher como sofredora e submissa e cria a sua identidade, inclusive

reforçando construções discursivas como “o homem é o cabeça”, por exemplo. “A afirmação

sociocultural da masculinidade passa pelo exercício do poder do homem sobre a mulher e os

filhos, e a religião tem colaborado com a reprodução dessa representação social da

masculinidade” (SOUZA, 2004, ON-LINE, p.6), conforme considerações do capítulo 1 sobre

gênero e pentecostalismo.

Não é nenhuma novidade dizer que as mulheres estão buscando cada vez mais seu

“lugar ao sol”, ou seja, desejam aperfeiçoamento profissional, rumo à independência

financeira e resgate da autoestima, conforme apontamentos abordados no capítulo 1. Esta

escolha pode ou não vir associada à família, ligada às oportunidades que se apresentam e das

quais as mulheres contemporâneas não estão dispostas a abrir mão, mas se sentem culpadas

por fazerem a escolha pelo trabalho. Há um conflito interno muito grande.

Uma das cartas do programa do dia 18 setembro 2011 – (sábado, anexo II) nos remete

à seguinte situação: Desempregada há cinco anos, a telespectadora passou por muitos

problemas, após passar em um concurso público, achou que tudo ficaria bem, mas a distância

do trabalho a impede de ficar perto da família. “Esse negócio de ficar longe da família, faz

mal mesmo!” Aqui entra o saber discursivo, o interdiscurso como resposta, conceitos pré-

construídos, formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos. Na carta, ela

fala que ficar longe da família faz muito mal, não se refere ao marido, especificamente, mas a

questão pontual que gerou a resposta seguiu em torno do distanciamento que ela tem do

marido, do fato que eles estão, por conta dessa decisão, vivendo e dormindo separados, e isso

não é bom, é a “brecha que satanás precisa para agir”. Utilizando o intertexto, parafraseando

passagens bíblicas, o missionário responde:

A Bíblia fala de uma maneira muito clara. O marido e a mulher têm que viver sempre em comunhão conjugal e se eles se separarem pra oração, tem que ser por um breve período, que não há necessidade de separar, mas vamos dizer que sentiu no coração, vamos dormir separado por breve período, terminou; volte correndo (Anexo II).

Notamos um desvio de sentido, uma questão relacionada à família, foi transferida para

o marido em evidência, e posteriormente, aos jovens: “E todo mundo que é solteiro, trata de

obedecer à Palavra de Deus.” Não houve uma relação de coerência entre pergunta e resposta.

O que tem a ver com os jovens, aqueles que são solteiros decidirem-se pelo casamento se a

questão apontada não é esta? Há um deslize na interpretação, portanto, sob o viés da AD, não

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há sentidos fixos que devem ser extraídos do discurso, sendo o discurso efeito de sentidos,

este deve ser construído a partir da atividade do sujeito leitor, que é sempre histórico e

marcado pela ideologia (ORLANDI, 2012).

Orlandi (2012, p.79) explica que o “processo de produção dos sentidos está

necessariamente sujeito ao deslize, havendo sempre um ‘outro’ possível que o constitua”. Este

desvio pode estar relacionado ao fato que a mulher a partir do momento em que decide se

casar deve ter claro que esta união não deve desfazer-se em hipótese alguma, e isso implica

abrir mão de escolhas pessoais em favor da família, como afirmou o enunciador “[...] é

preferível até deixar o emprego, arranjar um outro que ganhe até menos, mas que não destrua

a sua felicidade. Marido e mulher tem que ficar juntos” (anexo II). Há coerção no uso das

palavras, a saber: “mas que não destrua a sua felicidade”. Não há saída, escolher pelo

emprego e pela estabilidade financeira é abrir mão da felicidade. É o que deve ser feito para

evitar a dor ou outras consequências negativas, porque isso terá um efeito imediato sobre a

vida do casal. Todavia o pronome empregado não é no plural nosso (casal) e sim “sua

felicidade”. Sua escolha, sua felicidade, sendo a mulher responsável por essa decisão.

Retomando conceitos da questão de gênero, salientado no capítulo 1, muito oportuno neste

exemplo relacionado ao casamento. A concepção do casamento como união para a vida toda, haja o que houver, a noção de uma hierarquia familiar em que o homem manda e a mulher obedece, a socialização dos homens para a dominação e das mulheres para a sujeição, são alguns dos muitos elementos que compõem a complicada equação da questão de gênero em nossa sociedade e que extrapola as paredes da casa (SOUZA, 2009, p.21).

Este processo discursivo não é novo, a cultura que produz e naturaliza as hierarquias

de gênero já existe desde o período colonial. Retomemos o enunciado: “[...] é preferível até

deixar o emprego”, esta fala nos remete ao tempo em que as mulheres não podiam sequer

frequentar escolas, ficando excluídas do âmbito social. Em contrapartida, eram treinadas para

a vida doméstica, na qual o casamento, a administração da casa e os afazeres domésticos eram

seus maiores deveres. Se ela deixar o emprego, deixará também a sua independência, a sua

carreira, talvez deixará de sustentar a família. Em Tito 2:3-5, Paulo nos dá instruções sobre

como uma jovem esposa deve ser treinada pelas mulheres mais velhas: [...] As mulheres idosas, semelhantemente, que sejam sérias no seu viver, como convém a santas, não caluniadoras, não dadas a muito vinho, mestras no bem; para que ensinem as mulheres novas a serem prudentes, a amarem seus maridos, a amarem seus filhos, A serem moderadas, castas, boas donas de casa, sujeitas a seus maridos, a fim de que a palavra de Deus não seja blasfemada (TITO 2-3).

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Nessa passagem, a Bíblia é clara no que se refere às crianças, elas são a

responsabilidade principal da jovem esposa. O dever das mulheres mais velhas é de ensinar as

mulheres jovens a viver uma vida que glorifique a Deus. Mantendo estas responsabilidades

em mente, o tempo da mulher mais idosa pode ser gasto de acordo com a direção do Senhor e

de acordo com o seu próprio critério (TITO 2-5).

Essas são algumas reflexões que supostamente possam existir, no entanto a realidade

analisada no discurso apresentado é: esta mulher na qualidade de mãe e esposa, conseguindo

um emprego longe de casa, transgrediu as regras, ela rompeu com o sistema de significados

que deveriam fazer dela uma esposa submissa e obediente.

Formação Discursiva 3 (FD3) “Mulher e Esposa”:

Programa 8 outubro 2011 (sábado) – 18h IN 1:05:54 OUT 1:08:32 (Anexo III)

Mulher está cansada do casamento ruim.

Conforme abordado no capítulo 1, quando falamos sobre o discurso da dominação

masculina, é muito interessante notar que o poder simbólico fortemente discutido por

Bourdieu (1998) aparece em conversas aparentemente inocentes. Temos aqui uma situação de

violência simbólica que acontece na vida cotidiana desta mulher que escreveu ao programa. A

necessidade dela está relacionada ao ciúme do marido que desconfia do seu caráter “sincero

de esposa”, por isso a relação está insustentável. A violência sofrida é sutil, não chegando à

agressão física, pelo menos, essa situação não ficou clara na carta. No entanto, a desconfiança

diária, a opressão que fica na mulher que está o tempo todo sendo observada, criticada e

analisada é algo que deve ser visto com seriedade.

Trazendo para a conversa a discussão do poder simbólico, Bourdieu (1998, p.7-8)

explica: [...] é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que estão sujeitos ou mesmo que o exercem.

Situações como essas são evidentemente opressivas, mas o silêncio na resposta é um

traço que não pode passar despercebido. Orlandi (2006, p.263) afirma: “como as palavras, o

silêncio também não é transparente”. Não reconhecer o problema, não interpretar a palavra

“desconfiança” utilizada pela mulher como indício de violência simbólica é, no mínimo,

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desmerecer a gravidade de um problema que está oculto, assim como ficaram as palavras.

Este processo de silenciamento produzido pela fala pode ter vários sentidos, com efeitos

variados e finalidades bastante diversas. Orlandi explica que “quando a fala é silenciadora em

vários níveis, refere-se ao fato de que este não-dizer pode ter a natureza do implícito, tratado

pela psicanálise pelo inconsciente, pela retórica nas teorias da argumentação ou pela AD,

refletindo a noção de ideologia” (IDEM, 2006, p.264).

Neste caso, a noção de interdiscurso está presente, porque a ideologia está fortemente

marcada nas palavras que explicam que o problema todo gira em torno do demônio. Vejamos:

“[...] tem pessoas que são assim, não tô dizendo que seu marido tá endemoniado, mas é o

demônio que faz uma coisa dessas” (Anexo III). O que não pode ser dito, neste caso, foi dito

de outra forma usando uma argumentação simbólica (demônio) que não deve causar dúvidas

quanto à sua veracidade. Sempre com bases bíblicas se fecha o raciocínio: [...] “E qual o

melhor? Você realmente buscar Deus. Olha, ‘clama a mim, o Senhor Deus, diz, e responder-

ti-ei, anunciar-te-ei coisas grandes e firmes, que não sabes’” (JEREMIAS 33.3). Há uma única

saída que está no poder regulador da religião que exerce uma força significante no cotidiano

das pessoas.

O que nos chamou a atenção nesta carta em especial foi a complexidade do problema

reduzida a um "causo" 68 contada para, talvez, tornar a resposta mais amena e o mais

superficial possível. Podemos notar isso em pequenos trechos: “[...] - Missionário, o meu

marido, o Pedro, tinha um Espírito de ciúme, eles não eram de Jesus. Ele voltava do trabalho,

ia pro trabalho e voltava: sua desgraçada, eu tava no ônibus, eu lhe vi no carro tal, placa tal, o

que você foi fazer?” (Anexo III). A estratégia discursiva utilizada na tentativa de responder

onde está o problema é indicado a partir de uma série de sequências argumentativas, exemplo:

“Era um demônio de ciúme”; “Quando ele foi pra igreja”; “ele tava endemoniado”; “É a

palavra do Senhor Deus”. Ou seja, sentir ciúmes a ponto de agredir a esposa verbalmente e

intimidá-la é coisa do demônio, nada mais. Há também um tom jocoso na fala do enunciador,

provocando mudança de comportamento no público que o ouve, que responde com risos:

“Manifestou nele tudo quanto é bicho expulsou aquilo, acabou. Ele nunca mais me viu no

carro tal, trazia até a placa do carro (risos da plateia)”.

68 Causo é uma história (representando fatos verídicos ou não), contada de forma engraçada, com objetivo lúdico. Muitas vezes apresentam-se com rimas, trabalhando assim a sonoridade das palavras. São conhecidos também como causos populares e já fazem parte do folclore brasileiro (DICIONÁRIO MICHAELIS, 1998, p.457).

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O que notamos é que a violência simbólica é mais utilizada e a menos percebida,

mesmo porque a violência não se encerra ai. Ficou implícita neste discurso a culpa da mulher

por tudo estar dando errado, pelo casamento sendo destruído, pela doença e miséria. Veja:

“Clama a Deus, que ele tem as coisas pra revelar. O que é que está por trás? A razão

verdadeira, de você trabalhar, trabalhar e não melhorar. De você orar, orar e não ser curada.

Da vida pra você sempre tá dando pra trás?”. A reclamação na carta não falou nada a respeito

de doença ou miséria, falou tão somente da desconfiança do marido, e mais uma vez o foco da

resposta foi mudado. Souza (2009, p.53) esclarece: “A religião, no campo da construção

simbólica, tem cumprido a função social de constituição do feminino e do masculino, e é uma

das grandes responsáveis pela inferiorização e secundarização das mulheres na nossa

sociedade”.

O papel de esposa fica, desta forma, condicionado à vontade do marido, fica mais fácil

tratar de problemas exteriores, como miséria e doenças do que falar do comportamento

obsessivo que o homem tem em relação à mulher, portanto, a religião continua ainda

perpetuando essa cadeia de dominação que tem base no sistema patriarcal presente nas

Escrituras69.

Formação Discursiva 4 (FD4) “Mulher x Agressão Física”:

Programa 6 novembro 2011 – 14h IN 1:05:20 OUT 1:09:42 (Anexo IV)

Mulher diz que marido a agride fisicamente, mas o ama.

No contexto da carta que segue, encontramos um problema também sério, que não se

limita à violência simbólica, abordada na carta que acabamos de analisar. Nesta carta,

referente ao programa 6 novembro 2011 (Anexo VI), há um relato de uma mulher que vive a

violência física, tão discutida e questionada pelas feministas e pelos órgãos competentes,

como a Lei Maria da Penha70, questões tratadas no capítulo 1 quando nos referimos à gênero.

69 Para exemplificar com textos clássicos retirados da Bíblia que reforçam esta ideia: “As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja. Porventura saiu dentre vós a palavra de Deus? Ou veio ela somente para vós?” I Cor. 14:34,35,36. “A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão” I Tim. 2:11,12,13,14.

70A origem da Lei n. 11.340/2006, remonta ao dia 29 de maio de 1983, quando na cidade de Fortaleza, Estado do Ceará, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, enquanto dormia, foi atingida por tiro de arma de fogo

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Esta carta é o retrato fiel da situação de mulheres que sofrem agressões e não se

sentem no direito de denunciar o marido por vários motivos, o principal deles é por se

sentirem culpadas pelo fracasso do casamento, ou por não fazerem as coisas que as esposas

devem fazer (cozinhar para o marido, ter relações sexuais mesmo sem vontade, ou por

simplesmente se afastar das representações de mulher ideal). A mulher na carta diz que já

pensou em denunciar o marido e não o faz por amor e porque não quer prejudicá-lo. Aí se

mostra a dependência emocional e o medo de fugir dos padrões, trazendo à memória a figura

de Maria – representação feminina da mulher resignada e sofredora. Mesmo entendendo que

esta não é uma relação saudável e que ela corre perigo, por isso, busca ajuda, ainda que seja

de forma anônima, e o faz a um “representante de Deus” que, certamente terá condições de

ajudá-la, ainda que seja numa interação marcada pela superficialidade e pela instantaneidade,

como reitera Borelli (2011, ON-LINE) “as relações se transformam e cada vez mais a

interação passa a ser atravessada por dispositivos técnicos e simbólicos”.

Fazendo uma reflexão sobre as respostas às cartas percebemos que quanto mais sério

for o problema, com mais superficialidade ele é respondido. Não porque não se reconheça a

gravidade, é pelo fato de não poder ou não querer comprometer-se com uma resposta pontual

e, de fato, decisiva. Brincando com as palavras, mudando o foco do assunto, usando trechos

de música para descrever a situação, exemplo: “Com o devido respeito, tem uma música do

mundo aí, diz assim: 'nós somos dois sem vergonha', não sei lá mais o quê (risos)” (Anexo

IV). Essas estratégias são frequentemente utilizadas para desviar a atenção e dar uma

interpretação mais engraçada, mais leve à situação. É dessa forma que se efetua "a ajuda". De

forma geral, só há um culpado por todos os problemas - o diabo. Então, veja, sempre há a

exortação de que se a pessoa orar mais e melhor, nada irá prejudicar a vida dela: “entrega tudo

ao Senhor Deus, numa oração séria, antes que o diabo faça mais do que fez”.

Nestes discursos, tanto as mulheres se vitimizam quanto se responsabilizam, pois

quando elas não têm consciência da dominação que sofrem, remetem a essa situação outras

questões de ordem econômica, emocional; há sempre uma desculpa para explicar as agressões

sofridas, como nos apontou Souza (2009, p.48), no capítulo 1 deste trabalho:

disparado por seu marido, Marco Antônio Heredia Viveiros, um economista colombiano naturalizado brasileiro. Em razão das lesões sofridas na coluna a mulher ficou paraplégica. Apurou-se que essa agressão ocorreu-se de forma premeditada, pois o marido/agressor, dias antes, tentou convencer a mulher/vítima a contratar um seguro de vida tendo-o como beneficiário e a assinar em branco o documento de transferência da titularidade do seu veículo. Dias após essa agressão, a mulher/vítima sofreu uma descarga elétrica quando se banhava, quando, então, passou a entender, por que o marido passou a tomar banho no banheiro das filhas (GOMES, 2011, p.57).

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A religião atuou e atua legitimando uma cadeia de dominação baseada no poder patriarcal “aconselhando as mulheres a continuarem em seus casamentos minados pela violência doméstica; a se submeterem aos mandos e desmandos de seus maridos; a perseverarem como boas mães, a não se conceberem como sujeitos com direito ao sexo pelo prazer.

.

A construção da imagem71 dos evangélicos, em especial das mulheres, é formada

pelos saberes religiosos, o que pode acarretar muitas implicações negativas nos

relacionamentos conjugais. Esta afirmação pode ser vista na finalização da resposta do

enunciador: “[...] obedeça ao Senhor Deus e quando for provocada, não revide. Espere Deus

fazer a obra e você vai ver que o nosso Deus, ele cumpre o que prometeu!”. Observando as

palavras, pensamos a respeito da sinonímia, que é mais um dispositivo da AD. Esta palavra

“provocada” o que pode sugerir? Um espancamento? Uma agressão verbal? Há muitas

maneiras de se provocar uma pessoa, mas pelo contexto da carta, essa provocação não nos

parece muito sutil, haja vista a esposa ter pensado em fazer uma denúncia à polícia. Esse jogo

de sentidos que as palavras alcançam pode nos levar a muitas questões, e o que mais

incomoda e ratifica a dominação de gênero é dizer, por exemplo: “não revide e espere Deus

agir”. O peso dessas palavras nos traz a seguinte constatação: “a religião é sistema de

sentidos, ela confere significado aos sujeitos que compartilham desse sistema, e esse processo

de significação é também um processo de sacralização, que otimiza o poder simbólico que

envolve esse sistema” (SOUZA, 2009, p.61).

Nestas formações discursivas, através dos vestígios que deixam no fio do discurso,

observa-se que a formação ideológica que está presente reforça a ideia de que a mulher deve

servir e tudo suportar.

Formação Discursiva 5 (FD5) “Mulher x Escolhas Amorosas”:

Programa 3 dezembro 2011 (sábado)- 14h IN 1:07:55 OUT 1:10:39 (Anexo V)

Mulher deprimida, terceiro relacionamento.

Diante de tantas histórias de relacionamentos falidos, nos parece coerente dizer que o

cerne do problema é acreditar que a felicidade virá somente de um relacionamento saudável

com o outro, nestes casos, com o homem, o marido, o cuidador. Nesta carta que vamos

71 Roland Barthes define o ethos como “os traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importando sua sinceridade) para causar boa impressão: é o seu jeito [...]. O orador enuncia uma informação e ao mesmo tempo diz: sou isto, não sou aquilo” (BARTHES, 1970, p. 315 apud AMOSSY, p.10).

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analisar do programa 3 dezembro 2011( Anexo V), encontramos uma mulher que se diz

infeliz e imediatamente faz menção aos três relacionamentos que estreitou com homens que

não a amavam. O que nos chamou a atenção, e por conta deste mesmo motivo a carta foi

separada para a categoria de casamento e não filhos, é que a ênfase foi dada aos

relacionamentos falidos e não à perda dos três filhos. É uma busca incessante pelo amor

romantizado, como se a mulher não pudesse viver em equilíbrio sem uma muleta, que está

associada à figura do marido cuidador. Giddens (1993), ao discutir a intimidade nas

sociedades modernas, afirma que:

O ethos do amor romântico teve um impacto duplo sobre a situação das mulheres. Por outro lado, ajudou a colocar as mulheres “em seu lugar” – o lar. Por outro, entretanto, o amor romântico pode ser encarado como um compromisso ativo e radical com o “machismo” da sociedade moderna. O amor romântico pressupõe a possibilidade de se estabelecer um vínculo emocional durável com o outro, tendo-se como base as qualidades intrínsecas desse próprio vínculo (GIDDENS, 1993, p.10).

A construção social do amor romântico se baseia nas hierarquias de gênero

estabelecidas em nossa sociedade. Como resposta às decepções amorosas, o adjetivo usado é

“homens bandidos”, observemos: “[...] você só tem problema com esses homens bandidos que

não valem nada, né, tá bão... (risos)”, denunciando que a figura masculina não tem nenhuma

relação com o sofrimento apresentado, o problema está nela e parte dela: “[...] Tem que olhar

esse negócio aqui e dizer: Jesus, o problema tá comigo”. O problema está no fato de ela não

ter cumprido o papel que se espera de uma mulher. Como uma mulher tão jovem pode já ter

tido três relacionamentos e perdido três filhos? “[...] Mas você tá com trinta e dois, já partiram

três, você tá no terceiro relacionamento”. “[...] Você começou cedo minha irmã. Não só a ter

filhos, mas como a perder”. Sair dos padrões estabelecidos pela sociedade é se permitir

sofrimento: “[...] Sua alma tá sendo atacada por tudo que não presta”. Neste caso, está

implícita a opressão, já que está sendo atacada, isso porque o ataque parte do “inimigo” (o

diabo), aquele que anda ao derredor bramando como um leão, “[...] O inimigo não mais vai ter

poder sobre a sua vida, ele tá tendo, tá abusando de você”. A consciência de que o problema

está no inimigo retira de vez a responsabilidade dos homens com quem ela se relacionou e

continua se relacionando, pois enquanto ela não renascer, ela não será feliz, não será realizada

e os "ventos não irão se acalmar”: “[...] já estou em meu terceiro relacionamento e os ventos

não se acalmaram”. “Acorda” é a palavra de exortação. Para as bases de um bom

relacionamento, a resposta é “a mulher sábia edifica a sua casa” (PROVÉRBIOS 14.1), aquela

que não é sábia precisa acordar, rever sua conduta e seu papel de mulher.

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Não há o menor interesse em ser exato nas respostas, ser claro, tudo pode ser tratado

de forma leve e jocosa “[...] você tá exatamente na metade da idade do missionário (risos),

puxa vida, eu tenho a sua idade, só numa perna né, (risos)? Você tá (risos) com as duas pernas

com essa idade”. Essa estratégia discursiva usada de forma consciente objetiva deslocar a

atenção e até mesmo amenizar o problema, algo recorrente, gerando aceitação como se fosse

natural.

Formação Discursiva 6 (FD6) “Mulher x Culpa”:

Programa 8 janeiro 2012 – (domingo) 9h IN 1:04:31 OUT 1:07:34 (Anexo VI)

Fim do casamento, marido foi embora. Ela se culpa, diz que foi inconsequente. Pede o

marido de volta.

Programa 8 janeiro 2012 (Anexo VI). A culpa é latente. Culpada por agir sem

sabedoria; culpada porque o marido cansou de suas inúmeras situações; culpada porque o

marido saiu de casa; culpada por ter frequentado a igreja e nunca ter tido um verdadeiro

encontro com Deus. Diante de tantas culpas, uma comparação e constatação: sua postura em

nada se diferenciava dos israelitas que andaram com Moisés e ainda assim não deram ouvido

à voz de Deus, nada aprenderam, eram então rebeldes. A rebeldia à Palavra de Deus traz

consequências sérias, e o que ela está vivendo é justamente o resultado dessa rebeldia

anunciada: “E sabe o que pode acontecer? O diabo vai fazer uma grande tragédia na sua

vida”. O mito que envolve o pecado, recoberto figurativamente pela imagem do diabo é um

elemento intimidador muito forte que cria um impacto considerável na crença das pessoas que

ouvem e frequentam as igrejas72.

72 "A tendência comum nos dias atuais de interpretar a palavra "mito" como significando "inverdade" é um sintoma da incredibilidade e consequente ineficácia de nossos próprios ensinamentos míticos ultrapassados, tanto os do Velho quanto do Novo Testamento: a Queda de Adão e Eva, os Mandamentos, as Chamas do Inferno, o Segundo Advento do Salvador etc., e não apenas desses Testamentos religiosos arcaicos, mas também dos vários, mais modernos, e seculares "utopiatos" (vamos chamá-los assim) que estão sendo oferecidos para substituí-los. Mitos vivos não são idéias equivocadas e não nascem em livros. Não devem ser julgados como verdadeiros ou falsos, mas como eficazes ou ineficazes, salutares ou patogênicos. Assemelham-se mais a enzimas, produtos do corpo no qual agem, ou de grupos sociais homogêneos, caso em que são produtos do corpo social. Não são inventados, surgem, e são reconhecidos por videntes e poetas para serem em seguida cultivados e usados como catalisadores de bem-estar espiritual.E, por último, não sobreviverá a mitologia velha e tardia, nem a inventada ou falsa, e tampouco os sacerdotes e sociólogos que tomam o lugar do poeta-vidente — o que, contudo, é o que todos nós somos em nossos sonhos, embora, quando acordamos, possamos falar apenas em prosa"(CAMPBELL, 1997, ON-LINE).

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O uso do intertexto, de um poema recitado pelo enunciador da mensagem, pretende

mostrar que da sua parte sempre houve a preocupação com as famílias desfeitas, com a

desobediência dos pais com relação à vida espiritual dos seus filhos, e o fim que estas

decisões terão. Há uma disparidade de lugares, numa relação de forças, como explica Orlandi

(2006) quando trata do discurso religioso e da noção de reversibilidade dada como condição

de produção: à mulher cabe a comparação ao povo israelita que se manteve rebelde, ao

enunciador cabe o lugar social do qual fala, à sua posição no discurso, de representante de

Deus. À mulher, cabe o lugar de sujeito e de assujeitar-se, pois segundo Orlandi (2006, p.242)

“o indivíduo é interpelado como sujeito (livre) para que aceite (livremente) a sua posição [...]

só existem sujeitos para e pela sujeição”.

Todo o processo de argumentação se dá com base nos textos bíblicos para que não

haja a menor possibilidade de questionamentos. A construção da ideologia religiosa se dá a

partir de uma contradição, haja vista que se a pessoa tem o livre-arbítrio para aceitar, mas as

consequências da não-aceitação são grandes e severas, a coerção acontece pela linguagem:

“Nunca deu atenção à Palavra de Deus”; “Não está levando a coisa a sério”, pois o lugar

atribuído à Palavra é inquestionável: “A Bíblia Sagrada diz”, isso é tudo, sempre à luz

interpretativa do sujeito-representante de Deus, o missionário.

Continuando no mesmo raciocínio do lugar dos sujeitos, segundo a autora da carta, ela

sempre frequentou a igreja e nunca teve um encontro com Deus, do outro lado, o enunciador

diz que ainda muito jovem já pensava sobre as questões relacionadas às mazelas familiares, a

ponto de escrever sobre isso: “[...] Pessoal, eu tava, acho que tava no ginásio, não sei, eu fiz,

foi até tipo um poema, uma poesia, que eu escrevi assim, deixa eu tentar lembrar [...]”.

Esta mulher soma-se a muitas outras que encontra no abandono do marido a total

responsabilidade pela falência do casamento, pois agiu sem sabedoria. E por que não foi

sábia? Porque frequentou a igreja por muitos anos e não obedeceu à Palavra de Deus, se

deixando influenciar pelas “coisas que são do mundo” e deixando de lado “as coisas de

Deus”. Podemos sugerir que a ideologia do discurso religioso investigado é sustentada nas

oposições: plano espiritual x plano mortal; o salvo x perdido; fé x pecado. Com essa trama

ideológica, aqueles que se propõem a transmitir a Palavra de Deus têm seguramente em suas

mãos a possibilidade de instaurar formas de controle e de manipulação. Este poder dispensado

ao representante de Deus nos remete novamente ao pensamento de Brandão (2002, p.21)

quando fala sobre o imaginário “[...] o imaginário é o modo através do qual o homem atua,

relaciona-se com as condições reais de vida, sendo essas relações imaginárias, isto é,

representadas simbolicamente, abstratamente, supõem um distanciamento da realidade”.

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Viver na ilusão, na expectativa de uma transformação significativa de vida, no retorno do

marido e na imagem do casamento perfeito nos apontam para a experiência da mulher que

deseja viver em harmonia e numa relação de amor, tão fortemente marcada pela figura da

mulher cristã.

3.4.2 Quadro de Formações Discursivas – Tema Filhos

Para que articulemos numa mesma análise temas que julgamos relevantes, fizemos

nestes próximos blocos uma reflexão em conjunto, trazendo para o estudo as principais

formações discursivas emergentes sobre a questão da cura de filhos, salvação e problemas de

rejeição em consonância com os objetivos apontados.

Nas transcrições apresentadas nos Anexos VII, VIII e IX, tratamos das cartas que

reportam aos filhos, conforme apontado na metodologia deste trabalho. Falamos, então, da

maternidade, deste sentimento/atitude que é construido na cultura e está intrínseco ao

imaginário coletivo como instinto maternal. Ou seja, as mulheres já nascem com ele, é uma

extensão natural da própria natureza feminina.

A convicção de que o amor materno é inato se dá basicamente por duas razões. Uma

delas foi apontada no primeiro capítulo deste trabalho quando nos reportamos à mulher do

passado e ao modelo de amor materno conhecido. A segunda se refere à própria constituição

da família. Se um homem e uma mulher não têm filhos, eles são um casal. Caso contrário, já

se constituem em uma família. Essa é uma cobrança recorrente na nossa sociedade, é só nos

reportarmos às perguntas sempre tão frequentes aos recém- casados. Quando terão um bebê?

Uma ação de consequência, de causalidade.

Cabe pensar também sobre a relação mulher x maternidade. O que fica em evidência?

Lemos (2009, p.92) escreve sobre isso e nos explica que a palavra mãe “é vista como mulher

protetora, serviçal e cuidadosa, mas no caso da maternidade a mulher fica normalmente

escondida, uma vez que a característica que recebe destaque é a maternidade e não o ser

mulher”.

A representação social da mãe perfeita, carinhosa, generosa ensina que o amor de mãe

é, de fato, algo inato, e esta representação é reforçada no campo religioso quando ensina e

perpetua o discurso que a mulher deve ser boa mãe e boa dona de casa, exemplo da mulher

cristã. As desigualdades de gênero se mostram de forma clara se observarmos a maneira como

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muitas mulheres vivenciam a maternidade. Muitas se culpam por não passarem tempo

“suficiente” com seus filhos, por razões diversas. Essa culpa acarreta outros problemas

relacionados à sua própria individualidade, por isso não fazem nada em benefício próprio,

como cuidar do corpo ou simplesmente não fazer nada.

Este é um assunto que gera muita polêmica, inclusive entre as próprias mulheres, pois

só de pensar que não desejam ser mães ou não são tão dedicadas quanto a sociedade espera

que sejam, já se deslocam insensivelmente do seu papel social. Este discurso todo serve para

questionar de novo as verdades aceitas e analisar todos os sistemas de pensamento.

A filósofa francesa Elisabeth Badinter, uma das vozes mais importantes e controversas

do movimento feminista francês, recebeu muitas críticas ao escrever o livro: Um amor

conquistado: o Mito do amor Materno (1985). Nele, ela questiona se o amor materno é

mesmo um instinto, uma tendência feminina inata, ou depende, em grande parte, de um

comportamento social, variável de acordo com a época e os costumes. A autora chega à

seguinte conclusão:

O amor materno não constitui um sentimento inerente à condição de mulher, ele não é um determinismo, mas algo que se adquire. Tal como o vemos hoje, é produto da evolução social desde princípios do século XIX, já que, como o exame dos dados históricos mostra, nos séculos XVII e XVIII o próprio conceito do amor da mãe aos filhos era outro: as crianças eram normalmente entregues, desde tenra idade, às amas, para que as criassem, e só voltavam ao lar depois dos cinco anos. Dessa maneira, como todos os sentimentos humanos, ele varia de acordo com as flutuações socioeconômicas da história (BADINTER, 1985, p.22).

Em contraponto ao pensamento de Badinter, citemos Leonardo Boff, quando fala

sobre os temas da complexidade, da interconexão de todas as coisas entre si e da centralidade

da vida, colocando a mulher como referência:

A mulher capta e vivencia a complexidade e a interconexão do real por instinto e por uma estruturação toda singular. Por natureza, ela está ligada diretamente ao que há de mais complexo do universo, que é a vida. Finalmente é ela a geradora mais imediata da vida. Por nove meses carrega em seu seio o mistério da vida humana. E o acalenta ao largo de toda a existência mesmo que o fruto de seu ventre se tenha afastado, seguido os caminhos mais adversos ou morrido. Do seu coração nunca sairá o filho ou a filha (BOFF, 1995, p.66)

Nesta linha de pensamento de Boff, refletimos a respeito da complexidade que

envolve a condição da mulher e mãe, mostrando que as mulheres se deixam reger pela

emoção, pelo coração, e com o seu corpo cria uma relação de intimidade e integralidade bem

diversa da que o homem tem com os filhos. E ainda com Boff (1995, p. 67) “a mulher

desenvolveu melhor que o homem uma consciência aberta e receptiva, capaz de ver o caráter

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sacramental do mundo, de ouvir a mensagens das coisas que vão para além da simples

decifração das estruturas de inteligibidade”.

Formação Discursiva 7 (FD7) “Mulher x Maternidade”:

Programa 5 fevereiro 2012 (domingo)– 14h- IN 0:52:30 OUT 0:54:33 (Anexo VII)

Mulher idosa pede pela vida dos filhos por não serem salvos.

Programa 11 Março 2012 (domingo)– 9h- IN 1:05:55 OUT 1:06:58 (Anexo VIII)

Mulher pede pela vida da filha que está com câncer

Programa 15 abril 2012 (domingo)– 9h IN 1:04:11 OUT 1:05:25 (Anexo IX)

Mulher tem problema com filho que a rejeita.

Tendo como referência as palavras recém-citadas de Boff, talvez possamos

compreender o que faz uma mulher de setenta e oito anos pedir a Deus que não a leve sem

que veja os filhos salvos por Deus (compreensão religiosa resultante da conversão ao

cristianismo). O seu ventre gerou vida, por nove meses carregou o mistério da existência

humana. Muitas mulheres vivem em dedicação absoluta aos filhos, porque o fantasma da mãe

ideal as persegue, e esta situação pode gerar não só a rejeição dos próprios filhos como um

esgotamento físico e psicológico a elas próprias. A resposta gira em torno daquilo que é

óbvio: O mundo está repleto de possibilidades e não é estranho que os filhos não queiram

acompanhar a mãe, mesmo sendo pessoas adultas, com liberdade de escolha. Observamos a

resposta do enunciador (Anexo VII): Essa rejeição é natural. Se você tivesse talvez, não se convertido a Cristo, mas passado a torcer por um clube de futebol, talvez, vamos lá com a mamãe porque a mamãe já tá idosa, precisamos tá do lado dela. É isso mesmo! É o Coríntias, é o São Paulo, é o Palmeira, é o sei lá mais o quê (risos), mas como é de Cristo tem a força do inimigo que não quer.

É inevitável que a mãe, responsável pela vida e pela salvação de seus filhos, saiba

inclusive orar, pois pedindo com entendimento Deus ouvirá: “[...] procure saber como é que

Deus salva a família” (Anexo VII), mostrando que o que move o fiel para a salvação é a fé

que é condição primeira para alcançar o que foi prometido por Deus e ratificado pelos seus

porta-vozes aqui na Terra.

Já no programa 11 março 2012 domingo (Anexo VIII), mulher pede pela vida da filha

que está com câncer. Notamos, nestes casos, nos quais o assunto estava relacionado à doença,

uma resposta mais curta e subjetiva:

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Duas respostas eu posso lhe dar. A primeira é triste, o que sua filha tá passando, e não só a minha oração, mas todo o povo de Deus vai falar com Jesus a respeito disso. Segunda coisa, não sou eu que tenho que lhe ensinar. Quando você entender algo na Palavra, pode ser um versiculozinho assim, se sobressaiu, segura aquilo, ali ta a sua saída. Ore de acordo com aquilo e Deus vai lhe abençoar (Anexo VIII).

A mulher escreve ao programa em atitude de desespero por sentir-se impotente diante

da doença de sua filha: “Na condição de mãe, eu me sinto impotente”, o que demonstra que de

uma mãe - do amor materno - espera-se, inclusive, a cura. Boff (1995, p.66) fala sobre a ética

do respeito, resgatando suas palavras “é a atitude básica diante do sagrado”. Essa ética

demanda uma atenção especial a cada detalhe e a valorização de cada sinal que fala da vida,

do amadurecimento e também da morte. Ele explica que é decisiva a ética do cuidado na

condução da complexa vida cotidiana de uma família, e que este papel cabe à mulher. É principalmente à mulher (embora não exclusivamente), com sua presença como mulher, mãe, esposa, conselheira, companheira, que maneja esta arte e esta técnica do complexo, que constituem, sabiamente, a técnica e a arte do próprio processo evolucionário cosmogênico (BOFF, 1995, p.67).

Compreendemos dessa forma que a mulher é a responsável pela condução de um lar

saudável, pois o que importa é que se viva com o mínimo de desgaste possível.

E quando isso não acontece? Na carta apresentada no programa de 15 abril 2012

domingo (Anexo IX), toma-se como premissa que os relacionamentos entre mãe e filho

aconteçam sempre com base no amor e no respeito, mas há casos em que a convivência não é

possível. E a mulher indaga: “Eu me pergunto dia e noite, onde errei na educação dele? Por

que vim para a terra para ser mãe de alguém que passou a ser o meu inimigo?”

Essa relação de mãe e filho não se rompe com o nascimento da criança. Studart (1974)

explica de forma descontraída que assim que a criança nasce ela se desprende do útero da

mãe, todos sabem disso: médicos, enfermeiros, os parentes ansiosos, todos sabem que a

criança nasceu; menos a mulher. Para ela, a criança continua sendo parte do seu ser, continua

a se integrar à sua carne, aos seus tecidos. O filho cresce e começa a se relacionar com outros

grupos sociais. Mas a mãe cria uma espécie de placenta moral em torno do filho e faz de tudo

para tirá-lo da rua, dos bandos. Até que, finalmente, os filhos se tornam independentes e elas

olham em torno e notam que só existiam por intermédio deles. A mulher se vê sem nenhum

objetivo próprio e passa então a cobrar do filho o tempo de dedicação: A mãe frustrada quer que o filho pague o que fez por ele. Pague efetivamente, moralmente, mas pague. Passamos a vida a ver essas pobres mães que não tiveram vida própria, sonhos e objetivos pessoais, a correr atrás dos filhos, apresentando-lhes a nota da cobrança. Às vezes, de tão

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desamparadas e ansiosas, concordam com o sistema de prestações. E se nada recebem, envelhecem acusando os filhos de insensíveis e ingratos (STUDART, 1974, p.19)

Relações conflituosas sempre existiram e sempre existirão, isso porque nos referimos à

natureza humana. Não há um culpado, há indivíduos com escolhas e percepções diferentes

sobre a vida, inclusive sobre a relação de parentesco. O enunciador se refere a esta mulher

como se tivesse cometido um erro, um crime por não ter sido a mãe ideal: “[...] quando a

gente não vê o nosso erro, nós somos o pior dos cegos” (Anexo IX). Carregar esta culpa é

pesado demais para quem, muitas vezes, não passa de um bloco informe: “a mãe é aquele

bloco informe e sem face, para o qual ninguém olha; ele não assinala nada, não significa nada

e apenas tem a função de manter, sustentar, realçar e glorificar a estátua definitiva – o filho”

(STUDART, 1974, p.17).

As mulheres, mesmo que sem consciência do que estão fazendo, se tornam carcereiras

de si mesmas e dos filhos, se vitimizam: “Missionário, eu não mereço todas as ofensas que o

meu filho me fez, é muito triste para uma mãe passar por isso”, como forma de expulsar de si

o peso que carregam por não terem sido exemplares neste papel que dá a elas algum poder.

Neste ponto, retomamos às palavras de Scott apontadas no capítulo 1: [...] as mulheres não podem mais ser vistas como vítimas ou abnegadas à sua

condição de sujeito em favor das relações de poder. Para isso o conceito de

gênero foi criado, com a finalidade de deslocar o foco das relações entre os

homens e mulheres para o social, antes concebidas no âmbito biológico, e

tidas como naturais (SCOTT, 1989, p.11).

A definição de gênero apresentada por Joan Scott (1989) nos ajudará a compreender a

relação de gênero e poder, se interpretarmos que o status da maternidade dá às mulheres certo

prestígio, um lugar de privilégio na sociedade, em detrimento das mulheres que não são mães

por decisão pessoal, pois estas sofrem preconceito, como se algo lhes faltasse.

Esta relação de poder está implícita na resposta, uma vez que a mãe é questionada

sobre a sua postura de educadora, sobre a forma como disciplinou seu filho, para que ele seja

hoje considerado um inimigo.

Com o devido respeito, a senhora tá igual à mulher de Jó. O Jó tinha uma mulher assim. Você fala igual qualquer louca falaria. Isso lá é conversa de cristã? Você tem que olhar na Bíblia Sagrada vê o que Deus te falou. Quando a gente não vê o nosso erro, nós somos o pior dos cegos. O pior cego é aquele que não quer ver, pessoal. Deus tá mostrando, ele mostra na palavra, hoje aqui nós tivemos um banquete sobre esse caso da perversidade.

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Então a pessoa tem que aprender: Deus eu to errando tudo, eu vou me acertar e você pode se acertar (Anexo IX).

Como todos os fracos e dependentes, só existe uma pessoa sobre quem a mulher –

pobre ou rica – exerce autoridade: aqueles que são mais fracos do que ela. No caso, os filhos.

Stuard (1974) explica que não há ninguém mais autoritário com as crianças do que as

mulheres, elas dizem ao filho pequeno: "não me responda". Isso por que: [...] no desejo de manter valores que a sacrificam, esse tipo de mulher busca fechar o lar, como um útero. Daí as trancas das casas modestas, os cadeados sofisticados dos apartamentos e o isolamento de que senhoras de classe média se vangloriem: não conhecemos ninguém no prédio. Nós vivemos em família (STUARD,1974, p.22).

O enunciador faz alusão à história bíblica de Jó para mostrar que as mulheres não

devem falar sem sabedoria, e não devem aceitar com resignação a sua derrota. Cabe à mulher

a missão de educar um homem com os olhos voltados para o que “Deus falou”. Podemos

entender essa afirmação de duas maneiras, a saber: lembrando que a identidade social da

mulher, assim como a do homem é construída através da atribuição de distintos papéis, que a

sociedade espera ver cumpridos pelas diferentes categorias de sexo - a primeira, como nos

apontou Scott, como poder. A mulher tem a missão, o poder, o encargo de educar bem seus

filhos, ela é quem cuida de todos e zela para que tudo esteja em seu lugar; a segunda, já mais

romantizada, segundo Boff (1985, p.67) descreve a mulher como superior ao homem quando

diz: “ela desenvolveu melhor que o homem uma consciência aberta e receptiva, capaz de ver

o caráter sacramental do mundo e de ouvir a mensagem das coisas, os significados que vão

para além da simples decifração das estruturas de inteligibilidade”.

A sociedade investe muito na naturalização deste processo, fazendo com que a mulher

se sinta privilegiada, decorrente da sua capacidade de ser mãe, assim é natural que a mulher se

dedique aos filhos, como é natural a sua capacidade de conceber e dar a luz. De uma forma ou

de outra, a mulher se reconhece responsável pela educação e felicidade de seus filhos, por

isso, estas cartas mostram que a distância é imensa entre o ideal descrito e sonhado da mãe

exemplar e aquilo que as mulheres que aparecem na cena enunciativa são capazes de oferecer.

3.4.3 Quadro de Formações Discursivas – Tema Saúde

Muitas aflições permeiam a vida de uma mulher, algumas já foram tratadas neste

trabalho, como as aflições de um casamento e a responsabilidade pela vida dos filhos, mas

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sendo a mulher este ser tão múltiplo, o tema da saúde nos fará refletir um pouco sobre o corpo

feminino.

Conforme apontado no capítulo 1 deste trabalho, há hoje de forma mais acentuada um

desejo muito grande por parte das mulheres de assumirem uma identidade autônoma, mas o

caminho da mulher oprimida, não ouvida e entediada com a própria sorte, que toma

consciência da sua insatisfação com sua situação na sociedade, tem passado por muitas

negações da sua identidade.

Pensando sobre a mulher e sua saúde, e deixando de lado as fatalidades da vida, como

acidentes e doenças degenerativas, muitas estão mais doentes emocionalmente do que

fisicamente. Recorremos à Cartilha da Saúde Emocional da mulher que afirma: “As mulheres

têm melhor saúde do que os homens em algumas áreas, mas a saúde emocional não é uma

delas”. Dados apontam:

As mulheres estão mais expostas do que os homens a estressores de difícil controle, tanto físicos quanto psicológicos, como por exemplo, aos variados tipos de violência. Entre 15 e 71% das mulheres no mundo sofrem violência física ou sexual em algum momento de sua vida. A partir da idade de início da menstruação até após a menopausa as mulheres sofrem alterações do humor específicas, na vigência de: - período pré-menstrual: irritabilidade, ansiedade e humor mais deprimido conhecido como TPM; gravidez, aborto e pós-parto; infertilidade; menopausa e terapia de reposição hormonal; o uso de contraceptivos.Todos esses podem se constituir em desencadeantes hormonais de episódios depressivos. Quando comparadas aos homens: as mulheres são mais vulneráveis a: depressão; ansiedade; problemas alimentares, como anorexia e bulimia; estresse pós-traumático e a doenças auto imunes, como lúpus; as mulheres toleram menos o uso do álcool e sofrem mais com problemas relacionados às mudanças de fusos horários tanto em viagens como no trabalho, quando há turnos rotativos e metabolizam as drogas de maneira diferente dos homens (CARTILHA SAÚDE EMOCIONAL DA MULHER, 2010, p.9-10).

Essas questões devem ser analisadas com cuidado, pois muito dizem a respeito da

condição da mulher no tempo da pós-modernidade. Doenças de fundo emocional são

estudadas há tempos pela psicologia, e muito se fala sobre o poder do nosso cérebro sobre a

saúde. Isso nos faz pensar: crer reverte o quadro da doença? Nos relatos que seguem,

encontramos mulheres que se encontram doentes, fisica e emocionalmente, ansiosas por obter

a cura e, por isso, buscam ajuda.

Formação Discursiva 8 (FD8) “Mulher x Saúde”:

Programa 13 maio 2012 (domingo)– 11h IN 1:06:30 OUT 1:07:46 (Anexo X)

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Sofreu acidente no trabalho e não consegue obter a cura de Deus.

Programa 17 junho 2012 (domingo)– 9h IN 1:04:11 OUT 1:05:25 (Anexo XI)

Mulher em depressão porque a mãe faleceu.

Temos como exemplo da relação mulher x saúde representada no Programa Show da

Fé dois casos díspares: o primeiro diz respeito a uma mulher que sofreu um acidente no

trabalho e se tornou dependente; a outra sofre a perda da mãe, diz que está em depressão e não

consegue se reerguer (Anexos X e XI).

O que fazer diante de uma fatalidade? Como agir diante da morte de um ente querido?

Para os dois casos, a solução é uma só, segundo R. R. Soares: ouvir a Palavra de Deus e tomar

posse da bênção. Para os adeptos da teologia da cura e libertação, a aceitação da doença é

falta de fé e de acreditar que Deus é capaz de curar e libertar de todo mal. Indicamos no

capítulo 2, por meio da citação de Romeiro (2004, p.96), que R.R.Soares “confirma a

influência de T.L.Osborn sobre sua vida e ministério numa publicação oficial de sua

organização”. Gordon Lindsay e T.L.Osborn, pregadores famosos, davam ênfase à cura divina

e libertação dos demônios. Na IIGD, e no discurso do enunciador, os cultos de cura são

frequentes e muito procurados. Como descrevemos nesse capítulo, ao final do programa Show

da Fé, há sempre uma oração feita pelo Pastor Jaime de Amorim, para expulsar as doenças e

males do corpo e da alma. O enunciador explica também que não se deve usar a determinação

para um único fim, a cura física, acentuando que Bíblia mostra que a cura espiritual é muito

mais importante, pois o corpo vai apodrecer na sepultura, enquanto o espírito é eterno.

Não ter fé é o grande problema: “[...] Minha irmãzinha, você ta provando ai que você

não tem um apreço grande pela Palavra de Deus” (Anexo X). Retomamos os conceitos de

Orlandi (2012, p.43) “[...] o discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo que o sujeito

diz se inscreve em uma formação discursiva e não outra para ter um sentido e não outro”.

Diante de um caso de invalidez, muito pouco pode um pastor ajudar, ele não é médico, nem

especialista. A natureza do problema desta mulher não está na invalidez, especificamente

falando, está na falta de objetivos de quem se sente em desvantagem: se rebelar contra o que

lhe parece responsável por sua situação, afinal, entender o que Deus quer para ela é a cura, e

essa cura pode não ser física, mas espiritual: “Quando a pessoa vai pra Palavra e aprende o

que Deus quer para ela, essa pessoa é muito abençoada”.

Podemos observar um desvio na interpretação, considerando que no processo de

enunciação o sujeito se marca pelo que diz, fornecendo pistas para compreendermos o modo

como o discurso que analisamos se sustenta. Questionamos o que seria “ir para a Palavra e ser

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abençoada”. Utilizando o texto bíblico, tomamos como exemplo a vida de Paulo, o apóstolo

que, durante sua vida carregou um "espinho na carne", tal como registrou em seus escritos.

Alguns pensam que ele estava perdendo sua visão, outros dizem que ele tinha dificuldade de

falar, ou alguma forma de paralisia. O fato é que ninguém sabe o que era, Paulo não disse,

mas se reconhece algum tipo de doença: E para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte. Por causa disto, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo (2 CORÍNTIOS 12:7-9).

Neste processo de aceitação e cura, muitas mulheres buscam ajuda de analistas, como

nos afirma Studart (1974, p.24) “um grande número de mulheres que pode pagar se torna

cliente dos analistas. Tomadas de uma angústia imprecisa, elas sofrem de tudo e não sofrem

de nada. O que sentem, realmente, é a ausência de objetivos”. É necessária muita força de

vontade para romper com este sentimento de autocomiseração pela condição em que se

encontram. Observamos que a resposta do enunciador gira em torno da mesma questão: a

Palavra. Dez linhas podem ser reduzidas a uma:

Minha irmãzinha, você ta provando ai que você não tem um apreço grande pela Palavra de Deus. Primeira coisa é a seguinte: “buscar-me-eis e me achareis quando me buscares de todo o vosso coração”. Com essa divisão ai, você não vai conseguir nada de Deus. Teve o acidente, pro homem pode ser irreversível, mas se Deus falar ao seu coração pela Palavra – e Ele fala – você pode acreditar naquilo que Deus fala. Eu posso lhe ajudar orando por você. Dar a direção eu não posso, a não ser dizer: vá para a Palavra, que a Palavra de Deus fala. Quando a pessoa vai pra Palavra e aprende o que Deus quer para ela, essa pessoa é muito abençoada (Anexo X).

O discurso fica no nível da superficialidade, considerando a sua carga ideológica

dominante no sentido de fazê-la acreditar que se crer na Palavra, poderá alcançar a “bênção”.

Ele incute a ideia de que ela deve agir para alcançar a cura, que pode ser “[...] irreversível

para o homem, mas não para Deus” (Anexo X). Esse discurso faz com que aquele que ouve

não meça esforços para pôr em prática o que lhe é pregado. Tudo indica que o argumento de

persuasão utilizado para que a mulher aceite os conselhos é conduzido por uma ordem

discursiva de palavras de incentivo e motivação “[...] você pode acreditar naquilo que Deus

fala, eu posso lhe ajudar orando por você [...]”. A mulher - ou o telespectador que

eventualmente passa pela mesma situação -, emocionalmente atormentada pelos problemas, se

sente encorajada e muito disposta para por em prática as doutrinas pregadas pelo enunciador.

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Moraes (2010, p.140) explica que “a maneira sóbria como R. R. Soares se apresenta no vídeo

faz parte de uma estratégia clean, onde não pode haver exageros e onde transparece muito

equilíbrio”. É nesse momento que o missionário torna-se palatável para bom número dos

evangélicos e dos simpatizantes da fé evangélica, conforme apontamentos do capítulo 2.

As respostas às cartas, e esta especificamente, tentam fazer com que a mulher saia do

seu lugar de passividade e passe para a ação. Observamos que neste caso, a resposta não se

dirige a uma mulher, mas poderia servir ao homem também, afinal, se trata de colocar em

prática a fé e disso independe do fator biológico.

A formulação de tal discurso produz uma antinomia em relação ao discurso bíblico,

haja vista que o centro das orientações levadas a efeito pelos representantes da IIGD está

totalmente focado na ação da fé (o poder do indivíduo em determinar o que Deus pode e deve

fazer por ele), que na dimensão da graça - presente no discurso do Novo Testamento da Bíblia

- a qual indica que tudo é obra de Deus, condicionada ao agir dele, não à determinação ou ao

merecimento, questões próprias da sociedade contemporânea, que não encontram respaldo no

texto bíblico; dito de outro modo, a fé é a ponte que leva à fonte, que é a graça, favor

imerecido de Deus.

Já na carta do programa de 17 de junho de 2012 (Anexo XI) encontramos uma mulher

que, segundo o enunciador, “apesar de ser uma pessoa adulta, se comporta como uma

criança”, quando pela análise pode se sugerir um rompimento com a pessoa que foi objeto de

referência e construção de identidade. Nas palavras de Severino (1993, p.11): o impacto da morte rompe a harmonia e a singeleza do imaginário filial onde, pouco a pouco, a fantasia revela as qualidades ditas femininas. Intersticialmente emergem a sensibilidade, a receptividade, a não-violência e a ternura, qualidades que foram formuladas culturalmente como antíteses das qualidades masculinas dominantes.

Segundo o depoimento da remetente, sua mãe foi a mulher responsável por ensiná-la

a confiar e aceitar a vontade de Deus, como mãe zelosa e dedicada - podemos nos reportar

novamente à figura de Maria, aquela que demonstra a hipervalorização da maternidade. A

relação da figura materna com Maria nos leva novamente ao que a religião é capaz de fazer,

pois “a religião pode desempenhar funções de transformação social por ser um sistema de

símbolos e os símbolos são incorporações concretas de ideias, atitudes, julgamentos, saudades

ou crenças” (LEMOS, 2009, 165).

Deve-se agir com naturalidade diante da morte, uma vez que ela faz parte da condição

humana, e nada deve abater o homem que confia em Deus, segundo as palavras de R. R.

Soares (Anexo XI): “[...] mas deixa ela (mãe) ir, no dia que partiu, partiu, está com o Senhor.

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Bendito seja o Senhor”. Estas palavras de aceitação e submissão ao que determina a vontade

de Deus, não permitem qualquer abertura à doença, seja ela depressão, ou o que for. “[...] Não

se conformar com essa depressão estúpida na qual você caiu. Se levanta daí [...]”. Palavras de

autoridade a alguém que se mostra fraco e impotente, muito mais voltado a um esquema de

autoajuda do que realmente calcado na palavra bíblica. No primeiro capítulo deste trabalho,

trouxemos um dado sobre o índice de depressão em que se encontram as mulheres

evangélicas por conta da sobrecarga de responsabilidade que lhe são atribuídas. A literatura evangélica dirigida a mulheres tende a orientá-las para que sejam boas esposas, boas mães e boas donas de casa, confirmando um papel entendido como natural e a elas conferido por ordem divina. Uma "mulher comum" não daria conta disso sem adoecer. Não é à toa que, na atualidade, o índice de mulheres com depressão, achando-se fracassadas, é enorme (SOUZA, 2011, ON-LINE).

Este estereótipo de mulher cristã, abnegada aos cuidados da família, com base na

"natureza feminina” fez surgir dois pólos distintos: de um lado, as que se revoltaram ao

modelo imposto e, do outro, as que se submeteram silenciosamente, algumas tranquilas,

outras frustradas e infelizes.

3.4.4 Quadro de Formações Discursivas – Tema Finanças

Não é difícil observar que homens e mulheres não ocupam posições iguais na

sociedade e, neste trabalho, já identificamos que a identidade social da mulher, assim como a

do homem, é construída através da atribuição de distintos papéis, que a sociedade espera ver

cumpridos tanto pelos homens quanto pelas mulheres.

Descrevemos no capítulo primeiro que até o final da década de 60, antes da revolução

das feministas, cabia exclusivamente ao homem o papel de provedor do lar, o único

responsável por dar conforto à sua família. Hoje, em pleno século XXI, as mulheres se

tornaram independentes, chefes de família, empresárias. Esta é a realidade da mulher

moderna. Porém, a igualdade de gênero no mercado de trabalho ainda está em processo, pois

ainda existe a desigualdade salarial e o preconceito por ser considerado sexo frágil, como nos

aponta o estudo da Revista Observatório Social: A mulher no mercado de trabalho: “No

Brasil do século 21, as maiores empresas adotam um regime de castas em que as mulheres são

discriminadas, ganham menos que os homens e perdem o emprego com mais facilidade”

(OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2004, p.9).

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Para compreendermos o papel da mulher no mercado de trabalho, suas

responsabilidades como provedora ou simplesmente como uma mulher independente que tem

autonomia sobre os seus gastos, foi selecionada uma carta, programa 15 julho 2012 (domingo,

Anexo XII), em que a mulher se sente angustiada por já estar - segundo suas palavras -, com

38 anos de idade e ainda não ter conquistado nada na vida.

Formação Discursiva 9 (FD9) “Mulher x vida financeira”

Programa 15 julho 2012 (domingo)– 18h IN 1:07:43 OUT 1:08:59 (Anexo XII)

Mulher reclama que já está com 38 anos e não conquistou nada na vida

Podemos observar a questão em torno do gênero quando ela explica que após o

falecimento do pai, a família precisou vender o comércio. A base da estrutura financeira desta

família estava alicerçada na figura do chefe, do pai. O enunciador reafirma essa perda

dizendo: “[...] Têm pessoas que perderam o pai e perderam tudo, mas não foi por obra de

feitiçaria, é que não foram treinadas a continuar no comércio”. A pergunta que fica é: Esta

mulher não conquistou nada na vida por que não foi treinada pelo pai, portanto, não teve

incentivo e não foi escolhida como sucessora, ou por que simplesmente não havia a

necessidade emergencial de buscar o seu próprio sustento, pois alguém se encarregou de

suprir até o momento?

Questões como essas não são fáceis de responder. O que temos de concreto, neste

caso, é uma situação de insatisfação pessoal e financeira que recai sobre a vida de uma mulher

que consegue, neste momento, reconhecer-se como dona da sua própria vida e responsável

por sua autonomia. O enunciador nos aponta uma questão que é recorrente na vida de muitos

pais de família, homens de negócios, empresários que não conseguem fazer um sucessor. Este

saber discursivo está na memória do discurso e, neste caso, tratado como interdiscurso, veja

nas palavras do enunciador como ele significou esta situação: “[...] você consegue fazer

herdeiro, mas sucessor nem todo mundo consegue. E ai as coisas vão de água abaixo. O

comércio tem as suas leis próprias[...]”. Quando o enunciador se refere ao comércio ter suas

próprias leis, assim como o patriarcalismo e também a religião possuem suas próprias leis,

cabe lembrar o lugar que a mulher ocupa, como apontado por Scott (1989), a dicotomia entre

o espaço público e o privado, sendo o espaço público socialmente “mais legítimo” para os

homens do que para as mulheres.

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A formação ideológica que rege este discurso também tem base na busca pela Palavra

segundo o enunciador: “[...] pela Palavra você vai entender e vai ser abençoada”, essa

afirmação implica muitas outras questões, por que não se diz claramente que a mulher não

deve trabalhar fora de casa, ou ser independente. Ao contrário, é dito que a Bíblia em nenhum

lugar proíbe a mulher de trabalhar fora de casa. No entanto, a Bíblia ensina quais devem ser as

prioridades de uma mulher, segundo a tradição judaica. Sua prioridade é cuidar da sua casa,

do seu marido e filhos, não negligenciando nenhuma delas, se ela conseguir essa façanha de

forma sobre-humana, providenciando um lar amoroso e cuidadoso para seus filhos e marido,

então é completamente aceitável que ela trabalhe. O que resta, nestes casos, é o socorro de

Deus, conforme R. R. Soares: “[...] Mas busque a Deus que Deus é poderoso para lhe fazer

uma pessoa completamente diferente e lhe dar o socorro”. Notamos que tanto o que o

enunciador responde de igual quanto de diferente constitui, nisso também, um processo de

produção de sentidos, naquilo que Orlandi chama de deslize: “o efeito metafórico – o deslize,

próprio da ordem do simbólico, é lugar da interpretação, da ideologia, da historicidade”

(ORLANDI, 2012, p.80).

O medo inconsciente do fracasso introjetado na vida das mulheres reduz suas

aspirações e diminui seu ímpeto de realizar. O que ainda a sociedade valoriza é a mulher

mãe/esposa/dona-de-casa, só que ela parte para o mercado de trabalho e carrega a culpa como

companheira inseparável, porque o trio a que ela deve dar conta continua nas suas costas. Por

fim, a mulher se sobrecarrega, achando que desta forma consegue amenizar a situação. Este é

o grande dilema que vive a mulher que trabalha fora de casa, mesmo que ela consiga superar

todas essas dificuldades e tenha um marido que a ajude na divisão das tarefas, ela sente-se

culpada (porque foi educada para sentir-se culpada) por ele (marido) também estar

desempenhando suas funções. De uma forma ou de outra, há que se tomar uma posição: ou se

deixa vencer pela educação tradicional, ou é preciso preparar-se para o novo, para a quebra de

paradigmas, o que vai exigir muita reflexão e mudança de atitude, como aprender a competir,

acreditar que é competente, ser agressiva; quando necessário. Essa percepção da competência

e autossuficiência implicam em se reconhecer como um ser autônomo, o que fará toda a

diferença nos seus relacionamentos e principalmente no seu novo jeito de ser Mulher.

3.5 Indicações conclusivas

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A partir da leitura e interpretação destas cartas transmitidas pelo programa Show da

Fé, pudemos compreender um pouco da intenção discursiva e ideológica de seus

idealizadores. Reconhecemos que estas intenções são direcionadas a um grupo de pessoas,

especificamente, um grupo de mulheres religiosas, que buscam uma autoafirmação na sua

postura e na sua identidade religiosa. Sobre esta análise não houve, neste processo de

interpretação da analista, a pretensão a uma verdade intrínseca.

Pelo que pudemos compreender, a ideologia é que estrutura o processo de significação

que se dá ao discurso, assim como a língua e a história também se dão pela ideologia. Não há

na linguagem, em suas condições de produção e ideologia nenhuma evidência, mas um lugar

de muitas descobertas, entre elas o fato de que, no que diz respeito a gênero e pentecostalismo

na mídia, sendo o programa Show da Fé um significativo espaço, qualquer questão que seja

colocada em torno da realidade da vida das mulheres, ainda que por elas próprias, a resposta

já está dada. Essa resposta pode variar em torno da temática, mas nunca deixará de fora as

referências da aceitação/resignação, da submissão, da renúncia/concessão e da

responsabilidade/culpabilidade que caracterizam o lugar das mulheres no imaginário

religioso, mais fortemente no pentecostalismo.

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CONCLUSÃO

É apenas quando esquecemos

tudo o que aprendemos que começamos a saber.

(Henry David Thoreau)

Procuramos demonstrar, nesta pesquisa, como a construção social do papel da mulher

no discurso religioso neopentecostal, reconhecidamente patriarcal e conservador, é

representada e apresentada no programa Show da Fé. Para isso, partimos de uma hipótese

com base na premissa de que o papel mediador dos meios de comunicação, com suas

diferentes linguagens, gêneros e suportes, tem uma responsabilidade social muito grande na

formação do repertório cultural do indivíduo, e que sua presença cotidiana, bem como seus

respectivos processos de produção ajudam a construir o imaginário deste público. Nesse

sentido, o Programa Show da Fé revelar-se-ia um mediador que reproduz e contribui para a

manutenção do discurso religioso neopentecostal de minoração do lugar da mulher na

sociedade e na igreja.

Para a demonstração e verificação desta hipótese percorremos os caminhos da revisão

conceitual bibliográfica e da formulação de um protocolo de leitura sob o respaldo do campo

da análise de discurso de tradição francesa (que dispusesse das formações discursivas

necessárias para a análise), para, então, com base nesse referencial teórico e dispositivos de

análise, pensarmos as tensões existentes neste discurso religioso direcionado à mulher cristã.

Dessa forma, optamos pelo método dialético, que aborda a dinâmica da realidade que

está sempre em transformação, utilizando também a pesquisa qualitativa – calcada na Análise

de Discurso - por meio de um protocolo de leitura que fez uso de nove formações discursivas

que caracterizam a seleção das cartas do quadro “Abrindo o Coração”. Dissertamos acerca das

principais formações discursivas que dessem conta de analisar a presença de elementos que

justificassem a hipótese de que o discurso religioso midiático pentecostal caracteriza-se como

conservador e patriarcal.

O referencial teórico do primeiro capítulo contou com autores importantes nessa linha

de pesquisa dos processos comunicacionais, como: Joan Scott (1989), cujo trabalho,

inicialmente dedicado à história francesa, foi direcionado na década de 1980 para a história

das mulheres a partir da perspectiva de gênero. Entre suas publicações mais notáveis está o

artigo “Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Este artigo foi essencial na formação

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de um campo de história de gênero dentro dos estudos históricos anglo-americanos. Eni de

Mesquita Samara (1997), historiadora e professora da USP, também considerada pioneira

nesta abordagem, pesquisou muito sobre a história das mulheres e da família. Uma fala que a

marcou na sua promissora carreira: “Ser feminista é fazer a história das mulheres

comprometida com as questões voltadas para as suas políticas. Então, acho que uma

professora, que está na universidade, que trabalha com um tema como o da história das

mulheres e das famílias, não pode deixar de ser feminista. Ela tem que estar, na verdade,

compromissada com as políticas voltadas para as mulheres, com as questões relativas às

mulheres. Isso é ser feminista” (SAMARA, 2011, ON-LINE). Bem como, historiadoras como

Andréa Lisly Gonçalves (2006) que também trabalhou gênero como categoria analítica,

enfatizando a abordagem de caráter estritamente relacional das construções sociais do

feminino e do masculino ao longo dos processos históricos, no intuito de que fosse superada a

ideia de uma suposta "condição feminina". Relacionamos a temática de gênero à ênfase desta

pesquisa - a comunicação - e, particularmente, a comunicação midiática, e destacamos a sua

conexão com a abordagem das culturas. Sobre gênero e mídia, os Estudos Culturais foram

pioneiros nas pesquisas, em especial no campo dos estudos feministas, investigando a relação

entre cultura contemporânea e sociedade, suas instituições, práticas e mudanças sociais;

concluímos que as pesquisas que cruzam comunicação/gênero/mídia mostraram que este é um

campo fértil de estudos, sobretudo no contexto atual.

Quando tratamos da categoria gênero relacionada às igrejas, entendemos que ainda há

muitos relacionamentos baseados em mandos e desmandos, naturalmente aceitos e

justificados, como nos comprova o enunciado “[...] Paulo disse que as mulheres mais velhas,

deveriam ensinar as mais novas a amar seus maridos [...]” (anexo I); “[...] É preferível até

deixar o emprego, arranjar um outro que ganhe até menos, mas que não destrua a sua

felicidade. Marido e mulher têm que ficar juntos [...]” (Cf. Anexo II). A história nos prova

que as religiões não têm protagonizado mudanças sociais no que tange à subordinação das

mulheres, o que se vê, é o poder de intervenção que as igrejas têm no seio familiar e,

consequentemente, na vida da mulher, que é o tempo todo ensinada a ser “boa mãe” e “esposa

zelosa”.

Estas leituras e reflexões nos levaram à conclusão de que a inclusão da categoria

gênero enquanto categoria analítica colaborou e continua colaborando para se repensar o

domínio da religião sobre a sociedade, e mais especificamente, sobre a mulher, identificando

que a religião sempre foi reconhecida como fonte de poder sobre homens e mulheres.

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O segundo capítulo compreendeu que a história da evolução da mídia - no Brasil e no

mundo - está intimamente ligada à história e à evolução do comportamento humano, que

possui o anseio inerente de se comunicar, de construir sua identidade na relação com o outro.

A mídia atravessou vários estágios de desenvolvimento e contribuiu de maneira fundamental

para as mudanças na nossa sociedade, tanto na esfera pública, como na cultura do povo,

incluindo a religião; com a história dos evangélicos não foi diferente, também esteve ligada às

novas tecnologias de informação e comunicação. As estratégias para se ganhar novos adeptos

fizeram com que a circulação massiva de textos impressos fosse um dos fatores que mais

contribuíram para as grandes mudanças políticas e sociais.

Ademais, o processo de crescimento da presença dos evangélicos nas mídias se deu da

seguinte forma: em um primeiro momento foi utilizado o evangelismo por meio de literatura,

de reuniões ao ar livre, para tornar o evangelho acessível; no segundo, utilizou-se dos

métodos anteriores, mas com o acréscimo dos rádios; agora numa fase mais promissora,

encontramos todos estes veículos juntos e também a ajuda agressiva da televisão.

A expansão das igrejas envolve um alto investimento midiático e construção de

megatemplos, bem como o uso intensivo das mídias; por isso, as igrejas pentecostais possuem

hoje a maior visibilidade. Os donos de redes de TV e rádio 100% religiosos são pentecostais e

a maior parte dos que mais pagam espaço na grade das emissoras de alcance nacional são

pentecostais. Uma das igrejas com maior destaque é justamente a IIGD – Igreja Internacional

da Graça de Deus - porque se apropria do espaço midiático como forma de disseminar suas

doutrinas.

Por ser um tema em estado de transformação, vivendo uma espécie de metamorfose, o

campo religioso tem sido recentemente objeto de vários estudos e pesquisas. Com o aporte

teórico de pesquisadores como Leonildo Campos (1996) que analisou a origem e o

desenvolvimento de um empreendimento religioso que se utilizou de estratégias de marketing

e comunicação de massa e Ricardo Mariano (1995) que enfatizou as mudanças que o próprio

pentecostalismo tem experimentado, entendemos o processo histórico e as principais

características daquilo que hoje são consideradas igrejas eletrônicas. Diante dessas

transformações, encontramos na pós-modernidade um discurso religioso adaptado para um

discurso mais midiático, com mais visualidade, mais coloquialidade e menos

aprofundamento.

No terceiro e último capítulo, relacionamos a parte teórica com os discursos e as

diferentes vozes presentes nas cartas enviadas para o quadro “Abrindo o Coração”, do

Programa Show da Fé, veiculado pela IIGD em rede nacional, e chegamos às seguintes

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considerações (lembrando que foram selecionadas: seis cartas para a temática do casamento,

três para questões relacionadas aos filhos, duas para saúde e uma para a vida financeira,

seguindo a hierarquia apresentada na seleção das cartas, conforme capítulo três):

1. Quanto às formações discursivas relacionadas à mulher x casamento, fizemos

alguns apontamentos: como se preservar em um casamento na esperança de uma

transformação divina? Esta é a pergunta chave, é isso que as mulheres desejam saber.

Mulher cristã, que mulher é essa? Como ela se reconhece? Essas mulheres se

mostraram pessoas inseguras e abnegadas, incapazes de tomar decisões que as

coloquem fora dos padrões impostos pela sociedade, o que transita nas formações

ideológicas presentes nos discursos de escolas e nas igrejas. Vão sem consciência

(porque não se reconhecem em outro lugar) colocando-se limites, controles e

aceitações, carregando o fardo de uma vida com base na resignação e na impotência.

2. As remetentes de cartas ao Programa Show da Fé identificam-se como possuidoras

do comportamento que toda mulher cristã deve ter e se culpam por não darem certo:

“[...] Não entendo por que ele desconfia tanto do meu caráter sincero de esposa”

(Anexo III). A autopunição é algo recorrente, elas não se reconhecem como alguém

livre, com poder de tomar suas próprias decisões, de assumirem o seu lugar no mundo,

mesmo que isso traga dores e mudanças em seu estilo de vida. Temem por suas

escolhas e nas primeiras crises, sentem-se como se Deus as tivesse castigando: “[...] O

senhor acha que Deus está me punindo por que eu não fui fiel?” (Anexo I). E isso por

quê? Porque o tempo todo são doutrinadas a acreditar que se não seguirem a “vontade

de Deus” serão punidas: “[...] Separação segundo a Bíblia, só pode haver em caso de

adultério. E coitado do responsável pelo adultério. Essa pessoa vai pagar caro, por não

ter mantido o voto” (R. R, Soares, Anexo I). As que se aventuram por uma vida mais

independente precisam saber que esta decisão terá um preço, que é nada mais nada

menos do que a felicidade. Conviver com este conflito, certamente, levará a mulher a

precisar de um especialista, que posssa sarar a sua depressão, conforme pudemos

observar pelos dados trazidos no Capítulo 3, em que muitas mulheres estão sofrendo

dessa doença pela sobrecarga no trabalho, tentando de todas as formas fazer tudo, caso

contrário “[...] é preferível até deixar o emprego, arranjar um outro que ganhe até

menos, mas que não destrua a sua felicidade” (R. R. Soares, Anexo II).

3. Nas situações de violência, sejam elas simbólicas ou físicas, notamos um

silenciamento por parte do enunciador que deixou evidente que estas questões não

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devem vir à tona, ou que devem ser tratadas com o comportamento que se espera de

uma mulher virtuosa: “[...] e quando for provocada não revide” (R. R. Soares, Anexo

IV). Aqui tornamos provadas as palavras de Souza (2009) de que a religião é, sim, um

sistema de sentidos que dá significado aos sujeitos que compartilham deste sistema.

Estas são algumas tentativas de respostas às questões acima mencionadas; dessa

maneira, concluimos que preservar-se em um casamento falido é um “desafio de fé”, é

abster-se de suas vontades, aceitar com resignação o seu papel de mãe e esposa, de

mulher virtuosa que sabe, ou deveria saber, o seu lugar: “far-lhe-ei uma auxiliadora

que lhe seja idônea” (GÊNESIS 2.8), “mulher seja submissa ao seu próprio marido”

(EFÉSIOS 5.22). O discurso religioso acentua a representação da mulher como

sofredora e submissa e cria a identidade da mulher cristã, dando ao sujeito-

representante de Deus - o missionário - a possibilidade de instaurar formas de

controle e de manipulação.

4. Quanto às formações discursivas relacionadas aos filhos concluímos que a

representação social da mãe perfeita, carinhosa e generosa ensina que o amor de mãe

é, de fato, algo inato, e esta representação é reforçada no campo religioso quando

perpetua o discurso que a mulher deve ser boa mãe e boa dona de casa, exemplo da

mulher cristã. As desigualdades de gênero se mostram de forma clara se observarmos

a maneira como muitas mulheres vivenciam a maternidade, culpando-se por não

passarem tempo “suficiente” com seus filhos, culpa esta que acarreta outros problemas

relacionados à sua própria individualidade e identidade. Muitas mulheres vivem em

dedicação absoluta aos filhos, porque o fantasma da mãe ideal as persegue, e esta

situação pode gerar não só a rejeição dos próprios filhos, como também, um

esgotamento físico e psicológico. Pelas análises percebemos que a mãe é a principal

responsável pela vida e pela salvação de seus filhos; esta mulher deve, inclusive, saber

orar, pois pedindo com entendimento Deus ouvirá: “[...] procure saber como é que

Deus salva a família” (R. R. Soares, Anexo VII), mostrando que o que move o fiel

para a salvação é a fé que é condição primeira para alcançar o que foi prometido por

Deus e ratificado pelos seus porta-vozes aqui na Terra.

5. As mulheres assumem o papel de vítimas diante de situações que não dependem

delas resolverem, como a decisão por seguir ou não determinada religião, pela cura de

uma doença grave, ou porque sufocaram tanto o filho que hoje se sentem repudiadas

por eles, na convicção de que eles devem reconhecer o amor incondicional e inato a

eles dispensado: “[...] Missionário, eu não mereço todas as ofensas que o meu filho me

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fez, é muito triste para uma mãe passar por isso” (Anexo IX). Essas são algumas

estratégias apontadas como forma de expulsar de si o peso que carregam por não

terem sido exemplares neste papel (de mãe) que lhes dá algum poder, lembrando as

palavras de Scott (1989, p.11): “[...] as mulheres não podem mais ser vistas como

vítimas ou abnegadas à sua condição de sujeito em favor das relações de poder”.

6. A sociedade, por fim, investe muito na naturalização deste processo, fazendo com

que a mulher se sinta privilegiada, decorrente da sua capacidade de ser mãe; assim, é

natural que a mulher se dedique aos filhos, como é natural a sua capacidade de

conceber e dar à luz. De uma forma ou de outra, a mulher se reconhece responsável

pela educação e felicidade de seus filhos, por isso, estas cartas mostram que a

distância é imensa entre o ideal descrito e sonhado da mãe exemplar e aquilo que as

mulheres que aparecem na cena enunciativa são capazes de oferecer.

7. Quanto às formações discursivas relacionadas à saúde, identificamos que se

relacionam as práticas ligadas à cura divina muito frequentes nos cultos da IIGD, já

que o missionário R. R. Soares é adepto desta teologia. O discurso recorrente ensina

que a aceitação da doença é falta de fé, e de acreditar que Deus é capaz de curar e

libertar de todo mal. Por meio da análise de duas cartas, consideramos que a natureza

do problema destas mulheres não está na invalidez ou na perda da mãe que ocasionou

a depressão, mas sim na falta de objetivos de quem se sente em desvantagem: se

rebelar contra o que lhe parece responsável por sua situação, afinal, entender o que

Deus quer para ela é a cura, e essa cura pode não ser física, mas espiritual: “[...]

Quando a pessoa vai pra Palavra e aprende o que Deus quer para ela, essa pessoa é

muito abençoada” (R. R. Soares, Anexo X). Neste processo de aceitação e cura,

muitas mulheres buscam ajuda de analistas, sendo necessária muita força de vontade

para romper com este sentimento de autocomiseração pela condição em que se

encontram.

8. O discurso apresenta uma sequência de palavras de incentivo e motivação, pois não

há nada, racionalmente falando, que o porta-voz de Deus possa fazer em casos de

doença, sejam elas irreversíveis ou doenças emocionais, a não ser motivar a pessoa a

sair do seu lugar de vítima e ser, pela fé, transportada a um lugar de vitória, de saúde.

A mulher emocionalmente atormentada pelos problemas se sente encorajada e muito

disposta para por em prática as doutrinas pregadas pelo enunciador. Estas práticas

discursivas tão frequentemente utilizadas nos cultos da IIGD ganharam uma dimensão

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tão grande, que hoje as igrejas estão lotadas de pessoas que buscam principalmente a

cura para doenças físicas e emocionais.

9. Quanto às formações discursivas relacionadas à vida financeira, estas dizem

respeito à mulher que se coloca como vítima de uma situação da qual ela não foi

responsável. Conclusões como esta só foram possíveis quando analisamos o cerne do

problema, seja qual: o falecimento do pai e a venda do comércio que sustentava a

família. Mais uma vez confirmamos que a mulher, quando não está sob os cuidados do

marido, está sob os cuidados do pai e, na ausência dele, a família, incluindo a mãe não

sabe o que fazer. Comportamentos aprendidos e transferidos de geração em geração

podem causar um mal muito grande na vida das pessoas, e isso inclui também a

culpabilização por questões externas, seja obra do sobrenatural (ou "de feitiçaria",

como comumente avaliado nos ambientes pentecostais) ou problemas na infância, que

não tiveram, neste caso, uma explicação: “[...] desde a infância, minha vida foi muito

difícil, porque minha família foi vítima de obra de feitiçaria” (Anexo XII). O que há

de concreto, neste caso, é uma situação de insatisfação pessoal e financeira que recai

sobre a vida de uma mulher que se vê sem a figura paterna para cuidar dela, há sempre

que existir um protetor, alguém que defenda, proteja, quiça sustente, a fim de que essa

vida encontre um sentido para existir.

10. Desta forma, concluímos que o medo inconsciente do fracasso introjetado na vida

dessas mulheres reduz suas aspirações e diminui seu ímpeto de realizar coisas, isso

porque nossa sociedade ainda valoriza a mulher mãe/esposa/dona-de-casa. Nessa

direção, todas as cartas, independente do conteúdo, tratam de mulheres que carregam

no seu consciente o imaginário religioso, marcado pela submissão e renúncia à sua

condição de mulher, sendo ela mais esposa+mãe+dona de casa+serva fiel. No caso

estudado o Programa Show da Fé não só reafirma este imaginário como ajuda mantê-

lo por meio das palavras de aconselhamento da autoridade religiosa, o missionário

líder da IIGD R. R. Soares

Neste trabalho teórico-empírico sobre a representação da mulher cristã nas mídias,

muitas outras questões poderiam ter sido levantadas, afinal, estamos falando de um ser de

muitas faces, muitas vontades, desejos, sonhos e necessidades. Pensar o discurso religioso

midiático com ênfase no lugar que a mulher ocupa na vida cristã nos apontou muitos desafios

para a reflexão e futuras pesquisas, a saber:

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(1) perceber que a maneira como a pessoa se reconhece, faz toda a diferença nas suas

atitudes e decisões, ou seja, reconhecendo-se fracas e doentes, condicionadas a uma vida de

miséria e violência, se perpetua tanto uma relação de dependência com o outro (sendo esta

figura o pai, o marido ou o próprio filho) quanto a falta de motivação pela vida.

(2) As igrejas evangélicas criaram um espaço muito importante para estas mulheres

que realizam o processo de adesão, permitindo que elas se sintam acolhidas e amadas por

compartilharem das mesmas dores e angústias, ensinando aos homens que eles não podem

viver como desejam, pois estes também devem seguir os ensinamentos religiosos e andar

corretamente.

(3) as igrejas midiáticas estão mais interessadas no mercado, trabalhando de forma

pesada para que seus produtos sejam vendidos, e isso inclui os sermões e as pregações,

considerando-se o contexto atual, marcado pela liquidez das relações e das identidades, numa

sociedade altamente consumista (inclusive no contexto religioso), a tendência à

espetacularização da vida, dos milagres e da fé. Os movimentos atuais – no caso o da IIGD -

além de diminuírem e estereotiparem a imagem da mulher constroem uma forma de “ver

Deus”, mais calcada nos imperativos de uma dinâmica capitalista neoliberal e de reprodução

da cultura patriarcal baseada nos princípios da aceitação/resignação, da submissão, da

renúncia/concessão e da responsabilidade/culpabilidade que caracterizam o lugar das

mulheres no imaginário religioso, mais fortemente no pentecostalismo.

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ANEXOS

ANEXO I

Programa 21 agosto 2011 (domingo) – 18h IN 1:00:54 OUT 1:06:00

Mulher diz que não é casada, mora com um companheiro e só tem derrotas.

CARTA

Missionário,

Tive um casamento falido e resolvi me divorciar. Há seis anos, estou morando com um

companheiro, mas não acertamos nossa situação. Eu sei que isso não está certo e que Deus

não se agrada da minha decisão. Por conta disso, não recebo as bênçãos que ele tem reservado

para nós. Só tenho derrotas na vida, uma atrás da outra. Quero muito ser feliz e ter paz, mas

não consigo. O senhor acha que Deus está me punindo por que eu não fui fiel? Por favor,

Missionário, me oriente. O que devo fazer para ter alegria na vida?

RESPOSTA

Esse negócio de casamento é uma problemática tremenda, quando a pessoa não

obedece à Palavra de Deus. Separação segundo a Bíblia, só pode haver em caso de adultério.

E coitado do responsável pelo adultério. Essa pessoa vai pagar caro, por não ter mantido o

voto. Esse negócio dessas novelas enjoadas, esses filmes enjoados, por isso que eu faço

sempre campanha da nossa TV aqui. Elas corrompem, as pessoas perdem a noção do valor da

fidelidade. Porque eles colocam ali que não tem jeito, põe um cara com cara de alegre, feliz e

tudo e depois as pessoas embarcam em barcos furados. Eu pra dar um conselho à senhora teria

que ter mais detalhes, mas um outro pastor pode fazer isso e orientar dentro da Palavra do

Senhor Deus. Agora, vamos dizer assim, se tudo ocorreu antes da senhora conhecer a verdade,

aí fica mais fácil, mas se já conhecia a verdade a coisa se complica mais. Nós temos

responsabilidade pra andar na luz, porque nós somos luz no Senhor. Mas o Senhor Deus não

anda punindo ninguém, o Senhor Deus anda acertando situações. Conversa com ele direitinho,

procura um pastor, mais abra o coração, não omita detalhe algum, chato é quando a pessoa

omite detalhes porque a gente não pode aconselhar direitinho. E ore a Deus. Deus é poderoso

pra lhe levantar, Deus é poderoso pra lhe dar saída, o Senhor Deus está na época de acertar as

coisas. E quem, olha, quem está sendo tentado e bateu uma paixão no seu coração, meu

irmãozinho, minha irmãzinha, dá uns passos pra trás e aí fuja desse negócio, porque se a

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queda vier, vem tristeza, vem dor, vem tudo e enquanto você não pecou, não pecou, então é

fácil. Depois que pecar fica aquela marca, aquela ferida, aquela cicatriz, e nós precisamos

estar bem com o nosso Deus é isso que ele quer. Eu falei aqui dessas coisas que fazem porque

são uns irresponsáveis, eles bolam uma situação que a maioria é tudo mentira. O mesmo que

aconteceu com eles e desenham ali, escrevem, a gente que tem uma capacidade pra escrever,

pode escrever irresponsavelmente uma porção de coisas e depois, e põe gente famosa, bonita,

bem dotada de um físico maravilhoso e talentosa no representar e as pessoas ficam achando

que é verdade, até torce, não o Francisco tem que deixar a Maria, a Maria é muito feia pra ele,

tem que pegar aquela que é novinha, bonitinha, a Maria com aquele velhão, para com isso,

né? Quer dizer, fica pondo minhoca na cabeça e o Francisco e Maria, as outras Franciscas, os

outros Franciscos e Marias são fracos de mente e começam desejar. E o demônio põe tudo e

encaixa. As coisas começam anos ali. Um dia o médico me disse que quando o câncer

aparece, já tá trabalhando a cinco anos no corpo da pessoa. Quando o pecado aparece já tá

trabalhando, é uma coincidência no trabalho, é uma conversa dentro de casa, é uma chateação

e quando vê acontece. Aí depois é só dor, só sofrimento. Meu irmão a única maneira, a única

medicina que cura todo o mau, é a palavra de Deus. Porque ela é preventiva, e também ela

cura depois, mas o bom é quando você pega a palavra, teme a palavra de Deus, você evita

qualquer coisa. Solteiros, não entrem em fornicação, e se sentiu de Deus que não dá certo, não

importa se a pessoa é bonita. Você não vai casar com a pessoa pra ficar dando show pros

outros, você precisa de uma pessoa que realmente seja de bom caráter, que tema a Deus e que

lhe complete. Que você se agrada da pessoa. Não fique indo por questão de Hollywood que

fala aquelas coisas bonitas, põe aqueles músicos bonitão, atrás tem uma música e a pessoa vai.

Paulo disse que as mulheres mais velhas, deveriam ensinar as mais novas a amar seus

maridos. Então até o amor se aprende. Não, não, mas esse casamento não foi no céu porque eu

não tô realizada. E vai pra mão de outro, de outra e não tá, não tá e não tá e se perde todo.

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ANEXO II

Programa 18 setembro 2011 – (domingo) 14h IN 1:10:20 OUT 1:12:37

Mulher foi transferida para outra cidade, está longe do marido. Sobre relacionamento íntimo.

CARTA

Missionário,

Sou cristã, casada e passo por uma fase complicada. Fiquei desempregada por cinco

anos, até que fui chamada em um concurso público. Pensei então, que meus problemas seriam

resolvidos. Mas, por conta da distância do meu trabalho, fico muito tempo longe da minha

família e isso me faz muito mal. Por favor, missionário, preciso de uma orientação!

RESPOSTA

Esse negócio de ficar longe da família, faz mal mesmo! A pessoa que foi transferida

pra outra cidade, deve levar a família, ou então, arranjar um jeito ou outro trabalho. Casados

não podem ficar separados. A Bíblia fala de uma maneira muito clara. O marido e a mulher

têm que viver sempre em comunhão conjugal e se eles se separarem pra oração, tem que ser

por um breve período, que não há necessidade de separar, mas vamos dizer que sentiu no

coração, vamos dormir separado por breve período, terminou volte correndo. Diz o Espírito

Santo, para que satanás não vos tente. Ninguém é durão o suficiente, para não cair na cilada

do diabo. Então, a pessoa tem que ter juízo. E todo mundo que é solteiro, trata de obedecer à

Palavra de Deus. Ela diz: o homem deixará pai e mãe, unir-se-à a mulher, e serão dois numa

só carne. Tem que obedecer, não é bom que o homem fique só. Quando fala o homem,

também tá falando a mulher e pare desse negócio de ficar com ideia de Hollywood na cabeça,

que vai aparecer aquela pessoa, quer dizer, é, vai aparecer aquela que Deus marcou pra você.

Aquela que você sentiu no coração. E para com essa bobeira, de ficar adiando, adiando, você

tá perdendo é tempo na vida! Então, aproveita, tome posse da bênção e seja uma pessoa bem

estruturada, alicerçada na palavra, uma pessoa que vai dar alegrias ao Senhor Deus! Então

verifique bem esse negócio aí, ore a Deus. É preferível até deixar o emprego, arranjar um

outro que ganhe até menos, mas que não destrua a sua felicidade. Marido e mulher têm que

ficar juntos. A vida deles é em comum, e não pode nem em pensamento ter uma terceira

pessoa.

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ANEXO III

Programa 8 outubro 2011 (sábado) – 18h IN 1:05:54 OUT 1:08:32

Mulher está cansada do casamento ruim.

CARTA

Missionário,

Sou casada e enfrento momentos de crise com o meu esposo. Não entendo por que ele

desconfia tanto do meu caráter sincero de esposa. Por essa razão, nossa convivência está

muito difícil. Não sei mais como proceder e confesso que já estou cansada de tanta

desconfiança. Missionário, tento ficar em Espírito, mas não estou obtendo bons resultados. O

que devo fazer?

RESPOSTA

Eu não sei o que pra você é ficar no Espírito, pra mim ficar no Espírito é ficar na

revelação da palavra de Deus. Uma senhora me contou no Rio de Janeiro, que quando ela se

casou, vou chamá-la de Suzana. - Missionário, o meu marido, o Pedro, tinha um Espírito de

ciúme, eles não eram de Jesus. Ele voltava do trabalho, ia pro trabalho e voltava: sua

desgraçada, eu tava no ônibus, eu lhe vi no carro tal, placa tal, o que você foi fazer?

Missionário, eu não sai de casa, eu sequer tinha tomado banho, acordei de manhã, tava

cuidando das coisas de casa, não me arrumei pra nada. Era um demônio de ciúme, aí era briga

que não era brincadeira, chegamos até a nos separar. Quando ele foi pra igreja, mostrou o que

que era, ele tava endemoniado. Manifestou nele tudo quanto é bicho expulsou aquilo, acabou.

Ele nunca mais me viu no carro tal, trazia até a placa do carro (risos da plateia). É, agora você

vê que ciúme, ele ia pro trabalho, saltava do ônibus, pegava outro ônibus, voltava em casa pra

brigar e ela disse: eu não tinha saído de casa. Quer dizer, que que eu fiz? Ela disse: eu vou lhe

contar a verdade, nunca fiz nada errado Missionário, mas ele achava que eu não prestava. E

até que ele foi libertado. Tem pessoas que são assim, não tô dizendo que seu marido tá

endemoniado, mas é o demônio que faz uma coisa dessas. E qual o melhor? C Olha, “clama a

mim, o Senhor Deus, diz, e responder-ti-ei, anunciarte-ei em coisas grandes e firmes, que não

sabes. Coisas sérias, coisas que realmente, é, são as que estão fazendo você ficar doente, você

ficar na miséria, a separar o seu casamento. Clama a Deus, que ele tem as coisas pra revelar.

O que é que está por trás? A razão verdadeira, de você trabalhar, trabalhar e não melhorar. De

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você orar, orar e não ser curado. Da vida pra você sempre tá dando pra trás, “clama a mim e

responder-ti-ei.” É a palavra do Senhor Deus! Já vou orar por você.

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ANEXO IV

Programa 6 novembro 2011 (domingo)– 14h IN 1:05:20 OUT 1:09:42

Mulher diz que marido a agride fisicamente, mas o ama.

CARTA

Missionário,

Passo por momentos difíceis em minha casa. Meu esposo e eu brigamos por qualquer

motivo, mas agora o problema está se agravando, porque ele quer me agredir fisicamente. Já

pensei em denunciá-lo a polícia, mas desisti, porque amo muito meu marido, não quero

prejudicá-lo. Missionário, não sei como agir, por favor, me ajude!

RESPOSTA

Com o devido respeito, tem uma música do mundo aí, diz assim: nós somos dois sem

vergonha, não sei lá mais o quê (risos). Vocês se amam e se batem? Se agridem? Para com

isso mulher! Já viu aquele recado, que quando um não quer dois não brigam? Não tem jeito de

brigar. – dona Carmem, interfere – você quer dar testemunho dona Carmem? Traga o

microfone aqui. Que que aconteceu ontem com a senhora?...(nada a ver com o tema).

(1:08:54) deixe eu falar com a senhora aqui, (fala da senhora da carta) deixa eu falar com a

senhora que busque a Deus, apresente os problemas que é seriíssimo diante de Deus, a

senhora tá agredindo o esposo, ele agride a senhora agora fisicamente, minha irmã, para com

isso hoje, entrega tudo ao Senhor Deus, numa oração séria, antes que o diabo faça mais do

que fez. Já tirou vocês do relacionamento normal e pôs agora num relacionamento agressivo,

isso não é direito, mas Deus dá de volta tudo o que o diabo rouba. Pode falar com o Senhor

Deus e crê, mas obedeça ao Senhor Deus e quando for provocada não revide. Espere Deus

fazer a obra e você vai ver que o nosso Deus, ele cumpre o que prometeu!

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ANEXO V

Programa 3 dezembro 2011 (sábado)- 14h IN 1:07:55 OUT 1:10:39

Mulher deprimida, terceiro relacionamento.

CARTA

Missionário, tenho trinta e dois anos e sou uma mulher muito sofrida. Vivo em

depressão há quatorze anos em razão da morte dos meus três filhos e dos inúmeros problemas

que enfrentei. Ainda hoje, carrego em meu coração muita mágoa dos meus familiares e dos

meus ex-maridos, pois sofri humilhações de todas as formas. Já estou em meu terceiro

relacionamento e os ventos não se acalmaram. Missionário, não sei o que fazer para ser feliz,

por favor, oriente-me!

RESPOSTA

Eu quase fui dizer, roda o filme, volta o filme aí (risos). Matheus 11:28,29, minha

irmãzinha. Vinde a mim todos. Quem tá no terceiro relacionamento, você diz que a catorze

anos ... trinta e dois, dezoito, com dezoito anos você já perdeu três filhos, com dezoito anos?

Você começou cedo minha irmã. Não só a ter filhos, mas como a perder. Tá certo, se tiver

cento e trinta, podia algum já partir. Mas você tá com trinta e dois, já partiram três, você tá no

terceiro relacionamento, você só tem problema com esses homens bandidos que não valem

nada, né, tá bão... (risos), é que o problema tá dentro de você, minha irmãzinha. Tem que

olhar esse negócio aqui e dizer: Jesus, o problema tá comigo. O Senhor disse, vinde a mim

todos, então tô chegando aqui, tô batendo na porta do céu, quero entrar, quero que o Senhor

entre em mim. O Senhor prometeu aliviar, me alivia Jesus. O Senhor prometeu me ensinar.

Me ensine. O Senhor prometeu me dirigir pra eu encontrar. Eu quero encontrar Jesus,

descanso pra minha alma. É o que você tá precisando. Sua alma tá sendo atacada por tudo que

não presta! Minha irmãzinha, tem que passar por uma verdadeira, não reciclagem, por um

verdadeiro renascimento. Você tem que tornar-se uma nova pessoa. O inimigo não mais vai

ter poder sobre a sua vida, ele tá tendo, tá abusando de você, você é uma garota, com trinta e

dois anos, você tá exatamente na metade da idade do Missionário (risos), puxa vida, eu tenho

a sua idade, só numa perna né, (risos)? Você tá (risos) com as duas pernas com essa idade.

Oh! Acorda, minha irmãzinha, vem pra Jesus, Jesus vai mudar você completamente. Vinde a

mim, tu que estais cansados e sobrecarregados. E isso que tá lhe abrindo o entendimento, seja

perfeito nessa palavra. Deus, eu vou conseguir porque o Senhor falou comigo e a minha vida

não vai continuar desse jeito. E Deus vai lhe dar a vitória em nome de Jesus!

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ANEXO VI

Programa 8 janeiro 2012 – (domingo) 9h IN 1:04:31 OUT 1:07:34

Fim do casamento, marido foi embora. Ela se culpa, diz que foi inconsequente. Pede o marido

de volta.

CARTA

Missionário,

Sempre frequentei igrejas evangélicas, mas nunca tive um encontro verdadeiro com

Cristo. E hoje, estou desesperada pelo fim do meu casamento. Sempre agi sem sabedoria com

meu marido e por ter se cansado das inúmeras situações que criei, ele saiu de casa. Hoje mora

com uma mulher que está esperando um filho dele. No desespero, cheguei a procurar casas de

feitiçaria para separá-los. Preciso saber o que fazer para mudar essa situação, Missionário,

pois quero o meu marido de volta!

RESPOSTA

Minha irmãzinha, que situação, que dilema. A senhora frequentava igreja, mas nunca

teve um encontro com Cristo. Nunca deu atenção à Palavra de Deus. Os Israelitas, que eu

preguei, também frequentavam a casa de Deus. Tiveram o privilegio de ter Moisés, o homem

que falava com Deus face a face, que Deus respondia. E Deus fez tanto prodígio, mas não

pegaram um pouquinho pra olhar, isso é a palavra de Deus. Nós não vamos ser rebeldes, nós

vamos crer e vamos dar ouvido à voz de Deus. Infelizmente tem muita gente aqui na igreja

que é a mesma coisa. Não está levando a coisa a sério. E sabe o que pode acontecer? O diabo

vai fazer uma grande tragédia na sua vida. Oh! Deus, por que é que o Senhor permitiu? Caso

sério pessoal! Pessoa, eu tava, acho que tava no ginásio, não sei, eu fiz, foi até tipo um poema,

uma poesia, que eu escrevi assim, deixa eu tentar lembrar:

Não há quadro mais triste,

olhando a vida das pessoas,

e nem visão tão constrangedora,

do que ver uma família inteira,

não ter fé na fonte salvadora.

Os pais recusam crer,

vivem pro mundo, sexo e prazer,

ensina aos pequeninos que viver é:

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aos instintos do corpo obedecer.

Um dia porém, paro diante da realidade,

num caixão o filho, em algum bordel a filha.

Então gritam: Deus, por que essa maldade?

Crê em Deus pessoal! A Bíblia Sagrada diz: entrega o teu caminho ao Senhor! Você já

fez isso? Confia nele. Já fez isso? E o mais ele fará. Tudo que for necessário. A irmãzinha, na

igreja, ouvindo a palavra, mas eu não tive um encontro com Deus. Têm muitos que não tem.

Pessoas vem à casa de Deus e Deus insistindo. Deus falando. O encontro com Deus não é

nada místico. Você entendeu a palavra, Deus eu vou crer, Deus faz tudo o resto. Aquilo ali é

uma porta que Deus abriu, na porta que é Jesus que vai lhe levar à solução dos seus

problemas. Que vai lhe dar capacidade pra vencer e que você vencerá, em nome do Senhor

Jesus! Amém?

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ANEXO VII

Programa 5 fevereiro 2012 (domingo)– 14h- IN 0:52:30 OUT 0:54:33

Mulher idosa, pede pela vida dos filhos por não serem salvos.

CARTA

Missionário,

Sou uma senhora idosa, estou com setenta e oito anos de idade, e agradeço a Deus por

ter aberto os meus olhos para a verdade da Palavra. Conheci o evangelho há pouco tempo. Por

quase toda minha vida fiz parte de uma religião que só me afastou de Deus. Agora que

conheço a verdade, estou muito preocupada com os meus filhos, porque eles não querem

aceitar o evangelho da salvação, e eu não quero morrer sem saber que eles também são salvos.

Missionário, por favor, ore por nós.

RESPOSTA

A senhora deve falar isso com Jesus. Agora, quanto à salvação, não é questão de orar é

questão de crer. Porque diz a palavra de Deus: crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e a tua

casa. Então o manto da salvação tá estendido sobre eles. É só você perseverar. Essa rejeição é

natural. Se você tivesse talvez, não se convertido a Cristo, mas passado a torcer por um clube

de futebol, talvez, vamos lá com a mamãe porque a mamãe já tá idosa, precisamos tá do lado

dela. É isso mesmo! É o Coríntias, é o São Paulo, é o Palmeira é o sei lá mais o quê (risos),

mas como é de Cristo tem a força do inimigo que não quer. Mas isso é bom! Você vai firmar

em Cristo, vai ganhar essa batalha e diga pra Deus: Deus não deixa a tua serva ir embora

enquanto não ver toda a família nos teus pés. E é muito sadia essa decisão dela e como esse

homem perguntou: O que é orar com sabedoria? É orar com esse entendimento da palavra de

Deus e não ficar repetindo orações. Deus, me faça uma pessoa próspera. Procure saber como é

que Deus faz você próspero. Deus me cura. Procure saber como é que Deus cura. Deus, salva

minha família. Procure saber como é que Deus salva a família. E olha, quando Deus lhe

ensinar, meu irmãozinho, minha irmãzinha, você vai ser muito abençoado. As coisas vão

tomar uma nova direção na sua vida!

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ANEXO VIII

Programa 11 Março 2012 (domingo)– 9h- IN 1:05:55 OUT 1:06:58

Mulher pede pela vida da filha que está com câncer

CARTA

Missionário,

Por favor, preciso urgentemente das suas orações. Minha filha está com câncer e

precisará se submeter a uma cirurgia. Sei que ela vai sofrer com o pós-operatório e com todos

os tratamentos que precisará enfrentar. Na condição de mãe, eu me sinto impotente. Estou

muito angustiada, não aceito esta doença na minha família. Por favor, Missionário, me ensine

a orar repreendendo este mal. Quero minha filha liberta em Nome de Jesus!

RESPOSTA

Duas respostas eu posso lhe dar. A primeira é triste o que sua filha ta passando, e não

só a minha oração, mas todo o povo de Deus vai falar com Jesus a respeito disso. Segunda

coisa, não sou eu que tenho que lhe ensinar. Quando você entender algo na Palavra, pode ser

um versiculozinho assim, se sobressaiu, segura aquilo, ali ta a sua saída. Ore de acordo com

aquilo e Deus vai lhe abençoar.

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ANEXO IX

Programa 15 abril 2012 (domingo)– 9h IN 1:04:11 OUT 1:05:25

Problema com filho que rejeita a mãe.

CARTA

Missionário,

Eu morava com o meu filho, mas ele sempre me maltratou, me agrediu com palavras a

vida inteira. Até que a situação foi ficando cada vez mais difícil e eu precisei mudar de cidade

para ficar longe dele. Missionário, eu não mereço todas as ofensas que o meu filho me fez, é

muito triste para uma mãe passar por isso. Eu me pergunto dia e noite, onde errei na educação

dele? Por que vim para a terra para ser mãe de alguém que passou a ser o meu inimigo?

Missionário, me ajude, por favor, eu estou em profunda tristeza.

RESPOSTA

Com o devido respeito, a senhora tá igual à mulher de Jó. O Jó tinha uma mulher

assim. Você fala igual qualquer louca falaria. Isso lá é conversa de cristã? Você tem que olhar

na Bíblia Sagrada vê o que Deus te falou. Quando a gente não vê o nosso erro, nós somos o

pior dos cegos. O pior cego é aquele que não quer ver, pessoal. Deus tá mostrando, ele mostra

na palavra, hoje aqui nós tivemos um banquete sobre esse caso da perversidade. Então a

pessoa tem que aprender: Deus eu to errando tudo, eu vou me acertar e você pode se acertar.

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ANEXO X

Programa 13 maio 2012 (domingo)– 11h IN 1:06:30 OUT 1:07:46

Sofreu acidente no trabalho e não consegue obter a cura de Deus.

CARTA

Missionário, há cinquenta e cinco anos, vivo em uma situação que me deixa muito

infeliz. Por causa de um acidente de trabalho eu fiquei paralítica, e para piorar, minha visão

está muito comprometida. Missionário, eu preciso de oração e de uma direção de Deus para

que eu possa me sentir melhor. Será que o meu caso tem solução? O senhor acha que eu devo

acreditar na minha cura?

RESPOSTA

Minha irmãzinha, você ta provando ai que você não tem um apreço grande pela

Palavra de Deus. Primeira coisa é a seguinte: “buscar-me-eis e me achareis quando me

buscares de todo o vosso coração”. Com essa divisão ai, você não vai conseguir nada de Deus.

Teve o acidente, pro homem pode ser irreversível, mas se Deus falar ao seu coração pela

Palavra – e Ele fala – você pode acreditar naquilo que Deus fala. Eu posso lhe ajudar orando

por você. Dar a direção eu não posso, a não ser dizer: vá para a Palavra, que a Palavra de

Deus fala. Quando a pessoa vai pra Palavra e aprende o que Deus quer para ela, essa pessoa é

muito abençoada.

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ANEXO XI

Programa 17 junho 2012 (domingo)– 9h IN 1:04:11 OUT 1:05:25

Mulher em depressão porque a mãe faleceu.

CARTA

Missionário, minha mãe sempre me ensinou a confiar em Deus e a aceitar a vontade

do Senhor. Como filha dedicada, procurei ser fiel a esses ensinamentos, mas algo aconteceu.

Deus levou minha mãezinha e eu não estou suportando a ausência dela. Sei que foi da vontade

do Senhor Deus, mas eu ando muito deprimida, quero me levantar e prosseguir, mas não

encontro forças. Estou em depressão e sei que ela não se alegraria em me ver assim. Preciso

que o senhor, Missionário, ore por mim, sei que as suas orações são ouvidas por Deus. Ajude-

me, por favor.

RESPOSTA

Pelo jeito você é uma pessoa adulta, mas ta agindo como uma criança. A minha mãe

foi embora, o meu pai foi embora, um dia eu vou, todo mundo foi. Os nossos avós tiveram

mãe e pai como nós temos ou tivemos e gostavam deles também, como nós gostamos. Mas

deixa ele ir, no dia que partiu, partiu, está com o Senhor. Bendito seja o Senhor. Agora você

tem que viver a vida, você ta caindo no conto do demônio. Enquanto ta vivo, oremos,

supliquemos. Deus levou, bendito seja o Senhor. Mas eu tenho uma coisa a observar: você

disse que a sua mãezinha lhe ensinava a aceitar a vontade de Deus. Isso ai se usa muito os

incrédulos, quando uma coisa vem inexplicável. É a vontade de Deus, eu aceito. Aceitar a

vontade de Deus é aceitar o que está na Bíblia. É praticar a vontade do Senhor. Não se

conformar com essa depressão estúpida na qual você caiu. Se levanta daí, levanta essa cabeça

que Deus tem muita coisa pra dar pra você, e certamente lhe dará.

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ANEXO XII

Programa 15 julho 2012 (domingo)– 18h IN 1:07:43 OUT 1:08:59

Mulher reclama que já está com 38 anos e não conquistou nada na vida

CARTA

Missionário, desde a infância, minha vida foi muito difícil, porque minha família foi

vítima de obra de feitiçaria. E tudo se complicou com o falecimento do meu pai,

principalmente a área financeira, pois tivemos que vender o nosso comércio. O que me deixa

mais angustiada é que estou com 38 anos e ainda não conquistei nada na vida. Por favor,

Missionário, me oriente.

RESPOSTA

Eu não sei se vc conquistou a salvação, que é o melhor bem que nós devemos

conquistar. E Jesus disse em Mateus 6:33 “buscai o reino de Deus e a sua justiça em primeiro

lugar e as demais coisas vos serão acrescentadas”. Têm pessoas que perderam o pai e

perderam tudo, mas não foi por obra de feitiçaria, é que não foram treinadas a continuar no

comércio. É uma coisa muito séria. Você consegue fazer herdeiro, mas sucessor nem todo

mundo consegue. E ai as coisas vão de água abaixo. O comércio tem as suas leis próprias.

Mas busque a Deus que Deus é poderoso para lhe fazer uma pessoa completamente diferente

e lhe dar o socorro. E como é que eu sei o que fazer? Ele vai falar pela Palavra com você. Pela

Palavra você vai entender e vai ser abençoada.