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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ DANIELA RODRIGUES TEIXEIRA A BOA-FÉ OBJETIVA E O CONTRATO DE SEGURO CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

DANIELA RODRIGUES TEIXEIRA

A BOA-FÉ OBJETIVA E O CONTRATO DE SEGURO

CURITIBA

2013

DANIELA RODRIGUES TEIXEIRA

A BOA-FÉ OBJETIVA E O CONTRATO DE SEGURO

Monografia apresentada ao Curso de

Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas

da Universidade Tuiuti do Paraná, como

requisito parcial para a obtenção do grau

de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Sérgio Said Staut Junior

CURITIBA

2013

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Jesus Cristo, Senhor e Salvador pessoal, fonte inesgotável de

inspiração e sabedoria.

Agradeço ao meu querido esposo Paulo Henrique e aos nossos filhos Ana Paula

e Isaque Henrique, bênçãos de Deus, por estarem ao meu lado, apoiando e suportando

em todas as situações.

Agradeço aos queridos colegas de faculdade pelo apoio recebido e pela amizade

consolidada.

Agradeço especialmente ao meu orientador, professor Sérgio Staut, pelo tempo

e atenção dedicados.

Agradeço aos meus professores e mestres que contribuíram para o meu

aprendizado.

TERMO DE APROVAÇÃO

DANIELA RODRIGUES TEIXEIRA

A BOA-FÉ OBJETIVA E O CONTRATO DE SEGURO

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel em Direito

no Curso De Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do

Paraná.

Curitiba,_______de_________________de 2013.

Curso de Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

______________________________________

Professor. Doutor. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografia

_____________________________________________________________________

Orientador: Professor Sérgio Said Staut JuniorUniversidade Tuiuti do Paraná–

Faculdade de Ciências Jurídicas

_____________________________________________________________________

Professor

Universidade Tuiuti do Paraná– Faculdade de Ciências Jurídicas

_____________________________________________________________________

Professor

Universidade Tuiuti do Paraná– Faculdade de Ciências Jurídicas

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 5

2 A BOA-FÉ ................................................................................................................... 7

2.1 DEFINIÇÃO DE BOA-FÉ ..................................................................................... 11

2.2 HISTÓRICO DA BOA-FÉ ................................................................................... 12

2.3 NATUREZA JURÍDICA DA BOA-FÉ ................................................................. 13

2.4 BOA-FÉ COMO PRINCÍPIO GERAL ................................................................ 13

2.5 BOA-FÉ OBJETIVA E BOA-FÉ SUBJETIVA .................................................. 14

2.6 FUNÇÕES DA BOA-FÉ OBJETIVA .................................................................. 15

2.7 A BOA-FÉ OBJETIVA E O ARTIGO 422 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

....................................................................................................................................... 18

3 CONTRATO .............................................................................................................. 19

3.1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRATOS ...................................... 20

3.1.1 Princípio Da Autonomia Da Vontade ................................................................. 20

3.1.2 Princípio Da Força Obrigatória Do Contrato ....................................................... 21

3.1.3 Princípio Da Relatividade Subjetiva Dos Efeitos Do Contrato ........................... 21

3.1.4 Princípio da Boa-Fé Objetiva .............................................................................. 21

3.2 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO .............................................................. 22

3.3 ÉTICA E BOA-FÉ NO ADIMPLEMENTO CONTRATUAL ........................... 23

4 O CONTRATO DE SEGURO ................................................................................. 25

4.1 PARTES ................................................................................................................. 26

4.2 CLASSIFICAÇÃO DOS SEGUROS ..................................................................... 27

4.2.1 Seguros de Dano .................................................................................................. 27

4.2.2 Seguros de Pessoa ................................................................................................ 27

4.3 CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE SEGURO..................................... 27

4.4 O CONTRATO DE SEGURO, A BOA-FÉ E A JURISPRUDÊNCIA ............... 29

5 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 36

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 38

5

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa verificar a importância da boa-fé nos contratos de

seguro, sendo tema relevante e atual devido a grande quantidade de pessoas que

contratam seguros diariamente, o que envolve o conceito de boa-fé nas declarações

feitas pelos contratantes.

O contrato é um vínculo jurídico entre duas ou mais pessoas, um acordo de

vontades que cria, modifica ou extingue direitos.

Todo contrato deve ser cumprido com lealdade e boa-fé, pelas partes contratantes.

A boa-fé nos contratos é um princípio ético, uma norma de conduta que deve

ser seguida. Agir de boa-fé quer dizer manter um comportamento leal e correto em

todas as fases do contrato, inclusive nas negociações preliminares e mesmo após a

conclusão do contrato.

A boa-fé objetiva se caracteriza como um dever agir, pautado na honradez,

ligado a normas de conduta e padrões de honestidade estabelecidos e reconhecidos

socialmente pelo homem médio, considerando os acontecimentos envolvidos. A

lealdade deve nortear todas as condutas humanas, sejam negociais ou não.

Os contratos de seguro estão cada vez mais frequentes na sociedade, os quais

devem se nortear no princípio da boa-fé, já que os mesmos são elaborados através de

declarações iniciais e estas são fundamentais para delimitar os riscos envolvidos e

influenciam decisivamente no cálculo do prêmio. Visto que esses acordos tem

importância socioeconômica na atualidade, o que resulta em grande quantidade de

contratação em suas diversas modalidades, garantindo tranquilidade e segurança aos

contratantes, pois, na ocorrência de sinistro, o bem segurado está coberto pelo seguro e

o contratante segurado será indenizado.

A boa-fé constante nas informações prestadas pelo segurado é imprescindível

para se avaliar o risco e calcular o prêmio, de modo que o segurado não deve omitir

informações, agindo, assim, com a mais estrita lealdade ao contratar, de modo a não

causar prejuízo à seguradora.

Com a necessidade cada vez mais crescente do homem de ter um instrumento

de defesa para seu patrimônio, saúde ou vida, a sociedade atual posiciona o seguro

6

como alicerce que vai garantir o equilíbrio econômico dos bens do individuo. É de

fundamental importância demonstrar a relevância e aplicação do princípio da boa-fé

nos contratos de seguro, visto que este princípio é requisito fundamental para a

existência deste tipo de contrato.

O núcleo do problema está na quebra de confiança no contrato de seguro. Aqui

se constata a importância e a necessidade do princípio da boa-fé na formulação do

contrato de seguro em todas as suas fases, a fim de que as partes ajam com lealdade e

honestidade, buscando a manutenção do equilíbrio contratual. Se ambas as partes na

relação negocial, não observarem o princípio da boa-fé objetiva, pode motivar a

resolução do contrato, sendo a parte penalizada, já que a boa-fé é essencial ao contrato

de seguro.

A boa-fé objetiva faz parte do próprio conceito do contrato de seguro, visando

proteger a confiança depositada, de modo que as partes alcancem suas expectativas.

Este trabalho visa demonstrar que a boa-fé é essencial ao cumprimento do contrato de

seguro e que este princípio deve se fazer presente em todas as fases do contrato, desde

as negociações preliminares, até depois da execução do contrato, para que este seja

cumprido com excelência, atingindo seu fim.

7

2 A BOA-FÉ

O princípio da boa-fé objetiva cria novos deveres contratuais, que devem ser

respeitados para o bom cumprimento dos objetivos contratuais. A boa-fé é o objetivo

ético dos princípios que ganhou contorno de natureza jurídica cogente.

A partir da boa-fé se impõe uma revisão da força normativa dos princípios

jurídicos, visto que os princípios deixaram de ser apenas mecanismos complementares

para adquirir a função de fonte de direito.

O princípio da boa-fé se fundamenta a partir do dever atribuído às partes para

agir de acordo com determinados padrões de conduta, principalmente no que diz

respeito à lealdade e à confiança. O princípio da boa-fé permeia todo o sistema

jurídico privado, visto que não se admite conduta contrária à boa-fé.

Conduta contrária à boa-fé seria a má-fé e esta sempre deve ser provada,

enquanto que a boa-fé é presumida.

Exemplo claro de má-fé ocorreu recentemente em São Paulo, onde um

consumidor se dirigiu a uma concessionária com a intenção de adquirir um automóvel

zero quilometro por R$0,01, dizendo que a loja havia veiculado publicidade onde se

podia comprar veículo a preço de banana.

Não conseguindo seu intento e se dizendo frustrado, ajuizou ação contra a

concessionária, se dizendo lesado no seu direito. Teve o pedido indeferido e foi

multado e condenado a pagar custas judiciais. Ainda não satisfeito, relata que pretende

levar o caso ao Superior Tribunal de Justiça. O juiz entendeu que o consumidor teve

má fé e que "a forma como agiu causa desprestígio à Justiça".

A aplicação do princípio da boa-fé passou a ter papel essencial nas relações

obrigacionais, sendo instrumento para limitar a liberdade de contratar.

Nas palavras de Orlando Gomes, (2009, p. 45): “O princípio da boa-fé é

aplicável a toda e qualquer relação contratual, independentemente da existência de

8

debilidade ou hipossuficiência por parte de um dos contratantes ou do desequilíbrio

entre os polos da relação”.1

Havendo divergência no conteúdo das cláusulas contratuais, a interpretação

deve ser feita segundo a boa-fé objetiva dos contratantes. O principio da boa-fé pode

ser considerado um elemento a mais na interpretação dos negócios jurídicos.

A ideia de considerar a boa-fé como um padrão de comportamento, foi inserida

para dar às pessoas maior grau de certeza que é a pretensão de todos.

A prática internacional reconhece a necessidade da boa-fé, pois ela serve como

instrumento de interpretação contratual, ou regra de conduta para as partes.

Ruy Rosado de Aguiar Júnior (1995) entende que:

A boa-fé se constitui numa fonte autônoma de deveres, independentemente

da vontade, e, por isso, a extensão e o conteúdo da relação obrigacional já

não se medem somente nela (vontade), e, sim, pelas circunstâncias ou fatos

referentes ao contrato, permitindo-se construir objetivamente o regramento

do negócio jurídico com a admissão de um dinamismo que escapa ao

controle das partes. A boa-fé significa a aceitação da interferência de

elementos externos na intimidade da relação obrigacional, com poder

limitador da autonomia contratual. O princípio da boa-fé significa que todos

devem guardar fidelidade à palavra dada e não frustrar ou abusar da

confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas, sendo,

pois, mister que se proceda tal como se espera que o faça qualquer pessoa

que participe honesta e corretamente do tráfego jurídico.2

O princípio da boa-fé objetiva é um elemento essencial aos contratos de seguro,

sendo de fundamental importância na interpretação jurídica do contrato, se fazendo

presente desde a fase pré-contratual, até depois da sua execução.

O princípio da transparência e o dever de informação conferido ao segurado e

ao segurador no momento de formação do contrato de seguro, bem como durante toda

1 Orlando Gomes, Contratos, 26ª ed. 2009, p. 45.

2 Ruy Rosado Aguiar Júnior. A boa-fé na relação de consumo. Revista Direito do Consumidor, n. 6,

abr.1995

9

a execução do contrato, em consonância com os preceitos norteadores da boa-fé

objetiva, apresentam-se como fundamentais, no intuito de garantir contratações que

assegurem a justiça contratual através da consagração da igualdade material entre as

partes.

Considerar a boa-fé nos negócios jurídicos determina efeitos concretos no

comportamento das partes frente ao contrato.

As partes tinham liberdade plena de contratar, o que gerava certa insegurança

jurídica, pois não havia qualquer sanção de ordem jurídica se o objetivo da obrigação

não fosse atingido.

O dever de não prejudicar a outrem é uma norma fundamental de toda

sociedade civilizada. Se uma das partes desistisse de contratar estaria infringindo o

princípio que veda a causação de prejuízos a outra parte.

O acordo de vontades é o exercício regular de um direito, onde a parte pode

escolher contratar ou não. No caso de não contratar, absolveria a parte de qualquer

ilicitude, desobrigando-a da responsabilidade pelos danos sofridos pela outra parte.

Porém o exercício absoluto do direito de não contratar cedeu lugar a obrigação de

ressarcir os danos causados à outra parte.

O princípio da culpa in contrahendo, que representa o estabelecimento de

limitações ao princípio da liberdade das partes no desenvolvimento das tratativas ou

negociações preliminares, passou a ser aceito pelos ordenamentos. A autonomia da

vontade sofre mudança de ordem ética, onde a boa-fé representa um fundamento de

valor moral, acolhido pela norma legislada, surgindo a responsabilidade pré-contratual.

Para a caracterização da culpa in contrahendo pode se apresentar como

fundamento o dever de indenizar a parte inocente na ruptura das tratativas. A noção da

boa-fé parece mais apropriada e completa do que qualquer outra, no que diz respeito à

caracterização da deslealdade da parte que abandona as negociações e que vem a

frustrar as expectativas da outra parte.

A responsabilidade pré-contratual decorre de uma situação para a qual

concorrem fatores que diversificam caso por caso, não permitindo a subordinação a

um único princípio teórico.

10

A boa-fé é princípio básico e inafastável da teoria dos contratos, orientando o

comportamento das partes que pretendem contratar. A violação do dever da boa-fé

representa a responsabilidade pré-contratual, sendo a única condição do dever de

indenizar que se encontra na base de toda e qualquer lesão patrimonial decorrente da

interrupção ou cessação injustificadas das negociações preliminares.

A boa-fé da parte prejudicada pela interrupção ou cessação injustificada das

negociações preliminares é pressuposto básico e irredutível do dever de indenizar,

atribuído à parte culpada. Se ambas as partes devem agir de boa-fé, a violação desse

dever por uma delas, em detrimento da outra, e sem escusa justa, é pressuposto para o

surgimento do ônus reparatório. Não verificado esse pressuposto, inexistirá o direito à

indenização. Se a parte prejudicada não agiu com boa-fé, não terá título ou justificação

para pleitear da outra o seu eventual prejuízo.

Apenas a análise do caso concreto poderá resultar na configuração da boa-fé do

futuro contratante, ou seja, de sua autêntica perspectiva de atingir a conclusão do

contrato.

A boa-fé não é um modelo apenas contratual, mas pré-contratual e

extracontratual, e tem magnitudes diferentes conforme o tipo de contato social e

também conforme os sujeitos da relação, ou seja, quando escolho um parceiro

contratual devo com ele cooperar leal e fortemente.

Aquilo que está de acordo com a boa-fé também está de acordo com os

costumes e com a atuação esperada de um homem médio diligente.

O contrato é um processo que contém a fase pré-contratual, contratual e fase

pós-contratual, todas subordinadas à boa-fé objetiva.

Na fase pré-contratual tem-se negociações preliminares, onde já são exigidos os

deveres específicos que uma pessoa precisa ter em relação a outra, no momento de

contratar.

Na fase contratual, espera-se que as partes hajam com a mais estrita boa-fé para

o adimplemento do contrato.

A base da responsabilidade pós-contratual é a boa-fé objetiva, visto que a

relação contratual não se extingue com a conclusão do contrato.

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2.1 DEFINIÇÃO DE BOA-FÉ

Boa-fé tem vários significados. Etimologicamente, vem de fides, do latim, que

significa honestidade, confiança, lealdade, fidelidade. É um conceito essencialmente

ético, que se pode definir como o entendimento de não prejudicar outras pessoas.

É a base de interpretação dos negócios jurídicos. Refere-se a normas de conduta

que orientam como o indivíduo deve agir, impondo às partes comportamento que são

necessários e precisam ser obedecidos, mesmo que não previstos de forma expressa

nos contratos. É o agir sem intenção dolosa, com lisura e honestidade, sem ofensa à

lei.

O ambiente de atuação da boa-fé objetiva está na tutela das partes que

contratam, atuando como instrumento de conservação da lisura contratual e

preservação da confiança entre as partes, gerando reflexos no meio em que está

inserida e consolidando um ambiente socialmente justo, primando pelo equilíbrio

contratual.

Boa-fé significa, portanto, uma atuação “refletida”, uma atuação refletindo,

pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus

interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com

lealdade, sem abuso, sem causar lesão ou vantagens excessivas, cooperando

para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual

e a realização dos interesses das partes. (MARQUES, 2002, p. 106)3

Mário Júlio de Almeida Costa (2009, p. 122) ensina que “A regra de que os

membros de uma comunidade jurídica devem agir de acordo com a boa-fé

consubstancia a exigência de adoptarem uma linha de correção e probidade, tanto na

constituição de relações entre eles como no desempenho das relações constituídas.”4

3 Cláudia Lima Marques Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 106.

4 Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, p. 122

12

A função social do contrato é uma norma cogente e diz que o contrato não pode

ser transformado em instrumento para atividades abusivas, que cause danos ou

prejuízos à parte contrária, visto que a boa-fé é um limitador da autonomia da vontade.

A boa-fé deve representar a essência do contrato, repercutindo no contrato de

seguro, tendo como consequência a melhor gestão do mercado segurador,

proporcionando melhores condições para as partes.

2.2 HISTÓRICO DA BOA-FÉ

A ideia de boa-fé surgiu no Direito Romano. Em Roma, nas palavras de Bruno

Lewicki em Panorama da boa-fé objetiva (p.58), “A fides seria antes um conceito ético

do que propriamente uma expressão jurídica técnica. Sua juridicização só iria ocorrer

com o incremento do comércio e o desenvolvimento do jus gentium, complexo

jurídico aplicável a romanos e a estrangeiros.”.

No Direito Alemão a boa-fé se traduzia na fórmula de lealdade e confiança,

regra que deveria ser observada em todas as relações jurídicas.

No Direito Canônico a boa-fé era vista como ausência de pecado, ou seja, em

oposição à má-fé.

No Direito Brasileiro, a boa-fé foi difundida em meados dos anos 60, pelas

obras de Clóvis do Couto e Silva, que se embasavam na doutrina germânica. Não

havia base social nem mesmo constitucional, para efetivação da boa-fé como modelo

no direito obrigacional.

A boa-fé se consolidou no direito brasileiro através dos julgados de Ruy Rosado

de Aguiar Junior, que passou a utilizar o princípio na fundamentação de seus julgados

na década de 80, como desembargador do TJRS e como Ministro do STJ.

13

2.3 NATUREZA JURÍDICA DA BOA-FÉ

Judith Martins-Costa, (2000, p. 413), define a natureza jurídica da boa-fé como

“uma norma proteifórmica, que convive com um sistema necessariamente aberto, isto

é, o que enseja a sua própria permanente construção e controle”.

Chega-se à conclusão de que a boa-fé, sob a vigência do Código Civil de 1916

era vista como princípio geral de direito, pois não estava positivada no ordenamento.

Para o Código de Defesa do Consumidor a boa-fé objetiva funciona como conceito

legal indeterminado, pois a própria lei determina a consequência no caso de violação.

No artigo 422 do Código Civil de 2002, a boa-fé objetiva assume o papel de

cláusula geral, cabendo ao juiz verificar se o ato ou a omissão de um dos contratantes

foi ou não contrário à boa-fé objetiva e determinar a consequência de tal violação.

Por isso a necessidade de trabalhar com um sistema aberto, para que o juiz

tenha liberdade de verificar qual a melhor solução para o caso em julgamento, sem

ficar preso a uma fórmula pré-concebida pelo legislador e que muitas vezes não será

justa.

2.4 BOA-FÉ COMO PRINCÍPIO GERAL

As cláusulas gerais se propõem a prestar ao juiz ampla margem de liberdade de

apreciação do caso concreto.

Hugo Grotius foi considerado o primeiro jusracionalista formulou uma teoria

jurídica geral que serve como modelo para o direito privado. Dentre os pontos da

teoria jurídica geral estão o da teoria da declaração da vontade e a da justiça contratual.

Quanto a declaração de vontade nos remete a força vinculativa das promessas,

aquilo exteriorizado deve ser tratado como verdade, mesmo contra a vontade interna

do agente, unificando o princípio da vontade com o princípio da confiança. Por esta

razão a boa-fé é considerada como regra de interpretação dos negócios jurídicos.

A boa-fé se relaciona com liberdade e responsabilidade, promovendo a

confiança na outra parte, não sendo um mero instrumento para preenchimento de

lacunas legais.

14

No caso de contrato de seguro, a boa-fé tem que ser recíproca, pois para que um

direito se transmita, a declaração de promessa tem que ser aceita pela outra parte,

podendo a promessa pode ser revogada até o momento da aceitação. As decisões do

segurador se fundam nas informações prestadas pelo segurado.

A boa-fé é indispensável ao contrato de seguro, visto que as partes precisam

confiar uma na outra, tanto pelas informações prestadas, como pelo dever de indenizar,

no caso de eventual sinistro.

A justiça contratual liga a boa-fé à equivalência de prestações, onde se propõe

uma ética material, que compreende os deveres anexos de correntes do vínculo

contratual.

2.5 BOA-FÉ OBJETIVA E BOA-FÉ SUBJETIVA

A boa-fé subjetiva estava presente no Código Civil de 1916 e consiste em uma

situação psicológica onde o agente realiza um ato ou passa por uma situação sem ter

ciência de que havia um vício. O caráter ilícito do ato é ignorado. A boa-fé subjetiva é

mais comum no Direito das Coisas, em temas como usucapião e aquisição de frutos.

Boa-fé subjetiva significa um estado de consciência de a parte agir conforme o

direito aplicável. É subjetiva porque o intérprete deve considerar a intenção do agente

na relação jurídica.

O estado subjetivo deriva da ignorância do agente sobre determinada

circunstância, ou seja, a ignorância de estar lesando direito alheio, como no caso do

possuidor de boa-fé que não conhece o vício que desabona sua posse.

A boa-fé objetiva é uma regra de comportamento, com fundo ético e

responsabilidade jurídica. É um modelo de conduta social segundo o qual cada pessoa

ajusta sua própria conduta, agindo com honestidade, lealdade, probidade. É uma

solução jurídica e não de cunho moral, que depende da análise do caso concreto para

ser valorada.

Por ser considerada como uma norma de comportamento leal, não se apresenta

como um princípio geral, consiste num modelo jurídico na medida em que se reveste

de vários elementos interligados formando um sentido lógico.

15

O agente precisa agir de modo que o negócio jurídico seja concluído, para não

ferir a finalidade do contrato. Se a finalidade for ferida, o dever de diligência e boa-fé

são violados caracterizando inadimplemento contratual, o que justifica a resolução do

contrato e ressarcimento de danos.

A boa-fé objetiva não pode atuar como uma vaga rega de cunho moral, mas

como um verdadeiro elemento de identificação da função econômico social perseguida

pelo contrato. Os deveres que emanam da boa-fé assumem a característica de

verdadeiros deveres contratuais que contribuem para determinar o objeto do contrato e

o seu funcionamento.

Na boa-fé objetiva não se examina a intenção das partes, mas a relação de

equilíbrio entre prestação e contraprestação. No caso de contrato de seguros, o

segurado tem o dever de prestar informações corretas e verdadeiras e o segurador tem

o dever de indenizar no caso de sinistro com o bem tutelado.

Em uma relação jurídica de boa-fé, espera-se que as partes conservem entre si

os deveres de lealdade e respeito.

A boa-fé objetiva também impõe que se observem, além dos deveres de

lealdade e confiança, os deveres de assistência, confidencialidade e informação. Esses

deveres são impostos a quem é parte da relação negocial.

2.6 FUNÇÕES DA BOA-FÉ OBJETIVA

A boa-fé objetiva exerce funções peculiares que se confirmam em cada relação

contratual. São elas:

a) função interpretativa e de colmatação;

b) função criadora de deveres jurídicos anexos ou de proteção;

c) função delimitadora do exercício de direitos subjetivos.

A função interpretativa é o procedimento segundo o qual o juiz, no momento da

aplicação de uma lei, deve atender os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do

bem comum, conferindo a boa-fé objetiva o sentido que é moralmente recomendável e

socialmente mais útil, resultando em diretrizes adequadas a todo um sistema.

16

A função de colmatação visa orientar o magistrado no preenchimento de

lacunas, visto que a relação contratual é feita de eventos e situações nem sempre

previstos pelos contratantes.

A boa-fé é sempre uma regra objetiva que converge para a determinação do

comportamento devido, fazendo a integração das lacunas juntamente com a

flexibilização da vontade das partes.

Na formação e no desenvolvimento do conjunto contratual deve se considerar o

complexo de normas contratuais e a incidência dos princípios da auto-vinculação,

auto-reponsabilidade, função social, equilíbrio e boa-fé. A boa-fé seria um

mandamento imposto ao juiz de não permitir que o contrato atinja finalidade contrária

àquela que seria lícito esperar.

A função criadora de deveres jurídicos ou de proteção é aquela que, em cada

relação contratual existem deveres de prestação que definem o tipo contratual.

Os deveres mais conhecidos são:

a) Lealdade e confiança recíprocas;

b) Assistência;

c) Informação;

d) Sigilo.

Todos esses deveres derivam da boa-fé objetiva.

O dever de lealdade é o dever de fidelidade ao compromisso assumido,

respeitando a honra e a probidade. A ideia de lealdade faz correspondência entre a

vontade manifestada do agente e a conduta praticada, para que haja segurança jurídica

dos direitos e deveres de cada parte no momento da contratação.

Pelo dever de lealdade, ainda que não pactuado entre as partes o dever de sigilo

deve ser respeitado entre as partes, que não podem, durante a vigência de contrato,

divulgar dados ou informações da outra parte. O dever de lealdade é reflexo dos

princípios da solidariedade e da cooperação, que devem orientar a relação obrigacional

em todas as suas fases.

17

O dever de agir com lealdade é a consolidação do princípio da boa-fé objetiva.

É um dever ético que impõe aos contratantes a manutenção de conduta honesta em

todas as fases do contrato.

A lei não proíbe que as partes busquem obter a maior vantagem possível com a

celebração do negócio, o que não se admite é um comportamento desleal que leve ao

prejuízo a contraparte, a pretensão de enganar, levando a parte a celebrar contrato

contrário a seus interesses. No caso de contrato de seguro, o segurado deve prestar

informações corretas e verdadeiras para que o risco seja previsto de forma correta e o

prêmio calculado de forma justa.

Confiança é algo que se conquista pela prática de uma conduta leal. Essa

confiança merece tutela jurídica no momento da celebração de um negócio jurídico.

O dever de assistência é aquele em que se o contrato foi feito para ser cumprido,

cabe às partes colaborarem para o perfeito adimplemento deste, em todos os seus

aspectos, ou seja, o cumprimento obrigacional deve ser facilitado pelas partes

contratantes.

O dever de informação é uma determinação moral e jurídica de comunicar a

outra parte as propriedades e situações do negócio e do bem jurídico, sob pena de

violação do princípio da boa-fé objetiva. O dever de informar é fundamental para

tomada de decisão do consumidor. Não deve haver indução ao erro, dolo ou falha na

informação, visto que as informações prestadas integram a relação contratual e devem

ser cumpridas no momento da execução do contrato. O dever de informar é anexo a

toda relação contratual, não se esgotando na relação pré-contratual.

O dever de informação é essencial para que o contratante possa obter uma

informação a que não teria acesso de outra forma. O contratante tem o dever de

informar as circunstâncias que podem influenciar na celebração do contrato, mesmo

que a outra parte não tenha solicitado. A falta de informação pode dar causa a anulação

do negócio por erro ou por dolo.

A função delimitadora do exercício de direitos subjetivos é aquela em que,

através da boa-fé objetiva, tem-se em mente evitar o exercício abusivo dos direitos

subjetivos. Por isso não se pode reconhecer legitimidade a cláusulas abusivas em

qualquer que seja o contrato. A boa-fé limita o limite de atuação dos contratantes.

18

A partir dessa pluralidade de funções, a boa-fé atua durante todo o iter

contratual, indicando a conduta adequada dos contratantes.

A inobservância da boa-fé caracteriza inadimplemento contratual levando a

responsabilização da parte infringente, autorizando a intervenção judicial no negócio

jurídico.

A ideia de boa-fé é ajudar na interpretação do contrato, suprindo falhas e até

mesmo corrigindo o que não for justo ao contrato.

2.7 A BOA-FÉ OBJETIVA E O ARTIGO 422 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

O artigo 422 do Código Civil exige que a relação contratual desenvolva-se com

base no respeito ao princípio da boa-fé.

A relação contratual deve obedecer aos princípios da probidade e da boa-fé,

conforme o artigo 422 do Código Civil, que apresenta a boa-fé como uma cláusula

geral. Cabe a doutrina e a jurisprudência o dever de evidenciar todas as qualidades que

esta cláusula geral possui no contexto contratual.

O legislador deixou claro que os princípios da probidade e boa-fé são

verdadeiras obrigações dos contratantes. Porém, o legislador deveria ter incluído o

princípio mesmo antes e após a execução do contrato, nas fases pré e pós-contratual,

tendo em vista que a boa-fé deve ser aplicada a todos os contratos, visto que a ruptura

do contrato em fase pré-contratual viola os deveres de colaboração e de informação, o

que poderá resultar na responsabilização civil da parte que romper as tratativas mesmo

após a extinção do contrato, exige-se que o contratante não tenha comportamento que

frustre ou diminua a vantagem esperada pela outra parte com a concretização do

negócio jurídico.

Por esta razão, o princípio da boa-fé objetiva deve ser observado nas fases

anteriores e posteriores à realização do negócio. O parceiro contratual tem

responsabilidade mesmo antes da celebração do negócio, por causa da boa-fé objetiva.

A responsabilidade pré-contratual traduz-se na confiança de que cada uma das partes

conduza o negócio jurídico segundo a boa-fé. O dever de proteção gera efeitos mesmo

após a vigência do contrato.

19

3 CONTRATO

Contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes,

limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os

efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias

vontades.

Para que o contrato exista, seja válido e eficaz, tem que haver agente capaz,

manifestação livre da vontade dos agentes, objeto lícito e forma prescrita ou não

defesa em lei.

Se o contrato obedece estes pressupostos, ele existe e é válido, produzindo

efeitos imediatamente.

A disciplina legal dos contratos constitui intervenção positiva e resoluta do

legislador, destinada a satisfazer certos interesses e sacrificar outros.

O contrato pode mudar sua estrutura, função e disciplina, dependendo do meio

econômico em que está inserido.

Valores como equidade, boa-fé e a segurança nas relações jurídicas tomam

lugar ao lado da vontade na nova teoria contratual.

O Código de Napoleão diz que os contratos legalmente formados têm força de

lei para aqueles que o celebraram, ou seja, cada parte é livre para contratar ou não, mas

escolhendo contratar fica obrigado a palavra dada: pacta sunt servanda, que é o

princípio ético indispensável à circulação de riquezas.

A relação obrigacional nasce e se desenvolve com o objetivo de ser cumprida.

Esse processo está condicionado a princípios gerais, dentre os quais o princípio da

autonomia da vontade e o princípio da boa-fé. A fase de negociação de um contrato é

onde se busca o ponto de equilíbrio para se chegar a conclusão do contrato.

O contrato não produz apenas os efeitos convencionados entre as partes, mas

também cria deveres provenientes da razão e da equidade.

20

Enzo Roppo (2009, P. 93), ensina que: “A proposta e aceitação de um contrato

são declarações de vontade, dizendo-se geralmente que o contrato resulta do encontro

ou da fusão das vontades das partes”.5.

Para que a vontade seja válida e produza efeitos, ela deve ser declarada

tacitamente ou expressamente.

O contrato deve ser formalizado em documento escrito para que seu conteúdo e

conclusão sejam certos e incontroversos, mesmo que a forma solene não seja exigida

para o tipo de contrato realizado.

Havendo ruptura do contrato e restar claro que uma das partes se comportou de

modo desleal, atendendo apenas seu próprio interesse, a parte lesada pode obter o

ressarcimento pelos danos sofridos.

3.1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRATOS

Os princípios contratuais são fundamentais para que se estabeleça um equilíbrio

no mercado, onde a liberdade de contratar deve ser limitada.

3.1.1 Princípio Da Autonomia Da Vontade

A autonomia da vontade pode ser expressa pelo consensualismo, onde o

encontro das vontades livres e contrapostas faz surgir o consentimento. Deve conter a

liberdade de contratar, onde o agente escolhe celebrar o negócio jurídico; também a

escolha de com quem vai contratar; e a liberdade de estabelecer o conteúdo do

contrato. Dentro dos limites legais, as partes podem escolher livremente o conteúdo

dos contratos.

A autonomia privada incide na capacidade de as partes poderem auto

regulamentar seus interesses, tendo a boa-fé como limite ou complemento desse livre

contratar.

5 Enzo Roppo, O Contrato, 2009, p. 93

21

3.1.2 Princípio Da Força Obrigatória Do Contrato

Os contratos produzem efeitos de acordo com a natureza de cada um e o acordo

de vontades. O princípio da força vinculativa ou da obrigatoriedade significa que uma

vez celebrado, o contrato válido e eficaz, constitui lei entre as partes.

Esse princípio também é denominado de pacta sunt servanda, em que a palavra

dada deve ser cumprida.

Essa força obrigatória, onde o contrato deveria ser cumprido a qualquer custo,

pode ser revista a qualquer tempo, se houver mudança na base econômica do contrato

que resultasse no enriquecimento ilícito de uma das partes.

O contrato só pode ser modificado ou extinto se houver mutuo consentimento

das partes ou nos casos admitidos em lei.

3.1.3 Princípio Da Relatividade Subjetiva Dos Efeitos Do Contrato

O princípio da relatividade diz respeito a eficácia. O contrato só gera efeito

entre as partes contratantes, não prejudicando nem aproveitando a terceiros. Ninguém

pode se tornar credor ou devedor contra vontade.

Há contratos que fogem dessa regra e estendem seus efeitos a outras pessoas,

criando direitos e impondo obrigações. O melhor exemplo é a estipulação em favor de

terceiro, que é contrato onde a vantagem obtida se dará em favor de terceiro estranho à

relação contratual.

3.1.4 Princípio da Boa-Fé Objetiva

Este princípio deve estar presente em todas as modalidades de contrato, visto

que é através dele que se interpreta o contrato e se limita a autonomia da vontade.

É uma regra de conduta que deve ser observada em todas as fases do contrato,

em especial no contrato de seguros, visto que o contrato é baseado em informações

prestadas pela parte e por se tratar de contrato de adesão.

22

3.2 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

O contrato é o centro da vida dos negócios. Deriva da vontade das partes e se

aperfeiçoa quando os contratantes alcançam acordo satisfatório para ambos.

Nas palavras de Silvio Rodrigues (2004, p. 11): “O contrato vai ser o

instrumento imprescindível e o elemento indispensável à circulação dos bens”.6.

O artigo 421 do Código Civil diz que: “A liberdade de contratar será exercida

em razão e nos limites da função social do contrato”. Esse artigo fala apenas do

período que vai da conclusão do contrato até a sua execução, porem, o contrato é um

processo com começo, meio e fim, onde se tem fases contratuais, fase pré-contratual,

contratual e pós-contratual.

A relação contratual deve compreender deveres jurídicos gerais e de cunho

patrimonial, pois o contrato é um instrumento de circulação de riquezas e de

desenvolvimento social. Sem o contrato, a sociedade e a economia estariam

estagnadas, nos fazendo retroagir a estágios menos evoluídos.

Segundo Gagliano e Pamplona (2012, p.86) “A função social do contrato tem

como principal efeito impor limites à liberdade de contratar, em prol do bem

comum”.7

O código Civil de 1916 ignorou a função social do contrato bem como da

propriedade, pelo fato de a sociedade daquela época ter uma economia rudimentar,

bem como a força politica, o que fazia a função social não ser relevante. Somente o

crédito e a propriedade eram os bens tutelados.

Com a entrada em vigor da Constituição Federal foi agregado valor à função

social do contrato, bem como foram editadas diversas leis protetivas da economia e da

circulação de riquezas. Entre as leis promulgadas está o Código de Defesa do

Consumidor em 1990.

6 Silvio Rodrigues, Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade, 30ª edição, p. 11

7 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho .Novo Curso de Direito Civil, Tomo I 4, Contratos: Teoria

Geral, 8ª Edição, página 86.

23

A socialização da propriedade refletiu na seara contratual, deixando o contrato

de ser somente um instrumento de manifestação privada da vontade, para se tornar um

elemento de agregação social.

O Código Civil de 2002 trouxe expresso em seu artigo 421, a função social no

contrato: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função

social do contrato”.

A liberdade de contratar encontra limite no interesse social e na dignidade da

pessoa humana, e qualquer avanço além desses limites é considerado abuso, podendo o

Judiciário ser acionado.

A conveniência da função social do contrato é o limite imposto à atividade

privada, pois se o contrato não pode mais atingir o fim a que se propôs, perde sua

função social e deve se tornar juridicamente ineficaz.

A função social do contrato é a de promover o bem estar e a dignidade dos

homens, buscando o desenvolvimento social em harmonia com o interesse pessoal.

3.3 ÉTICA E BOA-FÉ NO ADIMPLEMENTO CONTRATUAL

Ética e boa-fé fazem parte de universos isolados. A ética não encontra espaço

na ideologia liberal clássica que está envolvida com a circulação de riquezas.

O contrato não é visto como um simples instrumento econômico, é uma

ferramenta de convívio social, que impõe uma conduta a ser seguida através da criação

de regras.

No cento da conduta justa e equilibrada está o sujeito de direito em uma

proporção ética de coexistência, que se opõe ao individualismo que é sinônimo do

homem abstrato. O individualismo encontra significado quando contemplado com o

princípio da liberdade. Liberdade esta que encontra base constitucional no caput do

artigo 5º da Carta Magna.

A boa-fé tem grande aplicação na interpretação dos contratos, trazendo dois

sentidos: um relativo à divergência entre o que está escrito e a declaração de vontade;

e outro relativo à conduta moral dos contratantes.

24

A aproximação dos princípios da solidariedade e da liberdade contratual indica

o caminho da solidariedade contratual que se efetiva através de cláusulas não-abusivas

no contrato.

O cumprimento do contrato se dá juntamente com a boa-fé, utilizando a ética

para sua efetivação. A boa-fé deve se fazer presente em todos os contratos,

especialmente no contrato de seguros, onde as informações prestadas precisam ser

verdadeiras, pois através destas informações prestadas é que se avalia o risco do

segurado, arbitrando o valor do prêmio a ser pago.

25

4 O CONTRATO DE SEGURO

O contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes, denominada segurador,

se obriga para com a outra, denominada segurado, a indenizá-lo de prejuízo decorrente

de riscos futuros, previstos no contrato, mediante o pagamento de um prêmio.

O seguro consiste na transferência do risco de uma pessoa a outra, sendo o

custeio dividido entre o grande número de segurados. O contrato de seguro é um

negócio jurídico isolado e autônomo entre segurado e segurador. A seguradora deve

ter estrutura para atender a finalidade social a que se propõe. Quanto maior o

desenvolvimento econômico da sociedade, maior será a área de atuação do segurador.

O elemento principal do contrato de seguro é o risco que se transfere para outra

pessoa. O risco sempre está presente, porém o sinistro é eventual, podendo ou não

ocorrer. O contrato de seguro sempre esteve ligado à ideia de risco.

O segurado assume uma obrigação certa, que é a de pagar o valor do seguro,

denominado prêmio.

Exemplo claro de boa-fé objetiva no Código Civil é o da exigência de

declarações sinceras no momento da contratação de seguros.

A interpretação de um contrato de seguro é taxativa. Não existe indenização na

ocorrência de fato danoso. O que ocorre é que o segurador se obriga a pagar o valor

segurado.

O contrato de seguro não se apresenta como um contrato isolado. São muitos

segurados proprietários de bens, que se unem para dividir o prejuízo em eventual

sinistro, ou seja, a empresa seguradora recolhe os prêmios pagos pelos segurados e

utiliza deste recurso para pagar ao segurado pelo sinistro ocorrido.

O cálculo das probabilidades é o que delimita o valor do prêmio a ser pago pelo

segurado. É o exame das estatísticas que observa a incidência de sinistro em

determinado risco.

O seguro se destina a proteger coisa, risco ou interesse segurável.

O interesse segurável representa relação econômica ameaçada, sendo

fundamental para a contratação. Ou seja, qualquer conteúdo do patrimônio ou

atividade humana pode ser objeto de seguro.

26

4.1 PARTES

No contrato de seguro, as partes denominam-se segurado e segurador.

O segurador é aquele que se compromete a pagar quantia estipulada em apólice

no caso de acontecimento de eventual sinistro. O segurador pode ser um ente público,

uma sociedade por ações ou uma sociedade mútua.

O segurado é aquele que obtém a transferência do risco para o segurador,

mediante pagamento de prêmio. Qualquer pessoa pode figurar como segurado, basta

que tenha capacidade civil.

Beneficiário é o próprio estipulante ou um terceiro indicado na apólice. Na falta

de indicação de beneficiário, a lei determina que o seguro seja pago a pessoa de sua

família. O beneficiário pode ser substituído.

O risco é o objeto do contrato de seguro, sendo um acontecimento futuro e

incerto, que pode causar um dano. Os riscos devem ser expressamente mencionados na

apólice, bem como os termos de início e fim da vigência. Os riscos precisam ser

minimamente descritos e expressamente assumidos pelo segurador.

Prêmio é o pagamento feito pelo segurado ao segurador, independente da

contraprestação. O seguro entra em vigor a partir do pagamento do prêmio, que

sempre é devido por inteiro e é pago como forma de contribuição dos associados. O

prêmio pode ser único ou periódico, que deve ser pago em prestações.

Apólice é o instrumento do contrato de seguro de vida. Nela devem constar

cláusulas necessárias e facultativas. As cláusulas necessárias definem os elementos

básicos do contrato, como: partes, objeto, duração do seguro, valor do seguro e

prêmio. As cláusulas facultativas dependem de cada segurado. Havendo divergência

entre elas, prevalecem as cláusulas especiais.

Sinistro é o termo técnico que significa a realização do evento incerto previsto

no contrato de seguro. No caso de não ocorrer o sinistro, o segurador recebe o prêmio

sem precisar efetuar o reembolso ao segurado.

27

4.2 CLASSIFICAÇÃO DOS SEGUROS

Os seguros classificam-se em seguros de dano e seguros de pessoa.

4.2.1 Seguros de Dano

Os seguros de dano são aqueles que cobrem os sinistros, resultantes de roubos,

acidentes, incêndios, fenômenos da natureza e de todo e qualquer evento danoso

ocorridos com coisas. Não é permitido mais de um seguro para o mesmo bem a fim de

evitar o enriquecimento ilícito.

O seguro de dano tem função indenizatória, onde o segurador se obriga a

ressarcir os danos sofridos no caso de sinistro.

4.2.2 Seguros de Pessoa

Os seguros de pessoa, ou de vida, visam a garantir a pessoa humana no que se

refere a sua existência e higidez física. O segurado pode fazer quantos seguros desejar.

O seguro de vida pode ser feito sobre a própria vida do segurado ou sobre a vida de

outra pessoa.

A obrigação do segurador é tutelar o interesse do segurado, na cobertura contra

o risco, por toda a duração do contrato.

No seguro de vida não há dano a indenizar, razão pela qual o dano não é

avaliado, sendo então, a chamada indenização devida integralmente, não havendo

redução do valor. Exatamente por não ter função indenizatória, seu valor pode ser

livremente estipulado, sendo o valor do prêmio proporcional.

4.3 CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE SEGURO

O contrato de seguro é bilateral, oneroso, aleatório, consensual e de adesão,

subordinado à boa-fé qualificada e de execução continuada.

28

É bilateral porque gera obrigação para ambas as partes contratantes. O segurado

se obriga a pagar o prêmio e zelar pelo bem, não agravando o risco, e o segurador se

obriga a pagar pelo valor contratado no caso de sinistro.

É oneroso porque cada uma das partes busca uma vantagem patrimonial. O

segurado visa se proteger do risco e o segurador recebe o prêmio e paga o valor

previsto na apólice no caso da ocorrência do sinistro.

É aleatório porque gira em torno do risco. O dever de pagar o valor segurado

está ligado a um evento futuro e incerto.

É consensual pelo fato de que ambas as partes devem querer contratar.

É contrato de adesão visto que já vem com cláusulas preparadas ao segurado,

que não participa da elaboração do contrato e nem das condições gerais.

A boa-fé é o princípio base dos contratos, através do qual o contratante se

compromete a fazer declarações verdadeiras, podendo até mesmo perder o direito de

garantia no caso de agravamento do risco. O princípio da boa-fé no contrato de seguro

deve gerir a conduta das partes.

O seguro é um negócio jurídico de execução continuada, visto que tem tempo

de vigência determinado na apólice.

O contrato de seguro admite recondução tácita uma única vez pelo mesmo

prazo, através de cláusula contratual. Após o final deste prazo, as partes devem

elaborar novo acordo.

A função social do contrato também deve se fazer presente no contrato de

seguro.

A comprovação do contrato de seguro é feita através da apólice ou do bilhete de

seguro, bem como através do comprovante do pagamento do prêmio.

O contrato de seguro se extingue com o término da vigência da apólice, ou

com a ocorrência do sinistro descrito na apólice.

29

4.4 O CONTRATO DE SEGURO, A BOA-FÉ E A JURISPRUDÊNCIA

A boa-fé é um princípio essencial ao cumprimento das obrigações. Tão

importante que foi consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça em todas as áreas do

Direito.

No que diz respeito ao seguro de vida, o Superior Tribunal de Justiça já tem

jurisprudência no sentido de que o contrato de muitos anos não pode ser extinto

unilateralmente pela seguradora, visto que é manobra que ofende claramente o

princípio da boa-fé objetiva.

A alteração deste mesmo contrato de longa duração, de forma mais onerosa

para o segurado, também ofende o princípio da boa-fé.

O reajuste do valor do prêmio é necessário para o equilíbrio do mercado, mas

este reajuste deve ser feito de maneira suave e gradual, sendo o segurado cientificado

previamente, a fim de não sofrer prejuízo e poder escolher entre renovar ou rescindir

seu contrato.

O contrato de seguro foi responsável pela evolução da jurisprudência, pela

necessidade de um direito dos contratos mais comprometido com a equidade e boa-fé e

com menos influência da autonomia da vontade.

De todos os contratos constantes do Código Civil, o contrato de seguro é aquele

em que o princípio da boa-fé se apresenta com maior significado, pois é baseado na

confiança, primeiro das informações prestadas pelo segurado, e depois pelo dever de

indenizar por parte da seguradora, no caso de sinistro.

O princípio da boa-fé recebeu tamanha importância que constantemente é

invocado pelo Superior Tribunal de Justiça no fundamento de decisões.

Nas ações relativas a cumprimento de contrato de seguro, o descumprimento da

obrigação de indenizar é ilícito contratual, gerando a responsabilidade civil do infrator.

Em um julgado o Superior Tribunal de Justiça se valeu do principio da boa-fé

objetiva, na sua função interpretativa, para estender a cobertura do contrato de seguro

ao crime de extorsão, visto que a vítima foi constrangida a entregar o veículo segurado

a terceiro.

30

O pagamento da indenização é devido pela seguradora, pois o segurado sofreu

prejuízo financeiro, mesmo que a extorsão não fosse risco coberto pelo contrato. De

acordo com o Superior Tribunal de Justiça, o roubo e a extorsão são tipos penais que

se aproximam. A distinção é muito sutil já que, no roubo, o agente retira violentamente

o bem da vítima, e na extorsão, obriga a entrega do bem, mediante violência ou grave

ameaça. Excluir da incidência dos riscos cobertos pelo contrato a extorsão seria

afrontar a confiança que o segurado depositou quando da celebração do contrato de

seguro.

A boa-fé é um dos princípios fundamentais no direito, pois constitui padrão de

conduta social, impondo deveres de lealdade e probidade. Havendo relação de

consumo, devem ser observadas a interpretação mais favorável ao consumidor.

A jurisprudência tem entendido que, em seguro de assistência médico-

hospitalar, as expressões assistência integral e cobertura total tem significado único na

compreensão comum e não podem ser adicionadas ao contrato de seguro esvaziadas de

seu conteúdo próprio, sem que isso afronte o princípio da boa-fé.

O dever de esclarecimento obriga o fornecedor do serviço a informar sobre os

riscos, forma de utilização e qualidade dos serviços, por isso a redação do contrato

deve ser clara, evitando dúvidas na relação contratual.

O dever de aconselhamento só existe nas relações entre especialista e leigo, e

significa fornecer informações suficientes e claras para que o consumidor possa fazer

sua escolha. Para o consumidor existe o dever de informar, de prestar informações

verdadeiras no momento da contratação do serviço.

O dever de cooperação é o agir com lealdade e deve ser cumprido pelo

fornecedor, atendendo à finalidade do contrato. Também não pode dificultar o acesso

do consumidor aos seus direitos, pois dificuldades excessivas, que impeçam o

cumprimento do contrato, significam descumprimento das obrigações acessórias e do

agir com boa-fé.

O fornecedor está autorizado a contratar por contratos de adesão, desde que as

cláusulas sejam redigidas de forma clara e precisa, que não deixem dúvidas quanto ao

seu conteúdo.

31

Para a jurisprudência brasileira, está claro que os riscos profissionais devem ser

suportados pelo fornecedor, pois deve cumprir com a confiança que nele foi

depositada, agindo com lealdade e boa-fé.

O reconhecimento de deveres anexos torna a interpretação dos contratos mais

abrangente. Se o contrato foi redigido de forma obscura, ou se o fornecedor tem

conduta contrária ao que foi pactuado, o fornecedor deve atender às expectativas do

consumidor adimplindo o contrato e seus deveres anexos.

Para Cláudia Lima Marques (2002, p. 203): “O principio da boa-fé objetiva é,

portanto, um princípio limitador do princípio da autonomia da vontade e um elemento

criador de novos deveres contratuais, que deve contar, para sua maior efetividade, com

sua previsão legal específica.”

No caso de suicídio involuntário ou não-premeditado, a jurisprudência

determina que a seguradora deve pagar a indenização por acidente prevista na apólice,

visto que a morte causada por suicídio involuntário equipara-se a morte acidental.

Dessa maneira, a cláusula do contrato de seguro que exclui a cobertura de morte

decorrente de suicídio não premeditado é potestativa e abusiva e, por isso, nula de

pleno direito, pois o próprio Superior Tribunal de Justiça já firmou posicionamento de

que o seguro de vida cobre o suicídio não premeditado (Súmula nº 61).8

Outro caso em que o Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência foi o de

uma idosa, que há 25 anos era dependente do marido em plano de saúde. Quando do

falecimento deste, a seguradora tratou a idosa como nova consumidora, onerando o

contrato.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que houve ofensa ao Código de Defesa

do Consumidor e ao princípio da boa-fé objetiva, que impõe um comportamento de

lealdade desde o inicio da relação contratual até a sua execução, atendendo

expectativas recíprocas e não prejudicando ninguém.

Ementa: TJSP - Apelação Com Revisão: CR 989734006 SP COBRANÇA

DE SEGURO VEICULO FURTADO PRÊMIO PAGAMENTO EM

8 http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5987330/100240899143860011-mg-1002408991438-6-001-1-

tjmg/inteiro-teor, acesso em 01-04-2013

32

ATRASO DA PARCELA MENSAL VALIDADE EM RAZÃO DA

ACEITAÇÃO DA QUITAÇÃO JUNTO A SEGURADORA BOA-FE DA

SEGURADA NÃO ABALADA, POIS AGIU CONFORME

ORIENTAÇÃO DA CORRETORA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO

DE QUE A SEGURADORA DEVOLVEU O VALOR PAGO PARA A

SEGURADA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA Apelação

improvida9

No caso em tela, a segurada estava com parcela do seguro de veículo em atraso

quando ocorreu o furto, atraso este menor de 30 dias. Entrando em contato com sua

corretora para informações sobre como deveria proceder, foi informada por esta que

deveria quitar a parcela em atraso para ser indenizada. A seguradora aceitou o

pagamento em atraso e por isso não pode alegar que a segurada deu razão ao

cancelamento da apólice. Ate mesmo porque o atraso no pagamento foi um

inadimplemento normal de contrato, tanto é que a segurada estava com apenas uma

parcela vencida e não paga de um contrato anual de seguro de veículo, configurando

assim, a boa-fé da segurada que, em momento algum, tentou lograr êxito da

seguradora em não pagar o seguro e receber a indenização.

A segurada não agiu de má-fé, visto que o sinistro previsto na apólice é evento

futuro e incerto, ou seja, não se sabe dia e hora em que ocorrerá.

Pode-se dizer que a seguradora agiu de má-fé ao não querer efetuar a

indenização da segurada, uma vez que aceitou o pagamento do prêmio em atraso sem

sequer pedir vistoria do veículo, reafirmando a validade da apólice. Cabe a seguradora

ressarcir o dano sofrido pela segurada, visto que o inadimplemento foi razoável.

A seguradora foi condenada a pagar a segurada o valor correspondente ao

veículo furtado, devidamente corrigido.

Ementa: TJSP - Apelação: APL 992080329100 SP SEGURO DE VEDA.

AÇÃO DE COBRANÇA.FALSA AFIRMAÇÃO DA SEGURADA

QUANDO DA FORMULAÇÃO DA PROPOSTA. REFLEXOS NA

ESTIPULAÇÃO DAS BASES DO CONTRATO. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ

OBJETIVA.INDENIZAÇÃO INDEVIDA. IMPROCEDÊNCIA QUE SE

RECONHECE. PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ, PREJUJDICADO

O DO AUTOR.10

9 http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/3062727/apelacao-com-revisao-cr-989734006-sp-tjsp

10 http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8359409/apelacao-apl-992080329100-sp-tjsp

33

No caso em questão, foi realizado seguro de vida em grupo e o segurado, no

momento de prestar declarações sobre seu estado de saúde, omitiu que fazia

tratamento para coluna, tendo, inclusive, já realizado tratamento cirúrgico para tal.

Pelo fato de o segurado ter prestado informações falsas, a seguradora foi

induzida ao erro, já que uma doença pré-existente influencia no cálculo do valor do

prêmio do seguro. O segurado deve responder às perguntas com sinceridade, conforme

rezam os artigos 765 e 766 do Código Civil.

O segurado tem o dever de informar seu real estado de saúde para que a

empresa seguradora possa avaliar o risco e ajustar o valor do prêmio.

O sinistro ocorrido foi em consequência da evolução da doença preexistente e

que foi omitida da seguradora. Razão esta que levou ao entendimento de o segurado

estar agindo de má-fé, o que acarreta a nulidade do contrato, bem como a

improcedência do pedido de ressarcimento.

A boa-fé é a essência dos contratos de seguro, de maneira que a omissão de

fatos relevantes ou declarações falsas acarreta na nulidade do contrato.

Ementa: TJSP - Apelação: APL 9164981492007826 SP 9164981-

49.2007.8.26.0000 SEGURO DE VIDA E ACIDENTES PESSOAIS.

COBRANÇA. MORTE DO SEGURADO. SUICÍDIO. AUSENCIA DE

COMPROVAÇÃO DE QUE O SUICÍDIO FOI PREMEDITADO.

SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA REFORMADA. INDENIZAÇÃO

DEVIDA. RECURSO PROVIDO.11

A seguradora alega que a segurada cometeu suicídio premeditado. Tem-se, no

entanto, que a segurada faleceu em decorrência de acidente automobilístico.

A seguradora acredita que pelo fato de a segurada estar passando por problemas

pessoais, teria premeditado a própria morte, porém isto não ficou comprovado,

devendo prevalecer a boa-fé da segurada. E havendo dúvida da premeditação do

suicídio, a cláusula contratual limitadora do direito deve ser interpretada restritamente

Para que se comprove a fraude contra o seguro, o ato suicida nunca poderá ser

11http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/3247753/apelacao-com-revisao-cr-4240754800-sp-tjsp

34

presumido, mas sim comprovado. É aplicado o princípio da boa-fé que é sempre

presumida, enquanto que a má-fé deve ser comprovada.

O suicídio involuntário, inconsciente ou não premeditado está coberto

normalmente pelo contrato de seguro de vida.

O suicídio premeditado depende de prova e esta não foi produzida pela

seguradora nos autos, cabendo à seguradora cumprir com seu dever de lealdade e boa-

fé, e efetuar o pagamento da indenização por morte acidental da segurada.

Ementa: TJSP - Apelação Com Revisão: CR 4240754800 SP SEGURO-SAÚDE - NAO RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DO PLANO PELA SEGURADORA - ALEGAÇÃO DE AUMENTO DA SINISTRALIDADE JUSTIFICATIVA NÃO COMPROVADA NOS AUTOS IMPOSSIBILIDADE DE DENÚNCIA VAZIA PELA PARTE MAIS FORTE DA RELAÇÃO - MALFERIMENTO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA - DESINTERESSE JUSTAMENTE NO MOMENTO EM QUE O BENEFICIÁRIO MAIS PRECISA DO SERVIÇO CONTRATADO SITUAÇÃO EM QUE O CANCELAMENTO OU A NÃO RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA PODEM FRUSTAR^^O PRÓPRIO ESCOPO DA CONTRATAÇÃO VANTAGEM EXAGERADA EM DESFAVOR DO CONSUMIDOR - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA RECURSO IMPROVIDO. BOA-FE OBJETIVA - PRINCIPIOU DE INTERPRETAÇÃO QUE SE APLICA^A^ÊSPÉCI-E - ART. 4o, III, E 51, IV, ^t5o C&C-^COMO PELO ART. 422 DO CÓDIGO CIVIL, APLICÁVEL AOS CONTRATOS ANTERIORES A 2003, POR FORÇA DO ART. 2.035, SEGUNDA PARTE, E PARÁGRAFO ÚNICO, DO MESMO CODEX. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIÃ RECURSO IMPROVIDO.

12 .

Em contrato de seguro-saúde, a seguradora noticiou à segurada o cancelamento

unilateral do contrato, alegando aumento dos riscos e a inviabilidade de manutenção

do contrato, baseado em cláusula contratual.

O segurado entrou com ação declaratória para confirmar a liminar obtida e

impor a continuidade do atendimento médico contratado. O referido contrato já durava

quatro anos, quando a seguradora alegou, de forma genérica, que o aumento de

sinistros inviabilizava a manutenção do contrato. Esta alegação de forma genérica fere

o princípio da boa-fé objetiva, prejudicando a parte hipossuficiente, no caso, o

segurado.

12 http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/3247753/apelacao-com-revisao-cr-4240754800-sp-tjsp

35

A análise de uma única cláusula não pode dar ensejo a rescisão de contrato,

ainda mais unilateralmente. O contrato precisa ser analisado como um todo para que

possa ser rescindido, pois o que é abusivo para um, pode não ser para outro.

Como não há um equilíbrio econômico entre as partes envolvidas neste

contrato, a não renovação injustificada pela seguradora funciona como cláusula

leonina, onde o contrato é mantido enquanto a parte mais forte pode obter vantagem,

ou seja, o serviço de saúde ofertado pela seguradora não é utilizado. Porem, quando se

exige a utilização do convênio , o contrato é rescindido.

A boa-fé objetiva é uma regra de conduta, na qual as partes tem o dever de agir

com lealdade, a fim de que haja equilíbrio na relação contratual. Quando se contrata

um serviço, espera-se que seja cumprido com excelência.

No caso em questão, a boa-fé foi considerada como preceito de ordem pública,

devendo ser guardada pelos contratantes na conclusão e execução do contrato, assim

como a probidade.

Tendo em vista que a cancelamento unilateral do contrato ofende o princípio da

boa-fé, a seguradora foi obrigada a manter a prestação dos serviços médicos.

36

5 CONCLUSÃO

O princípio da boa-fé objetiva se apresenta como norma de conduta que deve

estar presente em todas as relações jurídicas, já que os contratantes devem agir com

lealdade e honestidade, cumprindo com as expectativas geradas. A boa-fé objetiva

gera transparência e lisura nas relações contratuais.

Em uma sociedade globalizada, em que as contratações se dão de forma mais

flexível, a necessidade do agir com a mais estrita boa-fé é crescente, pois a liberdade

de contratar deve ser limitada por este princípio, para haver equilíbrio nas relações

contratuais.

As funções da boa-fé objetiva têm a finalidade de manter a ética e a proteção da

confiança. Assim sendo, a boa-fé se revela como princípio essencial no contrato de

seguro, garantindo a indenização contra o risco, através do pagamento do prêmio ao

segurador.

O contrato de seguro pode ser de dano ou de pessoa e em ambos os casos, as

partes devem agir com a mais estrita boa-fé, prestando informações claras e

verdadeiras, que não agravem o risco ao bem tutelado e nem causem prejuízos à outra

parte.

Agir com lealdade significa não alterar o equilíbrio contratual, passando, então,

a noção de boa-fé objetiva, a integrar o conceito de contrato.

Para que o contrato de seguro se realize, as partes devem agir com lealdade,

visando à efetivação do princípio da boa-fé objetiva, não omitindo informações que

possam influenciar na relação obrigacional. O contrato de seguro tem como objetivo a

indenização e não o lucro, onde o segurado obtém o reembolso pelo prejuízo sofrido

em decorrência do sinistro.

Conclui-se que a boa-fé é a garantia do equilíbrio entre segurado e segurador,

onde a seguradora possa honrar seus compromissos e o segurado tenha a certeza de ser

indenizado no caso da ocorrência do sinistro, garantindo as expectativas dos

contratantes.

A seguradora pode negar a indenização se houver omissão de informações

relevantes, desde que comprovada a má-fé, pois, ao agir dessa forma, o segurado

37

compromete sua relação com a seguradora, interferindo também na razão de ser do

seguro.

Qualquer das partes que deixar de agir com lealdade no contrato de seguro,

pode ser penalizada, arcando com as consequências de seus atos, sendo o contrato

resolvido.

Assim sendo, a boa-fé é requisito fundamental ao contrato de seguro, visto se

tratar de relação com forte viés social e se fundar na confiança.

Ao final deste estudo, chega-se à conclusão de que o princípio da boa-fé

objetiva no contrato de seguro exige um padrão de conduta razoável de ambas as

partes e a boa-fé precisa ser interpretada como princípio ético que é, para ser bem

empregada nos contratos. E deve ser lembrada por todos os membros da comunidade

jurídica que devem se comportar de acordo com este princípio, que cria direitos e

deveres aos envolvidos.

A boa-fé objetiva faz parte do ordenamento jurídico servindo como um

instrumento de aproximação do texto das leis com as necessidades impostas pelos

casos concretos em que as leis são aplicadas.

Princípio da boa-fé objetiva assume responsabilidade e importância nos

contratos de seguro, sendo um dos pilares dessa modalidade de contrato. O que se

analisa neste princípio é o cumprimento do dever que as partes contratantes têm nesta

relação jurídica, devendo se portar de maneira leal e correta, conforme os padrões de

um homem médio.

O princípio da boa-fé não deve ser desprezado. Por onde a boa-fé passa, as

nulidades são supridas, os vícios são sanados e as incapacidades se integram.

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