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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Débora Lucena DAS PROVAS ÍLICITAS POR DERIVAÇÃO NA VISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Débora Lucena

DAS PROVAS ÍLICITAS POR DERIVAÇÃO NA VISÃO DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL

CURITIBA 2012

DAS PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO NA VISÃO DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL

CURITIBA 2012

Débora Lucena

DAS PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO NA VISÃO DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Daniel Ribeiro Surdi de Avelar.

CURITIBA 2012

TERMO DE APROVAÇÃO Débora Lucena

DAS PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO NA VISÃO DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de título de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba,

________________________________________ Professor Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografia

Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná.

Orientador: Professor. Daniel Ribeiro Surdi de Avelar Universidade Tuiuti do Paraná

Professor.

Professor.

Aos diletos amigos, aos irmãos de sangue, de caráter, de propósitos. Aos que estiveram ao meu lado durante o percurso. Aqueles sem os quais nada disso faria sentido, Gabi e Samuca!

A justiça não consiste em ser neutro entre o certo e o errado, mas em descobrir o certo e sustenta-lo, onde quer que ele se encontre, contra o errado. Theodore Roosevelt.

RESUMO

O presente trabalho consubstancia tema de extrema relevância no campo de

Direito Processual Penal, qual seja, as Provas Ilícitas por Derivação, na Visão do

Supremo Tribunal Federal. O constituinte tratou da prova ilícita em nossa Carta

Magna, artigo 5º, inciso LVI. Após décadas o tema foi rediscutido, agora sobre

prisma infraconstitucional na reforma estabelecida pela Lei 11.689/2008, quando

restou positivada a inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação. Considerando

a envergadura do tema, empregaram-se esforços basilarmente sedimentados em

julgados da Suprema Corte, assim como em doutrina de grande valia, com intuito de

dirimir possíveis dúvidas a cerca da novel reforma, assim como sedimentar o

entendimento jurisprudencial.

Palavras-chave: recurso adesivo; processo civil.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8

2 SISTEMAS PROCESSUAIS NO TEMPO .............................................................. 10

2.1 SISTEMA INQUISITORIAL ................................................................................. 11

2.2 SISTEMA ACUSATÓRIO .................................................................................... 12

3 PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO ................................................... 16

3.1 MEIOS DE PROVA ............................................................................................. 19

3.2 DIREITO E RESTRIÇÕES À PROVA ................................................................. 19

4 PROVA ILÍCITA EM MATÉRIA CRIMINAL ........................................................... 22

4.1 PROVA ILÍCITA,ILEGÍTIMA E IRREGULAR ....................................................... 24

5 PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO ...................................................................... 25

5.1 HISTÓRICO DA PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO – DO DIREITO

COMPARADO ........................................................................................................... 26

5.1.1 Teoria do Nexo Causal ..................................................................................... 28

5.1.2 Teoria da Fonte Independente de Prova .......................................................... 29

6 DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE EM MATÉRIA DE PROVA ............ 35

6.1 PROPORCIONALIDADE NO PROCESSO ......................................................... 35

6.2 PROPORCIONALIDADE PRO REO ................................................................... 37

7 PROVA ILÍCITA DERIVADA NA VISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . 40

8 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 47

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 49

8

1 INTRODUÇÃO

Em posicionamento mais atual os direitos fundamentais elencados e

resguardados em nossa Carta Magna não são vistos como garantia individual

absoluta, mas sim como direitos do homem inserido em sociedade. Assim, o direito a

prova não é irrestrito, possuindo limites nos demais direitos e garantias consagradas

na Constituição Federal. Desta forma, a produção da prova, instrumento auxiliar na

busca pela verdade, com intuito de produzir no magistrado a certeza do

acontecimento ou não dos fatos alegados possui limites, barreiras que sob nenhuma

hipótese devem ser ultrapassadas, sob pena de legitimar qualquer ato abusivo ou

imotivado, seja por parte do Estado, seja pelas partes, que devem respeitar tais

limites, legais e moralmente estabelecidos. Decorre então, a discussão entre provas

judiciárias lícitas e ilícitas, assim como as denominadas ilícitas por derivação.

O legislador constitucional tratou das provas ilícitas no rol de direitos

fundamentais, restando claro na Carta Magna em seu artigo 5º, inciso LVI a

inadmissibilidade destas no processo. Como interpretação lógica e extensiva

daquela pretendida na Constituição Federal, a legislação infra ocupou-se do tema

no Código de Processo Civil, em seu artigo 332 e seguintes; assim como no Código

de Processo Penal conforme verificamos no artigo 155 e seguintes, do respectivo

diploma legal.

Não almejamos apontar método exato para a reconstrução de fatos tal qual

como ocorridos, haja vista ser tarefa que transcenderia as possibilidades humanas;

porém, a busca da reconstrução da verdade é essencial para que consigamos a

construção de uma sólida verdade judicial, sobre a qual incidirão todos os efeitos e,

consequências legais e constitucionais da coisa julgada em matéria criminal.

9

O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo ampliar o leque

de discussões, abordando o posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca das

provas ilícitas no processo penal, assim como a eventual contaminação das provas

colhidas por derivação daquelas, seu histórico, a possibilidade de valoração destas,

as consequências jurídicas e as ditas exceções.

Dada a importância do tema, tomamos como parâmetro, valiosa doutrina,

bem como julgados da mais Alta Corte do país, a fim de analisar as correntes de

pensamento quanto a admissibilidade e valoração das provas ilícitas por derivação.

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2 SISTEMAS PROCESSUAIS NO TEMPO

O sistema processual penal trata de elementos, coordenados entre si, com

estrutura organizada no intento de direcionar os atos aplicáveis ao caso penal.

Cada Estado opta por seu sistema processual pautado basicamente, em

uma opção política criminal, e nela ficam estabelecidas as diretrizes a serem

aplicadas em cada caso concreto. Para Rangel:

[...] sistema processual penal é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas a aplicação do direito penal a cada caso concreto. (2010, p. 49).

Assim quanto maior e mais rígida a intervenção do Estado nas relações

sociais, mais evidente e restritivo será o sistema adotado. Os sistemas processuais

inquisitivo e acusatório são reflexo da resposta do processo penal frente às

exigências do Direito Penal e do Estado da época. (Lopes Júnior, 2010, p. 57).

O doutrinador Coutinho, sob uma perspectiva Kantista, considera os

sistemas processuais como um princípio unificador, fundante da teoria geral do

processo penal. Nas palavras do autor:

[...] vale a noção de sistema processual, imprescindível mas muito descurada. É ela, como se sabe, decorrente da posição de Kant (“conjunto de elementos sob uma idéia única”) [...] a qual só pode ser bem compreendida através do conceito de princípio unificador, pensado como motivo conceitual sobre o(s) qual(ais) funda-se a teoria geral do processo penal, podendo estar positivado (na lei) ou não.( IBCCRIM;2008,nº188 ).

O capítulo subseqüente não possui o intento de esgotar a matéria acerca

dos sistemas processuais penais ao longo do tempo, senão discorrer sobre os dois

principais tipos de sistema processual penal, acusatório e inquisitório, destacando

11

suas principais características, evidenciando suas diferenciações e por fim

apontando o atual sistema processual penal brasileiro.

2.1 SISTEMA INQUISITORIAL

O sistema processual inquisitivo tem sua origem nos regimes monárquicos,

passando pelo direito canônico, possuindo especial destaque na Europa, por volta

dos séculos XVI, XVII e XVIII. Possui como instituto basilar a idéia de que a

acusação e, consequente, defesa social eram iniciativas eminentemente estatal,

retirando do âmbito privado a função de acusar, até então utilizado, e que não raras

às vezes era intentada a fim de garantir um interesse estrito a determinado grupo de

pessoas, ou de interesses. O doutrinador Rangel, assim explana acerca do tema:

O Estado-juiz concentrava em suas mãos as funções de acusar e julgar, comprometendo, assim, sua imparcialidade. [...] No sistema inquisitivo, o juiz não forma seu convencimento diante das provas dos autos trazidas pelas partes, mas visa convencer as partes de sua íntima convicção, pois já emitiu, previamente, um juízo de valor ao iniciar a ação. (2010, p. 50).

Dando azo a possibilidade de o magistrado intervir, recolher e selecionar o

material que achar necessário para julgar, segundo o sistema inquisitório, Lopes

Júnior:

[...] uma disputa desigual entre juiz-inquisidor e o acusado. Confundem-se as atividades do juiz e acusador, e o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte em mero objeto de investigação. [...] o julgador atua de ofício, sem necessidade de prévia invocação, e recolhe (também de ofício) o material que vai constituir seu convencimento. O processado é a melhor fonte de conhecimento e, como se fosse uma testemunha, é chamado a declarar a verdade sob pena de coação. (2010, p. 63).

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Coutinho, citado em valiosa doutrina, assim discorre acerca da, “espinha

dorsal” do sistema inquisitório:

A característica fundamental do sistema inquisitório, em verdade, está na gestão da prova, confiada essencialmente ao magistrado que, em geral, no modelo em análise, recolhe-a secretamente, sendo que a vantagem (aparente) de uma tal estrutura residiria em que o juiz poderia mais fácil e amplamente informar-se sobre a verdade dos fatos – de todos os factos penalmente relevantes, mesmo que não contidos na 'a acusação' – dado seu poder único e onipotente em qualquer das fases . (Paulo Rangel; 2010 p. 51).

Em artigo próprio, a respeito das reformas do Código de Processo Penal

Brasileiro, Coutinho assim explana:

O que se nota na estrutura inquisitória, portanto, é uma fusão das funções de acusador e juiz e a conseqüente confusão entre o que seriam métodos para acusar e métodos para julgar. O juiz, senhor da prova, sai em seu encalço guiado essencialmente pela visão que tem (ou faz) do fato, privilegiando-se o mecanismo “natural” do pensamento da civilização ocidental que é a lógica dedutiva, a qual deixa ao inquisidor a escolha da premissa maior, razão por que pode decidir antes e, depois, buscar, quiçá obsessivamente, a prova necessária para justificar a decisão. (IBCCRIM; 2008, nº188).

Forçoso concluir que as principais características do sistema inquisitorial,

sejam elas: a aglutinação das funções de angariar provas, acusar, defender e julgar,

na figura de uma mesma pessoa ou órgão gera total incompatibilidade com o

sistema processual penal de um Estado Democrático de Direito garantidor do

cidadão contra todo e qualquer arbítrio do Estado, comprometendo sobremaneira o

resultado, do processo da persecução penal.

2.2 SISTEMA ACUSATÓRIO

Com origem que remonta ao Direito Grego, vigorava no sistema a ação

popular para os delitos graves e acusação privada para os delitos menos graves.

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Não existia processo sem acusador, inadmitindo-se a denúncia anônima,

ainda como característica, há de se destacar o direito assegurado ao réu do

contraditório e a ampla defesa, assim como a publicidade dos atos processuais.

Já na época do Império, o sistema foi revelando-se insatisfatório para

repressão dos delitos, por sua vez a inatividade das partes ao iniciar a persecução

penal motivou os juízes a atuarem além de suas atribuições. Dá-se inicio ao sistema

inquisitorial.

Lopes Júnior leciona que:

A insatisfação com o sistema acusatório vigente foi causa de que os juízes invadissem cada vez mais as atribuições dos acusadores privados, originando a reunião, em um mesmo órgão do Estado, das funções de acusar e julgar. A partir daí, os juízes começaram a proceder de ofício, sem acusação formal, realizando eles mesmos a investigação e posteriormente dando a sentença.(2010,p. 60).

As novas ideologias e a valorização do homem, trazidas pela Revolução

Francesa, paulatinamente, levaram a um gradativo abandono dos traços cruéis do

sistema inquisitório. O movimento denominado les procureurs du roi1 (procuradores

do rei), trouxe mais uma vez a tona, a idéia de separação entre as funções de

acusar, julgar e defender dando origem as concepções de um sistema acusatório,

mais atual.

Em posição diametralmente oposta ao sistema inquisitório, a concepção do

atual sistema acusatório prioriza a imparcialidade do magistrado, impedindo que

este ex officio, inicie a persecução penal.

1 Na França de 1302, na Ordenança do Rei Luiz IV, o Belo. Os chamados les procureurs du roi,-procuradores do rei, teriam originado o primeiro texto legislativo a tratar objetivamente da função do Promotor Público. ROSA, Roberta. A racionalização da atuação do Ministério Público na esfera civil. Disponível em http://www.iuspedia.com.br. Acesso: 27 abr. 2012.

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Conforme Paulo Rangel: “A imparcialidade do juiz tem perfeita e íntima

correlação com o sistema acusatório [...] visando retirar o juiz da persecução

penal, mantendo-o imparcial”. (2010; p. 21).

Lopes Júnior assevera:

O sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranqüilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal. (2010, p. 61).

Pode-se, ainda, apontar como característica do sistema em tela o princípio

da publicidade dos atos processuais, priorizando a garantia ao direito de defesa.

Ressalvando que em casos excepcionais, previstos em lei, tal princípio poderá ser

mitigado, conforme artigo 93, IX Constituição Federal/88.

Rangel assim discorre:

[...] não há, nos modelos políticos que consagram o Estado Democrático de Direito (cf.art.1º da CRFB), espaço possível reservado ao mistério. A publicidade dos atos processuais integra o devido processo legal e representa uma das mais sólidas garantias do direito de defesa... (2010; p. 14).

Em síntese, Pacelli diferencia os sistemas, acusatório e inquisitório da

seguinte forma:

De modo geral, a doutrina costuma separar o sistema processual inquisitório do modelo acusatório pela titularidade atribuída ao órgão da acusação: inquisitorial seria o sistema em que as funções de acusação e de julgamento estariam reunidas em uma só pessoa ( ou órgão), enquanto acusatório seria aquele em que tais papéis estariam reservados a pessoas (ou órgãos) distintos. (2012, p. 09).

Ditas as principais características do sistema inquisitório e acusatório,

cumpre-nos salientar que este último foi a opção do constituinte no direito pátrio, que

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dentre outras atribuições, como a promoção da justiça, agasalha a função de

acusação a um órgão, o Ministério Público2.

Neste sentido Pacelli: “De todo modo, […] não vemos como não se

reconhecer, ou não vemos por que abdicar de um conceito acusatório de processo

penal na ordem constitucional.” (2012, p. 15).

Mister, citar posicionamentos doutrinários que divergem, entendendo nosso

sistema processual como misto. Nesse sentido Rangel: “Assim nosso sistema

acusatório hodierno não é puro em sua essência. Traz resquícios e ranços do

sistema inquisitivo.” (2010, p. 57).

Lopes ensina:

A doutrina brasileira, majoritariamente, aponta que o sistema brasileiro contemporâneo é misto (predomina o inquisitório na fase pré-processual e o acusatório, na processual). Ora afirmar que o “sistema é misto” é absolutamente insuficiente, é um reducionismo ilusório, até porque não existem mais sistemas puros (são tipos históricos) todos são mistos. (2010, p. 58)

2 Em regra a função de acusar é do Ministério Público, ao particular é possível em sede de exceções, conforme previsão artigo 29, Código de Processo Penal.

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3 PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Toda e qualquer pretensão, seja ela no âmbito judicial ou não, é vinculada a

um determinado fato, as dúvidas quanto a veracidade ou inveracidade do fato

alegado deverão ser dirimidas através das provas, que possuem escopo de formar a

convicção do magistrado acerca dos elementos essenciais do processo. Nas

palavras de Pacelli:

[...] a prova judiciária possui um objetivo claramente definido a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. (2012, p. 317).

Ora, tarefa impossível seria a de reproduzir os fatos, exatamente como

ocorridos no tempo e espaço. Para tanto, a verdade buscada em nosso sistema

processual penal é aquela mais próxima do conceito de similitude.

O autor supra, destaca em sua obra Processo e Hermenêutica :

Em processo, a verdade, se é que pode ser assim chamada, é sempre uma verdade processual, não porque ali se origine, mas porque é construída por critérios configuradores de sua certeza exclusivamente judicial. (2009, p. 167).

Segundo Tourinho Filho, “provar é antes de mais nada, estabelecer a

existência da verdade, e as provas são os meios pelos quais se procura estabelecê-

la”(2010, p. 553).

No mesmo sentido, Nucci afirma:

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[...] a descoberta da verdade é sempre relativa, pois o que é verdadeiro para uns, pode ser falso para outros. A meta da parte, no processo, portanto, é convencer o magistrado, através do raciocínio, de que a sua noção da realidade é a correta, isto é, de que os fatos se deram no plano real exatamente como está descrito em sua petição. (2008, p. 389).

Digno de merecido destaque se faz o poema Verdade de Carlos Drummond

de Andrade:

Verdade

A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar

meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade.

E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil. E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.

Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos.

Era dividida em metades diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.

Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou conforme

seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

Carlos Drummond de Andrade3

Malatesta, citado por Nucci, ensina que a verdade é a conformidade da

noção ideológica com a realidade e que a certeza é a crença nessa conformidade,

gerando um estado subjetivo do espírito ligado a um fato, sendo possível que essa

crença não corresponda à verdade objetiva. (2008, p. 388).

3 ANDRADE, Carlos Drummond de. Disponível em http://pensador.uol.com.br. Acesso: 27 Abr.2012.

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Assim, como instrumento por meio do qual se forma a convicção do

magistrado, seu principal destinatário, a prova pretende afirmar a ocorrência ou

inocorrência do fato deduzido no processo.

Já objeto de prova será todo fato contido no caso penal que exija

comprovação. Conforme lição de Nucci, exclui-se fatos não relacionados à causa,

chamados também de inúteis ou irrelevantes, por não influenciar na apuração dos

fatos alegados, os fatos notórios, aqueles de conhecimento da cultura média de uma

sociedade, conforme artigo 334 do Código de Processo Civil, abarcando os fatos

evidentes e intuitivos e os fatos impossíveis4, entendido como aqueles que causam

aversão ao espírito de uma pessoa informada, assim como as presunções legais5,

diante da impossibilidade de darem lugar à dúvida.

No mesmo entendimento Tourinho Filho afirma que, “tanto a evidência como

a notoriedade não podem ser postas em dúvida. Ambas produzem no Juiz o

sentimento da certeza em torno da existência do fato.” (2010, p. 554).

Pacelli assevera que a prova é instrumento, por meio do qual alcançamos a

plenitude da ampla defesa6, princípio basilar da efetiva participação do acusado no

processo, realizável por meio de qualquer prova hábil a demonstração de sua

inocência, sob pena de nulidade, quando restar provada a prejudicialidade aquele.

O exercício desse direito à prova se estenderá a todas as suas fases, é dizer: a da obtenção, a da introdução e produção no processo e, por fim, a da valoração da prova, na fase decisória. Aliás, de nada adiantaria o reconhecimento do direito à produção da prova se não se reconhecesse também o direito à sua valoração, por ocasião a sua decisão final. (2012; p. 334).

4 Exemplo citado por Nucci, dizer que réu estava na lua no momento do crime. 5 juria novit curia, a lei federal não precisa ser provada, salvo algumas exceções para direito municipal, estadual, internacional ou consuetudinário. Conforme artigo 5°, LVI, Constituição Federal/88. 6 Artigo 5º LV. Constituição Federal/88.

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Traduzindo a melhor doutrina, conclui-se, pela extrema importância da prova

em um estado Democrático de Direito, ressaltando sua principal função, formar o

convencimento do magistrado acerca dos fatos alegados, buscando maior

coincidência entre a realidade fática e a reproduzida no processo.

3.1 MEIOS DE PROVA

São considerados meios de prova tudo aquilo que, direta ou indiretamente,

traz a tona à veracidade dos fatos alegados na lide, documentos, perícia,

reconhecimento, testemunho entre outros.

Para Rangel, “[...] é o caminho utilizado pelo magistrado para formar a sua

convicção acerca dos fatos ou coisas que as partes alegam.” (2010, p. 452).

Nucci conceitua meios de prova, da seguinte maneira: “São todos os

recursos, diretos ou indiretos, utilizados para alcançar a verdade dos fatos no

processo.” (2008, p. 389).

Meio de prova será todo instrumento, alegação, amparo por meio do qual, as

partes, defesa ou acusação, se valem a fim de demonstrar a veracidade do alegado

no caso penal.

3.2 DIREITO E RESTRIÇÕES À PROVA

O Código de Processo Penal brasileiro elenca em seus artigos 158 a 250 as

provas admitidas em nosso sistema, porém, cabe ressaltar que esse não é um rol

exauriente, podendo ser produzidas e admitidas no processo, todas as provas que

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não contrariem o ordenamento jurídico, salvo as que dizem respeito ao estado das

pessoas conforme se extrai do artigo 155 § único, do mesmo diploma.

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.

Ainda em analogia ao que se dá no Processo Civil, conforme se extrai do

artigo 332 do diploma supra, todos os meios legais, bem como os moralmente

legítimos, são hábeis para provar a veracidade dos fatos.

Art. 322. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

Pacelli assevera não haver hierarquia entre as provas, tampouco um rol

específico, nas palavras do autor:

[...] tratando-se da construção do que deverá ser expressão da verdade judicial, parece-nos perfeitamente possível a exigência de meios de prova específicos para a constatação de determinados fatos. Falar-se-ia, então, na regra da especificidade da prova, cuja conseqüência, entretanto, não seria a existência de uma hierarquia de provas. (2012; p. 331).

Desta forma, não há que se falar em supremacia de uma prova em relação à

outra, sejam elas especificadas em lei, moralmente legítimas ou ainda as não

previstas no ordenamento (as ditas provas inominadas) desde que não contrariem a

proteção de valores reconhecidos e positivados em nossa Carta Magna, assim como

do ordenamento infra, serão aptas a gerar o convencimento do magistrado acerca

dos fatos alegados.

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Destarte, ainda que de índole constitucional, o direito das partes de produzir

provas que entendam necessárias, direito de que essas ingressem e sejam

valoradas7, não resulta em direito absoluto. Nas palavras de Silva Júnior:

“Constituindo-se a espinha dorsal do processo criminal, nem por isso, o direito de

provar é irrestrito.” (2008, p. 475).

Para tanto, são vedadas por princípios e normas de direito material as

provas que atentem contra a moralidade e dignidade da pessoa humana. Sob um

prisma constitucional, as restrições não funcionam apenas e, tão somente, como

garantias do acusado, mas ainda como um exemplo da transformação dos direitos

individuais em direitos do homem inserido em sociedade, de maneira que o enfoque

na inserção social do homem é que justifica os direitos e suas limitações.

Conforme veremos nos próximos capítulos essas limitações se prestam a

demarcar a atividade persecutória do Estado, impedindo que a procura da verdade

valha-se de meios condenáveis e escusos.

7 Decorrente do princípio do contraditório, todas as provas e alegações das partes, garantidas por lei, ou nela não vedadas, devem ser objeto de rigorosa análise, sob pena de infringência ao princípio da valoração das provas. (Grinover, et al, 2011, p. 120).

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4 PROVA ILÍCITA EM MATÉRIA CRIMINAL

Positivada no Código de Processo Penal em seu artigo 157, prova ilícita é

conceituada como aquela obtida em violação a normas constitucionais ou legais.

Essa vedação insurgiu na reforma determinada pela Lei 11.690/2008, sua

construção advém da própria Constituição Federal de 1988, fruto de um modelo

garantista, destinado prioritariamente à proteção de direitos fundamentais, assim:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

O objetivo da vedação supra, segundo Rangel, é inerente ao Estado

Democrático de Direito que não admite a prova do fato e, consequentemente,

punição do indivíduo a qualquer preço, custe o que custar. (2010, p. 460).

Pacelli, afirma que a norma assecuratória da inadmissibilidade das provas

obtidas com violação de direito, com efeito, presta-se, a um só tempo, a tutelar

direitos e garantias individuais, bem como a própria qualidade do material probatório

a ser introduzido e valorado no processo. (2012, p. 335).

Vários são os aspectos que o legislador insculpiu à inadmissibilidade da

prova ilícita, destaquemos dois deles.

O primeiro, de cunho eminentemente ético, seja talvez o mais robusto, pois

absurdo seria que a fim de provar a suposta ofensa à dignidade da vítima, o

legislador autorizasse ofensa à dignidade do acusado.

Nesse sentido posicionamento defendido por Rangel:

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Não há como se garantir a dignidade da pessoa humana admitindo uma prova obtida com violação às normas legais em vigor. Do contrário, estaríamos em um Estado opressor, totalitário e não Democrático de Direito (cf. art. 1º da CRFB). (2010, p. 462).

O ilustre Ministro Celso de Mello em acórdão por ele relatado diz:

A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do “due process of law”, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo.[...] A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF,art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação de direito material ( ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do “male captum, bene retentum. (STF.HC 93050, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 10/06/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-04 PP-00700).

O segundo, em caráter de norma assecuratória, estabelece uma limitação a

atividade estatal persecutória, que deve sim respeitar limites legais e moralmente

estabelecidos para que consigamos a construção de uma sólida verdade processual,

sobre a qual incidirá todos os efeitos da coisa julgada.

Em sua obra, Processo e Hermenêutica, Pacelli assevera:

O juiz deve fundar a sua decisão em provas válidas, pois, do contrário, estaria ele atuando com excesso de poder, dado que a prova obtida ilicitamente revela inegavelmente uma atuação estatal excessiva e desbordante dos limites legais. Assim, o excesso de poder utilizado pelos órgãos estatais persecutórios na produção da prova ilícita seria assumido e reafirmado na decisão judicial, em detrimento do conhecimento efetivo-previsto nas regras do jogo -, com violação, portanto, do modelo garantista de processo. (2009, p. 165).

Por fim a inadmissibilidade da prova ilícita em matéria criminal é regra,

constitucionalmente estabelecida. Porém, assim como outros princípios

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constitucionais, deve submeter-se também a um juízo de ponderação, conforme

trataremos no subitem do princípio da proporcionalidade em matéria de prova.

4.1 PROVA ILÍCITA,ILEGÍTIMA E IRREGULAR

Amparados nos ensinamentos de Rangel, afirmamos que, atualmente, o

Código de Processo Penal não faz distinção entre provas ilícitas, ilegítimas e

irregulares, no tocante a sua admissibilidade8, existindo divisão apenas para fins

didáticos. Desta maneira, prova ilícita é gênero da qual a prova ilegítima e irregular

são subespécies. (Rangel, 2010.p. 465).

A prova será considerada ilegítima quando houver, no momento de sua

produção, ofensa a norma processual, como referencia, entre outros o artigo 207 do

Código de Processo Penal, depoimento de testemunha obrigada a guardar sigilo

funcional9. Diz-se ilícita quando gerada em ofensa ao direito material, como as

conseguidas mediante tortura, e irregular, quando mesmo não vedada por lei

descumprir formalidades necessárias para sua validade.

Ademais, como já mencionado, a reforma trazida pela Lei 11.690/2008 não

tratou de especificidades do tema, fixando de forma ampla e geral. Constituindo-se

ilícito toda violação a norma constitucional ou legal, dando tratamento isonômico

quanto à inadmissibilidade daquelas, devendo ser desentranhadas dos autos,

exceções serão tratadas em capítulo apartado.

8 Artigo 157 Código de Processo Penal. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. 9 Artigo 207 Código de Processo Penal. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.

25

5 PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO

Trata-se da hipótese de prova lícita em si mesma, mas cuja produção

derivou de prova ilícita, ou seja, mediante alguma infringência de norma processual

ou material. Grinover denomina da seguinte maneira: “... provas ilícitas por derivação

diz respeito àquelas provas em si mesmas lícitas, mas a que se chegou por

intermédio da informação obtida por prova ilicitamente colhida”. (2011, p. 130);

A reforma trazida pela Lei 11.690/08 deu nova redação ao artigo 157 §1º

Código de Processo Penal, restando claro a inadmissibilidade, também, das provas

ilícitas por derivação.

Art.157§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

O legislador para afastar qualquer dúvida, no tocante a valoração da prova

ilícita derivada enfatizou a regra já instituída pela Carta Magna, por lógico seria

contraproducente que a Constituição Federal proibisse a prova obtida por meios

ilícitos e não o fizesse para prova derivada daquela.

Nesse sentido, Nucci afirma: “...inadequado método seria a vedação da

produção da prova ilícita, mas a aceitação de toda prova desta derivada,ou seja,

expurga-se do processo o mal raiz, aceitando-se suas ramificações.” (2011,p. 35).

Vejamos entendimento do Ministro Celso de Mello em trecho de acórdão por

ele relatado:

Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. “Qualquer novo dado probatório, ainda que

26

produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária.” (STF, HC 93050, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 10/06/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-04 PP-00700).

Desta forma, concluímos que se a prova ilícita não pode gerar outra que se

torne lícita, todas as que daquela advierem são igualmente inadmissíveis, salvo as

exceções da qual trataremos em momento oportuno.

5.1 HISTÓRICO DA PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO – DO DIREITO

COMPARADO

Faremos neste momento de nosso estudo, uma breve análise da origem da

teoria dos frutos da árvore envenenada, teoria esta, como já anteriormente afirmado,

adotada por nosso sistema de admissibilidade e valoração das provas ilícitas e das

derivadas daquelas.

No início do século XIX, diante da ausência de norma constitucional

expressa, a jurisprudência americana passou a difundir a teoria da exclusionary rule,

teoria da nulidade das provas obtidas por meios ilícitos. A teoria afirmava que

mesmo diante da ausência de dispositivo constitucional, a inadmissibilidade das

provas ilícitas existia de maneira implícita, como forma de garantir os direitos

fundamentais estabelecidos na própria Constituição americana. Segundo Silva

Júnior : “...a tese passou a ser sustentada em decisões judiciais, sob o argumento

de que a regra da exclusionary rule, regra da exclusão, está implícita como forma de

proteger os direitos fundamentais declarados na Carta Política.” (2008, p. 478).

27

Em julgamento ocorrido em 1920, caso SILVERTHONE LUMBER CO. v

US10 a Suprema Corte americana incorporou à regra da exclusionary rule, a

inadmissibilidade das provas derivadas das ilícitas, as ditas provas ilícitas por

derivação. Entendimento que, no caso NARDONE v US em 1939 foi cunhado de,

fruits of the poisoned tree (frutos da árvore envenenada), conforme nos revela Silva

Júnior. Em outra hipótese de violação dos direitos fundamentais, a Suprema Corte

americana atingiu o ápice de sua teoria, no emblemático caso MIRANDA v

ARIZONA11, sob a ótica do doutrinador Greco Filho: “... tal teoria sustenta que as

provas ilícitas por derivação devem igualmente ser desprezadas, pois

“contaminadas” pelo vício (veneno) da ilicitude do meio usado para obtê-las.” (2010;

p. 359).

Gradativamente, a jurisprudência americana evoluiu de um posicionamento

mais radical, da proibição absoluta, para posicionamento mais flexível mediante

elementos que especificassem o alcance das provas ilícitas, assim como das

derivadas daquelas. Desta forma, em meados da década de 60, tal teoria não era

mais usada apenas para julgamentos dos tribunais federais, como originariamente,

mas também nas esferas estaduais. O Supremo norte-americano ainda tratou das

ditas exceções a regra da fruits of the poisoned tree12,fruto da árvore envenenada,

dentre elas as teorias do nexo causal e fonte independente, tratadas por nosso

10 Acórdão prolatado em 1920, no qual, no curso da investigação de um delito federal atribuído aos responsáveis pela empresa Silverthone Lumber &Company. Alguns agentes federais sem mandado judicial de busca e apreensão obtiveram documentos incriminatórios pertencentes à investigada. Durante o processo atendendo à petição defensiva, o Juiz determinou a devolução dos documentos, baseando-se na garantia de propriedade inserida na Quarta emenda, e em precedente. Deste caso, passou-se a elaborar a doutrina. 11A Suprema Corte americana entendeu no referido caso, que o esclarecimento dos direitos, do detido Miranda, tinham sido insuficiente, embora este tivesse assinado documento que dava ciência de seus direitos. Assim por cinco votos a quatro absolveram o réu, argumentando que a confissão só seria válida caso restasse provada a informação clara dos direitos daquele. 12 A jurisprudência americana, identifica doze hipóteses de exceções, às exclusionary rules.(SILVA JÚNIOR, Walter Nunes(2008, p. 498).

28

legislador no parágrafo primeiro do artigo 157 Código de Processo Penal13, objeto de

estudo, a seguir analisados.

5.1.1 Teoria do Nexo Causal

Segundo Grinover, a questão de nexo de causalidade tratada pelo legislador

é desnecessária, já que o conceito de prova ilícita derivada supõe por si só, a

existência de causalidade entre a ilicitude da primeira prova e a obtenção da

segunda, para a doutrinadora: “Se o vínculo não estiver evidenciado, é intuitivo que

não se trata de prova derivada.” (2011, p. 135). Sob a ótica de Rangel: “a relação de

causalidade é o liame que deve existir entre uma prova ilícita e outra (lícita) para que

possamos falar em contaminação...” (2010, p. 471).

Nucci ressalta que há necessariamente que existir uma relação de causa e

efeito entre as provas, vejamos: “Se determinada prova é considerada ilícita, por

óbvio, somente se pode considerar outra prova dela derivada se houver nexo de

causalidade...”. (2011, p. 37).

Por fim, podemos afirmar que as exceções legais, não configuram de fato

exceções ou algum tipo de permissividade para utilização e valoração de provas

ilícitas derivadas, já que, em um caso, fonte independente de prova, a fonte pela

qual se teve conhecimento dos fatos não tem qualquer relação, direta ou indireta,

com a prova ilícita, portanto, não existindo a derivação ilícita, e em outro caso, nexo

causal, não restará provada uma conexão, relação de causa e efeito, entre a prova

ilícita e a outra.

13São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. § 1o Artigo 157, Código de Processo Penal.

29

Esse é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que na análise do

caso concreto entendeu não restar comprovado o nexo causal entre a prova ilícita e

outra, considerando esta última lícita.

EMENTA: Habeas Corpus. 2. Prova Ilícita. 3. Necessidade de comprovação da utilização da prova ilícita na sentença condenatória para declaração da nulidade do processo. 4. Inadequação da aplicação da pena. 5. A substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos depende do preenchimento dos requisitos subjetivos e objetivos exigidos em lei. 6. Legitimidade do assistente da acusação para recorrer independentemente de recurso do órgão ministerial. 7. Precedentes do STF. 8. Ordem denegada.(HC 83582, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 10/04/2007, DJe-013 DIVULG 10-05-2007 PUBLIC 11-05-2007 DJ 11-05-2007 PP-00104 EMENT VOL-02275-02 PP-00242).

5.1.2 Teoria da Fonte Independente de Prova

Ao falarmos de fonte independente de prova, o posicionamento doutrinário,

não é uníssono. Alguns autores tratam do tema, delineando uma diretriz, mas sem a

pretensão de determinar um conceito fechado, é o caso do Professor Paulo Rangel,

para quem fonte independente:

[...] é aquela que foi obtida, sem qualquer relação direta ou indireta, com a prova ilícita. Trata-se de um meio de prova que tem vida própria, autônoma, lícita e que não é contaminada e nem contamina qualquer outra fonte de prova, exatamente pela sua licitude. (2010, p. 471).

Nessa mesma linha de raciocínio, Nucci entende como fonte independente

de prova:

[...] aquela que segue os tramites legalmente previstos, mas também os inseridos na praxe forense, fundados em investigações ou instruções criminais, capaz de encontrar a prova colocada em discussão. Não se pode aceitar como fonte independente a trilha calcada na ilegalidade do procedimento e muito menos aquela advinda de exploração e busca extra-investigação e fora da instrução. [...] A fonte independente não terá

30

legitimidade para se impor diante da derivação maculada da prova. (2011, p. 38).

Assevera Greco Filho: “[...] se o caminho trilhado na investigação ou

realização normal da instrução criminal puderem levar à prova derivada da ilícita,

não se considerará imprestável o elemento carreado aos autos”. (2010, p. 361).

Silva Junior, assim descreve: “[...] consiste em relevar a nulidade da prova

quando, ainda que ilícito o meio empregado na apuração, esta exista por si mesma,

podendo ser obtida em conformidade com o ordenamento jurídico.” (2008, p. 500).

Já para a doutrinadora Grinover, o conceito de fonte independente de prova,

adotada por nosso legislador se distanciou daquele original, fixado pela

jurisprudência americana, e que preconiza que o dado probatório possua

necessariamente duas fontes, uma lícita e outra ilícita, e ainda assim seja capaz de

subsistir, mesmo suprindo à última. Ainda, segundo a autora a redação dos

parágrafos 1º e 2º do artigo 157, possibilita interpretação no sentido de que a

simples probabilidade de que a prova possa ser obtida de maneira lícita, afaste sua

contaminação, colocando em risco à finalidade da vedação constitucional, de coibir

atentados contra os direitos individuais, motivos os quais levam a autora ao

entendimento da inconstitucionalidade do §2º do referido artigo, veja-se:

[...] parece ter havido aqui uma confusão do legislador entre as exceções da fonte independente e da descoberta inevitável. Assim mesmo, como antes anotado, a inevitable discovery, são circunstancias especiais do caso concreto[...]que permitem considerar que a prova seria inevitavelmente obtida, mesmo se suprimida a fonte ilícita. Ao contrário disso, o texto legislativo permite que se suponha sempre a possibilidade de obtenção da prova derivada por meios legais, o que esvazia por completo, o sentido da garantia. Por isso, entendemos que o texto do art. 157 §2º, na redação da Lei 11.690/2008, é inconstitucional. (2011,p.136).

31

Sem a pretensão de dizimar, qualquer tipo de discussão doutrinária acerca

da inconstitucionalidade do tema, tomaremos como parâmetro, parte da doutrina que

defende como fonte independente de prova, aquela da qual se teria acesso,

independente da prova ilícita, aonde os atos normais de investigação e persecução

penal, culminariam na própria prova e em seus elementos, portanto, caso não reste

provada uma relação entre a prova ilícita, e a fonte da outra prova, não há que se

falar em contaminação.

Este é o atual entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal,

conforme ementa abaixo transcrita:

Fonte independente de prova: EMENTA Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes. Prisão em flagrante. Interceptação telefônica que se afirma realizada sem a devida autorização judicial. Constrangimento ilegal não evidenciado. Ordem denegada. A alegação de que conversas telefônicas do paciente foram interceptadas por policiais civis sem autorização judicial vem isolada nos autos, havendo neles informação específica quanto ao procedimento autônomo instaurado perante o Juízo Corregedor da Polícia Judiciária do Estado de São Paulo, no qual a interceptação foi autorizada. É competente o Juízo da Vara das Execuções Criminais e Anexo da Corregedoria dos Presídios e Polícia Judiciária para conhecer de investigação e autorizar interceptações telefônicas, nos termos de regra de competência estadual. Demonstrado que o órgão da persecução penal obteve legitimamente novos elementos de informação a partir de fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra de prova originariamente ilícita, com essa não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula de eventual ilicitude originária. Conjunto probatório que, ademais, não se resume às evidências colhidas ao longo da interceptação telefônica. Ordem denegada. (HC 101584, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 05/04/2011, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05-2011 EMENT VOL-02518-01 PP-00098).

O caso em comento pleiteava a soltura do acusado, baseando-se na

alegação de que, as provas que serviram para sua condenação teriam sido trazidas

ao processo mediante interceptação telefônica realizada sem a devida autorização

judicial.

32

Assim, restando comprovada a competência do juízo que autorizou a

interceptação telefônica, os Ministros do Supremo, foram unânimes ao reconhecer a

teoria da fonte independente das provas.

5.1.3 Do Desentranhamento das Provas Consideradas Ilícitas e Derivadas

O legislador, no caput do artigo 157 do Código de Processo Penal, de

maneira expressa, estabeleceu a inadmissibilidade das provas ilícitas no processo,

determinando seu desentranhamento. Em que pese a previsão infraconstitucional, o

texto não trouxe alterações profundas, para a seara do processo penal, apenas

reafirmando o já estabelecido na Carta Magna, inadmissibilidade das provas ilícitas,

conforme artigo 5º LIV.

A inovação trazida pela reforma estabelecida pela L11690/08 se revela no

incidente de inutilização das provas ilícitas e suas derivadas. Assim estabelece o

texto legal do artigo 157 do Código de Processo Penal:

§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

Assim uma vez verificada à ilicitude da prova, seja ela originária seja

derivada, o magistrado, deverá determinar o desentranhamento do processo. Uma

vez preclusa tal decisão, a(s) prova(s) será(ão) inutilizada(s) por decisão judicial,

facultando às partes acompanhar o incidente. Rangel afirma acerca do tema: “[...]

uma vez considerada inadmissível e retirada dos autos, será inutilizada pelo juiz”

(2010, p. 471).

33

Doutrinariamente, a redação de tal dispositivo tem sido alvo de críticas seja

pela falta de procedimento para o incidente de inutilização das provas, seja quanto a

não previsão de recurso específico, ou, ainda, quanto a eventual contaminação do

juiz, que teve contato com as provas ilícitas.

Colhe assinalar entendimento de Nucci, a respeito do tema:

A norma processual indica haver dois estágios para destruição da prova ilícita. Em primeiro lugar, o magistrado a declara ilícita, logo, inadmissível no processo. Determina seu desentranhamento. A parte insurgente pode recorrer. A falta de recurso específico deve valer-se da apelação (decisão com força de definitiva). Preclusa a decisão, haverá um segundo estágio, quando o juiz determina a sua inutilização, pelo procedimento mais adequado. (2010, p. 39).

Decerto que, tal determinação se estende as provas ilícitas por derivação,

possuindo o intento de evitar a maculação do processo pela prova reconhecida

como ilícita.

Destacamos posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no HC

82862/SP, relatado pelo Ministro Cezar Peluso:

EMENTA: PROVA. Criminal. Documentos. Papéis confidenciais pertencentes a empresa. Cópias obtidas, sem autorização nem conhecimento desta, por ex-empregado. Juntada em autos de inquérito policial. Providência deferida em mandado de segurança impetrado por representante do Ministério Público. Inadmissibilidade. Prova ilícita. Ofensa ao art. 5º, LVI, da CF, e aos arts. 152, § único, 153 e 154 do CP. Desentranhamento determinado. HC concedido para esse fim. Não se admite, sob nenhum pretexto ou fundamento, a juntada, em autos de inquérito policial ou de ação penal, de cópias ou originais de documentos confidenciais de empresa, obtidos, sem autorização nem conhecimento desta, por ex-empregado, ainda que autorizada aquela por sentença em mandado de segurança impetrado por representante do Ministério Público. (STF, HC 82862, Relator(a): Min.CEZAR PELUSO. Julgado em: 19/02/2008, Segunda Turma, DJe-107 DIVULG 12-06-2008 PUBLIC 13-06-2008 EMENT VOL-02323-02 PP-00348).

O caso em tela tratava de HC impetrado contra decisão de Mandado de

Segurança, que concedeu em liminar a juntada aos autos de inquérito policial, (em

apuração) cópia integral dos autos de reclamação trabalhista que incluíam cópia

34

integral doutro inquérito policial, em cujos autos se encontravam as provas já

declaradamente ilícitas, antes desentranhadas, e que agora se pretendia reconduzir.

Assim o Supremo Tribunal Federal, em unanimidade de votos, deferiu o

pedido de habeas corpus, restando evidente a necessidade de inutilização e

desentranhamento das provas ilícitas e ilicitamente derivadas. Na ocasião o Relator,

Ministro Cezar Peluso, enfatiza :

Se é certo que têm, as partes, poder jurídico, caracterizado como ônus, de requerer e produzir todas as provas que reputem necessárias ou convenientes à apuração da verdade, não menos o é que o objeto último sobre o qual recai esse poder encontra limite intransponível no seu eventual caráter ilícito, que a Constituição da República não tolera, subtraindo-lhe toda a eficácia retórica e conseqüente uso processual ( art. 5º. Inc. LVI). Prova ilícita, obtida de forma ilícita, escusaria dizê-lo, não é prova; é não prova. (STF, HC 82862, Relator(a): Min.CEZAR PELUSO. Julgado em: 19/02/2008, Segunda Turma, DJe-107 DIVULG 12-06-2008 PUBLIC 13-06-2008 EMENT VOL-02323-02 PP-00348).

35

6 DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE EM MATÉRIA DE PROVA

O princípio da proporcionalidade, criado no direito americano, ou princípio da

razoabilidade, para o sistema jurídico alemão, corresponde a uma flexibilização à

regra da exclusionary rule, que visa corrigir possíveis distorções a que a rigidez da

exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade. (Grinover; 2011, p. 129).

Doutrinariamente, encontramos diferentes posicionamentos acerca da

possibilidade de aplicação do princípio da proporcionalidade em matéria de prova,

objeto de nosso estudo a seguir analisados.

6.1 PROPORCIONALIDADE NO PROCESSO

Para corrente que defende a utilização da teoria da proporcionalidade no

processo, leva-se em consideração o caráter de garantia individual, relativo e não

absoluto, do princípio da vedação da prova ilícita. Assim, existindo no caso concreto

a colisão entre princípios, o método para solucionar tal impasse será o princípio da

proporcionalidade.

Pacelli, sabiamente, expõe:

O critério hermenêutico mais utilizado para resolver eventuais conflitos ou tensões entre princípios constitucionais igualmente relevantes baseia-se na chamada ponderação de bens e/ou de interesses, presente até mesmo nas opções mais corriqueiras da vida cotidiana. O exame normalmente realizado em tais situações destina-se a premitir a aplicação, no caso concreto, da proteção mais adequada possível a um dos direitos em risco, e da maneira menos gravosa ao(s) outro(s). fala-se então, em proporcionalidade.(2012,p. 364).

36

Sob ótica do autor em comento, o critério de preferência do magistrado não

poderá ser exclusivamente valorativo. Assim esclarece:

Na verdade, porém, não se trata nem de ponderação de interesse e nem de ponderação de valores. Estes, valores e interesses, são escolhidos pelo legislador, seja ele o constituinte ou o parlamentar. Ao juiz, cabe apenas a escolha da norma mais adequada ao caso concreto. (2012, p. 365).

A admissibilidade da prova ilícita, em nome do princípio da

proporcionalidade, segundo Lopes Junior: “Abranda a proibição para a prova ilícita,

em casos excepcionais e graves, quando a obtenção e admissão for considerada a

única forma possível e razoável para proteger a outros valores

fundamentais.”(2010,p. 586).

Nesse sentido, Castanho de Carvalho expõe:

Continuam possíveis, contudo, como sempre o foram, as restrições advindas do embate entre valores constitucionais, devidamente ponderados, caso a caso, e em caráter excepcional, a afastar a regra da inadmissibilidade da prova obtida ilicitamente, quando houver concreta violação ou ameaça de violação dos valores constitucionais à vida, à integridade física e à liberdade [...] A ponderação de bens se prestaria, assim, a expungir da produção da prova qualquer ilicitude, tornando-a lícita e harmônica com a pauta de valores prevalecentes na Constituição. (2009, p. 103).

Assevera Silva Junior:

[...] tem-se aceitado que o juiz, em cada caso concreto, faça a ponderação de valores assegurados pela Constituição, tendo em consideração a intensidade e quantidade da violação ao direito fundamental e o dano que poderá advir caso a prova não seja admitida. (2008, p. 516).

Grinover discorrendo a cerca da teoria da proporcionalidade, assim explana:

[...] embora reconhecendo o subjetivismo ínsito no princípio da proporcionalidade pode acarretar sérios riscos, alguns autores têm admitido que sua utilização poderia transformar-se no instrumento necessário para a salvaguarda e manutenção de valores conflitantes, desde que aplicado única e exclusivamente em situações tão extraordinárias que levariam a

37

resultados desproporcionais, inusitados e repugnantes a prova ilicitamente colhida.(2011,p. 129).

Por fim, a utilização da teoria da proporcionalidade em matéria de prova,

serve como método de solução de conflitos entre direitos igualmente assegurados

na Constituição, assim no caso concreto caberá ao magistrado a escolha da norma

mais adequada a proteção de um dos direitos em risco, sempre da maneira menos

gravosa ao outro.

6.2 PROPORCIONALIDADE PRO REO

Ainda há corrente doutrinária que defende a aplicação do princípio da

proporcionalidade pro reo, sendo que para estes a prova ilícita poderia ser admitida

e valorada apenas e tão somente a favor do réu.

Ao tratar do tema, Pacelli invoca a simplicidade da questão, afirmando que:

“A prova da inocência do réu deve sempre ser aproveitada, em quaisquer

circunstancias. Em um Estado de Direito não há como se conceber a idéia da

condenação de alguém que o próprio Estado acredita ser inocente.” (2012, p.366).

A proporcionalidade pro reo trata de uma prova aparentemente violadora de

lei, utilizada pelo réu em sua defesa, no caso concreto. O réu, quando da obtenção

da prova, estaria acobertado pelas hipóteses da legítima defesa14, ou do estado de

necessidade, excludentes que afastariam a ilicitude da conduta e da prova em si,

permitindo seu uso no processo.

Rangel aborda o tema da seguinte maneira:

14 Art. 23- Não há crime quando agente pratica o fato: I- em estado de necessidade; II- em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Código Penal.

38

[...] é admissível a prova colhida com (aparente) infringência às normas legais, desde que em favor do réu para provar sua inocência, pois absurda seria a condenação de um acusado que, tendo provas de sua inocência, não poderia usá-las só porque (aparentemente) colhidas ao arrepio da lei. (2010, p. 472).

Há de se destacar o termo, (aparente violação), pois para os defensores

desta tese, o réu quando da obtenção da prova ilícita, estaria na verdade,

acobertado pelas hipóteses da legítima defesa, estado de necessidade ou

inexigibilidade de conduta diversa. Para Lopes Jr: “... proporcionalidade pro reo,

onde a ponderação entre o direito de liberdade de um inocente prevalece sobre um

eventual direito sacrificado na obtenção da prova (dessa inocência).” (2010, p. 588).

O autor supra, alerta para a impossibilidade de utilização da prova ilícita pro

reo em processo diverso, assim:

Essa prova ilícita, que excepcionalmente está sendo admitida para evitar o absurdo que representa a condenação de um inocente, não pode ser utilizada contra terceiro. […] Não existe uma convalidação, ou seja, ela não se torna lícita para todos os efeitos, senão que apenas é admitida em um determinado processo (em que o réu que a obteve atua ao abrigo do estado de necessidade). Ela segue sendo ilícita e, portanto, não pode ser utilizada em outro processo para condenar alguém, sob pena de, por via indireta, admitirmos a prova ilícita contra o réu (sim, porque que ele era “terceiro” no processo originário, mas assume agora a posição de réu). (2010, p. 589).

Em que pese, existir diferentes posicionamentos doutrinários e

jurisprudenciais, quanto à admissibilidade da prova ilícita a partir da

proporcionalidade pro reo, assevera Lopes Junior:

[...] é a mais adequada ao processo penal e ao conteúdo de sua instrumentalidade, na medida em que o processo penal é um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição. A jurisprudência não é pacífica, mas há acórdãos acolhendo esse entendimento. (2010, p. 589).

O Supremo Tribunal Federal, afirmou a possibilidade de utilização de

gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do

39

outro, quando para provar a inocência daquele. Conforme RE 402717,

relatado pelo Ministro Cesar Peluso:

EMENTA: PROVA. Criminal. Conversa telefônica. Gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro. Juntada da transcrição em inquérito policial, onde o interlocutor requerente era investigado ou tido por suspeito. Admissibilidade. Fonte lícita de prova. Inexistência de interceptação, objeto de vedação constitucional. Ausência de causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. Meio, ademais, de prova da alegada inocência de quem a gravou. Improvimento ao recurso. Inexistência de ofensa ao art. 5º, incs. X, XII e LVI, da CF. Precedentes. Como gravação meramente clandestina, que se não confunde com interceptação, objeto de vedação constitucional, é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou. (STF, RE 402717, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO Julgado em: 02/12/2008 ,Segunda Turma, DJe-030 DIVULG 12-02-2009 PUBLIC 13-02-2009 EMENT VOL-02348-04 PP-00650).

Como já afirmado anteriormente, o conteúdo vedatório da prova obtida por

meio ilícito, leia-se extensivamente as ilicitamente derivadas, é de caráter

eminentemente relativo e não absoluto, admitindo-se, portanto, sob o prisma de

parte da doutrina, a prova ilícita quando hábil a provar a inocência do réu.

40

7 PROVA ILÍCITA DERIVADA NA VISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A Constituição Federal /88 tratou do tema prova ilícita, em seu artigo 5º,

inciso LVI. O Supremo Tribunal Federal, ante a ausência de previsão expressa,

acerca do tema, prova ilícita derivada, na análise do caso concreto, aplicava de

forma extensiva a vedação constitucional, às provas ilicitamente derivadas.

Assim percebemos no julgamento do HC 69912/RS, de 16/12/93, relatado

pelo então Ministro Sepúlveda Pertence, o qual ementa abaixo se transcreve:

Prova ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, "nas hipóteses e na forma" por ela estabelecidas, possa o juiz, nos termos do art. 5, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de ministro impedido (MS 21.750, 24.11.93, Velloso); consequente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica - a falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la - contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente.Votação por maioria. (STF, HC 69912 segundo, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 16/12/1993 ,Tribunal Pleno, DJ 25-03-1994, EMENT VOL- 01738-01 PP- 00508).

Em julgamento publicado no ano de 1997, a Suprema Corte analisou ordem

de HC, baseado na alegação de ter sido o réu condenado (pelo crime de tráfico)

através de prova obtida mediante interceptação telefônica supostamente ilícita.

Em empate de votação o Supremo Tribunal Federal, acolheu o pedido,

declarando nulo o processo ad initio, reconhecendo a ilicitude da prova originária,

valorada pelo juízo a quo, assim como a prova ilícita por derivação. Transcreve-se

parte do voto do Ministro Maurício Correa, nesse entendimento:

41

[...] entendo que essas informações obtidas pela polícia, inclusive com a obtenção dos números dos telefones da quadrilha, não são elementos, a meu ver, convincentes para a caracterização de prova autônoma, e exatamente em face da contaminação que resultou com a prisão em seguida à escuta telefônica, tenho que aplicar o precedente que está respaldado no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, com supedâneo inclusive na doutrina americana dos “fruits of the poisonous tree”. Como prova independente também não posso ter aquela que adveio dos depoimentos de testemunhas que só foram identificadas por causa da escuta, e as que assistiram à prisão porque esta só foi possível em razão de terem sido presos os traficantes pela flagrância contaminada. Caso fosse uma prova absolutamente autônoma, acompanharia V. Exa; mas, na hipótese, estou admitindo que a possível prova partiu exclusivamente do pressuposto de que a polícia era detentora de informação, e com base nessa, da escuta passou-se ao grampo. Ora, a polícia recebe informações todo dia, e foi a partir da escuta telefônica que desencadeou o processo. Fica, dessa forma, mais do que evidenciado que toda a prova que se seguiu contava com a contaminação de sua origem ilícita e inidônea. (STF, HC 74116, Relator (a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Segunda Turma, Julgado em: 05/11/1996, DJ 14-03-1997 PP-06903 EMENT VOL-01861-01 PP-00178).

Posicionamento divergente era encontrado em parte da doutrina, que

defendia a carga valorativa da prova ilícita por derivação, sendo esta considerada

apta a ingressar no processo e produzir o convencimento do magistrado. Como

adiante se vê:

Aqui nos penitenciamos. Em edições anteriores (até a 13ª edição) éramos favoráveis ao aproveitamento de tal prova, ou seja, a prova obtida com infringência à lei não contaminava aquela que fosse obtida de forma derivada e lícita. (RANGEL, 2010, p. 468).

Em julgado mais recente do Supremo Tribunal Federal, HC 90376/RJ,

relatado pelo Ministro Celso de Mello, de 03/04/07, (portanto antes da reforma

anteriormente mencionada), o entendimento apontava para o hodierno

posicionamento, de que a prova da qual se teve conhecimento, em decorrência de

uma obtida por meio ilícito, portanto, ilícita por derivação, é inadmissível no

processo, acarretando a nulidade deste.

A título de sedimentação, parte da ementa, aqui se transcreve:

42

Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. - A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. - Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. (STF, RHC 90376, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, Julgado em: 03/04/2007, DJe-018 DIVULG 17-05-2007 PUBLIC 18-05-2007 DJ 18-05-2007 PP-00113 EMENT VOL-02276-02 PP-00321).

No mesmo julgado, o senhor Ministro Relator, discorre acerca da

possibilidade da utilização da teoria da fonte independente da prova:

Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. [...] Não se desconhece, como previamente salientado, que, tratando-se de elementos probatórios absolutamente desvinculados da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo qualquer relação de dependência, revelando-se, ao contrário, impregnados de plena autonomia, não se aplica, quanto a eles, a doutrina da ilicitude por derivação, por se cuidar, na espécie, de evidência fundada em uma fonte autônoma de conhecimento (“ an independent source”). (STF, RHC 90376, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, Julgado em: 03/04/2007, DJe-018 DIVULG 17-05-2007 PUBLIC 18-05-2007 DJ 18-05-2007 PP-00113 EMENT VOL-02276-02 PP-00321).

43

Em suma, o caso em tela, tratava de uma busca e apreensão de materiais e

equipamentos, realizada em quarto de hotel, sem autorização judicial. A Corte

Suprema, entendendo que o quarto de hotel, em interpretação extensiva, é também,

resguardado pela Constituição Federal em seu artigo 5º, XI 15, reputou como ilícita a

prova produzida, sem o respectivo mandado judicial, assim como todas aquelas

decorrentes desta, sustentando a necessidade de exclusão de ambas. Em que pese

a evolução social, legislativa e jurisprudencial, com o advento da Lei 11690/08, o

artigo 157, caput e parágrafos, reproduz a vedação constitucional do artigo 5º LVI, e

de forma expressa, trata da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, seu

desentranhamento e inutilização no processo, dizimando qualquer discussão acerca

do tema. Ressalvas foram feitas em duas ocasiões: quando não ficar evidenciado o

nexo de causalidade, ou ainda quando a prova puder ser obtida por fonte

independente da ilícita originária.

O Ministro Celso de Mello, em voto vencido no HC nº 92467/ES de 01/06/10,

relatado pelo Ministro Eros Grau, assevera as seguintes observações:

[...] é que tenho para mim, consideradas as razões subjacentes à presente impetração e ora reiteradas, da tribuna, pelo ilustre autor desta ação de “habeas corpus”, que a prova penal produzida na causa principal apresenta-se eivada de ilicitude, o que a torna inadmissível por força do que dispõe a própria Constituição da República ( art.5º, inciso LVI).[...] revelando-se, por isso mesmo, imprestável e destituída de eficácia jurídica.[...] a mera leitura da denúncia torna evidente que o Ministério Público fez reproduzir, “in extenso”, na peça acusatória, longas transcrições resultantes todas elas, da questionada interceptação telefônica, a demonstrar, como tal gesto, o caráter preponderante que essa prova assumiu para o “Parquet” quando da formulação da acusação penal. Vislumbro, por isso mesmo, Senhor Presidente, nesse comportamento processual do Ministério Público, uma posição manifestadamente conflitante com os critérios jurisprudências que o Superior Tribunal Federal firmou em tema de prova ilícita quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. (STF, HC 92467,Relator(a): Min. EROS GRAU.Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR

15 Artigo 5º XI, - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; CF/88.

44

MENDES, Julgado em : 26/10/2010, Segunda Turma, DJe-030 DIVULG 14-02-2011 PUBLIC 15-02-2011 EMENT VOL-02464-01 PP-00206).

No julgado em tela, pleiteava-se trancamento de ação penal, ante alegação

de que o Superior Tribunal de Justiça, não poderia receber denúncia oferecida

contra o paciente, com esteio em provas que antes declarara ilícitas. Provas estas,

obtidas por meio de interceptações telefônicas realizadas em outra investigação

criminal, cuja ação penal correspondente havia sido trancada, com fundamento na

ilicitude da prova.

A Eminente Corte, acompanhando o relator, por maioria de votos, denegou o

provimento do pleito por entender, não tratar-se de prova ilícita derivada, uma vez

que estas não teriam sido as únicas matérias probatórias utilizadas no processo, o

Ministro Gilmar Mendes, em trecho de voto de vista que adiante se transcreve,

explana:

Noto que não se trata sequer de nos afastarmos da teoria da “inadmissibilidade das provas ilícitas”, pois as escutas das quais se trata neste habeas corpus, frise-se e repita-se, foram declaradas nulas, mas não são a totalidade, nem sequer a parte preponderante, do contexto probante que fundamenta a denuncia nos delitos tratados na AP425/ES. Também não é o caso de distanciamento da conhecida teoria fruits of the poisonous tree, ou frutos da árvore venenosa, que já está consagrada por esta Corte. No presente caso, não se trata de prova derivada de prova ilegal, mas de prova declarada nula, que não deve ser utilizada em decisão final, e da existência de diversas a outra que, não sendo conseqüência daquelas decisões e prorrogações declaradas nulas, pleiteia-se a nulidade neste habeas corpus. (STF, HC 92467,Relator(a): Min. EROS GRAU.Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Julgado em : 26/10/2010, Segunda Turma, DJe-030 DIVULG 14-02-2011 PUBLIC 15-02-2011 EMENT VOL-02464-01 PP-00206).

Forçoso concluir, que o entendimento do Superior Tribunal Federal é pela

não anulação da condenação, quando esta não possuir fundamentação exclusiva

em prova ilícita. Dando azo, Lopes Júnior:

45

O princípio da contaminação (fruit of the poisonous tree) constitui um grande avanço no tratamento da prova ilícita, [...] Assim, predomina o entendimento nos tribunais superiores de que não se anula a condenação se a sentença não estiver fundada exclusivamente na prova ilícita. Tampouco se anula a decisão condenatória, em que pese existir uma prova ilícita, se existirem outras provas, lícitas, aptas a fundamentar a condenação. (2010, p. 595).

Assim, o Supremo Tribunal Federal, desde o início, e ainda que diante de

lacuna legislativa, ao enfrentar a matéria, no caso concreto, reconheceu a

pertinência da doutrina de origem americana, acerca da contaminação das provas

ilícitas derivadas.

Em decisões posteriores, acolheu um relativo temperamento da tese,

esclarecendo que as provas independentes da ilícita não poderiam ser atingidas, e

ainda se outras provas existissem a fim de fundamentar a condenação, esta deveria

ser mantida.

Tal comportamento jurisprudencial restou afirmado, com a novel Lei

11690/08, que de maneira expressa integrou a teoria do fruto da árvore envenenada

ao sistema processual penal brasileiro, excluindo de eventual contaminação quando

não restar evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as

derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

Não faltam críticas doutrinárias acerca do antagonismo gerado pela reforma,

para esses, o texto infraconstitucional é que daria efetividade ao já estabelecido na

Constituição Federal.

Nesse sentido Rangel:

É como se dependêssemos do Código para nos dizer que a Constituição, a partir de agora, passa a valer. É o Código dando vida a Constituição. A consagração do absurdo. [...] o Código amesquinhou a Constituição e nesse particular aspecto é inconstitucional porque diminuiu o seu alcance. O princípio existe, está no art. 5º, LVI: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Não precisamos de mais nada. (2010, p. 470).

46

Coutinho assim discorre acerca das reformas supracitadas:

Não se salva da inconstitucionalidade nem o novo texto do art. 157, o qual aterra no âmbito infraconstitucional a regra do art. 5º, LVI, CR [...], tentando explicitar a proibição à prova ilícita, como se para ganhar vida a Constituição fosse preciso uma reforma no CPP, algo muito próprio de um Brasil Profundo em matéria de respeito e aplicação das leis. (2008, p. 12).

Cientes das observações, concluímos e destacamos a visceral importância

da discussão da matéria, quer pelos operadores do direito, quer por magistrados.

47

8 CONCLUSÃO

O presente trabalho abordou a evolução da prova no processo penal

brasileiro, os meios de prova assim como o direito a ela, bem como suas restrições.

Claro e legítimo concluir que o legislador constitucional de 1988, dedicou

especial atenção ao tema prova ilícita, elencando sua inadmissibilidade no capítulo

de direitos e garantias fundamentais, conforme artigo 5º LVI. Tal opção evidencializa

um modelo de Estado Democrático de Direito, prioritariamente garantista.

No decorrer, analisou- se trechos da novel Lei 11690/2008, que trouxe

consistentes alterações acerca da ilicitude probatória, introduzindo no texto legal, de

forma expressa, a teoria do fruto da árvore envenenada.

Após breve análise histórica, baseada em doutrina influente, pudemos

constatar que tal teoria, evidencia a impossibilidade de aferir-se valor processual a

uma prova advinda de outra ilícita, ou seja, a impossibilidade de utilizar uma prova

em si mesma lícita, mas a que se chegou por intermédio de informação obtida por

prova ilicitamente colhida.

Ainda na seara da ilicitude por derivação, analisamos os parágrafos primeiro

e segundo do artigo 157 do Código de Processo Penal, tratando das especificidades

das chamadas, exceções legais à teoria do fruto da árvore envenenada, cunhadas

pelo legislador como nexo de causalidade, e fonte independente de prova.

No item seguinte, sem qualquer pretensão de esgotar o assunto, tratamos

do desentranhamento das provas consideradas ilícitas, destacando a atual crítica

doutrinária a respeito da lacuna legal existente quanto ao procedimento do incidente

de inutilização da prova, e principalmente quanto ao recurso cabível, questões que

acreditamos serem resolvidas em jurisprudência futura.

48

Colhe assinalar, que em capítulo apartado discorremos sobre a teoria da

proporcionalidade em matéria de prova, assim como os diferentes posicionamentos

doutrinários acerca de sua utilização, seja admitindo-a totalmente, ou

exclusivamente a favor do réu.

Por fim, dando azo a jurisprudências do Supremo Tribunal Federal, que

primeiramente defendeu uma posição de total inadmissibilidade da prova ilícita, para

em um segundo momento aplicá-la extensivamente a prova ilicitamente derivada e

atualmente, considerar esta passível de utilização, sempre em caráter de exceção,

pudemos casuisticamente, destacar a evolução relativa à matéria.

Decerto que, os posicionamentos dos Ministros, ainda que doutrinariamente

divergentes, apontam e corroboram a necessidade de discussão, para além das

cadeiras das faculdades.

Assim concluímos o presente trabalho, com as sábias palavras de Coutinho:

Se a salvaguarda dos direitos e garantias individuais no processo penal é o melhor critério pelo qual se pode medir o grau de civilidade de um povo (PISAPIA, Gian Domenico. Compendio de Procedura Penale. 4ª ed., Padova: Cedam, 1985, p. 26), mais cuidado se pede ao se reformar aquele que talvez seja, dentre todos os ramos do direito, o que maior impacto exerce sobre a vida humana e especialmente sobre aquela vitimada pela desigualdade no acesso às condições mínimas de vida.(IBCCRIM;2008, nº188).

Esperando, que as atuais e quiçá, futuras, mudanças sociais e legislativas,

produzam efetivamente a apregoada otimização da prestação jurisdicional.

49

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