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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Humberto Daniel Bostelmann APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Humberto Daniel Bostelmann

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE

CURITIBA

2012

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APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE

CURITIBA

2012

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Humberto Daniel Bostelmann

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel. Orientador: Prof. Murilo Henrique Pereira Jorge.

CURITIBA

2012

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TERMO DE APROVAÇÃO

Humberto Daniel Bostelmann

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de

Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de de 2012.

_________________________________

Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografias do Curso de Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: _____________________________

Prof. Murilo Henrique Pereira Jorge

Universidade Tuiuti do Paraná

_____________________________

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

_____________________________

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

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AGRADECIMENTOS

Ao corpo docente da Universidade Tuiuti do Paraná por me darem a oportunidade

de conhecer e fomentar o estudo do Direito.

Agradeço ao Professor Luiz Renato Skroch Andretta que me incentivou e permitiu

dar os primeiros passos no Direito Penal, para que assim deixasse de pensar com

base na “justiça do pipoqueiro”.

Ao Professor Murilo Henrique Pereira Jorge um especial agradecimento por tudo

que ele fez e tem feito por mim desde que o conheci, por sua amizade e por ter

aceito ser meu orientador neste trabalho. Que Deus o abençoe.

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo abordar os principais questionamentos doutrinários e

jurisprudenciais no que se refere a aplicação do princípio in dubio pro societate em

detrimento do principio in dubio pro reo. Examinaremos os requisitos utilizados para

sua aplicação e características, dada a peculiaridade em que é aplicado e a

abrangência de seus efeitos. Também será apontada a vulnerabilidade imposta ao

acusado quando da admissão da pronúncia, que levado ao Tribunal do Júri seu

estereótipo pode ser predominante na decisão, a chamada teoria do etiquetamento

(labeling approach). O tema é bastante complexo e controvertido, porém será

abordado os aspectos mais relevantes e que merecem maior aprofundamento.

Trarei entendimento doutrinário e jurisprudencial relativo ao atual posicionamento

das respectivas Cortes. Desta forma será possível discutir a viabilidade e a

legalidade da aplicação do princípio in dubio pro societate na fase de pronúncia.

Palavras-chave: pronuncia; indícios; princípio in dubio pro societate; princípio in

dubio pro reo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................ 08 1 PRONÚNCIA ....................................................................................................... 10 1.1 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DA PRONÚNCIA ................................. 11 1.2 EFEITOS DA PRONÚNCIA .............................................................................. 13 1.3 SENTENÇA DE PRONÚNCIA .......................................................................... 13 2 EFEITO DA INTERPRETAÇÃO DA LEI ............................................................. 21 3 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCENCIA ................................................. 23 3.1 INDÍCIOS .......................................................................................................... 25 3.2 INDUÇÃO .......................................................................................................... 26 4 PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE ...................................................................... 28 5 VULNERABILIDADE EXERCIDA PELO ESTERÓTIPO CRIMINAL .................. 30 6 PRINCÍPIO IN DÚBIO PRO SOCIETATE ........................................................... 35 7 PRINCÍPIO IN DÚBIO PRO REO ........................................................................ 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 51

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INTRODUÇÃO

O objetivo primordial deste trabalho é abordar a aplicação do princípio in

dubio pro societate na sentença de pronúncia demonstrando a grande relevância do

tema, proporcionando uma fonte de pesquisa para os estudantes e operadores do

direito tentando desta forma formar um novo juízo de valor quando da aplicação do

referido princípio.

Durante o período de pesquisa sobre o tema fica evidente que não foi

encontrada guarida legal no ordenamento jurídico brasileiro que justifique a

aplicação do princípio, sem que houvesse confronto direto com garantias

constitucionais.

A aplicação do princípio in dubio pro societate vem de uma construção

jurisprudencial que nos remete aos tempos dos regimes totalitários, onde a

pretensão punitiva do Estado se impunha às garantias individuais do cidadão e do

Estado Democrático de Direito.

A pretensão deste trabalho não é examinar o grau probatório que deverá ser

atingido para que o réu seja pronunciado aplicando o princípio in dubio pro societate,

mas sim analisar que meros indícios ou indagações remotas não seriam suficientes

para pronuncia-lo.

Dentro de um sistema garantista onde a presunção de inocência deve

prosperar privilegiando a aplicação do princípio in dubio pro reo, é ônus de quem

acusa provar a culpa remetendo-nos ao axioma nulla accusatio sine probatione, não

devendo ser submetido o réu ao risco de uma condenação do Júri Popular.

O magistrado pronunciando o réu sem provas firmes valendo-se do brocardo

in dubio pro societate, esta lavando as mãos agindo como Pilatos, entregando o réu

aos azares do Tribunal do Júri formado por cidadãos comuns, incorrendo no risco

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deste ser condenado por um fato que nem mesmo o próprio magistrado sendo

competente para tal o condenaria por não ser pleno seu convencimento.

Fazem parte deste trabalho pesquisas doutrinárias e jurisprudência,

destacando posicionamentos e teses.

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1 PRONÚNCIA

Inicialmente devemos conceituar pronúncia. Pronúncia é a decisão judicial

que reconhece a acusação formulada na denúncia remetendo o caso á apreciação

do Tribunal do Júri nos casos de crimes dolosos contra a vida e conexos,

encerrando a fase de formação de culpa e iniciando a fase de preparação do

plenário.

Conforme preceitua Guilherme de Souza Nucci: “pronúncia é a decisão

interlocutória mista que coloca fim à fase de colheita de provas, julgando admissível

a acusação e encaminhando o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri”. (2010, p.

200).

Uma das funções da fase de pronúncia é proporcionar ao juiz a chance de

impedir que um inocente venha a ser julgado por pessoas comuns da sociedade,

correndo o risco de ser condenado pelo júri que é soberano e julga sem

fundamentação.

Greco Filho discorre sobre a postura do magistrado: “o raciocínio do juiz da

pronúncia, então, deve ser o seguinte: segundo minha convicção, se este réu for

condenado haverá uma injustiça? Se sim, a decisão deverá ser de impronúncia ou

absolvição sumária.” (2010, p. 370).

Optando-se pela pronúncia do réu ela deve ser justa e legítima em nome do

Estado Democrático de Direito, exigindo o mínimo de comprovação de materialidade

e indícios mínimos de autoria.

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1.1 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DA PRONÚNCIA

São indispensáveis para a prolação da decisão de pronúncia segundo a lei

no artigo 413 do Código de Processo Penal, a materialidade do fato e indícios

suficientes de autoria ou de participação.

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1. a fundamentação da pronúncia limitar‑se‑á à indicação da

materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. § 2. se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória. § 3. O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente

decretada e, tratando‑se de acusado solto, sobre a necessidade da

decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.

O convencimento do magistrado não pode ser subjetivo, não podendo ser

presumida a existência dos fatos que formam o juízo de convencimento objetivo.

A redação do artigo 413 do Código de Processo Penal no tocante aos

indícios fala em “indícios suficientes”, não bastando “meros indícios”, pois estes

devem ser suficientes para formar e ampliar o conhecimento de algo que a partir de

dados isolados nada demonstrariam.

A lei exige indícios e presunções veementes fortes, não admitindo meras

conjecturas, indícios duvidosos, vagos e incertos.

Como bem destaca Mossin sobre o tema: “não se pode perder de vista que

para efeito de pronúncia não são suficientes indícios duvidosos, vagos ou incertos

sem conexão com o fato e sua autoria” (1999, p. 303).

Quanto à materialidade somente deve seguir o caso a julgamento do Júri se

for incontroversa, admitindo-se a prova direta, exemplo do exame de corpo de delito,

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ou indireta, onde existe robusta prova testemunhal a cerca da existência do crime e

indícios inequívocos de autoria.

Vale citar Magalhães Noronha que leciona “é mister prova convincente,

firme, inconteste, estreme de dúvida, acerca da materialidade, para que seja

proferida a sentença de pronúncia”. (1998, p. 54).

Corroborando com a doutrina, a jurisprudência tem assim se manifestado a

respeito de matéria probatória:

ACORDAM os Desembargadores integrantes da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao Recurso de CARLOS DOS SANTOS, negar provimento ao Recurso de ANTONIO PEDRO MARANHA e, de ofício, reduzir a pena. EMENTA: FURTO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. (1) CARLOS DOS SANTOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO `IN DUBIO PRO REO'. CONJUNTO PROBATÓRIO INIDÔNIO E FRÁGIL. AUTORIA NÃO COMPROVADA. PROVA INDICIÁRIA NÃO CONFIRMADA EM JUÍZO. ABSOLVIÇÃO. (2) ANTÔNIO PEDRO MARANHA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONJUNTO PROBATÓRIO APTO A ENSEJAR O DECRETO CONDENATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. REFORMA DA PENA DE OFÍCIO. APELO DE CARLOS PROVIDO. APELO DE ANTONIO IMPROVIDO. DE OFÍCIO, READEQUADA A PENA. I- Os indícios e circunstâncias somente se tornam lastro suficiente à condenação quando a análise dos fatos apurados convirjam harmoniosamente para a demonstração da autoria do fato típico. II- O simples pleito absolutório desprovido de elementos aptos a fundamentá-lo é insuficiente para desconstituir o decreto condenatório.” (TJPR, Ap. Crime nº 724.469-5, 4ª C. Crim., Relator Miguel Pessoa, acórdão nº 14980, j. 28/07/2011).

Fica demonstrado que a materialidade e os indícios devem ser incontestes,

não cabendo dúvida diante do material probatório apresentado.

Sobre a aplicação do princípio na fase de pronúncia Paulo Rangel declara:

[...] se há dúvida, é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia, sob o aspecto da autoria e materialidade, não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado, mandando-o a júri, onde o sistema que impera, lamentavelmente, é o da íntima convicção. (2007, p. 593).

Mediante o exposto mencionaremos o antigo brocardo chancelando a

análise, allegare sine probare et non allegare paria sun” - alegar e não provar é o

mesmo que não alegar.

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1.2 EFEITOS DA PRONÚNCIA

O réu ao ser pronunciado já tem a evidente sensação que está sendo

sentenciado, mesmo porque apesar da sentença de pronúncia ser colocada no

ordenamento com uma decisão interlocutória mista, aos olhos das pessoas que não

operam o direito ela é interpretada como uma sentença.

A sentença de pronúncia frustra a possibilidade de absolvição sumária ou de

impronúncia, inaugurando-se uma nova fase onde o réu será submetido ao

julgamento de seus pares onde é sentenciado sem fundamentação.

È incompatível com o Estado Democrático de Direito que um indivíduo seja

colocado no banco dos réus aplicando-se o princípio in dubio pro societate, fato este

que gera agressão aos direitos fundamentais, individuais, e a liberdade.

A aplicação de tal preceito, viola a dignidade da pessoa humana, ou seja, o

respeito devido pelo Estado ao ser humano individualmente considerado, não

devendo ser sacrificado em nome do “interesse coletivo”.

Em se tratando de Princípios de Direito Penal estes não podem ser

mitigados, devendo ser aplicados em sua plenitude onde a presunção de inocência e

garantias individuais devem prevalecer sobre as abstrações.

1.3 SENTENÇA DE PRONÚNCIA

É a decisão que julga admissível a acusação feita pelo Ministério Público

remetendo o caso ao Tribunal do Júri, encerrando a fase de formação de culpa e

iniciando a fase de preparação do plenário do Tribunal do Júri.

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Embora se tratando de uma decisão interlocutória mista, a pronúncia tem as

características de sentença devendo conter: relatório, fundamentação e dispositivo.

Decisão interlocutória mista conceituada por Guilherme de Souza Nucci:

É a decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação, remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri. Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase de formação da culpa, inaugurando a fase de preparação do plenário, que levará ao julgamento de mérito. Embora se trate de decisão interlocutória, a pronúncia mantém a estrutura de uma sentença, ou seja, deve conter o relatório, a fundamentação e o dispositivo. (2008, p. 60).

O relatório deve expor o que aconteceu no processo desde a denúncia até

as alegações finais.

A fundamentação deve esclarecer o motivo pelo qual o magistrado esta

remetendo o caso para o Tribunal do Júri, restringindo-se unicamente a declarar

admissível a pretensão acusatória, sem julgar o meritum causae.

O dispositivo é declaração dos artigos em que o réu esta incurso.

O objetivo maior da fase de formação de culpa é de não submeter o caso a

apreciação do corpo de jurados, que são pessoas leigas advindas de vários

segmentos sociais, que tem a prerrogativa de julgar sem a necessidade de

fundamentar sua decisão, evitando assim o erro judiciário.

Deste modo o juiz deve analisar na fase da pronúncia todas as teses

levantadas pela defesa, sob pena de cerceamento a ampla defesa.

Para que a pronúncia seja legítima a lei exige que contenha a comprovação

de materialidade (prova da existência do crime) e indícios suficientes de autoria

(indicativos ainda que indiretos, mas seguros que foi o réu que cometeu o ilícito ou

sua participação), conforme artigo 413 do Código de Processo Penal com a redação

da lei 11.689/2008.

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Entretanto, é com muita frequência que se invoca o princípio in dubio pro

societate. Os motivos para a aplicação do brocardo são os seguintes:

a) em sede de pronúncia não se exige certeza da autoria do réu, mas

apenas conforme sublinha o próprio artigo 413 do CPP, indícios

suficientes desta;

b) o juiz natural da causa no procedimento do júri são os jurados, onde a

eventuais dúvidas a respeito da admissibilidade da acusação deve ser

resolvida pelo Tribunal Popular.

Sobre o temo discorre Mirabete: “na dúvida, cabe ao juiz pronunciar,

encaminhando o feito ao Tribunal do Júri, órgão competente para o julgamento da

causa. Nesta fase vigora a máxima in dubio pro societate” (2006, p.1.084).

Com o mesmo entendimento se manifesta o Superior Tribunal de Justiça

através do julgado:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2011/0239505-4 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO. FUNDAMENTOS INSUFICIENTES PARA REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. AFASTAR A QUALIFICADORA. MOTIVO FÚTIL. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DÚBIO PRO SOCIETATE. 1. O agravante não apresentou argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja negativa de provimento ao agravo regimental. 2. Na fase da decisão de pronúncia não deve ser afastada a qualificadora, mesmo que haja dúvida, pois nesta fase prevalece o princípio in dúbio pro societate, cabendo ao Tribunal do Júri decidir. 3. A discussão anterior entre autor e vítima, por si só, não implica, de imediato, o afastamento da qualificadora referente ao motivo fútil. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (Ag.Rg no REsp 62.470/MA).

Na contra mão do mínimo exigível pela lei vem o princípio do in dubio pro

societate (na dúvida decide-se em favor da sociedade), onde pronuncia-se o réu

sem provas firmes ferindo o Estado Democrático de Direito, o princípio constitucional

da presunção de inocência submetendo o acusado ao Conselho de Sentença.

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Artigo 5° [...] LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Também com base nos preceitos constitucionais Tourinho Filho esclarece:

“admitir o referido princípio entre nós é desconhecer que num país cuja Constituição

adota o princípio da presunção de inocência torna-se heresia sem nome falar em in

dubio pro societate” (2010, p. 740).

Pode-se observar que não houve êxito na acusação formulada contra o réu,

pois não houve o convencimento objetivo do magistrado sobre o fato imputado,

portanto o réu não deverá ser pronunciado prosperando a aplicação do princípio in

dúbio pro reo, este sim revestido de amparo legal.

Sèrgio Marcos de Moraes Pitombo com clareza explicita:

[...] se o acusador não conseguiu comprovar o fato, constitutivo do direito afirmado, posto que conflitante despontou a prova; então, se soluciona a seu favor, por absurdo. Ainda, porque não provou ele o alegado, em face do acusado, deve decidir-se contra o último. (2001, p. 2).

A pronúncia não deve conter termos exagerados, nem frases contundentes

em observância ao art. 413, § 1º do Código de Processo Penal, onde:

A fundamentação da pronúncia limitar-se-á a indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

O magistrado deve abordar todos os aspectos relativos as questões

levantadas pelas partes não podendo ignorar teses, motivando a decisão de maneira

isenta e imparcial, sem excesso de linguagem.

Sobre o tema se manifesta o Superior Tribunal de Justiça:

Configura excesso de linguagem o trecho do v. acórdão atacado que, indevidamente, faz considerações acerca da necessidade de reconhecimento da ocorrência de qualificadora que sequer foi tratada na denúncia. Essas ponderações, por fugirem ao objeto da causa de um lado,

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e, de outro, por se revelarem inegavelmente prejudiciais ao réu, devem ser extirpadas da v. decisão combatida. (HC 88.192 – RS, 5ª. T., Rel. Min. Felix Fisher, j. 08.11.2007).

Existindo exagero por parte do juiz haverá nulidade, devendo ser proferida

nova decisão que poderá ser utilizada pelas partes em plenário.

O Supremo Tribunal Federal por sua primeira turma julgando o Habeas

Corpus n° 686.061/130 se pronunciou a respeito do excesso de linguagem:

Ementa – Habeas Corpus – Júri – Pronúncia –Limites a que juízes e tribunais estão sujeitos – Excesso configurado – Ordem deferida. Os juízes e tribunais devem submeter-se, quando praticam o ato culminante do judicium accusationis (pronúncia), à dupla exigência de sobriedade e de comedimento no uso da linguagem, sob pena de ilegítima influência sobre o ânimo e a vontade dos membros integrantes do Conselho de Sentença. Age ultra vires, e excede os limites de sua competência legal, o órgão judiciário que, caracterizando a natureza da sentença de pronúncia, converte-a, dê um mero juízo fundado de suspeita, em um inadmissível juízo de certeza. (RT 523/ 486, Rel. Min. Leitão de Abreu).

O juiz na pronúncia deve manifestar-se quanto das qualificadoras constantes

da denúncia sempre as apreciando em conexão com as provas exibidas, sem esta

conexão as qualificadoras devem ser afastadas, pois a defesa tem sua atividade de

plenário delineada pela decisão de pronúncia.

Conforme Humberto Theodoro Júnior nos leciona:

Lembremos, ainda, que somente pode ser incluída na pronúncia, pelo magistrado, a qualificadora que constar, de algum modo, na denúncia ou queixa. Do contrário, é preciso buscar o aditamento da peça acusatória, a ser empreendido pela acusação, coma consequente oportunidade de defesa do réu. (2008, p. 70).

O dolo também não deve ser inserido na pronúncia, pois criaria limitações

quanto da possibilidade da defesa indagar a culpa.

Nos casos de concurso de pessoas a pronúncia deverá demonstrar a

participação dos agentes de forma incontroversa, se agiram como coautor ou

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partícipe, não devendo que tais figuras misturem-se na descrição dos fatos, pois

prejudicaria a formulação dos quesitos gerando nulidade absoluta.

Tal matéria encontra-se Sumulada pelo Supremo Tribunal Federal. O

verbete nº 156 da Corte Suprema assevera que “É absoluta a nulidade do

julgamento, pelo júri por falta de quesito obrigatório”.

Com a alteração do artigo 413 do Código de Processo Penal não há mais de

falar em prisão cautelar, passando-se a avaliar a real necessidade do réu aguardar

preso o julgamento após a pronúncia.

As mesmas regras devem ser observadas para acórdão, que dando

provimento ao recurso da acusação contra decisão de impronúncia resolver

pronunciar o acusado.

Desta forma se manifesta o Tribunal de Justiça de São Paulo:

Contudo, a prisão obrigatória, esta decorrente de pronúncia, há muito foi excluída do ordenamento processual e, ainda que a imputação do crime possa - em tese – ajustar-se a um tipo de delito definido como hediondo, isso não afasta a necessidade de motivá-la, acaso se faça indispensável, nos moldes do artigo 312 do CPP. Para tanto não basta a simples repetição dos termos da lei, sem mencionar fato algum que a justifique, mormente quando o acusado respondeu solto ao processo e não deu causa a qualquer obstáculo à instrução processual, não se revelando, assim, qualquer indício de que não comparecerá perante o Tribunal do Júri e, que, dificultará a aplicação da lei penal. (SER 01115879.3/7, 1ª.C., Rel. Des. Figueiredo Gonçalvez, 27.11.2007).

A decisão de pronúncia poderá sofrer modificação, ocorrendo circunstâncias

que alterem a classificação do crime. No caso de surgirem provas supervenientes o

magistrado deve determinar a remessa dos autos ao Ministério Público para o

aditamento da denúncia.

Aditada a denúncia, a defesa terá o direito ao contraditório e o réu novo

interrogatório, sendo oportunizada a defesa sua manifestação a respeito da

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imputação, evitando cerceamento de defesa em inobservância ao princípio

constitucional do devido processo legal.

Após estes procedimentos o juiz proferirá nova decisão alterando a

pronúncia. Tais procedimentos foram elencados a luz da lei 11.689/2008 que

reformou grande parte do procedimento do Tribunal do Júri.

Com a palavra Guilherme de Souza Nucci:

Caso haja elementares não contidas na peça acusatória, o prejuízo para o réu torna-se evidente, uma vez que não se defendeu correta e amplamente, como lhe assegura a Constituição Federal. Nessa hipótese, é essencial que o juiz abra vista á acusação para aditar a denúncia e, em seguida, à defesa, para se manifestar a respeito, aplicando o dispositivo no art. 384 do Código de Processo Penal. (2008, p. 81).

Deverá o réu ser intimado sobre a decisão de pronúncia conforme artigo 420

do Código de Processo Penal, podendo ser suprida na pessoa de seu defensor

(dativo ou defensor público) e nos casos de réu solto não localizado poderá ser

efetuada por edital. Desta forma não mais se paralisa o processo por falta da

intimação do réu solto.

Art. 420 do CPP. a intimação da decisão de pronúncia será feita: I – pessoalmente ao acusado, ao defensor nomeado e ao ministério Público; II – ao defensor constituído, ao querelante e ao assistente do ministério Público, na forma do disposto no § 1º.do art. 370 deste Código. Parágrafo único. será intimado por edital o acusado solto que não for encontrado.

Os legisladores através do aperfeiçoamento dos dispositivos legais e com a

criação de novas leis, estão inovando com observância irrestrita as garantias

fundamentais elencadas na Constituição Federal ficando incompatível a aplicação

do principio in dubio pro societate.

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Dentre os vários doutrinadores utilizados para elaboração deste trabalho,

existem opiniões divergentes a respeito da natureza da sentença de pronúncia

(declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental, executiva), neste momento

não nos importa a classificação utilizada, e sim os efeitos que irá produzir.

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2 EFEITOS DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

Os juízes de primeiro grau em muitos casos aplicam os dispositivos do

Código de Processo Penal e Leis Especiais em descompasso com a Constituição

Federal, como se as primeiras fossem mais importantes que os princípios

constitucionais, causando um número enorme de recursos nas cortes superiores.

Sobre o tema leciona o Professor Lenio Luiz Streck:

Talvez nas palavras de um Desembargador de Tribunal de justiça estejam presentes, simbolicamente, os ingredientes que engendram a crise de paradigmas aqui discutida: instalado pelo advogado de defesa, em sustentação oral, a aplicar princípios constitucionais, Sua Excelência afastou-os “com base no Código de Processo Penal”. (2004, p. 79).

Podemos de modo mais preciso fazer referência às lacunas deixadas pela

utilização da mais simples e imprecisa linguagem, onde permite-se ambiguidades e

incertezas que em ultima análise devem ser resolvidas nas vias recursais do

judiciário.

O verdadeiro problema não está na interpretação das normas, e sim no grau

de criatividade, nos modos de aplicação e nos limites de sua legalidade.

A aplicação extensiva de normas é material de repercussão geral por parte

do judiciário, comprovado através do Recurso Especial transcrito abaixo:

Recurso extraordinário. Benefício assistencial ao idoso (art. 203, V, da Constituição Federal). Discussão sobre critério utilizado para aferir a renda mensal per capita da família da requerente. Alegação de inconstitucionalidade de interpretação extensiva ao art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003. Tema que alcança relevância econômica, política, social e jurídica e que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Repercussão geral reconhecida. (RE 580963 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 16/09/2010, DJ-e 08/10/2010).

A função dos juízes na esfera penal é a contenção do poder punitivo do

Estado, evitando que se exponha o réu ao constrangimento de um processo penal

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que vem acompanhado de uma carga estigmatizante e evitar uma condenação

injusta.

Sem a contenção jurídica (judicial), o poder punitivo ficaria liberado

ameaçando o Estado Democrático de Direito e fragilizando os direitos fundamentais

individuais.

O judiciário utiliza-se da criminalização e da penalização, em franca

contradição com a aplicação do princípio da intervenção mínima, levando ao

descrédito não apenas o Direito Penal, mas a sanção criminal que acaba perdendo

sua força intimidativa.

Segundo nos ensina Zaffaroni e Nilo Batista:

Não são os juízes que exercem o poder punitivo, mas sim as agências executivas, de acordo como maior ou menor espaço que lhes concedam as agências políticas (legislativas) e que o poder jurídico (judicial) não lhes pode suprimir. O poder de que os juízes dispõem é de contenção e, ás vezes, de redução. O direito penal não interpreta com meros fins especulativos, mas para orientar as decisões dos operadores judiciais, e o sistema de compreensão que ele constrói não é neutro, mas sim corresponde a um objetivo político, previamente estabelecido (valorativo), que é a contenção do poder punitivo para fortalecer o estado de direito. (2003, p. 40)

Quando se aplica o principio in dubio pro societate o juiz sai do papel de

interprete da lei colocando-se no papel de legislador, fundamentando sua decisão

em preceitos vagos e imprecisos sem observar a vinculação que deve existir entre

dispositivos legais e constitucionais.

O Processo Penal necessita de uma verdadeira mudança de mentalidade

por parte dos operadores jurídicos. Não no sentido de implementar a luta contra o

crime para assegurar a ordem social, mas como um legítimo instrumento a serviço

de um Direito Penal Democrático.

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3 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O princípio da presunção de inocência é um dos pilares do Direito Penal

Brasileiro, estando diretamente ligados as garantias e direitos fundamentais

descritas na Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso LVIII.

A conquista do direito penal moderno é a liberdade como regra, sendo a

restrição a direitos e a prisão sua exceção.

A luz do princípio da presunção de inocência, o juiz ao pronunciar o réu deve

verificar se a decisão proferida está em concordância com os pressupostos de

comprovação de materialidade e indícios suficientes de autoria.

Sendo negativa tal verificação estaremos sobre a atuação jurisdicional frágil

e sensível, onde é pronunciado o acusado sem provas firmes, submetendo o réu ao

risco de ser privado de sua liberdade e condenado pelo júri por um fato que nem

mesmo o juiz está totalmente convencido.

O Ministro Celso de Mello através do HC 98821/CE demonstra grande

preocupação pela privação de liberdade e na ausência de fundamentação que pode

ferir o caráter excepcional da prisão elencados no artigo 312 do Código de Processo

Penal:

“HABEAS CORPUS" - PRISÃO EM FLAGRANTE MANTIDA PELA DECISÃO DE PRONÚNCIA - FALTA DE ADEQUADA FUNDAMENTAÇÃO - CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL - UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, NO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA, DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA - IRRELEVÂNCIA, PARA EFEITO DE CONTROLE DA LEGALIDADE DE DECISÃO QUE MANTÉM A PRISÃO CAUTELAR, DE EVENTUAL REFORÇO DE ARGUMENTAÇÃO ACRESCIDO PELAS INSTÂNCIAS SUPERIORES - PRECEDENTES - PEDIDO DEFERIDO. A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL. - A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada ou mantida em situações de absoluta necessidade. A prisão cautelar, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos

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pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. - A questão da decretabilidade ou manutenção da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes. A MANUTENÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU. - A prisão cautelar não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão cautelar - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal. A PRISÃO CAUTELAR NÃO PODE APOIAR-SE EM JUÍZOS MERAMENTE CONJECTURAIS. - A mera suposição, fundada em simples conjecturas, não pode autorizar a decretação da prisão cautelar de qualquer pessoa. - A decisão que ordena a privação cautelar da liberdade não se legitima quando desacompanhada de fatos concretos que lhe justifiquem a necessidade, não podendo apoiar-se, por isso mesmo, na avaliação puramente subjetiva do magistrado de que a pessoa investigada ou processada, se em liberdade, poderá delinqüir, ou interferir na instrução probatória, ou evadir-se do distrito da culpa, ou, então, prevalecer-se de sua particular condição social, funcional ou econômico-financeira. - Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas à margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE MANTER-SE A PRISÃO EM FLAGRANTE DO PACIENTE. - Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão cautelar. INADMISSIBILIDADE DO REFORÇO DE FUNDAMENTAÇÃO, PELAS INSTÂNCIAS SUPERIORES, DO DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR. A legalidade da decisão que decreta a prisão cautelar ou que denega liberdade provisória deverá ser aferida em função dos fundamentos que lhe dão suporte, e não em face de eventual reforço advindo dos julgamentos emanados das instâncias judiciárias superiores. Precedentes. A motivação há de ser própria, inerente e contemporânea à decisão que decreta (ou que mantém) o ato excepcional de privação cautelar da liberdade, pois a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem ser supridas "a posteriori". (HC 98821/CE. Relator: Ministro Celso de Mello. J. 09/03/2010. Segunda Turma).

O convencimento da veracidade dos fatos dá-se pelas provas que remetem

o juiz a certeza moral sendo parte essencial do processo. Ocorrendo colisão de

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provas ou dúvida, a absolvição deve por certo prevalecer privilegiando o princípio da

presunção de inocência.

3.1 INDÍCIOS

Justifica-se a elaboração dos tópicos referentes á indícios e indução por

estarem diretamente ligados a aplicação do principio in dubio pro societate e in dubio

pro reo, conforme verificaremos a seguir.

A lei nos remete ao conceito de indício no artigo 239 do Código de Processo

Penal: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo

relação com o fato, autorize por indução, concluir-se a existência de outra ou outras

circunstâncias”.

A busca por indícios só se faz necessário quando não existem provas

suficientes.

Leciona Guilherme de Souza Nucci: “Reiteremos que não bastam meros

indícios, mas também que sejam eles suficientes. O indício é uma prova indireta.

Para formar o raciocínio indutivo”. (2008, p. 62).

Não devemos minorar o valor da prova sustentada por indícios e sim

observar determinados requisitos para sua valoração. O indício por si só não tem

força suficiente para levar a uma condenação porque não prescinde de segurança.

Eliezer Rosa em seu Dicionário de Processo Penal manifesta:

O indício, na eterna ironia das coisas, é a prova predileta da vida contra os inocentes...Condenar ou absolver é o que há de mais fácil e simples, quando o julgador aposta com os indícios o destino do processo. Julgar só mediante indícios e, com eles, condenar, é o adultério da razão com o acaso, nos jardins de Júpiter. (1975, p. 131).

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O raciocínio indutivo lógico forma-se através de um contexto de indícios que

nos leva a justificar a procedência da ação penal. A indução aumenta nosso

conhecimento acerca de determinado evento tornando a existência de vários

indícios respaldo para formação de um quadro de segurança compatível com a

verdade real.

O indício apoia-se e sustenta-se em uma outra prova, e estando bem

estabelecido, pode adquirir uma importância predominante e decisiva no juízo.

Conforme Paulo Rangel “indício de autoria são indicações ou apontamentos

de que o réu é o autor do fato”. (2010, p. 634).

Desta forma conclui-se que indício é fato provado, entretanto secundário,

que somente será útil para a construção de um conjunto probatório tendo relevância

no processo lógico de indução.

3.2 INDUÇÃO

O raciocínio utilizado pelo magistrado valendo-se dos indícios para chegar a

uma conclusão no processo é indutivo.

O conceito de indução nas palavras de Jacques Maritain: “raciocínio no qual

de dados singulares ou parciais suficientemente enumerados se infere uma verdade

universal” (1994, p. 283).

O magistrado na formação de seu convencimento e de seu raciocínio lógico,

não esta imune à influência de sua experiência de vida e de seus valores, fazendo

com que sua conclusão seja conduzida para a absolvição ou condenação.

Ensina Miguel Reale:

[...] o certo é que, na indução amplificadora, realizamos sempre uma conquista, a conquista de algo novo, que se refere a objetos reais e a relações entre objetos reais, tendo como ponto de partida a observação dos

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fatos. Na base da indução está, portanto, cercada de rigorosas precauções críticas, tal como exige o conhecimento indutivo de tipo científico, inconfundível com as meras generalizações empíricas. (1983, p. 145).

O Código de Processo Penal Militar, no seu artigo 382, delimita a aplicação

de indício e por consequência da indução através de um conceito mais fechado:

“Indício é a circunstância ou fato conhecido e provado, de que se induz a existência

de outra circunstância ou fato, de que não se tem prova”. (grifo nosso).

A indução não deverá ser valorada como uma verdade absoluta, tendo como

função servir de auxilio para ampliar o conhecimento formador de um quadro de

convencimento, não devendo servir de base para decisões judiciais.

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4 PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE

A teoria da culpabilidade segundo a doutrina surgiu em 1907 com a obra de

Frank Reinhart intitulada “Estructura del concepto de culpabilidade”, onde encontrou

suas raízes na filosofia aristotélica exatamente nos princípios da autodeterminação

do indivíduo.

Dentre os inúmeros conceitos formulados ao longo dos anos sobre

culpabilidade a definição formulada por Aníbal Bruno merece destaque:

[...] culpabilidade é a reprovabilidade que pesa sobre o autor de um fato punível, praticado em condições de imputabilidade, dolosa ou culposamente, tendo e podendo ter o agente a consciência de que viola um dever e em circunstâncias que não excluem a exigência de que se abstenha dessa violação. (1959, p. 31).

Em decorrência do princípio da culpabilidade implicitamente alocado na

Constituição Federal, deve prevaler o Estado Democrático de Direito não devendo

ser imposto ao réu punição mais gravosa que a descrita no ordenamento, ferindo a

dignidade da pessoa humana princípio este assegurado pela Carta Magna.

Jescheck afirma que:

[...] o princípio da culpabilidade serve, de um lado, para conferir a necessária proteção do indivíduo em fase de eventual excesso repressivo do Estado, fazendo com que a pena, por outro, circunscreva-se às condutas merecedoras de um juízo de desvalor ético-social. (1981, p. 25-26).

Desta forma devemos observar as garantias constitucionais inerentes ao

indivíduo, que tornam-se vulneráveis quando o juiz aplica o princípio in dubio pro

societate para pronunciar o réu, submetendo-o ao risco de uma condenação mais

gravosa se confirmada pelo Tribunal do Júri.

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Com efeito o Supremo Tribunal Federal apreciou a matéria referente ao

princípio constitucional de não culpabilidade, pelo voto do relator Ministro Marco

Aurélio:

PRISÃO PREVENTIVA – EXCEPCIONALIDADE. Em virtude do princípio constitucional da não culpabilidade, a custódia acauteladora há de ser tomada como exceção. Cumpre interpretar os preceitos que a regem de forma estrita, reservando-a a situações em que a liberdade do acusado coloque em risco os cidadãos ou a instrução penal. PRISÃO PREVENTIVA – PRESUNÇÃO. A prisão preventiva há de estar lastreada em fatos concretos a atraírem a incidência do artigo 313 do Código de Processo Civil, descabendo partir para o campo das suposições, mormente contrariando a ordem natural das coisas. LIBERDADE PROVISÓRIA – AUSÊNCIA DE INCIDENTES. O fato de o acusado, simples acusado sem culpa formada, haver alcançado a liberdade ante liminar deferida, passando a atender, sem incidentes, aos chamamentos judiciais, respalda o direito de assim permanecer até o término do processo-crime quando a prisão, se for o caso, resultar da execução do título judicial condenatório. (HC 92682/RJ, Ministro Relator Marco Aurélio. J. 26/10/2010. Primeira Turma).

Tais garantias já vem de forma incisiva sendo ministradas por juristas e

doutrinadores alemães extraindo-se da obra “Introdução ao Direito Penal e ao Direito

Processual Penal”, escrito por Claus Roxin, Gunther Arzt, Klaus Tiedemann, do qual

faremos menção ao seguinte trecho:

[...] enquanto o princípio da culpa, se o aplicarmos para limitação do poder interventivo estatal, não tem uma função repressiva, opressora dos cidadãos, mas, bem ao contrário, um encargo de defesa da liberdade e, nesse sentido, de proteção. (2007, p. 51).

Deve ser respeitada a dignidade do homem que delinquiu tratado como ser

livre e responsável, enfatizando-se a culpabilidade como indispensável à

responsabilidade penal.

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5 VULNERABILIDADE EXERCIDA PELO ESTERÓTIPO CRIMINAL

Estereótipo é a imagem preconcebida de determinada coisa, pessoa ou

situação.

Funciona como um conjunto de características partilhadas por todos os

membros de uma categoria social, podendo envolver qualquer aspecto distintivo de

uma pessoa, idade, sexo, raça, profissão, local de residência.

Pesquisas demonstram que quando de nossa primeira impressão é

orientado por um estereótipo, tendendo a deduzir coisas sobre a pessoa de maneira

imprecisa e seletiva.

O sistema penal acaba selecionando pessoas de forma indireta, onde em

cada uma delas acha-se certo grau de vulnerabilidade ao poder punitivo

dependendo de sua correspondência com um estereótipo criminal.

Com clareza leciona Paulo Rangel:

[...] sabemos de julgamento do Tribunal do Júri em que o réu foi condenado somente pela folha penal; ou pela sua aparência de “bandido” (?). Condenações essas injustas e violadoras do ônus da prova, que é todo do MP. (2010, p. 634).

O poder punitivo criminaliza selecionando as pessoas que em regra se

enquadram nos estereótipos criminais, tornando-as vulneráveis sem que haja

esforços.

O processo penal rotula e estigmatiza, é o que a criminologia moderna

chama de labeling approach (teoria do estiquetamento), onde é imposto ao réu o

risco de ser segregado provisoriamente suportando todas as agruras do processo e

posteriormente ser absolvido por falta de provas.

Ainda sobre o tema Pimenta Bueno:

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[...] cumpre, de um lado, que o juiz da pronúncia não incomode por motivos ligeiros a liberdade e paz do cidadão, pois que, embora ela não seja mais do que um processo preparatório da acusação, todavia, por si só, já é um mal grave, que afeta muito a pessoa, os interesses e a família do indivíduo pronunciado. (2003, p.182).

A sociedade se encarrega de fazer tal distinção como sabemos. No sistema

carcerário brasileiro boa parte dos detentos são negros, pobres, e de baixa

escolaridade.

Acentuam Eugênio Raúl Zaffaroni e Nilo Batista em sua obra Direito Penal I:

“A comprovação de que o poder punitivo opera de modo exatamente inverso ao

descrito pelo discurso penal tradicional é verificável pela mera observação leiga da

realidade social” (2003, p. 68).

O movimento criminológico do Direito Penal que considerava o crime como

uma manifestação da personalidade humana, iniciou-se com o estudo do médico e

professor italiano César Lombroso que publicou em 1876 o famoso livro “L’uomo

delinquente studiato in rapporto, all’ antropologia, alla medicina legale e alle

discipline carcerarie” onde o delinquente era estudado do ponto de vista biológico.

Apesar dos exageros da teoria lombrosiana, seus estudos abriram novas

perspectivas e ampliaram os horizontes do Direito Penal na luta contra a

criminalidade.

As evidentes incoerências da definição do criminoso nato não foram

sepultadas com Lombroso. Estudos recentes em várias instituições inclusive

manicômios, levaram a suspeita de que homens com os cromossomos XYY se

caracterizam por conduta antissocial, baixa inteligência, mau gênio, tendência para a

violência e marcada propensão para o crime.

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É admissível que muitas características mentais como a relação introversão

x extroversão, enfermidades mentais do grupo psicótico e a tendência à neurose,

sejam condicionados a fatores genéticos.

Henrique Ferri criador da Sociologia Criminal e discípulo de Lombroso,

ressaltou a importância de um trinômio causal do delito: os fatores antropológicos,

sociais e físicos.

A Escola Positivista tem como um de seus princípios básicos que: “o crime é

fenômeno natural e social, sujeito às influências do meio e de múltiplos fatores,

exigindo o estudo pelo método experimental”.

Devemos nos ater a primeira parte do princípio onde nos fala em fenômeno

social; como sabemos os maiores índices de criminalidade estão na periferia das

grandes cidades onde ficam localizadas as comunidades mais carentes.

Cumpre ressaltar que o princípio “da ineficiência do Estado não se

caracteriza necessariamente pela responsabilização do Estado, mas antes pela

isenção da sociedade civil em sua parcela de responsabilidade. Dito de outro modo,

teríamos uma crônica policial pouco afeita a converter a violência noticiada em

motivo para a discussão da própria organização social, mas muito hábil em torná-la

objeto para o questionamento das instituições do Estado.

De acordo com o estudo sobre características faciais da autoria do psicólogo

Richard Wiseman da Universidade de Herdfordshire (Inglaterra), o estereótipo de um

criminoso baseado em teorias do século passado que associavam padrões de

comportamento, as configurações faciais continuam sendo as mesmas.

Ou seja, um delinquente é um indivíduo enorme, com nariz partido, olhos

pequenos e juntos, e uma cara assimétrica. Podendo exercer influência nas

sentenças dos tribunais do júri.

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A importância história das teorias de Lombroso, Ferri e Garófalo, esta

evidente na decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça através do Habeas

Corpus 1999/0045793-5:

HC - CONSTITUCIONAL - PENAL - PROCESSUAL PENAL - PENA - INDIVIDUALIZAÇÃO - O art. 59 do Código Penal encerra conquista histórica, impulsionada pelos movimentos, hoje, conhecidos por Direitos Humanos. Vários séculos são passados. Da vingança privada, quando o ofendido respondia ao ofensor, como quizesse, ou pudesse. A pena de talião, na ótica atual, exemplo de barbárie, em seu tempo, representou conquista lenta e pesarosa. Delimitou a sanção: dente por dente, olho por olho, braço por braço. A história da Criminologia é o relato das causas da delinqüência a fim de a sanção ser adequada, justa e oportuna. Nessa linha o positivismo de LOMBROSO, o sociologismo de FERRI, a busca do delito natural de GAROFALO, a Criminologia Clínica de DI TULLIO, Sociologia Criminal, com a célebre Escola de Chicago, retomando a teoria da "anomia" de Durkhein. Firma-se a moderna sociologia americana, devendo ser realçado o surgimento do instituto, hoje, universalmente reconhecido - "white collar crime" - que lembra sempre as pesquisas de Sutherland. Não se olvidem ainda as tendências socialistas com esteio nas idéias de Carlos Marx. Apesar das diversas ideologias,notadamente do ponto de partida, voltam-se para o mesmo fim: disciplinar a atuação do Estado, presente no processo penal, e que a sanção penal, ao contrário do início, da vingança privada, tenha - utilidade social. Além disso, com a experiência ainda das conseqüências iníquas e funestas da mencionada etapa histórica, policiar o próprio Estado - detentor do poder (não é simples direito) de punir. Em síntese, a atividade judicial de aplicar a pena é - discricionária. Discricionária quanto a matéria. Vinculada na forma. O juiz precisa explicar (fundamentar, enfim) todos os seus passos. E, para tanto, cativo a este raciocínio: adequar o fato à norma. Esta é extensa (sentido lógico do termo). O fato, por seu turno, posto nessa extensão. Em outras palavras, o ser compreendido no dever-ser. Dessa forma, na motivação o juiz precisa adequar o fato à norma. E mais. Fazê-lo expressamente. Não há fundamentação implícita. O Código de Processo Penal, nessa linha histórico-política, comanda no art. 381: "A sentença conterá ... III - "a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão." E - importante -no inciso IV - acrescenta - "a indicação dos artigos de lei aplicados". A lei, então, formalizou a referida adequação - ser/dever-ser. Outra particular importância: como toda norma é extensa (no sentido mencionado) o juiz precisa indicar - nessa extensão - onde se coloca o fato delituoso. E mais, comando do mencionado dispositivo legal: não basta apontar o artigo; imprescindível ajustar o fato ao artigo. Imposição expressa. Tecnicamente, porque constitutivo, requisito de existência. No caso sub judice, como transcrito, o ilustre magistrado registrou: "... levo tão somente em consideração a intensidade do dolo..."(fls. 13). Dolo é aspecto do elemento subjetivo, de vontade do agente: agasalhado pelo Código Penal em dois aspectos: direto e eventual (art. 18, I). Dolo é elemento anímico, projeção de livre escolha do agente entre agir, ou omitir-se no cumprimento do dever jurídico. Não tem intensidade. Intensidade refere-se a graus, do maior ao menor. Nada tem com o dolo. É relativa, isso sim, à - culpabilidade - entendida, no sentido moderno da teoria geral do delito, como - reprovabilidade, censurabilidade - ao agente - não ao fato. Porque, podendo agir de modo diverso, não o fez. Insista-se, não existe - dolo intenso. A culpabilidade, sim, é intensa, média, reduzida, ou mensurada intermediariamente a essas referências. No caso sub judice, a pena-base foi majorada "pela intensidade do dolo". Essa qualificação é normativamente

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inadequada. Além do mais, ainda que tais considerações não se façam procedentes, dada a exigência da fundamentação explícita, o juiz precisaria motivar a referida intensidade. Termo que, ontologicamente, contém graus. Aliás, a lei vigente, não menciona mais - intensidade do dolo – como se referira a Parte Geral revogada do Código Penal. Abandonou-se a teoria da causalidade. Ainda que permitido fosse invocar a antiga nomenclatura, impunha-se, pelo mencionado art. 381, III, "a indicação dos motivos do fato". Esta referência genérica, sem dúvida, reclama, no caso concreto, descrição do acontecimento histórico em julgamento. Se assim não o fizer, limitar-se-ia a indicar - o artigo de lei. A nulidade, porque instituto de exceção, deve alcançar somente o que não for aproveitável. Na espécie, somente o tópico da individualização da pena evidencia vício. Nessa extensão deverá ser recepcionada.

Não se assegurou a harmônica conciliação da defesa dos interesses sociais

com a preservação dos direitos individuais.

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6 PRINCIPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE

Quando é classificada a sentença de pronúncia como uma decisão

interlocutória mista não estamos atribuindo a ela sua real capacidade lesiva,

interpretando-a como uma decisão incapaz de gerar grandes efeitos.

Segundo leciona Guilherme de Souza Nucci a respeito da natureza da

decisão interlocutória mista:

Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase de formação da culpa, inaugurando a fase de preparação do plenário, que levará ao julgamento de mérito. Embora se trate de decisão interlocutória, a pronúncia mantém a estrutura de uma sentença, ou seja, deve conter o relatório, a fundamentação e o dispositivo. (2008, p. 61).

Após a decisão é iniciada uma nova fase onde o réu é levado para ser

julgado pelo Conselho de Sentença, formado por pessoas comuns da sociedade e

submetido a uma decisão soberana que não depende de fundamentação.

No mesmo sentido a posição do eminente professor Vicente Greco Filho:

Em sendo o veredito do júri qualificado pela soberania, que se consubstancia em sua irreformabilidade em determinadas circunstâncias, e tendo em tinta a ausência de fundamentação da decisão, às vezes esquecida, da pronúncia é a de impedir que um inocente seja submetido aos riscos do julgamento social irrestrito e incensurável. (1999, p.118/120).

O convencimento do magistrado não deve ser meramente subjetivo, é viável

valorar provas fugindo de “suposições” e/ou “presunções” sobre a existência dos

fatos. Desta maneira demanda-se prova de materialidade onde o convencimento

deve ser objetivo.

O Supremo Tribunal Federal destacando a importância probatória para

embasar a aplicação do in dubio pro societate pronuncia-se no RE 540999/SP:

Penal. Processual Penal. Procedimento dos crimes da competência do Júri. Idicium acusationis. In dubio pro societate. Sentença de pronúncia.

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Instrução probatória. Juízo competente para julgar os crimes dolosos contra a vida. Presunção de inocência. Precedentes da Suprema Corte. 1. No procedimento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, a decisão judicial proferida ao fim da fase de instrução deve estar fundada no exame das provas presentes nos autos. 2. Para a prolação da sentença de pronúncia, não se exige um acervo probatório capaz de subsidiar um juízo de certeza a respeito da autoria do crime. Exige-se prova da materialidade do delito, mas basta, nos termos do artigo 408 do Código de Processo Penal, que haja indícios de sua autoria. 3. A aplicação do brocardo in dubio pro societate, pautada nesse juízo de probabilidade da autoria, destina-se, em última análise, a preservar a competência constitucionalmente reservada ao Tribunal do Júri. 4. Considerando, portanto, que a sentença de pronúncia submete a causa ao seu Juiz natural e pressupõe, necessariamente, a valoração dos elementos de prova dos autos, não há como sustentar que o aforismo in dubio pro societate consubstancie violação do princípio da presunção de inocência. 5. A ofensa que se alega aos artigos 5º, incisos XXXV e LIV, e 93, inciso IX, da Constituição Federal (princípios da inafastabilidade da jurisdição, do devido processo legal e da motivação das decisões judiciais) se existisse, seria reflexa ou indireta e, por isso, não tem passagem no recurso extraordinário. 6. A alegação de que a prova testemunhal teria sido cooptada pela assistência da acusação esbarra na Súmula nº 279/STF. 7. (Recurso extraordinário a que se nega provimento. Recurso Extraordinário. Relator (a): Min. Menenzes Direito. Julgamento: 22/04/2008. Órgão Julgador: Primeira Turma – STF).

Em sentido amplo todo meio lícito de prova deve ser admitido para o

convencimento do magistrado levando a verdade dos fatos e argumentos, onde

documentos e testemunhas tem o objetivo de atribuir consistência aquilo que se

alega.

Meros indícios não devem ser suficientes para que o réu seja levado ao

Tribunal do Júri, eles por si só nada demonstram, apenas contribuem na formação

do raciocínio indutivo.

O Código de Processo Penal só autoriza a pronúncia quando há indícios

suficientes, o adjetivo não está colocado por mero capricho do legislador. Suficiente,

segundo o Aurélio: é aquilo que satisfaz, que é bastante apto ou capaz no caso de

condenar.

De acordo com Guilherme de Souza Nucci:

É preciso cessar de uma vez por todas, ao menos em nome do Estado Democrático de Direito, a atuação jurisdicional frágil e insensível, que prefere pronunciar o acusado, sem provas firmes e livres de risco. Alguns magistrados, valendo-se do criativo brocardo in dubio pro societatis (na

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dúvida decide-se em favor da sociedade), remetem à apreciação do Tribunal do Júri as mais infundadas causas, aquelas que, fosse ele o julgador, certamente, terminaria por absolver. (2008, p. 61).

A pronúncia além de não julgar o mérito, dispensa exame de prova segura,

incontroversa, desta forma o que é valorada é a dúvida, nascendo o brocardo in

dubio pro societate.

Vale citar Adriano Sérgio Nunes Bretas, que leciona:

[...] a pronúncia dispensaria exame robusto, cabal, estreme de dúvida, que deve ser guardado aos juízes naturais da causa. Bastaria, pois, a dúvida. Nasce, aí, a segunda cabeça do fantasma siamês: o malsinado princípio in dubio pro societate – outro biombo retórico que esconde a envergonhada nudez constitutiva desta decisão. (2010, p. 20).

Aplicando o princípio supracitado o juiz deu primazia a aplicação da

presunção da culpabilidade, tutelando a segurança pública em detrimento aos

direitos e garantias fundamentais do acusado valendo-se de presunções e dúvidas.

O Tribunal de Justiça de São Paulo decide:

A sentença de pronúncia, como decisão sobre a admissibilidade da acusação, constitui juízo fundado de suspeita, não o juízo de certeza que se exige para a condenação. Daí a incompatibilidade do provérbio in dubio pro reo com ela. È a favor da sociedade que nela se resolvem as eventuais incertezas propiciadas pela prova. (TJSP, Rec., rel. Diwaldo Sampaio, RT 587 / 296).

Durante a elaboração deste trabalho não foi encontrado nenhum dispositivo

Constitucional ou de Direito Processual Penal que amparasse a aplicação do

princípio em tela, apenas construções jurisprudenciais.

Lopes Júnior discorre sobre a aplicação do princípio in dubio pro societate:

“não se pode admitir que os juízes pactuem com acusações infundadas,

escondendo-se atrás de um princípio não recepcionado pela Constituição, para,

burocraticamente, pronunciar os réus” (2009, p. 281).

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Importante citar o julgado do Supremo Tribunal Federal onde através do HC

81646/PE, o Ministro Sepúlveda Pertence fulmina a pretensão de aplicabilidade do

princípio em tela:

I. Habeas-corpus: cabimento: direito probatório. 1. Não é questão de prova, mas de direito probatório - que comporta deslinde em habeas-corpus -, a de saber se é admissível a pronúncia fundada em dúvida declarada com relação à existência material do crime. II. Pronúncia: inadmissibilidade: invocação descabida do in dubio pro societate na dúvida quanto à existência do crime. 2. O aforismo in dubio pro societate que - malgrado as críticas procedentes à sua consistência lógica, tem sido reputada adequada a exprimir a inexigibilidade de certeza da autoria do crime, para fundar a pronúncia -, jamais vigorou no tocante à existência do próprio crime, em relação a qual se reclama esteja o juiz convencido. 3. O convencimento do juiz, exigido na lei, não é obviamente a convicção íntima do jurado, que os princípios repeliriam, mas convencimento fundado na prova: donde, a exigência - que aí cobre tanto a da existência do crime, quanto da ocorrência de indícios de autoria, de que o juiz decline, na decisão, "os motivos do seu convencimento". 4. Caso em que, à frustração da prova pericial - que concluiu pela impossibilidade de determinar a causa da morte investigada -, somou-se a contradição invencível entre a versão do acusado e a da irmã da vítima: conseqüente e confessada dúvida do juiz acerca da existência de homicídio, que, não obstante, pronunciou o réu sob o pálio da invocação do in dubio pro societate, descabido no ponto. 5. Habeas-corpus deferido por falta de justa causa para a pronúncia. (HC 81646/PE. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. 04/06/2002. Primeira Turma).

O referido princípio só se cogita em ser aplicado quando o que se está em

análise é a autoria da infração penal, não admitindo sua utilização quando a questão

versa sobre a materialidade do fato.

Não devemos nos tempos atuais permitir que o nosso Direito Penal continue

impregnado pela influência da Escola Positivista Italiana de Enrique Ferri.

Discorre Paulo Rangel sobre o tema: “O chamado princípio do in dubio pro

societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito, onde a dúvida não

pode autorizar uma acusação, colocando uma pessoa no banco dos réus”. (2007,

p.79).

Cristina Líbano Monteiró analisando a expressão in dubio pro societate

valorou:

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[...] outra solução valorativa, teoricamente possível, traduz-se em resolver a dúvida insanável sobre os fatos num sentido contra reum ou pro societate: na incerteza sobre a culpa real do arguido, dever-se-iam privilegiar os interesses da defesa social, sacrificando ao bem coletivo a eventual inocência de um singular. O in dubio pro reo enfermaria de individualismo á outrance, com o qual não pactuam doutrinas como a nacional-socialista, sistemas de corte soviético ou, antes de qualquer deles, escolas como a positivista italiana. (1997, p. 47).

Em razão de acusações sem justa causa o indivíduo sofre todos os

constrangimentos naturais do processo penal, além de humilhações e situações

vexatórias gerando estigmas que podem perpetuar por toda vida.

Ausência de justa causa foi julgada pelo Ministro Ricardo Lewandowski no

HC 93736/SP impetrado no STF:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO PRATICADA, EM TESE, POR ADVOGADO. FALTA DE JUSTA CAUSA. IMPROCEDÊNCIA. PRESENÇA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA PARA A PROPOSITURA E RECEBIMENTO DA AÇÃO PENAL. ARTS. 41 E 43 DO CPP. ORDEM DENEGADA. I - A análise da suficiência ou não de provas para a propositura da ação penal, por depender de exame minucioso do contexto fático, não pode, como regra, ser levada a efeito pela via do habeas corpus. II - Para o recebimento da ação penal não se faz necessária a existência de prova cabal e segura acerca da autoria do delito descrito na inicial, mas apenas prova indiciária, nos limites da razoabilidade. III - Ordem denegada, para que a ação penal siga seu curso, com as cautelas de estilo. (HC 93736/SP. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. 16/09/2008. Primeira Turma).

Como nosso sistema processual penal submete-se ao sistema de garantias

elencadas na Constituição Federal, a luz do princípio da presunção de inocência e

consequentemente do in dubio pro reo, fica incompatível sustentar a argumentação

“na dúvida decide-se em prol da sociedade”.

Sobre o tema, diz Tourinho Filho:

Se o juiz tem dúvida, a solução é a impronúncia ou a absolvição. Nunca a pronúncia. Mesmo em se tratando de in dubio pro societate, na realidade esse princípio é essencialmente falso. Se o juiz não encontra prova que dê respaldo a um decreto condenatório, a absolvição não é um nenhum favor rei. (2010, p.740).

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Quando aplicasse o dispositivo em nome da sociedade instintivamente esta

se pretendendo fazer justiça em nome dela. Não devemos esquecer que este

mesmo indivíduo que esta sendo levado ao banco dos réus em nome da sociedade,

faz parte dela e como tal merece todas as garantias legais e individuais inerentes.

Entretanto, a doutrina e a jurisprudência repetem-se na afirmação de que

vigoraria a aplicação do princípio in dubio pro societate, sendo habitualmente

aplicado pela maioria do judiciário em dois momentos específicos da persecução

penal: no recebimento da denúncia e na decisão de pronúncia.

Segundo doutrina tradicional impera o princípio in dubio pro societate, ou

seja, na dúvida diante do material probatório que lhe é apresentado, deve o juiz

decidir sempre a favor da sociedade.

Registre-se a decisão do Supremo Tribunal Federal:

O aforismo in dubio pro societate que - malgrado as críticas procedentes à sua consistência lógica, tem sido reputada adequada a exprimir a inexigibilidade de certeza e autoria do crime, para fundar a pronúncia- jamais vigorou no tocante a existência do próprio crime, em relação a qual se reclama esteja o juiz convencido. O convencimento do juiz, exigido na lei, não é obviamente a convicção íntima do jurado, que os princípios repeliam, mas convencimento fundado na prova: donde, a exigência- que aí cobre tanto a da existência do crime, quanto da ocorrência de indícios de autoria, de que o juiz decline, na decisão ‘os motivos do seu convencimento’. (HC 81.646-PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Informativo 271).

A maioria dos recursos em sentido estrito contra as decisões de pronúncia

sustentam seus acórdãos amparados pela aplicação do princípio in dúbio pro

societate.

Conforme Capez:

Na fase de pronúncia vigora o princípio do in dubio pro societate, uma vez que há mero juízo de suspeita, não de clareza. O juiz verifica apenas se a acusação é viável, deixando o exame mais acurado para os jurados. Somente não serão admitidas acusações manifestamente infundadas, pois há juízo de mera prelibação. (2007, p.652).

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Argumenta no mesmo sentido Saulo Brum Leal:

Somente com prova induvidosa da excludente é que se poderá ser proclamada a absolvição sumária, neste momento processual. A jurisprudência é farta neste sentido, bastando rápida leitura referente ao tema no título em exame. (1994, p. 55).

Tal sustentabilidade se dá pela não exigência de certeza da autoria da

infração penal, bastando a presença de um mínimo de provas para que se possa

receber a peça acusatória.

Por estes motivos é que sufragam que a dúvida deve ser resolvida pela

admissibilidade da peça acusatória.

Neste posicionamento vale ilustrar Bonfim que salienta: “na fase do

recebimento da denúncia vigora o princípio in dubio pro societate, ou seja, caso haja

dúvida sobre a pertinência da ação penal, deve ela ser admitida” (2010, p. 525).

Na jurisprudência percebe-se que os ínclitos desembargadores,

erroneamente, adotam o princípio do in dubio pro societate de forma quase uníssona

quando o assunto é pertinente ao Tribunal do Júri, in verbi:

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Na fase do sumário da culpa do processo do júri, vige o princípio do in dubio, pro societate, portanto somente pode ser subtraída da sua competência quando não houver prova da materialidade ou indícios suficientes da autoria ou participação. Portanto somente em hipótese excepcional poderá, num juízo de admissibilidade, ser afastado o julgamento pelo Júri dos delitos dolosos contra a vida. Diversamente do que ocorre no juízo monocrático, não vige o princípio do in dubio pro reo, mas o in dubio pro societati. (Recurso em sentido estrito n. 990 08 160021-8 da Quarta Câmara “D” da Seção de Direito Criminal. Relator: Des. Paulo Fadigas. 23.04.2009).

Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso:

Comprovada a materialidade e havendo indícios suficientes da autoria delitiva, está o Juiz autorizado a pronunciar o réu, com fundamento no art. 408 do CPP, eis que as dúvidas a respeito da ocorrência da legítima defesa devem ser resolvidas em favor da sociedade.

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A pronúncia constitui mero juízo de admissibilidade, devendo prevalecer nesta fase o princípio in dubio pro societati em inversão ao princípio in dubio pro reo. Cabe ao Tribunal do Júri, que é o juiz natural para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, dirimir a ocorrência ou não das qualificadoras. (RESE 96781/2008. 3ª Câmara Criminal da Comarca de Alto Garças. Relator: Des. José Luiz de Carvalho. 03.11.2008).

Tribunal de Justiça do Estado da Bahia:

A decisão de pronúncia tem cunho eminentemente processual e natureza declaratória, sendo somente a admissão de viabilidade da acusação proposta pelo Ministério Público, que deve provar, perante o Júri Popular, a autoria do crime de tentativa de homicídio qualificado. Assim, existindo séria dúvida quanto à procedência da tese defensiva sustentada pela Defesa (de negativa da existência do animus necandi por parte do Recorrente), deve ela ser resolvida em favor da sociedade – in dubio pro societate – bastando, nesta fase de cognição não exauriente, a presença de indícios suficientes do envolvimento do agente na concretização do delito, para que seja mantida a Pronúncia. (RESE n. 44085-3/2009 da Vara de Jurisdição Plena da Comarca de Itiruçu - Bahia. Relatora: Des. Vilma Costa Veiga. 20.11.2009).

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

Cediço que, em sede de judicium accusationis, vige o princípio do in dubio pro societate, solvendo-se toda e qualquer dúvida em favor da sociedade, encaminhando-se os réus a julgamento perante o Tribunal do Júri. (RESE n. 70030230064. 1ª Câmara Criminal da Comarca de Santa Rosa - RS. Relator: Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira. 11.11.2009).

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

É sabido que na fase processual da pronúncia, a decisão milita em favor da sociedade, por meio do princípio do in dubio pro societate, não prevalecendo o princípio do in dubio pro reo, e em se tratando de mero juízo de admissibilidade da acusação para submeter o réu ao julgamento do Tribunal do Júri, constata-se que a decisão de pronúncia fundou-se na prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria e que eventual desclassificação deve ficar a cargo dos jurados. A desclassificação na fase do iudicium accusationis, só se admite quando estiver provada no bojo dos autos, de forma inequívoca, indubitável, cristalina, pois, nesta fase, vige o princípio in dubio pro societate, em virtude da competência constitucional atribuída ao Tribunal Popular. (RESE n. 547.523-8 - do foro regional de Bocaiúva do Sul da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - vara única. Relator: Des. Macedo Pacheco. 26.11. 2009).

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As decisões não resguardam o menor comprometimento por parte dos

desembargadores, pois a decisão que não fosse pela pronúncia exigiria

fundamentação muito mais trabalhosa e cansativa devendo ser demonstrada de

forma cristalina por que não era o caso de pronunciar o réu.

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7 PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO

In dubio pro reo é uma expressão latina que significa: na dúvida a favor do

réu. Ela expressa o princípio jurídico da presunção de inocência ressaltando que em

caso de dúvida se favorecerá ao réu.

Tal princípio vai sobre maneira encontrando guarida no século XVIII com a

Revolução Francesa, onde buscava-se o proteção dos direitos individuais de forma

mais concisa.

É no decorrer do iluminismo que se inicia o Período Humanístico do Direito

Penal, neste momento que o homem toma consciência crítica do problema penal

como problema jurídico.

Cesar Bonesana (Marques de Beccaria) em 1764 publicou a obra “Dos

delitos e das penas”, livro que se tornou símbolo da reação liberal ao desumano

panorama penal vigente.

Através de sua obra “os postulados básicos do Direito Penal”, Beccaria

propõe mudanças nos fundamentos penais muitos dos quais adotados pela

Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa.

As garantias individuais são direitos concretos e fundamentais, que devem

prevalecer em um regime democrático de direitos que dão base ao sistema jurídico

humanitário, onde o direito penal democrático tem como premissa realizar a justiça.

Conforme preceitua Giuseppe Bettiol:

Assim, sendo o crime de competência do juiz singular, estando o julgador, em dúvida, deverá absolver o réu, diante da máxima in dubio pro reo (em dúvida, a favor do réu), corolário do Princípio do Favor rei ou Indulgentia Principis. (1974, p. 295).

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E arremata Paulo Rangel:

O Ministério, como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis, não pode, com base na dúvida, manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal. (2007, p.79).

O princípio in dubio pro reo foi consolidado no ordenamento jurídico

brasileiro sob a justificativa de licitude para o estado atuar de forma não arbitrária na

criminalização.

Sobre o tema manifestasse a Corte Superior:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO. "HABEAS CORPUS": ALEGAÇÕES DE QUE O ACÓRDÃO CONDENATÓRIO DESPREZOU AS PROVAS DA DEFESA, VIOLANDO OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO , DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, ULTRAPASSANDO OS LIMITES DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JULGADOR E IGNORANDO O AFORISMO "IN DUBIO PRO REO". 1. O acórdão condenatório está baseado na interpretação do conjunto probatório, nos limites do livre convencimento do julgador, sem violar os princípios do contraditório e do devido processo legal. 2.. Não, porém, quando se convence de que há provas suficientes para a E, no que concerne à aplicação do aforismo "in dubio pro reo", se justifica quando o julgador permanece em dúvida sobre os elementos de prova, que interpreta, para chegar a sua conclusão condenação, como ocorreu, no caso. 3. Se o quadro probatório foi bem interpretado, ou não, é questão que não se pode resolver no âmbito estreito do "Habeas Corpus", mas, sim, no da Revisão Criminal. (HC 82027/RJ. Relator Ministro Sydney Sanches. 20/08/2002. Primeira Turma). Grifo nosso.

Este instituto jurídico tem previsão constitucional ligado umbilicalmente ao

princípio da presunção da inocência tutelado na Carta Magna.

Através do princípio in dubio pro reo também está sendo tutelado o principio

da dignidade da pessoa humana, liberando o réu do suplício físico e psicológico

proveniente da ação penal.

Conforme preceituado na Declaração Universal dos direitos do Homem de

1948:

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[...] todo homem acusado de um fato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com as leis, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa.

A lei penal deve ser interpretada restritivamente quando prejudicial ao réu, e

extensivamente em caso contrário, resgatando o princípio in dubio pro reo na fase

processual.

Segundo Viana:

[...] o julgador, diante do caso concreto, encontrando-se na dúvida no que diz respeito ao tipo penal, ás circunstâncias que o envolvem e á autoria, ou, em outros termos, quando estiverem em dúvida sobre a culpabilidade do agente, deve declarar sua inocência ou absolvê-lo, aplicando-se à hipótese o princípio in dubio pro reo, que é adotado por quase todas as legislações do mundo, evitando, assim, possível erro judiciário. (2007, p. 296).

Em face de existência de indícios frágeis, vagos, nebulosos e subjetivos,

deve-se aplicar a impronúncia não como uma benevolência por parte do Estado juiz,

mas sim como um direito objetivo do réu.

A mera suspeita não vai além da conjectura fundada em entendimento

desfavorável a respeito de alguém. As suspeitas por si sós não são mais que

dúvidas, não possuem estrutura para dar corpo á prova da autoria.

Sobre a ausência de provas quanto da autoria o Pleno do Supremo Tribunal

Federal, se manifesta:

AÇÃO PENAL. DANO CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À AUTORIA E QUANTO AO DOLO DE CAUSAR PREJUÍZO. ABSOLVIÇÃO. 1. A materialidade do crime de dano contra o patrimônio público está demonstrada pela prova documental. 2. Falta de prova que demonstre ter sido o réu o responsável pelo dano causado e de comprovação da presença do elemento subjetivo do tipo, consistente no dolo de causar prejuízo. 3. O Ministério Público Federal não arrolou testemunha na peça inicial acusatória: ausência de demonstração de ocorrência dos fatos como narrado na denúncia. 4. Conjunto probatório sem fundamento para a condenação do acusado: ausência de certeza. 5. Denúncia julgada improcedente; Réu absolvido. Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da Relatora e do Revisor, julgou improcedente a ação e absolveu o réu. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Falaram, pelo Ministério Público Federal, a Dra. Sandra Cureau, Subprocuradora-Geral da

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República e, pelo réu, o Dr. Marcelo Leal. Plenário, 04.11.2010. Indexação: IMPOSSIBILIDADE, CONDENAÇÃO, EXCLUSIVIDADE, PROVA, OBTENÇÃO,INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, DECORRÊNCIA, AUSÊNCIA, GARANTIA AO CONTRADITÓRIO. APLICAÇÃO, IN DUBIO PRO REO.(AP 427 / SP. Relator Ministra Cármen Lúcia. 04/11/2010. Tribunal Pleno).

Em Direito Penal o princípio da reserva legal exige que os textos legais

sejam interpretados sem ampliações ou equiparações por analogias, salvo quando

in bonam partem. Ainda vige o aforismo poenalia sunt restringenda, ou seja, devem

ser interpretradas estritamente as disposições cominadoras de pena.

É alógico o procedimento penal contra quem tem a seu favor o benefício da

dúvida. Ninguém é culpado mais ou menos, não há grau intermediário.

Sobre o tema nos escreve Pierangeli:

A justiça penal não se assenta em meras conjecturas e nem mesmo se arruína em veleidades. Ao contrário, ela exige juízo de certeza, até porque, enquanto não se prove ser o réu culpado, paira sobre ele a garantia constitucional da presunção de inocência. (2006, p.100).

O princípio do in dubio pro reo é de grande relevância na matéria penal,

devendo ser resgatado e aplicado de maneira ampla e irrestrita nos casos de dúvida,

aderindo à presunção de inocência.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo primordial deste trabalho foi identificar até que ponto o modelo de

processo penal garantista implantado pela Constituição de 1988, vem sendo

respeitado ante a proliferação de ações penais nascidas sob o escudo do principio

in dubio pro societate.

Durante a elaboração do trabalho conclui-se que somente mediante um

exagerado positivismo jurídico justificasse a aplicação do princípio in dubio pro

societate, tendo em vista a incompatibilidade da expressão frente à Constituição

Federal.

Observando a julgados, constata-se que a grande parte da magistratura tem

aplicado o princípio em tela, como forma de preservar e não invadir a competência

do Tribunal do Júri com a justificativa deste ser o juiz natural da causa e não poder

valorar provas na fase de pronúncia.

Trata-se de uma agressão ao princípio da presunção de inocência, bem

como, ao princípio in dubio pro reo, que emana diretamente a ideia de justiça,

equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso,

direito justo.

Devemos nos livrar de uma vez por todas dos restícios dos sistemas

totalitários, das arbitrariedades e do exercício desmedido do jus puniendi do Estado,

tutelando as garantias constitucionais ligadas à dignidade da pessoa humana,

avançando na concretização de normas que visam à concretização da democracia.

Necessária se faz uma mudança de mentalidade por parte dos magistrados

no sentido de pensar o processo penal não mais como uma obrigatória necessidade

de assegurar a ordem social através do jus puniendi, mas como forma de garantir os

direitos fundamentais do cidadão.

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A aplicação do brocardo tornou-se uma questão de conveniência colocado

como princípio, o que não é, ampliando seus efeitos com o passar do tempo onde a

jurisprudência repercutiu esta expansão em seus julgados.

Apesar do judiciário utilizar-se do principio tema deste trabalho, é majoritária

a posição da doutrina a respeito da ofensa aos princípios consagrados na

Constituição quando da sua aplicação.

Em um Estado Democrático de Direito o resgate do in dubio pro reo deve ser

considerado um dever jurídico na interpretação de ato jurídico ou judicial, como

forma de garantia individual onde a desigualdade social é notória e segregadora.

É importante destacar que a comissão que coordena o projeto de reforma do

Código de Processo Penal, visa implantar uma fase intermediária contraditória após

a investigação policial e antes da formação da lide, a fim de que o Juiz obedecendo

o contraditório possa exercer um controle de pré-admissibilidade da acusação. Sem

dúvida trata-se de uma providência comprometida com o garantismo e que vem de

encontro do que ora se sustenta.

A restrição à aplicação do princípio in dubio pro societate do cenário jurídico,

deve prevalecer sobre os valores e princípios elencados na Carta Constitucional

onde só encontramos normatividade à aplicação do princípio in dubio pro reo.

Gostaria de encerrar este trabalho com o julgamento mais emblemático da

humanidade, em que o acusado foi condenado à morte pelo povo, e seu juiz não

teve coragem de absolvê-lo mesmo tendo certeza da sua inocência.

É o julgamento de Jesus Cristo, trazido por Suiz D’ Angelo e Élcio D’ Angelo

em sua obra:

Pelo Império Romano e pelo Presidente de Roma: Lúcio Sextilo e Amacio Chilic No ano de dezenove de Tibério César, Imperador Romano de todo o mundo, monarca invencível na Olimpíada cento e vinte um, e na Elíada vinte e quatro, da criação do mundo, segundo o número e cômputo do

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Hebreus, quatro vezes mil centro e oitenta e sete, do progênio do Romano Império, no ano setenta e três, e na libertação do cativeiro de Babilônia, no ano mil duzentos e sete, sendo governador da Judéia Quinto Sérgio, sob o regimento e governador da cidade de Jerusalém, presidente Gratíssimo, Pôncio Pilatos; regente na baixa Galiléia, Herodes Antipas; pontífice o sumo sacerdote, Caifás; magnos do templo, Alis Almael, Robas Acasel, Franchino Ceutauro; cônsules romanos da cidade de Jerusalém, Quinto Cornélio Sublime e Sixto Rusto, no mês de março e dia XXV do ano presente, Eu, Pôncio Pilatos, aqui Presidente do Império Romano, dentro do Palácio e arquiresidência, julgo, condeno e sentencio à morte, Jesus, chamado pela plebe - Cristo Nazareno – e galileu de nação, homem sedicioso, contra a Lei Mosaica - contrário ao grande Imperador Tibério César. Determino e ordeno por esta, que se lhe dê morte na cruz, sendo pregado com cravos como todos os réus, porque congregando e ajustando homens, ricos e pobres, não tem cessado de promover tumultos por toda a Judéia, dizendo-se filho de Deus e Reis de Israel, ameaçando com a ruína de Jerusalém e do sacro Templo, negando o tributo a César, tendo ainda o atrevimento de entrar com ramos e em triunfo, com grande parte da plebe, dentro da cidade de Jerusalém. Que seja ligado e açoitado, e que seja vestido de púrpura e coroado de alguns espinhos, com a própria cruz aos ombros para que sirva de exemplo a todos os malfeitores, e que, juntamente com ele, sejam conduzidos dois ladrões homicidas; saindo logo pela porta sagrada, hoje Antoniana, e que se conduza Jesus ao monte público da Justiça, chamado Calvário, onde crucificado e morto ficará seu corpo na cruz, como espetáculo para todos os malfeitores, e que sobre a cruz se ponha, em diversas línguas, este título: Jesus Nazareno, Rex Judeorum. Mando, também, que nenhuma pessoa de qualquer estado ou condição se atreva, temerariamente, a impedir a Justiça por mim mandada administrada e executada com todo o rigor, segundo os Decretos e Leis Romanas, sob as penas de rebelião contra o Imperador Romano. Testemunhas da nossa sentença: Pelas doze tribos de Israel: Rabaim Daniel; Rabaim Joaquim Banicar; Bandasu; Laré Petucalani. Pelos fariseus: Bullieniel; Simeão; Ranol; Babine; Mandoani; Bancurfossi. Pelos hebreus: Muntumberto io. (2005, p. 105- 106).

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