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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ RAFAEL BARRETO SOMERA A COISA JULGADA NO PROCESSO CIVIL COLETIVO ** Autorizado o depósito do presente trabalho em Secretaria. São paulo, 30/09/2014. Elton Venturi Orientador CURITIBA

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

RAFAEL BARRETO SOMERA

A COISA JULGADA NO PROCESSO CIVIL COLETIVO

** Autorizado o depósito do presente trabalho em Secretaria.

São paulo, 30/09/2014.

Elton Venturi Orientador

CURITIBA

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RAFAEL BARRETO SOMERA

A COISA JULGADA NO PROCESSO CIVIL COLETIVO

Trabalho de pesquisa apresentado ao Curso de Direito em Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Dr. Elton Venturi.

CURITIBA

2014

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TERMO DE APROVAÇÃO

RAFAEL BARRETO SOMERA

A COISA JULGADA NO PROCESSO CIVIL COLETIVO

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção do título de Bacharel

no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ______de_________________________ de 2014.

__________________________________

Prof. Doutor Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografias

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador:_______________________________

Prof. Doutor Elton Venturi

Faculdade de Ciências Jurídicas

Universidade Tuiuti do Paraná

Supervisor________________________________

Prof.

Faculdade de Ciências Jurídicas

Universidade Tuiuti do Paraná

Supervisor________________________________

Prof.

Faculdade de Ciências Jurídicas

Universidade Tuiuti do Paraná

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus por tudo que fizestes, por tudo que me destes e por ter

colocado pessoas tão especiais em meu caminho. Meu profundo agradecimento.

Agradeço aos meus pais, Maria Joventina Araújo Barreto Somera e Antonio

Geneci Somera, pelo apoio incondicional, a confiança, o amor e a insistência de

sempre me manter no caminho correto, independentemente das consequências.

A eles os meus agradecimentos mais sinceros.

Ao meu querido irmão, Lucas Barreto Somera, que sempre fora um exemplo por

sua persistência, dedicação, felicidade e alegria por maior que fosse a

dificuldade enfrentada em sua vida. Não me deixando desistir. O meu farol nos

tempos de escuridão. O qual terá eternamente os meus agradecimentos.

Ao meu orientador, professor Dr. Elton Venturi, pelo emprenho dedicado à

elaboração deste trabalho.

Agradeço а todos os professores por me proporcionar о conhecimento não

apenas racional, mas а manifestação do caráter е afetividade da educação no

processo de formação profissional, por tanto que se dedicaram а mim, não

somente por terem me ensinado, mas por terem me feito aprender. А palavra

mestre, nunca fará justiça аos professores dedicados aos quais sem nominar

terão os meus agradecimentos.

Meus agradecimentos aos amigos Ana Carolina Santana da Cruz, Augusto

Cezar de Britto, Daniel Baracs Arantes, Edivaldo Inocêncio de Paula e Larissa

Pedroso, verdadeiros amigos е irmãos espirituais que fizeram parte da minha

formação е que vão continuar presentes em minha vida com certeza.

A todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, о meu

muito obrigado.

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RESUMO

A presente monografia tem como principal objetivo analisar a coisa julgada no

processo civil coletivo, demonstrando aspectos gerais e particularidades, com o

intuito de apreciar o alcance, a execução, a imutabilidade e os efeitos da coisa

julgada nas ações coletivas.

A coisa julgada, como meio de garantir a estabilidade das decisões judiciais e

que põe fim à relação processual, será relacionado ao processo coletivo,

estabelecendo-se a sua forma de produção, bem como seus limites objetivos e

subjetivos. A inconstitucionalidade do art. 16 da LACP e a problemática

introduzida por este dispositivo.

Analisando, assim, a legislação, doutrina, através de autores clássicos e

modernos, e jurisprudência recente correlacionadas ao tema.

Avaliar o processo civil coletivo, demonstrando as espécies de ação, a

legitimidade das partes, a competência e a jurisdição.

Importando ressaltar a importância de se analisar a coisa julgada no processo

civil tradicional, buscando, assim, verificar as semelhanças e as discrepâncias

dos dois institutos.

Ainda verificar as espécies de direito coletivo: direitos difusos, direitos coletivos

stricto sensu e direitos individuais homogêneos.

Palavras-chave: Processo Civil Coletivo. Coisa julgada. Coisa julgada coletiva.

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ABSTRACT

This thesis aims to analyze the collective judged in civil proceedings thing, demonstrating general aspects and particularities, in order to assess the scope, implementation, immutability and the effects of res judicata in collective actions.

The res judicata, as a means of ensuring the stability of judicial decisions and that ends the procedural relationship, is related to the collective process, establishing its production form, as well as their objective and subjective limits. The unconstitutionality of Art. 16 of LACP and the problems introduced by this device.

Thus analyzing legislation, doctrine, through classical and modern authors, and recent case law correlated to the theme.

Assess the collective civil process, demonstrating the kinds of action, the legitimacy of the parties, the competence and the jurisdiction.

Importing emphasize the importance of analyzing judged in traditional civil proceedings thing, seeking thereby verify the similarities and differences of the two institutes.

Further verify the species of collective right: diffuse rights, collective rights stricto sensu and homogeneous individual rights.

Keywords: Collective Civil Procedure. Res judicata. Res judicata conference.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 10

1. ASPECTOS GERAIS ................................................................................................. 12

1.1.HISTÓRICO............................................................................................................... 12

1.2.AÇÃO COLETIVA É DIFERENTE DE LITISCONSÓRCIO MULTITUDINÁRIO . 12

1.3.FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS E POLÍTICOS DA AÇÃO COLETIVA ........ 13

1.4.CONCEITOS DE PROCESSO COLETIVO, AÇÃO COLETIVA E TUTELA COLETIVA ....................................................................................................................... 14

1.5.O PAPEL DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR .......................................................... 15

1.6.LEGISLAÇÃO E PROCEDIMENTOS ..................................................................... 16

2. DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU ................................................................... 17

2.1.DIREITOS DIFUSOS ................................................................................................ 17

2.2.DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU ........................................................... 17

2.3.DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS ............................................................ 17

2.5.DIREITOS OU INTERESSES?................................................................................ 19

3. PRINCÍPIOS DA TUTELA COLETIVA ..................................................................... 21

3.1.PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL COLETIVO ................................. 21

3.1.1.Princípio da adequada representação ................................................................. 22

3.1.2.Princípio da adequada certificação coletiva ........................................................ 23

3.1.3.Princípio da coisa julgada diferenciada e a “extensão subjetiva” da coisa julgada secundum eventum litis à esfera individual ..................................................... 23

3.1.4.Princípio da informação e publicidade adequadas ............................................. 24

3.1.5.Princípio da competência adequada .................................................................... 24

3.2. PRINCÍPIO DA ABSOLUTA INSTRUMENTALIDADE DA TUTELA COLETIVA .......................................................................................................................................... 24

3.3.PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DO CONHECIMENTO DO MÉRITO DO PROCESSO COLETIVO ................................................................................................ 25

3.4.PRINCÍPIO DO MICROSSISTEMA: APLICAÇÃO INTEGRADA DAS LEIS PARA A TUTELA COLETIVA ........................................................................................ 25

3.5.REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO ..................................................................... 26

3.6.PRINCÍPIO DA NÃO-TAXATIVIDADE .................................................................... 26

3.7.PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DA DEMANDA COLETIVA ..................... 27

3.8.PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO PRAGMÁTICA .............................................. 27

3.9.PRINCÍPIO DO ATIVISMO JUDICIAL .................................................................... 27

4. AS CONDIÇÕES DA ADMISSIBILIDADE DA TUTELA COLETIVA .................... 29

4.1.LEGITIMIDADE DA PARTE ..................................................................................... 29

4.1.1.Legitimação ativa individual para as ações coletivas ......................................... 30

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4.1.2.A legitimação ativa de entidades preestabelecidas ............................................ 32

4.1.3.A legitimação do Ministério Público ..................................................................... 34

4.1.4.A legitimação das associações de classe e sindicatos ...................................... 36

4.1.5.A legitimação das pessoas jurídicas de direito público ...................................... 38

4.2.INTERESSE DE AGIR ............................................................................................. 38

4.2.1.Nas ações de tutela de direitos difusos e coletivos ............................................ 39

4.2.2.Nas ações coletivas de tutela a direitos individuais homogêneos .................... 40

4.3.POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.............................................................. 41

5. COMPETÊNCIA .......................................................................................................... 43

5.1.COMPETÊNCIA DO FORO ..................................................................................... 43

5.1.1. Regra de competência absoluta .......................................................................... 43

5.1.1.1.Competência absoluta: funcional ou territorial? ............................................... 43

5.1.1.2.Local do dano ..................................................................................................... 44

5.1.2. ECA e Estatuto do Idoso ...................................................................................... 46

5.1.3.Mandado de segurança coletivo .......................................................................... 46

5.1.5.Ação de improbidade administrativa .................................................................... 47

5.2.COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ....................... 47

5.2.1.Processo coletivo especial.................................................................................... 47

5.2.2.Ação popular e ação civil pública ......................................................................... 48

5.2.3.Ação de improbidade administrativa .................................................................... 48

5.2.4.Mandado de injunção coletivo .............................................................................. 49

5.2.5.Mandado de segurança coletivo .......................................................................... 50

5.3.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESPECIALIZADA ................................................. 50

5.4.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ................................................................ 50

5.5.O ART. 16 DA LACP E A PROBLEMÁTICA DA COMPETÊNCIA ....................... 50

6. COISA JULGADA ...................................................................................................... 55

6.1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................................. 55

6.2.CONCEITO ................................................................................................................ 56

6.3.ASPECTOS GERAIS DO REGIME JURÍDICO DA COISA JULGADA ............... 59

6.4. COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL ........................................................... 60

6.5.EFEITOS POSITIVO E NEGATIVO ........................................................................ 61

6.6.REGIME JURÍDICO DA COISA JULGADA COLETIVA ........................................ 62

6.6.1.Direitos difusos ou coletivos ................................................................................. 62

6.6.2.Direitos individuais homogêneos .......................................................................... 64

6.7.REPERCUSÃO DA COISA JULGADA COLETIVA NO PLANO INDIVIDUAL .... 64

6.8.DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA COISA JULGADA ................................. 66

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6.9.A COISA JULGADA COMO GARANTIA DE DIREITOS E SITUAÇÕES JURÍDICAS ...................................................................................................................... 69

6.10.A COISA JULGADA COMO CATEGORIA PROCESSUAL ................................ 72

6.11. EFEITOS DA SENTENÇA E EXTENSÃO SUBJETIVA SEGUNDO O PROCESSO CIVIL INDIVIDUAL ................................................................................... 73

6.12. O OBJETO DAS AÇÕES COLETIVAS E OS LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA......................................................................................................................... 74

6.13.A MUTABILIDADE DA EFICÁCIA DA COISA JULGADA CONFORME O OBJETO LITIGIOSO ....................................................................................................... 78

6.14.A NÃO APLICABILIDADE DO MODELO PROCESSUAL GERAL .................... 80

6.15.A COISA JULGADO E O SEU ENTRELAÇAMENTO DOS JULGADOS COLETIVOS E INDIVIDUAIS ......................................................................................... 81

6.16.A COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM LITIS VEL PROBATIONIS ....... 81

6.17.A GRADATIVA ADOÇÃO DAS TÉCNICAS DA OPINIBILIDADE “ERGA OMNES”, “ULTRA PARTES”, “SECUNDUM EVENTUM LITIS” E “IN UTILIBUS” ... 83

6.17.1.A coisa julgada nas ações de defesa de direitos difusos e coletivos segundo a Lei da Ação Popular e a Lei da Ação Civil ................................................................. 83

6.17.2.A coisa julgada segundo o Código de Defesa do Consumidor ....................... 86

6.17.3.A ausência de adequada informação à coletividade sobre o ajuizamento e a procedência das ações coletivas ................................................................................... 89

6.17.4.Coisa julgada “secudum eventum litis” e “in utilibus” e a garantia constitucional da isonomia ............................................................................................. 92

6.18.ALTERAÇÕES POR MEDIDAS PROVISÓRIAS QUE AFETAM A COISA JULGADA COLETIVA..................................................................................................... 94

6.19.INTEPRETAÇÃO E APLICABILIDADE DO ART. 16 DA LACP ......................... 96

6.20.DA INCONSTITUCIONALIDADE DO NOVO ART. 16 DA LACP ...................... 99

6.20.1.Inconstitucionalidade formal ............................................................................. 100

6.20.2.Das inconstitucionalidades materiais ............................................................... 100

6.20.2.1.Restrição de acesso à justiça ........................................................................ 100

6.20.2.2.Violação dos princípios constitucionais da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade .......................................................................................................... 102

6.20.2.3.Da vedação ao retrocesso social .................................................................. 103

6.21.IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO PRÁTICA E CONCRETA DO ART. 16 DA LACP ........................................................................................................................ 103

6.22. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA .......................................................... 105

6.22.1.Relativização da coisa julgada nas ações coletivas ....................................... 107

6.23.A COISA JULGADA NA PRÁTICA ..................................................................... 109

CONCLUSÃO................................................................................................................ 117

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 119

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INTRODUÇÃO

Em um dado momento da História apenas as lides necessariamente

individuais eram conhecidas, ou seja, o conflito entre interessados que

disputavam o mesmo bem da vida. Não existindo esta pendência, não havia

atividade jurisdicional. Porém, no século XX, a jurisdição, devido aos avanços

sociais, precisou assumir uma dimensão bem mais ampla, pois devia manter a

paz social, abrangendo, assim, os conflitos coletivos para que, de forma difusa,

compreende-se toda a comunidade ou partes dela.

Assim, tira-se da inércia esses direitos e interesses de grande relevância

como a saúde, o meio ambiente, valores históricos e culturais, dentro outros,

que, mesmo que se refira a cada indivíduo, não podem ser fragmentados para a

sua proteção em caráter individual. Vislumbra-se, então, os direitos difusos ou

coletivos. Em outros casos, apesar de se poder conhecer cada sujeito

prejudicado, devido ao grande número de afetados pela a mesma situação,

torna-se mais fácil para a atuação eficiente da tutela jurisdicional que proponha

uma ação em conjunto por órgãos ou entidades que representem esses

interessados. Com relação a isso temos os interesses individuais homogêneos.

A ação popular foi a primeira ação de defesa de interesse difuso

estatuída aqui no Brasil por meio da Lei n. 4.717/1965. Ela visava dar ao cidadão

a capacidade de defesa do patrimônio público em face de ato abusivo de

autoridade. A partir disso criaram-se as ações civis públicas, por meio da Lei n.

7.347/1985, o Código de Defesa do Consumidor por intermédio da Lei n.

8.078/1990, e outros estatutos que viabilizaram a proteção dos interesses

coletivos.

Sendo assim, busca-se apresentar aqui, de forma coerente, os diversos

aspectos do processo civil coletivo, traçando uma linha lógica dos institutos mais

importantes e essenciais para se alcançar o objetivo principal desse trabalho, a

coisa julgada no processo civil coletivo.

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Diante disso, observamos as considerações iniciais do processo civil

coletivo, trazendo seu histórico, o papel do código do consumidor, os

fundamentos das ações coletivas, dentre outros aspectos.

Também, e de uma importância vital para esse trabalho, expomos de

forma superficial os direitos coletivos lato sensu, introduzindo, assim, as noções

e os interesses ali abarcados.

Prosseguindo, vemos um dos tópicos de fundamental importância para

toda ciência, tanto jurídica quanto qualquer outra, os princípios, que nesse caso

com incidência no processo civil coletivo.

A competência, um dos fatores de maior controvérsia no processo

coletivo que influi diretamente na eficácia da coisa julgada coletiva. Introduzimos

de forma ampla todos os tentáculos da competência e a problemática do art. 16

da Lei de Ação Civil Pública.

E, ainda, antes de adentrarmos no assunto principal do trabalho,

decidimos explorar as condições de admissibilidade das ações coletivas. Assim

como a legitimidade das partes, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do

pedido.

Nesse sentido, como pode se observar, o processo civil coletivo recebeu

um tratamento especial e diferenciado ao do processo civil tradicional e,

consequentemente, sua coisa julgada.

No nosso ordenamento jurídico ela possui eficácia erga omnes, a não

formação de coisa julgada quando se fundamenta na falta ou insuficiência de

prova. A coisa julgada coletiva é secundum eventum litis, ou seja, depende do

resultado do julgamento. Nas demandas individuais a coisa julgada se

estabelece independentemente de ser procedente ou não. Já no processo civil

coletivo, deve-se observar essas duas questões para que se possa conceber ou

não a coisa julgada.

Assim, visto essas questões superficialmente, é que se adentra ao tema

proposto nesse trabalho, a coisa julgada coletiva, devido ao seu peculiar

tratamento da sua natureza, eficácia e consequência no mundo jurídico.

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1. ASPECTOS GERAIS 1.1.HISTÓRICO

O nascimento das ações coletivas remonta a duas fontes principais.

Na primeira, as ações coletivas ficaram conhecidas no Império Romano,

em razão da ação popular em defesa das rei sacrae, rei publicae. Onde ao

cidadão era dado o poder de atuar na proteção da coisa pública em razão do

forte vínculo, não apenas entre cidadão e bem público, mas também pela

profunda noção de que a República pertencia ao cidadão romano. Essa

concepção da coisa pública não tem origem romana, ela nasce na Grécia com o

seguinte brocado, nas palavras de Fredie Didier (2014, p. 23): “provocada a

jurisdição a preocupação principal voltava-se ao mérito da demanda”.

A segunda, diz respeito as ações coletivas das “classes” originadas na

prática judiciária anglo-saxã nos últimos oitocentos anos.

Fridie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr. ensinam que:

Este quadro histórico não se mantém linear: muitas formas as oscilações políticas e filosóficas na história do processo civil. O direito ao processo, como conhecemos hoje, foi fortemente influenciado pelo liberalismo e pelo iluminismo. A partir do século XVII, com a difusão do método cartesiano e da lógica ramista na Europa continental, foi cristalizada a ideia da propriedade individual (base de todo o sistema). Só ao titular do direito lesado cabia decidir se propunha ou não a demanda. Era o início dos Estado-Nação, da vinculação da jurisdição à soberania estatal e da futura “Era dos Códigos”. Neste projeto jurídico não havia mais espaço para o direito da coletividade no sistema, as preocupações sistemáticas voltavam-se apenas para o indivíduo, a formação de sua personalidade jurídica, seus bens, suas relações familiares e a sucessão patrimonial. (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 24)

1.2.AÇÃO COLETIVA É DIFERENTE DE LITISCONSÓRCIO MULTITUDINÁRIO

Para que não se confunda os dois institutos é necessário que se faça a

distinção de ambos.

Quando pessoas distintas se valem conjuntamente de uma ação não

representa uma ação coletiva. Conforme estabelece Fredie Didier e Hermes

Zaneti que (2014, p 31): “o cúmulo de diversos sujeitos em um dos polos da

relação processual apenas daria lugar a um litisconsórcio, figura já antiga na

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processualística romano- germânica”, os autores ainda entendem que:

“o litisconsórcio representa apenas, na disciplina originalmente prevista pelo

CPC (arts. 46-49), a possibilidade de união dos litigantes, ativa ou passivamente,

na defesa de seus direitos individuais”. O juiz ainda possui a discricionariedade

de fragmentar ou fracionar este litisconsórcio, limitando o número de litigantes,

desde que pelo motivo da rápida solução do litígio ou dificuldade na defesa,

conforme o disposto no parágrafo único do art.46 do Código de Processo Civil.

Vislumbra-se nesse controle o intuito de evitar que o litisconsórcio multitudinário

dificulte o andamento do processo ou a elaboração da defesa.

Dessa forma, a ação coletiva aparece, em sentido oposto, com o

pretexto de uma particular relação entre a matéria litigiosa e a coletividade que

necessita da tutela para resolver o litígio. Nesse caso verifica-se que a estrutura

subjetiva do processo não é significativa, mas o que importa é a matéria litigiosa

nele discutida. Assim, a particularidade mais marcante da ação coletiva é que,

embora o interessado seja uma série de sujeitos distintos, identificáveis ou não,

possa ser ajuizada e conduzida por inciativa de uma única pessoa.

Sendo assim, é imperioso destacar as palavras de Fredie Didier Jr. e

Hermes Zaneti Jr., que demonstram com maior clareza o já disposto acima:

Isso ocorre porque a matéria litigiosa veiculada nas ações coletivas refere-se, geralmente, a novos direitos e a novas formas de lesão que têm uma natureza comum ou nascem de situações arquetípicas, levando a transposição de uma estrutura “atômica” para uma estrutura “molecular” do litígio. (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 31)

1.3.FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS E POLÍTICOS DA AÇÃO COLETIVA

Os fundamentos atuais das ações coletivas de cunho sociológico e

político existentes são dois: o primeiro, se refere ao princípio do acesso à Justiça;

o segundo, de política judiciária, no princípio da economia processual.

Assim, é mister nos remetermos aos ensinamentos de Fredie Didier e

Hermes Zaneti, no sentido de que:

As motivações políticas mais salientes são a redução dos custos materiais e econômicos na prestação jurisdicional; a uniformização dos julgamentos, com a consequente harmonização sociais, evitação de decisões contraditórias e aumento de credibilidade dos órgãos jurisdicionais e do próprio Poder Judiciário como instituição

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republicana. Outra consequência benéfica para as relações sociais é a maior previsibilidade e segurança jurídica decorrente do atingimento das pretensões constitucionais de uma Justiça mais célere e efetiva (EC 45/04). As motivações sociológicas podem ser verificadas e identificadas no aumento das “demandas de massa” instigando uma “litigiosidade de massa”, que precisa ser controlada em face da crescente industrialização, urbanização e globalização da sociedade contemporânea. A constitucionalização dos direitos e os movimentos pelos direitos humanos e pela efetividade dos direitos fundamentais (como direitos humanos constitucionalizados), partindo dos primeiros documentos internacionais resultantes do fim da II Guerra Mundial, levaram o Direito a um novo patamar pós-positivista e principiológico, exigindo uma nova postura da sociedade em relação aos direitos. A visão dos destinatários das normas jurídicas e do aparelho judicial e não apenas dos órgãos produtores do direito passa a ingressar no cenário. Para tutelar efetivamente os “consumidores” do direito, as demandas individuais não faziam mais frente a nova realidade complexa da sociedade. ((DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 32)

Apesar desses argumentos demonstrarem a preocupação atual com os

processos coletivos, são escassos para revelar qualquer direção quantos as

questões principais de legitimação ativa e de “como” deverá ser feita a adequada

representação processual desses novos direitos e conflitos de massa, como não

respondem a questão de “quem” será o titular do direito, não se pode saber e,

que grau será tocado pela imutabilidade e indiscutibilidade aderente à sentença,

com o advento da coisa julgada.

Sendo assim, cabe a dogmática organizar o sistema jurídico para

responder adequadamente à demanda social e política.

1.4.CONCEITOS DE PROCESSO COLETIVO, AÇÃO COLETIVA E TUTELA COLETIVA

Processo coletivo é uma relação jurídica litigiosa onde em um de seus

termos, sujeito ativo ou passivo, encontra-se uma comunidade, categoria,

classe, entre outros, ou seja, um grupo.

Com a conceituação acima apresentada, podemos chegar mais

facilmente ao conceito de ação coletiva e tutela jurisdicional coletiva.

A ação coletiva é a demanda que origina o processo coletivo, na qual se

afirma a existência de uma circunstância jurídica coletiva ativa ou passiva. Nas

palavras de Fredie Didier Jr., tutela jurisdicional coletiva é:

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a proteção que se confere a uma situação jurídica coletiva ativa(direitos coletivos lato sensu) ou a efetivação de situações jurídicas (individuais ou coletivas) em face de uma coletividade, que seja titular de uma situação jurídica coletiva passiva (deveres ou estados de sujeição coletivos). (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p.40)

1.5.O PAPEL DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR

O Código do Consumidor teve o seu nascimento por injunção expressa

da Constituição Federal de 1988 em art.5º, XXXII, e do art.48, do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias. Ele é dividido em seis títulos, sendo de

grande relevância, para este estudo, o Título III “Da Defesa do Consumidor em

Juízo”. O microssistema já inova ao conceituar direitos difusos, coletivos stricto

sensu e individuais homogêneos, isso disposto em seu art. 81, §ú, I, II e III.

Assim, cabe destacar as inovações processuais trazidas pelo Código do

Consumidor elencadas por Fredie Didier Jr. e Hemes Zaneti Jr.:

a) a possibilidade de determinar a competência pelo domicílio do autor consumidor e determinação da competência do foro da capital dos Estados e do Distrito Federal para as ações de âmbito regional ou nacional – princípio da competência adequada (arts.101, I e 93, II); b) a vedação da denunciação à lide e um novo tipo de chamamento ao processo (arts. 88 e 101, II); c) a possibilidade de o consumidor valer-se, na defesa dos seus direitos, de qualquer ação cabível – princípio da atipicidade ou não-taxatividade (art. 83); d) a tutela específica em preferência à tutela do equivalente em dinheiro – princípio da tutela adequada (art. 84); e) regras de coisa julgada específicas para as ações coletivas e aperfeiçoadas em relação às leis anteriores, com a extensão subjetiva da eficácia da sentença e da coisa julgada em exclusivo benefício das pretensões individuais e a possibilidade do julgamento de improcedência por insuficiência de prova – princípio da coisa julgada secundum eventum lits e secundum eventum probationis (art. 103); f) regras de legitimação (art. 82) e de dispensa de honorários advocatícios (art.87) específicas para as ações coletivas e aperfeiçoadas em relação aos sistemas anteriores; g) regulamentação da relação entre a ação coletiva e a individual (art. 104); h) alteração e ampliação da tutela da Lei nº 7.347/85 (LACP – Lei da ação civil pública), harmonizando-a como sistema do Código (arts. 109-117) e formando um microssistema que garante ao processo tradicional do CPC atuação apenas residual. (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 44)

Dessa forma, cria-se um microssistema processual para as ações

coletivas. No que for harmonizável, seja a ação popular, a ação civil pública,

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ação de improbidade administrativa e mesmo o mandado de segurança coletivo,

aplica-se o Título III do Código do Consumidor.

1.6.LEGISLAÇÃO E PROCEDIMENTOS

Com relação as ações coletivas deve-se observar a existência de um

procedimento padrão, um rito ordinário, para essas demandas, que está previsto

no Código do Consumidor e na Lei de ação civil pública, devendo ser

interpretados de forma integrada. Dessa forma, quando a Lei de improbidade

administrativa menciona que “terá rito ordinário”, deverá ser entendido como o

rito estabelecido pela junção dos dois diplomas.

Sendo assim, também cabe destacar as palavras de Fredie Didier Jr. e

Hermes Zaneti Jr. no tocante aos demais procedimentos:

Além dele, é possível referir ao procedimento especial do mandado de segurança coletivo (aplicação da Lei Federal nº 12.016/2009, com as ressalvas feitas à necessidade da interpretação conforme a Constituição do art. 21 desta lei e a lacuna quanto ao regramento da coisa julgada coletiva, oportunamente examinada neste Curso), a ação popular (Lei Federal nº 4.717/65), as ações previstas no CDC (ações coletivas para defesa de interesses individuais homogêneos – arts. 91-100 – e ações coletivas de responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços – art.102), o mandado de injunção coletivo (para o qual se aplica, no que couber e enquanto não editada legislação específica, o regramento processual do mandado de segurança, nos termos do art. 24, parágrafo único da Lei Federal 8.038/90) e ação de improbidade administrativa (Lei Federal 8.429/1992). Para os autores que defendem o caráter coletivo das ações diretas de controle de constitucionalidade, também aqui devem estar relacionadas as leis que versam sobre o tema (Lei Federal 9.868/1999 e Lei 9.882/1999), contudo em muito pouco serve a estes diplomas a disciplina da ACP e do CDC sobre a matéria. (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 55)

Por fim, cabe destacar que todos os diplomas relacionados ao processo

coletivo preveem, explícito ou implicitamente, a aplicação subsidiária do Código

de Processo Civil de forma residual.

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2. DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

Os direitos coletivos lato sensu são entendidos como gênero, o qual gera

as seguintes espécies: os direitos difusos, os direitos coletivos stricto sensu e os

direitos individuais homogêneos.

2.1.DIREITOS DIFUSOS

A conceituação do referido instituto sempre foi objeto de dúvida, pois era

visto sob o aspecto subjetivo como direitos individuais e, sob o aspecto objetivo

como indivisíveis. No entanto, o Código de Defesa do Consumidor resolveu esse

problema em seu art. 81. Assim, de forma mais precisa, é imperioso citar a

conceituação dada por Fredie Didier Jr: Assim, reputam-se direitos difusos aqueles (art. 81, par., ún., do CDC) transindividuais (metaindividuais, supraindividuais, pertencentes a uma coletividade), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo), e cujos titulares sejam pessoas indeterminadas (ou seja, indeterminabilidade dos sujeitos, não havendo individuação) ligadas por circunstâncias de fato, não existindo um vínculo comum de natureza jurídica, v.g., a publicidade enganosa ou abusiva, veiculada através de imprensa falada, escrita ou televisionada, a afetar número incalculável de pessoas, sem que entre elas exista uma relação jurídica base, a proteção ao meio-ambiente e a preservação da moralidade administrativa. Por essa razão, a coisa julgada que advier das sentenças de procedência será erga omnes (para todos), ou seja, irá atingir a todos de maneira igual (art. 103, I, CDC). (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 68)

2.2.DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU

Os direitos coletivos stricto sensu encontrados no art. 81, §ú, II, do

Código do Consumidor, são qualificados como direitos transindividuais, assim

como os difusos, porém, de natureza indivisível, de que seja titular, grupo,

categoria ou classe de pessoas indetermináveis, mas determináveis, ou seja,

não são os sujeitos individualmente considerados os titulares do direito, mas sim

o grupo do qual façam parte. Outra característica importante é que para existir

ameaça ou lesão ao indivíduo, ele deve fazer parte desse grupo, categoria ou

classe.

2.3.DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

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Essa categoria de direitos está descrita no art. 81, §ú, III, do Código do

Consumidor, e tem como origem as class actions for damages.

A sua importância no ordenamento jurídico é cristalina, pois caso

inexistisse não haveria a possibilidade de tutela coletiva de direitos individuais

com natural dimensão coletiva em razão da sua homogeneidade. Diante disso,

sábias são as palavras de Antonio Gidi: tal categoria de direitos representa uma ficção criada pelo direito positivo brasileiro com a finalidade única e exclusiva de possibilitar a proteção coletiva (molecular) de direitos individuais com dimensão coletiva (em massa). Sem essa expressa previsão legal, a possibilidade de defesa coletiva de direitos individuais estaria vedada. (GIDI, 2007, p. 20)

O Código do Consumidor conceitua os direitos individuais homogêneos

com poucas palavras, como aqueles decorrentes de origem comum. Diante de

conceito tão lacônico é importante mencionar as palavras de Kazuo Watanabe: “Origem comum” não significa, necessariamente, uma unidade factual e temporal. As vítimas de uma publicidade enganosa veiculada por vários órgãos de imprensa e em repetidos dias ou de um produto nocivo à saúde adquirido por vários consumidores em um largo espaço de tempo e em várias regiões têm, como causa de seus danos, fatos com homogeneidade tal que os tornam a ‘origem comum’ de todos eles. (WATANABE, 2004, p. 629)

Assim, nas palavras de Fredie Didier Jr. (2014, p. 70): “o que têm em

comum esses direitos é a procedência, a gênese na conduta comissiva ou

omissiva da parte contrária”, questões de direito ou de fato que lhes dão a

particularidade de homogeneidade, demonstrando, dessa forma, superioridade

de questões comuns e prevalência na tutela coletiva.

Esclarecedoras sãos as palavras de Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr.

sobre o instituto dos direitos individuais homogêneos em comparação aos

demais: Em suma, no direito coletivo em sentido estrito, o grupo existe anteriormente à lesão e é formado por pessoas que estão ligadas entre si ou com a parte adversária por uma relação jurídica base. No direito difuso, o grupo é formado por pessoas que não estão relacionadas. Nos direitos individuais homogêneos, o grupo é criado, por ficção legal, após o surgimento da lesão. Trata-se de um grupo de vítimas. A relação que se estabelece entre as pessoas envolvidas surge exatamente em decorrência da lesão, que tem origem comum: essa comunhão na ancestralidade da lesão torna homogêneos os direitos individuais. Criado o grupo, permite-se a tutela coletiva, cujo objeto, como em qualquer ação coletiva, é indivisível (fixação da tese jurídica geral); a diferença, no caso, reside na possibilidade de, em liquidação

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e execução da sentença coletiva, o quinhão devido a cada vítima pode ser individualizado. (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 73)

E por fim, cabe destacar outra diferença entre os direitos difusos e

coletivos, o direito individual homogêneo não é um direito transindividual, pois o

seu titular não é a coletividade ou um grupo, e sim os indivíduos. O que ocorre é

a adição de direitos individuais coletivos atados entre si por uma relação de

afinidade. Dessa forma, o objeto do direito individual homogêneo não indivisível.

2.5.DIREITOS OU INTERESSES?

A legislação se vale dos dois termos indiscriminadamente em vários

diplomas, como o Código do Consumidor, a Lei da Ação Civil Pública e até

mesmo a Constituição Federal. Alternando direitos e interesses como se fossem

sinônimos.

Na doutrina existem três correntes sobre o tema: (i) os que entendem

tratar-se de termos sinônimos; (ii) os que entendem mais apropriada a adoção

do termo interesse; (iii) os que defendem a utilização do termo direito.

O entendimento da primeira corrente é claramente exposto por

Watanabe, onde: Os termos “interesses” e “direitos” foram utilizados como sinônimos, certo é que, a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os ‘interesses’ assumem o mesmo status de ‘direitos’, desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica, para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles. (WATANABE, 2004, p. 623)

Aqueles que preferem a expressão interesses entendem que, para José

Marcelo Menezes Vigliar (2001, p. 60): “a expressão direitos traz uma grande

carga de individualismo, fruto mesmo de nossa formação acadêmica”, e para

Ricardo Leonel de Barros, há: “evidente ampliação das categorias jurídicas

tuteláveis para a obtenção da maior efetividade do processo”.

Para os defensores da denominação “direito”, ficamos com os

apontamentos dados por Fredie Didier Jr.: A essas observações podemos opor as seguintes considerações críticas: a) não se trata de tutela de interesses e sim de direitos subjetivos coletivos; b) os titulares desses direitos subjetivos são aqueles indicados no art. 81, par. ún. do CDC, sendo sua legitimidade ad causam, nas ações coletivas brasileiras, atribuída às entidades

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expressamente listadas na legislação. (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 80)

Diante desses apontamentos, ficamos com a tese do ilustre professor

Kazuo Watanabe.

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3. PRINCÍPIOS DA TUTELA COLETIVA

Quando analisamos qualquer ramo do direito é essencial verificar os

seus princípios, pois, nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, eles são

(2010, p. 24): “o caminho para alcançar o estado de coisas ideal visado na

aplicação do conjunto de normas analisado”.

Assim, podemos ficar com as sábias palavras do professor Elton Venturi:

Nenhuma interpretação do sistema processual coletivo legitima-se sem a referibilidade a princípios próprios, inerentes à natureza diferenciada das pretensões meta-individuais. Conforme já anotamos: “Extrair os princípios que informam e fundamentam a sistemática do processo coletivo, contudo, constitui tarefa logicamente antecedente a qualquer outra indagação em matéria de tutela de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Não obstante, tal missão parece não ter ainda adquirido o devido destaque, ao menos em termos científico-doutrinários, talvez por decorrência de as ações coletivas serem fenômeno recente em nosso ordenamento jurídico, daí se aludindo à formação de uma ‘sistemática do processo coletivo’, a qual, segundo já se apregoa, deverá ser objeto de um novo enfoque por parte dos estudiosos do direito processual. (VENTURI, 2007, p. 133)

Diante dessas linhas introdutórias, vamos aos princípios que tratam da

tutela coletivo.

3.1.PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL COLETIVO

Tal princípio não pode ser aplicado ao processo coletivo da mesma

forma como é aplicado ao processo individual, requer adaptações. Fredie Didier

Jr. (2014, p. 102) entende que nessa diapasão há de nascer algo que ele

denomina de: “‘garantismo’ coletivo, que paulatinamente deverá consolidar-se

na doutrina e na jurisprudência para assegurar mais eficácia e legitimidade social

aos processos coletivos e as decisões judiciais nessa matéria”.

Assim, esclarecedoras sãos as palavras do professor Elton Venturi, que:

Sob tais perspectivas é possível determinar-se, assim, uma releitura do princípio do devido processo legal, que passa a assumir uma vocação coletiva, daí mensurando-se os contornos do devido processo social, dependente, muito mais que da ampliação e da desburoctratização do aparelhamento judiciário ou de alterações legislativas, do abandono da dogmática em prol da efetividade da prestação da justiça, da compreensão do papel que o Poder Judiciário deve desempenhar na construção do Estado Democrático mediante a afirmação dos direitos individuais e sociais fundamentais... não constitui, em absoluto, qualquer subversão. Trata-se apenas de emprestar efetiva vigência a

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um princípio geral de hermenêutica acentuado por expressa disposição normativa implementada no ordenamento jurídico brasileiro em 1942..., segundo a qual ‘na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. (VENTURI, 2007, p. 151)

É visível que o processo coletivo precisa de um regramento próprio para

vários institutos, que necessitam adaptar-se as suas particularidades. Fredie

Didier Jr. (2014, p. 102) frisa que: “a legislação brasileira avançou bastante no

tema, possuindo regramento próprio e geralmente bem adequado em todos

esses aspectos”, porém, ainda, entende que “é possível e preciso ir além,

contudo”.

É ainda necessário destacar as palavras de Fredie Didier Jr. e Hermes

Zaneti Jr.:

Duas características do devido processo legal coletivo, ocorrentes no direito norte-americano das class actions, necessitam e podem ser transpostas para o direito processual coletivo brasileiro, mesmo sem a existência de texto legal expresso. Nesse sentido, de grande valor e importância foi a contribuição de Antonio Gidi no capítulo sobre os aspectos procedimentais de seu recente ‘A Class Action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada’. Alguns aspectos desse devido processo coletivo merecem destaque, constituindo-se em verdadeiros princípios autônomos do direito processual coletivo, não obstante extraídos da mencionada cláusula geral (de resto, como todos os demais princípios processuais). (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 102) Princípios dos quais tomaremos nota nos tópicos a seguir.

3.1.1.Princípio da adequada representação

Tem como pressuposto, nas palavras de Fredie Didier Jr., que (2014, pp.

102-103): “quem, após a verificação da legitimação pelo ordenamento jurídico,

apresentar condições de adequadamente desenvolver a defesa em juízo dos

direitos afirmados (legitimação conglobante)”.

Nesse sentido, prossegue:

Nessa perspectiva, busca-se que esteja a classe/grupo/categoria bem representada nas demandas coletivas, quer dizer, representada por um legitimado ativo ou passivo que efetivamente exerça a situação jurídica coletiva em sua plenitude e guie o processo com os recursos financeiros adequados, boa técnica e probidade. A tendência atual, verificada inclusive nos anteprojetos de Código Processual Coletivo

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Brasileiro, é que esse princípio venha cada vez mais a ocupar espaço nos processos coletivos, superada uma primeira fase em que a legitimação era tão-somente ativa e fixada ope legis (controle pelo legislador) (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 103)

3.1.2.Princípio da adequada certificação coletiva

Antonio Gidi entende por certificação:

a decisão que reconhece a existência dos requisitos exigidos e a subsunção da situação fática em uma das hipóteses de cabimento previstas na lei para a ação coletiva. Através dessa decisão, o juiz assegura a natureza coletiva à ação proposta. (GIDI, 2007, p. 466)

Para o direito pátrio a certificação deverá ser feita na fase de

saneamento, também como garantia ao réu. Tal entendimento é defendido por

Antonio Gidi, preceituando, que:

Como bem observado por Wouter de Vos, pela perspectiva do réu, que está sendo acionado em juízo pelo grupo, podendo ser responsabilizado a pagar ou despender uma grande quantia, é importante que seja estabelecida a certeza, em uma fase inicial do procedimento, de que se trata mesmo de uma ação coletiva legítima, De outra forma, seria possível ameaçar o réu por um longo período com uma ação coletiva incabível, com o objetivo de força-lo a entrar em um acordo ou simplesmente prejudica-lo. Em face da importância dos interesses em jogo, trata-se de uma incerteza intolerável. É surpreendente, portanto, que o direito brasileiro não disponha expressamente de uma fase formal em que o juiz determine se ação pode ou não prosseguir na forma coletiva. Todavia, há dispositivos no direito individual que podem superar essa lacuna. Pode-se equiparar a fase de certificação da ação coletiva americana com “saneamento do processo” no direito brasileiro. (GIDI, 2007, p. 194)

Esse requisito tem previsão no art.17 da Lei n. 8.429/1992 (Lei de

improbidade administrativa).

3.1.3.Princípio da coisa julgada diferenciada e a “extensão subjetiva” da coisa julgada secundum eventum litis à esfera individual

A coisa julgada no processo coletivo tem um tratamento diferente do

processo individual. No caso, o titular do direito individual não será prejudicado,

somente beneficiado, pela decisão coletiva.

Sendo assim, ao titular do direito individual fica garantido a utilização da

sentença coletiva, em caso de procedência, no seu processo individual, desde

que comprove a identidade fática de situações.

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3.1.4.Princípio da informação e publicidade adequadas

O princípio em tela pode ser dividido em dois subprincípios.

O primeiro é o princípio da adequada notificação dos membros do grupo,

onde se entende que os membros do grupo/comunidade devam ser

adequadamente comunicados para possam fiscalizar a condução do processo.

Geralmente, a comunicação é feita pela publicação de editais.

O segundo é o princípio da informação aos órgãos competentes, a

denominação dada já é autoexplicativa e está prevista nos arts. 6º e 7º da Lei n.

7.347/1985.

3.1.5.Princípio da competência adequada

Como bem se sabe a competência nas ações coletivas é de difícil

identificação, devido ao titular da ação que é um agrupamento de pessoas de

diferentes lugares. Neste caso, deve-se inserir o determinado princípio nas

ações coletivas.

Acerca disso, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.:

Com a inserção desse princípio o próprio juiz da causa, dentro do controle de sua competência, utilizando a norma da Kompetenzkompetenz (o juiz é competente para controlar a sua própria competência), já aceito pelo ordenamento nacional, evitaria julgar causas para as quais não disse o juízo adequado, quer em razão do direito ou dos fatos debatidos (p. ex.: extensão e proximidade com o ilícito), quer em razão das dificuldades de defesa do réu. Também seria evitado o uso da competência para obter vantagens processuais, trabalhando como limite para que a regra da competência por prevenção não se torne uma disputa pelo foro. (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 106)

3.2. PRINCÍPIO DA ABSOLUTA INSTRUMENTALIDADE DA TUTELA COLETIVA

Com relação a esse princípio é imperioso trazer as palavras de Elton

Venturi, que entende:

Pela absoluta instrumentalidade da tutela coletiva, pois, compreende-se o amplo manuseio das ações coletivas, ao lado das eventuais demandas individuais, para a proteção mais adequada possível dos direitos meta-individuais, mediante o emprego das técnicas e

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procedimentos mais idôneos para propiciar a tão almejada efetividade da prestação jurisdicional. Sob outra perspectiva, a instrumentalidade que se deseja imprimir aos processos coletivos torna completamente injustificáveis e inaceitáveis as decisões judiciais que extinguem ações coletivas sem apreciação do mérito (terminativas) fundamentadas em pretensa falta da legitimação ativa ou de interesse processual das entidades autoras, sem que antes se busque ao menos tentar suprir a carência da ação através, v.g., de intimação direta de outro legitimado (do Ministério Público, associação civil ou de ente público) ou da publicação de editais convocatórios para tal finalidade. (VENTURI, 2007, pp. 153-154)

Dessa forma, nas palavras do professor Elton Venturi (2007, p. 155) :

“é preciso que a análise das condições da ação e pressupostos de

desenvolvimento válido e regular do processo coletivo seja levada a termo de

acordo com as perspectivas e as aspirações da tutela coletiva”.

3.3.PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DO CONHECIMENTO DO MÉRITO DO PROCESSO COLETIVO

Tendo grande ligação com o princípio da instrumentalidade das formas,

pois busca a superação do formalismo exacerbado.

Esse princípio tem como premissa a análise da matéria, analisando-se o

mérito, mesmo que haja a ausência de um dos requisitos de admissibilidade da

demanda.

3.4.PRINCÍPIO DO MICROSSISTEMA: APLICAÇÃO INTEGRADA DAS LEIS PARA A TUTELA COLETIVA

Esse princípio busca harmonizar a aplicação das leis com relação a

tutela coletiva, onde deverá utilizar a norma que tratar do processo coletivo para

solver as suas demandas e subsidiariamente os demais diplomas.

Tornando o entendimento mais fácil é mister a citar as palavras de

Rodrigo Mazzei:

(...) o Código de Processo Civil – como norma de índole individual – somente será aplicado nos diplomas de caráter coletivo de forma residual, ou seja, se houver omissão específica de determinada norma, não se adentrará – de imediato – nas soluções legais previstas no Código de Processo Civil, uma vez que o intérprete deverá, antecedentemente, aferir se há paradigma legal dentro do conjunto de normas processuais do microssistema coletivo. Com outras palavras, somente se aplicará o Código de Processo Civil em ações coletivas

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quando a norma específica para o caso concreto for omissa e, em seguida, verificar-se que não há dispositivo nos demais diplomas que compõem o microssistema coletivo capaz de preencher o vácuo. Diferente não pode ser, pois um dos pilares na formação de microssistemas está na existência de diferença principiológica do diploma especial com a norma geral, situação facilmente aferível no direito processual coletivo, cuja essência muito se distancia da postura, frise-se, individual do Código do Processo Civil. (MAZZEI, 2006, pp. 411-412)

Assim, vislumbramos a importância desse princípio, pois se essas regras

não forem assistidas e passarmos a aplicação das regras do processo individual,

segundo Gregório Assagra de Almeida (2003, p. 575): “haverá vício de invalidade

processual possível de sanção de nulidade absoluta do processo coletivo por

desrespeito ao princípio do devido processo legal”.

3.5.REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO

A principal característica desse princípio é que o dano deve ser reparado

integralmente ao grupo.

Com relação a isso, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.:

A disciplina da ação popular, por exemplo, prevê que: ‘a sentença que julgando procedente a ação popular decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa’ (art. 11 da Lei 4.717/1965). Fica evidente aqui a presença do princípio da reparação integral do dano: mesmo que não tenha sido feito o pedido de condenação, este se retira da natureza da ação popular e da ação de improbidade administrativa, admitindo-se uma espécie de pedido implícito. (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 113)

3.6.PRINCÍPIO DA NÃO-TAXATIVIDADE

Tem como pressuposto a observância principal do conteúdo, da matéria,

e não somente da forma, ou seja, a denominação a ação coletiva não importa,

mas sim a sua substância, os pedidos e a causa de pedir. Não devendo a forma

aniquilar o direito material pretendido.

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3.7.PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DA DEMANDA COLETIVA

Distinto do processo individual, onde existe a faculdade de agir,

caracterizado pela disponibilidade, o processo coletivo vem eivado com a noção

de indisponibilidade do interesse público.

Segundo os autores:

Esta indisponibilidade não é, contudo, integral, há uma “obrigatoriedade temperada com a conveniência e a oportunidade” para o ajuizamento da ação coletiva. Claro que esta obrigatoriedade está predominantemente voltada para o Ministério Público, já que ele tem o dever funcional de, presentes os pressupostos e verificada a lesão ou ameaça ao direito coletivo, propor a demanda; mesmo assim, poderá o parquet fazer juízo de oportunidade e conveniência, que equivale a um certo grau de discricionariedade controlada do agente. Nos casos de inquérito civil já instruído a não propositura implicará em arquivamento, sujeito ao controle pelo Conselho Superior do MP (art. 9º da LACP). (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 110)

3.8.PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO PRAGMÁTICA

A importância desse princípio é extraordinariamente bem descrita pelo

professor Elton Venturi, onde:

Nenhum sentido há na assimilação das técnicas e aspirações da tutela coletiva se não forem analisadas sob a premissa da necessidade de sua realização empírica – desafio que invoca uma interpretação diferenciada do modelo processual coletivo, através do abandono da dogmática e da adoção de posturas verdadeiramente pragmáticas. (VENTURI, 2007, pp. 155-156)

Ainda, concluindo o raciocínio acerca do princípio:

Em resumo, o que pretende o método pragmático é viabilizar soluções efetivamente úteis, e não formulações racionais formais que tenha fim em si mesmas, uma vez que “as considerações sobre o que seja, ou não, verdadeiro são, na pós-modernidade, deixadas de lado e substituídas pelas sobre o que seja, ou não, útil (neopragmatismo)”. (VENTURI, 2007, p. 161)

3.9.PRINCÍPIO DO ATIVISMO JUDICIAL

Tem como pressuposto a maior participação do juiz nos processos

coletivos, para Fredie Didie Jr. (2014, p. 118): “resultante da presença de forte

interesse público primário nessas causas, externando-se, entre outros, na

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presença da ‘defining function’ do juiz, de que fala o direito norte-americano para

as class actions”.

Em um primeiro sentido:

exemplo deste princípio decorre de relativização do denominado princípio da ação (ou demanda, que determina a atribuição à parte da iniciativa de provocar o exercício da jurisdição – nemo iudex sine actore), com a previsão do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos de ‘”niciativas que competem ao juiz para estimular o legitimado a ajuizar a ação coletiva, mediante a ciência aos legitimados da existência de diversos processos individuais versando sobre o mesmo bem jurídico”. Regra similar é prevista no art. 7º da LACP: “Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão as peças ao Ministério Público para as providências cabíveis”. (Lei 7.347/85)(DIDIER JR., HERMES JR., 2014, pp. 118-119)

Em outra acepção, observa-se:

O princípio revela-se também no controle judicial de políticas públicas os exemplos recentes estão se multiplicando, existindo precedentes, já dos tribunais superiores, confirmando decisões que ordenam a execução de atividades essências pelo administrador, a obrigatoriedade do fornecimento de creches, a reforma de presídios, de hospitais etc. Em verdade, é bom frisar, as decisões têm salientado não ser permitido ao Judiciário a criação ou sindicabilidade de meras diretrizes em políticas públicas, deixadas à conveniência e oportunidade do executivo e do legislador, mas, quando existe um direito assegurado na Constituição e na lei infraconstitucional, que regulamente o campo de escolha do administrador, este está de tal forma reduzido que a sindicabilidade pelo Judiciário é decorrência natural do dever de assegurar a efetividade dos direitos fundamentais. (DIDIER JR., HERMES JR., 2014, p. 119)

A inserção desse princípio no ordenamento é necessária, pois esse

possibilita que o Judiciário possa corrigir as omissões do Legislativo, facilitando

aos cidadãos não somente o respeito, mas também o exercício dos direitos

coletivos.

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4. AS CONDIÇÕES DA ADMISSIBILIDADE DA TUTELA COLETIVA

Para que o pedido do autor seja observado pelo Poder Judiciário é

necessário que cumpra algumas condições, estas funcionam como uma espécie

de barreira, a qual deve ser ultrapassada pela parte que deseja ter seu pedido

apreciado.

Sendo assim, aqui cabe a nós verificarmos a aplicação dessas

condições de admissão da ação de direitos individuais, nas demandas coletivas.

4.1.LEGITIMIDADE DA PARTE

Essa condição da ação com relação à legitimação ativa, no âmbito do

processo civil individual, surge como um dos temas mais complexos para a tutela

coletiva.

Tal preocupação é demonstrada por Elton Venturi:

salta aos olhos a dificuldade de se enquadrá-la em matéria de proteção jurisdicional dos direito meta-individuais, seja em função da inviabilidade de se atribuir a titularidade da pretensão material deduzida, com exclusividade, a quem quer que seja, seja diante da impraticabilidade da presença em juízo de todos os seu titulares. (VENTURI, 2007, p. 164)

O autor ainda verifica que:

a superação do esquema de legitimação tradicional passa a depender da escolha de alguém que, não obstante não possa arrogar-se titular exclusivo do direito material reivindicado, apresente condições idôneas para a propositura de demandas coletivas no interesse de toda a sociedade (direitos difusos), do grupo, classe ou categoria (tutela dos direitos coletivos) ou eventuais vítimas de um mesmo evento lesivo (direitos individuais homogêneos). (VENTURI, 2007, p. 165)

Diante da dificuldade auferida, o exímio professor conclui:

Assim, seja para fins de aferição da idoneidade da representação dos interesses em jogo, ou da potencial capacidade do autor em conduzir com êxito a ação coletiva em juízo, seja, ainda, pela verificação da extensão dos efeitos da sentença e da autoridade da coisa julgada, é necessário que se defina com precisão a natureza jurídica da legitimação ativa nas diversas espécies de ações de índole coletiva, notadamente diante do cenário legislativo brasileiro atual. (VENTURI, 2007, p. 165)

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4.1.1.Legitimação ativa individual para as ações coletivas

A ação popular foi o primeiro instrumento de defesa dos direitos meta-

individuais no Brasil, tendo como pressuposto a iniciativa individual.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu à ação popular o status

constitucional, estendendo seus objetos com intuito de alcançar a moralidade

administrativa e o meio ambiente, possuindo ainda a legitimação ativa individual,

necessitando apenas a comprovação da condição de cidadão.

Predomina na doutrina o entendimento de que o autor da ação popular

teria o status de substituto processual.

No entanto, cabe destacar o pensamento de José Afonso da Silva, que

destoa da doutrina predominante, asseverando que:

Estará, pois, o autor popular em juízo por direito próprio e na defesa de direito próprio, qual seja esse de participação na vida pública do país. É verdade que, imediatamente, defende ele um interesse que é da coletividade toda e da pessoa jurídica ou entidade cujo patrimônio está em causa. O certo é que o autor popular tem um direito substancial que fundamenta a propositura da ação que vise a anular atos lesivos ao patrimônio das entidades públicas. Esse direito substancial entra na categoria dos direitos políticos e democráticos, e encontra-se reconhecido no princípio de que todo o poder emana do povo. (...). Como já vimos, a ação popular constitui um instituto de democracia direta, e o cidadão, que intenta, fá-lo em nome próprio, por direito próprio, na defesa de direito próprio, que é o de sua participação na vida política do Estado, fiscalizando a gestão do patrimônio público, a fim de que esta se conforme com os princípios da legalidade e da moralidade. Diretamente, é certo que o interesse defendido não é do cidadão, mas da entidade pública ou particular sindicável e da coletividade, por consequência. Mas é seu também, como membro da coletividade. (SILVA, 2007, 194-195)

Partidário da mesma corrente, Rodolfo de Camargo Mancuso, esmiúça

o assunto, concluindo que:

Realmente, parece que a postura processual do autor popular não permite enquadrá-lo, exatamente, nos lindes da legitimação extraordinária, enquanto substituto processual. Primeiro, o autor popular não atua, propriamente, numa ‘substituição’ das posições jurídicas dos demais cidadãos integrantes da coletividade, já que seu móvel precípuo é a tutela judicial do direito público subjetivo à Administração proba e eficaz; naturalmente, sendo bem sucedido nessa empreitada, os demais cidadãos disso se beneficiarão por via

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reflexa, o que, aliás, é bem típico dos interesses difusos, onde se dá uma espécie de solidariedade, em que a vantagem de um se desdobra em proveito de muitos. Em segundo lugar, ao contrário do que usualmente ocorre na substituição processual, não há vínculo jurídico entre o autor e os demais cidadãos, o que permite que esses venham a juízo como litisconsortes (Lei 4.171/1965, art. 6º, § 5º), numa demonstração, portanto, de que o autor não substituía os demais cidadãos. (...). Por fim, nos veros casos de substituição processual a coisa julgada limita-se, como diz Antônio Carlos de Araújo Cintra, ‘aos sujeitos da lide, às partes em sentido material é, pois, o substituído e não o substituto’. Mas, na ação popular, o autor popular, como integrante da mesma coletividade a que pertencem os demais cidadãos, recebe a irradiação da coisa julgada enquanto parte em sentido processual (CPC, art. 472); ao passo que os efeitos ultra partes do julgado alcançarão os demais cidadãos, exceto no caso de improcedência por insuficiência de prova (Lei 4.717/1965, art. 18). Fenômeno semelhante, aliás, se dá com nossas outras ações que tutelam interesses meta-individuais: a ação civil pública (Lei 7.347/1985, art. 16) e as ações coletivas do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990, art. 103 e incisos. (...). A ação popular está, de indústria, inserida no capítulo da Constituição Federal concernente aos direitos e garantias fundamentais, e, se ela se apresenta coletiva em sua finalidade, o seu exercício é assegurado ao indivíduo, embora de maneira concorrente-disjuntiva com os demais cidadãos. Quando toma tal iniciativa, o autor popular está exercendo, enquanto cidadão no gozo de direitos políticos, a sua quota-porte no direito geral a uma Administração proba e eficaz, pautada pelos princípios assegurados nos arts. 37, 170, 215 e outros da CF. Sob essa óptica, não haveria necessidade de recorrer-se à figura da substituição processual para explicar sua atuação em juízo. (MANCUSO, 2003, pp. 163-164)

Quanto a legitimidade ativa ficamos com os esclarecimentos do

professor Elton Venturi:

O modelo de legitimação individual para as ações coletivas, pois, restringiu-se à ação popular, tendo sido repelido posteriormente para as demais ações civis que instrumentalizam tutela de direitos difusos e coletivos – diga-se: a ação civil pública, a ação de impugnação de mandato eletivo, as ações direitas de inconstitucionalidade ou declaratórias de constitucionalidade, as ações coletivas inspiradas no Código de Defesa do Consumidor, a ação de improbidade administrativa, o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção coletivo e arguição de descumprimento de preceito fundamental relevante. Para ajuizamento de todas essas ações o legislador brasileiro outorgou a legitimação ativa a entidades previamente escolhidas, em notória opção de exclusão da iniciativa individual. Justificou-se tal exclusão na descrença de que a atuação de pessoas físicas isoladamente consideradas fosse capaz de eficazmente viabilizar tutela de pretensões marcantemente diferenciadas pela expressão social política. De fato, os empecilhos e as desvantagens da iniciativa de uma ação coletiva por intermédio de um indivíduo são tanto mais óbvios quando se recorde, para além dos conhecidos obstáculos ao acesso à justiça, a perspectiva interna da complexidade

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natural dos direitos difusos, descritos como geradores de uma intensa conflituosidade, seja ela considerada em relação a outras pretensões difusas, seja considerada quanto a típicos interesses coletivos. (VENTURI, 2007, pp. 169-170)

Dessa forma, nas palavras do referido autor:

Partidário da ampliação do rol de legitimados ativos para as ações coletivas. Watanabe, apesar de justificar a exclusão do indivíduo para o ajuizamento das ações coletivas no Brasil em virtude de algumas más experiências vividas no campo da ação popular, deixa clara sua simpatia por uma futura revisão ‘após uma perfeita assimilação pelo povo brasileiro do verdadeiro ideal colimado pelo Código, o que somente ocorrerá com a diminuição do individualismo que nos marca profundamente (...)’. Seguindo tal orientação, ao lado de Grinover e de Gidi, Watanabe propõe que seja também atribuída legitimação a qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos, e ao membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos coletivos e individuais homogêneos, no Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos (art. 20, I e II, respectivamente) (...) Todavia, caso a autorização legal para a propositura individual da ação coletiva não venha acompanhada de um rigoroso controle de admissibilidade que tenha por parâmetro a análise da idoneidade do proponente autor e de suas reais condições para adequadamente representar a coletividade, quantidade poderá se tornar, então, um dos motivos de falência do sistema de tutela coletiva no país. (VENTURI, 2007, p. 171)

Sendo assim, deve-se observar com cautela a participação popular de

resguardo dos direitos meta-individuais.

4.1.2.A legitimação ativa de entidades preestabelecidas

Devido a tentativa de representação individual de direitos meta-

individuais, esboçado pela ação popular, o legislador optou por transferir tal

legitimação a entidades públicas e privadas que, segundo Elton Venturi (2007,

p. 172: “se passou a imputar uma espécie de presunção de representatividade

adequada dos interesses da coletividade”.

Em 1985 a Lei de Ação Civil Pública em seu art. 5º, já trazia a tutela dos

direitos difusos e coletivos através da inciativa do Ministério Público, União,

Estados e Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de

economia mista e associações pré-constitucionais há pelo menos um ano e

tenha como finalidade o exposto no artigo.

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Dando sequência a isso, o Código de Defesa do Consumidor, no ano de

1990, em seu art. 82 adiciona aos legitimados o Distrito Federal e as entidades

e órgãos da Administração Pública direta ou indireta destinados à defesa do

consumidor.

Diante disso, Elton Venturi esclarece:

Observou-se, portanto, uma gradativa tendência no sentido de se transferir do cidadão para as mencionadas entidades a missão de conduzir as ações coletivas, passando a ser encaradas como verdadeiras representantes do corpo social, seja ele compreendido pela integralidade da comunidade, seja referível a grupos, categorias ou classes identificáveis, seja, por fim, constituído por vítimas ou sucessores de danos a direitos qualificados como individuais homogêneos. (VENTURI, 2007, p. 173)

Assim, tomou forma a tese que qualifica os legitimados como reais

substitutos processuais dos participantes de determinada comunidade ou grupo

social. No entanto, tal caracterização não é pacífica, pois alguns autores, como

Watanabe, entendem que as associações só existiriam por causa de seus

membros e a defesa em juízo dos interesses desses seriam os mesmos que o

da associação, como se os próprios associados estivessem a agir. Sendo assim,

a legitimação da associação seria ordinária, e não extraordinária.

Quanto a esses questionamentos ensejados pela doutrina, a LACP em

seu art.5º e o CDC no art. 82 encerram-nos preceituando que a legitimação

dessas entidades não é extraordinária e nem ordinária, mas sim especial.

Nesse contexto, é necessário transcrever as palavras de Elton Venturi:

Sob esta nova perspectiva, a atuação das entidades expressamente legitimadas passa a ser avaliada através da efetividade da tutela jurisdicional empreendida, e não mais sob o enfoque da afirmação da titularidade da pretensão deduzida – o que representa uma radical alteração paradigmática da legitimatio ad causum como condição da ação no âmbito da tutela coletiva. Assim, o legislador brasileiro, ao autorizar determinadas entidades à propositura das ações coletivas, conferiu-lhes autonomia processual, fórmula pela qual desejou obter o máximo aproveitamento (quantitativo e qualitativo) da tutela jurisdicional coletiva, sobretudo numa fase em que pode ser considerada ainda embrionária em nosso país. (VENTURI, 2007, p. 177)

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4.1.3.A legitimação do Ministério Público

O Ministério Público, mesmo não havendo estatísticas precisas, é o

maior propositor de ações coletivas, sendo um grande interessado na proteção

jurisdicional de direitos meta-individuais.

Assim, entende Antônio Mello de Camargo Ferraz, que o promotor:

Deixou de ser um funcionário de gabinete, de conduta passiva, envolvido apenas com processos ou inquéritos instaurados por terceiros; saiu de sua escrivaninha e dos limites dos fóruns; ganhou as ruas; passou a ter contato direito com os fatos sociais, políticos, administrativos e econômicos que, segundo a Constituição e as leis, reclamam sua intervenção. (FERRAZ, 1984, p. 90)

Corroborando a ideia exposta acima:

Em uma só expressão, os membros do Ministério Público assumiram status de verdadeiros agentes políticos, comprometidos, antes que por vontade própria, por força das funções que lhes foram expressamente determinadas pela Constituição Federal de 1988, com a realização dos anseios sociais e individuais mais preciosos, resumidos à preservação da dignidade da pessoa humana. (VENTURI, 2007, pp. 178-179)

Dessa forma, diversas críticas são esboçadas pela exposição do

Ministério Público nas ações coletivas.

Apesar disso, grande parte da doutrina e da jurisprudência entende que

o comportamento do Ministério Público não poderia ser outro a não ser o efetivo

cumprimento das atribuições impostas pela Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, destaca o autor:

Assim sendo, nenhum problema há em se reconhecer que, efetivamente, toda iniciativa de promoção da proteção de direitos meta-individuais deve ser compreendida como atitude verdadeiramente política, uma vez que inserida numa sociedade ainda extremamente marcada pelos signos do individualismo, do liberalismo, do egocentrismo, do patriotismo e do ceticismo. (VENTURI, 2007, p. 180)

É grande, porém, a discussão com relação a legitimidade ativa do

Ministério Público para proteção de direitos individuais homogêneos, pelos os

motivos expostos por Elton Venturi (2007, p. 181), pois: “se assim o fizesse,

estaria desvirtuando suas missões institucionais, constitucionalmente

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reservadas à defesa dos ‘interesses sociais e individuais indisponíveis’ (art. 127,

CF)”.

Também entendem que o Ministério Público se ausentaria dos seus reais

afazeres, que seriam a proteção dos interesses difusos e coletivos, em prol da

atuação em casos de direitos individuais homogêneos.

Em resumo, o autor acima citado, entende que:

Sinteticamente, o raciocínio é o seguinte: como os direitos individuais são considerados divisíveis e titularizados por pessoas determinadas, o exercício mesmo, ou não, da pretensão, quando de natureza disponível, deveria ficar a cargo do seu próprio titular, na medida em que exercê-la, ou não, também se insere na esfera intangível da disponibilidade do indivíduo. Assim, ao propor uma demanda coletiva visando a tutelar tais pretensões, autonomamente, sem expressa permissão dos seus titulares – aliás, sem que, no mais das vezes, sequer tenham conhecimento da existência da demanda coletiva -, estaria o Ministério Público, a um só tempo, usurpando o exercício de direito alheio e desviando-se de suas funções constitucionalmente impostas. (VENTURI, 2007, p. 182)

Em defesa da função delegada ao Ministério Público:

O art. 129, IX, da CF autoriza a lei a cometer outras atribuições ao Ministério Público, além das enumeradas nos oito incisos antecedentes, desde que sejam compatíveis com suas finalidades institucionais. O art. 82 do CDC confere legitimidade ao Ministério Público para ajuizar ações coletivas na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores. Assim agindo, a lei infraconstitucional (Código de Defesa do Consumidor) agiu em conformidade com a Constituição Federal, porque a defesa do consumidor, além de garantia fundamental (art. 5º, XXXII, da CF), é matéria considerada e interesse social pelo art. 1º do CDC. Como é função institucional do Ministério Público a defesa dos interesses sociais (art. 127, caput, da CF), essa atribuição dada pelo art. 82 do CDC obedece ao disposto no art. 129, IX, da CF, pois a defesa coletiva do consumidor, no que tange a qualquer espécie de seus direitos (difusos, coletivos ou individuais homogêneos), é, ex vi legis, de interesse social. (NERY JR, 1995, p. 516)

O eminente professor Elton Venturi destaca que:

De outro lado, desprovida de razão a crítica segundo a qual estaria o Ministério Público, ao ajuizar ação de tutela de direitos individuais homogêneos, deixando de atuar em outras frentes prioritárias, como a proteção dos direitos difusos e coletivos. Destaque-se, primeiramente, que o modelo de tutela coletiva brasileira, por intermédio do art. 103, §3º, do CDC, expressamente determinou a extensão do resultado de procedência de ação coletiva que tutela direitos difusos e coletivos em proveito de vítimas e sucessores a título individual, ou seja, transformou a ação difusa ou coletiva potencialmente em ação de tutela individual homogênea.

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Vale dizer, ainda que não tenha sido a intenção originária de uma ação de tutela de interesses difusos por parte do Ministério Público (v.g., uma ação por dano ambiental), necessariamente serão beneficiados direitos individuais homogêneos correlatos, o que por si só acabaria por tornar a presente discussão estéril. Ademais, inexiste, logicamente, qualquer correlação entre a atuação dos membros do Parquet na tutela dos direitos individuais homogêneos e uma pretensa omissão na defesa dos interesses difusos ou coletivos. Se é que tal omissão ocorre efetivamente, está diretamente vinculada às carências estruturais da Instituição, mas não com uma sugerida perda de tempo decorrente da propositura de ações coletivas de proteção de direitos individuais homogêneos. Por fim, percebe-se profundo equívoco no raciocínio segundo o qual o ajuizamento de ações coletivas para a defesa de direitos individuais homogêneos por parte do Ministério Público importaria usurpação do exercício do próprio direito material, patrimonial e disponível, pelos seus titulares, perfeitamente identificáveis. (VENTURI, 2007, pp. 183-184)

Concluindo, alcançada a sentença em ação coletiva proposta pelo

Ministério Público não demonstra um exclusivo exercício do direito material

individual patrimonial e disponível.

4.1.4.A legitimação das associações de classe e sindicatos

Na área da tutela individual os maiores obstáculos ao acesso à justiça

são os fatores culturais, econômicos e políticos, na seara da tutela coletiva

agrega-se a esses a natural dispersão das pretensões meta-individuais, devido

ao grande número de legitimados ativos, faz com que pareça que ninguém é

titular ou responsável da referida ação.

Dessa forma, relata Elton Venturi:

Neste contexto exsurgem as associações civis (termo que abrange tanto as associações de classe como os sindicatos) como entidades catalisadoras dos interesses difusos e coletivos, na medida em que potencialmente concentram em torno de si expressivo contingente de indivíduos, formalmente a elas ligados, e encontram sua finalidade constitutiva (existencial) na própria defesa de direitos individuais, coletivos e difusos que se relacionem com seus fins estatutários. Consciente da importância da organização e coordenação dos interesses dispersos pela sociedade civil, o constituinte de 1988 fomentou a criação de associações independentemente de autorização estatal (art. 5º, XXXIII, da CF), assegurou a liberdade de associação e reunião (art. 5º, XVI, XVII e XX, da CF), a dissolubilidade somente através de decisão judicial transitada em julgado (art. 5º, XIX, da CF), bem como a representação judicial ou extrajudicial de seus filiados, quando expressamente autorizadas (art. 5º, XXI, da CF). (VENTURI, 2007, pp. 199-200)

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Nesse sentido, a Constituição Federal em seu art. 8º, I e V, asseverou a

liberdade de fundação, funcionamento e filiação aos sindicatos, em seu inciso VI

a participação obrigatória nas negociações coletivas do trabalho, e ainda no

inciso III a defesa dos direitos da categoria no âmbito judicial e administrativo.

Relata Elton Venturi que:

“Ainda, em âmbito infraconstitucional, tanto a Lei da Ação Civil Pública (art. 5º, caput, e incisos I e II) como o Código de Defesa do Consumidor (art. 82, IV) trataram de legitimar as associações civis para a tutela de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, independentemente de autorização assemblar, condicionando-a apenas à comprovação da inclusão da proteção dos referidos direitos em juízo dentre as suas finalidade estatutárias e de sua pré-constituição há pelo menos um ano – requisito, esse, dispensável, a critério do juiz, diante do ‘interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido’ (art. 5º, §4º, da LACP e art. 82 §1º, do CDC). As associações civis apresentam-se, pois, na célebre lição de Capelletti, como verdadeiros corpos intermediários entre o indivíduo e o Estado, quebrando os velhos esquemas dogmáticos relacionados à legitimação ativa, na medida em que se apresentam como autênticas propulsoras da proteção dos interesses meta-individuais em juízo”. (VENTURI, 2007, p. 200)

Como se vê, há uma série de garantias constitucionais e

infraconstitucionais às associações à sua presença em juízo, deixando claro as

expectativas pela sociedade civil relacionadas a ela, que é altamente cogitada e

fomentada.

Com a relação a isso, discorre o professor Elton Venturi:

Na verdade, infere-se do sistema constitucional e infraconstitucional brasileiro que as associações civis tanto estão autorizadas a agir na condição de representantes de um ou alguns de seus associados (tutela de direitos puramente individuais através de uma ação individual) como também agir autonomamente para a proteção das pretensões indivisíveis do grupo, comuns a todos os associados e não-associados (tutela de direitos coletivos por via de ação coletiva), para a tutela de direitos difusos e, por fim, também para a defesa de direitos individuais homogêneos (ação coletiva). (VENTURI, 2007, p. 202)

Diante disso, é importante frisar que a autonomia é algo fundamental

para o ajuizamento de demandas coletivas por parte das entidades de classe,

pois assim pode tutelar não apenas os seus associados, mas também aqueles

pertencentes à mesma categoria, grupo ou classe da qual a pretensão está

sendo individualmente analisada.

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Sendo assim, concluindo o determinado entendimento, Elton Venturi

demonstra que:

Precisamente neste sentido, está se encaminhando a jurisprudência do STF para admitir os sindicatos como proponentes de ações coletivas em defesa de direitos coletivos e individuais homogêneos que digam respeito a lesões comuns à categoria, todavia, limitada a autônoma atuação sindical apenas quanto aos processo de conhecimento, negando-lhes legitimação autônoma para a promoção das respectivas execuções, condicionadas, então, a autorizações individuais dos beneficiados, quando passariam a ser verdadeiramente representados pela entidade sindical. (VENTURI, 2007, p. 204)

4.1.5.A legitimação das pessoas jurídicas de direito público

O ordenamento jurídico brasileiro confere legitimação às entidades de

direito público interno para a propositura de demandas coletivas, respeitando a

limitação da sua atuação pela Constituição Federal na tutela dos interesses

públicos referentes à proteção do patrimônio público, do meio ambiente, dos

consumidores, do bem-estar social.

Diante disso, é importante destacar o entendimento do ilustre autor:

É precisamente neste contexto, pois, que deve ser avaliada a viabilidade da admissão de demandas coletivas propostas pelo Poder Público: ação coletiva deve, necessariamente, revelar a pretensão de tutela de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, na medida em que tal proteção se revele socialmente útil e necessária – para o quê, inclusive, se abstrai qualquer avaliação sobre eventual pertinência temática existente entre os interesses próprios da pessoa jurídica de direito público e o objeto da ação. (VENTURI, 2007, p. 211)

Assim, não se deve admitir as ações coletivas ajuizadas pelo Poder

Público que busque apenas saciar um interesse seu, isto é, que não tenha

qualquer relação com a proteção do interesse público primário.

4.2.INTERESSE DE AGIR

Desde que legitimado, cabe ao autor demonstrar a presença do

interesse processual.

Nesse sentido, Rosa Maria Andrade Nery e Nery, entende que:

existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático.

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Verifica-se o interesse processual quando do direito tiver sido ameaçado ou efetivamente. (NERY e NERY, 2013, p. 700)

4.2.1.Nas ações de tutela de direitos difusos e coletivos

As primeiras palavras acerca desse tópico ficam a cargo de Elton Venturi

que cita também Rodolfo Mancuso, vislumbrando que:

No campo da tutela coletiva, importa menos à aferição da necessidade de se recorrer ao Judiciário a referibilidade entre o titular da pretensão e o tipo de tutela pleiteada do que a relevância social do interesse: ‘É nessa linha que se pode reconhecer interesse de agir em tema de interesses difusos: não importa que seja indeterminado seu titular; o que conta é o fato de que o interesse em questão é socialmente relevante e, como tal, digno de proteção jurisdicional. (VENTURI, 2007, p. 229)

Devido a autorização da legislação de conferir a legitimidade ativa a uma

série de entidades, em decorrência também dos obstáculos ao acesso à justiça,

o legislador acabou por determinar a presunção do interesse processual na

propositura de qualquer demanda coletiva.

Com relação a isso, cabe destacar os ensinamentos de Arruda Alvim:

Deve-se ter presente que os novos bens, referidos originária e principalmente pela Lei da Ação Civil Pública, já nasceram sob o signo da indisponibilidade, se em si mesmo considerados. Essa indisponibilidade, decorrente do regramento que a esses foi atribuído, revela a importância que a eles tributou o legislador. E, paralelamente, conferiu legitimidade a organismos sociais interessados e ao Ministério Público, aptos à proteção desses bens. O instrumental de direito processual posto à disposição desses legitimados é profundamente diferente daquele do processo tradicional. (ALVIM, 1995, p. 83)

Nesse sentido, complementa Elton Venturi, que:

Tecnicamente também se pode inferir a referida presunção, na medida em que no sistema jurisdicional brasileiro, para fins de proteção de direitos difusos e coletivos, a ação coletiva se apresenta como a única que viabiliza sua adequada proteção. De fato, sendo absolutamente inadequado o manuseio de ação individual para a dedução de tutela de direitos essencialmente meta-individuais, a propositura de demanda coletiva não será, pois, uma opção, mas, sim, a opção autorizada pelo ordenamento para tal desiderato”. (...) Vale dizer: também para a dedução de tutela de direitos essencialmente meta-individuais (difusos e coletivos) por via da ação civil pública a proposta mencionada não só inverte o ônus da demonstração acerca da relevância social da demanda coletiva, como outorga ao juiz a autoridade para selecionar, empiricamente, dentre pretensões difusas e coletivas deduzidas, aquelas que se apresentariam como especialmente relevantes, a partir de análises notoriamente subjetivas, como se fosse possível, sob perspectiva

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constitucional do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, intentar uma tal forma de discriminação. (VENTURI, 2007, pp. 230-231)

Dessa forma, é apenas necessário que para admissão da tutela coletiva

a demonstração em juízo de que a pretensão seja difusa, coletiva ou individual

homogênea.

4.2.2.Nas ações coletivas de tutela a direitos individuais homogêneos

Nesse caso, caberia especular se possível ajuizar a ação individual por

parte do sujeito titular da pretensão substancial, teria também o interesse para a

propositura da ação coletiva.

Para se estabelecer o interesse processual nas ações coletivas de

defesa de direitos individuais homogêneos é necessário destacar dois requisitos,

o da superioridade e da prevalência.

Dessa forma, ficamos com o entendimento de Ada Pellegrini Grinover:

O requisito da superioridade da tutela coletiva, em relação à individual, em termos de justiça e eficácia da decisão, pode ser abordado, no Direito brasileiro, sob dois aspectos: o interesse de agir e o da efetividade do processo. (...). Não é difícil, assim, estabelecer a correlação entre a exigência de superioridade da ação de classe, em relação a outros meios de solução de litígios (própria da common law), com interesse/utilidade e interesse/adequação da civil law. Se o provimento jurisdicional resultante da ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos não é tão eficaz quanto aquele que derivaria de ações individuais, a ação coletiva não se demonstra útil à tutela dos referidos interesses. E, ademais, não se caracteriza como a via adequada à sua proteção. (...). Ora, a prova do nexo causal (na liquidação individual) pode ser tão complexa, no caso concreto, que tornará praticamente ineficaz a sentença condenatória genérica do art. 95, a qual só reconhece a existência do dano geral. Nesse caso, a vítima, ou seus sucessores, deverá enfrentar um processo de liquidação tão complicado quanto uma ação condenatória individual, até porque ao réu devem ser asseguradas as garantias do devido processo legal, e notadamente o contraditório e a ampla defesa. E a vida dação coletiva terá sido inadequada para a obtenção da tutela pretendida. (...). Parece ser possível estabelecer uma correlação entre o requisito da prevalência dos aspectos comuns e o da superioridade (ou eficácia) da tutela por ações de classe. Quanto mais os aspectos individuais prevalecerem sobre os comuns, tanto mais a tutela coletiva será inferior à individual, em termos de eficácia da decisão. Na linguagem do Código de Defesa do Consumidor, quanto mais heterogêneos os direitos individuais, tanto menos útil a sentença genérica do art. 95 e inadequada a via da ação civil pública reparatória de danos individuais. Assim, no nosso sistema jurídico, à impossibilidade jurídica do pedido acrescentar-se-á frequentemente a falta de interesse de agir (interesse/utilidade e interesse/adequação).

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(...). Uma sentença genérica que não seja idônea a pacificar com justiça e um processo coletivo incapaz de solucionar a controvérsia de direito material não podem encontrar guarida num ordenamento processual moderno como é o brasileiro. (...). Nos casos em que a sentença genérica do art. 95 do CDC for de utilidade tão diminuta, a ponto de ser inadequada para solucionar a controvérsia com justiça, a aferição do interesse/utilidade e do interesse/adequação transcenderá o âmbito da técnica processual, para se inscrever como exigência de efetividade do processo. (...). Não será demais lembrar que um provimento jurisdicional desprovido de utilidade prática desprestigia o processo e constitui um engodo para a generosa visão do acesso à justiça. O acesso à justiça não pode ser uma promessa vã. Facilitá-lo, por intermédio de ações coletivas, é um grande avanço, assimilado pelo direito processual brasileiro. Mas admitir ações civis públicas inidôneas para gerar provimento jurisdicionais efetivamente úteis só pode levar ao descrédito do instrumento, à frustração dos consumidores com relação à justiça, ao desprestígio do Poder Judiciário. (GRINOVER, 2001, pp. 33-37)

Sendo assim, é interessante concluir o tópico com os ensinamentos de

Elton Venturi:

Por fim, conforme a crítica já empreendida, o problema afeito à conceituação dos direitos individuais homogêneos é um falso problema, vez que esconde, em verdade, um debate muito mais profundo e de natureza menos técnica que político-ideológica, envolvendo o acesso à justiça. Assim, se o primeiro e mais grave compromisso do sistema de tutela jurisdicional coletiva diz respeito à eliminação ou amenização dos entraves opostos à plena acessibilidade e ao efetivo controle de quaisquer lesões ou ameaças a direitos, tendo por base a realidade brasileira, não se prestam a tanto quaisquer tentativas de condicionamento à identificação (tipificação) dos direitos individuais homogêneos. (VENTURI, 2007, p. 240)

4.3.POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

Buscando conceituar tal requisito, ficamos com as palavras de Elton

Venturi (2007, p. 247): “representa a viabilidade da tutela pleiteada, que repousa

tanto na teórica admissibilidade do pedido deduzido como, também, da sua

pertinente causa de pedir, conjugadamente analisados”.

Diante disso, e com uma visão mais aprofundada da situação, Egas

Dirceu Moniz de Aragão, observa, que:

Em alguns casos, de fato, a lei enumera taxativamente as hipóteses em que concede possibilidade jurídica ao pedido, como sucede, por exemplo, com a ação rescisória. Em consequência, fora das situações indicadas no art. 485 e seus incisos o pedido será juridicamente impossível. Em outros, porém, que constituem a generalidade, a lei é omissa a tal respeito e, então, poderá não faltar possibilidade jurídica

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ao pedido ainda que o ordenamento jurídico não contenha norma afirmativa sobre sua admissibilidade. O pedido é juridicamente possível, portanto, sempre que nenhum texto legal se oponha, implícita ou explicitamente, à sua viabilidade. (ARAGÃO, 1998, p. 45)

Com relação ao que foi dito acima, Elton Venturi observa, que:

Todavia, o formalismo e o conceitualismo empregados por parcela da doutrina e da jurisprudência nacionais acabaram por deturpar as categorias de direitos meta-individuais, restringindo seu sentido e sua tutela pela via das demandas coletivas (sobretudo quanto aos direitos individuais homogêneos). Ainda, entraves são inseridos à plenitude do sistema de tutela coletiva, derivados da não-assimilação da integração dos sistemas legislativos da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, responsável por equívocos quanto à possibilidade jurídica de algumas pretensões virem a ser alvo de ações coletivas. (VENTURI, 2007, p. 248)

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5. COMPETÊNCIA

A competência nas ações coletivas é algo ainda muito confuso, pois,

entende Elton Venturi que:

De fato, se em função da pouca clareza do tratamento legislativo dos critérios de fixação da competência, alicerçados em conceitos fluidos ou indeterminados (local do dano, dano local, dano regional, dano nacional), seja em função da natural problematização política que desperta, que motivou, inclusive, uma indevida porém intencional confusão entre os institutos da competência jurisdicional e da extensão subjetiva da coisa julgada (decretada pela alteração do art. 16 da LACP, adiante analisada), a competência jurisdicional para a tutela coletiva está a merecer análise aprofundada, tanto de lege lata como de lege ferenda. (VENTURI, 2007, pp. 266-267)

Sendo assim, cabe a nós, de forma superficial, visualizar os critérios de

fixação de competência e o como o sistema tem vem agindo para aplicar tal

regra.

5.1.COMPETÊNCIA DO FORO

5.1.1. Regra de competência absoluta

5.1.1.1.Competência absoluta: funcional ou territorial?

A competência nos casos de tutela de coletiva é totalmente diferente da

tutela individual, pois a primeira é de forma absoluta, e a segunda, como regra,

não o é.

Como assevera Daniel Amorim Assumpção Neves:

A competência do foro no âmbito do núcleo duro do microssistema coletivo é regulada pelos arts. 2º da LACP e 93 do CDC. No art. 93 do CDC não há qualquer previsão a respeito da natureza da competência lá determinada, mas no art. 2º da LACP há previsão expressa da competência funcional do local do dano, o que demonstra de forma indiscutível a natureza absoluta da competência ali prevista. Uma vez previsto expressamente no art. 2º da LACP que a competência do foro para as demandas coletivas é funcional, pode-se afirmar que a natureza dessa competência estaria resolvida por determinação legal. Ocorre, entretanto, que a simples previsão de uma espécie de competência não é suficiente para determinar sua natureza, de forma que continua a existir a dúvida a respeito de ser a regra de competência do foro do local do dano de natureza funcional ou territorial, ainda que, nesse segundo caso, excepcionalmente absoluta. (NEVES, 2014, p. 142)

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Tal questão nos leva aos ensinamentos de Chiovenda onde entendia

que se vislumbrava a competência funcional (1969, p. 187): “quando uma causa

é confiada ao juiz de determinado território, pelo fato de ser a ele mais fácil ou

mais eficaz exercer a sua função”. Porém, tal construção ocasiona o problema

de que a fixação de competência a um certo território posso ter caráter funcional,

o que, nas palavras de Daniel Neves: “não se coaduna com o conceito clássico

de competência funcional. Se a competência é de foro (circunscrição territorial),

só pode ser territorial”.

Completando a discussão, ficamos com as palavras de Daniel Neves:

O debate a respeito da espécie de competência do local para o julgamento das ações coletivas, entretanto, é meramente acadêmico. Há os que entendem se tratar de competência funcional, nos termos das lições de Chiovenda; há os que reputam se tratar de competência territorial, posicionamento que considero o mais adequado; e até aqueles que defendem uma espécie híbrida de competência, reunindo a funcional e a territorial. No que mais importa, entretanto, todos concordam: trata-se de competência absoluta de um determinado foro para julgar ação coletiva. (NEVES, 2014, pp. 142-143)

5.1.1.2.Local do dano

A LACP em seu art. 2º, e o art. 93, I, do CDC, preveem que a

competência do dano é a do local do dano. O Código de Defesa do Consumidor

ainda prevê a competência da ação coletiva preventiva. No inciso II do art. 93

do CDC está também elencado a competência do dano em âmbito nacional que

seria a Capital do Estado ou o Distrito Federal.

Daniel Neves tece uma severa crítica a esse dispositivo do Código do

Consumidor, destacando que:

Não há razões para elogiar o art. 93 do CDC, salvo pela lembrança da tutela coletiva preventiva. Embora criticável o dispositivo, o Superior Tribunal de Justiça corretamente entende que sua aplicação não está limitada aos direitos individuais homogêneos, tampouco à seara consumerista, tratando-se de norma aplicável em todas as ações civis públicas. Entendo que há dois graves problemas gerados por esse dispositivo legal, não havendo qualquer contribuição de suas regras para a necessária segurança jurídica ou mesmo qualidade de prestação jurisdicional.

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A primeira crítica dirigida ao dispositivo legal diz respeito a sua total despreocupação em conceituar as diferentes abrangências de dano que menciona (local, regional e nacional). Nem mesmo parâmetros que poderiam ajudar na análise do caso concreto são fornecidos pelo referido dispositivo. Naturalmente que deixando a missão de conceituação de tais abrangências exclusivamente à jurisprudência e à doutrina, o resultado seria – como de fato o é – a insegurança jurídica. De qualquer forma, tenta-se explicar o que significa dano local, regional e nacional. A análise se inicia pelo que deve ser entendido como dano de âmbito local. Parece que nesse caso o dano não terá repercussão muito ampla, estando limitado a produtos ou serviços que atingirão tão somente pessoas domiciliadas em pequena área territorial, sendo características principal a pequena geográfica do dano. Nesse caso, o art. 93, I, do CDC indica o foro do lugar como competente, e assim o deverá ser. No caso de o dano atingir mais de uma comarca, a competência entre elas se resolverá pelo fenômeno da prevenção, ainda que as comarcas pertençam a diferentes Estados. O mesmo ocorrerá com diferentes seções judiciárias, mesmo que de regiões distintas. Os danos de mais repercussão poderão ser regionais, quando afetarem pessoas espalhadas por uma área mais extensa, abrangendo uma área que possa ser considerada uma região, ou nacionais, quando atingirem pessoas em diferentes áreas, sendo gerado praticamente em todo o território nacional. Como se pode notar, não é fácil a distinção entra dano loca, regional e nacional, ainda que a distinção entra dano regional e nacional seja inócua para a definição da competência. A dificuldade pode ser sentida nas lições de autorizada especialista no tema, segundo quem o dano loca é mais restrito, atingindo pessoas residentes ‘num determinado local’, enquanto será regional ou nacional o produto ou serviço que gerar danos mais amplos, de modo a atingir ‘pessoas espalhadas por uma inteira região ou por todo território nacional’. (...) A segunda crítica que deve ser feita ao art. 93 diz respeito à regra criada pelo seu inciso II, porque, a depender da situação concreta e/ou a vontade do autor, a ação coletiva terá como competente um foro no qual o dano discutido não foi gerado e em algumas situações bem distante do local onde ocorreu. Entendo que nesse caso a regra viola a própria razão de ser da competência absoluta das ações coletivas, porque, se a justificativa impor a competência de um fora é a proximidade com as provas, pessoas e facilitação do exercício jurisdicional, como justificar uma regra que permite a competência de um foro em que nenhuma dessas existirá? Basta imaginar um dano suportado por consumidores do Sul brasileiro, espalhados por inúmeras comarcas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, inclusive as capitais de tais Estados. Pouco importa se tal dano é local ou nacional porque a regra aplicável será a mesma: competência corrente dos foros da Capital e do Distrito Federal. Caso o autor escolha qualquer uma das três capitais dos Estados afetados, não haverá violação a regra prevista no art. 2º da LACP, porque a ação terá como competente um foro no qual ocorreu o dano. E se a opção for o Distrito Federal? Será ainda mais dramática a hipótese de dano que atinja comarca de Estados diferentes sem, entretanto, afetar suas capitais. Nesse caso, independentemente da escolha do autor – entre as capitas dos Estados atingidos ou Distrito Federal – a ação coletiva será proposta e seguirá

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em foro onde não ocorreu o dano discutido na demanda. (NEVES, 2014, pp. 143-145)

Diante disso, fica fácil notar a problemática introduzida por esse artigo,

pois, ainda, no caso concreto poderá demonstrar desrespeito ao disposto no art.

2º da LACP, que toma como competente absoluto o foro do local do dano.

5.1.2. ECA e Estatuto do Idoso

O art. 209 do ECA dispõe que o foro competente para ações coletivas o

local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão impugnada na demanda.

Acerca do Estatuto do Idoso, o seu art. 80 prevê as ações coletivas serão

propostas no domicílio do idoso, onde o juízo terá competência absoluta para

processar a causa.

Porém, nesse caso, entende-se por maioria da doutrina, que se deva

manter a regra que leva em conta o local do dano.

5.1.3.Mandado de segurança coletivo

Ao mandado de segurança coletiva é aplicado integralmente as mesmas

regras do mandado de segurança individual.

5.1.4.Ação popular

Daniel Neves descreve a problemática em torno da competência na ação

popular, que:

Uma vez determinada a competência do primeiro grau de jurisdição para o julgamento da ação popular, que é a regra, aplica-se a previsão do art. 5º da LAP, que deixa curiosamente de fixar a competência do foro (territorial). Nesse dispositivo há previsão somente da Justiça e do juízo competente, sem qualquer menção à regra de competência territorial aplicável. Vejo duas possibilidades para resolver a omissão legal: (a) busca-se a solução dentro do microssistema coletivo, aplicando-se por analogia a regra do art. 2º da LACP, lembrando a natureza absoluta dessa competência, ou (b) parte-se para o Código de Processo Civil, nas regras gerais de competência territorial, de natureza coletiva Pessoalmente, compartilho do entendimento doutrinário que defende a aplicação da regra já constante no microssistema, o que inclusive manteria homogêneo o tratamento da competência do foro no âmbito da tutela coletiva. Ainda que o local nem sempre seja o mesmo (vide o art. 209 do ECA e o art. 83 do Estatuto do Idoso), a regra é sempre de competência absoluta. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, tem entendimento diverso, determinando a aplicação por analogia das regras do Código de Processo Civil e transformando a competência

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territorial da ação popular na única competência relativa de todo o microssistema coletivo, também havendo opinião doutrinária nesse sentido. (NEVES, 2014, p. 148)

Sendo assim, figurando a União no polo passivo da ação popular, o autor

tem a opção de ajuizar ação na seção judiciária do seu domicílio, a do local do

ato ou fato, onde esteja o objeto, ou a do Distrito Federal.

5.1.5.Ação de improbidade administrativa

Na lei 8.429/1992 não há menção da competência relativa as ações de

improbidade administrativa.

Diante disso, fica a dúvida de qual regra deve ser aplicada, a do

microssistema coletivo ou do Código de Processo Civil.

Nesse sentido, cabe destacar as palavras do autor:

O Superior Tribunal de Justiça preferiu decidir a questão de outra forma, sem a aplicação do art. 93 do CDC, desprezando a abrangência nacional do dano e preferindo atribuir a competência ao foro em que se reúne a maior parte dos elementos probatórios. A decisão é interessante porque busca a ratio do art. 2º da Lei 7.347/1985 para definir a competência do foro em que, ao menos em tese, será mais facilmente exercida a função jurisdicional, supostamente com a prestação de um serviço jurisdicional mais eficiente. Trata-se de aplicação do princípio da competência adequada. (NEVES, 2014, p. 150)

5.2.COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

5.2.1.Processo coletivo especial

O Supremo Tribunal Federal tem competência originária para o

julgamento da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal

ou estadual, ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo

federal ou estadual, arguição de descumprimento de preceito fundamental e

ação direta de inconstitucionalidade por omissão, conforme dispõe os arts. 102,

I, a, e 103, § 2º, ambos da Constituição Federal.

Os Tribunais de Justiça também têm competência para julgar as ações

diretas de inconstitucionalidade quando a alegada ofensa atingir a Constituição

Estadual.

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5.2.2.Ação popular e ação civil pública

Em regra, a competência originária de ambas as ações é a de primeiro

grau, independentemente da autoridade processada.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal entende que em situações

excepcionais, cabem duas hipóteses: (i) as causas e os conflitos entra a União

e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as

respectivas entidades da administração indireta (art. 102, I, f, da CF); (ii) a ação

em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente

interessados e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de

origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados (art.

102, I, n, da CF).

5.2.3.Ação de improbidade administrativa

No art. 102, I, “b” e “c”, e no art. 105, I, “a” e “b”, ambos Constituição

Federal, existe a previsão de competência originária aos Tribunais Superiores

para o julgamento dos crimes comuns e de responsabilidade quando praticados

por determinadas autoridades. Porém, a dúvida gerada é se tal prerrogativa se

aplica à ação de improbidade administrativa.

Diante da tratativa, Daniel Neves expõe os dois pontos de vista da

doutrina e como tem sido aplicado essa regra:

Para uma corrente doutrinária deve-se admitir a aplicação extensiva, em especial em razão da gravidade das penas que poderão ser cominadas em sede de ação de improbidade administrativa, até mesmo mais severas que as aplicáveis em uma ação de natureza penal (ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositivo). Trata-se da consagração da tese das competências implícitas complementares contidas no texto constitucional, o que permitiria uma interpretação ampliativa dos dispositivos legais para fazer incluir regrar de competência que não estejam expressamente consagradas no texto legal. Contrariamente a esse entendimento, outra corrente doutrinária defende a interpretação literal dos dispositivos constitucionais que preveem competência originária dos tribunais superiores, de forma a ser sempre do primeiro grau de jurisdição a competência para julgar a ação de improbidade administrativa. O principal argumento é que, tratando-se de normas que criam exceções no sistema, sua interpretação deve necessariamente dar-se de forma restritiva. Apesar de reconhecer a seriedade das penas contidas na Lei 8.429/1992, essa

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corrente doutrinária entende que não se pode confundir a natureza administrativa das sanções com as sanções de natureza penal, únicas que garantem a prerrogativa de foro em razão da função exercida pela autoridade pública. Há doutrina inclusive que apela para o conteúdo político, asseverando que historicamente os tribunais superiores têm falhado em sua missão sancionatória em ações de sua competência originária. (...) A aparente modificação de entendimento ocorrido no Supremo Tribunal Federal afetou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema. No julgamento da Reclamação Constitucional 2.790/SC, a Corte Especial, fazendo expressa remissão ao julgamento do Supremo Tribunal Federal já mencionado, passou a admitir a aplicação por analogia à ação de improbidade administrativa das normas constitucionais que asseguram a prerrogativa de foro a determinadas autoridades. Após o julgamento também há decisões nesse sentido, que corroboram o entendimento expressado pela Corte Especial, ressaltando que o determinante para a competência originária do tribunal é a possibilidade de perda do cargo do agente público. Ainda que admitida a prerrogativa de foro, naturalmente esta não haverá para ex-autoridades, que não exerçam mais o cargo público quando da propositura da ação, independentemente de os atos terem sido praticados quando de seu exercício. Da mesma forma, sendo perdida a função durante o trâmite procedimental, será caso de imediata remessa dos autos ao juízo de primeiro grau competente para a causa. Tratando-se de regra de competência absoluta, não se aplica o princípio da perpetuatio jurisdictionis (art. 87 do CPC), tendo a alteração fática consequências imediatas na determinação da competência” (NEVES, 2014, pp. 133-135)

5.2.4.Mandado de injunção coletivo

Será de competência do Supremo Tribunal Federal quando autoridade

elaboradora da norma regulamentadora for o Presidente da República, do

Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas

de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos

Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal, conforme o art.

102, I, q, da CF.

Da alçada do Superior Tribunal de Justiça será quando a elaboração da

norma regulamentadora ocorrer a cargo de órgão, entidade ou autoridade

federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de

competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da

Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal, assim disposto no

art. 105, I, h, da CF.

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5.2.5.Mandado de segurança coletivo

Segue o mesmo raciocínio do disposto acima, conforme o art. 102, I, d,

para o Supremo Tribunal Federal, e o art. 105, I, b, para o Superior Tribunal de

Justiça, ambos da Constituição Federal.

5.3.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESPECIALIZADA

Para se verificar a competência da Justiça Especializada, é necessário

identificar o conteúdo da matéria discutida na demanda judicial.

Sendo assim, deve-se observar as nuances da Justiça do Trabalho,

Justiça Militar e Justiça Eleitoral, e propor a demanda em seu respectivo juízo

segundo o seu conteúdo.

5.4.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM

A Justiça comum é composta pela Justiça Federal e Justiça Estadual,

tendo competência residual, ou seja, caso não seja competência de nenhuma

das Justiças Especializadas, caberá à Justiça Comum processar e julgar a

demanda.

5.5.O ART. 16 DA LACP E A PROBLEMÁTICA DA COMPETÊNCIA

O referido artigo busca limitar a eficácia territorial da coisa julgada ao

âmbito da jurisdição do órgão prolator da decisão, como podemos observa no

corpo do texto:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova

Assim, tal restrição é observada no art. 2º-A da Lei Federal n. 9.494/97:

Art. 2o-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída

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com a ata da assembleia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços.

Na atual conjuntura do ordenamento jurídico pátrio é claro que todo

dispositivo legal deve ser observado sob o princípio da razoabilidade. Assim,

para que as leis sejam aplicadas, elas devem ser razoáveis e proporcionais.

Como bem asseveram Didier Jr. e Zaneti Jr.:

Os dispositivos são irrazoáveis, pois impõem exigência absurdas, bem como permitem o ajuizamento simultâneo de tantas ações civis públicas quantas sejam as unidades territoriais em que se divida a respectiva Justiça, mesmo que sejam demandas iguais, envolvendo sujeito em igualdade de condições, com a possibilidade teórica de decisões diferentes e até conflitantes em cada uma delas. Trata-se de evidente apropriação do direito processual pelo “Príncipe/Estado”, óbvio abuso do poder de legislar excepcionalmente atribuído ao Poder Executivo e que, no Estado Democrático de Direito, deveria ter vedado o uso do poder como se fosse seu “Soberano” ou “Supremo Magistrado”. Todo poder emana do povo e está limitado pela Constituição (art. 1º, parágrafo único da CF/88). Soberana é a Constituição, a Constituição atua ela mesma, como “Supremo Magistrado” da nação. O uso do processo para garantir os interesses do poder e das classes dominantes não é novo, e mereceu forte apelido de “microssistema processual do Estado” em recente obra de doutrina. (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2014, pp. 130-131)

Continuando, os autores apontam cinco objeções as restrições teóricas

e pragmáticas dos dispositivos:

a) Ocorre prejuízo a economia processual e fomento ao conflito lógico e prático de julgados;

b) Representa ofensa aos princípios da igualdade e do acesso à jurisdição, criando diferença no tratamento processual dado aos brasileiros e dificultando a proteção dos direitos coletivos em juízo;

c) Existe indivisibilidade ontológica do objeto da tutela jurisdicional coletiva, ou seja, é da natureza dos direitos coletivos lato sensu sua não separatividade no curso da demanda coletiva, sendo legalmente indivisíveis (art. 81, parágrafo único do CDC);

d) Há, ainda, equívoco na técnica legislativa, que acaba por confundir competência, como critério legislativo para repartição da jurisdição, com a imperatividade decorrente do comando jurisdicional, esta última elemento do conceito de jurisdição que é uma em todo território nacional;

e) Por fim, existe a ineficácia da própria regra de competência em si, vez que o legislador estabeleceu expressamente no art. 93 do CDC (lembre-se, aplicável a todo o sistema das ações coletivas) que a competência para julgamento de ilícito de âmbito regional ou nacional é do juízo da capital dos Estados ou no Distrito Federal, portanto, nos termos da Lei em comento, ampliou a “jurisdição do órgão prolator”. (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2014, p. 131)

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Diante disso, Nery e Nery discorrem a respeito da inconstitucionalidade

dos dispositivos:

A norma, na redação dada pela L 9494/97, é inconstitucional e ineficaz. Inconstitucional por ferir princípios do direito de ação (CF 5º XXXV), da razoabilidade e da proporcionalidade e porque o Presidente da República editou, por meio de medida provisória, sem que houvesse autorização constitucional para tanto, pois não havia urgência (o texto anterior vigorava há doze anos, sem oposição ou impugnação), nem relevância, requisitos exigidos pela CF 62, caput. (NERY e NERY, 2013, p. 1558)

João Batista de Almeida, dispõe que o legislador confundiu os limites

subjetivos da coisa julgada com competência:

...o Presidente da República confundiu limites subjetivos da coisa julgada, matéria tratada na norma, com jurisdição e competência, como se, v.g., a sentença de divórcio proferida por juiz de São Paulo não pudesse valer no Rio de Janeiro e nesta última comarca o casal continuasse casado! (...) Portanto, se o juiz que proferiu a sentença na ação coletiva tout court, quer verse sobre direitos difusos, quer coletivos ou individuais homogêneos, for competente, sua sentença produzirá efeitos erga omnes ou ultra partes, conforme o caso (v. CDC 103), em todo território nacional – e também no exterior -, independentemente da ilógica e inconstitucional redação dada...(ALMEIDA, 2001, p. 167)

Nesse sentido, apontam Nery e Nery:

Ineficaz porque a alteração ficou capenga, já que incide o CDC 103 nas ações coletivas ajuizadas com fundamento na LACP, por força do LACP 21 e CDC 90. Para que tivesse eficácia, deveria ter havido alteração da LACP 16 e do CDC 103. De consequência, não há limitação territorial para eficácia erga omnes da decisão proferida em ação civil pública, quer esteja fundada na LACP, que no CDC. (NERY e NERY, 2013, p. 1558)

Não obstante todas as considerações acima expostas, até pouco tempo

atrás a jurisprudência do STJ era no sentido da aplicação desses dispositivos.

No entanto, mais recentemente a referida Corte tem entendido conforme a

doutrina, como se observa:

ROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA AJUIZADA POR SINDICATO. SOJA TRANSGÊNICA. COBRANÇA DE ROYALTIES. LIMINAR REVOGADA NO JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO DA AÇÃO COLETIVA. LEGITIMIDADE DO SINDICATO. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. EFICÁCIA DA DECISÃO. LIMITAÇÃO À CIRCUNSCRIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR. 1. O alegado direito à utilização, por agricultores, de sementes geneticamente modificadas de soja, nos termos da Lei de Cultivares, e a discussão acerca da inaplicabilidade da Lei de Patentes à espécie,

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consubstancia causa transindividual, com pedidos que buscam tutela de direitos coletivos em sentido estrito, e de direitos individuais homogêneos, de modo que nada se pode opor à discussão da matéria pela via da ação coletiva. 2. Há relevância social na discussão dos royalties cobrados pela venda de soja geneticamente modificada, uma vez que o respectivo pagamento necessariamente gera impacto no preço final do produto ao mercado. 3. A exigência de pertinência temática para que se admita a legitimidade de sindicatos na propositura de ações coletivas é mitigada pelo conteúdo do art. 8º, II, da CF, consoante a jurisprudência do STF. Para a Corte Suprema, o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do 'writ', exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido nas atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe. Precedente. 4. A Corte Especial do STJ já decidiu ser válida a limitação territorial disciplinada pelo art. 16 da LACP, com a redação dada pelo art. 2-A da Lei 9.494/97. Precedente. Recentemente, contudo, a matéria permaneceu em debate. 5. A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador. 6. O art. 2º-A da Lei 9.494/94 restringe territorialmente a substituição processual nas hipóteses de ações propostas por entidades associativas, na defesa de interesses e direitos dos seus associados. A presente ação não foi proposta exclusivamente para a defesa dos interesses trabalhistas dos associados da entidade. Ela foi ajuizada objetivando tutelar, de maneira ampla, os direitos de todos os produtores rurais que laboram com sementes transgênicas de Soja RR, ou seja, foi ajuizada no interesse de toda a categoria profissional. Referida atuação é possível e vem sendo corroborada pela jurisprudência do STF. A limitação do art. 2-A, da Lei nº 9.494/97, portanto, não se aplica. 7. Recursos especiais conhecidos. Recurso da Monsanto improvido. Recurso dos Sindicatos provido”. (REsp 1243386/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 26/06/2012).

Nesse sentido, concluímos com as palavras de Rodolfo Mancuso:

Acerca do cabal equívoco da cláusula “nos limites da competência territorial do órgão prolator”, aposta ao art. 16 da Lei 7.347/85, já escrevemos: “No campo ambiental, suponha-se uma ação civil pública onde se pede a interdição do uso de mercúrio no garimpo de ouro, atividade realizada ao longo de um rio atravessa dois Estados; figura-se, ainda, que essa ação vem proposta no Estado banhado pelo trecho do rio que está a jusante: de que modo poderia a decisão judicial que acolhe a ação ser realmente eficaz, se os seus efeitos práticos ficassem circunscritos aos limites territoriais do Juízo prolator da decisão? No exemplo, nenhuma eficácia – muito menos erga omnes – teria a coisa julgada, porque o enquinamento do rio, pelo mercúrio, continuaria ocorrendo no Estado banhado pelo trecho do rio postado a montante, e daí desceria até alcançar – e poluir – o trecho do rio situado abaixo, em território supostamente protegido pela coisa julgada. (Nem por outro motivo, aliás, o art. 93 do CDC – Lei 8.078/90 – distingue

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entre ‘dano nacional, regional e local’, e o art. 103 desse Código estabelece uma correlação entre âmbito da coisa julgada e o tipo de interesse metaindividual cogitado na ação, sendo ambos os dispositivos trasladáveis para disciplina da Lei 7.347/85, mercê do art. 117 desse Código)”. (MANCUSO, 2012, pp. 593-594)

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6. COISA JULGADA

6.1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A coisa julgada está disciplinada no art. 467 do Código de Processo Civil,

e também no art. 6º, § 3º da Lei de Introdução às Normas Do Direito Brasileiro.

A matéria também se encontra disposta no art. 5º, XXXVI, da Constituição

Federal.

Assim, Nery e Nery salientam a importância da coisa julgada:

Há determinados institutos no direito, de natureza material (v.g., decadência, prescrição) ou processual (v.g., preclusão), criados para propiciar segurança nas relações sociais e jurídicas. A coisa julgada é um desses institutos e tem natureza constitucional, pois é [...] elemento que forma a própria existência do estado democrático de direito (CF 1.º caput). Sua proteção não está apenas na Constituição Federal 5.º XXXVI, mas principalmente na norma que descreve os fundamentos da República (CF 1.º). O estado democrático de direito (CF 1.º caput) e um de seus elementos de existência (e, simultaneamente, garantia fundamental – Constituição Federal 5.º XXXVI), que é a coisa julgada, são cláusulas pétreas em nosso sistema constitucional (CF 60 § 4.º I e IV), porquanto bases fundamentais da República Federativa do Brasil. (NERY e NERY, 2013, p. 689)

Devido a divergência doutrinária, em seus primórdios a coisa julgada foi

concebida como mera presunção de verdade, uma simples ficção ou verdade

formal.

No Direito Romano entendia-se que, se o objetivo do processo era a

busca da verdade, a sentença espelhava tal fim, adquirindo, assim, domínio de

coisa julgada, mesmo que fosse injusta ou em desarmonia com a verdade real.

Foi Savigny que aperfeiçoou tal entendimento quando criou a teoria da

ficção, onde a verdade demonstrada pela sentença, mesmo sendo injusta

instruía a coisa julgada, não consistia em nada além de uma verdade aparente.

Marinoni, com relação a identificação da verdade real, assevera:

Pode privilegiar a certeza, buscando incessantemente descobrir como as coisas aconteceram, autorizando sempre e a qualquer tempo a revisão da decisão prolatada, e fazendo infinita a solução da controvérsia. Ou pode fazer prevalecer a estabilidade, colocando, em determinado momento, um fim à prestação jurisdicional [...]. Nenhuma das alternativas, porém, é adotada de forma radical por qualquer

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desses sistemas, sempre se buscando o equilíbrio ideal entre elas. (MARINONI; ARENHART, 2012, p. 634)

Liebman e Chiovenda foram os propulsores a elaborar as teses que

embasaram as futuras discussões quanto ao tema da coisa julgada.

Para Chiovenda que entendia o processo como um instituto público,

destinado à atuação da vontade da lei, que possuía um ato de vontade

reconhecendo ou desconhecendo um bem da vida a uma das partes,

entendendo a coisa julgada como a exigência de segurança para fruição desses

bens. Tendo, ainda, a sentença como a afirmação ou negação da vontade do

Estado, sendo o meio pelo qual podia se ter a certeza de tal vontade, a

segurança de ser incontestável.

Já Liebman, que inovou, ao entender que a coisa julgada não se

consubstanciava em um efeito da sentença, mas sim em uma autoridade destes

efeitos e da própria sentença. Dessas teses é que se possibilitou a

fundamentação e a conceituação da coisa julgada atualmente.

Assim, para Humberto Theodoro Jr., os fundamentos da coisa julgada

estão relacionados com a: “inegável necessidade social, reconhecida pelo

Estado, de evitar a perpetuação dos litígios, em prol da segurança que os

negócios jurídicos reclamam”.

6.2.CONCEITO

Para Liebman, a coisa julgada não é um efeito da sentença, mas uma

qualidade desses efeitos. Nesse sentido, o autor elabora dois princípios: a

eficácia natural da sentença, que vale para todos; e a autoridade da coisa

julgada, cuja forma e existência se restringem apenas às partes que participaram

do processo, ante a necessidade de observância dos princípios do contraditório,

ampla defesa e devido processo legal.

Assim, vislumbramos que o entendimento de Liebman destaca o caráter

publicista e híbrido da coisa julgada, pois é tanto um instrumento de pacificação

social quanto um fenômeno exclusivo da jurisdição.

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Segundo Carnelutti, a (1999, p. 184): “coisa julgada, então, significa a

decisão de mérito que se obtém por meio do processo de cognição ou, em outros

termos, a decisão sobre as questões de fundo”.

Moacyr Amaral Santos defina a coisa julgada da seguinte forma:

Enquanto sujeita a recurso a sentença, não se atingiu ainda a finalidade do processo, que é a composição da lide, pelo julgamento final da res judicium deducta... O Estado ainda não disse, pela boca do órgão jurisdicional, a palavra final, que traduzirá a vontade da lei na sua atuação à relação jurídica deduzida em juízo. Entretanto, chegará um momento em que não mais são admissíveis quaisquer recursos, ou porque não foram utilizados nos respectivos prazos, ou porque não caibam ou não haja mais recursos a serem interpostos. Não será possível, portanto, qualquer reexame da sentença... a sentença transita em julgado, tornando-se firme, isto é, imutável dentro do processo. A sentença, como ato processual, adquiriu imutabilidade. (SANTOS, 1998, p. 42)

Com um entendimento mais atual e enxuto da coisa julgada, é

indispensável trazer as palavras do ilustre professor Marinoni:

De fato, a coisa julgada nada mais é do que o reflexo da ordem jurídica abstrata no caso concreto; se a regra abstrata é (ao menos em princípio, e enquanto a necessidade social estiver acorde com ela) imutável, também a regra concreta assim deve ser. E, considerando que na sentença o juiz “concretiza” a norma abstrata, fazendo a lei do caso concreto, nada mais normal que essa lei também se mostre imutável. Tem-se, então, que a coisa julgada material corresponde à imutabilidade da declaração judicial sobre o direito da parte que requer alguma prestação jurisdicional. Portanto, para que possa ocorrer coisa julgada material, é necessário que a sentença seja capaz de declarar a existência ou não de um direito. Se o juiz não tem condições de “declarar” a existência ou não de um direito (em razão de não ter sido concedida às partes ampla oportunidade de alegação e produção de prova), o seu juízo – que na verdade formará uma “declaração sumária” – não terá força suficiente para gerar imutabilidade típica da coisa julgada. Se o juiz não tem condições de conhecer os fatos adequadamente (com cognição exauriente) para fazer incidir sobre estes uma norma jurídica, não é possível a imunização da decisão judicial, derivada da coisa julgada material. (...). Antigamente, identificava-se o fenômeno da coisa julgada material com a descoberta da verdade. É clássica a ideia, estampada no Digesto romano, de que a coisa julgada é aceita como verdade (res iudicata pro veritate accipitur). Houve ainda que visse na coisa julgada não propriamente a verdade, mas uma ficção (ou uma presunção) de verdade. Em realidade, a coisa julgada não se liga, ontologicamente, à noção de verdade. Não a representa, nem constitui ficção (ou presunção) legal de verdade. Trata-se, antes, de uma opção do legislador, ditada por critérios de conveniência, que exigem a estabilidade das relações sociais, e consequentemente das decisões judiciais. É notório que o

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legislador, ao conceber o sistema jurisdicional, pode inclinar-se para a certeza jurídica ou para a estabilidade. Pode privilegiar a certeza, buscando incessantemente descobrir como as coisas aconteceram, autorizando sempre e a qualquer tempo a revisão da decisão prolatada, e fazendo infinita a solução da controvérsia. Ou pode fazer prevalecer a estabilidade, colocando, em determinado momento, um fim à prestação jurisdicional, e estabelecendo que a resposta dada nessa ocasião representa a vontade do Estado relativamente ao conflito posto à sua solução. É comum observar que o processo penal tende para a primeira opção, enquanto o processo civil dirige-se, com maior frequência, para a segunda. Nenhuma das alternativas, porém, é adotada de forma radical por qualquer desses sistemas. Nenhuma das alternativas, porém, é adotada de forma radical por qualquer desses sistemas. (MARINONI, 2012, pp. 632-634)

Ainda, é importante destacar o entendimento de Cândido Dinamarco:

coisa julgada é imutabilidade da sentença e de seus efeitos. Ela só corre depois que a sentença se torna irrecorrível porque, no momento em que é proferida, ela própria e seus efeitos ainda são mera proposta de solução do litígio (sentenças de mérito), ou simplesmente proposta de extinção do processo (terminativas); nesse primeiro momento ainda é possível a substituição da sentença e alteração do teor do julgamento, em caso de recurso interposto pela parte vencida (CPC, art. 512). Uma decisão judiciária só se torna imune a qualquer questionamento futuro quando já não comportar recurso (CPC, art. 467), embora em alguma medida a lei a libere para produzir seus efeitos, ou alguns deles, antes que isso aconteça: é prudente condicionar em tese a eficácia da sentença à sua imutabilidade mas essa correspondência não é necessária nem constante porque há também razões para liberar a primeira, em alguns casos, antes que ocorra a segunda (execução provisória – supra, nn. 896-899). Eficácia e imutabilidade são conceito distintos (Liebman). (DINAMARCO, 2009, pp. 300-301)

Dessa forma, observamos que a coisa julgada é uma qualidade que se

apega ao conteúdo da sentença, a declaração feita pelo juiz, de modo a dar-lhe

o efeito imutável e indiscutível. Impedindo, assim, um questionamento futuro.

No entanto, observa brilhantemente Rodolfo Mancuso a dificuldade do

ordenamento de dar uma definição legal a coisa julgada, que: Presente o vigente CPC, parece-nos que os institutos da coisa julgada formal, material, preclusão e eficácia preclusiva panprocessual estão sediados, respectivamente, nos arts. 467, 468, 473 e 474. A expressão coisa julgada, assim ordinariamente referida, acaba, pois, sendo... polissemia, bifurcada em material e formal, discriminada em seus limites – objetivos e subjetivos e temporais -, particularizada em seu grau de eficácia, que ora restringe às partes, na jurisdição singular, ora se expande em variada intensidade (erga omnes, ultra partes), na jurisdição coletiva. Por isso mesmo, nenhuma tentativa de definição legal da coisa julgada revelou-se de todo satisfatória, até porque seria muito difícil abranger, numa fórmula vernacular, a global compreensão desse complexo objeto. De todo modo, olvidando o romano aviso de que ominia

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definitivo, in juris civilis, periculosa est, assumiu o legislador brasileiro a empreita de definir a coisa julgada. Assim é que o conceito constante da Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro (atual denominação da antiga Lei de Introdução ao Código Civil, cf. Lei 12.376/2010), no § 3º do art. 6º - “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso” – em verdade alude à coisa julgada em sentido formal, como, aliás, parece ser o caso do sentido material, ao imprimir “força de lei” ao quanto decidido nos limites da lide e julgada vem conceituada na razão direta das diferentes expansões da carga eficacial (art. 103 e parágrafos), esta última, à sua vez, parametrizada pelo tipo de interesse metaindividual que foi judicializado (art. 81, § único e incisos). Em outros textos, como o art. 16 da Lei 7.347/85 – ação civil pública – e o art. 18 da Lei 4.717/65 – ação popular -, a coisa julgada vem conceituada em função dos sujeitos que a ela ficam submetidos, ou seja, os chamados limites subjetivos, além de vir condicionada à circunstância de a sentença de mérito ter sido prolatada com base em prova plena e exauriente, vale dizer, secundum eventum litis vel probationis. (MANCUSO, 2012, p. 171)

No mesmo sentido, assevera Luiz Machado Guimarães:

Nenhuma das fórmulas adotadas pelos legisladores para definir a coisa julgada logrou receber aplauso unânime da doutrina. Ao legislador incumbe dispor apenas sobre a maneira como se constitui a coisa julgada e sobre os efeitos por ela produzidos, cabendo à doutrina a tarefa de formular conceitos e definições. Ao traçarem a disciplina da coisa julgada, põem os códigos em relevo ora o seu objeto, isto é, quais as decisões aptas a constituí-la, ora os sujeitos por ele atingidos, ou ainda a sua eficácia. (GUIMARÃES, 1969, p. 17)

6.3.ASPECTOS GERAIS DO REGIME JURÍDICO DA COISA JULGADA

O regime jurídico da coisa julgada coletiva possui uma série de

particularidades com relação a coisa julgada individual.

Visualiza-se o regime jurídico a partir de três dados: i) os limites

subjetivos – quem se submete; ii) os limites objetivos – o que se submete; iii) e

o modo de produção – como se forma.

Neste contexto, específica Fredie Didier Jr.:

Em relação aos limites subjetivos, a coisa julgada pode ser inter partes, ultra partes ou erga omnes. A coisa julgada inter partes é aquela a que somente se vinculam as partes. Subsiste nos casos em que a autoridade da decisão passada em julgado só impõe o caráter de indiscutibilidade para aqueles que figuraram no processo como parte. Trata-se da regra geral para o processo individual. A coisa julgada ultra partes é aquela que atinge não só as partes do processo, mas também determinados terceiros. Os efeitos da coisa julgada estendem-se a terceiros, pessoas que não participaram do processo, vinculando-os. É o que ocorre, geralmente, nos casos em que há substituição processual, em que o substituído, apesar de não

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ter figurado como parte na demanda, terá sua esfera de direitos alcançada pelos efeitos da coisa julgada (mais abaixo veremos que nos processos coletivos nem sempre é assim). (...) Em relação aos limites objetivos, somente se submete à coisa julgada material as eficácias (conteúdo) da norma jurídica individualizada, contida no dispositivo da decisão, que julga o pedido (a questão principal). A solução das questões na fundamentação (incluindo a análise das provas) não fica indiscutível pela coisa julgada, pois se trata de decisão sobre questões incidentes. O regime jurídico da coisa julgada coletiva nada tem de especial. Segue-se, aqui, a regra geral. Quanto ao seu modo de produção, há três diferentes tipos de coisa julgada. Em primeiro lugar, temos a coisa julgada pro et contra, que é aquela que se forma independentemente do resultado do processo, do teor da decisão judicial proferida. Pouco importa se de procedência ou de improcedência, a decisão definitiva ali proferida sempre será apta a produzir coisa julgada. Essa é a regra geral, amplamente difundida em países latino-americanos. Em segundo lugar, temos a coisa julgada secundum eventum litis que é aquela que somente é produzida quando a demanda for julgada procedente. Se a ação for julgada improcedente, ela poderá se reproposta, pois a decisão ali proferida não produzirá coisa julgada material. Este regime não é bem visto pela doutrina, pois trata as partes de forma desigual, colocando o réu em posição de flagrante desvantagem. Em terceiro lugar, há ainda a coisa julgada secundum eventum probationis, que é aquela que só se forma apenas em caso de esgotamento das provas: se a demanda for julgada procedente, que é sempre com esgotamento de prova, ou improcedente com suficiência de provas. A decisão judicial só produzirá coisa julgada se forem exauridos todos os meios de prova. Se a decisão proferida no processo julgar a demanda improcedente por insuficiência de provas, não formará coisa julgada. A coisa julgada é, também aqui, pro et contra, pois surge independentemente do resultado da demanda, mas poderá ser revista se houver outra prova. Mitiga-se a eficácia preclusiva da coisa julgada material. Na verdade a decisão é considerada uma decisão enfrentamento do mérito, a questão não é decidida ou é decidida sem o caráter de definitividade em face da própria cognição revelar-se secundum probationem. Assim, considera-se excepcionada, nesses casos, a vedação ao non liquet em matéria probatória. (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2014, pp. 333-335)

6.4. COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL

A coisa julgada material está disposta no art. 467 do Código de Processo

Civil, onde: “Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

Assim, destacamos os escritos de Humberto Theodoro Jr.:

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Mas existe, também, a coisa julgada formal, que se difere daquele fenômeno descrito no Código e que é tradicionalmente tratada pelos processualistas como fato relevante em matéria de eficácia da sentença. Na verdade a diferença entre a coisa julgada material e a formal é apenas de grau de um mesmo fenômeno. Ambas decorrem da impossibilidade de interposição de recurso contra a sentença. A coisa julgada formal decorre simplesmente da imutabilidade da sentença dentro do processo em que for proferida pela impossibilidade de interposição de recursos, quer porque a lei não mais os admite, quer porque se esgotou o prazo estipulado pela lei sem interposição pelo vencido, quer porque o recorrente tenha desistido do recurso interposto ou ainda tenha renunciado à sua interposição. (THEODORO JR, 2010, p. 536)

6.5.EFEITOS POSITIVO E NEGATIVO

A coisa julgada se individualiza por dois aspectos: a) vincula

definitivamente as partes; b) impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma

controvérsia não só processo encerrado, como em qualquer outro.

Nesse contexto, ficamos com o estudo de Humberto Theodoro Jr.:

Admite-se, dessa maneira, uma função negativa e uma função positiva para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a ação exercida, excluindo a possibilidade de sua reproposição. Pela função positiva, ‘impõe às partes obediência ao julgado como norma indiscutível de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamentos que a pressuponham e que a ela se devem coordenar. A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes ‘a excptio rei iudicatae, para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida’; e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (art. 267, V e § 3º). Portanto, quando o art. 467 fala em indiscutibilidade e imutabilidade da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela imutabilidade, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela indiscutibilidade, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como premissa indiscutível. No primeiro caso atua a força proibitiva (ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força normativa (ou positiva). (THEODORO JR., 2010, pp. 541-542)

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6.6.REGIME JURÍDICO DA COISA JULGADA COLETIVA

Nesse aspecto, é importante destacar as palavras de Fredie Didier Jr.:

Inicialmente, cumpre lembrar que a coisa julgada coletiva, ponto central na conformação do devido processo legal coletivo, apresenta dois aspectos que centralizam todas as discussões a respeito do tema: a) de um lado, o risco da interferência injusta nas garantias do indivíduo titular do direito subjetivo, que poderia ficar sujeito à ‘imutabilidade’ de uma decisão da qual não participou: o problema decorre da circunstância de que o legitimado à tutela coletiva é sempre um ente que não é titular do direito coletivo em litígio (legitimação extraordinária); b) de outro lado, o risco de exposição indefinida do réu ao Judiciário (‘No person should be twice vexes by the same claim’) e a necessária estabilidade jurídica para o Estado (‘it is in the interest of the state that there be na end to litigation’): é preciso, de outro lado, proteger o réu, que não pode ser demandado infinitas vezes sobre o mesmo tema, e limitar o poder do Estado, que não pode estar autorizado a sempre rever o que já foi decidido. (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2014, p. 335)

Sendo assim, observa-se que o regime jurídico da coisa julgada coletiva está estabelecido no art. 103 do CDC, que é a regra geral no microssistema da tutela coletiva.

6.6.1.Direitos difusos ou coletivos

A escolha do legislativo para esses institutos foi o regime da coisa

julgada secundum eventum probationis. Tendo para os direitos difusos a coisa

julgada erga omnes, e para os direitos coletivos a coisa julgada ultra partes.

Assim, explica Fredie Didier Jr.:

Bem pensadas as coisas, a coisa julgada é erga omnes ou ultra partes porque a situação jurídica litigiosa é coletiva. Como se trata de situação jurídica titularizada por um grupo, todo o grupo, e por consequência os seus membros, fica vinculado à coisa julgada. A coisa julgada diz respeito apenas à relação jurídica discutida, que, pelas suas peculiaridades, é uma relação jurídica de grupo. A premissa ajuda a compreender a razão pela qual a distinção entre ultra partes e erga omnes, no caso, é um tanto cerebrina: a coisa julgada atingirá todo o grupo, e seus membros: se o grupo é composto por pessoas indeterminadas, direito difuso, ou se ele é composto por pessoas determináveis, direitos coletivos, é dado sem maior importância, pois a coisa julgada sempre vinculará o grupo e os seus membros, de toda sorte, como referimos, trata-se de parâmetro legal. Esse parâmetro irá auxiliar mais adiante na identificação da coisa julgada nos direitos individuais homogêneos. (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2014, pp. 333-336)

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Tal regra consente, também, que qualquer legitimado, até mesmo quem

propôs e teve a demanda julgada improcedente, tem a possibilidade de voltar a juízo com a mesma demanda, desde que traga nova prova.

Nesse sentido, dispõe Fredie Didier Jr.:

Certamente, esse regime jurídico diferenciado de coisa julgada será mais útil nas causas coletivas em que há necessidade de produção de meios de prova relacionados à tecnologia, como acontece com as causas ambientais e que envolvem o direito à saúde. Nessas hipóteses, é razoável imaginar que, com o progresso natural da ciência, surjam outras técnicas de provar fatos relevantes para a configuração dos respectivos ilícitos. Em causas coletivas em que se discute apenas uma tese jurídica, como naquelas em que se afirma a abusividade de certa cláusula contratual, será mais difícil imaginar o surgimento de outra prova, que não a documental, que pudesse dar ensejo a novo processo. O CM-GIDI descreveu bem a fórmula adequada para compreender a coisa julgada secundum eventum probationis: ‘Art. 18.1. Se a ação coletiva for julgada improcedente por insuficiência de provas, qualquer legitimado coletivo poderá propor a mesma ação coletiva, valendo-se de nova prova que poderia levar a um diferente resultado’. Somente a prova capaz de levar a um ‘diferente resultado’ é hábil a ultrapassar o juízo de admissibilidade da ação coletiva re-proposta. Convém observar, ainda, que a decisão de procedência ou improcedência, com esgotamento de prova, está apta a tornar-se indiscutível no âmbito coletivo. Ou seja, nessas situações, não será admissível a repropositura da demanda coletiva, mesmo que por outro colegitimado. (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2014, p. 337)

E, por fim, é importante destacar as palavras de Antonio Gidi:

“Rigorosamente, a coisa julgada nas ações coletivas do direito brasileiro não é secundum eventum litis. Seria assim, se ela se formasse nos casos de procedência do pedido, e não nos de improcedência. Mas não é exatamente isso o que acontece. A coisa julgada sempre se formará, independentemente de o resultado da demanda ser pela procedência ou pela improcedência. A coisa julgada nas ações coletivas se forma pro et contra. (...) O que diferirá com o ‘evento da lide’ não é a formação ou não da coisa julgada, mas o rol de pessoas por ela atingidas. Enfim, o que é secundum eventum litis não é a formação da coisa julgada, mas a sua extensão ‘erga omnes’ ou ‘ultra partes’ à esfera jurídica individual de terceiros prejudicados pela conduta considerada ilícita na ação coletiva”. (GIDI, Antonio, 1995, pp. 73-74)

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6.6.2.Direitos individuais homogêneos

A redação do inciso III, art. 103, do Código de Defesa do Consumidor

que trata da coisa julgada coletiva dos direitos individuais homogêneos é um

tanto lacunosa. Apesar disso, deixa claro a extensão da coisa julgada para o

plano individual no caso de procedência da demanda.

Destaca-se aqui o entendimento de Fredie Didier Jr.:

Não há regramento, no entanto, da coisa julgada coletiva, somente da extensão da coisa julgada coletiva ao plano individual. Talvez isso decorra do equívoco de considerar a ação envolvendo direitos individuais homogêneos como uma demanda individual tutelada coletivamente, e não como uma autêntica ação coletiva. Conforme a premissa estabelecida neste curso, essa ação é coletiva, pois os direitos individuais homogêneos pertencem, por ficção, a um grupo de indivíduos. Assim, parece que, aplicando o princípio hermenêutico de que a solução das lacunas deve ser buscada no microssistema coletivo, pode-se concluir que se a ação coletiva for julgada procedente ou improcedente por ausência de direito, haverá coisa julgada no âmbito coletivo; se julgada improcedente por falta de provas, não haverá coisa julgada no âmbito coletivo, seguindo o modelo já examinado para os direitos difusos e coletivos em sentido estrito. (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2014, p. 338)

Todavia, a maior parte da doutrina adota a interpretação literal do

dispositivo.

6.7.REPERCUSÃO DA COISA JULGADA COLETIVA NO PLANO INDIVIDUAL

Como visto anteriormente, caso a demanda seja julgada improcedente

não afetará os indivíduos, mas caso seja procedente, o indivíduo poderá valer-

se da coisa julgada coletiva para proceder à liquidação dos seus prejuízos e

executar a sentença.

Sendo assim, importante citar as palavras de Fredie Didier Jr.:

Isso significa que se, por um lado, a sentença coletiva de improcedência do pedido não produz efeitos na esfera individual, não prejudicando as pretensões individuais (art. 103, § 1º, CDC), por outro, a sentença de procedência nas ações para tutela de direitos difusos e coletivos stricto sensu poderá ser liquidada e executada no plano

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individual sem a necessidade de um novo processo para a afirmação do na debeatur (o quê é devido). Assim, os titulares dos direitos individuais homogêneos poderão promover ação de indenização dos seus prejuízos. A coisa julgada coletiva irá beneficiá-los do mesmo modo que a sentença penal condenatória beneficia os titulares de direitos civis decorrente de ilícito penal. Assim, uma sentença coletiva que verse sobre direitos difusos pode servir de título para uma execução coletiva e para uma execução individual, proposta pela vítima que se beneficiou do transporte in utilibus da coisa julgada coletiva. Obviamente, antes de executar a decisão, o indivíduo deverá à liquidação do seu crédito, em que deverá demonstrar, inclusive, a existência do dano e do nexo de causalidade entre a conduta do réu e esse prejuízo. Tudo isso é examinado no capítulo sobre a liquidação e a execução nas demandas coletivas. (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2014, pp. 339-340)

Com relação aos direitos individuais homogêneos, dispõe o referido

autor:

Por outro lado, se o indivíduo intervier na ação coletiva envolvendo direitos individuais homogêneos, atendendo ao edital previsto no art. 94 do CDC, a coisa julgada coletiva lhe afetará, inclusive se se tratar de decisão pela improcedência do pedido. Trata-se de aplicação do § 2º do art. 103 do CDC: ‘Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual’. Trata-se de regra bem razoável: se a extensão da coisa julgada à esfera individual é secundum eventum litis e há possibilidade de intervenção do indivíduo na ação coletiva para tutela de direitos individuais homogêneos, é porque essa intervenção deve vincular o interveniente à decisão coletiva. Caso contrário, qual seria o sentido da possibilidade de intervenção? Esse indivíduo atua como legitimado ordinário, na defesa do próprio direito, constante do feixe de direitos homogêneos. Como participa do contraditório efetivo, vincula-se à coisa julgada. (DIDIER JR.; ZANETI JR., 2014, pp. 340-341)

E, por fim, sintetizando os argumentos expostos acima, conclui:

Perceba que nas ações coletivas, é possível que surja uma destas situações: a) demanda julgada procedente: coisa julgada material no âmbito coletivo, com extensão a todos os membros do grupo (erga omnes ou ultra partes, conforme a locução legislativa); b) a demanda julgada improcedente, por insuficiência de provas, por qualquer legitimado, inclusive aquele que perdeu a causa originária, bem como em nada afeta o possível ajuizamento de ação individual; c) a demanda é julgada improcedente, com suficiência de provas: há coisa julgada material no plano coletivo, ficando vedadas as demandas coletivas por outros legitimados e versando sobre o mesmo objeto, não impedindo, porém, o ajuizamento de ação individual.((DIDIER JR.; ZANETI JR., 2014, p. 341)

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6.8.DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA COISA JULGADA

Apesar de a coisa julgada ser um tema eminentemente processual, ela

também é considerada uma garantia constitucional fundamental, estando

disposta no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.

José Ignácio Botelho de Mesquita opondo-se a atual proposta de

relativização da coisa julgada assevera que:

(...) a liberdade conferida ao legislador ordinário para ampliar, restringir ou abolir a coisa jugada incluiria a liberdade de tornar ineficaz o preceito do art. 5º, XXXVI, na parte em que alude à intangibilidade da coisa julgada. De fato, abolida a coisa julgada por lei ordinária, deixaria de haver coisa julgada que pudesse desfrutar da intangibilidade constitucional. O preceito cairia no vazio, por obra e graça da lei ordinária, invertendo-se a hierarquia das normas jurídicas. Ora, por mais elásticos que se pretendam os limites da interpretação constitucional, o fato é que não se podem admitir interpretações que contrariem a Constituição naquilo em que ela é expressa e principalmente que autorizem modificações, por lei ordinária, de preceitos constitucionais como este, que, por se incluírem entre as cláusulas pétreas, nem mesmo por emenda constitucional poderiam ser alterados. (MESQUITA, 2004, pp. 100-101)

O autor acima destaca não apenas uma questão de simples

enquadramento topológico do tema, mas também uma das várias faces do

instituto no qual se trata de uma garantia ofertada constitucionalmente aos

jurisdicionados, com o intuito de assegurar, essencialmente, que uma situação

originária de uma decisão de mérito, passe a se beneficiar de múltipla proteção.

Tem o condão de resguardar a segurança jurídica, pois busca alicerçar

os julgamentos definitivos, os tornando resistentes a possíveis rediscussões.

Assim, assevera com propriedade, Moniz de Aragão:

Não se justifica, porém, pretender equiparar o julgamento à verdade e com tal base construir teorias em que o contraste com o erro constitui o ponto de partida. Sabidamente polêmico é o conceito de verdade, a cujo respeito os filósofos mantêm intermináveis disputas. Por isso mesmo nada aproveita ao processo trazer para seu seio essa discussão infinda. Dizia Ugo Rocco acertadamente que ‘não se deve atribuir ao processo civil a tarefa de pesquisar a verdade objetiva’, porque ‘essa não pode jamais ser atingida na ordem humana da realidade, pois são imperfeitos e insuficientes os meus à sua disposição’. Em razão disso, prossegue, ‘o conhecimento humano, precisamente porque tal, tem valor somente subjetivo e deve contentar-se com a verdade subjetiva (certeza), que representa o equivalente da verdade’. Sem dúvida, se lhe for destinada a tarefa de desvendar o absoluto, nenhum processo chegará ao fim, pois lhe terá sido atribuído

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um objetivo inatingível. É preciso, portanto, afastar da disputa processual a polêmica filosófica sobre a verdade. (ARAGÃO, 1992, p. 206)

Dessa forma, o autor dispõe sobre a indiferença, no ponto de vista

processual, da justiça ou da injustiça do julgamento:

Tais considerações mostram o quão complicado pode tornar-se a equação do problema da justiça ou da injustiça da sentença. Ainda aqui o ideal seria que a sentença fosse sempre plenamente exata e por isso atribuísse razão a quem efetivamente a tem: reconhecesse direito àquele a quem o direito realmente assiste. Considerando, porém, que a sentença é obra de seres humanos, falíveis por natureza, vê-se logo ser impossível dizer que todas as sentenças estejam sempre certas, sejam verdadeiramente justas. Há de ver com toda certeza as que estejam erradas e por isso sejam injustas. Nada obstante, umas e outras (isto é, as certas e justas e as erradas e injustas) conduzem igualmente à coisa julgada, no momento em que a lei determina que isso deve acontecer. (ARAGÃO, 1992, pp. 208-209)

Acerca da coisa julgada no âmbito constitucional, Mancuso observa que

a coisa julgada não é apenas um impedimento para a rediscussão de uma

decisão, mas também há de se destacar o seu caráter político, como visto em

sua obra Jurisdição coletiva e a coisa julgada, onde:

Esse largo espectro do tema na seara constitucional tem a ver com os chamados fundamentos políticos da coisa julgada, por que, para além do enfoque técnico processual (onde ela aparece como um impeditivo à repropositura de causas já decididas), a coisa julgada mais se legitima por finalidades metaprocessuais, de prevalente cunho social, como a desejável estabilidade das decisões de mérito; o próprio prestígio da função jurisdicional do Estado perante a população; a pacificação dos conflitos, visto que a lide pendente é um fator desestabilizante e desagrador do tecido social. Aliás, para vários autores o fundamento político sobrepaira ao jurídico, como para Calmon de Passos, vendo aí uma questão de política legislativa, podendo num determinado momento histórico prevalecer o valor justiça ou o valor segurança. (MANCUSO, 2012, pp. 134-135)

Diante disso, apesar do entendimento de que a coisa julgada só

aconteceria se demonstrada a verdade e praticada a justiça, porém, é visível o

papel político que tem na afirmação do Estado Democrático de Direito. Ainda,

vislumbra-se que no ordenamento jurídico nacional tem predominado o valor

justiça, pois possibilita o seu transporte para as demandas individuais, conforme

disposto no art. 103, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor.

Outro ponto que destaca a supremacia dos fundamentos políticos em

face dos jurídicos é a sua própria aplicação. Assim, como escreve Mancuso:

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Como antes visto, há casos onde simplesmente não atua, outros em que sua eficácia é condicionada, outros em que ela se apresenta mitigada em seus limites subjetivos ou objetivos; e, enfim, outros em que sua carga eficacial é otimizada. Essa plasticidade do instituto só pode advir da constatação, pelo legislador, de que em alguns casos convém a total imunização de um julgado em face de eventos futuros e já não assim em outros, denotando a preocupação em tratar desigualmente as situações desiguais. Esse tratamento pontual – senão já casuístico – da coisa julgada afina-se com o reconhecimento de que a verdade perseguida no processo é relativa, donde ser inócua a busca proustiana por uma certeza absoluta, que postergaria indefinidamente o término do processo, sem que se pudesse saber se a melhor resposta judiciária adviria com a primeira ou com a última decisão nos autos. (MANCUSO, 2012, p. 135)

A coisa julgada, apesar de estar sob a rubrica dos “Direitos e Garantias

Fundamentais”, da Constituição Federal, não tem o condão de cláusula pétrea.

Assim, observa-se que o constituinte não a conceituou, deixando a cargo da lei

ordinária federal (art. 22, I, CF) a competência para delimitá-la.

Nesse contexto, leciona José Afonso da Silva:

A proteção constitucional da coisa julgada não impede, contudo, que a lei preordene regras para a sua rescisão mediante atividade jurisdicional. Dizendo que a lei anterior não prejudicará a coisa julgada, quer-se tutelar esta contra atuação direta do legislador, contra ataque direito da lei. A lei não pode desfazer (rescindir ou anular ou tornar ineficaz) a coisa julgada. Mas pode prever licitamente, como o fez o art. 485 do CPC, sua rescindibilidade por meio de ação rescisória. (SILVA, 2001, p. 439)

Assim, apontam Tereza Wambier e José Medina que:

Fala-se em proteção constitucional da coisa julgada, mas é importante observar-se que a Constituição Federal protege da incidência da nova lei decisão que se tenha baseado em lei anterior e que, sob a égide desta, tenha transitado em julgado. Por isso é que se pode dizer que a proteção à coisa julgada é uma das facetas do princípio da irretroatividade da lei. Esta proteção não significa que a lei ordinária não possa esclarecer que, em determinadas hipóteses, como na ação de alimentos ou no processo cautelar, a coisa julgada não ocorre. Não se deve, portanto, superestimar a proteção constitucional à coisa julgada, tendo-se sempre presente que o texto protege a situação concreta da decisão transitada em julgado contra a possibilidade de incidência de nova lei. Não se trata de proteção ao instituto da coisa julgada (em tese) de molde a torna-lo inatingível, mas de resguardo de situações em que se operou a coisa julgada, da aplicabilidade da lei superveniente. (WAMBIER; MEDINA, 2003, p. 170-171)

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6.9.A COISA JULGADA COMO GARANTIA DE DIREITOS E SITUAÇÕES JURÍDICAS

Caso os estudiosos optassem por uma visão abrangente da perspectiva

processual e constitucional, permitiríamos a nós a solução de uma série de

controvérsias a respeito do tema.

Assim, entende-se que a coisa julgada possua duas funções, a positiva

impondo sua eficácia em face de outra relação ou situação jurídica judicializadas

ou não; e a negativa, no sentido de nenhum juiz decidir o que já foi decidido,

conforme o art. 471 do CPC, de carga estritamente processual.

Nesse sentido, dispõe Mancuso:

Verdade que, dentre as duas funções da coisa julgada, aquela negativa é a mais saliente, expressando-se pela exceção de coisa julgada, a atuar como um pressuposto processual negativo, já se tendo mesmo sustentado que o efeito positivo ao final se reduziria a um reflexo ou a um contraponto do efeito negativo. (MANCUSO, 2012, p. 142)

Como bem observado, a coisa julgada material já traz resultado antes

mesmo da sua formação, pois uma sentença condenatória passível de apelação,

já intenta efeitos. Uma ação, ainda que na fase postulatória, já represa a

antecipação de tutela. Assim, o que se pode ver é que a coisa julgada, mesmo

em fase de formação, já transporta grandes efeitos no plano práticos das

relações sociais.

Diante disso, escreve Mancuso:

Assim é que a coisa julgada material projeta efeitos jurígenos no plano substancial, na medida em que a utilidade, o valor, o interesse, enfim, o bem da vida por ela estabilizado e imunizado, acabam por se incorporar, definitivamente, ao patrimônio ou ao status jurídico do beneficiário (...) Não há que negar a decisão de mérito, independentemente da auctoritas, que num dado momento lhe vem agregada pela coisa julgada material, já antes emana alguns efeitos extra-autos, fenômeno que pode ser explicado tanto pelo entrelaçamento das relações jurídicas ao interno da sociedade civil, como pelo fato de a sentença constituir, de per si, uma emanação do Poder estatal. (MANCUSO, 2012, p. 144)

Com efeito, é correto afirmar que decisão de mérito é uma lei de efeitos

concretos, como bem assegurado pelo art. 472 do CPC, onde a coisa julgada

atua e incide entra as partes.

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Nesse sentido, Antonio Gidi diferencia a coisa julgada formal e material: As coisas ficariam bem mais simples se dissemos que ambos os fenômenos são uma espécie de preclusão: que a coisa julgada formal é uma preclusão comum, como outra qualquer (gerada pelo simples fato da preclusão dos recursos ou dos prazos de recurso) e que a coisa julgada material ocorre sempre que a lide (o mérito, que, em geral, se reporta ao direito substancial ou material) seja julgada. É exatamente por esse motivo que a doutrina estrangeira se utiliza, com frequência, de sinônimo muito mais expressivo para designá-la: a coisa julgada substancial. (GIDI, 1995, p. 10)

Sendo assim, interessante destacar as palavras de Mancuso:

Neste passo, cabe aclarar que por “fonte assecuratória de direitos e situações jurídicas” não se quer dizer que a própria coisa julgada seja ela mesma um efeito do julgado de mérito, mas sim que, com o advento de uma determinada ocorrência – a passagem in albis das possibilidades impugnativas (ou seu esgotamento) -, fica o julgado imunizado contra investidas futuras que o poderiam infirmar ou diminuir a utilidade. (MANCUSO, 2012, p. 146)

Cabe, ainda, destacar o entendimento de José Carlos Barbosa Moreira,

onde discorre que a imutabilidade:

Reveste, em suma, conteúdo decisório. Deixa de fora a motivação, com a solução dada pelo juiz a cada uma das questões de fato e de direito, e mesmo a das questões prejudiciais (Código de Processo Civil, art. 469, II e III). Não deixa fora, entretanto, os elementos do decisum de natureza não puramente declaratória. Se a sentença é, por exemplo, constitutiva, fica coberta pela autoridade da coisa julgada material não apenas a declaração do direito à modificação jurídica, senão também essa modificação em si mesma: não se poderá jamais, desde o trânsito em julgado, contestar de maneira juridicamente relevante que a modificação se operou, muito embora possam cessar ou alterar-se os respectivos efeitos (a nova situação constituída). (MOREIRA, 1982, p. 52)

Assim, diante da tese da relativização da coisa julgada, mesmo

ultrapassados os dois anos para a utilização da ação rescisória, sustenta-se que

pode vir a ser desconstituída se se demonstrar inconsistente perante o texto

constitucional.

Outrossim, a sentença de mérito considera o objeto litigioso nos

aspectos determinados no preciso momento do julgamento, como visto no art.

462 do CPC. Dessa forma, a coisa julgada não está adstrita eternamente nos

contornos decididos anteriormente. Exemplificando e esclarecendo tal

problemática, Luiz Machado Guimarães:

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O acertamento de uma situação jurídica só tem sentido se a um determinado momento se refere. A existência de um direito não pode ser reconhecida para sempre; se, por exemplo, a sentença conclui que K é credor de B, não se pode impedir que o seu direito venha a se extinguir na sucessiva evolução das relações entre esses dois sujeitos: eis que a extinção da pretensão (por adimplemento espontâneo ou execução forçada) é fato evidentemente previsível. Analogamente, quem foi declarado proprietário pode perder o direito, transferindo o bem. (GUIMARÃES, 1969, p. 10)

Como bem explica Rodolfo Mancuso:

A afetação definitiva de um bem, valor, ou interesse ao patrimônio ou status jurídico do sujeito, beneficiado pela coisa julgada material, tanto pode ocorrer nos casos de litígio sobre direitos patrimoniais (v.g., uma coisa é restituída ao seu legítimo titular; um servidor incorpora para a aposentadoria um benefício reconhecido judicialmente), mas igualmente se estende aos bens imateriais, por exemplo, o comando para que seja publicada uma contrapropaganda, como sanção à veiculação de mensagem publicitária enganosa (CDC, art. 60); ou ainda, a divulgação da decisão que acolheu a queixa por injúria, a título de “reparação” (que nunca será integralmente compensatória!) ao patrimônio moral do ofendido. Ao projetar efeitos práticos no mundo fenomenológico, a coisa julgada promove uma sorte de reorganização do status quo ante, de modo que a decisão de mérito alcança um patamar de estabilidade decorrente da eliminação definitiva da lide. Essa situação é assim diversa daquela que existia ao tempo da situação conflitiva que ensejou o processo judicial, bastando observar que o interesse de agir existente ao tempo do ajuizamento da ação teve base numa crise primária (de certeza, de satisfação, de segurança) ocorrente da vida em sociedade. Posteriormente, uma vez decidido o conflito, o interesse do vencido em alterar o julgado já não terá a mesma natureza daquele originariamente exercido, porque o interesse recursal deriva de outra fonte, a saber: a sucumbência, o fato objetivo da derrota. Há de ser por conta dessa aptidão da coisa julgada para (re) configurar, sob o novo formato, a estabilidade antes abalada pela intercorrência do litígio, que os textos (CF, art. 5º, XXXVI; LINDB, art. 6º) a ombreiam a outros institutos jurídicos – o ato jurídico perfeito e o direito adquirido -, igualmente vocacionados à formação de situações perenes, pondo esse trinômio ao abrigo até mesmo de lei superveniente. (MANCUSO, 2012, p. 149)

Apesar do Direito buscar o justo, entre esse valor e o da segurança

jurídica, a coisa julgada claramente prefere o último, como demonstrado no art.

5º, XXXVI, CF. Tal opção fica cristalinamente exposto devido a constatação de

que tanto as decisões justas quanto as injustas transitam em julgado.

Por conseguinte, assevera Donaldo Armelin: A segurança, como elemento garantidor da consistência do tecido social, tem preponderado sobre aquele [o valor justiça], considerando-se tal universo. Nem isso poderia deixar de ser, considerando-se que a estabilidade das decisões judiciais cimenta as relações sociais, como um vetor de tranquilidade para a sociedade, propiciando-lhe a eliminação definitiva dos litígios que a perturbam. A tendência, pois,

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nos ordenamentos jurídicos é privilegiar a segurança jurídica, ainda que (...) esteja ela em uma escala subalterna relativamente à Justiça. (...) Sendo, contudo, matéria objeto de ações coletivas ou de ações envolvendo uma pluralidade de sujeitos, sua repercussão é maior, diminuindo o nível dessa tolerância social relativamente às eventuais decisões injustas. Entretanto, mesmo tal nível reduzido de tolerância desaparece, quando as decisões judiciais discrepam de um mínimo de razoabilidade, gerando inconformismo com a sua estabilidade decorrente da coisa julgada material. (ARMELIN, 2004, pp. 160-161)

Mesmo a coisa julgada sendo fonte de garantias de direitos e situações

jurídicas não é o suficiente para se tornar algo intangível, quando demonstrado

que se originou de falha insanável, sob os princípios da isonomia, da moralidade,

da razoabilidade, da proporcionalidade. É nesse sentido que a relativização da

coisa julgada vai ganhando espaço.

6.10.A COISA JULGADA COMO CATEGORIA PROCESSUAL

Para Marcuso a coisa julgada pode ser considerada uma espécie do

gênero preclusão, como se pode observar nas palavras de Luiz Machado

Guimarães:

Ultrapassagem de uma etapa, ou como perda de uma faculdade, a ideia está ínsita na de processo judicial. Compõe-se este de uma série de atividades (atos processuais) – do órgão de jurisdição e de seus auxiliares, das partes e de terceiros – que se interligam pelo vínculo de procedimento, isto é, pelo fato de que são dispostos por lei, em sequência coordenada, de forma que cada ato pressupõe o antecedente e é, por sua vez, pressuposto do subsequente. Ao longo do iter processual, em sua marcha para sentença definitiva, criam-se sucessivas situações, todas elas de efeito preclusivo que lhes assegura estabilidade. (GUIMARÃES, 1969, p.11)

O autor ainda sustenta que não se confunde a espécie com o gênero,

onde:

A finalidade política da coisa julgada material é realizada pelo restabelecimento da paz social, que se obtém mediante a criação da norma concreta vinculativa para as partes, e é assegurada pela imutabilidade desta norma (...) a preclusão tem função mais restrita, que se exaure no mesmo processo que ocorreu. É um expediente técnico de que se vale o legislador, visando assegurar uma sequência ordenada e lógica das etapas procedimentais, e para resguardar a economia e a boa-fé processuais. (GUIMARÃES, 1969, pp. 24-25)

Assim, prevalece o entendimento de que a coisa julgada tem natureza

processual, como alerta Donaldo Armelin:

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O fenômeno da coisa julgada material atenta mais a escopos de ordem prática do que de ordem prática do que de ordem metajurídica, quando assegura a estabilidade das decisões judiciais independentemente do modo de sua formação e de seu conteúdo. Por isso mesmo não discrimina entre decisões judiciais justas e injustas, na outorga da imutabilidade. (ARMELIN, 2004, p. 143)

6.11. EFEITOS DA SENTENÇA E EXTENSÃO SUBJETIVA SEGUNDO O PROCESSO CIVIL INDIVIDUAL

Aqui, cabe apontar, de uma forma mais aprofundada, a diferença entre

a autoridade da coisa julgada e a extensão subjetiva do julgamento.

Assim, ficamos com entendimento de Liebman:

Não se pode, pois duvidar de que a eficácia da coisa julgada; e nesse sentido é certamente de acolher a distinção formulada por Carnelutti entre imperatividade e imutabilidade da sentença; porque esta é imperativa e produz todos os seus efeitos ainda antes e independentemente do fato da sua passagem em julgado. Da premissa há pouco enunciada deriva uma só e necessária consequência: a autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, como postula a doutrina unânime, mas, sim, modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se ajunta para qualificá-los e reforça-los em sentido bem determinado. (LIEBMAN, 1984, pp. 39-40)

Ainda, em sua clássica lição:

A imutabilidade do comando emergente de uma sentença. Não se identifica ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato. (LIEBMAN, 1984, p. 54)

Neste contexto, dispõe Elton Venturi:

Pelo sistema tradicional de delimitação da coisa julgada nos processos individuais, ao qual se filia a legislação brasileira, pelo art. 472 do CPC, ‘a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros’. Vale dizer, a coisa julgada opera intra partes, seja para o fim de confiar-lhes os efeitos naturais da sentença, seja para impedir-lhes a rediscussão de lide julgada. Os terceiros, assim considerados todos aqueles que não tiverem acesso ao contraditório na qualidade de partes, na medida de sua legitimidade, nem ficam sujeitos à autoridade da coisa julgada (podendo, pois, rediscutir a sentença em processo próprio), nem são por ela automaticamente beneficiados. (VENTURI, 2007, p. 378)

No tocante aos limites objetivos, o ordenamento jurídico pátrio dispõe

que só atinge a parte dispositiva da sentença. Porém, liga-se à definitividade e

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imutabilidade qualquer alegação feita ou não, e que poderiam infundir tanto no

acolhimento quanto na rejeição da demanda.

6.12. O OBJETO DAS AÇÕES COLETIVAS E OS LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA

As ações coletivas têm como objetivo a proteção de interesses de largo

espectro social, sendo que seus propositores não sustentam pretensões

jurídicas próprias. Assim como exemplo temos o cidadão, na ação popular,

Ministério Público, Defensoria Pública, associações, entes políticos, nas ações

civis públicas. Assim, o Projeto de Lei n. 5.139/2009 da Câmara dos Deputados,

sobre a nova ação civil pública, disciplina no § 1º do art. 5º, o seguinte texto:

“Na análise da identidade da causa de pedir e do objeto, será

preponderantemente considerado o bem jurídico a ser protegido”.

Nesse sentido, dispõe Renato Franco de Almeida e Aline Bayerl Coelho:

No campo social surgem grupos intermediários de expressão na defesa de interesses de mesma qualidade, ou seja, aqueles situados entre o indivíduo e o Estado, tais como, os sindicatos e as associações. (...) Ao revés, tratando-se de demandas coletivas lato sensu, onde o interesse objeto do conflito toca à sociedade, como um todo indivisível, a um grupo determinável ou determinado de pessoas de forma indivisível ou a interesses divisíveis que pela relevância social interessam a boa parte da sociedade, o juiz não poderá ficar limitado a partes do conflito, notadamente aquelas trazidas a juízo. (...) impõem-se um redimensionamento aos limites impostos às atividades de conhecimento judiciais em virtude da natureza do direito material subjacente, nas ações coletivas (...) aberta ao juiz maior possibilidade de conhecimento das relações jurídicas conflituosas, mesmo aquelas não trazidas pelas partes, mas deduzidas das circunstâncias fáticas e jurídicas, impondo-se tal conduta como um dever jurídico ao magistrado. Via de consequência, a importância social do objeto litigioso trazido a juízo deverá suplantar o poder das partes de discutirem tão somente o que lhes interessa, visto que, em razão de tal importância, a res in iudicium deducta extrapola os limites de propriedade dos contendores, espraiando-se por toda sociedade, impondo-se, dessarte, o privilegiamento do interesse social na demanda em detrimento aos interesses egoísticos dos sujeitos da relação jurídica processual, tendo tal raciocínio por corolário a possibilidade dada ao Juiz de prolatar decisões cujo alcance fique além do controvertido pelas partes, ou seja, o julgamento ultra petita. (ALMEIDA; COELHO, 2003, pp. 122, 129-131)

Assim, Rodolfo Mancuzo destaca que a ciência processual deve estar

firmemente ligada às duas dimensões do homem:

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Uma, enquanto indivíduo, centro de imputação de posições de vantagem (direitos subjetivos, faculdades, interesses legítimos) e de encargos (deveres, obrigações, responsabilidades); outra, a dimensão social desse indivíduo, já agora visto na sua interação dentro da comunidade onde vive e busca se desenvolver, movimentando-se num plano que não se reduz à dicotomia público/privado, mas oferece um espaço intermédio, onde são atraídos e se coalizem interesses e valores relevantes, embora dessubstantivados, concernentes a certos segmentos sociais, quando não à inteira coletividade. (MANCUSO, 2012, p. 237)

O autor ainda destaca que:

Essa dimensão coletiva do indivíduo é fundamental para se entender a projeção extra-autos da coisa julgada nas ações coletivas (erga omnes/ultra partes), especialmente na figura dos interesses individuais homogêneos: eles não se formam por uma simples soma ou cúmulo de sujeitos – o que os reduziria a alguma figura litisconsorcial -, mas são tomados num bloco unitário. Quiçá por desinformação quanto às peculiaridades e exigências da tutela processual coletiva, vez por outra advém normação atécnica, como a do art. 2º - A da Lei 9.494/97 (acrescido pela Med. Prov. 2.180-35/2001), exigindo que a peça inicial da ação proposta por entidade associativa traga a “relação nominal” dos seus aderentes. Trata-se de evidente equívoco, porque, durante o processo de conhecimento e até a formação da coisa julgada, constitui-se um irrelevante jurídico saber quantas e quais pessoas concernem ao interesse judicializado, por exemplo: a identificação dos indivíduos que experimentam danos em execução é que tal identificação dos indivíduos que experimentaram danos à saúde pela ingestão de medicamento vendido com prazo de validade vencido; só em execução é que tal identificação terá ensejo e utilidade (Lei 8.078/90, arts. 95-100). Assim se passa porque o conflito foi judicializado na busca de uma resposta dos sujeitos, como se de mera representação ou de jurisdição singular se tratasse. Tampouco interessa a expressão numérica dos sujeitos concernentes, porque não se trata de modalidade litisconsorcial, onde a quantidade dos sujeitos tivesse que ser sindicada pelo juiz (cf. § único do art. 46 do CPC). (MANCUSO, 2012, pp. 237-238)

Nesse sentido, é interessante observar o texto do art. 468 do Código de

Processo Civil: “A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de

lei nos limites da lide e das questões decididas”. Ada Pellegrini Grinover destaca

que por aí se atingia:

Entendimento duplamente errôneo, de que: a) os motivos e as questões prejudiciais pudessem revestir-se da autoridade da coisa julgada; b) a coisa julgada só se estendesse às questões realmente discutidas e julgadas. (GRINOVER, 2001, pp. 238-241)

Liebman, prossegue tal entendimento:

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Insurgiu-se contra tal interpretação, fixando a tese que seria acolhida pelo legislador de 1973: a) a coisa julgada restringe-se à parte dispositiva da sentença, excluindo-se os motivos e as questões prejudiciais (art. 469); b) a coisa julgada acoberta tanto a questões que foram realmente discutidas, como aquelas que o poderiam ser, embora não tivessem sido. (LIEBMAN, 1976, p. 157)

Ouvídio Baptista da Silva, no entanto, entende que a coisa julgada

associa-se (2000, p. 496): “apenas ao efeito declaratório, tornando-o indiscutível

(que é meio de a declaração tornar-se imutável!) nos futuros julgamentos”. Ainda,

assevera que (1995, p. 210): “O chamado efeito declaratório da sentença, ou sua

eficácia declaratória, corresponde ao juízo de subsunção praticado pelo julgador,

ao considerar incidente no caso concreto a regrar normativa constante da lei.”

Nesse contexto, escreve Daniel Francisco Mitidiero: O objeto da indiscutibilidade é a declaração produzida pelo órgão jurisdicional na sentença. A coisa julgada, dentro destes moldes, poderia ser conceituada como uma qualidade da força declaratória, incrustada na sentença de mérito, destinada a produzir a indiscutibilidade desta certificação judicial. Portanto, um estado de cristalização do decisum, uma blindagem que envolve a verba judicial em seu aspecto declaratório com o fim específico de tornar todas as contestações acerca irrelevantes juridicamente (...). Qualidade da declaração ínsita à decisão judicial e não a efeito ou efeitos externos à mesma. (MITIDIERO, 2003, p. 457)

Com relação a distinção entre a preclusão e os limites objetivos da coisa

julgada, em contraponto à eficácia preclusiva, ficamos com as palavras de José

Carlos Barbosa Moreira: Manifesta-se no impedimento que surge, com o trânsito em julgado, à discussão e apreciação das questões suscetíveis de influir, por sua solução, no teor do pronunciamento judicial, ainda que não examinadas pelo juiz. Essas questões perdem, por assim dizer, toda a relevância que pudessem ter em relação à matéria julgada. Posto que se conseguisse demonstrar que a conclusão seria diversa, caso elas houvessem sido tomadas em consideração, nem por isso o resultado ficaria menos firme: para evitar, pois dispêndio inútil de atividade processual, simplesmente se exclui que possam ser suscitadas com o escopo de atacas a res iudicata. Se a decisão é das que só produzem coisa julgada formal, o efeito preclusivo restringe-se ao interior do processo em que foi proferida; se é das que geram coisa julgada material, como a sentença definitiva, o efeito preclusivo projeta-se ad extra, fazendo sentir-se nos eventuais processos subsequentes. Daí qualificar-se de panprocessual a eficácia preclusiva da coisa julgada material. (MOREIRA, 1981, p. 100-101)

Diante disso, formula Rodolfo Mancuso: Assim se dá porque a eficácia da coisa julgada está intimamente ligada ao grau e intensidade da cognição realizada no processo, e isso explica, por exemplo, a dificuldade para se reconhecer a coisa julgada

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no processo cautelar, dada a sumarização dessa cognição, fundada num juízo de probabilidade. Kazuo Watanabe considerou a cognição judicial nos planos vertical e horizontal, podendo, no primeiro caso, ser plena ou limitada (ou parcial), e, no segundo, exauriente (completa) e sumária (incompleta), contexto que permite ainda outras combinações de cognição: limitada (ou parcial) e exauriente; plena e exauriente secundum eventum probationis (por motivo de política legislativa – evitar, quando em jogo interesse coletivo, a formação de coisa julgada material a recobrir juízo de certeza fundado em prova insuficiente e formado mais à base de regras de distribuição do ônus da prova); eventual, plena ou limitada e exauriente; sumária ou superficial; cognição rarefeita. (MANCUSO, 2012, p. 263)

Sendo assim, tais gradações do grau de intensidade da cognição devem

ser levadas em conta na jurisdição coletiva, pois é essencial para delimitar a

parte que no decisum se integra aos limites objetivos da coisa julgada e os da

eficácia preclusiva.

Não obstante, Paulo Roberto Oliveira Lima entende não ser das

melhores a solução restritiva adotada pelo Código de Processo Civil sobre os

limites objetivos da coisa julgada, dispondo que: Restringir a eficácia da coisa julgada ao dispositivo significa abandonar parte do resultado útil do processo, desprezar significativo trabalho produzido pelo Judiciário e multiplicar as possibilidades de decisões conflitantes, militando em desfavor da isonomia e ampliando as oportunidades de gerar perplexidades e desconfianças na atuação do Judiciário. (LIMA, 1997, p. 133)

Diante do exposto, o autor elabora uma solução que facilitaria essa problemática, sustentando que:

Muito mais acertado seria o Direito Processual pátrio optar pela extensão dos efeitos da coisa julgada a todas as questões efetivamente decididas, desde que relativas a fatos jurídicos concretos e indissociáveis da conclusão última da sentença. Deste modo, não apenas a condenação do réu a indenizar os prejuízos matérias impostos ao automóvel do autor estaria protegida pelo instituto da coisa julgada, mas também assim as questões prévias examinadas e decididas incidentalmente, tais como a conclusão de que o acidente ocorrera, a de que o réu fora seu causador, bem assim responsável pela recomposição dos danos decorrentes do abalroamento. (...) Consoante se observa, não foi feliz o Código de Processo Civil quando adotou a restrição máxima ao definir os limites objetivos da coisa julgada. Ao invés da opção sufragada pelo legislador, o estado atual do Direito Processual, associado à nossa realidade judiciária, pedem a eleição do sistema oposto, qual seja, o da ampliação máxima dos limites objetivos da coisa julgada. (LIMA, 1997, p. 135-141)

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6.13.A MUTABILIDADE DA EFICÁCIA DA COISA JULGADA CONFORME O OBJETO LITIGIOSO

Uma das características mais curiosas da coisa julgada são os seus

limites subjetivos, que observa claramente Rodolfo Mancuso (2012, p. 580):

“cujo exame logo revela um primeiro paradoxo, consistente no fato de que os

textos legais procuram delimitar a eficácia subjetiva da coisa julgada aos que

integram o contraditório”. Como disposto no art. 472 do Código de Processo Civil:

“faz coisa julgada as partes”. No entanto, distintamente do que ocorre com a

previsão legal, terceiros acabam recebendo certos reflexos da coisa julgada,

tanto no plano material quanto no jurídico.

Nesse sentido, Rodolfo Mancuso procura exemplificar essas situações:

Considera-se, por exemplo, um acórdão trânsito em julgado, que determina a recondução de um servidor a um dado posto de sua carreira, portanto numa relação estatutária com a Administração: é possível que a efetivação desse comando – apesar de endereçado aos sujeitos postados nos polos ativo e passivo – acabe projetando efeito reflexo (“por ricochete”) em face de outros integrantes da mesma classe funcional, que assim terão que ser de algum modo “reacomodados”, a fim de que possa ser cumprida a coisa julgada. Noutro exemplo, a ação discriminatória transita em julgado, que culminou com retificação da área adquirida (portanto, querela entre os partícipes de certa relação material), todavia, levará a que os outros proprietários lindeiros tenham que doravante tomar na devida conta esse novo standard jurídico dos confrontantes, quando da elaboração de atos notariais e registrais envolvendo seus imóveis. Isso, sem falar nos casos em que a própria natureza do thema decidendum determina um novo status jurídico para a situação judicializada, casos em que a eficácia do comando judicial terá que se expandir extra-autos, como se nota rescisão de um contrato ou na anulação de um casamento, onde, nem o mesmo contrato poderá renascer em outro ponto do território nacional, nem a comunidade poderá (validamente) desconhecer que os ex-cônjuges retomaram o estado de solteiros. (MANCUSO, 2012, pp. 580-581)

Nesse sentido, prossegue o eminente autor:

Ao longo do tempo a ciência processual tem lidado em mais de um modo com os problemas acarretados pela coisa julgada: de forma pragmática (a fórmula romana pro veritate habeatur); em modo discriminante, elegendo situações que fazem ou não coisa julgada ou que o fazem em modo mitigado (v.g., decisão de mérito – CPC, art. 269, c/c art. 467, 468; decisão sobre a relação jurídica continuativa – CPC, art. 471; CCi, art. 1699); estabelecendo condições (nas ações de estado, se tiverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados – CPC, art. 472, 2ª parte); limitado a carga eficacial (a coisa julgada tributária, restrita a certo fato gerador, num dado exercício fiscal); exacerbando a projeção extra-autos (decisão de mérito no controle de constitucionalidade – CF, art. 102, § 2º; Lei 9.868/99, § único do art. 28); contingenciando geograficamente

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a expansão subjetiva (decisão de mérito na ação civil pública – art. 16 da Lei 7.347/85); relativizando-a, ao submeter sua eficácia a um evento futuro e incerto (CPC, § do art. 741; § 1º do art. 475-L); distinguindo entre situações afins (a coisa julgada material e formal; preclusão lógica, temporal e consumativa); enfim, parametrizando a coisa julgada em razão do contexto existente à época em que ela se formou, ou seja, os chamados limites temporais. (MANCUSO, 2012, p. 581)

Os limites temporais são de extrema importância para a jurisdição coletiva, pois torna a eficácia da coisa julgada expandida.

Assim podemos visualizar que os interesses difusos e coletivos não necessariamente imutáveis em sua configuração inicial, como destaca Rodolfo Mancuso:

Assim é que um interesse difuso assim se considera enquanto concerne a sujeitos indeterminados, sendo indivisível o objeto referenciado a uma situação de fato (v.g., interesse dos paulistas à despoluição do Rio Tietê), mas esse contexto pode se alterar a partir do momento em que tal valor vem a se coalizar num definido grupo, categoria ou classe de pessoas organizadas e referidas já agora a uma dada base jurídica (v.g., os aderentes de certa associação desportiva, situada às margens daquele rio, interessados em nele praticar esportes náuticos), caso em que o interesse, que era difuso, se transmuda em coletivo em sentido estrito. (MANCUSO, 2012, p. 587)

A ação de improbidade administrativa também está sujeita a transitividade temporal e espacial, como observa Jean Carlos Dias:

Deve-se lembrar que o sentido que o sentido de moralidade também é a construção humana, e tudo o que é humano é sempre histórico, ou seja, existe em um determinado momento do tempo, estando sujeito a modificações à medida que a própria sociedade avança no tempo. Deste modo o conceito de moralidade administrativa não é fixo no tempo; pelo contrário, está sempre sujeito a reformulações à medida que a própria sociedade evolui e assim se revê, se reconstrói, se dá novos significados. (DIAS, 2003, p. 741)

Sendo assim, cabe a nós destacarmos as palavras de Rodolfo Mancuso:

A mais intrigante questão suscitada pela carga eficacial da coisa coletiva diz com a situação dos sujeitos de um modo ou outro ligados ao tema coletivo judicializado e que se encontram representados no processo coletivo por um autor ideológico. Nesse contexto, há que conciliar dois parâmetros: de um lado, a pendência de uma ação coletiva não pode ser fator impeditivo do ajuizamento de ações individuais concernentes a análogo objeto litigioso; de outro lado, sendo esse litígio um conflito de interesses que é tomado na dimensão coletiva, a coisa julgada tem necessariamente que se expandir extra-autos. Desconhecer ou recusar a expansão extra-autos que a coisa julgada coletiva deve apresentar leva a suprimir do processo coletivo a sua maior virtude, que é a de permitir o trato molecular do conflito, assim resolvendo a demanda núcleo e já preparando a solução das

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demandas átomo, mediante a técnica do transporte in utilibus da coisa julgada coletiva. (MANCUSO, 2012, pp. 589-590)

6.14.A NÃO APLICABILIDADE DO MODELO PROCESSUAL GERAL

É visível que o modelo processual que tutela os direitos individuais não

estaria totalmente apto para reger o processo coletivo de uma forma satisfatória,

tanto no plano subjetivo quanto no objetivo.

Sendo assim, introduzimos o entendimento de Elton Venturi:

No âmbito da tutela jurisdicional coletiva, a garantia constitucional da coisa julgada assume proporções marcantemente diferenciadas, inicialmente porque instrumentaliza a pacificação e a preservação da segurança das relações sociais a partir de demandas que não raramente envolvem pretensões comuns a milhares ou milhões de pessoas, titulares do direito material que, em regra, não comparecem pessoalmente no procedimento judicial instaurado para sua tutela, nem mesmo, muitas vezes, têm sequer conhecimento do seu ajuizamento por uma das entidades legitimadas. Por outro lado, a essência transindividual e indivisível das pretensões difusas e coletivas, por si só, torna praticamente inviável a regulação da coisa julgada incidente nas demandas coletivas que as instrumentalizam através do esquema tradicional.” (VENTURI, 2007, p. 380)

Isso nos leva, ao menos no processo coletivo, a impossibilidade de

aplicação do modelo de incidência intra partes da coisa julgada, utilizada no

processo civil geral, mas totalmente incompatível com o sistema coletivo.

Nesse sentido, relata Elton Venturi que:

A afirmação, apesar de aparentemente não constituir qualquer novidade, aplicando-se o conhecido princípio da especialidade, merece se adequadamente compreendida e praticada, tendo em vista a insistência de significativa parcela da doutrina e da jurisprudência em olvidar o tratamento diferenciado da coisa julgada pelo microssistema de tutela coletiva, atiçada ora pela pura incompreensão do significado e funcionalidade do sistema, ora por puro reacionarismo, ideologicamente comprometido com o amesquinhamento da prestação jurisdicional e, por conseguinte, da própria função do Poder Judiciário. (VENTURI, 2007, p. 381)

Assim, atento aos novos modelos proporcionados pela prática dos

direitos meta-individuais, o legislador, paulatinamente, tratou de implementar

importantes alterações no modelo processual atual.

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6.15.A COISA JULGADO E O SEU ENTRELAÇAMENTO DOS JULGADOS COLETIVOS E INDIVIDUAIS

O entrelaçamento fica observado devido a garantia constitucional do acesso à Justiça, disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que não permite a edição de norma que restrinja o exercício da ação individual pelo fato de estar pendente uma coletiva, pois trata-se de demandas distintas, tanto na estrutura quanto na finalidade. As atividades coletivas, não raro, afetam a esfera individual, e vice-versa.

Nesse sentido, destaca Rodolfo Mancuso:

Nessa interação coletivo-individual, deve-se ainda ter presente que, em certos casos, uma demanda proposta por uma pessoa física ou jurídica pode acabar projetando efeitos em face da coletividade, em maior ou menor intensidade, bastando figurar uma ação proposta por morador vizinho a um estabelecimento emissor de poluição sonora: acolhida a ação e cessado o incômodo, em decorrência do cumprimento do comando inibitório, todos os moradores do entorno serão beneficiados. E isso, note-se, sem que na espécie a coisa julgada viesse qualificada pela eficácia erga omnes ou ultra partes, como se passa nas ações coletivas (Lei 8.078/90, art.103, c/c art. 117), mas, simplesmente, porque tais julgados projetam inevitáveis efeitos reflexos, ao incidirem sobre situações unitárias ou indivisíveis: ou todos os vizinhos do estabelecimento se beneficiam com a cessação do ruído, ou a situação pretérita seguirá inalterada, também para todos. (MANCUSO, 2012, p. 511)

Outro ponto que demonstra claramente a imbricação das demandas coletivas e individuais são as decisões de mérito do STF nas ações de controle de constitucionalidade de leis e atos normativos, onde, dada a sua eficácia erga omnes.

6.16.A COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM LITIS VEL PROBATIONIS

Adentramos no assunto com as sábias palavras de Rodolfo Mancuso:

Segundo respeitável entendimento, não caberia falar, propriamente, numa coisa julgada específica do plano coletivo, dado que, tendo essa categoria processual uma natureza adjetiva, agregando um valor bifronte – a imutabilidade (estabilidade retrospectiva) e a indiscutibilidade (imunização prospectiva) – a um julgado de mérito, então a dimensão da coisa julgada não poderia ser determinada por ela mesma, mas se realiza na razão direta da projeção dos efeitos substantivos do comando judicial (declaração, condenação, (des)constituição, ordem). É dizer, na jurisdição singular, estando as partes definidas e o objeto delimitado, a estabilização-imunização advindas com a coisa julgada só podem, mesmo, concernir às partes (CPC, art. 472), ao passo que, na jurisdição coletiva, estando os

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sujeitos indeterminados e sendo objeto expandido e indivisível, é claro que a coisa julgada terá que acompanhar esse superdimensionamento. Dito de outro modo, a coisa julgada não é autopoiética (não extrai de si mesma sua validade; não se autoexplica), mas apenas estabiliza a auctoritas de um julgado de mérito, preservando-o de possíveis questionamentos e investidas ulteriores. (MANCUSO, 2012, p. 315)

Diante disso, observa José Rogério Cruz e Tucci:

No processo coletivo, excetuando a já aludida coisa julgada secundum eventum probationis, o regime não é diferente daquele que incide no âmbito da tutela individual: os efeitos da sentença e a extensão da coisa julgada produzem-se normalmente, seja na hipótese de acolhimento da pretensão, seja na rejeição, e obstam à propositura de outra ação coletiva que tenha idênticos elementos objetivos (causa petendi e petitum). (TUCCI, 2007, p. 319)

A coisa julgada secundum eventum probationis não se restringe apenas as ações coletivas, também sendo aplicada entre outros procedimentos, demonstrando, ainda, que prevalece no instituto da coisa julgada. Assim assevera Eduardo Cambi:

Técnica da cognição secundum eventum probationis foi utilizada pelo legislador brasileiro em diversos procedimentos, para, em razão da falta ou da insuficiência das provas, impedir que a questão seja decidida – remetendo-se as partes para as “vias ordinárias” ou para discussão a ser travada em “ação própria – ou para permitir que a causa seja decidida sem caráter de definitividade, a fim de que não seja alcançada com a autoridade da coisa julgada material. (CAMBI, 2003, pp. 71-96)

A maioria da doutrina entende ser constitucional a coisa julgada secundum eventum pronationis, pois sustenta que desde que o sujeito não participe do processo, não poderá ser prejudicado pelos seus efeitos.

Assim, leciona Daniel Neves:

A coisa julgada secundum eventum probationis serve como medida de segurança dos titulares do direito que não participam como patês no processo contra qualquer espécie de desvio de conduta do autor. A insuficiência ou a inexistência de provas poderá decorrer, logicamente, de uma inaptidão técnica dos que propuseram a demanda judicial, mas também não se poderá afastar, de antemão, algum ajuste entre as partes para que que a prova necessária não seja produzida e com isso a sentença seja de improcedência. É bem verdade que os poderes instrutórios do juiz, aguçados nas ações coletivas em razão da natureza dos direitos envolvidos, poderiam também funcionar como forma de controle para que isso não ocorra, mas é inegável que a maneira mais eficaz de afastar, definitivamente, qualquer ajuste fraudulento nesse sentido é a adoção da coisa julgada secundum eventum probationis. (NEVES, 2014, pp. 316-317)

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Dessa forma, observamos que o pensamento é o mais acertado, pois a coisa julgada secundum eventun probationis preceitua que ao surgir prova nova, que não existia ou de difícil alcance na época da propositura da ação, a sua exposição é o suficiente para que se abra um novo processo com os mesmos elementos do anterior.

6.17.A GRADATIVA ADOÇÃO DAS TÉCNICAS DA OPINIBILIDADE “ERGA OMNES”, “ULTRA PARTES”, “SECUNDUM EVENTUM LITIS” E “IN UTILIBUS”

6.17.1.A coisa julgada nas ações de defesa de direitos difusos e coletivos segundo a Lei da Ação Popular e a Lei da Ação Civil

Um dos grandes problemas enfrentados na tentativa de adaptação da

coisa julgada tradicional para a tutela coletiva, fica a cargo da extensão da coisa

julgada a quem não foi parte.

Diante disso, leciona Elton Venturi:

Assim, se numa concepção de prestação jurisdicional que tem por objeto direitos individuais parece ser logicamente aceitável que terceiros não se beneficiem nem sejam prejudicados pelo resultado de julgamento alheio – até porque, em linha de princípio, não teriam direta vinculação com a relação jurídica de direito material discutida -, no âmbito da tutela coletiva, incidente sobre pretensões indivisíveis, a titularidade supra-individual do direito individual do direito referente a pessoas que não têm condições de comparecer pessoalmente ao procedimento judicial torna, a um só tempo, extremamente ambígua a própria conceituação de terceiros e absolutamente insatisfatória a fórmula do confinamento da coisa julgada às partes. A forma que o ordenamento jurídico brasileiro encontrou para lidar com tal paradoxo foi a gradativa implantação, nos processos coletivos, de um modelo diferenciado tanto em relação à autoridade como à extensão subjetiva da coisa julgada, idealizado para atender às peculiaridades da prestação jurisdicional coletiva. Assim, ainda no ano de 1965, por ocasião da edição da Lei da Ação Popular, implementou-se a primeira disposição normativa que quebrou, entre nós, a tradição da limitação da extensão subjetiva da coisa julgada às partes, bem como a formação de sua autoridade independentemente das provas produzidas. Trata-se do art. 18 da LAP, segundo o qual ‘a sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação como idêntico fundamento, valendo-se de nova prova’. Apesar da falta de técnica da redação, ao referir-se à coisa julgada como uma eficácia, instaurava-se, então, o modelo de extensão erga omnes da eficácia dos provimentos liminares e finais, que teve como intuito viabilizar, concretamente, a fruição indivisível da tutela jurisdicional por todos os titulares das pretensões difusas deduzidas por intermédio do autor popular (qualquer cidadão), ainda que não tivessem comparecido pessoalmente ao procedimento judicial.

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Entretanto, precisamente em função dessa especial forma de tutelabilidade das pretensões meta-individuais, que toma por premissa a presença em juízo de apenas um legitimado (ou alguns, em caso de litisconsórcio ativo facultativo), que goza de presunção meramente relativa quanto à adequada representatividade que proporciona em relação a todos os demais titulares do direito difuso deduzido, para além da técnica da oponibilidade erga omnes da coisa julgada, estabeleceu-se, simultaneamente, a técnica da inoponibilidade da coisa julgada de improcedência nas hipóteses de deficiência de provas, a viabilizar a repropositura da demanda, desde que embasada em novas provas. (VENTURI, 2007, pp. 382-383)

Assim, começou a adotar-se a coisa julgada material secundum eventum

litis, representando, nas palavras de Marinoni, a:

“ruptura com o princípio (que é uma ficção necessária) de que a plenitude do contraditório é bastante para fazer surgir cognição exauriente. Há, em outras palavras, expressa aceitação das hipóteses em que a participação do legitimado (do art. 82) no processo pode não ser capaz de fazer surgir cognição exauriente, e de que essa deficiente participação não pode prejudicar a comunidade ou a coletividade”. (MARINONI; ARENHART, 2012, p. 814)

Tal modelo foi introduzido à Lei 7.347/1985, como bem assevera Elton

Venturi:

Desta forma, em resposta à insuficiência e à imprestabilidade da técnica processual individual para reger a promoção da tutela jurisdicional de direitos meta-individuais, o ordenamento processual brasileiro muniu-se de novas e até certo ponto revolucionárias técnicas, consideradas efetivas sob o ponto de vista de uma remodelada garantia do devido processo legal, representadas pela extensibilidade erga omnes, secundum eventum litis e in utilibus da coisa julgada derivada dos processos coletivos (ação popular e ação civil pública). (VENTURI, 2007, p. 385)

Todavia, a adesão dessas técnicas não passara ilesa pela crítica, como

destaca o autor:

Assim, v.g., sustentou-se que a incidência da coisa julgada secundum eventum litis importaria pretensa quebra da isonomia entre as partes, por excessiva oneração do demandado, que, mesmo obtendo sucesso em sua defesa no âmbito da ação coletiva, não estaria livre nem da repropositura de outra ação coletiva (se movida com fundamento em novas provas), nem de eventuais demandas individuais, ainda que embasadas nas mesmas causas de pedir e pedidos. (VENTURI, 2007, p. 385)

No entanto, observa-se que o sistema processual coletivo não permite

que o juiz deixe de julgar a demanda por insuficiência ou deficiência de provas.

Como anota o referido autor:

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Inicialmente, ressalta-se que não seria lícito a juiz algum, no sistema processual brasileiro, fundamentar o julgamento de improcedência de uma demanda que revele interesse social (tal como ocorre com todas as ações coletivas) na alegação da ausência de provas. Nesta hipótese, competiria ao magistrado, ex officio ou a requerimento do Ministério Público (atuando como fiscal da lei ou parte), determinar a produção das provas necessárias ao deslinde da causa, sob pena, inclusive, de nulidade da sentença. Ademais, o que estabelecem o art. 18 da LAP, o art. 16 da LACP e o art. 103, I e II, do CDC, segundo preconiza a doutrina, é apenas a não-formação da autoridade da coisa julgada em decorrência da inconclusão instrutória, que, de toda forma, acarretará necessariamente o julgamento de improcedência da demanda coletiva. Vale dizer, a lide restará julgada, apenas não sendo possível referir sua imutabilidade ou indiscutibilidade futura, diante da perspectiva do surgimento de eventuais provas novas. Tal conclusão, contudo, revela-se discutível se bem observada a técnica da incidência da autoridade da coisa julgada secundum eventum probationis. Muito embora correntemente se afirme que não chega a formar-se a coisa julgada material quando improcedente a demanda coletiva por ausência ou deficiência de provas, fato é que a ação então rejeitada, sob os específicos contornos probatórios envolvidos, não mais poderá ser repetida. Ora, se assim é, parece sustentável a ocorrência de uma especial formação da coisa julgada sobre as sentenças de improcedência, ainda que limitada às provas efetivamente utilizadas. (VENTURI, 2007, 386-387)

Assim, é preciso questionar a técnica de oponibilidade da autoridade da

coisa julgada material, no sentido de a sentença que se quer julgar improcedente

possua a necessidade de ser fundamentada na suficiência da instrução

processual. Diante disso, Elton Venturi explica que:

De fato, há disseminada compreensão doutrinária segundo a qual a formação da coisa julgada material nas demandas coletivas, em caso de improcedência, estaria imprescindivelmente condicionada à expressa menção do órgão julgador, por ocasião da fundamentação, a respeito do resultado das provas apuradas no feito: assim, se se afirmasse sua insuficiência ou deficiência, não incidiria a autoridade da coisa julgada; esta ocorreria, por outro lado, caso mencionasse o magistrado que a improcedência do pedido decorrera da suficiência probatória. Tal concepção causa inegável perplexidade, sobretudo por se escorar em critério meramente formal (constar, ou não, do corpo da sentença a apuração do resultado das provas examinadas pelo juiz), ignorando, por vezes, a absoluta inviabilidade lógica e prática de a referida apuração ser levada a cabo ainda por ocasião do julgamento da primeira ação coletiva ajuizada. (VENTURI, 2007, p. 387)

Conclui, ainda, o eminente professor:

Se não constitui tarefa difícil ao juiz concluir pela insuficiência ou deficiência das provas, para o fim de julgar improcedente o feito, não parece razoável, nem lógico, imaginar-se que tenha condições de

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afirmar, por ocasião da prolação da sentença, peremptória e definitivamente, que as provas produzidas foram suficientes para demonstrar a improcedência dos pedidos produzidos. Na medida em que o sistema processual admite a propositura da mesma ação coletiva, desde que apresentados novas provas suficientes a, por si sós, alterarem o resultado de improcedência anteriormente estabelecido, fica claro que a pretensa suficiência da instrução, outrora afirmada como fundamento da sentença de rejeição da demanda, de nada adiantará para obstaculizar a renovação da ação, uma vez embasada em nova prova. (VENTURI, 2007, p. 388)

Assim, entende-se que aplicação ou não da coisa julgada nas ações

coletivas dependeria da constatação disposta da fundamentação judicial a

respeito do resultado instrutório.

6.17.2.A coisa julgada segundo o Código de Defesa do Consumidor

Em 1990 foi implementado no Brasil o Código de Defesa do Consumidor,

legislação que proporcionou o fechamento do sistema coletivo no Brasil

Inovou no ordenamento jurídico, pois acrescentara os direitos individuais

homogêneos, tendo permitido a tutela desses direitos pela via coletiva. Além e

tratar do regramento procedimental do direito individual homogêneo, também

trabalhou com questão da coisa julgada nas ações de tutela de direitos difusos,

coletivos e individuais homogêneos.

Acerca disso, dispõe Elton Venturi que:

Por intermédio do art. 103 do CDC, nos seus três incisos e quatro parágrafos, tratou-se genericamente da eficácia e autoridade da coisa julgada: nas ações de defesa de direitos difusos (inciso I) repetiu a redação originária do art. 16 da Lei 7.347/1985, mantendo a técnica da extensão erga omnes da eficácia da res judicata, salvo caso de improcedência por deficiência de provas; nas ações de defesa de direitos coletivos (inciso II) qualificou a extensão da coisa julgada como ultra partes, limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo hipótese de improcedência por insuficiência de provas; por fim, quanto às sentenças de procedência das ações de tutela de direitos individuais homogêneos, em benefício de todas as vítimas e sucessoras (inciso III), determinou a extensão erga omnes da coisa julgada. (VENTURI, 2007, pp. 389-390)

Como podemos observar, o Código de Defesa do Consumidor adicionou

a expressão ultra partes à incidência da coisa julgada nas ações coletivas.

Nesse sentido, assevera o autor:

Tal expressão, em verdade, foi não só usada no intuito de se diferenciar de erga omnes (admitida a diversidade dos titulares dos

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direitos difusos – pessoas indeterminadas ou indetermináveis – coletivos – pessoas determinadas ou determináveis, vez que ligadas a grupos, classes ou categorias), como também para esclarecer que os potenciais beneficiários da tutela jurisdicional seriam todos aqueles que, independentemente de estarem, ou não, ligados formalmente à entidade de classe representativa (sindicatos ou associações), pudessem ser considerados, por um critério substancial, integrantes do mesmo grupo, pela identidade do regime jurídico comungado por todos seus componentes. (VENTURI, 2007, p. 390)

Vislumbra-se que o Código de Defesa do Consumidor trouxe uma

sensível alteração a coisa julgada nas ações coletivas, porém introduziu a tutela

coletiva de direito individuais homogêneos, com grande inspiração no modelo

norte-americano, mas que se diferencie em alguns pontos.

Sendo assim, observa Elton Venturi:

De fato, analisando-se a técnica utilizada pela legislação brasileira, percebe-se nítida e essencial diferenciação daquela idealizada pelo influente sistema norte-americano, no âmbito do qual compreendem-se automaticamente afetados pela coisa julgada todos aqueles indivíduos que, adequadamente comunicados acerca do ajuizamento da demanda (mediante pessoal intimação, denominada fair notice), não tiverem requerido expressamente sua exclusão (opt out) da ação de classe. Entre nós, a vinculação a título individual ao comando da decisão proferida em ação coletiva opera-se automaticamente; todavia, desde que procedente o julgamento do pedido – daí a menção à chamada coisa julgada in utilibus. Tal distinção encontra fundamento, precipuamente, na diversidade dos sistemas de legitimação ativa para as ações coletivas no Brasil e nos Estados Unidos (ope legis e ope judicis, respectivamente), que toma em consideração implicações referentes à adequada defesa dos interesses e representatividade dos integrantes do grupo, categoria ou classe. (VENTURI, 2007, p. 391)

No modelo americano se o indivíduo não requerer a sua exclusão da

ação, submeter-se-á coisa julgada, sendo procedente ou improcedente, não

podendo rediscutir tal decisão nem por via individual.

Assim, destaca Elton Venturi:

Diferentemente, entre nós, em virtude da relativa presunção da adequada representatividade comunitária pelos entes legitimados para a propositura das ações coletivas, assim como da inexigência de prévia comunicação dos integrantes da classe acerca da propositura da demanda, a solução encontrada pelo sistema foi, como supramencionado, a da extensão automática e erga omnes da eficácia das decisões de procedência, o que acarreta a desnecessidade da propositura de ações individuais com idêntico objeto, por falta de interesse processual, eis que já atendidas suas pretensões ao menos no que tange à fixação da responsabilidade civil do demandado (na

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debeatur), não obstante ainda tenham que submeter, de preferência individualmente, seus pleitos de liquidação e execução, mediante comprovação de nexo causal e dano. (VENTURI, 2007, p. 391-392)

No entanto, assinala o autor:

De outro lado, caso julgada improcedente a ação coletiva, a não ser quando o indivíduo tenha se habilitado como litisconsorte da entidade autora nas hipóteses legalmente previstas, não há óbice à dedução de ações individuais, ainda que repitam idêntico objeto, como decorrência do princípio constitucional da inafastabilidade do acesso à justiça, que traz consigo a garantia de ampla defesa e contraditório mediante oportunidade de pessoal comparecimento a juízo. Mediante tal técnica o legislador pátrio procurou incrementar o efetivo acesso à justiça, relativizando os enormes e muitas vezes insuperáveis obstáculos sociais, econômicos, políticos e técnicos infligidos à tutela jurisdicional, com apuro científico que alçou o processo civil coletivo brasileiro a inegável condição de vanguarda. Entretanto – repare-se-, o inciso III do art. 103 do CDC não ressalva qualquer hipótese de não incidência da coisa julgada material em caso de improcedência da demanda coletiva, como ressalvam os incisos I e II do referido dispositivo. Ou seja, julgada improcedente ação coletiva para tutela de direitos individuais homogêneos, qualquer que seja o fundamento, incidirá a coisa julgada material, que inibirá a repropositura da demanda coletiva, ainda que através de outro legitimado e ainda que se aluda à existência de novas provas. (VENTURI, 2007, p. 392)

Ou seja, no caso referido acima, a única forma de rediscussão da

demanda, com base em provas novas, segundo Elton Venturi (2007, p. 393):

“seria a obtenção de prévia desconstituição da coisa julgada, através de

competente ação rescisória, movida, então, com base no art. 485, VII, do CPC”.

Com relação a distinção ora observada entra a coisa julgada nas ações

coletivas em defesa de direitos difusos ou coletivos e a coisa julgada das ações

de direitos individuais homogêneos, dispõe Elton Venturi que:

A lógica da diferenciação estabelecida entre o regime da autoridade da coisa julgada nas ações coletivas em defesa de direitos difusos e coletivos (art. 103, I e II, do CDC) e nas ações coletivas em defesa de direitos individuais homogêneos (art. 103, III) estaria justificada, em síntese, na viabilidade da rediscussão da causa, pela via individual, na última hipótese (por parte daqueles que não se habilitaram no processo coletivo como litisconsortes da entidade autora) e na inexistência da via individual na primeira hipótese. Ou seja, a inoponibilidade da coisa julgada nas demandas coletivas julgadas improcedentes por ausência ou deficiência de provas só se justificaria, assim, no âmbito da tutela dos direitos essencialmente meta-individuais, tendo em vista a exclusividade da via coletiva e o temor de possível colusão entre as partes. Já nas demandas coletivas individuais homogêneas a possibilidade de a mesma demanda (objetivamente considerada) ser judicializada pela via individual permitiria que se formasse a coisa julgada material de qualquer decisão proferida na via coletiva, mesmo

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que no sentido da improcedência dos pedidos pela não demonstração razoável dos fatos constitutivos do direito pleiteado. (VENTURI, 2007, p. 393)

Tal entendimento, porém, não deixa de ser questionável quanto à

presunção relativa da adequada representação para a propositura das ações

coletivas, tanto sob as luzes dos princípios quanto sob a técnica adotada no

modelo da tutela coletiva brasileira.

Diante dessas circunstâncias, leciona Elton Venturi:

De fato, considerando-se que a via coletiva de tutela de direitos individuais homogêneos, apesar de não ser exclusiva, no mais das vezes acaba sendo a única praticamente efetiva, tendo em vista os conhecidos entraves opostos ao acesso individual à justiça, a oponibilidade da autoridade da coisa julgada material nas hipóteses de improcedência do pedido, no intuito de se afastar a repropositura da mesma demanda pela via coletiva, acarreta, previsivelmente, o virtual aniquilamento das pretensões individuais de todos aqueles que não têm nem nunca terá incentivo ou condições materiais para o comparecimento pessoal a juízo. Ainda, repare-se, a fraude representada pela eventual colusão entre as partes, que motivou a adoção do regime diferenciado da oponibilidade da coisa julgada material secundum eventum litis no âmbito das ações de tutela de direitos difusos e coletivos, nada obstante possa vir a qualificar mal ainda mais intenso no âmbito das ações coletivas de tutela a direitos individuais homogêneos (sobretudo sob o ponto de vista social), nelas acaba não sendo prevenida ou remediada a contento. (VENTURI, 2007, p. 394)

Dessa forma, fica claro a possibilidade da extensão do regime da

inoponibilidade da autoridade da coisa julgada material às ações coletivas de

tutela a direitos individuais homogêneos, seguindo a regra da ausência ou

deficiência de provas.

6.17.3.A ausência de adequada informação à coletividade sobre o ajuizamento e a procedência das ações coletivas

Acerca do disposto anteriormente, entende-se que todo o indivíduo que

precisasse da tutela judicial para defesa dos seus interesses, caso soubesse que

já existia o ajuizamento de ação coletiva com intuito a reparação de danos

provenientes de origem comum, aguardaria o resultado da demanda para que

se valesse da ação individual, ou ingressar como litisconsorte do autor da ação

coletiva. Porém, não é assim que acontece, como demonstra Elton Venturi:

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Ocorre, todavia, que se revelam frequentes ajuizamentos de ações individuais na pendência de ação coletiva com idêntico objeto, ou, por vezes, até mesmo de diversas ações coletivas com objeto comum. Tal fenômeno se dá, em grande escala, em função da precariedade (quando não absoluta ausência) de comunicação a respeito seja do mero ajuizamento de ações coletivas, seja da publicação das sentenças de procedência com potencial eficácia erga omnes ou ultra partes. Apesar da previsão contida no art. 94 do CDC, determinando sejam informados os interessados sobre a propositura da ação coletiva que visa tutelar direitos individuais homogêneos mediante a publicação de edital no órgão oficial, ‘sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social’, visando a uma possível habilitação dos mesmos como litisconsortes (rectius, assistentes litisconsorciais), nossa experiência demonstra que nem a publicação editalícia se revela suficiente, nem ocorrem quaisquer veiculações em tal sentido nos órgãos de imprensa (televisão, rádio ou jornais), os quais ainda não despertaram ou não foram despertados para o atingimento de sua função social. (VENTURI, 2007, pp. 395-396)

A Constituição Federal em ser art. 221, I, preceitua que as emissoras de

rádio e televisão privilegiem a transmissão de programações educativas,

artísticas, culturais e informativas. No entanto, não se observa qualquer

divulgação de direitos referentes a cidadania, muito menos a divulgação da

propositura de ações coletivas e os seus resultados.

Como visto, é importante transcrever a crítica elaborada pelo autor:

Dos legitimados ativos, aos quais a lei imputa presunção de adequada representatividade social, seria razoável esperar-se que antes mesmo da propositura da ação coletiva já fomentassem alguma informação acerca da futura discussão judicial junto à coletividade, mediante assembleias, reuniões públicas, correspondências pessoais aos interessados – enfim, toda forma de comunicação hábil a gerar, quando menos, uma mínima e informal cientificação dos ‘titulares’ da pretensão material tutelada, prováveis destinatários do julgamento de procedência da demanda. Todavia, tal esperança sucumbe, no mais das vezes, diante da opção adotada pelo legislador pátrio ao habilitar entidades privadas como potencias legitimadas ativas para conduzir demandas de classe, sem que lhes seja exigível demonstração alguma quanto à sua idoneidade técnico-financeira ou, mesmo, quanto à experiência na condução de ações coletivas, aparentemente não estando os magistrados autorizados a impor controle neste sentido, diversamente do ocorrido no modelo norte-americano. Ainda assim, incumbiria aos legitimados, uma vez proposta a ação, imaginar modos efetivos de divulgação, tanto do ajuizamento quanto do julgamento de procedência, pleiteando-os ao magistrado. (VENTURI, 2007, p. 397)

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Com relação ao Ministério Público, que também possui papel

fundamental, escreve Elton Venturi:

Conforme o art. 127, caput, da CF de 1988, tem o Parquet por funções institucionais ‘a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis’, sendo indiscutível que a tutela coletiva instrumentaliza, a um só tempo, a proteção de todos os valores nominados. Assim sendo, como lhe incumbe, obrigatoriamente, atuar em todas as espécies de ações coletivas, seja na qualidade de parte autora, seja como fiscal da lei, tem ainda maior responsabilidade pela implementação da informação adequada acerca do ajuizamento e da procedência dessas demandas. Entretanto, não vem cumprindo a contento tal missão, sobretudo pela ausência de uma estrutura condizente com suas múltiplas atribuições constitucionalmente impostas, observando-se, inclusive, a ausência de efetiva comunicação e intercâmbio entre os Ministérios Públicos dos Estados e da União, do que resulta o desconhecimento muitas vezes, quanto às ações propostas pelo país afora pela própria Instituição. Enfim, sobre o próprio Poder Judiciário recai o dever de impor, até mesmo ex officio, a obrigação de informação aos meios de comunicação social, inclusive mediante a determinação coercitiva dirigida aos mesmos para que insiram periodicamente, em suas programações ordinárias, notícias sobre o andamento de demandas coletivas com potencial reflexo nas respectivas áreas de audiência. Não se defende qualquer outra postura judicial senão aquela preconizada como a única condizente com as demandas de massa: participação ativa no intuito de relativizar os obstáculos de acesso à justiça, garantindo, a um só tempo, o direito à adequada informação e o consequente direito de ação. (VENTURI, 2007, p. 398)

O autor também ressalta que:

Soma-se, ainda, à inoperatividade da fórmula legal de divulgação das ações coletivas a ainda precária estrutura dos órgãos e das entidades integrantes do chamado Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, previsto no art. 105 do CDC, sobretudo a omissão da Secretaria Nacional de Direito Econômico, incumbia de coordenar o referido sistema e de ‘informar, conscientizar e motivas o consumidor através dos diferentes meios de comunicação’ (art. 106, IV, do CDC). Enquanto perdurar a desinformação, pois, inviabilizada restará a efetividade do modelo brasileiro de tutela dos direitos meta-individuais, sobretudo no atinente à defesa de direitos individuais homogêneos patrimoniais e disponíveis, uma vez que é imprescindível à dedução de pedidos liquidatórios e executórios, por parte dos interessados a título individual, a prévia e tempestiva ciência em relação à existência de títulos executivos que lhes sirvam para tanto. (VENTURI, 2007, p. 399)

Concluindo, desde que haja a possibilidade da extensão erga omnes e

in utilibus do julgamento da ação coletiva, independentemente do seu conteúdo,

deve haver a garantia de informação a sociedade, com utilização dos meios

expostos nesse tópico.

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6.17.4.Coisa julgada “secudum eventum litis” e “in utilibus” e a garantia constitucional da isonomia

A adoção da coisa julgada incidente erga omnes, secundum eventum

litis e in utilibus, revelam a superação do instituto das diversas críticas atribuídas

a sua insustentabilidade.

Neste sentido, destaca Liebman que:

Análogo e praticamente equivalente, devia muito mais tarde lograr inúmeras adesões, mercê ainda da autoridade de Savigny, que dela se fez defensor, o conceito de uma espécie de representação dos interesses de terceiro por obra da parte, como fundamento, em determinados casos, da extensão da coisa julgada a terceiro; conceito que foi mais tarde especificado por outros na figura de representação in utilibus, pela qual poderia o terceiro utilizar-se da sentença de outrem, mas não ser por ela prejudicado. Hoje, contudo, concorda-se em considerar infeliz e insustentável o recurso à representação, em afirmar que, em todo o caso, a coisa julgada, nos limites em que se produz, vale pro et contra, e não secundum eventum litis. (LIEBMAN, 1984, pp. 81-82)

Complementando, Elton Venturi:

“Contra adoção da técnica da oponibilidade da coisa julgada secundum eventum litis argumenta-se pretensa violação dos princípios da isonomia e do devido processo legal, eis que atribui a qualidade da coisa julgada material e a extensão erga omnes apenas nas hipóteses de procedência das demandas coletivas, sendo que em caso de improcedência os titulares dos direitos individuais lesados (vítimas ou sucessores), desde que não tenham intervindo na demanda coletiva, ainda podem tentar a sorte através de propositura de ações individuais”. (VENTURI, 2007, p. 400)

A doutrina, por sua vez, entende que o réu ficaria sempre em

desvantagem, pois mesmo que triunfasse em sua defesa, obtendo a

improcedência na pretensão coletiva, estaria à mercê de eventuais ações

individuais, sendo essas passíveis de repetição das causas de pedir e pedidos.

No entanto, destaca o autor que:

As alegações de quebra dos princípios da isonomia e da paridade de armas entre as partes pela excepcional adoção da técnica da incidência da coisa julgada secundum eventum litis e in utilibus revelam a extrema resistência oposta ao necessário rompimento de certos dogmas culturalmente estigmatizados, fundados no liberalismo e no individualismo, expondo, ainda, a notória incompreensão do fenômeno

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que está por trás de todo o sistema das ações coletivas, sintetizado na expressão ‘acesso à justiça’. O princípio constitucional da isonomia, inscrito entre nós no caput do art. 5º da CF de 1988, tem como conteúdo político-ideológico a ideia de que ‘a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos’. Para sua implementação. Todavia, revela-se insuficiente a conhecida e multirrepetida fórmula aristotélica segundo a qual a igualdade consistiria em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, pois é imprescindível que se responda, para sua aplicação, à fundamental questão: ‘Quem são os iguais e quem são os desiguais?’ Buscando respostas a tal indagação, no intuito de concluir se há, ou não há, afronta ao princípio da isonomia pela implantação, no Brasil, de um sistema de tutela coletiva que prevê a negação da litispendência e da coisa julgada quanto contrárias à defesa dos interesses individuais homogêneos, devemos nos debruçar sobre os participantes do procedimento judicial e suas respectivas condições de atuação. Neste sentido, oportunamente já se construiu feliz classificação dos atores passivos e ativos das demandas judiciais, qualificando-se-os como litigantes habituais e litigantes eventuais: enquanto estes encontram sérios e por vezes intransponíveis obstáculos culturais, econômicos, políticos e técnicos para a participação no procedimento judicial, e ainda assim, quanto participam, dificilmente têm chances reais de sucesso, em virtude da nula ou escassa experiência forense, aqueles já encaram sua presença em juízo quase como decorrência natural da atividade empresarial que desempenham, a um só tempo propiciadora de lucros expressivos e potencial geradora de prejuízos de massa. Por tais motivos, estão os litigantes habituais em notória situação de vantagem sobre os eventuais no que tange à participação em juízo, seja pelo surgimento de uma espécie de convivência política com os magistrados e tribunais, derivada da frequência com que são chamados pelo Judiciário, seja pela sua aptidão técnica, que engloba, inclusive, a avaliação das teses jurídicas mais idôneas a serem bem-sucedidas (muitas das quais já tiveram a chance de testar em juízo), seja pela relativização e absorção dos custos gerados pela participação no processo judicial e, mesmo, por eventuais imposições ressarcitórias pelos lucros obtidos com a atividade empresarial, mesmo que lesiva de direitos individuais homogêneos. (VENTURI, 2007, pp. 401-403)

Desta forma, a coisa julgada secundum eventum probationis e in utilibus,

apenas afirma o princípio constitucional da isonomia substancial.

Não obstante, destaca, ainda, o eminente autor:

Há que se observar, de igual forma, que, na verdade, inexiste uma participação judicial efetiva e pessoal dos titulares dos direitos individuais homogêneos por via das ações coletivas. A não ser quando se habilitem como litisconsortes da entidade autora (hipótese prevista no art. 94 do CDC, todavia, que viabiliza a incidência da coisa julgada em caso de improcedência da ação, retirando-lhes a opção de ajuizarem posteriormente ações individuais), aqueles que se podem afirmar titulares de direitos próprios apenas e tão-somente observam

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(isso quando conseguem ser cientificados) a condução da ação coletiva pelo legitimado ativo, torcendo para que do sucesso de tal condução derive um pronunciamento judicial condenatório que lhes oportunize a consecução de suas pretensões, ainda assim mediante prévios procedimentos de liquidação e execução individuais. Ou seja, resta claro que não seria razoável nem constitucional a atribuição da autoridade da coisa julgada material em caso de improcedência de ações coletivas das quais não participaram efetiva e pessoalmente os titulares dos direitos tutelados, seja em função da violação ao princípio da isonomia (pois, enquanto o réu necessariamente foi comunicado acerca da demanda e teve chance de participação no procedimento, àqueles, no mais das vezes, sequer foi comunicada a existência da ação coletiva), seja pela violação do princípio da inafastabilidade do acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV). (VENTURI, 2007, p. 403-404)

Resumidamente, o modelo brasileiro optou pela presunção relativa

adequada representatividade, pois não havia outro caminho, a não ser a coisa

julgada material secundum eventum litis e in utilibus, devido a sua logicidade e

pela democracia que demonstra na prestação jurisdicional.

6.18.ALTERAÇÕES POR MEDIDAS PROVISÓRIAS QUE AFETAM A COISA JULGADA COLETIVA

Adentramos nesse tópico com a crítica desenvolvida por Elton Venturi,

entendendo que:

Com a implementação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, parece certo afirmar que o microssistema de tutela coletiva atingiu seu apogeu no Brasil. A partir de então, passou a sofrer gradativas e insistentes tentativas de fragilização ou de desmonte, por obra do Poder Executivo Federal, mediante o emprego de medidas provisórias, agravadas pelo beneplácito do Congresso Nacional e de boa parte do Poder Judiciário, omissos no seu dever de controle de constitucionalidade preventivo e repressivo, respectivamente. Constituem fatos lamentáveis sob o prisma democrático, demonstrando, sobretudo, a insegurança jurídica vivenciada até a aprovação da Emenda Constitucional 32, através da qual (antes tarde do que nunca”) expressamente se vedou a edição de medidas provisórias sobre matéria processual civil. (VENTURI, 2007, p. 414)

Assim, com o intuito de esclarecer as tentativas elaboradas acima, o

professor faz uma rápida dissecação acerca do conteúdo, onde:

Desde a edição da Lei da Ação Civil Pública, e mais notadamente na década de 90, com o suplemento do Código de Defesa do Consumidor, foi instalada no país uma cultura do uso das ações coletivas, sobretudo voltadas à discussão de toda sorte de inconstitucionalidade e ilegalidades em relação às políticas fiscais adotadas por todas as esferas governamentais, e em especial às da União Federal, a quem o constituinte delegou a maior competência tributária. Desta forma,

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mediante o emprego da ação civil pública em todo o país, sobretudo pelo Ministério Público e por associações civis, a União, os Estados e os Municípios passaram a ser fiscalizados como nunca ocorrera até então – vale dizer, através de decisões liminares e/ou finais com eficácia erga omnes, beneficiando todos os contribuintes dos respectivos Fiscos. Tal forma de controle judicial veio de encontro, como é notório, à volúpia fiscal e ao sentimento de absoluta independência da atividade administrativa, mal-compreendida, muitas vezes, como suficientemente justificável por critérios de conveniência e de oportunidade do governante, avessa e imune, portanto, a qualquer espécie de fiscalização. Assim, como primeira forma de amenizar o referido controle, optou-se pela alteração do art. 16 da Lei 7.343/1985, restringindo-se a eficácia de liminares e sentenças através da alusão aos limites territoriais do órgão jurisdicional, provocando, como analisado supra, a fragmentação e consequente fragilização da tutela jurisdicional coletiva. Todavia, a estratégia adotada pelo Poder Público no intuito de frustrar o acesso à justiça pela via coletiva não parou por aí. Na tentativa de imunizar definitivamente o controle judicial das políticas fiscais e tributárias por via das ações coletivas, lançou-se mão de argumento pretensamente técnico-processual: o do não cabimento de ação civil pública para a arguição da inconstitucionalidade de lei que crie ou aumente tributo, uma vez que a eficácia erga omnes das decisões então proferidas ocasionaria pretensa usurpação da competência exclusiva do STF quanto à declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo com eficácia erga omnes. Num primeiro momento tal argumento impressionou boa parte da jurisprudência nacional, motivando a extinção de diversas ações civis públicas que suscitavam, como causa de pedir, a declaração incidental da inconstitucionalidade. Entretanto, no julgamento da Recl. 1.733, o Plenário do STF rechaçou tal tese, assentando o entendimento segundo o qual não pode confundir o pedido principaliter de declaração de inconstitucionalidade no âmbito das ações diretas com pedido incidenter tantum de controle de constitucionalidade formulável em qualquer ação, a qualquer juízo, quando, então, se traduz como verdadeira causa de pedir que fundamenta tão-somente a tutela de pretensões subjetivas. Não vingando o argumento técnico, restou ao Poder Executivo Federal, na ânsia de se livrar completamente da fiscalização viabilizada pelas ações coletivas, escancarar sua pretensão, incluindo, mediante medida provisória, parágrafo único ao art. 1º da LACP, que, como visto (Capítulo 7), intentou implantar verdadeira hipótese de impossibilidade jurídica do pedido em ações coletivas. (VENTURI, 2007, pp. 415-418)

Feita as ressalvas acerca das principais alterações legislativas, abre-se

espaço para o questionamento da constitucionalidade do art. 16 da Lei

7.347/1985, do qual trataremos no próximo tópico.

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6.19.INTEPRETAÇÃO E APLICABILIDADE DO ART. 16 DA LACP

A Medida Provisória n. 1.570-4 de 22/07/1997, em seguida transformada

na Lei n. 9.494/1997, deu nova redação ao art. 16 da LACP, com o seguinte

texto:

a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, caso em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

A referida alteração repercutiu permanentemente no modelo brasileiro

das ações coletivas, pois limita ao espaço territorial do órgão que proferiu a

decisão.

Nesse sentindo, assevera Elton Venturi:

Assim, com base na nova redação do art. 16 da LACP, boa parte dos Tribunais nacionais tem aplicado as restrições quanto à abrangência dos efeitos da coisa julgada, ora alegando que a extensão do resultado de procedência das ações coletivas a territórios diversos daquele da sede do órgão julgador implicaria decisão ultra petita e violação ao princípio dispositivo, ora aludindo à violação aos limites estabelecidos pela decisão do tribunal – como se fosse possível ao órgão julgador deliberar sobre os limites da eficácia de seus provimentos. A partir da vigência dessa nova redação do art. 16, em 1997, abriu-se intenso debate doutrinário e jurisprudencial sobre sua aplicabilidade concreta, tendo em vista alegações de possíveis inconstitucionalidades e de inoperância, seja em face da incidência dos arts. 93 e 103 do CDC, seja em virtude de pretensa revogação daquele dispositivo. (VENTURI, 2007, pp. 419-420)

Nery e Ney em seu Código de Processo Civil comentando, resume de

forma lucida a tese de inconstitucionalidade da alteração:

“A norma, na redação dada pela Lei 9.494/1997, é inconstitucional e ineficaz. Inconstitucional por ferir os princípios do direito de ação (CF-5º, XXXV), da razoabilidade e da proporcionalidade e porque o Presidente da República a editou, por meio de medida provisória, sem que houvesse autorização constitucional para tanto, pois não havia urgência (o texto anterior vigorava há 12 anos, sem oposição ou impugnação), nem relevância, requisitos exigidos pela CF-62, caput, para que o Presidente da República possa, em caráter absolutamente excepcional, legislar por medida provisória. Ineficaz porque a alteração ficou capenga, já que incide o CDC-103 nas ações coletivas ajuizadas com fundamento na Lei da Ação Civil Pública, por força da LACP-21 e

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CDC-90. Para que tivesse eficácia, deveria ter havido alteração da LACP-16 e do CDC-103. De consequência, não há limitação territorial para eficácia erga omnes da decisão proferida em ação coletiva, quer esteja fundada na Lei da Ação Civil Pública, quer no Código de Defesa do Consumidor”. (NERY e NERY, 2013, p. 1349)

Ada Pellegrini Grinover indica dois erros trazidos na alteração do art. 16

da LACP. O primeiro fica a cargo da limitação do alcance da coisa julgada nas

ações civis públicas, que subverte a filosofia do processo coletivo, pois tal atitude

gera um número maior de demandas. Em seguida errou por desconhecer a

comunicação entre a LACP e o Código de Defesa do Consumidor, supondo que

ao alterar o art. 16 da LACP sanaria o problema, porém a modificação se mostrou

inócua e ineficaz.

Diante disso, preceitua Elton Venturi:

Segundo a orientação de Ada Grinover, seguida pela quase-unanimidade dos juristas que se dedicam ao estudo da tutela coletiva no Brasil, a nova redação do art. 16 da LACP em nada interferiu quanto à eficácia da coisa julgada nas ações de proteção a direitos individuais homogêneos, visto que regulada pelo inciso III do art. 103 do CDC. De outro lado, em relação às ações de tutela de direitos difusos ou coletivos, o referido art. 16 seria inócuo, uma vez que incidiria o art. 103, II e III, combinado com o art. 93, I e II, todos do CDC, com o quê ainda seria viabilizada a eficácia erga omnes ou ultra partes da sentença de procedência da demanda coletiva, ainda ‘nos limites da competência territorial do órgão prolator’, desde que a ação fosse ajuizada na Capital do Estado-membro em caso de dano regional, e no Distrito Federal na hipótese de dano nacional. Transcrevem-se, a seguir, as conclusões da professora da USP: ‘Assim, afirmar que a coisa julgada se restringe aos ‘limites da competência do órgão prolator’ nada mais indica do que a necessidade de buscar especificação dos limites legais da competência: ou seja, os parâmetros do art. 93 do CDC, que regula a competência territorial nacional e regional para os processos coletivos. (...). Já firmamos nossa posição no sentido de que o art. 93 do CDC, embora inserido no capítulo referente às ações coletivas ‘ações coletivas em defesa de interesses individuais homogêneos’, rege todo e qualquer processo coletivo, estendendo-se às ações em defesa de interesses difusos e coletivos. Não há como não se utilizar, aqui, o método integrativo, destinado ao preenchimento da lacuna da lei, tanto pela interpretação extensiva (extensiva do significado da norma) como pela analogia (extensiva da intenção do legislador). Ubi eadem ratio, ibi eadem juris dispositivo. É necessário coerência interna do sistema jurídico, que exige a formulação de regras idênticas em que se verifica a identidade de razão. Se o art. 93 do CDC fosse aplicável apenas aos interesses individuais homogêneos, o resultado seria a regra da competência territorial de âmbito nacional ou regional só para as ações em defesa dos aludidos direitos, enquanto nos processos coletivos em defesa de interesses difusos ou coletivos ficaria vedada a competência nacional ou regional. O absurdo do resultado dessa posição é evidente, levando

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ao seu repúdio pela razão e pelo bom senso, para o resguardo da coerência do ordenamento. (VENTURI, 2007, pp. 421-422)

Com relação a todo o disposto, asseveram Nery e Nery acerca da

aplicação do Código de Defesa do consumidor em face da LACP, o qual:

“Com o advento do CDC 103, em 1990, que regulou completamente o instituto da coisa julgada no processo coletivo (direitos, coletivos e individuais homogêneos), o sistema legal que rege o instituto da coisa julgada no processo coletivo passou a ser o CDC 103. Pela superveniência do Código de Defesa do Consumidor, houve revogação tácita da LACP 16 (DE 1985) pela posterior (Código de Defesa do Consumidor, de 1990), conforme dispõe a LICC-2º, § 1º. Assim, quando editada a Lei 9.494/1997 não mais vigorava a LACP 16, de modo que ela não poderia ter alterado o que já não existia. Para que a ‘nova redação’ da LACP 16 pudesse ter operatividade (existência, validade e eficácia formal e, por consequência, material), deveria a Lei 9.494/1997 ter incluído na Lei da Ação Civil Pública o art. 16, já que não se admite, no Direito brasileiro a repristinação de lei (LICC 2º, § 3º). Portanto, também por esse argumento não mais existe o revogado sistema da coisa julgada que vinha previsto na LACP 16. O único dispositivo legal que se encontra em vigor sobre o assunto é, hoje, o CDC 103”. (NERY e NERY, 2013, pp. 986-987)

Como bem observado, a modificação suscitada pela Lei 9.494/1997,

acabou sendo alvo de grandes críticas, especialmente, segundo Elton Venturi:

“em função de suas inconfessáveis motivações políticas e pelo flagrante

atecnicismo mediante o qual foi implantada, causador de toda sorte de

inconsistências, incompatibilidades e contradições no sistema da tutela coletiva”.

No entanto, apesar da excelente tese elaborada por Nery e Nery, o

professor Elton Venturi, crítica certos pontos elencados pela autora, onde busca

harmonizar a alteração trazida:

Incialmente, estamos convencidos de que o novo art.16 da LACP constitui regra plenamente vigente, tanto que vem sendo aplicado diariamente por boa parte dos órgãos judiciais pátrios. Não obstante concordemos com o argumento suscitado por Nery e Nery no sentido de que o art. 103 do CDC, que entrou em vigor no ano de 1990, revogou tacitamente o art. 16 da LACP, fato é que com a edição da Medida Provisória 1.570 (posteriormente convertida na Lei 9.494/1997) operou-se verdadeira renovação normativa. Com efeito, consultando-se o art. 2º da Lei 9.494/1997 percebe-se a intenção legislativa no sentido de inovar o ordenamento, estabelecendo-se que ‘o art. 16 da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a vigorar com a seguinte redação: (...)’. Não se trata, pois, de repristinação – fenômeno subsumível à recuperação da eficácia de certa norma pela revogação daquela que a sucedera – ou, mesmo, de alteração inócua, por pretensamente afetar dispositivo legal não mais existente. Houve, em verdade, expressa intenção de se imprimir inédita regulação da coisa julgada nas ações

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civis públicas, instrumentalizada não somente por uma ‘nova redação’, mas pela edição de um novo art. 16 na LACP, substituindo o anterior, que, segundo a melhor doutrina antes citada, havia sido já superado pelo art. 103 do CDC. Aliás, para se argumentar, poderia o legislador ter procedido à mesma alteração no regime da tutela coletiva, ao invés de determinar a revigoração do art. 16 da LACP, criando um art. ’16-B’, como criados foram pela Lei 9.494/1997 os arts. 2º - A e 2º - B. De outro lado, ainda que se pudesse qualificar a sucessão dos dispositivos citados como forma de repristinação (com o quê discordamos), percebe-se que tal ressuscitação da norma revogada, desde que expressa (e essa seria a hipótese), não ofende o art. 2º, § 3º, da LICC. Uma vez aceita a premissa de que o art. 16 da LACP vigora, passa-se a examinar em que sentido pode ser qualificado como inoperante, pela aplicabilidade dos arts. 93 e 103 do CDC, como precisado acima. A não-interferência do art. 16 sobre as ações de tutela de direitos individuais homogêneos parece indiscutível, uma vez que, apesar da já mencionada interseção da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, a função sistemática do dispositivo sempre foi a de regular o regime da coisa julgada nas ações de defesa de direitos difusos e coletivos. (VENTURI, 2007, pp. 424-426)

Com os motivos expostos acima, o autor entende que com a vigência do

art. 103 do CDC houvera a revogação do art. 16 da LACP, porém, como acatado

anteriormente, revogado o art. 16 em 1997, em suas palavras: “tornar-se lícito

sustentar ter ocasionado a revogação dos incisos I e II dl art. 103 do CDC”.

Dessa forma, teríamos uma duplicidade de tratamento da coisa julgada

nas ações coletivas. O art. 103 do CDC se aplicaria aos casos de direitos

individuais homogêneos, prevendo eficácia erga omnes, sem limite territorial. E

o art. 16 da LACP aos direitos difusos ou coletivos, o qual prevê a restrição

territorial ventilada.

6.20.DA INCONSTITUCIONALIDADE DO NOVO ART. 16 DA LACP

A coisa julgada nas ações coletivas que tutelam direitos difusos ou

coletivos é regulada pelo art. 16 da LACP

O dispositivo vem sendo aplicado pelos Tribunais, apesar dos conflitos

gerados por esta.

Porém, a aplicação do referido dispositivo acarreta uma série de ataques

a várias previsões constitucionais, a seguir expostas.

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6.20.1.Inconstitucionalidade formal

O primeiro apontamento acerca da inconstitucionalidade é de cunho

formal, ou seja, o instrumento que a trouxe ao ordenamento jurídico, que no caso

é a Medida Provisória 1.570-4 de 22/07/1997, espécie normativa admitida em

determinados casos e com certos requisitos.

Nesse sentido, é importante ficarmos com os questionamentos

elaborados por Elton Venturi:

Ocorre que o Poder Executivo Federal jamais explicitou ou demonstrou adequadamente os fundamentos nem de uma, nem de outra. Não o fez, e nem teria como fazê-lo, eis que irrespondíveis as seguintes indagações: Qual a relevância de se restringir espacialmente a eficácia de decisões judiciais proferidas em ações civis públicas ao território do juiz prolator, fragmentando a tutela jurisdicional coletiva propiciando tratamentos diferenciados para direitos ontológica e processualmente indivisíveis? Qual a urgência em alterar o regime da extensão da coisa julgada nas ações coletivas de tutela de direitos difusos ou coletivos, vigente sem qualquer questionamento quanto à sua constitucionalidade ou legitimidade desde o ano de 1985? Se plausíveis justificativas houvesse nesse sentido, por que não restringiu também a eficácia das sentenças proferidas em ações populares, visto que igualmente hábeis a se expandir erga omnes, independentemente do território do órgão jurisdicional prolator? (VENTURI, 2007, pp. 427-428)

Diante disso, elenca que:

Conforme ante exposto, os reais motivos determinantes que conduziram à edição e subsequentes reedições da medida provisória alterando o regime da coisa julgada na ação civil pública não estão relacionados com qualquer tutela de interesses públicos, mas sim à defesa de interesses fazendários egoísticos, de cunho meramente fiscal, e – o que é pior – no mais das vezes inviabilizando, o aproveitamento de decisões judiciais que buscavam justamente coibir toda sorte de abusos e ilegalidades perpetradas pelo Poder Público em matérias tributária e previdenciária. (VENTURI, 2007, p. 428)

6.20.2.Das inconstitucionalidades materiais

6.20.2.1.Restrição de acesso à justiça

Quanto ao ponto de vista material, a inconstitucionalidade do art. 16 da

LACP se torna ainda mais visível. Seja em relação a restrição ou vedação do

acesso à justiça, sérios motivos para o afastamento de sua aplicabilidade.

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A partir de 1988, quando houve a constitucionalização da tutela coletiva,

a garantia de inafastabilidade da função jurisdicional ganhou uma nova

caracterização, não sendo mais encarada o acesso à justiça sob o ponto único

de vista das ações individuais.

Dessa forma, o princípio constitucional do acesso à justiça passou então

a não só permear as demandas individuais, mas também as de cunho coletivo.

Assim, dispõe Elton Venturi:

Não há dúvida, aliás, de que a garantia de acesso à justiça, em muitos casos, somente pode ser implementada pela via das ações coletivas, seja porque a natureza do direito tutelado é ontologicamente transindividual (direitos difusos e coletivos) – não comportando, assim, uma tutela direta a título individual, por flagrante ilegitimidade ativa -, seja porque, apesar da natureza individual do direito, obstáculos de ordem sócio-cultural, econômica e técnica sempre impediram o efetivo comparecimento em juízo de seus titulares. Assim, não há qualquer novidade na compreensão de que a tutela coletiva é, como sempre o foi, em variadas ocasiões, a única via de efetivo acesso à justiça. A novidade, todavia, reside na assimilação de que técnica processual foi alterada para o fim de estabelecer também a suplementação da tradicional tutela jurisdicional individual pela tutela coletiva, sendo notório que atualmente as ações individuais e coletivas coexistem e interagem umas com as outras, num sistema mais ou menos complexo ditado pelo microssistema criado pelas Leis 4.717/1965, 7.347/1985 e 8.078/1990, e subsidiariamente pelo Código de Processo Civil. (VENTURI, 2007, p. 429)

Assim, a garantia constitucional da inafastabilidade começa a ser

analisada sob a ótica individual e coletiva, sendo inconstitucional qualquer

tentativa de impedir ou afastar os respectivos sistemas de funcionalização.

Esse aspecto é que torna possível afirmar a inconstitucionalidade da

alteração feita ao art. 16 da LACP.

Concluímos o tópico com as palavras de Elton Venturi:

Incialmente, admitindo-se que a alteração do referido dispositivo só regule as ações de tutela de direitos difusos e coletivos, claramente se observa que, tendo sido restringida a eficácia de decisões judiciais que versam sobre direitos a priori caracterizados como indivisíveis, desvirtua-se por completo a própria concepção de tutela coletiva, na medida em que tolhe natural e imprescindível eficácia erga omnes dos provimentos liminares e finais, impedindo a efetiva tutela dos direitos meta-individuais, admitindo, inclusive, tratamento díspar incidente sobre o mesmo objeto, conceitualmente uno e indivisível. Todavia, não se pode esquecer que mediante a interação entre os sistemas de tutela individual e coletiva, mesmo a sentença proferida em ação civil pública, voltada à tutela de direitos difusos ou coletivos, pode ser aproveitada in utilibus para o fim de aparelhar processos de

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liquidação e execução de danos individualmente sofridos por vítimas ou sucessores, conforme dispõe o art. 103, § 3º, da Lei 8.078/1990. Assim, inegável que a delimitação dos efeitos da coisa julgada da ação civil pública, operada pela nova redação do art. 16, impõe, também, restrição de acesso à justiça pela via individual, na medida em que, aparentemente, vítimas e sucessores não domiciliados no território do juiz prolator estariam impedidos de se utilizar de tal julgado para amparar suas pretensões. (VENTURI, 2007, pp. 429-430)

6.20.2.2.Violação dos princípios constitucionais da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade

A exclusão de determinados agentes dos efeitos erga omnes ou ultra

partes da sentença de ação coletiva, demonstra séria desproporcionalidade

entre titulares do direito difuso, ou entre os integrantes do grupo, classe ou

categoria, titulares do direito coletivo.

Tal restrição a bens considerados indivisíveis, observando-se que

apenas alguns se beneficiariam com a decisão e os demais não, apenas por

estarem territorialmente fora da competência do órgão prolator, evidencia uma

grande afronta ao art. 5º, caput, da Constituição Federal.

Assim, com relação a Constituição Federal de 1988, o princípio da

proporcionalidade, segundo Suzana de Toledo, seria:

“a título de garantia especial, traduzida na exigência de que toda intervenção estatal nessa esfera se dê por necessidade, de forma adequada e na justa medida, objetivando a máxima eficácia e otimização dos vários direitos fundamentais concorrentes (Hesse). Entre essas ideias principais, o princípio da proporcionalidade complementa o princípio da reserva (art. 5º, II), entendido esse como submissão de uma determinada matéria – como a dos direitos fundamentais – exclusivamente à lei formal. E, ao complementá-lo, a ele se incorpora, de modo a converter-se no princípio da reserva legal proporcional, ou, anda, no devido processo legal substancial”. (BARROS, 2000, p. 93)

Dessa forma, a cerca das violações trazidas pelo art. 16 da LACP,

assevera Elton Venturi:

A nova redação do art. 16 da Lei 7.347/1985, assim, revela atividade legislativa desnecessária, inadequada e injusta, ao buscar restringir a tutela coletiva, comprometendo a própria concepção de Estado Democrático de Direito. Pior, como acima anotado, revelou, desde que inserida via medida provisória, vício na iniciativa e casuísmo no conteúdo, visto que intentou impor restrição ao direito fundamental de acesso à justiça via tutela coletiva, beneficiando indevidamente o Poder Público. Neste passo, atentou contra o interesse público e contra o princípio da isonomia substancial, violando, inclusive, a separação

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dos Poderes constituídos, eis que ‘a lei casuística é, nesse sentido, um ato administrativo travestido de ato legislativo”. (VENTURI, 2007, p. 433)

6.20.2.3.Da vedação ao retrocesso social

Como bem demonstrado no decorrer desse trabalho, as ações coletivas

possuem um relevante papel na consagração do Estado Democrático de Direito,

nas palavras de Elton Venturi que: “instrumentalizam, com inigualável

ressonância e eficiência, a distribuição da justiça social por todo o território

nacional”. Dessa formar, são instrumentos indispensáveis, segundo Elton

Venturi: “de concretização dos escopos constitucionais programáticos, na

medida em que são utilizadas, inclusive, para implementação das chamadas

políticas públicas”.

Sendo assim, leciona Elton Venturi:

Adaptando-se as lições de Canotilho à realidade brasileira, particularmente à tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, não é difícil identificar que o microssistema legal originário, sem as alterações supramencionadas, e em especial a alteração do art. 16 da Lei 7.347/1985, garantia com habilidade técnica indiscutível e com uma amplitude sem precedentes o acesso à justiça, tanto pela via individual como pela coletiva. De fato, é lícito afirmar-se que no Brasil, com o advento do Código do Consumidor (Lei 8.078/1990), atingiu-se o máximo aperfeiçoamento quanto à realização ideal do princípio do acesso à justiça, sintetizado na conjunção das técnicas de extensão da eficácia erga omnes ou ultra partes e aproveitamento in utilibus dos provimentos das demandas coletivas, assim como pela formação da coisa julgada secundum eventum probationis, constituindo tais expedientes o núcleo essencial da garantia da inafastabilidade. (VENTURI, 2007, pp. 437-438)

Neste sentido, qualquer alteração ao sistema nacional de tutela de

direitos meta-individuais, que busque restringir a plena funcionalidade do núcleo

essencial da tutela coletiva, podem e devem ser declaradas inconstitucionais.

6.21.IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO PRÁTICA E CONCRETA DO ART. 16 DA LACP

Além das possibilidades acerca da inconstitucionalidade acima

desenvolvidos, o art. 16 da LACP se mostra totalmente incompatível, lógica e

praticamente, com os objetivos da tutela coletiva brasileira.

Diante disso, esclarecedoras são as palavras de Elton Venturi:

Da mesma forma como os fenômenos naturais revelam-se intangíveis à vontade humana, os efeitos decorrentes da prestação da tutela

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jurisdicional não são manipuláveis por conveniência do órgão julgador ou do legislador, uma vez que apenas refletem o resultado da regulação de relações jurídicas conflituosas bem demarcadas objetiva subjetivamente. Ou seja, a chamada eficácia da coisa julgada nas demandas coletivas referencia-se única e exclusivamente com a natureza do direito material controvertido e com a qualidade das partes envolvidas. Assim, se o objeto de qualquer ação coletiva diz respeito a pretensões essencialmente indivisíveis e transindividuais, logicamente não há outra fora de se trata-las senão através de provimentos que possam produzir efeitos condizentes com tal modo de ser, vale dizer, necessariamente abrangentes tanto da inteireza do objeto tutelado como da totalidade dos seus titulares. (VENTURI, 2007, p. 439)

Tal entendimento já era vislumbrado por Liebman, asseverando que:

“O processo não é, pois, negócio cominado em família e produtor de efeitos somente para as pessoas iniciadas nos mistérios de cada feito, atividade processual singular, mas atividade pública exercida para garantir observância da lei; e já que a esta estão todos sujeitos indistintamente, devem todos, por igual, sujeitar-se ao ato que é pelo ordenamento jurídico destinado a valer como sua aplicação imparcial. E esse ato não é dirigido a uma pessoa antes que a outra, mas incide objetivamente sobre a relação que foi objeto de decisão. (...). Por isso, enquanto, abstratamente, estão todas as pessoas submetidas à eficácia da sentença, praticamente lhe sofrem os efeitos aqueles em cuja esfera jurídica entra mais ou menos diretamente o objeto da sentença: assim, antes de tudo e necessariamente, as partes, titulares da relação afirmada e deduzida em juízo, e depois, gradativamente, todos os outros cujos direitos estejam de certo modo com ela em relação de conexão, dependência ou interferência jurídica ou prática, quer quanto à sua existência, quer quanto à possibilidade de sua efetiva realização”. (LIEBMAN, 1984, pp. 125-126)

Assim, o afastamento da eficácia da coisa julgada fomenta o crescimento

das desigualdades regionais, aspecto amplamente combatido pela atual

Constituição Federal.

Com relação a isso, é importante destacar algumas comparações feitas

pelo professor Elton Venturi: Com o perdão das figuras de linguagem usadas, assim como não existe meia-gravidez (na Natureza), servidor público meio-honesto (em matéria de improbidade administrativa), casal meio-casado (quanto à conformação da sociedade matrimonial) ou réu meio-primário (se já condenado definitivamente por sentença penal transitada em julgado), também é infactível a limitação subjetiva da coisa julgada em matéria de tutela de direitos difusos e coletivos. (VENTURI, 2007, pp. 440-441)

Concluindo, a não restrição da eficácia da coisa julgada em nosso

sistema é questão de bom senso esperada por parte daqueles que julgam.

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6.22. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Tal corrente entende que, em hipóteses excepcionais, a coisa julgada

não poderia impunemente perpetrar injustiça, com o discurso de estabilizar as

relações sociais por intermédio da não rediscussão dos julgamentos, ou seja, em

certas ocasiões, poderia esta ser alterada para sanar uma injustiça estimulada

pelo julgamento.

Assim, o entendimento acima exposto originou-se em algumas decisões

do STJ, relatadas pelo Ministro José Delgado, onde sustentava que a segurança

jurídica não poderia ser posta acima dos princípios da moralidade pública, da

razoabilidade e da proporcionalidade. Conforme estabelece Delgado:

O Estado, em sua dimensão ética, não protege a sentença judicial, mesmo transitada em julgado, que bate de frente com os princípios da moralidade e da legalidade, que espelhe única e exclusivamente vontade pessoal do julgador e que vá de encontro à realidade dos fatos. A moralidade está ínsita em cada regra posta na Constituição e em qualquer mensagem de cunho ordinário ou regulamentar. Ela é comando com força maior e de cunho imperativo, reinando de modo absoluto sobre qualquer outro princípio, até mesmo sobre o da coisa julgada. A moralidade é da essência do Direito. A sua violação quer pelo Estado, quer pelo cidadão, não gera qualquer tipo de direito. Este inexiste, por mais perfeito que se apresente no campo formal, se for expresso de modo contrário à moralidade. (DELGADO, 2003, p. 81)

Diante disso, leciona Cândido Dinamarco:

Um óbvio predicado essencial à tutela jurisdicional, que a doutrina moderna alcandora e realça, é o da justiça das decisões. Essa preocupação não é só minha: a doutrina e os tribunais começam a despertar para a necessidade de repensar a garantia constitucional e o instituto técnico-processual da coisa julgada, na consciência de que não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas. (...). Esses e outros pensamento, aos quais associo uma interessantíssima narrativa de Eduardo Couture e importantes precedentes do STF e do Direito norte-americano, abrem caminho para a tese relativizadora dos rigores da autorictas rei judicatae e autorizam as reflexões que a seguir virão, todas elas apoiadas na ideia de que “levou-se muito longe a noção da res judicatae, chegando-se ao absurdo de querê-la capaz de criar uma outra realidade, fazer de albo nigrum e mudar falsum in verum (Pontes de Miranda)”. (DINAMARCO, , pp. 39-40)

Nery e Nery repelem veementemente a relativização da coisa julgada,

pois entendem que ela seja: “elemento de existência do Estado Democrático de

Direito”. Assim, cabe destacar excerto trazido do seu Código de Processo Civil

comentado:

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Quando se fala na intangibilidade da coisa julgada, não se deve dar ao instituto tratamento jurídico inferior, de mera figura do processo civil, regulada por lei ordinária, mas, ao contrário, impõe-se o reconhecimento da coisa julgada com a magnitude constitucional que lhe é própria, ou seja, de elemento formador do Estado Democrático de Direito, que não pode ser apequenado por conta de algumas situações, velhas conhecidas da doutrina e da jurisprudência, como é o caso da sentença injusta, repelida como irrelevante. (NERY e NERY, 2013, p. 792)

O Superior Tribunal de Justiça, por diversas vezes já atestou a

inviabilidade da tese relativista, alegando o desrespeito a garantia constitucional

da segurança jurídica.

Nesse contexto, citamos Elton Venturi:

Analisando-se os argumentos de ambas as correntes, tem-se que, de fato, a merda alusão à imoralidade ou injustiça da decisão judicial sob a qual paira o manto da coisa julgada jamais poderia servir para, ignorado o devido processo legal (diga-se, a exclusiva via da ação rescisória), subverter todo o sistema constitucional-processual, o que se revelaria até mesmo mais grave que eventuais desacertos ou vícios do julgamento que se pretende desconsiderar. Aliás, a infelicidade das próprias expressões utilizadas para se tentar explicar a pretensão (relativização ou desconsideração), por si só, já é ilustrativa da intolerabilidade sistemática de se subverter todo um sistema processual que prevê como único caminho para afastar a autoridade da coisa julgada a ação de natureza desconstitutiva e excepcionalmente ajuizável dentro de prazo rigidamente fixado. Não pretende sustentar a existência de direito, valor, garantia ou princípio constitucional absoluto. Não se afirma, pois, que a garantia da coisa julgada revela-se intangível, nem se nega a relevância da aplicação da razoabilidade e da proporcionalidade como critérios úteis à solução de eventuais colidências axiológicas. (VENTURI, 2007, pp. 444-445)

No entanto, alerta o referido autor:

Contundo, discorda-se da possibilidade de, excluído o instrumento da ação rescisória ou outro que possa vir a ser criado legislativamente, empreender-se legitimamente qualquer discussão a respeito de sua desconstituição, uma vez que a garantia constitucional da coisa julgada, tanto quanto a do direito adquirido e a do ato jurídico perfeito, assegura uma mínima segurança jurídica que viabiliza a estabilidade das relações sociais, valor cada dia mais caro no contexto do mundo do século XXI. Neste sentido, ainda que seja possível (quiçá necessário) defender alterações no atual modelo processual nacional quanto às formas de rescisão da coisa julgada, para o fim de atender aos apelos da ciência e da tecnologia (que hoje viabilizam a produção das chamadas provas absolutas, que não deixam, praticamente, qualquer valoração a cargo dos magistrados), ou de um crescente apelo pela ética e pela moralidade como valores sobrepujantes na sociedade contemporânea, mesmo assim, eventuais alterações legislativas – perceba-se – não

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poderiam alcançar validamente as decisões judicias sobre as quais já incidiu a coisa julgada. Isto porque, na verdade, a cláusula pétrea inserta no art. 60, § 4º, IV, da CF de 1988 recai não tão-somente ou exatamente sobre o instituto da coisa julgada, mas, antes, sobre a irretroatividade da lei que eventualmente imponha qualquer alteração ao seu regime, conforme sustenta Paulo Roberto de Oliveira Lima: “Consoante se observa, é perfeitamente constitucional a alteração do instituto da coisa julgada, ainda que a mudança implique restringir-lhe a aplicação, na criação de novos instrumentos de seu controle, ou até na sua supressão, em alguns ou todos os casos. O que a Carta Política inadmite é a retroatividade da lei para influir da solução dada, a caso concreto, por sentença de que já não caiba mais recurso. De outra parte, qualquer alteração no instituto mesmo da coisa julgada, determinado seu enfraquecimento ou dilargando as hipóteses onde se admite o ataque ao julgado, não incide no que pertine [sic] às sentenças já transitadas em julgado, visto que também, neste particular, rege a lei vigorante ao tempo em que o trânsito em julgado se deu. Como se vê, a proteção constitucional da coisa julgada é mais tímida do que se supõe, sendo perfeitamente compatível com a existência de restrições e de instrumentos de revisão e controle dos julgados. A proteção constitucional da coisa julgada não é mais que uma das muitas faces da irretroatividade da lei. (VENTURI, 2007, pp. 445-446)

Dessa forma, desde que respeitados as regras de admissão da ação

rescisória, poderia se valer dessa medida para rediscutir o julgamento, sob o

ponto de vista dos princípios constitucionais e infraconstitucionais.

6.22.1.Relativização da coisa julgada nas ações coletivas

Como visto acima, o referido tema também interessa ao processo civil

coletivo, pois, atualmente, tem se disseminado a ideia a urgência de uma

mitigação da coisa julgada coletiva, devido a importância de suas pretensões.

Sendo assim, com o intuito de ilustrar tal questão, ficamos com os casos

elencados por Mazzilli:

Uma ação civil pode hoje resultar em improcedência não por falta de provas, mas por se entender, com base nas perícias, que o resíduo emitido pela chaminé da fábrica do réu não é poluente; antes, conclui a sentença, o resíduo é saudável ou pelo menos é inócuo para o homem. Formada a coisa julgada com eficácia erga omnes, e vencida a oportunidade da rescisória, pode vir a ser apurado que as perícias foram fraudulentas; ou, então, a ciência mais tarde pode demonstrar que aquele mesmo resíduo é altamente tóxico e prejudicial à Humanidade. (...). Da mesma forma, suponhamos que uma sentença desacolha uma ação civil pública que vise a impedir a pulverização de uma região com um agrotóxico, porque o juiz considera, com base na

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prova dos autos, como não prejudicial à saúde humana. No caso, a improcedência não teria sido por falta de provas, mas sim porque a prova diz que o agrotóxico não é danoso ao ser humano. Essa sentença transita em julgado. Antes de ser feita a pulverização, novos estudos científicos fazem a prova que faltou à sentença, demonstrando que esse agrotóxico dizimará a população. Aqui, mais claramente ainda, a relação jurídica não é continuativa. Vamos cumprir a coisa julgada? Ora, não se pode admitir, verdadeiramente, a formação de coisa julgada ou direito adquirido contra direitos fundamentais da Humanidade; não existe suposto direito de violar o meio ambiente e destruir condições do próprio habitat do ser humano. Como admitir a formação de direitos adquiridos e coisa julgada em grave detrimento até mesmo de gerações que ainda nem nasceram?! (MAZZILLI, 2003, pp. 471-472)

Elton Venturi, apesar de compartilhar da ideia esposada acima, discorda

no tocante (2007, p. 448): “à indiscutibilidade das decisões referidas, mesmo que

já transitadas em julgado, tendo em vista a interpretação sistemática e

teleológica do modelo processual coletivo brasileiro”.

Assim, discorre Elton Venturi: Com efeito, no campo da tutela jurisdicional coletiva, o regime da incidência da autoridade da coisa julgada, como já analisado antes, adquire contornos bastante diferenciados, já estando pressuposta na técnica processual implementada a existência de fatores substancialmente distintos daqueles encontrados no âmbito da tutela individual, concernentes à relevância do objeto protegido através das demandas coletivas, qualificado, como já examinado, em função da transindividualidade (direitos difusos ou coletivos) e do interesse social presente na sua proteção jurisdicional (aí incluídos os direitos individuais homogêneos). De fato, tanto o art. 18 da LAP como o art. 16 da LACP e, por fim, o art. 103 do CDC excepcionaram a incidência da coisa julgada material nas hipóteses de julgamentos de improcedência das ações coletivas, desde que fundamentados na insuficiência ou deficiência das provas. Ocorre que em tais casos, como sustentamos (v. item 11.4.1), em virtude de ser praticamente impossível e não razoável logicamente exigir que conste da fundamentação da decisão da lide a afirmação peremptória no sentido de que a improcedência teria sido motivada pela suficiência ou certeza das provas apresentadas, somente em eventuais demandas posteriormente intentadas, com base em novas provas, seria lícito aferir, retrospectivamente, se o julgamento anterior fora, ou não, proferido mediante a referida suficiência instrutória. Tal argumentação, pois, revela o real significado da chamada coisa julgada material secundum eventum probationis, cuja incidência pode ser sustentada em todas as hipóteses de improcedência da tutela coletiva, quando relevante para o deslinde da causa a matéria fática, na medida em que estaria sempre absolutamente condicionada à verificação da prova produzida nos autos. Neste passo, é possível sustentar ser dispensável o manuseio da ação rescisória sempre que se objetivar, com base em novas provas, o rejulgamento de demanda coletiva outrora julgada improcedente por deficiência ou insuficiência de provas (mesmo que expressamente não tenham tais fundamentos constado da fundamentação), o que, por si só, já corresponde a importante forma “mitigação” ou abrandamento do regime tradicional da coisa julgada. (VENTURI, 2007, pp. 448-449)

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Sendo assim, devido ao regime da coisa julgada secundum eventum

probationis, abre-se a possibilidade de rediscussão da lide, desde que com base

em provas novas, pelos mesmos legitimados, independentemente de ação

rescisória. Essa foi solução encontrada pelo ordenamento jurídico para sanar os

referidos problemas demonstrado Mazzilli.

6.23.A COISA JULGADA NA PRÁTICA

Neste tópico que busca chegar a uma conclusão prática, como os

tribunais superiores têm trabalhado com coisa julgada coletiva e com seus

aspectos exaustivamente retratados no decorrer deste trabalho.

Assim, damos início analisando um acórdão do Superior Tribunal de

Justiça de 13/11/2012, julgado pelo Ministro Mauro Campbell Marques, relativo

ao alcance da sentença coletiva, o qual destacamos a ementa a seguir:

Direito processual civil. Efeitos da sentença proferida em ação coletiva. Sindicato. Somente serão alcançados pelos efeitos de sentença proferida em ação de caráter coletivo os substituídos processuais domiciliados, à época da propositura da demanda, no território da competência do órgão prolator do decisum, nos termos do que dispõe o art. 2º-A da Lei n. 9.494/1997. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.279.061-MT, DJe 26/4/2012. AgRg no REsp 1.338.029-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 13/11/2012.

Como se pode ver, tal decisão fica a cargo da nova redação do art. 16

da LACP, onde os efeitos da sentença apenas atingem os domiciliados na

circunscrição territorial do órgão prolator.

O Supremo Tribunal Federal já entendeu que a eficácia erga omnes da

sentença em ação civil pública só alcança aqueles domiciliados nos limites da

jurisdição do órgão prolator.

O entendimento fora disposto no julgamento do pedido de medida liminar

ocorrido na ADIN n. 1.576/DF, em 16/04/1997, onde discorreu o Ministro relator:

A alteração do art. 16 ocorreu a conta de se explicitar a eficácia erga omnes da sentença proferida na ação civil pública. Entendo que o artigo 16 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, harmônico com o sistema Judiciário pátrio, jungia, mesmo na redação primitiva, a coisa julgada erga omnes da sentença civil à área de atuação do órgão que viesse a prolata-la. (...) Por isso, tenho a mudança de redação como pedagógica, a revelar o surgimento de efeitos erga omnes na área de

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atuação do Juízo e, portanto, o respeito à competência geográfica limitada pelas leis de regência. Isso não implica esvaziamento da ação civil pública nem, tampouco, ingerência indevida do Poder Executivo no Judiciário. Indefiro a liminar.

É seguido, também, pelo Superior Tribunal de Justiça o mesmo

posicionamento acima disposto, encontrado no julgamento do RESP nº

293.407/SP, cuja ementa está abaixo transcrita:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Eficácia erga omnes. Limite. A eficácia erga omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário. Recurso conhecido e provido. (4ª Turma. DJ de 7.4.2003)

Também no julgamento do RESP 253.589/SP, pela 4ª Turma (DJ

18.3.2002), o Tribunal assim se posicionou:

“(…) Muito se tem debatido sobre a ação civil pública, o foro competente quando interessa a mais de um estado e o efeito erga omnes da sentença de procedência. Na situação atual, tenho que a melhor solução é a que permite a propositura da ação perante o Juízo estadual, ainda quando houver interesse de cidadãos residentes em mais de um estado, com limitação da eficácia erga omnes ao território do tribunal que julgar o recurso ordinário. A solução tem o inconveniente de exigir o ajuizamento da mesma ação em mais de um Estado, ao mesmo tempo em que não dá eficácia geral ao julgamento proferido em juízo sobre uma relação jurídica que se repete em muitos lugares do país. Ocorre que as desvantagens de entendimento diverso são maiores: a exigência de propositura da ação em Brasília, para demandas com reflexo em mais de um Estado, dificultaria sobremaneira o acesso à justiça e limitaria a um juízo - muitas vezes distante da realidade da causa - a decisão sobre os interesses coletivos de todo o país. De outra parte, assegurar eficácia em todo o território nacional para a sentença proferida em ação civil pública permitiria que um processo instaurado em qualquer juízo tivesse efeito sobre todas as relações objeto da ação, em todo o Brasil, o que poderia ensejar surpresas e abusos. Por isso, parece melhor, no sistema processual atual, que seja limitada a eficácia da sentença ao território do Estado onde proferida. (…)”

Há pouco tempo, porém, o STJ limitou a aplicação do art. 2-A da Lei nº

9.494/97, como pode ser observado do julgado abaixo:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA AJUIZADA POR SINDICATO. SOJA TRANSGÊNICA. COBRANÇA DE ROYALTIES. LIMINAR REVOGADA NO JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO DA AÇÃO COLETIVA. LEGITIMIDADE DO SINDICATO. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. EFICÁCIA DA DECISÃO. LIMITAÇÃO À CIRCUNSCRIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR. (...)

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3. A exigência de pertinência temática para que se admita a legitimidade de sindicatos na propositura de ações coletivas é mitigada pelo conteúdo do art. 8º, II, da CF, consoante a jurisprudência do STF. Para a Corte Suprema, o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do 'writ', exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido nas atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe. Precedente. 4. A Corte Especial do STJ já decidiu ser válida a limitação territorial disciplinada pelo art. 16 da LACP, com a redação dada pelo art. 2-A da Lei 9.494/97. Precedente. Recentemente, contudo, a matéria permaneceu em debate. 5. A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador. 6. O art. 2º-A da Lei 9.494/94 restringe territorialmente a substituição processual nas hipóteses de ações propostas por entidades associativas, na defesa de interesses e direitos dos seus associados. A presente ação não foi proposta exclusivamente para a defesa dos interesses trabalhistas dos associados da entidade. Ela foi ajuizada objetivando tutelar, de maneira ampla, os direitos de todos os produtores rurais que laboram com sementes transgênicas de Soja RR, ou seja, foi ajuizada no interesse de toda a categoria profissional. Referida atuação é possível e vem sendo corroborada pela jurisprudência do STF. A limitação do art. 2-A, da Lei nº 9.494/97, portanto, não se aplica. 7. Recursos especiais conhecidos. Recurso da Monsanto improvido. Recurso dos Sindicatos provido. (REsp 1243386/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 26/06/2012

O Superior Tribunal de Justiça tem dado eficácia ao dispositivo à luz do julgamento do RESP 665.947/SC, pela 1ª Turma (DJ 12.12.2005), cuja ementa abaixo transcrevemos:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO DE COMBUSTÍVEIS (DL 2.288⁄86). EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EFICÁCIA DA SENTENÇA DELIMITADA AO ESTADO DO PARANÁ. VIOLAÇÃO DO ART. 2º-A DA LEI Nº 9.494⁄97. ILEGITIMIDADE DAS PARTES EXEQÜENTES. 1. Impossibilidade de ajuizamento de ação de execução em outros estados da Federação com base na sentença prolatada pelo Juízo Federal do Paraná nos autos da Ação Civil Pública nº 93.0013933-9 pleiteando a restituição de valores recolhidos a título de empréstimo compulsório cobrado sobre a aquisição de álcool e gasolina no período de jul⁄87 a out⁄88, em razão de que em seu dispositivo se encontra expressa a delimitação territorial adrede mencionada. 2. A abrangência da ação de execução se restringe a pessoas domiciliadas no Estado do Paraná, caso contrário geraria violação ao art. 2º-A da Lei nº 9.494⁄97, litteris: “A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator”.(...)”

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Com relação a necessidade de autorização dos filiados ao sindicato para a propositura de medida coletiva, como bem preceitua o inciso XXI, art. 5º da Constituição Federal e o art. 2º-A da Lei 9.494/97, que estabelecem tal exigência. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, em suas decisões, tem dispensando a exigência de autorização, baseando-se no art. 8º, III, da Constituição Federal, como se pode notar:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REPRESENTAÇÃO SINDICAL. ART. 8º, III, DA CF/88. AMPLA LEGITIMIDADE. COMPROVAÇÃO DA FILIAÇÃO NA FASE DE CONHECIMENTO. DESNECESSIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. “O artigo 8º, III, da Constituição Federal estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos” (RE 210.029, Pleno, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 17.08.07). No mesmo sentido: RE 193.503, Pleno, Relator para o acórdão o Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 24.8.07. 2. Legitimidade do sindicato para representar em juízo os integrantes da categoria funcional que representa, independente da comprovação de filiação ao sindicato na fase de conhecimento. Precedentes: AI 760.327-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 03.09.10 e ADI 1.076MC, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 07.12.00). 3. A controvérsia dos autos é distinta daquela cuja repercussão geral foi reconhecida pelo Plenário desta Corte nos autos do recurso extraordinário apontado como paradigma pela agravante. O tema objeto daquele recurso refere-se ao momento oportuno de exigir-se a comprovação de filiação do substituído processual, para fins de execução de sentença proferida em ação coletiva ajuizada por associação, nos termos do artigo 5º XXI da CF/88. Todavia, in casu, discute-se o momento oportuno para a comprovação de filiação a entidade sindical para fins de execução proferida em ação coletiva ajuizada por sindicato, com respaldo no artigo 8º, inciso III, da CF/88. 4. O acórdão originalmente recorrido assentou: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE DO CICLO DE GESTÃO. CGC. DECISÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA. AFILIADOS ÀS ENTIDADES IMPETRANTES APÓS A DATA DA IMPETRAÇÃO. DIREITO GARANTIDO DA CATEGORIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. FUNDAMENTOS NOVOS NÃO FORAM CAPAZES DE INFIRMAR A DECISÃO AGRAVADA. Agravo regimental improvido.” 5. Agravo regimental a

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que se nega provimento.(RE 696845 AgR / DF, Primeira Turma, DJe 19-11-2012)

EMENTA: PROCESSO CIVIL. SINDICATO. ART. 8º, III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS OU INDIVIDUAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O artigo 8º, III da Constituição Federal estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos. Recurso conhecido e provido.

(RE 210029 / RS, Tribunal Pleno, DJe 17-08-2007)

EMENTA: PROCESSO CIVIL. SINDICATO. ART. 8º, III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS OU INDIVIDUAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O artigo 8º, III da Constituição Federal estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução d os créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos. Recurso conhecido e provido. (RE 193503 / SP, Tribunal Pleno, DJe 24-08-2007)

No entanto, em outros julgados realizados pelo Superior Tribunal de Justiça, vislumbra-se entendimento contrário do exposto acima, ou seja, da não necessidade de filiação ao sindicato para o alcance da coisa julgada. Todavia, quanto a necessidade de autorização as duas Cortes decidem no mesmo sentido, como pode se observar:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. SINDICATO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. NÃO SINDICALIZADO À ÉPOCA DA PROPOSITURA DA AÇÃO. LIMITAÇÃO DA INCIDÊNCIA TEMPORAL DO REAJUSTE DE 3,17%. POSSIBILIDADE.

1. As associações e sindicatos, na qualidade de substitutos processuais, legitimação extraordinária, possuem legitimidade para atuar na esfera judicial na defesa dos interesses coletivos de toda a categoria que representam, sendo dispensável a relação nominal dos filiados e suas respectivasautorizações. Súmula 629/STF. Precedentes

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do STJ.(...) (AgRg no REsp 1188180 / RJ, SEGUNDA TURMA, DJe 03/08/2012)

PROCESSUAL CIVIL. ASSOCIAÇÃO. PEDIDO. RECONHECIMENTO DE COMPETÊNCIA FUNCIONAL. LEGITIMIDADE ATIVA PROCESSUAL.

(...)

5. Os sindicatos e as associações de classe estão legitimados para ajuizar ações visando à defesa dos direitos e das prerrogativas de seus filiados, independentemente de autorização. Precedentes do STJ.

6. (...)

7. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no AREsp 83184 / RJ, SEGUNDA TURMA, DJe 22/05/2012)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL ORIUNDO DE AÇÃO COLETIVA. SINDICATO OU ASSOCIAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. AUSÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA. PRECEDENTES.

1. A formação da coisa julgada nos autos de ação coletiva ajuizada por sindicato ou associaçãonão se limita apenas àqueles que na ação de conhecimento demonstrem a condição de filiado do sindicato autor e o autorizem expressamente a ingressar com a respectiva ação.

Precedentes.

2. Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 1182454 / SC, SEXTA TURMA, DJe 05/03/2012)

ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO. AÇÃO PROPOSTA POR ENTIDADE ASSOCIATIVA EM FAVOR DOS ASSOCIADOS. LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. DESNECESSIDADE.

1. As associações e sindicatos, na qualidade de substitutos processuais, têm legitimidade para a defesa dos interesses coletivos de toda a categoria que representam, sendo dispensável a relação nominal dos afiliados e suas respectivas autorizações. Súmula 629/STF. Precedentes do STJ.

2. Agravo regimental não provido.

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(AgRg no REsp 1185824 / GO, SEGUNDA TURMA, DJe 16/02/2012)

Nesse segundo julgado, se refere a extensão do prazo prescricional das ações individuais para a execução individual de sentença proferida em ação coletiva, o qual:

Direito processual civil. Prazo prescricional para o ajuizamento da execução individual de sentença proferida em ação civil pública. Recurso repetitivo (art. 543-c do cpc e res. N. 8/2008-stj). No âmbito do direito privado, é de cinco anos o prazo prescricional para ajuizamento da execução individual em pedido de cumprimento de sentença proferida em ação civil pública. O emprego pelo julgador de determinada regra como parâmetro para fixar o prazo de prescrição no processo de conhecimento em ação coletiva não impõe a necessidade de utilizar essa mesma regra para definir o prazo de prescrição da pretensão de execução individual, que deve observar a jurisprudência superveniente ao trânsito em julgado da sentença exequenda. Assim, ainda que na ação de conhecimento, já transitada em julgado, tenha sido reconhecida a aplicabilidade do prazo de prescrição vintenário, deve ser utilizado, no processo de execução individual, conforme orientação da Súmula 150 do STF, o mesmo prazo para ajuizar a ação civil pública, que é de cinco anos nos termos do disposto no art. 21 da Lei n. 4.717/1965 – Lei da Ação Popular. Precedentes citados: REsp 1.070.896-SC, DJe 4/8/2010; AgRg no AREsp 113.967-PR, DJe 22/6/2012, e REsp n. 1.276.376-PR, DJ 1º/2/2012. REsp 1.273.643-PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 27/2/2013.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA AJUIZADA POR SINDICATO. EXECUÇÃO INDIVIDUAL POR NÃO FILIADO. Servidor público integrante da categoria beneficiada, desde que comprove essa condição, tem legitimidade para propor execução individual de sentença proferida em ação coletiva, ainda que não ostente a condição de filiado ou associado do sindicato autor da ação de conhecimento. Nos termos da Súm. n. 629/STF, as associações e sindicatos, na qualidade de substitutos processuais, têm legitimidade para a defesa dos interesses coletivos de toda a categoria que representam, sendo dispensável a relação nominal dos afiliados e suas respectivas autorizações. A coisa julgada oriunda da ação coletiva de conhecimento proposta por sindicato, na qualidade de substituto processual, abarcará todos os servidores da categoria, tornando-os partes legítimas para propor a execução individual da sentença, independentemente da comprovação de sua filiação. Precedentes: AgRg no REsp 1.153.359-GO, DJe 12/4/2010; REsp 1.270.266-PE, DJe 13/12/2011, e REsp 936.229-RS, DJe 16/3/2009. AgRg no AREsp 232.468-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 16/10/2012. CONSUMIDOR. ACP. DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. A Turma manteve o entendimento das instâncias ordinárias que concluíram pela inépcia da exordial com fundamento nos arts. 267, I e VI, e 295, II, III e V, do CPC. É que, na hipótese dos autos, o instituto dedicado à proteção e defesa dos consumidores e cidadãos (recorrente), na exordial da ação civil pública, assevera defender direitos individuais homogêneos de consumidores, requerendo a revisão de contrato de compra e venda de imóvel celebrado entre consumidores e a imobiliária (recorrida). Alega, ainda, que a recorrida onera excessivamente os consumidores contratantes. Todavia, o recorrente apresentou um único contrato, assinado entre dois consumidores, de um lado, como adquirentes de um lote de terreno, e

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a recorrida, de outro, como vendedora, sendo que tal contrato não foi reconhecido como de adesão pelas instâncias ordinárias. É sabido que, para a configuração da legitimidade ativa de associação para a propositura de ação civil pública, é mister que o objeto da lide seja a defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Nesse contexto, a não caracterização desses direitos não só vicia a legitimidade ativa ad causam, mas também torna a ação coletiva instrumento inadequado por voltar-se para a tutela jurisdicional de direitos individuais, afastando o interesse processual do demandante. Isso porque a abrangência dos direitos defendidos na ação civil pública deve ser suficiente para atender à condição de interesses coletivos, tendo em vista o disposto no art. 81 do CDC. Assim, não se pode admitir o ajuizamento de tal ação sem haver, ao menos, indícios de que a situação tutelada é pertencente a um número razoável de consumidores. In casu, não foi comprovada a existência de vários consumidores que estivessem sendo lesados pelo mesmo tipo de contrato, deixando dúvidas quanto à existência de direito individual homogêneo, afirmada pela promovente com base em mera presunção. Desse modo, não é cabível o ajuizamento de ação coletiva para a defesa de direitos meramente individuais, o que resulta na carência da ação. Com essas e outras considerações, a Turma negou provimento ao recurso. REsp 823.063-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 14/2/2012.

Sendo assim, concluímos esse tópico com os mais atuais e importantes

julgados referente a coisa julgada coletiva e sua eficácia.

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CONCLUSÃO

A coisa julgada é uma qualidade que se apega ao conteúdo da sentença,

a declaração feita pelo juiz, de modo a dar-lhe o efeito imutável e indiscutível.

Impedindo, assim, um questionamento futuro.

A coisa julgada não se limita apenas ao descrito acima, pois é

multifacetada, se reporta, genericamente, a preclusão, que a partir dessa

definição se reflete em uma série de modalidades, onde apresentam seus limites

subjetivos, objetivos, temporais, e demonstram variada carga eficacial, como a

coisa julgada material, formal, secundum eventum litis, força preclusiva

panprocessual.

O instituto não se justifica apenas por seu caráter processual, onde sua

principal função é o impedimento para a rediscussão de uma decisão, mas

também há de se destacar o seu caráter político, que visa a estabilidade das

relações sociais, com o intuito de consolidar as decisões de mérito, pois uma lide

pendente é um fator de alto desiquilíbrio do tecido social. Além disso, há também

o fator de assegurar a ordem do Estado Democrático de Direito.

Apesar de a coisa julgada coletiva se valer de alguns elementos da coisa

julgada individual, possui certas características que a distingui de forma clara.

Como seus efeitos ultra partes e erga omnes, que no primeiro caso é quando

não só as partes do processo são atingidas, mas também alguns terceiros que

não participaram do processo. O último é quando os efeitos atingem a todos,

tenham ou não participado do processo. Assim, o Código de Processo Civil deve

ser aplicado subsidiariamente a coisa julgada coletiva, pois esta possui seu

próprio bojo de regras, sendo considerada, assim, um instituto independente das

demandas individuais.

A coisa julgada coletiva está regulamentada principalmente do Código

de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990), a Lei da Ação Civil Pública (n.

7.347/1985), dentre outras, que formam e consolidam o instituto do processo civil

coletivo, independente, apesar de se valar de modo subsidiário do Código de

Processo Civil.

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Outros dois pontos importantes observados aqui foram a coisa julgada

secundum eventum litis que é aquela que só produzirá efeitos quando a ação for

julgada procedente. Tal efeito é altamente criticado pela doutrina por tratar

desigualmente as partes. Há também um segundo efeito que é a coisa julgada

secundum eventum probationis onde só se forma após o esgotamento das

provas. Assim a coisa julgada não se formará caso não seja exaurida todos os

meios de prova. Mas também poderá ser revista caso haja prova nova.

Diante disso, com relação a competência observou-se um sério

problema devido a alteração do art. 16 da LACP introduzido pela Medida

Provisória n. 1.570/97, impondo que os efeitos da sentença apenas alcance

aqueles que estejam sob os limites territoriais do órgão prolator da sentença, não

podendo atingir aqueles que foram prejudicados pelos mesmos atos. No entanto,

como bem demonstrado, essa limitação é claramente inconstitucional, inócua e

ineficaz.

Além de tal alteração ter sido introduzida no ordenamento jurídico por

medida provisória sem a observância das regras do processo legislativo,

dispostas no art. 62 da Constituição Federal, desrespeita os princípios da

proporcionalidade, da razoabilidade, do direito de ação e da isonomia.

Ademais, a sua ineficácia fica a cargo do art. 93 do Código de Defesa do

Consumidor, aplicável a todo o microssistema das ações coletivas,

determinando que a capital dos Estados ou do Distrito Federal têm a

competência para julgamento de ato ilícito de âmbito regional ou nacional.

Sendo assim, a aplicação do determinado dispositivo geraria um duplo

trabalho ao Poder Judiciário, afetando assim a economia processual, a qual deve

ser seriamente observada em nosso ordenamento, devido ao acumulo de ações

em todas instâncias do Judiciário. Além do mais, limitar territorialmente o alcance

da coisa julgada coletiva desvirtuaria o principal objetivo das ações coletivas que

é o de resguardar o direito de muitos, de solucionar esses problemas em apenas

uma demanda. Tal limitação seria um claro retrocesso, tanto jurídico quanto

social.

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