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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMNISTRATIVAS E ECONÔMICAS CURSO DE DIREITO Aline da Silva Luiz ASSISTÊNCIA SOCIAL E BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA: comprovação da hipossuficiência financeira para a concessão do benefício Governador Valadares 2010

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE

FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMNISTRATIVAS E ECONÔMICAS

CURSO DE DIREITO

Aline da Silva Luiz

ASSISTÊNCIA SOCIAL E BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA:

comprovação da hipossuficiência financeira para a concessão do benefício

Governador Valadares

2010

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ALINE DA SILVA LUIZ

ASSISTÊNCIA SOCIAL E BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA:

comprovação da hipossuficiência financeira para a concessão do benefício

Monografia para obtenção do grau de bacharel

em Direito, apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce.

Orientador: Prof. Saint Clair Campanha de Souza

Governador Valadares

2010

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ALINE DA SILVA LUIZ

ASSISTÊNCIA SOCIAL E BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA:

comprovação da hipossuficiência financeira para a concessão do benefício

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em direito pela Faculdade de Direito, Ciências Administrativas

e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce.

Governador Valadares, ____ de _____________ de ____.

Banca Examinadora:

_______________________________________

Prof. Dr. Saint Clair Campanha de Souza

Universidade Vale do Rio Doce

_______________________________________

Prof.______________________________ Universidade Vale do Rio Doce

_______________________________________ Prof.______________________________

Universidade Vale do Rio Doce

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Dedico aos meus pais, Arlinda e Sebastião, aos

meus irmãos, Érika, Vitor, Fabrícia e Paulo

Henrique, ao meu sobrinho, Erick, e ao meu

amor, Joseni Júnior. Vocês são a minha luz, a

minha paz, a minha inspiração, o meu

aconchego, e o meu impulso para seguir em

frente. Saibam que os tenho eternamente em

meu coração.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus fonte de toda a sabedoria, força e luz da minha vida, que me

permitiu chegar até aqui.

Aos meus pais, Arlinda e Sebastião, e aos meus irmãos, Érika, Vitor, Fabrícia e

Paulo Henrique, pelo apoio e incentivo, sempre ao meu lado, apoiando e

incentivando as minhas decisões.

Ao meu amor Joseni Júnior pela força e carinho.

À família Peixoto pela acolhida...

Ao meu orientador Profª. Saint Clair Campanha por compartilhar seu conhecimento,

ensinando e incentivando.

A todos que de alguma forma contribuíram para que este trabalho fosse possível.

A vocês meu sincero agradecimento.

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O longo vôo das aves no inverno

ultrapassa todas as dificuldades, porque as

aves conhecem seu destino.

Mahatma Ghandi

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RESUMO

O presente trabalho foi elaborado com o escopo de fazer um estudo da Assistência Social, dentro do tripé da Seguridade Social, como instrumento de proteção social da legislação brasileira, atentando-se para a problemática do critério objetivo de

aferição da hipossuficiência financeira para a concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada. O estudo foi realizado a partir dos dispositivos constitucionais e legais, bem como da interpretação doutrinária e jurisprudencial

acerca da matéria. Ao analisar os fundamentos positivos e interpretativos, percebeu-se que a Assistência Social, como garantia constitucional de proteção a quem dela necessitar (art. 203, da CF), regulamentada pela Lei nº 8.742/93/Lei Orgânica da

Assistência Social - LOAS, deve ser assegurada de forma ampla, implementando-se os benefícios, serviços, programas e projetos da Assistência Social. A Assistência Social consiste em um mecanismo importante de proteção social aos pobres dada a

sua gratuidade. As ações assistenciais servem para garantir os mínimos sociais, não podendo ser restringidas por norma infraconstitucional. Não obstante, a LOAS fixou como critério para a concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada a renda per capita mensal familiar inferior a ¼ do salário mínimo. Tal critério,

declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, tem sido objeto de críticas pela sociedade, doutrinadores, juízes e tribunais. Por essa razão, o critério objetivo

para a aferição da hipossuficiência financeira previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 deve ser conjugado com outros fatores indicativos do estado de hipossuficiência do indivíduo, conforme vem se manifestando o Judiciário brasileiro,

sensível às peculiaridades do direito assistencial. As normas em matéria assistencial devem ser interpretadas de acordo com a finalidade social.

Palavra-chave: Assistência Social. Hipossuficiência. Proteção. Benefício Assistencial. Critério Objetivo.

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ABSTRACT

This paper was prepared with the scope of a study of Social Assistance within the tripod of Social Security as an instrument of social protection of Brazilian legislation, paying attention to the issue of objective criteria for gauging the financial poverty for

granting Provision of Continuing Care Benefit. The study was conducted from the constitutional and legal provisions and interpretation of doctrine and jurisprudence on the subject. By analyzing the positive fundamentals and interpretative, it was noticed

that the Social Services, as the constitutional guarantee of protection to those who need it (art. 203, FC), regulated by Law No. 8.742/93/Lei Social Assistance Organic-LOAS, must be ensured broadly by implementing it if the benefits, services,

programs and projects of the Social Assistance. The Social Assistance consists of an important mechanism of social protection to the poor, given their gratuity. The assistance actions serve to ensure minimum social standards and can not be

restricted by standard infra. Nevertheless, the LOAS, set as a criterion for granting the benefit Continuing Care Provision for income per capita monthly family less than ¼ of the minimum wage. This criterion was declared constitutional by the Supreme

Court, has been criticized by society, scholars, judges and courts. Therefore, the objective criterion for gauging the financial poverty under § 3 of art. 20 of Law No. 8.742/93 should be combined with other factors indicative of the status of the

individual poverty, has manifested itself as the Brazilian Judiciary, sensitive to the peculiarities of the duty of care. The standards of care should be interpreted according to social purpose.

Key words: Social Assistance. Poverty. Protection. Care Benefit. Criterion Objective.

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LISTA DE SIGLAS

AC Apelação Cível

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

CF Constituição Federal

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

FNAS Fundo Nacional de Assistência Social

INSS Instituto Nacional de Seguridade Social

LOAS Lei Orgânica de Assistência Social

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social

PNAS Política Nacional de Assistência Social

STJ Superior Tribunal de Justiça

STF Supremo Tribunal Federal

SUAS Sistema Único de Assistência Social

SUS Sistema Único de Saúde

TRF Tribunal Regional Federal

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LISTA DE SÍMBOLOS

§ Parágrafo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................... 11

2 NOÇÕES GERAIS DA SEGURIDADE SOCIAL....................................... 12

2.1 SAÚDE....................................................................................................... 14

2.2 PREVIDÊNCIA SOCIAL............................................................................. 16

2.3 ASSISTÊNCIA SOCIAL............................................................................. 18

3 EVOLUÇÃO HISTÓRIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL............................... 19

3.1 NO MUNDO............................................................................................... 19

3.2 NO BRASIL................................................................................................ 20

4 DIREITO ASSISTENCIAL......................................................................... 23

4.1 ORGANIZAÇÃO E GESTÃO..................................................................... 26

4.2 PRESTAÇÕES ASSISTENCIAIS............................................................... 28

5 BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA......................................... 31

5.1 CARACTERÍSTICAS.................................................................................. 31

5.2 CONCESSÃO............................................................................................ 32

5.3 BENEFICIÁRIOS........................................................................................ 33

5.4 REQUISITOS............................................................................................. 34

5.4.1 Deficiente.................................................................................................. 34

5.4.2 Idoso.......................................................................................................... 36

5.4.3 Grupo Familiar Hipossuficiente.............................................................. 37

5.5 O CRITÉRIO OBJETIVO PARA AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA.... 38

6 CONCLUSÃO............................................................................................ 46

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 47

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1 INTRODUÇÃO

A Assistência Social é direito social assegurado pela Constituição Federal

(art. 203 e 204), consistente no conjunto de benefícios, serviços, programas e

projetos que visam amparar e assistir gratuitamente as pessoas necessitadas.

Tais ações assistenciais são instrumentos poderosos para a solução do grau

de pobreza, desigualdade e exclusão social no Brasil, na medida em que além de

garantir os mínimos sociais aos necessitados, integra-os na sociedade.

Através de suas prestações, a Assistência Social promove o bem-estar social

e traça o caminho para o alcance dos objetivos constitucionais da erradicação da

pobreza e marginalização e redução das desigualdades sociais, bem como efetiva o

princípio da dignidade da pessoa humana.

Ocorre que, o principal benefício assistencial, denominado Benefício de

Prestação Continuada, instituído pelo inciso V, do art. 203 da Constituição, ao ser

regulamentado pela Lei nº 8.742/93 foi restringido às pessoas cuja renda mensal per

capita mensal seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, o que tem gerado,

além de inúmeras críticas, o indeferimento do benefício de pessoas hipossuficientes

e a conseqüente marginalização das mesmas.

Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo fazer um estudo da

Assistência Social, mormente o Benefício de Prestação Continuada.

Para tanto, optou-se inicialmente por fazer uma abordagem das noções gerais

de Seguridade Social, identificando a Assistência Social integrada a um sistema, que

juntamente com a Previdência Social e a Saúde formam a base da proteção social

no ordenamento jurídico pátrio. Isso porque, conforme lição do jurista Cesarino

Júnior (1993, p. 41), a “atual tendência é denominar Direito da Segurança Social ou

da Seguridade Social a integração num só todo das medidas de previdência social e

assistência social”. Ademais, as normas atinentes à Seguridade Social guardam

estreita relação com as orientadoras da Assistência Social.

Além disso, o Benefício Assistencial será estudado à luz dos requisitos

necessários à sua concessão, com ênfase para o critério objetivo de aferição da

hipossuficiência financeira do requerente. Será abordada a possibilidade de usar

outros critérios para aferir a necessidade, visando atingir a intenção constitucional.

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2 NOÇÕES GERAIS DA SEGURIDADE SOCIAL

A vida em sociedade comina em relações entre os indivíduos que dela fazem

parte, gerando entre eles responsabilidades mútuas, sendo que as situações que

afetem um de seus membros deverão ser assumidas por todo o grupo, para que se

possa manter o equilíbrio social.

Assim a proteção social surge para cobrir o risco social, buscando assegurar

a qualidade de vida dos membros da sociedade. A eleição dos riscos sociais, assim

como a efetiva proteção social contra os infortúnios da vida tem origem junto da

própria formação de grupos sociais. O desenvolvimento de toda uma estrutura de

proteção social, a qual extrapola os limites particulares dos indivíduos e atinge toda

a sociedade, necessita de um centro de poder, o qual deve ser organizado pelo

poder público.

Nessa linha, Ana Elizabete Mota (1995, p. 125) afirma:

É dessa forma que os sistemas de proteção social passam a compor o conjunto de práticas que se institucionalizam nas sociedades capitalistas ocidentais, a partir deste século, como expressão concreta da presença de uma esfera pública, reguladora das condições necessárias ao desenvolvimento do processo de acumulação intensiva. Existentes em todo o mundo ocidental, os sistemas de proteção social conformam um conjunto de práticas na área da previdência, saúde e assistência social [...]”.

Neste contexto, visando a implementar a proteção social para cobrir os riscos

sociais, é que a Constituição Federal dedica o Capítulo II, do Título VIII (Da Ordem

Social), à Seguridade Social, denominação genérica que engloba a proteção social

em todos os seus aspectos, procurando abranger todas as formas de risco e de

proteção contra os infortúnios da vida.

A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa

dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar os direitos relativos à

saúde, à previdência e à assistência social.

As linhas mestras sobre as quais de funda o direito da Seguridade Social são

traçadas pelo próprio texto constitucional nos arts. 194 a 204.

Kildare Gonçalves Carvalho (2007, p. 1165) em sua obra de direito

constitucional destaca que a seguridade social:

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[...] como um conjunto de medidas que se destinam a atender às necessidades humanas, e que se refere à idéia de liberação de preocupações relativas à sociedade, constitui o instrumento jurídico de que dispões o Estado para a liberação das necessidades sociais, na forma fixada pelo Direito. A seguridade social envolve legislação de caráter sempre “transitório porque os anseios da sociedade mudam na mesma medida em que as mudam as contingências que causam a insegurança”.

Ainda, não se pode olvidar dos objetivos constitucionais da seguridade social

consignados no parágrafo único do art. 194 da Constituição Federal, os quais

constituem verdadeiros princípios orientadores de todo o sistema de seguridade

social, a saber:

universalidade da cobertura e do atendimento;

uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações

urbanas e rurais;

seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

irredutibilidade do valor dos benefícios;

equidade na forma de participação no custeio;

diversidade da base de financiamento;

caráter democrático e descentralizado da administração, mediante

gestão quadripartite, com a participação dos trabalhadores, dos

empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Marcelo Leonardo Tavares (2009, p. 2) enuncia que “Os objetivos da

seguridade social são veiculados mediante princípios que espraiam seus efeitos

pelas três áreas de concentração da seguridade, informando as condutas estatais,

normativas ou administrativas, de previdência, assistência e saúde”.

Cabe ressaltar que é competência privativa da União legislar sobre

seguridade social como estabelecido no art. 22, XXIII, da Constituição Federal,

podendo lei complementar autorizar os Estados a legislar sobre questões

específicas de seguridade social (parágrafo único, do art. 22, da Constituição

Federal).

Em relação ao custeio da seguridade social, a Constituição Federal

estabelece que será efetuado por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos

termos da lei, mediante recursos provenientes da União, Estados, Distrito Federal e

Municípios, bem como de contribuições sociais, conforme preceitua o art. 195.

Como se vê, a seguridade social compreende um sistema integrado pelos

poderes públicos e pela sociedade com fins de implementar ações destinadas a

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assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, sendo

que apenas a assistência social, mais especificamente a aferição do critério

econômico para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada,

será objeto de estudo aprofundado no presente trabalho.

Não obstante, é oportuno abordar as noções fundamentais da seguridade

social – saúde, previdência e assistência social – a fim de propiciar a melhor

compreensão do tema e contextualizar a problemática da concessão do benefício

assistencial previsto na Lei nº 8.742/93.

Isso porque a assistência social é espécie do gênero seguridade social,

fazendo-se necessário apresentar as noções básicas de cada espécie de proteção

social a fim de estabelecer a distinção entre elas e melhor evidenciar o cabimento da

prestação assistencial, vez que um mesmo fato gerador ora pode ensejar uma ou

outra espécie de proteção social.

Sobre o tema é conveniente transcrever a lição de Larissa Dahmer Pereira

(2006, p. 2):

No entanto, é necessário alertar que a Seguridade Social instituída pela Constituição Federal de 1988, apesar de inovadora e de intencionar a construção de um padrão amplo de direitos sociais, caracterizou-se como um sistema híbrido, que conjuga direitos derivados do trabalho (Previdência), direitos de caráter universal (Saúde) e direitos seletivos (Assistência). Além disso, os princípios constitucionais como universalidade na cobertura, uniformidade e equivalência dos benefícios, seletividade e distributividade nos benefícios, irredutibilidade do valor dos benefícios, equidade no custeio, diversidade do financiamento e caráter democrático e descentralizado da administração se aplicam diferenciadamente a cada uma das políticas de Seguridade Social e não instituíram um sistema homogêneo, integrado e articulado.

Passemos então a uma concisa abordagem das espécies de seguridade

social.

2.1 SAÚDE

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas

sociais econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e

ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação, conforme preceitua o art. 196, da Constituição Federal.

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Assim, o direito à saúde é um direito universal (para todos) e gratuito

abrangido pelo sistema da Seguridade Social.

Na lição de Sette (2004, p. 71) o direito à saúde “é uma extensão do direito a

uma vida digna, do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo, pois,

destinado a todos, independentemente de contribuição”.

A execução das ações de saúde pode ser realizada diretamente pelo Estado

ou através de terceiros, por pessoa física ou jurídica de direito privado (art. 197, da

CF).

Nesse ponto continua o mesmo autor afirmando que cabe ao poder público

dispor, “nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,

devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por

pessoa física ou jurídica de Direito Privado (art. 197, da CF)”.

Desse modo, as prestações da saúde é dever do poder público e será

gratuita, sendo livre a assistência à saúde à iniciativa privada, não podendo se

confundir a exploração da saúde privada com a prestação de saúde pública por

entidades privadas. A primeira é livre aos profissionais habilitados profissionalmente

(art. 199, da CF), cobrando o preço que entenderem justo na prestação de seus

serviços. A segunda, “é dever do poder público, que pode se conveniar com entes

de natureza privada para presta-lá. De qualquer forma, será gratuita para os

pacientes, devendo o Estado remunerar as entidades pelo serviço” (TAVARES,

2009, p. 14).

Ressalte-se, novamente, o direito à saúde é devido para todos, inclusive para

os ricos, apesar de na prática, via de regra, estes prefiram os serviços de saúde

privada, não há possibilidade de exclusão de paciente por critério de renda.

Sendo assim, mesmo a pessoa que, comprovadamente, possua meios para patrocinar seu próprio atendimento médico terá a rede pública como opção válida. Não é lícito à Administração Pública negar atendimento médico a esta pessoa com base na sua riqueza pessoal (IBRAHIM, 2002, p. 6).

As ações e serviços públicos de saúde são de responsabilidade do Ministério

da Saúde através de uma rede regionalizada e hierarquizada que constituem um

sistema único (SUS), organizado de acordo com as seguintes diretrizes (art. 198, da

CF):

descentralização;

atendimento integral;

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participação da comunidade;

gratuidade; e

universalidade.

Por fim, importante consignar que o Sistema Único de Saúde será financiado,

nos termos do art. 195, da Constituição Federal, com recursos do orçamento da

seguridade, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de

outras fontes (§ 1º, do art. 198, da CF).

2.2 PREVIDÊNCIA SOCIAL

A previdência social vem prevista nos arts. 201 e 202 da Constituição Federal,

instituindo que os planos de previdência social dependerão de contribuição para

atender aos riscos sociais, nos termos da lei.

Ressalta-se que o caráter contributivo tem previsão expressa no texto

constitucional, sendo sempre exigido, para qualquer prestação de Direito

previdenciário, em relação às quais a existência de prévia contribuição daquele que

pretende se beneficiar do sistema seja indispensável.

Os riscos sociais cobertos pelo sistema previdenciário estabelecido na

Constituição Federal de 1988 são apresentados em cinco incisos no art. 201,

estando eles relacionados com os eventos de doença, invalidez, morte, idade

avançada, proteção à maternidade, especialmente à gestante, ao desemprego

involuntário, família, reclusão e morte.

Dissertando sobre o tema, Lopes Júnior (2010, p. 52) divide os riscos sociais

cobertos pela previdência social em cinco categorias, aduzindo que:

[...] podemos agora contextualizar aquela classificação com base no art. 201 da CF: a) fenômenos da natureza: são cobertos pela previdência social sempre que, em razão de sua ocorrência, causem especialmente riscos fisiológicos; b) meio social: salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa-renda; c) formação de grupos familiares: proteção à maternidade, especialmente à gestante; d) riscos fisiológicos: cobertura dos eventos de doença, invalidez, idade avançada e pensão por morte do segurado; e) vida profissional: proteção ao trabalhador em situação desemprego involuntário.

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Ainda, a Constituição Federal determina que a previdência social seja

organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação

obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

Desse modo, pode-se concluir que são dois os aspectos mais importantes de

nosso sistema previdenciário: a compulsoriedade da filiação e a contributividade

para acesso aos benefícios, ou seja, o Regime Geral de Previdência Social é

obrigatório e para termos acesso a um benefício previdenciário é indispensável o

recolhimento de contribuições sociais para a Seguridade Social, ressalvados os

casos previstos em lei.

Segundo Fábio Zambitte Ibrahim (2002, p. 9), a previdência social “é um

seguro coletivo, contributivo, compulsório, de organização estatal (INSS), custeado,

principalmente, no regime financeiro de repartição simples, e deve conciliar este

regime com a busca de seu equilíbrio financeiro e atuarial (artigo 201, CRFB/88)”.

Existem dois sistemas de previdência no Brasil: público e privado. O sistema

privado, previsto no art. 202 da CF, é aquele administrado e gerido por pessoas

jurídicas de direito privado, tendo caráter facultativo e complementar em relação ao

sistema público. Possui natureza contratual, nos termos do art. 202 da Constituição

Federal e Leis Complementares nsº 108 e 109/2001. Já o sistema público, previsto

no art. 201 da CF, é gerido por pessoas jurídicas de direito público, tendo natureza

institucional, e é de filiação compulsória.

A propósito, observa Tavares (2009, p. 25):

O Sistema público, o que verdadeiramente pode ser intitulado de social, caracteriza-se por ser mantido por pessoa jurídica de direito público, tem natureza institucional, é de filiação compulsória e as contribuições têm natureza tributária; pode ser destinado aos servidores públicos e mantido pelos entes políticos da federação, ou aos trabalhadores da iniciativa privada e gerido por uma autarquia Federal – INSS.

Destarte, a previdência Social é direito social de fruição universal para os que

contribuem para o sistema, dado ao seu caráter eminentimente contributivo.

Ocorrendo um risco social – que afasta o trabalhador do exercício laborativo –

caberá à previdência social a manutenção do segurado ou de sua família, sendo que

o seu objetivo é garantir uma proteção securitária mínima e relativamente

padronizada – condições mínimas de existência com dignidade.

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2.3 ASSISTÊNCIA SOCIAL

A assistência social é um direito assegurado pela Constituição a quem dela

necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social. Está prevista

nos arts. 6º e 203 da Constituição Federal, regulamentados pela Lei nº 8.742/93,

denominada Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS.

As prestações assistenciais são divididas, segunda a doutrina, em benefícios

(pecuniários) e serviços (não-pecuniários). A principal característica é gratuidade

das prestações aos necessitados.

Tratando-se de proteção social prestada a quem necessitar,

independentemente de contribuição, não podem ser confundidos os benefícios

decorrentes da assistência social com os de previdência social, em que pese por

algumas vezes coincidirem os riscos sociais acobertados por ambos. Como visto, os

benefícios previdenciários tem caráter contributivo e são devidos a todos os

segurados, enquanto os assistenciais são gratuitos e seletivos eis que é devido

somente aos comprovadamente hipossuficientes. Outrossim, não se confunde com

as ações de saúde, cujo caráter é universal, dada a seletividade das prestações

assistenciais.

Não havendo contribuição direta dos beneficiários, as ações governamentais

na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da

seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, nos termos do art.

204.

Desse modo, a assistência social, como um plano de prestações sociais

mínimas e gratuitas a cargo do Estado para prover pessoas necessitadas de

condições dignas de vida, deve ser prestada de forma ampla a quem dela

necessitar.

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3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

3.1 NO MUNDO

O marco da criação da Assistência Social encontra-se na Inglaterra no ano de

1601 com a edição da Lei dos Pobres (Old Poor Law), que regulamentou a

instituição de auxílios e socorros públicos aos necessitados.

Nas sociedades preindustriais, a assistência era ligada à noção de

solidariedade privada, sendo exercida no seio de coletividade fortemente

estruturadas e hierarquizadas, como famílias, corporações e congregações

religiosas. Uma assistência subsidiária era dada àqueles que ficavam de fora dessas

células de proteção, pela Igreja e pelo poder real. Na realidade, a assistência, na

época, protegia os indigentes como tais, e não pessoas sem condições para o

trabalho, isto é, não havia nenhuma política de incentivo ao emprego ao lado da

assistência.

Sob a Revolução Francesa, surge uma nova concepção de relação entre

indivíduo e o Estado e uma nova forma de compreender a assistência. Na

Declaração dos Direitos do Homem de 1793, aparecem três pontos originais de

referência:

há desestruturação da sociedade, com supressão das Corporações (a

Lei Lê Chapelier, de 17.06.1971, proibia a coalisão de trabalhadores, a

título de proteger a liberdade e a igualdade), proibição de existência de

intermediação institucional entre o Estado e o indivíduo e a laicisação

do Estado (da qual deriva um enfraquecimento da assistência

prestada pela Igreja);

o direito à assistência é reconhecido a todos, com a afirmação de que

existe uma dívida da sociedade com o homem;

o direito à assistência passa a ser vinculado ao direito do trabalho.

Contudo, essa referência, na prática, acabara sendo curta, pois triunfa o

ideário liberal da burguesia como classe em ascensão política.

Com a Revolução Industrial inglesa, o trabalho humano acaba sendo

equiparado a uma mercadoria e passa a ser objeto de locação. A lei econômica da

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oferta e da procura leva a carga horária a 14 (quatorze) horas, com redução do valor

do trabalho, a classe trabalhadora passa a sofrer com mais intensidade o problema

do acidente do trabalho, com graves problemas sociais (longas jornadas, alcoolismo,

desemprego).

Em 1832, é aprovada a Nova Lei dos Pobres (New Poor Law), com a

concentração da assistência nas work houses, nas quais não se identificava

diferença entre casa de orfanato e assistência a idosos e a desempregados, de um

lado, e verdadeiras casas de correição, de outro. A concentração populacional da

miséria nos principais centros urbanos industrializados muda o fundamento da

assistência, da solidariedade prestada às populações carentes, passando-se a

encara-la como forma de solução de um problema de segurança pública da

burguesia, com a intenção dos socialmente indesejáveis.

Mas é efetivamente com o advento das constituições sociais que este novo

ramo do direito ganha força e se solidifica. No mundo, a primeira Constituição a

tratar de direito assistencial, no âmbito da previdência, foi a mexicana, de 1917,

seguida pela Constituição de Weimar (Alemanha) de 1919.

3.1 NO BRASIL

O surgimento da Assistência Social no Brasil, assim como no restante do

mundo, é marcado por uma prática espontânea da sociedade, centrada na Igreja e

na família, objetivando ajudar, com base na caridade e benevolência, aos indivíduos

que se encontravam em situação de pobreza.

As primeiras manifestações com Assistência Social deram-se através das

santas casas de misericórdia, como a de Santos (1543), montepios e sociedades

beneficentes, todas instituições particulares.

Não havia legislação sobre Assistência Social, razão pela qual sua origem

histórica se confunde com a história da previdência social no Brasil, a qual teve suas

primeiras manifestações no Brasil Império, quando Dom Pedro I, mesmo não sendo

Rei escreve uma carta que concedia aos professores, com mais de 30 (trinta) anos

de serviço uma aposentadoria.

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21

Posteriormente, em 1835 foi criado o Montepio Geral dos Servidores do

Estado (Mongeral). Após a criação do Montepio veio o Código Comercial em 1850,

que dispunha no seu art. 79, que empregadores deveriam manter o pagamento dos

salários dos empregados por três meses, no caso de ocorrência de acidentes

imprevistos.

Em âmbito constitucional, a primeira impressão de direito previdenciário foi na

Constituição de 1824, que versava sobre os socorros públicos. A Carta de 1981

aludiu, pela primeira vez, à expressão aposentadoria, instituindo a aposentadoria

para os funcionários públicos.

Mas o marco inicial do Direito Previdenciário no Brasil deu-se com a

promulgação da Lei Eloy Chaves, Decreto Legislativo nº 4.682/1923, que criou as

Caixas de Aposentadoria e Pensão para os empregados ferroviários.

Com isso outras empresas foram autorizadas a construir um fundo de amparo

aos trabalhadores. Mais tarde a Lei Eloy Chaves foi estendida a diversas outras

categorias de funcionários públicos e muitas outras caixas de aposentadorias foram

criadas.

Em 1945 foi criado o Instituto de Serviços Sociais do Brasil, e no ano

seguinte, o Conselho Superior da Previdência Social e o Departamento Nacional de

Previdência Social.

Em 1960 foi criada a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) – Lei nº

3.807/60, que veio unificar a legislação referente aos Institutos de Aposentadorias e

Pensão.

Em 1974, pela Lei nº 6.179 foi instituído sob a denominação de renda mensal

vitalícia o benefício de caráter assistencial, que era pago pela Previdência Social.

A Lei nº 6.439/77 criou o Sistema Nacional de Previdência e Assistência

Social – SINPAS. O art. 9º dessa lei dispunha que à Legião Brasileira de Assistência

(LBA) competia prestar assistência à população carente mediante programas

desenvolvimento social e atendimento às pessoas.

Com o advento da Constituição de 1998 a Assistência Social ganhou

regramento próprio e foi elevada ao status de direito social, sendo tratada nos arts.

203 e 204.

A Assistência Social foi regulamentada pela Lei nº 8.742/93 - Lei Orgânica da

Assistência Social/LOAS e pelos Decretos nº 6.214/2007. O benefício assistencial de

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prestação continuada também encontra amparo na Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do

Idoso).

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23

4 DIREITO ASSISTENCIAL

A assistência social é estratégia adotada para oferecer aos necessitados uma

forma de existência digna, proporcionando o atendimento às necessidades básicas e

mais urgentes da vida humana, para, desta forma, proporcionar sua inclusão na

sociedade, devendo ser vista como um instrumento de promoção humana.

Ao tratar do assunto Lopes Júnior (2010, p. 54) bem delineia o Direito à

Assistência Social ao considerar a existência de um ramo da ciência jurídica a ser

denominado de Direito Assistencial, o qual faria parte do Direito Social e sua

destinação seria o atendimento aos hipossuficientes, concedendo-lhes meios de

satisfação das necessidades vitais, sem que para isso fosse necessária qualquer

contraprestação.

A propósito transcrevo lição do eminente Cesarino Júnior (1993, p. 41):

Acontece que, anteriormente ao Direito Previdencial já existiam – e continuam a existir – várias medidas do Estado em favor dos hipossuficientes, com a finalidade de oferecer-lhes os meios para satisfação de suas necessidades vitais, quando estão eles impossibilitados de os obterem por seus próprios recursos. Essa atividade do Estado é desempenhada sem nenhuma contraprestação por parte do favorecido e atua, em cada caso, no momento do aparecimento da necessidade. Daí a denominação do conjunto de normas que disciplinam tal atividade de Direito Assistencial e sua colocação como parte do Direito Social.

Assim, os benefícios e serviços da assistência social são destinados às

pessoas carentes, com vistas a prestar o auxílio material necessário a que possam

sobreviver com dignidade e, ainda, desenvolver suas melhores potencialidades.

A assistente social Egli Muniz (2008) afirma que “é indiscutível o claro vínculo

entre pobreza e dependência da assistência social, principalmente porque seus

demandatários não têm acesso ao seguro social”.

Ao ser incluída no tripé da Seguridade Social pela Constituição de 1998, a

assistência social, assegurada a todos que dela necessitem, se orientou de maneira

definitiva para o campo dos direitos sociais e para o espaço da responsabilidade do

Estado.

Assim, no ordenamento jurídico pátrio, a assistencial social encontra-se

definida, dentro do capítulo que trata da seguridade social, nos arts. 203 e 204 da

Constituição Federal, nos seguintes termos:

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Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I - despesas com pessoal e encargos sociais; II - serviço da dívida; III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.

Tais dispositivos encontram-se em consonância com o princípio da dignidade

da pessoa humana previsto no art. 1º, inciso III, bem como o objetivo de erradicação

da pobreza, elencado no art. 3º, inciso III, ambos da Constituição Federal.

Outrossim, a assistência aos desamparados encontra-se dentre o rol de direitos

sociais previsto no art. 6º também da Constituição Federal.

A assistência social foi regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência

Social nº 8.742 – LOAS, de 07 de dezembro de 1993, que disciplina a forma pela

qual os necessitados terão direito a esses benefícios. A LOAS constitui o estatuto

que rege as relações entre Estado e Sociedade para implementação das ações de

assistência social, visando a garantia do atendimento das necessidades básicas da

população. É “política de seguridade social não contributiva, trata-se de elemento do

tripé da seguridade social (COSTA, 2009)”.

A definição de assistência social para o direito brasileiro pode ser extraída do

próprio texto da Lei nº 8.742/93 - LOAS, a saber:

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Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

Marcelo Leonardo Tavares (2009, p. 16) define a assistência social como,

[...] plano de prestações sociais mínimas e gratuitas a cargo do Estado para prover pessoas necessitadas de condições dignas de vida. É um direito social fundamental e, para o Estado, um dever a ser realizado através de ações diversas que visem a atender às necessidades básicas do indivíduo, em situações critícas da existência humana, tais como maternidade, infância, adolescência, velhice e para pessoas portadoras de limitações físicas.

Sérgio Pinto Martins (2008, p. 482) conclui a mesma idéia:

A Assistência Social é, portanto, um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer uma política social aos hipossuficientes, por meio de atividades particulares e estatais, visando à concessão de pequenos benefícios e serviços, independentemente de contribuição por parte do próprio interessado.

Os objetivos da assistência social vêm previstos nos incisos do art. 203 da

CF, e no art. 2º da LOAS, sendo eles a proteção à família, à maternidade; à infância;

à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; à

promoção da integração ao mercado de trabalho; à habilitação e reabilitação das

pessoas portadoras de deficiência e à promoção de sua integração à vida

comunitária; à garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa

portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a

própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Tais objetivos constituem verdadeiramente as situações que a Assistência

Social pretende cobrir de forma integrada às políticas setoriais, visando ao

enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de

condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos

sociais.

Os princípios da Assistência Social, por sua vez, são previstos no art. 4º da

LOAS e consistem na:

supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as

exigências de rentabilidade econômica;

universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da

ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

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respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a

benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e

comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de

necessidade;

igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de

qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas

e rurais;

divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos

assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e

dos critérios para sua concessão.

É de se ver que para a Assistência Social o que importa é o atendimento às

necessidades sociais, porém, não têm característica universal, pois não atinge a

todos, mas somente aos necessitados.

As ações governamentais na área da assistência social são organizadas com

base nas seguintes diretrizes: descentralização político-administrativa das ações;

participação das populações; primazia da responsabilidade do Estado.

Tais diretrizes consistem numa linha reguladora a ser seguida na promoção

da Assistência Social e são estabelecidas pela Constituição Federal no art. 204, I e

II, bem como no art. 5º da Lei nº 8.742/93.

Ainda, cabe salientar que a competência para legislar em matéria de

assistência social é concorrentemente da União, Estados, Distrito Federal e

Municípios (art. 24, XIV e XV, c/c 30, II, ambos da CF).

4.1 ORGANIZAÇÃO E GESTÃO

As ações na área da Assistência Social são organizadas em sistema

descentralizado e participativo, constituído pelas entidades e organizações

assistenciais, que articule meios, esforços e recursos, além de um conjunto de

instâncias deliberativas compostas pelos diversos setores envolvidos na área.

O Sistema Descentralizado e Participativo da Assistência Social procura viabilizar uma forma de coordenação unificada da política em cada esfera de governo e a participação da população, por meio de suas organizações

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representativas, através de Conselhos, na formulação das políticas e no controle das ações executadas (MPAS, 1997, p. 8).

Foi instituída no Brasil a Política Nacional de Assistência social - PNAS, que,

conforme descrito no sítio do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à

Fome (2010),

É uma política que junto com as políticas setoriais, considera as desigualdades socioterritoriais, visando seu enfrentamento, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender à sociedade e à universalização dos direitos sociais. O público dessa política são os cidadãos e grupos que se encontram em situações de risco. Ela significa garantir a todos, que dela necessitam, e sem contribuição prévia a provisão dessa proteção. A Política de Assistência Social vai permitir a padronização, melhoria e ampliação dos serviços de assistência no país, respeitando as diferenças locais.

Para a implementação dessa política foi criado a partir de deliberações da IV

Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em Brasília/DF, em 2003, o

Sistema Único de Assistência Social – SUAS, cujo modelo de gestão é

descentralizado e participativo, consistindo na regulação e organização em todo

território nacional dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassitenciais,

de caráter continuado ou eventual, executados e providos por pessoas jurídicas de

direito público sob critério universal e lógica de ação em rede hierarquizada e em

articulação com iniciativas da sociedade civil1.

Além disso, o SUAS define as competências e responsabilidades dos entes

das três esferas de governos (federal, estadual e municipal). O SUAS também é

uma forma de operacionalização da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que

viabiliza o sistema descentralizado e participativo e a sua regulação em todo o

território nacional.

No âmbito das entidades e organizações de assistência social, as ações

observarão as normas expedidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social –

CNAS2, cuja missão é promover o controle social sobre a política pública da

1 Todas as informações sobre o SUAS podem ser obtidas através do sítio do MDS.

2 O Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS foi instituído pela Lei Orgânica da Assistência Social –

LOAS (Lei 8742, de 07 de dezembro de 1993), como órgão superior de deliberação colegiada, vinculado à

estrutura do órgão da Administração Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de

Assistência Social (atualmente, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome), cujos membros,

nomeados pelo Presidente da República, têm mandato de 2 (dois) anos, permitida uma única recondução por

igual período.

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assistência social, contribuindo para o seu permanente aprimoramento em

consonância com as necessidades da população brasileira.

As ações das três esferas de governo na área de assistência social realizam-

se de forma articulada, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal

e a coordenação e execução dos programas, em suas respectivas esferas, aos

demais entes da federação. Para tanto estão sendo implementados centros de

referências de assistência social para propiciar a regionalização das ações.

A União, Os Estados, os Municípios e o Distrito Federal podem celebrar

convênios com entidades e organizações de assistência social, em conformidade

com os planos aprovados pelos respectivos conselhos de assistência social.

Além disso, é importante mencionar que a Lei nº 8.742/93 instituiu o Fundo

Nacional de Assistência Social (FNAS) com o objetivo de proporcionar recursos e

meios para financiar o benefício de prestação continuada e apoiar serviços,

programas e projetos de assistência social.

Como não há contribuição direta dos beneficiários, as ações governamentais

na área da assistência social são realizadas com recursos do orçamento da

seguridade social, previstos no art. 195 da CF, além de outras fontes, nos termos do

art. 204.

Os recursos de responsabilidade da União destinados à assistência social são

automaticamente repassados ao FNAS, os quais serão repassados aos Estados, ao

Distrito Federal e Municípios para implementação das prestações assistenciais.

4.2 PRESTAÇÕES ASSISTENCIAIS

As prestações assistenciais são divididas em serviços, programas, projetos de

enfrentamento da pobreza e benefícios.

Os “serviços sociais são atividades continuadas que visem à melhoria de vida

da população e cujas ações, voltadas para as necessidades básicas, observem os

objetivos, princípios e diretrizes da Assistência Social” (MARTINS, 2008, p. 489).

Os serviços podem ser divididos em duas espécies: serviço social e

habilitação e reabilitação profissional.

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O serviço social é prestado aos beneficiários tendo por objetivo esclarecê-los

de seus direitos sociais e os meios de exercê-los, bem como facilitar o acesso aos

serviços, programas e benefícios do sistema.

A habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência

constituem um dos objetivos da Assistência Social (art. 2º, IV, Lei nº 8.742/93) e

visam proporcionar aos beneficiários meios para a (re)educação ou (re)adaptação

profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto

em que vivem.

Já os programas de Assistência Social compreendem ações integradas e

complementares com objetivos, tempo e área de abrangência definidas para

qualificar, incentivar e melhorar os benefícios e os serviços assistenciais (LOAS, art.

24).

Através do Sistema Único de Assistência Social serão prestados serviços

sociais de proteção básica e especial, referente à proteção à família, crianças,

adolescentes e idosos. Os principais programas voltados a estes grupos são.

Programa Bolsa Família (instituído pela Lei 10.836 de 2004);

Programa de Atenção Integral à Família (instituído pelo Decreto 5.085,

2004),

Programa de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de

Crianças e Adolescentes - SENTINELA (instituído pela Portaria

878/2001 da Secretaria de Estado de Assistência Social);

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI (instituído pela

Portaria 458/2001 da Secretaria de Estado de Assistência Social);

Projeto Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano (instituído

pela Portaria n° 1.111/2000 da Secretaria de Estado de Assistência

Social);

Programa Nacional de Acesso à alimentação (instituído pela Lei

10.689/2003).

Ao lado dos programas de Assistência Social temos os projetos de

enfrentamento da pobreza, que compreendem apoios socioeconômicos a grupos

populares e comunitários, buscando subsidiar técnica e financeiramente iniciativas

que lhes garantam meios, capacidade produtiva e de gestão para a melhoria das

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condições gerais de subsistência, elevação do padrão da qualidade de vida,

preservação do meio ambiente e organização social (LOAS, art. 25).

Por fim, o mais importante dentre as prestações sociais são os benefícios

assistenciais previstos na Lei nº 8.742/93, sendo que sua a principal característica é

a gratuidade.

O requisito básico para a percepção de algum benefício assistencial é a

comprovada impossibilidade de manutenção e sobrevivência por si só, ou pelo grupo

familiar.

Dentre os principais benefícios temos o benefício de prestação continuada

(art. 20 da Lei nº 8.742/93), que consiste em um salário mínimo devido aos

deficiente ou idoso que não pode prover a própria manutenção ou tê-la provida pela

família, e os benefícios eventuais (art. 22 da Lei nº 8.742/93), consistente nos

chamados auxílio-funeral e auxílio-natalidade.

Os benefícios eventuais estão previstos no art. 22, caput, e § 2º, da Lei nº

8.742/93. São benefícios de caráter suplementar e provisório, prestados aos

cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de

vulnerabilidade temporária e de calamidade pública, sendo que os principais são o

auxílio por natalidade e o auxílio por morte.

O serviço de concessão dos benefícios eventuais visa o atendimento das necessidades humanas básicas e deve ser integrado aos demais serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social no município, integrando assim as garantias do Sistema Único de Assistência Social – SUAS (MDS, 2010).

O benefício de prestação continuada, de caráter assistencial, é um direito

assegurado constitucionalmente (art. 203, V, da CF), e regulamentado pela Lei nº

8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social/LOAS, e pelo Decreto nº 6.214/2007. O

benefício de prestação continuada também encontra amparo na Lei nº 10.741/2003

(Estatuto do Idoso).

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5 BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

O Benefício Assistencial de Prestação Continuada, originalmente denominado

renda mensal vitalícia, foi instituído pela Lei nº 6.179/74 e era pago pela Previdência

Social ao maior de 70 (setenta) anos de idade ou inválido hipossuficiente, no valor

da metade do salário mínimo.

Com o advento da Constituição de 1998 o benefício foi elevado ao status de

direito social assistencial, com previsão no inciso V do art. 203, consistindo na

garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de

deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria

manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Contudo, continuou integrando o elenco de benefícios da Previdência Social,

conforme dispunha o art. 139 da Lei nº 8.213/91 (atualmente revogado).

Com a regulamentação da Assistência Social através da Lei 8.742/93, LOAS,

foi extinto o benefício de renda mensal vitalícia que existia no âmbito da Previdência

Social, e foi instituído o chamado Benefício de Prestação Continuada, previsto no

caput do art. 20 da referida lei, com a seguinte redação:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

Importante ressaltar que o art. 34 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso)

alterou para 65 (sessenta e cinco) anos a idade para concessão do Benefício de

Prestação Continuada ao idoso.

Outrossim, o Decreto nº 6.214/2007 regulamenta o Benefício de Prestação

Continuada da Assistência Social devido à pessoa com deficiência e ao idoso de

que trata as Leis nº 8.742/93 e nº 10.741/2003.

5.1 CARACTERÍSTICAS

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A principal característica do benefício em questão é ser concedido

gratuitamente aos necessitados, isto é, independemente de qualquer contribuição.

Segundo a Cartilha BPC: Benefício de Prestação Continuada de Assistência

Social, elaborada pelo MDS em 2009, é benefício “individual, não vitalício e

intransferível, que integra a Proteção Social Básica no âmbito do Sistema Único de

Assistência Social – SUAS. É um direito de cidadania assegurado pela proteção

social não contributiva da Seguridade Social”.

Assim conclui-se que o benefício assistencial é personalíssimo e não se

transfere ao herdeiro ou dependente do beneficiário.

Além disso, o benefício é não cumulativo, não podendo ser cumulado com

qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da

assistência médica (art. 20, §3º, LOAS), bem como é provisório, tendo em vista que

deve ser revisto a casa 02 (dois) anos para avaliação das condições que lhe deram

origem (art. 21, LOAS).

O Benefício de Prestação Continuada integra a proteção social básica no

âmbito do Sistema Único de Assistência Social/SUAS em consonância com o

estabelecido pela Política Nacional de Assistência Social/PNAS (§1º, art. 1º, Decreto

nº 6.214/2007).

Por fim, diga-se que o benefício é gerido pelo Ministério do Desenvolvimento

Social e Combate à Fome – MDS, a quem compete, além de sua gestão, o

acompanhamento e avaliação. E ao Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS

a sua operacionalização (arts. 2º e 3º Decreto nº 6.214/2007).

5.2 CONCESSÃO

O INSS é o órgão responsável pela concessão, reconhecimento do direito e o

pagamento do Benefício de Prestação Continuada (art. 20, §6º, LOAS). Para tanto o

interessado deve formular pedido administrativo junto a uma Agência do INSS,

apresentando os documentos e informações necessárias à comprovação das

condições que dão origem à concessão do benefício.

Após a avaliação realizada pela perícia médica e pelo assistente social do

INSS, será enviada ao requerente uma carta informando se o benefício foi

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concedido ou indeferido. Caso o benefício seja indeferido, cabe recurso perante a

Junta de Recursos da Previdência Social, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do

recebimento da carta de indeferimento.

Além do recurso administrativo, ou no caso de improvimento do mesmo,

poderá o requente socorrer-se às vias judiciais para pleitear o benefício.3

Mencione-se, que há quem entenda que a ausência de requerimento

administrativo implicaria em falta de interesse de agir, não podendo o pedido de

benefício assistencial ser apreciado pelo judiciário sem antes passar pelo âmbito do

INSS.

Sobre o tema é a lição de SAVARIS (2008, p. 320):

Quando se pretende a obtenção de um benefício assistencial ou de um benefício previdenciário (como aposentadoria por idade ou pensão por morte) é necessário, segundo jurisprudência dominante, que o interessado primeiramente formule seu pedido administrativamente, junto ao INSS. Apenas no caso de indeferimento é que ele pode ajuizar ação de concessão de benefício assistencial ou ação de concessão de aposentadoria ou pensão.

Ao contrário, há entendimentos de que tendo em vista o princípio da

inafastabilidade da jurisdição a não postulação administrativa do benefício não

impede a propositura de ação judicial4.

5.3 BENEFICIÁRIOS

A concessão do Benefício de Prestação Continuada é devida às pessoas

portadoras deficiência ou idosos, mediante a demonstração de não possuírem meios

de prover a própria subsistência ou tê-la provida pela família.

Com inteira razão Daniel Mourges Cogoy (2007) afirma que:

A escolha pelos deficientes e idosos se justifica pela especial situação de vulnerabilidade a que tais grupos estão expostos, principalmente em razão de sua difícil – quando não impossível, haja vista a deficiência incapacitante - inclusão no mercado de trabalho.

3 Todo o procedimento para requer administrativamente o benefício de prestação continuada encontra-se

detalhado na Cartilha BPC elaborada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a qual é

disponibilizada no sítio do referido ministério. 4 Neste sentido: TRF – 1ª Reg. AG 2007.01.00.014850-4/TO, Rel. Juíza Federal Sônia Diniz Viana (conv),

Primeira Turma, DJ de 30/07/2007, p.31.

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5.4 REQUISITOS

Para a concessão do Benefício de Prestação Continuada, consoante

disciplina o art. 20 da Lei nº 8.742/93, são os requisitos a serem, simultaneamente,

preenchidos:

a) demonstração da idade ou da deficiência (e da incapacidade dela

resultante);

b) hipossuficiência financeira do deficiente ou idoso e de seu grupo familiar.

5.4.1 Deficiente

Segundo o art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, considera-se pessoa portadora de

deficiência aquela incapacitada para o trabalho e a vida independente.

Contudo, o conceito de pessoa com deficiência foi reformulado pelo Decreto

nº 6.214/2007, regulamentador do benefício, que define incapacidade como o

fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de atividade e

restrição da participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade de

inclusão social, em correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e

seu ambiente físico e social.

Desse modo, consoante pontificou Botelho (2004) apud Araújo (1997, p. 12):

O que define a pessoa portadora de deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência.

Portanto, não é exigível que a incapacidade seja para todos os atos da vida,

pois a Constituição Federal estabeleceu que a Assistência será prestada a quem

dela necessitar, o que demonstra inequivocamente a intenção constitucional de

ampliação do conjunto de beneficiários da assistência social. O caput do art. 203 da

CF serve como princípio orientador na interpretação dos demais dispositivos

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relativos à Assistência Social. Daí pode-se concluir que se deve interpretar a locução

pessoa portadora de deficiência em um sentido amplo, jamais restritivo.

Nesse sentido, a incapacidade para a vida independente não exige: que a

pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; não

significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como

alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; não impõe a incapacidade de

expressar-se ou de comunicar-se; e não pressupõe dependência total de terceiros.

Sobre o assunto, manifesta-se José Antônio Savaris (2008, p. 319/320):

Essa é uma questão difícil. Houve um tempo que o INSS só concedia este benefício quando a pessoa se encontrasse em um estado de não conseguir realizar os atos básicos da vida diária e dependesse, para isso, de outras pessoas (exigia-se, por exemplo, que a pessoa não conseguisse deambular, higienizar-se ou alimentar-se autonomamente). Isso gerou inúmeros processos na Justiça, por pessoas que eram portadoras de deficiência, que não tinham condições de trabalhar (estavam realmente incapacitadas para o trabalho, mas que conseguiam realizar os atos básicos da vida diária sem ajuda de terceiros). A Justiça, de modo geral, dava-lhes ganho de causa, entendendo que era suficiente a condição de pessoa portadora de deficiência incapacitada para o trabalho (desde que fosse carente, evidentemente).

Realmente nossos tribunais se mostram bastantes sensíveis à questão ao

julgar demandas envolvendo controvérsias acerca da incapacidade ou não do

deficiente. A despeito colaciono os seguintes julgados do Tribunal Regional Federal

da 4ª Região:

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA A VIDA INDEPENDENTE. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. 1. A incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros. Precedentes do STJ e desta

Corte. 2. Ante tais considerações, a incapacidade para o trabalho e para a vida independente restou reconhecida, pois, embora o perito médico tenha afirmado apresentar a autora possibilidade de recuperação, deve-se observar que a requerente conta 60 anos de idade, é analfabeta, e sempre trabalhou como doméstica, de modo que qualquer tentativa de reinserção no mercado de trabalho restaria frustrada. 3. A situação de desamparo necessária à concessão do benefício assistencial é presumida quando a renda familiar per capita for inferior ao valor de ¼ (um quarto) do salário mínimo. 4. Não podem ser incluídos no cálculo da renda familiar os rendimentos auferidos por irmãos ou filhos maiores de 21 anos e não inválidos, bem assim por avós, tios, sobrinhos, primos e outros parentes não relacionados no art. 16 da Lei de Benefícios. 5. Comprovado o preenchimento dos requisitos legais, é de se conceder o benefício em favor da parte autora, desde a data do requerimento administrativo (05-07-2005).

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(AC 200971990054398, EDUARDO VANDRÉ OLIVEIRA LEMA GARCIA, TRF4 - SEXTA TURMA, 09/02/2010). (grifo nosso) PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEGITIMIDADE. EFEITOS DA DECISÃO. CONCEITO DE INCAPACIDADE. 1. Consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao Ministério Público é dado promover, via ação coletiva, a defesa de direitos individuais homogêneos, porque tidos como espécie dos direitos coletivos, desde que o seu objeto se revista da necessária relevância social. 2. Não há óbice à declaração de inconstitucionalidade em ação civil pública. O pedido na ação civil pública é a proteção do bem da vida tutelado pela Carta Constitucional, tendo como causa de pedir a inconstitucionalidade do regramento previdenciário ordinário, enquanto que o pedido na ação Direta de Inconstitucionalidade, privativa do STF, é a declaração de inconstitucionalidade da lei e sua retirada do ordenamento jurídico. 3. Consoante precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, os efeitos da sentença proferida na ação civil pública atingem os substituídos residentes nos limites da competência territorial do órgão prolator, na forma do art. 16, da Lei nº 7.347/85, com a redação da Lei nº 9.494/97. (ADI-MC1576. Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio. DJ 06.06.2003, p. 0029) - STJ (EREsp 293407-SP. Corte Especial. Rel. Min. João Otávio de Noronha. DJ 01.08.2006, p. 327). 4. A Constituição Federal exige apenas dois requisitos no tocante ao benefício assistencial de que trata o art. 203, V: (a) condição de deficiente (pessoa portadora de deficiência) ou idoso e (b) situação de desamparo (não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família). 5. A exigência, para a percepção do benefício, de ser a pessoa incapaz para a vida independente, se entendida como incapacidade para todos os atos da vida, não se encontra na Constituição. Ao contrário, tal exigência contraria o sentido da norma constitucional, seja considerada em si, seja em sintonia com o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), ao objetivo da assistência social de universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único, I) e à ampla garantia de prestação da assistência social (CF, art. 203, caput). 6. O requisito incapacidade para a vida independente (a) não

exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; (d) não pressupõe dependência total de terceiros; (e) apenas indica que a pessoa portadora de deficiência não possui condições de autodeterminar-se completamente ou depende de algum auxílio, acompanhamento, vigilância ou atenção de outra pessoa, para viver com dignidade. (APELREEX 200671170009847, RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, TRF4 - TURMA SUPLEMENTAR, 29/06/2009). (grifo nosso)

Desta forma, a pessoa portadora de deficiência para fins de concessão do

Benefício de Prestação Continuada é aquela que apresenta incapacidade para o

trabalhou e/ou para a vida independente, e que tal condição lhe cause dificuldade de

integração social.

5.4.2 Idoso

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O idoso para fins do benefício, segundo a Lei nº 8.742/93, em sua redação

original, seria a pessoa maior de 70 (setenta) anos. Depois, a referida lei foi

modificada, para fixar o critério em 67 (sessenta e sete) anos, através de alteração

na redação do art. 38 do mesmo diploma legal.

Contudo, com o advento do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), essa

idade foi reduzida, fixando-se o direito ao benefício aos 65 (sessenta e cinco anos

de idade).

“Certamente não será habitual a discussão judicial [ou administrativa] em que

o benefício foi indeferido por causa da idade. Ou a pessoa tem 65 (sessenta e cinco)

anos de idade ou não fará jus ao benefício” (SAVARIS, 2008, p. 319).

Destarte, o requisito da idade é incontroverso, o idoso é a pessoa que conta

com 65 (sessenta e cinco) anos de idade (ou mais, obviamente).

5.4.3 Grupo Familiar Hipossuficiente

O primeiro ponto a ser destacado, e que não causa maiores problemas é a

definição do grupo familiar do requerente do benefício. A família, conforme § 1º do

art. 20 da Lei nº 8.742/93 (LOAS), abarca o conjunto de pessoas que vivam sob o

mesmo teto, assim entendido o rol de pessoas elencadas no art. 16, da Lei 8.213/91,

a saber:

Art. 16.[...] I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) IV - Revogado.

No que se refere ao requisito da hipossufiência econômica do requerente,

deve ser observado o § 3º, do art. 20 da Lei nº 8.742/93 (LOAS), que assim dispõe:

Art. 20 [...] [...] § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

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Nesse parágrafo, temos a definição de um critério objetivo de pobreza para

que se possa pedir o benefício. Assim, família incapaz de prover a manutenção do

idoso ou deficiente, nos termos da lei, é aquela em que a renda per capita familiar é

inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente.

Ocorre que nem sempre tal critério retrata a realidade sócio-econômica do

idoso ou deficiente, assim é no critério fixado em ¼ (um quarto) do salário mínimo

como definidor da hipossuficiência econômica que tem ocorrido maiores

controvérsias, razão pela qual será analisado distintamente, dada a relevância do

assunto.

5.5 O CRITÉRIO OBJETIVO PARA AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA

O critério objetivo da renda per capita familiar inferior a ¼ (um quarto) do

salário mínimo é alvo de inúmeras críticas por ser muito restritivo.

A principal delas diz respeito à constitucionalidade. Segundo entendimento

doutrinário e jurisprudencial, a norma constitucional do art. 203, V, tem caráter de

direito fundamental, conforme dito anteriormente, o referido artigo guarda íntima

relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, e assim, o legislador não

poderia esvaziar o conteúdo constitucional fixando critério restritivo como o da renda

per capita familiar inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

Não obstante, a matéria foi levada ao Supremo Tribunal Federal, o qual no

julgamento da ADIN 1.232-1 entendeu, por maioria, que a fixação objetiva do critério

de necessidade pelo art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93/LOAS é constitucional, confira-se

a ementa:

CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. (ADI 1232, STF, Julgamento: 26/08/1998 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ 01-06-2001 PP-00075 EMENT VOL-02033-01 PP-00095).

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Ocorre que apesar de reconhecida a constitucionalidade, a previsão objetiva

da lei não é suficiente para cumprir o princípio da dignidade da pessoa humana e tal

insuficiência relega a pessoa necessitada a uma situação de miséria.

A renda de toda a família dividida pelos seus membros deve ser inferior a ¼

do salário mínimo. O critério é bastante restritivo, acaba selecionando apenas as

pessoas que estão abaixo da linha de pobreza. Assim, por exemplo: uma família de

quatro pessoas cuja renda total seja de apenas um salário mínimo não poderá

pleitear o benefício, porque sua renda “per capita” (ou seja: “por cabeça”) seria igual

a ¼ do salário, enquanto a lei exige que seja inferior a ¼ do salário mínimo. Se a

mesma família fosse composta por cinco pessoas ou mais então já estaria dentro do

critério.

O INSS é o órgão encarregado da concessão do benefício, isto é, de analisar

se a pessoa que está solicitando o benefício está, de fato, dentro dos critérios

exigidos pela Lei. E por tratar-se de entidade pública seus atos são pautados pelos

princípios da administração pública, mormente a legalidade, não podendo seus

servidores decidir diferente dos ditames da lei.

Com muita propriedade, Sandro José de Oliveira Costa (2009) faz importante

observação ao afirmar que “a Autarquia não pode se descurar da observância do

princípio da legalidade, motivo que impede que seus servidores concedam

benefícios nas hipóteses em que não se mostram preenchidos os requisitos legais”.

A conseqüência disso é que os requerimentos dos benefícios de pessoas

hipossuficientes, que, contudo, tem renda familiar superior a ¼ (um quarto), estão

sendo indeferidos administrativamente. Insatisfeitos, as controvérsias estão sendo

levadas ao judiciário, onde estão sendo fixados outros critérios para aferição da

hipossuficiência a partir de outros fatores indicativos da necessidade do requerente.

Apesar do Supremo Tribunal Federal ter declarado a constitucionalidade do

dispositivo, nosso tribunais não têm acolhido como absoluto o critério objetivo fixado

pela LOAS, mas sim como critério orientador da aplicação do direito.

A decisão do STF na ADI 1232/DF não desconsidera o fato de a criação pela

lei de critérios objetivos para concessão de benefício de prestação continuada,

embora necessária, não ser absoluta, pois aí sim haveria violação ao amparo aos

necessitados, previsto em nossa CF entre os direitos fundamentais.

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Injustiças seriam cometidas na aplicação literal da Lei 8.742/93, e na incorreta

assimilação da interpretação realizada pelo Pretório Excelso no cumprimento de seu

mister. Fundamental se mostra a análise do caso concreto junto a uma interpretação

concretista, teleológica e sistemática, ainda que a renda familiar per capita não seja

inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

Nesse sentido, no âmbito dos tribunais superiores, provocados pelas

instâncias inferiores, novas decisões, em sede monocrática, têm sido proferidas

dando interpretação, senão divergente da que fora lançada na ADI 1231/DF,

adequada ao que nesta fora definido, ensejando a rediscussão da matéria também

junto ao STF, mormente por meio de reclamação.

As novas decisões procuram adaptar o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ao caso

concreto, concedendo interpretação sistemática ao tema. Dessa forma, reconhece-

se a constitucionalidade do critério objetivo criado pela lei, como também sua

conjugação indispensável com os demais fatores de definição da miserabilidade do

beneficiário e de sua família. Definem o critério objetivo como um parâmetro relativo,

capaz de flexibilizar-se diante da comprovação da condição de miserabilidade por

motivos concretos.

Neste sentido já se manifestou o Tribunal Regional da 3ª Região:

Na verdade, a decisão proferida na ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar. A interpretação daquele decisum faz ver que esse preceito legal estabeleceu uma presunção objetiva absoluta de miserabilidade, ou seja, a família que percebe renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova poderão ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência. (AC 646450). (grifo nosso)

Marcelo Leonardo Tavares (2009, p. 18/19) destaca a importância da

interpretação da norma legal em comendo, a ser dada pelo juiz para solucionar o

problema:

A interpretação de normas legais em matéria envolvendo direito fundamentais deve levar em consideração o conceito-chave do mínimo existencial que, no caso da prestação objeto de estudo, está apoiado: 1) na impossibilidade de exercício de atividade laboral; e 2) na impossibilidade de sustento próprio. Esse dois conceitos proporcionam ao juiz a possibilidade de realizar uma interpretação que desenvolva o direito de acordo com o princípio ético-jurídico da dignidade da pessoa humana.

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[...] Pode ocorrer que, no caso concreto, o critério acolhido de forma genérica pelo legislador não se mostre suficiente para solucionar o problema de sobrevivência. Se isto acontecer, caberá ao Poder Judiciário valorizar os elementos mais adequados para a justa solução do caso concreto.

Igual entendimento é esposado pelo Superior Tribunal de Justiça. Vejam-se

as importantes considerações apontadas no julgamento do Recurso Especial nº

1.112.557 - MG (2009/0040999-9), de relatoria do Ministro NAPOLEÃO NUNES

MAIA FILHO, cujo excerto transcrevo:

[...] 2. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 3. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe: Art. 20 - O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. § 1o. Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998) § 2o. Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. § 3o. Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. (...). 4. Da leitura desse dispositivo, constata-se que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. 5. A controvérsia posta no presente incidente de uniformização de jurisprudência diz respeito justamente ao citado requisito econômico consistente na renda mensal per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo. 6. De se ter em conta que o egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001). 7. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, entendo que esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.

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8. Dessa forma, a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 9. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar. 10. Diante dessa situação, o STJ já pacificou o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3o. do art. 20 da Lei 8.742/93 deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família (REsp. 841.060/SP, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJU 25.06.2007). [...] Ementa: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. 3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001). 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável. 5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial

vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato,

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não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar. 7. Recurso Especial provido. (RESP 200900409999, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - TERCEIRA SEÇÃO, 20/11/2009). (grifos nossos)

Outrossim, o próprio STF ao analisar as reclamações oriundas das decisões

que concederam o Benefício de Prestação Continuada sem seguir os parâmetros do

§3º da Lei nº 8.742/93, tem admitido as interpretações dadas a tal dispositivo a partir

do conjunto fático-probatório, reconhecendo a possibilidade de conjugação do

critério legal com outros fatores indicativos da hipossuficiência do requerente5.

Destarte, o Supremo parece caminhar no sentido de que se admitir que o

critério de ¼ (um quarto) do salário mínimo pode ser conjugado com outros fatores

que possibilitem a comprovação da necessidade sócio-econômica do requente.

Outra crítica recorrente sobre o assunto é em relação ao descompasso da

regra fixada pela LOAS em relação a legislação superveniente, que estabelece

critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais. Para os

que defendem essa tese podem ser utilizados novos parâmetros a partir de novas

regras de concessão de outros benefícios e programas assistenciais.

Neste ponto, Daniel Mourgues Cogoy (2007) disserta:

Ora, como bem se observa, o legislador atribuiu a dois benefícios assistenciais critérios diferentes para aferição da carência do postulante aos mesmos. De acordo com a lei 8.472/93, é carente o deficiente físico ou idoso cuja renda familiar per capita não seja superior a ¼ de salário mínimo. Entretanto, para a lei 9.533/97, o conceito de necessitado se refere aos que convivem em entidade familiar com renda inferior a ½ salário mínimo. No mesmo sentido a recente Lei n° 10.689, de 13 de junho de 2003, a qual criou o PROGRAMA NACIONAL DE ACESSO À ALIMENTAÇÃO. [...]Novamente o critério estabelecido foi o de ½ salário-mínimo mensal per capita.

Conclui o autor, que o critério de aferição da hipossuficiência financeira para a

concessão do Benefício de Prestação Continuada deveria ser substituído pelo

patamar de meio salário mínimo:

Logo, a única interpretação conforme ao direito é aquela segundo a qual deve ser aplicado, também para a concessão do benefício previsto na Lei 8.472/93 ao menos o critério previsto nas Leis 9.533/97 e 10.689/03, por serem leis posteriores e mais abrangentes, sem prejuízo de maior flexibilidade quando a situação de fato o exigir.

5 Neste sentido: Rcl nº 4.422/RS; Rcl nº 4.133/RS; Rcl nº 4.366/PE; Rcl nº 4.280/RS; Rcl nº 4.164/RS.

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O mesmo entendimento já foi adotado pela 5ª Turma do TRF4 ao considerar

que não há razão plausível para se dar tratamento diferenciado entre o que se

considera miserável para fins da Lei nº 9.533/97, que trata do Programa Federal de

Garantia de Renda Mínima e da Lei nº 10.219/2001, que trata do Programa de Bolsa

Escola, já que nestas leis, presume-se necessitado aquele que tiver renda mensal

per capita inferior a ½ (meio) salário mínimo. Assim se pronunciou a 5º Turma do

TRF4:

É de ser mantida a orientação de que o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 deve ser interpretado no conjunto de leis que tratam da assistência social aos necessitados e sob o pálio da Constituição Federal, pois não haveria razão para tratamento diferenciado entre o que se considera "miserável" para os fins das Leis nºs 9.533/97 e 10.219/2001 (que tratam, respectivamente, do programa federal de garantia de renda mínima - PETI e da "Bolsa Escola") - onde se presume miserável aquele que tiver renda mensal per capita inferior a ½ do salário mínimo - e para a Lei nº 8.742/93, onde necessitado (miserável) somente será aquele que detiver renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Se, naqueles ordenamentos, se considera miserável quem tem renda inferior a meio salário mínimo, esse mesmo critério pode e deve ser aplicado aos aspirantes ao benefício assistencial de que trata a Lei nº 8.742/93. Não há como se admitir parâmetros diversos para situações idênticas, se, na realidade, importa mesmo saber quem é miserável, nos termos da lei. (AGA 200204010461951, ANTONIO ALBINO RAMOS DE OLIVEIRA, TRF4 - QUINTA TURMA, 09/04/2003).

No entanto, essa não parece ser a única solução, levando em conta as

peculiaridades de cada caso concreto, e as mudanças constantes do padrão de vida

social, uma substituição por um novo critério objetivo não estaria apta a resolver o

problema. Com mais razão, TAVARES (2009, p. 22) entende que a legislação

superveniente em matéria assistencial seria apenas mais um parâmetro a ser usado

para a aferição da hipossuficiência financeira:

Não se deve esquecer também que pode ser utilizado outro parâmetro, o escolhido pelo Programa Nacional de Acesso à Alimentação (PNAA), instituído pela Lei nº 10.689/2003, que dispõe, no art. 2º, § 2º: os benefícios do PNAA serão concedidos, na forma da Lei, para unidade familiar com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo. É certo que se pode alegar que esse é um dispositivo específico para o PNAA e que não há lacuna a ser preenchida na legislação do benefício assistencial de prestação continuada. Mas deve-se levar em consideração o fato de que há uma evolução no parâmetro usado pelo Estado para considerar a situação de miserabilidade.

Não há dúvida que o critério objetivo definido pelo § 3º do art. 20 da Lei nº

8.742/93 não é suficiente para atender os preceitos constitucionais. Assim deve-se

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se reconhecer a possibilidade de que esse critério objetivo seja conjugado, no caso

concreto, com outros fatores indicativos do estado de pobreza do cidadão.

Isso porque, quando se fala em Assistência Social, deve-se ter em mente a

idéia de destinatários carentes que buscam o mínimo social. A Constituição diz que

a Assistência Social é devida a quem dela necessitar (art. 203), devendo ser levado

em conta a necessidade caso a caso haja vista as mudanças sociais.

O que se quer ressaltar é que os mínimos sociais não são imutáveis. Eles tendem a se alterar pressionados pela ação coletiva dos cidadãos, pelo avanço da ciência, pelo grau e perfil da produção econômica, pelas forças políticas etc. É este conjunto de fatores que move e determina o que denominamos padrão de qualidade de vida dos cidadãos (Botelho, 2003).

Por esta razão, não se pode interpretar o dispositivo em comento como

restritor à concessão de benefícios assistenciais quando a renda per capita familiar

seja superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, quando no caso concreto estão

presentes todos os requisitos justificadores da concessão de benefício, pois, ao

contrário, tal exigência contrariaria o sentido da norma constitucional, seja

considerada em si, seja em sintonia com os demais princípios e objetivos

constitucionais.

Não se pode olvidar que, diversas circunstâncias contribuem a elevação das

despesas do grupo familiar, como a enfermidade e os cuidados especiais de que

dependem os idosos e deficientes. Assim, o critério de aferição da hipossuficiência

não pode permanecer vinculado, de forma absoluta, a uma operação aritmética que

não retrate a realidade, a norma deve ser interpretada de acordo com sua finalidade

social.

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8 CONCLUSÃO

A Assistência Social é um dever do Estado e um direito fundamental do ser

humano, cujo exercício é uma faculdade daqueles que necessitem em virtude das

contingências sociais a que estão sujeitos.

Tal direito fundamental consiste em uma forma de proteção social destinadas

aos hipossuficientes financeiramente. A importância da plena realização deste direito

está no fato de que as necessidades individuais, quando não atendidas, refletem

negativamente em toda a sociedade, gerando grupos marginalizados e diversos

problemas sociais.

Diante disso, a garantia constitucional de proteção assistencial a quem dela

necessitar (art. 203, da CF), regulamentada pela Lei nº 8.742/93/LOAS, deve ser

assegurada de forma ampla, implementando-se os benefícios, serviços, programas

e projetos da Assistência Social.

Neste contexto, o Benefício de Prestação Continuada constitui uma ação

social pública de extrema importância e significação, na medida em que garante

direitos sociais, não cabendo restrição de ordem infraconstitucional para sua

concessão.

Portanto, o critério objetivo para a aferição da hipossuficiência financeira

previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 deve ser conjugado com outros fatores

indicativos do estado de hipossuficiência do indivíduo, conforme vem se

manifestando o Judiciário brasileiro, sensível às peculiaridades do direito

assistencial e buscando a verdadeira justiça social.

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