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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS CURSO DE DIREITO Felipe André Cerqueira Braga SISTEMA PRISIONAL E COOPERATIVISMO: reflexões acerca da realidade brasileira. Governador Valadares 2010 1

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE

FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS

CURSO DE DIREITO

Felipe André Cerqueira Braga

SISTEMA PRISIONAL E COOPERATIVISMO:

reflexões acerca da realidade brasileira.

Governador Valadares

2010

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FELIPE ANDRÉ CERQUEIRA BRAGA

SISTEMA PRISIONAL E COOPERATIVISMO:

reflexões acerca da realidade brasileira.

Monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce.

Orientador: Prof. Beatriz Dias Coelho

Governador Valadares

2010

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FELIPE ANDRÉ CERQUEIRA BRAGA

SISTEMA PRISIONAL E COOPERATIVISMO:

Reflexões acerca da realidade brasileira

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito pela Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce.

Governador Valadares, ______ de _________ de 2010

Banca Examinadora:

______________________________________ Prof.

Universidade Vale do Rio Doce

______________________________________ Prof.

Universidade Vale do Rio Doce

______________________________________ Prof.

Universidade Vale do Rio Doce

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Dedico a meus pais e amigos pelo apoio e

incentivo na realização desse trabalho. E aos

Usuários do NPC-GV.

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“A justiça é o pão do povo.Às vezes bastante, às vezes pouco,Ás vezes de gosto bom,Ás vezes de gosto ruim.Quando o pão é pouco, há fome,E quando o pão é ruim, há o descontentamento.”

(Bertold Breecht)

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RESUMO

O presente trabalho desenvolve uma análise pontuada no Sistema Prisional e o Cooperativismo, estudando suas relações com o desenvolvimento social. Refletindo sobre qual é a cota de responsabilidade que o sistema capitalista, em sua fase neoliberal vigente nos últimos anos, tem com as mazelas da organização social, mais especificamente a população carcerária, que coincidentemente compõe a camada mais inferior na nossa pirâmide. Com o fim da punição corporal da pena, surge o cárcere, a privação da liberdade como forma de pagar pelo erro cometido, e que de igual forma não consegue reeducar o sujeito tornando-o uma carga para a sociedade, uma vez que fica marcado pelo cárcere, e passa a ser cada vez mais descriminado na sociedade, transformando o sistema carcerário em uma forma de manutenção de um sistema excludente, marcando profundamente aqueles que por ele passa. Com qualidade de alternativa surgem as reflexões acerca do cooperativismo e o egresso prisional, e a possibilidade de transformar-se em um mecanismo de reintegração, diminuindo os impactos do capitalismo e proporcionando condições efetivas para a saída do mundo do crime, observando a experiência das Incubadoras tecnológicas de Cooperativas Populares, que traz a universidade para o centro das transformações na sociedade.

Palavras-chaves: Sistema Prisional, Egresso Prisional, Cooperativas, Incubadora tecnológica de Cooperativas Populares

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ABSTRACT

This paper provides an analysis scored in Prisons and Cooperatives, studying their relationship to social development. Reflecting on what is the share of responsibility that the capitalist system in its current neoliberal stage in recent years and has with the problems of social organization, specifically the prison population, which coincidentally makes up the bottom layer of our pyramid. With the end of the sentence of corporal punishment, there is the prison, deprivation of liberty as a way to pay for the mistake, and equally unable to re-educate the person making it a burden to society, as marked by the prison, and becomes increasingly discriminated in society, transforming the prison system on a way of maintaining a system of exclusion, deep impact those he passes.Quality of alternative thoughts arise about the cooperative and egress prison, and the ability to turn into a reintegration mechanism, reducing the impacts of capitalism and providing effective conditions for leaving the world of crime, noting the experience of technological incubators Popular Cooperatives, which brings the university to the center of change in society.

Keywords: Prisons, Prison Egress, Cooperatives, Technological Incubator of Popular Cooperatives

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LISTA DE ABREVIATURAS

COOPERESO Cooperativa de Egressos, Familiares de Egressos e

ReeducandoCOOTRAJOBA Cooperativa Social Mista de Trabalhadores João de BarroDEPEN Departamento PenitenciárioORCEGS Organização das Cooperativas do Rio Grande Do Sul PRONINC Programa Nacional de Incubadoras Cooperativas

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LISTA DE SIGLAS

ACI Aliança Cooperativa InternacionalITCP Incubadora Tecnológica de Cooperativa PopularLEP Lei de Execução PenalSAP Secretaria de Administração PenitenciariaUFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

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LISTA DE SÍMBOLOS

% Porcentagem

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 112 SISTEMA PRISIONAL ....................................................................................... 142.1 O EGRESSO DO SISTEMA PRISIONAL ....................................................... 182. 2 EXECUÇÃO PENAL E A LEI 7.210/84 ......................................................... 202. 3 REINTEGRAÇÃO SOCIAL DO EGRESSO DO SISTEMA PRISIONAL ........ 223 COOPERATIVISMO .......................................................................................... 253.1 CONCEITO ..................................................................................................... 263.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ................................................................................ 283. 3 O COOPERATIVISMO NO BRASIL ............................................................... 293.3.1 As cooperativas no ordenamento jurídico brasileiro ............................ 304. A FOMENTAÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES DE EGRESSOS

PRISIONAIS E SEUS FAMILIARES ....................................................................

36

4. 1 COOTRAJOBA E COOPERESO – ALTERNATIVAS REAIS E VIAVEIS ...... 364.2 AS INCUBADORAS TECNOLÓGICAS DE COOPERATIVAS POPULARES

UMA ALTERNATIVA PARA OS EGRESSOS ....................................................... 385. CONCLUSÃO .................................................................................................. 41REFERENCIAS ..................................................................................................... 43

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1 INTRODUÇÃO

A importância de se trabalhar esse tema vem da necessidade de, analisar a

realidade, buscar maneiras concretas de se transformá-la.

A inspiração para a elaboração do presente trabalho surgiu durante o período

de estágio no Núcleo de Prevenção à Criminalidade, compreendido entre 2008 e

2010, mais especificamente no Programa de Reintegração Social do Egresso do

Sistema Prisional1. Durante tal período, foi possível perceber que os presos são

sujeitos padronizados, que em sua maioria estão entre 18 e 29 anos, possuem baixa

escolaridade, alcançando no máximo ensino fundamental, moradores de áreas de

risco com relação direta com os altos índices de criminalidade e consequente

histórico de escassas oportunidades de trabalho.

Muito embora, para alguns, transformação da realidade social do preso e do

egresso prisional seja mera questão de ordem moral, verifica-se que ela está

diretamente relacionada com a segurança pública. Isso porque o egresso não

reintegrado terá fortes tendências de reincidir na prática de um delito, atingindo não

somente à vítima, mas a toda sociedade, que será atingida pelo crescente

sentimento de insegurança.

Sensível à esse problema, o presente trabalho tem como finalidade discutir o

atual modelo prisional, propondo um novo esquema de ressocialização do egresso

prisional, qual seja, as cooperativas.

A reinserção social passa por uma mudança na realidade objetiva dos

egressos, e nesse sentido, o trabalho na sociedade capitalista passa a ser uma

forma de se reduzir a violência, não só por prover condições de sustento próprio e

de sua família, mas também por lhe tornar digno perante a sociedade na qual é

inserido. Mas como próprio do sistema econômico vigente, que se mantém com as

recorrentes crises, o número de postos de trabalho diminuem com o avanço da

tecnologia. Houve ainda uma precarização dos postos de trabalho restantes, com a

gradual redução das garantias trabalhistas.

Inserido nesse contexto está o egresso prisional, caracterizado de um sujeito

de baixa escolaridade e de pouca formação profissional, com mais dificuldades

1 Órgão responsável pelas políticas de efetivação da Lei de Execução Penal no Estado de Minas Gerais, acompanhando e fomentando novos rumos e possibilidades através do trabalho multidisciplinar de profissionais nas áreas de Direito, Psicologia e Serviço Social.

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frente a realidade colocada, daí surgindo o estudo de cooperativas de egressos

como fórmula de reinserção social, e consequentemente trazendo de volta aos

meios de produção um sujeito há tempos excluído

No capítulo que se segue, se dedica a uma análise do Sistema prisional

vigente, mostrando suas origens e a realidade encontrada hoje nos

estabelecimentos prisionais, conhecendo seu egresso, partindo da análise da Lei de

Garantias da Execução Penal, bem como do atual esquema de reintegração social e

sua respectiva realidade.

Já no terceiro capítulo apresenta-se o cooperativismo, como alternativa de

emprego e mudança de paradigmas no sistema econômico vigente, em especial ao

egresso prisional, conceituando e traçando o contexto da evolução histórica, e

mostrando quais as características das cooperativas no Brasil e a sua legalidade no

ordenamento jurídico pátrio.

Por fim no quarto e último capítulo, se discute a união das duas matérias

debatidas nos capítulos anteriores, que seria a fomentação de cooperativas para

egressos prisionais e seus familiares, citando exemplos práticos de tais atividades,

cujos resultados tem demonstrado a possibilidade de tal meio de ressocialização.

Busca ainda trazer para a discussão acadêmica, a necessidade de as universidades

passarem a contribuir para a criação das cooperativas através das incubadoras

tecnológicas de cooperativas populares

Enfatiza-se ainda a necessidade urgente de romper com o formalismo jurídico

vigente no atual sistema prisional para a criação de alternativas, somando forças

com as demais áreas do saber, em especial psicologia e serviço social.

Nesse sentido, apresenta a cooperativa como uma alternativa pouca difundida

na sociedade, mas de importância estratégica, uma vez que inserido no mundo

capitalista, o trabalho tornou-se um importante alicerce para o egresso. Isso porque

produzindo terá melhores condições de vida e menos possibilidade de reincidir,

trazendo o sentido de cooperação e coletividade, tão enfraquecidas pelo

neoliberalismo.

Baseando-se em pesquisas bibliográficas, análises doutrinárias e na

bagagem adquirida no decorrer da graduação, que o presente trabalho tem a

finalidade de fomentar o cooperativismo como alternativa viável ao egresso através

de projeto de extensão das universidades brasileiras.

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2 SISTEMA PRISIONAL

A prisão, inicialmente, possuía a função de garantir o cumprimento da pena,

evitando assim a fuga do condenado, e garantindo assim o julgamento do mesmo,

que em sua grande maioria eram condenados a castigos corporais e a pena de

morte. Meios adotados como técnicas de punição, o que Foucault (1999, p. 12)

chamava de suplicio penal, pois para ele era uma forma de produzir sofrimento que

marque as vitimas e mostre pelos espetáculos organizados o poder do que pune e a

fragilidade daquele que quebra o contrato social, ou seja, o simples fato do risco da

punição já seria um motivo para o sujeito não cometer mais delitos.

Tal característica acautelatória inicial da prisão, segundo Magnabosco (2009,

p.1), fez com a mesma não possuísse uma estrutura formal penitenciaria adequada,

onde as penas eram cumpridas em sua maioria em calabouços, conventos e torres

abandonadas, todos eles lugares insalubres e precários. Vindo daí o histórico de

más condições dos estabelecimentos prisionais.

A prisão como idéia de sanção punitiva ganha força com a igreja, na idade

média, que condenava seus monges rebeldes e infratores ao recolhimento nos

penitenciários, locais sombrios que teriam a finalidade de causar a reflexão e o

arrependimento ao infrator ou rebelde, tendo a pena um sentido de penitência.

Desses penitenciários surgiram às primeiras prisões (WAUTERS, 2003, p. 13). No

Brasil, segundo Carvalho Filho (2002, p. 15) chegou a ser cedido pela igreja um

antigo cárcere eclesiástico, conhecidos como Aljubes, situados no Rio de Janeiro,

para ser utilizado como cadeia comum após a chegada da família real ao país em

1808.

Com o avanço da sociedade capitalista, o suplício do corpo deixa de ser

objeto da sentença sendo substituído pela privação da liberdade como forma de

disciplinar o condenado e torná-lo mais útil à sociedade, pois o medo da pena

corporal já não mais reduzia os crimes.

No fim do século XVIII, a Europa passava por uma grande crise

socioeconômica, deixando grande parcela da sociedade em condições de extrema

pobreza, que passaram a viver como mendigos moradores de rua e da prática de

delitos de pequenos portes, surgindo daí a necessidade de um local onde se poderia

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colocar ao menos uma parte desse grupo, toma-lhe além do corpo, o tempo e a

liberdade (PRACIANO, 2007, p. 31).

Apesar de as punições exageradas terem durado até meados do fim do

século XVIII, iniciou-se a inserção do caráter educacional no modelo prisional com a

criação das casas correcionais para homens em 1596 e mulheres em 1597

localizadas em Amsterdã (PRACIANO, 2007, p. 31).

Para que pudesse surgir à idéia da possibilidade de expiar o delito com um quantum de liberdade, abstratamente predeterminado, era necessário que todas as formas de riqueza fossem reduzidas à forma mais simples e abstrata do trabalho humano medido pelo tempo: portanto, num sistema sócio-econômico como o feudal, a pena-retribuição não estava em condições de encontrar na privação do tempo um equivalente do delito. (MISCIASI, 1999, p. 3)

Passa-se a acreditar que por meio da privação da liberdade, o condenado

pode se reabilitar, voltando a ser uma pessoa produtiva para a sociedade, nos

padrões da lei. Porém, o novo modo de penalização através do encarceramento não

está isento de violência contra os condenados. Grande parte dos estabelecimentos

recebe cunho negativo e a realidade encontrada nos estabelecimentos carcerários

mostra a crise em que se encontra tal sistema.

Carvalho Filho (2002, p. 25), ressalta que o número de detentos nos

estabelecimentos prisionais brasileiros tem crescido vertiginosamente nas últimas

décadas, nas palavras do autor:

A população carcerária cresce em ritmo desenfreado. Em 1995 o censo penitenciário apontava a existência de 148.760 presos no Brasil. Em 1997, esse número passou para 170.602, comum um déficit de 96.010 vagas. Em levantamento realizado em abril de 2001 já havia 223.220 presos no Brasil, cuja maior concentração estava em São Paulo, com 94.737 presos. As autoridades admitem que para atender o aumento da população carcerária, seria necessário construir um novo presídio a cada 30 dias. (CARVALHO FILHO, 2002, p. 25)

De acordo com dados atuais do Departamento Penitenciário Nacional2,

referentes a junho de 2010, o déficit de vagas nos estabelecimentos prisionais já

passava de 140.000, chegando o Brasil a ter segundo dados coletados pelo

INFOPEN uma população carcerária de 440.864 presos e apenas 299.587 vagas.

2 Vide <http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm>.

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O sistema prisional atual caracteriza-se como uma instituição que marca seus

indivíduos pelo ostracismo, que consiste em uma grande carga horária sem opções

de atividades físicas e mentais, bem como pelo fenômeno da prisionalização. Tal

fenômeno consiste na aceitação, pelo condenado, da realidade em que vive, ou

seja, se a prisão é seu mundo durante o período que durar sua pena, o indivíduo cria

mecanismos para se acostumar à forma de vida imposta a ele e, por segurança,

passa a fazer parte do mundo paralelo existente nos estabelecimentos prisionais, os

quais possuem suas próprias regras (OLIVEIRA, 2008, p. 30-31).

A questão estrutural é algo que sempre chamou a atenção para o sistema

prisional. Os problemas vivenciados, nesse campo ocorrem em vários aspectos:

celas sempre superlotadas, ora por tamanho, ora por excesso de presos; ausência

dos requisitos mínimos para garantir o princípio da dignidade da pessoa humana;

constante violência vivenciada pelos detentos, seja pelos próprios condenados, seja

pelos funcionários públicos responsáveis por manter sua segurança.

A falta de estrutura mínima somado a esse elevado número de pessoas em

espaços reduzidos e insalubres, aliada a má alimentação dos presos, o

sedentarismo, o uso de drogas e a falta de higiene, faz crescer a incidência de

variadas doenças como a tuberculose e pneumonia, que são doenças diretamente

ligadas às más condições das instalações dos estabelecimentos. Soma-se a isso o

grande número de casos não diagnosticados relacionados a doenças sexualmente

transmissíveis, no qual se estima que cerca de 20% dos detentos brasileiros sejam

soro positivo, em grande parte, graças ao alto índice das violências sexuais

existentes em grande parte dos estabelecimentos de preso com outros presos,

geralmente intimidados, transformando as prisões em um problema de saúde

pública (ASSIS, 2007, p. 75).

Além dessas doenças, existe ainda a presença de um grande número de

presos portadores de deficiências físicas, distúrbios mentais, e outras doenças

contagiosas, tais como a hanseníase. Falta também, em grande parte dos

estabelecimentos penais o tratamento médico-hospitalar, sendo que, para terem

atendimentos médicos necessários, os presos são transportados ao sistema público

de saúde, o que, devido à burocracia e aos problemas atuais da saúde pública,

transforma-se em um grande martírio. O tratamento odontológico resume-se à

extração de dentes, a falta de um trabalho preventivo e continuado reflete na

imagem estética desse sujeito que sai da prisão (ASSIS, 2007, p. 75).

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De acordo com Dotti (1999, p. 43);

A crise carcerária constitui um antigo problema penal e penitenciário. Ela é determinada, basicamente pela carência de estruturas humanas e materiais e tem provocado nos últimos anos um novo tipo de vitimidade de massa. O presidiário é na maioria das vezes um ser errante oriundo dos descaminhos da vida pregressa e um usuário da massa falida do sistema.

Para Foucault a prisão e toda essa realidade não é uma surpresa, vez que

cumpre o papel de retirar do meio social os indivíduos que representem algum risco

para a sociedade. Criada no intuito de servir aos interesses da classe dominante,

retira do campo de percepção da sociedade os grandes problemas sociais, sem

recuperar o indivíduo e muito menos reduzir os números da criminalidade,

mostrando que o sistema prisional e todo seu aparato repressor vão muito além da

simples privação da liberdade.

O encarceramento nunca se confunde a simples privação de liberdade. É ou deve ser em todo caso, um mecanismo diferenciado e finalizado. Diferenciado, pois não deve ter a mesma forma, consoante se trate de um indicado ou de um condenado, de um contraventor ou de um criminoso; cadeia, casa de correção, penitenciaria devem em princípio corresponder mais ou menos a essas diferenças, e realizar um castigo não só do graduado em intensidade, mas diversificado em seus objetivos. (FOUCAULT, 1999, p.197)

Segundo o autor, o cárcere representa um castigo e tem como objetivo central

a educação do corpo através da punição. Baseado na idéia de que o criminoso

rompeu com o pacto social, ao qual ele não se adaptou por não se sentir inserido no

imaginário social e por isso pode ser considerado perigoso, tendo a prisão a função

tática e política de dominação através do conhecimento legal (FOUCAULT, 1999, p.

198).

Assim sendo, de acordo com Silva e Cavalcante (2010, p. 9) o sistema

prisional atual revela-se com um local onde se esconde de forma cruel e desumana

os indesejáveis da sociedade tais como os negros, desempregados, analfabetos e

outros historicamente marginalizados pela nossa sociedade, que é injusta e

completamente imperfeita. A partir de tal conduta, constrói-se um abismo entre os

condenados e a sociedade na qual ele será reinserido, mostrando que o próprio

homem cria antagonismos sociais, gerando grande violência.

Com base no exposto, é notória a crise do sistema prisional, pois além de se

mostrar inútil como forma de resolução da problemática da criminalidade, há o

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desrespeito aos direitos humanos fundamentais garantidos pela constituição. Desta

feita, torna-se importantíssimo que o Estado e a sociedade de forma geral,

combatam essa dura realidade, saindo do campo da mera discussão acadêmica,

começando a traçar soluções a partir do conhecimento do perfil desse egresso, ou

seja, quem ele é e o que produz.

2.1 O EGRESSO DO SISTEMA PRISIONAL

Considera-se egresso do sistema prisional para efeitos legais, o constante no

art. 26 da Lei de Execução Penal, quais sejam, os liberados definitivos, pelo prazo

de um ano a partir de sua saída do estabelecimento e o liberado condicional,

durante o período de prova. Trata-se do indivíduo que recebeu diretamente os

efeitos do encarceramento e retirado do convívio social durante a pena privativa de

liberdade, reduzindo o contato com o mundo exterior.

Assim, no Brasil como em todo o mundo, grande parte da população egressa

do sistema prisional é formada por homens jovens, pobres, com baixo nível de

escolaridade. Segundo dados do DEPEN3, dos 440.864 presos hoje no Brasil,

240.465 são jovens na faixa etária entre os 18 e 29 anos, ou seja, mais da metade

da população carcerária é composta por jovens. O que mais chama a atenção em

tais dados, é que mais de 54% dos jovens encarcerados não passam dos 24 anos

de idade. Mais da metade da população carcerária se declara de cor parda ou

negra, totalizando 248.433 presos. O dado mais significativo e que demonstra bem a

falta de participação do Estado é o que diz respeito à escolaridade dos

encarcerados, dos quais 74% sequer passaram do ensino fundamental.

Como exposto, a população carcerária vem crescendo de modo que o

sistema prisional se torna um espaço de punição, exclusão e pobreza. Conforme

dados levantados pelo Núcleo de Prevenção à Criminalidade de Governador

Valadares, durante o atendimento dos usuários do Programa de Reintegração Social

do Egresso, fica claramente evidenciada a singularidade da massa carcerária. As

entrevistas foram feitas durante as oficinas temáticas realizadas pelo referido

3 Vide <http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm> I.

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programa, no qual a participação em oficinas equivale à prestação de serviço à

comunidade.

De inicio, vale ressaltar o que seja a grande marca do sistema carcerário

atual, a existência de uma quantidade considerável de jovens, onde tal faixa etária

representa mais de 50% dos entrevistados, ou seja, estão entre os 18 e 30 anos,

além da população jovem, outro dado preocupante é o de que 73% dos

entrevistados variam entre a cor parda e negra. Quanto à escolaridade o número

que mais chama a atenção é o de que apenas 10% dos entrevistados chegaram a

terminar o antigo ensino fundamental e passaram para o ensino médio.

O reflexo do tratamento e das condições a que os presos são submetidos

dentro das cadeias, aliado ao sentimento de rejeição e de indiferença sob o qual ele

é tratado pela sociedade, pelo Estado e por si mesmo, são as grandes dificuldades

enfrentadas pelo egresso ao readquirir sua liberdade. A marca de ex-detento e o

total desamparo pelas autoridades fazem com que ele torne-se marginalizado no

meio social, levando de volta ao mundo do crime, por não ter melhores alternativas

(ASSIS e BRAGATTO, 2009, p. 297).

Ao analisar o perfil dos egressos atendidos pelo PrEsp, percebe-se claramente a vulnerabilidade social desse público (maioria homens, jovens, negros/pardos, baixa escolaridade e pouca qualificação profissional inserido no mercado informal de trabalho como lavadores de carro, vendedores ambulantes) e um grande índice de desempregados. Diante dessa realidade, saem do sistema prisional sem perspectivas reais de manutenção da própria vida e de seus familiares, vendo no crime e principalmente no tráfico de drogas o meio mais provável de sobrevivência. (ASSIS e BRAGATTO, 2009, p. 299).

Ao final dessa experiência, dizer que são ex-detentos apenas pelo delito que

cometeram é reduzir uma vida inteira a um simples fato que passa a ser mais uma

conseqüência que um resultado; ou seja, pretender reduzir a condição de egresso

ao simples cometimento de um delito é negar a existência de todo um passado de

exclusão social. Carregam consigo a marca da privação da liberdade, o histórico de

sofrimento, desamparo, desestrutura familiar dentre outros. A idéia não é tirar deles

a responsabilidade dos atos que cometeram, mas acima de tudo mostrar o que é

preciso para mudar a sua realidade. Se sua condição já o empurrou ao sistema e

com sua reclusão ali não se obteve nenhuma mudança positiva, acrescido do

convívio com vários outros presos, nada mais natural que quando retornarem para

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as ruas, a tendência mais forte é de que retornem para o crime e agora com mais

conhecimento, mais rancor e sofrimento.

E por mais que uma parcela da sociedade tente esquecer ou mude o foco

para não ver o tamanho do problema, o egresso permanece sofrendo os mesmos

efeitos que os levaram ao sistema prisional, ou até mesmo com mais intensidade,

devido à falta de ferramentas e possibilidades de enfrentar os efeitos da sociedade

capitalista, para a qual o trabalho é a mola mestra.

Não há que se falar em chance, oportunidade ou outros adjetivos dado a essa

falsa liberdade concedida aos egressos, pois não se dá sustentação para tanto.

Libertarem o indivíduo sem a mínima assistência, sem sanar suas vulnerabilidades e

conflitos que o levaram ao encarceramento é fazer com que pague pela omissão do

Estado, pela desassistência que o próprio sistema econômico impõe para que o

desenvolvimento seja possível.

Daí se levanta a discussão do que se fazer para que a reinserção aconteça

de forma efetiva e duradoura. Muito se estuda sobre a importância do trabalho

como, talvez, a única forma viável para que essa reinserção se concretize. É

importante, porém, para dar continuidade a esse trabalho, um processo de

acompanhamento, trabalhando as vulnerabilidades desses sujeitos que certamente

o levaram até ali, tirando deles a carga comparativa que é o mundo do crime,

valorizando a vida em detrimento do ganho econômico, além de dar condições de

protagonismo da sua história de vida e lhes empoderando para que saibam que são

agentes de transformação da realidade.

A sociedade e as autoridades precisam conscientizar-se de que a solução

para o problema da reincidência não esta num truque de mágica, mas sim passa

pela adoção de uma política de superação das mazelas vividas pelo mundo

contemporâneo e de apoio ao egresso, efetivando o previsto na Lei de Execução

Penal no intuito de se reduzir ao máximo às marcas do encarceramento, pois a

permanecer da forma atual, o egresso desassistido de hoje continuará sendo o

criminoso reincidente de amanhã.

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2. 2 EXECUÇÃO PENAL E A LEI 7.210/84

Antes de se iniciar a abordagem do tema, impõe-se esclarecer o papel da

execução penal, a qual busca o equilíbrio entre os valores individuais e os da

sociedade, com foco na reinserção social do preso, melhorando as estruturas

tradicionais precárias, preservando o interesse coletivo ante o resguardo dos direitos

individuais (PALMA, 2003, p. 19).

Se o processo penal é o instrumento através do qual o Estado se apropria do conflito do sujeito lesado para resguardar a racionalidade da resposta ao delito, deve operar de maneira otimizada na execução, controlando os atos administrativos de forma a resguardar a dignidade e a humanidade dos apenados. Logo, o juízo de execução tem poderes para interferir diretamente nas relações entre a administração dos estabelecimentos penais e os detentos. (Carvalho apud Araújo 2008, p. 169).

De acordo com Carvalho (2008, p. 170), a execução penal possui dois

objetivos básicos. O primeiro é o de dar efetividade ao disposto de determinada

sentença penal condenatória, auxiliando na ressocialização do indivíduo e na

prevenção de delitos. Por sua vez, o segundo objetivo básico seria o de garantir

condições harmônicas para integração social do condenado e do internado,

indicando meios necessários para a ressocialização destes.

Ocorre que a experiência na execução penal mostrou uma cruel faceta ao

longo dos tempos. Depois de pronunciado a sentença penal condenatória, o

sentenciado entra em um ambiente sem nenhuma garantia, onde a decisão penal

assume a forma de uma verdadeira declaração de perda da cidadania.

A fim de tentar humanizar a execução penal no Brasil, em 1984 foi promulgada

a Lei 7.210/84, conhecida como Lei de Execução Penal - LEP - com o intuito de

reduzir os atos de violência, restringindo o papel das administrações carcerárias e dar

garantias mínimas aos detentos. Tal lei é considerada a pedra fundamental de todo o

sentenciado, na qual estão tipificados todos os direitos e deveres do condenado,

bem como as regras para progressão dos regimes, o papel dos conselhos

penitenciários, forma de execução das penas, medidas de segurança dentre várias

outras. Em seus 204 artigos, organizados em nove títulos, a Lei de Execuções

Penais regula as formas de execução das penas privativas de liberdade, restritivas

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de direito, multa e medida de segurança, baseada nos princípios e garantias do

condenado.

A lei brasileira de execução adotou o sistema progressivo, que consiste na

passagem por regimes de cumprimento de pena cada vez menos severo, desde que

presentes os requisitos legais. Preparando o preso para a volta a conviver em

sociedade, reduzindo gradativamente o rigor no cumprimento da pena e atribuindo ao

preso cada vez mais o sentimento de responsabilidade para com sua liberdade. O

artigo primeiro da Lei de Execuções Penais é bem taxativo e revela que a execução

penal tem como objetivo dar condições para a integração social do condenado de

forma harmônica, como se lê: “Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as

disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a

harmônica integração social do condenado e do internado”.

Na qual a assistência consistiria em:

[...] orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade e na concessão, se necessária, de alojamento e alimentação em estabelecimento adequado, por dois meses, prorrogável por uma única vez mediante comprovação idônea de esforço na obtenção de emprego. (Oliveira, 2008, p. 33).

Mas a distancia entre o dito em lei e o mundo real ainda é grande. A realidade

das cadeias do Brasil mostra claramente à falha do Estado na aplicabilidade da Lei

de Execução Penal. Que para Silva e Cavalcante (2010, p.1) “apesar de ser uma

das mais avançadas do mundo em termos humanitários, não é executada como

determina seu texto, ficando às margens de seu objetivo bem como de sua eficácia

concreta”.

A título de arremate, eis a lição de Mirabete (2004, p 29):

Embora se reconheça que os mandamentos da Lei de Execução Penal sejam louváveis e acompanhem o desenvolvimento dos estudos a respeito da matéria, estão eles distanciados e separados por um grande abismo da realidade nacional, o que a tem transformado, em muitos aspectos, em letra morta pelo descumprimento e total desconsideração dos governantes quando não pela ausência dos recursos materiais e humanos necessário a sua efetiva implantação.

Fica claro, portanto, que no Brasil, o problema da execução penal passa por

uma reforma administrativa, porque uma vez cumprida pela Administração do

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Estado o que esta estabelecida na lei de execução, certamente estaria resguardada

boa parte dos direitos devidos aos encarcerados (CARVALHO, 2008, p. 175).

2.3 REINTEGRAÇÃO SOCIAL DO EGRESSO DO SISTEMA PRISIONAL

É notório que pena privativa de liberdade não tem funcionado como

mecanismo eficaz de ressocialização do preso, que pode ser comprovado pelos

autos índices de reincidência, que chegam, a um percentual de aproximadamente

90% dos presos que saem do sistema prisional voltam a delinqüir (ASSIS, 2007, p.

74).

A realidade prisional é ultrapassada. A maioria dos estabelecimentos significa

para os presos um verdadeiro tormento, repleto de sofrimentos e angustias. Essa

instituição perde a sua essência, fazendo com que ao invés de ser uma instituição

inclinada a mudar a realidade do delinqüente e consequentemente auxilia-lo em seu

retorno social, passa a ser na verdade, um local de sofrimento, causando ao

encarcerado repugnantes castigos. Transforma-se a instituição ressocializadora,

portanto, em uma grande empresa do crime, com a qualificação dos presos,

transformando-se em criminosos profissionais (SILVA, 2003, p. 33).

Daí a questão levantada quanto às mudanças administrativas, no sentido de

se fazer valer do precedido em lei, uma vez que a lei de execução penal garante em

seu texto um amplo amparo ao egresso no processo de reintegração, dando apoio e

orientação no retorno à liberdade, incluindo alojamento e alimentação se necessário

nos dois primeiros meses de liberdade bem como o serviço de assistência social

para ajudar na obtenção de trabalho (ASSIS, 2007, p. 78).

Para Baratta (1999, p. 345), a reintegração social, seria o processo de

comunicação e interação existente entre a massa carcerária e a sociedade, em que

detentos se identificariam na sociedade e a sociedade se reconhecesse no detento.

O que na verdade acontece o inverso, uma vez que o preso não se vê na sociedade,

pois se sente excluído, e a sociedade não consegue ver esse preso como mais um

membro da sociedade, simplesmente o exclui. Nesse sentido, Silva ao citar

Rodrigues (2003, p. 43) diz ser necessário que haja um programa de ressocialização

“que visa integrar o indivíduo [...], sobretudo nas coletividades sociais básicas como

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[...] a família, a escola ou o trabalho, proporcionando o auxílio necessário que o faça

ultrapassar a situação de defasamento social em que se encontra”.

O trabalho de ressocialização não é, e não pode servir de mecanismo para

reeducar o condenado, para que ele haja conforme o desejado pela classe

dominante, mas sim de ensinar como buscar a própria forma de se superar as

mazelas que os levaram ate as condições atuais. Para que seja efetiva tal

reinserção social, deve-se passar pela criação de diversos mecanismos e condições

com o objetivo de o sujeito retornar ao convívio social sem traumas ou seqüelas.

Uma vez que o Estado não vem cumprido seu papel de reinserção social, o

resultado não poderia ser outro que a reincidência criminal.

O modelo ressocializador propugna, portanto, pela neutralização, na medida do possível, dos efeitos nocivos inerentes ao castigo, por meio de uma melhora substancial ao seu regime de cumprimento e de execução e, sobretudo, sugere uma intervenção positiva no condenado que, longe de estigmatizá-lo com uma marca indelével, o habilite para integrar-se e participar da sociedade, de forma digna e ativa, sem traumas, limitações ou condicionamentos especiais. (SILVA apud MOLINA, 2003, p. 38).

O que acontece é um total abandono do egresso, os quais, até mesmo pelas

condições de pré-encarceramento, não conseguem utilizar de forma adequada seus

direitos individuais, em razão de muitos deles não terem passados nem pelo

processo de integração eficaz em nenhuma estrutura coletiva, que os coloque na

dinâmica social. Sendo assim muitas vezes, na luta pela sobrevivência, com a falta

de oportunidade de trabalho ou mesmo a desqualificação profissional, nem sempre

será possível de resistir ao exercício de atividades ilícitas (SERON, 2009, p. 65).

O modelo ressocializador contemporâneo mostrou-se ineficaz, com

dificuldades estruturais e baixos resultados. Porém, antes de se mudar as condições

estruturais e dar garantias, é necessário que a sociedade passe por uma

transformação, assumindo de uma vez sua cota de responsabilidade na realidade

carcerária com a qual convivemos, ou seja, que a reintegração antes de mais nada,

passe pela correção das desigualdades latentes na sociedade contemporânea, para

que essa saída do sistema prisional não se transforme no aumento da reincidência,

a grande abastecedora do sistema prisional.

Diante do exposto é necessário e urgente que se desenvolva e fortaleça os

mecanismos de efetivação das garantias dos apenados, trazidas pela da Lei de

Execução Penal, pois há necessidade de se levar ao alcance dos presos os

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princípios contidos no texto legai, notadamente os que se referem ao respeito aos

direitos humanos.

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3 COOPERATIVISMO

O crescimento do desemprego é uma conseqüência do desenvolvimento do

sistema neoliberal e faz parte da vida de grande maioria da população. O sistema

gera e se nutre desta camada vulnerável, pagando à mesma sociedade por toda

essa vulnerabilidade. Várias formas para combater o desemprego são estudadas e

muitas são executadas, mas nenhuma ainda obteve o êxito de diminuir tal índice.

A política neoliberal, apresentada nas últimas décadas, ocasionou uma alta

concentração da renda na mão de uma minoria, resultado da má distribuição, bem

como o falecimento do investimento estatal. Em seu papel principal de

transformação do capitalismo, o neoliberalismo fomenta, nos países que o aderem,

tais como o Brasil, à alta competitividade da iniciativa privada, contribuindo para o

crescimento da exclusão social, que se dimensiona como sendo além do efeito

lógico desse sistema, sua própria sustentação, uma vez que passa a existir uma

grande massa de mão-de-obra disponível e de baixo custo no mercado. (ANTUNES,

2001, p. 132)

Os impactos negativos sobre a vida dos trabalhadores foram grandes, em

decorrência dessa nova política, trazendo a precarização dos vínculos

empregatícios, aumento da carga de trabalho, poucos reajustes salariais, perda de

direitos trabalhistas essenciais, diminuição de investimentos nos próprios

trabalhadores, fatos esses que afetam diretamente a qualidade da mão-de-obra.

Nesse contexto, o Estado passa ter mais relevância no sentido de garantir

meios efetivos de superação das mazelas sociais, através uma distribuição de renda

mais igualitária, garantindo acesso a serviços essenciais, como a educação, saúde,

segurança, e ao pleno desenvolvimento do indivíduo.

[...] tem-se percebido, não só no Brasil, que o poder público não tem apresentado condições de prover a sociedade de todo bem estar necessário, por limitações de orçamento. O chamado “Estado de bem-estar”, em meados do século passado, foi substituído por um poder público preocupado em garantir a atividade econômica e o desenvolvimento, mas sem condições de oferecer à sociedade amplos serviços essenciais de assistência médico-hospitalar, educação e mesmo previdência, entre outros. Essa situação é responsável também por agravar a condição social de parcela significativa da sociedade. (NETO, 2004, p. 2)

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Com a omissão do Estado, começa-se a buscar meios alternativos que

garantam condições básicas de sobrevivência aos que se encontram em situação de

exclusão social. Passa-se a se estimular empreendimentos econômicos solidários,

nos quais a organização seja baseada nos princípios da solidariedade entre os seus

idealizadores, que buscam maneiras de se inserir no mercado de trabalho.

Nas palavras do autor:

A Economia Solidária tem sido uma resposta importante dos trabalhadores e das comunidades pobres em relação às transformações ocorridas no mundo do trabalho. São milhares de organizações coletivas, organizadas sob forma de autogestão que realizam atividades de produção de bens e de serviços, crédito e finanças solidárias, trocas, comércio e consumo solidário. (MARINHO, 2006, p. 07)

Os Empreendimentos Econômicos Solidários com base nas características

descritas acima, compreendem as organizações coletivas supra familiares, como:

associações, empresas autogestionárias e as cooperativas, que são objeto do

presente capítulo.

3.1 CONCEITO

A palavra cooperativa deriva do latim cooperativus, de cooperari, cujo

significado é obra em comum. Conforme a origem, a cooperativa tem como principio

a cooperação entre indivíduos para chegar a um bem comum. (MARTINS, 2006, p.

47)

Segundo o renomado professor Carvalho de Mendonça as cooperativas

seriam:

institutos modernos, tendentes a melhorar as condições das classes sociais, especialmente dos pequenos capitalistas e operários. Elas procuram liberar essas classes da dependência das grandes indústrias por meio da união das forças econômicas de cada uma:suprimem aparentemente os intermediários, nesse sentido: as operações ou serviços que constituem o seu objeto são realizados ou prestados aos próprios sócios [...]distribuem os lucros entre a própria clientela associada: em suma, concorrem para despertar e animar o hábito da economia entre os sócios. (MENDONÇA apud MARTINS, 2006. p, 51)

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O cooperativismo passa a ser um instrumento de resistência à atual

conjuntura de exclusão criada pelo neoliberalismo. A organização dos trabalhadores

desempregados permite, a priori, que se amenizem problemas de grande parte da

população despossuída de meios e conhecimentos para superar sua condição de

excluído, buscando viabilizar-se como empreendimento econômico a partir da

reunião solidária de trabalhadores.

As cooperativas são baseadas em princípios que estão intimamente ligados

aos costumes usados na formação das mesmas. Além do princípio da cooperação,

já mencionado, as cooperativas se guiam pela adesão voluntária, seguindo o

princípio da gestão democrática, a qual resguarda o controle por parte dos sócios,

ou seja, todos participam ativamente nas tomadas de decisões (MARTINS, 2006, p.

72).

Outro princípio importante é o da autonomia e independência, garantidas por

meios legais dando formas efetivas de assegurar o controle democrático total por

parte dos associados, quando feita parceria com terceiros. Seguem também o outro

princípio que é o da educação, que tem como objetivo a formação e informação, pois

promove a divulgação das vantagens da cooperação. (MARTINS, 2006, p. 73)

A cooperativa acaba com a figura do intermediário, diminuindo

consideravelmente o preço do mercado, principalmente nas cooperativas de

distribuição de bens. De certo modo, a cooperativa é quem faz o papel de

intermediário entre os associados e os tomadores de serviço, além de conseguir

trabalho para todos os associados, pois é um processo coletivo.

Os resultados auferidos pela cooperativa, sejam econômicos, sejam sociais,

retornam para a coletividade, criando uma rede de ajuda mútua, proporcionando

iguais oportunidades. Nesse caso, o trabalhador não é subordinado, mas sim de

participante ativo na direção da cooperativa, uma vez que são os cooperados quem

decidem a forma de se executar o trabalho, bem como suas respectivas regras.

Como resultando, cria-se uma estrutura onde as relações são horizontais, ou seja,

todos são tratados de forma igual devido à gestão democrática (MARTINS, 2006, p.

72).

De acordo com Martins (2006, p. 87), para o registro de uma cooperativa, os

cooperados devem apresentar, ao respectivo órgão executivo federal de controle, ou

ao órgão local para isso credenciado, o requerimento de autorização, acompanhado

do ato constitutivo, estatuto e lista nominativa, além de demais documentos

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considerados pertinente tudo isso no prazo de 30 dias a contar da data de sua

constituição. Aprovados os atos de constituição, os documentos são repassados à

Junta Comercial para registro. Arquivados os documentos na Junta Comercial e feita

a publicação, adquire personalidade jurídica e fica apta a funcionar.

Porém, com a promulgação do Código Civil de 2002, houve uma alteração

quanto ao registro das cooperativas, que agora passam a ser feitas nos cartórios de

Registro Civil de Pessoa Jurídica, dispositivo esse que tem criado grandes

controvérsias no âmbito doutrinário, conforme será demonstrado adiante.

O símbolo das cooperativas é padronizado por determinação legal, e é

constituído por dois pinheiros verde-escuro juntos na parte de dentro de um círculo

amarelo-ouro, onde os pinheiros representam a união e a coerência buscando

ascender e o círculo indica o eterno, não tendo nem início e nem fim. Tratando-se,

de um modelo de grande importância social e econômica, é preciso que se insista

em sua utilização e estudo, para que através da experiência adquirida, chegue-se ao

modelo ideal para que se possa vivenciar o verdadeiro sentido do cooperativismo.

(MARTINS, 2006, P. 83)

3.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

As cooperativas surgem quando os trabalhadores passam a perder seus

postos de trabalho com o advento da Revolução Industrial, no século XVIII,

passando a prestar serviço para as indústrias, não individualmente, mas de forma

coletiva, com o intuito inicialmente de somar esforços em comum e satisfazer suas

necessidades básicas. Um dos grandes responsáveis pela divulgação das idéias

cooperativistas foi Robert Owen (1771 – 1858). Socialista e reformador social, Owen

criticava as instituições competitivas, bem como a sociedade de então – segundo

ele, estruturadas sob a irracionalidade da miséria humana. Tendo de início como

base alguns princípios gerais, como a solidariedade, a eqüidade, a liberdade e,

acima de tudo, o trabalho em equipe. (MARTINS, 2006, p.19)

Robert Owen é considerado um dos precursores das futuras cooperativas. Ao escrever The new view of society, em 1817, enfatizava a educação para elevação do homem. [...] Preconizava a ajuda mútua para os trabalhadores

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obterem seus fins combatendo o lucro e a concorrência. Propôs a criação das “Aldeias Cooperativas”. [...] Deveria haver a eliminação do lucro e da concorrência, causa de todos os males e injustiças sociais. (2006, p. 53)

Foram surgindo várias formas, ainda que rústicas, de organização em

cooperativas, tais como as criadas por mercadores chineses visando à diminuição

dos prejuízos decorrentes de naufrágios, onde “cada pessoa, em cada grupo de dez,

levava uma caixa pertencente a outro mercador. Todos acabavam arcando com os

sinistros da embarcação, evitando que o dono e sua família passassem

necessidades”. (MARTINS, 2006, p. 19)

Em 1844 na Inglaterra, no município de Rochdale, distrito de Lancashire,

próximo a Manchester, surgiu a primeira cooperativa, quando aproximadamente 28

tecelões desempregados se organizaram para buscar fontes alternativas e coletivas

de rendas para a subsistência.

O objetivo da cooperativa de Rochdale era possibilitar a distribuição de produtos para consumo dos associados. Era, portanto, uma cooperativa de consumo. Posteriormente, passou a ter a finalidade de aquisição de moradias para os sócios e compra de terra. [...] a cooperativa de Rochdale era conduzida com um grande sentido pratico voltado para as necessidades dos cooperados. (MARTINS, 2006, p. 22-23)

A partir de 1860, contudo, a experiência se expandiu de forma acelerada,

tomando contornos cada vez maiores, sendo que em 1881, já se podia ter noticias

da existência de mais de mil cooperativas de consumo e mais de 550 mil

cooperados, presentes nos cinco continentes, em todos os setores da economia e

visto como fórmula mais adequada para atender às necessidades e interesses

específicos das pessoas. No intuito de dar seguimento às ações cooperativas em

nível mundial, foi criado a ACI (Aliança Cooperativa Internacional), em 1895, em

Londres (SOUZA et. al. 2007, p.37).

3. 3 O COOPERATIVISMO NO BRASIL

No Brasil, os ideais cooperativistas datam de 1847, com a fundação da

Colônia Tereza Cristina, pelo médico Francês Jean Maurice Faivre, nos sertões do

Paraná. Efetivamente a primeira grande cooperativa surgiu em 27 de outubro de

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1889, segundo o que se tem registro, quando foi fundada a Sociedade Cooperativa

Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto, seguindo a linha da

cooperativa de Rochdale, em seguida surge em Limeira, interior de São Paulo, em

1891, idealizada por funcionários de uma empresa telefônica e recebeu o nome de

“Associação Cooperativa dos Empregados da Companhia Telefônica”, disseminando

o modelo cooperativo no Brasil. (MARTINS, 2006, p.30)

Entre as décadas de 80 e 90, a crise na sociedade aumenta, juntamente com o desemprego e a exclusão social. Demonstrando a necessidade brasileira de buscar alternativas que revertesse esta situação, através da organização popular, ressaltando a evolução física e significativa do nosso Cooperativismo. (ROLDÃO, 2004, p. 19)

A crise na sociedade no período entre as décadas de 80 e 90 mostra a

necessidade brasileira de buscar alternativas para mudar a situação por meio da

organização social, resultando no desenvolvimento do cooperativismo no Brasil,

produzindo e distribuindo mercadorias, principalmente em áreas de agropecuária,

consumo e crédito, além de ser bem visto pelos governos, não encontrando

nenhuma barreira ideológica, pois, contribui para o desenvolvimento de todos os paí-

ses.

Dessa forma, a cooperação em sentido latu, aparece na sua forma mais

elaborada e passa a se desenvolver no instante em que o sujeito percebe e entende

a fraqueza que tem suas atividades individualizadas na busca por elementos

necessários para sua satisfação e vê na união com o semelhante à força necessária

para superarem as dificuldades, sempre em busca do bem coletivo (KLAES, 2005, p.

34).

3.3.1 As cooperativas no ordenamento jurídico brasileiro

No Brasil, ate meados de 1932 não existia nenhuma legislação específica que

regulamentasse as cooperativas, ate então se utilizava de outras leis que dentre

várias matérias, legislavam sobre cooperativas, sendo que a primeira lei que citava

as cooperativas surge em 1903.

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Foi o Decreto n. 979/1903, que permitia aos sindicatos de agricultores

organizarem caixas de crédito e cooperativas de consumo e produção. Em seguida,

em 1907, com a edição de Decreto n. 1.637, posteriormente regulamentada pelo

decreto n. 22.239 de 1932, foi que as cooperativas passam a ser equiparadas às

sociedades anônimas em nome coletivo ou em comandita simples, considerada

como entidades de fins lucrativos, em que os lucros poderiam ser distribuídos em

partes iguais ou proporcionalmente ao capital subscrito pelos sócios. Posteriormente

vieram diversos decretos como o de n. 581/1938 que cuidava e regulamentava do

registro e fiscalização da sociedade. (MARTINS 2006, p. 31)

Em 16 de dezembro de 1971, o congresso aprova o anteprojeto criado pela

Organização das Cooperativas Brasileira, a Lei no 5.764/71, que vigora até os dias

atuais, definindo a Política Nacional de Cooperativismo, revogando os decretos no

59/66 e 60.597/67, instituindo, dessa forma a Política Nacional de Cooperativismo.

De acordo com o art. 3º, da referida lei “celebram contrato de sociedade

cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuírem com bens ou

serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem

objetivo de lucro”. Para demonstrar a importância das normas que caracterizam os

cooperados e as cooperativas, o legislador teve o cuidado de taxar em seu artigo 4º,

como se lê:

Art. 4º. As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:I - adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;II - variabilidade do capital social representado por quotas-partes;III - limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais;IV - incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;V - singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;VI - quorum para o funcionamento e deliberação da Assembléia Geral baseado no número de associados e não no capital;VII - retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral;VIII - indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social;IX - neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;X - prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa;

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XI - área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços.

As Sociedades Cooperativas, em conformidade com o artigo 5o, podem fazer

a escolha por qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, assegurando

direito exclusivo e exigindo a obrigação do uso da expressão “cooperativa” para

diferenciar de outras formações societárias. O art. 6o da lei em comento, classifica as

sociedades cooperativas da seguinte forma: singulares, que são aquelas

constituídas com número inferior a vinte pessoas físicas; cooperativas centrais ou

federações de cooperativas, aquelas formadas de, no mínimo, três singulares; e por

fim, as confederações de cooperativas, constituídas estas por não menos de três

federações de cooperativas ou cooperativas centrais (MARTINS, 2006, p. 64).

A Assembléia Geral é o órgão máximo da sociedade cooperativa, onde se

toma as decisões de interesse do empreendimento. As deliberações da maioria

devem ser respeitadas e acatadas pelos cooperados, obedecendo sempre o

princípio democrático da decisão da maioria, pode ser convocada tanto pelo Diretor-

Presidente da cooperativa, por qualquer dos órgãos de administração, pelo

Conselho Fiscal, ou por um quinto dos associados que estejam em dia com os

deveres da cooperativa, convocada com dez dias de antecedências, em primeira

convocação. A assembléia será formada pela reunião de ao menos dois terços dos

associados, em primeira convocação; pela metade mais um dos associados, em

segunda convocação e pelo mínimo de dez associados na terceira e última

convocação. Assim a lei 5.764/71 regula amplos aspectos das cooperativas,

legislando sobre matéria tributária, trabalhista e penal, se mostrando eficaz em seu

papel, vez que se trata de lei que se baseou e desenvolveu-se junto com a

experiência das cooperativas, e não elaborada por um grupo de pessoas que muitas

vezes não possuem conhecimento sobre a matéria a qual estão legislando.

(MARTINS, 2006, p. 85 - 86).

Com o advento do Novo Código Civil de 2.002, em seus artigos 1.093 a

1.096, e mencionadas nos artigos 982, 983 e 1.159, as cooperativas foram

equiparadas à sociedade, e passam a ser classificadas como sociedades simples

que devem ser registradas no Registro Civil de Pessoas Jurídicas e não mais na

Junta Comercial como determinava a lei anterior (MARTINS, 2006, p. 87).

De acordo com o Art. 1.093 “A sociedade cooperativa reger-se-á pelo

disposto no presente Capítulo, ressalvada a legislação especial”, com os dois

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diplomas legais discutindo a mesma matéria, surgiram dificuldades no entendimento

e na efetivação das normas jurídicas, principalmente daquelas que são polemicas.

Para alguns doutrinadores devem-se sobrepor as normas contidas no Código de

2.002, pois se trata de lei posterior que regulamenta o mesmo assunto da lei,

revogando-a, e outra parte defende que existindo contradição, deve sempre

prevalecer a legislação específica (MARTINS, 2006, p. 87).

Mesmo com a vigência da lei anterior de 1971, diversos pontos foram

mudados pelo Código Civil de 2002, trazendo duvidas e dificuldade para o

desenvolvimento pleno do cooperativismo, devendo ser novamente estudado e

resolvido, pois enquanto durar a indefinição entre tais leis a interpretação sempre

será uma tarefa complicada.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 seu artigo 5º, XVIII,

reafirma-se as cooperativas como alternativa econômica possível, porém pouco

difundida no Brasil, em seu princípio transformador vem crescendo e se

apresentando como resposta política consistente à realidade conservadora, tanto

aos donos do dinheiro como aos chefões na política.

Dessa forma, a Constituição buscou fortalecer as cooperativas, vedando em

seu artigo 5º, XVIII, a intervenção do estado tanto na criação quanto no

funcionamento, além dos artigos 174, § 2º, 187, VI e 192, VIII darem novos rumos ao

legislador ordinário no intuito de incentivar o cooperativismo e impor que seja dado

adequado tratamento tributário no cooperativismo. (RIVOIRO, 2007, p. 52-53).

De acordo com Roldão (2004, p. 20) a associação em cooperativa cresce e

toma uma importância significativa, passando a ter legalidade e conhecimentos

ainda maiores. São criadas novas cooperativas no Brasil, valorizando-se perante a

sociedade e apresentando para os trabalhadores desamparados, a importância que

tem este tipo de associação. No X Congresso Brasileiro de Cooperativas, discutiram-

se e foram lançadas as bases de autonomia e autogestão garantindo a vedação da

interferência estatal nas cooperativas. Nas palavras do autor:

A Constituição Federal consagra a proteção ao sistema cooperativista, permitindo que as cooperativas busquem sua própria autodeterminação por meio da autogestão. Esta postura constitucional resgata o verdadeiro fundamento da cooperação, que é a autogestão, que estão interligados, mas que durante muito tempo não foi exercida pelo cooperativismo brasileiro. (ROLDÃO, 2004, p. 22)

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A Lei 9.867, foi promulgada em 10 de novembro de 1999, na perspectiva de

se tornar um mecanismo, tanto de obtenção de renda e trabalho, quanto de

valorização humana, para os excluídos da sociedade. Tal lei traz a legislação

referente às cooperativas populares, locais onde poderiam superar seus estigmas e

conseguir uma recolocação no mercado formal em condições iguais com os demais

membros da sociedade.

O legislador deixar claro a sua finalidade ao de definir logo no primeiro artigo

qual se deve ser o objetivo da cooperativa social e a situação social dos cooperados

sociais, como se lê:

Art. 1o As Cooperativas Sociais, constituídas com a finalidade de inserir as pessoas em desvantagem no mercado econômico, por meio do trabalho, fundamentam-se no interesse geral da comunidade em promover a pessoa humana e a integração social dos cidadãos, e incluem entre suas atividades:I – a organização e gestão de serviços sociossanitários e educativos; II – o desenvolvimento de atividades agrícolas, industriais, comerciais e de serviços.

Devido à singularidade de se objetivar trabalhar com um grupo já pré-

determinado, um outro cuidado tomado pelo legislador foi o de se taxar claramente

qual são as pessoas em desvantagem no mercado que estão elencados no artigo

terceiro.

Art. 3o Consideram-se pessoas em desvantagem, para os efeitos desta Lei:I – os deficientes físicos e sensoriais;II – os deficientes psíquicos e mentais, as pessoas dependentes de acompanhamento psiquiátrico permanente, e os egressos de hospitais psiquiátricos;III – os dependentes químicos;IV – os egressos de prisões;V – (VETADO) VI – os condenados a penas alternativas à detenção;VII – os adolescentes em idade adequada ao trabalho e situação familiar difícil do ponto de vista econômico, social ou afetivo.

Fica nítido que o foco principal da lei das cooperativas sociais, muito além de

fornecer meios de subsistência e de faturamento em dinheiro, visa à socialização do

indivíduo e a total integração à sociedade.

Os princípios das cooperativas sociais são em suma os mesmos do

cooperativismo tradicional. Diferenciando quanto aos números de sócios, que no

cooperativismo social, podem ser tanto trabalhadores como voluntários, e há uma

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maior preocupação nas ações relacionadas à aprendizagem e educação (BREDOW

2004, P. 41).

O artigo 3º, em seu inciso IV, já elenca os egressos de prisões como pessoas

em desvantagem econômica. Ou seja, tem-se o grupo marginalizado e o dispositivo

legal, bastando agora que se efetive e transforme a realidade desse grupo, que será

o objeto do próximo capítulo.

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4. A FOMENTAÇÃO DE COOPERATIVAS POPULARES DE EGRESSOS

PRISIONAIS E SEUS FAMILIARES.

O mercado de trabalho atual, como já foi citado, principalmente pelas

condições da economia brasileira, tem levado a um intenso debate sobre

alternativas contra o crescente desemprego e a degradação das condições do

trabalho e seus efeitos sociais e econômicos. Agora veja a situação do egresso, que

vem de uma sociedade em tal conjuntura, e ainda carrega os estigmas e

preconceitos de ex-detentos. Entretanto, vê-se a possibilidade de diminuir os índices

de criminalidade através do trabalho, reduzindo a entrada de novos sujeitos em

presídio e outros centros de reabilitação. Formas alternativas de trabalho e de

geração de renda, que possa unir novas tecnologias e novos mercados de trabalho

com o desenvolvimento humano e coletivo.

O cooperativismo popular é o redesenho do cooperativismo, iniciado na

Europa no século XIX, surgiu defendendo um novo modo de produção e de

sociedade que fosse antagônica ao capitalismo. No Brasil, a idéia do

cooperativismo popular surgiu nos anos 1990, buscando fomentar a organização

coletiva e conscientização de líderes, gerando mais emprego, e consequentemente

mais renda, possibilitando condições concretas de mudança da realidade, a qual o

estado estava inserido (UFRJ, 2010).

Essa forma de organização do trabalho, tem como beneficiários

principalmente os segmentos excluídos do mercado formal de trabalho. Seria uma

maneira diferenciada de perceber as vantagens da autogestão enquanto modelo

alternativo, pautado na propriedade coletiva, para a geração de emprego no Brasil

(UFRJ, 2010).

4. 1 COOTRAJOBA E COOPERESO: ALTERNATIVAS REAIS E VIÁVEIS

O município de Pedro Osório no Rio Grande do Sul, segundo dados do

próprio município, possui uma grande massa de egressos do Presídio Regional de

Pelotas, sem trabalho e, consequentemente, sem condições de sustento próprio e

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da família, fato que dá ensejo à reincidência por parte desses. Dentro do quadro

apresentado e com a participação dos egressos do município, constituiu-se a

Cooperativa Social Mista de Trabalhadores João-de-Barro – Cootrajoba, criada em

2003, através do projeto “Trabalhando pela vida”, da Corregedoria Geral da Justiça

do Estado do Rio Grande do Sul, com o objetivo claro e principal de oferecer aos

egressos e menores em cumprimento de medida sócio-educativa a possibilidade de

entrada no mundo formal do trabalho. Projeto ampliado pela assinatura de um

Termo de Cooperação com a Organização das Cooperativas do Estado do Rio

Grande do Sul – Ocergs –, que criaria mais 20 cooperativas de trabalho ou

produção, formada por apenados e egressos. (BREDOW, 2009, p. 69-70).

A falta de recursos financeiros foi a grande barreira encontrada para se dar

início ao processo produtivo. Mas com os ganhos provenientes do próprio trabalho,

os egressos adquiriram renda suficiente para a produção de tijolos, que de início foi

desenvolvida em uma olaria arrendada. Tal cooperativa contou ainda com o auxílio

de uma equipe técnica de voluntários na resolução de problemas quanto às

questões burocráticas e legais (BREDOW, 2009, p. 72).

Com o desenvolver dos trabalhos e os lucros obtidos, os egressos

conseguiram adquirir o imóvel e o maquinário da olaria. Hoje já há egressos

envolvidos na limpeza de vias públicas, prestando serviço para prefeituras.

Recentemente a cooperativa adquiriu uma fábrica de telas em arames, com

familiares de presos. E já se estuda a possibilidade de expansão das atividades,

com a implantação de uma unidade rural, onde se criaria aves e outros animais e

cultivariam hortifrutigranjeiros. Todas as atividades, assim como aquelas referentes

à contabilidade da Cooperativa, são administradas pelos próprios egressos que,

sustentados no estatuto social, elegem diretoria e conselho fiscal para mandatos de

um ano.

Outra realidade, quando se fala dos avanços do cooperativismo como

alternativa aos presos, é a da COOPERESO - Cooperativa de Egressos, Familiares

de Egressos e Reeducandos de Sorocaba, a qual vem em conjunto com a Prefeitura

Municipal de Sorocaba no interior de São Paulo, desenvolvendo projetos que visem

a ressocialização e prevenção à violência, bem com proporcionando ao egresso e

seus familiares educação, trabalho e renda4.

4 Confira: <http://www.funap.sp.gov.br/projeto_coopereso.html>

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A iniciativa faz parte do projeto “Cidade Super Limpa”, parceria firmada entre a

Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo e a Prefeitura

Municipal de Sorocaba, cujo objetivo é qualificação da mão-de-obra dos egressos e

familiares, contando com mais de 160 cooperados. Muitos deles atuam na execução

de serviços de roçagem e paisagismo nas praças e ruas de Sorocaba.

O requisito para a participação do egresso no programa é o preenchimento,

pelo ex-detento, de um cadastro na Central de Atendimento ao Egresso de

Sorocaba. Surgindo a vaga o egresso passa por um período de treinamento, para

posteriormente atuar na limpeza urbana, usinagem de entulhos, recuperação de

prédios públicos, além de serviços de alvenaria e pintura de pichações.

4.2 AS INCUBADORAS TECNOLÓGICAS DE COOPERATIVAS POPULARES:

UMA ALTERNATIVA PARA OS EGRESSOS

A universidade, detentora do saber e incumbida de responsabilidade social

perante a comunidade a qual esta inserida, é a grande responsável por fazer o elo

entre o problema e a alternativa viável.

[...] justifica-se tal atuação como o resgate do compromisso que a Universidade, principalmente a pública, tem para com a sociedade que a mantém. A priori, pode-se dizer que a Universidade disponibiliza seu saber técnico e científico estendendo-o à comunidade. Evidentemente, a estrutura física e humana da Universidade, esta última constituída por seu corpo docente, técnico e discente são fatores que podem credenciá-la, diante das comunidades em que estão inseridas, como canal de interlocução e referência para integrar-se no processo de formação de cooperativas e outros tipos de iniciativas de geração de trabalho e renda. (CULTI, 2005, p.5)

Nesse contexto foi criado o Programa Nacional de Incubadoras de

Cooperativas – PRONINC, cujo objetivo é prover a sustentabilidade e

desenvolvimento de incubadoras tecnológicas de cooperativas populares – ITCP –

realizadas através das universidades brasileiras. As ITCP´s trabalham buscando

articular multidisciplinarmente áreas de conhecimento de Universidades brasileiras

com grupos populares interessados em gerar trabalho e renda, no intuito de se

contribuir na formação de cooperativas populares, ou seja, empresas de autogestão

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em que os trabalhadores detêm o controle coletivo de todo o processo de produção,

desde a atividade fim até a gestão do empreendimento.

De acordo com Guimarães (1999, p. 114):

Da mesma forma que existe a Incubadora tecnológica de empresas, [...] em todo o Brasil, que presta serviço ao grande capital, por que não desenvolver uma nova tecnologia do trabalho também a partir de uma incubadora? [...] com uma assessoria técnica permanente, também os trabalhadores poderiam se utilizar do saber acadêmico para construir projetos e alternativas.

Essa articulação entre universidade e cooperativas se realiza através do

processo de incubagem: formação que percorre desde o surgimento da cooperativa

até sua consolidação e que busca, através da troca de conhecimentos entre

trabalhadores/Incubadora, fazer com que a cooperativa, ao final do processo,

conquiste autonomia e possa garantir por si mesma tanto a democracia interna

como sua existência mercantil. Assim, o processo de incubagem se mostra como

um importante instrumento de inserção de universidades brasileiras no objetivo de

gerar trabalho e renda (PRONINC, 2010).

As incubadoras de cooperativas, devido ligação direta com o mundo

acadêmico, dispõem de uma serie de recursos humanos, como professores e

alunos, que buscam com o trabalho direto e continuo com a comunidade, o

desenvolvimento das mesmas. Como consequência, leva-se uma extensão da

universidade para dentro das comunidades envolvidas, possibilitando que o simples

contato em si estimule todos os envolvidos, aumentando as chances de êxito na

formação da cooperativa e na obtenção de seus respectivos resultados.

A primeira incubadora tecnológica de cooperativas começou a ser fomentada

no Brasil a partir de 1996, com a incubadora criada pela COPPE/UFRJ, que

auxiliando, por meio de consultorias multidisciplinares, a formação de cooperativas

de trabalhadores, objetivando a inserção no mercado formal de trabalho de parcelas

da sociedade economicamente marginalizada. Tendo, portanto um público-alvo já

estabelecido, o que o diferente do público das outras espécies de cooperativas já

consolidadas que é um grande contingente de trabalhadores desempregados ou

vinculados a informalidade. (PRONINC, 2010).

De acordo com Oliveira e Peixoto (2003, p.3):

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Atualmente, esse movimento está organizado numa rede de ITCPs composta por 14 universidades, entre as quais: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Universidade Estadual da Bahia (Uneb), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), Universidade Regional de Blumenau (Furb), Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ), Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade do Amazonas (UA).

Essa especificidade de trabalhar com um público tanto economicamente

como socialmente marginalizado, com objetivo de reinserção no mercado de

trabalho com formação cidadã e profissional, abre um precedente para que se

possam fomentar tais políticas como forma de se garantir uma completa

reintegração do egresso prisional, os quais ainda, apesar dos avanços dos últimos

anos, especialmente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, são

vítimas de violações de inúmeros direitos constitucionais. Percebe-se que muito

alem da punição, a pena privativa de liberdade marca o sujeito de forma a

estigmatizá-lo dentro do cenário social, tirando dele toda a sua subjetividade e o

transformando em certo número.

Inicia-se aqui a contribuir para que as cooperativas passem a ser estudadas

e efetivadas como alternativa socioeconômica de enfrentamento da realidade, a

qual estamos vivenciando no nosso sistema prisional, na perspectiva de uma

construção coletiva através de ações com as Incubadoras de tecnológica de

Cooperativas Populares.

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5 CONCLUSÃO

Conforme exposto no presente estudo, buscou-se como meta primordial a

discussão quanto à necessidade da mudança dos rumos da sociedade atual, em

especial ao sistema prisional, promovendo a produção de uma justiça social

completa, de maneira a se tornar mais igualitária.

Dessa forma, o sistema prisional como vimos, caracteriza-se por um local

onde se esconde os excluído pela sociedade contemporânea, ficando claro que não

se resume a simples privação da liberdade, tendo por traz todo um aparelho de

exclusão social.

Esse sujeito egresso vem sofrendo fortemente os efeitos dessa realidade

segregaria. Trata-se de uma massa populacional que além do estigma de ex-

presidiários, carrega consigo o despreparo profissional e a baixa escolaridade marca

registrada.

É necessário que o Estado passe a estimular formas mais efetivas de

reintegração social, que passa pela efetivação do disposto na Lei de Execução

Penal, dando meios concreto de o egresso conseguir mudar a realidade a qual esta

inserido.

E dentro do contexto capitalista, onde os interesses se voltam a captação de

cada vez mais lucros, o trabalho passar a ter uma importância maior, quando se fala

em reincidência, uma vez que são grandes as dificuldade de trabalho e sem contar

as dificuldades da adaptação ao mercado formal

Então, muito além de se empregar esse egresso, faz-se necessário que ele

passe também, durante esse tempo, por um processo de ressignificancia, onde

possa adquirir novos conceitos, para daí sim com o trabalho, passar a acreditar mais

em si e buscar o protagonismo da sua história.

Dessa forma, estimular a criação de cooperativas populares como alternativa

ante a falta de emprego formal no atual sistema penitenciário é primordial, uma vez

que produzindo, o sujeito ganha um empedramento que será um grande alicerce

para a permanência fora do sistema prisional, vez que terá sua remuneração justa à

medida de seu esforço, não terá relações de subordinação a patrão, terá

qualificação e sairá do mercado informal e seus riscos.

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Desta feita, as cooperativas rompem com a concorrência desleal entre o

trabalho lícito e a atividade criminosa. Isso porque além da questão econômica,

terreno em que a atividade criminosa revela-se mais lucrativa, as cooperativas

promovem no consciente do cooperado um amplo sentimento de reinserção, vez

que aflora a noção de integrante de determinada coletividade, conferindo novos

traços ao seu meio social, com a conseqüente mudança de sua realidade formal,

tornando-a assim mais digna.

Para tanto, a sociedade civil, as universidades (através das incubadoras de

cooperativas populares), os movimentos sociais passa a ter papel importante no

intuito de estimular esta prática com o egresso, sendo preciso que as medidas sejam

mais que palavras e se tornem ações, voltando a se valoriza o ser humano frente o

capital.

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