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UNIVESIDADE DO VALE DE ITAJAÍ SIEGRID KURZAWA ZWIENER DOS SANTOS RESSIGNIFICANDO PROMOÇÃO DE SAÚDE EM GRUPOS: Uma estratégia para ampliar a autonomia de profissionais da ESF afim de que promovam saúde Itajaí 2014

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UNIVESIDADE DO VALE DE ITAJAÍ

SIEGRID KURZAWA ZWIENER DOS SANTOS

RESSIGNIFICANDO PROMOÇÃO DE SAÚDE EM GRUPOS: Uma estratégia para

ampliar a autonomia de profissionais da ESF afim de que promovam saúde

Itajaí

2014

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SIEGRID KURZAWA ZWIENER DOS SANTOS

RESSIGNIFICANDO PROMOÇÃO DE SAÚDE EM GRUPOS: Uma estratégia para

ampliar a autonomia de profissionais da ESF afim de que promovam saúde

Dissertação apresentada a Universidade do

Vale de Itajaí – UNIVALI para conclusão do

mestrado de Saúde e Gestão do Trabalho,

sob orientação do Dr Marco Aurélio Da Ros.

ITAJAÍ - SC

2014

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FICHA CATALOGRÁFICA

S59r

Santos, Siegrid Kurzawa Zwiener dos , 1982-

Ressignificando promoção de saúde em grupos: uma estratégia para

ampliar a autonomia de profissionais da ESF afim de que promovam

saúde / Siegrid Kurzawa Zwiener dos Santos, 2014.

113f.

Apêndice

Cópia de computador (Printout(s)).

Dissertação (Mestrado) Universidade do Vale do Itajaí. Centro de

Ciências da Saúde. Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho.

“Orientador: Dr . Marco Aurélio Da Ros ”

Bibliografia: p. 107-110

1. Promoção da saúde. 2. Pessoal de saúde. 3. Assistência à saúde.

4. Autonomia pessoal. 5. Educação em saúde. 6. Grupos focais. I. Título.

CDU: 614

CDU: 612.78

Josete de Almeida Burg – CRB 14.ª 293

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por ser para mim muito mais que uma crença vazia,

tradição ou religiosidade distante, mas por ser um Deus presente e bondoso.

Agradeço a Ele por ter revelado seu imenso amor na minha vida. Amor esse tão

grande e incondicional que sou incapaz de compreender completamente, apenas

aceitar e agradecer. Agradeço por me dar Sua paz que excede todo entendimento e

me propiciar tantas alegrias e conquistas que só um Deus de amor seria capaz de

presentear.

Agradeço também ao meu marido que é um presente tão lindo de Deus para mim.

Agradeço por me apoiar e ter paciência comigo em tantos momentos não apenas

para elaboração desse trabalho, mas durante todo o nosso relacionamento.

Agradeço por ser um homem justo, íntegro e humilde que me ensina todos os dias

através das suas atitudes amorosas. Agradeço a ele por todo o amor que tem

demonstrado por mim.

Agradeço a minha família por ser unida, ter me demonstrado amor e ter sido,

durante toda a minha vida, um exemplo de integridade. Cresci em um ambiente

familiar repleto de sabedoria na educação e amor, pelo que sou muito grata a meus

pais. Cresci em um ambiente familiar cheio de companheirismo e intimidade pelo

que agradeço também às minhas irmãs.

Agradeço aos professores a oportunidade dada de cursar esse mestrado e

principalmente por todos os saberes e experiências compartilhadas por amor ao

ensino. Agradeço especialmente ao meu orientador por trazer tantos aprendizados

novos, principalmente por esses aprendizados estarem sempre relacionados à

minha prática como médica de família e comunidade, me tornando uma profissional

mais consciente e humana.

Agradeço às participantes da minha pesquisa por compartilharem comigo um pouco

de suas vidas, experiências e conquistas. Agradeço porque através desse grupo

pude aprender e compartilhar também.

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“Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas

transformem-se pela renovação da sua mente”.

Carta de Paulo aos romanos

“Como subjetividade curiosa, inteligente,

interferidora na objetividade com que dialeticamente

me relaciono, meu papel no mundo não é só o de

quem constata o que ocorre, mas também o de

quem intervém como sujeito de ocorrências. Não

sou apenas objeto da História, mas seu sujeito

igualmente. No mundo da História, da cultura, da

política, constato não para me adaptar, mas para

mudar.”

Paulo Freire

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RESSIGNIFICANDO PROMOÇÃO DE SAÚDE EM GRUPOS: Uma estratégia para

ampliar a autonomia de profissionais da ESF afim de que promovam saúde

RESUMO

A diferença do conceito de promoção de saúde e prevenção de doença não está

clara para a maioria dos profissionais de saúde. Objetivo: esse trabalho objetivou

problematizar o conceito de grupos de promoção de saúde para contribuir com o

desenvolvimento de autonomia de profissionais de modo que avaliem criticamente a

maneira como vem realizando educação em saúde até o momento e reflitam em

novas práticas. Método: foram realizados 6 encontros no formato de círculos de

cultura com profissionais da atenção primária de um município do sul do Brasil.

Resultados: após esse trabalho o grupo foi capaz de compreender a diferença entre

promoção e prevenção. Promoção foi entendida como abordagem de condições de

vida, cidadania, moradia, dinâmica familiar, como um processo que leva a

capacidade de enfrentamento, de desenvolvimento do afeto, da discussão, do ouvir,

do aceitar, do opinar e do oferecer. Para isso os profissionais concluíram que é

necessário desenvolver autonomia dos grupos e indivíduos, ouvir a comunidade

para compreender suas necessidades, resgatar o saber que a população possui e

ver a saúde como um todo. Conclusões: fatores biológicos estão ligados a

prevenção de doenças, e os sociais e psicológicos a promoção; o grupo é um

instrumento importante para promoção de saúde, para isso deve ter uma

metodologia problematizadora.

Descritores: Educação em Saúde, Grupos Focais, Profissional da Saúde, Autonomia

Pessoal.

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GIVING NEW MEANING TO HEALTH PROMOTION IN GROUPS: A strategy to

increase professional autonomy of the ESF in the area of health promotion

ABSTRACT

The difference between the concepts of health promotion and disease prevention is

not clear for most health professionals. Background: this study investigates the

concept of health promotion groups, in order contribute to the development of

professional autonomy that will enable these professionals to critically evaluate how

health education is currently practiced, and to reflect on new practices. Method: six

meetings were held in the culture circles format, with primary healthcare

professionals in a city in southern Brazil. Results: as a result of this work, the group

was able to understand the difference between promotion and prevention. Promotion

was understood as involving living conditions, citizenship, housing, and family

dynamics, in a process that leads to coping skills, the development of affection,

discussion, listening, accepting, giving opinions, and offering. The health

professionals concluded that it is necessary to develop autonomy for groups and

individuals, listening to the community in order to understand its needs, reviving the

knowledge of the population, and seeing health as a whole, involving many different

factors. Conclusions: biological factors are linked to disease prevention, while

psychological and social factors are linked to promotion; the group is an important

tool for health promotion, but to be effective, it must have an investigative

methodology.

Keywords: Health Education, Focus Groups, Health Personnel, Personal Autonomy.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO / JUSTIFICATIVA / OBJETIVOS ................................................. 10

2 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................... 15

2.1 Modelos conceituais em saúde ............................................................................................. 15

2.1.1 Conceito de saúde.............................................................................................................. 15

2.1.2 Influência psicológica sobre o processo saúde e doença ............................................. 22

2.1.3 Prevenção de doenças ...................................................................................................... 23

2.1.4 Conceito de promoção de saúde ..................................................................................... 24

2.1.5 Integralidade........................................................................................................................ 28

2.2 Educação em Saúde .............................................................................................................. 31

2.2.1 Educação Sanitária x Educação em saúde .................................................................... 31

2.2.2 Informação e Comunicação .............................................................................................. 32

2.2.3 Concepção educacional de Paulo Freire ........................................................................ 33

2.2.3.1 Círculo de cultura ............................................................................................................ 36

2.2.4 Conceito de empoderamento, autonomia e emancipação ........................................... 37

2.2.4.1 Empoderamento .............................................................................................................. 39

2.2.4.2 Autonomia ........................................................................................................................ 41

2.2.4.3 Emancipação ................................................................................................................... 44

2.2.5 Grupo x Agrupamento ........................................................................................................ 45

2.2.5.1 Metodologia de grupos com foco na promoção de saúde ......................................... 48

2.2.5.2 Características do coordenador do grupo.................................................................... 50

2.2.5.3 Dificuldades de desenvolver grupos com foco na promoção de saúde .................. 53

2.3 Os profissionais de saúde e usuários: os espaços e relações estabelecidas ................ 54

2.3.1 O profissional da saúde e o usuário ................................................................................ 55

2.3.2 Profissional de saúde e a equipe ..................................................................................... 57

3 PERCURSO METODOLÓGICO ........................................................................... 59

3.1 O Novo Projeto ........................................................................................................................ 62

3.2 A caminhada ............................................................................................................................ 63

3.3 Os Atores ................................................................................................................................. 66

3.4 Material colhido dos encontros ............................................................................................. 70

3.5 Aspectos Éticos ....................................................................................................................... 71

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3.5.1 Riscos .................................................................................................................................. 71

3.5.2 Benefícios ............................................................................................................................ 72

3.5.3 Critérios de inclusão ........................................................................................................... 72

3.5.4 Critérios de exclusão .......................................................................................................... 73

3.5.5 Devolutiva ............................................................................................................................ 73

4 CATEGORIAS ...................................................................................................... 74

4.1 Compreensão de grupo de promoção de saúde ................................................................ 74

4.1.1 Concepções de saúde e doença ...................................................................................... 74

4.1.2 Concepção de integralidade ............................................................................................. 77

4.1.3 Concepção de promoção de saúde ................................................................................. 79

4.2 Dinâmica de funcionamento de um grupo de promoção de saúde.................................. 85

4.2.1 Características de um grupo ............................................................................................. 85

4.2.2 Características do coordenador de um grupo ................................................................ 95

4.3 Dificuldades para desenvolver grupos na Atenção Primária ............................................ 98

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 105

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 109

APÊNDICE A – Termo de consentimento livre e esclarecido ........................... 113

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1 INTRODUÇÃO / JUSTIFICATIVA / OBJETIVOS

O que é saúde? Conceituar saúde não é algo tão simples. Se fizermos essa

pergunta para grupos de pessoas de diferentes culturas e níveis sociais e

educacionais obteremos respostas distintas.

O conceito de saúde mais difundido, especialmente entre os profissionais

dessa área, é o da Organização Mundial da Saúde que afirma que saúde é “um

estado completo de bem estar físico, social e mental” (WORLD HEALTH

ORGANIZATION, 2006). Esse conceito tem como vantagem compreender a saúde

além do aspecto físico, associando o aspecto social e mental. Porém, o “completo

bem estar” é uma meta ideal que não pode ser alcançada.

Esse é o conceito de saúde utilizado por grande parte dos profissionais de

saúde. A consequência disso é que o profissional acaba encarando a saúde como

algo inalcançável. Assim, esforça-se ao máximo para curar todas as doenças, todos

os sofrimentos, todas as dores que surgirem, podendo levar o usuário a

compreender, da mesma maneira, que necessita de cura para todos os seus males,

para, só então, ter algo que tanto almeja: a saúde. Esse tipo de pensamento pode

levar ao aumento de solicitações de exames desnecessários e medicamentalização

excessiva.

Como o alvo máximo do “completo bem estar” nunca é atingido, tanto o

profissional quanto o usuário do sistema de saúde frustram-se. Com o tempo, a

comunidade compreende que necessita cada vez mais de atendimento médico para

buscar a tal “saúde” inatingível e torna-se cada vez mais dependente do sistema de

saúde. Assim, o próprio sistema de saúde gera, na comunidade, uma doença ainda

mais grave: a perda da autonomia e a consequente dependência assistencial. Illich

(1979), em seu livro Nêmeses da Medicina, chamou essa tendência de iatrogenia

social:

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O sofrimento cessa então de ser aceito como contrapartida de cada êxito do homem na sua adaptação ao meio e cada dor se torna sinal de alarme que apela para intervenção exterior a fim de interrompê-la. (...) A civilização médica engaja-se na redução do sofrimento aumentando a dependência. A cultura torna a dor suportável integrando-a num sistema carregado de sentido. A ideologia da medicina industrial separa a dor de qualquer contexto subjetivo para melhor destruí-la. As culturas tradicionais, em sua maioria, tornam o homem responsável de seu comportamento sob o impacto da dor. O que o homem industrializado percebe é que a sociedade industrial é responsável diante do indivíduo em dor, de que ela deve livrá-lo”. (ILLICH, 1975, p.104).

Desenvolver a autonomia nos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), e

não a dependência, é atribuição do serviço de saúde. Para esta pesquisa a

autonomia não é sinônimo de independência completa, mas a capacidade que

alguém desenvolve para “lidar com suas redes de dependência” Campos (2006,

p.669).

Além do termo autonomia, existe um leque de palavras utilizadas para

denominar os sujeitos que lutam contra a opressão. Um desses termos é o

empoderamento. Para Wedhausen (2009), o empoderamento engloba dimensões da

vida social: psicológica ou individual, estrutural ou política e organizacional ou

grupal. Enquanto a dimensão individual garante o aumento da autonomia e liberdade

no nível pessoal, a dimensão grupal envolve o sentimento de pertencimento a partir

de um respeito mútuo, gerando atitudes solidárias. O empoderamento estrutural, por

sua vez, leva a uma participação social mais ativa, envolvendo a cidadania.

Gohn (2004) destaca que no Brasil existem claramente pelo menos dois

sentidos mais empregados para o termo empoderamento: o primeiro refere-se ao

processo que tem como objetivo impulsionar grupos a buscarem melhorias das suas

condições de vida e aumentar, assim, a sua autonomia; o segundo sentido está

ligado às ações cuja finalidade é ofertar serviços aos excluídos, não contribuindo,

assim, para o desenvolvimento da autonomia desse grupo, mas promovendo a

dependências assistencial.

Essa discussão leva a uma importante questão: como falar em autonomia ou

empoderamento enquanto sustentamos o conceito de saúde proposto pela OMS?

Nesta pesquisa apresento um conceito de saúde que compreende o patológico

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como normal, como parte da vida de qualquer indivíduo. Czeresnia e Freitas (2009,

p.69) observam que “saúde não poderá ser pensada como carência de erros, mas

sim como a capacidade de enfrentá-los [...] e que a experiência do vivo inclui a

experiência da doença”. Também para Canguilhem (2011) o patológico pode ser

considerado normal, pois as experiências do ser vivo incluem as doenças.

Assim, o estado chamado de fisiológico não deve ser considerado sinônimo de

normalidade, mas sinônimo de estado são, afinal a doença faz parte da vida,

portanto, também é normal. Nesta perspectiva, o normal não pode ser ditado por

uma média, mas é sempre um padrão individual, isto é, cada indivíduo tem sua

concepção do que é normal para si. Com essa mudança de pensamento, a saúde

torna-se algo acessível e as ações em saúde modificam-se drasticamente. A partir

desse conceito, um paciente com hipertensão, diabetes, obesidade e outras

doenças também pode fazer parte do grupo de pessoas com saúde.

A mudança que ocorre nas ações de educação, quando mudamos o conceito

de saúde, diz respeito à prevenção da doença e promoção da saúde. Esses

conceitos são interpretados erroneamente como sinônimos, mas observando mais

atentamente verificaremos que prevenção e promoção de saúde são, na verdade,

conceitos absolutamente distintos. A prevenção mantém seu enfoque sobre o

controle da doença para alcançar saúde, focalizando, por exemplo, o controle do sal

da dieta dos hipertensos, o uso correto dos métodos contraceptivos, a aplicação de

vacinas, as medidas preventivas para evitar quedas em idosos, escovação dentária

correta para evitar caries e outros inúmeros assuntos relacionados à doença. Essas

atividades não são condenáveis, pelo contrário, também tem sua importância.

Antes de continuar, quero dizer que não sou contra atividades de prevenção a

doenças. Fiz muitas dessas desde a minha formação, na verdade a maioria das

atividades que fiz foram preventivas. Acredito que “informar” é importante quando a

informação ainda não existe para aquele determinado grupo com o qual desejo

trabalhar. Por exemplo, se na comunidade que atendo a maioria das mulheres

engravida porque toma anticoncepcional de maneira inadequada creio que devo

orientá-las quanto ao uso correto do anticoncepcional. Mas na prática não é isso o

que acontece na maioria dos casos. A própria mídia encarrega-se de informar sobre

o uso correto do anticoncepcional, a redução do sal na dieta dos hipertensos, a

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importância da atividade física dentre outras coisas. Assim, a maioria dos pacientes

não carece de “informação”. Eles têm a informação, mas parte deles não segue as

orientações porque sua “motivação” é outra. A informação é pré-requisito para

agirmos de uma determinada maneira, mas não é suficiente, ou seja, para educar

não basta apenas informar.

A promoção de saúde traz à tona assuntos relacionados à saúde, tais como

solidariedade, cidadania, justiça social, dentre outros (BUSS, 2000). No entanto,

atividades de promoção de saúde são muito raras nas unidades de saúde. No início

da minha investigação pude observar que boa parte das equipes de saúde formam

grupos a partir do nome de alguma doença que os caracteriza, como o grupo dos

hipertensos, dos diabéticos, ou grupos com fatores de risco para desenvolvimento

de doenças como tabagistas ou obesos. São grupos constituídos por pessoas que

percebem a “doença” que carregam como única razão do encontro do grupo. Além

disso, a maioria desses grupos é totalmente coordenada pela equipe de saúde, sem

qualquer participação dos tais “doentes”, nem mesmo na escolha do assunto que

será abordado. Algumas equipes mostram-se mais flexíveis à opinião dos

participantes solicitando a eles que escolham os assuntos que serão discutidos nos

encontros, porém restringem essa escolha a temas relacionados à doença.

Os profissionais da saúde tendem a insistir nas atividades meramente

prescritivas, repetindo, com isso, diversos assuntos como alimentação saudável,

atividade física, controle do sal, uso da camisinha e outros tantos. Com o tempo, a

comunidade cansa dessas atividades, porque não trazem mais novidades úteis para

o dia a dia das pessoas. Os grupos, consequentemente, esvaziam e, numa tentativa

de mantê-los em funcionamento, são transformados em grupos para entrega de

medicação.

Para Buss (2000), diante dos múltiplos problemas de saúde que as populações

enfrentam, a promoção de saúde tem se mostrado uma estratégia promissora,

capaz de mobilizar recursos para a resolução desses problemas. Sugere que, para a

solução ou elaboração de propostas diante dos problemas enfrentados, é necessária

a responsabilização múltipla, isto é, uma combinação de estratégias que podem ser

utilizadas para promoção de saúde: as ações do Estado, por exemplo, incluem

políticas públicas saudáveis; já na comunidade, o foco é reforçar as ações

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comunitárias; no âmbito individual, é importante desenvolver habilidades pessoais; o

sistema de saúde precisa ser reorientado para a promoção da saúde e é

fundamental buscar parcerias intersetoriais.

No entanto, essa diferença do conceito de promoção de saúde e prevenção de

doença parece não estar clara para a maioria dos profissionais de saúde. Acredito

que, boa parte das equipes que trabalham com grupos, tem a intenção de auxiliar a

comunidade. Mas, a forma como conduzem o grupo, coopera para o contrário, ou

seja, gera mais dependência que autonomia. Ainda assim, parte dos trabalhadores

em saúde chama essas atividades educativas de “promoção da saúde”.

Analisando o contexto, percebo a necessidade de contribuir para o

desenvolvimento de autonomia dos profissionais da saúde para que sejam capazes

de realizar promoção de saúde, a partir da ressignificação dos conceitos de saúde e

de promoção. Assim, esse projeto teve como objetivo problematizar aspectos

teórico-metodológicos de educação em saúde articulados a perspectiva da

promoção de saúde para que, com isso, os profissionais avaliassem criticamente a

proposta de educação em saúde desenvolvida até o momento formulassem ações

para ampliar a participação da comunidade e a sua autonomia. A partir dessas

discussões, os profissionais puderam desenvolver ferramentas para realizar ações

de promoção de saúde no âmbito do seu trabalho com a comunidade. Além disso,

esse trabalho teve como objetivo ser uma vivência grupal, o que trouxe uma

experiência muito enriquecedora de grupo e de como esses processos de vínculo

entre os participantes são desenvolvidos.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Modelos conceituais em saúde

2.1.1 Conceito de saúde

Para compreendermos os diferentes conceitos de saúde desenvolvidos ao

longo da história da humanidade, é importante considerarmos as concepções

teóricas, filosófica e de políticas hegemônicas em um dado momento histórico nas

quais esses conceitos apoiaram-se (ARANTES, 2008). Por milhares de anos, por

exemplo, as epidemias foram consideradas julgamentos divinos sobre o homem e

sua maldade. No Egito, Skhmet, deusa da pestilência, era responsabilizada pelas

doenças e acreditava-se que ela enviava as epidemias quando era irritada (ROSEN,

1994).

Já nos séculos V e IV antes de Cristo, na Grécia, surgiram as primeiras

tentativas de criar uma teoria racional para explicar a causa das doenças. De acordo

com Rosen (1994), existia, nesse período, a crença na harmonia entre os homens e

o ambiente. A Grécia antiga caracterizava-se por buscas constantes de novas terras

para colonização, e ao estabelecer uma nova comunidade, era necessário garantir a

salubridade do local. Nessa época, o livro Ares, Águas e Lugares era utilizado como

uma espécie de manual e aconselhava, por exemplo, a construção de casas em

lugares elevados e ensolarados, evitando, assim, regiões pantanosas. Também

nesse período, o médico era um profissional itinerante e precisava viajar de uma

cidade a outra para praticar seu ofício, batendo a porta dos moradores e oferecendo

o seu trabalho. Ao longo da história da medicina grega, percebe-se que a

preservação da saúde tinha uma importância muito grande, não havendo tanto

enfoque na cura de doenças.

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Já na Idade Média, a lepra tornou-se uma das doenças mais temidas da época.

Com o intuito de controlar essa enfermidade, a Igreja assumiu a liderança usando

princípios do Antigo Testamento, pois considerava a lepra uma doença contagiosa,

que significava a impureza espiritual (ROSEN, 1994). A orientação era isolar os

enfermos para evitar a contaminação da comunidade, pois havia um entendimento

de que, para erradicar uma doença, o isolamento dos pacientes era necessário.

Nesse período, os leprosários estenderam-se por muitos países da Europa. Esse é

um dos princípios da Medicina Preventiva até os dias atuais para algumas

enfermidades.

Com o aparecimento da Peste Negra na Europa, começou-se a pensar em

meios para explicá-la e combatê-la. Entendia-se que era fundamental evitar o “ar

corrompido”, pois acreditavam que alguma alteração atmosférica trazia a doença

(ROSEN, 1994). Como nem todas as pessoas eram acometidas da doença,

acreditavam que havia uma predisposição individual para contraí-la. Surgiram,

assim, alguns valores de higiene pessoal.

Na Idade Média, médicos em geral eram clérigos, ou seja, recebiam seu

sustento da Igreja. A partir do século XI, leigos tornavam-se médicos e, com isso,

passaram a receber um salário ou cobravam pelos atendimentos.

O período da Renascença é caracterizado por uma expressiva evolução

científica. Para Rosen (1994), essa evolução se deu basicamente através do método

experimental e pela disposição de tratar fenômenos naturais matematicamente.

Durante os séculos XVI e XVII, a epidemiologia e a observação clínica ganham

enorme importância e, com isso, as doenças passam a ser caracterizadas

individualmente. Ainda, a industrialização, trouxe inúmeros problemas sociais e a

consequente necessidade dos estudiosos de compreender a relação entre a

pobreza, a profissão e a doença, entre eles Rudolf Virchow que, em 1847, atribui a

epidemia de febre tifoide a um conjunto de fatores sociais e econômicos, colocando

em dúvida a validade dos tratamentos medicamentosos (ROSEN, 1980). Para

Virchow, uma reforma social radical era necessária. Em uma carta escrita ao seu pai

em 1848, afirmou:

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Frequentemente me decepcionei com as pessoas, mas ainda não com a época. E por isso agora tenho a sorte de não ser mais um homem parcial e sim um homem completo, de minha crença médica fundir-se com minha crença política e social. (apud ROSEN, 1980, p.79).

Para Virchow, havia uma relação clara entre a medicina e os problemas

sociais. Outros médicos alemães aliaram-se a Virchow compartilhando o mesmo

pensamento (ROSEN, 1980). Neumann, por exemplo, enfatiza em seu livro

publicado em 1847, que “a ciência médica é intrínseca e essencialmente uma

ciência social e, enquanto isto não for reconhecido na prática, não poderemos

usufruir seus benefícios e teremos que nos satisfazer com muito pouco”. (apud

ROSEN, 1980, p.81). Para Neumann, a saúde é dever do Estado. Esse é o primeiro

princípio contido na concepção da medicina como ciência social. Virchow também

compreendia que o Estado tem “direito a esperar que cada pessoa saiba alcançar e

manter um estado de bem estar”, mas como a saúde e a educação são condições

fundamentais para o bem-estar, é função do Estado providenciar o acesso das

pessoas a saúde e a educação (ROSEN, 1980):

Assim, não é suficiente que o Estado garanta a cada cidadão o necessário a sua existência e dê assistência a todo aquele cujo trabalho não é suficiente para a obtenção do necessário. O Estado deve fazer mais: deve assistir para que tenham as condições necessárias para gozar uma existência saudável. (ROSEN, 1980, p. 82)

O segundo princípio da medicina como ciência social compreende que as

condições econômicas e sociais influenciam o processo saúde-doença e isso deve

ser submetido à investigação científica (ROSEN, 1980). Neumann entendia que a

maioria das doenças não é decorrente de causas naturais, mas sim das condições

sociais impostas. Virchow concluiu algo muito semelhante durante a sua

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investigação da epidemia de Tifo em 1847 na Silésia. Para ele, essa epidemia devia-

se, não somente as causas físicas e biológicas, mas também a causas sociais,

econômicas e políticas. Formulou, assim a tese de que a doença epidêmica era uma

manifestação do “desajustamento social e cultural” e afirmou que, para a medicina

cumprir sua verdadeira função, ela deveria intervir na vida política e social (ROSEN,

1980).

O terceiro princípio prevê que “devem ser tomadas providências no sentido de

promover a saúde e combater a doença e que as medidas concernidas em tal ação

devem ser tanto sociais quanto médicas” (ROSEN, 1980). Assim, ao final do século

XVIII e início do XIX, havia a convicção clara de que os problemas de saúde e

doença eram decorrentes de fenômenos sociais (ROSEN, 1994). Durante esse

período, muitos hospitais foram fundados na Inglaterra. Inicialmente, hospitais

gerais, mas ao longo do século, surgiram hospitais especiais, isto é, especializados

em alguma parte do corpo (ouvidos, tórax, olhos e outros). Nesse período,

percebeu-se a necessidade de complementar o atendimento a saúde com a criação

de dispensários. Segundo Rosen (1994), os dispensários instituídos na Grã-

Bretanha nesse período tinham como objetivo de promover a saúde e salvar vidas.

Essas instituições não eram criadas com auxílio do governo, mas sim de voluntários.

Na segunda metade do século XVIII, iniciou-se uma forma de pensar saúde

chamada de polícia médica. Era administrada por políticos, que contavam com o

apoio de militares, educadores e médicos. Essa nova abordagem teve como objetivo

interferir positivamente na saúde de uma população, entendo que, para isso, era

necessário controlar e prevenir doenças. Percebe-se que, nesse período, as ações

em saúde eram higienistas e preventivistas (ROSEN, 1994).

Com o surgimento da medicina moderna, o conceito de saúde é caracterizado

pela busca de causas biológicas que expliquem a origem das doenças. Isso ocorreu,

em grande parte, devido à necessidade de superar a visão mágico-religiosa que

dominava até aquele momento. Esse conceito evoluiu e na década de 70, a saúde

era relacionada ao funcionamento “normal” do corpo e a doença, gerada por um

desequilíbrio desse funcionamento (ARANTES, 2008, p.191).

No século XIX, a doença era entendida como “falta ou excesso de excitação

dos tecidos abaixo ou acima do grau que constitui o estado normal” (COELHO e

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FILHO, 1999, p. 16). Nesta perspectiva, a saúde e a doença dependiam de

estímulos que variavam apenas por nível de intensidade. No entanto, esse conceito

mostrou-se insuficiente para compreender o processo saúde-doença, pois ignorava

a determinação social nesse processo. Assim, surgiu outra vertente que incluiria a

dimensão social. O exemplo mais famoso é o conceito de saúde da Organização

Mundial da Saúde: “estado completo de bem estar físico, social e mental” (WORLD

HEALTH ORGANIZATION, 2006). Porém, o problema desse conceito está na

palavra “completo”. Arantes (2008) afirma que esse conceito está sustentado em

uma meta ideal inatingível, e que, assim, inviabiliza a conquista da saúde.

Esse estado de completo bem-estar faz parecer que a saúde só existe dentro

de uma perspectiva na qual se elimina toda angústia, todos os erros, fracassos e

outros mal-estares que fazem parte do nosso cotidiano. Czeresnia e Freitas (2009,

p.69) argumentam que muitas vezes o mal-estar pode ser mais estimulante que a

absoluta carência de desafios. “A partir do momento em que nosso mundo é um

mundo de acidentes possíveis, a saúde não poderá ser pensada como carência de

erros, mas sim como a capacidade de enfrenta-los” (CZERESNIA e FREITAS, 2009,

p.69).

O relatório final da Oitava Conferência Nacional de Saúde (1986) reforça essa

ideia ao afirmar que a saúde é resultado das condições de alimentação, moradia,

educação, meio-ambiente, renda, trabalho, lazer, transporte, liberdade, acesso e

posse da terra e acesso a serviços de saúde. O documento prevê que saúde define-

se no “contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu

desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas

cotidianas” (BRASIL, 1986, p.4). A saúde é, portanto, “o resultado das formas de

organização social da produção, as quais podem gerar desigualdades nos níveis de

vida” (BRASIL, 1986, p.4).

A Oitava Conferência Nacional de Saúde (1986) observa ainda que a saúde é

um direito que deve ser garantido pelo Estado, retomando a ideia de Neumann e

Virchow no primeiro princípio da medicina como ciência social (ROSEN, 1980) e

afirma que o Estado deve garantir saúde através de condições dignas de vida e de

acesso universal e igualitário: “as ações e serviços de promoção, proteção e

recuperação de saúde, em todos os níveis, a todos os habitantes do território

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nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano” (OITAVA

CONFERÊNCIA DE SAÚDE, 1986, p.4).

O conceito de saúde proposto por Canguilhem (2011), o patológico também

pode ser considerado normal, pois as experiências do ser vivo incluem as doenças.

Para o autor ao dizer que algo é anormal, estamos afirmando que algo é

inobservável, inexistente, portanto é obvio que o patológico não é anormal. De

acordo com Canguilhem (2011), o que deve ser considerado anormal é um estado

de saúde perfeita contínua:

Parece-nos que a fisiologia tem mais a fazer do que procurar definir objetivamente o normal: deve reconhecer a normatividade original da vida. O verdadeiro papel da fisiologia, suficientemente importante e difícil, consistiria então em determinar exatamente o conteúdo das normas dentro das quais a vida conseguiu se estabilizar, sem prejulgar a possibilidade ou a impossibilidade de uma eventual correção dessas normas. (CANGUILHEN, 2011, p. 123).

Ainda conforme Canguilhem (2011), com relação às normas biológicas, é o

próprio indivíduo que deveria fornecer-nos a referência do que é normal para si.

Assim, o normal não seria ditado por uma média, mas seria sempre um padrão

individual. Não podemos definir se alguém é doente ou não apenas avaliando um

valor médio, pois esse valor é uma norma supraindividual. Canguilhem (2011)

reconhece que uma norma assim, flexível conforme a condição individual, gera uma

imprecisão no limite entre o normal e o patológico. No entanto, argumenta que, em

uma avaliação de diversos indivíduos ao mesmo tempo, esse limite é mesmo

impreciso, mas na avaliação de um único e mesmo indivíduo sucessivamente, esse

limite torna-se absolutamente claro. Assim, o próprio indivíduo deve avaliar sua

condição porque é ele quem sofre as consequências do normal ou do patológico no

momento em que a mudança que sente em seu corpo, o impossibilita-o ou não de

realizar as suas tarefas:

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Uma observação anatômica e histológica, um teste fisiológico, um exame bacteriológico ou de outra natureza não diagnosticam por si mesmos. Fornecem apenas um resultado. Para fazer um diagnóstico é preciso observar o comportamento do doente. O diagnóstico pode até mesmo contrariar tal resultado. Em matéria de patologia, a primeira palavra e a última são da clínica. (COELHO e FILHO, 1999, p. 20)

Helman (2009) concorda que a desigualdade social e fatores econômicos estão

intrinsecamente ligados à condição de saúde precária e aponta mais uma

característica da cultura biomédica atual: a medicalização a velhice. Para Helman

(2009), as alterações típicas da idade, sejam físicas ou mentais, têm sido abordadas

como um tipo de doença crônica que não pode ser curada, mas aliviada. Dessa

abordagem decorre um crescimento de uma nova indústria: a do

antienvelhecimento. Helman (2009) observa que, para a grande maioria da

população mundial, a garantia de uma longevidade de qualidade pode ser dada

considerando coisas mais básicas, tais como erradicação da pobreza, melhores

condições de moradia, saneamento básico, controle de moléstias

infectocontagiosas, enfim, uma condição de vida digna.

Assim, o conceito de saúde e doença que carrego nessa pesquisa é o de que

ambos são estados normais na vida do ser humano. A saúde não pode ser

explicada sem a doença e não pode ser resumida em um conceito científico, afinal

tanto a saúde quanto a doença são carregadas de significados subjetivos

dependendo da experiência daquele que vive. Além disso, o ambiente social, e não

apenas biológico, em que vive um indivíduo influencia fortemente sua saúde.

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2.1.2 Influência psicológica sobre o processo saúde e doença

McWhinney (2010) afirma que, muitas vezes, o que leva um paciente a uma

consulta é, na verdade, uma ansiedade ou medo ou tristeza, mas quando queixa-se

para o médico o paciente relata um sintoma físico e não o sintoma emocional que o

levou a consulta. No entanto, um médico observador é, segundo McWhinney (2010),

capaz de perceber pelas expressões corporais do paciente que existe um

componente psicológico associado. McWhinney (2010) afirma ainda que pacientes

que sofrem de doenças físicas também tem seu emocional abalado e precisam sem

acolhidos emocionalmente.

Para o paciente é mais fácil verbalizar um sintoma físico do que um sintoma

emocional (McWhinney, 2010). Assim, para superar a dificuldade de expressar

sensações e sentimentos, algumas pessoas codificam a mensagem em forma de

sintomas físicos. McWhinney (2010) observa que a forma como a pessoa codifica

sua aflição ao médico dependerá da percepção que ela tem de como o médico irá

receber essa informação. Se ela percebe que o médico tende a trabalhar no campo

das doenças físicas, tenderá a codificar o sofrimento em forma de um sintoma físico.

A isso, McWhinney (2010) chama de somatização.

Na prática do sistema de saúde, muitos profissionais ainda separam o físico e o

psicológico, definindo as áreas de atuação de cada profissional: o médico trata do

físico e o psicólogo trata do emocional. Campos (2006), no entanto, argumenta que

para desenvolvermos uma clínica ampliada, é necessário colocarmos essas duas

esferas em contato. Segundo ele, “a clínica, aquela prática mais próxima da arte que

da técnica, poderia muito bem nos ajudar a lidar com as dimensões subjetivas e

sociais, componentes inevitáveis de nossas vidas” (CAMPOS, 2006, p.11).

Para Balint (2007) o pensamento médico é fortemente amparado no receio de

não identificar uma doença física caso concentre sua atenção a causas psicológicas.

A justificativa dada a esse pensamento é de que as doenças físicas seriam

potencialmente mais graves e perigosas que as de caráter emocional. No entanto,

para Balint (2007), negligenciar uma doença psicológica, apenas para que o médico

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tenha segurança de que não está deixando de diagnosticar causas físicas, pode ser

tão prejudicial para o paciente quanto negligenciar uma doença física.

2.1.3 Prevenção de doenças

O termo prevenir na língua portuguesa carrega o significado de “dispor com

antecedência”, “precaver”, “preparar” ou “impedir que se execute ou que aconteça”,

“evitar”.

Czeresnia (2003) define como ações de prevenção àquelas que buscam evitar

o surgimento de determinadas doenças, reduzindo, com isso, a sua incidência e

prevalência. Torna-se fundamental para essas ações o conhecimento da

epidemiologia moderna, que tem como objetivo controlar a transmissão de doenças

e reduzir o risco de doenças degenerativas ou outros agravos (CZERESNIA, 2003,

p.45). Assim, as ações de prevenção atuam na divulgação da informação científica e

das recomendações para um estilo de vida mais “saudável”.

Entre as ações de prevenção estão: a vacinação, o controle do sal na

alimentação de hipertensos, o estímulo à realização de atividades físicas, medidas

preventivas contra quedas em idosos, medidas preventivas contra acidentes na

infância, uso de contraceptivos, escovação dentária, cessação do tabagismo e

outras tantas ações. Tais ações são muito importantes, mas abordam

especificamente fatores associados à doença sem analisar o contexto social

envolvido.

Esse conceito tem sido muitas vezes usado como sinônimo de promoção de

saúde. Isso se deve, em grande parte, à interpretação de Leavell & Clark (apud

BUSS, 2000) sobre promoção de saúde. Segundo eles, existem 3 níveis de

prevenção: a prevenção primária, secundária e terciária. A prevenção primária, para

eles, consiste nas ações que devem ser desenvolvidas antes da gênese de uma

doença, para, com isso, evitá-la. Assim, a prevenção primária englobaria ações

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destinadas à proteção do ser humano contra agentes patogênicos ou o

estabelecimento de barreiras no meio ambiente contra esses agentes. Para esses

autores, a educação em saúde seria um elemento fundamental para alcançar esse

objetivo, portanto, a promoção de saúde teria como função orientar um bom padrão

nutricional, exames periódicos, aconselhamento para a saúde, dentre outros de

carácter higienista (BUSS, 2000).

Ações preventivas são importantes especialmente quando aplicadas para

comunidades que não possuem informações sobre determinados assuntos. No

entanto, a longo prazo, não são suficientes para responder aos problemas de saúde

que vão surgindo. No modelo de Leavell & Clark, as ações, por eles chamadas de

educação em saúde, objetivam unicamente informar. Mas, para educar é necessário

mais do que isso.

2.1.4 Conceito de promoção de saúde

O termo “promoção de saúde” foi usado por Henry Sigerist em 1945 (SÍCOLE,

2003). Médico, Sigerist afirmou existirem 4 funções da medicina: a promoção de

saúde, a prevenção de doenças, o tratamento dos doentes e a reabilitação.

Percebemos, com isso, que Sigerist fazia uma clara distinção entre prevenção de

doenças e promoção de saúde. Para ele, “a saúde se promove proporcionando

condições de vida decentes, boas condições de trabalho, educação, cultura física e

descanso” (apud SÍCOLE, 2003, p. 103). Sigerist (1932) entendia que a função do

médico não deveria ser focada somente em descartar doenças, mas em desenvolver

a saúde, pois esta não deveria ser compreendida exclusivamente como ausência de

doenças. Ele acreditava que controlar o ambiente não era suficiente para produzir

saúde, mas observar a sociedade que envolve o indivíduo.

No entanto, o conceito de promoção de saúde amplamente disseminado tem

como marco referencial o relatório Lalonde (1974), que entende esse conceito como

um conjunto de ações que interferem de forma positiva sobre os comportamentos,

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ditos não-saudáveis, dos indivíduos. Esse conceito compreende práticas não-

saudáveis como aquelas que são auto impostas. Portanto, a intervenção proposta

por esse conceito deve abranger os hábitos de vida das pessoas.

O resultado disso é que as práticas centrais da promoção de saúde mais

recentes estão focadas na adoção de um estilo de vida saudável. No entanto, para

Carvalho (2004), essas ações tem pouco impacto sobre a condição de vida dos

marginalizados da sociedade, pois evitam um enfoque ampliado sobre as causas

sociais da não-saúde:

Ao escamotear as mazelas e estruturas sociais causadoras da não-saúde, essas ações poderiam servir de anteparo à implementação de políticas neoliberais socialmente restritivas, culpabilizando, no processo, as vítimas da iniquidade social. (Carvalho,2004, p.1089)

Nos anos 80 surge um novo conceito de promoção de saúde, chamado de

“Nova Promoção à Saúde”. Recebeu esse nome para diferenciar esse conceito

daquele que o antecedeu. A Carta de Ottawa (1986) foi um dos documentos oficiais

que mais se destacou nesse período e que traz esse novo conceito. Segundo esse

documento, a promoção da saúde é caracterizada como um processo que tem como

objetivo capacitar as pessoas para aumentarem seu potencial de controle sobre a

sua saúde. Destaca ainda que “a saúde é vista como um recurso para a vida diária,

não como o objetivo de vida” (WHO, 1986). Portanto, a promoção da saúde não é

mais vista como responsabilidade exclusiva do setor da saúde, pois está muito além

do estímulo a hábitos de vida saudáveis.

Em 1986, a Oitava Conferência Nacional de saúde (BRASIL, 1986) reforçou

esse novo conceito de promoção de saúde ao afirmar que a saúde é resultado das

condições de alimentação, moradia, educação, meio-ambiente, renda, trabalho,

lazer, transporte, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde.

A saúde é, portanto, “o resultado das formas de organização social da produção, as

quais podem gerar desigualdades nos níveis de vida” (BRASIL, 1986, p.4).

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As ações em saúde ganham, assim, um novo objetivo. A partir daí, elas devem

promover a justiça social, a disponibilidade de alimentos, a equidade, a educação, a

paz, a habitação digna, o salário justo, a estabilidade do ecossistema e a

sustentabilidade dos recursos naturais, pois esses elementos passam a ser vistos

como essenciais à saúde da população (WHO, 1986). As novas estratégias de

promoção de saúde, portanto, são aquelas que estimulam o desenvolvimento de

políticas públicas saudáveis, fomentam a criação de ambientes sustentáveis,

reorientam os serviços de saúde para o foco da nova promoção, desenvolvem a

capacidade dos próprios sujeitos e fortalecem ações comunitárias (WHO, 1986).

Para Buss (2000), diante dos múltiplos problemas de saúde que as populações

enfrentam, a promoção de saúde tem se mostrado uma estratégia promissora capaz

de mobilizar recursos para a resolução desses problemas. Sugere que, para a

solução ou para elaboração de propostas diante dos problemas enfrentados, é

necessária a responsabilização múltipla, isto é, uma combinação de estratégias que

podem ser utilizadas: as ações do Estado que incluem, por exemplo, as políticas

públicas saudáveis; reforço das ações comunitárias na comunidade; o

desenvolvimento de habilidades pessoais no âmbito individual; a reorientação do

sistema de saúde para a promoção da saúde e buscar parcerias intersetoriais.

A Carta de Ottawa (1986) sugere três estratégias de ação para a promoção de

saúde. A primeira é a defesa da saúde, que tem como objetivo tornar as condições

políticas, econômicas, sociais, culturais, ambientais, comportamentais e biológicas

favoráveis a saúde. A segunda é a capacitação, isto é, garantir oportunidades iguais

e proporcionar os meios que auxiliem pessoas a desenvolverem seu potencial de

saúde. Essa estratégia inclui ambientes favoráveis, acesso à informação,

habilidades que sejam capazes de melhorar a qualidade de vida e oportunidades

para fazer escolhas saudáveis. A terceira é a mediação, consiste na habilidade do

sistema de saúde para mobilizar outros setores que também são responsáveis pela

saúde de uma comunidade. Assim, essa estratégia tem como objetivo, fomentar

uma ação coordenada entre governos, organizações não-governamentais e

voluntárias, autoridades locais, indústria e mídia. Com isso, as ações em saúde

devem estar adequadas à realidade local e à possibilidade de cada país e região.

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Carvalho (2004) chama a atenção para um detalhe muito importante no

conceito de promoção de saúde. Ao referir a promoção como força motriz que gera

no indivíduo um maior controle sobre o processo saúde-doença, não estamos

usando esse conceito como argumento para justificar o individualismo, deixando de

lado as transformações nas relações sociais vigentes. Pelo contrário, a promoção de

saúde tem como estratégia colaborar para que pessoas e coletivos reflitam sobre os

problemas que enfrentam na sociedade e procurem intervir sobre a realidade a qual

estão expostos. Assim, segundo ele, a promoção de saúde tem o potencial de

desenvolver autonomia nos indivíduos e gerar solidariedade:

A análise crítica levada a efeito conclui que o ideário da promoção à saúde pode contribuir para a ruptura entre as velhas e novas práticas em saúde, fornecer elementos para transformação do status quo sanitário e para a produção de sujeitos autônomos e socialmente solidários. (CARVALHO, 2004, p. 676).

A OMS (1998) propõe como iniciativas de promoção de saúde as ações em

saúde que abranjam os seguintes princípios: empoderamento, participação social,

concepção holística, intersetorialidade, equidade, ações multi-estratégicas e

sustentabilidade. O empoderamento e a participação social são princípios chave,

sendo que a participação social é fundamental para a avaliação do processo de

promoção de saúde. A concepção holística refere-se à capacidade dessas ações de

promover saúde física, mental, psicológica e espiritual. A OMS (1984) afirma ainda

que atividades de promoção de saúde não são propostas apenas para disseminar

conhecimento ou informar algo, mas essencialmente para fomentar organização

comunitária e o desenvolvimento de políticas com foco na justiça social. Para

garantir a equidade é necessário ampliar o acesso e priorizar grupo vulneráveis. As

ações multi-estratégicas dizem respeito à necessidade de combinar diferentes

métodos e abordagens. A sustentabilidade pressupõe iniciativas de desenvolvimento

sustentável.

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Para Sícole (2003), o conceito de promoção de saúde apresenta duas

dimensões: a conceitual (princípios de promoção de saúde) e a metodológica

(estratégias para aplicação dos princípios). Sícole (2003) afirma que os conceitos de

promoção de saúde já estão razoavelmente bem definidos, no entanto, a dificuldade

reside na elaboração de práticas coerentes com os princípios de promoção.

Para que a promoção de saúde seja possível é fundamental que os serviços de

saúde se reestruturem em práticas menos autoritárias e assistencialistas.

Vasconcelos (2008) afirma que os serviços deveriam concentrar suas ações no

fortalecimento das iniciativas das famílias e não apenas no fornecimento de serviços

e bens que substituam essas iniciativas. Acredita que é necessário estimular

vínculos afetivos e a reintegração das famílias em redes de solidariedade social

local. Assim, para alcançar esse objetivo, os profissionais e gestores precisam

superar a visão de que os usuários do sistema de saúde são incapazes de cuidar de

si mesmos.

2.1.5 Integralidade

A integralidade constitui uma das diretrizes básicas do Sistema Único de

Saúde, mas o seu significado ultrapassa esse. A integralidade para Mattos (2004) é

uma bandeira de luta do movimento sanitário. Podemos dizer que a integralidade

indica os atributos desejáveis a um sistema de saúde e suas práticas. Ao

estudarmos sobre ela, segundo Mattos (2004), podemos perceber 3 significados

principais: integralidade como base para boas práticas em saúde, como eixo

norteador para organização dos serviços de saúde e como políticas públicas que

devem dar resposta a um problema de saúde.

O primeiro sentido da integralidade (base para boas práticas em saúde) surgiu

em um movimento nos Estados Unidos conhecido como medicina integral. Segundo

Mattos (2001) esse movimento criticava o cuidado em saúde que assumia uma

atitude cada vez mais fragmentária e reducionista diante do ser humano, pois a

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abordagem era comumente feita por especialistas, focalizando apenas a sua área de

conhecimento, e ressaltando apenas a dimensão física em detrimento das condições

sociais e psicológicas. A medicina integral propôs reformas curriculares no ensino

médico para que, com isso, os novos médicos formados pudessem ser menos

reducionistas e ter atitudes menos fragmentárias.

A medicina integral no Brasil ganhou corpo e novos significados a partir dos

anos 70, quando nascia também a saúde coletiva (Mattos, 2001). Para a saúde

coletiva, as práticas em saúde eram práticas sociais. A medicina integral no Brasil

compreendia que o comportamento reducionista e fragmentário dos médicos não

poderia ser atribuído unicamente às escolas de medicina. Segundo Mattos (2001)

uma consequência dessa compreensão foi que a transformação da escola médica

deixou de ser prioridade. Entendia-se que era necessário combater a racionalidade

médica biologicista e hegemônica que era o que se reproduzia nas escolas médicas.

No entanto, com o passar do tempo, a Saúde Coletiva afastou-se gradativamente

das questões relativas à prática médica, deixando de lado a ideia da medicina

integral relacionada a boa prática médica (Mattos, 2001). Apesar disso, a

integralidade ainda deve ser entendida como uma boa prática em saúde, na qual o

profissional de saúde se relaciona com o usuário como sujeito e não como objeto

(Mattos, 2004).

O segundo significado da integralidade (norteador para organização dos

serviços de saúde) vem como crítica aos antigos programas verticais definidos por

um grupo de técnicos que, analisando a epidemiologia, acreditava-se capazes de

apreender a necessidade de uma população (Mattos, 2001). Esse segundo conceito

de integralidade vem para reforçar a necessidade de horizontalização desses

programas. Isso implica, segundo Mattos (2001), que as equipes devem planejar

suas práticas com base nas necessidades da população que atendem e não

exclusivamente enquadrá-la nesse ou naquele programa.

Isso não significa que as ações em saúde não precisam ter impacto

epidemiológico positivo. Para Mattos (2001), não há dúvidas que a epidemiologia

auxilia na percepção das necessidades de uma população, mas não é a única forma

de caracterizar essas necessidades. Mattos (2001) afirma que a epidemiologia não é

capaz de apreender todas as necessidades e que algumas ações em saúde são

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justificadas mesmo que não produzam o impacto epidemiológico esperado. Por fim,

conclui que deve haver uma articulação entre demanda espontânea e demanda

programada de acordo com as necessidades observadas de uma população, e que

a organização desse serviço deve ser um processo contínuo que permita

modificações a medida que novas demandas surgirem.

O terceiro sentido (políticas desenvolvidas para dar resposta a uma

necessidade), segundo Mattos (2001), pode ter nascido com o movimento feminista

no Brasil. Esse movimento reivindicou a elaboração de políticas de assistência

integral a saúde da mulher. Já existia naquele momento um programa que incluía

uma atenção especial à população materno-infantil, mas o movimento feminista

rompeu a ideia de que a saúde da mulher deveria ser pensada apenas da

perspectiva da reprodução (Mattos, 2001). Assim, surge a necessidade de ampliar

os programas para um entendimento de saúde integral, da pessoa como um todo,

não apenas de parte de seus órgãos e sistemas.

Além disso, a integralidade como políticas desenvolvidas para dar resposta a

uma necessidade também inclui o entendimento de que é dever do governo ofertar

tanto medidas de prevenção quanto medidas de assistência às doenças. Mattos

(2001) exemplifica dizendo que um programa de câncer de mama que não inclua no

tratamento a restauração da mama nas mulheres matectomizadas, ou que ofereça a

mamografia para diagnóstico precoce, mas não ofereça o acesso às formas de

tratamento seria digno de críticas.

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2.2 Educação em Saúde

2.2.1 Educação Sanitária x Educação em saúde

Da Ros (2000), em sua tese de doutorado, descreve que existem claramente

dois estilos de pensamento referentes à educação orientada para a comunidade: um

que ele denominou educação sanitária e outro educação em saúde.

Para Da Ros (2000) a educação sanitária tem como características: higiene (ou

cuidado) individual para evitar doenças, que são entendidos como de

responsabilidade do indivíduo; esses cuidados têm características da

multicausalidade, porém com foco biologicista; nega a determinação social no

processo saúde e doença; o educador é visto como o detentor da verdade e que

deve inculcar isso a comunidade. Assim, percebemos que tem como foco principal a

prevenção de doenças e possui caraterísticas de uma metodologia bancária de

ensino.

A educação em saúde por sua vez inclui práticas sociais, a relação entre

educador e educando é biunívoca, a determinação social é compreendida como

parte fundamental do processo saúde e doença, a concepção de mundo está

colocada no materialismo histórico, a educação é vista como prática libertadora, na

qual o educador não é neutro. Percebemos que, conforme observado por Da Ros

(2000), a educação em saúde apresenta características da educação popular

proposta por Freire.

Assim, Da Ros (2000) conclui que existem diferenças claras entre a educação

sanitária e a educação em saúde no que se refere a relação entre educador e

educando, a participação dos atores sociais, a metodologia de ensino, o respeito a

cultura, a contextualização das informações fornecidas e a transformação social. De

acordo com essa concepção, podemos observar que a educação sanitária e não a

educação em saúde é feita com muita frequência nas equipes de saúde.

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2.2.2 Informação e Comunicação

Informação e comunicação são termos comumente usados como sinônimos no

nosso dia a dia, no entanto, possuem algumas diferenças essenciais.

O dicionário Michaelis (2012) define informação como ato ou efeito de informar,

transmissão de notícias, transmissão de conhecimentos. Miranda (2011) entende

que a informação é parte importante das ações em saúde que pretendem gerar

mudanças sociais. No entanto, a OMS (1984) reconhece que apenas difundir

informação sem capacitar a população para enfrentamentos relacionados à saúde e

doença é de pouca valia.

Morin (1986) argumenta que sofremos simultaneamente de dois males

referentes a informação: a subinformação e a superinformação. Segundo ele,

vivemos em um mundo onde recebemos constantemente todo tipo de informação,

mas ao mesmo tempo, estamos tão sobrecarregados de notícias que acabamos

incapazes de enxergar detalhes importantes das informações as quais estamos

expostos. Espantosamente, ao mesmo tempo em que recebemos intensamente

notícias referentes a grandes catástrofes e situações de miséria ou guerras,

recebemos pouca ou nenhuma informação sobre outros assuntos. Morin (1986)

afirma que muitas vezes somos informados sobre alguma manifestação ou revolta

em grandes cidades de importantes países meses ou anos depois que ocorreram, a

isso denomina “zonas de sombra informacional” (MORIN, 1986, 32p).

Comunicação, por sua vez, recebe, pelo mesmo dicionário, a definição de

“relação, correspondência fácil; trato, amizade” ou “processo pelo qual ideias e

sentimentos se transmitem de indivíduo para indivíduo, tornando possível a

interação social”. Miranda (2011) ressalta que, para se alcançar os objetivos de um

sistema de saúde, a comunicação deve ser uma das prioridades.

Quanto à comunicação, Vasconcelos (2008) compreende que é fundamental,

em um trabalho de educação popular, abrir espaços para o diálogo entre

profissionais da saúde e pacientes, para a discussão sobre questões importantes

com o objetivo de buscar melhores condições de vida. Segundo ele a linguagem é

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muito mais que um instrumento de comunicação, é antes disso um instrumento para

elaboração. Antes que a linguagem se torne mensagem ela é, primeiro, construção

de pensamento, antes de comunicarmos algo, precisamos organizar nossas

experiências. Assim, a linguagem não é apenas um resultado, mas um processo no

qual damos forma ao nosso conteúdo impreciso de experiências.

Vasconcelos (2008) também reconhece que numa “sociedade dividida em

classes sociais, o padrão de linguagem da elite impõe-se como padrão legítimo”

(VASCONCELOS, 2008, p. 54). A escola possibilita o acesso aos diferentes padrões

de linguagem e capacita para a sua correta utilização. No entanto, muitas das

comunidades com as quais grande parte dos profissionais de saúde trabalha, não

tiveram acesso a escolas de qualidade. Assim, quando esse usuário é exposto a

uma situação de grande diferença entre os padrões de fala que seriam adequados e

aqueles que ele possui, desenvolve grande ansiedade, insegurança e pode dificultar

a comunicação (Vasconcelos, 2008). Assim, conclui que “a linguagem não é

somente instrumento de comunicação, mas também instrumento de poder”

(VASCONCELOS, 2008, p. 54).

A partir dessa descrição podemos perceber que informação, comunicação e

educação são conceitos muito diferentes, porém interligados. A informação é a base

necessária para gerar mudanças sociais, mas por si tende a ser insuficiente para

isso. Assim, precisa de uma boa via de comunicação e principalmente de educação

para que promova as mudanças sociais que pretende.

2.2.3 Concepção educacional de Paulo Freire

Abordarei agora também um pouco sobre o conceito educacional de Paulo

Freire. Entendo que esse capítulo poderia ser incluído tanto entre os capítulos da

metodologia quanto aqui nos referenciais teóricos, isso porque, como trata-se de um

trabalho com caraterísticas dialéticas, existe aqui essa duplicidade, esse ir e vir das

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concepções educacionais de Paulo Freire. Retomarei novamente essas ideias, de

forma sucinta, no percurso metodológico.

Paulo Freire (1997) entende que a educação não consiste apenas na

transferência de conhecimento, mas fundamentalmente na criação de possibilidades

para a produção ou construção do conhecimento. O ato de formar, segundo ele, não

pode ser compreendido como o ato de “dar forma” a um corpo indefinido. Para

Freire, “é preciso que desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais

claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e

quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (FREIRE, 1997, p. 12). Assim,

para Paulo Freire (1997), a educação assemelha-se mais a um diálogo, no qual,

tanto o educador quanto o educando, compartilhem partes de si com o outro. O

pressuposto básico da concepção educacional de Paulo Freire, portanto, é que

“ninguém educa ninguém e ninguém se educa sozinho, a educação deve ser um ato

coletivo” (Brandão, 2004, p. 10).

Tendo isso em vista, Freire (1997) observa que a tarefa fundamental de um

educador não é meramente ensinar conteúdos, mas ensinar a “pensar certo”. Por

isso, para ele, não poderia ser considerado educador crítico aquele que

mecanicamente apenas repete ideias e frases memorizadas de textos que leu.

Educadores assim apenas repetem aquilo que leram, sem pensar se existe alguma

conexão com o mundo no qual vivem. A fala desse tipo de educador pode ser

bonita, mas, desconectada da realidade, não apresenta utilidade prática. No

contexto atual, vemos frequentemente profissionais da saúde desenvolverem

propostas de educação sanitária na qual apenas “repetem mecanicamente ideias e

frases” que não estão conectadas a realidade daqueles que ouvem e, assim, não

tem utilidade prática:

Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pensa errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas. Por isso é que o pensar certo, ao lado sempre da pureza e necessariamente distante do puritanismo, rigorosamente ético e gerador de boniteza, que me parece inconciliável com a desvergonha da arrogância de quem se acha cheia ou cheio de si mesmo. (FREIRE, 1997, p. 15).

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Esse “pensar certo”, para Freire (1997), implica num movimento dinâmico e

dialético que gira em torno do fazer e do pensar sobre o fazer. Para ele, o ponto

mais importante da formação de um educador é a reflexão crítica sobre a prática. “É

pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a

próxima prática” (FREIRE, 1997, p.22). Mesmo o discurso teórico, que leva a

reflexão crítica, necessita estar fundamentado na prática.

Outro princípio fundamental da concepção educacional de Freire (1997) é o

respeito à autonomia do educando. Para ele, o educador não deve desrespeitar a

curiosidade, linguagem, gosto estético do aprendiz, nem deve ironizá-lo ou minimizá-

lo. O educador autoritário, segundo Freire, afoga a liberdade do educando retirando

dele o direito à curiosidade: “O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um

imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros”

(FREIRE, 1997, p.35).

Ainda, Freire (1997) compreende que educar, em qualquer área do

conhecimento humano, é um ato político. Para ele, educar é ver a história como uma

possibilidade e não como uma determinação. “O mundo não é, o mundo está sendo”

(FREIRE, 1997, p. 46). Assim, Freire acredita que para educar é necessário ter

convicção de que mudanças são possíveis. Segundo ele, não nos afirmamos no

mundo através da simples resignação com os problemas, mas através da rebeldia

face às injustiças:

Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar. (FREIRE, 1997, p. 46).

Portanto, para Freire (1997), como educadores, temos que ter não apenas a

certeza de que é possível mudar, mas mais que isso, temos que ter certeza que é

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preciso mudar. Ele afirma que não agir sobre as situações de miséria do nosso país

é uma imoralidade, no entanto, compreende também que não podemos tentar impor

às pessoas, já oprimidas e excluídas da sociedade, que se rebelem, que se

organizem para lutar por mudanças. Freire (1997) acredita que, independente da

área com a qual trabalhamos, seja educação, saúde ou religiosa, devemos desafiar

as pessoas a perceberem a profunda injustiça na qual vivem, levando-as a

compreender que essa situação de injustiça não é imutável, como que determinada

pelo destino ou pela vontade de Deus, mas é passível de modificações se

passarmos a nos enxergar como agentes dessa transformação.

2.2.3.1 Círculo de cultura

Apesar de o círculo de cultura ser o procedimento metodológico fundante

desse trabalho, compreendo que também é importante aprofundar o entendimento

teórico sobre isso. Assim como as concepções educacionais de Paulo Freire,

retomarei o círculo de cultura no percurso metodológico de forma mais sucinta.

A partir do momento que compreendemos o conceito educacional de Paulo

Freire, fica fácil entender qual o objetivo dos Círculos de Cultura idealizados por ele.

Para Monteiro e Vieira (2010), essa metodologia tem por objetivo ampliar o potencial

dos indivíduos para conduzirem uma transformação social, afinal, o próprio exercício

do pensar crítico sobre uma prática já constitui uma intervenção no mundo.

No Círculo de Cultura, segundo Monteiro e Vieira (2010), busca-se incentivar,

através do dialogo, uma reflexão-ação que, elaborada coletivamente, é capaz de

sugerir propostas para intervenção social. No caso dessa pesquisa, o objetivo do

Círculo de Cultura será instigar os profissionais de saúde a uma reflexão sobre as

ações educativas realizadas até o momento e encorajá-los a realizar uma proposta

nova de trabalho pautada em conceitos de educação de Paulo Freire, ou seja, capaz

de levar o empoderamento da comunidade.

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Bankes et al (2011) afirma que, em grupo, um determinado tema é melhor

problematizado do que em entrevistas individuais, afinal, nessa roda de conversa,

“quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (Paulo

Freire, 1997, p.12). Está é uma metodologia fundamentada em uma perspectiva

dialética, pois existe uma intenção clara de sensibilizar os participantes a atuarem

sobre a realidade, transformando-a. Para o desenvolvimento desse trabalho,

portanto, o regulador do grupo, aquele que coordena-o, necessita estar atento para

as falas que vão aparecendo durante o debate.

Monteiro e Vieira (2010) entendem que esse método possui três momentos. O

primeiro consiste da investigação temática, ou seja, o momento em que tanto os

participantes como o regulador do grupo buscam as palavras e temas centrais para

os debates. O segundo momento é a tematização, isto é, o momento no qual as

palavras e temas selecionados são codificados e decodificados, buscando o seu

significado social. Por fim, o terceiro momento compreende a problematização, por

meio da qual “buscam superar a primeira visão mágica por uma visão crítica,

partindo para a transformação do contexto vivido” (MONTEIRO e VIEIRA, 2010,

p.398). É importante considerar que a separação do círculo de cultura nesses três

momentos tem uma função mais didática do que prática, pois na aplicação do

método no grupo, esses momentos não seguem necessariamente uma ordem

sequencial, mas a mudança de um momento para outro não tem limites precisos.

2.2.4 Conceito de empoderamento, autonomia e emancipação

Os termos “empoderamento”, “autonomia” e “emancipação” são utilizados em

diferentes textos quase como sinônimos. O problema é que o significado que se dá a

cada um desses termos é diferente dependendo do estilo de pensamento daquele

que o utiliza. Assim, nesse trabalho, tentarei esclarecer sobre o conceito que eu

carrego e que influencia minha maneira de pensar e agir, para que, com isso, meu

estilo de pensamento não se confunda com algum outro contraditório.

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Antes de abordar esses termos, quero esclarecer o que compreendo por estilo

de pensamento. Para Fleck (2012), um estilo de pensamento é influenciado pela

cultura, educação, tradição e outros pressupostos que estão presentes no

observador. Geralmente, quando um novo estilo de pensamento é formado ele tende

a deixar de lado o aprendido do estilo de pensamento que o antecedeu. A partir dos

pressupostos que o observador tem, ele começa a olhar o objeto de maneira

diferente da anterior, surgindo, assim, novas interpretações do que é observado.

Inicialmente, essas novas interpretações ainda são confusas e desarticuladas. Mas,

à medida que o observador inicia a transcrição dos conceitos, passa, finalmente,

para a construção do fato científico bem elaborado. Assim, um novo estilo de

pensamento é formado.

Para a manutenção desse novo estilo de pensamento, o observador busca

aliados que pensem como ele. Para isso, faz uma coerção de pensamento. A

coerção é uma força exercida sobre o coletivo para “o ver dirigido”, isto é, uma

doutrinação, formando assim, o coletivo de pensamento. O coletivo de pensamento

“luta” para a manutenção do seu estilo de pensamento e passa por dois momentos:

no primeiro momento, o estilo adapta-se ao pensamento dominante, e é conhecido

como Classismo, no segundo momento, chamado Complicações, as exceções

começam a ser percebidas. Nesse momento, o ciclo da criação de um novo estilo de

pensamento pode ser reiniciado.

Resumindo, existem no mundo inúmeros estilos de pensamento, e esses três

termos autonomia, empoderamento e emancipação vem sendo utilizados por estilos

de pensamento que são absolutamente contraditórios. Assim, tomarei a liberdade de

explicar cada um detalhadamente, para que, com isso, esclareça o meu estilo de

pensamento com relação a esses três termos.

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2.2.4.1 Empoderamento

O termo empoderamento, original do inglês empowerment, é traduzido tanto no

português quanto no espanhol como “empoderamento/apoderamento” e

“emancipação”. No entanto, nem um nem outro termo traduz bem o significado

original. “Apoderamento”, em português, é usado com significado de “tomar posse”

de algo e “emancipação” é usado com o significado de “aquisição da capacidade

civil antes da idade legal” ou “alforria, libertação”. O termo “empoderamento” não

existe na língua portuguesa.

A ideia do empowerment surgiu na segunda metade do século XX através dos

movimentos sociais que ocorreram nos países desenvolvidos, tais como lutas pelos

direitos civis e direitos da mulher (CARVALHO, 2004). A partir daí, o conceito

ganhou novos contornos: na década de 70, os movimentos de auto-ajuda

influenciaram na conceituação de empowerment; na década de 80, a psicologia

comunitária adotou o termo e influenciou seu significado; nos anos 90, esse conceito

recebeu a influência de movimentos que procuraram afirmar o direito à cidadania em

diferentes esferas sociais (CARVALHO, 2004).

De acordo com Carvalho (2004), existem dois tipos de empowerment, o

psicológico e o comunitário. O “empowerment” psicológico é descrito como uma

sensação que a pessoa tem de possuir maior controle sobre a própria vida, não

sendo necessário que paticipe de ações políticas coletivas (CARVALHO, 2004). O

problema desse conceito reside na filosofia individualista, que tenta desconectar o

ser humano do seu contexto sociopolítico. Essa concepção, segundo Carvalho

(2004), pode constituir-se como mecanismo de regulação social, porque ignora a

raíz dos problemas sociais. O “empowerment” comunitário, por outro lado, diz

respeito aos processos que buscam a redistribuição de poder. Visto que nossa

sociedade é formada por grupos com diferentes níveis de poder e controle sobre os

recursos, aqueles que perdem poder devem mostrar resistência (CARVALHO,

2004).

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Carvalho (2004) ainda observa que o “empowerment” comunitário deve incluir

tanto a realidade objetiva da redistribuição de poder quanto a experiência subjetiva

do “empowerment” psicológico. Segundo ele é fundamental que, em prol da luta

contra a “tirania do indivíduo”, não cometamos o erro de cair no outro extremo, isto

é, a “tirania do coletivo”. Isso pode ocorrer quando a interpretação do conceito de

promoção à saúde resume-se, de forma errada, exclusivamente às ações políticas

coletivas, ignorando o desenvolvimento crítico dos indivíduos, afinal um processo de

mudança necessita de uma percepção do poder de cada indivíduo.

Gohn (2004) afirma que o termo “empoderamento” tem sido traduzido no Brasil

com diferentes significados. Pode referir-se tanto a um processo que mobiliza e

impulsiona grupos em direção ao crescimento de sua autonomia como pessoas

capazes de refletir criticamente sobre a realidade social do país, quanto a um

processo que garante um conjunto de ações cujo objetivo único é integrar

socialmente os excluídos em “sistemas precários, que não contribuem para

organizá-los – porque os atendem individualmente, numa ciranda interminável de

projetos de ações sociais assistenciais” (GOHN, 2004, p.23).

Para Stotz e Araújo (2004), o “empowerment” prevê que pessoas que dispõem

de poder sejam capazes de criar condições para que grupos de excluidos

socialmente venham a adquirir poder. Kleba e Wendhausen (2009) destacam que

agentes externos podem fomentar ações ou a criação de espaços que impulsionam

processos de empoderamento:

Com isso, pessoas renunciam ao estado de tutela, de dependência, de impotência, e transformam-se em sujeitos ativos, que lutam para si, com e para os outros por mais autonomia e autodeterminação, tomando a direção da vida nas próprias mãos. (KLEBA e WENDHAUSEN, 2009, p. 735).

No entanto, é importante lembrar que o Banco Mundial (2002) acabou

imprimindo um novo sentido ao termo empowerment ao defini-lo também como meio

capaz de ampliar o acesso a recursos materiais, não fazendo menção a coletividade.

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Assim, o termo acabou aos poucos perdendo a identidade social e coletiva para

focalizar quase que exclusivamente no indivíduo.

2.2.4.2 Autonomia

O conceito de “autonomia”, assim como o de “empoderamento”, também tem

sido utilizado por diferentes estilos de pensamento. O ideário neoliberal incorporou o

conceito com o sentido de estimular o individualismo e a competitividade. No

entanto, Freire (1997) compreende autonomia com significado oposto a esse,

reforçando a solidariedade como forma de luta capaz de restaurar a ética do ser

humano.

Para Freire (1997), a autonomia é construída pelo próprio sujeito e conduz a

liberdade a medida que preenche os espaços antes dominados pela dependência.

Essa autonomia não necessariamente se constrói sozinho. Freire (2004) estimula

que o educador seja capaz de persuadir ou convencer o educando a construir sua

liberdade e assumir a responsabilidade que surge com ela:

No fundo, o essencial nas relações entre o educador e educando, entre autoridade e liberdades, entre pais, mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia. (...) Posso saber pedagogia, biologia como astronomia, posso cuidar da terra com o posso navegar. Sou gente. Sei que ignoro e sei que sei. Por isso, tanto posso saber o que ainda não sei como posso saber melhor o que já sei. E saberei tão melhor e mais autenticamente quanto mais eficazmente construa minha autonomia em respeito à todos outros. (FREIRE, 1997, p. 58)

Segundo Freire (2004), é fundamental que a pessoa assuma a

responsabilidade das suas decisões amparada na sua autonomia. Para ele, ninguém

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nasce autônomo e, assim, é capaz de decidir, pelo contrário, a autonomia é

construída através da experiência adquirida nas tomadas de decisão (Freire, 1997).

Não existe uma data marcada para a “chegada” da autonomia, a autonomia é um

processo, é um vir a ser, e vai amadurecendo com o tempo.

Muitas vezes, em nossa prática profissional, não gostamos das decisões que

alguns pacientes tomam por pensarmos que sabemos melhor do que eles qual

decisão deveriam tomar. Algumas vezes, por estarem expropriados de sua

autonomia, os usuários do sistema de saúde preferem não tomar decisão, mas

deixam isso a encargo do profissional. Campos (2006) afirma que desenvolver a

autonomia deveria ser uma das atribuições do sistema de saúde, no entanto, o

sistema de saúde tem, muitas vezes, contribuído para o oposto, gerando mais e

mais dependência. Isso não significa que o profissional da saúde não deva orientar

os usuários, afinal ele tem um conhecimento sobre o seu trabalho que deve ser

compartilhado para auxiliar as pessoas que procuram atendimento a tomarem

decisões. Mas, o profissional precisa compreender que a decisão final será sempre

do paciente e que essa decisão pode ser contrária a orientação do profissional. Essa

decisão acaba se mostrando, por vezes, mais acertada, nos levando a lembrar da

necessidade de nos colocarmos sempre na posição de aprendizes.

Campos (2006) defende que autonomia não é um estado de absoluta liberdade

ou inexistência completa de dependências, assim como saúde não é o contrário de

doenças, mas como a capacidade que um indivíduo desenvolve para lidar com sua

rede de dependências. O sujeito é corresponsável pela sua constituição e pela

constituição do mundo que o cerca. No entanto, a autonomia, segundo Campos

(2006) depende de fatores externos ao sujeito como a existência de leis

democráticas, da cultura na qual está inserido, de políticas públicas que o

fortaleçam, do acesso à informação e, principalmente, da capacidade de utilizar esse

conhecimento em prol do coletivo.

Campos (2006) reconhece que a clínica tradicional, biomédica, não tem

contribuído para a autonomia de pessoas e de comunidades. O paciente é assumido

como alguém que não tem conhecimento e, portanto, deve seguir as prescrições à

risca, sendo que essas prescrições não são negociadas com o paciente. Para

Campos (2006), é necessário construir uma clínica que não retire do sujeito a

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responsabilidade de escolhas, mas que também não o culpabilize. Uma clínica

assim permitirá que o indivíduo faça escolhas.

Para Illich (1975), o sistema de saúde, da forma como está organizado,

intensifica a dependência em detrimento da autonomia da sociedade, retirando

progressivamente o domínio do sujeito sobre o meio, a alimentação e a política.

Essa característica é denominada de iatrogenia social. Segundo o autor, um dos

mecanismos de expropriação da autonomia está na medicalização do normal. A

sociedade médico-científica tem prescrito tratamento para situações que são parte

do ciclo normal de vida das pessoas, como a menopausa por exemplo. Além disso,

sintomas que não necessitariam de tratamento, porque são auto-limitados, são

tratados com medicamentos promovendo a ideia de que é necessário, ao menor

sintoma, procurar o sistema de saúde para tratamento medicamentoso.

Outra forma de expropriação da autonomia é o diagnóstico excessivo de

patologias mesmo em pessoas normais (Illich, 1975). Cada vez mais síndromes

clínicas são agregadas ao rol de patologias existentes e, assim, cada pessoa que

procura atendimento pode ser enquadrada em uma categoria da Classificação

Internacional de Doenças (CID) e tornar-se mais um dependente de

acompanhamento no sistema de saúde. Além disso, a iatrogenia social também

pode ser reforçada pela prática preventivista. Illich (1975) cita a moda dos check-ups

para o diagnóstico precoce de doenças, como uma das práticas preventivistas que

gera muita dependência e afirma que o diagnóstico precoce transforma pessoas que

estavam sentindo-se bem em pacientes ansiosos.

Illich (1975) ainda menciona a medicamentalização da morte como forma de

iatrogenia social. Os profissionais de saúde, bem como o sistema de saúde, movem

todos os recursos possíveis para evitá-la e para prolongar a vida daqueles que estão

em fase terminal. Essa postura gera no sujeito a ideia de que o sistema de saúde é

responsável por eliminar toda a dor, todo o sofrimento, toda carência e todo mal

estar, deixando, com isso, de procurar outros recursos, na coletividade por exemplo,

para suportar seus males. O usuário torna-se dependente do sistema de saúde na

busca por tratamentos “mágicos” que demandam pouco esforço e que não

estimulam a avaliação crítica da realidade:

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O sofrimento cessa então de ser aceito como contrapartida de cada êxito do homem na sua adaptação ao meio e cada dor se torna sinal de alarme que apela para intervenção exterior a fim de interrompê-la. (...) A civilização médica engaja-se na redução do sofrimento aumentando a dependência. A cultura torna a dor suportável integrando-a num sistema carregado de sentido. A ideologia da medicina industrial separa a dor de qualquer contexto subjetivo para melhor destruí-la. As culturas tradicionais, em sua maioria, tornam o homem responsável de seu comportamento sob o impacto da dor. O que o homem industrializado percebe é que a sociedade industrial é responsável diante do indivíduo em dor, de que ela deve livrá-lo. (ILLICH, 1975, p.104)

2.2.4.3 Emancipação

Del Roio (2007) afirma que a emancipação pressupõe também a emancipação

cultural gerada por aquilo que ele chamou de “auto emancipação” das massas. A

emancipação seria então construída sobre um novo bloco histórico que necessitaria

de uma reforma moral e intelectual. Assim, Del Roio (2007) acredita que é

fundamental estudar o folclore de uma sociedade, a religiosidade que a permeia, o

senso comum e suas formas de organização social. Para ele, é necessário que a

sociedade conheça-se para poder promover transformação. A emancipação só pode

ocorrer, segundo Del Roio (2007), a partir de um movimento das massas em busca

de sua autonomia.

Peixoto (2011) observa que as condições de dominação inviabilizam uma

transformação social, porque, segundo ele, nessa “sociedade os opostos convergem

para as mesmas posições políticas e ideológicas” (PEIXOTO, 2011, 168p.). Peixoto

(2011) afirma que ocorre algo que chama “homogeneização política”, isto é, tanto os

partidos ditos de direita como os de esquerda, uma vez no poder, assumem a

continuidade política e econômica do anterior. Segundo Peixoto (2011), Marcuse

concebia emancipação como a capacidade de desenvolvimento pleno de um

indivíduo dentro de uma sociedade que não fosse repressiva.

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Santos (1999) observa que o estilo de pensamento hegemônico do final do

século 20 dá grande importância à subjetividade em detrimento da cidadania e

ressalta ainda que tanto a subjetividade quanto a cidadania são valorizadas em

detrimento da emancipação. Santos (1999) acredita que existem dois pilares sobre

os quais a sociedade está assentada: o pilar da regulação e o da emancipação.

Segundo ele, o pilar da regulação é constituído pelo princípio do Estado, do mercado

e da comunidade; o pilar da emancipação é constituído pela racionalidade estético-

expressiva da arte e da literatura, racionalidade moral-prática da ética e do direito e

a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da técnica. Para Santos (1999)

deveria haver um equilíbrio entre esses dois pilares, pois uma vez que um desses

pilares sobressair sobre o outro, gera um desequilíbrio tal que ambos pilares

acabam sendo acometidos.

Santos (1999) argumenta ainda que a teoria neoliberal tende a desacreditar

completamente o princípio da comunidade. Segundo ele, Rousseau acreditava que a

“vontade geral tem de ser construída com a participação efetiva dos cidadãos, de

modo autônomo e solidário” (SANTOS, 1999, p.206). Assim, Santos (1999) afirma

que a obrigação política do cidadão não deveria ser pensada como vertical, isto é,

do sujeito para com o Estado, mas sim horizontal, do sujeito para com os seus

pares, propiciando uma associação política participativa. Santos (1999) acredita que

é possível criar outras formas de cidadania que não sejam nem liberais e nem

estatizantes.

Nesse trabalho darei preferência para o uso do termo autonomia, dentro das

concepções já defendidas anteriormente, por acreditar que é o termo mais difundido

e também por ser mais familiar para mim.

2.2.5 Grupo x Agrupamento

Vários sentidos têm sido dados ao conceito de grupo. Ao analisamos esses

significados, percebemos que algumas características se repetem (Barros, 1997): o

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grupo como intermediário entre indivíduos e sociedade, o grupo como um todo, uma

estrutura, uma unidade, um objeto de investigação.

Segundo Zimerman e Osório (1997), por natureza o ser humano tende a formar

grupos e somente existe por causa de seus relacionamentos grupais. Para eles,

desde criança, o homem convive com uma constante dialética entre encontrar sua

identidade individual e a necessidade de ter uma identidade grupal e social. Afirmam

ainda que não existe separação entre o individual e o social, mas que essas duas

esferas estão de tal modo emaranhadas que se confundem entre si. Assim, “todo

indivíduo é um grupo da mesma maneira que todo grupo pode comportar-se como

uma individualidade” (ZIMERMAN E OSÓRIO, 1997, p.27).

Existem diferentes tipos de grupos. Zimerman e Osório (1997) afirmam que

esses grupos podem ser divididos entre aqueles que pertencem à área da

macrossociologia (grupos grandes) e aqueles que pertecem a micropsicologia

(grupos pequenos), sendo que os pequenos grupos tendem a repetir os padrões

sociais, econômicos e políticos do grande grupo.

Dentre os grupos pequenos é possível diferenciar aqueles que são realmente

grupos e aqueles que são agrupamentos. Segundo Zimerman e Osório (1997), o

agrupamento é composto por pessoas que partilham um mesmo espaço e possuem

um certo grau de inter-relacionamento. Pertencem a essa categoria, por exemplo,

pessoas dentro de um ônibus indo a um determinado lugar, essas pessoas

compartilham o mesmo local e tem um mesmo interesse, apesar de não

apresentarem vínculo emocional. Zimerman e Osório (1997) entendem que um

agrupamento pode vir a tornar-se um grupo, mas para isso precisará transformar os

“interesses comuns” em “interesses em comum”.

Grupos para Zimerman e Osório (1997) possuem as seguintes características:

Grupo não é simplesmente a soma dos indivíduos que o compõem. A partir

da formação de um grupo, surge uma nova entidade com leis e mecanismos

próprios;

Os integrantes de um grupo estão reunidos em torno de uma tarefa e objetivo

comuns aos interesses deles;

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O tamanho do grupo deve ser limitado, para não colocar em risco a

comunicação, seja verbal ou visual;

Deve ter um objetivo claro e um acordo para se definir espaço, tempo, regras

e outras variáveis grupais;

O grupo é uma unidade que se comporta como uma totalidade e vice versa;

Com a formação de um grupo, cria-se uma nova entidade, mas é necessário

também preservar separadamente as identidades específicas de cada pessoa que o

compõem;

O grupo convive constantemente com duas forças contraditórias: uma força

que tende a coesão e outra que tende a desintegração;

A dinâmica de um grupo se processa em dois planos: o da intencionalidade

consciente e a interferência de fatores inconscientes;

Existe sempre alguma forma de interação afetiva;

Nos grupos sempre existe uma distribuição de papéis entre os membros;

Em todo grupo surge um conjunto de fantasias, ansiedades, mecanismos de

defesa e outros fenômenos típicos de grupo.

Quanto ao desenvolvimento de um grupo, Mendes (2012) faz referência ao

Fundamental Interpersonal Relations Orientation (F.I.R.O.), desenvolvido por Schutz

em 1958, como um instrumento capaz de compreender e avaliar as relações

interpessoais em pequenos grupos. O F.I.R.O., apesar de atualmente ser mais

empregado para estudo de relações familiares, foi originalmente desenhado para

estudo de grupos. Segundo Mendes (2012), esse instrumento sugere que existem 3

necessidades básicas de relacionamento interpessoal que precisam ser satisfeitas

em um grupo: inclusão, controle e intimidade.

A inclusão é o quesito inicial para a formação de um grupo, refere-se à

necessidade de sentir-se aceito. Para isso a pessoa precisa desenvolver interesse

pelos outros e também sentir que consegue atrair interesse e atenção dos outros. O

controle ocorre após a inclusão e é a necessidade de equilíbrio nos relacionamentos

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do grupo que oscila entre ser controlado e controlar, entre ser respeitado e respeitar.

Segundo Mendes (2012), o controle gera o sentimento de responsabilidade e

competência. Por último, surge a necessidade de intimidade, isto é, de

relacionamento afetivo entre os membros do grupo, refere-se à necessidade de

amar e sentir-se amado.

Mendes (2012) afirma que, em todos os grupos, essa mesma sequência

ocorre: primeiro inclusão, depois controle e por último intimidade. No entanto, elas

não ocorrem isoladas umas das outras, essas necessidades coexistem com a

predominância de uma ou outra conforme o momento.

2.2.5.1 Metodologia de grupos com foco na promoção de saúde

Figueiredo, Rodrigues e Leite (2010) afirmam, com base em Freire, que

existem duas metodologias na condução de grupos: bancária e problematizadora. A

metodologia chamada bancária, segundo eles, é a mais difundida. A sociedade

ocidental tem como característica dar uma importância muito grande a racionalidade

científica, e isso se expressa também na educação. Segundo Figueiredo, Rodrigues

e Leite (2010), essa racionalidade criou nos ambientes educacionais a cultura de

professor como aquele que transfere conhecimento e aluno aquele que o recebe

sem modificações e deve reproduzir fielmente o que aprendeu. Essa cultura

compreende o aluno como alguém que é passivo, memorizador e tomador de notas.

A metodologia problematizadora é a proposta sugerida por Freire para a

educação popular. Figueiredo, Rodrigues e Leite (2010) afirmam que essa

metodologia pode também ser chamada de dialógica, pois tem como base

fundamental o diálogo entre educando e educador. Já abordei bastante dessa

metodologia no capítulo 1.5 sobre a concepção educacional de Paulo Freire, mas

irei fazer aqui um breve resumo para relembrar os princípios mais importantes.

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Freire (1997) acredita que a educação se dá através da produção ou

construção do conhecimento, não pela simples “transferência” dele ao educando.

Assim, Freire (1997) entende que a tarefa fundamental de um educador não é

meramente ensinar conteúdos, mas ensinar a “pensar certo”, isto é, pensar

criticamente a prática de hoje para ser capaz de melhorar a prática de amanhã. Por

fim, Freire (1997) também acredita que é fundamental um educador respeitar a

autonomia do educando. Essa metodologia pode se concretizar nos círculos de

cultura, que foram abordados no capítulo 1.6 dessa dissertação.

Moré e Ribeiro (2010) afirmam que, para o trabalho com grupos, é fundamental

o planejamento, a organização e a condução. O planejamento é importante porque

um grupo pode suscitar experiências positivas ou negativas, as quais geram as mais

diversas situações dependendo dos participantes. Por isso, é importante planejar as

ações diante das situações que poderão surgir. Além disso, com o planejamento, é

possível estabelecer regras de contrato grupal que auxiliem no seu crescimento,

pode-se acolher e motivar as pessoas de forma mais adequada e auxiliar na

organização das ações dos atores envolvidos na organização, sejam eles

profissionais de saúde ou não. Assim, é possível prever os recursos necessários

para cada encontro.

Quanto à organização, Moré e Ribeiro (2010), concluem que deve haver a

definição de um objetivo claro e que esse objetivo deve responder as necessidades

da comunidade. Além disso, é importante avaliar algumas questões operacionais

como: o local onde serão realizados os encontros, o horário mais adequado, os

critérios de restrição ou não a novos participantes, estratégias para inclusão de

participantes e um cronograma.

Santos et al (2006) concordam que todo trabalho com grupos deve ter objetivos

claros, publico alvo definido, local apropriado, recursos materiais disponíveis e

referenciais teóricos claros do coordenador. O principal objetivo de formar grupos é

“a construção de relações sociais cooperativas a fim do desenvolvimento contínuo

da autonomia” (SANTOS et al, 2006, p. 348). Santos et al (2006) consideram que

existem algumas condições para formação de grupos que precisam ser respeitadas.

A primeira delas é o sigilo, pois viabiliza interações espontâneas do grupo. Outra

condição importante é a assiduidade e pontualidade, afinal demonstra respeito aos

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compromissos assumidos coletivamente. Sugerem também que as datas e horários

do grupo devem ser agendados com antecedência, respeitando a disponibilidade de

cada participante e as possibilidades da equipe de saúde.

Moré e Ribeiro (2010) ainda esclarecem que para a condução dos grupos é

importante ter uma metodologia dialógica. Para eles, um coordenador de grupos

pode ser comparado a um guarda de trânsito que conduz o diálogo entre os

participantes. Por conta da importância desse tema, decidi abrir uma seção para

abordar as características de um coordenador de grupos.

2.2.5.2 Características do coordenador do grupo

O coordenador de um grupo pode surgir naturalmente, sem formalismos, ou o

grupo ser previamente formado para um objetivo específico com um coordenador já

definido (Zimerman e Osório, 1997). Zimerman e Osório (1997) afirmam que

existem algumas características que são importantes para um coordenador de grupo

e existem outras que não são fundamentais, mas podem ser necessárias

dependendo do grupo a ser coordenado.

Gostar e acreditar em grupos são caraterísticas fundamentais a um

coordenador. Zimerman e Osório (1997) argumentam que um grupo é capaz de

perceber se aquela função do coordenador está sendo algo estimulante ou

enfadonho para ele. Mas, reconhecem que, mesmo que uma pessoa goste de

coordenar grupos, ela pode enfrentar momentos de ansiedades, cansaço ou mesmo

descrença.

Além de gostar e acreditar em grupos, o coordenador também deve ter amor às

verdades. Ao afirmarem isso, Zimerman e Osório (1997) não estão sugerindo que se

busque a verdade como única, porque entendem que as verdades não são

absolutas, mas sugerem que o coordenador seja verdadeiro. Essa caraterística pode

auxiliá-lo a tornar-se um referencial para a identificação de como cada um pode

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enfrentar as situações difíceis da vida. Mesmo sendo verdadeiros, alguns

coordenadores podem não ser coerentes. Zimermam e Osório (1997) observam que

pequenas incoerências são normais em todos os seres humanos, mas incoerências

sistemáticas podem tornar o grupo confuso e inseguro dificultando a criação de

vínculos.

Outro atributo essencial é senso ético, isto é, segundo Zimerman e Osório

(1997) o coordenador não tem o direito de invadir as crenças e valores daqueles que

participam do grupo, tentando impor suas crenças e valores. Além disso, é

fundamental que o coordenador saiba manter sigilo daquilo que lhe foi conferido em

segredo. Zimermam e Osório (1997) notam também que o respeito é outra

característica importante a um coordenador. Segundo eles, o respeito vem de re (de

novo) + spectore (olhar), indicando que o coordenador deve ser capaz de voltar a

olhar para as pessoas com as quais está se relacionando sem considerar rótulos e

papéis que lhe foram incutidos.

Ser paciente e continente são também características fundamentais para um

coordenador de grupos. Para Zimerman e Osório (1997) paciência não significa

passividade ou resignação, mas uma atitude ativa, atitude de espera pelo tempo

certo de cada um. Segundo Zimerman e Osório (1997) esse atributo capacita o

coordenador a adquirir outra característica importante: ser continente. Ser continente

é a capacidade de conter possíveis emoções fortes que surgem em um trabalho com

grupos. Além disso, possibilita que o coordenador seja capaz de controlar suas

próprias ansiedades, de modo que elas não passem a controlar sua mente. Isso não

significa que o coordenador deve ignorar ou esconder esses sentimentos. Zimerman

e Osório (1997) afirmam que o coordenador não deve envergonhar-se ou sentir-se

culpado diante de emoções decorrentes do trabalho com o grupo, mas deve ser

capaz de reconhecer esses sentimentos e administrá-los.

Outra importante característica do coordenador é saber pensar. Para Zimerman

e Osório (1997), o coordenador que sabe pensar é capaz de observar se o grupo

também sabe pensar as ideias, os sentimentos e as posições que estão

verbalizando. “A capacidade para ‘pensar os pensamentos’ também implica escutar

os outros, assumir o próprio quinhão de responsabilidade pela natureza do

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sentimento que acompanha a ideia, estabelecer confrontos e correlações e,

sobretudo, sentir liberdade para pensar” (ZIMERMAN, 1997, 44p).

A capacidade de comunicação e de perceber a comunicação, seja verbal ou

não, é outro atributo fundamental para um coordenador de grupos. Para Zimerman e

Osório (1997), o coordenador deve estar atento as comunicações e formas de

comunicação do grupo e respeitar as falas que surgem. Ceccim (2007) também

aponta que um dos princípios de educação de Paulo Freire é “saber ouvir”. Segundo

Freire é fundamental para o educador respeitar no outro o direito de dizer a sua

palavra. Essa atribuição do coordenador permite que ele interaja como quem fala

com o grupo e não ao grupo. Assim, para Freire, o educador não deve ir “para a

área da favela salvar os favelados com a sua ciência, em lugar de aprender com os

favelados a ciência deles” (CECCIN, 2007, 42p.).

Para finalizar, Zimerman e Osório (1997) concluem que, como base para todos

esses atributos, a empatia é essencial, isto é, uma sintonia emocional entre o

coordenador e os membros do grupo. O significado etimológico de empatia vem do

grego: em (dentro) + pathos (sofrimento), ou seja, capacidade de se colocar no lugar

de cada um do grupo e no clima grupal.

Paulo Freire alerta ainda que é importante que o educador se dispa de sua

falsa sabedoria e passe a reconhecer também a sabedoria do outro:

Se você pretende pra semana começar um trabalho com grupos populares, esqueça-se de tudo o que já lhe ensinaram, dispa-se, fique nú de novo e comece a se vestir com as massas populares. Esqueça-se da falsa sabedoria e comece a reaprender de novo (PAULO FREIRE, in CECCIM, 2007, 43 p).

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2.2.5.3 Dificuldades de desenvolver grupos com foco na promoção de saúde

O trabalho com grupos é um instrumento capaz de promover saúde. No

entanto, as equipes enfrentam diversos obstáculos no seu dia a dia de trabalho que

dificultam e, por vezes, impedem um bom trabalho com grupos. Alves e Aerts (2011)

argumentam que as equipes de saúde que tentam trabalhar com grupos enfrentam

primeiramente o obstáculo da cultura biomédica. Como a grande maioria dos

profissionais ainda é formada dentro da visão biologiscista e hospitalocêntrica, ao

trabalhar na atenção primária, carrega consigo esses conceitos e desenvolve

atividades educativas que visam a modificação de comportamento. Com isso, o foco

das práticas educativas é a prescrição de condutas e comportamentos ditos

saudáveis em forma de palestra e, na maioria das vezes, completamente

desvinculada das necessidades da comunidade. Como as palestras tendem a seguir

o princípio de transmissão de conhecimento quanto ao cuidado de si mesmo, elas

acabam gerando o sentimento de culpa naquele que é doente por não “obedecer às

regras ensinadas”.

Outro obstáculo apontado por Alves e Aerts (2011) é a dificuldade que os

profissionais de saúde têm para compreender a linguagem e a concepção de mundo

das comunidades. Os profissionais não conseguem aceitar que as classes populares

também são capazes de produzir conhecimento e as comunidades não

compreendem a visão de mundo das equipes de saúde. Tal situação gera um

distanciamento na comunicação e no vínculo entre o profissional de saúde e a

comunidade e também uma incompreensão das reais necessidades da população.

Oliveira e Wendhausen (2014) realizaram um estudo com profissionais da

atenção primária de um município do litoral do Paraná, no qual, através de oficinas,

procuraram conhecer a concepção e a vivências de educação em saúde desses

profissionais. Observaram que uma das dificuldades relatadas pelos profissionais foi

que não receberam, durante a sua formação, capacitação suficiente para trabalhar

com a comunidade. Outro obstáculo encontrado foi a compreensão que esses

profissionais tinham com relação ao conceito de educação em saúde, pois para eles

saúde estava ligada a “ter estudo”. No entanto, Oliveira e Wendhausen (2014)

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argumentam que os profissionais compreendiam esse “ter estudo” como educação

formal, esquecendo que a comunidade “tem um saber próprio que deve ser

valorizado na interação trabalhador/comunidade” (OLIVEIRA E WENDHAUSEN,

2014, 138p).

Campos (2006) aponta também duas características de nossa sociedade que

podem se tornar empecilhos para o desenvolvimento de autonomia: individualismo e

fragmentação. Podemos supor, a partir dessa observação, que esses dois

elementos, individualismo e fragmentação, também se tornarão empecilho para a

formação de grupos, afinal, segundo Campos (2006), um homem verdadeiramente

autônomo necessita desenvolver sua capacidade de reflexão e crítica a partir do

reconhecimento de que pertence a uma sociedade, não isolado no mundo.

Podemos, assim, apreender que a autonomia se desenvolve dentro de um coletivo e

não no individualismo.

Fernandes et al (2010) realizaram uma pesquisa com enfermeiros exercendo a

função de gerência/direção de Unidade Básica de Saúde, independente do tempo de

exercício do cargo. O instrumento de coleta de dados foi uma entrevista estruturada

avaliando diversas questões, dentre elas, a visão dos gerentes quanto às

dificuldades e facilidades no gerenciamento das atividades exercidas nas unidades

de saúde. As dificuldades apontadas foram muito semelhantes às apresentadas

anteriormente: composição incompleta das equipes, falta de capacitação de alguns

profissionais para atuar na atenção primária, falta de recursos financeiros, material e

equipamentos.

2.3 Os profissionais de saúde e usuários: os espaços e relações estabelecidas

Nós, profissionais da saúde, deveríamos trabalhar para produzir saúde, no

entanto, devido a nossa formação profissional, atuamos mais como profissionais da

doença. Exercemos nossa profissão com enfoque mais intenso no combate a

enfermidades e deixamos em segundo plano a promoção da saúde. Precisamos nos

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despir dos papéis aprendidos nas escolas e nos colocar verdadeiramente a serviço

da saúde. No entanto, isso demanda de nós um novo agir diante da comunidade,

entre os próprios profissionais da saúde.

2.3.1 O profissional da saúde e o usuário

Para Campos (2006), nosso trabalho é colocado a serviço da defesa da vida,

somos agentes que interferem e sofrem interferência, sujeitos que se deixam tocar.

Isso significa que esse novo agir irá inevitavelmente resgatar a autonomia dos

usuários. Para que sejamos capazes dessa função, precisamos conhecer a

comunidade com a qual trabalhamos: seu conjunto de crenças e valores, o que é

aceito e o que não é tolerado.

Campos (2006) afirma que a postura adotada por muitos profissionais de

encarar aqueles que assistem como “coitados”, ou como “pobres” ou “carentes”

retira deles a capacidade de enxergar as potencialidades dessas pessoas, a força

que elas têm. Para Campos (2006), não podemos chegar a uma comunidade com

receitas prontas e com essa visão de “eu sei, você não sabe!”, ou seja, é sempre o

outro que tem que mudar, que tem que aprender, mas entender que o trabalho em

saúde interfere e sofre interferência.

Vasconcelos (2008) argumenta que alguns profissionais da saúde tendem a

transitar entre dois polos: aquel que considera o usuário culpado pela sua situação

e, com isso, age de forma agressiva, baixando ainda mais a autoestima já

expropriada da população, e aquele que o vê como vítima indefesa e incapaz de

reagir. Essas posturas diante do usuário podem levar alguns profissionais a

pensarem erroneamente que a cultura dessa população é “insuficiente, deformada

ou arcaica”, e que para resgatar a dignidades deles seria necessária intervenção

externa com novos valores e saberes, ao invés de resgatar valores e saberes da

própria comunidade. Com esse pensamento, a fala e as demandas do usuário são

negligenciadas pelo trabalhador em saúde. “Para ouvir, para dialogar, é necessário

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crer na legitimidade da fala do interlocutor” (VASCONCELOS, 2008, p. 54). O

preconceito contra o usuário, segundo Vasconcelos (2008), além de dificultar a

abertura do profissional para com ele, também dificulta a abertura dele para com o

profissional, pois a tendência é sentirem-se envergonhados da sua própria realidade

e, assim, não se permitirem conhecer pelo trabalhador em saúde. Para Vasconcelos

(2008) “é difícil aprofundar um diálogo se um dos atores não respeita e aceita a

própria identidade” (VASCONCELOS, 2008, p. 55).

Para que sejamos capazes de nos sustentarmos como profissionais da saúde

nessa postura de verdadeiros produtores de saúde, segundo Campos (2006), é

fundamental criar espaços para a problematização desses conceitos nas equipes.

Ao entrar em contato com a dor, o risco, o sofrimento e a morte o trabalhador em

saúde pode procurar se proteger alienando-se do trabalho. Por isso, Campos (2006)

defende a criação de espaços para a reflexão sobre o cotidiano, onde essas

questões podem ser levantadas, analisadas e trabalhadas na vida do profissional.

Abrir espaço para a reflexão e diálogo entre os profissionais também é

defendido por Vasconcelos (2008). Para ele as atividades habituais dos serviços de

saúde, especialmente as visitas domiciliares, expõem os profissionais a uma gama

de sentimento, temores e ansiedades que exigem uma pausa para reordenamento

interior. Por vezes, esse desassossego é tão profundo que o profissional torna-se

alienado e se fecha para a troca de sentimentos e informações com as famílias.

Vasconcelos (2008) defende, com isso, a criação de espaços onde é possível

fomentar tanto a educação quanto a reflexão sobre essas rotinas de trabalho, um

espaço que se preocupe também com a sobrecarga emocional do profissional da

saúde. Esse espaço educativo deve superar a antiga estratégia focada apenas em

treinamentos e a reunião do tipo repasse de informações (Vasconcelos 2008).

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2.3.2 Profissional de saúde e a equipe

Peduzzi (2001) afirma que existem basicamente duas maneiras de

compreender o trabalho em equipe: a equipe como um agrupamento e a equipe

como integração entre os profissionais. Segundo ela, o primeiro conceito, equipe

como agrupamento, concebe equipe de uma maneira fragmentada, como um

simples ajuntamento sem cooperação; o segundo conceito, equipe como integração

profissional, define a equipe como uma relação articulada que coopera para a

integralidade do cuidado. Para Peduzzi (2001), a articulação das ações em saúde

refere-se a capacidade do profissional para elaborar correlações e colocar em

evidência as conexões das diferentes intervenções possíveis em um determinado

caso. Assim, equipe como agrupamento seria aquela na qual ocorre apenas a

justaposição das ações, enquanto que na equipe como integração, ocorre a

articulação das ações. Afirma ainda que a articulação das ações não acaba com as

diferenças de saberes técnicos entre os profissionais, pois cada profissional continua

com seu saber diferenciado, mas permite inter-relação com outros saberes.

A comunicação, segundo Peduzzi (2001), é fator fundamental para o trabalho

em equipe e pode ser expressa de três diferentes maneiras. Uma maneira é a

comunicação referente ao trabalho, na qual ocorre uma comunicação muito restrita

que aparece apenas como recurso para a otimização da técnica. Outra forma é a

comunicação de carácter estritamente pessoal, na qual se destacam os sentimentos

de amizade ou camaradagem, mas ainda sem uma comunicação plena. A terceira

forma é aquela em que ocorre uma comunicação clara, com a elaboração conjunta

de objetivo e formas de trabalho. Peduzzi (2001) chama essa terceira forma de

prática comunicativa e tem por finalidade a interação para construir ações em saúde

pertinentes a cada contexto.

No relacionamento em equipe existem ainda outras situações que podem

interferir e dificultar a integração. Peduzzi (2001) destaca que existe uma distinção

entre trabalhos diferentes e trabalhos desiguais. Entre os trabalhadores de saúde é

comum o entendimento errôneo de que a medicina é a prática fundadora do

conhecimento científico na área da saúde e que todas as outras profissões são

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apenas derivadas dela, favorecendo ideia de que existem profissões “superiores” e

profissões “subordinadas” e gerando uma concepção de desvalorização profissional

das ditas profissões “inferiores”. Essa desigualdade social, no interior da equipe,

promove o distanciamento pessoal entre os profissionais e impede a

interdisciplinaridade (Peduzzi, 2001).

Peduzzi (2001) reforça que o trabalho em equipe não pressupõe abolir as

especificidades de cada profissão, pois os diferentes saberes articulados são

fundamentais nas ações em saúde. No entanto, argumenta que deveria haver maior

flexibilidade da divisão do trabalho, isto é, assim como existem áreas de atuação

privativas de cada profissional, também existem áreas que podem ser executadas

por diferentes agentes, borrando, assim, as fronteiras entre as práticas de saúde de

cada trabalhador. Peduzzi (2001) afirma que quanto maior a ênfase que a equipe dá

as especificidades do trabalho menor será sua capacidade de integração.

Quanto aos conflitos, McIntyre (2007) argumenta que, para uma equipe

desempenhar suas funções adequadamente, um bom desempenho individual não é

suficiente, mas é fundamental a cooperação entre os membros e a sua capacidade

de tolerar divergências. Os conflitos são, muitas vezes, vistos como algo negativo,

no entanto, McIntyre (2007) argumenta que eles são inerentes a qualquer processo

de trabalho que envolva a necessidade de interação entre pessoas. Portanto, o ideal

é as equipes desenvolverem a capacidade de gerenciar conflitos de forma a

assegurar os vínculos, evitando soluções que favoreçam a imposição da vontade de

um sobre o outro.

Para uma boa integração da equipe é necessário tempo para o diálogo entre os

trabalhadores. O espaço para diálogo franco entre os profissionais de saúde,

segundo Vasconcelos (2008), facilita a interdisciplinaridade, uma vez que pode

reduzir as disputas corporativas das diferentes categorias ao centrar-se na solução

de um problema concreto.

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3 PERCURSO METODOLÓGICO

Essa pesquisa é qualitativa, na perspectiva dialética e apresenta características

da pesquisa participante.

Iniciei meu mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho com o desejo de

elaborar uma pesquisa que pudesse colaborar para o desenvolvimento da

autonomia dos membros da equipe na qual eu trabalhava na época. Eu trabalhava

como preceptora da residência de Medicina de Família e Comunidade pela Pontifícia

Universidade Católica do Paraná. Estava inserida no SUS, fazendo orientações aos

residentes em uma unidade ESF de Curitiba PR. No entanto, passados quatro

meses do início do mestrado, meu marido foi transferido, por motivo de trabalho,

para um município de Santa Catarina e eu, obviamente, fui com ele. Assim, precisei

repensar meu objeto de pesquisa.

Como eu gostava muito do tema “promoção de saúde”, em conversa com meu

orientador, decidi fazer um projeto de pesquisa cujo objetivo era a transformação de

um grupo previamente formado com o foco na prevenção de doenças em um grupo

de promoção de saúde. No entanto, ao chegar em Santa Catarina, comecei a

trabalhar na iniciativa privada, mas eu desejava aplicar meu projeto de pesquisa no

SUS. Assim, precisei pensar em uma maneira de me inserir em uma equipe da ESF,

apresentar meu projeto de pesquisa, conseguir a permissão da unidade e da

Secretaria de Saúde e iniciar minha pesquisa.

Consegui contato com uma unidade de saúde. Após apresentar meu projeto de

pesquisa e conseguir a liberação da unidade, comecei a frequentar o grupo para

conhecê-lo antes de atuar mais diretamente na transformação que havia proposto.

Meu plano era me inserir no grupo como observadora participante e, após um

período de reconhecimento do grupo e de formação de vínculos, iniciar grupos

focais e transformar o grupo de prevenção em um grupo de promoção.

A coordenadora do grupo, técnica de enfermagem, havia compreendido e

concordado com o projeto que eu apresentei. No entanto, havia solicitado que eu

iniciasse os grupos focais depois que o cronograma, que ela já havia feito, estivesse

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concluído. Naquele momento, ela não sabia informar a data limite desse

cronograma, por isso, combinamos que ela passaria essa informação por telefone

para mim. Ela havia dito, ainda, que o grupo já era de “promoção de saúde”, pois,

segundo ela, a equipe já vinha ensinando o grupo sobre alimentação saudável,

sobre a importância de tomar as medicações corretamente, a necessidade de fazer

atividades físicas dentre outras coisas. A fala da coordenadora chamou minha

atenção na época e me fez pensar que um dos desafios que eu encontraria nesse

trabalho era a falta de compreensão do conceito de promoção por parte de alguns

profissionais de saúde, pois muitos profissionais confundem atividades de prevenção

com promoção de saúde.

Passados alguns dias, ela ligou dizendo que meu projeto havia sido aprovado e

que eu poderia iniciá-lo. Fui, assim, novamente ao grupo, mais uma vez ainda como

observadora, para conversar com a coordenadora do grupo sobre como iria

desenvolver minha pesquisa a partir dali. Mas, para minha surpresa, ela repetiu que

eu deveria aguardar a conclusão do cronograma e, uma vez com o cronograma em

mãos, informou que já estava com todos os dias de atividades do grupo planejados

até o final do ano. Assim, em um dia viria o educador físico, noutro dia o médico, no

mês seguinte o dentista, depois a psicóloga e assim por diante, até completar todos

os profissionais da saúde que pertenciam àquela unidade. Com isso, ela concluiu

que eu poderia iniciar os grupos focais somente em fevereiro do ano seguinte.

Naquele momento, pensei que eu havia perdido o trabalho que tinha feito como

observadora do grupo afinal não haveria tempo hábil para concluir a pesquisa até o

prazo final do mestrado. No entanto, em uma conversa com meu orientador, minha

pesquisa foi redirecionada para aproveitar o que eu havia aprendido nesse tempo

com o grupo. No período em que estive observando o grupo percebi o interesse

sincero da coordenadora em fazer um grupo que pudesse ser útil para a

comunidade. No entanto, ela repetia com frequência que estava desanimada porque

o grupo vinha esvaziando lentamente. Em um dos encontros que tive com eles,

surgiu uma discussão com os próprios participantes sobre o possível motivo para o

esvaziamento gradual do grupo. Essa discussão foi muito importante para me fazer

perceber algo que não tinha pensado até aquele momento.

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Os membros do grupo que estavam presentes naquele dia disseram que,

“estranhamente”, o grupo de idosos que se reunia nas segundas-feiras estava

sempre lotado, mesmo por pessoas mais jovens. Quando questionei o motivo dessa

escolha, uma senhora disse: “é que no grupo de idosos eles dançam, fazem crochê

e outras coisas divertidas”. Nesse momento, a coordenadora do grupo interrompeu

para esclarecer algo para mim: “esse grupo de idosos não é da unidade de saúde”.

Com isso, pude perceber que, possivelmente, o conteúdo oculto dessa fala da

coordenadora era que ela acreditava que dança, crochê e outras coisas divertidas

não eram atividades ligadas à saúde.

A coordenadora do grupo observou, então que muitos dos que deveriam estar

no grupo de hipertensos e diabéticos não vinham ao grupo dela, mas participavam

do grupo de idosos nas segundas-feiras, que não era coordenado pela unidade de

saúde. Revelou então sua estratégia para aumentar a adesão ao grupo de

hipertensos e diabéticos: estava planejando fazer a entrega de medicação somente

no grupo.

Questionei se ela já havia tentado alguma atividade mais lúdica ou divertida no

grupo. Ela disse que, antigamente, faziam um bingo. Nesse período, de acordo com

a coordenadora, muito hipertensos e diabéticos vinham ao grupo. No entanto, a

prefeitura havia orientado que as atividades com grupos desenvolvidas pela unidade

de saúde só poderiam ser feitas se fossem de “promoção de saúde”. Então, os

bingos foram interrompidos. Não sei se houve de fato uma orientação da prefeitura

que não se fizessem bingos ou se, na verdade, foi uma interpretação dela de que

bingos não eram atividades de promoção de saúde. Independente disso, ficou

evidente para mim que a coordenadora do grupo não compreendia claramente o

conceito de promoção de saúde.

A partir daquele momento, a equipe dessa unidade de saúde decidiu criar um

novo tipo de bingo: o bingo da saúde. A coordenadora do grupo ressaltou diversas

vezes que a ideia do Bingo da Saúde foi proposta da equipe e que era realizado

somente por essa unidade de saúde. Contou-me que esse bingo consiste em uma

cartela que contém, no lugar de números, imagens que se relacionam com “saúde”,

tais como um prato com alimento saudável, métodos contraceptivos, alguém

fazendo atividade física e outras coisas do gênero. As imagens são então sorteadas

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uma a uma e, quando alguém fecha a cartela, a última imagem sorteada deve ser

cuidadosamente explicada. Se a última imagem fosse um prato de comida saudável,

por exemplo, um membro da equipe de saúde deve falar sobre esse assunto. Essa

atividade foi caracterizada pela coordenadora como uma atividade de “promoção da

saúde”.

Percebi, nesse período de convivência com a coordenadora do grupo, que ela,

apesar de ser uma profissional bem intencionada, não conseguia desenvolver

grupos de promoção de saúde devido a interpretação equivocada do conceito de

promoção. Além disso, ela claramente entendia saúde de forma setorializada e não

interdisciplinar, por isso desenvolvera um cronograma no qual cada “setor” viria em

dias diferentes ensinar algo para o grupo. Por fim, pude concluir que ela assumia um

conceito de saúde semelhante ao conceito proposto pela OMS (perfeito bem estar),

por isso, o anseio por atividades focalizadas na doença, como o famigerado “bingo

da saúde”, e a necessidade de esclarecer que o grupo de idosos (que acontecia na

segunda-feira) não teria relação com a unidade de saúde. Entendendo isso, ficou

claro o motivo pelo qual ela parece não ter dado muita importância para o projeto de

pesquisa que eu apresentara inicialmente: ela precisava esgotar os assuntos

relacionados a “saúde”, ou o que ela entende por saúde, primeiro.

Assim, devido ao aparente fracasso do projeto inicial, comecei a me questionar

como auxiliar os profissionais de saúde a desenvolverem grupos que sejam capazes

de promover saúde. Nesse período, fui convidada por uma professora do mestrado a

auxiliá-la em seu projeto de pesquisa.

3.1 O Novo Projeto

Esse projeto de pesquisa para o qual fui convidada a participar era formado por

3 fases. A primeira era caracterizada pela aplicação de questionários a todas as

equipes da Estratégia Saúde da Família de um município de Santa Catarina, com o

objetivo de identificar a existência de atividades coletivas, seus objetivos e a

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metodologia aplicada. Essa primeira fase já havia sido concluída. Assim, fui

convidada a auxiliar na segunda fase do projeto que decidi então transformar em

minha dissertação de mestrado. A segunda fase era caracterizada pela realização

de círculos de cultura, com o objetivo de problematizar alguns conceitos

fundamentais da prática em saúde e, assim, levar o grupo a avaliar criticamente as

propostas de educação em saúde desenvolvidas até aquele momento.

Como resultado da primeira fase, percebeu-se que algumas equipes não

realizavam ações de educação em saúde, e justificavam alegando a falta de

recursos ou o espaço físico inapropriado. A maioria, no entanto, realizava alguma

atividade educativa, mas quase todas essas, de forma verticalizada, isto é, o

profissional de saúde como o detentor do conhecimento e o paciente como aquele

que não tem conhecimento algum disposto a receber todas as informações para

adquirir uma vida mais saudável. Algumas, no entanto, surpreenderam com relatos

de atividades nas quais a comunidade participava e que eram feitas em locais dentro

da própria comunidade, uma feita em um bar, outra em uma igreja e outra na casa

das pessoas da comunidade.

Nesse trabalho irei relatar a segunda fase do estudo que consiste na realização

de círculos de cultura. Existe ainda uma terceira fase do estudo, na qual os

pesquisadores acompanham o trabalho de alguns profissionais de saúde que

participaram do círculo de cultura para observar como eles conduzem os grupos.

Porém, não participei da terceira fase do estudo.

3.2 A caminhada

Inicialmente, fomos a uma reunião de enfermagem de um município de Santa

Catarina. Nessa reunião, apresentamos os resultados da primeira fase do projeto e

explicamos como a segunda fase seria realizada, convidando, em seguida, os

interessados a participarem dos círculos de cultura. Havia em torno de 60 pessoas

na sala, entre as quais 15 pessoas assinaram a lista mostrando-se interessadas em

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participar. Desse grupos, oito pessoas poderiam participar nas terças a tarde e sete

nas quartas. Decidimos iniciar o grupo das terças à tarde no ano de 2013 e

propusemos iniciar no ano seguinte, em 2014, um grupo nas quartas-feiras.

Enviamos, então, e-mail para todos os que haviam escrito seu nome na lista

confirmando o interesse em participar e combinando o horário do primeiro encontro.

Apenas três pessoas responderam e compareceram ao primeiro encontro e quatro

ao segundo.

No primeiro encontro vieram três enfermeiras, no entanto, uma delas não

retornou nos encontros posteriores. No segundo encontro, uma das enfermeiras

trouxe uma agente comunitária e uma técnica de consultório dentário de sua

unidade. Assim, participaram dos grupos duas enfermeiras de diferentes unidades

de saúde, uma técnica de consultório dentário e uma agente comunitária,

representando no total 3 equipes. Além delas, participaram também dos grupos uma

acadêmica de fonoaudiologia, uma professora da faculdade, uma professora

aposentada da faculdade e eu. Ambas professoras de faculdades da área da saúde.

Foram realizados três encontros no final ano de 2013 e três no início ano de 2014.

Foram realizados, portanto, 6 encontros, sendo que cada um teve duração

aproximada de 1hora e 15 minutos, com a participação de 8 pessoas no total.

Inicialmente, fiquei bastante decepcionada com o número de participantes. Por

acreditar na importância do tema dessa pesquisa para as ações em saúde, eu

esperava que mais pessoas aderissem aos encontros. Imaginava que possivelmente

eu teria que coordenar dois grupos, por não ser possível incluir todos os

interessados no mesmo dia. Quando apenas 15 pessoas de 60 assinaram a lista, eu

tive minha primeira decepção e depois com a vinda de apenas três enfermeiras,

cheguei a pensar que o grupo acabaria não dando certo. Cogitei a possibilidade de

transformar o trabalho em uma revisão de literatura, pois esse já era o terceiro

projeto de pesquisa que eu elaborava desde que iniciei o mestrado e tive medo que

esses participantes acabassem não retornando aos encontros posteriores.

O que me deixou um pouco mais tranquila foi a adesão das duas professoras e

da acadêmica do curso de fonoaudiologia, da universidade onde eu estava cursando

o mestrado, afinal, eu achava que com um número maior de participantes haveria

menor risco do grupo não progredir. Acredito que esse sentimento que tive deve ser

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inerente ao processo de pesquisa que me propus a desenvolver, pois depender da

adesão de outras pessoas à pesquisa gerou em mim certa insegurança de não

conseguir concluir o projeto a tempo do prazo final do mestrado. Felizmente, meus

temores não se concretizaram, pois os participantes, exceto um que veio apenas no

primeiro encontro, “vestiram a camisa” da problematização dos conceitos sobre

grupo, porque eram pessoas que gostavam de trabalhar com grupos. Algumas

inclusive já tinham experiência e contribuíram muito para o crescimento de todos no

grupo, incluindo o meu. Com o tempo, nos tornamos também um grupo e sentíamos

falta quando um membro não podia comparecer.

Os encontros realizados tiveram, então, o formato de círculos de cultura, isto é,

relações horizontais, dialógicas e críticas entre os sujeitos, com o objetivo de

problematizar o conceito de “grupo”, como descrito mais detalhadamente no capítulo

1.1.6. Assim, nós não apenas discutíamos sobre o conceito de grupo como nos

tornamos um. Nesse trabalho, modifiquei o nome das integrantes do grupo para

nomes de personagens da literatura infantil de Monteiro Lobato e Maurício de

Souza. Escolhi esses personagens por fazerem parte de grupos de pessoas com

vínculos de amizade e também por serem personagens familiares para grande

maioria de nós.

Assim, uma das enfermeiras irei chamar de Emília, porque essa personagem

de Monteiro Lobato é cheia de vida, inteligente, criativa, divertida e espontânea. Não

tem vergonha de se expressar e fala bastante, tem facilidade de se relacionar com

as pessoas e fazer amigos rapidamente. Dentre as personagens de Monteiro Lobato

achei que Emília seria um bom nome para essa enfermeira. Elas têm algumas

características semelhantes como a facilidade de se expor sem ficar envergonhada,

a inteligência e criatividade e a facilidade de agregar pessoas.

A outra enfermeira chamarei de Tia Anastácia, pois coordenava um grupo na

comunidade que ia até a unidade de saúde cozinhar, assim achei que seria a

personagem de Monteiro Lobato que mais se assemelharia a ela. Além disso, Tia

Anastácia é afetuosa, inteligente e humilde, outra característica dessa enfermeira.

A técnica de consultório dentário chamarei de Narizinho. Narizinho é uma

menina muito inteligente e meiga. Foi por causa da meiguice que achei que essa

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personagem de Monteiro Lobato combina bem com a técnica de consultório

dentário.

Uma das professoras será Dona Benta. Dona Benta de Monteiro Lobato

é divertida, inteligente e culta. Sempre muito sensata e carinhosa ela é realista, mas

capaz de aceitar as mais fantásticas brincadeiras. Escolhi esse nome para essa

professora não apenas pelas características citadas acima, que a professora

também apresenta, mas por ser também uma personagem experiente e que tem

algumas características de uma educadora.

Como não havia personagens femininas suficientes no Sítio do Pica Pau

Amarelo, decidi agregar a essa família a Turma da Mônica de Maurício de Souza.

Assim, chamarei a outra professora de Mônica. Um dos motivos para isso é que ela

mesma, em uma dinâmica de apresentação do grupo, se identificou com essa

personagem. Além disso, a Mônica é muito inteligente e companheira, lutando por

aquilo que acredita.

A agente comunitária chamarei de Magali. Não escolhi esse nome para ela por

indicar que gosta muito de comer. Eu escolhi esse nome porque a personalidade da

Magali de Maurício de Souza me faz lembrar um pouco da agente comunitária.

Magali tem uma personalidade humilde e meiga, além disso é uma amiga muito fiel

e inteligente. A agente comunitária também tinha essa caraterística e era muito fiel a

Emília, de quem era amiga.

Por fim, a acadêmica de fonoaudiologia receberá o nome de Aninha e citarei

uma fala da enfermeira que veio apenas no primeiro encontro, assim darei a ela o

nome de Denise.

3.3 Os Atores

À medida que as reuniões ocorriam, a participação dos atores aumentava e

diversas conclusões foram construídas em conjunto no grupo. Alguns participantes

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tiveram uma manifestação mais intensa nos encontros, como Emília e Tia Anastácia,

enquanto Magali e Narizinho tiveram menor participação. Como o tempo, Narizinho

mostrou-se cada vez mais participativa e no decorrer foi uma das que me pareceu

mais ter crescido, ajustando seu discurso com os demais do grupo sem, no entanto,

concordar passivamente. Inicialmente, ela apresentava ainda um discurso inseguro

não muito coerente, confundindo em alguns momentos termos como prevenção e

promoção de saúde. Com o passar do tempo foi compreendendo essa diferença,

assim como o restante do grupo, pois ficava cada vez mais evidente nas discussões

a distinção entre esses termos. Enquanto que inicialmente contribuía pouco para as

discussões por não compreender muito claramente algumas problematizações

levantadas, ao final problematizava alguns conceitos e refletia junto com o grupo.

Magali demonstrou menor participação em relação ao grupo ao longo do

tempo. No entanto, sempre que se expressava, contribuía muito para as discussões.

Apesar de frequentemente preferir falar usando frases curtas, sua fala apresentava

conteúdo e levantava questões para o grupo pensar. Percebi que ela era mais tímida

e questionei-me algumas vezes se o fato de ela agir assim poderia seria

condicionado pela presença de profissionais ditos popularmente como mais

“eruditos” ou com mais “conhecimento”, como enfermeiras, professores, técnica de

consultório dentário e também diante de mim, pois sabiam que eu sou médica.

Assim, sempre que ela falava, eu tentava mostrar todo o interesse em ouvir o que

tinha para compartilhar e algumas vezes eu reforçava positivamente suas

colocações falando coisas do tipo “muito interessante isso!” ou “que legal essa

questão que você levantou!”, no intuito de fazê-la sentir que sua participação era

importante e muito agradável. Percebi que todos do grupo também respeitavam a

fala dela e pareceu-me que ela sentiu-se mais empoderada com o tempo. No

entanto, sempre preferia falar pouco. Percebi que ela sentia-se mais a vontade no

grupo não devido a fala, mas a postura. No primeiro encontro sentou-se em uma das

cadeiras da roda e permaneceu com sua bolsa sobre o colo e com o tronco mais

flexionado para a frente, como alguém que estaria pronta a sair correndo se fosse

necessário. Ao final do primeiro encontro, já estava mais relaxada e veio conversar

comigo em particular sobre uma atividade que havia feito referente à violência contra

a mulher. Com o tempo passou a sentar-se mais a vontade e a colocar a bolsa sob a

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cadeira, não me procurava mais para contar algo em particular, contava para o

grupo alguma experiência que tivera, mas sempre com frases curtas e objetivas.

A Dona Benta e a Mônica tiveram participação bastante equilibrada durante

todo o tempo. Ambas apresentavam uma característica na fala, a qual me parecia

decorrente da sua profissão: tinham o costume de jogar muitas perguntas para o

grupo. Os demais participantes não tinham tanto essa característica.

Esporadicamente, outra pessoa jogava perguntas para reflexão, no entanto, as

reflexões eram mais frequentemente conduzidas através de frases afirmativas. Dona

Benta lançava perguntas mais reflexivas sem uma necessidade de resposta

imediata, apenas para que grupo pensasse. Mônica colocava perguntas que

aguçavam o desejo do grupo de responder naquele momento, pois eram questões

menos reflexivas e mais práticas. Ambas já tinham tido experiências com grupos na

área da saúde. No entanto, por serem professoras várias vezes relataram,

especialmente Dona Benta, que estavam tendo um rico aprendizado com o grupo

por causa das experiências práticas das demais integrantes. Segundo Dona Benta,

como ela estava há muito tempo na docência, essas experiências eram muito

importantes.

Emília e Tia Anastácia eram enfermeiras da Estratégia Saúde da Família. Tia

Anastácia tinha mais tempo de experiência e já vinha desenvolvendo alguns grupos

com os pacientes. Um desses grupos se reunia para cozinhar, por isso escolhi o

nome dessa enfermeira de Tia Anastácia. Tia Anastácia é uma mulher com muita

vivência e já havia estuda muito sobre grupos. Mostrava-se sempre apaixonada por

grupos, o que gerava em todas nós um desejo ainda maior de desenvolver grupos.

Manifestava-se com frequência nos encontros, sempre deixando suas impressões

sobre o que estava sendo falado. Ao falar, gostava de usar expressões relacionadas

à arte, principalmente a música, e artesanatos, como colcha de retalhos e costura.

Algumas vezes, teve dificuldade de chegar até o local das reuniões, mas sempre

fazia o possível para não perder os encontros. Dizia que gostava desse processo de

conversa e troca de experiências e que isso a fortalecia.

Emília, por sua vez, era enfermeira da estratégia a menos tempo, havia

trabalhado por muitos anos em um hospital. No entanto, porque gostava de estudar

bastante, leu muitos materiais sobre atenção primária, promoção de saúde,

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conceitos saúde e doença e, por isso, não teve dificuldades para compreender as

problematizações, agregando conhecimento nos encontros. Bastante esforçada,

mostrava-se sempre interessada em aprender com as experiências relatadas e a

relatar suas próprias experiências ao grupo. Uma de suas características marcantes

era o desejo de levar o que aprendia das reuniões para sua equipe de trabalho. Foi

ela que, no segundo encontro, trouxe mais duas participantes, a Narizinho e a

Magali. Como havíamos combinado que a partir do segundo encontro o grupo se

manteria fixo, sem novas entradas para não dificultar o vínculo, perguntou logo se

poderíamos fazer essas mesmas discussões no ano seguinte, pois queria que mais

pessoas da sua equipe participassem. Uma única dificuldade que tive foi de mantê-

la no foco de alguma discussão específica, pois facilmente acabava fugindo para

outros assuntos.

Manter o grupo no foco da discussão foi um grande desafio em todas as

reuniões para mim. Eu precisei aprender a flexibilizar de forma equilibrada o foco

das discussões. Inicialmente, devido à minha ansiedade, eu ficava preocupada

todas as vezes que o grupo saía do foco da discussão. Com o passar do tempo, e

com o fato de eu estar mais tranquila, permiti algumas “escapadas” do foco para

saber que assuntos iriam surgir. Quando eu entendia que deveria retomar o foco da

discussão, elaborava uma pergunta para jogar ao grupo ou relembrava alguma

afirmação dita por alguém anteriormente. Assim, elas naturalmente acabavam

voltando ao assunto. Nesse ponto, as duas professoras também me auxiliaram,

frequentemente elas acabavam percebendo que o grupo estava se distanciando e

retomavam o foco do grupo.

Por fim, a Aninha compartilhou pouco com o grupo. Ela era acadêmica do

curso de fonoaudiologia e estava ali no grupo mais por ser estagiária de uma das

professoras do que por compreender a importância do assunto. No entanto, ela

desejou participar da pesquisa. Participou de algumas discussões e mostrou

crescimento ao longo dos encontros. Relatou que compartilhava com colegas de

faculdade as conclusões que desenvolvíamos nos encontros. Porém, não

compareceu a nenhum dos três encontros de 2014 por ter aula no horário das

reuniões.

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3.4 Material colhido dos encontros

Gravei os encontros com auxílio de gravador e filmadora. A partir desse

material, fiz a transcrição das conversas. Em seguida, fiz a leitura flutuante das

transcrições e sublinhei o que considerei importante. Deixei uma cópia dessas

transcrições com meu orientador que também leu e destacou algumas coisas.

A partir daí, agrupei as falas em conjuntos que caracterizavam uma categoria,

surgindo assim o primeiro grupo de categorias. Levei, então, esse material para

discussão com meu orientador e, conversando, chegamos ao consenso de que as

categorias que surgiram poderiam ser divididas em: categorias referentes a

problematização de grupo e categorias referentes ao funcionamento interno do

grupos.

Como esse trabalho teve como objetivo problematizar o conceito de grupos de

promoção de saúde, durante os encontros, surgiram diversas categorias relativas a

compreensão de promoção, prevenção, saúde, integralidade e autonomia. Porém,

além disso, surgiu um conjunto de categorias relacionadas ao funcionamento interno

do próprio grupo, visto que esse trabalho se propôs não apenas a falar sobre, mas

também a ser um grupo de promoção de saúde.

Assim, decidimos dividir as categorias em 3 grupos: Compreensão de grupos

na atenção primária, dinâmica de um grupo e dificuldades de desenvolver um grupo

na atenção primária.

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3.5 Aspectos Éticos

Foram fornecidos termos de consentimento livre e esclarecido a todos os

participantes. Os nomes dos participantes e das unidades de saúde foram

modificados para garantir o sigilo. Foi informado a eles que estão livres para decidir

participar ou não da pesquisa e poderão sair da pesquisa a qualquer momento.

Foram utilizados filmadora, gravador e câmera fotográfica para registrar os

trabalhos e dar ênfase aos dados coletados. Foi assegurada a confidencialidade e a

privacidade, a proteção da imagem, nas fotografias e filmagens, e foi garantida a

não utilização das informações em prejuízo das pessoas e/ou da comunidade,

inclusive em termos de autoestima, prestígio e/ou econômicos. Foi garantido o

respeito aos valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos, bem como hábitos

e costumes.

3.5.1 Riscos

A pesquisa poderia gerar algum desconforto aos participantes pela

necessidade de exposição de opiniões. Assim, o participante foi informado que

estava isento de manifestar-se, ou liberado para deixar a pesquisa, a qualquer

tempo da mesma se desejasse.

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3.5.2 Benefícios

Com a pesquisa, o participante pôde refletir sobre as ações de educação na

saúde que vinha realizando até o momento e pôde pensar em novas maneiras de

trabalhar a partir da apropriação do conhecimento de educação popular em saúde

pautada em conceitos educacionais de Paulo Freire. O participante pôde aprofundar

conhecimento teórico metodológico em relação aos temas: educação e

comunicação, mobilização, participação social e outros que porventura foram

debatidos no grupo. A pesquisa proporcionou ao participante a vivência de uma

metodologia participativa, com potencial benéfico para auxiliá-lo a coordenar grupos

semelhantes no seu local de trabalho. A pesquisa pôde ainda fomentar o

desenvolvimento de trabalhos grupais nas equipes de ESF nas quais os

participantes da pesquisa atuam.

3.5.3 Critérios de inclusão

Funcionários da ESF de um município do sul do Brasil que não tiveram férias

programadas no período da pesquisa.

Pessoas que leram, compreenderam e assinaram o termo de consentimento

livre e esclarecido.

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3.5.4 Critérios de exclusão

Funcionários que tiveram férias programadas para algum período da pesquisa.

Pessoas que não assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Preenchimento total das vagas (15 pessoas para um grupo).

3.5.5 Devolutiva

Ao final do trabalho foi realizada uma devolutiva aos participantes da pesquisa

para informar os resultados alcançados.

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4 CATEGORIAS

Pelo fato desse trabalho ter se proposto não apenas a problematizar os

conceitos de grupos de promoção de saúde, mas também ser um grupo de

promoção de saúde, uma gama não esperada de categorias surgiram. Sendo assim,

dividirei as categorias em três: compreensão de grupo de promoção de saúde,

dinâmica de funcionamento de um grupo de promoção de saúde e dificuldades para

desenvolver grupos na atenção primária.

4.1 Compreensão de grupo de promoção de saúde

Dividirei essa categoria em outras 3 subcategorias: Concepções de saúde e

doença, Concepções de integralidade e Concepções de promoção de saúde.

4.1.1 Concepções de saúde e doença

Esta subcategoria surge no meio das falas dos participantes quando se referem

ao cuidado em saúde. Está referenciado no capítulo 1.1. As concepções do grupo

sobre saúde e doença coincidem com o do referencial teórico. Ainda no início das

discussões em grupo, o aspecto psicológico surge como um dos fatores que

interferem no processo saúde-doença.

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Nossas doenças também são transmitidas por processo emocionais. (Emília)

É porque na verdade muita coisa é psicologica né, então só de falar melhora. (Narizinho)

Só o fato de eu falar e poder alguém estar me ouvindo, eu to sendo curado. (Emília)

Porque muitas dificuldades que a gente tem a gente transforma em físico, né!? (Tia Anastácia)

Assim, as falas se aproximaram com McWinney (2010), conforme descrito no

capítulo 1.1.1, quando afirma que, muitas vezes, o que leva um paciente a uma

consulta é, na verdade, uma ansiedade ou medo ou tristeza. Ainda para o paciente é

mais fácil verbalizar um sintoma físico do que um sintoma emocional. As falas fazem

lembrar também o que Balint (2007) afirma sobre o pensamento médico atual:

fortemente baseado no medo de não identificar uma doença física caso concentre

sua atenção em causas psicológicas. No entanto, para Balint (2007), negligenciar

uma doença psicológica, apenas para que o médico tenha segurança de que não

está deixando de diagnosticar causas físicas, pode ser tão prejudicial para o

paciente quanto negligenciar uma doença física.

Em um segundo momento, o grupo cita aspectos sociais como agentes de

interferência também na saúde e na doença:

Porque se eu trabalho com o conceito de saúde lá de moradia e lazer né... ter saúde significa ter saúde física, mental e psíquica dentro dos conceitos de biopsicossocial, né?! ... Eu ter moradia, eu ter um chão, eu ter a possibilidade de lazer, eu ter a possibilidade de ter salário. (Tia Anastácia)

Saúde não é só a gente: “ah to doente vou lá e sou medicada e agora tenho saúde!” Não! O jeito que a gente vive, nossos direitos e deveres. (Emília)

As vezes o problema da boca dele é o problema menor... tem toda uma história por trás. (Narizinho)

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O grupo passa, então, a descrever saúde como o direito a moradia, terra, lazer

e salário, conhecimento sobre direitos e deveres. Esse conceito coincide com o da

Oitava Conferência Nacional de Saúde (1986), que afirma que saúde é resultado

das condições de alimentação, moradia, educação, meio-ambiente, renda, trabalho,

lazer, transporte, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde.

A Oitava Conferência (1986) compreende ainda que saúde define-se no “contexto

histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento”

(BRASIL, 1986, p.4), confirmando a fala de Narizinho sobre a influência histórica da

pessoa como determinante de doenças.

O conceito de saúde mais evidente no grupo está relacionado com o

enfrentamento e também com a concepção de que saúde não é o oposto de doença:

Saúde não é o contrário de doença. (Emília)

Elas tomam as vezes a fluoxetina, a paroxetina, para se proteger para não enfrentar o sofrimento porque ela não quer sofrer aquela dor, ela não quer sentir aquilo. E as vezes, as vezes não, na maioria das vezes ela tem que passar por aquele processo de dor para ela encontrar a alegria no outro lado, porque só conhece a alegria quem já passou pela dor. (Emília falando sobre medicalização)

Saúde é como tu enfrenta, eu chamaria isso de resiliência (Emília)

Essas falas de Emília remontam ao conceito de saúde de Canguilhem (2011)

que pensava que o patológico também deveria ser considerado normal, pois as

experiências do ser vivo incluem as doenças. Além disso, essas falas lembram

também Czeresnia e Freitas (2009, p.69) que argumentam “a saúde não poderá ser

pensada como carência de erros, mas sim como a capacidade de enfrenta-los”

(CZERESNIA e FREITAS, 2009, p.69).

Dona Benta criticou o modelo biologicista da formação do profissional da

saúde. Campos (2006) conclui, da mesma maneira, que para desenvolvermos uma

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clínica ampliada é necessário colocarmos as dimensões subjetivas e sociais de um

indivíduo em contato:

Na nossa formação a gente lida com corpos e não com pessoas. (Dona Benta)

Surge, assim, nesse grupo, a concepção de que a saúde sofre interferências

psicológicas e sociais além de biológicas. Para ter saúde, segundo o grupo, é

necessário abordar o direito a moradia, terra, lazer, salário, conhecimento sobre

direitos e deveres e reconhecer a influência da história de vida de uma pessoa.

Também houve a clara compreensão de que a saúde pode coexistir com a doença.

No entanto, o grupo não abordou claramente a determinação social no processo

saúde e doença.

4.1.2 Concepção de integralidade

Essa subcategoria apareceu esparsa entre os encontros e em algumas

citações. O entendimento do grupo sobre integralidade abrangeu o conceito de

integralidade como base para boas práticas em saúde.

Cuidar é cuida né, em todos os sentidos. (Emília)

A gente acaba se metendo na área que nem é minha, é do médico ou da enfermeira. (Narizinho)

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Melhora pelo simples conversar, porque as vezes o que ele tá sentindo (queixa física) é o menor dos problemas, né?! (Narizinho)

Uma unidade de saúde que trabalha com cuidado, cuidado de uma forma a mais e eu acho aí vem a integralidade, não aquele cuidado prescritivo. (Tia Anastácia)

O grupo referia-se à integralidade com o nome de cuidado e as vezes usava o

nome integralidade, entendendo que o cuidado e a integralidade devem andar

juntos. Emília observou que o cuidado deve ser dado em todos os sentidos,

Narizinho afirmou que no seu trabalho existiam áreas de interface com as outras

profissões e que ela acabava intervindo nessas áreas também, dando a entender

que o cuidado, ou a integralidade, demanda um olhar mais amplo do profissional.

Essa ideia é defendida por Mattos (2004) que entende que a integralidade veio como

forma de enfrentar o modelo assistencial fragmentário e biologicista que domina o

cuidado em saúde atual. Além disso, Narizinho descreve uma abordagem mais

humana com o paciente, ouvindo também seus sofrimentos. A integralidade, para

Mattos (2004), também deve ser entendida como uma boa prática em saúde, na

qual o profissional se relaciona com o usuário como sujeito e não como objeto.

O conceito de integralidade como norteador para a organização dos serviços

de saúde aparece em alguns relatos sobre a modificação da forma de atendimento

na unidade de saúde onde Emília trabalha, primeiramente baseado exclusivamente

em demanda espontânea e depois com definições de prioridades conforme a

necessidade da comunidade e a implantação do acolhimento. Para Mattos (2001),

as equipes deveriam planejar suas práticas com base nas necessidades da

população que atendem.

Antes era só ficha de porta... daí a gente foi implantando o acolhimento. (Emília)

Eu tenho só uma preocupação assim ... a gente tem essa humanidade, a gente pratica essa integralidade, né, mas eu sempre falo para os serviços estarem organizados para isso. (Emília)

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O terceiro sentido de integralidade apontado por Mattos (2004), como políticas

desenvolvidas para dar resposta a uma necessidade, não apareceu nas discussões

do grupo.

Assim, surgiu no grupo, a compreensão de que o conceito de integralidade e

cuidado devem andar juntos, pois a integralidade configura-se em uma boa prática

em saúde e também a reorganização dos serviços para atendimento das

necessidades dos usuários.

4.1.3 Concepção de promoção de saúde

Durante os encontros, o entendimento do grupo referente a promoção de

saúde e autonomia confirmou o referencial teórico trazido nesse trabalho. Coloquei

ambos em uma única categoria porque, nas falas, o desenvolvimento da autonomia

apareceu tão ligado à promoção de saúde que não foi possível separá-los em duas

categorias.

Inicialmente, durante a discussão sobre promoção de saúde surgiram conceitos

que abrangiam somente o que “não era promoção de saúde”, isto é, que “não era

falar de doença”, que “não é a mesma coisa que prevenção” e que o que “vinham

fazendo até o momento não estava promovendo saúde”, no entanto nossas

discussões nesse primeiro momento não levantavam conceito do que “é” de fato a

promoção de saúde:

Ninguém vai chegar com discurso pronto, ninguém vai falar de doença. (Tia Anastácia)

Se entender que saúde não é contrário de doença minha ação vai ser diferente porque eu vou promover saúde. (Emília)

Essa promoção que a gente tava fazendo na verdade não tava promovendo era nada né! (Denise)

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Promover saúde é muito mais que tratar doenças. (Emília)

As pessoas dizem que a gente não ta fazendo promoção a gente ta fazendo prevenção! São duas palavras que se confundem. (Tia Anastácia)

Tem entendimento de prevenção que são entendidos como promoção. (Tia Anastácia)

Essas falas concordam que prevenção de doenças e promoção de saúde são

conceitos distintos, contrariando assim o relatório Lalonde (1974) que conceitua a

promoção como um conjunto de ações que interferem de forma positiva sobre os

comportamentos, ditos não-saudáveis, dos indivíduos. Segundo Lalonde (1974), a

promoção de saúde compreende o combate a práticas não-saudáveis, portanto, a

intervenção proposta por esse conceito deve abranger os hábitos de vida das

pessoas. No entanto, sabemos que, conforme a Carta de Ottawa (1986), promoção

de saúde é, na verdade, caracterizada como um processo que tem como objetivo

capacitar as pessoas para aumentarem o potencial de controle sobre a sua saúde.

Vale destacar que, durante as discussões, o grupo enfatizou que atividades de

prevenção não são ruins:

A gente faz o acompanhamento do recém nascido desde a barriga com a mãe para que no futuro aquele bebezinho não tenha nenhum problema. (Narizinho)

A gente tinha entendimento da importância da epidemiologia e baixar indicadores de saúde, diminuindo doenças e mortalidade infantil... Isso não é ruim. (Emília)

Prevenção também é importante. (Emília)

Com o tempo, a concepção de promoção de saúde ganhou corpo e o grupo

começou a caracterizar o que é promover saúde. Os aspectos relacionados à

promoção foram: melhores condições de vida, de cidadania, enfrentamento,

moradia, afeto, discussão, dinâmica familiar, ouvir, aceitar, opinar e oferecer.

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Promoção é (...) envolve também afeto, também discussão! Estar aberto a ouvir, opinar, aceitar e oferecer. (Tia Anastácia)

Para promover saúde tinha que ver essa moradia desse usuário, tinha que conhecer essa dinâmica familiar. (Tia Anastácia)

É você conversar sobre questões da vida né, sobre enfrentamento das condições de vida, de cidadania, luta pela justiça social, dos direitos humanos. (Emília)

Promoção é tu focado no processo de viver. (Tia Anastácia)

Promover saúde é promover a vida! Tu fica mais vivo, né?! (Dona Benta)

Cria assim um vínculo afetivo né (Tia Anastácia)

Essas falas concordam que a promoção de saúde vai além do foco biológico,

diferenciando a promoção da prevenção de doenças. A Oitava Conferência Nacional

de Saúde (1986) apresenta o conceito de promoção de saúde como aquele capaz

de promover condições de alimentação, moradia, educação, meio-ambiente, renda,

trabalho, lazer, transporte, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de

saúde.

Quanto aos sete princípios da promoção de saúde que a OMS (1998)

descreve: empoderamento, participação social, concepção holística,

intersetorialidade, equidade, ações multi-estratégicas e sustentabilidade, foram

abordados os seguintes:

Acho que eles (referindo-se aos grupos) têm que ter vida própria entende? Independente se nós estamos lá ou não... para continuar mesmo se a gente sair de lá. (Emília)

A gente também vai trabalhando a questão da autonomia, né! (Mônica referindo-se a condução de grupos)

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Emília, muitas vezes durante os encontros, falou sobre a necessidade de

desenvolver autonomia dos grupos e usuários do sistema de saúde. Ficou claro para

todas nós a importância disso para diminuir a dependência que a comunidade tem

do sistema de saúde e a consequente possibilidade de adquirir saúde. Mônica

compreendeu que é papel do profissional da saúde desenvolver a autonomia dos

usuários, concordando com Campos (2006) que afirma que desenvolver autonomia

deveria ser uma das atribuições do sistema de saúde.

Hoje tem um monte de gente atrás de mim porque sabe que a gente é resolutivo, mas ela também tem poder para ir lá lutar... Essas pessoas precisam ter autonomia! Eu fico pensando em caminhos. (Emília)

Como a escuta é importante para o empoderamento! (Dona Benta)

Se a gente pensa no grupo como a gente falou aqui ele já de alguma forma tá empoderando, tá fazendo o cara ficar muito mais ciente, cidadão. (Dona Benta)

Emília reconheceu, nessa fala, a importância de desenvolver autonomia da

comunidade para reduzir a dependência do serviço de saúde. Essa ideia coincide

com o entendimento de Freire (1997) de que a autonomia é construída pelo próprio

sujeito e conduz para a liberdade à medida que ela preenche os espaços dominados

pela dependência. Também recorda Illich (1975) quando afirma que o atual sistema

de saúde, da forma como está organizado, intensifica a dependência em detrimento

da autonomia da sociedade. Illich (1975) denomina essa característica de iatrogenia

social.

Dona Benta, nas falas relacionadas acima, destaca duas formas pelas quais

profissionais de saúde que desejam fomentar o empoderamento podem atuar:

escutando e formando grupos. Kleba e Wendhausen (2009) corroboram esse

pensamento ao afirmar que agentes externos podem fomentar ações ou a criação

de espaços que impulsionam processos de empoderamento.

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Outros princípios que surgiram nas discussões foram a participação social e a

equidade:

Eu acho que a primeira coisa é ver a necessidade da comunidade. (Narizinho, referindo-se a como fazer um grupo).

Trazer a comunidade para dentro das reuniões para você ouvir a opinião deles. (Emília, referindo-se a como saber da necessidade da comunidade).

É importante o reconhecimento do saber do outro. (Tia Anastácia)

Porque o processo tu não constrói sozinho, tu não constrói sozinho, tu constrói junto e junto ... é uma troca o tempo inteiro. (Tia Anastácia, referindo-se ao processo de construção de grupos)

É importante estar ouvindo as experiências e aprendendo com elas também, eu acho que é isso. (Dona Benta)

O grupo compreendeu que, para promover saúde, é necessário saber qual a

necessidade da comunidade. E para saber qual a necessidade da comunidade é

necessário ouvi-la. Ficou claro também, nas falas de Dona Benta e de Tia Anastácia,

que, como profissionais da saúde, precisamos respeitar o conhecimento do outro e

aprender junto com a comunidade, como uma troca de conhecimentos e

experiências para crescimento mútuo, concordando com Vasconcelos (2008) e

Campos (2006), que a comunidade tem um saber próprio que precisa ser resgatado.

Com relação ao princípio da concepção holística, as seguintes falas foram

verificadas:

É um hábito constante o que promover, né. É ver a saúde como um todo! (Narizinho)

Olha o ser humano como ele é e não só como rotina, com protocolos essas coisas (Emília)

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A ideia que foi construída é a de que para promover saúde é necessário ver o

indivíduo além do foco biológico. Durante as discussões, o grupo concluiu também

que desenvolver grupos nas unidades pode ser uma maneira, um instrumento, para

promover saúde. No entanto, a promoção não ocorre somente no grupo, mas para

os participantes, pode ocorrer em qualquer ambiente dentro do sistema de saúde.

Um grupo é um instrumento enorme para promoção de saúde. (Dona Benta)

A questão da promoção ultrapassa o grupo. (Dona Benta)

O envolvimento de outros setores surgiu de forma muito tímida, com alguns

relatos de grupos realizados em creches, mas sem caracterizar realmente uma

articulação intersetorial. Os dois últimos princípios de promoção, ações multi-

estratégicas e sustentabilidade, não foram verificados nas falas.

Surge, portanto, a compreensão de que promoção de saúde não é a mesma

coisa que prevenção de doença, pois vai além do foco biológico. Promover saúde,

conforme as discussões nas reuniões, consiste em condições de vida, de cidadania,

moradia e dinâmica familiar. Promoção de saúde pode ser compreendida como um

processo que leva à promoção do enfrentamento, do afeto, da discussão, do ouvir,

do aceitar, do opinar e do oferecer, ou seja, promover saúde é promover a vida.

Para isso é necessário desenvolver autonomia dos grupos e indivíduos, ouvir a

comunidade para compreender suas necessidades, resgatar e aprender com o

saber que a população possui e ver a saúde como um todo.

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4.2 Dinâmica de funcionamento de um grupo de promoção de saúde

Essa categoria dividi em outras 2 subcategorias: características de um grupo e

Características do coordenador de um grupo.

4.2.1 Características de um grupo

No grupo surgiu o conceito também defendido no referencial teórico aqui

apresentado. No entanto, no primeiro encontro uma frase chamou minha atenção:

Temos que mudar a maneira de ver e pensar das pessoas. (Denise)

Nessa fala, Denise revelou que, para ela, o profissional de saúde tem a função

de mudar o pensamento “errado” da comunidade com a qual trabalha. Aqui,

podemos recordar o que Vasconcelos (2008) fala sobre o relacionamento do

profissional da saúde com a comunidade, afirmando que alguns profissionais da

saúde tendem a transitar entre dois polos: aqueles que consideram o usuário

culpado pela sua situação, agindo de forma agressiva e baixando ainda mais a

autoestima da população e aqueles que veem o usuário como vítima indefesa e

incapaz de reagir. Essas posturas podem levar alguns profissionais a pensarem

erroneamente que a cultura dessa população é “insuficiente, deformada ou arcaica”,

e que, para resgatar a dignidades deles, seria necessária a intervenção externa com

novos valores e saberes, ao invés de resgatar valores e saberes da própria

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comunidade. Com esse pensamento, a fala e as demandas do usuário são

negligenciadas pelo trabalhador em saúde. Felizmente, ao longo dos encontros, não

surgiram novas falas como essa.

No encontro subsequente conversamos sobre a diferença entre grupo e

agrupamento. As características de agrupamento levantadas foram:

Agrupamento a gente vê que não tem muita resolução. (Emília)

É assim aquela fala técnica. (Emília)

Fala alguma coisa que não interessa a pessoa. (Narizinho)

O objetivo não é construído pelas pessoas que estão lá. (Tia Anastácia)

E não chega a um resultado, né! Tu faz faz e não vê resultado. (Narizinho)

Não tem continuidade. (Tia Anastácia)

Sem identificação. (Tia Anastácia)

Pessoas não sentem construindo algo. (Dona Benta)

Percebemos que essas falas concordam com Zimerman e Osório (1997). De

acordo com esses autores em um agrupamento, as pessoas não desenvolvem

vínculos afetivos e não constroem objetivos juntas. No entanto, surgiram ainda mais

características. Segundo as falas acima citadas, o agrupamento não é resolutivo,

apresenta uma fala mais técnica, isto é, não adequada à realidade de quem está

ouvindo, tende a abordar assuntos que não estão relacionados à vida das pessoas e

é fragmentado, isto é, sem continuidade.

Quanto às características de grupos, a primeira apontada nas reuniões é que

através deles pode-se fortalecer a coletividade:

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Porque o processo tu não constrói sozinho! Tu constrói junto e junto... É uma troca o tempo inteiro. (Tia Anastácia, referindo-se ao processo de criação de um grupo)

O grupo traz isso de energia, né, e tira a gente da solidão. (Mônica)

Grupo te dá essa capacidade de enfrentamento... O enfrentamento é outro, né, quando você enfrenta com o outro. As questões vão continuar acontecendo, mas o jeito que você olha e enfrenta é diferente quando você tem um grupo que você confia. (Emília)

Então quando a gente faz um trabalho comum, com objetivo comum, meu ego sai! Entra o coletivo, né. (Emília)

O grupo dá essa possibilidade de fortalecimento do coletivo. (Dona Benta)

É o querer individual se transformando num querer coletivo. (Tia Anastácia)

Grupo tem isso de coletivo. Grupo nesses moldes que a gente tem falado aqui, não nos moldes de palestra porque daí individualiza e vai continuar igual. (Eu)

Sozinho a gente pode chegar mais rápido, mas com o outro a gente chega mais longe. (Emília)

Quando você tem uma rede que te ajuda isso te promove a vida! (Dona Benta)

Nessas falas percebemos que nossos encontros nos fizeram compreender que

a coletividade é importante porque promove troca, redes de apoio e capacidade de

enfrentamento. A necessidade do ser humano de se relacionar em grupos foi

evidenciada por Zimerman e Osório (1997) que acreditam que, por natureza, o ser

humano tende a formar grupos e a sua existência está condicionada aos seus

relacionamentos grupais. Com relação à singularidade Zimerman e Osório (1997)

argumentam que é necessário preservar separadamente as identidades específicas

de cada pessoa que compõe um grupo. Essa característica também apareceu nas

discussões que fizemos:

Aquilo que eu quero não dá para esquecer também né. (Dona Benta)

Se não tem uma pitada nossa a gente também se desmotiva, se eu chego no grupo e não tem nenhuma pitada minha... eu não tenho paixão e não tenho afetividade... eu não me envolvo e não deixo ninguém se envolver. (Tia Anastácia)

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Outra caraterística que surgiu refere-se aos objetivos de um grupo, os quais

são construídos juntos:

Os membros estão reunidos em torno de um interesse comum... Tem um propósito unificado. (Eu)

Grupo tem objetivo comum. (Tia Anastácia)

Objetivo construído junto né! (Mônica)

Quanto aos objetivos, Zimerman e Osório (1997) argumentam que pessoas

podem partilhar um mesmo local e ter um mesmo interesse, mas ainda assim não

apresentarem vínculo emocional e, portanto, não serem um grupo. Zimerman e

Osório (1997) entendem que, para se tornar um grupo, é necessário transformar os

“interesses comuns” das pessoas em “interesses em comum”. Isso confirma as falas

acima citadas as quais concluíram que os integrantes de um grupo devem se reunir

em torno de tarefas e objetivos comuns aos interesses deles.

Outra conclusão diz respeito ao tempo necessário para que um conjunto de

pessoas se torne um grupo de verdade:

Eu acho que tem uma coisa importante: o tempo. Eu acho que o tempo é muito importante. Como a gente as vezes é imediatista. As vezes a gente vai fazer um grupo e quer que já na primeira vez seja assim como a gente pensa, né. (Dona Benta)

Tempo! Tem tempo hoje em dia é uma coisa muito complicada! (Dona Benta)

Então é um processo, o tempo é extremamente importante! (Emília)

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O vínculo é importante e para criar o vínculo é importante tempo. (Eu)

Observando as falas acima, percebemos que o tempo aparece como algo

importante para criar o vínculo necessário para manter um grupo. Assim, concluímos

que os grupos devem reforçar o vínculo entre as pessoas, gerando o sentimento de

pertença:

Porque as pessoas têm que se sentir bem... sentir “eu pertenço a esse grupo, eu faço parte”. (Emília)

É vínculo! (Dona Benta, referindo-se a grupos)

A ideia é elas irem aos poucos se sentindo parte do grupo. (Emília)

A gente tem que amar as pessoas... valorizar as pessoas. (Emília)

Liberdade de se expor e não ter medo de quebrar o encantamento. (Magali)

Grupo tem vínculo... começa a criar uma amizade. (Narizinho)

Tem que se sentir parte. (Dona Benta)

Ela tem que ver que ela é importante. (Narizinho, referindo-se a necessidade de uma pessoa no grupo perceber sua importância)

Grupo como o lugar onde você quer estar. (Mônica)

É o espaço que a gente pode falar da gente, do jeito que a gente vive, do jeito que a gente trabalha, falar da família, do nosso marido, dos nossos filhos. (Emília)

Grupo traz essa leveza de você partilhar coisas difíceis. (Mônica)

Esse sentimento de pertença foi descrito por Mendes (2012) com o nome de

inclusão. A inclusão, para ele, é o quesito inicial para a formação de um grupo e

refere-se à necessidade de sentir-se aceito para isso, a pessoa precisa desenvolver

interesse pelos outros e também sentir que consegue atrair interesse e atenção dos

outros. Zimerman e Osório (1997) sugerem que uma das características do grupo é

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a interação afetiva, confirmando ainda mais a conclusão a que chegamos nas

reuniões.

A partir das discussões, surgiu também a ideia de que o grupo passa por

diferentes fases, como defendido por Mendes (2012):

Tem a fase do conhecimento, do acolhimento, né, aquela fase da inclusão. Depois é a fase da paixão. Depois fase do controle, que todo mundo começa a descobrir as coisas e fica difícil, tem esses conflitos, né. Depois vem a fase da afeição, que daí passado tudo isso, daí apesar de tudo, tu gosta de estar ali, tu gosta, tu sabe dos problemas, mas continua. (Dona Benta)

Dona Benta citou as fases de um grupo. Lembrando que Mendes (2012) afirma

que em todos os grupos ocorre essa mesma sequência, primeiro inclusão, depois

controle e por último intimidade, no entanto elas não ocorrem isoladas umas das

outras, essas necessidades coexistem com a predominância de uma ou outra

conforme o momento.

O desenvolvimento da autonomia dos grupos e indivíduos também mostrou-se

uma característica importante:

Para que a comunidade se fortaleça nesse grupo, que ela tenha autonomia, independente da equipe de saúde. (Emília)

Eu acho que esse é o papel do grupo, né, de formar opiniões. (Magali)

Os grupos não deveriam vir necessariamente dos profissionais, né, que deveria ser exatamente da comunidade, da sociedade. (Tia Anastácia, se referindo aos profissionais da saúde)

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Como descrito no referencial teórico trazido nesse trabalho, Paulo Freire (1997)

aborda essa ideia de desenvolver a autonomia a partir da educação popular. Um

princípio fundamental para Freire (1997) é: o respeito a autonomia do educando.

Para ele, o educador não deve desrespeitar a curiosidade, linguagem, gosto estético

do aprendiz, nem deve ironiza-lo ou minimiza-lo: “O respeito à autonomia e à

dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não

conceder uns aos outros” (FREIRE, 1997, p.35).

O trabalho em grupos deve ainda trazer algo que tenha utilidade prática na vida

daqueles que participam dele. Essa foi outra característica importante a qual

chegamos:

Entrar na cultura da pessoa, falar alguma coisa de seja útil para ela... como isso se relaciona com a prática da pessoa. (Eu)

Grupos devem ser mobilizados a partir da necessidade da comunidade. (Tia Anastácia)

O que falar tem que ter a ver com a vida deles. (Dona Benta)

Eu acho que o que faz a gente ficar no grupo são outras coisas. Não é o conhecimento. Conhecimento também ajuda, mas não é só isso. (Dona Benta)

A gente só participa daquilo que a gente tira proveito... quando tu vai num grupo tem que sentir que alguma coisa ele impacta na tua vida. (Dona Benta)

Não adianta eu ter só a teoria e não ter colocado em prática. (Narizinho)

Para Freire (1997), o ponto mais importante da formação de um educador é a

reflexão crítica sobre a prática: mesmo o discurso teórico, que leva à reflexão crítica,

deve estar fundamentado na prática. Para isso a linguagem é muito importante:

Linguagem acessível para o diálogo. (Dona Benta)

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A linguagem é o principal fator da conversa. (Narizinho)

Uma linguagem simplificada e humanizada. (Tia Anastácia)

O grupo deve ser dialógico. (Dona Benta)

Durante os encontros, pudemos concluir que a linguagem é fundamental no

desenvolvimento de um grupo. Segundo Vasconcelos (2008) é fundamental, em um

trabalho de educação popular, abrir espaços para o diálogo entre educandos e

educadores, entre profissionais da saúde e pacientes, buscando meios para lutar por

melhores condições de vida. Por isso, é importante respeitar a fala do outro, como

defendido por Freire.

Nas reuniões, conversamos também sobre a importância do grupo suportar as

diferenças:

Criar grupos pensando nas virtudes, né... e não eliminando as diferenças. (Mônica)

O grupo precisa suportar as diferenças. (Mônica)

Essas diferenças precisam ser costuradas com as minhas diferenças e eu vou tecer essa colcha. (Tia Anastácia)

Zimerman e Osório (1997) abordam essa questão quando declaram que duas

forças contraditórias convivem constantemente em um grupo: uma força que tende a

coesão e outra que tende a desintegração. Mendes (2012) afirma que essa fase em

que as diferenças aparecem é a fase do controle, na qual existe a necessidade de

equilíbrio nos relacionamentos do grupo que oscila entre ser controlado e controlar,

entre ser respeitado e respeitar. Mendes (2012) afirma ainda que, nessa fase,

formam-se as noções de responsabilidade e competência.

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Zimerman e Osório (1997) argumentam que, com o tempo, ocorre uma

distribuição de papéis entre os membros. Durante as reuniões chamamos isso de

co-responsabilização.

Eu não vou me preocupar só com o meu desempenho, né, mas eu entendo que todo mundo tem que... junto. (Mônica, faz um gesto com as mãos que dava a ideia e caminhar)

Se a gente acredita em alguma coisa a gente vai até o fim. Agora porque não deu certo você vai deixar um afundar sozinho? Não! A gente vai todo mundo junto chorar e levantar todo mundo junto. É ruim quando num grupo você tem uma ideia e daqui a pouco a ideia não dá certo e daí começa todo mundo “mais a ideia não foi minha”... “a ideia não foi minha”... é isso que eu falo tem que ter... tem que ter co-responsabilização. (Emília)

Quanto à metodologia de um grupo, concluímos que ele deve ser planejado, ter

um tamanho limite, o formato de um círculo para facilitar o diálogo, portanto, deve

ser dialógico. Deve ter dinâmica de apresentação quando isso for necessário para

acolher quem está chegando no grupo e deve seguir uma metodologia

problematizadora.

Sempre alguém tem que parar para organizar primeiro... o planejamento é importante. (Emília)

Acho que um grupo assim, quanto menor, dez era um bom tamanho, porque daí há troca e o vínculo e a afetividade, assim, nós nos transformamos. (Tia Anastácia)

Sentar em círculo. (Emília)

Em círculo deixa mais próximo. (Magali)

A apresentação pode auxiliar na aceitação e acolhimento. (Eu)

Aumenta o senso de pertencimento. (Mônica, referindo-se a dinâmica de apresentação)

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Proporcionar das pessoas expressarem, né... consegue tirar o peso das costas delas, o quanto a gente não pode produzir o bem na vida das pessoas. (Emília)

Aquela coisa de ir alguém lá na frente e falar e vai embora. (Narizinho, referindo-se a metodologia de um agrupamento não de um grupo)

Essas características de grupo apontadas nas reuniões são também aquelas

sugeridas por Moré e Ribeiro (2010), Zimerman e Osório (1997), Mendes (2012) e

Freire (1997).

Por último, surgiu ainda mais uma questão importante sobre grupos: a

necessidade de avaliação.

A avaliação é uma forma da gente crias ações estratégias para ir e vir novamente o tempo todo. (Tia Anastácia)

Tia Anastácia aponta que a avaliação é uma forma de saber se os objetivos

estão sendo alcançados, se eles precisam ser redefinidos e se a metodologia está

adequada. Essa avaliação, conforme discussão nos encontros, deve ser feita pelo

próprio grupo.

Portanto, nas reuniões que se desenrolaram, concluímos que grupos: se

caracterizam por fortalecer a coletividade sem excluir a individualidade, necessitam

de tempo para se desenvolver e passam por algumas fases em seu

desenvolvimento, têm uma metodologia que pode ser mais adequada, apresentam

objetivos compartilhados, desenvolvem autonomia, precisam gerar o sentimento de

pertença, devem estar adequados a realidade de quem os frequenta, precisam ter

uma linguagem contextualizada, devem ser previamente planejados, suportam

diferenças, estimulam a co-responsabilização e devem passar por avaliações.

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4.2.2 Características do coordenador de um grupo

Nas discussões, chegamos a diversas conclusões compatíveis com o

referencial teórico trazido nessa dissertação, porém nem todas as características

citadas no referencial surgiram nos encontros. A primeira característica foi a

necessidade de uma escuta ativa.

Escutar, uma escuta ativa. (Tia Anastácia)

Tu vai ter que com todos os sentidos ouvir. (Dona Benta)

Transformar a partir da sua escuta. (Tia Anastácia)

É uma atitude sabe, não uma coisa de ouvir com o ouvido... é uma atitude de olhar e o jeito de olhar. (Dona Benta)

Um dos papéis do coordenador é isso, né... ele afinando essa escuta, né. (Mônica)

Esse indivíduo tem e tem muito a contribuir com a saúde dele e dos pares. Vamos ouvir esses indivíduos. (Tia Anastácia)

O outro também sabe! E eu não sei aquilo que ele sabe! (Tia Anastácia)

Escuta de olhar para a realidade e ter outra visão. (Dona Benta)

A importância da escuta foi também defendida por Freire (CECCIM, 2007) para

quem o educador deve respeitar no outro o direito de dizer a sua palavra. Essa

atribuição do coordenador permite que ele interaja como quem fala com o grupo e

não ao grupo. A capacidade de comunicação e de perceber a comunicação, seja

verbal ou não, é atributo fundamental para um coordenador de grupos. Freire afirma

ainda que o educador não deve ir “para a área da favela salvar os favelados com a

sua ciência, em lugar de aprender com os favelados a ciência deles” (CECCIN,

2007, p.42), acreditando na necessidade de resgatar os valores da própria

comunidade.

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Outra característica levantada é que o coordenador divide o poder quando

escolhe uma metodologia problematizadora:

Ele também teme! Ele também tem enfrentamentos. E uma forma de ele se calçar e se posicionar é ter isso pronto né. Ninguém também o apoiou, ninguém também discute com ele. Então, necessariamente ele é impositivo, ele é autoritário, ele é dominador. (Tia Anastácia, referindo-se ao fato de alguns coordenadores preferirem fazer palestras)

Se eu tenho um agrupamento e eu vou dar uma aula de hipertensão num slide eu tenho total controle sobre tudo o que vai passar no slide. Agora se eu faço um grupo e abro para uma discussão o que é que vai surgir ali? (Eu)

Não vou levar uma coisa pronta. (Tia Anastácia, referindo-se a metodologia problematizadora)

O coordenador então divide poder. (Eu, referindo-se a metodologia problematizadora)

Como o profissional tem que lidar com a perda de poder dele, sabe, isso me chama atenção porque acho que não é fácil isso. (Dona Benta)

Então eu acho que na hora que a gente está com a autoridade a gente assume essa autoridade de uma forma assim muito poderosa, ou seja, “eu é que sei! Você não sabe nada!”... como a gente pode estar bem... que é outra competência eu acho... estar bem em um lugar que a gente não tem o mesmo poder? (Dona Benta)

Eu vou dividir o poder como você falou né... eu acho também que o coordenador não deixa de ter um papel. Então... é... se é importante que as pessoas falem, como eu vou propiciar isso? Né, então... isso é o planejamento de um coordenador. (Mônica)

Essas falas corroboram Stotz e Araújo (2004) que afirmam que o

“empowerment” espera que pessoas que dispõe de poder possam criar condições

para que grupos de excluídos socialmente venham a adquirir poder. Faz lembrar

também da fala de Dona Benta citada no capítulo 3.1.3 quando diz que a escuta é

importante para o empoderamento. Assim, um dos papéis do coordenador é

propiciar meios para desenvolver a autonomia do grupo.

A última fala citada acima (Mônica) indica a necessidade do coordenador de

planejar o grupo com antecedência. Para coordenar grupos não basta chegar ao

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grupo sem nada pensado, o coordenador deve saber onde quer chegar nas

discussões que levanta.

Ainda, o coordenador deve ser humilde e reconhecer quando não sabe algo,

por que ele não precisa saber tudo:

O outro tem que sentir que eu tenho que aprender e eu tenho que ensinar. (Tia Anastácia)

Tem que tirar a veste de enfermeira chefe. (Dona Benta)

E se o coordenador não souber alguma coisa? Pode não saber? (Eu)

Pode!... A gente é humano! (Emília, respondendo a pergunta que fiz)

Zimerman e Osório (1997) chamam essa característica de amor às verdades.

Eles sugerem que o coordenador precisa ser verdadeiro. Essa caraterística pode

auxiliar o coordenador a se tornar um referencial para identificação de como cada

um pode enfrentar as situações difíceis na vida. Freire afirma também, que é

importante que o educador se dispa de sua falsa sabedoria e passe a reconhecer

também a sabedoria do outro (CECCIM, 2007).

Por fim, surgiu também no grupo que o coordenador deve ser paciente e

respeitar o tempo do grupo:

Como a gente as vezes é imediatista. As vezes a gente vai fazer um grupo e quer que já na primeira vez seja assim como a gente pensa, né. Então eu acho que essa é uma das coisas né. (Dona Benta)

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Paciência é outra característica que Zimerman e Osório (1997) destacam como

fundamental a um coordenador. Paciência, para ele não significa passividade ou

resignação, mas uma atitude ativa, atitude de espera pelo tempo certo de cada um.

Atributos como ser coerente e ser continente citados por Zimerman e Osório

(1997) não surgiram nas discussões. Mas, ao final, pudemos concluir que um

coordenador precisa ter uma escuta ativa, respeitando a fala das pessoas, deve ser

capaz de estimular a autonomia dos grupos, abrindo mão de ser “todo poderoso”,

deve planejar e deve ser humilde para reconhecer suas próprias fraquezas e deve

ser paciente esperando o tempo do grupo.

4.3 Dificuldades para desenvolver grupos na Atenção Primária

Algumas conclusões coincidiram com as descritas no referencial teórico desse

trabalho, outras diferiram um pouco.

Quando começamos a abordar grupos, seus significados, metodologias e

objetivos, surgiram nas conversas algumas dificuldades que os profissionais

encontram para viabilizar grupos nos moldes que discutimos. O primeiro entrave que

surgiu foi a dificuldade de se obter adesão da equipe de saúde.

Faltou apoio da equipe. (Narizinho descrevendo uma dificuldade que teve para elaborar um grupo)

Primeira coisa para funcionar tem se ter uma equipe... tu tem que construir um grupo dentro da equipe. (Emília)

Muitos ficam com o trabalho da mesmice, né! Diz: “ah eu não vou criar nada! Até porque eu não vou conseguir efetivamente mobilizar a comunidade”. (Tia Anastácia)

Eu acho que é mobilização do profissional... Mobilizar o profissional de não achar que é só essa coisa tecnológica, essa coisa de só atender no

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individual é que tem impacto, é que tem resultado. (Tia Anastácia referindo-se a uma dificuldade que enfrenta para formar grupos)

Por que como é que tu vai fazer promoção se tu não tem gente assim que se sente valorizado? (Dona Benta referindo-se aos profissionais de saúde)

Então eu vejo assim que a gente se distancia até pelo desgaste profissional que a gente vai tendo dentro da saúde.

A gente sofre com tudo isso, a gente é humano. (Emília referindo-se a falta de apoio da equipe)

As vezes eu não me responsabilizo, eu uso o grupo para jogar a responsabilidade para cima do outro. (Mônica)

Podem surgir as diferenças, as guerrinhas mesmo... conflitos. (Mônica)

A gente vai ter que lidar com as diferenças e com os indiferentes, né. (Eu)

Porque falar no corredor não adianta a gente tem que botar o problema ali para começar a resolver. (Narizinho referindo-se a necessidade da equipe discutir os problemas nas reuniões de forma aberta e clara)

Antes de pensar a gente conseguir resolver o problema da comunidade, eu acho que a gente precisa resolver o problema nosso do grupo. (Narizinho referindo-se a equipe de trabalho)

Falta motivação! Se não sentir motivada como é que ela vai querer ajudar o próximo? (Narizinho referindo-se a equipe)

Como que eu vou ter compromisso se eu acho que não vou ser ouvida? Eu nem falo para não me implicar, então assim, esse espaço de fala acaba sendo importante em todas as instâncias. (Mônica referindo-se ao relacionamento de equipe)

Nós temos que ter grupo para nós! (Dona Benta, referindo-se a nós profissionais de saúde)

A gente fica ouvindo, ouvindo, mas não tem para quem falar! Como a gente vai promover a nossa saúde se a gente não tem para quem falar? (Eu)

Pelas falas relatadas acima, percebemos que o apoio da equipe é fundamental

para o desenvolvimento de grupos. No entanto, essa equipe muitas vezes está

desmotivada e tem a falsa impressão de que as ações em saúde devem ser focadas

somente no atendimento individual, não valorizando grupos. Essa questão

especificamente não aparece de forma direta no referencial teórico sobre grupos. No

entanto, tanto Campos (2006) como Vasconcelos (2008) falam sobre esse desgaste

emocional que o profissional de saúde sofre no seu dia a dia de trabalho. Segundo

eles, por vezes, esse desgaste é tão profundo que o profissional se torna alienado

no trabalho. Ambos defendem, a partir dessa constatação, a criação de espaços

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para problematização das práticas de saúde e também para o cuidado emocional do

profissional. Quanto aos conflitos, McIntyre (2007), argumenta que para que uma

equipe possa desempenhar suas funções adequadamente, não é suficiente um bom

desempenho de cada indivíduo que compõe essa equipe, mas é fundamental a

colaboração entre os membros e a sua capacidade de tolerar divergências.

Peduzzi (2001) também aborda o relacionamento em equipe ao afirmar que

existem basicamente duas formas de trabalho em equipe: a equipe como um

agrupamento e a equipe como integração entre os profissionais. Segundo ela, o

primeiro conceito concebe equipe de uma maneira fragmentada como um simples

ajuntamento sem cooperação; o segundo conceito depreende equipe como uma

relação articulada que coopera para a integralidade do cuidado. Peduzzi (2001)

afirma também que existe a ideia de que certas profissões, dentro da equipe, são

“superiores” e outras “subordinadas”, gerando uma concepção de desvalorização

profissional das profissões ditas “inferiores”. Essa desigualdade social interna à

equipe promove o distanciamento pessoal entre os profissionais e impede a

interdisciplinaridade (Peduzzi, 2001).

Outro obstáculo para o desenvolvimento de grupos é a demanda de trabalho

no dia a dia, a qual consome o tempo disponível do profissional e não permite que

ele planeje suas ações de educação em saúde:

Uma das maiores dificuldades que vejo é trabalhar com promoção de saúde, é ter grupos em meio a demanda que nos engole. (Emília)

Agora o tempo engole a gente. A demanda engole a gente. (Emília)

Foi construído um lugar de resolvedor... então são tantas as demandas que eu quero me proteger.... já sei que não tenho como resolver metade delas. Daí o grupo vira mais um peso, né. (Mônica)

Por mais que a minha equipe tenha muita força de vontade nós nunca vamos conseguir... a não ser que tenhamos 3000 pessoas na área! (Emília)

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As demandas que sobrecarregam os profissionais são muitas, desde

demandas de usuários até demandas da gestão. Essa dificuldade relatada também

não surgiu nos referenciais teóricos descritos aqui.

Outra dificuldade relatada no grupo é que o “saber” do profissional da saúde

muitas vezes afasta o usuário ao invés de aproximar, principalmente no que se

refere à linguagem.

O saber muitas vezes não nos aproxima, nos distancia. (Tia Anastácia)

Vai de frente com o que a gente aprendeu que é não dialogar, que é não ouvir. (Tia Anastácia)

A linguagem desse profissional também... tem dificuldades por causa de suas formações. (Tia Anastácia)

A gente tem uma formação de domínio. Domínio do conhecimento como o único. (Tia Anastácia)

É que eles também têm essa questão do saber... que não é só a gente que acha que a gente tem o saber eles também acham que a gente tem, né. (Mônica, referindo-se a comunidade)

A gente é líder né! ... Então já temos o domínio da comunicação... eles se sentem inferiorizados. (Tia Anastácia)

Nossa formação nos faz distanciar disto tudo... essa postura do jaleco. (Tia Anastácia)

A figura do médico é engessada, precisa tirar esse estereótipo. (Tia Anastácia)

Oliveira e Wendhausen (2014), em um estudo que realizaram com profissionais

da atenção primária observaram que uma das dificuldades relatadas pelos

profissionais foi que não receberam, durante a sua formação, capacitação suficiente

para trabalhar com a comunidade. Além disso, Vasconcelos (2008) argumenta que

muitas pessoas das comunidades com as quais trabalhamos não tiveram acesso a

escolas de qualidade. Assim, quando são expostos a uma grande diferença entre os

padrões de fala que seriam adequados e aqueles que eles dominam, desenvolvem

grande ansiedade, insegurança e isso pode dificultar a comunicação.

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A cultura hegemônica biomédica, fragmentária e individualista que vivemos,

apareceu como outro importante obstáculo para a formação de grupos na atenção

primária:

Nossa cultura é cada vez mais individualista. É difícil criar vínculos. (Eu)

A própria cultura que a gente tem é modelo biomédico. (Emília)

A Gestão que a gente tem é modelo centrado na doença. (Emília)

Você tem uma cultura individualista, faz um grupo dentro de uma cultura individualista, você não consegue fazer o coletivo, né. (Eu)

É uma sociedade competitiva, né. Antes tinha um acolhimento da família, isso se perdeu. (Mônica)

O usuário é tão contaminado quanto a gente! Ele vai querer de ti um comportamento medicalizado. (Dona Benta)

Esses valores estão sendo desconstruídos: do vizinho, da família, as pessoas estão se fechando. (Tia Anastácia)

Alves e Aerts (2011) também abordam esse obstáculo quando argumentam

que as equipes de saúde que tentam trabalhar com grupos enfrentam primeiramente

o obstáculo da cultura biomédica. Como a grande maioria dos profissionais ainda

são formados dentro da visão biologiscista e hospitalocêntrica, ao trabalharem na

atenção primária, carregam consigo esses conceitos e acabam desenvolvendo

atividades educativas que visam a modificação de comportamento. Além disso,

Campos (2006) cita ainda mais duas características que podem se tornar um

empecilho para o desenvolvimento de autonomia: individualismo e fragmentação.

Segundo Campos (2006), um homem verdadeiramente autônomo necessita

desenvolver sua capacidade de reflexão e crítica a partir do reconhecimento de que

pertence a uma sociedade, não isolado no mundo, supondo que a autonomia se

desenvolve dentro de um coletivo e não no individualismo.

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Outros dois fatores que podem desencorajar profissionais de saúde a

desenvolverem grupos, conforme as discussões que fizemos, é: número reduzido de

pessoas no grupo e demora para conseguir desenvolver vínculos.

Não vai ser de cara que tu vai fazer essa relação! É uma coisa que se constrói... tem que ter paciência. (Dona Benta)

O número não é tão importante (Dona Benta)

As vezes a gente desanima por causa desse quanti. (Tia Anastácia)

O grupo pode ficar menor e a gente pode desanimar com isso. (Dona Benta)

A questão da quantidade de pessoas que frequentam um grupo pode

desanimar alguns profissionais. No entanto, é importante lembrar que, segundo

Zimerman e Osório (1997), um grupo não deve ter um número muito grande de

integrantes, para não atrapalhar a comunicação e o vínculo.

Outro fator observado nas nossas discussões é a dificuldade do profissional da

saúde de compreender o contexto de vida da população com a qual trabalha:

Eu penso assim que muitas vezes a gente, é difícil para a gente, porque são outras realidades. A gente é classe média, quando a gente vai para uma comunidade a gente encontra gente que mora na beira do rio. (Dona Benta)

Alves e Aerts (2011), também reconhecem essa dificuldade e argumentam que

os profissionais de saúde não conseguem compreender a linguagem e a concepção

de mundo das comunidades. Isso gera um distanciamento na comunicação e no

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vínculo entre profissional de saúde e comunidade e também uma incompreensão

das reais necessidades da população.

Por último surge o problema da estrutura como obstáculo para formação de

grupos:

Tudo passa pela falta de estrutura! Então não se relaciona com o serviço e com o usuário tudo pela falta de estrutura. (Mônica referindo-se a um argumento usado por profissionais de saúde)

É coisa do ser humano, né! A gente olha pelo ponto negativo e não pelas coisas positivas. (Narizinho respondendo ao comentário acima)

Daí a gente fica na reunião só reclamando da estrutura, mas a estrutura não vai mudar do dia para a noite. E enquanto a estrutura não muda? (Mônica)

As mudanças, acho que não vão acontecer assim de cima para baixo, eu acho que é a gente mudando a prática também. (Dona Benta, referindo-se a esperar que a gestão melhore a estrutura)

Então essa unidade de saúde virou a “falta de estrutura”! Então a falta de estrutura vem antes e daí não tem espaço para as pessoas serem cuidadas. (Mônica)

Essa questão do recurso financeiro ou de equipamentos foi também apontado

pelas enfermeiras que participaram do estudo realizado por Fernandes et al (2010),

descrito no capítulo 1.9.3.

Assim, concluímos que, para realizar grupos com o foco na promoção de

saúde, podemos encontrar algumas dificuldades, tais como: dificuldade de se obter

adesão da equipe de saúde, principalmente devido a desmotivação desses

profissionais bastante sobrecarregados pelas suas demandas do dia a dia de

trabalho; o “saber” do profissional da saúde muitas vezes o afasta do usuário,

principalmente no que se refere a linguagem; a cultura hegemônica biomédica,

fragmentária e individualista que age como força opositora à formação de grupos;

número reduzido de pessoas no grupo e demora para conseguir desenvolver

vínculos; dificuldade do profissional da saúde de compreender o contexto de vida da

população com a qual trabalha e falta de estrutura adequada, principalmente por

falta de recursos.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo saúde-doença não pode ser reduzido a unicausalidade biológica.

Fatores emocionais também influenciam no desenvolvimento de doenças físicas e

doenças físicas podem levar a fragilidades emocionais. Além, disso o ambiente

social, as políticas econômicas e o sistema de governo também interferem no

processo saúde-doença. Nesse trabalho a determinação social não foi levantada

durante as discussões do grupo. Percebi a ausência da problematização da

determinação social somente após ter concluído os encontros, não conseguindo,

com isso, incluir esse conceito nas discussões.

No entanto, depois que concluímos os encontros e que eu fiz a categorização

das falas, pude perceber algumas questões importantes que gostaria de defender

aqui. Em primeiro lugar, gostaria de defender a formação de grupos como

instrumento fundamental para promoção de saúde. Sabemos que a promoção de

saúde extrapola o grupo e que deve ser praticada em todos os âmbitos possíveis do

cuidado em saúde. No entanto, o grupo torna-se instrumento especial para a

promoção de saúde na medida em que permite o desenvolvimento e potencialização

de elos comunitários. Esse fortalecimento coletivo só pode ser alcançado através do

desenvolvimento de grupos, sejam eles desenvolvidos nas unidades de saúde, nas

escolas, nas igrejas, nas associações ou em qualquer outro ambiente da

comunidade. Considero de suma importância o resgate da coletividade na sociedade

em que vivemos onde o individualismo enfraquece os relacionamentos interpessoais

e, assim, enfraquece também o próprio ser humano. Acredito que a coletividade é

fundamental para promoção de saúde. Sendo assim, como profissionais da saúde e

não da doença, considero que também é nosso papel fomentar o desenvolvimento

de grupos na comunidade.

No entanto, os grupos a que me refiro devem apresentar algumas

características específicas que os tornem verdadeiramente grupos e não

agrupamentos. Entendo que meros agrupamentos tem pouca possibilidade de

mobilização social para enfrentamento de condições que interferem na saúde.

Assim, defendo que grupos devem ter as características citadas nesse trabalho para

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que possam promover saúde, tais como vínculo afetivo valorizando o saber da

comunidade, abertura para um diálogo que possibilite problematizações, objetivos

construídos juntos para responder a uma necessidade real, adequabilidade da

linguagem para compreensão de todos e estímulo ao desenvolvimento de

autonomia. Enfim, acredito que grupos construídos segundo os princípios da

educação popular, sugeridos por Freire (1997) têm melhores condições para

promover saúde. Acredito ainda que agrupamentos podem vir a tornar-se grupos se

houver mobilização interna para isso. Por isso, creio que profissionais da saúde que

desejam trabalhar com grupos podem, através de uma mudança de postura na

coordenação, fomentar a transformação de agrupamentos e grupos.

Assim, considero que o profissional que deseja fomentar grupos deve planejar

os encontros, mas de modo a permitir o diálogo. Para isso, é fundamental que o

trabalhador em saúde abandone aquela postura de “conhecedor” e resgate o saber

da comunidade. Só é possível trabalhar grupos em uma comunidade, nos moldes da

promoção de saúde, se os profissionais se permitirem também sofrer interferências

por parte da comunidade. O trabalho em saúde, especialmente em grupos, tanto

interfere quanto sofre interferências, tanto toca como também é tocado. Isso não

significa que o profissional da saúde não tem um papel na comunidade, pelo

contrário, seu papel é de extrema importância na medida em que é capaz de

conduzir ações em saúde tendo como eixo fundamental a integralidade.

No entanto, preciso reconhecer que para muitos profissionais criar vínculos

com a comunidade, especialmente conduzindo grupos, torna-se um peso a mais

dentro da sua rotina de trabalho, já extremamente extenuante. Por isso, defendo a

criação de espaços para a reflexão e para o cuidado desse profissional. Acredito que

um trabalhador em saúde somente será capaz de cuidar se também for cuidado,

somente promoverá saúde se também tiver a sua saúde sendo promovida de

alguma maneira. Nesses espaços, os profissionais podem problematizar sua rotina

de trabalho e avaliar se suas práticas têm respondido as necessidades da

comunidade. Podem ainda refletir sobre novas práticas mais eficazes e que gerem

no profissional o prazer de perceber a saúde se concretizando de fato na

comunidade. Nesses espaços, os trabalhadores podem falar sobre sofrimentos que

sentem quando observam os sofrimentos da comunidade e, assim, ter seus

sofrimentos ouvidos também. Esses espaços precisam ser institucionalizados, isto é,

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devem ser estimulados pela gestão, devem ter um horário, um local e uma

frequência estabelecidos. Defendo que um dos papéis dos gestores é fomentar

esses espaços.

No entanto, penso que, mesmo que o estímulo da gestão não ocorra, o próprio

trabalhador deve ter, como uma de suas bandeiras de luta, a criação desses

espaços, para o cuidado de sua própria saúde também. Muitas mudanças não

ocorrem de cima para baixo, mas de baixo para cima, ou seja, é o profissional da

saúde mudando as rotinas que pode fazer com que a gestão também mude. Se

esperarmos mudanças na gestão para então mudar algo pode ser que isso nunca

ocorra, ou que demore muito mais tempo.

Percebi também que desenvolver esse trabalho nos moldes de círculos de

cultura foi adequado e trouxe grande crescimento para mim e para o grupo. Percebi

crescimento ao longo das reuniões, isto é, aumento do senso de pertença dos

participantes, maior vínculo afetivo dando liberdade com o passar do tempo para rir,

fazer piada, chorar e contar novidades sobre a família, dentre outras coisas.

Também percebi aprofundamento gradual dos conceitos e da reflexão sobre a

prática. Assim, considero que, para o objetivo ao qual me propus, de problematizar a

prática de educação em saúde, essa metodologia foi adequada. Além de fomentar a

reflexão, o círculo de cultura fomentou a mudança de algumas práticas. As

integrantes contaram que discutiam sobre o que conversávamos com suas equipes,

duas desenvolveram grupos e uma percebeu a necessidade de afinar os

relacionamentos na sua equipe, começando assim dinâmicas para aumentar o

vínculo entre os profissionais.

Por fim, acredito também que esse conteúdo deve ser ensinado nas escolas de

saúde, seja graduação ou pós-graduação, a todos os profissionais que se

disponham a trabalhar com comunidades. Percebemos a grande dificuldade de

muitos profissionais em desenvolver grupos de promoção de saúde por falta de

conhecimento sobre o conceito de promoção, dificuldade de respeitar os saberes da

comunidade, inadequabilidade de método e muitos outros motivos. Essas

dificuldades poderiam ser amenizadas se fossem implantadas disciplinas que

abordem educação popular nas grades curriculares ou mesmo criados projetos de

extensão de promoção de saúde, além de fomentar essa discussão em centros

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acadêmicos e outros espaços coletivos. A imensa maioria dos profissionais da

saúde que estão se formando irá trabalhar inserida na atenção primária e precisará

ser capacitada para promover o cuidado em saúde que se espera, incluindo

formação de grupos.

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APÊNDICE A – Termo de consentimento livre e esclarecido

Você_________________________________________________________

está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, em uma pesquisa. Após

ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do

estudo, rubrique todas as folhas e assine ao final deste documento, com as folhas

rubricadas pelo pesquisador, e assinadas pelo mesmo, na última página. Este

documento está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador

responsável. Em caso de recusa você não será penalizado(a) de forma alguma.

A presente pesquisa intitulada TECNOLOGIAS APROPRIADAS A

PROMOÇÃO DA SAÚDE: DISPOSITIVO GRUPAL tem como objetivo Implementar

processo de discussão junto a equipes da Estratégia da Saúde da Família sobre

aspectos teórico-metodológicos necessários a construção de tecnologias de

educação em saúde que estejam articuladas a perspectiva da promoção da saúde.

A presente pesquisa será uma pesquisa participante realizada com as equipes

de ESF do município de Itajaí, sendo composta de 2 etapas, a primeira um

diagnóstico das ações coletivas desenvolvidas e a segunda um processo de

discussão utilizando-se da metodologia do círculo de cultura proposto por Paulo

Freire. A análise do processo grupal irá permitir a identificação dos fatores

relevantes para a construção de condições efetivamente dialógicas entre os sujeitos

participantes dos encontros relacionados à atenção à saúde.

Sua participação na pesquisa consistirá no preenchimento do questionário e a

participação em aproximadamente 6 oficinas do círculo de cultura.

O cronograma das etapas será acordado entre as partes envolvidas conforme

a disponibilidade das mesmas.

A pesquisa é isenta de qualquer risco para o participante, podendo, contudo,

gerar algum desconforto no mesmo, estando este isentado de manifestar-se, ou

liberado para deixar a pesquisa, a qualquer tempo da mesma.

Serão utilizados filmadora, gravador e câmera fotográfica para registrar os

trabalhos e dar ênfase aos dados coletados.

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Com a realização da pesquisa podemos implementar ações de educação na

saúde a partir da apropriação do conhecimento e das tecnologias de educação

popular em saúde.

Subsidiar aprofundamento teórico metodológico em relação aos temas:

educação e comunicação; mobilização e participação social. Proporcionar a vivência

de uma metodologia participativa. Fomentar o desenvolvimento de trabalhos grupais

nas equipes de ESF.

A sistematização dessa experiência piloto pode ser replicada na atuação com

os profissionais da ESF em diferentes locais fortalecendo a formação dos

profissionais para o planejamento de atividades de educação em saúde que

enfoquem a autonomia dos sujeitos participantes a partir do dispositivo grupal

atendendo assim as diretrizes propostas pelo Ministério da Saúde em relação as

práticas de educação em saúde.

Ao término da pesquisa será realizada uma devolutiva com as instituições e

aos participantes do projeto com a sistematização desta experiência.

A coleta de dados da pesquisa ocorrerá por aproximadamente doze meses,

onde há sigilo total, utilizada somente para fins acadêmicos. O participante da

pesquisa tem liberdade para retirar o consentimento a qualquer tempo.

Nome dos Pesquisadores: Stella Maris Brum Lopes e Siegrid Kurzawa Zwiener

dos Santos

Assinatura dos Pesquisadores:

CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO

Eu, _____________________________________, RG_____________, CPF

____________ abaixo assinado, concordo em participar do presente estudo como

sujeito.

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Fui devidamente informado e esclarecido sobre a pesquisa, os procedimentos

nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha

participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer

momento, sem que isto leve à qualquer penalidade ou interrupção de meu

acompanhamento/assistência/tratamento.

Local e data: ________________________________________________________

Nome: ______________________________________________________________

Assinatura do Sujeito ou Responsável: ____________________________________

Telefone para contato: _________________________________________________

Pesquisador Responsável: ______________________________________________

Telefone para contato: _________________________________________________

Pesquisadores Participantes: ____________________________________________

Telefones para contato: ________________________________________________