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237 Uso de medicina não-convencional em crianças com câncer Use of unconventional medicine in children with cancer Trabalho realizado na Universidade de Brasília. 1 Enfermeira. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB). 2 Professora Adjunta da Área de Medicina da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina (FM)/UnB. Chefe do Serviço de Oncologia Pediátrica do Centro de Cirurgia Pediátrica/Hospital Universitário de Brasília (HUB)/UnB. Doutora em Medicina pela Escola Paulista de Medicina/ UNIFESP. 3 Professor Titular da Área de Medicina da Criança e do Adolescente da FM/UnB. Chefe do Centro de Cirurgia Pediátrica/HUB/UnB. Doutor e Livre-Docente pela Universidade de São Paulo. Endereço para correspondência: SHIN, QI-2, Conj. 6, casa 4 - Cep: 71510-060 - Brasília - DF. E-mail: [email protected]. Marcia C. Elias 1 , Elaine Alves 2 , Paulo Tubino 3 Resumo Objetivo: Um número significante de pacientes oncológicos usa ou considera usar medicina não-convencional, mas pouco se sabe sobre seu uso em crianças. Este trabalho descreve o uso de medicina não-convencional em crianças portadoras de câncer, atendidas no Hospital Universitário de Brasília/Universidade de Brasília. Método: Os pais das crianças com câncer, atendidas no Serviço de Oncologia Pediátrica do Hospital Universitário da Universidade de Brasília, entre março e agosto de 2002, foram entrevistados para a obtenção de dados referentes à prevalência e aos tipos de tratamentos não-convencionais usados, efeitos adversos, satisfação com o tratamento, e as razões para o uso da medicina não-convencional. Resultados: Foram entrevistados 22 pais. Cerca de 55% das crianças utilizaram tratamentos não-convencionais, mais freqüentemente a fitoterapia (25%). A indicação de terceiros foi a motivação principal para o uso da medicina não-convencional (33%). Nenhum paciente usou medicina alternativa em substituição ao tratamento médico padrão. Quarenta e dois por cento dos pais dos usuários informaram o uso de terapias não-convencionais aos médicos dos filhos. Cinqüenta por cento dos pais disseram que eles próprios utilizavam medicina não-convencional e 95% desejavam receber mais informações a respeito dessas terapias. Conclusões: A pesquisa confirma que os pacientes oncológicos pediátricos usam medicina não-convencional juntamente com o tratamento padrão e que a equipe médica, em geral, não é informada do emprego da medicina não-convencional pelos pacientes. Palavras-chave: Oncologia, Pediatria, Terapias complementares. Artigo Original Medicina não-convencional em crianças Artigo submetido em 14/10/05; aceito para publicação em 30/3/06 Revista Brasileira de Cancerologia 2006; 52(3): 237-243

Uso de Medicina Não-convencional Em Crianças Com Câncer

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Um número significante de pacientes oncológicos usa ou considera usar medicina não-convencional,mas pouco se sabe sobre seu uso em crianças. Este trabalho descreve o uso de medicina não-convencional emcrianças portadoras de câncer, atendidas no Hospital Universitário de Brasília/Universidade de Brasília entre março e agosto de 2002.

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Uso de medicina não-convencional em crianças com câncerUse of unconventional medicine in children with cancer

Trabalho realizado na Universidade de Brasília.1 Enfermeira. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB).2 Professora Adjunta da Área de Medicina da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina (FM)/UnB. Chefe do Serviço de OncologiaPediátrica do Centro de Cirurgia Pediátrica/Hospital Universitário de Brasília (HUB)/UnB. Doutora em Medicina pela Escola Paulista de Medicina/UNIFESP.3 Professor Titular da Área de Medicina da Criança e do Adolescente da FM/UnB. Chefe do Centro de Cirurgia Pediátrica/HUB/UnB. Doutor eLivre-Docente pela Universidade de São Paulo.Endereço para correspondência: SHIN, QI-2, Conj. 6, casa 4 - Cep: 71510-060 - Brasília - DF. E-mail: [email protected].

Marcia C. Elias 1, Elaine Alves 2, Paulo Tubino 3

ResumoObjetivo: Um número significante de pacientes oncológicos usa ou considera usar medicina não-convencional,mas pouco se sabe sobre seu uso em crianças. Este trabalho descreve o uso de medicina não-convencional emcrianças portadoras de câncer, atendidas no Hospital Universitário de Brasília/Universidade de Brasília. Método:Os pais das crianças com câncer, atendidas no Serviço de Oncologia Pediátrica do Hospital Universitário daUniversidade de Brasília, entre março e agosto de 2002, foram entrevistados para a obtenção de dados referentesà prevalência e aos tipos de tratamentos não-convencionais usados, efeitos adversos, satisfação com o tratamento,e as razões para o uso da medicina não-convencional. Resultados: Foram entrevistados 22 pais. Cerca de 55%das crianças utilizaram tratamentos não-convencionais, mais freqüentemente a fitoterapia (25%). A indicação deterceiros foi a motivação principal para o uso da medicina não-convencional (33%). Nenhum paciente usoumedicina alternativa em substituição ao tratamento médico padrão. Quarenta e dois por cento dos pais dosusuários informaram o uso de terapias não-convencionais aos médicos dos filhos. Cinqüenta por cento dos paisdisseram que eles próprios utilizavam medicina não-convencional e 95% desejavam receber mais informações arespeito dessas terapias. Conclusões: A pesquisa confirma que os pacientes oncológicos pediátricos usam medicinanão-convencional juntamente com o tratamento padrão e que a equipe médica, em geral, não é informada doemprego da medicina não-convencional pelos pacientes.Palavras-chave: Oncologia, Pediatria, Terapias complementares.

Artigo OriginalMedicina não-convencional em crianças

Artigo submetido em 14/10/05; aceito para publicação em 30/3/06

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Elias MC, Alves E, Tubino P

INTRODUÇÃO

Desde a última década, tem sido dada uma grandeatenção à medicina não-convencional. A medicina não-convencional compreende práticas de prevenção,diagnóstico e tratamento à margem do domínio damedicina oficial. Essas práticas não são ensinadas nasescolas médicas oficiais e, tipicamente, não sãoexecutadas nos hospitais. A medicina não-convencionalpode ser dividida em duas modalidades: medicinacomplementar e medicina alternativa. Considera-semedicina complementar a que é usada juntamente como tratamento padrão e que, acredita-se, contribui paraobtenção dos resultados esperados com o tratamentooficial. A medicina alternativa é a utilizada emsubstituição ao tratamento padrão ou oficial.1-3

A prevalência do uso da medicina não-convencionaltem grande variação nos diferentes países, talvez peladificuldade em se definir exatamente medicinacomplementar e alternativa.4,5 Na Europa, é estimadaem torno de 50% e nos Estados Unidos entre 42 e69%.1,6 A prevalência em nosso país ainda não estábem definida, mas o uso de terapias não-convencionaisjá foi relatado em cerca de 64% dos pacientes adultoscom câncer, atendidos no Hospital Universitário daUniversidade de Brasília.7

O paciente, diante do diagnóstico de câncer, muitasvezes, deseja experimentar o que for possível paraalcançar a cura da doença. Assim, um númerosignificativo de portadores de câncer usa ou considera

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AbstractBackground: A significant number of cancer patients use or consider using unconventional treatments, but little isknown about such alternative treatments in children. This study describes the use of unconventional medicine inchildren with cancer at the Pediatric Oncology Service of the University Hospital/University of Brasilia. Methods:Interviews were conducted with parents of children seen in the Pediatric Oncology Service at the University ofBrasilia Hospital from March to August 2002, to obtain data on the prevalence and types of unconventionaltherapy used, treatment satisfaction, adverse effects, and motivations for use of unconventional medicine. Results:Twenty-two parents were interviewed. Some 55% of the children had used unconventional treatment modalities,mainly herbal remedies (25%). The principal reason for using unconventional treatment was recommendations byrelatives and friends (33%). No patient had used alternative medicine as a substitute for standard medical care.Forty-two percent of the users' parents reported the use of unconventional therapies to the children's physicians.Fifty percent of the parents themselves used unconventional medicine, and 95% wanted more information on suchtherapies. Conclusions: The study confirmed that pediatric oncology patients use unconventional treatments asadjuncts to standard medical care, and that the use of these therapies is often not disclosed to the attendinghealthcare team.Key words: Oncology, Pediatrics, Unconventional medicines.

a possibilidade de usar a medicina não-convencional.Existem muitas modalidades de tratamentos não-convencionais e, embora de uso crescente a cada dia,em geral, não há um conhecimento adequado quantoao mecanismo de ação, eficácia e segurança dessasterapias. O paciente, por outro lado, não costumareceber qualquer esclarecimento em relação ao uso dasmesmas.

Os estudos sobre medicina não-convencional, nagrande maioria das vezes, focalizam o paciente adulto.Mesmo em oncologia, particularmente no Brasil, muitopouco foi abordado em relação ao uso dessa práticapelo paciente pediátrico.

O presente trabalho teve como objetivo investigar ouso de medicina não-convencional em crianças comcâncer, atendidas no Serviço de Oncologia Pediátricado Hospital Universitário da Universidade de Brasília.Foram avaliados os aspectos demográficos esocioeconômicos, assim como as razões para o uso damedicina não-convencional, a comunicação à equipemédica sobre o uso da mesma, os tipos de terapêuticasusadas, as fontes de obtenção das referidas terapias, ospossíveis efeitos adversos apresentados, se receberamorientação pela equipe médica a respeito da medicinanão-convencional, e o possível desejo de receberinformação a respeito dos tratamentos não-convencionais. Os pais das crianças arroladas no estudoforam argüidos quanto ao estado civil, escolaridade,prática religiosa, ocupação, idade e se usuários ou nãode medicina não-convencional.

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Medicina não-convencional em crianças

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PACIENTES E MÉTODOS

A população estudada constituiu-se de criançasatendidas no Serviço de Oncologia Pediátrica do HospitalUniversitário da Universidade de Brasília (UnB), comidade inferior ou igual a 18 anos, apresentando doençaativa, em remissão ou recidiva, e identificadas no livrode registro de admissão de pacientes, no período de marçode 2002 a agosto de 2002.

Os pais ou responsáveis deveriam tomarconhecimento e assinar o "Termo de Consentimento Livree Esclarecido". Foram excluídos da pesquisa os pacientesportadores de neoplasias malignas em fase terminal. Aentrevista com os pais foi realizada pessoalmente, apóscontato telefônico prévio, quando do comparecimentodestes ao hospital para consulta médica ou internação deseus filhos. Em todas as entrevistas, os pais foramesclarecidos a respeito da natureza da pesquisa e dosignificado de medicina não-convencional.

Foi empregado o método estruturado para a coletados dados. Para o registro dos dados, foi elaborado, noPage Maker, versão 6.0, um plano de entrevista compostopor variáveis relacionadas com os aspectos sócio-demográficos, com a história médica, e com a práticada medicina não-convencional. Os dados coletadosenvolveram questões aberto-fechadas, tendo por objetivolevantar as características dos participantes da pesquisa.O instrumento foi preenchido exclusivamente pelopesquisador responsável.

O presente estudo foi autorizado pelo Comitê deÉtica em Pesquisa da Faculdade de Medicina daUniversidade de Brasília e foram observados os preceitoséticos estabelecidos na Declaração de Helsinque e naResolução CNS 196/96 e posteriores.

RESULTADOS

Foram entrevistados os pais de 22 crianças. Destas,15 (68,2%) eram do sexo masculino e sete (31,8%) dosexo feminino. Do total, 11 (50%) eram procedentesdo Distrito Federal, sendo que oito (36,4%) eramnaturais de Brasília. A idade variou de 1 a 17 anos,sendo a média 7 anos e 6 meses. Em relação àescolaridade, nove (40,9%) crianças tinham o ensinofundamental incompleto e 13 (59,1%) estavam fora daidade escolar. Dezessete (77,2%) eram pardos e cinco(22,8%) eram brancos. A religião católica foimencionada para 14 crianças (63,7%) e a protestantepara seis crianças (27,3%). Vinte (90,9%) criançasresidiam em casas de alvenaria providas com serviço detratamento de esgoto.

Em relação aos pais, nove (40,9%) eram casados,

11 (50%) haviam cursado o ensino fundamentalincompleto, 17 (77,2%) eram pardos, 14 (63,7%) eramcatólicos e 18 (81,8%) recebiam entre um e dois saláriosmínimos.

Os principais aspectos sócio-demográficos estão

resumidos na tabela 1.Os diagnósticos estão discriminados na figura 1. Os

mais freqüentes foram o linfoma não-Hodgkin, em seispacientes (27,3%), e o tumor de Wilms, em cinco(22,7%). Do total das 22 crianças do estudo, 17 (77,3%)estavam com a doença em remissão e cinco (22,7%)apresentavam recidiva.

TTTTTabela 1.abela 1.abela 1.abela 1.abela 1. Características sócio-demográficas das criançasatendidas no Serviço de Oncologia Pediátrica do HUB, entre marçoe agosto de 2002, e de seus pais

4,5% 4,5%4,5%

4,5%

4,5%

4,5%

9,1%

13,6%22,7%

27,3%

Disgerminoma de ovário

Hamartoma

Histiocitose de células deLangerhansNeurofibroma

Schwanoma maligno

Tumor neuroectodérmicoprimitivoNeuroblastoma

Rabdomiossarcoma

Tumor de Wilms

Linfoma não-Hodgkin

Figura 1.Figura 1.Figura 1.Figura 1.Figura 1. Diagnósticos das crianças atendidas no Serviço deOncologia Pediátrica do HUB/UnB, entre março e agosto de 2002

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Os pais de 17 crianças (77,2%) informaram que seusfilhos ainda estavam em tratamento médico. Aquimioterapia foi o tratamento mais utilizado e,isoladamente ou em combinação com outras modalidades,representou 90,9% dos tratamentos utilizados.

Nenhum dos 22 pais entrevistados recebeuorientação por parte da equipe médica a respeito damedicina não-convencional e 11 (50%) informaram queeles próprios já haviam utilizado ou utilizavamtratamentos não-convencionais. Vinte e um pais (95,5%)revelaram o desejo de esclarecimentos sobre tratamentoscomplementares e alternativos.

Doze crianças (54,5%) já haviam utilizado ouutilizavam medicina não-convencional. Com relação aosusuários de medicina não-convencional, observou-se que:sete (58,3%) eram de etnia parda; nove (75%) seguiama religião católica; quatro (33,3%) eram portadores detumor de Wilms; nove (75%) estavam em remissão dadoença e três (25%) apresentavam recidiva. Nove (75%)pacientes ainda estavam realizando o tratamentoconvencional. A fitoterapia, isoladamente (50%) ou emcombinação com outras modalidades, foi o tratamentomais usado (75%). As modalidades de tratamentos não-convencionais utilizados estão especificadas na figura 2.Uma criança (8,3%) apresentou reação indesejável como uso da terapia não-convencional, descrita peloresponsável como náusea.

Dentre os pais das 12 crianças usuárias de medicinanão-convencional, cinco (41,7%) tinham o ensinofundamental incompleto, quatro (33,3%) eram casados,sete (58,3%) informaram que eles próprios eramusuários de medicina não-convencional e cinco (41,7%)comunicaram ao médico que seus filhos estavam usandoterapias não-convencionais. Quatro pais (33,3%)informaram que a indicação de pessoas conhecidas,leigas foi a razão para a administração de tratamentos

8,3%

50,0%16,7%

8,3%

16,7%

Ervas+dietaErvas

Chás+ervas+dieta

DietaChás

Figura 2.Figura 2.Figura 2.Figura 2.Figura 2. Modalidades de tratamentos não-convencionais usadospor crianças com neoplasia atendidas no Serviço de OncologiaPediátrica do HUB/UnB, entre março e agosto de 2002

não-convencionais a seus filhos (figura 3) e cinco(41,7%) relataram que obtinham as ervas usadas deterceiros (figura 4). Nenhum pai relatou ter suspendidoo tratamento convencional indicado para a criança eoptado por utilizar apenas a medicina não-convencional.

Figura 3.Figura 3.Figura 3.Figura 3.Figura 3. Razões para o uso de medicina não-convencional emcrianças com neoplasia atendidas no Serviço de OncologiaPediátrica do HUB/UnB, entre março e agosto de 2002

50,0%

8,3%

8,3%

33,3%Indicação de terceiros

MídiaTradição familiar

Crença no tratamento

41,7%

33,3%

25,0%

Receberam de terceirosTinham em casa (horta)

Compraram

Figura 4.Figura 4.Figura 4.Figura 4.Figura 4. Fontes de obtenção dos medicamentos não-convencionais utilizados pelas crianças com neoplasia atendidasno Serviço de Oncologia Pediátrica do HUB/UnB, entre março eagosto de 2002

DISCUSSÃO

A medicina não-convencional é utilizada para otratamento de numerosas afecções, sobretudo doençascrônicas. As razões para o seu uso incluem a iatrogeniaprovocada pela alopatia, o custo elevado da medicinaoficial, a incapacidade da medicina convencional emsolucionar as doenças crônico-degenerativas e a visãode que a medicina não-convencional é mais humana epersonalizada.6,8

Os defensores da medicina não-convencionalacreditam que a sua popularidade se deve à visão integraldo indivíduo e ao enfoque na atenção ao estadoemocional e às necessidades do paciente. A maior críticaque os tratamentos não-convencionais têm sofrido dizrespeito à falta de comprovação científica dos mesmos.Apesar de largamente usados, há poucas informaçõessobre seus mecanismos de ação, eficácia e segurança.4,9

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Nos últimos anos, tem havido um interesse maior naavaliação do uso de terapias não-convencionais pelopaciente pediátrico, principalmente no tratamento docâncer infantil. Várias pesquisas foram realizadas naHolanda,10 Austrália,11 Canadá,12-14 Dinamarca,15 Grã-Bretanha,16,17 Formosa18 e Estados Unidos.19-25 Na literaturalatino-americana, porém, os relatos são escassos.26

Esses trabalhos mostram que há um consenso quantoà constatação de que o uso de tratamentos não-convencionais é freqüente no paciente pediátrico,sobretudo oncológico, em percentagens que variam de18 a 73%, mas que, a despeito disso, os tratamentostradicionais não são abandonados. Na maioria das vezes,o uso de terapias complementares e alternativas resultouda insatisfação com a medicina tradicional e do desejode se fazer o que fosse possível para a cura da criança.A fitoterapia e o uso de suplementos alimentares,especialmente vitaminas em altas doses, estão entre asmodalidades mais usadas em crianças.13,15-18,20,22,25

Também são citados homeopatia,10,12,17,21 tratamentosespirituais, orações, técnicas de relaxamento emassagens.13,20,23 Chama atenção o fato de que mesmopara doenças pediátricas comuns são usadas terapiasnão-convencionais.18,23,25

O presente estudo confirmou que, em nosso meio,as crianças portadoras de câncer também são usuáriasde medicina não-convencional. Entretanto, ao contráriodo que se poderia supor, os pais dessas crianças nãohesitaram em dar início ao tratamento oficial proposto,assim como não abandonaram o tratamento tradicionaljá em curso, e usaram as práticas não-convencionais deforma complementar. Além da esperança na cura docâncer, tinham a intenção, na maioria das vezes, depotencializar o resultado do tratamento convencional eamenizar seus efeitos colaterais.

Apesar de apenas uma criança no estudo terapresentado complicações com o uso da medicina não-convencional, há relatos na literatura do potencial deinterações indesejáveis entre os tratamentosconvencional e o não-convencional. Considera-se,erroneamente, que as terapêuticas complementares ealternativas são seguras por serem naturais. Mas, aindaque naturais, não são isentas de efeitos adversos. Paraalgumas modalidades, como vitaminas e ervas, há apossibilidade de efeitos diretos e interaçõesfarmacodinâmicas e farmacocinéticas, quandocombinadas com as terapias convencionais.3,27-30

De acordo com a literatura estrangeira, os usuáriosde medicina não-convencional são, em geral, pessoasde maior poder aquisitivo e maior nível cultural.31,32 Nopresente trabalho, as crianças faziam parte de famíliasde baixo poder socioeconômico, o que está de acordo

com o perfil do paciente atendido em um hospitalpúblico. Por outro lado, esta constatação indica que ointeresse pelas práticas não-convencionais abrangediferentes camadas de nossa sociedade.

Como relatado em outras pesquisas,12,21,25 os paisdas crianças que usavam medicina não-convencional,em sua maioria, também eram adeptos dessa mesmaforma de medicina. Este pode ser um aspecto que talvezfavoreça o uso de terapêuticas não-convencionais pelascrianças.

Uma proporção significativa de pais de usuários(58,3%) não informou à equipe médica sobre o uso damedicina complementar ou alternativa, o que éigualmente relatado por, praticamente, todos os outrosautores. Esta omissão pode resultar da percepção, porparte do paciente, de que os profissionais da área desaúde parecem não se importar com o fato de seuspacientes usarem tratamentos não-convencionais; doreceio em abordar a prática de medicina não-convencional com a equipe médica por conta da reaçãocontrária esperada; do conceito de que os profissionaisde saúde carecem de conhecimento a respeito dasterapêuticas não-convencionais e, também, porque aoferta de práticas de medicina não-convencional semultiplica livremente a cada dia, mesmo que não sejaacompanhada de uma verdadeira informação para asaúde. Neste último caso, é necessário considerar o papeldas autoridades na normatização, segurança e fiscalizaçãoda prática de medicina não-convencional.

Mais de 95% dos pais entrevistados manifestaram odesejo de receber esclarecimentos a respeito das terapiasnão-convencionais, o que já havia sido detectado poroutros autores.12,14,16 Acreditamos que o profissional desaúde deva abordar o uso da medicina não-convencionalcom uma atitude neutra e com informação bem dirigida.É recomendável o registro do uso de tratamentos não-convencionais no prontuário do paciente.

O grande interesse e o uso significativo de medicinanão-convencional são um desafio para os profissionaisde saúde, que necessitam estar atentos quanto às possíveisinterações indesejáveis e aos efeitos colaterais dessestratamentos. Somente com um conhecimento adequadodo mecanismo de ação, eficácia e segurança das terapiascomplementares e alternativas é que poderão informare esclarecer seus pacientes.33,34 Idealmente, essestratamentos deveriam ser submetidos a processosrigorosos de investigação, já que não é desejável incluiras terapêuticas não-convencionais no plano de cuidadosdo paciente sem uma análise cuidadosa.

Achamos importante enfatizar que a equipe médicadeve estar alertada para o fato de que seus pacientes eos pais de seus pacientes, em geral, não comunicam

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que estão usando medicina não-convencional em adiçãoao tratamento prescrito. Tanto a equipe médica quantoos pais devem estar informados a respeito dos benefíciose dos efeitos adversos dessas práticas para que possamoferecer o melhor tratamento à criança, preservando acontinuidade do tratamento convencional já consagrado.

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