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v. 2, n. 1, junho, 2012 4 Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 1-158, junho, 2012 Comissão Editorial Everton Luis Sanches - Editor Maria Cecília de Oliveira Adão - Editora Angelo

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Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 1-158, junho, 2012 2

EDUCAÇÃO – Revista Cientí� ca do Centro Universitário Claretiano / Centro Universitário Claretiano - Batatais, SP: Editora Claretiano, v. 2, n. 1 (junho, 2012-)

ISSN 2237-6011

Anual

1. Educação 2. Periódico cienti� co I. Centro Universitário Claretiano.

Ficha Catalográ� ca

Elaborada pela Biblioteca Universitária Claretiano

Pede-se permutaWe ask for exchange

On demande l´échangeSe pide intercambio

Contato:

CENTRO UNIVERSITÁRIO CLARETIANOBibliotecária Responsável:

Cristina de Cássia Bueno Mendes – CRB8 – 3636 Rua Dom Bosco, 466 - Castelo

14300-000 - Batatais - SPFone: (16) 3660-1616

E-mail: [email protected]

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REITORIA

ReitorDr. Pe. Sérgio Ibanor Piva

Pró-Reitor AdministrativoPe. Luiz Claudemir Botteon

Pró-Reitor AcadêmicoProf. Ms. Luís Cláudio de Almeida

Pró-Reitor de Extensão e Ação ComunitáriaPe. José Paulo Gatti - Ms.

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Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 1-158, junho, 2012 4

Comissão Editorial

Everton Luis Sanches - EditorMaria Cecília de Oliveira Adão - EditoraAngelo Piva Biagini - Coordenador Geral de Pesquisa e Iniciação Cientí� caBarcelos Fernandes - Editor-assistenteRafael Archanjo - Editor-assistente

Conselho Editorial

Ascísio dos Reis Pereira (UFSM - RS)Cesar Nunes (UNICAMP - SP)Claudete Paganucci Rubio (CLARETIANO - SP)Cristina Cinto Araújo Pedroso (USP - SP)Cristina Satie Pataro (FECILCAM - PR)Fábio Pestana Ramos (CLARETIANO - SP, INEC e FAINAM)Ida Mara Freire (UFSC - SC)José Barretos dos Santos (UEMS - MS)José Claudinei Lombardi (UNICAMP - SP)José Luis Sanfelice (UNICAMP - SP)Luciana Marcassa (UFSC - SC)Paulo Eduardo Vasconselos (CLARETIANO - SP e CEUBM - SP) Reinaldo Sampaio Pereira (UNESP - SP)Samuel Mendonça (PUC - SP e PUC - Campinas - SP)Sílvio Sanchez Gamboa (UNICAMP - SP)Stefan Vassilev Krastanov (UFMS - MS)Tatiana Noronha de Souza (UNESP - SP)

Projeto grá" co, diagramação e capa

Barcelos FernandesRafael Archanjo

Ilustração da capaBarcelos FernandesBoi de mamão - FolclóreHidrocor sobre papel - 30x40cm

Colaboração Luis Antônio Guimarães Toloi

Revista Científi ca do Centro Universitário Claretiano

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Sumário / Contents

Editorial

ARTIGOS / ARTICLES

A Visão do professor frente à aprendizagem das crianças com de$ ciência auditiva / � e view � om � ont of the teacher of children with learning disabilities hearing Alexandra Mara Luchesi Arantes

O conceito freudiano de transferência – um mecanismo psíquico atuante no processo educativo / � e Freudian concept of transference – psychic mechanism acting in the educational process Je' erson Mercadante

De “Tempos modernos” a “Energia pura”: adequação e inadequação do homem na sociedade contemporânea / “Modern Times” to “Powder”: adequacy and inadequacy of man in contemporary society Everton Luís Sanches

Construtivismo e aprendizagem: uma re) exão sobre o trabalho docente / Constructivism and learning: a re" ection on the teaching Merita Paixão de Freitas Gregorio Patrícia da Silva Pereira

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EDUCAÇÃO

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EDUCAÇÃO

O papel da educação no mundo do trabalho / � e role of education in the labor world Edson Mitsuo Soraji

Notas sobre a história da alimentação: contribuições para o estudo da formação do homem ocidental / Notes about the food´s history: contributions to the study of the modern man Rodrigo Touso Dias Lopes

Condição, estatuto e # uxo do saber na pós-modernidade segundo Lyotard / Condition, status and Flow of Knowledge in Postmodernity Lyotard Rubens Arantes Correa

O discurso mórbido na vida e nas obras de Nietzsche / � e morbid discourse in the life and creative works of Nietzsche Kamelia Zhabilova

RELATO DE EXPERIÊNCIA / REPORT OF AN EXPERIENCE

O estágio como ensaio: assistir e repensar a cena / � e stage as a test: watch the scene and rethink Betania Libanio Dantas de Araujo Márcia Carvalho Raphael Figliolino de Matos Ricardo Cesar Alves

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7Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 7, junho, 2012

Editorial

EDUCAÇÃO

Apresentar o segundo número do periódico Educação – Revista Cientí� ca do Centro Universitário Claretiano é uma tarefa bastante prazerosa, uma vez que este constitui a continuidade de um projeto de incentivo ao pensamento crítico acerca das questões pertinentes ao desenvolvimento educacional e às abordagens culturais que envolvem e instigam o fenômeno educacional.

Neste sentido, esta edição de Educação abrange artigos que tratam da educa-ção e dos processos culturais presentes na sociedade contemporânea, com vistas ao ensino, à re� exão acerca dos comportamentos e seus efeitos especí� cos na formação integral da pessoa humana.

Os artigos aqui apresentados, ao analisarem diversos aspectos que incidem nos processos educativos, como o mundo do trabalho, as teorias educacionais, a pós-modernidade e a adequação do sujeito à atual conjuntura permitem a professores, alunos e gestores educacionais fazerem uma pausa na prática cotidiana e repensarem os propósitos da ação educacional.

Certamente, trata-se de um conjunto de contribuições pontuais que vão ao en-contro da busca por aprimoramento, ensejando a idéia de que o aprender insere-se no cotidiano de educadores e educandos. Assim, podemos dizer que, sobretudo, ao abordarmos as condições de nossa sociedade estamos tratando igualmente dos ru-mos desejados para educação.

Considerando as transformações profundas que presenciamos no Brasil atual e a busca crescente pela formação quali� cada de todos os brasileiros, acreditamos que os temas aqui abordados extrapolam de maneira positiva o escaninho intitulado edu-cação e alcançam os interesses compartilhados.

Prof. Dr. Everton Luis SanchesProfa. Dra. Maria Cecília de Oliveira Adão

Boa leitura! Os editores.

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Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 1-158, junho, 2012 8

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9Educação, Batatais, v. 1, n. 1, p. 9-21, jan./dez. 2011

Alexandra Mara Luchesi Arantes 1

Resumo: Esta pesquisa, caracterizada pelo método de revisão bibliográ� ca, tem o ob-jetivo de apresentar as condições sociais oferecidas para a formação de crianças surdas e que ainda envolve graves problemas, apesar das mudanças relevantes que tem ocorrido em tempos recentes. Os caminhos de solução não são vistos, naturalmente, de maneira uniforme: anunciam possibilidades, mas envolvem divergências, resistências, controvér-sias. Muito precisa ser discutido, compreendido e feito em termos de transformação das mentalidades, das políticas e dos projetos de ação concretos. As mudanças almejadas re-querem uma rede de iniciativas, em diferentes âmbitos da sociedade, que levem a vencer barreiras interpostas à inserção no trabalho, ao acesso à informação, à participação ativa em diferentes contextos institucionais. Estes aspectos darão origem a diferentes práticas sociais, que limitarão ou ampliarão o universo de possibilidades de exercício de cidadania às pessoas surdas. Os estudos sobre a surdez e suas conseqüências lingüísticas e cognitivas são de grande interesse para todos os pro� ssionais que buscam uma melhor qualidade na educação do aluno surdo.

Palavras-chaves: Surdez. Inclusão. Crianças. Professores. Práticas Sociais.

1 Pedagoga. Especialista em Educação Especial Geral pelo Centro Universitário Claretiano. E-mail: <[email protected]>.

A visão do professor frente à aprendizagem das

crianças com defi ciência auditiva

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Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 9-21, junho, 201210

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata da política nacional de inclusão escolar de pessoas surdas destacando a visão do professor neste processo. Este será elaborado através de pesquisa bibliográ� ca de diferentes experiências no processo de inclusão escolar de pessoas surdas.

O acolhimento do aluno surdo na escola ainda enfrenta muitos obs-táculos apesar de ser assegurado por lei este atendimento.

Um dos principais fatores que compromete o desempenho do aluno surdo na escola regular é o fato que, diferentemente dos ouvintes, chegam à escola sem dominar a língua oral e também sem o domínio da língua de sinais. Começa aí o isolamento dela em relação às outras crianças e também a se distanciar de seus professores por não conseguirem se co-municar. Assim esta criança está crescendo e seu desenvolvimento cogni-tivo está comprometido, pois desde então não são oferecidas as mesmas oportunidades e nem a mesma educação se comparando com a dos alunos ouvintes.

O aluno surdo quando inserido na sala de aula regular vivencia uma nova experiência. Observa crianças de sua idade que gostam das coisas que gosta, porém não se comunicam como ele. “As trocas de experiências efe-tivamente partilhadas � cam restritas a momentos em que a comunicação é estabelecida satisfatoriamente ao acaso, ou por meio de mediação de um interprete, quando se faz presente” (LACERDA, 2000 apud SOARES; LACERDA, 2004, p. 127).

O processo de aprendizagem desse indivíduo não está garantido ao colocá-lo junto às crianças ouvintes, por isso é um grande desa� o ao pro-fessor que recebe um aluno com surdez. O papel do professor é essencial no processo de inclusão do surdo.

Para que uma escola receba um aluno com surdez é necessário fazer algumas adaptações. No processo de inclusão de surdos deve ser levada em conta sua língua (a língua de sinais – LIBRAS) e sua cultura que difere da cultura do ouvinte. Daí a maior di� culdade do professor em relação ao seu

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11Educação, Batatais, v. 1, n. 1, p. 9-21, jan./dez. 2011

papel no processo de aprendizagem do aluno surdo, não conseguindo se comunicar com seu aluno � ca, muitas vezes, impossibilitado de interagir com o mesmo. Esta é uma das di� culdades que estão todos os dias presen-te em sala de aula.

Com base na legislação e na prática escolar será feita uma re� exão so-bre as necessidades educacionais especiais referentes ao aluno com surdez incluído e as expectativas de seus educadores.

A questão aqui levantada mostrará à possibilidade de identi� car, através de uma análise re� exiva, os principais fatores que contribuem para acolher o aluno surdo em sala de aula, aceitando as diferenças e garantin-do a equiparação de oportunidades, possibilitando o aluno com surdez aprender e desenvolver-se.

A falta do conhecimento da legislação por parte da comunidade es-colar ainda é o maior impedimento para a efetivação da prática docente no âmbito da inclusão escolar.

É de extrema importância que a comunidade escolar seja conhecedo-ra da legislação, só assim a inclusão do aluno com surdez � uíra de uma for-ma coerente e e� ciente. Sobre a inclusão de alunos com surdez, Lacerda (2000) aponta para o fato de que, deve ser feita com muitos cuidados que visem garantir sua possibilidade de acesso aos conhecimentos que estão sendo trabalhados, além do respeito por sua condição lingüística e por seu modo peculiar de funcionamento.

Além disso, a inclusão não é somente importante para a criança com necessidades educacionais especiais, mas também para aquelas crianças que já freqüentam a classe regular, pois aprendem a conviver com as dife-renças, sendo mais tolerantes, respeitadoras, a ajudar e ser ajudado etc.

É necessário mudanças de posturas e concepções como a� rma Kau-chakjes (2003, p. 63):

Nesse sentido, embora a inscrição em leis e a implementação de políti-cas seja o resultado almejado pelos movimentos sociais que demand-am direitos, isso não é su� ciente, pois a garantia do seu exercício e sua efetividade reside, principalmente, na mudança de valores e atitudes.

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Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 9-21, junho, 201212

O trabalho se justi� ca na necessidade de orientar o professor a co-nhecer a legislação no processo de inclusão do aluno com surdez, e seu papel em suas práticas no cotidiano escolar, e assim trabalhar para a efeti-vação da inclusão e não somente a integração e aceitação do aluno surdo.

O objetivo geral deste trabalho é analisar as necessidades educa-cionais especiais da pessoa surda no ensino fundamental focada na visão do professor. Traçando um paralelo entre a legislação em vigor e a prática atual no cotidiano escolar. Quanto aos objetivos especí� cos do trabalho, estes visam: Compreender as necessidades educacionais especiais do alu-no com surdez; Compreender as necessidades do professor frente às ne-cessidades educacionais especiais do aluno com surdez; Re� etir sobre as práticas dos educadores no Ensino Fundamental que favorecem o desen-volvimento e aprendizagem do aluno com surdez; Levantar propostas que levem essas políticas públicas a atingir um maior grau de e� ciência junto à prática do educador;

A viabilização deste trabalho se deu pela seguinte linha metodoló-gica: levantamento bibliográ� co; análise da legislação pertinente; estudo de artigos sobre inclusão educacional; sistematização das informações obtidas; levantamento de propostas de ação; e apresentação das conclusões.

2 UM OLHAR A CERCA DA SURDEZ E DAS DIFERENÇAS

A audição é o meio pelo qual o indivíduo entra em contato com o mundo sonoro e com as estruturas da língua que possibilitam o desenvol-vimento de um código estruturado, próprio da espécie humana. A língua oral é o principal meio de comunicação entre os seres humanos, e a audi-ção participa efetivamente nos processos de aprendizagem de conceitos básicos, até a leitura e a escrita. Além disso, in� ui decisivamente nas rela-ções interpessoais, que permitirão um adequado desenvolvimento social e emocional.

A de� ciência auditiva é caracterizada como um problema sensorial

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13Educação, Batatais, v. 1, n. 1, p. 9-21, jan./dez. 2011

não visível, que acarreta di� culdades na detecção e percepção dos sons que, devido a natureza complexa do ser humano, traz sérias conseqüên-cias ao individuo. A presença de qualquer alteração auditiva na primeira infância compromete o desenvolvimento da criança como um todo, nos aspectos cognitivos, sociais e culturais; além de comprometer os aspec-tos lingüísticos, pois existe um período crítico para aquisição de uma lín-gua. (SANTOS; LIMA; ROSSI In SILVA; KAUCHAKJE; GESUELI, 2003)

O primeiro aspecto a ser considerado é a expectativa que se tem em relação à criança de� ciente auditiva. Deve ser analisado se a pessoa que é surda é capaz de falar, quanto tem de perda (quais, quando e como), se fala bem, se fala mal, etc. Na maioria das vezes os pais não sabem o que esperar da criança e é através de outros pais, de outras crianças e dos pro� ssionais, que suas expectativas vão sendo construídas.

O aproveitamento máximo da audição da criança é a condição básica para propostas de desenvolvimento oral para a criança de� ciente auditiva. A precisão no estabelecimento de limiares auditivos e a pericia do fono-audiólogo na indicação e adaptação de dispositivos eletrônicos são pré-requisitos para acessar a oralidade. Isso dispara nos pais e pro� ssionais a preocupação em assegurar-se que a criança tem desempenho compatível com sua capacidade. (BEVILACQUA; MORET, 2005)

As primeiras duvidas que as famílias têm é sobre o diagnóstico da de� ciência auditiva, envolvem uma calibração de expectativas a partir dos resultados dos exames.

Muitas repostas quanto ao prognóstico relacionam-se com o desa� o de estabelecer clinicamente a relação entre capacidade e desempenho au-ditivo. “A capacidade é um conceito abstrato do potencial de um sujeito a partir de exames que avaliam a integridade e/ ou o funcionamento dos órgãos”. (BEVILACQUA; MORET, 2005, p. 30) No caso da criança pe-quena, exames como Emissões Otoacústicas Evocadas (EOA), o Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico (PEATE), a imitanciometria e os diagnósticos por imagens, são algumas maneiras de avaliar a capacidade auditiva de uma criança, também, indicadores do potencial auditivo. Os

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resultados são, em geral, os determinantes das expectativas com relação às respostas auditivas da criança e, conseqüentemente, seu prognóstico quanto à aquisição da língua oral.

O desempenho é aquilo que pode ser observado nas situações do co-tidiano e, na terapia, o que cada criança demonstra ser capaz e que nem sempre tem uma relação direta com os exames. O desempenho está sujeito a in� uência de inúmeros fatores e da interação entre eles, já que envolvem comportamentos de diversas naturezas que impli-cam não só em ouvir, mas ter a possibilidade cognitiva e afetiva de demonstrá-lo. As decisões clínicas têm como ponto de partida a in-terpretação de exames, mas é através da observação da criança, em diferentes contextos, que se determinam as decisões que podem ser tomadas. (BEVILACQUA; MORET, 2005, p. 30)

Se terapeuta e família subestimam a capacidade auditiva da criança, a indicação e regulagem dos aparelhos ou do implante coclear podem � car comprometidas. Além disso, a baixa expectativa em relação às possibilida-des da criança pode comprometer as situações de diálogo e, conseqüente-mente, a não utilização do máximo de seu potencial. Se, ao contrário, o fo-noaudiólogo superestima a capacidade auditiva, a criança pode ser super exigida, privando-lhe a utilização de outros sentidos. Quanto melhor for a observação clínica do desempenho, melhor ela vai re� etir a capacidade auditiva da criança.

A família é parceira neste processo e aprende a observar respostas sutis, em contextos construídos com esse objetivo. Expectativa deve ser aqui entendida como esperança fundamentada em exames e na observa-ção clínica das respostas da criança. A expectativa está colocada nas ações do fonoaudiólogo e é de extrema importância a sintonia e sincronia entre diagnóstico e primeiras experiências com ampli� cação, e entre médico, família e fonoaudiólogo.

Nachman (2002 apud SANTOS; LIMA; ROSSI In SILVA; KAU-CHAKJE; GESUELI, 2003) refere que o desenvolvimento de linguagem e educacional não estão relacionados ao grau de perda auditiva, mas sim à

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idade de identi� cação da de� ciência auditiva. A detecção precoce da de-� ciência auditiva torna-se imprescindível, uma vez que otimiza os proces-sos terapêuticos e aumenta a probabilidade de se aproveitar ao máximo o potencial de linguagem expressiva e receptiva, de alfabetização, do desem-penho acadêmico e do desenvolvimento social e emocional das crianças.

A triagem auditiva neonatal é o único procedimento capaz de iden-ti� car precocemente as alterações auditivas, a � m de que, nos casos posi-tivos, sejam realizados os encaminhamentos necessários ou para interven-ção médica, ou para programas de habilitação.

3 INCLUSÃO SOCIAL COMO EXERCÍCIO DE DIREITOS

De acordo com Santos; Lima; Rossi (In SILVA; KAUCHAKJE; GESUELI, 2003) as atitudes em relação à diferença e aos grupos sociais minoritários são tão diversas quanto as necessidades ao longo da história – entre si, e no seu interior.

A noção de inclusão esta ligado ao direito à igualdade que, desde o século XVIII, baliza as lutas sociais e um ideal político e de sociabilidade fundado nas relações democráticas e igualitárias.

Para os grupos minoritários, em particular os surdos, a inclusão diz respeito ao exercício de direitos, tais como o do acesso à cidade, aos equi-pamentos de educação, ao trabalho, à assistência e previdência social, à saúde, ao lazer e a cultura. Sobretudo, diz respeito não apenas à partici-pação no cenário social já dado (instituições, estruturas de poder, cultura, etc.), mas sim à participação na sua (re)con� guração e (re)construção para que novos direitos relativos à diversidade sejam incorporados.

A noção e as práticas baseadas na igualdade fundamentam as regras de sociabilidade e o principio de civilidade nas relações societárias. O di-reito à igualdade supõe que as demandas e necessidades, a língua, o modo de ser e de se expressar de cada um (individualmente ou como grupo so-cial) têm legitimidade e igual lugar no cenário social. Daí o vínculo do direito à igualdade com os movimentos por sociedades inclusivas.

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Para Santos; Lima; Rossi (In SILVA; KAUCHAKJE; GESUELI, 2003) a inclusão social não está equivocadamente vinculada à conquista dos direitos à igualdade ou à diferença. Compreender se os movimentos dos grupos sociais que demandam esses direitos (e, nesse, os surdos) estão no âmbito das reivindicações e propostas da inclusão, ou estão favorecen-do processos excludentes, exige que se dê conta dos diferentes signi� cados que adquirem na realidade e num contexto social.

A inclusão de alunos surdos no contexto regular de ensino impõe-nos um grande desa� o uma vez que, dada a diferença lingüística que lhes é peculiar é muito difícil seu acesso aos conteúdos de ensino, de forma igua-litária, em relação aos demais alunos, tendo em vista que, neste contexto, a forma usual de comunicação é a língua oral, para a qual essa parcela de educandos encontra maior di� culdade, devido ao impedimento auditivo. (BRASIL, 2003)

Além disso, a surdez não é uma realidade homogênea, mas multicul-tural, a depender do histórico de vida de cada aluno e das relações sociais que estabeleceu, desde o nascimento. A escola poderá se deparar com di-ferentes identidades surdas: surdos que têm consciência de sua diferença e reivindicam recursos essencialmente visuais nas suas interações; surdos que nasceram ouvintes e, portanto, conheceram a experiência auditiva e o português como primeira língua; surdos que passaram por experiências educacionais oralistas e desconhecem a língua de sinais; surdos que vive-ram isolados de toda e qualquer referencia identi� catória e desconhecem sua situação de diferença, entre outros.

De acordo com Brasil (2003), o atendimento a alunos surdos em escolas especiais não é a realidade na maioria dos municípios, nos quais a única possibilidade de o aluno ter acesso às experiências de aprendizagem e, por conseqüência, ao avanço e a terminalidade acadêmica é estando in-serido no contexto regular de ensino. Entretanto, esse processo implica em muitas variáveis e impõe a necessidade de a proposta pedagógica da es-cola levar em consideração a presença dos alunos surdos a oferecer repos-tas adequadas às suas necessidades educacionais. Dito de outra forma, a presença de alunos surdos em uma escola pensada, a priori, para ouvintes,

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não depende única e exclusivamente deste ou daquele professor, isolada-mente, e de sua boa vontade em receber o aluno, signi� ca um redimensio-namento do projeto escolar, na totalidade.

Nesse sentido, é importante que os sistemas educacionais estejam preparados para lidar com as diferentes demandas socioculturais presen-tes na escola, planejando-se e implementando propostas pedagógicas que estejam, desde sua concepção, comprometidas com a diversi� cação e � e-xibilização curricular, a � m de que o convívio entre as diferenças possa ser de fato, um exercício cotidiano, no qual ritmos e estilos de aprendizagem sejam respeitados e a prática da avaliação seja concebida numa perspectiva dialógica. Isso signi� ca envolver a co-participação de aluno e professor, em relação ao conhecimento que se deseja incorporar. (BRASIL, 2003)

4 CONTRIBUIÇÕES E ATITUDES DO PROFESSOR FRENTE AO ALUNO SURDO

Ao pensar na educação de surdo é importante re� etir sobre a postura do professor na sala de aula. É inquestionável que a maioria dos profes-sores, na quase totalidade das instituições educacionais, emprega como método de ensino a exposição oral e utiliza como recurso privilegiado o quadro de giz. Ao organizar subsídios para desenvolver o processo de ensi-no-aprendizagem de seus alunos surdos que, da mesma forma que para os demais alunos, estão são práticas insu� cientes e inadequadas.

É preciso ter cuidado para não tirar conclusões apressadas e infun-dadas, no cotidiano escolar, atribuindo apenas ao aluno a culpa por seu fracasso escolar. É muito comum a� rmar-se que os surdos não apresentam forma alguma de comunicação ou linguagem desenvolvida; que seu pen-samento é concreto ou primitivo, porque não se expressam por meio da linguagem oral. Geralmente, atribuem-se à sua condição de de� ciente, to-dos os comportamentos que destoam daquilo que é considerado normal pela sociedade.

De acordo com Brasil (2003), se o aluno surdo não apresenta um

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desenvolvimento cognitivo compatível com aquele considerado próprio de seus colegas da mesma idade, isto não se deve a sua di� culdade auditiva, mas sim, à de� ciência cultural de seu grupo social que foi incapaz de apro-priar-lhe o acesso, no momento devido, a uma língua natural – a língua de sinais – que edi� casse as bases para um desenvolvimento lingüístico e, conseqüentemente, cognitivo normais.

É comum nos depararmos com interações entre professores e alunos, mediadas apenas pela linguagem oral, desconsiderando-se as di� culdades e o pouco ou nenhum conhecimento dos surdos em relação a esta forma de comunicação. Muitas vezes o professor propõe ordens ou a resolução de problemas que não são compreendidos pelo aluno, que ignora ou não atinge os objetivos propostos pelas tarefas, simplesmente por não enten-der o conteúdo da mensagem veiculada. Como conseqüências, teremos fatalmente juízos de valores e opiniões equivocadas sobre a real capaci-dade cognitiva desses sujeitos, pela simples di� culdade de o professor compreender como seu pensamento se processa ou de que forma poderá penetrar em seu funcionamento intelectual (BRASIL, 2003).

As situações criadas pelo professor, em sala de aula, devem ser agra-dáveis e signi� cativas, não se perdendo de vista a objetividade e a clareza ao promoverem-se atividades de linguagem escrita, de leitura ou de qual-quer outra forma utilizada.

O professor de alunos surdos, que conhece a língua de sinais, certa-mente terá ampliada a capacidade de interação verbal com seus alunos, em todas as situações de aprendizagem. Há inúmeras estratégias para que essa seja, de fato, uma língua compartilhada entre surdos e ouvintes e te-mos conhecimentos de experiências signi� cativas, nesse sentido, em várias unidades escolares do país.

Mesmo sendo a presença de intérpretes de língua de sinais o ideal, nos casos em que houver alunos surdos estudando nas classes comuns, há uma serie de variáveis que ainda di� cultam essa realidade, dentre elas o fato de nem todos os alunos serem usuários da Libras e a demanda de intérpretes ser mínima, geralmente, apenas nos grandes centro urbanos (BRASIL, 2003).

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Diante disso, o professor deve lançar mão de todos os recursos e es-tratégias visuais que acompanhem a oralidade, pois, ao contrário, seu alu-no surdo em nada se bene� ciará das aulas.

A avaliação é parte integrante do processo de ensino e aprendizagem. A avaliação requer preparo técnico e grande capacidade de observação por parte dos pro� ssionais envolvidos. A principal função da avaliação é a diagnóstica, por permitir detectar diariamente, os pontos de con� ito ge-radores do fracasso escolar. Esses pontos detectados devem ser utilizados pelo professor como referenciais para as mudanças nas ações pedagógicas, objetivando um melhor desempenho do aluno.

Na avaliação da aprendizagem do aluno surdo, não se pode permitir que o desempenho lingüístico inter� ra de maneira coibidora no desem-penho acadêmico, visto que esse aluno, em razão de sua perda auditiva, já tem uma defasagem lingüística no que se refere à língua portuguesa (falada ou escrita).

Segundo Brasil (2003) a avaliação da aprendizagem do aluno sur-do é ponto merecedor de profunda re� exão. Os professores deverão estar conscientes de que o mais importante é que os alunos consigam aplicar os conhecimentos adquiridos em seu dia a dia, de forma que esses conheci-mentos possibilitem uma existência de qualidade e o pleno exercício da cidadania.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, os professores estão cada vez mais envolvidos com alu-nos portadores de necessidades educacionais especiais, devido ao fato da inclusão. Entre esses alunos encontram-se os de� cientes auditivos, e con-comitantemente muitos anseios e duvidas no ambiente escolar.

Como a inclusão já é realidade e muitos de� cientes auditivos estão inseridos em classes comuns de ensino, os professores estão sentindo ne-cessidade de reforçar seus conhecimentos em relação a alguns aspectos da de� ciência auditiva, e cada vez mais, estão buscando ajuda de outros

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pro� ssionais da área, a� m de encontrar respostas e orientações quanto ao aluno surdo.

Uma das maiores di� culdades que os professores encontram com o aluno de� ciente auditivo inserido em classes regulares é a comunicação. O não estabelecimento de uma comunicação efetiva pode impedir a aprendi-zagem do aluno e, segundo Zanata (2004 apud BOSCOLO et al., 2005), os gestos indicativos e sinais de Libra, embora auxiliem na compreensão da mensagem oral, muitas vezes, são insu� cientes para que o aluno tenha acesso ao conteúdo acadêmico. Para auxiliar o aprendizado, o professor deve fazer uso de estratégias visuais, como aulas de vídeo, � guras ilustra-tivas, programas de computadores e oferecer atenção individual ao aluno, sempre que possível.

A família, em parceria com a escola, também tem um caráter funda-mental no processo de reabilitação ou habilitação, não somente como ex-pectador, mas sim como membro atuante, ou seja, propulsor/responsável, pois ela é o agente modi� cador da realidade da criança e os terapeutas são como agentes de apoio. Para que essa participação seja efetiva é necessário que esse membro tenha conhecimento das estratégias facilitadoras, e, para isso ter recebido orientações que devem ser realizadas por todos os envol-vidos no trabalho.

REFERÊNCIAS

BEVILACQUA Maria Cecília; MORET, Adriane Lima Mortari. De! ciência Auditi-va: conversando com familiares e pro� ssionais de saúde. São José dos Campos: Pulso, 2005.

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Saberes e práticas da inclusão. Desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educa-cionais de alunos surdos. Brasília: SEESP/MEC, 2003.

BOSCOLO, Cibele Cristina. et al. O de! ciente auditivo em casa e na escola. São José dos Campos/SP: Pulso, 2005.

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21Educação, Batatais, v. 1, n. 1, p. 9-21, jan./dez. 2011

KAUCHAKJE, S. Comunidade surda: as demandas identitárias no campo dos direitos, da inclusão e da participação social. In: SILVA, I. R.; KAUCHAKJE, S. e GESUELI, Z, M. (Orgs.), Cidadania, surdez e linguagem. São Paulo: Plexus Editora, 2003,

LACERDA, Cristina Feitosa de; GÓES, Maria Cecília Rafael de (orgs). Surdez. Pro-cessos Educativos e Subjetividade. São Paulo: Lovise, 2000.

SANTOS, Maria Francisca Collela dos; LIMA, Maria Cecília Marconi Pinheiro; ROS-SI, Tereza Ribeiro de Freitas. Surdez: Diagnóstico Audiológico. In SILVA, Ivani Ro-drigues; KAUCHAKJE, Samira; GESUELI, Zilda Maria. (Org.) Cidadania, surdez e linguagem: desa$ os e realidades. São Paulo: Plexus Editora, 2003.

Title: % e view from front of the teacher of children with learning disabilities hearing.Author: Alexandra Mara Luchesi Arantes.

ABSTRACT: % is research, characterized by the method of literature review, aims to present social conditions o& ered to train deaf children and still involves serious pro-blems, despite the important changes that have occurred in recent times. % e solution paths are not seen, of course, uniformly: advertising possibilities, but involve di& erences, strengths and controversies. Much needs to be discussed, understood and done in terms of transformation of attitudes, policies and concrete action projects. % e desired changes require a network of initiatives in di& erent sectors of society, leading to overcome bar-riers to integration in the $ led work, access to information, active participation in di& e-rent institutional contexts. % ese aspects give rise to di& erent social practices that limit or expand the universe of possibilities for the exercise of citizenship to persons who are deaf. Studies of deafness and cognitive and linguistic consequences are of great interest to all professionals who seek a better quality of education of the deaf student.Keywords: Deafness. Inclusion. Children. Teachers. Social Practices.

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O conceito freudiano de transferência – um mecanismo psíquico atuante no processo educativo

Jefferson Mercadante 1

Resumo: O presente trabalho vem fazer coro ao debate acadêmico que faz entender as teorias psicanalíticas inter-relacionadas com a educação, pois se ressalta a importância do reconhecimento do sujeito do inconsciente nas práticas educativas. Nesse sentido, há um esforço em analisar a contribuição da psicanálise para a área da educação formal de maneira clara, concisa e acessível aos professores em formação, debatendo a necessi-dade dos educadores em conhecer a relação transferencial freudiana, presente na relação aluno-professor, para que se possa entender a sala de aula como um espaço de tensões, sentimentos e in( uências que agem sobre a aprendizagem. Para tanto, houve uma exaus-tiva análise teórica e um levantamento bibliográ* co, que, busca elucidar a relação trans-ferencial entre aluno-professor e o poder que o professor possui enquanto um interlo-cutor privilegiado, apontando a in( uência de alguns conceitos psicanalíticos na prática educacional. Ambientando em uma temática relativamente nova na rotina educacional dos professores e tendo um embasamento em revisões e pesquisas com conteúdo especí-* co, a proposta enfocada neste artigo, diz respeito à investigação de como o sistema de transferência interfere e in( uencia o método de ensino e aprendizagem de uma maneira global e na função do professor e educador, estimulando o processo de criação de meios de manejá-lo.

Palavras-chave: Psicanálise. Educação. Transferência. Aluno-professor.

1 Licenciado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Especialista em Psicopedago-gia pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP). E-mail: <je� [email protected]>.

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1. INTRODUÇÃO

Não contribuí com coisa alguma para a aplicação da Psicanálise à Educação, mas é compreensível que as investigações da vida sexual das crianças e de seu desenvolvimento psicológico tenham atraído a atenção de educadores e lhes mostrado seu trabalho sob uma nova luz. (FREUD apud GOULART, 2005, p. 125).

O Dr. Sigmund Freud (1856-1939), teórico representante da Psica-nálise, cujo trabalho está associado à neurologia e à psiquiatria, introduz, nas entrelinhas do seu discurso, a noção do educador que, com a informa-ção psicanalítica no processo de construção do conhecimento, coloque o trabalho educativo em um caminho psicanaliticamente esclarecido.

Dois importantes trabalhos abriram, no Brasil, uma discussão polê-mica sobre a possibilidade de transmissão da Psicanálise para fora do divã, ambos da pesquisadora e psicanalista Maria Cristina Kupfer: Freud e a educação: o mestre do impossível (1997) e Educação para o futuro (2007). Tal como a pesquisa de Kupfer (2007), este trabalho pretende uma apro-ximação entre Educação e Psicanálise, partindo dos mecanismos psíquicos articulados no trabalho educativo e de uma elucidação da relação transfe-rencial entre aluno-professor e o poder que o professor possui enquanto um interlocutor privilegiado.

Freud (1976) aponta a  transferência como um mecanismo psíqui-co que se encontra presente em toda relação humana, Kupfer (2007) re-conhece a possibilidade de que a  transferência ocorra na relação aluno-professor. A partir de um paralelo entre o conceito postulado por Freud (1976) e o reconhecimento por Kupfer (2007) de sua atuação na Educa-ção, a transferência pode ser entendida como reedições de vivências psí-quicas do aprendiz que são atualizadas em relação à # gura do professor. Assim, segundo Freud (1976, p. 286), “[...] é difícil dizer se o que exerceu mais in$ uência sobre nós e teve maior importância foi a nossa preocu-pação com as ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres”.

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É sabido que a criança reage ao professor como substituto paterno. As crianças tendem a agir em relação aos professores de maneira seme-lhante à que tem com seus próprios pais, e esperam que os professores reajam como o pai por eles idealizado. Por outro lado, os professores tam-bém se veem em uma relação de pai para � lho com seus alunos e é certo que esperem deles um ideal de criança, mas, normalmente o que acontece é deparar-se com diversos tipos de alunos que não condizem com o seu ideal, por isso não reagem com a emoção própria dos pais. Assim, se um professor responde de forma negativa àquele aluno que depositou nele as emoções de um � lho, o caminho do conhecimento para essa criança se encontrará de certa forma, bloqueado.

Isso acontece porque a transferência é um fenômeno inconsciente, ou seja, os relacionamentos são obrigados a arcar com uma espécie de he-rança emocional que existe no inconsciente. Segundo Kupfer (2007), é esta característica que a torna ardilosa no processo educativo, pois pode induzir a predisposições ou rejeições a pessoas que estão à sua volta, como na relação aluno-professor, por isso, defende um professor com formação psicanalítica, capaz de se utilizar desse mecanismo psíquico – a transfe-rência – para poder incentivar o processo de aprendizagem dos alunos.

Juntam-se ao trabalho de Kupfer (2007) na atualidade, uma série de pesquisas dedicadas às aproximações entre Educação e Psicanálise, traba-lhos esses de grande expressão, como o livro Educação e Psicanálise: histó-ria, atualidade e perspectiva, organizado por Oliveira (2003) e, O impacto da Psicanálise na Educação, organizado por Mrech (2005).

Vê-se a Educação convergir para o inevitável: o inconsciente e os sen-timentos, o que não é palpável, mas está a todo o momento presente no es-paço escolar. Foca-se então, a relação aluno-professor, pois aquele é o alvo para o qual são deslocados os sentimentos deste. Ao professor, é con� ado mais que a mediação, são con! itos familiares que dizem respeito a valores sexuais, morais, éticos, religiosos, políticos, culturais; e são essas questões que devem ser retidas pelo educador, sem prejudicar a aprendizagem.

Com isto, surge a preocupação, em construir um trabalho crítico que busque uma análise mais detalhada do per� l das relações de transferência

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que se estabelece na sala de aula e, não somente identi� cá-las, mas também dispor de um instrumento que gere re� exão e intervenção nesse tipo de fenômeno, haja vista que além de sua constatação é necessário também portar-se como um educador psicanaliticamente capacitado a � m de me-lhorar a dinâmica da relação aluno-professor na rotina de ensino e apren-dizagem.

2. O CENÁRIO: AS ORIGENS DE SIGMUND FREUD E AS REFERÊNCIAS HISTÓRICAS DA PSICANÁLISE NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Sigmund Freud nasceu em 6 de maio de 1856, em Freiberg, na atual Tchecoslováquia e faleceu em 22 de setembro de 1939, em Londres. For-mou-se pela Escola de Medicina da Universidade de Viena, dedicando-se inicialmente à � loso� a e à neuropatologia, sendo que nesta última área desenvolveu estudos acerca da paralisia cerebral. Como o presente artigo não consiste em detalhar a biogra� a de Freud, neste primeiro momento, será mostrado um pouco da sua obra e os fundamentos da Psicanálise. Para tanto, será usado como referência o trabalho biográ� co de Goulart (2005), em Psicologia da Educação.

No � nal do século XIX, em Paris, Freud realizou um estágio com o neurologista Jean Charcot (1825-1893) e em colaboração com Joseph Breuer (1842-1925), médico austríaco, desenvolveu estudos sobre a base psicológica da histeria. Contudo, ao contrário de Freud, Breuer não acei-tava a hipótese da origem sexual das neuroses e os dois se separaram. Se-quenciando suas pesquisas, abordando as manifestações do inconsciente humano, Freud concluiu que os impulsos sexuais reprimidos na infância é que levavam às perturbações neuróticas e publicou o resultado de suas investigações em 1905, em seu trabalho intitulado Três ensaios sobre a sexualidade e tornou-se o pai da Psicanálise. Trinta anos depois, Arthur Ramos (1903-1946), médico psiquiatra e um dos principais intelectuais brasileiros da década de 1930, em defesa da aplicação das teses psicanalíti-

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cas no terreno escolar, a� rmaria que Freud teria mencionado os principais pontos que fundamentariam uma Educação baseada na Psicanálise, dentre eles o estudo do recalcamento excessivo e suas conseqüências pedagógicas (RAMOS, 1934).

No Brasil, a interação entre a Psicanálise e o campo educativo, deu-se por intermédio da política de Anísio Teixeira (1900-1971), que se desta-cou no âmbito educacional como um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que previu os novos rumos políticos e � lo-só� cos da Educação nacional (CUNHA, 1997). Foi no início da década de 1930 que, Anísio Teixeira, Diretor da Instrução Pública do Distrito Federal - que viria a se chamar Secretaria de Educação - ofereceu ao médi-co Arthur Ramos, o comando da Seção de Ortofrenia e Higiene Mental do Instituto de Pesquisas Educacionais. Ainda nessa década, aplicou-se no país, um projeto educacional que privilegiava o estudo das mentes infantis e a valorização das qualidades individuais de cada criança como instru-mento de apoio na solução de problemas de ordem educacional (NU-NES, 2000).

Os esforços de Arthur Ramos em intervir no campo educativo para se fazer aceita a in� uência psicanalítica ganharam forças com a aliança da psiquiatria com o poder público, e já na segunda metade dos anos 1930 as teorias da Psicanálise � rmavam-se nos meios acadêmicos e cientí� cos brasileiros, quando da publicação de Educação e Psicanálise (1934), em que Arthur Ramos pretendia propagar a teoria psicanalítica junto aos educadores, auxiliando-os a gerir o processo de ensino e aprendizagem em consonância com o comportamento de seus alunos.

Segundo Ramos (1934, p. 15), a Psicanálise forneceria ainda “[...] um método de estudo, que favorece a resolução de certas situações pe-dagógicas ‘di" ceis’, e insolúveis sem o seu auxílio”. Juntos – a reforma de Anísio Teixeira que integrou o movimento educacional escolanovista; e o trabalho higienista de Arthur Ramos – marcariam o cenário educacional brasileiro a partir da década de 1930 com projetos inovadores em oposi-ção à Educação tradicional existente. Projetos esses, que incorporaram a ciência às práticas escolares, agregando conhecimentos da Psicologia e da

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Sociologia; a deixa necessária para a Psicanálise integrar à Educação bra-sileira. Isso, porque a Escola Nova é guiada pelo respeito à personalidade do aluno, bem como suas particularidades psicológicas, e os meios mais adequados para compreender a psique infantil e estudar o inconsciente são oferecidos pela própria Psicanálise. Assim, Ramos (1934) consolidava a importância dos estudos psiquiátricos para a Educação, ao a� rmar que, somente a Psicanálise permite compreender a formação do caráter indi-vidual e suas falhas, possibilitando o acompanhamento da sua evolução e a compreensão de meios para o aperfeiçoamento do comportamento das crianças e resolução das di� culdades escolares.

Como não pretende-se, nesse artigo, encerrar a discussão da relação entre Educação e Psicanálise no Brasil pelo vértice histórico, a título de compreensão dos trabalhos desenvolvidos por Anísio Teixeira e Arthur Ramos, cabe destacar que foram impedidos de ser ampliados devido às restrições que a Constituição de 1937 impôs às reformas educacionais e particularmente, à Seção de Ortofrenia e Higiene Mental do Departa-mento de Educação, quando se instalou o Estado Novo no Brasil.

A partir dos efeitos provocados por esse primeiro momento his-tórico de interseção da Psicanálise com a Educação brasileira incita-se a extensão e propagação das discussões atuais sobre o tema, incorporando novas problemáticas e fazendo reverberar a teoria psicanalítica no meio educacional.

3. PENSANDO A RELAÇÃO ALUNO-PROFESSOR A PARTIR DE UM MECANISMO PSÍQUICO

De meados do século XX aos dias atuais, o mundo acadêmico tem tido muitas contribuições para um enlace entre Psicanálise e Educação.

Para a teoria psicanalítica a transferência é um dos pontos fundamen-tais para a caracterização do que é o método de tratamento psicanalítico, objetivando revelar os con" itos inconscientes e liberar o paciente de sua doença neurótica (FREUD, 1976). Para tanto, Freud (1976), determina

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a transferência como a relação que se cria entre o paciente e o psicotera-peuta, uma relação de con� ança e respeito que permite ao psicoterapeuta o reconhecimento do inconsciente e o ganho da con� ança do paciente. Isso, porque o processo psicanalítico se constitui mediante as reedições de desejos inconscientes do paciente referente a objetos externos, que passam a se ligar à � gura do analista, colocado nessa situação, na posição desses diversos objetos. Vale acrescentar que, na teoria psicanalítica, o comporta-mento humano não resulta apenas da vontade consciente, mas de pulsões e formações do inconsciente – região que armazena memórias, necessida-des e desejos reprimidos.

Em A dinâmica da transferência, texto de 1912, Freud (1976) enten-de que se, por exemplo, a indispensabilidade de amar não é plenamente satisfeita na realidade de um determinado indivíduo, esse se aproximará de cada pessoa que vir a conhecer, inclusive do psicanalista (e, acrescen-ta-se aqui, o professor), com seus desejos inconscientes de liberar aquela energia psíquica relacionada à sua história pregressa; eis a transferência. Quanto a esse processo, Freud (1912), acredita que, sua utilização pode tanto facilitar o tratamento quanto di� cultá-lo, e que, deve-se, portanto, distinguir a transferência positiva da negativa: ela será positiva quando ocasionar uma situação de dependência afetuosa e dedicada pelo paciente, que facilite as con� ssões, sendo feita de sentimentos de amor e ternura; e será negativa quando feita de sentimentos hostis e agressivos em relação ao psicanalista, oferecendo resistência ao tratamento. Porém, existe ainda a situação de dependência afetuosa que pode bloquear a análise (ou, no caso da relação aluno-professor, o processo de aprendizagem): isso acontece quando as relações de afeto e amor excessivo, se não identi� cadas e levadas em consideração neste processo, despertam um sentimento passional de dependência bastante complexo e instauram uma relação de frustração em potencial, visto que se pode esperar, em alguma instância do dia-a-dia dos envolvidos, quão além o que o outro tem a oferecer, ou seja, crê-se numa contrapartida geralmente positiva que não se veri� ca.

Neste sentido, o professor assume um papel importantíssimo na di-nâmica transferencial e passa a in% uenciar o processo de aprendizagem de

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seus alunos, pois estes irão investir na � gura do professor seus sentimentos de afeto, ou seja, o educador representará para o aluno o lugar do saber, substituindo as � guras parentais que lhe foram importantes. Assim sen-do, o professor carrega consigo as projeções pessoais de diversos alunos e, ter a consciência desse processo é fundamental para evitar problemas na aprendizagem.

A � m de se fazer uma leitura mais ampla das relações escolares, es-tudar-se-á o conceito de transferência e as preocupações de Freud para a prática pedagógica, ilustrando a dinâmica transferencial na relação alu-no-professor. Para tal, registra-se, aqui, um exemplo dado por um profes-sor da Educação básica do ensino público no interior do estado de São Paulo: Um determinado aluno idealiza o seu professor e enquanto este corresponde às suas projeções ele dá lugar à voz do educador, ele o ou-torga autoridade e constrói conhecimento. Esse mesmo aluno observa o professor, em um momento pessoal, fumando um cigarro. Porém, o edu-cador idealizado pelo aluno não fumava. Sabemos, pois, que o professor ocupa nessa relação o espaço do saber, representando a autoridade, e o aluno, ao sedimentar sua relação com o educador, recorda-se de aspectos semelhantes vividos na relação com seus pais. Diz-se, assim, que surgem na relação aluno-professor vivências que fazem com que o aluno relembre seus con� itos familiares, passando, portanto, a agir no espaço da sala de aula como em sua casa com seus pais. No processo transferencial o aluno deixa de se relacionar com o professor e passa a se relacionar com os seus fantasmas, o professor perde o lugar do saber que outrora o fora outor-gado, podendo-se dizer, que o caminho para o conhecimento para esse aluno se encontrará, de certa forma, bloqueado. Isso porque a criança está revivendo na relação com o professor, sentimentos hostis que o impedirão de reconhecer a autoridade e o saber do educador.

Mas qual a importância da transferência na análise? E na Educação? O analista não pode em nenhuma instância fornecer o afeto passional que o paciente busca, assim jamais deve satisfazer a demanda de amor do indi-viduo. Porém, também não pode afastar nem reprimir essa relação senti-mental. Na análise, por conseguinte, a transferência funciona como uma

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ferramenta, uma etapa pela qual se pode fazer emergir da consciência fatos ocultos da vida do indivíduo em tratamento. O analista deve mostrar ao paciente que seus sentimentos não se originam da situação atual e, por-tanto, não se aplicam à sua pessoa, ou seja, não é algo pontual e recíproco direto a quem o trata. Assim, a transferência servirá como instrumento de rememoração, por parte do paciente e identi� cação de problemas de ordem mental. Se bem manejada, a transferência pode servir como um instrumento auxiliar no processo de cura, assim como, na Educação, se de-tectada e trabalhada pelo professor, pode servir como um meio de captar o interesse e a dedicação do aluno para o que é ensinado e dessa forma per-mitir desvendar o fundo subjetivo por trás das limitações possivelmente veri� cadas na rotina de ensino e aprendizagem no ambiente escolar.

Kupfer (2007) considera que para que seja possível educar levando em conta o sujeito, o professor deve afastar-se de ideais, tais como a pre-ocupação excessiva com métodos de ensino e didática, técnicas de ades-tramento e adaptação, recompensas e premiações. Ou, com sua visão, o professor deve:

Apenas colocar os objetos do mundo a serviço de um aluno que, an-sioso por encontrar suas respostas ou simplesmente fazer-se dizer, escolherá nessa oferta aqueles que lhe dizem respeito, nos quais está implicado por seu parentesco com aquelas primeiras inscrições que lhe deram forma e lugar no mundo. [...] Então a psicanálise é útil para o educador e é útil para o aluno. Não a psicanálise do tratamento-padrão, mas a teoria que permitirá ao educador levar em conta o su-jeito. (KUPFER, 2007, p.125-126).

Deve-se ressaltar ainda, que, levar em conta o sujeito não signi� ca aplicar liberdade incondicional e deixá-lo agir como queira. No entanto, para proibir é imprescindível que o professor esteja investido da autorida-de a ele outorgada pelo aluno através do processo transferencial.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aprofundamento das relações entre Educação e Psicanálise cor-robora para o desenvolvimento do ensino enquanto ciência, fenômeno relativamente novo.

Com uma Educação pelo viés da Psicanálise, se abre um caminho para a subjetividade do aluno, questão fundamental diante de uma rea-lidade educacional cercada por heterogeneidades. Ouvir o aluno na sua individualidade é o que se pretende com uma Educação com professores psicanaliticamente informados; não formar professores analistas. Diante o panorama da Educação brasileira, torna-se impossível pensar em aná-lises clínicas com os alunos como faz o psicanalista, mas a situação exige do educador a consciência dos fenômenos psíquicos atuantes na relação aluno-professor. São várias as teorias pedagógicas que fazem crer que o papel do educador é incitar a transformação em crianças, surgindo adultos críticos e com domínio do conhecimento. Dar vozes aos alunos e ouvi-los na sua individualidade ajuda-os a avançar nesse caminho e, para tanto, é imprescindível o domínio da relação transferencial entre aluno-professor, para que este possa encontrar na � gura do educador um interlocutor além dos pais. Como, então, a psicanálise pode ajudar o professor em sua prá-tica pedagógica? Oferecendo ao educador uma formação que lhe garanta condições de identi� car as questões transferenciais e agir positivamente sobre elas, evitando uma reação intransigente à transferência do aluno. O que não signi� ca, porém, corresponder aos sentimentos transferenciais do aluno, mas canalizá-los a favor da atividade intelectual. Pois, o professor, é um dos fatores mais importantes no processo de aprendizagem do aluno.

Diante o lugar do saber assumido pelo educador na relação com seus alunos, observa-se claramente a necessidade de se empregar a Psicanálise na prática pedagógica. Para tanto, Arthur Ramos (1934, p. 161) defende para a formação do professor alguma experiência psicanalítica, pois “[...] para uma orientação pedagógica de base psychanalytica é indispensável a correta formação mental do educador”. Defendemos, pois, uma formação psicanalítica para todos os responsáveis pela formação e desenvolvimen-

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to das crianças, incluindo, pois, os educadores. O professor psicanaliti-camente preparado é capaz de ajudar seus alunos a superar certas di� cul-dades, visto que a Psicanálise é a ciência dos processos mentais, muitas vezes inacessíveis por qualquer outro modo e reveladores de problemas da ordem da psique que se manifestam nas relações interpessoais.

O educador não pode perder de vista este embasamento que a Psi-canálise oferece, para que possa estar cada vez mais capacitado e apto a agir da melhor maneira em nome do alcance de seus objetivos: favorecer a construção do conhecimento, da cidadania, da ética e a da transformação em seus alunos.

REFERÊNCIAS

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RAMOS, A. Educação e psychanalyse. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934.

Title: $ e Freudian concept of transference – psychic mechanism acting in the educa-tional process.Author: Je% erson Mercadante.

ABSTRACT: $ e present work comes to agree with the academic debate that gets through the psychoanalytic theories interrelated with education because it highlights the importance of recognizing the subject of the unconscious on the educational practi-ces. $ erein, there is an e% ort to analyze the psychoanalysis contribution to the formal education area, clearly, concisely and accessibly to trainee teachers, debating the need of educators to be well versed in the Freudian transference relationship, present in the student-teacher relation, so they can see the classroom as a place with tensions, feelings and in& uences that act directly on the learning process. $ erefore, there have been a tho-rough theoretical analysis and bibliographical survey to try elucidating the transference relationship between student-teacher and the power of the teacher as a preferred inter-locutor, pointing the in& uence of some psychoanalytic concepts in educational practice. Placed in a relatively new subject on the educational routine of teachers and having a foundation in revisions and an speci' c content, the proposal of this work concerns the investigation of how the transference system a% ects and in& uences the teaching and le-arning methods globally and the role of teacher and educator, instigating the process of creating the means to handle it.Keywords: Psychoanalysis. Education. Transference. Student. Teacher.

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De “Tempos modernos” a “Energia pura”: adequação e inadequação do homem na sociedade contemporânea

Everton Luís Sanches1

Resumo: A proposta deste artigo é analisar a atualidade do � lme Tempos modernos (Modern times – EUA, 1936) e estabelecer uma relação de semelhança entre a sua te-mática e a do � lme Energia pura (Powder – EUA, 1995). A perspectiva de análise en-quadra-se dentro do debate da psico-história e a metodologia utilizada parte da análise do � lme enquanto fonte, levando em conta sua signi� cação sociocultural e as relações possíveis entre a produção cinematográ� ca e a vida cotidiana. Considerou-se que estes � lmes abordam a incongruência entre sujeito histórico e as padrões de comportamento estimulados na contemporaneidade, apontando certo tipo de humanismo como possibi-lidade de alinhar as demandas sociais e as possibilidades pessoais.

Palavras-chave: Adequação. Inadequação. Sociedade contemporânea. Capitalismo. Ci-nema.

1 Professor do Centro Universitário Claretiano de Batatais. Doutor em História e Cultura Social pela UNESP-Franca. E-mail: <[email protected]>.

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1. INTRODUÇÃO

Segundo Cony (1967) a obra de Charles Chaplin pode ser consid-erada como superação do cinema indo ao encontro das grandes obras literárias, pois tal qual estas, aquela aborda alguns aspectos da natureza humana de onde emergem elementos subjetivos dos personagens repre-sentados e, simultaneamente, de seus criadores.

Pessoalmente, Charles Chaplin viveu sua infância entre os luxos possibilitados pelo teatro de variedades, no qual seu pai era parcial-mente bem-sucedido, e a mais completa miséria na maior parte do tempo, proporcionada pelas di� culdades enfrentadas por sua mãe, que também era do meio artístico e teve problemas de saúde que abreviaram sua carreira. Seus pais eram separados e Chaplin morava com sua mãe, tendo passado parte de sua infância em orfanatos de Londres e outra parte nas casas de amigos bem-sucedidos de sua mãe. Desde muito cedo Charlie procurou emprego para ajudar a sua mãe e seu irmão Sidney a sustentar a casa, passando por diversos trabalhos diferentes, sem êxito, até conseguir � rmar-se como ator do teatro inglês. Tal experiência lhe propiciou a compreensão de temas que comporiam a maior parte de sua obra, como é o caso de Tempos modernos (Modern times – EUA, 1936. Direção: Charles Chaplin).

Em Tempos modernos (Modern times – EUA, 1936. Direção: Charles Chaplin) podemos destacar importantes aspectos da infância de Chaplin, como a busca incessante do personagem Carlitos por uma oportunidade de trabalho numa sociedade cada vez mais competitiva e desumana. Chaplin destaca a condição desumana em que viveu, ao mesmo tempo em que destaca todo o sistema produtivo contemporâneo. Logo no início do � lme surge um relógio que vai se fundindo com a imagem de um rebanho de carneiros e, respectivamente, com os operários apertando-se para adentrar a fábrica. O controle do tempo (relógio), o controle da na-tureza (rebanho de carneiros) e sua comparação com a condição humana (operários adentrando a indústria) constituem a sequência de abertura do

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� lme. Neste contexto, com o início dos trabalhos na linha de produção, um operário ganha destaque: Carlitos.

Nas palavras de Chaplin (1964, p. 142), o seu personagem Carli-tos “é um vagabundo, um cavalheiro, um poeta, um sonhador, um sujeito solitário, sempre ansioso por amores e aventuras”. No � lme em questão ele vive pelas ruas e se esforça para se integrar ao mundo do trabalho, todavia não conseguindo acompanhar o ritmo racionalizado da vida moderna, so-bretudo num momento de severa crise econômica (crise de 1929).

Paralelamente, o � lme Energia pura (Powder – EUA, 1995. Direção Victor Salva) conta a história de Jeremy Reed (Powder), um adolescente de 15 anos que passou toda sua vida na fazenda de seus avós. Sem nenhum contato prévio com a sociedade, devido à morte de seu avô (sua avó fa-lecera antes) Powder é exposto pela primeira vez às pessoas de uma cidade norte-americana de doze mil habitantes.

Segundo narra o � lme, seus avós o esconderam porque temiam a rea-ção das pessoas às suas características pouco comuns (albino e sem pelos no corpo). Além disso, Powder não poder ser exposto a dispositivos elétri-cos e é dotado da capacidade de perceber aquilo que é pensado e sentido pelas pessoas que o cercam, tendo aptidão inclusive para comunicar ex-periências íntimas por meio do mero contato físico.

Powder (talco, em português), devido às suas peculiaridades físi-cas, não se enquadra em nenhuma classi� cação ou etnia. Ele não é negro, mas também não é branco, nem japonês, índio ou mestiço. Devido ao seu pouco contato social e a impossibilidade do contato com aparelhos eletrônicos, só conhece a cultura e a sociedade contemporânea pelas leitu-ras que fez na fazenda onde morou, atrapalhando-se com hábitos comuns e padrões de comportamento socialmente aceitos. Logo, pela di� culdade de enquadrar-se nas classi� cações étnicas e não saber como interagir com a dinâmica social é tachado de doente, retardado ou deformado; também é admirado, tomado como belo (exótico) ou estranho.

Quando seu teste de Q. I. demonstra que ele é um gênio, de intelec-to superior a todas as classi� cações consideradas possíveis, a indagação traduz-se em: “O que aquela coisa faz aqui?”, “Isso parece um gênio para

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você?” ou “Mantenha essa coisa amarrada”. En� m, suas denominações variam entre “anormal” e “anjo”.2

Citando Einstein em vários momentos, o � lme resgata valores hu-manistas, destacando os desejos, virtudes e agruras comuns da humani-dade que pouco se prenunciam no contato sinestésico.

Podemos considerar neste � lme de 1995 a abordagem da curta vida de uma pessoa que supera os propósitos de um dado grupo de pessoas e de um contexto social mais amplo, estabelecendo um debate sobre a opressão da individualidade ocasionada pela circunscrição tardia de uma pessoa singular na sociedade. Isso ocorre no � lme porque as possibilidades de um sujeito histórico sobressaíram diante dos padrões de conduta estabeleci-dos previamente pelo senso-comum.

Em Energia Pura (Powder – EUA, 1995. Direção Victor Salva) po-demos destacar ainda o enfoque sobre as aparências que as pessoas sus-tentam na vida em sociedade, enquanto Powder estabelece uma ligação orgânica com o ambiente que o rodeia, descortinando o universo pessoal que está submerso no conjunto que o envolve; ele expõe a angústia do ser provocada pelas misérias que são ao mesmo tempo individuais e com-partilhadas socialmente.

Consideradas as partes, podemos estabelecer que ambos os � lmes possibilitam explorar o desmantelamento das relações interpessoais mais profundas na contemporaneidade, mantendo como referência o campo delineado pela história cultural. Contudo, a discussão interdisciplinar que se perfaz abrange a inadequação da pessoa humana, tomada enquanto sujeito histórico, à sociedade contemporânea.

Sobre o humanismo que é suscitado pelos � lmes, podemos tomá-lo mantendo a mesma preocupação de Josep Fontana (1998 – p. 268). Deste modo, temos no humanismo a indicação de um novo caminho, que se contrapõe à “crise das expectativas de futuro”, sendo que o modelo falido, o iluminista, “convertia uma noção de progresso baseada no desenvolvi-mento tecnológico no motor da história”.

2 Paráfrase de diálogos do � lme.

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Trata-se, logo, de uma análise temática e temporal, privilegiando os aspectos que possam referenciar certo entendimento ou visão de reali-dade presente nos � lmes discutidos, fazendo um diálogo interdisciplinar e mantendo a história como campo especí� co de estudo. Assim, investiga-se a inadequação das preferências pessoais em relação à sociedade contem-porânea, reavaliando o contexto e quais os estímulos que partem dele para o indivíduo.

Podemos considerar que a inadequação da pessoa diante dos padrões de conduta em Tempos modernos é explorada, pelo menos, num duplo sentido: é uma crítica social feita por meio e através do discurso cômico; uma sátira do sofrimento de um operário diante não só da crise de 1929, mas pertinente a qualquer grande crise econômica e às transformações provocadas pela industrialização e pelo consumismo.

Carlitos (o personagem de Chaplin) defende apenas a sua sobre-vivência: não pretende ser famoso ou ter muito dinheiro, não quer um carro e nem se preocupa em competir com seu vizinho – pois nem tem casa ou vizinho. Almeja apenas comer uma boa refeição, ler os jornais, conversar com os amigos, fumar um charuto, en� m, desfrutar de peque-nos prazeres mundanos.

Assim, Carlitos torna-se uma alegoria do homem contemporâneo, perdido em meio à inconsistência do mundo racionalizado, homogêneo e incompatível com as necessidades de sobrevivência material e psíquica provocadas pela individualidade da pessoa humana.

Partindo para a análise antropológica, temos que:

A indústria moderna passou a se basear nos duplos pilares do ford-ismo e do sloanismo. Ambos tendiam a desestimular o espírito em-preendedor e independente e a fazer com que o indivíduo desacredi-tasse em seu próprio julgamento, mesmo em matéria de seus gostos pessoais. As suas próprias e incultas preferências, ao que parecia, es-tariam em atraso diante da moda vigente; elas também tinham que ser periodicamente aperfeiçoadas. (LASCH, 1987, p. 20)

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Paralelamente, o homem moderno personi� cado em Carlitos tem como opção tornar-se um escravo de seu tempo, sempre se adequando às novas tendências e oportunidades de mercado, ou viver à margem desse mundo homogêneo, defendendo os gostos pessoais, considerados inad-equados diante da padronização dos gostos promovida pela produção em larga escala.

Em meio a isso, é apropriado lembrar os objetivos que nos movem, para além dos motivos promovidos pela indústria, conforme a assertiva de Weber (1994, p. 38) “O homem não deseja ‘por natureza’ ganhar cada vez mais dinheiro, mas simplesmente viver como estava acostumado a viver, e ganhar o necessário para este � m”.

Todavia, há uma incompatibilidade ou inadequação entre objetivos comuns e motivações inspiradas no contexto social. A uniformidade ofer-ecida pela produção industrial em larga escala, com seus delineamentos sócio-culturais, põe em cheque a tranqüilidade almejada pelo homem, ao senso-comum promovido pelo ritmo da produção industrial. Ela se impõe, impondo também uma cultura de consumo que lhe é correspondente.

Em seu � lme Chaplin representa parte de sua experiência pessoal em Carlitos, e ao fazê-lo remonta fatores presentes na natureza humana que são discutidos por várias áreas da ciência, unindo aspectos pessoais, de grupos menores e sociais em sentido dilatado, dando uma noção in-dividualizada da sensação compartilhada de caos econômico e social. Ele relaciona o desejo de ser livre, a privação ocasionada pela racionalidade do modo de produção na indústria moderna e as necessidades instranspon-íveis de alimento, afeto e expressão. Ele reuniu as misérias comuns e as expectativas que abarcam o campo da mentalidade.

Por detrás do risível, o seu � lme descreve uma tragédia psicológi-ca e material em que vive o homem numa dada altura da modernidade, na qual se revelam as perspectivas coletivas precocemente desgastadas3. Neste cenário, o indivíduo perde-se de si mesmo, de sua individualidade,

3 Digo precocemente porque a crise das utopias e grandes projetos sociais é concebida a partir de 1989. Entretanto, no � lme Carlitos propõe a esperança em soluções que não tem, necessariamente, abrangência coletiva, mantendo a discussão em caráter pessoal, criticando duramente a sociedade industrial capitalista.

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a cada tentativa de encontrar o seu lugar dentro da sociedade industrial-izada. Analisando do ponto de vista psicossocial, podemos considerar que é apontado um desacordo entre o ritmo em que ocorrem as mudanças materiais – potencializadas pelo constante avanço tecnológico e as trans-formações no estilo de vida – interpenetrando a esfera pessoal e grupal.

É importante ressaltar mais uma vez que se trata, pois, de uma crise geral, de âmbito mais sociológico do que psicológico, em que a es-trutura familiar – em particular o vínculo marido-mulher – tem que sofrer modi� cações para poder se adaptar à nova realidade criada pelo progresso tecnológico. Este atraso do estilo de vida em relação aos aspectos materiais de uma sociedade é habitual e bem conhecido, e con� gura, a meu ver, um dos elementos fundamentais da crise de costumes que estamos vivendo e tentando resolver. (GIKOVATE, 1979, p. 124) 4

Portanto, quando Chaplin abarca questões que são, em sua super-fície, de caráter íntimo, alcança outras esferas correlatas. Enquanto para a maior parte dos roteiristas e diretores de cinema um romance pode ser de� nido como uma história particular de personagens tomados pelo desejo, Carlitos vive profundamente os con" itos sociais que envolvem, di-� cultam e, algumas vezes, inviabilizam uma relação de amor. Ele expõe o drama humano vivido na contemporaneidade.

Nesta perspectiva, a sociedade racionalizada, ao priorizar a produção de bens de consumo, tem como uma espécie de efeito colateral a coisi� -cação das relações humanas, ou seja, a organização das relações cotidianas de acordo com a materialidade que elas podem signi� car, proporcionan-do trabalho e lucros, produção e consumo. Assim, as emoções passam a ocupar um lugar secundário na ordem do cotidiano, sendo estimuladas mais pelo lúdico que pela dinâmica das relações sociais. Podemos abalizar que:

4 O autor trata sobre a dimensão desta discussão nas relações interpessoais, afetivas e no casamento.

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Em nossa sociedade, as emoções em geral são desencorajadas. Muito embora não possa haver dúvida de que qualquer pensamento criador – bem como outra qualquer atividade criadora – é ligado insepara-velmente à emoção, tornou-se um ideal pensar e viver sem emoções. Ser “emotivo” passou a ser considerado sinônimo de doente ou dese-quilibrado. Aceitando este padrão de conduta, o indivíduo tornou-se grandemente enfraquecido; seu pensamento � ca empobrecido e insípido. Por outro lado, já que as emoções não podem ser comple-tamente aniquiladas, elas têm de ter sua existência completamente à parte da fase intelectual da personalidade; o resultado é o sentimen-talismo vulgar e insincero com que os � lmes cinematográ� cos e as canções populares nutrem milhões de fregueses famintos de emoção. (FROMM, 1967, p. 203-204)

Podemos relacionar ainda que a produção cultural, em escala indus-trial, permite que o indivíduo experimente super� cialmente as emoções que foram excluídas do conjunto das suas relações interpessoais. E diante deste enfraquecimento da emotividade inerente ao indivíduo, a sua racio-nalidade se sujeita à banalidade emocional por ela mesma incitada e am-plamente demonstrada pelos meios de comunicação de massa.

Todavia, no � lme Energia pura (Powder – EUA, 1995. Direção Vic-tor Salva) o que é abordado são as relações interpessoais e a di� culdade de aceitação da pessoa, com suas características e personalidade, por parte do grupo social.

Escondendo os seus sentimentos, a pessoa humana sente-se solitária e desligada do meio, passando a reproduzir padrões de comportamento, numa grande teia de mediocridades aceita por todos, que de tanto ser re-contada parece o retrato exato do real. Porém o sentimento de desloca-mento provocado por esse comportamento leva a pessoa “comum” a se es-conder atrás de comportamentos tidos como saudáveis e lógicos, mesmo que do ponto de vista psíquico e das relações interpessoais sejam destru-tivos e levianos.

Partindo para a análise do � lme, há uma seqüência em especial que merece destaque. Em dado momento Powder está acampando com os ga-

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rotos do abrigo provisório em que fora alojado. É dia. Ele percebe dois garotos do abrigo escondidos numa árvore (John e Mitch) e os cumpri-menta. Um deles (John) ameaça-o com uma arma. Ouve-se um tiro ao longe. Todos correm em direção à origem do barulho e encontram mais garotos do abrigo e um policial diante de um cervo baleado. O policial (Harley Duncan) explica aos garotos: “Um bom caçador não caça para matar. Caça pela caça. Foi um tiro perfeito. Um tiro perfeito. Uma morte limpa... no coração. Virão? O sofrimento é mínimo quando se sabe o que faz” 5.

Powder ouve tal discurso e é ameaçado pelo policial para que não conte a ninguém o que viu. Não dando atenção às palavras do policial, ele toca o cervo com a mão. O policial tenta distanciá-lo do cervo e Powder agarra-o pelo braço com a outra mão. O cervo movimenta-se e, imedi-atamente, o policial muda a sua expressão. O cervo se debate e Harley se-gura & rmemente o braço de Powder. John, o garoto que ameaçara Powder, aponta novamente a arma para Powder. Mitch empurra a arma para cima, a qual dispara. Ao ouvir o tiro, o policial arrasta-se desesperado, como um animal e os garotos tentam acudi-lo. Powder & ca com o cervo. A seqüência termina com planos de conjunto6 de Powder e o cervo morto intercalan-do-se com inserts7 dos garotos e Harley.

Powder transmitiu através do contato físico a experiência de ser ca-çado que o animal vivera para o policial, possibilitando-o ultrapassar a prática e o discurso de bom caçador e compreender a realidade vivenciada pelo outro – neste caso, o animal. Depois disso, Harley vendeu todas as suas armas e desistiu de& nitivamente de caçar.

Não obstante, em Tempos modernos, no momento em que Carlitos está para ser solto da prisão, devido ao seu comportamento exemplar no cárcere (que o permitia luxos como ler o jornal e ter a cela aberta à com-panhia dos policiais de plantão), o delegado recebe a visita semanal do sac-

5 A tradução para o português das falas dos personagens respeita as legendas do � lme.6 Plano de conjunto é aquele que envolve vários personagens, de meio corpo ou corpo inteiro, que partici-pam de uma determinada ação.7 Cenas curtas, de cerca de um segundo ou menos.

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erdote, acompanhado de sua esposa e de seu cachorrinho. O vagabundo, a dama e o cachorrinho são postos a esperar por alguns minutos na sala do delegado.

Num plano de conjunto são enquadrados, respectivamente, a esposa, o cachorrinho e Carlitos, sentados num banco. Atrás de Carlitos, numa mesa quase recostada no banco, estão uma jarra de água, uma garrafa de café e um rádio. Há uma variação de planos, deixando os personagens sozinhos durante a ação. Ao tomar café, o estômago da madame começa a emitir alguns sons, que causam certo desconforto a ela e despertam os latidos do cachorrinho. Carlitos, � ngindo-se indiferente, toma o café e depois sofre do mesmo sintoma, o que também desperta os latidos. De volta ao plano de conjunto, tentando disfarçar o seu incômodo, Carlitos liga o rádio, que ironicamente propaga a seguinte mensagem: “Se você tem problemas de gastrite, tome [...]” Imediatamente ele interrompe a propaganda, desligando o rádio. A senhora tira da sua bolsa uma pílula e a ingere com água. A seqüência termina com a chegada do sacerdote que, em plano geral8, deixa a delegacia, acompanhado de sua esposa e do ca-chorrinho. Em seguida, Carlitos tem uma breve conversa com o delegado, recebe uma carta de recomendação para ser apresentada aos seus possíveis empregadores e deixa também o recinto.

Em princípio, o que temos nesta sequência é uma revisão de princí-pios cômicos. Segundo Bérgson (1983, p. 11) “Para compreender o riso, impõe-se colocá-lo no seu ambiente natural, que é a sociedade; impõe-se, sobretudo, determinar-lhe a função útil, que é uma função social.”

Nesse sentido, satiriza-se a posição social de um tipo de mulher em questão, que se reserva o direito de ter como companhia um cãozinho e o marido, cumprindo o seu papel social de esposa – o que demanda respeit-abilidade ao marido e a ela. É ainda a saudação de uma contingência so-cial, sob a qual se sagra àqueles que não possuem compromissos políticos além dos preestabelecidos no grupo familiar e, portanto, não pronunciam transformações. A superioridade da dama sobre o vagabundo sucumbe

8 Plano que demonstra não só os personagens, mas também o ambiente.

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ao roncar do estômago, provocado pela gastrite, que não faz distinção de classe, já que o estômago não pode ser domesticado. Pode, no máximo, ser contido com o uso de uma droga. O cãozinho – este sim domesticado – late tanto para a autoridade quanto para o marginal.

Do ponto de vista do consumo, é melhor consumir o café (que é uma prática trivial) e depois, caso haja problemas de tal ordem, consumir o remédio para gastrite. Do ponto de vista comportamental, é importante a presença da esposa do sacerdote, demonstrando claramente a sua idonei-dade de chefe de família, mesmo que provoque tensões que possam des-pertar na esposa ou contribuir para uma gastrite nervosa. Assim, um com-portamento social de senso-comum une-se a uma prática mercadológica de giro de bens de consumo e o bem estar psicológico e a integridade física da pessoa � cam desprestigiadas ou em segundo plano.

Carlitos, o mais frágil dos personagens em questão, por sua condição de prisioneiro a ser recolocado na sociedade (feita, parcialmente, exceção ao cãozinho), pára de tomar o café, que provocou os ruídos estomacais e, ironicamente, contribui para a gastrite. Quando Carlitos defende a continuação de sua “pena”, no � nal da seqüência, expressa o seu desejo de manter os pequenos prazeres proporcionados pela prisão, reagindo à estafa da vida em sociedade – que também provoca gastrite. Todavia, na medida em que consideramos que “A empresa dos dias atuais é um imenso cosmos, no qual o indivíduo nasce, e que se apresenta a ele, pelo menos como indivíduo, como uma ordem de coisas inalterável, na qual ele deve viver” (WEBER, 1994, p. 34), o personagem � ca impedido de alcançar seus objetivos e, simultaneamente, inserir-se no modo de vida predominante. Lado a lado com o seu tempo, Chaplin mostra-nos Carli-tos vivendo à margem da sociedade, por já ter se tornado inadequado para tal ordem de coisas; é o desejo de ser aceito como indivíduo participante e integrado no convívio social, preservada a dignidade pessoal, que lhe nega a possibilidade de adequação ao establishment.

Podemos dizer que os dois � lmes contemplam, em suas narrativas, um período da história contemporânea no qual se impõe as regras e o ritmo de transformações que são aceitas irracionalmente, na tentativa de

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sustentar a manutenção da própria sobrevivência, sem a perspectiva de desenvolvimento da individualidade da pessoa humana.

A brutalidade na aquisição absoluta e consciente está freqüentemente na mais íntima conexão com a conformidade mais estrita à tradição. Além disso, com o colapso da tradição, e com a maior ou menor pen-etração da livre procura de lucros, mesmo dentro do grupo social, essa novidade não foi, de modo geral, justi� cada eticamente e encorajada, mas apenas colocada como um fato, seja como algo indiferente, seja como algo desagradável, e infelizmente inevitável. (WEBER, 1994, p. 36-37)

Dito de outro modo, a tentativa de sustentar as tradições susten-tou também o conformismo às transformações oriundas do processo de produção capitalista. O último, por sua vez, contrário às tradições, ensejou o seu colapso. Assim, temos paradoxalmente a busca por manter algumas tradições que se mostram incompatíveis com este mesmo propósito. Ou seja, na ruptura ocorrida com a ascensão da livre iniciativa para a obtenção de lucros, manteve-se como valor social o tradicionalismo; desse modo, as pessoas e grupos sociais, na tentativa de satisfazer à esta necessidade, aceit-aram e repetiram as novas regras versadas, bem como as suas revisões.

Sob a perspectiva dos � lmes, destaca-se um dilema entre indivíduo e sociedade, onde a sociedade encontra-se despreparada para receber as quali� cações e satisfazer aos objetivos imanentes à pessoa humana. As-sim, podemos destacar, todavia, que psicologicamente “A pessoa humana é caracterizada pelo alto grau de individualização e, por conseguinte, pela possibilidade, sempre presente, de um con� ito entre a sua potência e a potência do mundo” (DELPIERRE, 1962, p. 69). Em ambos os � lmes sobressaem os limites coletivos em confronto com as possibilidades indi-viduais.

Temos nos � lmes que as relações interpessoais são permeadas por conjuntos de valores, práticas ou comportamentos sociais tidos como praxe, no que concerne a um dado senso-comum e cultura. Assim, a relação direta entre os indivíduos é restringida, diminuindo o conhecimento dos

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anseios comuns, ridicularizando atos emocionais e, por tudo isso, gerando a sensação de isolamento na pessoa. Para resolvê-lo, ou seja, para sentir-se integrado, o sujeito busca inserir-se na tradição, seguindo os estímulos oferecidos pelo contexto histórico e social. Esses estímulos, por sua vez, são incompatíveis com a necessidade de tradicionalismo, o que remonta o mesmo drama inicial. Forma-se um círculo vicioso, em que quanto mais a pessoa busca a sua importância individual para o contexto, mais ele perde-se na coletividade. Assim, entendemos que “O estudo do sistema Homem nos permite ver o que certos fatores no sistema sócio-econômico fazem ao homem, como perturbações no sistema Homem produzem desequilíbrios em todo o sistema social” (FROMM, 1969, p. 22).

Portanto, a submersão do indivíduo na sociedade, estabelecendo uma espécie de ser coletivo que a integra de forma mais ou menos alien-ada, produz uma cadeia macrológica de disfunções que são convertidas em benefícios para a dinâmica de mercado, mas que é nociva à pessoa. A manifestação genuína da individualidade da pessoa humana, por sua vez, circunscrita aos meandros da sociedade capitalista, nas relações de produção e consumo, muitas vezes encontra a marginalidade ou, como têm sido denominada mais recentemente pela sociologia, a exclusão so-cial, conforme é tratado no todo dos � lmes discutidos.

Segundo Hiller (1973, p. 76-77) “Com isso, a ameaça feita ao homem pelo homem será tanto maior quanto mais a submersão no grande ser co-letivo restringir a consciência da responsabilidade e da culpabilidade do indivíduo”. Assim, as responsabilidades pessoais e suas contribuições para a construção do convívio social � cam presas ao ritmo preestabelecido, delimitando aquilo que podemos denominar como manifestações do es-pírito humano (individualidade, genialidade, inventividade e esforço ab-negado em função do bem-estar coletivo) ao que Weber (1994) chamou de espírito do capitalismo.

As experiências pessoais, a intimidade, a afetividade necessária para o equilíbrio coletivo; a sensibilização dos sujeitos mediante os problemas de ordem social; a procura de caminhos para a melhor produção e dis-tribuição de recursos materiais recorrentemente são classi� cados como

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mero idealismo, muitas vezes representado pela indústria do entreteni-mento. De acordo com Derisi (1977, p. 267) “O � m da Sociedade, o bem comum, não se constitui nem tem sentido nem cumprimento senão servindo à pessoa, à família e às sociedades intermediárias”.

A proposta, todavia, intrínseca à crítica à modernidade realizada nos � lmes passa pelo resgate da pessoalidade, pelo fortalecimento da troca de experiências individuais no ambiente social, estabelecendo um novo sentido para a participação nos grupos de convívio diário, percebendo suas relações, conscientemente, com a macro-dinâmica dos sistemas de poder. Signi� ca retomar o espírito humano, com suas peculiaridades, con-tribuições e con+ itos, respeitando a pluralidade dos sujeitos históricos.

En� m, respeitar e valorizar a intimidade e a variedade de desejos que re+ ete o processo de individuação, a ingenuidade de querer o inadequado, de ser inadequado, de ter sonhos que, ao mesmo tempo em que parecerem totalmente realizáveis para a pessoa, poderão parecer inalcançáveis diante dos padrões de comportamento socialmente adequados.

Qualquer esperança real de vitória sobre a sociedade desumanizada da megamáquina e para a construção de uma sociedade industrial humanista apóia-se na condição de que os valores da tradição sejam restaurados à vida e que surja uma sociedade onde o amor e a integri-dade sejam possíveis (FROMM, 1969, p. 102).

Podemos considerar que o que é tratado como tradição para Fromm, a� na-se com o tradicionalismo, ligando assim tradição ao sentido webe-riano.

Tal propósito é demonstrado em Tempos modernos principalmente em seu � nal, que retrata a esperança numa mudança que, aparentemente, não tem nada para vir, além do sorriso provocado por Carlitos em sua parceira romântica, mesmo diante de tantas frustrações no decorrer da história de ambos (que podemos comparar com a nossa História).

Em Energia pura, é destacada a mensagem de que, pela presença de um indivíduo com características extremamente peculiares é possível ac-reditar que toda a humanidade poderá superar o seu deleite consumista

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e a sua fascinação desmedida pelo o que a tecnologia pode produzir. Ou seja, a contribuição individual assume caráter signi� cativo, pois se um su-jeito conseguiu superar os padrões de conduta, outros também o poderão, retomando o caráter pessoal das transformações sociais.

É por esse tipo de humanismo que esperamos.

REFERÊNCIAS

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WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1994.

Title: “Modern Times” to “Powder”: adequacy and inadequacy of man in contemporary society.Author: Everton Luís Sanches.

ABSTRACT: # e proposal of this article is to analyze the relevance of the $ lm Modern Times (Modern times - USA, 1936) and establish a relation of similarity between the its thematic and the $ lm of Powder (USA, 1995). # e perspective of analysis $ ts within the debate of the psycho-history and the methodology used part of the analysis of the $ lm as a source, taking into account their cultural signi$ cance and the possible relations be-tween the $ lm production and daily life. It was considered that these movies address the incongruity between historical subject and social practices stimulated in contemporary times, pointing out certain type of humanism as a possibility to align the social demands and the personal possibilities. Keywords: Adequacy. Inadequacy. Contemporary society. Capitalism. Cine.

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Construtivismo e aprendizagem: uma refl exão sobre o trabalho docente

Merita Paixão de Freitas Gregorio 1

Patrícia da Silva Pereira 2

Resumo: Esse artigo apresenta o construtivismo, debatendo como o aluno se depara com a responsabilidade de construir seu próprio conhecimento e como o professor procede para se adaptar a essa nova concepção no ato de ensinar. Além disso, analisa se a proble-mática existente entre educadores e educando é uma adaptação ao método. Desse modo o estudo pauta-se em análise bibliográ� ca de autores que alicerçam a teoria construtivis-ta. Conclui-se a necessidade de comprometimento por parte dos envolvidos, para uma educação de qualidade e a preocupação sobre as teorias e os métodos de ensino, sobre o quê e como ensinar. Com o construtivismo o aluno deixa de ser um mero expectador, para ser um sujeito do seu próprio conhecimento, e o educador torna-se o mediador e não um simples reprodutor de ideias e práticas.

Palavras-chaves: Aprendizagem. Construtivismo. Re! exão. Professor. Ensinagem.

1 Pós graduação em Especialização em Educação Infantil e Alfabetização pelo Centro Universi-tário Claretiano de Batatais - SP. E-mail: <[email protected]>.2 Mestre em Educação Escolar pela UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Docente no Centro Universitário Claretiano. E-mail: <[email protected]>.

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1. INTRODUÇÃO

A expectativa deste trabalho é debater a relação que existe entre o trabalho docente e o construtivismo, se a problemática existente entre educadores e educandos é uma adaptação ao método, resistência do edu-cador ou talvez algum problema com relação ao próprio método. Por isso, pesquisa-se sobre os problemas e di� culdades de educadores e educandos diante do construtivismo no processo da aprendizagem, assim como com-preender o fato de que professores, alunos e pais são partes integrantes nesse contexto da aprendizagem e para tanto devem ser inseridos nessa nova metodologia de ensino.

Desta forma, os objetivos especí� cos deste artigo são entender o real papel do professor diante do construtivismo e esclarecer os motivos que levam os pro� ssionais da educação a questionarem a teoria do construti-vismo. Sua resistência seria a falta de formação a respeito do estudo dessa teoria? Seria a falta de motivação? A resistência à mudança? O medo do novo? O enfrentamento às novas formas de desenvolver saberes? A me-todologia para desenvolvimento do trabalho consiste na análise de auto-res que desenvolveram pesquisas sobre a temática do estudo. A pesquisa qualitativa será a utilizada por considerar mais adequada para a realização deste trabalho em que o diálogo com os teóricos será realizado com a in-tenção de sanar a problematização levantada.

No primeiro item aborda-se o que é o construtivismo segundo al-guns teóricos importantes no estudo do método; no segundo apresenta-se a problemática: ensinar/aprender e, por � m, no terceiro apresenta-se uma re# exão sobre o papel do docente e do discente no processo do ensino/aprendizagem.

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2. CONHECENDO O CONSTRUTIVISMO

Aprendizagem de acordo com o dicionário “Aurélio” (FERREIRA, 2009, p. 132 ) é a ação de aprender; aprendizado, tempo durante o qual se aprende e aprender é adquirir conhecimento, � car sabendo, instruir-se. Dentro do método tradicional de ensino o professor é detentor de todo conhecimento e o ato de ensinar não passa apenas de transferência de um conhecimento já adquirido; o aluno atua como mero expectador desse monólogo egoísta e só lhe resta decorar mecanicamente o que lhe foi transmitido a � m de usá-lo no momento certo e logo após ser esquecido. Rosseau (ROUSSEAU, 1762, p. 65) refere-se ao prazer em aprender in-depende do método utilizado quando diz: “Tem-se grande trabalho em procurar os melhores métodos para ensinar [...]. O mais seguro de todos eles, de que sempre se esquece, é o desejo de aprender. Dê a ele esse desejo e abandone dados e tudo mais, e qualquer método será bom”.

A nova concepção de ensino-aprendizagem, o chamado constru-tivismo, é a chave para despertar esse desejo de aprender. É um método estudado por muitas pessoas, tais como, Piaget, Vygotsky, Paulo Freire, Emília Ferreira, dentre outros, que defende que o aluno é responsável pela construção do seu conhecimento, que é ele quem determinada quando, como e o que aprender de forma singular, respeitando seu tempo e seu potencial. Nesse processo o aluno atua com ator principal da aquisição do seu conhecimento, se apropria do que aprende, no momento certo, utilizando e ampliando todo seu potencial com esforço e ritmo próprio e professor nesse processo atua como ator coadjuvante, de forma a facilitar as etapas evolutivas dessa construção.

Para Fernando Becker (1994, p. 88):

Construtivismo signi� ca isto: a ideia de que nada, a rigor, está pron-to, acabado, e de que, especi� camente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo

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humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditá-ria ou no meio, de tal modo que podemos a� rmar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento.

Segundo o mesmo autor o construtivismo na educação reúne várias tendências do pensamento educacional, como a insatisfação ao método tradicional que insiste em repetir, recitar, aprender, ensinar o que está pronto, ao invés de fazer o aluno construir a partir de sua realidade, poder agir, operar, criar e construir. Nesse contexto o autor ainda diz:

A Educação deve ser um processo de construção de conhecimento ao qual ocorrem, em condição de complementaridade, por um lado, os alunos e professores e, por outro, os problemas sociais atuais e o conhecimento já construído (‘acervo cultural da Humanidade’).Construtivismo, segundo pensamos, é esta forma de conceber o co-nhecimento: sua gênese e seu desenvolvimento – e, por consequên-cia, um novo modo de ver o universo, a vida e o mundo das relações sociais (BECKER, 1994, p. 88).

Os estudos sobre a Teoria Construtivista começaram com Piaget (1896-1980). Segundo Piaget, o conhecimento resulta de uma inter-re-lação entre o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido. Seguindo essa inter-relação Piaget (apud BECKER, 2009, p.88) diz: “[...] quando alguém se interessa pelo que faz, é capaz de empreender esforços até o limite de sua resistência física”. Em seus escritos diz ainda: “[...] o sujeito humano é um projeto a ser construído; o objeto é, também, um projeto a ser construído [...] eles se constituem mutuamente, na interação” (2009, p.89).

Sendo assim, construtivismo não é um método e sim uma ideia, uma teoria de como o conhecimento ou o movimento do pensamento inter-preta o mundo em que vivemos, e que a aprendizagem só tem sentido na medida em que coincide com o conhecimento desenvolvido, portanto, o conhecimento se dá pela interação do indivíduo com o meio em que se

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encontra, com a relação que se tem com o ambiente e as pessoas com as quais nos relacionamos. Ainda na concepção de Fernando Becker(1994, p.90) o conhecimento é:

[...] uma construção. O sujeito age, espontaneamente - isto é, indepen-dentemente do ensino mas não independentemente dos estímulos so-ciais-, com os esquemas ou estruturas que já tem, sobre o meio físico ou social. Retira (abstração) deste meio o que é do seu interesse. Em seguida, reconstrói (re� exão) o que já tem, por força dos elementos no-vos que acaba de abstrair. Temos, então, a síntese dinâmica da ação e da abstração, do fazer e do compreender, da teoria e da prática.

Segundo Piaget (apud BECKER, 2009), o aluno é um sujeito ativo com dupla ação: assimiladora e acomodadora. Na ação assimiladora ele produz transformações no mundo objetivo, enquanto na acomodadora produz transformações em si mesmo, portanto, assimilação e acomodação são duas ações que se complementam.

No construtivismo o aluno é o ator principal no processo da aprendi-zagem, é ele que constrói e reconstrói seus conhecimentos numa re� exão individual e na interação com seus iguais, pois através da sua comunicação constrói o pensamento e consequentemente sua inteligência. Por meio do desenvolvimento de sua mente ele organiza uma atividade através da lin-guagem, da escrita ou qualquer outro meio de comunicação. Para Rosa (apud AIRAS, 1996, p. 13):

A pedagogia construtivista é uma proposta democrática [...] o pro-fessor age como “instigador” da aprendizagem, combinado disciplina e rotina num ambiente de relativa liberdade para as crianças, valores esses fundamentais para a satisfação (do “desejo”) de educadores e educandos para o sucesso da aprendizagem [...]

Os educadores têm a ação somente de orientador na sala de aula e o aluno como agente a da sua própria aprendizagem.

A professora Rosa (apud ARIAS, José, 1996, p. 14) em seu livro

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“Construtivismo e Mudança” (1995) avaliou alguns equívocos a respei-to da prática construtivista. O primeiro equívoco se refere sobre a crença de que o construtivismo é método; segundo ela construtivismo é um pa-radigma teórico e que tem implicações metodológicas e como qualquer método possuem coesões teórico-explicativas. O segundo equívoco cor-responde à opinião de que a teoria na prática é outra, argumentando a im-possibilidade de se trabalhar nesse método com classes numerosas, sobre a incompatibilidade entre disciplina e liberdade das crianças, classes hete-rogêneas e que tal método exclui correção de erros das crianças. Em defesa do método ela contesta: sobre as salas superlotadas, diz ser um problema político e que isso não pode impedir a liberdade da criança na sala de aula, que não existe homogeneidade total e que a unanimidade é inibidora da dúvida e, consequentemente, do desenvolvimento; com relação ao erro, não é na correção do erro o problema e sim na abordagem que a professora faz para que a criança perceba seu erro. A partir daí é que se propõe um aperfeiçoamento didático continuado para os professores a � m de con-cretizar a teoria construtivista reavaliando as melhores aplicações de sua experiência prática.

A contribuição que o construtivismo trouxe para a aprendizagem é que o aluno passou de ser um mero expectador, a um sujeito do seu pró-prio conhecimento, no qual o conhecimento vai se construindo sozinho aos poucos, através de um questionamento a ser abordado e elucidado, esse passa a ter “signi� cância” na criação de conhecimentos e assim constituir-se num sujeito comprometido com a capacidade de adquirir conhecimen-to. O aprendizado deve ser interiorizado no seu subconsciente de forma a não ser esquecido, deve ser construído em etapas e ao � nal do processo se tem um conhecimento em bases sólidas e que nunca será esquecido. O que não se entende, e só decoramos, esquece-se facilmente, pois o cérebro não consegue associar o que se decorou a nenhum fato ou condição para guardá-lo em sua memória. Por que não esquecemos vários acontecimen-tos de nossa infância e fatos recentes esquecemos? Não seria porque es-ses acontecimentos nos trouxeram prazer, satisfação e felicidade? Então, o nosso aprendizado deve ser também prazeroso, nos trazer satisfação e

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felicidade. Para não ser esquecida a aquisição de conhecimento deve pro-porcionar prazer emocional, intelectual e social, deve ser um estímulo a nossa autoestima, pois o conhecimento não é algo que se conclui, se acaba, quanto mais se tem mais se quer ter, o conhecimento é sempre uma obra inacabada.

A psicóloga Emilia Ferreiro pesquisou o processo intelectual pelo qual as crianças aprendem a ler e a escrever, batizando sua teoria de cons-trutivismo.

Para Vygotsky, o adulto (educador) é mecanismo mediador para o desenvolvimento psíquico da criança que ocorre primeiro no âmbito so-cial para depois no individual, sendo nessa relação que ocorre todo de-senvolvimento intelectual, emocional, afetivo. Segundo o autor a própria interação social da escola promove o desenvolvimento potencial dos edu-candos, pois o ambiente proporciona o contato com o outro em estado de desenvolvimento variado, esse aprender algo com a ajuda de alguém é chamado por ele como ZDP (zona de desenvolvimento proximal). É aprender algo novo com a ajuda de alguém. Cabe ao educador considerar essa possibilidade e planejar atividades de modo a promover o desenvolvi-mento integral dos educandos. (MAGNA, 2009, p. 38)

Emília Ferreiro também investigou os processos de aprendizado da leitura e da escrita entre crianças na faixa de 4 a 6 anos da Teoria de Piaget e constatou que a criança aprende segundo sua própria lógica e não do jeito que são ensinadas. Sua teoria abriu incentivos para novas propostas sobre alfabetização. Pensando nessa lógica infantil Emília Ferreiro (apud BECKER, 2009, p. 92) diz: “[...] a minha contribuição foi encontrar uma explicação segundo a qual, por trás da mão que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa.”

3. PROBLEMA DE ENSINAGEM OU APRENDIZAGEM

Polity (2002, p. 37), em seu livro “Di" culdade de ensinagem. Que história é essa...?” reúne vários contextos: o das crianças que não apren-

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dem, o dos professores que não conseguem ensinar e o dos pais que se sen-tem impotentes vendo que seus � lhos não conseguem sucesso na escola, assim, de� ne o que seria di� culdade de ensinagem “[...] é o movimento de ensinar carregado de emoção: ansiedade por ter de cumprir uma missão, medo e/ou frustração por não entender o aluno, fantasias de incompetên-cia [...]”.

A autora propõe possibilidades para um trabalho mais satisfatório e bem sucedido junto aos alunos que apresentam di� culdades em aprender. Ela encoraja o professor a mergulhar no seu autoconhecimento e, na sua própria experiência, para incluir na sua ação a sua própria maneira de fa-zer. Na dialética professor/aluno diz:

Se a história é semente, então nós, os leitores, somos seu solo. O ato de ouvir uma história nos propicia uma transformação interior, que permite vivenciá-la e recriá-la na busca de uma experiência na qual o narrador e ouvinte partilham suas vivências e podem germinar diferentes frutos (POLITY,2002, p. 107).

Na tentativa de entender a di� culdade dos professores em ensinar, dos alunos em aprender e dos pais diante do insucesso dos � lhos nos bancos escolares, Polity (2002) aponta um trabalho considerando que o fracasso de quem aprende está relacionado com o fracasso de quem ensi-na. Em sua pesquisa ela investiga o que chamou de PTRP (Processo de Transformação das Relações Pedagógicas) que propõe um caminho que envolve além dos aspectos intelectuais também os emocionais e um au-toconhecimento do professor na sua prática, propondo uma mudança a partir da re� exão de sua própria ação.

A PTRP é um momento em que o professor pode pensar na sua di-� culdade de ensinagem criando novas possibilidades para o seu fazer pe-dagógico.

Nem sempre o fracasso do aluno está relacionado com sua estrutu-ra intelectual e sim ao desenvolvimento da construção do conhecimento do aprendente.

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Sobre o construtivismo diz que o conhecimento não pode ser rece-bido passivamente por nenhum dos sentidos, mas construído ativamente pelo sujeito aprendente. O construtivismo surgiu como uma alternativa para eliminar as perturbações do sujeito passivo (educando) com o sujeito ativo detentor de todo conhecimento (educador).

Grandesso (apud POLITY, 2002, p. 51) faz referência a essa cons-trução do conhecimento:

O homem, no enfoque construtivista, é um autônomo, governado pela sua organização estrutural, seu sistema nervoso, seus constructos e sistemas de crenças, seus signi$ cados constituídos no convívio com os outros. Assim organizado, esse homem, ao descrever seu mundo, o constrói.[...] Assim, todo conhecimento é resultado da re& exão e abstração a partir da percepção e dos esquemas de conhecimento anterior, por-tanto, resultado de uma construção individual.

Sobre o papel do professor diz ANTUNES (2008, p. 02):

Sabe-se da importância do papel do professor na aprendizagem das crianças, pois é através dele que acontece a mediação, ou seja, o pro-fessor proporcionará um momento onde suas relações produzirão re-sultados signi$ cativos para a aprendizagem, deixando o ensino mais proveitoso, estimulante e por que não, de fácil compreensão.

O papel do professor nessa rede do saber inclui além da mediação, nesse processo de aprendizagem, inserir a família, que transmite os valo-res, crenças e orienta o educando nessa relação indissociável (professor/aluno/família) do modelo educacional. É com o professor que o aluno vai dialogar sempre que tiver necessidade, ele será uma referência na sua história. O professor deve ser um observador/participador envolvido no processo ensino aprendizagem.

Com essa interação tem-se uma aprendizagem de forma circular onde o sujeito é visto como um ser interessado em compreender a realida-de que o cerca.

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Muitos teóricos defendem o construtivismo e referem-se ao fracasso escolar como di� culdade do professor em atuar como mediador, acostu-mado ao método tradicional, tem di� culdade e muitas vezes resistência ao método. Porém, como muitos outros se referem, o fracasso escolar é devido a de� ciências no construtivismo, como a autora da cartilha “Cami-nho Suave” de Branca Alves de Lima, que trata a alfabetização nos moldes tradicionais, seu método é chamado de “alfabetização pela imagem”. O Ministério da Educação retirou em 1995 a cartilha de seu catálogo dan-do lugar a uma nova cartilha com base no construtivismo. Apesar disso a cartilha no ano de 2010 entrou no ranking “Educação e Pedagogia” como o livro mais vendido do ano, o que demonstra que apesar das críticas mui-tos educadores fazem uso ainda do método tradicional. Em uma entre-vista LIMA (2010, p. 01) comentou sobre a retirada de sua cartilha pelo MEC:

Eles (o governo, o MEC e o Guia do Livro Didático, o Conselho Na-cional de Educação, as secretarias de Educação etc.) estão projetando, quase decretando, que os alunos não usem mais cartilhas. Mas só ao � nal de várias décadas é que vai se chegar à conclusão se o construti-vismo dá ou não resultados.

Se o problema ensino/aprendizagem está ligado ao método ou não, o que realmente importa é que o educando tem o direito a aquisição de conhecimento e a aprendizagem e o educador deve ser uma das vias de acesso a esse conhecimento, é como disse Rosseau não importa o método o que é preciso é resgatar no aluno o desejo de aprender.

4. POR UMA REFLEXÃO DOCENTE E DISCENTE

Diante da problemática entre professores que não conseguem ensi-nar e alunos que não conseguem aprender, Alarcão (2010, p. 44) conside-ra que a base para resolver essa problemática está no poder de uma escola re! exiva, que considera como sendo uma escola em desenvolvimento e aprendizagem, onde o professor re! exivo caracteriza-se como um ser cria-

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tivo, inteligente e � exível diante das incertezas e imprevisões de sua pro-� ssão e não como simples reprodutor de ideias e práticas.

Essa mesma autora (2009, p. 144), em seu livro “Escola Re� exiva e Nova Racionalidade” diz:

Diante das rápidas convulsões sociais, a escola precisa abandonar seus modelos mais ou menos estáticos e posicionar-se dinamicamente, aproveitando as sinergias oriundas das interações com a sociedade e com as outras instituições e fomentando em seu seio interações inter-pessoais. A mudança de que a escola precisa é uma mudança paradig-mática. Porém, para mudá-la, é preciso mudar o pensamento sobre ela. É preciso re� etir sobre a vida que lá se vive, em uma atitude de diálogo com os problemas e as frustrações, os sucessos e os fracassos, mas também em diálogo com o pensamento, o pensamento próprio e o dos outros. Por analogia com o conceito de professor re� exivo, hoje tão apreciado, desenvolverei o conceito de escola re� exiva e pro-curarei sugerir que a escola que se pensa e que se avalia em seu projeto educativo é uma organização aprendente que quali� ca não apenas os que nela estudam, mas também os que nela ensinam ou apoiam estes ou aqueles.

Pimenta (apud ALARCÃO, 2010, p. 43) con� gura o professor re-

� exivo no Brasil com o atual panorama político brasileiro que implica na desvalorização da escola e seus pro� ssionais, não levando em consideração que a escola forma cidadãos críticos no mundo, promove igualdade social e que a organização da escola, com trabalho coletivo, boas condições de trabalho, re� exão e estudo, é o local certo para essa transformação, nela (a escola) está o potencial da formação do professor re� exivo. Ele aponta razões para proposta de professores re� exivos no Brasil:

[...] a valorização da escola e de seus pro� ssionais nos processos de democratização da sociedade brasileira; a contribuição do saber es-colar na formação da cidadania; sua apropriação como processo de maior igualdade social e inserção crítica no mundo (e daí, que sabe-

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res? que escola?); a organização da escola, os currículos, os espaços e os tempos de ensinar e aprender; o projeto político e pedagógico; a democratização interna da escola; o trabalho coletivo; as condições de trabalho e de estudo (re� exão), de planejamento; os salários, a im-portância dos professores nesse processo [...].

É na escola que se constrói o pro� ssional docente, esse é o local para se criar condições de re� exão individual e coletiva, é na re� exão que o professor constrói conhecimento a partir da consciência sobre sua prá-tica, para atingir esse objetivo é preciso vontade e persistência, é preciso fazer um diálogo consigo próprio e com os outros, para atingir um nível explicativo e crítico que nós permita agir e falar com o poder da razão. O professor deve ser um pensante intelectual capaz de administrar sua pró-pria ação pro� ssional.

É preciso que o professor re� ita o novo, estude, aprenda esteja aberto às novas pedagogias. Re� etir sobre o novo já é o primeiro passo para o en-tendimento dessa nova teoria com relação ao ensino-aprendizagem, nessa re� exão todos saem ganhando: o aluno que passa a ter um novo professor, dessa vez mediador no seu processo de aprendizagem, e o próprio pro-fessor partindo das primícias de que somos seres em constante mudança, em constante aprendizado. Se não nos propusermos às mudanças nesse mundo em constante modi� cação � caremos à margem do conhecimento e, dessa forma, colocaremos os seres que estão em nossas mãos à margem do aprendizado, da sociedade, impedidos de seres atores no palco da vida, numa peça que visa um futuro melhor para o mundo. Nesse contexto vale lembrar a frase de Paulo Freire (2000, p. 67):“A educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tão pouco a sociedade muda”.

A re� exão do docente sobre sua prática educativa deve ser em favor da autonomia dos educandos, pois, “formar é muito mais do que pura-mente treinar o educando no desempenho de suas destrezas” (FREIRE, 2010, p. 14).

Paulo Freire a� rma que o professor não deve ser um mero transmis-sor de conhecimento, pois, ensinar é muito mais que isso, é incentivar a

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produção e a construção autônoma do seu conhecimento, é avaliar que o ato de ensinar está diretamente ligado ao de aprender e vice-versa. Essa ação recíproca é constituída por essa ação:

Quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. Não há docência nem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender (FREIRE, 2010, p. 23).

O professor deve reforçar a capacidade de crítica do aluno, como também, produzir uma curiosidade crescente, ensinar a pensar certo como um ser crítico e curioso. Como aprendente o aluno deve: “Assumir-se como ser social e histórico, com ser pensante, comunicante, transfor-mador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque é capaz de amar”. (FREIRE, 2010, p. 41).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante o que foi debatido ! cou claro que há preocupação quanto ao que ensinar e como ensinar; o que aprender e como aprender. Muitos estudiosos discutem teorias e métodos de ensino tais como o construtivis-mo. Alguns teóricos possuem muitos argumentos para defendê-lo, outros tantos para condená-lo. O professor diante desse confronto re" ete, pensa, muda e tenta se adequar à mova metodologia.

Esses estudos funcionam como um remédio novo, só uma ampla in-vestigação poderá dizer se é e! caz e revelar quais seus efeitos colaterais, aí sim, esse método poderá ter um crédito verdadeiro ou um grande lamento, se não for e! caz. O resultado de tudo isso: ou o aluno ganha na sua apren-dizagem e o professor na sua ensinagem ou irão se criar métodos, técnicas, procedimentos para se reparar o erro com relação à aprendizagem.

Porém, constata-se que a relação professor/aluno não deve ser como uma brincadeira de cabo de guerra, de um lado o professor tentando en-

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sinar e do outro o aluno tentando aprender. Ora, nessa relação não pode existir confronto, um culpando o outro pelo seu fracasso, os dois devem estar do mesmo lado, unindo forças para um objetivo comum: o cres-cimento intelectual, social e emocional que todo ser humano pretende atingir. O professor não detém todo conhecimento, continua a aprender sempre e o “aprender” o ajuda a ensinar; o aluno não está só aprendendo, ele possui conhecimentos que pode “ensinar”, essa relação é uma via de mão dupla com benefício mútuo, a procura de atingir um benefício em que todos ganham: o ensinante, o aprendente, a família e toda sociedade em si.

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Title: Constructivism and learning: a re� ection on the teachingAuthor: Merita Paixão de Freitas Gregorio; Patrícia da Silva Pereira.

ABSTRACT: # is article presents constructivism, discussing how the student is faced with the responsibility to construct their own knowledge and how the teacher proceeds to adapt to this new conception of teaching. It also examines if the issues between educa-tors and learners is an adaptation of method. # is study is guided in the literature review author that underpinning the constructivist theory. It was necessary commitment from those involved to a quality education and concern about the theories and methods of teaching about what and how to teach. In the Constructivism the student is not a mere spectator but a subject of their own knowledge, and the teacher becomes the facilitator and not a single player of ideas and practices.Keywords: Learning. Constructivism. Re� ection. Teacher. Ensinagem.

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O papel da educação no mundo do trabalho

Edson Mitsuo Soraji 1

1 Graduado em História – UNESP. Especialização em Psicologia Organizacional.E-mail: <[email protected]>.

Resumo: O presente artigo tem como objetivo proporcionar uma re� exão da relação entre a educação e o trabalho através de um levantamento histórico do desenvolvimento tecnológico e do sistema produtivo capitalista neoliberal relacionando-o aos diversos papéis que a educação exerceu durante este processo histórico. Diante desta perspectiva, podemos analisar os diferentes processos de transformação do mundo do trabalho con-comitantes às diversas políticas educacionais do Brasil e, por consequência, um processo de precarização dos serviços e dos salários em detrimento do lucro dos donos dos meios de produção e do aumento do consumo das massas, além do surgimento de diversos fatores que excluem trabalhadores ou os impedem de ascender socialmente.

Palavras-chave: educação, precarização do trabalho, neoliberalismo, democratização.

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1. INTRODUÇÃO

Tudo o que era sólido se evapora no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e por � m o homem é obrigado a encarar com serenidade suas verdadeiras condições de vida e suas relações com a espécie. A necessidade de um mercado constantemente em expansão impele a burguesia a invadir todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte (MARX e ENGELS, 1848, p. 7).

O Brasil viveu no primeiro decênio do século XXI um período de crescimento econômico no cenário mundial. Grandes perspectivas de negócios, crescimento na produção, principalmente nas áreas industriais, recuperação vertiginosa da grande crise mundial que se iniciou nos EUA e variação da produtividade para o mercado externo e interno são algumas das características que demonstram que o Brasil realmente galga um novo lugar ao sol no palco da economia mundial e as empresas (tanto empresas estatais como empresas de origem estrangeira) que se encontram no país têm papel primordial para tal acontecimento.

Percebemos que o comércio exterior vive um incerto re� uxo, um universo de idas e vindas pautado no fortalecimento ou enfraquecimento do Dólar e do Euro, mas ainda existe certa ampliação desse setor movi-mentado pelo mercado nacional. O Brasil formou um grupo internacio-nal pautado em países emergentes que estão ganhando amplitude inter-nacional e exerce uma importante função de liderança entre esses pares. Hoje o governo de nosso país busca facilitar a entrada de capital estran-geiro de diversas maneiras antes impossíveis e já busca capital intelectual estrangeiro para atender as demandas internas do país.

No entanto, tal crescimento não pode ser visto, infelizmente, como re� exo do desenvolvimento da capital intelectual nacional. A realidade brasileira demonstra que o governo procura atrair capital intelectual oriun-do de países como EUA, Inglaterra, Itália, Portugal, Espanha, Argentina e

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Chile, indicando uma falta de capital intelectual nacional apropriado para compor os papéis de liderança e de estratégia dentro das grandes empresas no país. As políticas educacionais estão alicerçadas numa estrutura neo-liberal vindoura desde a década de 1950 e sofrendo um processo intensi-� cador no período conhecido como Ditadura Militar (1964-1985) sub-jugando o proletariado ao sistema produtivo e a aquisição de habilidades e competências pertinentes ao mundo do trabalho, este em sua maioria, para ingressar nas atividades laborais menos rentáveis possibilitando um acúmulo de capital as empresas.

A educação se transformou, principalmente após a introdução de políticas de privatização e terceirização do ensino, em um fator de ex-clusão social relacionando a possibilidade de estudar a possibilidade de inserção ao mercado de trabalho causando um processo de precarização do trabalho, de diminuição da luta por direitos trabalhistas, de mão-de-obra abundante o que ocasionou desemprego e baixos salários. Tais fatos podem ser vistos como indício de que as políticas educacionais do país moldaram-se a uma estrutura neoliberal vigente no mundo ocidental pro-duzindo uma educação pautada no desenvolvimento de capital humano, ou seja, o que as instituições educacionais exercem como função primor-dial é a formação de material humano capacitado para suprimir as exi-gências que o mercado de trabalho almeja. As competências e habilidades ensinadas nas instituições de ensino são, em sua maioria, desenvolvidas para suprir as carências do sistema de produção capitalista.

Competências como autonomia, iniciativa, resiliência, planejamen-to, criatividade, persuasão e liberdade de gestão são vistas na contempo-raneidade pelas grandes empresas como fatores imprescindíveis para os cargos de liderança e gestão, competências essas que o atual sistema edu-cacional não proporciona aos discentes, principalmente, à população de baixa renda e de regiões periféricas aos maiores centros urbanos nacionais. A parte integrante desta camada social se mantém excluída do processo intelectual de reestruturação do sistema produtivo, excluída enquanto grupo social que possua a capacidade de ascensão econômica, excluída por fazer parte de uma população que está engessada num ilusório sistema

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democrático que discursa sobre mobilidade social, igualdade de direitos e oportunidades, no mesmo momento que os impossibilita de alcançarem tais prerrogativas.

2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO CAPITALISMO E DO SISTEMA DE PRODUÇÃO NO BRASIL

O Sistema capitalista mundial passou por diversas transformações, principalmente a partir do meado do século XX e se dirige a mais modi-# cações no século XXI. Para Ricardo Antunes (apud Frigotto e Gentili, 2002) esse capitalismo contemporâneo se con# gura acentuando duas ten-dências num contexto de crise estrutural do capital no mundo do traba-lho. A primeira tendência é a substituição dos antigos sistemas produtivos capitalistas baseados nos padrões taylorista e fordista por novas formas produtivas ' exibilizadas e desregulamentadas, das quais a acumulação ' e-xível e o toyotismo são exemplos. A segunda tendência é a desestruturação do modelo de regulação social-democrático que deu sustentação ao cha-mado Estado de bem-estar social gerando uma precarização do trabalho.

Particularmente no Brasil o capitalismo nacional tinha como padrão básico o de ser um sistema que pregava a acumulação industrial desen-volvido desde a década de 1950 e intensi# cando no pós-64, tinha como peculiaridade uma estrutura produtiva voltada à produção de bens de consumo duráveis voltado para um mercado interno seletivo e limitado e desenvolvia ainda uma economia de exportação de produtos primários e industrializados, mas que devido ao parque industrial relativamente novo, e por consequência, ainda subdesenvolvido, não podia concorrer direta-mente com outros países desenvolvidos. A solução que o Brasil tomou foi basear seu sistema de produção numa acumulação focada num processo de superexploração da força de trabalho, baseado em baixos salários, longas jornadas de trabalho e fortíssima intensidade em seus ritmos. Esse modelo econômico teve enorme expansão e ao longo das décadas de 1950 e 1970

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o país se destacava entre as oito grandes potências industriais exportado-ras do mundo, mas como podemos analisar, essa riqueza � cava contida em posse dos proprietários e administradores das grandes corporações e esta era repassada minimamente para a classe operária. Tal crescimento tornava-se não possuía relevante expressão para a grande massa popula-cional formadora da força de trabalho dessas empresas, o que causou uma grande concentração de renda já característica de nosso país desde perío-dos coloniais (Ricardo Antunes, 2004).

Durante a década de 1980, com o � m da ditadura militar, esse mode-lo produtivo começa um processo de transformação como a nova divisão internacional do trabalho, embora num ritmo mais lento que os países centrais, portanto, o Brasil ainda resguardava em seu cerne organizacional cicatrizes na mentalidade administrativa das empresas (Antunes, 2004, p. 15). Mas mudanças signi� cativas aconteceram como a implantação da produção baseada em team work, nos programas de qualidade total, ampliação do processo de difusão da microeletrônica, métodos participa-tivos de produção, mecanismos que procuram o envolvimento dos traba-lhadores nos planos das empresas entre outras. Tais transformações exigi-ram que os funcionários possuíssem " exibilidade para aquisição de novas habilidades e competências pertinentes a esse tipo de gestão empresarial competitiva.

Para Antunes (1997) e Alves (2000) (apud Antunes, 2004) alguns dos motivos que proporcionaram tais transformações no sistema produ-tivo brasileiro pautado no ideário neoliberal foram: a necessidade das empresas buscarem sua inserção no mercado competitivo internacional; a ação das empresas transnacionais de adotar padrões organizacionais e tec-nológicos inspirados no “toyotismo” e nas formas " exíveis de acumulação; a necessidade das empresas nacionais responderem ao avanço do novo sin-dicalismo, que procurava estruturar-se mais fortemente nos locais de tra-balho e que teve forte traço de confrontação com órgãos gestores. Como resposta a tudo isso, as empresas brasileiras iniciam uma reestruturação do sistema produtivo alicerçado na redução de custos através da redução da força de trabalho, na intensi� cação da jornada de trabalho dos emprega-

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dos e no surgimento dos CCQ’s (Círculos de Controle de Qualidade).O sistema produtivo nacional na década de 1990 passa por um pro-

cesso de descentralização produtiva marcada pela realocação geográ� ca das indústrias, em que empresas tradicionais em busca de força de tra-balho com níveis de remuneração mais baixas iniciam um processo de migração dessas empresas para regiões com abundância de mão-de-obra barata pelo país. Tais empresas alegaram que tais mudanças geográ� cas se deveram pela adequação de sua linha de produtividade em relação à concorrência internacional. O fato é que essas mudanças acentuaram uma superexploração e precarização do trabalho.

No entanto, segundo Alves (1996) e Previtalli (2002) (apud Antu-nes, 2004) diversas empresas desenvolveram programas de reestruturação do sistema produtivo visando, além da sua adequação aos novos imperati-vos do capital como a introdução de robôs e de inovações tecnológicas di-versas, um plano organizacional pontuado na desverticalização-horizon-talização e redução de níveis hierárquicos, implantação de novas fábricas de tamanho reduzido e estruturadas com base em células produtivas. Tais programas geraram mudanças signi� cativas no sistema produtivo como a introdução de ganhos salariais vinculados à lucratividade e à produtivida-de das empresas, baseadas nos paradigmas designados pelos ideais neoli-berais. A ideia de lucratividade e boni� cações perante a produtividade dos funcionários propiciou a introdução de sistemas excludentes e competiti-vos dentro das estruturas empresarias e, por consequência, um abalo nas estruturas sociais.

Outro exemplo importante pode ser encontrado no setor � nanceiro com a adoção de tecnologias de base microeletrônica e novas políticas ge-renciais através de programas de “contratação � exível” (como a terceiriza-ção ou da contratação de trabalhadores por tarefas ou em tempo parcial), de “qualidade total” e de “remuneração variável”. Tais transformações, segundo Jinkings (2002) e Segnini, (1998) (apud Antunes, 2004) gera-ram uma maior precarização dos empregos e dos salários, aumentando o processo de desregulamentação do trabalho e da redução dos direitos sociais para os empregados em geral e para os terceirizados em particu-

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lar. Do ponto de vista do capital � nanceiro, essas formas de contratação permitem às empresas ganhos enormes de lucratividade, ao mesmo tem-po em que atingem fortemente a capacidade de resistência dos bancários, fragmentando-os e di� cultando sua organização sindical.

Percebe-se que o trabalho está em perene transformação. Tanto no que corresponde ao seu conteúdo enquanto atividade produtiva, tanto quanto às formas de emprego, mas estas mudanças ocorrem em sentidos opostos. Por parte da produtividade vemos que o mercado de trabalho exige cada vez mais estabilidade, implicação do sujeito no processo de tra-balho, por intermédio de atividades que requerem autonomia, iniciativa, responsabilidade, comunicação ou intercompreensão. No entanto, por outro lado, veri� ca-se que a empregabilidade que as empresas outorgam, movidas pelas tendências competitivas do mercado global capitalista neo-liberal, geraram um processo de precarização do trabalho baseado na ins-tabilidade dos laços empregatícios, no aumento do desemprego prolonga-do e na � exibilidade no uso da força de trabalho (Antunes, 2004).

3. CRISE E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

A crise do trabalho do proletariado vindoura da Revolução Indus-trial inglesa no século XVIII até meados do século XX tinha como carac-terísticas as altas jornadas de trabalho e ausência de tempo livre; a submis-são do trabalho humano ao tempo e à vontade da máquina; a noção da perfeição métrica e linear no trabalho; a simpli� cação da produtividade em detrimento do barateamento da força de trabalho humana; e a concor-rência humana em relação à produtividade alcançada.

Após o evento histórico conhecido como Crise de 1929 que cul-minou na quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque e na consequente falência de diversas indústrias, empresas e instituições � nanceiras gera-se uma nova crise do trabalho marcada por níveis de desemprego altíssimos, desvalorização da mão-de-obra, dos bens de produção e de produtos in-dustrializados, no entanto, para solucionar tal precarização do trabalho

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Keynes desenvolve o ideário de Pleno Emprego que, segundo, era apoiado por três condições: a reestruturação profunda do modelo de Estado con-% gurada na concepção dos Estados de Bem-Estar Social; o impressionante avanço tecnológico; e o aumento acelerado no nível educacional da po-pulação pauta na empregabilidade. É importante destacar que a educação nesse período é visto como fator básico para constituir a base da formação pro% ssional do proletariado capacitado para exercer determinada função (GENTILI, apud Frigotto, 1998).

No século XXI, a classe trabalhadora se empenha num processo de manutenção de seu trabalho abdicando de seus direitos devido às baixas perspectivas de emprego. Tal fato é ocasionado devido: elevados índices de mão-de-obra ociosa que gerou enorme desemprego no mundo e des-valorização do proletariado; e aumento exponencial da idade média de ingresso no mercado de trabalho. Além disso, o proletariado contemporâ-neo sofre com um processo de precarização de seu trabalho derivada prin-cipalmente da especialização irrefreável do sistema produtivo capitalista; da crescente heterogeneidade do trabalho que gera a necessidade de ma-leabilidade do trabalhador; da diversi% cação e ampliação de aquisição de habilidades e conhecimentos no trabalho; dos con2 itos que imperam nas empresas derivadas da diluição e/ou secundarização das relações sociais; e do desenvolvimento crescente do número de vagas de trabalho informal no mercado de trabalho em detrimento de vagas formais.

O capitalismo passou por um processo de desenvolvimento histó-rico peculiar alicerçado pelo advento do ideário Neoliberal proveniente desde a década de 1930 pós quebra da Bolsa de Nova Iorque. Desde en-tão, o sistema de produção capitalista pauta sua gana no constante aumen-to da produtividade e, por consequência, do consumo de produtos dos mais variados gêneros (bens primários, bens de consumo duráveis e bens de consumo não-duráveis) e da circulação de capital através do setor % -nanceiro, este em franca evolução. Com o desenvolvimento tecnológico, principalmente nas áreas da microeletrônica e da informática o capitalis-mo se alavanca criando condições para que empresas possam produzir, transportar e se comunicar com qualquer parte do mundo. Esse processo

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intensi� ca-se no � m do século XX, proporcionando a Globalização do mercado econômico-� nanceiro, da mão-de-obra, da produção e do con-sumo de produtos que vão desde a matéria-prima básica até a alta tecno-logia e que tem como consumidores desde os países centrais até os países periféricos e subdesenvolvidos.

O processo de Globalização e o ideário Neoliberal que expandiu sua cultura de consumo por quase toda parte do mundo ocidental e grande parte do mundo oriental na década de 1990 causou transformações sensí-veis na relação de produção no mundo do trabalho que, segundo Gaudên-cio Frigotto (1998), gerou uma nova visão sócio-cultural pautada numa sociabilização humana caracterizada pela ênfase na crise do trabalho assa-lariado, entendida como uma sociedade que alicerça as relações sociais no aumento do crescimento do desemprego estrutural e na precarização do trabalho devido o excedente de trabalhadores e da facilitação do serviço em detrimento da inserção de tecnologias alienantes da mão-de-obra hu-mana consequentemente gerando a desregulamentação dos direitos tra-balhistas, a � exibilização do trabalhador em detrimento dos serviços que irão ser prestados e um processo de terceirização.

Sobre esse aspecto:

É preciso que se diga de forma clara: desregulamentação, � exibiliza-ção, terceirização, bem como o todo esse receituário que se esparrama pelo “mundo empresarial”, são expressões de uma lógica societal onde o capital vale e a força humana de trabalho só conta enquanto parcela imprescindível para a reprodução deste mesmo capital. Isso porque o capital é incapaz de realizar sua autovalorização sem utilizar-se do trabalho humano. (ANTUNES, apud GENTILI e FRIGOTTO, 2002, p. 28).

Tal crise do trabalho pode ser levantada então como um dos mais agudos problemas político-educacionais contraídos no século passado devido os processos educativos e formativos, que são fatores pertinentes à constituição e construção das relações sociais e as relações de trabalho, terem sofrido um processo de reinterpretação e de ressigni� cação. A edu-

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cação passou a ser vinculado ao processo de quali� cação pro� ssional e ga-nha característica de formadora de capital humano para enfrentar as cons-tantes transformações tecnológico-cientí� cas produtivas e as mudanças abruptas das relações sociais do mundo do trabalho.

Em suma, segundo Montenegro, o processo de � exibilização da es-trutura produtiva, os progressos tecnológicos, a fragmentação da produ-ção, o desemprego e a reorganização da força de trabalho causam uma ampliação do universo do trabalho precário, outorgando um aumento da informalidade do trabalho, buscando conformar o trabalhador nas bases estruturais do neoliberalismo competitivo que objetiva a acumulação e reprodução de capital e isto é transpassado para o processo educacional criando uma sociedade pautada em indivíduos competitivos por objeti-varem a acumulação de informações e reprodução de conhecimentos e habilidades necessárias ao mercado de trabalho desenvolvendo capital hu-mano � exível aos interesses do capitalismo e das empresas.

4. PAPEL DA EDUCAÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO

A Educação tem como papel preponderante a sociabilização, ou seja, a assimilação da cultura comum local e a inserção de conceitos estabele-cidos por uma sociedade aos indivíduos2. Tal conceito pode ser utilizado na maioria das grandes Civilizações durante o decorrer da história, desde a Antiguidade Clássica até a Contemporaneidade e esteve intimamente vinculada ao Processo Civilizatório3: a construção e evolução técnico-cientí� ca da humanidade, e, consequentemente, o desenvolvimento e transformação de inúmeras culturas e povos, se relacionam intimamen-

2 Alguns estudos históricos e sociológicos abordam de maneira sucinta a Educação como fator inclusivo e excludente da sociedade, ou seja, a formação educacional do indivíduo deve-se a fatores externos pré-es-tabelecidos pela sociedade comum ao indivíduo para estes serem considerados membros de tal sociedade e deve assimilar posturas comuns ao outros membros da sociedade. Logo a Educação pode ser vista como um subconjunto de práticas que têm como resultado pretendido tipos particulares de formação criados pela própria sociedade em que o indivíduo está inserido ou deseja se inserir.3 Um estudo detalhado sobre o conceito de Processo Civilizatório pode ser encontrado no artigo “A socie-dade dos indivíduos”, escrito em 1939 por Norbert Elias. Publicado pela editora Jorge Zahar.

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te ao trabalho, sua utilização e seu desenvolvimento na formação huma-na e das sociedades. Educação e a Pedagogia moderna têm como objeto principal o ser humano e sua ação e inserção na sociedade vigente e como objetivo principal ser parte integrante do processo de formação humana para que os indivíduos desenvolvam autonomia responsável referente aos interesses sociais.

No entanto, com o surgimento do ideário Neoliberal na década de 1930, a educação foi idealizada como fator principal para o desenvolvimen-to da empregabilidade. Segundo Gentilli (apud, Frigotto, 1998) a educação é idealizada como uma escolaridade vulgar aliada a uma necessidade empre-gatícia, ou seja, a educação tinha como objetivo permitir que o proletariado encontre condições materiais de quali� car-se para o emprego possuindo co-nhecimento, não só para ser contratado e ganhar promoções no emprego, mas para adaptação às mudanças extremamente rápidas da tecnologia. Em suma, a educação após a Crise de 1929 é vista como pré-requisito para for-mação de capital humano apto para trabalhar de maneira maleável e compe-titiva, criando-se a concepção de que os trabalhadores deveriam ser possui-dores de competências técnicas e psicológicas � exíveis que habilitem estes a lutar nos mercados globais pelos poucos empregos disponíveis, acirrando a competitividade baseada na capacidade individual. Com o decorrer do século XX, tal capacidade individual tornou-se um diferencial e a disputa laboral se intensi� cou transformando a educação num curso preparatório para inserção no mercado de trabalho e num negócio lucrativo.

Seguindo tal imposição do mercado a privatização da educação no Brasil foi inevitável e a educação pública seguiu um processo de sucate-amento e de desprezo, tornando então este, um forte fator de exclusão social às pessoas que não tem acesso a educação privada, selecionando e excluindo trabalhadores através da aquisição de aptidões necessárias ao mercado de trabalho nas instituições privadas.

No Brasil fazendo uma breve e simplória análise de alguns indica-dores sociais mais básicos referentes à escolaridade, saúde e moradia po-demos perceber que a maior parte da população vive marginal, excluída e inapta a almejar uma escalada social e econômica dentro do sistema capi-

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talista vigente. Não é difícil identi� car um grande contingente de traba-lhadores que são considerados despreparados e inaptos para o exercício das mais variadas atividades. Esta prerrogativa assume tons trágicos em nossa sociedade, já que, em sua maioria, estes trabalhadores geralmente de origem humilde, não possuem quali� cação para o trabalho e nem se quer condições � nanceiras para adquiri-la já que esta foi privatizada; o futuro mais possível destes é o de se tornarem mão-de-obra abundante e barata ou em pior estância, tornam-se desempregados, alargando os índices na-cionais (MONTENEGRO).

Essa reinterpretação da relação entre educação e trabalho categoriza economicamente o proletariado como mercadoria possuidora de atribu-tos, habilidades e técnicas que o possibilitam a ingressar ou não no mer-cado de trabalho, onde este age como mediador das capacidades humanas individuais, além de transformar o processo ensino-aprendizagem numa espécie de produto básico para a ascensão social motivadora do capitalis-mo. Nesse contexto histórico, as políticas educativas surgem deliberadas pelos ideais neoliberais focados no mercado e na produtividade oferecen-do um ensino baseado no processo produtivo, nas inovações tecnológicas e nos rearranjos organizacionais do trabalho (BIANCHETTI, 2001).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No processo neoliberal de produtividade a educação tem como papel primordial a quali� cação da mão-de-obra no sentido técnico-cientí� co e tornou-se um fator de exclusão social. Na realidade contemporaneidade é vital que tal visão seja transformada para uma perspectiva democratizado-ra focada no respeito à individualidade e sociabilizá-la através da ordena-ção intelectual a moral dos indivíduos.

Sobre esse aspecto podemos analisar no livro Concepção dialética da história:

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Criar uma nova cultura não signi� ca apenas fazer individualmen-te descobertas “originais”; signi� ca, também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer, transformá-las, portanto, em bases de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma mul-tidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato “� losó� co” bem mais impor-tante e “original” do que a descoberta por parte de um “gênio � losó-� co”, de uma verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos de intelectuais. (GRAMSCI, 1978, p. 13-14).

Podemos perceber que a educação tem papel primordial dentro do contexto capitalista implantado nas últimas décadas do século XX e que se mantém na contemporaneidade. Segundo Arroyo (apud, Frigot-to, 1998) a educação se relaciona ao trabalho intimamente e também a humanização e a emancipação econômico-social do indivíduo. Educar é parte integrante do processo de humanização, educar é caminhar para a emancipação, para a autonomia responsável idealizada frente à subjetivi-dade moral e ética da sociedade contemporânea.

Os processos de educação básica assumem na contemporaneidade um sentido histórico efetivo relativo à articulação de quali� cação de cará-ter democrático a sociedade e aos indivíduos componentes desta, dando um novo sentido à educação e a sua estreita relação com o mundo do tra-balho.

A educação não pode mais ser relaciona com o trabalho apenas como uma perspectiva técnico-pro� ssionalizante sob o ideal da constru-ção de habilidades e competências para a empregabildade, requali� cação pro� ssional e reconversão de serviços. Dessa maneira a educação tem um tom excludente na sociedade pela sua incapacidade efetiva hoje de aliar capacidade democratizadora para a força produtiva e desenvolvimento in-tegrador ao projeto econômico, político e cultural contemporâneo.

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Title: ' e role of education in the labor worldAuthor: Edson Mitsuo Soraji

ABSTRACT: ' is article aimed at giving the possibility of a re* ection about the rela-tion between the education and labor through the historical research of the technologi-cal development and of the neo-liberalistic capitalistic productive system relating it to the several roles which the education had had during this historical process. Bearing this in mind, it is possible to analyze the di+ erent processes of transformation of labor world concomitant to the several educational Brazilian politics and, eventually, a precarization process of the services and salaries in detriment of the pro3 t of the owners of production means and the increase of the consumption of the masses of people, beyond the appea-rance of several factors which exclude workers or obstruct them to get better socially. Keywords: Education. Precarization of labor. Neoliberalism. Democratization.

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Notas sobre a história da alimentação: contribuições para o estudo da formação do homem ocidental

1 Mestre em História e Cultura Social. Universidade Estadual Paulista. Centro Universitário Claretiano.E-mail: <[email protected]>.

Rodrigo Touso Dias Lopes 1

Resumo: Este artigo apresenta uma introdução à história da alimentação do homem oci-dental, retomando sua trajetória desde a pré-história até os modernos modos de servir e de comer. A partir dos modos de alimentação apresentados, propomos uma re� exão sobre como a alimentação e sua história são um meio relevante para a compreensão da nossa trajetória como uma sociedade repleta de códigos e distinções.

Palavras-chave: História da Alimentação – Introdução ao estudo.

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Quem deseja estudar a história da alimentação e seus múltiplos as-pectos, hoje em dia, se encontra diante de um paradoxo: por um lado, o tema abunda estantes de livrarias, geralmente acompanhado dos livros de receitas e de fotogra� as gastronômicas; ganha espaço exclusivo em jor-nais, revistas e na televisão, que não se satisfaz mais com o antigo forma-to receitas da Ofélia, no qual uma apresentadora numa bancada realiza as receitas de modo sempre mais fácil do que realmente seria na cozinha de casa. Para falar de comida hoje é preciso sair da cozinha e ir buscar a comi-da na rua, no mundo, misturando gastronomia, comportamento, turismo e uma pitada de exotismo, como o fazem com grande sucesso, Anthony Bourdain (2001) nos EUA, Gordon Ramsay na Inglaterra, o falecido pre-cursor Bernard Louiseau (apud CHELMINSKI, 2007) na França, além dos nacionais (ou nacionalizados) Alex Atala (2008), Olivier Anquier e Claude Troisgros, entre outros.

Por outro lado, o paradoxo é que essa explosão temática e midiática tornou-se uma espécie de impedimento para que uma história da alimen-tação séria fosse levada a cabo. O presente artigo tem a intenção de fazer uma breve introdução à área da história da alimentação para o leitor que se deparou também com esse paradoxo, buscando compreender a sua im-portância para a formação do homem ocidental moderno.

Como qualquer temática relativamente nova, a história da alimen-tação é tributária da revisão geral pela qual a História (e as outras ciências humanas), passou no meio do século XX. Os abalos � nais numa ideia ilu-minista de progresso e evolução perpétua do homem nos levaram à neces-sidade de revisar os objetos de estudo e suas matrizes teóricas. Numa pala-vra, sentimos a necessidade de revisar os discursos, como propôs Foucault (LOPES, 2004).

No entanto, esta revisão historiográ� ca não se explica apenas no ní-vel da construção do discurso, pois assim como novos métodos foram sur-gindo, novos objetos também apareceram, alargando as possibilidades de explicação histórica. A produção desses novos objetos, expostos à história a partir de uma mudança de perspectiva, proposta por Edward ' ompson entre outros, � cou conhecido como a história vista de baixo.

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Assim, precisamos compreender que as ideias na história possuem a sua própria história, melhor dizendo, as suas condições de possibilidades de serem concebidas. E levando em conta que a interpretação da história é fruto das necessidades e variáveis do tempo presente, como a% rmou Peter Burke (2011), entre outros, percebemos que as primeiras questões sobre uma História da Alimentação foram, elas também, fruto dessa revisão te-mática e metodológica, ocorrida a partir dos anos 1960.

Aceitamos com bastante facilidade que comemos para matar a fome. Contudo, ao redor desse comportamento as sociedades desenvolveram uma imensa gama de signi% cados e estruturas que transformaram a ali-mentação em muito mais do que apenas comer. Para compreender esses signi% cados, o pesquisador precisa conhecer o discurso próprio da alimen-tação, mas até aí nenhuma novidade: o recentemente falecido antropólo-go Claude Levis-Strauss (2006) já havia proposto, em 1968, que a prática da alimentação possui um léxico próprio, ou seja, um acervo de palavras especí% co que o encerra e o afasta dos não iniciados.

Mas não é só. Esse léxico ultrapassa as palavras e existe também como comportamento próprio: gestos, modos de fazer, de comportar, de servir, de comer, que encerram um universo de signi% cados que vão até as es-truturas mais profundas e rudimentares da nossa cultura. Sobre isso, um possível quadro comparando as estruturas da linguagem com as estruturas da alimentação seria basicamente assim:

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Quadro 1: Comparação das estruturas da linguagem e da alimentação (MONTANARI, 2008, p. 15-16).

Percebemos que para cada estrutura da linguagem pode haver uma estrutura semelhante na alimentação, resultando na elaboração de discur-sos alimentares que servem como comunicação, identi! cação e distinção. Ao invés de ser um aspecto secundário, talvez até super! cial, nesse sistema proposto por Levis-Strauss e revisto recentemente por Massimo Monta-nari a alimentação e a linguagem são os aspectos que fundam o que cha-mamos civilização, pois são os primeiros arcabouços da cultura.

Aceitando o argumento, damos mais um passo, distinguindo três momentos determinantes da comida como expressão de cultura. São eles a produção, o preparo e o consumo. Veja:

Comida é cultura quando produzida, porque o homem não utiliza apenas o que encontra na natureza (como fazem todas as outras es-pécies), mas ambiciona também criar a própria comida, sobrepon-do a atividade de produção à de predação. Comida é cultura quan-

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do preparada, porque, uma vez adquiridos os produtos-base da sua alimentação, o homem os transforma mediante o uso do fogo e de uma elaborada tecnologia que se exprime nas práticas da cozinha. Comida é cultura quando consumida, porque o homem, embora po-dendo comer de tudo, ou talvez justamente por isso, na verdade não come qualquer coisa, mas escolhe a própria comida, com critérios li-gados tanto às dimensões econômicas e nutricionais do gesto quanto aos valores simbólicos de que a própria comida se reveste. Por meio de tais percursos, a comida se apresenta como elemento decisivo da identidade humana e como um dos mais e% cazes instrumentos para comunicá-la. (MONTANARI, 2008, p. 15-16).

Todos esses momentos são criadores de discurso, ou seja, são momen-tos que, colocados no tempo, num ritmo próprio de repetições cotidianas ou ritualísticas, consagram um produto, um modo de produzir/preparar/consumir este produto e um modo de comunicar estes aspectos.

Estes produtos consagrados são o que Fernand Braudel chamou de plantas de civilização: o trigo mediterrâneo; o sorgo africano; o arroz asi-ático; o milho americano.

Vejamos brevemente o caso do trigo. O produto trigo, produzido como farinha de trigo e consumido como pão, possui um lugar privilegia-do no sistema alimentar ocidental arraigado em nossa cultura comum. Os gregos antigos eram conhecidos como ‘os comedores de pão’, e a distinção entre estes homens e os homens caçadores era uma distinção cultural, ou melhor, civilizacional, e não simplesmente dietética.

Do mesmo modo, os povos bárbaros eram considerados menos civi-lizados que os romanos não apenas pela linguagem distinta, mas também pelo fato de não produzirem cereais, ao contrário dos romanos, também comedores de pão branco. De fato, aos bárbaros era atribuída uma certa ferocidade alimentar, explicitada na carne de caça e na cerveja, contras-tando de maneira muito exemplar com o pão e o vinho greco-romanos. Como a% rmou Montanari em A fome e a abundância:

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Nascido e crescido num âmbito de civilização genuinamente medi-terrâneo, o cristianismo não tardou a assumir, como símbolos ali-mentares e como instrumentos de seu próprio culto, os produtos que constituíam a base material e ideológica daquela civilização: precisa-mente o pão e o vinho, alçados, depois de não poucas controvérsias, ao posto de alimentos sagrados por excelência. Escolhas que, por um lado, implicaram uma ruptura com a tradição hebraica, e por outro lado, facilitaram a nova fé no sistema de valores do mundo romano. (MONTANARI, 2003, p. 29-30).

Desse breve comentário sobre o trigo podemos começar a colocar em dúvida a ideia de que comemos o que queremos e escolhemos o ali-mento com liberdade, nem que seja a liberdade econômica. Ao contrário, como a� rmou o sociólogo Carlos Alberto Dória (2006, p. 48), “comemos aquilo que a nossa história permite, o que a nossa cultura selecionou como possibilidade e o que a nossa educação pessoal elegeu como prioridade. É nesse ponto que colocamos a história da alimentação numa perspecti-va muito interessante: se os homens, ao longo do tempo, não escolheram simplesmente o que desejavam comer, mas o � zeram por necessidades e contingências, isso nos leva a crer que existem estruturas subjacentes à ali-mentação que a determinam, a condicionam, a promovem e também a impossibilitam!

Revisando nosso calendário atual, exemplos disso não faltam: choco-lates e peixes da páscoa; perus natalinos, bolos de aniversário e casamento, nhoques da fortuna, lentilhas da sorte, romãs de prosperidade... e temos as ausências alimentares, como a proibição da carne na quaresma, e em al-guns outros casos, o jejum completo. Por trás de cada uma dessas ocasiões existe uma lógica própria que fez, na expressão de sua base material, um regime se tornar consagrado.

Resta a� rmar que os modos de alimentação, da escassez à fartura, da fome à abundância, estiveram sempre presentes na forja do que chamamos hoje de homem ocidental moderno. Assim, a in� uência da alimentação na história humana pode ser ainda maior do que supúnhamos: existe uma imensa controvérsia sobre o aporte calórico do uso da carne. Pesquisado-

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res (WHANGHAM, 2010) a� rmam que a mais de um milhão e meio de anos a carne foi a responsável pelo aporte de proteínas necessário a permi-tir que o cérebro se desenvolvesse para o seu atual formato, e o resultado desse salto é possuirmos hoje o cérebro com o maior gasto de energia entre os mamíferos: vinte por cento do total de energia do corpo é gasto apenas com a atividade cerebral.

Como o homem controlou o fogo a apenas 500 mil anos, a carne da qual nos alimentamos antes era crua, decomposta ou queimada natural-mente em incêndios. A questão à qual os antropólogos se inclinam, nes-se período, é a de saber se aquela atividade predatória que praticávamos era a de caçadores de grandes animais ou a de ladrões de carcaças. Seja como for, essa atividade sustentou os homens no paleolítico inferior (até 200.000 aC), pois no paleolítico médio (até 40.000 aC) há sinais de abate humano de ursos, elefantes e rinocerontes, e no paleolítico superior (até 10.000 aC) os sinais são de ataques humanos a manadas de animais de médio porte, como cavalos, renas, bisões e mamutes, por exemplo.

No mesolítico, com as mudanças climáticas, percebemos o ataque humano à animais da fauna atual, como javalis, lebres e pássaros. Com a revolução neolítica, por � m, diminuiu drasticamente a carne de caça na dieta humana do homem meso-europeu, concomitantemente ao sur-gimento dos primeiros rebanhos de corte, como os de bovinos, ovinos, suínos e caprinos.

Assim encontramos a função social da alimentação. Antes do fes-tim, do banquete, do simpósio: o fogo comum, usado por um grupo para cozinhar, aquecer e iluminar, parece ser o início de uma função social re-guladora a partir da alimentação. Mas ainda assim, Flandrin e Montana-ri (1998) sugerem uma questão instigante: dada a diferença na maneira como os animais herbívoros e carnívoros comem, terá sido mesmo o fogo ou a própria carne crua que instituiu o banquete?

Apesar de ser o alimento mais simbólico da socialização humana, a carne geralmente é colocada num plano nutricional que di� cilmente pode ser atingido. A base da alimentação do homem na revolução neolítica é vegetal, bem como a maior parte dos seus instrumentos é feita de madeira.

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Com pouquíssimas exceções, os restos materiais de vegetais e madeiras não resistiram ao tempo, e somente quando as análises arqueológicas não mais procuraram por eles, mas por seus vestígios indiretos, é que sua posi-ção começou a ser efetivamente compreendida2.

O estágio, en� m, é o de um homem que pode comer de tudo. Capaz de caçar praticamente todos os animais de grande porte que encontra, de ursos a elefantes, e de cozinhá-los; capaz de criar animais arrebanháveis, como bois, porcos, galinhas e cabras, e abatê-los conforme as necessida-des e conveniências; capaz de plantar a maioria dos cereais que utilizava, como a cevada, o sorgo, o trigo e a lentilha, além de legumes, verduras e frutas. Essa fartura, no entanto, exigiu uma crescente organização social, fosse para dar conta dos campos e dos rebanhos, das caças coletivas, dos fogos comunitários, dos processamentos dos grãos em farinhas ou em be-bidas fermentadas e, claro, da proteção, militarizada, de tudo isso.

No ocidente, as civilizações mediterrâneas foram exemplares nesse modo de organização social cada vez mais incrementado, desde os Babilô-nios e o famoso código de Hamurabi, que inclusive determinava os modos de funcionamento das tabernas, até a civilização egípcia, especializada em tirar do Nilo os seus maiores favores.

A cheia misteriosa do Nilo permitia que na região do Delta houvesse videiras, a guarda da água em cânforas permitia criações, pequenas planta-ções e pomares e além de tudo, a região alagadiça do rio fornecia, após as cheias, a área privilegiada para as grandes plantações de cevada e trigo.

Diferente dos egípcios que se adaptaram ao deserto, os hebreus so-nhavam com uma terra na qual corresse dos rios “leite e mel”. Entendida a metáfora alimentar como uma representação para ‘vacas gordas’ e ‘frutas e � ores’, o que deveria correr dos rios sonhados pelos hebreus era água mesmo. Como a� rmou Jean Soler (1998), a terra prometida era o anti-deserto, e portanto, o anti-Egito.

2 Por exemplo, analisando a relação estrôncio/cálcio que decresce com a ingestão de carne; a relação entre alguns isótopos de carbono que indicam os tipos vegetais consumidos, além dos desgastes dos dentes que indicam tipos de alimentos e taxas de cálcio nos ossos, indicando as taxas de consumo de leite.

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Essa terra prometida, na qual a água, ao invés de vir misteriosamente do fundo da terra em pleno verão, pelo contrário desce das mãos de Deus pelo céu, tem no entanto suas próprias regras para ser usufruída. A aliança entre Deus e os homens regulamentou inúmeros aspectos da vida social, condicionando, regrando, disciplinando os homens. Numa palavra, crian-do uma identidade comum às tribos. E muitas dessas regras eram alimen-tares, como por exemplo: restrições ao consumo ritualístico do vinho, ao uso do mel como oferenda e ao uso do leite e da carne na mesma refeição3. No entanto, a restrição mais controversa é a do consumo do porco.

Geralmente associado à questões sanitárias (transmissor de triquino-se), a restrição ao consumo de carne suína, entre outras, vem das indicações aos reinos animais (terrestre, aquático e aéreo) e à constituição, neles, de animais puros e impuros4. Assim, na terra os animais puros devem ter cas-cos fendidos e devem ruminar, e na água, devem ter barbatanas e escamas. As proibições dizem respeito aos aparelhos motores, que fazem alguns animais não parecerem pertencer a um reino especí� co ou pior, transitar entre dois deles. Assim, na água são impuros, por exemplo, os frutos do mar, os camarões e as lagostas; do ar são impuros cisnes e pelicanos, pois � cam a maior parte do tempo na água, e o avestruz, que � ca na terra; e na terra, além do porco, também os répteis, como as cobras, lagartos e os insetos, à exceção dos insetos alados, como os gafanhotos.

O repúdio ao hibridismo está presente na alimentação, como vimos nas misturas de carne e leite, mas também na procriação animal (não per-mitindo a procriação de cavalos com jumentas), no arado do campo (proi-bindo atrelar um boi e um asno juntos), na plantação (proibindo semear duas espécies ao mesmo tempo), até no vestuário (não usar linho e lã ao mesmo tempo). Essas regras, aparentemente tão severas e até sem senti-do, possuem uma função de ordenação do mundo, consagrando lugares especí� cos para as coisas, ‘humanizando’ o homem e seu mundo. Nesse sistema maior de ordenança, a homossexualidade e o incesto são também

3 “Não cozerás o cabrito no leite de sua mãe”. Êxodo 23,19 e 34,26.4 É pouco provável que povos como os gregos, os egípcios e os mesopotâmicos, todos criadores e consumi-dores de porcos, tivessem ignorado problemas sanitários em relação aos suínos.

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proibidos obedecendo à mesma lógica do estabelecimento de lugares e relações únicas entre as pessoas.

Ser puro, apropriado, é também ser o mais próximo possível do que se era no momento da criação, assim, o mel, de que falamos anteriormen-te, é impuro na medida em que não foi criado, como é, pelo Criador, e o mesmo vale para o vinho e para o pão fermentado: essa é a razão do con-sumo do pão ázimo.

A falta de hibridismo e a necessidade de pureza é o que, por � m, vai nos explicar a proscrição do porco. O Criador havia indicado a ali-mentação de cada espécie, e os animais puros, nesse sentido, são também herbívoros. Por isso a necessidade de ser ruminante. Aliás, um animal ru-minante seria duplamente mais puro! O porco, mas não só ele, é um oní-voro, não come apenas a relva, daí o banimento. Do outro lado, o camelo, um ruminante herbívoro perfeitamente em seu lugar no reino terrestre, caprichosamente não tem a pata fendida, e por isso � cou de fora.

É do conhecimento de praticamente todos que se interessam mini-mamente pelo tema o fato de que na Índia existe até hoje uma proibição bastante rígida sobre o sacrifício de vacas e o consumo de sua carne. Ex-cepcional, nesse sentido, é a constatação de que a carne de bois também era proibida para o consumo na Grécia e também no Egito as proibições diziam respeito às vacas, como con� rmam passagens de Cícero e de Heró-doto, pelo menos. Aqui valem alguns comentários: o porco, proibido aos hebreus, era o único permitido para os gregos, que não consumiam o boi e o carneiro, por razões bastante pragmáticas: o arado e a lã.

De fato, o assassinato de um boi de lavoura poderia render penas comparáveis à da morte de um outro homem na Grécia, era um bovicídio. Os egípcios, por outro lado, consagravam as vacas à Isis, e, segundo Heró-doto, evitariam até mesmo beijar os lábios de um grego por considerá-los impuros comedores de vacas, apesar da predileção do pão.

Seja como for, o regramento sobre o consumo de carnes de qualquer espécie no mundo grego distinguia os modos de morrer dos animais. Ao consumo, só seriam permitidas as carnes abatidas especi� camente para este � m. Mas a palavra tem um signi� cado maior: nekrimaia kreata, ou no

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latim morticinae, designam tudo o que morre, menos os animais mortos para o consumo humano5.

Resta um aspecto da alimentação grega que não podemos deixar de comentar, os banquetes gregos. Eles aparecem como elemento central de mitos e como ambientação de diversas passagens da mitologia e da histó-ria grega, e de acordo com Pauline S. Pantel, pode ter como paradigma de sua importância a passagem de Erisicton nos bosques da deusa Deméter.

Conta o mito que o príncipe Erisicton invadiu um bosque consa-grado à Deméter, a deusa que deu o cereal aos homens, com vinte de seus homens e puseram-se a derrubar as árvores. A deusa, irritadíssima, tomou a forma da sacerdotisa Nikippa e pôs-se a falar com os invasores: criança que derrubas as árvores consagradas, pára, minha criança, * lho tão queri-do de seus pais, pára, retira seus homens; teme a cólera da venerável De-méter de quem tu roubas os bens sagrados. Mas Erisicton respondeu à deusa travestida de sacerdotisa: Vai embora, ou te arremesso o machado! Estes bosques vão fazer a cobertura da sala onde oferecerei, dia após dia, deliciosos banquetes aos meus amigos! Deméter, então, retomou sua for-ma de deusa e tomada de ira, respondeu: Sim! Constrói tua sala e dá tuas festas! Tu festejarás, então, para sempre!

Assim Erisicton foi tomado de uma fome insuportável, e mesmo que lhe fosse servida uma imensa refeição, ao * nal sua fome apenas teria au-mentado! Dionísio, o deus que deu ao homem o vinho, solidarizou com Deméter e o castigou da mesma forma, e sua sede também se tornou in-saciável. Depois que Erisicton terminou com todas as reservas do palácio do pai, o * lho do rei foi visto mendigando restos de comida pelas encruzi-lhadas das estradas, na triste sina de seu banquete eterno (Cf. PANTEL, 1998, p. 155).

Este mito é capaz de mostrar diversas faces do banquete grego: um momento especial, social e coletivo. Um momento de festa indiscutivel-mente. Mas um momento cívico, civilizado, ocorrido dentro de um modo

5 Talvez façamos a mesma coisa atualmente, utilizando a palavra abate, que é completamente esvaziada de todo sentido de morte, mas ao contrário, sugere fonte de alimentação.

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de comportar-se que deveria, também, ser agradável aos deuses. Numa palavra: comensalidade. Por meio do banquete o homem grego tornava-se mais grego e se diferenciava dos não gregos, dos não-cidadãos. Após o banquete, a partir do século V aC, tornou-se comum o momento do symposium, ou seja, a hora especí" ca para os discursos em favor dos deuses, para os debates entre os homens, para o canto, a poesia, a prática erótica e, claro, para o vinho.

Assim como os gregos, os romanos formaram uma sociedade tam-bém sacri" cial. De acordo com Florence Dupont (1998), um animal do-méstico não poderia ser transformado em carne consumível, isto é, morto e cortado aos pedaços, sem que tenha sido sacri" cado em um ritual. Com isso, os romanos se identi" cam como homens civilizados e se situam em relação aos outros animais e em relação aos outros homens, em especial, aos bárbaros. Suas oposições alimentares dividiam-se entre a guerra, o campo e as festas; entre o pão, os legumes e as carnes sacri" ciais.

Mas será que os romanos apenas comiam carnes de sacrifício? Mes-mo a carne de porco distribuída à população pelo governo no século III e que os governantes católicos mantiveram como prática até o século V? Por certo que não, mas esse regramento serve muito bem para mostrar o papel secundário das proteínas da carne da dieta romana, especi" camente montada a partir de legumes e pães.

Nos séculos III e IV, o modelo greco-romano de vida, incluindo ai, é claro, a alimentação, começa a enfraquecer, deixando certamente sua marca na cultura ascendente, mas a tríade ideológica e alimentar baseada no trigo, no vinho e no óleo, que representavam a norma cotidiana deste mundo clássico, com a ascensão do cristianismo, começa, paradoxalmen-te, a se alterar.

O cristianismo nega o valor do sacrifício do ponto de vista doutrinário” especialmente do sacrifício de animais, ou seja, as oferendas de carne, conforme escreveram Flandrin e Montanari, “que é substituído, no ritual eucarístico, por um sacrifício vegetal, lembrando, de resto, com as santas espécies do pão e do vinho, um sacrifício bem mais impor-

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tante e cruento que aconteceu para a salvação dos homens. Esta trans-formação cultural terá conseqüências contraditórias: sacralizando o pão e o vinho (assim como o óleo, substância sacramental por excelên-cia), o cristianismo reforçará, ainda mais, os valores do modelo alimen-tar romano e o transmitirá à nascente Idade Média, carregados de uma nova energia. Ao mesmo tempo, devido a essa dessacralização, a carne tenderá a se tornar um simples alimento cotidiano, cujo consumo passa a ser considerado normal (FLANDRIN, 1998, p. 119).

Em resumo, são aspectos de um mesmo grande movimento: a cria-ção de uma síntese nova para a oposição entre o bárbaro, ou seja, a Europa carnívora de que falou Braudel, por um lado; e os comedores de pão de que falou Homero, por outro lado.

Essa síntese foi própria da Idade Média, quando o trigo se expande como o alimento base das pessoas que estiverem em condições de o co-mer, e os cereais chamados de inferiores para as pessoas que não puderem adquirir o trigo. Com a derrubada de muitas " orestas para a expansão dos cereais, necessário ao crescimento demográ# co, a carne dessacralizada e disponível como caça nas terras incultas é di# cultada, tendo reservados os bosques restantes aos proprietários das terras, onde só eles poderiam caçar ou oferecer permissões de caça. Assim, a ideia de fome que se constrói na Idade Media não é, necessariamente, a ausência de alimentos: pode ser representada pela falta de acesso às terras incultas, pode ser representada pela falta de acesso ao pão de trigo, pode ser representada pelo aumento dos preços. Ou seja, a fome torna-se um aspecto social e, acima de tudo, econômico.

Nessa sociedade hierarquizada, as diferenças entre os estamentos só fazia crescer: uma cultura de comidas-símbolos de status sociais passa a ser apreciada, como a carne de carneiro em substituição à carne de porco, proibida por razões econômicas desde a Antiguidade.

Nesse contexto aparece com grande importância as especiarias, ou seja, os produtos exóticos vindos de longe, já que, neste primeiro momen-to, o termo não quer dizer alimentos exóticos, mas artigos em geral e, es-peci# camente, os produtos com propriedades terapêuticas. No entanto,

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o termo especiarias, ao longo do tempo, se identi� cou (dados os imensos volumes) com produtos alimentícios, tendo ou não propriedades terapêu-ticas.

Atualmente, a história da alimentação traz como importância das especiarias o fato de elas conservarem os alimentos, mas de acordo com Flandrin, Montanari, Armiesto e outros, essa a� rmação não se sustenta após uma análise um pouco mais rígida. Em primeiro lugar porque o pro-duto mais difundido para a conservação dos alimentos era o sal, e este, de acordo com Kurlansky (2004) em Sal, tornava-se mais abundante e barato em razão de novas técnicas de produção do sal marinho. De fato, os pro-cessos mais tradicionais de conservação da carne, além é claro da refrigera-ção, são a salga seguida de secagem ao sol ou ao relento, além do principal modo de conservação da carne, que é a manutenção do animal vivo!

Além do sal, os outros produtos utilizados para a conservação eram o óleo e o vinagre para os alimentos de sal, e o açúcar para a maioria das fru-tas, daí obtendo as compotas, geléias e cristalizações. E ainda que o açúcar fosse sim considerado uma especiaria durante o � nal da Idade Média, ele não seria capaz de sustentar o comércio com o Oriente, principalmente após a ocupação da América e o início da sua produção por aqui.

A segunda hipótese de trabalho, então, parece ser a mesma que viu surgir na Idade Média as distinções de classe expressas à mesa. O mundo rural permite um número mais limitado de momentos em que o poder in-dividual, o poder econômico, o excesso em geral, pode ser demonstrado, daí a importância cada vez maior dos momentos em que isso se torna pos-sível: a missa, a festa comunal, o banquete. Os altos preços das especiarias as tornariam, assim, emblema de status social e prestígio. Uma tese de difí-cil defesa, porque o vinho e a cerveja possuíam distribuição inversamente proporcional, mas mesmo onde a cerveja era a bebida mais rara, o vinho parece ser o produto mais valorizado.

Um terceiro aspecto para encontrarmos a difusão das especiarias está em buscarmos exatamente o signi� cado do termo: entendido como pro-duto que se come (ou se mistura na comida) e que possui propriedades terapêuticas. A obra O regime do corpo, escrita em 1256 por Aldebrandin

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de Siena (apud MONTANARI, 2008) já trazia a importância do uso da canela e do cravo-da-índia; o Manual O tesouro da saúde, de 1607, fazia uma descrição de diversas especiarias, por exemplo, a pimenta-do-reino e o Cozinheiro ! ancês, em 1651, dizia que o objetivo do uso dos tempe-ros nos molhos era conservar e manter a saúde e disposição, eliminando as más qualidades das carnes pelo uso desses temperos. Todos os benefícios descritos nessas obras eram medicinais, ou seja, melhorariam a digestão amolecendo as carnes, baixariam febres, abririam o apetite, diminuiriam os calafrios, dissiparia os gases, curam cólicas, diarréia, dor de dente, de cabeça, melhorariam a visão, ajudariam o coração e o fígado, entre muitos outros benefícios (FLANDRIN, 1998, p. 481).

E não foram exatamente estas as razões pelas quais os homens mo-dernos começaram a usar a maioria das drogas modernas, como o café, o chá, o tabaco, o álcool e a coca-cola? Assim, a explicação não precisa se assentar apenas sobre as condições sociais do produto, sobre o exotismo do sabor ou sobre suas propriedades terapêuticas, mas levar tudo isso em conta dentro do contexto de crise do modo de vida do / nal da Idade Mé-dia.

Com as grandes navegações, um novo mundo foi incluído no cardá-pio de opções dos onívoros europeus que adoravam especiarias, e as con-sequências desse encontro foram dramáticas para o modo de vida dos dois lados do Atlântico.

A alimentação indígena, em sua apropriação mais radical, dizia res-peito ao canibalismo. Mas longe de expressar um animismo, a atitude era relatada como uma prática precedida por extenso programa ritualístico, feito não pela fome, mas gerado por um grande ódio ao homem cativo, e por admiração, ainda que não confessa, de suas qualidades guerreiras.

A síntese das cozinhas africanas, indígenas e portuguesas é, para Câ-mara Cascudo, a expressão da comida nacional brasileira e também a base para as diferentes cozinhas regionais, e aqui a feijoada sai da história para entrar na mitologia, porque ela é uma síntese de produtos encontrados no Brasil, produzidos à maneira portuguesa e servidos à maneira africana!

Desse preâmbulo super/ cial pela história do homem ocidental a

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partir do seu cardápio nós chegamos à história do nosso tempo presente: atualmente, quanto mais trabalhamos, mais � camos fora de casa e, por isso mesmo, mais comemos fora de casa por necessidade. Com as mu-lheres conquistando espaço fora de casa, mais nossos � lhos almoçam nos arredores da escola, ou arremedos de refeições-prontas esquentados em fornos de microondas. Desses fatos aparecem os principais movimentos modernos sobre a alimentação no século XX.

O primeiro deles, o fast food. Tempo corrido, pouco dinheiro, mui-tas bocas, muitos carros. Esses fatores levaram dois irmãos americanos a criarem, no � nal da década de 1930, um modo de servir lanches da manei-ra mais rápida e acesível possível: proteínas baratas embrulhadas em pa-pel. No Brasil, outro exemplo bem sucedido de fast food, dessa vez étnico, pode ser encontrado analisando a rede de comida com inspiração árabe que se espalhou vendendo es� rras a menos de cinqüenta centavos a uni-dade. Além do hambúrguer e da es� rra, temos à nossa disposição pizzas baratas, macarrões e frangos fritos tidos como chineses, cachorros-quente e uma in� nidade de outras comidas expressas, feitas para serem comidas em qualquer lugar, de qualquer maneira, a qualquer hora. A idéia de refei-ção não se apresenta nesses modelos.

A possibilidade de se comer praticamente qualquer coisa a qualquer hora impulsiona outro modelo, o junk food, ou seja, a ‘comida-lixo’. Bola-chas, tortas, batatas em diversas apresentações, pipocas, lanches prontos, chocolates, sorvetes, doces e refrigerantes, entre outros, são comidas-lixo, pois todas as comidas cheias de calorias e conservantes, com baixíssimos níveis de nutrientes, podem ser considerados junk foods.

Eventualmente, o fast e o junk não são sinônimos, mas por vezes se apresentam da mesma maneira. Como meio de rivalizar com o fast food nasceu, na Itália, a idéia do slow food, ou seja, da ‘comida lenta’. Esse movi-mento, que ganha adeptos pelo mundo afora, sugere que seja retirado um tempo no dia para que seja feita uma refeição lenta, prazerosa, cadenciada. Parte dessa iniciativa, inclusive, chama-se arca dos gostos, ou arca dos sa-bores, e visa a preservação de sabores quase esquecidos pelas gerações da comida apressada e hidrogenada!

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Por � m, resta ainda outro movimento a ser citado: o puritanismo alimen-tar que entrava uma verdadeira consciência sobre a alimentação. Essa questão é pouco debatida, mas está presente em todo alimento que se diga light, dight, zero trans, orgânico, com ômega três, integral, enriquecido, en� m.

Essa ideia, recorrente desde a década de 1960 nos Estados Unidos, é a de que o alimento deva, além de alimentar, fazer bem. Iogurte com zero calorias, sem gordura trans e enriquecido com vitaminas ainda é um iogurte, com seus corantes, emulsi� cantes, estabilizantes, conservantes e anticoagulantes. Isso fará mais bem que uma fatia simples de queijo, um suco de laranja e uma banana?

Nossa regime alimentar sempre disse muito sobre quem somos, como percebemos a nós mesmos e ao mundo a partir de nossas escolhas: onívoros, mas com vegetarianismo, canibalismo, carnivorismo, carnívo-ros, e tantas outras escolhas e modos de comer que não poderiam caber em um artigo introdutório.

Assim, a história da alimentação é a história do homem em socie-dade, reproduzindo materialmente suas escolhas, seus sonhos, vontades e medos; sua sociabilidade, ódios e paixões.

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Title: Notes about the food´s history: contributions to the study of the modern man.Author: Rodrigo Touso Dias Lopes.

ABSTRACT: ! is article provides an introduction to the history of modern man’s food retaking brie" y its history since prehistoric times to the modern ways of serving and eating. From the feeding modes presented, we propose a re" ection about how food and its history are relevant to understanding our history as a society full of codes and dis-tinctions.Keywords: History of Food – Introduction.

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Condição, estatuto e fl uxo do saber na pós-modernidade segundo Lyotard

Rubens Arantes Correa 1

Resumo: Procuramos com este trabalho apresentar uma leitura crítica do problema da pós-modernidade tendo como referencia as idéias de Jean-François Lyotard, � lóso-fo francês, que publicou em � ns da década de 1970, o livro A Condição Pós-Moderna, utilizando-se do termo para se referir às mudanças provocadas pelo avanço das técnicas e seu impacto no âmbito do saber e de suas apreensões.

Palavras-chave: Pós-Moderno. Lyotard. Saber. Jogos de Linguagem. Legitimidade.

1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da UNESP – Franca.Professor Adjunto do Centro Universitário Claretiano de Batatais/SPE-mail: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

De acordo com o ensaísta lusitano José Augusto Bragança de Miranda (1989) o termo “pós-moderno” teria sido utilizado já nos anos 1930 pelo historiador britânico Arnold Toynbee, em seu livro Um Estudo da História2. Para Toynbee a pós-modernidade refere-se a uma época de esgotamento dos parâmetros e valores da cultura ocidental – iniciada, segundo ele, em ! ns do século XIX - culminando com o questionamento e morte das verdades absolutas e pela propagação, em seu lugar, do relativismo.

Seguindo a mesma linha de pensamento, entre os anos de 1960 e 1970, outro estudioso dos problemas e impasses da vida contemporânea – o sociólogo norte-americano Daniel Bell3 – vai relacionar as transforma-ções na base produtiva do sistema capitalista industrial com a emergência de uma nova etapa social e econômica denominada por ele de “sociedade pós-industrial” e “sociedade da informação”.

A partir de então os usos do termo “pós-moderno” passa a ser refer-ido em diversos campos do conhecimento como na arquitetura, na ! lo-so! a, nas artes, na cultura, na sociologia, entre outras, implicando em pluralismo, fragmentação, individualismo e ruptura com o passado. Na base desses signi! cados estão as transformações tecnológicas da sociedade capitalista, que desencadearam novos comportamentos e percepções do homem em face do mundo e dele mesmo.

Nas décadas de 80 e 90 do século XX, as investigações em torno do pós-moderno vão ser aprofundadas com a publicação de diversos estu-dos sobre o assunto sendo que cada um procura enfatizar ora os aspectos culturais ora os aspectos econômicos envolvidos no uso do termo. Stuart Hall (1998), por exemplo, em A Identidade Cultural na Pós-Modernidade destaca os processos de fragmentação da identidade do sujeito e suas con-sequências em um mundo em transformação permanente, a! rmando:

2 Originalmente Um Estudo da História é uma obra em 12 volumes. Em língua portuguesa, contudo, a obra foi condensada em um único volume pela Editora Martins Fontes. 3 Daniel Bell professor das Universidades de Harvard e Colúmbia e autor de O Advento da Sociedade Pós-Industrial (1977) e O Fim da Ideologia (1980).

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O sujeito previamente vivido como tendo uma identidade uni� cada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma úni-ca, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais “lá fora” e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as “necessidades” objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio processo de identi� cação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático (HALL, 1998, p. 12).

Frederic Jamenson4, por sua vez, interpreta o pós-moderno como uma condição cultural relacionada com o advento do capitalismo tardio. Situando suas idéias no campo marxista, Jamenson reconhece que há em curso uma ruptura na estrutura de produção capitalista contemporânea que engendra novas formas de vivencia da cultura e percepções, mas que a compreensão desse fenômeno só é possível a partir do emprego de catego-rias analíticas marxistas, como a dialética:

Essa ruptura não deve ser tomada como uma questão puramente cultural: de fato, as teorias do pós-modernismo – quer sejam cele-bratórias, quer se apresentem na linguagem da repulsa moral ou da denúncia – têm uma grande semelhança com todas aquelas general-izações sociológicas mais ambiciosas que, mais ou menos na mesma época, nos trazem as novidades a respeito da chegada e inauguração de um tipo de sociedade totalmente novo, cujo nome mais famoso é sociedade pós-industrial (D. Bell), mas que também é conhecida como sociedade de consumo, sociedade das mídias, sociedade de in-formação. Tais teorias têm a óbvia missão ideológica de demonstrar, para seu próprio alívio, que a nova formação social em questão não mais obedece às leis do capitalismo clássico, a saber, o primado da produção industrial e a onipresença da luta de classes. ( JAMESON, 1997, p. 29).

4 Fredric Jamenson, crítico literário e ensaísta norte-americano � liado ao campo marxista e professor da Uni-versidade Duke. Autor, entre outros livros, de Pós-Modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio.

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Aponta, ainda, Jamenson para as profundas mudanças vividas con-temporaneamente pelo sistema capitalista que afetaram os processos or-ganizatórios empresarias, a inter-relação entre sistemas de comunicação, a produção de conhecimento e automação do trabalho, e a incorporação de fronteiras até então periféricas ao sistema mundial capitalista. Apesar disso, rea� rma sua concepção crítica de fundo marxista no sentido de que tais transformações correspondem a um novo estágio de desenvolvimento capitalista e que os adeptos das chamadas teorias da pós-modernidade ap-enas fazem o jogo de interesses do próprio capitalismo.

Temos ainda, nesse rol de estudos sobre o pós-moderno, a Condição Pós-Moderna de David Harvey, geógrafo britânico e professor da Univer-sidade de Nova York. Para Harvey o pós-moderno corresponde a um novo tipo de capitalismo surgido com a falência do sistema fordista-keynesiano de produção, marca dominante do sistema capitalista norte-americano ao longo de grande parte do século XX. Em sua análise da passagem do fordismo-keynesiano para a pós-modernidade, Harvey (1989, p. 119) a� rma:

Aceito amplamente a visão de que o longo período de expansão de pós-guerra, que se estendeu de 1945 a 1973, teve como base um con-junto de práticas de controle do trabalho, tecnologias, hábitos de consumo e con� gurações de poder político-econômico, e de que esse conjunto pode com razão ser chamado de fordista-keyneniano.

Entretanto, entende que as mudanças operadas dentro do próprio sistema de produção capitalista, a partir dos anos 70, apontam muito mais para um cenário de incertezas:

Não está claro se os novos sistemas de produção e marketing, car-acterizados por processos de trabalho e mercados mais $ exíveis, de mobilidade geográ� ca e de rápidas mudanças práticas de consumo garantem ou não o título de um novo regime de acumulação nem se o neoconservadorismo, associado com a virada cultural para o pós-modernismo, garantem ou não o título de um novo modo de regula-mentação. (HARVEY, 1989, p. 199).

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Percebemos, nessa breve introdução ao pós-moderno, as di� culdades de situar o conceito de pós-moderno, bem como sua própria contextual-ização. Para alguns estudiosos o pós-moderno já poderia ser percebido no � nal do século XIX, enquanto que para outros seu processo de con-stituição histórico recobre o pós-guerra, acentuando-se a partir dos anos 70, com a a� rmação do setor de serviços sobre o industrial, concatenado com o aparecimento das novas tecnologias – computador, internet, co-municação em tempo real, midiatização da vida real. Tais elementos ar-rastaram consigo os paradigmas de pensamento tidos como universais desde a Renascença e do Iluminismo – racionalidade, ciência, identidades uni� cadas, o progresso como � m último da história – paradigmas que nortearam a cultura ocidental até então.

À crise dos paradigmas da modernidade sucederam novas formas de comportamentos marcados pela imprevisibilidade das ações, pela descren-ça nas ideologias, pela mercantilização cultural e pelas descontinuidades e fragmentações nas elaborações artísticas. Associado à esses elementos, vive-se a hegemonia da sociedade de consumo consagrada pela expansão dos shoppings centers e do mundo imagético e virtual sobre o verbal e real.

2. CRISE DAS METANARRATIVAS

É nesse contexto de debate em torno do pós-moderno que, em 1979, Jean François Lyotard publicou sua obra A Condição Pós-Moderna. Francês, nascido em 1924, Lyotard estudou Filoso� a e Literatura na Sor-bonne, onde veio a travar amizade com Gilles Deleuze. Lecionou na Ar-gélia à época das lutas do povo argelino contra o domínio francês, vindo a engajar-se politicamente no movimento. Nos anos 60 aproxima-se do grupo marxista “Socialismo e Barbárie”, escrevendo e editando textos de cunho político, ao lado de Cornelius Castoriadis e Claude Lefort. Após os movimentos políticos de 68, rompe com as posições marxistas, assum-indo, a partir de então, uma postura intelectual mais próxima da psicaná-lise, aprofundando seus estudos sobre Freud.

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Nos anos 70 e 80 mantém intensa atividade acadêmica lecionando em diversas instituições não só na França - Universidade de Paris VIII onde foi professor emérito – como também nos Estados Unidos, Canadá e Brasil. Sua obra abarca temas diversos, tais como a análise do discurso, estudos sobre o marxismo e as relações entre política, economia e psicaná-lise5. Lyotard faleceu em 1998.

Foi com a publicação de A Condição Pós-Moderna que Lyotard tornou-se um pensador mais conhecido do grande público. Tal como aponta Bragança de Miranda na apresentação à edição portuguesa, esse livro ocupa um lugar de transição dentro do conjunto da obra lyotardiana, na medida em que até então o interesse do # lósofo francês estava voltado para a chamada “# loso# a do desejo”.

Lyotard colocou-se a investigar a “condição pós-moderna”, como de-clara na introdução à obra, a partir de uma encomenda feita pelo Consel-ho das Universidades do Governo de Quebec, que lhe propôs um estudo sobre a situação do saber nas sociedades mais desenvolvidas. Para levar a adiante seu intento investigativo, parte de um conceito especí# co de pós-moderno a# rmando que o termo: “[...] designa o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a a partir do # m do século XIX”.

O primeiro diagnóstico desse “estado da cultura” é o de que existe uma crise envolvendo as metanarrativas construídas pela modernidade. Entre essas narrativas em crise, Lyotard cita a da ciência moderna construí-da pelo Iluminismo, que apoiada em um discurso legitimador, visava atin-gir uma # nalidade “ética e política”. A racionalidade cientí# ca, o progresso econômico, a emancipação dos sujeitos históricos, os valores universais de verdade e justiça., tudo, en# m, foi colocado em questionamento por um conjunto de forças, apoiado na produção e na tecnologia, que impactou profundamente os modos de ser, pensar e viver do homem, sobretudo, nas sociedades mais desenvolvidas ou sociedades pós-industriais.

5 Nesse ponto o ensaísta lusitano faz referências ao período em que Lyotard aprofundou-se nos estudos da psicanálise, publicando Des dispositifs pulsionnels (1973) e Économie Libidinal (1974) e Derive à partir de Marx et Freud (1975).

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Como diz Lyotard o interesse não é mais o de buscar o “consenso” através da “discussão”, como defende Habermas, mas a “invenção” por meio da “divergência”. O critério de legitimidade na sociedade pós-mod-erna, a� rma Lyotard, está no tecnológico e na performance e e� cácia, a � m de atingir a satisfação do sistema.

3. O IMPACTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS

A hipótese que fundamenta o estudo de Lyotard é a de que as trans-formações na base produtiva-tecnológica das sociedades industriais pro-vocaram uma alteração profunda no estatuto do saber e da cultura. O marco dessas transformações e suas respectivas conseqüências, embora não constitua um processo linear, foi a década de 1950, período de recon-strução da Europa no pós-guerra.

Uma comprovação do impacto provocado pelas novas tecnologias sobre o saber estaria presente na informática, nos computadores, nos bancos de dados e de memórias informatizados. Tais “testemunhos” – na terminologia de Lyotard – provocaram alterações substancias no sa-ber, tanto no nível da “investigação” cientí� ca, como na “transmissão de conhecimentos”. A “multiplicação” dos produtos das novas tecnologias, tais como os computadores, terá efeito sobre o processo de “circulação do conhecimento”. Desse modo, a forma tradicional de circulação do saber será substituída por formas que utilizam novas linguagens tais como a da informática (LYOTARD, 1989).

O saber, assume na pós-modernidade, conforme Lyotard, a condição de “valor de troca”, substituindo o signi� cado que tinha até então, qual seja, o de “valor de uso”, deixando de ser componente fundamental na “formação dos espíritos” e assumindo a condição de mercadoria para ser vendida, consumida e trocada:

Em vez de os conhecimentos serem difundidos em virtude de seu valor “formador” ou da sua importância política (administrativa,

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diplomática, militar), pode-se imaginar que sejam postos em circula-ção segundo as mesmas redes que a moeda, “conhecimentos de paga-mento/conhecimentos de investimento”, isto é, conhecimentos tro-cados no quadro da manutenção da vida quotidiana (reconstituição da força de trabalho, “sobrevivência”) versus créditos de conhecimen-tos tendo em vista a optimização das performances de um programa. (LYOTARD, 1998, p. 18).

Tal condição, contudo, não impedirá que o saber continue sendo uma ferramenta fundamental da “força de produção”, nas sociedades pós-industriais, assumindo mesmo a condição de fator competitivo en-tre Estados-Nações e contribuindo para acelerar os abismos já existentes entre eles. Apesar disso, o contexto das novas tecnologias, no tocante às novas formas de saberes (aqueles ligados à informática e às comunicações) também coloca novos problemas, a saber: a quem caberá o papel de con-trole sobre a produção e difusão desses novos saberes, ao Estado ou às cor-porações? O acirramento da competição econômica em escala mundial entre as empresas transnacionais deslocará o papel dos Estados enquanto agentes indispensáveis no jogo de poder? Qual é o estatuto do saber no contexto das chamadas “sociedades da informatização”? Quais são as con-seqüências das transformações com o saber sobre as esferas da “autoridade pública” e das “instituições civis”? (LYOTARD, 1989).

4. LEGITIMIDADE DO SABER

Surge, então, o problema da legitimidade do saber, nesse novo con-texto de sua produção e sua difusão mediatizado pelas tecnologias. Di-ante das novas utilidades do saber, de sua mercantilização, de sua subordi-nação a novos jogos de interesse, Lyotard propõe uma questão pertinente: “quem decide o que é saber e quem sabe o que convém decidir?” (1989, p. 15). Na perspectiva do discurso ocidental desde a antiguidade clássica o que emprestava legitimidade à ciência era seu caráter “verdadeiro”, “justo”,

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“ético” e “político”, enunciados típicos das grandes narrativas que foram colocados de lado pela pós-modernidade. Para solucionar o impasse, Lyo-tard propõe a retomada dos jogos de linguagem de Ludwig Wittgenstein (1889-1951) como método investigativo do problema da legitimidade do saber na era pós-moderna.

Wittgenstein intitula “jogos de linguagem”6 às diversas categorias de enunciados determinadas por regras especí� cas e por usos e apropriações particulares. Lyotard, acerca dos jogos de linguagem, faz as seguintes ob-servações:

A primeira é que as suas regras não têm a sua legitimação em si mes-ma, mas que elas são o objeto de um contrato explícito ou não entre os jogadores (o que não é o mesmo que dizer que estes as inventam). A segunda é que na falta de regras não há jogo, que uma modi� ca-ção, mesmo mínima, de uma regra modi� ca a natureza do jogo e que um “lance” ou um enunciado que não satisfaça as regras não pertence ao jogo de� nido por estas. O terceiro reparo acabou de ser sugerido: qualquer enunciado deve ser considerado como um “lance” feito num jogo.” (16).

Dessa forma, na impossibilidade de legitimar o atual estágio do saber por meio dos enunciados totalizantes e universais, os jogos de linguagem poderiam resolver o problema através da idéia de que sua legitimidade é apenas parcial, provisória, local e contextual. O saber, em uma sociedade atravessada por inúmeros jogos de linguagem , não daria mais respostas totalizantes, mas parciais e locais, seguindo uma lógica da performance e da sua aplicabilidade, otimizado pelas novas tecnologias, visando atingir o máximo de e� cácia.

A legitimação do saber pela sua performance, princípio geral adot-ado pelo saber na sociedade pós-moderna, afetou profundamente as in-

6 Por “jogos de linguagem” podemos entender como critérios legitimadores que funcionam como alterna-tiva à falta de critérios/paradigmas para julgamentos de valor e utilidade, substituindo discursos universais por pactos locais/regionais. (Prof. Dr. Jean Marcel de Carvalho França, anotações de aula, tomadas em 31.05.2011)

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stituições acadêmicas de ensino superior, tradicionalmente, lugares por excelência de transmissão dos saberes. Nesse contexto, a� rma Lyotard, as universidades deveriam assumir um papel pragmático no sentido de não mais “formar uma elite capaz de guiar a nação na sua emancipação”, mas de “fornecer ao sistema os jogadores capazes de assegurar convenientemente o seu papel nos lugares pragmáticos de que as instituições necessitam” (LYOTARD, 1989, p. 95).

Diz Lyotard que o “princípio da performance” desconstruiu e desle-gitimou o papel das instituições de ensino do superior – e do ensino, de um modo geral – desempenhado até o momento na sociedade. As in-úmeras possibilidades criadas pelas facilidades tecnológicas criaram uma rede, fora das instituições de ensino de acesso ao conhecimento, provo-cando, inevitavelmente a necessidade do ensino, rever suas técnicas de procedimentos didáticos. Como a� rma Lyotard (1989, p. 100), é preciso ensinar os estudantes,

[...] não os conteúdos, mas o uso dos terminais, ou seja, novas lin-guagens, por um lado, e, por outro, um manuseamento mais re� nado desse jogo de linguagem que é a interrogação: para onde dirigir a questão, ou seja, qual é a memória pertinente para o que se quer sa-ber? Como formulá-la para evitar equívocos?

Se, no jogo do ensino, como constata Lyotard (1989) o processo de deslegitimação do saber cientí� co colocou em xeque as instituições esco-lares impelidas, agora, a não mais serem correria de transmissão de conheci-mento para � nalidades de “elevação intelectual dos indivíduos”, também, no jogo da investigação, o saber cientí� co passa pelo impacto dos processos de performance. Na perspectiva da modernidade o saber cientí� co se legitima a partir do princípio da competência dos pares assentado sobre um “critério de verdade” que é seu próprio “valor de verdade”, relacionando-se com a sociedade por meio de instituições acadêmicas e cientí� cas.

Tais procedimentos foram modi� cados, na contemporaneidade, na medida em que o saber assumiu um caráter de “competência técnica”, visando a obtenção de aplicabilidade e e� cácia. Sua relação com a socie-

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dade é, agora, mediatizada pelos agentes � nanciadores como empresas estados-nações, ávidos por inovações.

5. A ALTERNATIVA PÓS-MODERNA

Um dos efeitos do novo estatuto assumido pelo saber no mundo pós-moderno recai sobre os vínculos sociais. Lyotard, nesse sentido, lem-bra que a alternativa moderna acerca da natureza dos vínculos sociais foi construída a partir de dois modelos teóricos: o funcionalista, a partir das concepções de Talcott Parsons; e a marxista, a partir de seus fundadores e suas correntes.

O modelo teórico de Parsons toma a sociedade como um “sistema autorregulado” comparando o seu funcionamento ao de um modelo “cibernético”, no qual o sistema funciona com uma � nalidade visando a otimização das relações internas (leia-se “competitividade” e “raciona-lidade”). A emergência de con% itos não representa obstáculos, pois os mesmos são absorvidos pelo sistema, tornando-se, assim, reajustado para seus � ns. Para Parsons, portanto, a sociedade, enquanto sistema, funciona como uma “totalidade unida, uma unicidade”, onde cada membro tem uma função de� nida (LYOTARD, 1989).

A teoria da sociedade proposta pelo modelo marxista também não escapa aos “dualismos” (nesse caso, fundados no princípio da luta de classes) e a busca por um modelo alternativo de vínculo social ao estabe-lecido pelo capitalismo e pela sociedade de classes. Entretanto, conforme observa Lyotard (1989), historicamente o que se veri� cou com a concep-ção marxista de sociedade, foi uma situação paradoxal: nos países de eco-nomia liberal, as lutas e con% itos foram absorvidos pela sociedade que a partir de então passou a criar novos mecanismos sociais reguladores; nos países comunistas, tais con% itos não só foram proibidos como não admitidos, resultando em governos de fundo totalitário.

Embora tenham representados diferentes concepções de sociedade, funcionalismo e marxismo caminharam para um mesmo modelo de ho-

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mogeneidade social, totalizante e dualista, distinguindo-se, apenas, no to-cante à aplicação conceitual: para o funcionalismo o saber se aplica como técnica de aperfeiçoamento do sistema social, ao passo que, para o marx-ismo, o saber se aplica como forma de crítica à sociedade existente visando sua superação.

O pensamento por oposições – a que Lyotard (1989) chama de “solução de partilha” – não dá conta, enquanto modelo teórico explica-tivo, dos novos modos de saberes que emergiram com o advento da socie-dade pós-moderna, derivando disso uma perspectiva diferente de vinculo social. As transformações tecnológicas impuseram novas necessidades tornando, desse modo, obsoleta as alternativas modernas de pensar os vínculos sociais.

Por outro lado, a disponibilidade e a circulação da informação por meio de dispositivos cada vez mais rápidos e instantâneos provocaram um deslocamento sociopolítico, trazendo à tona a questão da gerência e controle desses circuitos de informação e revelando a fragilidade e in-capacidade dos tradicionais centros de poder e decisão como governos, partidos políticos, instituições, competência pro� ssionais entre outras (LYOTARD, 1989).

A alternativa pós-moderna para o estabelecimento de vínculos soci-ais, estaria, de acordo com Lyotard, nos acordos provisórios e locais dos indivíduos, a � m de manterem um mínimo de relação exigido para a ex-istência da sociedade.

6. CONCLUSÃO

A apreensão que Jean François Lyotard faz da condição pós-mod-erna é aquela relativa ao problema do estatuto do saber, diferentemente de outras abordagens que enfatizam os processos de produção, as alter-ações nos processos organizacionais do trabalho etc. Constata Lyotard que, desde o � nal do século XIX o discurso da ciência vem sendo perma-nentemente questionado pela sociedade e que as promessas de progresso

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e emancipação do homem não se realizaram, abrindo margem para uma crise dos grandes paradigmas anunciados desde a renascença. A falência do que chama de “metanarrativa” foi aprofundada a partir do pós-guerra com a emergência de novas tecnologias que impulsionaram novas estraté-gias comunicativas e novos setores da atividade econômica.

Consequentemente, mudou a natureza do saber, obrigando os tradi-cionais canais de produção e transmissão do saber a se recon� gurarem em diferentes estratégias, a� m de se adaptarem a um mundo que ávido por novidades e invenções. O saber na condição pós-moderna converte-se, as-sim, em uma mercadoria e somente faz sentido quando procura satisfazer o máximo de e� cácia exigida pelo sistema produtivo.

Os efeitos dessa alteração do estatuto do saber são visíveis na esfera econômica, com a alteração no per� l quali� cativo da força de trabalho; nas relações internacionais, aumentando mais ainda as distâncias entre os países visto que as pesquisas em tecnologia apresentam custos elevados e com isso os Estados mais ricos têm condições de � nanciá-las; além dos efeitos sobre a esfera da política, na medida em que as facilidades de acesso à informação deixaram em aberto o controle por parte do Estado.

REFERÊNCIAS

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JAMESON, F. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1997.

LEITE, Marcos R. “Formação e (Pós-Modernidade): Aproximações a Adorno e Lyo-tard”. Disponível em: <www.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/032e4.pdf>. Acesso em: 05 ago. 2011.

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118 Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 105-118, junho, 2012

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Lisboa: Gradiva, 1989.

______. Moralidades pós-Modernas. Campinas: Papirus, 1996.

REALE, Giovanni & ANTISSEDI, Dario. “Ludwig Wittgeinstein: do Tractatus Lógi-co-Philophicus às Pesquisas Filosó# cas”. In: História da Filoso" a: do Romantismo até nos-sos dias. São Paulo, 1991, p. 657-669, vol. 3 (capítulo XXIV).

Title: Condition, status and Flow of Knowledge in Postmodernity Lyotard.Author: Rubens Arantes Correa.

ABSTRACT: We try to make this work a critical reading of the problem of postmo-dernity as a reference the ideas of Jean-Francois Lyotard, French philosopher, who pub-lished in the late 1970’s book * e Postmodern Condition, using the term to refer to changes caused by the advance of technology and its impact on the scope of knowledge and of their seizures.Keywords: Post-Modern. Knowledge. Language Games. Legitimacy.

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O discurso mórbido na vida e nas obras de Nietzsche

Resumo: O primeiro impulso da criação deste texto foi provocado pela dúvida nas con-cepções existentes na literatura investigadora no que diz respeito ao papel da doença na vida e nas obras de Nietzsche. As dúvidas nasceram do fato de que o mórbido foi tema-tizado super" cialmente, sem uma profunda meditação sobre sua importância. Sobre tal morbidez e sua utilização, nesses termos, não há nenhuma produtividade heurística. Para evitar semelhantes “leituras”, o texto presente se colocou como objeto de pesquisa e como problema – o foco complexo de “utilizações” do mórbido nele programado.

Palavras-chave: Mórbido. Doença. Saúde.

Kamelia Zhabilova 1

1 Doutora em Filoso� a pela Academia das Ciências da Bulgária. Mestrado em Filoso� a e Cultorologia pela Universidade de So� a. Atualmente trabalha no Instituto de Filoso� a da Academia das Ciências da Bulgária.

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Sem dúvida alguma, o mórbido e seus ecos nas obras de Nietzsche são solos férteis e pontos de partida de uma análise, tanto sobre o seu dra-ma pessoal, como também em relação aos campos textuais em quais ele se insere. Em geral, podemos notar que o tema da doença e seu papel “na vida e nas obras” de Nietzsche transformaram-se em um lema obrigatório entre os seus pesquisadores2. Muitos deles são seduzidos a lançar mãos a essa doença misteriosa para então rejeitar, de modo a priori, suas ideias ou para explicar as peculiaridades do seu estilo e as contradições em sua " loso" a.

Na maioria das investigações medicinais sobre a doença de Nietzs-che, deparamo-nos com diferentes diagnoses (de forma latente de para-nóia, de paralisia geral e sí" lis congênita, até predisposição à esquizofrenia e homossexualismo latente). Todavia, do ponto de vista " losó" co, eles não mudam em nada a leitura da mensagem nietzschiana. A opinião de & o-mas Mann, no que diz respeito ao papel da doença nas interpretações das obras nietzschianas, talvez seja de maior relevância:

Muitas vezes é dito e eu reitero isso novamente, que – a doença é algo puramente formal, tudo depende do fato com que se liga essa forma, o que a preenche. Importa, nesse caso, quem está doente: um bobo qualquer, no qual caso a doença está privada de qualquer aspec-to espiritual e cultivante ou é um Nietzsche, um Dostoievski. O fator patológico é apenas um lado da moeda, o seu, por assim dizer, lado naturalista [...]. (MAN, 1993, p. 278).

Na realidade, uma releitura de obras através do mórbido é precio-sa e fértil como resultado, somente quando se estende na direção de um pensamento mais amplo sobre o papel da doença no processo criador e a sua transformação em texto. Desse foco investigativo, um interesse es-pecial representa a re* exão do próprio Nietzsche sobre a sua experiência

2 Aqui ressaltaremos apenas algumas das mais importantes obras dedicadas à doença de Nietzsche: HME-LEVSKII, И. К. O elemento patológico na personalidade e nas obras de Friedrich Nietzsche. Кiev, 1904. MOBIUS, P. C. Über das pathalogische bei Nietzsche. Wiesbaden, 1902. BENDA, J. Nietzsche’s Krankheit. Berlin, 1925. HILDEBRAND, M. Gesundheit und Krankheit in Nietzsche’s Leben und Werke. Leipzig, 1920. PODACH, E. F. " e Madness of Nietzsche. London, 1931.

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dramática referente à doença e à loucura, experiência em que se sucedem dolorosas crises de inspiração e experiências expressivas, instantes de pres-sentimentos e delírios, mas também instantes de absoluta concentração e sobriedade que se apagam, ao � m, com absoluto silêncio. Utilizaremos apenas uma passagem bastante demonstrativa para tal � m:

[...] no que diz respeito a minha longa doença não lhe devo a ela imen-suravelmente a mais, do que a minha saúde? [...] Apenas a grande dor, aquela longa, lenta dor na qual queimamos feito madeira úmida em fogo brando, nos obriga, nós os � lósofos, a cair nas profundezas das nossas almas e de nos libertarmos de toda con� ança, de toda bonda-de, de toda piedade, de toda mediocridade, na qual, provavelmente, antes, teríamos depositado a idéia de humanidade. Duvido se uma tal dor nos faz melhores, mas sei que nos torna profundos [...]. (NIET-ZSCHE, 1990, p. 361).

Algo mais – a loucura como signo de participação divina e jubilo artís-tico – está constantemente presente nas obras de Nietzsche. Faremos cita-ção de algumas passagens que perfeitamente trazem à luz essa relação:

Ó, deuses, me dêem loucura! Loucura, para acreditar em mim! Dê-em-Me um delírio e convulsões, luzes e escuridão, intimidem-me com frio e calor que nenhum mortal jamais experimentou, com re-lâmpago e trovão, com sombras vagantes... Mostrem-me que eu lhes pertenço. Somente a loucura pode me provar [...]. (NIETZSCHE, 1997, p. 36).

Mas, apesar das estratégias estéticas e valorativas que Nietzsche em-preende para a exegese da doença e da dor, transformando-as em valores super-positivos, a sua relação com o mórbido não é unilateral. A sua rela-ção com os doentes e os fracos mais claramente se nota no capítulo “via-gens de um extemporâneo”, do livro “Crepúsculo dos ídolos”, no aforismo “moral ao médico”:

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O doente é um parasita para a sociedade. Continuar a sua vida em certas condições é indigno [...] o interesse superior da vida ascenden-te consiste na erradicação das aberrações – isso diz respeito ao direi-to de ser nascido, de gerar e cuidar, do direito de viver [...]. Morrer digno, caso não seja capaz de viver digno. A liberdade de escolher a morte, na hora certa, aceitá-la com alegria e deleite [...] não temos a possibilidade de evitar o nosso nascimento, porém, podemos corrigir o erro (NIETZSCHE, 1992, p. 113-114).

E aqui faremos um desvio. Para podemos compreender essas, na pri-meira vista, polêmicas e contraditórias palavras referentes à relação saúde – doença (noções estas que serão substituídas nos textos da maturidade pela dualidade " aco-forte), o pesquisador deve responder a seguinte ques-tão: em que sentido a doença está presente na vida e nas obras de Nietzs-che? Para decifrar os segredos, a dor e a paixão do seu pensamento, que de perto reconhece o terror arrepiante e com passos silenciosos vai para além do comum e do permitido, ele (o pesquisador) deve levar em considera-ção a retrospecção e a autoavaliação do próprio Nietzsche, presentes nos segundos prefácios das obras de juventude e, sobretudo, a sua con% ssão em Ecce Homo. Justamente tais textos revelam os enigmas da sua % loso% a e deles ele retira as suas máscaras preferidas. Esses textos constituem uma espécie de “% o de Ariadne”, que nos leva ao labirinto nietzschiano e nos revela o papel da doença em sua vida e obras. Desses textos % ca claro que a doença, para Nietzsche, jamais teve estímulo de criação ou fonte de ins-piração. Pelo contrário, da vontade de saúde ele inspira sua % loso% a e a sua “psicologia heróica”.

Uma passagem de Ecce Homo perfeitamente ilustra essa tese:

Da ótica distorcida do doente diante das saudáveis noções e valores e, daí, à perfeição e auto-estima da plenitude da vida e de volta para a selva dos instintos decadentes – esse foi o meu longo amadurecimen-to, exercício de conhecimento real – tomara que algum dia chegue a maestria (NIETZSCHE, 1991, c. 11).

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Para decifrarmos esse fragmento, é necessário que ele seja lido pelo prisma do perspectivismo – essa categoria fundamental da teoria do co-nhecimento de Nietzsche. Para o ! lósofo alemão, a doença é unicamente ponto de vista para a saúde, que fornece uma nova perspectiva e ótica para ela (a saúde), ou dito mais acertadamente, tal como ele menciona: “inver-são de perspectiva” e, arte de trans! guração”, que conduz “à grande saúde”, mas também ao novo conhecimento - “Um ! lósofo, que passou por mui-tas saúdes, e que sempre passa de novo por elas, também passou por tantas outras ! loso! as: nem poderá ele fazer de outro modo, senão, transformar sempre e cada vez a sua condição em forma mais espiritual e olhar para ela a distância” (NIETZSCHE, 1994, p. 24).

Agora não ressoam paradoxalmente as seguintes palavras: “Não exis-te em mim nenhuma predisposição à doença – não estava doente mesmo no tempo da minha maior doença” ou “A própria doença pode ser enca-rada como um meio estimulante. Porém, o homem deve ser saudável o bastante para tal estímulo” (NIETZSCHE, 1994, p. 24).

Ou, como Stefan Zweig perfeitamente descreve a lógica dessa es-tratégia paradoxal, ambas são necessárias, a doença como meio, saúde como sentido, a doença como caminho, a saúde como ! m. E esta “segun-da saúde” depois da doença, desejo ardente, arrancado à força, redimido por sofrimento, exatamente essa saúde é mais verdadeira e vital do que a prosperidade do homem sempre saudável. Por isso a convalescença, a cura, conquistada assim, é mais preciosa do que a vida normal, porque ela não é apenas transformação, mas algo bem mais signi! cativo – é crescimento, elevação e enobrecimento (ZWEIG, 1985, p. 150).

Uma tese bastante semelhante defende um dos interpretadores mais originais de Nietzsche – o ! lósofo francês Giles Deleuze, segundo o qual essa “transformação de perspectiva” e a leveza, por meio da qual ela se re-aliza, testemunham em favor da “grande saúde”, o que faz possível a pró-pria criação. Essas manobras de passagem de doença e saúde e vice-versa fracassam quando não resta mais “saúde”, que permite que a doença seja perspectiva para ele. O próprio Nietzsche inteiramente e sem esforço con-trola esse processo e “dança sobre o abismo” até o ano de 1888. Mas a

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crise vem quando a doença se mistura com a criação e o leva à loucura – a última “palhaçada” ou como ele mesmo atesta ‘saída cósmica’, na qual se apagam todas as fronteiras e se misturam todas as máscaras – do palhaço, de Dioniso, do Cruci� cado, do estranho, do decadente, do niilista, do espírito livre etc (DELEUZE, 2001).

Tais momentos extremos são � xados, principalmente, em suas últi-mas cartas, antes do surto, quando suscitam a questão do consciente ele-mento “hamletiano” na loucura de Nietzsche. Consciente não no sentido de livremente escolhido, mas no sentido de uma claramente compreendi-da inevitabilidade e destinação, expressa na sua fórmula favorita de gran-deza humana – amor fati. Realmente, talvez ninguém teria se colocado tão próximo ao abismo da loucura, sem perder a sua concentração, sem sofrer de vertigem. E isso é o mais estranho, mais improvável que desco-brimos nas últimas obras de Nietzsche – “[...] uma suprema clareza que com passo de sonâmbulo acompanha a suprema embriaguez... Nietzsche é perfeitamente sóbrio em sua embriaguez, suas palavras permanecem im-placavelmente duras e agudas no meio das chamas do êxtase” (ZWEIG, 1985, p. 193).

Um momento interessante da recepção nietzschiana no espaço cul-tural europeu apresenta os esforços de sua � loso� a e sua personalidade se-rem lidas pela psicanálise freudiana. Antes de nos determos mais detalha-damente nesses esforços, cabe observar a relação contraditória do próprio Freud com a � loso� a nietzschiana. Durante toda sua vida, Freud se esforça para se libertar não apenas de si mesmo, mas também e primordialmente da atração que a � loso� a nietzschiana exerce sobre ele3, declarando – o seu mais perigoso adversário na luta de in$ uência intelectual. Os discípu-los e os sucessores de Freud – K.G Young, Otto Rank, D. Jones, Schpil-rein, etc., muitas vezes, por motivos diferentes, mostram-se in$ uenciados por Nietzsche, fato que deixava Freud bastante descontente. Mais ainda, Freud, que com vigor defende sua autonomia intelectual e independência teórica, rejeitava qualquer in$ uência direta ou indireta tanto sobre a cons-

3 Testemunho disso é o fato de que depois do rompimento com Freud, tanto Young como Rank lhe enviam as obras completas de Nietzsche com capa de luxo.

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trução basilar da psicanálise4, como também sobre os seus detalhes. Em 1934, ele tenta desestimular o escritor Stefan Zweig da sua intenção de es-crever um livro sobre Nietzsche, contra-argumentando, insistentemente, o desejo de Zweig de os contrapõe. Aqui não discutiremos os motivos de Freud referentes a esse distanciamento a Nietzsche, apenas ressaltaremos que, anos antes de Freud, Nietzsche já teria esboçado muitas das ideias da assim chamada “psicologia profunda”. Sendo assim, independentemente da polêmica se há ou não recepção ou in� uência, o modelo das ideias: inconsciente – libido – sublimação quase em versão pronta se descobre em Nietzsche5.

Assim, por exemplo, desde o primeiro aforismo do primeiro capítulo de Humano demasiado humano, ele utiliza a noção de sublimação quase no mesmo sentido em que mais tarde Freud utilizará em sua estética e cultorologia6. Aliás, desde a primeira importante obra de Freud – A de-ci! ação dos sonhos (1900) – o ponto de partida da psicanálise (os sonhos e os erros são seus lados constitutivos), mostra-se novamente uma seme-lhança curiosa entre as concepções de Freud e as de Nietzsche. De modo bastante “freudiano” ressoa o pensamento de Nietzsche de que: “[...] um impulso quis ser satisfeito, revelado, exercido, liberado – eis como aparece nos sonhos. A vigília não possui a liberdade da interpretação, tão peculiar no mundo dos sonhos” (NIETZSCHE, 1997, p. 154).

4 É conhecido que, em sua juventude, Freud leu as obras juvenis de Nietzsche e até tenha participado no “Círculo de estudantes de Wiena”, que estudam as obras de Schopenhauer, Nietzsche e Wagner. Um con-gresso da sociedade psicanalítica de Wiena, durante 1908, foi dedicado às discussões das ideias de Nietzsche e sua proximidade com as ideias da psicanálise. Conforme o conferencista – Pol Federn, Nietzsche tanto se aproxima à psicanálise, que resta saber somente com que se diferencia dela. Todavia, Freud a� rma nessa ocasião que o nível de introspecção alcançada por Nietzsche não foi alcançada por nenhum outro e nem se espera que fosse alcançada por alguém; mas também completa que ele mesmo não consegue ler sua obras, apontando como causa, que parece paradoxal – o pensamento de Nietzsche é demasiado complexo para ele. Ver. Leibin, In. Freud, psicanálise e � loso� a contemporânea ocidental. M., 1990.5 Nesse problema, uma atenção especial dedica Isak Passi em seu estudo, voltado à personalidade e às obras de Nietzsche, cujos resultados utilizaremos mais adiante no texto: Passi, I. Fridrich Nietzsche. So� a., 1996, p. 87-89.6 “Os gregos não ignoram o impulso natural, que se realiza em mais baixa escala, mas o incluem e restringem em determinados cultos, depois de tomarem várias medidas de segurança, para facilitar na medida do pos-sível a comemoração mais inofensiva das forças selvagens... Dá-se a condição de equilibrado encadeamento – sem tendência à plena aniquilação – do bixo e duvidoso, do animalesco.” (NIETZSCHE, 1993, p. 81).

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Mesmo no introduzido por Freud, mais tarde (em “Ego e id” – 1923) componente na estrutura da consciência – Super Ego – como função re-guladora superior da consciência social, assimilado no individual, pode-mos encontrá-lo em Nietzsche (1993, p. 172):

Cada homem vive seu dia feliz quando se depara com a sua essência superior [...]. As pessoas dialogam de modo bastante diferente com essa sua essência superior e freqüentemente fazem papel de atores de si mesmos, enquanto, em seguida, novamente ensaiam aquilo que eles foram durante aqueles instantes. Alguns vivem com medo e confor-mismo perante seu ideal e estão prontos para negá-lo; eles têm medo da sua própria essência superior, porque, quando ela começa falar ela requer rigor e precisão. Por essa razão, porém, possui a liberdade fan-tasma de chegar e de se ausentar quando quiser.

Agora se torna compreensível aquela estranha, na primeira vista, mas perfeitamente exata avaliação de � omas Man (1993, p. 292):

Nietzsche simplesmente nasceu para ser psicólogo, a psicologia é a sua paixão: o conhecimento e a psicologia são, para ele, uma e mesma paixão; e marca para a toda contradição interna desse espírito sublime e sofrido é a condição, de que ele, para o qual, a vida é in� nitamente superior que o conhecimento cai irreversivelmente sob o domínio da psicologia.

Essa característica lembra muito e quase coincide com o dito de Lev Shestov sobre Dostoievski e Nietzsche:

Dostoievski e Nietzsche falam não para preconizar entre as pesso-as suas convicções e iluminar os beatos. Eles mesmo procuram a luz, mas não acreditam que o que parece luz é na realidade luz e não uma brasa perdida na escuridão ou ainda pior – delírio da sua distorcida imaginação... O idealismo e a teoria do conhecimento os condenam: sois insensatos, imorais, condenados, homens acabados... Talvez a maioria dos seus leitores não queiram saber, mas seus escritos contêm

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não resposta, mas pergunta. A pergunta: tem esperança para aqueles que foram abandonados pela ciência e pela moral, com efeito, é pos-sível uma � loso� a do trágico? (SHESTOV, 1993, p. 49).

Algo a mais. As muitas viagens e as mudanças constantes feitas por Nietzsche de cidades e lugares, forjadas, principalmente, por causa da sua frágil saúde, passando por alívios temporários e crises profundas, transfor-mam-no em andarilho e estranho. Com os anos, a sua sofrida experiência cristaliza numa peculiar “geogra� a da saúde” (ZWEIG, 1985), que busca descobrir aquele lugar, que pode lhe fornecer uma paz corporal e espiri-tual. Segundo Nietzsche, o homem do espírito se sente em casa não onde nasceu, mas lá e somente lá, onde ele mesmo se cria e cria – Ubi pater sum, ubi patria. Para Nietzsche, a pátria não é o lugar onde estão os nossos pais, mas onde estão os nossos � lhos, isto é, os frutos da nossa criação – “Ó, meus irmãos, não é para trás que se devem voltar para nosso gênero nobre, mas para frente! Vós deveis amar a terra dos seus ! lhos – que esse amor seja o vosso novo aristocratismo – a terra descoberta no mar mais distante!” (NIETZSCHE, 1990, p. 216).

Mas qual é essa tão procurada com paixão pátria? Em sua longa via-gem para si, Nietzsche a descobre no Sul, na Itália. E como ressalta Zweig em seu ensaio “Fridrich Nietzsche”, unicamente em vínculo fraternal de Nietzsche com Van Gog, podemos descobrir essa penetração demonía-ca de luz e sol do sul em uma consciência quase escurecida que anseia a clareza, encontrando a expressão nas telas de Van Gog do seu período de “Provans” e no estilo de Nietzsche da sua experiência italiana. Somente nesses dois fanáticos pela transformação, encontramos essa autoembria-guez, tão instantâneo apagamento de luz com sede de vampiro . Como outro fraterno espírito, Hölderlin, que aos poucos substitui sua Elada pelo orientalismo e o bárbaro, assim Nietzsche, no � m da sua vida consciente, planeja uma viagem e longa permanência no sul dos trópicos, como se procurando “[...] já insolação em vez da luz do sol, clareza, que possa cor-tar horrivelmente, em vez de destacar somente as siluetas, delírio frenético em vez de alegria; sem parar jorra dele a sede ávida de transformar o afeto

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dos sentidos em plena embriaguez, a dança em vôo, de derreter a sensação quente que existe.” (ZWEIG, 1985, p. 181).

Em conclusão, queremos ressaltar os motivos que suscitaram a pre-sente análise. O primeiro impulso da criação desse texto foi provocado pela dúvida nas concepções existentes na literatura investigadora no que diz respeito ao papel da doença na vida e nas obras de Nietzsche. As dúvidas nasceram do fato de que o mórbido foi tematizado super" cialmente, sem uma profunda meditação sobre sua importância. Sobre tal morbidez e sua utilização, nesses termos, não há nenhuma produtividade heurística. Para evitar semelhantes “leituras”, o texto presente se colocou como objeto de pesquisa e como problema – o foco complexo de “utilizações” do mórbido nele programado.

Ou, dito de outra maneira, o que nos interessava, principalmente, não era tanto de reler corretamente a patograma de Nietzsche ou a sua releitura pelo prisma da psicanálise, mas " xar a atenção às suas re& exões sobre o seu vínculo com o processo criador.

REFERÊNCIAS

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ZWEIG, S. Pensamento europeu. So! a: Ed. George Bakalov, 1985.

CHESTOV, L. Dostoievski e Nietzsche. So! a: Editora universitaria 1993.

Title: $ e morbid discourse in the life and creative works of Nietzsche.Author: Kamelia Zhabilova.

ABSTRACT: $ e initial impulse that provoked the writing of this text was the suspi-cion cast on some of the theories that exist in the scienti! c literary sources that deal with the role of the ‘illness’ in the life and work of Nietzsche. $ ose suspicions were induced by the fact that those existing theories interpret the idea of morbidity too super! cially and tend to use the concept as a thematic framework, which does not result in any heu-ristic productivity. So as to avoid similar result this text focuses on the texts of Nietzsche as a subject to examine, and in terms of problems discussed, the text focuses on the com-plex spectrum of ‘uses’ of morbidity treated therein.Keywords: Morbid. Diease. Health.

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O estágio como ensaio: assistir e repensar a cena1

Betania Libanio Dantas de Araujo2

Márcia Carvalho3

Raphael Figliolino de Matos4

Ricardo Cesar Alves5

Resumo: As leituras do cotidiano escolar apontam para uma possível reescrita desta his-tória, propondo que a prática seja um revisitar re� exivo dos mesmos modos reinventados. Este artigo foi escrito por estudantes da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo e por sua professora. Trazem os olhares sobre a experiência estudada por John Dewey, como ação profunda e não efêmera. A professora conta sobre o processo de encantamento e criticidade sobre a escola e os estudantes sugerem novas leituras, apon-tando propósitos de trabalhos nas aulas no ensino fundamental e EJA, pequenos trechos de experiências divididas neste artigo6. Como estudantes de Artes proporcionam leituras re� exivas de uma prática teórica e de uma teoria prática, uma futura práxis.

Palavras-chave: Avaliação. Arte. Educação. Estágio. Mediação.

1A Profa. Betania Libanio Dantas de Araujo apresenta as re� exões dos estudantes do curso de licenciatura em Artes Plásticas da ECA/USP que no 1o semestre de 2009 � zeram estágios de observação em escolas públicas da cidade de São Paulo. Ministrei a disciplina Metodologias do Ensino das Artes Visuais I com Estágios Supervisionados na qual a aula tornou-se o encontro de re� exão. Os livros de Carvalho e Pimenta (ver bibliogra� a) foram fundamentais para apurarmos o nosso olhar: o que ver? Para onde olhar? Será que o que considero fundamental não é desnecessário? O título surgiu do texto de Kelly Sabino.2 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Mestrado em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo (USP). Docente pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). E-mail:<[email protected]>.3, 4, 5 Graduados em Artes Plásticas pela ECA-Usp - SP.6 O texto dos estudantes é uma pequena parte dos relatórios desenvolvidos durante a disciplina.

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1. INTRODUÇÃO

Não haveria lugar mais pulsante do que a escola, espaço privilegia-do para acompanhar dia após dia as contradições humanas. É possível que muitos descubram que seja um espaço de celebração da humanidade. Durante o estágio uma estudante presenciou dois meninos expulsos da sala de aula pelo professor de português que ensinava poesia, os meninos foram retirados da sala de aula, pois resolveram olhar um passarinho na árvore. Freinet levaria toda a turma até a árvore, numa aula-passeio e es-creveriam poeticamente sobre o passarinho ao ponto do vidro virar areia e da parede da sala dissolver como no poema de Jacques Prévert em Page D’Écriture: Mais tous les autres enfants/ écoutent la musique/ et les murs de

Escher – Autorretrato

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la classe/ s’écroulent tranquillement. Et les vitres redeviennent sable/ l’encre redevient eau/ les pupitres redeviennent arbres la craie redevient falaise/ la porte-plume redevient oiseau.

É bem possível que esteja em nossa formação um pensamento ain-da deformado de que o conhecimento seja algo que não tenha nenhuma relação com a nossa vida comum. Ledo engano, conhecimento é exata-mente aquele que nos faz compreender melhor a nós mesmos. Ou ainda como dizia Liev Tolstoi ”Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”.

Com o estágio, infelizmente os estudantes do curso de Artes desco-briram práticas de cópias e atividades sem sentido. Encontraram também alunos que não aceitam atividades coletivas e o professor estava lá sozinho tendo que resolver tantas di� culdades que parece que aos poucos abando-na algumas iniciativas. Encontraram também o professor cuja formação e ideal fundamenta a sua ação docente.

Com alguns professores conseguiram parcerias, com outros ajuda-ram a apagar o fogo, por ora dando certo e em outras vezes em vão. Nosso propósito não era de relatar belas palavras de uma realidade que não acon-teceu de fato. É preciso mesmo compreender que a educação é uma histó-ria em construção. O estágio é o espaço de quali� cação e atualização dos futuros professores. É exatamente o ir e vir do estágio para a sala de aula na USP, esta ação mediada pela re� exão é que deu sentido ao estágio. O � m da idealização da escola e das experiências humanas nos aproxima de uma realidade possível, na qual as intervenções são repensadas dia após dia.

Quando os estudantes vão à escola estagiar é preciso pensar: que concepções de arte professor e aluno têm? A escola trabalha com a produ-ção ou com a reprodução?

Era preciso repensar o olhar e não ver o óbvio, tampouco uma in-gênua transgressão. E como olhar sem os olhos do colonizador ou do co-lonizado? Desvelar contextos e formas de fazer cultura é o propósito de ensinar-aprender na escola.

É ainda possível que algumas escolas não estejam trabalhando a sua alma humana, então há muito a entender:

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Escola é... o lugar onde se faz amigos... Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar, é também criar laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se amarrar nela! Paulo Freire.

Desses laços de amizade e camaradagem, nas tardes de quarta-feira dividimos as nossas aprendizagens. Foi um espaço do encontro e do com-partilhar.

1.1 Então a criança caminhou de mãos dadas com a mãe e com o homem da caverna7

A professora apresenta a arte rupestre a alunos de segunda série, e na aula seguinte propõe uma atividade para o dia das mães. Eu quero saber se vocês sabem como o homem começou a desenhar. Uma criança responde: “com o homem das cavernas, ele desenhava na parede”. E outras conti-nuam: “eles contavam história”, “não tinha como deixar recado”, “porque tudo era de pedra”, “parede de pedra da caverna”, “só existiam os animais, as árvores e o homem”, “um homem e uma mulher que inventaram”, “a mulher queria deixar um recado que ela ia na horta...”, “aí ela pensou, pe-gou uma pedra e riscou”, “não, ele ia tacar uma pedra e aí desenhou”. O levantamento de hipóteses revela conhecimentos e crenças que podem se esclarecer através da história da arte. Nesse dia, eles aprenderam que os dinossauros já estavam extintos no tempo dos homens pré-históricos, e que só em % lmes de % cção dinossauros e seres humanos se encontraram. Recorre ao % lme “A Era do Gelo”: o esquilo fugia correndo porque o gelo derretia. Se entra água na sua casa, você sai para o seco. Aí houve a extinção dos... “esquilos!” O gelo derreteu, e os animais começaram a fugir. Alguns não conseguiram e ' caram debaixo do gelo, debaixo de terra. “No % lme, teve um que saiu do gelo no % m”. Mas e fora do desenho? “Morre”. Ele ' ca con-servado, e tem os arqueólogos, que estudam para saber como era o homem no

7 Márcia Carvalho é publicitária e licenciada em Artes Plásticas pela ECA-USP

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tempo depois dos dinossauros. Chama fóssil. Uma criança questiona a vera-cidade desses dados, ela diz se veio de um livro, é sinal de que é verdade.

Os homens pré-históricos desenhavam nas cavernas, mas não deixavam recado. Eles desenhavam só para deixar a caverna bonita? Eu vou passar fo-tos de três cavernas, tirei cópia de um livro. “Gente, que bonitinho!” Eles re-conhecem rinoceronte, mão, pessoas, cavalos, vêem que não tem nenhum dinossauro. “Olha, é sangue!” As % guras lembram veado, onça, pata de animal, vaca, urso, cobra, zebra. “Parece cavalo com pintinhas”. Rinoce-ronte com alguns homens – o que eles estão fazendo? “Caçando!” O primo do boi e do búfalo chama bisonte e é maior do que o boi – é lá daquela época, não é da nossa época. Como é que eles faziam essas pinturas? “Esfregavam as pedras e aparecia a cor”, “pega a pedra e desenha na parede”, “punham tinta na pedra”. A nossa terra hoje tem várias cores? Tem terra vermelha? Tem terra marrom, amarela... “E tiravam tinta das frutas”, “molhavam na água”. Eles eram caçadores, matavam os animais pra se alimentar. Se o ho-mem não desenhasse, a gente não ia saber que ele tinha existido. Olha como foi importante. Por que eles pintavam os animais, se não era para deixar a casa bonita? “Eles pinta e depois caça” [sic]. Procuravam os animais pra ver como eles eram. Eles não inventavam, desenhavam do jeito que eles viam. Pintavam no fundo da caverna, era o momento em que eles pensavam como iam caçar, porque os animais eram bem maiores do que eles. Desenhavam e pensavam: hoje eu vou caçar esse animal. E eles caçavam em grupo, olha esse desenho aqui, quantos para caçar um rinoceronte.

“Tinha muitos animais, eles viam e desenhavam.” O que eles tinham que fazer para comer? “Caçar”. Tem pessoas que estudaram a vida deles atra-vés desses desenhos para saber como eles viviam. Não era na caverna onde eles moravam que eles pintavam, era em outras, bem no fundo pra ninguém ver. Essas pinturas não eram só para deixar a caverna bonita. Eles pintavam a caça para dizer: eu vou conseguir pegar aquele animal. Eles faziam ritual pra ter con( ança pra caçar os animais bem maiores que eles. Era para eles terem boa sorte na hora de caçar. Percebo um silêncio signi% cativo quando eles ouvem a palavra “sorte”. O sentido mágico que o homem pré-histórico cria que o desenho podia trazer é captado. Ela mostra pintura de pessoa

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morta pelo animal. Acontecia também de eles não conseguirem.Arregacem as mangas para não sujar. De quem a gente estava falando

na aula passada? Os homens das cavernas são os nossos irmãozinhos de mui-to tempo atrás; eles pintavam a parede, pintavam animais, com sangue deles, com pedra e também faziam esculturas. E com que faziam esculturas? Com barro, argila, naquela época já existia argila. “A gente vai fazer o quê?” Eles deixaram o registro da mão de presente pra nós. “Eu adoro brincar com argi-la, faz a maior meleca, né?” Mas nós estamos na aula de... “artes!” É aula de meleca? “Não!” Risos. Eu pus jornal pra não sujar. A mãe adora o $ lho, tudo o que o $ lho faz é maravilhoso. Eu vou sugerir fazer a mão. Sabe por quê? Porque daqui a uma semana a mão de vocês já vai estar maior. E quando vocês tiverem 16 anos, a mãe vai olhar e falar que linda que era a sua mão!

Não desperdicem porque não tem mais. Tirou com a mão as “fatias” já marcadas. Vai amassando. “Isso fede! Que nojo, meu! Isso é terra, é?” “Psora [sic], minha mão tá sujando!” “Professora, olha só: ( z uma tigela”. “Parece bosta amassada”.

Depois que nós amassamos, a mão vai ( car assim, com os dedos juntos. Não dá para abrir os dedos senão não cabe. Não deixa muito ( na porque ela ( ca fraca. A massa tem que ( car mais ou menos oval. Cuidado para não deixar nada cair no chão.

Eles fazem, desfazem e refazem. Jogam para cima como panqueca. Brincam de arma batendo no próprio nariz. “Ó minha mão!” Alguns têm di( culdade para caber a mão e não ( car ( na. “Não deu direito pra mim fa-zer [sic], tá parecendo que eu tenho sete dedos”. Uma criança pede ajuda, outra faz um baixo relevo caprichado. Alguns deixam um pouco de jornal grudado. “Prô, ó, ( z a minha mão e um coraçãozinho”. Coloca mais esse pe-dacinho para não quebrar. Uma criança bate palma com a argila no meio, pra lá e pra cá, acaba derrubando no chão, só ela tira jornal do lugar e suja a mesa. Não satisfeita, ainda joga na cara das meninas como torta em ( lme pastelão. Elas riem, mas se defendem e conferem se estão sujas.

Quem já acabou, vai colocar o nome embaixo. “Como?” Com o pali-tinho. Uma criança brinca com sobras, faz um boneco de neve, fura olhi-nhos com palito e os braços e pernas são o palito quebrado. Observo um

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aluno que faz um trabalho especialmente cuidadoso e caprichado. A pro-fessora pede que eles não lavem a mão até que ela veja os trabalhos. Uma criança não agüenta esperar e cospe na mão para limpar. Sua camiseta está suja. Os que são liberados para lavar as mãos abrem a porta com os punhos para não sujar a maçaneta. Nós vamos deixar embrulhado no jornal, deixar secar na sombra porque no sol racha. Todo mundo conseguiu? A professora os orienta a levar para casa hoje e presentear a mãe no domingo. Ao em-brulharem no jornal, eles jogam farelo no chão.

1.2 Primeiros passos8

A experiência de estágio passou por diferentes posições na minha ótica. Em primeiro lugar, estava imbuído apenas de considerações de sen-so comum sobre a escola pública, suas péssimas condições, sua estrutura de& citária, e seus problemas em relação à violência, que tanto habitam a mídia quanto o imaginário coletivo.

Este senso comum me amedrontou muito e me fez pensar em dife-rentes situações que poderiam acontecer em sala de aula, em meu período de estágio. Passei por diversas especulações mentais, e claro, tinha grande curiosidade a respeito de tudo.

Vejo a docência como um participante extremamente importante na formação das pessoas e da sociedade e uma ocupação capaz de trazer satis-fação pro& ssional, apesar da sua inerente frustração quanto aos resultados que oferece. O aspecto de trabalhar com diferentes histórias de vida me instigou e me alimentou, e me fez buscar informações na área, que aten-dessem aos meus interesses.

Ao longo do curso fui trilhando estes caminhos com o objetivo de saber mais sobre o que é Educação, como se trabalha com ela, em que ins-tâncias se trabalha, qual a sua história, qual sua situação real no Brasil e no

8 Escrito por Raphael Figliolino de Matos, graduado em Comunicação Social, com Habilitação em Publi-cidade e Propaganda, pela Faculdade Cásper Líbero. Licenciado em Artes Plásticas pela ECA-USP. Aluno Bolsista (FAPESP) de Iniciação Cientí� ca no Arquivo Miroel Silveira, pertencente à Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

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mundo etc. Posso dizer que, quanto mais investiguei, mais curioso � quei. As matérias que cursei na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo me agradaram e cumpriram esta função de me trazer novos elemen-tos e me auxiliar na formação da minha visão sobre esta área.

Chegou, portanto, o momento de ir a campo levado pela oportuni-dade de viver uma experiência mais sólida a partir dos estágios supervisio-nados da disciplina Metodologia do ensino das Artes Visuais I. Cumprindo uma carga horária signi� cativa, aproximadamente sessenta horas, os alu-nos matriculados se aproximariam efetivamente do universo da escola e, em especial e majoritariamente, da escola pública. Aqui residiam as maio-res expectativas e tensões emocionais e práticas.

Os encontros com a professora Betania Libanio, responsável pela disciplina, nos trouxeram apoio para lidar com esta situação. A cada aula pudemos levar nossas vivências na escola e os problemas que víamos, para que pudéssemos discuti-los. Uma questão recorrente nos encontros foi o medo e a desilusão quanto a ser professor, e, principalmente, professor de escola pública. Não são raros os casos em que estagiários encontram professores já antigos nas escolas que empregam discursos do tipo Desista enquanto é tempo! ou Por que você não vai trabalhar em outra coisa? Tem certeza mesmo que você que ser professor? Sim, o senso comum existe, está cheio de falas como estas, mas, não dá para negar que a escola pública e a Educação como um todo passam por um período difícil, que requer forte estrutura e comprometimento pro� ssional.

A idéia da disciplina, a meu ver, é exatamente esta: apoiar nossa pri-meira visão de encontro com esta realidade e nos amparar quanto à conti-nuidade de nossas carreiras, subsidiar nossa formação, de modo a nos fazer buscar soluções para os problemas e obstáculos encontrados no cotidiano tão rico em meandros e controvérsias.

Tivemos acesso a diferentes materiais durante as aulas, desde textos de especialistas até � lmes antigos e contemporâneos, como Conrack, de 19749 e Entre os muros da Escola, de 200810. As discussões têm sido fo-

9 EUA – Direção de Martin Ritt.10 França – Direção de Laurent Cantet.

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mentadas por muita conversa e estudo, renovados a cada aula. A Educação é uma área muito rica, tanto no âmbito da prática, quanto da teoria. Es-creve-se muito - temos um acervo vastíssimo de autores e suas obras, como os clássicos Comenius e Rousseau, até pensadores mais contemporâneos, como Piaget e Viktor Lowenfeld – e, na prática diária, podemos vivenciar in� nitas possibilidades de convívio com pessoas, lugares e situações.

Tais atributos evidenciam o calibre da formação de um pro� ssional educador. Não basta apenas conhecer a teoria, ou apenas ter anos de es-trada na prática. Sempre nos depararemos com algo novo ou imprevisto. Lidamos com pessoas, sentimentos, contextos econômicos, sociais, políti-cos, religiosos, tudo isso inserido em histórias de vida. Vejo estes elementos na condição de componentes de um grande desa� o, que é atuar e traba-lhar com Educação.

No caso dos artistas, que estudam a prática do ensino das artes visu-ais, travam-se novas relações, que envolvem a poética do professor com a disciplina de arte em si. Aqui, o casamento da identidade artística do professor com sua aplicabilidade na docência e a mútua troca entre estes dois pólos é imprescindível.

1.3 Artista e Professor

Neste semestre estou cursando quatro disciplinas relacionadas à ha-bilitação em Licenciatura: Atividades Acadêmico-Cientí# co Culturais III, Metodologia do Ensino das Artes Visuais I, Política e Organização da Edu-cação Básica no Brasil I e História do Ensino da Arte I. Além das citadas, curso também Evolução das Artes Visuais III e Introdução à Escultura, dis-ciplinas obrigatórias da grade do curso de Artes Plásticas da ECA-USP.

Vejo este momento do meu curso como uma con% uência de idéias, trabalhos, re% exões e previsões futuras. É tempo de olhar para a trajetória que risquei até agora, perceber como estou situado nela, quais objetivos tenho e se estou trabalhando alinhado a eles.

Durante a minha graduação venho pesquisando o trabalho do artis-ta, do professor e do artista-professor, e pensando o modo de como me

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insiro neste contexto. Enxergo estas relações com olhos otimistas. No pre-sente momento, tão importante, acredito estar satisfeito com a opção que � z pela área da Licenciatura. Ser professor não me impede de ser artista e vice-versa.

Percebi que ser professor tem muito a ver com minha linha de traba-lho como artista. Desde que comecei a me expressar artisticamente, gostei de investigar as pessoas. Fazia retratos, buscava expressões, ângulos, olha-res, sentimentos, histórias de vida, medos etc. Hoje em dia consigo ver como minha ótica de artista voltava-se para estas questões.

A relação com o outro, saber quem é este outro, de onde vem, o que pensa, me inspira e me instiga. Entender estas questões signi� ca entender os laços existentes e despertos dentro do meu próprio eu. A Licenciatura teve papel importante nestas descobertas e, devido a isso, posso dizer que estou no caminho certo.

Acredito que olhar o outro pode abrir espaços para discussões frutí-feras e melhores relações sócio-culturais. Portanto, vejo o professor, sob este viés de minha poética, também como um retratista na dinâmica de seu trabalho.

A experiência de estágio, em sua totalidade, é muito rica e se torna difícil traduzi-la em palavras. Quando estamos na faculdade, somos ine-xoravelmente engolidos pelas idealizações que fazemos a respeito de nos-sa futura atuação pro� ssional. Estagiar é nos aproximar um pouco mais da realidade que nos espera, e nos ajudar a esculpir nossos sonhos e/ou projetos, de acordo com a ótica que estabelecermos para nosso olhar. Isso de� ne o rumo que tomaremos.

Apesar de todos os problemas que atualmente assombram a educa-ção no Brasil e no mundo, ainda pretendo ser professor. Meu grande de-sa� o é encontrar minha maneira para exercer a pro� ssão. Aqui descrevi meu olhar poético, relacionado à minha trajetória e trabalho como artista, agora o que procuro é tentar adequar estes formulações ao cotidiano esco-lar. Me pergunto: Como usar a questão do olhar sobre o outro para ser um professor adaptável e bem-sucedido?

A partir deste patamar, sigo meu caminho munido de maiores escla-

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recimentos. Procuro salientar que aprendi dentro e fora da sala de aula, para a minha vida pessoal e pro� ssional. O valor do ensino só é realmente praticável e aceitável, se re� etido na realidade do educando. Esta é a ótica, sob a qual vejo minha entrada com os dois pés na vasta praia da docência.

1.4 O pré-adolescente na aula de arte11

Acompanhei durante dois bimestres as aulas de artes visuais para uma turma da sexta série na escola de aplicação, da qual tratarei neste re-latório. Acompanhei também por um mês, aulas com alunos da segunda série de duas turmas, referentes também às artes visuais. Exceto em uma das aulas em que houve professor substituto, todas as outras que observei foram dadas pela mesma professora. Além disso, acompanhei outra ati-vidade que chamam na escola de estudo do meio, com crianças de duas sextas séries, as crianças visitaram alguns pontos do centro de São Paulo para aprenderem sobre a história, a arquitetura, geogra� a da cidade.

Na primeira vez em que pisei na sala de aula como estagiário senti tudo muito familiar. A memória que eu tinha da escola possuía muitas semelhanças com o que eu agora passava a observar “de fora”. A sexta série da qual � z parte, como a que observei, foi muito acusada de pior turma. Na segunda aula os alunos já recebiam bronca de meia hora, já se sabia que eles eram terríveis, por conta da fama que traziam de anos anteriores, e já se sabia que algo precisava ser feito. Descon� ado, até perguntei para a professora se era verdade aquela história de que aquela turma era a mais indisciplinada (digamos assim), ou se aquilo era recurso pra tentar atingi-los. A professora me con� rmou que sim, eles eram os mais difíceis, e de fato na sala dos professores, no intervalo, muito eu ouvi de reclamações dessa turma. Pois então, pelo que ouvia como aluno na sexta série, tam-bém devo ter feito parte de uma turma difícil. E senti então familiaridade e me recordava da chatice de ter que ouvir sermão sempre, como parte da

11Escrito por Ricardo Alves, estudante do curso de licenciatura em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo.

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rotina, assim como no observado. Mais chato ainda é quando se faz parte daqueles que podemos considerar mais bem comportados, mas que nunca estão imunes num meio como esse, eles são cobrados a não darem atenção e não rirem das “bagunças” dos vilões, sob pena de contribuírem para que estes últimos continuem a agir. O clima se torna algo tenso. Além disso, os alunos que demonstram interesse muitas vezes se queixam de saberem que poderiam estar vendo ou fazendo outro tipo de coisa, mas sabem que não estão devido ao mau comportamento da sala. Escutei esse tipo de queixa de aluno. Também pude ouvir, e acho que é normal, quando a professora, em desespero, fala algo mais ou menos assim: “Eu poderia fazer tal coisa com vocês, como já � z com outra turma e foi legal, mas se vocês continua-rem assim não vai dar”. Isso muitas vezes se torna desesperador para alguns alunos. Para outros nem tanto.

Ao mesmo tempo em que começava o estágio, lia para outra discipli-na o Desenvolvimento da Capacidade Criadora de Viktor Lowenfeld12, um teórico importante na história do ensino da arte. Lowenfeld, descreve a arte de todas as fases da criança e do adolescente, desde quando ainda é bebê até quando cursa o ensino médio, e destaca as diferenças de cada idade e de abordagem na maneira de transmissão do ensino de arte. Em-bora o autor tenha escrito a citada obra há mais de cinco décadas, muito do que ele disse ainda pode ser considerado como válido. Por exemplo, um dos pontos fundamentais das idéias que defende o autor, é de que não se deve nas aulas de arte ocupar o aluno com tarefas mecânicas que não desenvolvam seu potencial criativo, não se deve fazer das aulas de arte um espaço para aplicação de exercícios que possam ser julgados como certo ou errado. O autor diz que se o aluno não encontrar uma motivação interna e sentido no que o professor pede para que faça, a experiência artística não será signi� cativa. Outro ponto que considero bastante importante é o de que não devemos nunca julgar a arte da criança de acordo com os padrões da arte adulta. Destaco que � cou bastante explicito em minha experiên-

12 LOWENFELD, Viktor. Desenvolvimento da capacidade criadora. São Paulo: Mestre Jou, 1970. 1a edição: Creative and Mental Growth. New York: Macmillan, 1947.

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cia como estagiário a forte autocrítica do pré-adolescente, a crescente di-� culdade em se lançar a novas experiências propostas - e relaciono isso também ao fato de que se põe em cheque a autoridade do adulto, ou seja, parecem depositárias de uma certa incredulidade as propostas do profes-sor de arte - aspectos bastante destacados por Lowenfeld no capítulo 9: A idade do raciocínio: a fase pseudonaturalista de 12 a 14 anos. Para falar das di� culdades em se lançar a novas experiências cito um aluno que de-senhava tudo bastante pequeno na folha, a idéia de ocupá-la toda parecia amedrontá-lo. A atitude no desenho é muito compatível com sua atitude retraída perante os outros colegas. Já os mais rebeldes às propostas da pro-fessora, pouquíssimas vezes trabalharam em cima do tema da aula, muitas vezes em vez de desenharem na folha escreviam a sigla que denominava a turma do fundão, faziam desenhos que se referiam a símbolos de time de futebol ou a desenhos animado. Tinham muito pouco cuidado com a fo-lha na qual desenhavam, parecia-me que para eles aquilo não possuía valor afetivo algum. De acordo com Viktor Lowenfeld, a função do professor em casos como estes em que os alunos se recusam à experiência artística é fazer com que eles se motivem em desenvolver trabalhos de seus interesses. Pensando nisso tentei então certa vez incentivar um aluno considerado ‘problemático’, que fazia um desenho que nada tinha a ver com a proposta da professora. Ele desenhou um item de um famoso desenho animado da TV. Este aluno e mais alguns usavam lápis de cor enquanto o resto da classe usava guache, conseqüência do mau comportamento com as tintas na aula anterior. Tentei estimulá-lo a elaborar melhor o seu desenho, su-geri algumas coisas que ele poderia fazer para torná-lo mais atrativo, uma forma que ele � casse ainda mais próximo, já que era essa a intenção do aluno, do item do desenho animado. Fiquei realmente surpreso quando este aluno me disse que gostaria de continuar seu desenho na próxima aula e como ele passou a tratar a partir daquele momento sua folha de papel. Na aula seguinte com outro tipo de atividade não se lembrou desse desenho e não houve continuação do trabalho. Adianto também que em-bora tenha considerado essa uma experiência positiva, a postura do aluno perante as atividades não mudou depois daquilo, seria necessário que a

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experiência continuasse. Também ressalto a di� culdade em se dividir a atenção entre todos os alunos. A turma da sexta série possuía em torno de trinta alunos. O professor se opta por trabalhar com tinta, por exemplo, � ca ao seu encargo prepará-las (passar dos potes maiores para as formi-nhas), distribuir pincéis, en� m, dar assistência material que vira e mexe o aluno pede... Mesmo com um estagiário presente para ajudar, ainda era complicado conseguir acompanhar o trabalho em andamento dos alunos, eu mesmo senti essa di� culdade. Outro episódio que gostaria de citar, foi quando uma menina de fácil irritabilidade, aspecto que seus colegas ex-ploravam para deixá-la ainda mais nervosa, provocando ela o tempo todo, preenchia o céu de seu desenho com guache. Ela fazia isso movimentando pequenas pinceladas quebradas que seguiam um padrão rítmico e promo-viam uma textura peculiar. Consegui estar presente no momento em que se enchia da tarefa que ela própria havia se incumbido (ninguém disse a maneira como ela deveria preencher o céu, como deveria ser feita a pin-celada), incentivei-a a continuar aquele trabalho tentando mostrar a ela que aquelas suas pinceladas eram interessantes. Ela já estava pronta para usar o rolinho de pintar para cobrir a área de uma forma mais impaciente quando percebeu que ela poderia estragar um serviço que estava � cando bom. Como no outro caso, quando acabou a aula, a menina também disse que gostaria de continuar seu trabalho. O céu estava todo preenchido e ela queria continuar a pintar os outros elementos que faltava. Nesse caso con-segui transformar a impaciência da menina fazendo com que ela atribuísse valor a sua pintura. Foi mais um ponto que considerei positivo no meio de um trabalho que o tempo todo parecia estar falido. Em várias conver-sas que tive com a professora que acompanhei, ela deixava explícita certa descrença na instituição escolar e alguma vez expressava desânimo. Dizia-me que os alunos que chegavam ao ensino médio, que haviam tido aula com ela há alguns anos atrás pareciam não ter guardado nada dos assuntos que ela havia tratado, traziam preconceitos em relação ao desenho que ela mesma trabalhara enquanto estiveram na sexta série. Embora ela tenha reclamado e expressado descrença em seu próprio trabalho, eu observei diversos momentos positivos que aconteceram nas aulas, e acredito que

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os alunos não passarão por ela como se não tivessem passado por nada. A escola em que estagiei possui uma estrutura relativamente boa para o desenvolvimento de aulas de artes, tem um espaço-ateliê próprio e dispõe de materiais como folhas de papel de maior gramatura e formato A3, pa-péis coloridos, guaches, pincéis, lápis, borracha, régua, etc. Julgo bastante importante as atividades propostas pela professora, ela conseguia alcan-çar diversas crianças e notei que algumas experiências foram realmente signi� cativas para algumas crianças. Foi interessante observar a primeira aula em que os alunos se utilizaram de tinta, eles esperavam por isso há várias semanas (nesse ponto considero condenável a decisão da professo-ra). Nessa aula, os alunos da sexta série conseguiram manter-se por um tempo dentro da proposta da professora, de pintarem a paisagem que de-senharam fora do ateliê... Mas a partir de um determinado momento eles descobriram os rolinhos de pintura e mesmo sem autorização passaram a se utilizar deles para extravasarem as energias e mergulharam no experi-mentalismo. Algumas paisagens se transformaram em pinturas monocro-máticas, bastante interessantes por sinal. Nunca vi crianças tão sedentas por tinta como naquele dia. Na hora da limpeza, ao término da aula houve problemas com a turma do fundão, que pouco se interessou por limpar o que haviam escrito com guache direto no tampo da mesa a sigla que deno-minava a turma. Esse foi o motivo que fez com que eles fossem excluídos do trabalho com tinta na aula seguinte.

Sobre a proposta de trabalho com a sexta série, observei que a pro-fessora fez uso da técnica do desenho de observação com lápis gra� te e da pintura a guache tentando uma destruição de preconceitos em relação ao que se é considerado um bom desenho e fazendo com que seus alunos ten-tassem perceber o baixo valor que possuíam os desenhos clichês ao qual recorriam, àqueles pobres de referências diretas à experiência de quem os desenha, uma imagem pré-concebida, por exemplo, aqueles desenhos de árvores ou casinhas que pouco ou nada tem a ver com as casas e árvores que as crianças experienciam. Ao mesmo tempo em que grande parte dos jovens tende ao uso desse tipo de imagem pronta, eles começam a formar uma consciência crítica que atribui valor ao desenho que mais se aproxima

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de certo realismo fotográ� co. Nesse ponto parece se estabelecer um para-doxo. Por isso o que busca o pré-adolescente não pode ser propriamente chamado de naturalismo. A consciência mais apurada do mundo que os cerca, por exemplo, a consciência de cores que se atribuem às coisas, de que o céu pode variar de cor dependendo se o sol está a pino ou se ele cai atrás das montanhas, de que a roupa possui um emaranhado de linhas e formas orgânicas que pouco tem de visualmente correlato com às formas geométricas que a criança anteriormente costumava recorrer... Se não há um desenvolvimento adequado no estímulo do desenho nesta fase, pre-valecerá o preconceito do jovem achar que o desenho é sempre lugar de se reproduzir o que vê. Como ele sabe o que vê e compara com o que faz, como ele desvia toda sua atenção para o produto - o que é comum, pois seria muito exigirmos da criança dessa idade um conceito muito re� nado do que é o desenho para a arte adulta - , é muito comum que ele despreze o que faz, � cando muito pouco satisfeito, havendo sempre ressalvas do que poderia ter sido. O que pude observar é que essa vontade de um desenho mais “bem realizado” converte-se na procura de normas de como se dese-nhar, recorre-se a padrões estruturais, muitos estão esperando fórmulas, macetes, truques e acreditam que aquilo é o ponto máximo dos limites do desenho, acreditam que vislumbram o que há de mais complexo e adequa-do ao desenho e que se não possuem o interesse de chegar a esses desenhos “bem realizados”, não há interesse então em se desenhar. Alguns alunos me demonstraram interesse em que a professora passasse alguns exercí-cios mais mecânicos, e seria muito mais simples para o educador ensinar esquemas ou uma espécie de gramática do desenho, mas isso se afasta do que seria uma aula de arte, o espaço da experiência artística não deve ser o espaço do simples adestramento técnico. Esse é o ponto crítico, o momen-to em que se pode criar de� nitivamente uma idéia errada sobre realizações artísticas e que talvez se decida renunciar a produzir qualquer coisa nesse campo. Observei um aluno que em quatro meses produziu menos dese-nhos do que outro em duas aulas. Não digo isso por que acredito que deva haver grande produção, o que mais importa na verdade está por trás disso, é a experiência pela qual passou o aluno. O aluno possuía uma resistência

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enorme ao desenho, não conseguia mergulhar num processo que tomasse sua atenção, fazia três ou quatros traços e parava. Isso porque ele está for-temente convencido de que não é capaz de desenhar, porque acredita que já nasceu sem dom ou talento. Muitas vezes os adultos que cercam essa criança, dão suporte a esse tipo de pensamento. Quando temos a intenção de fazer com que uma criança desenhe na escola, é porque acreditamos que através de uma atividade como essa ela pode desenvolver seu potencial criativo, e não porque se pretende formar futuros desenhistas. O traba-lho da aula de arte pode também se desenvolver de outras formas que se utilizem de outras linguagens e acredito que pode se mostrar como tão rica de possibilidade de criação quanto o que se pode fazer numa folha de papel. É que em muitos casos a perspectiva de trabalho com linguagens não tradicionais em salas de aulas se mostra como algo distante de nossa realidade. Em alguns casos, projetos diferenciados podem vir a se tornar experiências concretas.

Lowenfeld defende que não é bom tentar ensinar a beleza do traço ou da pincelada para os jovens, principalmente se temos em vista padrões estéticos adultos. Pelo que vi na escola concordo que seria tarefa difícil e uma imposição que di� cilmente os alunos entenderiam. O que muito podemos perceber é que não se entende a questão da materialidade e usar um lápis, por exemplo, é só um meio para a representação, não se objetiva reforçar as características de que se usa um lápis, se isso acontece, e é claro que acontece, é como consequência do trabalho, e não porque se ensinou um conjunto próprio de linhas belas ou espontâneas, etc. Essa espontanei-dade deve ocorrer naturalmente, do contrário as orientações do professor poderão parecer uma fala ininteligível. Parece-me que as crianças da idade do pseudonaturalismo geralmente prezam pela linha que tenta disfarçar que é uma linha feita a lápis, de uma cor que não quer ser guache, em suma, prezam pela imagem que não quer se mostrar como desenho ou pintura, quanto mais di� cultoso de se perceber que se trata de uma coisa feita à mão e mais se aproxima do que o olho enxerga, mais valor atribuirão ao trabalho. Devo ressaltar que isso se trata de uma postura predominante, não uma regra, isso pode estar longe de acontecer quando a criança está

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submetida a experiências de arte diferenciadas há algum tempo e quando possui algumas bases construídas anteriormente.

O estágio me fez ver perceber que um dos principais cuidados que o professor de arte deve ter na escola, sobretudo na idade da pré-adoles-cência, algo entre os 12 e 16 anos, é trabalhar com cautela, para que não se criem idéias desastrosas no jovem sobre o que ele acredita serem as pos-sibilidades da arte. O professor deve trabalhar na tentativa de criar um espaço propício para o desenvolvimento de experiências signi� cativas e que o aluno não somente tenha uma relação à distância com a arte. Talvez assim se diminuam os sensos comuns sobre a arte e as excessivas tentativas de classi� cações altamente prejudiciais, que a leva para longe da vida ou então a considera como uma forma banal e sem re� namento espiritual, muito distante da essência humana tipicamente criativa.

2. CONCLUSÃO

Nestes três escritos, Márcia, Raphael e Ricardo, estudantes do cur-so de Artes e estagiários na escola pública ressigni� cam um momento do estágio que poderia ser mais uma cena de invisibilidade. Márcia observa um momento de aula criativa porque a professora propõe que seus alunos levantem hipóteses sobre a pré-história e para isso mobilizam referências como o desenho animado A Era do Gelo. Raphael re# ete sobre o estágio, o medo e a tensão na escola, sempre retoma sentidos � losó� cos que dêem sentido a ser professor. Este medo e tensão vividos pelos estudantes estagi-ários recebem novos sentidos porque semanalmente a vivência na escola é discutida no coletivo. Esta liberdade em falar de suas angústias e redimen-sionar a observação só é possível pelo respeito que é legitimado pela pro-fessora que acompanha o estágio e os estudantes do grupo. Isso signi� ca que cada questão trazida pelo grupo é imprescindível e autêntica. Ricardo está preocupado com o modo como o adulto pensa arte, o que pode ser um clichê, transformando num sistema unicamente válido de aprender “arte”. Esteve atento as entrelinhas entre uma ação e atitudes individuais

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na aula. Para ele, as experiências signi� cativas propiciadas em aula poderão diminuir o senso comum.

Este artigo é o terceiro e último texto escrito a várias mãos pelos estudantes da ECA-USP no ano de 2009. Portanto esta experiência foi publicada em três revistas do Claretiano. Foi o resultado de um semestre de estudo que ampliava o olhar sobre o professor reencontrando-o nas dimensões ética, política, técnica e estética, segundo Rios. Era necessário localizar este professor em sua história, numa luta com a realidade que é bastante cruel, em que alguns conseguem a duras penas ressigni) car a sua ação, encontrar um grupo com mais identidade, mas outros permanecem sem projetos de ação. Era com esse olhar que estudamos as contradições da própria vida e passamos a aprofundar os debates com a própria escola viva e conturbada que cada um trazia para pensar. De onde falávamos? Do chão da escola, procurando o coração da sala de aula.

REFERÊNCIAS

BRANDEN, Nathaniel. Auto-estima e os seus seis Pilares. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

CARVALHO, Marília Pinto de. No Coração da sala de aula: gênero e trabalho docen-te nas séries iniciais. São Paulo: Xamã, 1999.

FLUSSER, Vilém. Filoso% a da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985.

LOWENFELD, Viktor. Desenvolvimento da capacidade criadora. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

PIMENTA, S.; LIMA, M. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004.

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Title: � e stage as a test: watch the scene and rethink.Authors: Betania Libanio Dantas de Araujo; Márcia Carvalho; Raphael Figliolino de Matos; Ricardo Cesar Alves.

ABSTRACT: � e readings of the daily school point to a possible rewriting of history, proposing that the practice is a re" ective revisiting the same ways reinvented. � is article was written by students from the School of Communication and Arts, University of São Paulo and his teacher. Bring the views of the experience studied by John Dewey, and not as deep action ephemeral. � e teacher tells about the process of enchantment and criticism about the school and students suggest new readings, pointing purposes of work in classrooms in elementary and adult education, small snippets of experiences shared in this article. As Arts students provide re" ective readings on practical action and critical re" ection on the intention of future practice, of a theoretical and a practical theory.Keywords: Art. Education. Training. Evaluation. Mediation.

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POLÍTICA EDITORIAL

A Revista EDUCAÇÃO é uma publicação impressa anual, do Centro Universitário Claretiano, destinada à divulgação cientí� ca, bem como de pesquisas e projetos.O objetivo principal é publicar trabalhos que possam contribuir com o debate sobre temas educacionais e os paradigmas concernentes à educação na sociedade contemporânea, tendo como áreas de interesse a história da educação, movimen-tos culturais, arte, literatura e � loso� a. A Revista EDUCAÇÃO destina-se à publicação de trabalhos inéditos que apre-sentem resultados de pesquisa bibliográ� ca e de campo, originais, sendo subme-tidos no formato de: artigos, resenhas, resumos estendidos, relatos de experiên-cia, ensaios e traduções.Serão considerados apenas os textos que não estejam sendo submetidos a outra publicação.As línguas aceitas para publicação são o português, o inglês e o espanhol.

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c) Tabelas, quadros, grá$ cos, ilustrações, fotos e anexos devem vir no interior do texto com respectivas legendas. Para anexos com textos já publicados, incluir referência bibliográ$ ca.

d) As referências no corpo do texto devem ser apresentadas entre parênteses, com nome do autor em letra maiúscula, seguida de vírgula, seguida de espaço, da expressão “p.”, espaço e o respectivo número da(s) página(s), quando for o caso. Ex.: (FERNANDES, 1994, p. 74). A norma utilizada para a padronização das referências é a da ABNT, em vigência.

e) As seções do texto devem ser numeradas, a começar de 1 (na introdução) e ser digitadas em letra maiúscula; subtítulos devem ser numerados e digitados com inicial maiúscula.

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156Educação, Batatais, v. 1, n. 1, p. 9-21, jan./dez. 2011

f ) As notas de rodapé devem estar numeradas e destinam-se a explicações com-plementares, não devendo ser utilizadas para referências bibliográ� cas.

g) As referências bibliográ� cas devem vir em ordem alfabética no � nal do artigo, conforme a ABNT.

h) As expressões estrangeiras devem vir em itálico.

Modelos de Referências Bibliográ� cas – Padrão ABNT:

Livro no todoPONTES, Benedito Rodrigues. Planejamento, recrutamento e seleção de pes-

soal. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005.

Capítulos de Livros BUCII, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre televisão. In:

KEHL, Maria Rita. O espetáculo como meio de subjetivação. São Paulo: Boi-

tempo, 2004. cap. 1, p. 42-62.

Livro em meio eletrônicoASSIS, Machado de. A mão e a luva. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. Dis-ponível em: <HTTP://machado.mec.gov.br/imagens/stories/pdf/romance/marm02.pdf> Acesso em: 12 jan. 2011.

Periódico no todoGESTÃO EMPRESARIAL: Revista Cientí� ca do Curso de Administração da Unisul. Tubarão: Ed. Unisul, 2002-.

Artigos em periódicos SCHUELTER, Cibele Cristiane. Trabalho voluntário e extensão universitária. Episteme, Tubarão, v. 9, n. 26/27, p. 217-236, mar./out. 2002.

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157Educação, Batatais, v. 1, n. 1, p. 9-21, jan./dez. 2011

Artigos de periódico em meio eletrônico

PIZZORNO, Ana Cláudia Philippi et al. Metodologia utilizada pela bibliote-ca universitária da UNISUL para registro de dados bibliográ� cos, utilizando o formato MARC 21. Revista ACB, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 143-158, jan./jun. 2007. Disponível em: <http://www.acbsc.org.br/revista/ojs/viewarticle.php?id=209&layout=abstract>. Acesso em: 14 dez. 2007.

Artigos de publicação relativos a eventos PASCHOALE, C. Alice no país da geologia e o que ela encontrou lá. In: CON-GRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 33. 1984. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, SBG, 1984. v. 11, p. 5242-5249.

JornalALVES, Márcio Miranda. Venda da indústria cai pelo quarto mês. Diário Cata-rinense, Florianópolis, 7 dez. 2005. Economia, p. 13-14.

SiteXAVIER, Anderson. Depressão: será que eu tenho? Disponível em: <http://www.psicologiaaplicada.com.br/depressao-tristeza-desanimo.htm>. Acesso em: 25 nov. 2007.

VerbeteTURQUESA. In: GRANDE enciclopédia barsa. São Paulo: Barsa Planeta In-ternacional, 2005. p. 215.

EventoCONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA MECÂNICA, 14., 1997, Bauru. Anais... Bauru: UNESP, 1997.

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