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  • 106 RAE VOL. 45 N 2

    OS SENTIDOS DO CONSUMO

    Por Isleide Arruda FontenelleProfessora da FGV-EAESP

    E-mail: [email protected]

    O pano de fundo social presente nolivro da antroploga Mary Douglase do economista Baron Isherwoodtem recrudescido nos ltimos anos:a crescente onda de protestos con-tra a sociedade de consumo. Os au-tores propem que, antes de par-tirmos para uma condenao mo-ral ao ato de consumo, nos pergun-temos sobre a questo fundamen-tal que esse ato nos coloca: por queos consumidores compram bens?Para responder a tal questo, osautores convocam um dilogo in-terdisciplinar entre a Antropologiae a Economia.

    A Antropologia contempladaem seu mtodo e em seus princpiostericos bsicos, quando os autorespropem pensarmos o consumocomo um elemento do processo so-

    cial. Com isso, decorre o subttulodo livro, Para uma antropologia doconsumo, na medida em que a teo-ria do consumo teria que ser vistacomo uma teoria da cultura e davida social, uma espcie de gram-tica que permitiria ler uma cultura.

    A Economia revisitada a partirda crtica teoria da demanda, que,apesar de estar no centro do nasci-mento da economia como discipli-na, teria sido incapaz de responder questo que no lhe deveria esca-par: por que as pessoas querembens? A teoria do consumo consp-cuo, proposta por Thorsten Veblen,no escapa da crtica aos limitesexplicadores da teoria econmicapara o fato de consumirmos, pois,embora Veblen tenha avanado so-bre a teoria utilitria para sustentar

    que o ato de consumo teria uma sig-nificao social, teria sido respon-svel por uma idia generalizada esimplista da emulao.

    O dilogo entre os campos da An-tropologia e da Economia se tornafecundo no momento em que os au-tores propem uma definio antro-polgica do consumo usando doispostulados essenciais ao pensamen-to econmico: primeiro, o consumono imposto; segundo, o consu-mo comea onde termina o merca-do. Com base nesses dois postula-dos, os autores definem o consumocomo um uso de posses materiaisque est alm do comrcio e livredentro da lei (p.102).

    A busca de um dilogo que per-mita a ponte entre esses dois cam-pos uma constante ao longo do de-

    O MUNDO DOS BENS: PARA UMA ANTROPOLOGIA DO CONSUMODe Mary Douglas e Baron Isherwood

    Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004. 306 p.

    RESENHA OS SENTIDOS DO CONSUMO

    106-111 20.04.05, 16:23106

  • ABR./JUN. 2005 RAE 107

    senvolvimento do livro. A obra seestrutura em duas grandes partes. Aprimeira analisa por que queremosos bens, por que no os queremos(e preferimos poupar), como os usa-mos, como seu uso nos inclui ouexclui e fala sobre a tecnologia e asperiodicidades do consumo. A se-gunda parte articula esferas econ-micas separadas na etnografia, fazcomparaes internacionais, dife-rencia classes de consumo e definea noo de controle do valor da pers-pectiva do uso do tempo.

    Na primeira parte, os autores fa-zem uma varredura crtica por to-das as teorias econmicas que, dealguma forma, estariam relaciona-das ao consumo e ao no-consumo,alm de questionarem algumas idiasque se infiltraram na anlise econ-mica acerca das necessidades huma-nas por bens, como a teoria higi-nica ou materialista e a teoria dasnecessidades por inveja. A anliseweberiana sobre a tica protestantee o esprito do capitalismo tambm questionada. Para os autores,Weber teria tomado o esprito comodado, quando o objetivo maior de-veria ter sido o de descobrir comoesse esprito de poca foi gerado.

    Para avanar na proposta de re-pensar o consumo, os autores recor-rem etnografia para analisar a sig-nificao que a posse dos bens car-rega e o seu valor cultural como co-municadores. Dessa forma, o consu-mo dos bens tomado como partede um sistema de comunicao,como um ato onde se d visibilidadee estabilidade s categorias da cultu-ra. Em suas prprias palavras, a fun-o essencial do consumo sua ca-pacidade de dar sentido (p.108).

    Visando elucidar tal perspectiva,os autores fizeram comparaes en-tre o que chamado de espao mo-derno nossas casas e outras ca-sas, em pocas remotas e lugares di-

    tos exticos, onde mercados e mer-cadorias ainda seriam produtos es-cassos. Prticas de marcao social eestratgias de incluso tambm socomparadas em pocas distintas, afim de mostrarem que os bens noso meras mensagens, mas algo queconstitui o prprio sistema.

    Dessa forma, os bens so pensa-dos como o hardware e o softwarede um sistema de informao cujaprincipal preocupao monitorarseu prprio desempenho (p.120).Se os bens so pensados em termosde acesso informao, ento o con-sumo seria um campo em que a ex-cluso pode ser aplicada, pois haqueles que controlam seu acesso.Os autores vo concluir que ao fi-nal o consumo relaciona-se com opoder, e nenhuma teoria sria doconsumo poderia evitar a responsa-bilidade da crtica social.

    Tal assertiva nos remete segun-da parte do livro, cuja proposta oferecer uma abordagem diferentedas relaes entre consumo e inte-grao social e, em ltima instn-cia, entre consumo e pobreza. Nes-sa perspectiva, os autores desenvol-vem uma maneira de medir o envol-vimento social comparando padresde consumo, e afirmam esperar queessa medida revele mais sobre a de-sigualdade social do que as medidasde distribuio de renda.

    Tomando a idia do controle doacesso aos bens como o fio condu-tor dos padres de consumo, os au-tores concluem que o modo de eri-gir barreiras pelos que controlam asentradas impede que muitos parti-cipem das trocas. E a questo daproteo das fronteiras algo queporia em jogo toda a questo docontrole social. Afirmam que, noinstante em que tal proposio forapreciada por inteiro, a teoria doconsumo poder ser reintegrada anlise da economia.

    Por isso, os autores nos fazemcompreender que no haveria senti-do em falar de irracionalidade doconsumidor, como se fossem mario-netes presas nas artimanhas da pro-paganda ou consumidores que com-petem invejosamente. Adicional-mente, o risco da excluso inibiriauma interpretao puramente racio-nal desse universo do consumo, jque os consumidores teriam umanecessidade mais direta de se relacio-nar com outros consumidores e, porconseguinte, de consumirem bens.Diante disso, os autores propem queos bens sejam tomados como fiosde um vu que disfara as relaessociais que cobre (p. 275). Nestaabordagem, os bens marcam apenasos padres. Mas o que interessa, fun-damentalmente, o fluxo de trocaspara o qual nos dirigem.

    Tal proposta tem como contextoo grande desafio que o livro se pro-ps: reconhecer o consumo comoparte integrante do mesmo sistemasocial que explica a disposio parao trabalho (p. 26). Em outras pala-vras, articular as esferas econmicasda produo e do consumo. Comoos prprios autores assumem, essedesafio no foi de todo cumprido, emparte por falta de um modelo econ-mico em que se mesclem os mode-los de produo e de consumo. Mas,sem dvida, os autores avanarammuito neste desafio e deixaram umatarefa imensa para todos que se inte-ressam em pensar o consumo na con-temporaneidade.

    Mesmo publicada no Brasil 25anos aps sua primeira edio na In-glaterra, a obra no datada em suasreflexes. Embora o consumo tenhase acelerado e sua tecnologia se al-terado neste ltimo quarto de scu-lo, uma das principais questes pos-tas pelos autores por que consu-mimos ainda continua a nos in-quietar.

    ISLEIDE ARRUDA FONTENELLE

    106-111 20.04.05, 16:23107