Valor93-Legislativo, Executivo e delegação

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  • 7/29/2019 Valor93-Legislativo, Executivo e delegao

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    Legislativo, Executivo e delegao

    Fbio Wanderley Reis

    O Senado Federal promoveu h pouco um ciclo de debates sobre o

    Poder Legislativo no mundo contemporneo, tomando diversos aspectos das

    relaes entre os poderes que tm sido objeto de preocupao. Em sesso de

    que eu mesmo participei, destacavam-se temas aparentemente diversos, que

    vo das implicaes do chamado presidencialismo de coalizo a uma

    suposta crise geral de representatividade do Legislativo e ao fato de que ele

    deve conviver com o exerccio de atribuies normativas tambm pelo

    Executivo e pelo Judicirio.

    Problemas ligados atuao do Judicirio tm sido considerados aqui

    com alguma insistncia. Quanto s relaes Executivo-Legislativo, o tema do

    presidencialismo de coalizo sugere antes de tudo (supostamente em

    consequncia da combinao de presidencialismo, federalismo,

    bicameralismo, multipartidarismo e representao proporcional) a

    fragmentao das foras polticas representadas no Congresso e, apesar de

    certas releituras e contestaes, a debilidade do Executivo que derivaria da

    necessidade de organizar-se com base em grandes coalizes instveis. Mas um

    tema tambm saliente quanto a essas relaes tem sido o das medidas

    provisrias, e no de todo casual que o simpsio no Senado tenha coincidido

    com a devoluo algo dramtica pelo presidente do Congresso da chamada

    MP das filantrpicas.

    H aqui algumas ponderaes gerais pertinentes. Uma, de cunho

    doutrinrio relativo aos princpios constitucionalistas, salienta o desiderato de

    que os diferentes poderes sejam autnomos e se relacionem em termos deequilbrio e igualdade. Outra, de natureza factual, aponta para fatores que h

    tempos levam expanso do Executivo pelo mundo afora, em conexo com

    fenmenos (passveis de disputas sobre como caberia avali-los normativa-

    mente em cada caso) como o estado de bem-estar, a tecnoburocracia, o

    neocorporativismo... Uma indagao importante a de se essa expanso

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    compromete necessariamente os princpios constitucionalistas quanto s

    relaes dos poderes. E a mesma questo surge, naturalmente, se nos voltamos

    para as medidas provisrias. As condies de urgncia e relevncia

    contempladas na Constituio para o recurso a elas fazem delas instrumentos

    de governo legtimo em determinadas circunstncias. Mas seu uso abundante edesatento aos critrios legitimadores ameaa redundar em desequilbrio e em

    sujeitar o Legislativo a eventuais caprichos autoritrios do Executivo.

    As anlises de cincia poltica a respeito no tm sido de grande ajuda.

    Procurando ligar o recurso s medidas provisrias pelo presidente s coalizes

    do nosso presidencialismo (como em artigo de 2005 de Carlos Pereira e

    outros, Under what Conditions do Presidents Resort to Decree Power?), as

    observaes feitas acabam enredadas em suposies problemticas eprovavelmente enganosas sobre qual poder, nas relaes Executivo-

    Legislativo, o mandante e qual o mandatrio ou agente, e portanto o

    subordinado. Assim, no primeiro perodo do presidente Fernando Henrique

    Cardoso, o fato de que o governo teria sido capaz de compor uma coalizo

    governamental ampla e bem recompensada vista como resultando em

    delegao legitimadora pelo Congresso, que responde delegando ao

    presidente autoridade para governar por MPs, enquanto em casos de menor

    capacidade circunstancial de compor coalizo anloga o presidente teria de

    recorrer unilateralmente (autoritariamente?) a elas. Ora, claro que um

    Congresso que responde ao poder do presidente dificilmente poderia ser

    considerado o mandante real na relao, e a idia de delegao nada

    acrescenta ao aspecto factual das manobras mais ou menos exitosas deste ou

    daquele titular da Presidncia nas circunstncias de maior ou menor

    precariedade poltico-partidria que encontrar. Com a ressalva, naturalmente,

    da delegao correspondente ao fato em si de que a lei contemple o

    instrumento da medida provisria, que provavelmente requer, ele mesmo,

    explicao numa sociologia realista.

    Isso sugere que a nfase em quem manda basicamente torta ou

    equivocada. No obstante a bvia importncia constitucional da autonomia

    dos poderes e de seu equilbrio, como condio de que no se tenha ditadura,

    ela no resulta em que eles devam brigar, como vemos com frequncia em

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    nosso conflagrado Estado-arena do momento. Preservadas, em particular, as

    condies de iseno e adjudicao competente por parte do Judicirio (oxal

    as turbulncias atuais se resolvam), o que cabe esperar das relaes entre o

    Legislativo e o Executivo antes que se articulem de modo apropriado, vale

    dizer, de modo a assegurar o governo a um tempo democrtico e eficiente. Eno h como deixar de repetir a respeito, parte confuses novidadeiras, a

    velha observao de que o instrumento que nos tem faltado para isso so

    partidos polticos em que o enfrentamento do desafio de combinar a

    penetrao eleitoral e a coeso real em torno de idias (referidas, por certo, a

    interesses, tanto quanto possvel adequadamente agregados, e s identidades

    correspondentes, talvez inevitavelmente definidas de maneira algo tosca)

    venha a propiciar a disciplina no comportamento parlamentar e ao governo

    como um todo maior organicidade e a busca consistente de polticas de maioralcance. O que tambm remete a uma sociologia atenta, em nosso caso, ao

    spero e deficiente substrato social da poltica.

    Valor Econmico, 15/12/2008

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