Velho Oeste Carioca I

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    Andr Luis Mansur

    Ve o Oeste Carioca

    Ibis LibrisRio de Janeiro

    2008

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    Copyright 2008Andr Luis Mansur Baptista

    itores: ereza C ristina Rocque a Motta e Joo Jos e Me o Francomagens da capa, pgs. 1 e 2:Jean Baptiste Debret (1768-1848) de Viagemitoresca e Histrica ao Brasil (1816-1831) Vista da Fazenda Imperial deanta Cruz e Rochedo do Arvoredo.

    1 edio em outubro de 2008.

    ansur, Andr Luis, 1969O Velho Oeste carioca: Histria da ocupao da Zona Oeste do Rio deaneiro De Deo oro a Sepeti a o scu o XVI aos ias atuais An r Luis

    ansur. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2008.80 p., 21cm.

    SBN 978-85-7823-01 -2

    Impresso no Brasil.

    Direitos reservados ao autor.

    E-mail do autor: [email protected]

    Ibis LibrisRua Almirante Alexandrino, 2746-A

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    da tradio oral do Realengo que nas suas viagens para Santa

    ruz, D. Pedro I e sua comitiva paravam na fonte de pedraa greja, para que seus cava os e essem gua, enquanto e e

    buscava sofregamente a magnfica pinga do vendeiro que ficavaefronte, famosa desde Campinho at Campo Grande...

    istria as ruas o io, e rasil erson

    onte do Rio Guandu, ou Ponte dos Jesutas (sc. XVIII), antiga Estrada Real,anta Cruz, Zona Oeste o Rio e Janeiro.

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    INTRODUO

    Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro citada nos livros

    e Histria do Brasil por dois aspectos: a invaso de piratasranceses em Guaratiba, no ano de 1710, e as longas temporadase D. Joo na antiga fazenda dos jesutas, em Santa Cruz, no

    incio do sculo XIX.O resgate do patrimnio histrico da regio,

    esconhecido da maioria dos seus prprios moradores, temido feito por escritores e pesquisadores da Zona Oeste, muitas

    vezes com recursos prprios, e contando com a ajuda de amigospara divulgar seus trabalhos.

    preciso, no entanto, fazer justia a importantes

    cronistas do Rio Antigo que no deixaram de mencionar o entochamado serto carioca em seus livros, como MonsenhorPizarro, Vieira Fazenda, Brasil Gerson e Noronha Santos. E indispensvel, tambm, citar os ilustres viajantes europeus queconheceram de perto a regio, como Debret, Maria Graham es naturalistas Spix e Martius, que, com seus relatos e imagens,eixaram um rico acervo, principalmente nos aspectos mais

    prosaicos, que, muitas vezes, passam despercebidos naspublicaes oficiais.

    Este livro rene, assim, material dos pesquisadores

    locais, como tambm de autores mais conhecidos, e traz umaviso geral da regio que vai do Campo dos Afonsos at Sepetiba,oda ela atravessada pela antiga Estrada Real de Santa Cruz.

    No foram includas, no entanto, outras reas que fazemparte da Zona Oeste, como Jacarepagu e Barra da Tijuca, poraltarem subsdios para uma pesquisa mais detalhada e para noornar o trabalho extenso demais.

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    O objetivo desta pesquisa chamar a ateno para ariqueza histrica da regio, e a melhor forma de valorizar umugar dar a conhecer o seu passado, identificando aqueles queajudaram a ser o que hoje.

    ES RADA REAL DE SAN A CRUZO caminho da riqueza

    O nmero 390 indica o itinerrio: Passeio-Sepetiba. Quando omotorista entra, logo surge o comentrio dos passageiros, se forento (Ih, esse deito) ou rpido (O piloto bom).

    O nibus sai da Rua do Passeio, na Cinelndia, centroo Rio de Janeiro, e vai at a praia de Sepetiba, no extremoeste da cidade. A viagem dura cerca de duas horas, se o trnsitoa Avenida Brasil estiver bom, num percurso de mais de setentauilmetros, o mais extenso da cidade.

    razo de comear um livro de Histria citando

    uma linha de nibus ainda ativa simples. Se mesmo hoje,ercorrendo a pista seletiva de uma avenida quase sem sinaise trnsito, em nibus rpidos, em que, nos momentos maisnimados, o motorista passa dos cem por hora, d para imaginar

    como era a situao numa poca em que s havia trilhas e burrosara percorr-la e o caminho mais rpido para se chegar ondeoje o ponto final da linha 390 era pelo mar.

    t a chegada da estrada de ferro na Zona Oeste, nonal do sculo XIX, o nico caminho para se chegar regiora a Estrada Real de Santa Cruz, antes chamada de Caminho

    os Jesutas, j que foram os padres da Companhia de Jesusue abriram boa parte dela quando montaram sua importanteazenda em Santa Cruz.

    Estrada Real, segundo o escritor Lima Barreto, era maisimportante para a economia nacional do que a elegantssima

    sofisticada Avenida Central (atual Avenida Rio Branco),centro econmico e social do centro da cidade no sculo XX. A

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    firmao faz sentido se entendermos que aquela era a estradaos tropeiros, comerciantes, mineradores e donos de engenhosplantaes de caf, primeiro ponto para se chegar a So Paulo,

    Minas e s riquezas do interior do Brasil.Foi por ela que D. Pedro I cavalgou para proclamar a

    independncia, tendo descansado na Fazenda de Santa Cruzepois que partiu, no dia 14 de agosto de 1822:

    Partindo da Quinta da Boa Vista, foi D. Pedro pernoitar

    em Santa Cruz e a se achava quando lhe anunciarama presena de Joo Carlos Oeynhausen, vindo para aCorte, de sua ordem. O presidente da Junta de SoPaulo, a quem faria mais tarde Marqus de Aracati eseu ministro, pediu-lhe em vo uma audincia: que seapresentasse sem demora Princesa Real D. Leopoldinae ao ministro Jos Bonifcio, tal foi o recado transmitidopelo gentil-homem Canto e Melo. (A vida de D. PedroI, vol. 2, Octvio Tarqunio de Sousa)D. Pedro seguiu viagem e ainda passaria pela Fazenda

    e So Joo Marcos, em Itagua. Na ida, levou doze dias parachegar a Minas e, na volta, aps proclamar a independncia emSo Paulo, foi direto para a Corte, percorrendo o trajeto emcinco dias. Antes das melhorias realizadas na estrada durante

    perodo em que D. Joo, encantado com as paisagens maisfastadas do burburinho da Corte, passou a despender longasemporadas na sede da fazenda, transformada em Palcio Real,ra penoso trafegar por ela.

    Para exemplificar, basta citar trechos dos dirios denaturalistas europeus, que comearam a visitar o Brasil aps a

    chegada da Corte portuguesa, em 1808. Entre eles, os austracosJohann Baptist von Spix e Carl von Martius falam do incio deuma viagem pela estrada, no dia 8 de dezembro de 1817:

    Apenas havamos enveredado pelo atalho que sai naestrada larga de Santa Cruz, quando uma parte dosnossos cargueiros se deitou no cho, outra parte seespalhou por entre casas e chcaras, e tambm algumas

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    muita gente acredite que o termo estrada real se justifique porla ter sido freqentada por D. Joo e a nobreza, h quem aefina como o caminho mais seguido, mais franco e, portanto,que apresenta menos riscos de dificuldades (O Rio de Janeiro

    Imperial,Adolfo Morales de los Rios Filho). Mas para entendercomo se desenvolveu toda esta regio atravessada pela EstradaReal de Santa Cruz preciso compreender como funcionava

    sistema de ocupao do espao fsico na poca, o sistema

    as sesmarias, as grandes pores de terras doadas pelo Rei auem ele julgasse que as mereciam e que poderiam cultiv-laspovo-las.

    SESMARIASMuita terra para poucos donos

    Sesmaria era a data de terra desaproveitada, doada pelo rei algum. E sesmeiros eram os que o rei tornava proprietrios de

    erras de sesmaria. Muitas vezes o rei concedia autorizao paraue a Cmara ou o Senado da Cmara concedesse sesmarias enomeasse, por conseguinte, os respectivos sesmeiros (O Rio de

    Janeiro imperial,Adolfo Morales de los Rios Filho).As sesmarias precisavam ser aproveitadas em trs

    nos, no mximo, caso contrrio no seria renovada a posse.Outra dificuldade: a rea, que devia ser medida e demarcada,conforme preceito antigo e reiterado, estava, no obstante,ujeita a ser eventualmente desfalcada, dado que, nas concesses

    mais remotas como nas mais recentes, se usava consignar a

    brigao de dar caminhos pblicos e particulares para fontes,portos, pontes e pedreiras ( esmarias e terras devolutas, RuyCirne Lima).

    Outra definio para sesmaria diz que o termo viria deesmo, palavra derivada do latim seximus, o sexto, e que assime explicava por ser a sesmaria, originalmente, dividida entreeis pessoas, cada uma cuidando de uma parte da terra. Nas

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    randes propriedades, o sesmeiro poderia fazer subconcesses eforamentos, caso das grandes propriedades da Zona Oeste.

    O caso do Rio de Janeiro parece tpico e particularmenteinteressante, porque nos mostra como a frmula dasesmarias vai permitir criar uma cidade e rode-la dexploraes rurais, sobretudo engenhos de acar e

    criaes de gado, que lhe permitiam a vida econmicanecessria. ( evista do IHGB,n. 348, As sesmarias no

    ireito luso-brasileiro, Marcelo Caetano)ssim, a Zona Oeste, chamada de serto carioca

    elo escritor e pesquisador Magalhes Corra no livro demesmo nome sobre Jacarepagu, foi desde o incio uma terra

    e latifndios, de senhores e senhoras de engenhos e fazendas,cujos limites na maioria das vezes imprecisos davam origem aconflitos e processos judiciais que podiam se arrastar por anos.Com o tempo, essas grandes pores de terra foram sendoragmentadas, principalmente devido ao declnio da produoos engenhos e das lavouras, dando origem a fazendas eropriedades menores e da a bairros e localidades que muitas

    vezes mantiveram os nomes dos engenhos e fazendas que lheseram origem.

    Serto, na verdade, era a terra que ficava ao longe ecomeava no limite suburbano das cidades e vilas, nos lugares

    or onde passavam afastados rios, nas florestas espessas, nosvales cercados por altaneiras montanhas; principiava no

    esconhecido que tanto se desejava conhecer (O Rio de Janeiromperial, Adolfo Morales de los Rios Filho).

    regio, na verdade, s passou a se integrar de fatocidade do Rio de Janeiro com os limites de hoje a partir do

    to Adicional de 1834, que criava o Municpio Neutro ou daCorte, e que na prtica separava a capital da provncia do Rioe Janeiro (antes, as freguesias mais distantes eram chamadas dereguesias de fora). Santa Cruz, por exemplo, freguesia desde ono anterior, se desligava do Termo (correspondente aos limitesos atuais municpios) de Itagua para receber o batismo de

    terra carioca.

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    Com a proclamao da Repblica, a regio se tornouzona rural do Distrito Federal, at que, em 1960, com a

    ransferncia da capital para Braslia, ela passou a ser a ZonaOeste do Estado da Guanabara e em 1975, com a fuso dos

    stados da Guanabara e do Rio de Janeiro, passou a ser a ZonaOeste da cidade do Rio de Janeiro. As freguesias e parquiasinham os mesmos limites e abrangiam respectivamente as

    jurisdies administrativas e religiosas das regies (lembrando

    ue at a chegada da Repblica a Igreja Catlica era ligadaficialmente ao Estado).

    O surgimento da estrada de ferro, no final do sculoXIX, fez com que a concentrao populacional e comercial severificasse prximo s estaes de trem. Alm disso, a construo

    e novas estradas, muitas delas atravessando montanhas que sram percorridas por trilhas e caminhos complicados, integrou

    mais ainda a regio ao restante da cidade.A histria da Zona Oeste comea, assim, por Guaratiba,

    nde, em 1567, dois anos aps a fundao da cidade de So

    Sebastio do Rio de Janeiro, o capito-mor Cristvo Monteirorecebia suas primeiras sesmarias devido aos servios prestadosna luta contra tamoios e franceses pela conquista da cidade.

    Como se ir perceber, esta uma histria de poucasamlias, quase sempre com algum tipo de relacionamentontre si. No poderia ser diferente. Naquela poca, em que o

    prprio Brasil ainda era uma terra desconhecida na sua maiorparte e ainda se lutava contra os ndios e os mistrios da mata,no eram muitos os que se dispunham a vir da Europa para seventurar pelos sertes.

    GUARATIBAA restinga e as garas

    Cristvo Monteiro foi um dos homens mais importantes destaase inicial da fundao do Rio de Janeiro, tendo chegado ao

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    Brasil em 1532, junto com a expedio de Martim Afonso deSousa.

    Depois de lutar pela conquista das terras cariocas, elereceberia algumas sesmarias como recompensa, entre elas umaue abrangia parte dos atuais bairros de Guaratiba e Santa

    Cruz. Seu objetivo, como o de todos os outros, era o de povoar, principalmente, de extrair o mximo de riquezas que pudesseo lugar.

    Cristvo seria nomeado ouvidor-mor do Rio de Janeirontre 1568 e 1572. Segundo Elysio de Oliveira Belchior, que

    no livro Conquistadores e povoadores do Rio de Janeirofez umaminuciosa pesquisa sobre as primeiras famlias que comearam

    ocupar a cidade, Cristvo teria morrido entre 1574 e 1577.Sua esposa, Marquesa Ferreira (este Marquesa era nome prprio,eminino de Marques, no tendo nenhuma relao com a

    nobreza) doaria, em 1589, metade das terras aos jesutas, comoe ver no captulo sobre Santa Cruz. A outra metade foi doada

    no ano seguinte pela filha do casal, Catarina Monteiro, junto

    com o marido, Jos Adorno (outro dos fundadores do Rio,inha um engenho em So Vicente), tambm para os jesutas,mas em troca de terras em Bertioga, So Paulo.

    Um dado curioso sobre a Marquesa que ela era netae Joo Ramalho, um dos personagens mais interessantes desteerodo inicial da Histria do Brasil. Segundo conta Elysio no

    ivro citado, a me da Marquesa, Joana Ramalho, era filha deoo com uma ndia, Isabel. No livro Nufragos, traficantes eegredados, Eduardo Bueno explica que esta Isabel, na verdade,e chamava Bartira, ou Mboy (Flor de rvore, em tupi), e era

    principal das muitas concubinas de Joo Ramalho, que viviano Brasil provavelmente desde 1508, e se instalara na Serra doar, a cerca de 100 km da costa.

    Por viver amancebado com Bartira, segundo contaBueno, o jesuta Simo de Lucena o excomungou em 1550,mas o padre Manuel da Nbrega, que comandava os jesutasno Brasil e precisava do apoio de Joo Ramalho para catequizar

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    s ndios, passou a se empenhar para que ele se casasse comBartira, o que aconteceu em 1553. Ela foi, ento, batizada com

    nome de Isabel. Depois Joo Ramalho seria nomeado capito-mor da Vila de Santo Andr, em So Paulo, e teria morrido em1580, aos 95 anos.

    Marquesa Ferreira e Cristvo Monteiro moravam ondehoje o Cosme Velho, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro,numa das sesmarias recebidas por ele e cuja localidade ficou

    conhecida como Moinho Velho.

    A FILHA DE BRS CUBAS

    Outro conquistador da cidade que recebeu terras em Guaratibaoi Manuel Veloso Espinha, que tambm havia lutado, em

    1575, contra os tamoios e franceses que se refugiaram em CaboFrio.

    Nomeado Oficial da Cmara em 1584, antes disso, em

    1579, ele recebeu, junto com a esposa, Jernima Cubas, umaesmaria em Guaratiba. Jernima era filha ilegtima de BrsCubas, capito-mor de So Vicente, outro famoso personagem

    a Histria do Brasil, que entraria para a fico pelas mos deum homnimo criado por Machado de Assis em Memrias

    pstumas de Brs Cubas. Como se v, as famlias eram mesmoiminutas nessa poca.

    A sesmaria compreendia cinqenta e dois quilmetrosuadrados, entre os rios Guandu e Guaratiba, alm de uma ilhatodas as guas entradas e sadas, conforme est na carta de

    oao (Conquistadores e povoadores do Rio de Janeiro, Elysioe Oliveira Belchior). Seus dois filhos, Jernimo e Manuel,herdaram as terras, e Jernimo, j casado com Beatriz lvaresGago, repassou, em 1629, parte delas aos carmelitas. Em troca,les teriam de pagar algumas dvidas acumuladas por eles,

    protegerem trs enjeitados, rezarem missas pelos doadores elhes darem sepultura na capela de Nossa Senhora do Desterro,

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    rguida beira da praia por Jernimo e sua esposa e que aindaxiste, embora tenha sido reconstruda e bastante alterada.

    ps a doao de Jernimo, os carmelitas aindareceberiam, em 1669, outra poro de terras, desta vez doovernador do Rio de Janeiro, Pedro Mascarenhas. Estas terras

    reunidas formaram a Fazenda da Pedra, estabelecida em 1770,cujo convento, que ficava atrs da capela de Nossa Senhorao Desterro, foi demolido em 1953 para ser construdo o

    oteamento Vila Mar. O convento mantinha total controleobre a administrao da fazenda e sua produo. A Fazendaa Pedra tinha engenho de acar, criao de bois e cavalos,lm de plantao de mandioca, milho e legumes e era bastantextensa, atingindo os limites de propriedades na rea de Campo

    Grande (Magara, Cachamorra, Inhoaba) e da Fazenda deSanta Cruz.

    J antes do sculo XX, boa tarde dela j estava vendida,ando origem, mais tarde, a localidades como a de Santa

    Clara.

    FACA DE PONTA

    m 1750, o capito-mor Fradique de Quevedo Rondon e Marianna da Costa Bueno doaram parte de suas terras matrize So Salvador do Mundo de Guaratiba, erguida em 1676,uando foi criada a parquia, e que tambm existe, no topo de

    uma pequena colina na Estrada da Matriz.ssas terras tinham sido doadas em 1723 a Sebastio

    e Siqueira, afilhado dos doadores, mas a doao foi anulada

    m 1735, porque o afilhado passou a ser ingrato e desatenciosocom os padrinhos:Ao ser dissipado dos seus bens, o afilhado disse vriasinjrias e se atreveu a empunhar uma faca de ponta paramatar o padrinho, fato presenciado por vrias pessoas,ue impediram o crime. ( onos do Rio em nome do Rei,

    Fania Fridman)

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    Em relao aos mangues da Barra de Guaratiba, haviauma Carta Rgia de 1678 que os definia como realengos e,portanto, impedia qualquer apropriao particular. Uma lei de1834 tambm determinou que estes terrenos pertenceriam dministrao do novo Municpio Neutro ou da Corte.

    Outras propriedades importantes em Guaratibaforam: So Joaquim, Itapuca, Bica, Morgado, EngenhoNovo, Engenho da Ilha, Engenho de Fora, Carapi e

    Cachamorra. O Centro Tecnolgico do Exrcito ocupauma rea que pertenceu Fazenda de Itapuca e aoEngenho de Fora. ( onos do Rio em nome do Rei, FaniaFridman)

    A MARAMBAIA DOS BREVES

    Qualquer descrio da Restinga da Marambaia, na praia de Barrae Guaratiba, por mais potica que fosse, seria injusta. uma

    as mais belas vistas da cidade, principalmente ao pr-do-sol,seus mais de quarenta quilmetros de extenso permanecempreservados pelo Exrcito, que possui no local um Polgono deTiro e, mais ao sul, na ilha de Marambaia, pela Marinha.

    Diversas espcies animais e vegetais esto a salvo dextino por uma disciplina rgida, que s permite a entradae poucas pessoas e, mesmo assim, com carteirinha. Masque muita gente que se aventura pela Restinga no sabe

    ue toda aquela beleza natural tem uma histria rica, ligada,principalmente, a um dos nomes mais poderosos do Brasil

    colonial: o comendador Joaquim Jos de Souza Breves, dono demais de vinte fazendas, a maioria com plantaes de caf.Suas terras se estendiam por toda a Costa Verde,

    principalmente em Mangaratiba, mas era na Marambaia, ondecava a fazenda de So Joaquim, de funo mais importanteue a de produzir caf, milho e mandioca, que se concentravaseu poder:

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    Marambaia era a praia de banhos do cl patriarcalo mesmo tempo em que a porteira de entrada da suascravaria, cujo isolamento frustrava a fiscalizao dorfico negreiro pelos navios britnicos a servio deeus interesses coloniais. Marambaia era tambm umaazenda cultivada, visto que todos os domnios dos

    Breves tinham de produzir. Pelas encostas de seu morroubiam cafezais, mandiocais e milharais. O seu fim

    rincipal, todavia, era o de receber e aprimorar a mo-e-obra para os latifndios de serra acima. (O homem e

    a guanabara, Alberto Lamego)Toda esta riqueza, assim como a de muitos outros

    azendeiros importantes da poca, teve fim com a abolio dascravatura, em 1888:

    Com a Lei urea a paisagem cultural da Marambaiapagou-se como um desenho a giz sob a passageme uma esponja. (O homem e a guanabara, Alberto

    Lamego

    Fazenda de So Joaquim foi vendida em 1891 pelaviva do comendador, Maria Isabel de Moraes Breves, paraCompanhia Promotora de Indstrias e Melhoramentos,

    ue a transferiu em 1896 ao Banco da Repblica do Brasil.ndividado com o governo, o Banco repassou Unio seus

    bens e propriedades, entre eles, a fazenda, para diminuir seusbitos.

    Em 1897, o Ministro da Marinha solicitou a aquisioa Marambaia, cuja escritura foi lavrada em 1905 pelo

    Banco da Repblica e a Fazenda Nacional pelo preo

    e noventa e cinco contos de ris. (O homem e aGuanabara,Alberto Lamego) Marambaia no deixou de ser vista pelos muitos

    viajantes europeus que se aventuraram pelo velho oeste cariocaogo aps a chegada de D. Joo ao Brasil, em 1808. Naquele

    mesmo ano, chegava ao pas John Luccock, comerciante inglsue s iria embora dez anos depois e descreveu uma pequena

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    ventura naquelas guas nem sempre calmas e que serve comoilustrao da vida na regio h dois sculos:

    Ao atravessarmos de um lado para o outro, pela frentede um amplo espao coberto de mangue, quase tivemosum acidente fatal; uma rajada sbita de vento deitoua canoa de bordo, com a vela ngua; endireitou-se,porm, e prosseguimos em nossa rota ao compridodo litoral oeste, apreciando o pitoresco do cenrio e o

    conforto aparente dos seus habitantes. (Donos do Rioem nome do Rei, Fania Fridman)

    INVASO FRANCESA

    No dia 6 de agosto de 1710, o capito-de-fragata francs Jean-Franois Du Clerc, comandando uma esquadra de cinco navios

    e guerra e uma embarcao menor, chegou costa cariocacom o firme propsito de invadir o Rio de Janeiro. Alertado

    obre a invaso com bastante antecedncia, o governador doRio de Janeiro, coronel Francisco de Castro Morais, tratou deortalecer as defesas da cidade. Atacados pelas fortalezas da Baae Guanabara, a frota francesa tratou de se afastar e seguir parasul, no sem antes levar junto uma embarcao brasileira

    ue chegava da Bahia e se iludiu com a bandeira inglesa ques franceses haviam hasteado. Enquanto isso, o governador

    mandou que fossem guarnecidas as defesas das praias da Pescariada Pedra de Guaratiba, assim como alertou as autoridades de

    Santos e da Ilha Grande, onde os franceses estiveram ancorados

    ntre os dias 27 e 31.Ao saquearem algumas fazendas, foram atacadospor moradores, que mataram seis franceses e feriram outros,egundo relato do governador:

    A cinco de setembro, lanaram gente em terra, nailha chamada da Madeira. Com trezentos homens,praticaram roubos em um engenho, sem achar oposio,

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    l encontraram poucos escravos. (Os franceses no Rioe Janeiro, Augusto de Tasso Fragoso)

    Os franceses mandaram algumas embarcaesondarem a costa, at perto do centro da cidade, e novamenteoram repelidos. Acharam, ento, que o menos arriscado seria oesembarque na praia da Barra de Guaratiba, um local com poucaefesa, exatamente por causa do mar violento e das montanhasm volta. O governador escreveu uma carta ao Rei de Portugal

    izendo que quatro escravos fugidos foram se encontrar coms franceses e os guiaram pelas serras e matas em volta, at hojeocais de difcil acesso. Na carta, Francisco de Castro Moraisfirma ainda que trs dos negros foram sentenciados morte euas cabeas e quartos postos pelos caminhos por onde guiarams franceses (Os franceses no Rio de Janeiro, Augusto de Tasso

    Fragoso). O quarto teria fugido.O desembarque foi feito no dia oito de setembro, tempo

    uficiente para que o governador tivesse tempo de preparar suasefesas:

    Na noite seguinte teve o governador esta notcia peloCapito de Cavalos Jos Ferreira Barreto, que governavaguarnio de Guaratiba at Santa Cruz. (Memrias

    istricas do Rio de Janeiro, vol.IMonsenhor Pizarro)qui, no entanto, comea o grande mistrio de toda

    sta histria. Qual o caminho seguido pelos franceses? Quantosvveres e munies eles levaram para atravessar o rduo caminho?H um mapa com os dois possveis percursos seguidos pelosranceses at chegarem ao Engenho Velho dos jesutas, na alturao atual bairro da Tijuca. Uma primeira hiptese a de que eles

    eriam seguido pelos campos do Grumari, seguindo pela Estradaas Piabas, at desembocar nos Campos de Sernambetiba, anoroeste da Lagoa de Marapendi (Os franceses no Rio de Janeiro,

    ugusto de Tasso Fragoso).m outra hiptese, os franceses teriam seguido pela

    vertente oeste do macio formado pelos morros de So Jooa Mantiqueira e de Santo Antnio da Bica, atravessando os

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    matagais da Grota Funda, at chegar ao Engenho da Vargem,os padres beneditinos.

    Finalmente, da e do Engenho do Camorim, teriamas foras comandadas por Du Clerc prosseguidopara nordeste, fraldeando os montes pela plancie de

    Jacarepagu e pela Estrada Geral at o Engenho Velho,onde foram positivamente assinaladas na tarde de 18 desetembro. (Os franceses no Rio de Janeiro, Augusto de

    Tasso Fragoso)Alguns historiadores argumentam que os franceses

    eriam seguido por Santa Cruz e Campo Grande, contornandoSerra de Bangu, ou pela Barra da Tijuca, atravs do Alto da

    Boa Vista. A verso mais comum, no entanto, a de que oesembarque teria se efetuado no canal que separa da terrarme a ponta leste da Restinga da Marambaia, pois to

    prximos eram, na Barra de Guaratiba, a praia e o canal, e toavorveis operao os dois pontos citados, que os franceses,em maiores tropeos, poderiam mesmo ter desembarcado

    m ambos, simultaneamente (Os franceses no Rio de Janeiro,ugusto de Tasso Fragoso).Pela ausncia de um dirio de expedio de Du Clerc,

    no h condies de se esclarecer com certeza como se deusta incrvel aventura de cerca de mil franceses, corajosos, semvida, por matas tropicais e de difcil acesso at hoje. bem

    possvel que muitos dos franceses que empreenderam estaventura j tivessem passado por aquela rea, pois era comum a

    presena de holandeses e franceses na Baa de Sepetiba. Muitosaziam comrcio com moradores da Ilha Grande e, como se

    ver no captulo sobre Santa Cruz, j houve combate por lntre foras do Rio de Janeiro e holandesas.Em 1695, por exemplo, a fragata francesa do almirante

    Gennes entrou naquela regio para o tratamento de algunsmarinheiros doentes, sendo que alguns acabaram ficando noRio de Janeiro durante certo tempo. provvel que alguns dosmarinheiros desta viagem viessem a tomar parte nas expedies

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    e Du Clerc e de Duguay-Trouin (esta em 1711) atuando comouias.

    Voltando aventura de Du Clerc e seus comandadoselas serras e matas de Guaratiba, sabe-se que eles chegaramo centro da cidade no dia dezenove e enfrentaram muita

    resistncia das tropas do governo, entrincheiradas entre osmorros da Conceio e de Santo Antnio. Mesmo contornando

    trincheira, os franceses foram contra-atacados na Rua Direita

    atual Av. Primeiro de Maro) por estudantes do Colgio dosesutas, que ficava no extinto morro do Castelo, reunidos sobcomando do capito Bento do Amaral Coutinho (ou Gurgel,

    como est em alguns livros). Gregrio de Castro Morais,irmo do governador e o frei Francisco de Meneses tambmrganizaram milcias, inclusive com a presena de escravos e

    judaram, de forma significativa, na vitria contra os franceses,ue se renderam na Rua da Alfndega.

    posio do governador, de manter uma espcie derincheira facilmente contornvel, foi muito criticada pelosistoriadores, pois ele nem chegou a afrontar os inimigos nemrdenou tropa ansiosa de haver s mos os contrrios, soltar

    contra eles um tiro, ao menos, de canho (Memrias histricaso Rio de Janeiro, vol. IMonsenhor Pizarro).

    O combate ainda se travou violento (inclusive com amorte de franceses por populares nas ruas e de Bento do AmaralCoutinho) prximo Casa dos Governadores (atual PaoImperial) e no Trapiche da Cidade (tambm naquela rea), umaspcie de entreposto de mercadorias que, por pouco, no foixplodido por ordem do governador.

    Os navios franceses que estavam prximos Ilha Grande

    oram socorrer seus compatriotas na cidade, mas de nadadiantou. Acabaram se rendendo, entregando os prisioneirosa embarcao que viera da Bahia, e seguiram para a Martinica.eriam sido feitos 600 prisioneiros franceses e mortos mais de

    300, sendo que das foras do governo cerca de 50 morreram80 ficaram feridos. No h, no entanto, um nmero preciso

    ntre os historiadores.

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    Certo mesmo foi o trgico desfecho de Du Clerc, presono Colgio dos Jesutas, enquanto os oficiais foram levados para

    Convento de Santo Antnio.No do Carmo, ficaram os dois sacerdotes que haviamvindo com os expedicionrios. Na cadeia e na Casa daMoeda, a soldadesca. Desgostoso com a vida do Colgio,solicitou Du Clerc do governador ser transferidopara outro lugar. E foi para a casa do ajudante de

    tenente Gmez da Silva. Era na rua que ia da Cruzpara o Campo, identificada por Vieira Fazenda comoa esquina da Rua da Quitanda com a desaparecidaGeneral Cmara. Nessa casa, ficou sob a vigilncia dosmesmos soldados que o guardavam no Colgio. Masa 18 de maro de 1711, entre as sete e oito horas danoite desse tempo, uns embuados que eram quatro invadiram a casa e assassinaram Du Clerc. Aventurasamorosas teriam sido a causa... ( evelao do Rio de

    Janeiro, Eduardo Tourinho)

    Os assassinos de Du Clerc nunca foram identificadosnaquele mesmo ano outro pirata francs, Duguay-Trouin,frente de uma frota muito maior, enfrentou as fortalezas da

    Baa de Guanabara, inexplicavelmente desprotegidas, apesaros avisos de que uma nova invaso francesa estava prestes acontecer.

    Aps uma srie de erros cometidos pelo governadorFrancisco de Castro Morais, tomaram a cidade e s foram emboraps o pagamento de um resgate. Neste livro, que s trata da

    histria da regio da Zona Oeste, no cabe aqui um espao

    maior para esta segunda invaso, mas o assunto, extremamentepolmico quanto ao papel do governador, que logo em seguidaeria banido do cargo, foi estudado exaustivamente, nos livros

    citados, inclusive. Monsenhor Pizarro e Augusto Tasso Fragososto entre os maiores crticos do governador, embora um outro

    cronista importante, Noronha Santos, o inocente no livroCrnicas da cidade do Rio de Janeiro

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    uitos anos depois das invases francesas, o Marquse Lavradio (D. Luiz de Almeida Portugal), terceiro vice-

    rei do Brasil (1769-1779), fortificou a regio por onde DuClerc invadiu a cidade. Mandou colocar canhes nos pontosstratgicos daquela rea costeira. Assim, na Barra da Lagoa,oram dispostas duas baterias. Outras duas, com o nome de

    Itapo e Pontal, na praia prxima a Sepetiba; trs no desfiladeiroo Engenho Novo e Serra do Mateus, nas cabeceiras do rio

    ue passou a ser conhecido como Fortaleza. Foi por a que orancs chegou cidade, local onde hoje corre a Estrada Graja-acarepagu (...). Colocou duas baterias tambm na Barra daijuca e no Alto da Boa Vista, todas elas cobrindo as estradasue levavam povoao maior, de tal forma que qualquer foraesembarcada entre a Ponta da Gvea e a Barra de Guaratibaeria prontamente rechaada acarepagu de antigamente ,

    Carlos Arajo).Os franceses no voltaram, pelo menos no como

    inimigos, pois no sculo seguinte invadiriam e conquistariam

    Brasil de forma pacfica, atravs dos costumes, modismos eo vocabulrio.

    IGREJAS

    regio de Guaratiba ainda mantm algumas igrejas muitontigas em bom estado de conservao. Elas simbolizam a pocam que a presena religiosa na ocupao da terra era intensa.

    capela de Nossa Senhora do Desterro, j citada, foi

    reconstruda no final do sculo XVIII e bastante alterada de lara c. Fica na Pedra de Guaratiba, em frente Restinga daarambaia, na praia denominada da Capela. Em frente, bate

    um vento constante, semelhante ao de Cabo Frio e, em volta, muitas garas, justificando o nome da regio, que significa,m tupi-guarani, grande quantidade de garas (guar = gara;iba = advrbio de quantidade).

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    Sobre a capela, h uma lenda, descrita em livros eperidicos antigos, que fala de uma ndia, cega, velha e leprosa,ue teria sido curada aps uma viso de Nossa Senhora queeria ordenado que erguessem uma capela beira da praia.

    J a Igreja de So Salvador do Mundo foi construda umpouco depois, em 1676. Era a matriz da recm-criada parquia,u freguesia, de So Salvador do Mundo de Guaratiba. A igreja

    ruiu em 1730 e foi reerguida pelo bispo Dom Antnio de

    Guadalupe. No incio do sculo XX, serviu de refgio contra aripe espanhola.

    A capela de Nossa Senhora da Sade e So Sebastio, quejunto com a de So Salvador do Mundo e a de Santo Antnio

    a Bica, foi saqueada por Du Clerc durante a invaso francesa,de 1650, aproximadamente. De difcil acesso, no alto do

    morro da Vendinha, foi usada como ponto de fiscalizao dorfico negreiro feito na Marambaia por Jos Joaquim de Souza

    BrevesOutros templos religiosos importantes dessa poca so

    s igrejas de Santo Antnio, erguida antes de 1793 por FranciscoFreire, e a de SantAna, fundada na fazenda da Pedra peloscarmelitas. A capela de Santo Antnio da Bica foi fundada porBelchior da Fonseca Dria em 1681 e totalmente reformadapor Burle Marx, com orientao dos arquitetos Lcio Costa

    Carlos Leo, quando o paisagista comprou o stio de Santontnio da Bica, atual stio Roberto Burle Marx.

    ILHA DO SEU WILLIAM

    denominao de Ilha de Guaratiba at hoje gera controvrsias.ilha, na verdade, no existe, uma grande poro de terraem ligao com o mar. A verso mais divulgada para o seu

    nome a de que viveu por l um oficial ingls, William, queeria chegado com a corte de D. Joo, em 1808. De tanto as

    pessoas falarem o seu William, de Guaratiba, o nome teriaido simplificado com o tempo para Ilha de Guaratiba.

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    Para Brasil Gerson, esta verso no pode ser aceita, pois um documento de 1806, anterior, portanto, chegada de D.oo, que j cita o Engenho da Ilha. Para ele, o nome pode terido originado dos muitos canais e valas que existiam na regioque, quando chovia, alagavam e deixavam um bom pedao de

    erra realmente cercado de gua, tanto que o principal meio deransporte nessas ocasies era a canoa.

    Ilha se formou no sop da serra da Grota Funda, que

    ra um difcil caminho (hoje asfaltado) usado por tropeiros,ue levavam a produo das fazendas para a cidade. Fania

    Fridman tambm cita o Engenho da ilha, que em 1806, doisnos antes da chegada de D. Joo, foi vendido a Francisco deacedo Freire.

    BURLE MARX E O MAJOR ARCHER

    Um dos locais mais visitados da Zona Oeste o antigo stio

    Santo Antnio da Bica, oficialmente stio Roberto Burle Marx,na Ilha de Guaratiba. O famoso arquiteto e paisagista comprourea em 1949 e l montou uma das mais ricas e diversificadas

    colees de espcies botnicas do Brasil. A residncia, umapica casa rural brasileira, possui rara coleo de cermica, alme gravuras e pinturas da autoria de Burle Marx, que morou

    de 1973 at sua morte, em 1994. O stio, aberto visitaoblica, foi doado por seu dono ao Instituto do Patrimnio

    Histrico e Artstico Nacional e abriga, numa rea de 600 milmetros quadrados, uma das maiores colees de plantas tropicais

    semitropicais do mundo, com cerca de 3.500 espcies. Fazenda da Independncia, tambm na Ilha deGuaratiba, tem histria. Seu antigo dono, o major ManoelGomes Archer, foi o responsvel pelo reflorestamento de boa

    arte da Floresta da Tijuca, devastada devido s plantaese caf, isto na metade do sculo XIX, uma poca em queraticamente no se falava ainda em ecologia e meio ambiente.

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    Manoel Gomes, dispondo de alguns escravos seis,para ser mais preciso plantou cerca de 100 mil rvoresde diversas espcies, transformando a regio na maiorfloresta artificial de que se tem notcia. Grande partedas mudas era oriunda da Fazenda da Independncia,de sua propriedade, em Guaratiba. acarepagu deantigamente, Carlos Arajo)

    Archer era amigo de D. Pedro II e costumava hospedar

    parte da comitiva imperial durante as visitas Fazenda de SantaCruz, da qual foi administrador.

    Guaratiba deixou de ser uma das mais importantesreguesias rurais do Rio de Janeiro no apenas com a abolioa escravatura, em 1888, mas tambm porque, no mesmo ano,

    houve uma seca que marcou a decadncia econmica de todaregio. Conforme visto anteriormente, muitos fazendeiros

    venderam suas terras, que foram transformadas em loteamentos,se mudaram, principalmente para Campo Grande, bairro

    ue, a partir da, exerceu um papel centralizador, concentrando

    ransportes, comrcio e servios.Somente com a inaugurao dos bondes entre CampoGrande e Guaratiba, em 1894, a economia da regio voltaria

    crescer. Mas nessa poca, outra localidade da Zona Oesteiniciava um rpido e bem-sucedido progresso: Bangu, at entouma rea rural bastante pobre, ganhava a sua fbrica inglesa e,com ela, um passaporte para o futuro.

    BANGU

    m bairro de sotaque inglsBangu citado principalmente por seus presdios de seguranamxima, pelo clube de futebol e por ser o bairro mais quente doRio de Janeiro, fenmeno causado pela sua situao geogrfica,ntre a serra do Mendanha-Gericin e o Macio da Pedra

    Branca, o que faz da regio uma espcie de estufa, com poucos

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    ventos e a formao de massas de ar quente. Mas a histria destebairro muito mais do que isso e est ligada fbrica construdano final do sculo XIX e que foi a principal responsvel pelaransformao de uma regio agrria em um bairro urbano e

    bastante desenvolvido.H uma controvrsia sobre a origem do seu nome.

    Para uns, Bangu origina-se de uma palavra tupi-guarani, queignifica paredo escuro, uma referncia proximidade do

    acio da Pedra Branca, o ponto mais alto da cidade do Rioe Janeiro, com 1.024 metros. Outros acreditam que a palavrae origine de bang, um termo africano que se refere a umaadiola de couro ou fibras, amarrada a dois varais e conduzidaor dois homens. Era usada principalmente no transporte de

    cana.primeira vez, no entanto, que o nome do bairro

    pareceu em documentos oficiais foi no sobrenome de AnaFrancisca de Castro, um dos dez proprietrios que a fazenda daual fazia parte o Engenho da Serra, depois Engenho Bangu,

    eria at o final do sculo XIX.Seu primeiro dono, Manuel Barcelos Domingues,construiu nas terras do engenho uma capela particular, sob ainvocao de Nossa Senhora do Desterro Me de Deus, que seornaria a matriz da parquia de Nossa Senhora do Desterroe Campo Grande, criada em 1673, quando aquela regio foiesmembrada da freguesia de Nossa Senhora da Apresentaoe Iraj e do Termo de Jacarepagu. Ou seja, embora hoje sejam

    bairros bastante distintos e independentes, Campo Grande, naverdade, surgiu em terras banguenses.

    O engenho produzia acar, lcool, cachaa e rapaduraa produo era transportada por escravos em carros de boi atporto de Guaratiba, onde eram embarcados principalmente

    ara o centro do Rio de Janeiro. Alm dos escravos, haviaomens livres que levavam sua produo para ser moda nongenho. O crescimento da fazenda provocou cimes e acirrou

    rivalidades entre outros proprietrios da regio. Esta pode ter

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    ido a causa do assassinato de Joo Manuel de Melo, o segundoono da fazenda (Bangu 100 anos: a fbrica e o bairro,Gracildalves de Azevedo Silva).

    Ana Francisca de Castro era viva do sargento-morJos Correia de Castro, o stimo dono da fazenda, e acabou se

    ornando uma figura extremamente polmica na histria antigaa Zona Oeste, principalmente por causa de seu jeito nada sutile resolver problemas de limites de terras, como contam vrios

    pesquisadores.Maria Incia, dona do Engenho Piraquara, Izidoro dos

    Santos, responsvel pelo Campo dos Afonsos no incio do sculoXIX, e seu genro Manuel Proena, tiveram problemas com AnaBangu, como ela passou a ser chamada. Os dois ltimos eramitiantes em terras de Realengo, com gado, caf e capim, queorneciam cavalaria do exrcito. Todos eles perderam seus

    patrimnios graas s artimanhas de Ana Francisca. ( angu,Roberto Assaf)

    Quando essa interessante personagem da histria doserto carioca morreu, em 1854, seu filho, o coronel Gregrio

    e Castro Morais e Sousa, o Baro de Piraquara, herdou aserras e as transferiu em 1870 para Manuel Miguel Martins, o

    Baro de Itacuruss, um prspero negociante da Zona Norte.Gregrio tambm se tornaria dono da Fazenda do Retiro.

    RQUITETURA BRITNICA AO P DA SERRA

    histria de Bangu pode ser dividida entre antes e depois dabrica que ajudou a popularizar o nome do bairro. Chamada

    ficialmente de Companhia Progresso Industrial do Brasil,Fbrica de Tecidos Bangu, como ficou conhecida, foi aprincipal responsvel pela urbanizao daquela regio, atnto predominantemente agrria. Alm disso, foi em tornoa fbrica que comeou a se organizar uma intensa vida socialcultural, com o surgimento da Sociedade Musical Progresso,ue teve como diretor o maestro Anacleto de Medeiros, do

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    Casino Bangu (assim mesmo, com um S s), do Bangu AthleticClub, de grupos carnavalescos como o Flor da Lira e o Flor daUnio, este formado s de negros, escolas e uma bela igreja, a deSo Sebastio e Santa Ceclia. Construda em estilo neogtico,la foi concluda em 1908 e entregue Arquidiocese, que criouparquia de Bangu.

    Foi nas terras do antigo engenho de Barcelos Dominguesue a Fbrica Bangu, instituda em 6 de fevereiro de 1889

    inaugurada oficialmente em 8 de maro de 1893, com aresena do ento presidente da Repblica, Floriano Peixoto,

    iria se expandir. Comeava ali um rpido e bem planejadorocesso de urbanizao, que deixaria marcas at hoje, como oraado das ruas em torno da fbrica.

    fbrica foi um empreendimento de comerciantesortugueses ligados ao comrcio atacadista de tecidos e a outrasbricas txteis. Seu capital inicial, na maior parte, era da praao Rio de Janeiro. A princpio, ela seria construda na chcarao Duque de Caxias, na ento buclica Rua Conde de Bonfim,

    na ijuca.S existiam trs fbricas de tecidos na cidade, a Aliana,

    m Laranjeiras, a Carioca, no Jardim Botnico, e a Confiana,m Vila Isabel. Como o fornecimento de gua era irregular,

    engenheiro Henrique de Morgan Snell, responsvel pelaconstruo, optou por Bangu, j que o Macio da Pedra Branca

    toda a regio montanhosa em volta at hoje um lugarrivilegiado em nascentes e cachoeiras.

    deciso foi estratgica, pois a gua era indispensvelm seis das oito etapas do processo txtil. A chegada da linhaerroviria a Santa Cruz, em 1882, tambm foi importante para

    escolha. A estao de Bangu foi inaugurada em 1 de maio de890 e a companhia tratou logo de construir um novo ramal,e 400 metros, onde duas locomotivas, as maquinazinhas,aziam a comunicao entre a estao e a fbrica.

    Uma medida semelhante foi tomada no Matadouroe Santa Cruz, onde o pequeno ramal ligando o matadouro stao de trem ainda existe, embora esteja abandonado e cheio

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    e capim. A fbrica compreendia a rea de quatro fazendas margem da estrada de ferro: Bangu, do Retiro e os stios do

    gostinho e o dos Amarais as duas ltimas faziam parte daFazenda do Guandu do Sena. Alm disso, foram compradass cachoeiras do Fundo e do Agostinho. Com a aquisioe novas reas, principalmente devido preocupao com os

    mananciais, a fbrica ocupou um espao de pelo menos 40km2, o que equivale a quase o tamanho do bairro de Bangu

    hoje.Sua influncia na vida da comunidade, tanto social

    uando cultural, poltica e econmica, foi intensa e s diminuiriaum pouco na dcada de 30, com a reduo da atividade txtil.

    companhia teve, ento, de vender parte de suas terras e novastividades econmicas foram se estabelecendo na regio.

    O conjunto de edifcios da fbrica, tombado pelaprefeitura, foi construdo na rea da antiga Fazenda de BarcelosDomingues, perto da estrada de ferro e ocupando quase

    ezenove quilmetros quadrados. A arquitetura da fbrica

    tipicamente britnica, com seus tradicionais tijolinhosvermelhos, e se manteve em outras construes patrocinadaspela companhia. Boa parte do material de construo veio daInglaterra e os mecanismos para a fabricao de tecidos eramodos importados. A chamin, bem na entrada, com sua forma

    circular e altura de 55 metros, pode ser vista de longe, atporque Bangu, como os demais bairros da Zona Oeste, tempoucos prdios altos.

    CONTRABANDO ENTRE AS MQUINASO primeiro administrador da fbrica, Eduardo Gomes Ferreira,cabou com a lavoura de cana-de-acar e passou a plantarlgodo, com o objetivo de garantir um abastecimento contnuoe matria-prima para a fbrica, mas a pouca produo fez comue a prioridade agrcola voltasse a ser a cana-de-acar.

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    m 1900, foi construdo o Engenho de Santo Antnio,ue logo iniciou a produo de acar, lcool, cachaa e melado.

    O objetivo era atender o consumo interno e a exportao.lm disso, boa parte das terras compradas pela Companhia

    oi arrendada para que as pessoas continuassem ligadas regio,odendo at, mais tarde, serem aproveitadas pela fbrica.

    Havia uma feira na Rua Bangu, onde os agricultoresxpunham a sua colheita. Mais tarde, essas mesmas terras seriam

    oteadas pela Companhia, que apoiaria a construo de imveisfaria de Bangu um dos bairros com maior nmero de casasrprias na cidade.

    Quando a Companhia se instalou em Bangu, aocalidade s tinha uma rua, a j citada Estrada Real de Santa

    Cruz, e algumas trilhas. Em 1906, o engenheiro Orozimbo doNascimento foi contratado para fazer o arruamento do novobairro, concludo no ano seguinte que, com poucas alteraes,

    mantido at hoje. Visto no mapa, um grande retngulom volta da sede da fbrica. Em 1924, o projeto acrescentaria

    novas ruas, com os nomes das sees da fbrica, como dosintureiros, dos Teceles e da Fiao.

    Pode-se dizer que a vida cultural naquela rea comeoucom a criao da Sociedade Musical Progresso de Bangu,m 1892, fundada por operrios. Trs anos depois, a fbricaorneceu uniformes e instrumentos, e ela se tornou a Banda de

    sica dos Operrios da Fbrica Bangu, que, em 1904, teriacomo maestro Anacleto de Medeiros, grande nome da msicabrasileira, principalmente do chorinho, que morreria aos 41nos, em 1907, quando ainda trabalhava para a banda.

    Sociedade ganharia uma sede em 1907, na Rua

    stevo (homenagem ao primeiro presidente da companhia,stevo Jos da Silva, e atual Avenida Cnego de Vasconcelos), naquele mesmo ano, mudaria de nome para Casino Bangu,m atividade at hoje. A banda da fbrica, no entanto, encerrous atividades em 1951.

    ssa poca de efervescncia teve como seu maiorincentivador o espanhol Joo Ferrer. Tendo chegado a Bangu

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    m 1897 para assumir o cargo de tesoureiro, chegaria a gerentem 1903 e s no assumiu o cargo de presidente da companhia

    por causa de um deslize. A Alfndega descobriu garrafas deusque escocs escondidas, a mando de Ferrer, dentro das caixas

    as mquinas que a companhia importava da Europa.Acusado de contrabando, Ferrer pediu demisso em

    1919, ficou preso por um ano e, nesse prazo, seu filho dilapidouboa parte do seu patrimnio. Totalmente arruinado aps pagar

    muitas dvidas, Ferrer desapareceu e no se sabe sequer a datae sua morte ( angu, Roberto Assaf).

    PIONEIROS DO FU EBOL NO BRASIL?

    H uma suspeita, ainda no comprovada, de que o futebol possaer dado seus primeiros passos, ou chutes, em terras banguenses,ntes que o paulista, filho de ingleses, Charles Miller trouxesses bolas da Inglaterra e iniciasse a prtica do esporte em So

    Paulo, em 1894.Consta que a primeira bola entrou em Bangu escondidapor omas Donohoe, um dos tcnicos britnicos contratadospela fbrica. No campo que existia nos jardins da fbrica,Donohoe, que ficaria conhecido como Danau, jogava futebolcom outros funcionrios britnicos.

    Donohue teria promovido uma animada partida emerreno prximo ao prdio da Companhia, seis meses antesue Miller voltasse da Inglaterra. (Bangu,Roberto Assaf ) Vale

    ressaltar que os imigrantes especializados comearam a chegar

    m 1891, na maioria britnicos.Imigrantes e brasileiros, contagiados por aquele queeria o esporte mais popular do pas, tentaram fundar um clubee futebol em 1897, mas a fbrica no permitiu. S em 1904,uando o administrador era Joo Ferrer, o Bangu Athletic Cluboi fundado. Sua primeira sede foi na Rua Estevo, numa casamprestada pela fbrica.

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    O clube s ganharia um estdio em 1947, tambmconstrudo pela fbrica, bem perto da sede e com o nomeEstdio Proletrio Guilherme da Silveira, homenagem auma pessoa que, como se ver mais adiante, teve uma grandeimportncia para o bairro. Em 1933, ano da inaugurao dailuminao pblica no bairro, o Bangu ganhava o CampeonatoCarioca, o primeiro ttulo profissional do futebol brasileiro.

    uita gente, no entanto, conhece o estdio como Moa

    Bonita, cuja denominao tem sua origem no incio do sculoXX, quando uma moa, possivelmente bem bonita, moravanaquela regio, numa vila com chafariz em frente, ( istriaas ruas do Rio,Brasil Gerson) e atraa a ateno principalmenteos cadetes da antiga Escola Militar do Realengo. Se ela era

    inda e cheia de graa, como a garota mais famosa, de Ipanema,no se sabe, pois no ficou nenhum registro de sua aparncia.

    as o nome com que ela se tornou conhecida permanece atoje.

    Outros nomes de ruas e localidades se referem a figurasilustres do passado do bairro, como a Avenida Ari Francoex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral), Rua Coronelamarindo (heri de guerra, que morou no bairro e morreum Canudos), a j citada Avenida Cnego de Vasconcelosex-vigrio da Igreja de So Sebastio e Santa Ceclia, era a

    Rua Estevo e depois seria Rua Ferrer) e a estao de trens deGuilherme da Silveira (ex-presidente da Companhia).

    O carnaval, que hoje marca presena na regiorincipalmente com a Escola de Samba Mocidade Independentee Padre Miguel, j tinha disputas acirradas entre blocos

    no incio do sculo. O Flor da Lira, fundado em 1903, e

    considerado o primeiro bloco dos subrbios cariocas, teve umaissidncia no ano seguinte, o Flor da Unio, formado apenasor negros, provavelmente vtimas de preconceitos no outro

    bloco. Em 1909, surgia o Prazer das Morenas, para acirrarmais ainda as disputas.

    luz eltrica chegou em 1900 e, em 1907, foi construdauma pequena hidreltrica perto da fbrica, que transformava

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    m energia eltrica a gua trazida dos mananciais da serra doRio da Prata, que faz parte do complexo da Pedra Branca.

    A fbrica tambm se responsabilizou pela canalizao eornecimento de gua para a populao, assim como o sistemae esgoto tudo isso como conseqncia da compra de novas

    nascentes. J antes da canalizao, cada vez que a empresacomprava mananciais, instalava canos para levar a gua para

    fbrica e colocava ao longo deles torneiras para atender

    populao. Foi assim, por exemplo, com os dois audes quexistiam na frente do prdio principal e que deram nome Ruaos Audes.

    A companhia adquiriu os mananciais da Pedra Branca einstalou represas no local conhecido como Virgem Maria e noRio da Prata, j nos lados de Campo Grande, cujos vestgios

    o trabalho ainda podem ser observados hoje. A companhiaambm construiria uma escola, em 1905, a Rodrigues Alves, e

    uma Caixa Beneficente, uma espcie de posto de sade.

    MEU P DE LARANJA LIMA

    produo da fbrica, que, no incio, se limitava a morins echitas, passou a se diversificar e por causa disso foram construdosnovos prdios, inauguradas novas sees e importados maisquipamentos.

    A partir da dcada de 30, os produtos comearam aer exportados, primeiro para a Amrica do Sul, e depois paramundo todo. Os tecidos da fbrica tinham boa aparncia e

    no acabamento e isso fez com que a concorrncia comeasse

    reagir, mesmo que de forma extica. Em 1905, os tecidosue chegavam do exterior vinham com nomes do tipo gambuximbu, apenas para confundir o consumidor. ( angu 100

    anos: a fbrica e o bairro,Gracilda Alves de Azevedo Silva)As dificuldades comearam no final da dcada de 20 e

    e prolongaram pela dcada de 30, inclusive com a greve de umms, em 1934. Reflexos de uma situao econmica complicada,

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    ntre a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, e a iminnciae uma nova guerra. Mas nesse perodo, se a indstria txtil

    ia mal, Bangu teve, junto com outros bairros da Zona Oestealgumas cidades da Baixada Fluminense, sua fase urea de

    roduo de laranja, com a exportao anual de 150 mil caixase frutas para a Europa.

    Um dos romances mais conhecidos da literaturabrasileira no sculo XX, j adaptado para novela na Rede Globo,

    Meu p de laranja lima, descreve este perodo. O autor, Josauro de Vasconcelos, nasceu em Bangu, em 1920, e morreu

    m So Paulo, em 1984. O enredo do livro, lanado em 1968,raduzido para vrios idiomas e adaptado para o cinema em970, se passa em Bangu. O protagonista, o menino Zez, noostava muito da fbrica:

    Devia ter gente fazendo sero na Fbrica e o sero noia alm das oito horas. Dificilmente passava das nove.Pensei na Fbrica um momento. No gostava dela. Oeu apito triste de manh tornava-se mais feio s cinco

    horas. A Fbrica era um drago que todo dia comiaente e de noite vomitava o pessoal muito cansado.Meu p de laranja lima, Jos Mauro de Vasconcelos)

    FAM LIA SILVEIRA

    Pouco antes do perodo das laranjas, chegava a Bangu umomem cujo nome permaneceria ligado para sempre histriaa fbrica e do bairro. Foi em 1923 que o mdico Guilherme

    a Silveira foi convidado a presidir a companhia, indicado porlguns de seus pacientes portugueses, que viam nele uma grandecapacidade administrativa.

    Guilherme, que seria presidente do Banco do Brasil poruas vezes e uma vez Ministro da Fazenda, no decepcionou.odernizou a fbrica, contratou tcnicos estrangeiros e

    esenvolveu uma grande obra assistencial, com creches, escolas

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    casas populares. Ficaria na presidncia at o final dos anos60, quando sua esposa faleceu. At a sua morte, em 1974, aos92 anos, permaneceria ligado, de alguma forma, companhia,rientando seus dois filhos, Joaquim Guilherme e Guilhermea Silveira Filho, o Silveirinha, que continuaram o trabalho do

    pai frente da companhia.Silveirinha morreu em 1989, ano do centenrio

    a companhia e, neste mesmo ano, Joaquim entregou os

    pontos: certo de que j no podia tocar a empresa, tratou dereunir os interessados e iniciar a venda da empresa ( angu,Roberto Assaf). Joaquim Guilherme da Silveira morreu em1997 e a fbrica, que est tombada, abriga o Shopping Bangu,recentemente inaugurado.

    A fbrica, desde o incio, recebeu visitantes ilustres,ntre eles alguns presidentes da Repblica, como Getlio

    Vargas, Juscelino Kubitschek e Paul Doumer, da Frana, quecaram entusiasmados no apenas com a sua estrutura, masambm com o trabalho de urbanizao empreendido por ela.

    Mas, a partir dos anos 50, ela atrairia a ateno principalmentepor uma ideia extremamente original e que logo, literalmente,viraria moda: os desfiles.

    BANGU LANA A MODA DOS DESFILES

    Foi em 1951 que dona Candinha Silveira, esposa de JoaquimGuilherme da Silveira, organizou um desfile beneficente noCopacabana Palace com os vestidos da Fbrica Bangu. O

    ucesso do desfile ajudou no apenas a aumentar o prestgioos produtos da fbrica, mas tambm comeou a popularizar ouso do algodo nas roupas.

    No ano seguinte, o estilista francs Jacques Fath visitoufbrica, desenhou modelos com os tecidos e organizou o

    esfile de apresentao do algodo brasileiro em Paris. A festa,realizada no castelo de Coberville, de propriedade de Fath,

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    contou com a presena de astros de Hollywood, como ClarkGable, Ginger Rogers e Orson Welles.

    comitiva brasileira, que viajou num avio fretado pelacompanhia, teve como algumas de suas maiores atraes DarcyVargas, esposa do ento presidente Getlio Vargas, e o homemorte da mdia naqueles tempos, Assis Chateaubriand, que, naesta fantasia realizada no castelo, se vestiu de jaguno e andoue jegue pelos jardins do palcio. A trilha sonora ficou a cargo

    e Jamelo e Elizeth Cardoso, acompanhados da Orquestraabajara.Naquele mesmo ano, Fath veio ao Brasil, contratado

    ela companhia, e realizou desfiles com os tecidos da Bangu noRio, So Paulo e em Salvador, fortalecendo mais ainda a marca

    a fbrica. Surgiam os concursos Miss Elegante Bangu, noCopacabana Palace e transmitidos ao vivo pela Rdio Nacional,com grande cobertura da imprensa, principalmente dos Dirios

    Associadose de O Globo, jornal no qual comeava a se projetarIbrahim Sued, grande divulgador dos desfiles.

    frase do jornalista Manuel Bernardes Mller,

    folclrico Maneco Mller, conhecido por suas tiradasspirituosas, retrata bem o esprito dos pioneiros desfiles daBangu:

    Assim, aqueles desfiles foram, atravs da divulgao nosrdios, jornais e revistas, atingir o alvo desejado, ou seja,

    classe mdia ascendente do perodo ps-guerra. E daodo o mundo passou a conhecer e valorizar os tecidos

    Bangu e a moda carioca, pois a Bangu cem por centocarioca, uma personagem da cidade do Rio de Janeiro.Bangu 100 anos: a fbrica e o bairro, Gracilda Alves dezevedo Silva)

    REALENGOAs terras do Rei

    O nome deste bairro, que ficou famoso com a msicaAquele abrao, de Gilberto Gil, tem sua origem nas terras

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    realengas, que eram locais pblicos, pertencentes ao Rei, eue se destinavam principalmente pastagem e ao descansoo gado, no podendo haver qualquer tipo de construo ourrendamento da terra.

    Elas tambm no podiam ser doadas em sesmarias. Estera o realengo da freguesia de Nossa Senhora do Desterro de

    Campo Grande, embora houvesse outros na cidade, como nareguesia de Nossa Senhora da Apresentao de Iraj.

    Era em Realengo que D. Pedro I gostava de tomar umaamosa pinga, quando seguia para a fazenda de Santa CruzHistria das ruas do Rio, Brasil Gerson). H pesquisadores,

    no entanto, como o j falecido professor Hlton Veloso, ex-iretor do colgio Belisrio dos Santos, de Campo Grande, que

    preferiam dar outra explicao para o nome do bairro, esta maisconhecida, que diz ser Realengo nada mais do que a abreviao

    e Real Engenho, este engenho abreviado como eng..

    OS INVASORES E A FEIRA DE REALENGO

    pesar da proibio de construes particulares e doforamento de terras, as autoridades sempre tiveram problemas

    com posseiros na rea de Realengo. Antes mesmo de 1660,uando foram definidas para uso pblico, parte das terras j eracupada, o que s poderia ter ocorrido se tivessem sido doadas

    como sesmarias.Quando a Carta Rgia de 1814 autorizou a posse pelo

    Senado da Cmara do Realengo de Campo Grande, foi declaradoue as terras j ocupadas teriam sido obtidas ilicitamente

    m setembro de 1805, entre elas as de Ildefonso Caldeira deOliveira, que faziam limites com a Fazenda Piraquara, de MariaIgncia e com a Fazenda Bangu.

    As concesses foram revogadas. Segundo a autora,Ildefonso era testa-de-ferro de Ana Bangu, e conseguiu estaserras atravs de presses nada sutis contra os donos anteriores,

    Izidoro Pereira dos Santos e seu genro, Manuel Proena, que,

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    conforme relatado no captulo sobre Bangu, criavam gado,lantavam caf e forneciam capim cavalaria do Exrcito.

    Consta que eles tiveram suas casas destelhadas, seusertences jogados fora e os escravos dispensados ( onos do Rio

    em nome do Rei, Fania Fridman). partir da, haveria vistorias e mudanas constantes

    na legislao, que acabaram, de certa forma, permitindo umaspcie de ocupao da rea, facilitada pela feira mensal de

    cavalos e animais muares, ocorrida a partir de 1853, entreCampinho e Realengo, muito concorrida.

    ra a chamada Feira de Campo Grande, origem do nomea atual Rua da Feira. Nessa poca, j havia na regio muitos

    ocais de pouso para viajantes na Estrada Real de Santa Cruz.Dali a alguns anos, a disputa por espao nas terras realengascabaria atravs de novos objetivos, estes mais estratgicos,ara a ocupao. O verde oliva iria fazer parte da paisagem de

    Realengo de forma definitiva.

    REA MILITAR

    Realengo se torna uma rea estratgica importante a partir de850, quando o governo decide transform-la em rea militar,rimeiro com o Campo de Marte, criado em 1859, e que incluaEscola de Tiro, e depois a Imperial Academia Militar, tambm

    inaugurada naquele ano. Depois viriam a Fbrica de Cartuchos,m 1898, e a Escola Preparatria e de Ttica do 1 Batalhoe Engenheiros, que substitua a Escola de Tiro, extinta em897, e se juntaria, em 1913, Escola da Praia Vermelha para

    ormarem a Escola Militar do Realengo.ais tarde, em 1944, a Escola Militar seria transferidaara Resende, mudando o nome para Academia Militar dasgulhas Negras (Aman). O complexo da antiga Fbrica de

    Cartuchos ocupa um quarteiro inteiro do bairro e permanececomo uma relquia abandonada devido ao estado precrio

    e seus prdios. Poucos edifcios pblicos temos visto, que

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    e possam igualar, em beleza de construo, ao da Fbrica deCartuchos s freguesias do Rio Antigo, Noronha Santos).

    Pela Escola Militar do Realengo passariam nomes comos dos futuros presidentes Joo Figueiredo e Eurico Gaspar

    Dutra. poca do restaurante Sans Souci, do seu Martins (umportugus legtimo de grossos bigodes e muito vermelho),no qual a algazarra da cadetada se misturava com o sompermanente do rdio que ficava no alto tocando as msicas

    e sucessos carnavalescos de Carmen Miranda, Orlando Silva,Noel Rosa e Francisco Alves (Memrias do Realengo, JooBaptista Mascarenhas de Morais).

    Entre muitas cavalgadas nas ruas desertas de Realengofugas noturnas para encontros amorosos, o Meyer (ainda

    com a grafia antiga, sobrenome do comendador AugustoDuque-Estrada Meyer) era o bairro preferido pelos cadetesconquistadores e, ao mesmo tempo, o mais frtil em garotasue davam vantagens aos namorados, conhecidas como

    gandas j que topavam a gandaia. Assim, o Meyer ficouconhecido como a capital da gandolndia (Memrias doRealengo, Joo Baptista Mascarenhas de Morais). No captuloobre Bangu, j foi mencionada a moa bonita, que tambm

    chamava a ateno dos cadetes. Mas nem tudo so recordaesspirituosas. A Intentona Comunista, o levante de 1935,upostamente atribudo aos comunistas, teve suas escaramuasambm naquela regio, com a revolta da Escola de Aviao

    Militar e do 3 Regimento de Infantaria. A Escola Militar noe revoltou, pelo contrrio, lutou pela legalidade.

    Naquelas dcadas conturbadas, Realengo, assimcomo a Vila Militar, construda em terras do antigo Engenho

    Sapopemba no incio do sculo, seriam reas bastante agitadas.

    REVOL A NAS AN IGAS ERRAS REALENGAS

    Outro momento importante da Histria brasileira no incio doculo XX foi o levante de 5 de julho de 1922, o primeiro do

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    movimento tenentista e lembrado sempre pelos 18 do Forte,grupo que saiu do Forte de Copacabana para enfrentar as

    balas das foras legalistas e que entrou para a Histria brasileira.as na Vila Militar e em Realengo, tambm houve um captulo

    muito importante desta tentativa de insurreio e talvezxplicaes para o fracasso do movimento.

    No momento oportuno, hora marcada, quandoe fazia imperiosa a definio, oficiais que se sabia

    comprometidos cruzaram os braos, sem atitude eeixaram que os elementos contrrios dominassemranqilamente, sem nenhuma reao, as suas unidades.Movimento de 5 de julho de 1922 na Escola Militar doRealengo,Grupo de oficiais da reserva)No caso, as foras que traram o movimento eram de

    unidades da Vila Militar e do Campo dos Afonsos. No 1Regimento de Infantaria, o 2 tenente Frederico ChristianoBuys convocou sua companhia e iniciou a revolta. Ele cercou

    cassino dos oficiais, houve tiroteio e o capito Jos Barbosa

    onteiro, das foras legalistas, morreu ao tentar reagir. Buyscabou preso.No 1 Batalho de Engenharia, a companhia do capito

    Luiz Gonzaga Borges Fortes foi dominada nas imediaes douartel. J o 1 Regimento de Artilharia Montada e a Escolae Sargentos de Infantaria, que estavam comprometidas com o

    evante, desistiram do movimento.Escola de Aviao Militar e as demais unidades do

    Campo dos Afonsos nada puderam fazer, pois o Campo foiomado por tropas do 2 Regimento de Infantaria desde a noite

    nterior. Este regimento tambm estava comprometido commovimento, assim como o 15 de Cavalaria, que tambmesistiu. Mas a Escola Militar, cujo prdio ocupado hojeela 5 Brigada de Cavalaria Blindada, partiu para o levante,

    comandada pelo coronel Joo Maria Xavier de Brito Junior,erido duas vezes na campanha de Canudos.

    s 22h30 do dia 4, o tenente Juarez Tvora mandou

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    missrios Fbrica de Cartuchos, onde estava o coronel Xaviere Brito acompanhado de muitos oficiais, anunciando que ascola estava pronta. meia-noite, os oficiais despertaram os

    cadetes e s 2h30 comeou a marcha, com cerca de 600 cadetestendo o coronel Xavier de Brito frente.

    Logo houve tiroteio com tropas governistas e oscadetes ocuparam posio em Monte Alegre, perto da ponte

    o Piraquara (nome de um antigo engenho na regio). Houve

    intensa luta, que durou quatro horas:Luta desigual, dificilmente sustentvel pelos revoltosos.

    A infantaria da fora governista instalada em posiesj escolhidas, com todos os requintes defensivos queo terreno lhe proporcionava. A infantaria da EscolaMilitar ocupando posies improvisadas que a situaolhe impusera noite sob o fogo intenso das armasautomticas adversrias. (Movimento de 5 de julho de1922 na Escola Militar do Realengo,Grupo de oficiaisda reserva)

    Chegaram a sugerir que os cadetes se juntassem aosrevoltosos do Forte de Copacabana, seguindo por Jacarepagu,mas o caminho, alm de ser difcil, estava ocupado por tropas

    o 2 Regimento de Infantaria. s 10h30, com a certeza de queVila Militar no iria aderir ao movimento, o coronel Xavier de

    Brito, para evitar derramamento de sangue, resolveu se render elevar os cadetes de volta escola. Houve uma morte, a do cadeteFlordoval Eliseu Xavier Leal, que levou um tiro no peito.

    Os alunos foram presos, desligados do Exrcito e depoisoltos. Alguns que no tiveram participao no movimento,

    egundo o processo, puderam voltar a estudar. Xavier de Britooi preso e libertado em 1926. O processo s terminou em 1929, no ano seguinte, o governo provisrio de Getlio Vargas

    concedeu anistia a todos os civis e militares envolvidos nosmovimentos revolucionrios ocorridos no pas (Movimento de5 de julho de 1922 na Escola Militar do Realengo, Grupo deficiais da reserva).

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    O PADRE MIGUEL

    Na praa principal do bairro fica a Igreja de Nossa Senhora daConceio, originada da capela erguida em 1758, nas terras do

    ngenho do Barata, demolida em 1908, quando comeou a serconstruda a igreja-matriz.

    Naquele mesmo ano, chegava ao Brasil, para assumir ocargo de vigrio da igreja, o monsenhor Miguel de Santa Maria

    ochon. Vindo do arquiplago das Canrias, na Espanha, elecaria conhecido mesmo como o Padre Miguel. Tinha 29 anosuando chegou ao Brasil e viveria em Realengo at sua morte,m 1947.

    O Padre Miguel teve uma intensa atuao em Realengonos arredores. Montado no dorso de seu cavalo Bismarck, essebnegado pastor fez com que Realengo e vrios outros bairros

    vizinhos, como Anchieta, surgissem do nada, dando educaocidadania para os que l viviam (Memrias histricas da zona

    oeste, Andr Gustavo Papera Gonalves).

    Sua iniciativa de criar escolas de estudos leigos paracrianas possibilitou que, ao morrer, ele tivesse deixado cercae 34 mil crianas alfabetizadas. Em volta da igreja, existiam,

    na poca do padre, feiras livres realizadas por ex-escravosngolanos, que faziam seus negcios em cima de um tecido deisal. Estas feiras eram um vestgio da tradio local das feiras denimais, citadas anteriormente.

    O padre era apaixonado por cinema e produziu diversoslmes mudos na regio, quase sempre de carter religioso. O

    cinema que o Padre Miguel produzia com suas maquininhas

    e filmar acabou aps um triste incidente. Ao receber umajuda de 100.000 cruzeiros para as suas obras, aconteceu queum ladro arrombou sua casa e as roubou, e o Padre Miguel tristemente principiou a desfazer-se de suas maquininhas ee suas tipografias de bolso em troca de doaes para repordinheiro que no lhe pertencia... (Histria das ruas do Rio,

    Brasil Gerson).

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    CAMPO DOS AFONSOS

    mbora a regio que compreenda hoje o bairro do Campoos Afonsos fizesse parte da freguesia de Nossa Senhora dapresentao de Iraj, o Engenho dos Afonsos era limitado

    por propriedades rurais de Campo Grande e se estendia entreCampinho e Realengo.

    O Campo dos Afonsos, na verdade, teve sua origem na

    azenda Nossa Senhora do Desterro, de Luiz Paredes. A filhaele, Ins Paredes, casou-se com Joo Afonsos de Oliveira,ue passou a administrar a fazenda aps a morte do sogroemprestaria seu sobrenome ao local. O neto do casal, o

    argento-mor Jos Vieira Afonsos, construiria o Engenho dosfonsos, cuja grande produo era comparada das Fazendas

    Bangu e Piraquara. No final do sculo XVIII, entre os herdeiroso engenho, estava Izidoro Rodrigues dos Santos, que teve

    problemas com Ana Bangu, conforme j relatado.A inglesa Maria Graham, que esteve no Brasil no comeo

    o sculo XIX e seria a preceptora da primeira filha de D. PedroI e D. Leopoldina, Maria da Glria, descreve, como excelentebservadora que era, a situao dos escravos do Engenho dosfonsos, em 1823:

    Vi crianas de todas as idades e cores, correndo de umlado para outro, que pareciam ser to carinhosamentetratadas como se fossem da famlia (...). Fossem todos osescravos bem tratados como os escravos domsticos dos

    Afonsos, onde a famlia reside constantemente e nadaconfia a estranhos, e a situao dessas pessoas poderiaser comparada, com vantagem, dos criados livres.

    ( irio de uma viagem ao BrasilMaria Graham)Parte das terras do engenho passaria no final do sculoXIX para o tenente-coronel Carlos Magalhes, eleito IntendenteMunicipal (equivalente ao cargo de vereador) em 1899 comuma expressiva votao e hoje nome da importante estradaIntendente Magalhes, onde h uma das maiores concentraes

    e concessionrias de veculos da cidade.

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    sta estrada fazia parte da Estrada Real de Santa Cruz, em volta dela, fica o bairro do Campinho, onde havia umaequena hospedaria, citada de forma detalhada pelo naturalistaustraco Johann Emmanuel Pohl, que viveu no Brasil entre817 e 1821:

    Tivemos a felicidade de receber um quarto, escadacima, com cadeiras e uma cama de couro de boi, cru,sticado. Para jantar, deram-nos ovos e vinho e muitos

    egumes, aos quais logo tivemos de renunciar, to ruinsram. Deveramos normalmente estar satisfeitos poroder armar a nossa rede junto ao fogo, onde um negroe mos sujas preparava a nossa restrita refeio deeijo preto, raras vezes melhorada com arroz e frango.

    Nesses ranchos, quem quer que chegue tem igual direitohospedagem. Cada qual procura acomodar-se comoode, sem levar em considerao o vizinho. Entra-seem pedir e sai-se sem agradecer. (Viagem no interioro Brasil,Johann Emmanuel Poh)

    regio dos Afonsos foi saneada por Osvaldo Cruz e surgiu a primeira Escola de Aviao do Rio, em 1914 e que,cinco anos depois, seria transformada na Escola de Aviao

    ilitar. A rea seria depois ampliada, para facilitar os pousos eecolagens. Hoje o Campo dos Afonsos abriga vrias unidadeseronuticas, alm do Museu Aeroespacial, onde so exibidas

    rplicas de aeronaves de Santos Dumont, entre outras peasimportantes.

    Perto do Campo fica o macio de Gericin e a granderea verde em volta, utilizada pelo Exrcito em treinamentos

    militares, ficava prxima Fazenda Gericin, formada em 1680os engenhos da Pavuna e Gericin. Seu primeiro dono foi JosPereira Sarmento e, no incio do sculo XIX, j estava nas mos

    o Visconde de Gericin, irmo do Marqus de Barbacena.O Exrcito s as compraria em 1908, quando pertenciam

    mpresa Industrial Brasileira.s antigas terras realengas s se separariam de Campo

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    Grande, de cuja freguesia sempre fizeram parte, em 1926,uando foi institudo o Distrito de Realengo. Entre os dois estava

    Bangu, j em crescente processo de urbanizao promovidopela Fbrica e, portanto, no havia mais nada que impedisse autonomia de Realengo.

    CAMPO GRANDE

    Laranja no p, dinheiro na mo

    No centro de Campo Grande, h algumas esculturas que fazemreferncia ao produto que se tornou a base da economia daregio durante as dcadas de 30 e 40. Laranja no p, dinheirona mo era o sloganpublicitrio que dominava o comrcio daruta na poca. A Zona Oeste, junto com a Baixada Fluminense,oi a maior produtora de laranjas do pas no perodo citado.

    produo se voltava principalmente para a exportao aospases europeus, Estados Unidos e Argentina.

    A colheita ficava armazenada nas acking houses,barraces de armazenamento onde eram preparadas para axportao, e o transporte feito nos trens da Central do Brasil ou

    por caminhes lotados. Os caminhes repletos passavam sob osritos da garotada que pedia laranja aos ajudantes e os meninos

    nos barraces pediam pregos e madeiras para seus brinquedos(Revista n. 5 do Instituto Campo-grandense de Cultura (ICC),rtigo no assinado). A garotada adorava as folhas de papel deeda importadas da Finlndia, usadas para envolver as laranjas eue serviam tambm para pipas e bales.

    Pessoas que viveram na poca costumam comentar comaudade este perodo de riqueza e prestgio que o bairro viveucuja decadncia comeou com a Segunda Guerra Mundial,

    uando a economia dos pases que importavam a laranjabrasileira se voltou para a produo de armamentos. Alm

    isso, o bloqueio continental feito pelos submarinos alemesprejudicou mais ainda a exportao. Os laranjais ficaram

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    carregados, as frutas estragavam no p e logo surgiram asragas. Os proprietrios, ento, venderam as terras, que seriam

    oteadas, e o prspero ciclo da laranja chegava ao fim.A decadncia da citricultura de exportao, emuno da guerra, contribuiu, de maneira decisiva, paraue Campo Grande comeasse a transformao dasropriedades rurais em loteamentos suburbanos e j

    no decnio 1940-1950 apresentasse um dos mais altosincrementos populacionais da cidade (70%). (O Rioe Janeiro em seus 400 anos,A fisionomia das unidades

    urbanas)Uma curiosa histria desta poca foi a iniciativa

    a produo industrial daquele que hoje um importanteroduto da pauta de exportaes brasileiras, principalmenteara os Estados Unidos: o suco de laranja. Na dcada de 40, oumico Jorge Lima Filho e seu scio Ademar Flores instalaram

    uma indstria deste tipo numa grande packing house pertoo centro de Campo Grande. Os dois qumicos criaram umarmula prpria para o tratamento do suco, que garantiu aua preservao, e o distriburam em garrafas com o seguinte

    nome grafado na embalagem: Suco natural de nossa laranjaesastre ecolgico na Baa de Guanabara,Dlson de Alvarengaenezes .

    Quem provou garante que era muito gostoso o sucoaseificado e que logo ficou conhecido como a nossa. Ele

    chegou a ser exportado para a Argentina, mas logo sua produocomeou a entrar em decadncia. Surgiram dificuldades tcnicasna produo e conservao, mas a principal razo parece ter sidomesmo a concorrncia da Coca-Cola, que chegava ao Brasilcom uma fora e um marketing incrveis. Foi assombroso omarketing da Coca-Cola. Distribuam o refrigerante de graanos colgios e nas festas e lugares onde se reunia o povo

    esastre ecolgico na Baa de Guanabara,Dlson de Alvarengaenezes). Para o autor citado, a iniciativa do suco de laranja foi

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    um patritico, romntico e quixotesco visionarismo (op. cit.,Dlson de Alvarenga Menezes)

    Bem antes das laranjas, no entanto, Campo Grandeoi o bero de outro produto importante, principal fonte deivisas do Brasil na maior parte do sculo XIX. Conta Baslioe Magalhes que foi da Serra do Mendanha que saram todass matrizes dos grandes cafezais fluminenses.

    Na poca, por volta de 1780, o dono da Fazenda

    o Mendanha (fundada no sculo XVII por Luiz Vieira deMendanha) era o padre Antnio Couto da Fonseca, que recebeus mudas do bispo D. Jos Joaquim de Castelo Branco, dono da

    conhecida Fazenda do Capo do Bispo, cuja sede ainda existe,m Inhama.

    Tendo-o cultivado em sua fazenda do Capo(Inhama), forneceu logo mudas, tiradas dali, ao padre

    Antnio Couto da Fonseca, proprietrio de um stioem Mendanha, e ao padre Joo Lopes, dono de terrascultivadas do distrito de So Gonalo. Parece que da

    lavoura do padre Antnio Couto da Fonseca foi quesaram as sementes ou mudas que primeiro se plantaramem Resende, donde irradiou a rubicea pelo vale doParaba afora. (O caf na histria, no folclore e nas belas-ar es,Baslio de Magalhes)J tinham sido plantadas mudas em outras partes da

    cidade, como na fazenda do holands John Hoppman, emMataporcos (atual bairro do Estcio) e na chcara dos fradescapuchinhos, na Rua dos Barbonos (atual Evaristo da Veiga).Mas da serra do Mendanha o ouro verde se espalharia de forma

    impressionante, primeiro pelas terras mais a oeste, depois peloVale do Paraba, at chegar a So Paulo, local onde encontrariaeu reduto de maior riqueza e expanso.

    Nessa mesma poca, na fazenda do padre Couto nasceriaquele que seria um dos maiores nomes da Botnica brasileira,

    respeitado no mundo inteiro pelo seu trabalho de descoberta eidentificao de diversas espcies da flora: Freire Alemo.

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    FREIRE ALEMO

    Honra do Brasil e glria do mundo. Esta inscrio numa placana Avenida Cesrio de Melo, em Campo Grande, mostra bem

    orgulho dos moradores da regio em relao a este grandenome da Botnica brasileira.

    Freire Alemo nasceu em 24 de julho de 1797 naFazenda do Mendanha, filho de lavradores. Seu padrinho foi o

    rprio dono da fazenda, o padre Antnio Couto da Fonseca,ue passou a lhe dar aulas. Para evitar que Freire Alemo fosse

    convocado para lutar no conflito entre Portugal e Espanha naProvncia Cisplatina (atual Uruguai), sua me pediu ao padreLus Pereira Duarte que seu filho se tornasse sacristo.

    O padre concordou e Freire Alemo, j nas novasunes, pde tambm se dedicar ao estudo do latim. Em 1817,le entraria para a Escola Eclesistica como aluno gratuito,onde iria se aperfeioar em diversas disciplinas, aprendendo

    vrios idiomas, inclusive o grego. Acabou saindo do seminrio

    m 1821 (um ano depois da morte do seu protetor, o padreCouto), por acreditar que no tinha vocao para o sacerdcio.Seu grande interesse, como iria se verificar, era mesmo a cincia.Freire Alemo recebe proteo do irmo mais velho, Antnio,nfermeiro da Santa Casa de Misericrdia, e passa a dar aulase latim.

    m 1822, ano da independncia, resolve estudarmedicina na Escola Mdico-Cirrgica. Pede uma penso parastudar e consegue. Nesse perodo, tambm aproveita para fazercurso de Qumica na Escola Militar. Forma-se mdico em

    827 e convocado para a Guerra Cisplatina para atuar nasrentes, mas, no dia marcado para a partida, no foi e, paravitar a punio, pediu ajuda a Lus Bandeira de Gouveia, paie alunas suas e muito influente na poca.

    judado pelo irmo e por amigos, Freire Alemorealizou o seu grande sonho de viajar a Paris em 1829, onde fezvrios cursos, tornando-se Doutor em Medicina pela faculdade

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    e Paris. Volta ao Rio de Janeiro em 1832 e o irmo, que jra primeiro-cirurgio da Santa Casa, o ajuda novamente. Nosnos seguintes, de intensa atividade, entra para a Sociedadee Medicina do Rio de Janeiro, futura Academia Imperial de

    Medicina, torna-se scio do Instituto Histrico e GeogrficoBrasileiro (IHGB) e publica, na Revista Mdica Fluminense,

    e 1836 a 1838, talvez a primeira previso do tempo regularna cidade, anotando variaes dirias, tanto s seis horas da

    manh, como s duas da tarde. Pensamos que tenham sido essass primeiras observaes sistemticas, do gnero, realizadas no

    Rio de Janeiro ( reire Alemo, o botnico, Joo Francisco deSouza .

    Em 1834, Freire Alemo comea a dar aulas de BotnicaZoologia na Faculdade de Medicina, no Colgio dos Jesutas,ue ficava no antigo morro do Castelo. Nessa poca, Evaristoa Veiga, que Freire Alemo conhecera na Escola Eclesistica,enta lev-lo para a poltica, mas diante da falta de interesse domigo, desiste.

    O que Freire Alemo queria, e comea a fazer, desenharestudar as plantas que observava nas longas caminhadas queava pela Tijuca, Corcovado, Gvea, Jacarepagu, Gericin e

    na sua querida Serra do Mendanha.Na dcada seguinte, em 1841, socorre o imperador D.

    Pedro II, que sofrera uma ligeira congesto cerebral, e assumecargo de mdico da Imperial Cmara, podendo freqentarbiblioteca imperial, fundamental para seus estudos. De D.

    Pedro II, receberia a Ordem de Cristo e a Comenda da ImperialOrdem da Rosa, alm de ser convidado a participar da comitiva

    ue trouxe ao Brasil a nova imperatriz, D. Teresa Cristina, vindaa Itlia, em 1843.Durante todo esse tempo, Freire Alemo publicaria

    iversos trabalhos, com reconhecimento internacional.Descobriu diversas espcies de plantas brasileiras em suaspesquisas, que pde fazer com mais profundidade quando se

    esligou do magistrio, em 1853, aos 56 anos.

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    Logo que se viu desembaraado do magistrio,eliberou Freire Alemo entregar-se exclusivamente aosstudos e pesquisas de puro naturalista. Mudou-se, semerda de tempo, para o seu adorado Mendanha, indo

    morar com sua velha tia, D. Antnia. (Freire Alemo, obotnico, Joo Francisco de Souza)

    le moraria quatro anos com a tia, perodo em quescreveu, para o IHGB, importante trabalho sobre o acar, o

    caf e o ch. Prossegue o autor:Resolvido, ento, a manter-se definitivamente afastado

    o burburinho da sociedade humana, para melhor gozars segredos da natureza, adquiriu um pequeno stio

    nas vizinhanas da residncia de sua tia, e a mandouconstruir uma casinha para sua vivenda. (Freire Alemo,o botnico,Joo Francisco de Souza)Depois, Freire Alemo fundaria a Sociedade Velosiana,

    dedicada aos estudos das cincias naturais e inspirada em Freios Mariano da Conceio Veloso, o autor da Flora Fluminense,

    cuja leitura o absorvia tanto que, s vezes, era visto dominadoor ela at na sacolejante diligncia do Pedroso, que cobrava00 ris para levar at Campo Grande os passageiros do trem da

    Central quando seu ponto final era em Sapopemba... ( istriaas ruas do Rio,Brasil Gerson). Sapopemba ficava onde hoje astao ferroviria de Deodoro.

    Freire Alemo presidiria a comisso cientfica que fezexplorao das regies Norte e Nordeste, entre 1859 e 1861.ste trabalho resultou na coleta e estudo de 20 mil amostras delantas, principalmente do Cear, que foram doadas ao Museu

    Nacional. Freire Alemo publicou um estudo sobre a expedio

    m 1862. Mas apesar de todo o prestgio que obtivera com seusrabalhos, e de ser o maior botnico de seu tempo no pas eum dos maiores do mundo, Freire Alemo sofreria com um

    roblema que at hoje atormenta muitos que resolvem seedicar pesquisa e educao: a falta de dinheiro.

    Com poucos recursos, hipertenso e apresentandoroblemas de memria, Freire Alemo teve de continuar

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    ministrando aulas durante mais alguns anos na dcada de 1860,para obter uma aposentadoria decente. O pior, no entanto,inda estava por vir.

    Todas as quartas-feiras, dirigia-se a cavalo para aestao de Sapopemba, onde tomava o trem que o trazia Corte, indo hospedar-se em casa de uns parentes, Rua da Assemblia. As aulas eram dadas s quintas,sextas e sbados, de jeito que, nos domingos, bem cedo,

    retornava o velho professor ao recanto querido, ondenascera e se criara. (Freire Alemo, o botnico, JooFrancisco de Souza)Estas aulas, vale dizer, eram concorridssimas, inclusive

    pelos outros professores. Mas a grande decepo de Freirelemo surgiu quando sua to sonhada aposentadoria, que lhe

    poderia, enfim, dar o descanso que merecia, foi negada, porculpa do ministro da Guerra, o senador Angelo Moniz da SilvaFerraz, e do conselheiro de Estado, Manoel Felizardo de Sousa

    Melo. D. Pedro II estava em Uruguaiana, acompanhando a

    Guerra do Paraguai.A recusa, por razes estritamente burocrticas (ouburrocrticas), lanou o maior cientista brasileiro da poca,

    o ponto culminante de sua carreira, ao infortnio da doenaem recursos financeiros para o tratamento, ao silncio e quasesquecimento do obscuro stio do Mendanha (Freire Alemo, o

    botnico,Joo Francisco de Souza).Apesar de tudo, Freire Alemo ainda seria diretor do

    Museu Nacional, em 1866, onde organizaria o rico acervo dainstituio, boa parte doada por ele. Casou-se em 1864, aos

    67 anos, com sua sobrinha, Maria Anglica e, segundo seusbigrafos Jos Saldanha da Gama e Jos de Melo Morais, queconviveram com ele, o casamento foi muito mais uma relao

    e afeto, amizade e admirao, que era o que Freire Alemomais precisava.

    Ele morreu em 11 de novembro de 1874, aos 77 anos, eSaldanha da Gama escreveu que ningum se aproximou deste

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    vulto simples que o no ficasse amando e respeitando ( evistao IHGB, Tomo 38, Saldanha da Gama).

    casa de Freire Alemo foi demolida e o curioso