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VI Colóquio Filosofia e Ficção, UNB, 2013 · favorecido pela conquista dos novos espaços enquanto as acronias, derivadas da abertura do futuro, são produtos tempo incognito

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Caderno de resumos

VI Colóquio Filosofia e Ficção

Universidade de Brasília Maio de 2013 Brasília

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VI COLÓQUIO FILOSOFIA E FICÇÃO: Utopias, acronias e anarqueologias

06 a 08 de Maio de 2013

ORGANIZAÇÃO: Prof. Dr. Hilan Bensusan (UNB)

Prof. Dr. Miguel Gally (UNB) Profª Drª. Carla Milani Damião (UFG)

Prof. Ms. Luciana Ferreira (UNB) Leonel Antunes (UNB)

Profa. Dr. Loraine Oliveira (UNB) Prof. Dr. Eclair Antônio Almeida Filho (UNB)

Prof. Ms. Monica Udler Cromberg (USP) Prof. Dr. Wagner de Campos Sanz (UFG)

COMITÊ CIENTÍFICO: Profª Drª. Ana Lúcia Machado de Oliveira (UERJ) Profª Drª. Ana Cristina de Rezende Chiara (UERJ)

Profª Drª. Imaculada Maria Guimarães Kangussu (UFOP) Profª Drª Maria Cecília de M. Nogueira Coelho (UFMG)

Profª Drª Iracema Maria de Macedo Gonçalves da Silva (IFF/Cabo Frio)

INSTITUIÇÕES RESPONSÁVEIS PELA REALIZAÇÃO DO EVENTO: Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (UNB)

Pós-graduação em Filosofia UNB Pós-graduação em Arquitetura – FAU-UNB

Pós-graduação em Filosofia UFG

APOIO: CAPES

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APRESENTAÇÃO

VI COLÓQUIO FILOSOFIA E FICÇÃO: Utopias, acronias e anarqueologias

O VI Colóquio de Filosofia e Ficção tem por foco de atenção a relação entre o

tempo, o espaço e a ficção. O tema gira em torno do futuro como ficção, do

passado como invenção e da imaginação de outros tempos. Assim, ele se aproxima

do pensamento da acronia – aquele que subtrai dos acontecimentos confabulados e

relatados qualquer indexação temporal – bem como o da utopia como criação de

um espaço como contraponto a um tempo político presente (Damião, 2008). O

reverso da utopia é a distopia como um mau-lugar que se projeta no tempo e

ambos são gêneros forjados na discussões filosóficas. A filosofia, em sua atividade

de crítica do tempo presente, desdobra-se em uma narrativa de lugares

imaginados, assim como de tempos inexistentes. A utopia – inicialmente não

pensada como um projeto implementável – deu origem a diferentes esforços de

planejamento, dentre os quais a arquitetura moderna, por exemplo, a de Brasília.

Finalmente, a noção de anarqueologia consiste na tentativa de explorar a ideia da

invenção das origens (cf. Bensusan, Antunes & Ferreira 2012). Trata-se de um

embaralhamento, com fins filosóficos, de fatos e versões que aproveita os modos

como a filosofia se banha em suas histórias. Aqui considera-se os modos como o

tempo presente influencia seu passado.

O tempo testemunha a natureza comum entre pensamento e ficção. O

pensamento do passado é refém da precariedade das memórias – da soberania dos

vestígios. Daí saem os fatos prontos e as ficções – e entre elas, as versões. As

anarqueologias são formas de ficção que se recusam a tomar os vestígios do

passado no pensamento como estando à serviço de uma monofonia, de uma

história única a ser depurada no meio das muitas vozes sobre o que teria passado.

Se o pensamento se abriga nas histórias – mais pensamentos se abrigam em mais

histórias. O direito de não se submeter a nenhum passado oficial, permite ao

pensamento um compromisso com a ambiguidade dos seus vestígios – e não com a

unicidade do relato pronto.

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A ficção nasce do futuro aberto: não ocorreu no passado (ao que se saiba) e nem

tampouco é presente, mas pode ainda ocorrer. O futuro é um ponto de

convergência cotidiano entre a filosofia e a ficção. Ambas estão repletas da

história dos futuros, de tudo aquilo que poderia ter vindo a ser e não foi. Fantasias

catastróficas ou científicas, utopias acalentadas ou temidas (distopias), assombros

que pareciam evidentes ou recônditos – da Cidade de Deus que virá ao Apocalipse

com datas marcadas. As utopias derivam do imaginário dos espaços desconhecidos

favorecido pela conquista dos novos espaços enquanto as acronias, derivadas da

abertura do futuro, são produtos tempo incognito. As acronias surgem de um

mundo já cartografado onde o espaço a conquistar é o tempo futuro.

Recentemente o futuro tem recebido novos tipos de atenção. De um lado

sua abertura é parte do esforço dos filósofos da chamada virada

especulativa. Inspirados pela ficção de Lovecraft e Nigarestani, eles

entendem o esforço de pensamento como um voo em direção ao futuro.

Meillassoux, por exemplo, situa a existência de Deus em um futuro

possível – a inexistência divina é uma abertura para a factualidade do

que ainda pode vir já que não há nada de necessário pondo trilhas no

futuro. O retrofuturismo – que se ergue do passado dos futuros – se

ocupa de imaginar futuros dos passados: o futuro das heterotopias

fracassadas, a distorção da história da arte (que desloca o punk para

a era vitoriana e produz o steam-punk, por exemplo). Em muitos casos,

o futuro aparece como um assombro, como uma ausência intensa que molda

os interstícios do pensamento – o futuro é filosofia e é ficção.

A experiência de construir Brasília foi um exercício de projeção do

futuro. O futuro moderno hoje tem 50 anos e uma história cheia de

grandes saltos e pequenos acontecimentos. Em Brasília o passado é um

futuro do passado, uma experiência desenhada em que o desenho é parte

da vida urbana. A vida urbana de Brasília parece muitas vezes uma vida

de laboratório, uma criação de cidade in vitro, onde os planos para o

futuro se mesclam com o horizonte do planalto e com o traçado da

cidade. Por isso o VI FIFI (Colóquio de Filosofia e Ficção), que trata da relação

entre pensamento, tempo e imaginação, ocorre em Brasília.

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PROGRAMAÇÃO: VI COLÓQUIO FILOSOFIA E FICÇÃO – UTOPIAS, ACRONIAS E ANARQUEOLOGIAS

PROGRAMA DO EVENTO:

Conferências, Mesas Redondas, Comunicações, Leituras e Performances

Local: Memorial Darcy Ribeiro – Beijódromo

Universidade de Brasília

06/05 segunda 07/05 terça 08/05 quarta

MANHÃ COMUNICAÇÕES

9h às 10h30

Sala 1:

Talita Trizoli (FAV-UFG) – “’A Ironista’: Früchtl, Rorty e observações sobre o feminino cinematográfico” Carolina Gonçalves Cordeiro (Linguagens Visuais da EBA- UFRJ) - Entre o vazio e a criação Jean D. Soares (PUC-RJ) - Rachar as palavras, rachar as coisas

- INTERVALO 30’–

COMUNICAÇÕES

11h-12h30 Sala 1: Peterson Soares Pessoa (FAV-UFG): Ficção, história e mercado: uma leitura de “como a picaretagem conquistou o mundo”, de Francis Wheen Rogério Bianchi de Araújo (UFG) - O futuro distópico a partir de uma leitura de Ernst Bloch e Fredric Jameson Thiago Reis (UFMG) “Rememorando o futuro, uma apologia ao pensamento de Ernst Bloch” Sala 2: Luciana Molina Queiroz (UFMG) - A insuspeitada possibilidade de se fazer poesia após Auschwitz Sofia Andrade Machado (UFOP) - Indústria cultural e subdesenvolvimento no romance A Hora da Estrela. Virgínia Mota (UFF) - As leituras e os leitores ativos nas viagens de Odisseu 12:30 - Raisa Inocêncio (UFRJ) –

Afrodite Anadyomena no sertão

de Brasília

COMUNICAÇÕES

9h às 10h30

Sala 1:

Eduardo Stefano A. Martello (UnB) - Legitimação através da palavra: a representação literária e histórica da conquista José Luis Martinez (USP) - Entre Bolaño e Górgias, Sofística e literatura Walter R. Menon Jr. (UFPR) - Técnica e poiesis. Acerca do modo de existência ficcional do objeto técnico como dispositivo filosófico

- INTERVALO 30’–

COMUNICAÇÕES

11h-12h30 Sala 1: Danilo Rodrigues Pimenta (UNICAMP) - Por uma estética pedagógica em Albert Camus Márcio Alves de Oliveira (USJT) - A expressividade da crítica à filosofia sartreana no romance A Queda, de Albert Camus Wesley Leonel (UFOP) - A questão do ciúme como problema filosófico no Dom Casmurro – apontamentos Sala 2: Bruno Guimarães (UFOP) - Da relação entre o saber precário e a inovação criativa Lucas Nascimento Machado (USP) - Ceticismo, Schiller, Phillip K. Dick e Lovecraft Sobre A Liberdade Do Juízo Mariana Fidelis J. de Oliveira (UFMG) - "Zabriskie Point" e o fim da Utopia: convergências entre Marcuse e Antonioni

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TARDE

16 – 18 h

CREDENCIAMENTO

14h: MESA REDONDA:

Utopias e anarqueologias Coordenação: Hilan Bensusan (UnB) Participantes: Leonel Antunes (UnB), Eclair Filho (UnB), Monica Udler (USP), Priscila Rufinoni (UnB) 16h: MESA REDONDA Distopias visíveis Coordenação: Leca Kangussu (UFOP) Participantes: Carla M. Damião (UFG), Márcia Tiburi (UPM) e Julio Cabrera (UnB)

14h: MESA REDONDA: Utopias na arquitetura Coordenação: Gabrile Cornelli (UnB) Participantes: Antonio Carlos C. Carpintero (FAU-UnB) e Luciana Saboia (FAU-UnB) 15h15: MESA REDONDA: Outras histórias Coordenação: Celia Selem (UNICAMP) Participantes: Anette Lobato (UnB), Daniela Gotijo (UNAM-México) e Marjorie N. Chaves (UnB) 17h30: MESA REDONDA: Utopias e distopias feministas: um olhar sobre a ficção científica Coordenação: Carla M Damião (UFG) Participantes: Alice Gabriel (UnB), Anne Quiangalá (UnB) e Jéssika Montanha (UNICEUB)

NOITE

ABERTURA: 18h30: Apresentação: “Depois do fim do mundo” - Abertura com a Orquestra de Laptops.

ABERTURA TEMÁTICA 19h30: Hilan Bensusan (UnB): “Utopias, acronias e anarqueologias” CONFERÊNCIA: 20h: Ana C. Chiara (UERJ): “O salto da Índia: Aparições” LEITURA: 21h: Teodoro Rennó Assunção (UFMG): “Divisão iluminadora (num estranho café-da-manhã)”

MESA-REDONDA 18h30 Topoi e utopias da sedução Coordenação:Miguel Gally (UnB) Participantes: Maria Cecília M. N. Coelho (UFMG), Márcio Gimenes (UnB) e Wagner Sanz (UFG) PERFORMANCE 20h30 - Corpos Informáticos (UnB): “Komboio”.

PPPP - PROSA, POESIA, PROSECCO E PERFORMANCE

LEITURA: 21h: Alex Calheiros de Moura (UnB): “Textos heréticos de Pier Paolo Pasolini” PERFORMANCE: - Cibele Horizonte (livre pensadora) – “Sobre a filosofia do buraco”

19h30: VÍDEO:

“Um teto todo seu” de Laura Virgínia e Gisel Carriconde

CONFERÊNCIAS

20h: Leca Kangussu (UFOP): A “Utopia, a roupa e os rios” 21h: Eduardo Subirats (New York University/ EUA): “Macunaíma em Brasília”

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Resumos VI Fifi

Resumos das conferências

Ana C. Chiara (UERJ):

O Salto da índia: aparições

Examino a performance O Confete da índia , de Andre Masseno, em suas variáveis figurações do corpo da índia/índio, do corpo da negra/negro, como metonímias “presentificadas” da cultura brasileira, em termos da assimilação, tensão ou confronto, levando em conta o idealismo da tradição identitária nacional. Desse corpo, tomado como experiência de leitura explosiva, disseminadora e/ou implosiva da cultura brasileira, examino as possibilidades de associar vida, literatura e performance, em movimentos de abalo, de lembrança e esquecimento, de gasto e de perdas, de reprodução, aparição e desaparecimento. Estas imagens de corpos atravessam, oferecendo resistência, o contínuo cultural, e, a partir delas, penso o corpo da cultura e corpos na cultura num recorte temporal que se concentra no modernismo/e no chamado pós-modernismo.

Eduardo Subirats (NYU/ EUA):

Macunaíma em Brasília

Cuando entreviste a Oscar Niemeyer un año antes de su muerte con motivo de la conferencia que voy a pronunciar en Brasilia en el congreso de la FIFI, le pregunté sobre el ambiente intelectual brasileiro de los primeros años de su carrera. Su reacción fueron anécdotas chispeantes. Expresó su admiración por la inteligencia de Mário de Andrade, el autor de Macunaíma y protector del patrimonio artístico histórico de Brasil. Manifestó su respeto por Oswald de Andrade, el autor del Manifesto Antropófago, como líder intelectual, “porque era muito rico...” Relató los avatares de la casa que había proyectado para este filósofo y poeta. Mencionó otros nombres y anécdotas, entre ellos a Heitor Villa Lobos, con quien solía jugar al billar en sus años de juventud. El nombre de Darcy Ribeiro reaparecía con verdadero entusiasmo en sus labios. “Macunaíma em Brasilia” es un homenaje a Oscar Niemeyer que entonces, en 2011, no pudo realizarse en Rio por razones técnicas. Y es una comprensión de la arquitectura de ayer y de mañana como una obra de arte integral que solo puede comprenderse en su interacción con el arte, la música y la literatura; que solo puede entenderse en su relación con un proyecto nacional y regional de civilización.

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Imaculada Kangussu (UFOP)

Fantasias e utopias

Desde tempos imemoriais, a humanidade sonha o lugar afortunado. Na Idade Média, a existência de um paraíso terrestre era considerada não apenas mera fantasia, e sim algo de fato existente em algum lugar escondido e porventura acessível. Apresentaremos o entrelaçamento dessa fantasia com a realidade conforme este aparece, de modo bastante curioso, na ligação presente entre a imagem sonhada de uma terra abençoada, o nome “Brasil” – ou termos que a este remetem – e a aplicação deste nome a um território que foi considerado pelos primeiros europeus que aqui chegaram como o próprio paraíso.

Resumo das mesas redondas

Mesa redonda: Utopias e anarqueologias

Coordenação: Hilan Bensusan (UNB)

Participantes: Leonel Antunes, Eclair Filho, Monica Udler, Priscila Rufinoni

Leonel Antunes (UNB)

Anarqueologia e misarquismo

Traço a diferença entre o esforço anarqueológico – que estabelece novas relações entre o pensamento e os regimes de verdade associados ao passado constituído e o misarquismo que procura reduzir todas as coisas a um valor esquálido.

Eclair Filho (UnB)

Jabès: A palavra, o livro, a poesia. Em nossa fala, discorremos sobre a palavra oral e escrita (parole e mot), o livro, a poesia em Edmond Jabès, de modo a ressaltar um lugar não lugar aberto para o estrangeiro, o vazio, o deserto, o silêncio, a não semelhança.

Monica Udler (UNB)

Anarqueologia e erosofia

Trato da potencia do imaginal na erosofia, que é uma indisciplina prima-irmã da anarqueologia desde seus primeiros dias bastardos. São bastardas ambas, claro,

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mas são diferentes. A erosofia ergue a taça para o ascetismo imaginal, acende o passado desejado, pronunciado em himmah. Com isso, a erosofia – como a anarqueologia – discute o presente. O que é estar presente? O que é ter sido presente? Trata-se de uma certa densidade, que é invocada pelo fragmento recente (153) de Heráclito: “Por ser rarefeita, toda realidade é fraca.

Priscila Rufinoni (UNB)

Alegorias da physis: Winckelmann

A noção de arqueologia também pode ser escavada arqueologicamente nas metáforas de uma Antigüidade exemplar ideal, cuja expressão máxima só nos chegou, paradoxalmente, como matéria carcomida. O que vemos é coisa e é isto o que temos a reconstituir, não em sua materialidade intacta, mas em sua idealidade histórica imanente. Winckelmann, na sua utopia ideal, ao fazer falar o fragmento, criou uma primeira história das coisas.

Distopias visíveis

Coordenação: Leca Kangussu (UFOP)

Participantes: Carla M. Damião, Márcia Tiburi e Julio Cabrera

Carla Milani Damião (UFG)

Frestas de liberdade nas distopias

Ao considerarmos que o gênero filosófico-literário da utopia é a matriz das distopias literárias do início do século XX, podemos argumentar que a ideia motriz das utopias clássicas do bom lugar inexistente, permanece em alguma medida nas distopias que foram geradas no solo dos totalitarismos políticos e dos controles de Estado. Distopia ou acronia, esse tipo de escrita foi transcrita e recriada pela linguagem cinematográfica em filmes, muitas vezes concebidos no gênero da ficção científica, com maior ênfase no tempo (cronos) futuro. O espaço (topos) do futuro é, contudo, descrito como o mau lugar, sombrio, escuro, com cores frias. Algumas janelas de luz, no entanto, são entreabertas, como frestas, trazendo cor, esperança e libertação. Essas imagens, em maior ou menor grau, estão presentes nas distopias, mesmo sob a forma de uma projeção inconsciente, um sonho. Falaremos de alguns filmes e da maneira como descrevem esses momentos em breves imagens, entre os quais: 1984, Brazil, o filme e V de vingança.

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Márcia Tiburi (UPM)

Alien, nosso irmão

Questionamento do especismo? Desconstrução da maternidade? Crítica da barbárie? O filme Alien é a teoria visual (adaptando Cabrera) da relação entre natureza e tecnologia quando já não há sentido em se falar em cultura. Analogia entre sistema e maternidade, a monstruosidade é o momento mágico em que o ser pós-humano, na fragilidade de seu corpo e de sua compreensão do mundo, surge como um efeito do vazio da subjetividade, na completa ausência de interioridade. Cabe perguntar, quem pode nascer do útero tecnológico do sistema? O medo é o único afeto que resta no processo de reprodução das espécies. Da luta de vida e morte entre o monstro e os homens, sobrevive uma mulher, personificação da coragem, mas também da competência procriadora que nos mantendo vivos, ao mesmo tempo, sinaliza para o nosso fim.

Júlio Cabrera (UnB)

Queria apresentar no Fifi minhas novas ideias sobre cinema abstrato, cinema sem filmes e filmes sem cinema (ou melhor: fora da história do cinema). Fornecer 12 indicações de como fazer, pela primeira vez, um filme: o primeiro filme (o PF), um filme jamais filmado e cada vez mais longe de ser filmado. Cinema abstrato como cinema mudo. Buster Keaton como paradigma do ator do PF. De como os atores do cinema mudo moviam os lábios sem falar, quando na verdade eles teriam que ter falado sem mover os lábios. Os que mais se aproximaram do PF: Jacques Tati,Antonioni, Alain Resnais, Peter Greenaway, Godard, Tarkovski, certo cinema asiático (como Jia Zhangkze), Glauber, talvez Walter Hugo Khouri e “Linha de passe” de Walter Salles, mas nenhum de seus outros filmes; “Cinema aspirinas e urubús”; “Zazie dans Le metro” (Louis Malle), “A conversação” (Coppola), Richard Lester (The knack), John Boorman (“Inferno no Pacífico”), Joseph Losey (“Figuras numa paisagem”), Claude Chabrol (“Alice”), Godard (“Bande a part”, “Pierrot Le fou”, “Sympathy for the devil”, mas não “O desprezo”); o Gus Van Sant de “Elefante”, “Gerry”, e “Paranoid Park”, e também de “Psicose”; mas não "O gênio indomável"; Jim Jarmush de “Dead man”, “Mistery train”, “Limites do controle”, mas não o de “Flores partidas”; Alexander Kluge, quase tudo; o primeiro Wenders (“Verão na cidade”) mas não “Paris/Texas”!); Sokurov (“Arca russa”, mas não “Moloch”); David Lynch (“Mulholland drive” e “Inland empire”, mais do que Blue Velvet). Fazer o primeiro filme, cozinhar o PF nós mesmos, agora mesmo. Fazer o cinema existir: contra os filmes e contra a história do cinema.

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Topoi e utopias da sedução

Coordenação: Miguel Gally (UnB)

Participantes: Maria Cecília M. N. Coelho, Márcio Gimenes e Wagner Sanz

Maria Cecilia de Miranda N. Coelho (UFMG)

Platão diabólico

Nas Rãs, Aristófanes faz Ésquilo dizer "Meninos (paidaríoisin) tem o professor (didáskalos) que lhes ensina o que dizer (phrázei) , os jovens (hebosin) tem os poetas (poietai)"(vv.1063-6). Nessa comunicação, gostaria de voltar a velha querela, sobre a relação entre poesia e filosofia, e à luz de uma passagem da República (379d a382a), analisar os pressupostos e as implicações da proposta de Platão de "acomodar o mais possível a mentira à verdade", na composição das fábulas (mythologias, 382d). Um desses pressupostos está explicitado no Górgias, 302c, de que a poesia (poietiké) é demagoria (demegoria) e a demagoria é retórica (retoriké). Um dos alicerces da utópica Politéia parece, assim, ser a separação (causada pelos ataque e acusação aos poetas) entre filósofos e poetas, entre filosofia e retórica.

Márcio Gimenes de Paula (UnB)

A filosofia como ato segundo: a sedução como intróito

O objetivo da presente comunicação é abordar, através de uma dada leitura kierkegaardiana de Sócrates, como a filosofia se constitui no ato segundo e, nesse sentido, explorar como a sedução é o primeiro ponto no processo de ensino e aprendizagem. Sem sedução não há solução (e nem educação).

Wagner Sanz (UFG)

As deusas, o herói e a sedução no Hipólito de Eurípedes.

Há um mar de interpretações cobrindo as tragédias gregas. Seus propósitos são variados. Os filósofos enxergam nas peças aporte às suas próprias teorias filosóficas. Os filólogos enxergam fundamentos para suas teses semântico-históricas. Há os de veia poética que encontram nelas razões para desenvolver ou se envolver com ideias de sublimidade. As feministas vêm indícios de concepções de genêro em época pretérita. E há muitos mais. Enquanto seres humanos somos sempre intérpretes e as razões de um intérprete são a princípio tão boas quanto as razões de outro. O mar da vida é traçado por essas embarcações que vêm e que

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vão. Nosso barco é mais um, vêm com pouca carga de terras estranhas, deflacionado, e navega contra a corrente. O Hipólito de Eurípedes contém figuras femininas poderosas, nem maléficas nem santas. Vênus desperta uma paixão proibida em uma rainha com o propósito de punir um varão impenitente: Hipólito. Pouco se lhe importa que a rainha morra. Também Hipólito, seu enteado, morrerá. Mas, curiosamente, é Teseu que está presente no fecho da peça e sofrendo as consequências do drama. Podemos contar três erros cometidos pelas personagens principais da peça. Mas apenas um deles pode corresponder a hamartia. A peça oferece uma guia para lançar teses acerca da natureza das tragédias. Com efeito, temos razões para pensar que em essência a peça Hipólito destaca elementos fundamentais da tragédia. A paixão da qual é vítima a rainha é apenas uma força da natureza que desencadeia os acontecimentos, exatamente como leríamos uma página policial de nossos diários. Desde nosso ponto de vista contemporâneo o impenitente nem teria cometido um erro. O que não é uma questão de força da natureza, o que é próprio ao homem, é o erro de julgamento. E temos razões para crer que esse erro está presente nessa peça, o erro é de Teseu, e é esse erro aquele verdadeiramente visado pelo poeta.

Utopias na arquitetura

Coordenação: Gabrile Cornelli (UnB)

Participantes: Antonio Carlos C. Carpintero (UnB) e Luciana Saboia (UnB)

Antônio C. Carpintero (FAU - UnB)

Projeto e Utopia

Brasília é planejada. Brasília é utopia. O que se oculta nessas afirmações do senso comum? Plano e Projeto: Plano Piloto. Utopia. Brasília das manifestações. Brasília das superquadras. Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro... Política, projeto e planejamento.

Luciana Saboia (FAU - UnB)

Narrativa e Projeto: reconfigurações de Brasília

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Utopias e distopias feministas: um olhar sobre a ficção científica

Coordenação: Carla M Damião (UFG)

Participantes: Alice Gabriel, Anne Quiangalá e Jéssika Montanha

Alice Gabriel

Eco-utopias feministas: da ficção científica às experimentações políticas

Essa fala pretende discutir as noções de natureza elaboradas por escritos de scifi feminista (Joanna Russ e Octavia Butler, principalmente) lado a lado com as releituras da relação mulheres/natureza efetivadas pelas experiências lésbicas separatistas no sul do Oregon compiladas por Catriona Sandilands. Percebendo que não apenas a teoria e práxis feministas informam a feitura dos textos de ficção, mas também a ficção surge como uma fonte vívida para a produção teórico-filosófica e, além disso, a produção intelectual feminista está intimamente ligada com uma proposta de viver um outro mundo, proponho que a fronteira entre filosofia, ficção e práxis pode ser, no presente caso, mais porosa do que parece.

Leituras e performances

Daniela Gontijo

Feminismo poemado: pratos, hiatos e a filosofia do ato

Performance de alguns poemas com entrelinhas feministas e que inventam pequenos cronos, pequenos topos que constroem um nicho de resistência que passa pela pia, pela utopia.

Teodoro Rennó Assunção (UFMG)

Divisão iluminadora (num estranho café da manhã)

Experimento ficcional narrativo que, à maneira dos textos de juventude de Raymond Roussel, joga com com um (in)significante trocadilho que serve de enquadramento e motivação para a estória que não só descreve, como uma crônica de costumes, problemas da relação de um pai com a vida sexual livre de uma sua

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filha adolescente, como também problematiza velhas questões filosóficas como a da identidade pessoal e sua relação com o nome próprio.

Cibele Horizonte (livre pensadora)

Sobre uma filosofia do buraco

A partir da semente introduzida por Platão na história da filosofia, segundo a qual todo conhecimento, para constituir-se como tal, necessita de um padrão que lhe antecede e que funciona como uma espécie de matriz de inteligibilidade – sejam as Formas (eidos) transcedentais, as certezas claras e distintas (Descartes), as coisas em si (Kant), o espírito absoluto (Hegel), a vontade de poder (Nietzsche), a redução eidética (Husserl), a fusão de horizontes (Gadamer), o pano de fundo (Davidson), os paradigmas em curso (Kuhn) – consideramos como origem primeira da filosofia os limites cognitivos da própria condição humana. O abismo incognoscível presente em qualquer movimento do pensamento é o que dá existência a este e, simultaneamente, confronta-o como fronteira – quase sempre obscena, isto é, desconsiderada, deixada fora de cena, por que perturbadora da ordenação desejada. Para articular essa ideia do pensar como procedimento que pulsa em volta de um vazio irredutível (e quase sempre obnubilado) desejamos desenvolver a noção de uma “filosofia do buraco” (die Philosophie der Loch) produtora (1) de um ethos barroco capaz de encenar a obscenidade, do lado do sujeito, e (2) de diversas gambiarras, no mundo dos objetos. Nessa comunicação, visamos apresentar tanto a constituição desse ethos, com auxílio das reflexões do filósofo equatoriano Bolivar Echeverria, quanto a construção de gambiarras, a partir do trabalho do fotógrafo mineiro Cao Guimarães.

Resumos das comunicações

Bruno Guimarães (UFOP) - Da relação entre o saber precário e a inovação criativa

De um ponto de vista crítico, Kant já havia observado que somente a limitação do saber abriria espaço à realização do vir a ser. Contra uma postura dogmática, o prefácio da segunda edição da Crítica da Razão Pura nos apresenta a seguinte conclusão: “tive que suprimir o saber para abrir espaço para a crença.” Segundo uma perspectiva dialética, Hegel pôde avançar mais, ao questionar a confiança na condição a priori do conhecimento, duvidando de que dispuséssemos de um princípio formal abstrato ao qual pudéssemos recorrer para garantir o conteúdo de verdade de nossas afirmações. Em uma provocadora inversão, a introdução da Fenomenologia do Espírito alerta: pode parecer correto chegar a um acordo prévio sobre o conhecimento, antes de pôr-se a conhecer efetivamente, para evitar “as

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nuvens do erro”, mas por que não temer que o temor de errar já seja o próprio erro? Adorno teria dado um passo definitivo em direção a uma teoria crítica materialista ao recusar, em sua Metacritica da Teoria do conhecimento, “todo e qualquer âmbito fundacional prévio” e perceber como a fixação de um fundamento orienta a práxis e ameaça qualquer tentativa de agirmos como sujeitos de nossa própria história. Analisando as implicações de uma orientação material, a partir da psicanálise do ato de Lacan e da teoria da ação política de Badiou, pretendemos mostrar como a potência da imaginação pode superar a precariedade do saber e como a atenção às condições reais nos ajuda a reconhecer o valor epistemológico da gambiarra.

Carolina Gonçalves Cordeiro (Mestranda em Linguagens Visuais da EBA- UFRJ) - Entre o vazio e a criação

A partir do conceito filosófico de subtração do Pequeno Manual de Inestética de Alain Badiou, pretendo apresentar uma nova modalidade de reflexão crítica a partir da relação espaço/temporal de alguns trabalhos artísticos. Badiou está atento para o fato de que o verdadeiro ato artístico é criar o vazio. Sua perspectiva impõe uma revisão da prevalência filosófica da teoria sobre a prática, sobretudo, no que diz respeito à arte. Os trabalhos que apresentarei possuem uma informação que não pode ser lida, um som, uma leve queda de luz, etc. como espaço possível de uma reorganização crítica, de ativação da imaginação e tentativa de ativar percepção para o entorno. Mostrarei que em alguns casos, não é a saturação, mas a ausência, ou a prioridade do lugar em relação ao seu próprio preenchimento é que pode ativar um espaço possível para a imaginação, em que o espectador fica na posição de um observador voyeur que não pode ver e é convidado a fantasiar e reconstruir imagens para si mesmo. De modo geral, todos os trabalhos partem de uma observação da poética do cotidiano. Interessa-me mostrar que a incorporação do entorno, as situações inesperadas do dia a dia, é que possibilita a ativação das subjetividades dos espectadores. Falarei desse lugar que não está nem dentro nem fora. É o lugar entre, que permite a contaminação dos ambientes externos e internos. O espaço sendo pensado não como suporte do trabalho, mas como o próprio trabalho.

Danilo Rodrigues Pimenta (Doutorando/Unicamp) - Por uma estética pedagógica em Albert Camus

Albert Camus não possui uma obra especifica sobre educação, mas o conjunto de seus textos nos oferece indicações para pensar uma pedagogia do absurdo, assim, o objetivo desta comunicação é analisar a estética camusiana, nas obras Le mythe de Sisyphe, L’homme révolté e Discours de Suède, identificá-la como uma atitude coerente diante do absurdo e da revolta e pensar em uma possível pedagogia do absurdo. O criador absurdo cria para nada e sua pedagogia consiste na consciência da efemeridade de sua obra. A intenção pedagógica do artista é manter a consciência por meio de sua obra, visto que são os fracassos da existência absurda

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que mais nos ensinam a respeito dela. A estética pedagógica proposta pelo franco-argelino é proporcional ao homem e por isso é mais esclarecedoras que todas as bibliotecas, visto que Camus está convencido da mensagem instrutiva da aparência sensível que descreve o fracasso da existência humana. É exatamente por isso que a criação artística é um instrumento de libertação, visto que ela tem a finalidade de despertar o homem de sua vida maquinal, isto é, da vida desprovida da consciência da absurdidade da existência.

Eduardo Stefano A. Martello (Graduando em Letras UnB) - Legitimação através da palavra: a representação literária e histórica da conquista.

Além do meio direto de conquista, através da pólvora, discute-se a utilização das vias artísticas e científicas na dominação da europeia. Um caminho a ser pensado é a ficção literária como meio legitimador dessa conquista. Os primeiros homens a escreverem sobre as condições encontradas na América trataram de expor a grandeza de suas descobertas. Utilizaram-se da mitologia e de todo o imaginário habitado no consciente europeu durante séculos, alimentado por livros como Naturalis Historiae (Plínio) e Cidade de Deus (Santo Agostinho). Descreviam, assim, a natureza fictícia e as terras conquistadas, com existências de monstros e seres fantásticos. Um olhar mais crítico-retórico revela uma possível intenção interpretativa dos europeus em distanciar a América da Europa, legitimando sua dominação. A formulação de uma América Imaginária nas cortes europeias era fundamental. A Espanha era o país Europeu ocidental com maior fervor religioso, assim, a criação de um universo místico não-cristão e não-europeu dava aos conquistadores maior veemência em sua dominação, uma verdadeira missão. A maneira como a descoberta e a conquista eram descritas influenciava fortemente as políticas adotadas pela corte e pelo clero na tomada de decisões perante o continente. Este estudo pretende analisar a retoricidade de fragmentos de três obras escritas no século XVI para formular uma tese de que tais livros foram peças fundamentais no esquema de conquista dos europeus: Naufrágios y Comentários, Álver Nuñez Cabeza de Vaca; Historia de La Conquista de Mexico, Francisco Lopez de Gómara; Historia Verdadera de La Conquista de la Nueva España, Bernal Díaz Del Castillo.

Jean D. Soares (PUC-Rio) - Rachar as palavras, rachar as coisas

O espelho desempenhou, e ainda desempenha, um papel importante para a civilização ocidental. Sua importância advém hoje ainda da possibilidade de olhar o presente de outro ponto de vista, diferente do nosso, refletido sobre as nossas atuais condições. Aí, no ponto em que o corpo nele se vê, ele não projeta qualquer utopia – a virtualidade de sua ficção bidimensional representada para nós possui um lugar que não é nosso por excelência, mas está ligado a nós inexoravelmente. Nessa fenda do real, nesse espaço entre eu que vejo e o espelho que me permite ver a mim, nessa brecha aberta pelo “agora sempre diferente” parece plausível pensar rachadas as palavras e as coisas. São diferentes entre si: o dado a ver e o

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quisto dizer. Nesses “Outros espaços” surgem litígios sobre se, como, o que, quem, quando, onde, por que. Sem a materialidade do predicado, o ser – esse espelho discursivo de ligação está em vias de se tornar insígnia do dissenso, da falibilidade de uma ontologia que não se queira no presente, que o evite para pensar sempre sobre um lugar futuro ou celebrar incondicionalmente o passado. Na intersecção entre Foucault e Rancière, entre história, ficção e arte, procuraremos refletir – fazer o discurso operar como espelho de pensamentos – sobre as aventuras, sobre as heterotopias que os levam para além das utopias.

José Luis Martinez (USP) - Entre Bolaño e Górgias, Sofística e literatura

Se o sofista e aquele que em uma discussão parte do argumento menor, o mais débil para inverte-lo, em um movimento que pode ser chamado de paródico, poderíamos propor que em algumas conferencias Roberto Bolaño realiza uma inversão de lugares comunes que produzem um efeito que chamarei de sofistico, cuja consequência é constituir um lugar polêmico, onde a perlocução promove um deslizamento: falar desde fora do cânone literário para colocar-se dentro. Como alternativa à historiografia de base kantiana e hegeliana proponho o gênero epidítico, cujo cometido é o de situarmos no presente das coisas, onde devemos decidir sobre quais são os textos bons e ruins para a comunidade. Neste gênero, Bolaño desenvolve uma estratégia persuasiva que consiste em inverter o senso comum – o sonho dóxico.

Lucas Nascimento Machado (Mestrando em filosofia pela FFLCH-USP) - Ceticismo, Schiller, Phillip K. Dick e Lovecraft Sobre A Liberdade Do Juízo

Em nossa apresentação, buscaremos articular o ceticismo antigo (mais especificamente o ceticismo pirrônico), as considerações de Schiller sobre o sublime, e algumas reflexões sobre a ficção científica de Phillip K. Dick e a ficção de horror de H. P. Lovecraft por meio da discussão acerca da liberdade do juízo, buscando indicar como esses autores aparentemente tão distantes poderiam ser aproximados por meio dessa temática. Nesse sentido, tratar-se-á de discutir como quer nos céticos, por meio de sua suspensão de juízo que serve de remédio à “precipitação dogmática”; quer em Schiller, por meio da discussão sobre o sublime, cuja experiência leva o homem ao reconhecimento da autonomia de sua vontade; e quer em autores de ficção como Phillip K. Dick e Lovecraft, por meio das incertezas sobre a nossa própria condição em que nos joga o primeiro e o “horror cósmico” concebido e escrito pelo segundo, a liberdade do juízo teria um papel chave para que possamos pensar algumas das principais questões filosóficas e experiências estéticas exploradas por esses autores.

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Luciana Molina Queiroz (Mestranda em Filosofia – UFMG) - A insuspeitada possibilidade de se fazer poesia após Auschwitz

Quando o assunto em questão é a filosofia de Adorno, já se estabeleceu o clichê de relembrar seu questionamento acerca da possibilidade de se fazer poesia após Auschwitz. A demasiadamente citada frase em questão é recorrentemente lembrada por aqueles que buscam enfatizar o pessimismo cultural de Adorno. Entretanto, gostaria de apresentar aqui uma leitura um tanto quanto na contramão dessas leituras bastante hegemônicas. Cabe destacar que a leitura que pretendo fazer é motivada pela recorrente rejeição de Adorno à noção de fim da arte. Na Teoria Estética, Adorno diz que tudo o que há para se dizer sobre arte tem sua legitimidade ameaçada. Entretanto, Adorno não é tributário das teorias escatológicas da arte que defendem sua morte ou decadência. Tendo isso em vista, questiono: como é possível conciliar a recusa de Adorno aos discursos artísticos escatológicos (compreendidos, no mínimo, como prematuros) e, ao mesmo tempo, assumir seu pessimismo cultural? Seria isso marca de um possível otimismo de Adorno em relação aos mais variados diagnósticos de fim da arte? Na Dialética Negativa, Adorno reitera que a arte pós-Auschwitz é necessária pois o sofrimento deve poder se expressar. Assim, recorrendo à associação que Adorno faz entre utopia e catástrofe, faço uma interpretação do que Adorno chamaria de “gosto pelo negro” da arte moderna que se mantém crítica em relação à sociedade.

Márcio Alves de Oliveira (USJT) - A expressividade da crítica à filosofia sartreana no romance A Queda, de Albert Camus

A expressão ficcional é fundamental para uma razão contemporânea sem referenciais absolutos, inclusive racionais. Para pensamentos radicalmente críticos da modernidade, como o de Camus e Sartre, o caráter ensaístico da verdade entre razão e imaginação é enfatizado pela apreensão criativa de si e de sua subjetividade. Sem repor a expressividade criativa na tensão do existir com sua própria existência alienada não se ensaia eticamente uma compreensão em perspectiva do entrelaçamento infernal entre olhares reificadores de si e do outro. Contra a má-fé, a subjetividade sartreana engaja-se ético-politicamente na indeterminação histórica radical do ser da liberdade e o sujeito camusiano movimenta-se absurdamente sem subjetividade. Especificamente, o romance camusiano A Queda expressa uma consciência perversa que dissimuladamente aspira viver no e do absurdo, cristalizando um sentido desmedidamente crítico que antecipe sua queda niilista. A libertação camusiana de uma liberdade abstratamente total problematiza toda naturalidade histórica da ética, inclusive um sentido existencial sartreano expresso na trágica altivez de uma liberdade total engajada na paixão inútil por seu desejo de plenitude. O personagem Clamence de A Queda exponencializa a expressão feita em romances anteriores desta escravidão, inclusive do pensamento crítico, ao nada da liberdade: mergulhando com delirante má-fé na duplicidade de sua própria paixão, este juiz-penitente acumula aí imagens vazias de intensos dilaceramentos numa aspiração infernal de unificar sua existência, e a dos outros, no e através do absurdo.

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Mariana Fidelis J. de Oliveira (UFMG) - "Zabriskie Point" e o fim da Utopia: convergências entre Marcuse e Antonioni

Propomos um ponto de interseção entre filosofia e ficção nas figuras do filósofo alemão Herbert Marcuse e do cineasta italiano Michelangelo Antonioni a partir da ideia de Utopia presente em suas obras do final da década de 60. Num período marcado por diversas manifestações políticas na Europa e nos Estados Unidos, em geral protagonizadas pela juventude, Marcuse e Antonioni, cada um a sua maneira, se dedicam a refletir sobre as tensões, inquietações e aspirações aí latentes, desenvolvendo discussões sobre: Revolução, Movimento Hippie, e o papel dos jovens na transformação social. De um lado, analisaremos o texto “O fim da Utopia” de Marcuse, fruto de uma conferência para estudantes universitários em 67, em que desenvolve a tese sobre o fim da utopia baseada na constatação de uma real possibilidade de concretização de um novo contexto histórico, em contraposição às sociedades não ainda livres de hoje. Do outro lado, analisaremos o filme “Zabriskie Point”, de 1970, no qual Antonioni desenvolve sua compreensão acerca dos movimentos revolucionários dos Estados Unidos da época, confrontando a partir dos personagens principais, Mark e Daria, dois pontos de vista divergentes quanto a forma de realização da transformação da sociedade capitalista opressora na qual vivem. Nosso trabalho tem como objetivo delinear a ideia de Utopia presente nestas obras, relacionando os pontos de vista de Marcuse e Antonioni principalmente no que diz respeito à necessidade de uma recusa em relação aos valores da sociedade unidimensional, a qual se tenta modificar em busca da liberdade.

Peterson Soares Pessoa (FAV-UFG): Ficção, história e mercado: uma leitura de “como a picaretagem conquistou o mundo”, de Francis Wheen

A presente proposta de comunicação tem como objetivo analisar a conjuntura “pósmoderna” apresentada pelo jornalista Francis Wheen, na obra Como a picaretagem conquistou o mundo: equívocos da modernidade, e sua contribuição para o debate contemporâneo sobre a “pós-modernidade”, considerando autores como Jameson, Harvey, Eagleton, Baumann, entre outros. Nesse escopo, tem-se como ponto fundamental o fenômeno da emergência do misticismo orientalista e da cultura de autoajuda da sociedade contemporânea, descrita por Wheen como “velhas panacéias, novos frascos” e no modo como tal questão se coloca como um sintoma do desenvolvimento histórico da ideologia econômica neoliberal da década de 1980: “a revolução da feitiçaria”. Mais do que uma mera crônica bem humorada sobre fatos e elementos históricos concernentes ao mundo contemporâneo – o mundo da “póshistória”, tal como alardeado por Francis Fukuyama em 1990 – o trabalho de Wheen parte da rememoração do projeto emancipatório racional iluminista (com devidas ressalvas, não se tratando, é claro, de uma apologia à razão pura) a fim de estabelecer um contraste com uma realidade na qual se constrói a idéia de que “51% das maiores economias do mundo eram empresas e que apenas 49% eram países” – em outras palavras – quando se criam números ilusórios a partir de dados econômicos radicalmente distintos. É possível afirmar que a constatação de Wheen deste e de outros vários fenômenos econômicos

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políticos e culturais do último quarto do século XX estão relacionados mais com as transformações da aparência superficial do capital do que com “os sinais do surgimento de alguma sociedade pós-capitalista” (segundo a tese sobre a condição pós-moderna de Harvey). Nesse sentido, pode-se considerar que os fenômenos “pós-modernos” descritos pelo jornalista apontam tanto para uma crise de identidade no seio das comunidades globalizadas, bem como uma crise de alteridade que afeta os sujeitos que transitam nessa realidade na qual o sentido escapa.

Rogério Bianchi de Araújo (Doutor em Antropologia - UFG) - O futuro distópico a partir de uma leitura de Ernst Bloch e Fredric Jameson

Nesta comunicação abordo a distopia no cinema hollywoodiano contemporâneo. Para o filósofo marxista Ernst Bloch, Hollywood é uma fábrica de sonhos. No entanto, muitos criticam a indústria cultural de massa que aliena o indivíduo. Hollywood seria uma de suas empresas. Para contrapor essa afirmação, o crítico literário marxista Fredric Jameson afirma a presença dos impulsos utópicos e enaltece a vocação utópica da cultura de massa. Por isso, tenha como proposta analisar duas obras distópicas recentes do cinema hollywoodiano: O Preço do Amanhã e O Livro de Eli, a fim de mostrar como o futuro distópico no imaginário do cinema carrega consigo grandes esperanças na esteira da filosofia blochiana. O objetivo principal é mostrar como a cultura de massa, a partir do campo do imaginário do cinema, pode ser pensada sob o prisma de uma filosofia da esperança. Para Jameson, toda obra de arte contemporânea – seja de alta cultura e do modernismo, ou da cultura de massa e comercial – contém como impulso subjacente, uma reflexão sobre a natureza da vida social, tanto no modo como a vivemos agora como naquele que – sentimos em nosso íntimo – deveria ser. Já a antropologia filosófica contida nos textos de Bloch, afirma uma concepção do ser humano como ser de pulsões, que pressionam na direção de sua satisfação. O que fascinou Ernst Bloch foram os elementos imaginativos, os “sonhos diurnos” de todos nós e como eles tinham o poder de modelar o comportamento e a cultura dos homens. Portanto, é nessa linha de abordagem de Fredric Jameson e Ernest Bloch que penso, nessa comunicação, a relação entre filosofia e ficção contemporânea utilizando-me do filme distópico como objeto de análise. A distopia inverte a perspectiva utópica, uma vez que o futuro é previsto como pior que o presente, decorrência nefasta de um projeto coletivo. A maior visibilidade desse gênero de filmes é fruto do contexto histórico no qual estamos inseridos com as crises típicas da pós-modernidade. Mas a distopia é importante. Ela traz um incômodo e uma mensagem intrínseca de fazermos algo. Uma propensão à ação. Serve como alerta e como crítica social.

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Sofia Andrade Machado (Mestranda, UFOP) - Indústria cultural e subdesenvolvimento no romance A Hora da Estrela

O intuito deste trabalho é mostrar como algumas ideias expostas pelos filósofos Theodor W. Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973) no texto A Indústria Cultural: O Esclarecimento como Mistificação das Massas (Dialética do Esclarecimento, 1947) guardam certa semelhança com passagens do romance A Hora da Estrela (1977), de Clarice Lispector (1925-1977). Da mesma forma como o texto filosófico apresenta elementos que podem ser elucidativos para a leitura do romance, a interpretação do romance com base na leitura do texto permite uma reflexão sobre a Indústria Cultural no contexto brasileiro da miséria e do subdesenvolvimento. Se a alienação propagada pela Indústria Cultural já se mostrava bastante problemática no contexto descrito pelos filósofos, torna-se algo muito mais crônico no contexto da miséria e da exploração que figura na temática do romance. A história de Macabéa, uma alagoana pobre que vive no Rio de Janeiro, ganha dimensão trágica através da ironia com que sua singularidade contrasta com um destino semelhante ao que figura nas grandes tragédias gregas. Esta atmosfera trágica e grandiosa contrasta com a estrutura que a própria autora anuncia querer para sua história, ironicamente bem hollywoodiana: “Assim é que experimentarei contra os meus hábitos uma história com começo, meio e - gran finale seguido de silêncio e de chuva caindo”. A crítica à Indústria Cultural surge em meio a elementos de uma prosa extremamente moderna e sofisticada, que dialoga ao mesmo tempo com Holywood, literatura de cordel, romance urbano precário carioca e tragédia grega.

Talita Trizoli (Profa. Msa. FAV-UFG) - “A Ironista”: Früchtl, Rorty e observações sobre o feminino cinematográfico

O presente artigo propõe-se a comentar as conjunções entre os autores Josef Früchtl e Richard Rorty, no que concerne ao conceito de “Ironista”. Früchtl, em algumas partes de seu livro The Impertinent Self, pontua a pertinência de interpretar certas personagens femininas em produções hollywoodianas não apenas como femme fatales ou como estereótipos maternais medievais, consequentemente misóginos, mas sim como “Ironistas”, ou “Mulheres Irônicas”, devido ora por suas dúvidas subjetivas, ora por sua capacidade de adaptabilidade ao meio. Tal definição conceitual de “Ironista” é confluência das argumentações de Rorty a respeito das subjetividades contemporâneas e suas tentativas de estabilização na sociedade atual. Ambos os autores demonstram preferências de gênero quanto à identificação de tal conceito devido ao imaginário coletivo em relação à “maleabilidade” feminina e seus dispositivos de indagação do Eu. Dessa forma, procura-se também verificar tanto as possibilidades de construção do feminino a partir do vocabulário cinematográfico, cotejando Laura Mulvey e Judith Butler, nos filmes The Silence of Lambs, Pulp Fiction, Blade Runner, mas também na série Alien e nos filmes To Have And Have Not e Atlantic City.

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Thiago Reis (Doutorando/UFMG) - Rememorando o futuro, uma apologia ao pensamento de Ernst Bloch

Já foi dito, ironicamente, que os escritos de Ernst Bloch seriam apenas uma espécie de “romance filosófico”. Quanto a isso, não vemos problema algum. Bloch sabia que “os fogos de artifício capitalistas são muito engenhosos, não só em termos ópticos” e que a visão de mundo socialista “dificilmente pode acompanhá-los”; justamente por isso o seu papel enquanto intelectual marxista, a sua importante função, precisamente, foi a de reavivar o calor do materialismo histórico. Para tanto, a sua maneira de discorrer, o enlace teórico de suas ideias, a escolha de seus temas, as imagens por ele utilizadas e a potência de seu discurso “filosófico-literário” constituem, sem dúvidas, um elemento fundamental – e de fato necessário – para remoçar o que há muito já se evaporou do marxismo. Desde as suas primeiras obras até os escritos de maturidade – passando pela sua obra magna, O Princípio Esperança – a utopia, e ao contrário do que geralmente se expressa a respeito desse tema, ou seja, como pura abstração ou escapismo cândido, será considerada pelo filósofo como uma importante extensão da vida humana, a qual se aliará à esperança, à docta spes (a esperança refletida). A esperança e a utopia tornam-se o alfa e o ômega, o princípio e a meta, partes indissociáveis na orientação do pensamento na busca pelo “ainda-não”. Pode-se dizer que a intenção de Bloch, ao evidenciar o pensamento utópico e o afeto expectante, é a de advertir sobre a importância da dimensão subjetiva, das crenças e das potências criadoras individuais – centradas na figura dos “sonhos de uma vida melhor”.

Virgínia Mota (Mestranda em Estética e Filosofia da arte na Universidade Federal Fluminense) - As leiturais e os leitores ativos nas viagens de Odisseu

No excurso I da Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer analisam o entrelaçamento entre mito e trabalho racional presente nas narrativas de Homero na Odisséia, em particular nas de Ulisses, seu protagonista. Na diferença entre as duas narrativas é possível analisar também o papel ativo do narrador como aquele que alimenta o seu próprio mito e do leitor que se dá conta da falácia. Nesse hiato, o leitor é aquele que decide sobre a possível inverdade longínqua. No distanciamento gerado entre as duas narrativas, no mesmo gesto narrativo, o uso de linguagem corrobora a vontade do herói mítico de se constituir enquanto tal, mas também o compromete numa espécie de mito anti-mito por deixar evidente a importância da astúcia como garantia de sobrevivência. Pretende-se referenciar um uso de linguagem vivificante na constituição narrativa sem ignorar uma outra contrária que justificaria certos casos de violência premeditada. Tanto Ulisses quanto o leitor “antelêem” a vingança contra aqueles- pretendentes e servos- que potencialmente o ameaçariam. Através da linguagem e da imaginação de Ulisses, a intriga toma um lugar mortificante. Entre o seu caráter e a manutenção do seu poder (latifundiário e capital) existiria uma transferência direta do poder do mito que subjugaria através da linguagem. De um lado aquele que narra a sua árdua e triste descida ao Hades deixa transparecer que em nada se enfraqueceu, do outro lado aquele que escuta é subjugado por uma violência

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intrínseca à linguagem da narrativa. Uma violência aparece assim dialeticamente para aquele que agora lê. Junto à leitura do Excurso I, voltaremos a três textos fundamentais da obra de Walter Benjamin: Sobre a linguagem geral e a linguagem do homem; Destino e caráter; e Para uma crítica da violência.

Walter R. Menon Jr. (UFPR) - Técnica e poiesis. Acerca do modo de existência ficcional do objeto técnico como dispositivo filosófico

Em seguida a descrição e análise do que seria a “cultura técnica” para Simondon, e sua importância, e a guisa de estudo de caso, pretendo compreender a reprodução pictural e a invenção da perspectiva no século XV, dentro do horizonte conceitual da ontogênese dos objetos técnicos. Em segundo lugar pretendo enfocar a questão da pintura e da invenção da perspectiva no século XV, como não somente decorrência do advento de uma cultura humanista, renascentista, e, portanto, ligada à tradição clássica – não é por acaso que Plínio o Velho dedica um capitulo inteiro de sua História Natural a descrição dos procedimentos e técnicas características da arte da pintura – mas antes, e principalmente, como um tipo de objeto técnico, de dispositivo de reprodução, registro e armazenamento de informação resultante de questões que perpassam a história da filosofia. Não obstante os aperfeiçoamentos tecnológicos sofridos, no sentido de sua multiplicação e acessibilidade na forma dos dispositivos eletrônicos e digitais contemporâneos, tal dispositivo permanece essencialmente o mesmo, na contemporaneidade, quanto ao sua função. Dois princípios se impõem e subsistem neste mesmo dispositivo: o ficcional e o da fidelidade ao objeto representado, ou ainda o de verossimilhança.

Wesley Leonel (mestrando PPG Estética/Filosofia da arte – IFAC/UFOP) - A questão do ciúme como problema filosófico no Dom Casmurro – apontamentos

O intuito do texto é abordar e desenvolver nuanças do ciúme como envolvendo uma radicalidade peculiar aos problemas filosóficos. Durante vários anos, o Dom Casmurro fora tomado, passivamente, como um romance que versava, ao sabor da época, sobre o adultério e, em suas linhas, desencadeava no leitor o trajeto pelo qual se vislumbrava a conclusão e (principalmente) julgamento de Capitu como adúltera. A esta chave de leitura, segui-se a interpretação segundo a qual a obra não seguiria a tradição dos “romances de adultério”, mas abriria novos caminhos ao concentrar-se sobre o problema do ciúme, tirando este do segundo plano ao qual estivera submetido ao ser encarado como uma espécie de consequente da traição. Somente em meados do século XX fora compreendido o aspecto problemático e enigmático da obra, aproximando-a de uma leitura mais distanciada da relação entre o discurso sentimentalista na literatura e o realismo literário, tão em voga no final do séc. XIX e que, então, tentava se impor entre os literatos brasileiros. É sabido o quanto o escritor fluminense se contrapusera ao realismo, como uma “nova poética [...] só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um

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esfregão de cozinha" (ASSIS, 1985. v. 3, p. 904.). Parte de sua rejeição dos princípios do realismo literário de então se deve, por um apego excessivo em detalhes, demasiado descritivo, que – como comenta Paul Dixon (2008, p. 88), sobre a questão da teoria da mente como abordagem comportamental influente na teoria literária a partir do século XX – acaba por redundar num “autismo estético”, incapaz de aprofundar-se nas camadas subentendidas do texto e dos personagens. Tal parcialidade e inocência compartilha a recepção passiva do discurso sentimentalista, advindo da literatura europeia, mas que formava um pano de fundo junto com a estética realista que então se afirmava em terras luso-brasileiras. Nosso argumento centrar-se-á sobre a hipótese de que Machado, como um escritor não realista (vide Gustavo Bernardo), ao confrontar sentimentalismo e realismo inserindo o Dom numa capciosa dinâmica em que é impossível uma assertiva determinista, direcionando o leitor, através da incerteza do narrador e as proximidades da obra com outras do arquétipo do adultério, às questões radicais e universais que encerra o ciúme. Torna-se este um elemento frutífero para uma abordagem cética acerca do próprio realismo a que tendia a crítica literária sobre o adultério.