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Universidade de BrasliaInstituto de Cincias Sociais
Departamento de Sociologia
Monografia de Graduao
Viagens na metrpole:Jogos e estratgias nos nibus de Braslia
Monografia apresentada ao Departamento de
Sociologia da Universidade de Braslia como
um dos pr-requisitos para obteno do grau
de Bacharel em Cincias Sociais, com
habilitao em Sociologia.
________________________________________________
Banca examinadora:
_______________________
Dr. Edson Silva de Farias (Orientador)
_______________________
Dr. Analia Laura Soria Batista________________________________________________
Marcos Henrique da Silva Amaral
Braslia, dezembro de 2009
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Resumo
Braslia uma metrpole marcada aprioristicamente pelo seu Plano Piloto inicial,
pensado para abrigar a classe poltica e o funcionalismo pblico federal e, posteriormente,
pelo seu contnuo processo de disperso expressado na formao de cidades satlites
que representa em si mesmo a formao da ambivalncia centro/periferia. Embora tais
processos de disperso sejam contnuos, o projeto original de Braslia o cruzamento dos
Eixos Monumental e Rodovirios, que formam duas Asas continua se mostrando o centro
do cotidiano e o principal marco cognitivo dos habitantes da metrpole: onde se concentra
grande parte da disponibilidade de empregos e ensino; bens e servios. Diante dessaconfigurao, deslocar-se na metrpole parte fundamental da vida cotidiana dos
brasilienses. Mais ainda, os nibus aparecem neste contexto como principal elo entre os
diversos espaos urbanos em Braslia. sobre os rituais dirios de uso do transporte pblico
na cidade que esta monografia se debrua. Partindo da trama metropolitana especialmente
peculiar da capital brasileira e dos padres de deslocamento neste contexto, o objetivo tentar
precisar de que forma tal trama se relaciona com os modos de uso dos nibus e de forma
inversa mostrar os rituais de uso desse tipo de transporte pblico como elucidativos datrama brasiliense, principalmente no que tange separao entre centro e periferia. O nibus,
neste contexto, pode ser tomado como um no-lugar, noo trazida por Marc Aug e que,
aqui, buscamos problematizar com as noes de circulao quente e de circulao fria,
pontuadas a partir de etnografias feitas em trs linhas de nibus em Braslia. Trata-se aqui,
portanto, de uma anlise do cruzamento de trajetrias biogrficas nos nibus de Braslia, no
sentido de elucidar as formas peculiares de sociabilidade dessa trama enfocando as formas
de interao que se configuram e de desconfiguram annima e continuamente , semnegligenciar o seu aspecto elucidativo no que tange trama metropolitana de Braslia,
principalmente na ambivalncia formada pelo par centro/periferia.
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Abstract
Braslia is a metropolis marked, at first sight, by its original plan the Plano
Piloto area , thought for sheltering the political class and the government servants and,
posteriorly, by its continuous dispersion process expressed at the satellite towns formation
that represents, by itself, the formation of the center/periphery ambivalence. Although
these dispersion processes are continuous, the original project of Braslia the intersection
between the Eixo Monumental and the Eixo Rodovirio, that forms the two (North and South)
Wings carries on being the center of the quotidian and the principal cognitive mark for the
metropolis habitants: its the space where is concentrated the most part of the jobs andschools; goods and services. Through this configuration, travel in the metropolis is a
fundamental part of the brasilienses quotidian life. Even more, the buses are, in this context,
the principal link between the urban spaces of Braslia. Its over the everyday rituals of using
the public transportation in this city, that this monograph talks about. Using the especially
peculiar metropolitan plot of the Brazilian capital and the dislocation patterns at this context,
my main effort is a trial to accurate the form that this plot is associated to the ways of using
the bus and in a inverse mode show the rituals of using this kind of publictransportation as elucidative characters of the Braslia plot, principally if we want to think
about the separation between center and periphery. Buses are, thus, nonplaces, a category
brought by Marc Aug that we tried to put in doubt with the notions ofhot circulation and
cold circulation, created from ethnographies Ive made at three bus lines in Braslia.
Therefore, its an analysis of the biographic trajectories crossing in the Braslia buses, with
the objective of elucidate the peculiar forms of sociability in this plot, without neglecting its
elucidative aspect about the center/periphery pair.
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Sumrio
Agradecimentos ...................................................................................................................... 04
Lista de tabelas, mapas e fotos ................................................................................................ 05
Prlogo .................................................................................................................................... 06
Introduo ............................................................................................................................... 07
Captulo I A trama metropolitana do Distrito Federal ......................................................... 16
Um mapa ......................................................................................................... 16
Centro e periferia ............................................................................................. 22
Uma metrpole ................................................................................................ 28
Deslocar-se na metrpole ................................................................................ 30
Uma forma de circulao fria e uma forma de circulao quente ............ 36
Captulo II Interaes ........................................................................................................... 46
Silncio comunicativo ..................................................................................... 50
Saindo da rotina ............................................................................................... 52
Msicos, vendedores e pedintes ...................................................................... 54
Consideraes finais ............................................................................................................... 60
Eplogo .................................................................................................................................... 64Referncias bibliogrficas ...................................................................................................... 65
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Agradecimentos
Aos meus pais e minha irm, pelo amor e pelo constante apoio.A todos os companheiros de viagem que, de alguma forma, colaboraram com a
pesquisa, por meio de conversas informais durante o percurso.
Aos cobradores e motoristas, pelas vezes em que pude usar os nibus
gratuitamente, e pelas informaes e disponibilidade em ajudar.
s tias Helena, Cludia, Nelci, Zlia e Denise, por serem o comeo de tudo.
Ao professor Edson, meu orientador, por me mostrar que h sempre muito a
aprender e a fazer, pela ateno, pela pacincia, pelas conversas, pela confiana. Fica aqui
minha admirao.
professora Sayonara Leal, pela disponibilidade em conversar e em sugerir
novas leituras e novos caminhos.
s meninas, Denise, Isabella, Millena, Carolzinha, Raquel e Pancha, por terem
sempre caminhado comigo; pelas conversas e pela amizade que cresceu ao longo dessa
caminhada. Muito carinho e companheirismo.
Ao Fred, Carol, Thamires, ao Fellipe e ao Saulo, que to importante foram no
final desse percurso, pela fora, amizade e por cada sorriso.
Ao Luciano, ao qual considero um irmo, pelos momentos de conversa
(discusso), reflexo e divagaes musicais, que sempre me ensinaram muito.
Companheirismo e fora.
Vanessa, por todo apoio, pela pacincia e pelo amor. Muita alegria
compartilhada.
Aos muitos que fizeram parte dessa jornada e que, de alguma forma, tiveram
fundamental importncia nela: Debora, Luisa, Juliana, Fernanda e Maisa Torres; Kaline,
Jader, Jadson e Natlia; Lucas, Eduardo, Beto, Diane, Ranna, Letcia, Rafito, Ju Freitas,
Felipe, Robertinho, Gaby, Paloma e Bruno; Ju, Gunter, Isis, Deyvid, Tiuipa, Rick e Carlinha;
Mel, rika, Daiane
Cada uma dessas pessoas so parte de mim. A cada uma dessas, devo dizer que eu
sou essencialmente o que vocs fizeram de mim. A cada uma, meu carinho.
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Lista de tabelas, mapas e fotos
Tabela 01: Populao urbana do Distrito Federal segundo Regies Administrativas ............ 19
Tabela 02: Distncias Rodovirias entre algumas Regies Administrativas .......................... 20
Tabela 03: Locais de Trabalho e de Ensino da populao que trabalha ou estuda (DF) ........ 24
Tabela 04: Distribuio dos Domiclios, por Classes de Renda Domiciliar (DF) .................. 26
Tabela 05: Repartio das viagens dirias entre modos motorizados por RAs ...................... 33
Mapa 01: Distrito Federal, Plano Piloto .................................................................................. 21
Foto 01: Ideogramas e textos tpicos para delimitar assentos preferenciais nos nibus de
Braslia. Foto tirada na linha 355 ............................................................................................ 45
Foto 02: Disposio inicial dos passageiros no nibus, atentando para a preferncia em sentar-
se sozinho e prximo janela ................................................................................................. 45
Foto 03: O comediante Marquinho Candango em uma de suas performances. At a roupa
colorida importante para o sucesso da apresentao, uma vez que o diferencia dos
passageiros de nibus. A foto foi tirada na linha 300, s 18h ................................................. 59
Foto 04: O comediante Marquinho Candango, na hora de passar o chapu ....................... 59
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Prlogo
O nibus vazio parte do terminal rodovirio: o motorista, o cobrador e eu. Na
primeira parada, entram um jovem, de mochila aparentando ser estudante , e uma
mulher grvida. O jovem retira seu carto-passe de dentro da mochila e aciona a catraca
eletrnica, escolhendo um lugar prximo janela para sentar-se, colocando um fone de
ouvido em seguida. A mulher grvida ocupa um dos assentos frente do nibus, pintado de
vermelho, indicando ser reservado s grvidas, aos idosos e aos deficientes.
()
Aps algumas paradas, o nibus est lotado. O cobrador faz palavras-cruzadas,
enquanto os sete passageiros que vo de p buscam equilibrar-se com o frear do nibus. Uma
jovem acaba de entrar no nibus com um caderno e alguns livros nas mos. Aps passar pela
catraca e ouvir um bom dia do cobrador, ela toma sua posio de p e uma senhora
que vai sentada, ao v-la com os braos ocupando-se dos materiais escolares, se oferece para
segurar o caderno e os livros com um simples gesto de mo. Alguns passageiros lem, outros
dormem, enquanto alguns outros num momento solitrio observam as imagens
efmeras pela janela.
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Introduo
O cocheiro pra, sobem-se os poucos graus de uma escadinha cmoda e se procuraum lugar no carro, onde os assentos, para 14 a 16 pessoas, corremlongitudinalmente, esquerda e direita. Mal se puseram os ps no veculo, este jcomea a rodar; o condutor tornou a puxar o cordel e, com um golpe sonoro nomostrador transparente, indica, atravs do avano do ponteiro, que uma pessoa
subiu; o controle da arrecadao. No trajeto, tira-se com calma a carteira e sepaga. Quando se est sentado longe do condutor, ento o dinheiro passa de mo emmo entre os passageiros; a dama bem vestida o toma do operrio de macaco azule o passa adiante; tudo se passa fcil como por hbito, e sem alarde. Para adescida, o condutor torna a puxar o cordel e faz o carro parar. Se o veculo sobealguma ladeira, o que no raro em Paris, movendo-se portanto mais lentamente,os senhores costumam subir e descer mesmo sem que o carro pare (EduardDevrient,Briefe aus Paris, 1840, apudBenjamin, 1989: 196).
Grandes avenidas submersas por rios de carros barulhentos, estaes de subrbio
que formigam de rostos apressados, corredores de metr que se tornam salas de espera
(Castells, 1983: 275). Assim Manuel Castells descreve o trnsito de uma cidade moderna: as
ruas abarrotadas de carro, a poluio sonora, rostos annimos que se encontram diariamente
nas estaes de transportes pblicos1; situao que pode facilmente ser transposta a Braslia.
A narrativa elucida diversos aspectos peculiares do trnsito e do uso de transportes pblicos,tais como as inter-relaes que se configuram e se desconfiguram annima e continuamente
entre os indivduos, mostrando que se trata de um fenmeno mergulhado no presente e que
existe apenas em funo do presente; no cria identidades particulares, mas cria diversas
estratgias para que os atores envolvidos na trama compartilhem identidades e se
comuniquem de forma expressa, por vezes corporalmente, sem, no entanto, tomarem
conscincia de que se comunicam. nesta teia de relaes especfica em que reina o
anonimato e, muitas vezes, a solido que se encontra justificativa para um estudo
exploratrio sobre os rituais dirios de uso do transporte do transporte pblico, considerando
que tais caractersticas so traos marcantes nas reciprocidades urbanas. Seguindo esta
direo, o presente estudo apresenta uma anlise do cotidiano de uso dos transportes pblicos
no Distrito Federal em especial os nibus, devido intrnseca relao entre Braslia e os
1 A definio de transporte pblico que usamos equivalente idia de transporte en comn usada porCastels e se refere ao transporte que () est disposio do pblico mediante pagamento. Sua principalcaracterstica legal que est submetido a algum tipo de controle por parte do governo (alm do cdigo detrnsito), referente, por exemplo, ao tipo de veculo que pode ser usado e tarifa que pode ser cobrada dos
usurios. O caso mais comum aquele em que muitas pessoas, independentemente de se conhecerem ou no,podem us-lo, quando ele se chama coletivo, como nos nibus, trens e metrs; em outros casos, ele exclusivodas pessoas que chamam por seus servios, caso do txi e do nibus fretado por empresas para transporte de seusfuncionrios (Vasconcellos, 2005, p. 42).
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modelos rodovirios de circulao , dentro de uma perspectiva essencialmente
interacionista, levando em conta caracteres fundamentais como a comunicao entre os atores
envolvidos e a comunicao entre os atores e o prprio espao do nibus, que parece
comunicar, o tempo todo, mensagens expressas no sentido de vincular os atores envolvidos na
trama. Propomo-nos, portanto, tomar o trnsito como tema de estudo, enfocando-nos nos
transportes pblicos os nibus associando-os trama metropolitana que se desenvolve
no Distrito Federal.
Segundo Rodrigues, o trnsito pode ser definido como os modos de circulao e
os padres de deslocamento nas vias pblicas (Rodrigues, 2007: 10). Ele ainda diz que o
trnsito o movimento de veculos e de pedestres, pelas vias pblicas, considerado em seu
conjunto (Rodrigues, 2007: 26). Neste segundo trecho, j h a insero do pedestre enquantoparte constituinte da circulao nas vias pblicas, de forma que os veculos no so os nicos
atores envolvidos nesta trama. Do ponto de vista sociolgico e antropolgico, a trama do
trnsito pode configurar um no-lugar, conforme contribuies de Aug (1994) e Certeau
(1994). Os no-lugares so tanto as instalaes necessrias circulao acelerada de pessoas
tais como rodovias, cruzamentos e avenidas quantos os prprios meios de circulao
que so as formas pelas quais as pessoas circulam: nibus, trens ou grandes centros
comerciais (cf. Aug, 1994: 36). Segundo Aug, os no-lugares no podem se definir comoidentitrios, histricos ou relacionais, em oposio noo de lugar antropolgico. De tal
forma, a situao em que rostos annimos se cruzam apressadamente no trnsito, narrada por
Castells, elucida este aspecto do trnsito, alm de mostrar a ausncia de circunscrio do no-
lugar.
O prprio espao delimitado pelo nibus acaba por tambm se enquadrar na
definio de no-lugar trazida por Aug (1994: 73), ou seja, no nem identitrio, nem
relacional ou histrico. Essa caracterstica fica clara em alguns momentos, principalmentenaqueles em que os participantes assumem papis solitrios e annimos, tpicos dos no-
lugares. Destacamos um trecho em que Aug (1994: 87) ressalta as duas realidades assumidas
pelo no-lugar: (i) os no-lugares so espaos constitudos em relao a certos fins e (ii)
designam a relao que os indivduos mantm com estes espaos. Ou seja, primeiramente o
nibus enquanto no-lugar funciona como um espao de circulao/passagem que liga dois
lugares antropolgicos especficos, conforme um dado padro de circulao, seja quais forem:
casa/escola; casa/trabalho; entre outros.
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No Distrito Federal, podemos destacar trs padres de circulao fundamentais
para compreender a configurao urbana de Braslia e o uso dos nibus. O primeiro e mais
marcante se refere ao trajeto periferia-centro-periferia, sem roteiros alternativos. O centro,
Braslia comumente tratada de Plano Piloto , concentra poder poltico, poder econmico
e postos de emprego. De outro lado, a periferia, constituda das cidades-satlites ou
regies administrativas , fica distante dos empregos, dos bens e servios pblicos de uso e
consumo. vlido ressaltar, como aponta Paviani (1989), que as cidades-satlites no podem
ser consideradas como componentes de planejamento urbano, mas sim de um processo de
disperso urbana que, alm de representar, em si mesma, uma problemtica de trnsito, gera
uma contrastante separao entre periferia e centro. Assim, na maioria dos casos, as cidades-
satlites esto associadas ao lugar antropolgico casa, enquanto que o Plano Piloto estassociado a lugares antropolgicos como trabalho ou universidade. Existe, portanto, para
este padro de circulao, uma contrastante diferenciao no que concerne produo de
riquezas, ou seja, diviso de classes.
Os outros fundamentais padres de circulao no cotidiano de uso dos nibus no
Distrito Federal so os chamados circulares, que ligam pontos dentro de uma mesma
Regio Administrativa, ou seja, so os nibus que circulam apenas no Plano Piloto ou apenas
em uma cidade-satlite, sem desafiar suas fronteiras. tpico constituinte do nosso problemade pesquisa os aspectos elucidados pelos diferentes trajetos realizados pelos nibus. Enquanto
o trajeto periferia-centro-periferia mostra uma ntida separao baseada no par auto-
suficincia/dependncia funcional dos espaos em questo; os trajetos circulares podem
mostrar uma diferenciao no que tange sociabilidade, conforme a Regio Administrativa
em que acontecem.
Desse modo, os nibus no Distrito Federal aparecem, primeiramente, como elo de
conexo entre o Plano Piloto e as cidades-satlites. Os nibus assumem fundamentalimportncia no cotidiano dos moradores do Distrito Federal e at mesmo do entorno
como chamada a regio composta pelas cidades que circunscrevem o Distrito Federal ,
uma vez que configura o principal tipo de transporte pblico, j que o metr foi apenas
recentemente incorporado ao cotidiano da populao, devido a motivos histricos2. As
2 Se outrora, no incio do sculo XX no Brasil, os bondes, enquanto representantes do transporte emcomum, representavam um importante papel como principal meio de circulao urbano; com a rpida eextensiva urbanizao e a concorrncia dos transportes rodovirios individuais, o bonde perdeu espao. Ou seja,
paulatinamente os transportes individuais passaram a ganhar espao, e o transporte na circunferncia das reasurbanas brasileiras passou a ser fundamentalmente rodovirio. Destarte, nunca houve grande nfase em polticasde transporte pblico ferrovirio no caso brasileiro aps a queda dos bondes. Henry afirma que, na dcada de1970, no Brasil, os investimentos pblicos favoreciam abertamente o modo rodovirio (Henry, 2002: 30). No
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pessoas usam o nibus para ir ao trabalho, s compras, escola, faculdade, universidade,
casa de um amigo, a eventos e shows. Analogicamente, o nibus em Braslia assume a
importncia que o metr tem em outras cidades do Brasil e do mundo, tais como So Paulo,
Rio de Janeiro, Londres e Paris. Torna-se no meramente um meio de circulao, mas um
no-lugar onde todos e ningum se encontram.
Deve-se observar, tambm alm desta macro-ptica que olha o nibus como
espao constitudo em relao a fins e itinerrios especficos , como os participantes dessa
trama, que esto ali apenas de passagem, se relacionam com o espao do nibus, uma vez que
o espao do nibus regido por um cdigo bem definido e conhecido pelos participantes da
trama.
Segundo Aug (1994: 87), a mediao que estabelece o vnculo dos indivduoscom o seu crculo no espao do no-lugar passa por palavras, at mesmo por textos. Tais
palavras e textos sejam verbais ou no fazem parte desse cdigo comportamental que
relaciona o passageiro do nibus ao prprio nibus. Assim, ainda que mantenham annimos,
os passageiros acabam por estabelecer um vnculo silencioso por meio desse cdigo, que os
tornam similares. Tais similitudes so esboadas neste cdigo; um modo de usar, formado por
princpios implcitos e regras explcitas, que moldam as prticas dos indivduos, que passam a
estabelecer estratgias conforme terminologia de Bourdieu , ou seja, fazem, comomostra Certeau, combinaes sutis (), navegam entre as regras, jogam com todas as
possibilidades oferecidas pelas tradies, usam esta de preferncia quela, compensam uma
pela outra. () As estratgias no aplicam princpios ou regras, mas escolhem entre elas o
repertrio de suas operaes (Certeau, 1994: 212).
O cdigo que vincula os indivduos com o seu crculo no espao do nibus passa
por uma comunicao expressa, que recorre tanto a ideogramas mais ou menos explcitos e
codificados quanto lngua natural. Tais interpelaes, que emanam do nibus, visamsimultnea e indiferentemente cada passageiro do nibus, qualquer um deles: segundo Aug,
elas fabricam o homem mdio, definido como usurio do sistema (Aug, 1994: 92) de
transporte pblico, no caso que pretendemos explorar.
Assim, os assentos vermelhos situados frente do nibus so explicitamente
reservados para os idosos, as grvidas e os deficientes. Esse cdigo fica explcito pela
comunicao no-verbal expressa na cor dos assentos que diferenciada em relao ao
caso de Braslia, tem-se um agravante ainda maior, j que a cidade nasceu junto com a civilizao do automvel,elucidando uma relao intrnseca com o trnsito de transportes individuais e de outros modelos de transportesrodovirios, como o nibus (Rodrigues, 2007: 39).
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restante , e nos desenhos expostos ao lado de tais assentos. Assim, seja de maneira
prescritiva, proibitiva ou informativa, o prprio espao do nibus cria diversos recursos para
(re)lembrar aos passageiros a todo momento o cdigo a que devem se referir ao praticar suas
aes. Segundo Aug (1994: 93-94), sozinho, mas semelhante aos outros, o usurio do no-
lugar est com este em relao contratual. A existncia desse contrato lhe lembrada na
oportunidade (o modo de uso do no-lugar um dos elementos do contrato).
A comunicao que se d entre os participantes desta trama tambm uma
comunicao expressa, uma vez que, majoritariamente, os usurios do nibus e mesmo o
motorista e o cobrador se abandonam em momentos de completa solido, seja observando
paisagens pela janela que tambm informam mensagens expressas , ouvindo msica em
fones de ouvido ou lendo ou, como no caso do cobrador, fazendo palavras cruzadas. Ocobrador loquaz ao desejar um bom dia a cada passageiro que passa pela catraca, no
estabelecendo qualquer tipo de relao mais profunda.
H tambm princpios implcitos que compem o cdigo: os passageiros sentados
se oferecem livremente para portar os objetos trazidos pelos passageiros que vo em p.
Trata-se de parte do modo de usar do nibus que lembrado aos passageiros toda vez que
um novo passageiro entra no nibus; o que Certeau chama de saber no sabido (Certeau,
1994: 143).
H, nas prticas (cotidianas), um estatuto anlogo quele que se atribui s fbulas ouaos mitos, como os dizeres de conhecimentos que no se conhecem a si mesmos.Tanto num caso como outro, trata-se de um saber sobre os quais os sujeitos norefletem. Dele do testemunho sem poderem apropriar-se dele. So afinal oslocatrios e no os proprietrios do seu prprio saber-fazer (Certeau, 1994: 143).
vlido ressaltar que, na maior parte das vezes neste caso , a comunicao
tambm rpida e gestual. Trata-se de uma codificao instrumental do corpo (Foucault,
1977: 139), na qual se cria uma articulao corpo-objeto, que se correlacionam por gestos
simples. Desse modo, o prprio corpo passa a ser um recurso de comunicao na trama do
nibus, principalmente nos momentos em que os princpios implcitos do modo de uso do
espao so colocados em evidncia. O corpo () mostra as condies de funcionamento
prprias a um organismo (Foucault, 1977: 141), o nibus, neste caso. As prticas
corporais/gestuais alm das loquazes falas entre os passageiros do nibus se tornam
fundamentais na formao de similitudes e formam um saber annimo e referencial, uma
condio de possibilidade das prticas cotidianas (Certeau, 1994: 143). Annimo pois
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apropriado por todos os passageiros, mas no , no entanto, produzido por estes passageiros; e
referencial por guiar as estratgias dos passageiros conforme o jogo (Certeau, 1994: 121).
Le Breton diz que as interaes
() implicam em cdigos, em sistemas de espera e de reciprocidade aos quais osatores se sujeitam. No importam quais sejam as circunstncias da vida social, umaetiqueta corporal usada e o ator a adota espontaneamente em funo das normasimplcitas que o guiam. Conforme os interlocutores, seustatus e o contexto da troca,ele sabe de antemo que tipo de expresso pode adotar e, algumas vezes de mododesajeitado, o que est autorizado a falar da prpria experincia corporal. Cada atorempenha-se em controlar a imagem que d ao outro, esfora-se para evitar as gafesque poderiam coloc-lo em dificuldades ou induzi-lo a confuso (Le Breton, 2006:47)
Na trama do nibus, os atores esforam-se para, mutuamente e com um certodesconforto, tornar-se transparentes uns para os outros. Buscam no se tocar e, menos ainda,
trocar olhares. Faz parte do jogo. Um simples toque de um ator em outro provoca, quase
sempre, inevitveis desculpas. No entanto, como mostrado, existem momentos em que, no
contexto da interao, convm exibir o corpo, e se usar da gestualidade as aes do corpo
quando os atores comeam a interao (Le Breton, 2006) , como no caso dos passageiros
em p, que sabem exibir-se para aqueles que vo sentados, que logo decifram o cdigo e
oferecem-se para carregar qualquer objeto que os primeiros vm a trazer consigo. Assim, acomunicao corporal pressupe que, inconscientemente, o ator saiba acion-la e tambm
decifr-la. E conforme as efmeras interaes avanam, o sentido de cada nuance gestual
construdo.
Todos esses traos que compem o modo de uso de uso do nibus esto
impregnados de um simbolismo especfico para cada grupo social, de modo que se mostram
variveis, conforme os trs padres de circulao que aqui mostramos. Assim, os modos de
uso de um nibus que liga Taguatinga (cidade-satlite) ao Plano Piloto e de um nibus queliga as Asas Sul e Norte ou seja, circula apenas dentro do Planto Piloto no so
exatamente iguais. O que sabemos que os cdigos panpticos/classificadores/gestuais que
vinculam os usurios do nibus ao nibus esto diretamente associados trama metropolitana
do Distrito Federal e no podem ser dissociados de tal trama.
Convm, portanto, no apenas nos perguntarmos quais so os cdigos (modos de
uso) que vinculam os usurios ao espao do nibus, mas tambm de que forma a trama
metropolitana incide no cotidiano de uso dos nibus no Distrito Federal e de que maneira
esses modos de uso se associam a um dado padro de circulao. Ainda vlido
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problematizar a seguinte questo: em que medida o espao do nibus no Distrito Federal se
enquadra na noo de no-lugar (Aug, 1994), conferindo identidade ou no aos
participantes da trama? Para essa ltima questo, indispensvel olhar crtico sobre a obra
de Aug, uma vez que o autor foi fundamentalmente influenciado, em sua obra, pela pesquisa
etnogrfica que ele prprio realizou no metr de Paris e, considerando as variaes regionais3,
os nibus no Distrito Federal podem eventualmente conferir identidades aos seus usurios.
Para tanto, propomo-nos adotar o referencial terico proposto por Aug (1994),
considerando a centralidade da categoria de no-lugar para a anlise do espao do nibus
enquanto produtor de significantes e significados4 compartilhados por seus usurios, e
desenvolvidos por meio das efmeras interaes entre tais usurios. A etnografia foi escolhida
como meio de inferncia, sendo compreendida como uma metodologia qualitativa, na qual ofoco centrado no significado e nas estruturas do cotidiano, cujas manifestaes so
estratgias associadas a escolhas determinadas que o ator executa no intuito de organizar a
vida. Trata-se de uma atividade eminentemente interpretativa, uma descrio densa,
voltada para a busca de estruturas de significao (Clifford, 1998: 9). Em suas escolhas, o
indivduo condicionado por suas caractersticas, pelo interagir com os outros indivduos e
com o espao do nibus, no qual se insere, tornando o produto etnogrfico uma descrio
densa dos dados, cabendo ao pesquisador a interpretao do significado das aes dosindivduos. Ao empregar a etnografia, possvel delinear quais so os modos de uso dos
nibus no Distrito Federal e associar tais modos de uso a outras variveis, como os padres
de circulao. Nesse sentido, o tratamento analtico dado ao trabalho fundamentalmente
interacionista, considerando o carter circunstancial das interaes que ocorrem no cotidiano
de uso dos nibus.
Para a coleta dos dados, as tcnicas recorridas foram: a observao participante, a
fotografia e entrevistas informais, usando materiais como o dirio de campo como
3 Neste sentido interessante observar o trabalho de Ribeiro (1998), O que faz o Brasil, Brazil. Jogosidentitrios em San Francisco, que mostra como os imigrantes brasileiros nos Estados Unidos, se inserem natrama metropolitana de San Francisco, criando espaos e situaes geradores de identidades, que os diferenciamdos nativos e de outros imigrantes. Basicamente, o autor trabalha com a problemtica por que os brasileirosso quentes e os americanos so frios? Essa lgica, transposta ao nosso caso, nos faz crer que o metr de Paris que serve de ponto de partida para os estudo de Aug sobre os no-lugares pode no ser identitrio, emfuno da trama cultura em que est inserido e que, no caso brasileiro, o metr ou os nibus podemeventualmente ser identitrios, o que no invalida a teoria de Aug, mas pede que sejamos cuidadosos ao us-la eaplic-la ao caso brasileiro.4 Osignificante um elemento concreto, perceptvel pelos sentidos (um som, uma palavra, um desenho)
e que existe no plano material da comunicao. Osignificado um elemento inteligvel o conceito , umaimagem mental, que produzido pela relao entre o significante e um grupo de indivduos. A conjugao designificante e significado forma umsigno, que encontra exemplos, no caso do nibus, nos adesivos informativosou proibitivos, nas cores, nas disposies de assentos.
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estratgia suplementar. Segundo Clifford, a observao participante serve como uma frmula
para o contnuo vaivm entre o interior e o exterior dos acontecimentos: de um lado,
captando o sentido de ocorrncias e gestos especficos; de outro, d um passo atrs, para situar
esses significados em contextos mais amplos (Clifford, 1998: 33). Para Gil, a observao
participante, ou observao ativa, consiste na participao real do observador na vida da
comunidade, do grupo ou de uma situao determinada. Neste caso, o observador assume,
pelo menos at certo ponto, o papel de um membro do grupo (Gil, 1994: 107-108).
Tomar-se- cautela com este ponto especfico, inserindo a pesquisa na trama, uma
vez que se trata de uma pesquisa feita por um participante da trama do trnsito que no
propriamente assume o papel de usurio do transporte pblico. Neste sentido, conveniente
um esforo metodolgico que Bourdieu (1990: 114) chama de objetivao do sujeitoobjetivante. Trata-se da insero do socilogo na trama que ele prope explorar, admitindo
que a sua posio na trama pode ter influncia direta na coleta dos dados e na anlise e
interpretao de tais dados5. Definindo-se a posio do socilogo na trama do trnsito
como ex-usurio de nibus e atual usurio de transportes individuais, por exemplo , cria-se
um movimento de objetivao do prprio sujeito que pesquisa.
As observaes sero feitas sistematicamente em trs linhas de nibus que
devero representar os trs padres de circulao mais significativos no Distrito Federal: (i) aprimeira, o 300, que representa o padro periferia-centro-periferia, ligando Taguatinga ao
Plano Piloto, chegando Rodoviria de Braslia e, por este motivo, um nibus usado tanto
por trabalhadores, quanto por outros usurios como universitrios e pessoas indo s compras;
(ii) a segunda, o 355, um nibus circular que liga o sul ao norte de Taguatinga; (iii) a
terceira, o 105.4 o Grande Circular, liga o norte ao sul do Plano Piloto. Todas as
5 Assim, admite-se que este trabalho tenha sido confeccionado por um pesquisador que ocupa umaposio especfica no espao social definida pelo acmulo de capital cultural e capital econmico , querepresenta em si mesma uma trajetria, imbuda de memrias. Com isso, estou admitindo que (i) parte de minhasmemrias biogrficas especificamente aquelas que se referem ao perodo que compreende os anos de 2002 a2005, quando era usurio dirio de nibus acabaram se tornando objeto dessa pesquisa e influenciando-a; ( ii)atualmente sou usurio eventual dos nibus de Braslia, sendo o automvel particular meu principal meio dedeslocamento; (iii) ao tomar os nibus como objeto emprico de pesquisa, no estou admitindo em momentoalgum que estou assumindo a posio de passageiro de nibus: sou, antes de tudo, um pesquisador. SegundoBourdieu, projetar no objeto uma relao de objetivao no objetivada produz () efeitos diferentes (): ouporque se oferece como princpio objetivo da prtica aquilo que conquistado e construdo pelo trabalho deobjetivao, projetando na realidade o que no existe seno no papel, por e para a cincia; ou porque seinterpretam aes que, como os ritos e os mitos, pretendem agir sobre o mundo natural e o mundo social, como
se tratasse de operaes que pretendem interpret-las (Bourdieu, 2009: 59). Assim, objetivar a objetivao umexerccio epistemolgico de contnua observao ao suporte terico da pesquisa, atentando-se para no se criaruma ciso entre teoria e prtica, oferecendo a segunda como princpio da primeira ou, ainda, buscar algum tipode inteno estratgica nas prticas cotidianas, como se a razo prtica fosse informada pela razo terica.
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observaes foram feitas no horrio de rush, quando os nibus transportam mais usurios,
ou seja, nos horrios das 8h, das 12h e das 18h.
As fotografias foram a forma encontrada de ilustrar as observaes feitas, e sero
usadas tambm na anlise, de forma conjugada s narrativas colhidas. As entrevistas
informais serviro como tcnica de apoio, para explorar mais amplamente a realidade
investigada.
Com isso, o trabalho ir analisar as dinmicas e as interaes entre os diversos
atores envolvidos na trama do nibus dentro da perspectiva do Distrito Federal, levando em
conta as suas especificidades. Os objetivos especficos so: analisar os elementos da trama
observada que a caracterizem como sendo um no-lugar; identificar quais so os cdigos de
comunicao a que se referem os atores envolvidos; caracterizar os comportamentosobservados conectando-os ao contexto.
Este trabalho est estruturado em 3 captulos e as consideraes finais. O primeiro
a introduo. O segundo explica basicamente o contexto que propomos a estudar, levando
em considerao aspectos histricos e urbansticos do Distrito Federal e sua atual
configurao, centrando-nos na diviso entre Plano Piloto e cidades-satlites, investigando os
principais padres de circulao que derivam desta configurao. O terceiro captulo traz
dados produzidos a partir da etnografia nos nibus, seguidos das respectivas anlise einterpretao, buscando dar conta dos problemas de pesquisa, levando em considerao
principalmente questes relacionadas s interaes. A ltima parte refere-se s consideraes
finais, cujo contedo descreve as concluses do estudo e apresenta sinteticamente os
resultados obtidos.
Assim, o presente estudo se prope a fazer uma pesquisa exploratria sobre o
cotidiano de uso do transporte pblico no Distrito Federal, levando em considerao a trama
metropolitana e sua principal especificidade, que a contrastante separao entre cidades-satlites e Plano Piloto.
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Captulo I
A trama metropolitana do Distrito Federal
1 - Nasceu do gesto primrio de quem assinala um lugar ou dele toma posse: doiseixos cruzando-se em ngulo reto, ou seja, o prprio sinal da cruz.2 - Procurou-se depois a adaptao topografia local, ao escoamento natural dasguas, melhor orientao, arqueando-se um dos eixos a fim de cont-lo notringulo eqiltero que define a rea urbanizada.3 - E houve o propsito de aplicar os princpios francos da tcnica rodoviria inclusive a eliminao dos cruzamentos tcnica urbanstica, conferindo-se aoeixo arqueado, correspondente s vias naturais de acesso, a funo circulatriatronco, com pistas centrais de velocidade e pistas laterais para o trfego local, edispondo-se ao longo desse eixo o grosso dos setores residenciais.4 - Como decorrncia dessa concentrao residencial, os centros cvico e
administrativo, o setor cultural, o centro de diverses, o centro esportivo, o setoradministrativo municipal, os quartis, as zonas destinadas armazenagem, aoabastecimento e s pequenas indstrias locais, e, por fim, a estao ferroviria,
foram-se naturalmente ordenando e dispondo ao longo do eixo transversal quepassou assim a ser o eixo monumental do sistema. Lateralmente interseco dosdois eixos, mas participando funcionalmente e em termos de composiourbanstica do eixo monumental, localizaram-se o setor bancrio e comercial, o
setor dos escritrios de empresas e profisses liberais, e ainda os amplos setores dovarejo comercial.[]6 - O trfego destinado aos demais setores prossegue, ordenado em mo nica, narea trrea inferior coberta pela plataforma e entalada nos dois topos mas abertanas faces maiores, rea utilizada em grande parte para o estacionamento deveculos e onde se localizou a estao rodoviria interurbana, acessvel aos
passageiros pelo nvel superior da plataforma. Apenas as pistas de velocidademergulham, j ento subterrneas, na parte central desse piso inferior que seespraia at nivelar-se com a esplanada do setor dos ministrios.
(Lcio Costa, Plano Piloto de Braslia, maro de 1957)
Um mapaEm Braslia, as ruas e avenidas so numeradas. comum que se localizem as ruas
por sua relao com os nmeros. assim em toda a zona central de Braslia, nomecomumente dado rea equivalente ao Plano Piloto6 da cidade. A cidade uma rede de
quadras e entrequadras formadas a partir do cruzamento de dois eixos principais: o eixo
monumental que corta a cidade de leste a oeste e o eixo rodovirio que corta a
cidade de norte a sul. A partir da, forma-se um plano cartesiano de ruas e avenidas paralelas
aos dois eixos principais. Do lado oeste, ficam as quadras 100, 300, 500, 700, 900, que so
6 A expresso plano piloto foi cunhada por Le Corbusier para definir os projetos das cidades que
imaginava no papel. Em Braslia, a expresso foi usada como alcunha para o concurso que escolheu o projetourbanstico de Lcio Costa como pilar para a cidade. Ele inicia seu projeto explicando que ele nasceu do gesto primrio de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ngulo reto, ou seja, oprprio sinal da cruz (COSTA, 2009).
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numeradas conforme a sua distncia em relao ao Eixo Rodovirio. As quadras de nmero
100 ficam mais prximas do Eixo, enquanto as 900 ficam mais distantes. A lgica se repete
do lado leste, com quadras numeradas a partir de 200 prximas ao Eixo Rodovirio ,
passando por 400, 600, 800, afastando-se do Eixo. As partes norte e sul de Braslia so
chamadas de Asa Norte e Asa Sul; referncia ao seu Plano Piloto, pensado conforme a
formatao de um avio. Em cada Asa, as numeraes das ruas variam no apenas de
acordo com a proximidade em relao ao Eixo Rodovirio, mas tambm em conformidade
distncia da quadra em relao ao Eixo Monumental. Assim, aparecem, por exemplo, as
numeraes 101, 102, 103, 104, 105, 106, com a numerao crescendo continuamente,
conforme se afasta do EixoMonumental. Assim, cada lugar em Braslia nada alm de um
ponto de cruzamento num plano cartesiano, formando endereos como 204 norte ou 715sul. As principais avenidas recebem nomes de acordo com sua localizao nesse plano
cartesiano. Do lado leste paralelas ao Eixo Rodovirio existem as avenidas L2, L3, L4,
numeradas conforme a sua distncia em relao a este Eixo. Do lado oeste, a lgica se repete
com a W2, W3, W4 e W5 7.Todas estas, sendo paralelas ao Eixo Rodovirio, cortam Braslia
de norte a sul. Existem tambm as N2, N3, S2, S3, avenidas paralelas ao Eixo Monumental.
Orientar-se em Braslia se torna ento uma contagem de ruas e avenidas, paralelas
e perpendiculares, formadoras de um eixo cartesiano, num continuum numrico que sepercorre ao sabor das quatro direes. So nas avenidas arteriais as W e as L , alm
dos dois grandes eixos que formam o marco zero de Braslia, que se desenvolve a maioria
das atividades de circulao, ou seja, so nessas avenidas onde o trnsito de pessoas, carros e
nibus so mais marcantes. Mesmo o metr, em sua natureza subterrnea, se desenvolve
conforme a lgica cartesiana da cidade, transitando logo abaixo do Eixo Rodovirio. So
nessas avenidas que se desenvolve o trnsito do principal transporte pblico da cidade: os
nibus. Assim, as avenidas arteriais de Braslia so marcadas por um grande fluxo de nibus,pedestres e carros; e so marcadas tambm, especialmente nas avenidas sob a alcunha W,
por uma intensa atividade de comrcio.
Esse grande plano cartesiano que forma Braslia tambm marcado pela diviso
em setores: Setor de Clubes Esportivos Sul (SCES), Setor Hoteleiro Norte (SHN), Setor
Bancrio Sul (SBS), Setor de Autarquias Norte (SAN), Setor Hospitalar Sul (SHS), Setor
Comercial Norte (SCN). No extremo leste do Plano Piloto a cabine do avio se
encontra a Esplanada dos Ministrios, seguida da Praa dos Trs Poderes, formada por trs
7 Se no lado leste, a letra L diz respeito ao ponto cardeal respectivo; no lado oeste, o W assume o mesmovalor, fazendo referncia ao west", o respectivo ponto cardeal em ingls.
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edifcios monumentais que representam os trs poderes da Repblica: o Palcio de Planalto
(Executivo); o Supremo Tribunal Federal (Judicirio) e o Congresso Nacional (Legislativo).
No centro do Plano Piloto, ou seja, no cruzamento entre o Eixo Monumental e o Eixo
Rodovirio, encontra-se o Terminal Rodovirio de Braslia, de onde partem e aonde chega a
maior parte da frota de nibus de Braslia: o lugar onde todos se encontram.
As ruas e avenidas e tambm os endereos de Braslia so orientados por
siglas e nmeros, podendo ser traduzidos por quaisquer indivduos, desde que familiarizados
com este esquema taxonmico. De fato, a no ser que indicado por extenso, o nmero j
imediatamente qualquer lngua ou todas. assim com a numerao das ruas e avenidas em
Braslia8. O espao de Braslia diretamente inteligvel tanto para os habitantes da cidade
quanto para os estrangeiros, as ruas e avenidas se fazem acessveis. Com os nmerosnomeando cada parte deste Plano e as direes nitidamente marcadas, Braslia se torna quase
o mapa de si mesma, confundindo-se com sua prpria representao cartogrfica.
Para alm deste Plano Piloto de Braslia, estende-se uma constelao de cidades-
satlites. A previso inicial de 500 mil habitantes foi excedida em grande nmero, de modo
que a paisagem urbana de Braslia estende-se at as cidades subjacentes, as satlites. Assim
a metrpole Braslia no hoje apenas seu Plano Piloto original, mas sim o conjunto que se
formou com o Plano Piloto e essa constelao das administrativamente denominadascidades-satlites (Paviani, 1996), formando uma cidade poli-nucleada, constituda por
vrias regies administrativas (RAs)9, de modo que as regies perifricas esto articuladas s
centrais, e no podem ser entendidas como cidades autnomas. Consideradas as populaes
de todas as regies administrativas, essa metrpole habitada por mais de dois milhes de
pessoas, que se dividem entre condomnios luxuosos e moradias populares espalhados pelos
5.789, 16 km, que constituem legalmente a rea do Distrito Federal. De alguma forma, as
trajetrias desses dois milhes de habitantes acabam por se cruzar, nos deslocamentoscotidianos que tem como destino, primordialmente, o Plano Piloto, centro de empregos,
servios e de todo tipo de comrcio; sendo assim, centro do cotidiano de todas as outras
regies administrativas.
8 Benjamin (1989) chama ateno para o progresso da normatizao a partir da numerao dosimveis como caractere tpico da metrpole. Ele associa a numerao oficial dos endereos a uma certafrieza que, como veremos tambm caracterstica da cidade grande (cf. Benjamin, 1989: 44).9 Hoje, so 30 Regies Administrativas, numeradas de I a XXX respectivamente: Braslia, Gama,Taguatinga, Brazlndia, Sobradinho, Planaltina, Parano, Ncleo Bandeirante, Ceilndia, Guar, Cruzeiro,
Samambaia, Santa Maria, So Sebastio, Recanto das Emas, Lago Sul, Riacho Fundo, Lago Norte,Candangolndia, guas Claras, Riacho Fundo II, Sudoeste/Octogonal, Varjo, Park Way, SCIA (SetorComplementar de Indstria e Abastecimento), Sobradinho II, Jardim Botnico, Itapo, SIA (Setor de Indstria eAbastecimento) e Vicente Pires.
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Tabela 1 Populao urbana do Distrito Federal segundo Regies Administrativas
Fonte: SEPLAN/CODEPLAN Pesquisa Distrital por Amostra de Domiclio PDAD 2004.
Cada cidade-satlite tem uma lgica de organizao prpria. Taguatinga, por
exemplo, segue o modelo cartesiano, de ruas e avenidas, paralelas e perpendiculares, que so
nomeadas (numeradas) conforme as posies assumidas no plano. Assim os endereos
formados nada so alm de siglas e nmeros, como no Plano Piloto. De uma forma geral, as
outras cidades-satlites tambm so marcadas pela numerao de suas ruas avenidas,
dificilmente adotando as nomenclaturas usuais de outras cidades brasileiras, com nomes
prprios que freqentemente se remetem a homenagens a celebridades nacionais ou locais.
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Essas cidades-satlites so separadas do Plano Piloto por grandes vazios, por onde
passam algumas grandes avenidas principais, de trnsito rpido, que permitem o trnsito entre
as regies administrativas. Embora haja uma diminuio dos vazios, com novos aglomerados
urbanos10, ainda existem imensas paisagens desnudas que servem para relembrar a separao
entre o Plano Piloto de Braslia e as cidades-satlites. As grandes avenidas que servem de
elo entre ambos os espaos chegam a ter mais de vinte quilmetros em alguns casos, e so
marcadas por um enorme fluxo de carros e nibus, principalmente nos horrios de rush. s
8h, s 12h e s 18h, so notrios os congestionamentos: um percurso cansativo entre centro e
periferia.
Tabela 2 - Distncias Rodovirias (em quilmetros) entre algumas RegiesAdministrativas - Distrito Federal 200211
Fonte: Mapa Rodovirio 2002/DER-DF
10 Fala-se aqui em habitaes, mas tambm em empreendimentos industriais e comerciais, como o caso daCidade do Automvel, que fica localizada na Estrutural via de trnsito rpido que liga Taguatinga eCeilndia ao Plano Piloto , na Regio Administrativa SCIA (Setor Complementar de Indstria eabastecimento. A Cidade do Automvel comporta mais de 140 estabelecimentos comerciais geralmentededicados a revenda de veculos.11
BSB = Braslia; GM = Gama; TAG = Taguatinga; BZ = Brazlndia; SB = Sobradinho; PL = Planaltina;PR = Parano; NB = Ncleo Bandeirante; CEI = Ceilndia; GR = Guar; CRU = Cruzeiro; SAM = Samambaia;SM = Santa Maria; SS = So Sebastio; RE = Recanto das Emas; LS = Lago Sul; RF = Riacho Fundo; LN =Lago Norte; CD = Candangolndia; AC = guas Claras.
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Mapa 1: - Distrito Federal (CODEPLAN 2004)12, Plano Piloto
12 No constam no mapa as RAs XXIX e XX, respectivamente SIA e Vicente Pires, devido ao seu ano deproduo, uma vez que estes espaos passaram a ter ostatus de RAs somente aps o ano de 2004.
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Centro e periferiaA configurao centro-periferia em Braslia pode ser tida como um caso singular
no processo de urbanizao brasileiro, devido ao planejamento feito poca de sua
construo e s distores que sofreu, durante os governos que se seguiram. Ou seja, apesar
de ser uma cidade planejada, sofreu e continua sofrendo diversos processos de disperso
urbana, geradores de novas regies administrativas. Como aponta Paviani (1989), as cidades-
satlites no podem ser consideradas como componentes de planejamento urbano, mas sim de
um processo de disperso urbana. Como narram Stumpf e Santos:
() a capital planejada para 600.000 habitantes no previu locao para bairros detrabalhadores, pensada que foi apenas para funcionrios pblicos. Mas h um
precedente para isso. Durante o ltimo governo Vargas, foi elaborado um plano deocupao para o Centro-Oeste que se baseava na colonizao de dois eixos: um entreGoinia e Anpolis e outro no antigo norte de Gois, hoje Tocantins, que sedesenvolveria ao longo de seis cidades planejadas, entre Ceres e Porto Nacional.Com a construo de Braslia, esse projeto foi deixado em segundo plano. () Oresultado foi a transformao da cidade em um nico plo de atrao da regio,levando formao de favelas, que forou os governos a criarem grandesassentamentos populares e tambm os primeiros distritos industriais, paraabsorverem parte dessa mo-de-obra (Stumpf e Santos, 1996: 50).
Os autores continuam a narrativa salientando, em especial, que a falta de
planejamento regionallevou criao de grandes cidades-dormitrios para a grande massadespossuda, antes formadora das favelas (Idem: 51). Esse formato de disperso urbana
acabou por gerar uma contrastante separao entre periferia e centro.
A configurao centro-periferia assume uma lgica tpica no Distrito Federal.
Segundo Nunes,
Tradicionalmente no Brasil, as populaes vo ocupando reas que, num primeiromomento, no so disputadas pelo capital imobilirio: em geral morros, mangues,reas degradadas etc. Mesmo assim, so terras contguas ocupao que se faz via
mercado, no havendo grandes vazios entre elas; mesmo quando h vazios, aexpanso natural vai interligando as reas que se beneficiam de uma infra-estruturapreexistente. Poderia se falar assim que as economias de aglomerao terminam porbeneficiar ao conjunto dos moradores (Nunes, 1999: 14).
Em Braslia, essa lgica de aglomerao se processa de maneira diferente: cada
invaso um novo aglomerado que passa a existir tendendo a tornar-se cidade-satlite.
Segundo Nunes (1999), tratam-se de espaos sem qualquer infra-estrutura, onde a ocupao
pelas pessoas significa comear tudo. O autor comenta ainda que instaura-se o eterno mito
da origem que se revive permanentemente, onde a ausncia de histria do lugar e, portanto, aausncia de identidade, permite acolher qualquer um iguais condies. Este talvez seja o
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motivo da formao concreta de grandes aglomerados de populaes imigrantes advindos
fundamentalmente do Nordeste, de Minas Gerais e de Gois , que posteriormente tem sua
ocupao institucionalizada, formando novas cidades-satlites, separadas do Plano Piloto por
grandes vazios, delineando uma certa lgica de periferizao.
Essa lgica da periferizao, presente nas diversas remoes governamentais de
favelas, assentamentos e acampamentos, atua tambm em sentido contrrio, elitizando a parte
central do projeto urbano formada pelo Plano Piloto. Elitizar um espao significa torn-lo
de uso exclusivo da populao mais rica, no sentido em que os servios e as habitaes so,
por motivos de nvel econmico, destinados justamente parcela mais abastarda dos
consumidores. A implicao dessa elitizao, que reflexo da lgica de periferizao, o
alto custo de vida que inclui os preos de produtos como alimentao e de servios comosade e educao. Com isso, ao passo que surgem novos espao perifricos a partir do mito
da origem, o espao central do projeto urbano se torna mais caro, com comrcios dedicados a
atender quase exclusivamente pessoas ricas, e habitaes exclusivas para essa parcela de
pessoas.
Paviani se atenta para essa relao entre a regio central de Braslia e suas
periferias, e afirma que a urbanizao de Braslia contm uma contradio entre o
planejamento urbano e a construo injusta do espao (Paviani, 1991: 123). Aqui no se pode tomar o centro apenas em sua semntica geogrfica, pois o centro oferece outros
significados que vo alm de sua localizao em si: trata-se de um espao que, alm de
geograficamente privilegiado, historicamente favorecido, onde se concentram a maioria dos
servios da cidade e externalidades positivas tais como mobilidade, aspectos
paisagsticos, oferta de bens culturais que acabam se tornando responsveis por um
processo de valorizao do espao, num nvel imaterial, e tambm de especulao
imobiliria
13
. Assim, o centro, o Plano Piloto, concentra poder poltico, poder econmico epostos de emprego. De outro lado, a periferia, constituda das cidades-satlites, fica distante
dos empregos, dos bens e servios pblico e de uso e consumo. Assim, a distribuio dos
locais de trabalho e ensino reproduz as desigualdades espaciais apresentadas.
13 Especular significa tentar descobrir um preo futuro de algum ativo ou bem (Sayad, 1977: 642). No
caso de imveis urbanos afigura-se como sendo a compra e venda de imveis (neste caso a terra urbana),estimando-se preos de mercados futuros (Fragomeni, 1985: 9). Ou, ainda, de forma mais especfica, como acapitalizao do excedente fiscal que resulta dos investimentos pblicos e da poltica fiscal do Estado (Vetter,1979: 36).
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Tabela 3 - Locais de Trabalho e de Ensino da populao que trabalha ou estuda por RegioAdministrativa - Distrito Federal 2000
Regio AdministrativaTrabalhoPrincipal
TrabalhoSecundrio Escola Regular
Cursos No-regulares14
Braslia15369.175,56
51,98%
18.036,82
53,32%
157.301,21
24,75%
29.818,50
44,54%
Cidades Satlites334.811,36
47,14%
15.157,47
44,81%
476.382,28
74,95%
36.811,53
54,98%
Fora do Distrito Federal6.225
0,88%
631
1,86%
1.882
0,30%
319
0,48%
Total710.212
100,00%
33.825
100,00%
635.565
100,00%
66.949
100,00%
Fonte: CODEPLAN - Pesquisa O-D Domiciliar 2000
Considerando a populao empregada no Distrito Federal, o Plano Piloto
concentra mais da metade dos postos de trabalho principal. Nos postos de trabalho secundrio,
a situao semelhante. Tais dados no levam em considerao, no entanto, a posio
diferenciada das cidades-satlites em relao a esses postos de emprego. Algumas regies
perifricas, como a formada por Taguatinga e Ceilndia, concentram mais postos de emprego
do que algumas outras regies perifricas, como o Riacho Fundo II, o Recanto das Emas e
Brazlndia. Configura-se, alm da lgica de periferizao que separa o Plano Piloto e as
cidades-satlite, um processo de periferizao na prpria periferia de Braslia16. Ainda assim,
pode-se falar de uma alta concentrao dos postos de trabalho, uma vez que a rea
compreendida por Plano Piloto, Cruzeiro, alm dos Lagos Sul e Norte onde se localiza
mais da metade dos postos de emprego em Braslia serve de domiclio para apenas 21% da
populao total do Distrito Federal17.
Apesar da Tabela 3 indicar que os locais de estudo esto mais disseminados do
que os postos de trabalho, deve-se ressaltar (i) que a classificao escola regular engloba os
nveis fundamental, mdio e superior de ensino; o que acaba prejudicando a identificao
precisa de como se d a distribuio de ensino e (ii) que, como no caso dos postos de trabalho,
14 Compreendendo cursos de lnguas, computao, tcnicos e outros.
15 Compreende Plano Piloto, Cruzeiro, Lagos Norte e Sul.16 O relatrio da CODEPLAN (2003) caracteriza esse processo de periferizao como filtering off quediz respeito ao movimento emigratrio das regies centrais e prximas ao centro para regies mais distantes, oumesmo para o entorno (rea que j ultrapassa os prprios limites do Distrito Federal), geralmente associado aocusto de vida no centro e na periferia. Assim, a incidncia de postos de emprego varivel diretamenteproporcional proximidade em relao ao centro, de forma que as regies mais distantes a periferia so
fundamentalmente habitacionais, sendo funcionalmente dependentes da dinmica de mercado do centro.17 Segundo dados de 2004 da CODEPLAN, o Plano Piloto tem 198.906 habitantes (9,5%); o Lago Sul tem102.271 (4,9%); o Lago Norte tem 26.093 (1,2%) e o Cruzeiro conta com 112.989 (5,4%). Segundo dados domesmo relatrio da CODEPLAN, o Distrito Federal tem populao total de aproximadamente 2.096.534.
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existe uma distribuio desigual da educao levando em contas as regies perifricas.
Quanto ao primeiro ponto, vlido ressaltar, por exemplo, que o Plano Piloto concentra a
grande maioria das vagas no ensino superior pblico, no Campus Darcy Ribeiro da
Universidade de Braslia (UnB). Quanto ao segundo ponto, existem algumas cidades-satlites
mais dependentes do ensino regular oferecido no Plano Piloto do que outras, voltando
questo do tratamento analtico diferenciado que deve ser dado s regies perifricas.
O que se nota que as idias que permeiam os conceitos de centro e periferia em
Braslia vo para alm da ocupao espacial que se configura: so, na verdade, variveis
diretas da produo e distribuio de riquezas. A separao que se d entre ambos os espaos
figura, antes de tudo, uma diviso conforme a produo de riquezas. O Plano Piloto assume
seu carter de centro pois concentra a maioria dos servios hospitais, hotis, shoppings,instituies pblicas, museus, bibliotecas , dos postos de trabalhos ressaltando o
funcionalismo pblico como caractere essencial desse mercado de trabalho , das opes de
lazer e cultura. A lgica inversa se processa nas cidades-satlites, com diversas defasagens na
oferta de bens e servios. Desse modo, a trama metropolitana de Braslia se caracteriza pela
dependncia funcional que a periferia tem em relao ao centro.
Usando-se a noo de lugar antropolgico trazida por Aug (1994) referindo-
nos construo concreta e simblica do espao, ao qual se referem os indivduos enquantosendo identitrios, relacionais e histricos , o Plano Piloto est quase sempre associado a
dados lugares antropolgicos, tais como trabalho, universidade e, eventualmente,
hospital, escola. s cidades-satlites, reservam-se basicamente as associaes ao lugar
antropolgico casa. Ou seja, no que diz respeito trama metropolitana especfica de
Braslia, podemos dizer que essa separao centro-periferia, relacionada fundamentalmente ao
par auto-suficincia/dependncia funcional e elucidada na compartimentalizao dos
lugares antropolgicos , um de seus traos fundamentais a ser observado.Adotando-se esse par centro-periferia como modelo tpico-ideal18, teramos traos
distintivos ntidos entre ambas as instncias. O centro, como j delimitado, diz respeito a um
espao urbano histrica e geograficamente privilegiado, com altos valores de terra, associados
a dadas externalidades positivas como o aspecto paisagstico, mobilidade, oferta de servios.
De maneira geral, o centro marcado pela sua auto-suficincia, de modo que o seu cotidiano
encerra-se em si mesmo: oferece trabalho, educao, sade, opes de lazer e outros tipos de
18 Usando a idia weberiana de que o tipo ideal um complexo de elementos associados na realidadehistrica que ns aglutinamos em um todo conceitual, do ponto de vista de seu significado cultural (Weber,2005: 45).
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servios aos seus habitantes. Do outro lado, a periferia a negao do centro, uma vez que
um espao marcado essencialmente pela sua dependncia funcional em relao a outro
espao, o centro que acaba por se realizar, dessa forma, a partir da existncia da periferia
que gera a ambivalncia entre os dois. O espao da periferia geralmente marcado pela
carncia de postos de emprego, de bons nveis de educao e por outros tipos de
externalidades negativas, que acabam por ser fatores determinantes para a desvalorizao da
terra. Ainda seguindo o paradigma weberiano sobre a tipologia sociolgica (cf. Weber, 1994:
141), temos a possibilidade de afirmar no caso particular de um espao urbano o que h
nele de centro e o que h nele de perifrico, ou seja, em que ele se aproxima de um destes
tipos, alm de podermos trabalhar com conceitos relativamente inequvocos. Assim, no se
cogita a possibilidade de que todo o espao urbano possa ser encaixado nesse esquemaconceitual proposto, de modo que ele deve servir como ferramenta analtica importante para
compreendermos a trama metropolitana de Braslia.
Os dados referentes a classes de renda da populao de Braslia, por exemplo,
servem para afirmar o carter de centro do Plano Piloto, mas tambm para mostrar a
possibilidade de coexistirem as duas categorias tpico-ideais centro e periferia num
mesmo espao urbano. Alguns espaos, como o Lago Sul, o Lago Norte e o Sudoeste,
apresentam uma dependncia funcional em relao ao Plano Piloto principalmente no quetange ao trabalho e educao , mas apresentam algumas externalidades positivas tpicas
do centro, tais como os aspectos paisagsticos o Lago Parano, por exemplo. Mas, talvez, a
maior externalidade positiva associada a estes espaos ambivalentes est associada prpria
existncia do centro: o que parece valorizar esses espaos dependentes do Plano Piloto a sua
proximidade em relao a ele. Assim, gera-se uma dificuldade de caracterizar essas reas, que
acabam se tornando espaos ainda que dependentes funcionais do centro extremamente
valorizados, tendo uma populao com altos nveis de renda.
Tabela 4 - Distribuio dos Domiclios, por Classes de Renda Domiciliar Mensal, emSalrios Mnimos, Segundo a Regio Administrativa - Distrito Federal - 2004
Valores Relativos (%)
TotalAt01
01 -|02
02 -|05
05 -|10
10 -|20
Mais de20
TOTAL 100 20,3 15,5 23,7 17,2 13,6 9,7Braslia 100 22 2,5 7,4 14,9 24,6 28,6
Gama 100 21,2 14,3 26,8 22,1 13,2 2,5Taguatinga 100 17,8 7,6 19,5 24,7 21,3 9,2
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Brazlndia 100 23,7 33,5 22,8 14,9 4,2 0,8Sobradinho 100 42,9 5,9 13,4 15,4 15,7 6,7Planaltina 100 34,3 26 25,2 10 4,1 0,3Parano 100 17,8 20,7 32,8 16,7 9,2 2,9Ncleo Bandeirante 100 25,7 8,2 22,9 19,2 17,1 6,9Ceilndia 100 15,9 18,2 35,6 20,2 8,6 1,6Guar 100 9,5 5,9 17 24,3 26,6 16,6Cruzeiro 100 15 5,7 15 22,1 27 15Samambaia 100 15,3 25,4 35,8 17,6 5,1 0,8Santa Maria 100 18,8 25 35,8 15,6 4,2 0,6So Sebastio 100 15,7 24,1 35,4 15,1 9,8 -Recanto das Emas 100 17,8 29,4 33,1 14,6 5,1 -
Lago Sul 100 16 3,8 7,3 5,1 8 59,7Riacho Fundo 100 14,6 21,7 25,9 22 12,9 2,9Lago Norte 100 35,1 1,8 2,1 4,3 5,4 51,2Candangolndia 100 17,4 12 24,4 21,1 18,4 6,7Riacho Fundo II 100 16 30,1 37,9 13,7 2 0,3Sudoeste/Octogonal 100 17,6 1,7 3,8 10,6 24,5 41,8Varjo 100 15,9 36,2 39,5 6,7 0,7 1Park Way 100 39,7 7,2 13,4 7,2 10,1 22,4SCIA (Estrutural) 100 25,8 48,1 22,9 2,5 0,3 0,3Sobradinho II 100 24,3 16,5 23,2 17,6 14,4 4,1
Itapo 100 38,7 41,1 18,5 1,4 0,2 -FONTES: SEPLAN/CODEPLAN - Pesquisa Distrital por Amostra de Domiclio - PDAD - 2004
Enquanto, considerando-se a populao total, apenas 23,3% dos domiclios
brasilienses possui renda acima de 10 salrios mnimos; considerando o Plano Piloto, esse
nmero de 53,2%. Em outras regies administrativas que se caracterizam por misturar
caractersticas de periferia e de centro , como o Lago Sul, esse nmero pode chegar a
67,7%. Os altos ndices se repetem no Lago Norte e no Sudoeste. Tratam-se de nmeros bem
acima da mdia de Braslia. Para citar alguns exemplos de espaos urbanos que mais se
aproximam do tipo puro de periferia, 10,2% dos domiclios da Ceilndia possui renda acima
de 10 salrios mnimos; nmero que chega a 12,1% no Parano; nmeros abaixo da mdia do
Distrito Federal. Temos ainda os casos que se encontram acima da mdia de Braslia, mas
ainda assim tem nmeros abaixo dos encontrados na regio formada pelo Plano Piloto e pelas
regies administrativas mais prximas. Em Taguatinga, por exemplo, esse nmero de 30,5%
e no Park Way, ele chega a 32,5%.
Essa lgica se repete do outro lado da tabela, considerando que 35,8% do total dos
domiclios de Braslia recebem at 2 salrios mnimos. O Plano Piloto fica abaixo dessa
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mdia (24,5%), bem como o Lago Sul (19,8%). Enquanto isso, tem-se nas reas perifricas,
casos como o da Estrutural, de extrema pobreza, onde esse nmero de 73,9%; como o
Itapo, onde 79,8% dos domiclios tm renda de at 2 salrios mnimos. Existem ainda os
casos que no concentram esse pice de pobreza, mas, ainda assim, esto acima da mdia de
Braslia, como So Sebastio (39,8%), Riacho Fundo (36,3%) e Recanto das Emas (43,8%).
As idias de centro e periferia que aqui lanamos no dizem respeito propriamente
a essa distribuio de classes de renda no espao, mas esto elucidadas em ltimo caso por
ela. O que se coloca em questo com a Tabela 4 justamente o fato de a lgica da
periferizao atuar em consonncia ao processo de valorizao do centro. Assim, a lgica que
torna os espaos perifricos dependentes do centro tambm atua no sentido de tornar o centro
cada vez mais auto-suficiente, gerando o par desvalorizao-valorizao do espao. Demaneira geral, isso implica dizer que o cotidiano de Braslia acaba por ter como centro o seu
Plano Piloto, de forma que as idias de auto-suficincia e dependncia funcional
associadas a centro e periferia, respectivamente se tornam determinantes do cotidiano da
metrpole, em especial no que tange aos deslocamentos e percursos que fazem parte dessa
trama.
Uma metrpoleMultido sem nome! caos! vozes, olhos, passos.
Os que nunca vimos, o que no conhecemos.Todos os vivos! cidades que zumbem s orelhas
Mais que bosque da Amrica ou colmia de abelha.(Victor Hugo, 1880, apudBenjamin, 1989: 57)
Uma metrpole pode ser inicialmente definida a partir de parmetros espaciais e
econmicos, referindo-se ao espao urbano composto por uma regio central ligada a outras
regies. Esta ligao pode ser fsica consumada pela cornubao dos espaos centrais e
perifricos ou, como no caso de Braslia, econmica, a partir do fluxo de pessoas e
servios. Nesse sentido, a configurao centro-periferia formada em Braslia , em si mesma,
uma configurao metropolitana, uma vez que todos os espaos esto ligados ao centro que
no apenas um espao concentrador de empregos e servios, mas tambm um marco
cognitivo no cotidiano da cidade. Todavia, a definio de metrpole a que nos referimos parte
de muito alm desses parmetros econmicos e espaciais, perpassando essencialmente
questes que tangenciam a tpica sociabilidade praticada neste espao urbano, como tratado
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por Georg Simmel no ensaio A metrpole e a vida mental e por Walter Benjamin, em sua
anlise da obra de Charles Baudelaire.
A idia central de Simmel gira em torno do marco normativo da metrpole,
fundamentado na economia do dinheiro, que tende uniformizao de seus moradores.
Partindo dessa idia, ele lana o problema: como a personalidade se acomoda nos
ajustamentos s foras externas (Simmel, 1967: 12)? Assim o autor se dedica a analisar
como funciona a lgica de interao do indivduo com a metrpole, delimitando a maneira
pela qual essa interao incide sobre as formas de sociabilidade nesse ambiente urbano.
A primeira caracterstica da metrpole que podemos citar a intensificao dos
estmulos nervosos externos, de forma que criado um descompasso entre a apreenso
consciente da exterioridade pelos indivduos e a freqncia dos estmulos emitidos. Mais doque isso, Simmel chama ateno para a preponderncia dos estmulos visuais sobre os
estmulos auditivos. A cidade torna-se, quase sempre, mera paisagem para as pessoas que
flanam osflneurs (cf. Benjamin, 1989: 186). Em oposio a um espao vivido, gerador de
memrias, a metrpole marcada pela atitude prosaica das pessoas em relao aos espaos
por onde flanam. Essa atitude prosaica convergente a uma certa indiferena pode ser
chamada de blas, como definida por Simmel. A atitude blas segundo o autor, um dos
traos mais caractersticos da metrpole pode ser tomada como uma certa falta dereatividade, como defesa aos estmulos exteriores que tendem a uniformizar os indivduos.
Assim, essa atitude blas uma forma defesa das personalidades individuais preservao
da subjetividade em detrimento uniformizao sugerida pelo marco normativo da
metrpole, a economia monetria. A atitude de reserva que est associada tambm
indiferena e antipatia tambm uma atitude de auto-preservao, pois como bem
observa Benjamin, oflneur acima de tudo algum que no se sente seguro em sua prpria
sociedade.Assim, a sociabilidade da metrpole marcada antes de tudo pela frieza
ilustrada nessas atitudes blas e de reserva. Quanto a essa frieza, suficiente, priori,
esclarecer sua ntima relao com a impessoalidade das relaes. Destarte, a frieza que
perpassa a sociabilidade na metrpole nos remete ao anonimato, que implica em
relacionamentos de carter prosaico como bem analisa Aug (1994), ao caracterizar os
no-lugares. Benjamin (1989) sintetiza a sociabilidade da metrpole ao mostrar que o homem
da metrpole o homem na multido. Com isso, ele coloca em questo o par
solido/multido, nunca tratando-o como uma ambivalncia, mas sim como instncias que se
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interpenetram: trata-se da solido dentro da multido, como o autor explica: por um lado o
homem se sente olhado por tudo e por todos, simplesmente o suspeito; por outro o totalmente
insondvel, o escondido (Benjamin, 1989: 190).
Outro parmetro para definir essa frieza marcante da metrpole a
normatividade cuja ntima relao com a racionalidade no remete economia monetria que
tende a quantificar qualidades e subjetividades, usando o dinheiro como nivelador (cf.
Simmel, 1967: 13). Em Braslia, essa normatividade levada ao pice, considerando o seu
prprio patrimnio como marco normativo para as prticas cotidianas. Como visto, tal
normatividade est expressa na forma de organizao do mapa da cidade e na composio dos
endereos. No difcil tambm observar como os deslocamentos dirios realizados na
metrpole tambm esto inseridos dentro dessa lgica de normatizao, e como eles sondices dos parmetros de sociabilidade considerados caractersticos da metrpole.
Deslocar-se na metrpoleEm Braslia, algumas ruas so altamente ocupadas: so nibus, pedestres, txis e a
macia presena de carros particulares. Esse trnsito acontece principalmente nas grandes
avenidas do Plano Piloto nos eixos, na W3, e na L2, principalmente e nas vias de
acesso ao Plano Piloto que se estendem s vezes por grandes vazios entre centro e periferia. Os automveis acabam por reinar neste cenrio, a despeito da falta de
estacionamentos e dos longos congestionamentos. Trata-se de um uso privado do espao
pblico, de forma expressiva19. O trnsito de Braslia privilegia o modelo de circulao
rodoviria em detrimento ao modelo metrovirio; e privilegia o automvel privado em
detrimento ocupao coletiva das ruas. Essa aprioridade conferida ao automvel pode ser
elucidada na prpria forma de organizao do espao em Braslia, principalmente no que
tange ao uso de ruas e avenidas.Levando em conta a oposio entre transportes em comum20 e transportes
individuais, Braslia est intimamente ligada individualizao dos meios de circulao, uma
vez que foi chamada de meta-sntese e simbolizava, poca de sua construo, um novo
19 O espao pblico um espao partilhado, como ruas, avenidas, caladas etc. Segundo Caiafa (2007),
o carro representa a lgica do nimby (not in my backyard, em meu quintal no), que a lgica da excluso dooutro e da confirmao do privatismo familiar. Nesse sentido que o carro representa o uso privado de espaospblicos. Nessa direo, o nibus representa um uso pblico do espao pblico, por ser em si mesmo umespao partilhado.20
No espanhol bem como no francs no usual a terminologia transporte pblico coletivo, queacaba sendo o uso mais comum no Brasil e, portanto, neste trabalho. A idia de transporte em comum,conforme traduzido por Arlene Caetano na obra de Castells (1983), talvez seja mais fiel, no entanto, ao nossoobjeto de estudo que o transporte disposio do pblico, mas no necessariamente tutelado pelo Estado.
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Brasil penetrado pela civilizao do automvel (Mendona, 1995). O trnsito de Braslia est
ligado idia de modernidade e de cidade modernista.
A idia de modernidade um conceito que existe em funo do tempo em que
empregado. Remontando a sua origem, chegamos palavra latina modernus usada por
Santo Agostinho , expressando a rejeio do paganismo e a inaugurao da nova era crist.
Posteriormente, o conceito passa a ser associado idia de temporalidade, embora Weber
tenha dado outros significados modernidade, que se filiaria racionalidade dos meios e
separao entre as esferas pblica e privada. O iluminismo traz a idia de modernidade em
contraposio antigidade, de modo que ambos os tempos so separados pelo medieval. Isso
acrescenta fluidez a esta idia de modernidade, aliando-a ao aqui e agora, de forma que o
moderno passa a ser vinculado urgncia do tempo presente. Portanto, sinteticamente ainda voltando origem latina dessa idia , a modernidade representa um movimento
dialtico de rejeio e inaugurao, no que se refere ao tempo: rejeio do passado e
inaugurao do presente, que inicialmente parte do futuro. Assim, o passado se torna mais
do que uma marca temporal, passando a ser um ponto de referncia necessrio para a
inaugurao do presente, proposta pela idia de modernidade, que promove, assim, a
novidade. Pode-se dizer que a modernidade traz consigo a tradio do novo (cf. Kumar,
1996). Ainda mais que isso, a idia de modernidade filia-se ao dinamismo a aceleraointencionada do tempo , expresso na constante mudana das entidades passado e presente,
que gera um impulso constante em direo ao futuro que , em si mesmo, a novidade.
Braslia torna-se inicialmente signo dessa idia de modernidade, por trazer
novidades em seu projeto urbanstico, com propostas nunca antes postas em prtica. O
automvel tambm signo da modernidade fundiu-se capital do futuro, de maneira
que ambos podem ser observados como partes de uma mesma idia. Dessa forma, as polticas
de trnsito implementadas em Braslia seguindo o modelo de espao urbano que o Brasilvinha adotando naquele perodo (Henry, 2002) sempre deram nfase ao uso dos transportes
individuais, a comear pelo prprio projeto urbanstico de Braslia, baseado num trnsito sem
interrupes.
As tesourinhas21, paisagens marcantes de Braslia, substituram os cruzamentos
com semforos. O eixo rodovirio constitudo de uma via para o trnsito local e para a
circulao de nibus o eixinho, com velocidade mxima permitida de 60 km/h e de
21
As tesourinhas so interconexes entre as pistas de rolamento do Eixo Rodovirio, com forma de umatesoura, que d acesso s superquadras que formam o setor habitacional de Braslia. Da necessidade demelhor escoamento do trfego, sem cruzamentos, surgem as tesourinhas, que so presena marcante ao longodos 15 quilmetros do Eixo Rodovirio.
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uma via de trnsito rpido o eixo, com velocidade mxima de 80 km/h , de modo que
a cidade passa a ser figurao do processo de produo da idia de modernidade pelo qual
passava a configurao em que surgiu. A idia de modernidade que sempre esteve atrelada
Braslia foi transposta ao trnsito, gerando um freqente aumento na quantidade de
transportes individuais22.
Para alm desse projeto urbanstico, deve-se levar em conta as cidades-satlites
formadas por processos de disperso urbana que representam, em si mesmos, uma
problemtica de trnsito. Essa configurao centro-periferia determinante na trama dos
deslocamentos na metrpole. Ambos centro e periferia so ligados por grandes vias de
trnsito rpido, que servem como elo principalmente para aqueles que moram na periferia,
mas trabalham ou estudam no centro. Tratam-se de vias como a Estrada Parque Taguatinga,que liga Taguatinga, Guar e guas Claras ao Plano Piloto; e como a Estrutural, que liga
Ceilndia e Taguatinga ao Plano Piloto. Em comum, elas tm o fato de serem grandes retas,
caracterizadas pelo trnsito rpido devido quase ausncia de interrupes , mas que
tm o trnsito lento ou parado nos chamados horrios de rush23.Nelas circulam nibus, mas
principalmente carros particulares.
Essa trama formada pelo Plano Piloto e pelas satlites acaba por ser
determinante nos percursos e nas formas de realiz-los na metrpole. Tomando os percursoscomo atos de enunciao, como prope Certeau (1994), ou seja, como sries de caminhos
pelos quais se pode circular no mapa que diz respeito descrio esttica da cidade , em
Braslia temos uma especificidade principalmente no que tange relao entre centro e
periferia: o percurso se realiza segundo o padro centro-periferia-centro, sem roteiros
alternativos ao longo do percurso. Assim, a dependncia existente dos diversos espaos
urbanos de Braslia em relao ao centro acaba por determinar o percurso mais marcante a ser
observado na cidade. Devido concentrao do dinamismo econmico no centro, h umgrande afluxo de pessoas para essa regio central, sobrecarregando as longas vias de acesso e
os modos de transportes em comum.
Um indicador para este fato o fluxo entre os espaos de Braslia identificado
pela Pesquisa Origem-Destino realizada pela CODEPLAN em 2002. Dentre as 148.849
viagens realizadas entre as Regies Administrativas (RAs), 56,5% so atradas pelo Plano
22
Em 2006 eram 640.334 automveis; 65.770 motos; 53.841 camionetas; 21.448 caminhonetes segundodados do DETRAN-DF. Em maio de 2008, o CorreioWeb noticiou que a frota do Distrito Federal alcanara onmero de 1 milho de automveis. Estima-se que, hoje, esse nmero ultrapasse 1,2 milhes.23 Mais de 60% das viagens esto concentradas nos horrios de pico (manh, tarde e noite).
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Piloto24 o centro, em nosso esquema analtico. O Gama vem em segundo lugar, atraindo
17,54% das viagens, e Taguatinga em terceiro, atraindo 7,52% das viagens. Dentro desse
indicador so marcantes as formas de enunciao do percurso, ou seja, os meios pelos quais
as pessoas se deslocam: o transporte pblico acaba por estar associado s cidades-satlites,
enquanto os transportes individuais so traos caractersticos da populao do Plano Piloto,
como mostra a Tabela 5. Neste sentido, propor que nos nibus todos se encontram parece
ser um recurso lingstico, uma vez que essa forma de deslocar-se tpica embora no
exclusiva da populao perifrica.
Tabela 5 Repartio das viagens dirias da populao entre modos motorizados porRegies Administrativas DF 2000 (Viagens em um dia til do ms de novembro) Valores porcentuais
RegioAdministrativa
Modo
nibus25Transporte
EscolarTransporte
FretadoAutomvel/
TxiLotao Outros26 Total
Plano Piloto 15,88 3,87 0,79 78,45 0,12 0,89 100
Lago Sul 2,67 4,30 0,00 92,65 0,23 0,15 100
Lago Norte 8,39 3,77 0,88 85,87 0,12 0,97 100
Cruzeiro 13,24 5,82 0,76 77,86 1,26 1,04 100
Guar 26,55 4,12 1,05 62,47 3,75 2,06 100NcleoBandeirante 19,51 4,46 0,29 70,37 5,19 0,19 100
Candangolndia 24,34 3,67 0,88 57,55 12,31 1,26 100
Taguatinga 34,54 4,20 1,49 54,11 4,27 1,38 100
Samambaia 55,99 4,69 3,07 24,95 7,81 3,49 100
Ceilndia 59,33 3,44 2,29 26,57 5,34 3,03 100
Recanto das Emas 67,52 2,66 4,93 21,27 1,19 2,43 100
Gama 42,79 3,51 1,80 44,11 3,24 4,55 100
Santa Maria 65,46 3,96 3,46 18,51 4,87 3,73 100
Riacho Fundo 43,91 7,51 3,62 30,39 11,53 3,05 100
24 Dentro do Plano Piloto, as viagens se distribuem predominantemente entre a Esplanada dos Ministrios
(10,72%), o Setor Comercial Sul (10,34%) e o Setor de Diverses Norte (7,69%) (CODEPLAN, 2002), locaisonde se concentram grande parte dos postos trabalho.25 Inclui nibus convencional e transporte vizinhana.26 Inclui modo bicicleta, ciclomotores e outros.
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So Sebastio 46,02 8,57 1,76 37,48 2,08 4,08 100
Parano 71,46 4,57 1,27 20,46 1,70 0,55 100
Planaltina 52,36 4,24 4,22 21,50 7,30 10,37 100
Sobradinho 37,71 7,85 1,55 42,24 6,27 4,39 100
Brazlndia 49,19 4,83 5,45 28,27 3,64 8,62 100
Distrito Federal 36,59 4,41 1,80 50,85 3,78 2,56 100
Fonte: CODEPLAN Pesquisa Origem-Destino Domiciliar 2000
Conforme mostra a tabela, as formas de deslocar-se na metrpole esto
associadas a uma condio especfica de desenvolvimento urbano relacionada proximidade
com o centro. Segundo Vasconcellos (1996), nos ambientes urbanos, as pessoas estabelecemestratgias de consumo que dependem de vrias condies, incluindo selecionar as formas de
transporte, que aparecem como expresses e satisfaes de acordo com uma condio urbana
especfica. Aqui o nibus aparece como elo fundamental entre o Plano Piloto e as cidades-
satlites, realizando a possibilidade de concretizar-se a separao casa/trabalho por grandes
vazios sejam eles espaciais ou simblicos.
Embora no seja elencado pela Tabela 5 principalmente devido data em que
os dados foram produzidos , os transportes em comum em Braslia so divididosfundamentalmente em dois grupos: os rodovirios (nibus) e os metrovirios (metr). O
sistema de nibus em Braslia mantendo-se nos limites de uma tendncia histrica dos
sistemas de transportes oferecidos no Brasil tutelado pela iniciativa privada e
regulamentado pelo Estado, tipo de gesto de trnsito com pilares na idia de que o setor
privado tem grande capacidade de investimento, face ao crescimento exponencial dos
mercados que conduziam a urbanizao (disperso) macia e a formao de Regies
Metropolitanas (Henry, 2002: 40). Embora Braslia, como vimos, esteja presenciando uma
grande expanso de seu sistema metrovirio, os nibus ainda so a principal forma coletiva de
deslocamento na cidade, justamente devido tendncia inicial de prioridade ao modelo
rodovirio de circulao.
Assim, em Braslia as pessoas se deslocam basicamente por meio de nibus e
carros, havendo uma ligao forte do uso do primeiro com as cidades-satlites. Do ponto de
vista dos percursos, as pessoas se deslocam orientando-se segundo dois padres cartogrficos
fundamentais: (i) o primeiro diz respeito s viagens que se fazem entre as regies
administrativas valendo ressaltar que o Plano Piloto absorve mais de metade dessas
8/6/2019 Viagens_na_metropole
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viagens e (ii) o segundo diz respeito s viagens que se realizam dentro dos limites de uma
regio administrativa, no desafiando suas fronteiras. Os nibus tambm funcionam segundo
essa lgica: os metropolitanos fazem os percursos entre regies administrativas e os
circulares limitam-se a uma regio administrativa, no desafiando seus limites. No entanto,
considerando a configurao centro-periferia, podemos destacar trs padres de viagens
marcantes dos nibus de Braslia. O primeiro e mais marcante refere-se ao trajeto periferia-
centro-periferia, sem roteiros alternativos. Trata-se de um percurso realizado por linhas
metropolitanas, ao valor de R$ 3,00 por usurio, que permite a conexo entre os servios
oferecidos pelo Plano Piloto e as moradias das cidades-satlites. O segundo percurso marcante
realizado pelos nibus de Braslia refere-se enunciao de um trajeto realizado dentro dos
limites do Plano Piloto, sendo, portanto, um circular. O tercei