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#111 EDIÇÃO OÁSIS VIDA DOMÉSTICA A bordo da estação espacial REALIDADE AUMENTADA Quando o virtual se mistura ao real RELATO DE UMA SOBREVIVENTE Minha fuga da Coréia do Norte E NÓS SOMOS O SEU SISTEMA NERVOSO A TERRA É UM SER VIVO

VIDA DOMÉSTICA A bordo da estação espacial · bem como o de semeador de encrencas. Ele era, então, um obscuro biofísico bri-tânico, médico de formação, que conce-bera vários

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#111

Edição Oásis VIDA

DOMÉSTICAA bordo da

estação espacial

REALIDADE AUMENTADA

Quando o virtual se mistura ao real

RELATO DE UMA SOBREVIVENTE

Minha fuga da Coréia do Norte

E Nós soMos o sEu sistEMA NErvosoA TERRA

É UM SER VIVO

2/41OáSIS . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

“A TeoriA de GAiA, do cienTisTA briTânico JAmes LoveLock, ApresenTA nosso pLAneTA como umA criATurA vivA,

doTAdA de um corpo físico-químico, umA psique, umA inTeLiGênciA, e incLusive umA ALmA”

N a década de 1960, quando o cientista britânico James lovelock lançou a sua teoria de gaia, a proposta provocou celeuma nos meios acadêmicos em todo

o mundo. Essa teoria, batizada com o nome da deusa grega gaia, máxima divindade da terra, propunha nosso planeta não mais como um imenso aglomerado mineral a rodopiar pelo espaço a fora, mas sim como uma criatura viva, dotada não apenas de um corpo físico-químico, mas também de funções biológicas, de uma “psique”, de uma inteligência e inclusive – por que não – de uma “alma”.

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por

Editor

PEllEgriniLuis

a teoria de gaia, assim sendo, não podia deixar de interessar também aos esotéricos de todas as linhas, sobretudo aqueles mais moderninhos, identificados com as descobertas e os aler-tas da ecologia. Ela resgatava, em linguagem científica, teorias defendidas pelas tradições antigas. retomava conhecimentos oriundos de um tempo em que não havia separação entre ciência, religião, arte e filosofia. o interesse pela teoria, após o clamor do lançamento, durou relativamente pouco. ainda muito ancorado no modelo racionalista cientificista, o mundo da ciência reagiu com certo desprezo às propostas de lovelo-ck. Sobraram, no apoio irrestrito a ele, os esotéricos e alguns importantes nomes da ecologia, sobretudo os especialistas em ecologia sistêmica.

os anos passaram, a própria ciência tornou-se mais e mais esotérica, mais e mais próxima das antigas sabedorias e con-vicções que chegaram até nós através dos milênios, e, hoje, a teoria de gaia passa por um processo de resgate.nossa matéria de capa apresenta uma síntese dela, e uma mais recente amplificação da mesma feita pelo próprio James love-lock. Ele reafirma agora que a terra é, sim, um ser vivo. E nós fazemos parte dele. Somos o seu sistema nervoso.

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A TERRA É UM SER VIVO E nós somos o seu sistema nervoso

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alar de James Lovelock é fa-lar de paradoxos. A começar por sua reputação de teóri-co inflamado e visionário e por sua aparência: magrinho, olhos azuis-claros, voz suave e sorriso infantil. Difícil ima-ginar que esse vovô alegre e brincalhão publicou um dos livros mais sombrios

dos últimos anos sobre o futuro do plane-ta. Da mesma forma, é difícil

acreditar que, por trás do ar inofensivo de aposentado, esse homem provocou mais de 40 anos de polêmicas no mundo da ciência com sua hipótese Gaia – que ele batizou com o nome da deusa grega da Terra –, segundo a qual nosso plane-ta seria um ser vivo.

Foi há quase meio século que Lovelock, na época com 42 anos, assumiu, algo por acaso, o destino de teórico da ciência – bem como o de semeador de encrencas. Ele era, então, um obscuro biofísico bri-tânico, médico de formação, que conce-bera vários aparelhos engenhosos – “na-queles tempos, os cientistas fabricavam eles mesmos seus instrumentos, pois ninguém tinha dinheiro para comprá-los nas lojas”, recorda ele. Alguns desses aparelhos permitiam a detecção de subs-tâncias em concentrações muito baixas, pelo método da cromatografia gasosa, e interessaram à Nasa, que então de-senvolvia um programa de exploração de Marte. Para obter esses detectores, a agência norte-americana trouxe seu in-ventor, que chegou em 1961 ao Jet Pro-pulsion Laboratory (JPL), na Califórnia, com a missão estritamente técnica de adaptar os aparelhos às exigências dasnaves espaciais.

F

Há cerca de 40 anos o cientista britânico James Lovelock fez furor com o lançamento da sua “Hipótese Gaia”, proposição científica na qual ele definia a Terra como um gigantesco organismo vivo, inteligente e sensível. discutida e em parte desacreditada, a ideia volta hoje com toda a sua força original

texto: Por eduardo araia

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Mas – traço indelével de seu caráter – o inven-tor logo resolveu se meter onde não era chamado. “Logo de cara, disse aos biólogos da Nasa queas experiências que eles planejavam eram ridículas: implicitamente, elas partiam do princípio de que as formas de vida em Marte seriam semelhantes àque-las do deserto da Califórnia!” O tom das discussõesengrossou e Lovelock foi chamado ao escritório do diretor, furioso por causa do clima de conflito entre os biólogos que ele trouxera a peso de ouro para o JPL. “Você tem três dias para me trazer uma pro-posta construtiva”, ele disse a Lovelock.

Um sistema que favorece a vida

Três noites em claro mais tarde, Lovelock voltou ao JPL. Trazia um projeto ao mesmo tempo nebuloso e preciso. Sua ideia? Buscar uma “assinatura” global da vida, mais que dissecar algumas amostras dema-siadamente locais. E a audácia de sustentar que, ao desvendarmos a composição química da atmosfe-ra marciana pela análise da luz oriunda do Planeta Vermelho, poderíamos talvez perceber se essa at-mosfera carrega a marca de seres que nela colhem nutrientes e nela lançam seus dejetos. Ou se, ao contrário, ali simplesmente nada acontece. A ideia de que um simples telescópio munido de um espec-trofotômetro permitiria detectar a vida recolocava

em questão todo o programa em curso. Os cientis-tas presentesimediatamente puseram cadeados nas portas, e so-licitou-se ao sujeito que voltasse a seus instrumen-tos... e retomasse sua condição de homem livre e descompromissado o mais rapidamente possível.

A Nasa ficou para trás, mas isso pouco importava. Lovelock havia encontrado uma pista e, como bom sabujo da ciência, nunca mais a abandonaria. Em 1965, ele publicou na revista Nature um primeiro artigo sobre a análise a distância da vida em Marte.

Dois anos depois, divulgou algumas das primeiras conclusões, amparadas no estudo da radiação in-fravermelha desse planeta comparada à da Terra. Eram conclusões extremamente engenhosas e ino-vadoras, baseadas no segundo princípio da termo-dinâmica, segundo o qual a matéria tende a uma crescente desordem, à qual se opõe a ação organi-

o cientista inglês James Lovelock, autor da teoria de Gaia

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“Expliquei que Marte estava próximo do equilíbrio químico e dominado em 95% pelo dióxido de car-bono (uma molécula muito estável), enquanto a Terra estava num estado de profundo desequilíbrio químico”, recorda Lovelock. “Em nossa atmosfera, o dióxido de carbono é raro. Aqui, porém, encon-tramos oxigênio em abundância, que coexiste com o metano e outras substâncias muito reativas.” Ora, essa combinação é improvável num planeta onde atuam apenas as leis da química. Para o pesquisa-dor, uma conclusão se impõe: é a vida que renova sem cessar todas essas moléculas e afasta a Terra do equilíbrio químico visto em Marte e Vênus. Esses dois planetas, portanto, estão mortos, en-quanto a Terra está viva. Num planeta no qual há vida, essa característica fica perceptível na atmos-fera, onde seres animados colhem nutrientes e lan-çam dejetos.

Lovelock, que quando muito jovem queria ser mé-dico, se debruça finalmente sobre as propriedades da Terra. E verifica que sua atmosfera, de composi-ção química tão distante do equilíbrio, permaneceu notavelmente estável ao longo das eras. Um pouco como o sangue de um ser vivo. O mesmo se obser-va no que diz respeito à temperatura: à escala de centenas de milhões de anos, ela exibe uma surpre-endente estabilidade. A radiação solar, no entanto,

aumentou um terço desde o surgimento da vida na Terra. A propriedade de conservar sua temperaturaconstante enquanto a do meio circundante varia, a homeotermia, é característica dos animais mais complexos.

Enfim, o raciocínio chega à terceira etapa, a mais controvertida de todas. Lovelock constata que tanto a temperatura como a composição química tendem a valores quase ótimos para a criatura viva – como se o “objetivo” do sistema fosse favorecer a vida. De fato, uma atmosfera com duas vezes mais oxigênio causaria incêndios incessantes, enquanto o oxigê-nio mais rarefeito acarretaria vários problemas me-tabólicos para os seres vivos.

Segundo Lovelock, a causa é bem clara e, após pu-blicar artigos de grande repercussão, ele resumiu esses pensamentos em 1979 em sua obra de refe-rência: A Terra É um Ser Vivo – A Hipótese Gaia.

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Nela, defende a ideia de que a Terra é uma espécie de simbiose (uma associação biológica favorável a todas as partes que a compõem) gigante entre todos os seres vivos e o meio mineral, um superorganismo que se conserva no estado mais favorável possível à vida por meio de mecanismos de retroação (ouseja, o efeito agindo sobre a causa).

Marte (acima), pelas análises de Lovelock, tem uma atmosfera próxima do equilíbrio químico. Já a da Terra se encontra em profundo desequilíbrio quími-co – fator que indica a existência de vida. Isso levou o cientista britânico a criar a hipótese Gaia, nome da deusa grega (abaixo) associada ao nossso plane-ta.

Semente da discórdia

Um dos mais eminentes climatologistas nortea-mericanos da atualidade, David Archer, comenta: “Durante meu primeiro curso de biogeoquímica, fizeram-me ler os primeiros capítulos desse livro. Desde então, impus sua leitura a todos os alunos dos quais me tornei orientador.” A ideia, hoje mun-dialmente aceita, de que é preciso pensar a Terra como um sistema no qual todas as partes intera-gem, e que biólogos, oceanógrafos, geólogos, mete-orologistas, etc. devem trabalhar juntos para con-seguir antecipar seu funcionamento, deve muito a Lovelock. Mas, ao batizar seu objeto de estudo “Gaia”, nome de uma divindade feminina (aconselhado por

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William Golding, Prêmio Nobel de Literatura em 1983), o teórico foi, para muitos, longe demais. Passou-se a recomendar muita prudência na leitura de seus livros, e em várias universidades ele passou a ser tratado como místico e teleólogo, pelo fato de que sua teoria parece conferir um sentido para a vida e a evolução.

Imperdoável, para um cientista! Jovens pesquisado res foram inclusive advertidos de que o uso do nome “Gaia” num título de artigo ou trabalho cien-tífico podia arruinar ou macular seriamente uma carreira de cientista. Os biólogos, sobretudo Ri-chard Dawkins, acusaram-no com virulência de questionar o darwinismo. Como caracteres “altruís-tas”, favorecendo a biosfera em seu conjunto, e não o indivíduo ou a espécie, poderiam ter sido selecio-nados pela evolução? Quer-se introduzir aqui uma mão divina, argumentavam, indignados. E não fal-taram sequer aqueles que lembravam que o segundo nome de Lovelock, Ephraim, dá testemunho de suas origens familiares rigidamente protestantes...

A independência de pensamento de Lovelock inco-moda muita gente. Os ambientalistas, por exemplo, apreciam a metáfora de Gaia, mas se irritam com a defesa histórica que seu criador faz da energia nu-clear – para o cientista, a principal fonte energética do futuro. A simples menção dessas críticas consegue apagar o luminoso sorriso de Lovelock. “Os biólogos torna-

ram-se exageradamente belicosos por causa dos re-petidos ataques desferidos contra eles pelos criacio-nistas. Assim que alguma coisa sai do seu padrão de pensamento, eles a interpretam como criacionismo e partem para o ataque. Além disso, fazem-no usando as próprias armas dos religiosos, um pouco como se A Origem das Espécies, de Darwin, fosse a nova Bí-blia. Não estou minimamente em desacordo com o darwinismo. Minha teoria o engloba, mas em umnível superior. Um pouco como a teoria da relativi-dade supera, sem a contradizer, a física newtonia-na.”

Mas, assim sendo, o planeta vivo é apenas uma me-táfora? “Claro, ele não é vivo como nós ou uma bac-téria, e, nesse sentido, é mesmo uma metáfora”, admite Lovelock. “Mas acho que a definição de vida dada pelos biólogos é demasiado restritiva. Afinal, falta a Gaia apenas a reprodução!”

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Pode-se apostar que se, em vez de lançar mão do termo Gaia, ele tivesse batizado sua tese de “teoria biogeoquímica”, como lhe fora aconselhado,teria evitado muitos aborrecimentos e gozaria de todas as merecidas honras de grande cientista. Mas, como um Dom Quixote da ciência, o obstinado dou-tor recusa baixar o tom de seus escritos, não admitea retirada de uma única vírgula e se mantém em permanente disputa com seus adversários. Isso lhe valeu um estatuto original de “cientista indepen-dente”, fora das grandes instituições, inteiramente consagrado à defesa e à consolidação de sua teoria – mas não o impediu de publicar em sua carreira mais de 200 artigos, 30 dos quais na Nature, e de fazer várias descobertas importantes. Por exemplo, a do DMS, aerossóis sulfurosos emitidos pelas algas e capazes de esfriar a atmosfera oceânica.

Eles constituem um bom exemplo de retroação “à moda de Gaia”: se a temperatura aumenta, as algas proliferam, produzem mais aerossóis... o que, por sua vez, faz baixar a temperatura do oceano.

Tarde demais?

Em relação fria com a maioria das instituições cien-tíficas, Lovelock poderia ter se refugiado no seio de uma nova família que lhe estendia os braços: o mo-

vimento ecológico. Entusiasmados pela metáfora de Gaia, os ecologistas dos anos 1970 piscam os olhos para seu inventor. Mas desde o início o paradoxal Ephraim não pôde ser digerido pelo movimento verde.

É que o homem, que não hesita em se declarar eco-logista, é ao mesmo tempo um tecnófilo decidido. Claro, ele manifesta hostilidade à poluição e à ex-cessiva intrusão humana no funcionamento normal de Gaia. Mas isso não o impede de ser, por exem-plo, um defensor histórico da energia nuclear – e isso muito antes de a questão do aquecimento glo-bal aflorar.

O aquecimento global afetará profundamente a agricultura mundial, deixando-a inviável em diver-sas regiões do mundo.

“Numerosos verdes franceses, donos de belas man

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sões na Dordonha (sudoeste do país), vêm a mim para elogiar as vantagens do TGV, o trem ultrarrá-pido”, conta o cientista. “Então, digo a eles: ‘Mas vocês sabem que se trata de um transporte nuclear?’ Eles, claro, soltam gritos de protesto.

Mas isso é verdade! A maior parte dos verdes é feita de burgueses urbanos e bem posicionados na vida. São cheios de boas intenções, mas não entendem nada de ciência nem da realidade.”

Embora sempre denunciando as ações poluidoras e os atentados aos ciclos naturais, Lovelock tem se mantido a boa distância de um catastrofismo mui-to em moda nos meios ecologistas. Para ele, Gaia é bem mais forte que os homens e, no fundo, apenas superficialmente atingida por seus caprichos, mes-mo os mais insanos. Ou, melhor dizendo, ele pensa-va assim: recentemente, mudou quase que radical-mente de posição e, em sua última obra, A Vingança de Gaia, dá um verdadeiro grito de alarme.

“Esse livro”, diz ele, “nasceu de uma visita ao Ha-dley Centre (centro de estudos do clima britâni-co) em janeiro de 2005. À medida que passava de departamento a departamento, dos especialistas da banquisa polar aos do oceano, e depois aos da floresta, o repicar do sino era sempre o mesmo: as

coisas se degradam e a retroação será positiva. Ou seja: por exemplo, o desaparecimento da banquisa oceânica no Ártico irá acelerar o aquecimento do oceano, o oceano não conseguirá mais absorver ocarbono, o aquecimento da floresta irá liberar ain-da mais CO2... O perigo é mortalmente sério.”

Gaia, portanto, está em perigo? “Gaia, precisamen-te, não”, estima Lovelock, “mas, se o aumento da temperatura que prevejo, de 6 a 8 graus centígra-dos, se produzir, a civilização poderá ser ameaça-da: teremos uma extinção em massa de espécies e a agricultura se tornará impossível em boa parte da superfície do planeta. O alimento será insuficiente, haverá migrações de populações inteiras, conflitos, a humanidade se concentrará ao redor das regiões polares...” Esse prognóstico se justifica, segundoLovelock, pelo fato de modelos atuais subestima-rem as retroações.

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Fazer as pazes com a Terra

Em seu último livro, A Vingança de Gaia (Editora Intrínseca), Lovelock traça um prognóstico pessi-mista, julgando que nosso planeta está febril e que sua saúde declina. Ele pede uma reação enérgica para salvar aquilo que ainda pode ser salvo – “fa-zermos as pazes com Gaia enquanto ainda somos fortes o bastante para negociar, e não quando tiver-mos nos tornado uma multidão dividida e vencida, em via de extinção”.

O momento atual, para ele, é o de uma “retirada sustentável”, mais que de um “desenvolvimento sustentável”. Para ilustrar a situação, ele costuma usar a metáfora de Napoleão às portas de Moscou em 1812: “Acreditamos ter vencido todas as bata-lhas, mas a verdade é que avançamos demais, te-mos demasiadas bocas para alimentar e o inverno se aproxima...” E o Protocolo de Kyoto? Nova me-táfora: “É como os acordos de Munique que vivi na minha juventude. O mundo inteiro percebe o peri-go que se aproxima e os políticos pronunciam belas frases e fazem de conta que estão fazendo alguma coisa.”

A humanidade representa uma grande oportunida-de para Gaia, diz Lovelock. “Somos, de certa forma, seu sistema nervoso”, ressalta o cientista. “Ela per-deria muito se nos perdesse.”

Medicina planetária

Diante da gravidade do momento, e fiel a seu gosto pela tecnologia, Lovelock concebe sem reticências uma “medicina planetária”. Ela inclui estratégias para refrescar artificialmente o planeta, seja na for-ma de aerossóis sulfurosos, seja na de espelhos

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gigantes instalados em órbita no espaço, e várias outras soluções paliativas. Ele preconiza uma nu-clearização maciça da eletricidade mundial e sugere inclusive que uma parte de nossa alimentação seja produzida artificialmente, em fábricas, para mini-mizar nossa utilização do espaço natural. Programasurpreendente, que demonstra a independência de pensamento de um homem que, apesar de quase meio século de uso da palavra livre, é agora recebi-do pelos grandes do planeta, como Al Gore, ex-pre-sidente norte- americano e Prêmio Nobel da Paz de 2007.

E como estão as relações entre o homem e Gaia? Será preciso ver nossa espécie como um tipo de câncer do planeta, paralisando pouco a pouco suas funções reguladoras? “A aparição da humanidade constituiu uma grande oportunidade para Gaia”, protesta o cientista. “Somos, de certa forma, seu sistema nervoso. Em todo caso, é graças a nós que ela de algum modo tomou consciência de si mesma e inclusive conseguiu se ver a partir do espaço exte-rior. Ela perderia muito se nos perdesse.”E conclui com uma última metáfora: “Gaia, vocês sabem, é como uma avó que recolheu em sua casa um bando de adolescentes demasiadoindisciplinados e turbulentos. Ela poderá – talvez com a morte na alma – trancar a porta e deixá-los do lado de fora.”

James Lovelock é doutor honoris causa de uma de-zena de universidades ao redor do mundo. Ganhou

prêmios científicos de vários organismos, tais como a Organização Mundial de Meteorologia, a Academia de Ciências da Holanda, a Sociedade Norte-America-na de Química e o Laboratório Marinho de Plymou-th.

A hipótese Gaia

Na década de 70 o inglês James Lovelock ela-borou a hipótese Gaia, e segundo ela, o plane-ta Terra se comporta como um só organismo vivo

Por: Paula Louredo, bióloga (http://www.brasilesco-la.com/biologia/hipotese-gaia.htm)

A hipótese Gaia foi elaborada pelo cientista inglês James Lovelock no ano de 1979, e fortalecida pelos estudos da bióloga norte-americana Lynn Margulis. Essa hipótese foi batizada com o nome de Gaia por-que, na mitologia grega, Gaia era a deusa da Terra e mãe de todos os seres vivos.

Segundo a hipótese, o planeta Terra é um imenso organismo vivo, capaz de obter energia para seu fun-cionamento, regular seu clima e temperatura, elimi-nar seus detritos e combater suas próprias doenças,ou seja, assim como os outros seres vivos, um or-ganismo capaz de se autorregular. De acordo com a hipótese, os organismos bióticos controlam os orga-nismos abióticos, de forma que a Terra se mantém em equilíbrio e em condições propícias de sustentar a vida.

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A hipótese Gaia sugere também que os seres vivos são capazes de modificar o ambiente em que vivem, tornando-o mais adequado para sua sobrevivência. Dessa forma, a Terra seria um planeta cuja vida controlaria a manutenção da própria vida através de mecanismos de feedback e de interações diver-sas.

Um dos argumentos utilizados pelos defensores dessa hipótese é o fato de que a composição da at-mosfera hoje parece depender principalmente dos seres vivos. Sem a presença dos seres fotossinteti-zantes o teor de gás carbônico (CO2) na atmosfera seria altíssimo, enquanto que nitrogênio (N2) e oxi-gênio (O2) teriam concentrações muito baixas.

Com a presença dos seres fotossintetizantes, a taxa de CO2 diminuiu, aumentando consideravelmente os níveis de N2 e O2 disponível na atmosfera. Essa redução do CO2 favorece o resfriamento do planeta, já que esse gás é o principal responsável pelo efeito estufa, influenciando muito na temperatura do pla-neta. Segundo esse argumento, a própria vida inter-feriu na composição da atmosfera, tornando-a mais adequada à sobrevivência dos organismos.

Embora muitos cientistas concordem com essa hi-pótese, outros não a aceitam, discordando da ideia de que a Terra seja um “superorganismo”.

Um dos argumentos utilizados por esses cientistas é que não só os fatores biológicos moldam o planeta, mas também fatores geológicos, como

erupções vulcânicas, glaciações, cometas se cho-cando contra a Terra, que modificaram e ainda modificam profundamente o aspecto do planeta.

Discordando ou não, a hipótese Gaia nos chama a atenção para as relações existentes entre os seres vivos e o meio ambiente, e principalmente para as relações existentes entre nossa espécie e os demais seres vivos. Dessa forma, utilizemos essa hipótese para refletir sobre os impactos que as nossas ativi-dades estão causando no planeta Terra.

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VID

A D

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A BORDO DA ESTAÇÃO ESPACIAL

Astronautas choram e cantam, mas não podem cuspir

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s astronautas dão passeios no espaço, apreciam panoramas de tirar o fôlego, fazem pes-quisas científicas e compli-cadas manobras fora da nave ISS. Mas as atividades na ISS que mais despertam a curio-sidade nos mortais comuns são as operações normais, de rotina, que os pilotos espa-ciais são obrigados a executar

quando a gravidade é zero. Como fazem, por exemplo, para chorar?

O

como se tosta um sanduíche a gravidade zero? como se faz para cortar as unhas? os astronautas fazem a barba? e a higiene a bordo da iss? chris Hadfield, astronauta canadense a bordo da expedição 35, conta tudo numa série de vídeos divertidos e instrutivos

texto: Luis PeLLeGrini

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Essa lágrima que não cai

No vídeo abaixo, Chris Hadfield responde a pergunta de um seu admirador com um exemplo prático. Como ele não consegue chorar a pedido, deixa cair algumas gotas de água em um olho. As lágrimas – neste caso artificiais – também acontecem a bordo da ISS, com a diferença de que... elas não escorrem. Formam uma bolha que se torna cada vez maior e que migra para outras partes do rosto, até que seja enxugada.

Vídeo: http://youtu.be/4BbuOn--ERI

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Um concerto espacial

Com tudo aquilo que há para fazer a bordo da ISS, o tempo para chorar é realmente escasso. E o tempo que so-bra, Hadfield prefere utilizá-lo dedilhando as cordas do seu violão... O astronauta canadense é também músico, e no início de fevereiro se exibiu num concerto de rock (gravado) em duo com o cantor canadense Ed Robertson, seu amigo e líder da banda Barenaked Ladies. No vídeo Hadfield mostra seus dotes de guitarrista e cantor numa música intitulada “I.S.S. (Is Somebody Singing)”. Parece que Hadfield está reunindo algumas canções compostas no espaço num álbum que será publicado quando ele voltar à Terra. A missão de Hadfield terminará ao redor de 6 de maio, após seis meses de permanência no espaço.

Vídeo: http://youtu.be/AvAnfi8WpVE

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Escovar, mas nada de cuspir

Um astro-cantor de respeito deve ter um belo sorriso. Assim Hadfield, gravou um vídeo-tutorial sobre como es-covar os dentes a gravidade zero. Tudo funciona mais ou menos como na Terra, salvo três grandes diferenças: primeiro, em vez de água corrente, utiliza-se uma ducha de água espremida de um envelope; segundo, o tubo de dentifrício possui uma tampa que permanece ligada à confecção; terceiro, depois de escovar, é preciso engolir tudo e enxaguar a escova com mais um pouco de água. É proibido cuspir. Recolher os restos de água e dentifrício que pairam no ar seria um problema.

Vídeo: http://youtu.be/3bCoGC532p8

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Manicure

Prossegue a toalete espacial de Hadfield: agora chegou a vez das unhas das mãos, que continuam a crescer como na Terra. Se na superfície do planeta já é desagradável encontrar os pedacinhos das unhas do vizinho, dentro da ISS eles seriam inclusive perigosos. Deixados livres para flutuar no ar, os pedaços de unhas poderiam acabar nos olhos ou - pior ainda – nas narinas ou na garganta de alguém. Hadfield explica o seu truque: cortar as unhas bem perto da grade de ventilação do banheiro da ISS. Ali o ar é aspirado, filtrado e refrescado.

Vídeo: http://youtu.be/xICkLB3vAeU

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Barba e bigode

É preciso cautela para fazer a barba no espaço. Os pelos, com efeito, correm o risco de flutuar inserindo-se nos computadores ou nas narinas de algum colega. Por isso Hadfield mostra no vídeo um creme de barbear especial, de cor azul, utilizado pelos astronautas. Esse creme consegue reter os pelos cortados, sem deixá-los à solta. O barbeador é normal e basta limpá-lo com um tecido. Os bigodes de Hadfield pedem um tratamento especial: para apará-los ele utiliza uma espécie de aspirador que retém os pelos cortados.

Vídeo: http://youtu.be/94-puZit3DA

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Mãos limpas

Da rotina de higiene pessoal faz parte a lavagem das mãos. Para tanto, os astronautas utilizam uma solução de-tergente especial que não produz espuma: aperta-se o tubo, apanha-se uma gota em pleno voo, ela é usada para se esfregar as mãos. Elas são secas a seguir com uma pequena toalha que, a seguir, permanece aberta, de modo que a água retida possa evaporar e ser recuperada pelo sistema desumidificador a bordo.

Vídeo: http://youtu.be/JUUvlnnVMSQ

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Culinária espacial

Depois da toalete, é hora do jantar. Apaixonado por culinária (espacial) Hadfield lançou uma série de vídeos cha-mada “Chris’ Kitchen”. No vídeo abaixo nós o vemos degustando um sanduíche de manteiga de amendoim e mel. Em vez de pão, melhor comer tortilhas, menos friáveis (as migalhas de um pãozinho francês flutuariam por toda parte) e de longa conservação: podem durar até 18 meses. O mesmo para a manteiga de amendoim e o mel. Por fim, na falta de uma pia, lavam-se as mãos com um lenço desinfetante.

Vídeo:http://youtu.be/2vio09T-8qA

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Verdura a bordo

Verduras e legumes são parte essencial da dieta na ISS. Hadfield segura duas confecções com espinafres. Mas como eles são cozinhados? Fácil: segure a confecção contendo espinafres desidratados, coloque-a sob o distribui-dor de água quente, deixe entrar a quantidade justa de líquido, massageie o saquinho e... pronto! Você terá a sua justa ração diária de ferro.

Vídeo: http://youtu.be/P5FuPC6nsH0

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Sarado no espaço

Para queimar o excesso de calorias – e, sobretudo, para manter o corpo em forma num ambiente de ausência de gravidade e prevenir desse modo a perda de força muscular – é preciso um pouco de exercício físico.No vídeo, Hadfield nos dá um exemplo da sua rotina diária de exercícios, praticados sobre uma espécie de estei-ra rolante com a ajuda de cintos para manter o astronauta ligado à sua superfície, e à ARED (Advanced Resistive Exercise Device), um dispositivo para treinar a resistência que funciona mais ou menos como uma máquina para o levantamento de pesos, porém na ausência de peso.

Vídeo: http://youtu.be/Wam7poPzG1w

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A valsa dos macacões

Controlar periodicamente as roupas espaciais faz parte da lista de tarefas dos astronautas da ISS: similares a astronaves em miniatura, elas devem estar sempre em perfeitas condições, prontas para um passeio entre as estrelas. Remove-las e instalá-las sobre uma base, de modo a que possam ser inspecionadas meticulosamen-te, significa trabalho duro em situações de ausência de gravidade. Mas o espírito irônico de Hadfield conseguiu transformar essa tarefa em um divertido teatrinho da vida quotidiana na estação espacial. No vídeo, a “Valsa dos macacões”.

Vídeo: http://youtu.be/aM1xmd0cmDI

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Faxina geral

Depois das muitas atividades durante cada jornada a bordo da ISS, chega o momento da faxina geral. Como re-solver o incômodo causado pelos pequenos acidentes domésticos (como o derrame de algumas gotas de sopa, ou de geleia) no interior da base em órbita? Hadfield mostra tudo isso neste vídeo. Para os danos menores é sufi-ciente usar um pano ou um lenço umidificado. Para as perdas mais perigosas, como a dos líquidos tóxicos guar-dados em reservatórios, utiliza-se um kit anticontaminação composto de óculos, máscara e grandes luvas esté-reis.

Vídeo: http://youtu.be/8Hj3GnPRsJ4

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Sonhar com os anjos

Com 16 crepúsculos e auroras a cada 24 horas – o número de voltas ao globo terrestre que a ISS dá a cada dia – não é fácil saber quando chegou a hora de ir para a cama. Mas Hadfield, como todos os outros astronautas da ISS, dorme segundo um programa diário que prevê um repouso de 8 horas depois de uma jornada de trabalho. Aqui o vemos vestindo um pijama “espacial” no momento de se acomodar em sua própria cabine. No espaço não há necessidade de travesseiros nem de almofadas. Na ausência de gravidade, o viajante entra num saco de dor-mir colado a uma parede, no interior do qual pode-se relaxar e dormir sem o risco de sair flutuando. As cabines são à prova de som. Cada uma delas é dotada de um PC portátil com o qual pode-se ouvir música. O ambiente é bastante arejado, para compensar a bolha de anidrido carbônico que pode permanecer estacionária, por causa da ausência de gravidade, nas proximidades do rosto dos astronautas.

Vídeo: http://youtu.be/UyFYgeE32f0

DES

CO

BER

TA

REALIDADE AUMENTADAQuando o virtual se mistura ao real

ituação um, em um futu-ro não muito distante: você está em uma praça, com seus óculos iguais aos do Arnold Schwarzenegger nos filmes da série O Exterminador do Fu-turo. Em seu campo de visão, o acessório aponta nomes e

histórias de objetos, identifica algumas pessoas e lhe dá informações sobre elas. Você olha para o outro lado e o mesmo tipo de informação já está em sua lente, em questão de poucos segundos.

Situação dois: você está num restauran-te, com seu celular com câmera digital embutida. Ao apontar o aparelho para

uma pessoa, ele, em poucos minutos, lhe mostra algumas informações reunidas sobre ela, com base em perfil das redes sociais Facebook e Twitter.

Embora a última cena pareça tão futu-rista quanto a primeira, ela já acontece em países europeus e asiáticos e tam-bém pode ser muito popular no Brasil. O reconhecimento de uma pessoa a sua as-sociação a um perfil virtual é um exem-plo de realidade aumentada aplicada à telefonia móvel.

Realidade aumentada é quando o ele-mento virtual (informações pessoais do Facebook e do Twitter, por exemplo) interage com o objeto real (pessoa no restaurante), de modo a ampliar sua percepção do real. Resultado: agora, você conhece informações sobre as pes-soas ao seu redor que, num cenário me-nos tecnológico, não saberia. Muitas das aplicações de realidade aumentada usa-das hoje são peças publicitárias e mar-queteiras. Um exemplo disso é a campa-nha da indústria alimentícia Elma Chips para o salgadinho Doritos Sweet Chilli. Na embalagem do produto há um sím-bolo de realidade aumentada, chamado também de marcador fiducial, que serve como um código de reconhecimento

STecnologia amplia nosso conhecimento sobre o mundo, dando-nos a visão expandida da realidade.

texto: equiPe oásis

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para a webcam. É só acessar o site da promoção Do-ritos Lovers, colocar a imagem na frente da câmera e esperar alguns minutos para que um monstrinho saia do seu ovo no ambiente virtual. O diferencial dessa campanha é que a criatura pode ser exportada para a rede social Orkut e interagir com os monstros dos amigos.

Tira-gosto

Aqui vai um experimento caseiro bem simples. Você vai levar a webcam a reconhecer um marcador fidu-cial, fazendo com que a imagem correspondente a ele (escolhida por você) apareça na tela. Serão necessá-rios um computador, uma webcam, impressora e co-nexão à internet. Acesse o site www.ezflar.com/gen

Imprima a página com o logo preto com uma carinha feliz. Clique no botão “escolher arquivo” ao lado des-sa carinha. Selecione uma imagem do seu computa-dor e clique “ok”.

Agora, espere o site reconhecer sua webcam. Depois disso, aparecerá uma tela de vídeo.Coloque a imagem do marcador fiducial em frente à câmera. E olhe na tela. No lugar da imagem do mar-cador, aparecerá aquela que você escolheu. Ao mo-ver a folha, o espaço correspondente ao símbolo será preenchido com a imagem escolhida.

O mesmo tipo de recurso foi usado em jogos atuais, como Eye of Judgement, para a plataforma PlayS-tation 3. Ao colocar as cartas diante da câmera, aparece um monstrinho animado na tela. Charme semelhante foi usado em cardgames de esporte. No mundo virtual, jogadores se erguem do card.A realidade aumentada atingiu até os amantes de calçados esportivos. A Adidas investiu nos jogos com esse recurso lançando a linha 523 Augmen-ted Reality, cujos tênis possuem um marcador na língua. Quando o usuário acessa o espaço Origi-nals Neighbourhood do site oficial da marca e põe o produto em frente à webcam, consegue acessar jogos. No primeiro jogo desenvolvido, o Stormtro-oper take down, inspirado em Star Wars – Guerra nas Estrelas, a pessoa deve disparar balões de tinta nos soldados brancos.Hoje em dia, os mecanismos mais comuns para se criar um cenário de realidade aumentada são we

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bcam e computador, em virtude da maior facilidade de aquisição. Martha Gabriel, diretora de tecnologia da New Media Developers e professora de pós-gra-duação da Business School São Paulo, da Universida-de Anhembi-Morumbi, do Senac e do Centro Univer-sitário Belas Artes, explica que, alguns anos atrás, só era possível haver essa interação entre a realidade e o digital com óculos e outros equipamentos espe-ciais muito caros, acessíveis apenas a governos e a algumas universidades. Com o aumento de celulares, webcams, conexão à internet em banda larga e o ba-rateamento desse tipo de tecnologia, é esperado que a realidade aumentada esteja mais presente no dia a dia. “Mas a gente tem vários outros mecanismos, como câmeras com óculos, lentes de contato, brace-letes, sensores de movimento e dispositivos de som”, conta ela.

A empresa canadense Arcane Technologies aposta no Mirage, um dispositivo semelhante a um binóculo com duas telas, uma para cada olho, que mostra uma animação de realidade aumentada em três dimen-sões. É possível usá-lo, por exemplo, para fazer re-cortes diferentes, e de vários ângulos, do cérebro de uma pessoa em uma cabeça de manequim. Em breve, esse tipo de tecnologia pode ajudar a sobrepor um exame de raio X no corpo de uma pessoa na mesa de operação, ajudando o médico a encontrar os pontos exatos para a cirurgia.Cientistas da Universidade de Washington, nos Es-tados Unidos, têm trabalhado em uma lente de con-tato movida a energia solar para funcionar como um mecanismo para realidade aumentada. Ao olhar para

um marcador fiducial, o conteúdo – imagem ou tex-to – aparece nos olhos do usuário. Por enquanto, o mecanismo só foi testado em coelhos.

Uma aplicação da realidade aumentada já dispo-nível atualmente é o navegador de internet (bro-wser) para celular chamado Layar. “É um browser de realidade aumentada para Android (o sistema operacional para celulares do Google) e iPhone. Ele funciona da seguinte maneira: você está numa pra-ça e o Layar mostra onde tem hospital, hotel, etc.”, exemplifica Martha. Ela também cita os aplicativos para celular que mostram quais pessoas com perfil em redes sociais estão na região. Outro mecanismo cobiçado por empresas é o desenvolvimento de um óculos especial que auxilia na manutenção do mo-tor de um carro, por exemplo. Usando realidade au-mentada, ele dá instruções para que o proprietário do veículo realize a manutenção assistida.Marcadores de realidade aumentada

É o símbolo que codifica o acesso a determinada informação. Pode ser uma figura, uma cor, um mo-vimento e até um rosto! Em alguns aplicativos para celular, os monumentos são o marcador para apa-recer as informações sobre ele (como história) na tela do aparelho.

Martha Gabriel afirma que a tecnologia de reco-nhecimento de rosto ainda tem de ser aprimorada, pois o sistema ainda não consegue acompanhar as mudanças físicas de uma pessoa automaticamente. “Tecnologias baseadas em biometria são tão desa

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fiadoras quanto as modificações que um dado biomé-trico pode sofrer. Assim, é bastante difícil manter a confiabilidade de voz e face, pois elas se modificam bastante. Já a íris do olho, o DNA e as impressões digitais são dados biométricos estáveis. As tecnolo-gias que se baseiam em dados biométricos precisam levar em consideração suas variações”, explica.

Impressionado? Pois Martha ainda comenta que es-sas aplicações são “fichinhas” perto do potencial tecnológico esperado. E o que mais se pode aguar-dar em termos de realidade aumentada? “Você pode começar a conectar tudo no seu cérebro por meio de um chip de nanotecnologia. Com ele, você pode pe-gar informações do mundo digital e aumentar qual-quer coisa do real”, reflete.

O termo realidade aumentada foi criado há cerca de 30 anos e hoje está inserido no conceito de realidade mista, criada nos anos 1990 por Paul Milgram. Rea-lidade mista consiste em objetos virtuais interagindo com o real. Há quatro graus de interação: realidade total (a que vivemos), realidade aumentada (virtual ajuda a ampliar o real), virtualidade aumentada (real

ajuda a ampliar o virtual) e realidade virtual total (quando a consciência está no virtual). Nenhuma dessas três últimas realidades foi 100% explorada, por falta de aparatos tecnológicos e pesquisa. Ima-gine conseguir fazer com que nossa mente faça par-te de um computador e que pudéssemos ingressar e ter vivências em um mundo virtual, como no filme Matrix? Um dia veremos isso acontecer, mas não há como prever quando será possível.

Martha aponta que um dos problemas em termos de realidade aumentada é a falta de pessoas explo-rando seu potencial. “É também um desafio, porque sempre que você dirige a câmera para algo, aparece uma animação, que tem de ser feita antes”, explica. Então, há um trabalho muito maior por trás da re-alidade aumentada. Quantas animações e informa-ções não seriam necessárias para identificar todos os objetos que compõem uma cidade do porte de Nova York, Tóquio, São Paulo ou Rio de Janeiro?

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Outro problema relacionado à realidade aumenta-da é a utilização indiscriminada dos seus recursos para montar animações que não estejam ligadas a um conceito de trabalho específico. “É um proble-ma quando há o uso da tecnologia pela tecnologia”, critica Martha. “É preciso usá-la quando faz senti-do e não porque é moda. Porque daqui a pouco as pessoas vão achar que a realidade aumentada é algo bobo, porque não é feita para aplicações que façam sentido. Quando começa a usar uma tecnologia para qualquer coisa e começa a virar algo vazio.” A ba-nalização e o uso superficial da tecnologia podem diminuir as apostas na área. E, pelo contrário, há muito o que se fazer para que a realidade aumenta-da facilite nossas vidas.

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MINHA FUGA DA COREIA DO NORTERelato de uma sobrevivente

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yeonseo Lee nas-ceu e cresceu na Coreia do Norte.

Quando criança acreditava que seu país era “o melhor do planeta”. Foi apenas após o período de fome da década de 90 que ela começou a se questionar. Hyeon-seo fugiu do país em 1997, aos quatorze anos, passando a viver em clandestinida-de, como refugiada na China. Seu relato ao TED é uma angustiante e particular história de sobrevivência e esperança - e um poderoso lembrete a respeito daque-les que enfrentam perigo constante, mes-mo após terem conseguido cruzar a fron-

HHistória comovente contada pela jovem refugiada Hyeonseo Lee, que escapou da coreia do norte e hoje vive em seul. mas nem tudo são rosas para ela na pujante capital da coreia do sul

Vídeo: ted-ideas Worth sPreadinGtradução Para o PortuGuês: Leonardo siLVa. reVisão: nadJa nathan

teira. Hyeonseo Lee vive hoje na Coreia do Sul, onde se tornou ativista em prol dos novos refugiados. Hoje, ela ainda luta para organizar sua vida na vibrante capital sul-coreana, Seul. Os fugitivos da Coreia do Norte costumam ter dificuldades para se adap-tar ao novo lar. “Nós, fugitivos do Nor-te, temos de recomeçar do zero. Existe muito preconceito contra os que vêm do Norte, e os obstáculos para se sobreviver no Sul são muitos”, diz Hyeonseo. Hyeonseo é estudante na Hankuk Uni-versity of Foreign Studies, em Seul. Ela já atua como advogada para outros re-fugiados, inclusive ajudando parentes próximos a abandonar a Coreia do Norte quando são detectados pela polícia como inimigos do governo.

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Tradução integral da palestra de Hyeonseo Lee no TED

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Tradução integral da palestra de Hyeonseo Lee no TED

“Quando eu era pequena, achava que meu país era o melhor do mundo. Cresci cantando uma canção chama-da "Nada a Invejar" e eu tinha muito orgulho. Na es-cola, passávamos muito tempo estudando a história de Kim II-Sung, mas nunca ouvíamos falar muito do mun-do lá fora, exceto que os EUA, a Coréia do Sul e o Japão eram inimigos. Embora eu muitas vezes tivesse curiosi-dade a respeito do mundo externo eu achava que passa-ria minha vida inteira na Coréia do Norte, até que tudo mudou de repente.

Quando tinha sete anos, vi pela primeira vez uma exe-cução pública, mas eu achava que a minha vida na Co-reia do Norte era normal. Minha família não era po-bre, e eu, particularmente, nunca tivera a experiência de passar fome.Mas um dia, em 1995, minha mãe chegou em casa com uma carta da irmã de um colega de trabalho. Dizia as-sim, "Quando você ler isso, todos os cinco membros da família não existirão mais neste mundo, porque nós não comemos faz duas semanas. Estamos deitados juntos no chão, e nossos corpos estão tão fracos, que estamos prontos para morrer."

Fiquei muito chocada. Esta foi a primeira vez que fi-quei sabendo que pessoas no meu país estavam sofren-do. Pouco tempo depois, quando eu passava por uma estação de trem, vi algo terrível que não consigo apagar da minha memória. Uma mulher sem vida estava deita-da no chão, enquanto uma criança magra e faminta em seus braços olhava, desamparada, fixamente para o ros-to da mãe. Mas ninguém os ajudava, porque todos esta-vam muito concentrados em cuidar de si mesmos e de

suas famílias.

Uma vasta escassez de alimento atingiu a Co-reia do Norte em meados da década de 1990. No fim das contas, mais de um milhão de norte-co-reanos morreram durante o período de fome, e muitos só sobreviveram comendo capim, insetos e cascas de árvores. Interrupções no fornecimen-to de energia elétrica também se tornaram cada vez mais frequentes, então tudo ao meu redor era completamente escuro à noite exceto pelo mar de luzes na China, logo do outro lado do rio perto da minha casa. Sempre me perguntei por que eles ti-nham luz e nós não. Esta é uma foto de satélite, mostrando a Coreia do Norte à noite, comparada com os países vizinhos.

Este é o rio Amrok, que delimita parte da frontei-ra entre a Coreia do Norte e a China. Como vocês podem ver, o rio é bem estreito em determinados locais, o que permite que norte-coreanos secreta-mente atravessem para o outro lado. Mas muitos morrem. Às vezes eu via corpos boiando rio abai-xo. Não posso revelar muitos detalhes sobre como saí da Coréia do Norte, mas só posso dizer que, durante os anos difíceis de escassez eu fui manda-da para a China para morar com parentes distan-tes. Mas eu achei que só ficaria separada da minha família por pouco tempo. Nunca poderia imaginar que levaríamos quatorze anos até voltarmos a vi-ver juntos.

Na China, era difícil viver sendo uma jovem garo

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ta, sem minha família. Eu não fazia ideia de como se-ria a vida como uma refugiada norte-coreana, mas logo descobri que isso não é apenas extremamente difícil, é também muito perigoso, já que refugiados norte-core-anos são considerados, na China, como imigrantes ile-gais. Por isso eu vivia constantemente com medo de que minha identidade fosse descoberta, e de que eu fosse repatriada e tivesse um destino terrível de volta à Co-reia do Norte.

Um dia, meu pior pesadelo tornou-se real, quando fui pega pela polícia chinesa e levada à delegacia de polícia para ser interrogada. Alguém havia denunciado que eu era norte-coreana, então eles testaram minha habilida-de com a língua chinesa e me fizeram um monte de per-guntas. Eu estava com tanto medo, que achei que meu coração fosse explodir. Se qualquer coisa parecesse ar-tificial, eu poderia ser presa e repatriada. Eu achei que minha vida tinha acabado, mas consegui controlar to-das as emoções dentro de mim e responder às pergun-tas. Depois que eles terminaram de me fazer pergun-tas, um funcionário disse para o outro, "Foi uma falsa denúncia. Ela não é norte-coreana". E eles me deixaram ir. Foi um milagre.

Alguns norte-coreanos na China buscam asilo em em-baixadas estrangeiras, mas muitos geralmente são pe-gos pela polícia chinesa e repatriados. Estas garotas tiveram muita sorte. Mesmo tendo sido pegas, elas acabaram sendo liberadas após intensa pressão inter-nacional. Estas norte-coreanas não tiveram tanta sor-te. Todos os anos, inúmeros norte-coreanos são pegos na China e repatriados à Coreia do Norte, onde são tor-

turados, presos ou executados em público.

Apesar de eu ter sido realmente feliz em conse-guir escapar, muitos outros norte-coreanos não tiveram a mesma sorte. É dramático que norte--coreanos tenham que manter sua identidade em segredo e lutar tanto apenas para conseguir so-breviver. Mesmo após aprender uma nova língua e conseguir um emprego, suas vidas podem virar de cabeça para baixo num instante. É por esta razão que, após dez anos mantendo minha identidade em segredo, decidi correr o risco de ir para a Co-reia do Sul, e comecei uma nova vida outra vez.

Estabelecer-me na Coreia do Sul foi muito mais desafiador do que eu esperava. A língua inglesa

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é tão importante na Coreia do Sul, que eu tive de co-meçar a aprender minha terceira língua. Além disso, percebi que havia uma grande diferença entre o norte e o sul. Todos somos coreanos, mas internamente, nós nos tornamos muito diferentes devido a sessenta e sete anos de separação. Eu até passei por uma crise de iden-tidade. Sou sul-coreana ou norte-coreana? De onde eu sou? Quem eu sou? De repente, não havia país al-gum que eu pudesse ter o orgulho de chamar de meu.

Apesar de não ter sido fácil adaptar-me à vida na Coreia do Sul, eu tracei um plano. Eu comecei a estudar para a prova de ingresso na universidade.Quando estava começando a me acostumar com minha vida nova, recebi um telefonema chocante. As autorida-des norte-coreanas interceptaram uma quantia em di-nheiro que enviei para minha família e, como punição, minha família ia ser removida à força para um local ermo do interior do país. Eles tinham que fugir rapi-damente, então comecei a pensar em uma maneira de ajudá-los a escapar.

Os norte-coreanos têm de viajar distâncias incríveis a caminho da liberdade. É quase impossível cruzar a fronteira entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, en-tão, ironicamente, peguei um voo de volta para a Chi-na e fui em direção à fronteira com a Coreia do Nor-te. Já que minha família não sabia falar chinês, eu tinha que conduzi-los, de alguma forma, por mais de 3.200 quilômetros na China em direção ao sudeste da Ásia. A viagem de ônibus levou uma semana, e por diversas ve-zes quase fomos pegos. Uma vez, pararam nosso ôni-bus e um policial chinês entrou. Ele pegou a carteira

de identidade de todos, e começou a fazer pergun-tas. Como minha família não entendia chinês, eu achei que minha família seria presa. Quando o po-licial chinês se aproximou de minha família, eu me levantei por impulso, e disse a ele que eles eram surdos-mudos, que estavam em minha compa-nhia. Ele olhou para mim com desconfiança, mas felizmente acreditou em mim.

Nós conseguimos chegar até a fronteira com o Laos, mas tive de gastar quase todo o meu di-nheiro para subornar os guardas da fronteira no Laos. Mas mesmo depois de termos atravessado a fronteira, minha família foi detida e presa por cruzar a fronteira ilegalmente. Depois que paguei multa e suborno, após um mês minha família foi liberada, mas logo em seguida, minha família foi detida e presa novamente na capital do Laos.

Este foi um dos piores momentos da minha vida. Eu fiz tudo para trazer minha família à liber-dade, e chegamos tão perto, mas minha família foi lançada na prisão bem perto de chegar à embai-xada da Coreia do Sul. Eu ia para lá e para cá, en-tre o escritório da imigração e a delegacia de po-lícia, tentando desesperadamente libertar minha família, mas eu não tinha dinheiro suficiente para subornar ou pagar mais multas. Perdi toda a espe-rança.

Naquele momento, ouvi a voz de um homem me perguntar, "O que foi que houve?"Eu fiquei muito surpresa que alguém completa

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mente desconhecido se importasse em perguntar. Em meu inglês ruim, e com um dicionário, eu expliquei a situação, e sem hesitar, o homem foi até o caixa eletrô-nico e pagou a quantia que faltava para que minha fa-mília e outros dois norte-coreanos saíssem da prisão.

Eu lhe agradeci de todo meu coração, e lhe pergun-tei, "Por que você está me ajudando?""Eu não estou te ajudando," ele disse. "Estou ajudando o povo da Coreia do Norte."Eu percebi que este era um momento simbólico em mi-nha vida. O gentil desconhecido simbolizava nova es-perança para mim e para o povo da Coreia do Norte no momento em que mais precisamos, e ele me mostrou que a bondade de pessoas desconhecidas e o auxílio da comunidade internacional são verdadeiramente os raios de esperança que nós, o povo norte-coreano, precisa-mos.

Por fim, depois de nossa longa jornada, eu e minha fa-mília nos unimos novamente na Coreia do Sul, mas al-cançar a liberdade é apenas metade da batalha. Muitos norte-coreanos são separados de suas famílias, e quan-do eles chegam em um novo país, eles começam com pouco ou nenhum dinheiro. Então podemos aproveitar o auxílio da comunidade internacional para educação, capacitação em língua inglesa, capacitação profissio-nal, e mais. Podemos ainda atuar como ponte entre as pessoas dentro da Coreia do Norte e o resto do mun-do, porque muitos de nós mantemos contato com fa-miliares que ainda estão lá, e mandamos notícia e di-nheiro, o que está ajudando a mudar a Coreia do Norte internamente.

Eu tive tanta sorte, recebi tanta ajuda e inspiração em minha vida, que eu quero ajudar a proporcio-nar aos desejosos norte-coreanos uma chance de progredir com ajuda internacional. Eu tenho cer-teza de que vocês verão cada vez mais norte-core-anos tendo êxito em todo o mundo, inclusive no palco do TED.”

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