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Homeopatia
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A doutrina homeoptica, tal como formulada porHahnemann, pode resumir-se nas seguintes afirmaes:
Portanto, imprescindvel ter-se uma idia acuradaacerca do que a vitalidade.
Embora todas as partes componentes do corpohumano encontrem-se em outras partes da natureza,agem juntas em sua unio orgnica para o desenvolvi-mento pleno da vida e demais determinaes humanasnuma forma to divergente e singular (para a qual s setem o termo vitalidade Vitalitt), que essa forma es-pecial (vital vitale) de reao das partes entre si e como mundo externo no pode ser julgada nem explicadapor nenhuma outra regra alm da que a prpria vidafornece... (HAHNEMANN, 1808: 502-3)
As substncias materiais de que o organismo huma-no est composto no mais seguem nesta combinao vi-
Alm do Princpio da Vida
Silvia Waisse Priven*
ResumoA vitalidade um conceito-chave em Homeopatia.Entretanto, sua conceitualizao no universo homeo-ptico no tem acompanhado a evoluo cientfica dosconceitos associados de matria, fora e energia. A au-tora discute o conceito de vitalidade de Hahnemannem funo das condies de contorno estabelecidas pe-los conceitos cientficos de sua poca. A seguir, apresen-ta algumas concepes contemporneas a respeito doestatuto do vivo, que afirmam que a vida implica emprocessos de comunicao. Essa tese sugerida por umamplo espectro de pesquisadores, desde os represen-tantes do establishment das cincias da vida, at aborda-gens mais polmicas, como a biosemitica e a homeo-ptica. A tese do carter semitico interpretativo davida pode estar na base da validao da Homeopatiadentro do framework da cincia convencional.
AbstractVitality is a key-idea in Homeopathy. Yet, its formulati-on in the homeopathic milieu has not kept up with the sci-entific development of related notions matter, force andenergy. The author discusses Hahnemanns conception ofvitality according to the scientific framework of his time.This is followed by an analysis of contemporary concepti-ons concerning the status of living things, which state thatlife amounts to communicative processes. This notion isheld by a wide range of scholars, from the biological esta-blishment to more polemical biosemioticians and homeo-paths. Life as a semiotic-interpretative process may pointto the path for Homeopathys validation within the fra-mework of regular science.
Palavras-ChaveVitalidade - Semitica - Biologia - Homeopatia
KeywordsVitality - Semiotics - Biology - Homeopathy
* Mdica homeopata; mestre e doutoranda em Histria da Cincia PUC-SP [email protected]
Sade = equilbrio da vitalidade.
Doena = alterao da vitalidade.
Medicamento = substncia capaz de agir sobre a vitalidade.
Cura = re-equilbrio da vitalidade.
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va as leis a que esto sujeitas as substncias materiais mor-tas; mas seguem apenas s particulares vitalidade (Vita-litt), esto animadas e vivificadas assim como o sistematodo est animado e vivificado.Aqui reina uma fora1 fun-damental onipotente, sem nome, que suspende toda ten-dncia das partes componentes do corpo a seguirem as leisda presso, do impulso, da fora da inrcia, da fermenta-o, da putrefao, etc., e as coloca sob as leis da vida ex-clusivamente ... (HAHNEMANN, 1813: 639)2
Hahnemann enftico em sua insistncia acerca deque no necessrio nem possvel se ocupar da for-a vital, e afirma:
Portanto, tudo quanto o mdico pode saber arespeito de seu objeto, o organismo vital, e tudo quan-to precisa saber, est sintetizado naquilo que os maissbios entre ns, como um Haller, um Blumenbach,um Wrisberg, compreenderam e ensinaram sob o t-tulo de fisiologia e que podemos chamar de o conhe-cimento emprico da vitalidade. (HAHNEMANN,1808: 505)3
O que ensinavam os mais sbios entre ns?Albrecht Von Haller (17081777), segundo os estu-
diosos, foi um estrito defensor do mecanicismo newto-niano. Para ele, a fisiologia era a cincia do movimentonos corpos vivos, movimentos esses baseados em forasmecnicas. Portanto, a tarefa do fisiologista consistiaem explicar as foras
... atravs das quais as formas das coisas recebidaspelos sentidos so apresentadas alma; atravs dosquais os msculos, governados pelas ordens da mente,tm fora por sua vez; as foras atravs das quais o ali-mento transformado em tantos tipos diferentes de su-cos; e atravs das quais, finalmente, destes lquidos tan-to nossos corpos so preservados, quanto a perda nasgeraes humanas substituda por nova descendn-cia. (Haller apud ROE, 2002: 9697)
Em sntese, uma descrio daqueles movimentosatravs dos quais ativada a mquina animada. Fisio-logia anatomia animada. (Ibid.: 97).
Embora reconhecesse que ... na mquina animal h muitas coisas que so
muito diferentes das leis mecnicas comuns... nem porisso acredito em que h que se descartar as leis que go-vernam as foras que esto fora do corpo animal; sugi-ro que nunca sejam transferidas para nossas mquinascorporais animadas, a no ser que os experimentosconcordem. (Ibid.: 97)
A estudiosa Shirley Roe explica esta aparente con-tradio, dizendo que Haller era mecanicista, mas noreducionista. Vale dizer, no tentou reduzir a fisiologia mecnica, mas props-se a criar uma mecnica ani-mal especfica, cujas leis operariam da mesma formaque as leis fsicas, entretanto, no teriam que ser neces-sariamente as mesmas. Nos organismos vivos poderiahaver foras que no se encontram na matria bruta,contudo, operariam mecanicamente igual que as fsi-cas. (ROE, 2002: 97)
Essas foras no eram prprias da matria, mas te-riam sido impostas a ela pelo Criador.4 Igualmente, eraimpossvel se conhecer a natureza ntima das foras domovimento.
Estas teses refletem a influncia de Newton sobre opensamento de Haller. Newton explicava que o mto-do correto em cincia consistia na observao e expe-rimentao sem se imaginar hipteses. Isto precisa-mente o que Haller fez, insistindo na importncia deobservao e experimentao, ao mesmo tempo emque guardava absoluto silncio a respeito das eventua-is causas das foras nos seres vivos. Entretanto, elas er-am constatveis, assim como a gravidade, atravs deseus efeitos:
... para os quais, alm do mais, desnecessrioatribuir causa alguma, assim como nenhuma causaprovvel da atrao ou a gravidade atribuda mat-ria. uma causa fsica... descoberta atravs de experi-mentos, que so evidncia suficiente para se demons-trar sua existncia. (Haller apud ROE, 2002: 99)
Roe explica que a analogia com a gravidade eracomum entre os fisiologistas, mas no caso de Haller,este uso mais especfico, ultrapassando a mera ana-logia: a matria s possui o princpio passivo de inr-cia, portanto, precisa do acrscimo de foras. Essas
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1. Kraft, no original. Infelizmente, a traduo de Dudgeon, power (DUDGEON: 617) pode sugerir que Hahnemann no utilizavanesta poca ainda o conceito de fora. Esse mal entendido e duplamente esclarecido: neste mesmo artigo, Hahnemann utiliza explici-tamente o termo Lebenskraft - fora vital , Cf. p. 640, sendo corretamente traduzido desta vez por Dudgeon (DUDGEON: 618). O fatoque Hahnemann afirme uma vez que se trata de uma fora sem nome e outra vez fora vital, sugere que este ltimo termo utiliza-do para se referir, de forma genrica, a uma fora caracterstica da vida, diferente das foras constatveis na matria bruta, e no paralhe dar um estatuto ontolgico definido.
2. Hahnemann editou uma segunda verso do Esprito da Doutrina, Geist der hompatischen Heil-Lehre, publicado em 1833 na 3parte da Matria Mdica Pura. Neste texto, mantm ambos os termos, namenlos e Lebenskraft. (HAHNEMANN, 1833: 842-843).
3. No mesmo artigo menciona o arqueu de Van Helmont e a alma corporal de Stahl como produtos da fantasia. Cf. p. 503.4. Este argumento aparentemente bastaria para qualificar Haller como vitalista: a matria orgnica seria movida por foras superim-
postas a ela. Entretanto, esta tese , precisamente, o argumento principal do Mecanicismo clssico, tal como formulado pelo prprioDescartes. Margulies & Sagan explicam que o problema fundamental do Mecanicismo sempre foi justificar a origem primeira do movi-mento e que sempre se viu obrigado a recorrer ao Criador ou a outras entidades sobrenaturais. (MARGULIES & SAGAN, 2000: 7-8)
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foras, tanto para Newton quanto para Haller, tmorigem no Criador.
Estas idias de Haller geraram um ardente debatecom Caspar F. Wolff (17341794). Este autor serve ain-da como ponte com Blumenbach, como veremos daquia pouco.
Wolff estava firmemente convencido de que a vidano se reduzia a princpios mecnicos. Mas, do outrolado, tambm no era explicvel atravs da alma, tal co-mo concebida por Georg E. Stahl e o tambm animista,Robert Whytt. Para explicar os fenmenos vitais, apelapara uma vis essentialis. Ciente de no ter explicado suanatureza, afirma:
Basta para ns saber que est l e reconhec-la apartir de seus efeitos... No nome que lhe damos, h ain-da menos, s devo lembrar vocs que atravs destafora que todas as coisas acontecem no corpo vegetati-vo, motivo pelo qual lhe atribumos vida; com base nis-so chamei-a de fora essencial desses corpos... (Wolffapud ROE, 2002: 114)
Anos mais tarde, lanou um concurso patrocinadopela Academia de Cincias de S. Petersburgo, que foivencido por Johann F. Blumenbach (17521840) e CarlF. Born:Qual a natureza desta fora? Em primeiro lu-gar, a mesma que a fora atrativa universal dos corpos,e se no, como difere dela e exclusiva da substncia vi-va? Se for certo isto ltimo, quais so seus efeitos parti-culares, quais propriedades a distinguem da fora atra-tiva universal? (Wolff apud ROE, 2002: 115)
Para Blumenbach, a organizao biolgica no eradevida ao de uma fora sui generis acrescentada matria, mas define as foras vitais (j que ele reconhe-cia vrias) como um tipo de fora newtoniana, espec-fica do mundo biolgico:
Considero suprfluo lembrar a maioria dos leitoresde que a palavra Bildungstrieb, como as palavras atra-o, gravidade, etc., deve servir, nem mais nem menos,que para representar uma fora cujo efeito constante reconhecido atravs da experincia, mas cuja causa, as-sim como as das foras mencionadas acima e as forasnaturais reconhecidas habitualmente, para ns umaqualitas oculta ... O servio prestado pelo estudo de taisforas consiste em que se possa, apenas, determinarmais cuidadosamente seus efeitos e reuni-los sob leis ge-rais. (Blumenbach apud RICHARDS, 2000: 24)
O historiador da cincia Timothy Lenoir reconheceneste texto a linguagem do Scholium Geral dos PrincipiaMathematica de Newton e conclui que o objetivo de Blu-menbach era fazer pelos corpos orgnicos o que Newtonhavia feito pela matria inerte.(LENOIR, 1989: 21)
O historiador da cincia Robert J. Richards explicaque, inicialmente, Blumenbach havia concebido a Bil-dungstrieb como agente vital independente, que dotava amatria de propriedades vitais especiais, uma conceposimilar de Wolff. Entretanto, mais tarde a reformula co-mo o paralelo orgnico da fora de atrao de Newton.
A chave dada por referncia explcita de Blumen-bach ptica de Newton, em que escreve: Portantoutilizo este termo, atrao, para ser universalmente en-tendido como qualquer fora pela qual os corpos ten-dem naturalmente uns para outros, sem importar quala causa atribuda a esta fora. (Newton apud RI-CHARDS, 2000: 24)
Vale dizer, Blumenbach afirma, categoricamente,que a Bildungstrieb uma fora real, existente, com aressalva de que no podia ser conhecida diretamen-te, nem em suas causas, mas apenas atravs de seusefeitos: propriamente uma fora (eigentmlicheKraft) cuja existncia incontestvel e seus efeitos ex-tensivos so aparentes na natureza inteira e reveladosatravs da experincia(Blumenbach apud RI-CHARDS, 2000: 24)
neste contexto5 como o prprio Hahnemannexplica que se deve compreender sua prpria concei-tualizao da fora vital, tal como expressa na 6 ediodo Organon:
O organismo material, pensado sem fora vital, incapaz de qualquer sensao e funo*; s o ser imate-rial que anima o organismo material (o princpio vital,a fora vital) lhe confere toda sensao e realiza suasfunes vitais.
* Est morto e submetido, exclusivamente, ao poderdo mundo fsico exterior, apodrece e se decompe emseus componentes qumicos.(HAHNEMANN,1995: #10)
O que influncia dinmica? [Fenmenos quepercebemos atravs de nossos sentidos], mas que nopercebem de qu modo ocorrem. Sem dvida, noacontecem atravs de instrumentos materiais nem dis-posies mecnicas....vemos ao nosso redor, muitosoutros acontecimentos como resultado do efeito deuma substncia sobre outra, sem que possamos reco-nhecer uma relao causa efeito perceptvel. [Exem-plo: o m.] (HAHNEMANN, 1995: nota ao #11)
Sendo, porm, o organismo o instrumento mate-rial da vida, ele tampouco concebvel sem a animaopela Dynamis instintiva... tanto quanto a fora vital semo organismo; portanto, ambos constituem uma unida-de (Einheit), embora no pensamento separemos estaunidade em dois conceitos a fim de facilitar sua com-preenso. (HAHNEMANN, 1995: #15)
5. A hiptese da orientao newtoniana da concepo de Hahnemann j foi comentada por M.A. Bessa (1996: 10).
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O leitor pode se perguntar Muito interessante,mas para qu necessrio se estudar um debate toantiquado?
Justamente por ser antiquado.Outros autores j tm ressaltado a permanncia de
anacronismos no pensamento homeoptico. O fato que, em pleno sculo XXI, partes do mundo homeop-tico continuam conceitualizando a autonomia da vidatal como se fazia no sculo XVIII, indiferentes a todasas mudanas produzidas nos conceitos bsicos de ma-tria, fora e energia nos ltimos dois sculos. Este umdos motivos que tornam a homeopatia epistemologica-mente discutvel.
Como mero exemplo: ouvimos freqentementehomeopatas falarem que o medicamento homeopti-co energtico, como se a diluio, triturao e su-cusso transformassem a matria em energia (e ape-la-se para justificar isto ... equao de Einstein!). Seassim fosse, a Homeopatia no teria descoberto ape-nas uma nova forma de medicina, mas forneceria aresposta ao problema das fontes de energia no mun-do contemporneo. No mais petrleo, no mais rea-tores nucleares, mas laboratrios homeopticos. Uminteressante jogo, imaginar todas as conseqnciaspolticas, sociais e econmicas, etc. se fosse certo quea manipulao homeoptica capaz de transformar,de forma to barata e ecologicamente limpa, a mat-ria em energia.
A questo acerca de por que alguns objetos da na-tureza so inanimados enquanto outros so vivos equais so as caractersticas especiais dos organismosvivos, foi colocada desde a Antigidade. Ao longo dahistria, perfilaram-se duas tendncias bsicas a esserespeito: de um lado, aquela que sustentava que essaautonomia no existe, vale dizer, que todos os fen-menos, tanto os da matria viva quanto os da bruta,podem ser abordados e conceitualizados da mesmaforma, e aquela que defendia a irredutibilidade abso-luta dessa autonomia. Ambas as abordagens coexisti-ram ao longo dos diversos perodos histricos, ora si-multaneamente rivais, ora alternando-se no que dizrespeito hegemonia.
A partir do sculo XVII, essas linhas tomam a for-ma do debate Mecanicismo Vitalismo: ou os organis-mos so meras mquinas e podem ser explicadosatravs das leis da Fsica e da Qumica, ou h processosnos seres vivos que no obedecem s leis da Fsica e daQumica, mas a leis prprias da vida.
Para os bilogos contemporneos, o conflito Meca-nicismo Vitalismo foi resolvido na metade do sculoXX, aproximadamente:
a) Porque foi possvel explicar em termos fsicos equmicos todos os fenmenos que de acordo com os vi-talistas exigiam fatores desconhecidos e incognoscveis.
b) Porque se rejeitou a verso grosseira do Mecani-cismo, segundo a qual os animais so meras mquinas.
Os bilogos reconhecem que os organismos so di-ferentes da matria inanimada. Nada h nos processos,funes e atividades dos seres vivos que esteja em con-flito com as leis fsicas e qumicas nem fora delas. En-tretanto, nos organismos h muitas caractersticas queinexistem no mundo dos objetos inanimados. De for-ma que o aparelho explicativo das cincias fsicas in-suficiente para dar conta de seres vivos complexos. Osfenmenos da vida tm um escopo muito mais amplo
que o dos fenmenos relativamente simples com que
lidam Fsica e Qumica.6 (MAYR, 2000: 3276)Qual seria uma abordagem cientfica autnoma
dos processos da vida?A descoberta da estrutura do DNA em 1953 e o
posterior decifrado do cdigo gentico produziram obreakthrough (descoberta chave) na compreenso docarter semitico da vida. O cdigo gentico habitu-almente referido como uma linguagem. Explicam Be-adle & Beadle em seu The Language of Life: An Introduc-tion to the Science of Genetics:
... o deciframento do cdigo do DNA revelou quepossumos uma linguagem muito mais antiga que oshierglifos, uma linguagem to antiga quanto a prpriavida, uma linguagem que a linguagem mais viva detodas, mesmo que suas letras sejam invisveis e suas pa-lavras estejam profundamente enterradas nas clulas denossos corpos. (apud SEBEOK, 1999: 389)
Todos os processos na natureza animada, em qual-quer nvel, da clula ao ecossistema, so processos designificao. Isso no implica em negar suas bases fsi-cas e qumicas, mas apenas em que os processos da vi-da tm uma dinmica semitica. (HOFFMEYER, 1997)
Receptores celulares, o sistema imune, o sistemanervoso, a integrao neuro endcrina, o sistema ner-voso. Todos estes elementos tm que interpretar sig-nos, que podem ser de natureza qumica, eltrica, tr-mica ou mecnica.
O metabolismo uma forma de cdigo em queuma molcula intracelular especfica efetora relacionaacontecimentos intra e extracelulares. o signo intra-celular de um estado particular do ambiente extracelu-lar. O exemplo paradigmtico o AMPc, que aumentadentro da clula da maioria dos micro-organismosquando h uma depleo de carbono. Portanto, aomesmo tempo um agente qumico que conduz infor-mao metablica e um sinal (representa outra coisa):
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age como um mediador numa situao tridica, todoprocesso tridico de mediao implica em semiose.7
O biosemitico Jesper Hoffmeyer explica que huma diferena entre o conceito matemtico e o concei-to semitico de informao. Na matemtica, a infor-mao uma entidade objetivamente existente e men-survel (bytes, etc.). Aplicada biologia, essa tese dizque a informao uma propriedade objetiva de certasmolculas informacionais (DNA, RNA, protenas),vale dizer, a informao est ligada matria e tran-sportvel. (HOFFMEYER, 1997)
Do ponto de vista biolgico semitico, isto no
assim: a informao biolgica inseparvel de seu
contexto, e precisa ser interpretada para ser operati-
va.8 E menciona como exemplo, o fato de que no hrelao direta entre as mensagens codificadas no DNAe a construo do organismo. O DNA descreve a se-qncia de aminocidos do esqueleto da protena. Masmesmo antes desse esqueleto se ensamblar, h proces-sos de edio realizados pelo RNA que podem mudaro contexto do processo. Alm disso, as protenas tm es-trutura tridimensional, que no codificada pelo DNA.Tambm no codificado o lugar certo que cada prote-na ocupar na complexa arquitetura celular. E muitomenos nem quando nem como se dividem, diferenci-am e migram as clulas nos tecidos embrionrios.(HOFFMEYER, 1997)
Ainda segundo Hoffmeyer, a tarefa de uma Biolo-gia unificada dar conta de como o mundo virou umlugar para os seres humanos: como a vida se originoude um mundo no vivo e evoluiu at o tipo atual de en-tidades vivas de todo nvel de complexidade, incluindoo ser humano. Nesse sentido, a Biologia o ponto deencontro entre a Fsica e as Cincias Humanas. Pergun-ta: Por que se deve considerar a Biologia parte das Ci-ncias Naturais? E responde: A Biologia virou uma es-pcie de terra de ningum entre a Fsica e a Semitica.A Biologia deve ser enxergada como a cincia da inter-face onde essas duas cincias se encontram.(HOFFMEYER, 1997)
De acordo com a pesquisadora Agns Lagache,O ser vivo uma estrutura informada informan-
te, uma rede de relaes entre o interior e seu redor.Conseqentemente, alguns elementos biolgicos nodevem ser abordados como coisas materiais, mas comoobjetos semnticos. Um objeto semntico cumpre ascondies de mediao. (LAGACHE, 2004: 8)
Essa a base utilizada por ela e Madeleine Bastidepara construrem o paradigma dos significados corpo-
rais, hiptese que permitiria entre outras coisas, explicaro mecanismo de ao do medicamento homeoptico, deacordo com a lgica dos significados concretos que regeos sistemas de informao. (LAGACHE, 2004: 11)
Com diferenas fundamentais, tambm o pesquisa-dor Jacques Benveniste apontava para a natureza semi-tica dos processos da vida:
A vida depende dos sinais trocados entre molcu-las. Por exemplo, quando voc est zangado, a adrenali-na fala para seu receptor... Na Biologia, as palavras si-nal molecular so utilizadas muito amide. Mas sevoc perguntar at para o mais eminente dos bilogosa respeito de qual natureza fsica deste sinal, ele pare-cer nem ter compreendido a questo, e olhar para vo-c com os olhos bem abertos. De fato, eles se inventa-ram uma fsica rigorosamente cartesiana, prpria deles,to longe da realidade da fsica contempornea quantopossvel... (BENVENISTE, 1998)
A percepo de que o vivo implica em comunicaoexprime-se em todas as reas da cincia e da cultura, as-sim o psicanalista Jacques Lacan enunciou que o incon-sciente estrutura-se como uma linguagem (LACAN,1988: 25) e o historiador da cincia Georges Cangui-lhem, mensagens, informaes, programas, cdigos,instrues, decodificaes: estes so os novos conceitosnas cincias da vida. (apud ROSENBAUM, 2000: 135)
Inclusive, no plo epistemologicamente duro daBiologia, o consenso atual afirma a natureza essencial-mente informacional dos processos da vida. To aceita essa tese que o qumico biofsico Manfred Eigen dis-cute aspectos dos processos da transmisso da informa-o, sem precisar justificar a tese bsica. Reaes qumi-cas e seleo natural so recursos para gerar, conservare transmitir informao. (EIGEN, 1997: 19)
Para poder fixar a informao, do ponto de vistaestrutural, classes definidas de smbolos so necessrias,como as letras de um alfabeto... Alm disso, precisamosdas conexes entre os smbolos das palavras em forma-o e as regras de sintaxe que arranjam as palavras cri-ando sentenas. Facilidades para ler as sentenas sotambm necessrias... (Ibid., p. 19)
Conclui explicando que o mais revolucionrio nadescoberta da estrutura do DNA que a interao me-ramente qumica dos pares de bases permite transcen-der a qumica, pois as unidades qumicas agem essen-cialmente como smbolos de informao.
E por se falar na descoberta do DNA, James Wat-son e Francis Crick reconheceram que foi a antecipa-o de Erwin Schrdinger acerca de que o cromosso-
7. Relao tridica aquela em que dois elementos so relacionados por um terceiro. A relao tridica caracterstica da semiose, naqual sempre h um terceiro elemento, o intrprete, que relaciona o veculo e o contedo do signo. (PEIRCE, 2003: 9-18)
8. Negrito da autora.
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Agradecimentos ao Prof. Dr. Robert J. Richards pela disponibilizao de seu artigo, Dra. Maria Thereza C. G. do Amaral
pela reviso do original, e ao Dr. Paulo Rosenbaum por seus comentrios e o acesso a sua tese de qualificao.
mo era uma mensagem escrita em cdigo que os per-suadiu a abordar essa rea de estudos, e sob essa hip-tese diretriz. (GOULD, 1997: 36)
Os bilogos John Maynard Smith e ErsSzathmry assumem como fato que a essncia da here-ditariedade dos seres vivos consiste na transmisso deinformao e, novamente, que essa a base sine quanon da ao da seleo natural. Tal sua convico queafirmam sem qualquer ressalva que: Se alguma vez en-contrarmos, em qualquer outro lugar da galxia, seresvivos com uma origem distinta da nossa, poderemoster certeza de que eles tambm possuiro hereditarie-dade e uma linguagem que transmite a informao he-reditria. (SMITH & SZATHMRY, 1997: 83)
Insiste-se em lembrar que este ltimo grupo de au-tores citados no representam abordagens alternati-vas na Biologia, mas, precisamente, a linha hardcorehegemnica.
Chama a ateno a concordncia, a este respeito, en-tre autores das linhas mais dissimiles quanto possvel,tanto da Biologia hegemnica, radicalmente materialis-ta e darwinista, quanto das abordagens consideradas al-ternativas. Tudo indica que esse consenso legitima aconcepo do vivo como processo de significao (infor-mao, semiose, comunicao, ou o nome que se queiradar). Essa tese j vem sendo colocada na Homeopatia, namedida em que o vivo implica em produo de signifi-cados e a teraputica objetiva-se atravs de processos deressignificao. (ROSENBAUM, 2004: 5)9 Vislumbrar-se-ia o caminho da validao da Homeopatia, j no co-mo medicina alternativa ou complementar, mas fir-memente embasada nas concepes biolgicasdominantes no campo cientfico contemporneo.
Data de recebimento: 16/01/2005Data da aprovao: 08/03/2005No foi declarado nenhum conflito de interesse.
9. Sob a expresso, Vitalismo da Palavra, esta idia constitui o objeto da pesquisa de doutorado desse autor. Tese de qualificao,FMUSP, dezembro de 2004.