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VOCAÇÕES - QUANDO O PROFESSOR FAZ A DIFERENÇA Especialista debate a carreira do professor e o seu componente mais importante: a vocação. Por Norma Leite Brandão Inclinações por determinadas áreas todos têm, mas qual é à força de um professor para que os alunos descubram a beleza de certas disciplinas? Não é novidade a história daquele aluno que sempre teve horror a contas ou à escrita e que, quando adulto, lembra com verdadeira angústia das suas dificuldades. A rejeição à área, na grande maioria dos casos, aponta para a figura do professor. O adulto, ao explicar seus tropeços, começa por descrever aspectos da matéria, mas invariavelmente, toca em outros, como as aulas meramente expositivas, os exercícios sem significado, as estratégias utilizadas que não conseguiram mobilizá-lo como estudante. Falar somente sobre as estratégias seria minimizar o assunto. Na realidade, a didática utilizada pelos professores tem origem na sua concepção do que é aprendizagem, e isso faz toda a diferença na sua postura em relação ao aluno, ao planejar aulas, propor um trabalho ou mesmo ao realizar uma avaliação. Esta forma de ação acaba promovendo uma maior ou menor aceitação em relação a alguns assuntos. Em certos casos, há uma verdadeira aversão, o que pode comprometer profundamente o aprendizado e deixar lacunas sérias. ENSINAMENTOS DE GRANDES MESTRES Quando nos recordamos dos professores que marcaram nossa vida escolar, frequentemente deparamos com figuras que não se detinham somente em sua disciplina. Seu pensamento era abrangente. Alunos respeitam professores que têm o domínio da matéria, mas este é somente um dos itens a serem considerados. Os grandes mestres sempre souberam que a especificidade só tem sentido quando o educador . carrega uma visão mais ampla do mundo e faz com que seus alunos percebam o maior. Quando isso ocorre, os aspectos técnicos são minimizados para que se consiga chegar à criança ou ao adolescente, porque este é o nó a ser desatado. Lidar com alunos que gostam do conteúdo e que tem facilidade naquela disciplina é simples; o grande desafio está em fazer com que os demais percebam caminhos e se descubram na área, procurando dar o melhor de si. Isso não se faz com exercícios enfadonhos, desprovidos de significado, mas sim com paixão e gosto pelo oficio. Há que se ter paciência com os que ainda não enxergaram a beleza da disciplina e, mais do que tudo há que se ter a humildade de não usar o conhecimento e o poder da avaliação para destruir a auto estima dos alunos. PROFESSOR PERFEITO NÃO EXISTE O educador que faz a diferença é um eterno pesquisador de conteúdos, formas e estratégias. É ousado, não tem medo do erro, tenta diferentes saídas para os problemas do cotidiano, olha seus alunos nos olhos e conhece cada um para melhor poder atuar. Nesse olhar questiona sua dinâmica de trabalhos, refaz o percurso e corrige as rotas. Sabe que é falível e que não escolheu uma profissão fácil. Por isso mesmo, não se escuda em eternas desculpas para alguns fracassos que possam acontecer. Ser educador num país com tantas distorções e lacunas é contar com problemas. Mas também é acreditar que existam saídas e que a sua atuação acontece a longo prazo. Significa perceber que deixa marcas e que elas podem alterar o rumo das coisas para melhor ou para pior. Bem, mas algo merece uma atenção especial quando pensamos no professor que atua de forma diferenciada: a sensibilidade para perceber que se possui um conteúdo a cumprir, tem também diante de si uma classe heterogênea que, necessariamente, pode não atender a algo previamente estabelecido. A percepção e o jogo de cintura para lidar com que os jovens trazem, altera rumos e têm poder de transformar aula em algo mais verdadeiro e dinâmico. E, convenhamos, estes jovens nunca estiveram tão repletos de informações! Jamais precisaram tanto de educadores que soubessem ouvi-los a fim de canalizar esse conhecimento bombardeado, veiculado de maneira fugaz, mas intensa. Equilibrar a programação acadêmica com o currículo oculto e utilizar este currículo a favor da disciplina dá sentido à aprendizagem. E os alunos parecem pedir isso.

Vocações quando o professor faz a diferença

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VOCAÇÕES - QUANDO O PROFESSOR FAZ A DIFERENÇA

Especialista debate a carreira do professor e o seu componente mais importante: a vocação.

Por Norma Leite Brandão

Inclinações por determinadas áreas todos têm, mas qual é à força de um professor para que os alunosdescubram a beleza de certas disciplinas? Não é novidade a história daquele aluno que sempre teve horror acontas ou à escrita e que, quando adulto, lembra com verdadeira angústia das suas dificuldades. A rejeição àárea, na grande maioria dos casos, aponta para a figura do professor. O adulto, ao explicar seus tropeços,começa por descrever aspectos da matéria, mas invariavelmente, toca em outros, como as aulas meramenteexpositivas, os exercícios sem significado, as estratégias utilizadas que não conseguiram mobilizá-lo comoestudante. Falar somente sobre as estratégias seria minimizar o assunto.

Na realidade, a didática utilizada pelos professores tem origem na sua concepção do que éaprendizagem, e isso faz toda a diferença na sua postura em relação ao aluno, ao planejar aulas, propor umtrabalho ou mesmo ao realizar uma avaliação. Esta forma de ação acaba promovendo uma maior ou menoraceitação em relação a alguns assuntos. Em certos casos, há uma verdadeira aversão, o que podecomprometer profundamente o aprendizado e deixar lacunas sérias.

ENSINAMENTOS DE GRANDES MESTRES

Quando nos recordamos dos professores que marcaram nossa vida escolar, frequentementedeparamos com figuras que não se detinham somente em sua disciplina. Seu pensamento era abrangente.Alunos respeitam professores que têm o domínio da matéria, mas este é somente um dos itens a seremconsiderados. Os grandes mestres sempre souberam que a especificidade só tem sentido quando o educador.carrega uma visão mais ampla do mundo e faz com que seus alunos percebam o maior. Quando isso ocorre,os aspectos técnicos são minimizados para que se consiga chegar à criança ou ao adolescente, porque este éo nó a ser desatado.

Lidar com alunos que gostam do conteúdo e que tem facilidade naquela disciplina é simples; ogrande desafio está em fazer com que os demais percebam caminhos e se descubram na área, procurando daro melhor de si. Isso não se faz com exercícios enfadonhos, desprovidos de significado, mas sim com paixãoe gosto pelo oficio. Há que se ter paciência com os que ainda não enxergaram a beleza da disciplina e, maisdo que tudo há que se ter a humildade de não usar o conhecimento e o poder da avaliação para destruir aauto estima dos alunos.

PROFESSOR PERFEITO NÃO EXISTE

O educador que faz a diferença é um eterno pesquisador de conteúdos, formas e estratégias. Éousado, não tem medo do erro, tenta diferentes saídas para os problemas do cotidiano, olha seus alunos nosolhos e conhece cada um para melhor poder atuar. Nesse olhar questiona sua dinâmica de trabalhos, refaz opercurso e corrige as rotas. Sabe que é falível e que não escolheu uma profissão fácil. Por isso mesmo, nãose escuda em eternas desculpas para alguns fracassos que possam acontecer. Ser educador num país comtantas distorções e lacunas é contar com problemas. Mas também é acreditar que existam saídas e que a suaatuação acontece a longo prazo. Significa perceber que deixa marcas e que elas podem alterar o rumo dascoisas para melhor ou para pior. Bem, mas algo merece uma atenção especial quando pensamos no professorque atua de forma diferenciada: a sensibilidade para perceber que se possui um conteúdo a cumprir, temtambém diante de si uma classe heterogênea que, necessariamente, pode não atender a algo previamenteestabelecido.

A percepção e o jogo de cintura para lidar com que os jovens trazem, altera rumos e têm poder detransformar aula em algo mais verdadeiro e dinâmico. E, convenhamos, estes jovens nunca estiveram tãorepletos de informações! Jamais precisaram tanto de educadores que soubessem ouvi-los a fim de canalizaresse conhecimento bombardeado, veiculado de maneira fugaz, mas intensa.

Equilibrar a programação acadêmica com o currículo oculto e utilizar este currículo a favor dadisciplina dá sentido à aprendizagem. E os alunos parecem pedir isso.

Querem saber por que estudam determinados conceitos, qual sua aplicação, enfim, o que farão navida prática com alguns conteúdos. Nesse sentido, é fundamental que teoria e prática caminhem de mãosdadas.

o PRAZER, O BOM HUMOR E A ENERGIA

Cada professor tem características diferenciadas no exercício de seu ofício. Mas se há algo quecontamina os alunos é ver na figura do mestre o prazer e o gosto pelo que faz - ainda que o percurso sejaárduo, duro, permeado por dificuldades.

Quando o prazer deixa de existir, a batalha está perdida. Não há teoria ou técnica que dê conta. Epara que o gosto seja maior do que o desgaste do cotidiano, nada como o humor e a leveza para lidar comalguns assuntos pesados e os momentos que propiciam o "recarregar das baterias".

Sim, professor precisa de energia, e ela não vem só da sala de aula: vem de colegas de trabalho,leituras, cursos de aprimoramento e atividades culturais.

Estes são elementos que dão ao profissional uma visão mais abrangente e a flexibilidade tãonecessária para a batalha diária. Professor sozinho e isolado realiza sua tarefa de forma incompleta e, maiscedo ou mais tarde, os reflexos se fazem sentir em si próprio e na turma.

FEITIÇO NECESSÁRIO

Finalmente, é preciso ressaltar que por mais que crianças e adolescentes tenham tendências poralguma área acadêmica, o bom professor faz milagres quando se dispõe, de coração aberto, a encontrar umcaminho para os mais resistentes. Na realidade, eles têm a necessidade de se sentir capazes e de acreditar emseu potencial. O educador precisa saber mostrar, primeiramente, não "o quanto falta", mas "aquilo que jáconseguiram".

Ainda que sejam poucos, os pequenos progressos precisam ser valorizados. Alguns conteúdosprecisarão ser cortados. Algumas técnicas e procedimentos, alterados. Não importa. Vale tudo quando sequer "enfeitiçar" alunos. E enfeitiçá-los pelo conhecimento não é tarefa para iluminados, mas para quem temhumildade para reconhecer que há algo maior do que o programa do que as notas do boletim, do que aquiloque os livros didáticos trazem, ainda que aquelas não seja sua área de facilidade.

Há alguma receita para isso? Não, não há receita pronta e acabada, mesmo porque cada aluno é um ecada classe tem uma dinâmica. Mas se não há receitas precisa haver, no mínimo, algumas diretrizes e umbom cozinheiro que saiba selecionar e misturar ingredientes, que experimente os temperos, que pesquise otempo certo do fomo e, mais do que isso, um cozinheiro que ouse e não tenha receios, que se permita errar eque com o erro busque a dose mais adequada do sal, da pimenta, da água e do azeite. Que suje suas mãos defarinha e de ovos ...

O conhecimento pode ser um banquete com direito a muitos aromas, sabores, entradas, aperitivos epratos principais, com a diferença de que para prepará-lo não basta o profissional especialista, mas aprendiz,com suas colheres que acrescentam, seus garfos que espetam, suas facas afiadas que cortam e com suaterrinas prontas a serem preenchidas. Desde que se saiba abrir o apetite, é claro!

Norma Leite Brandão é Pedagoga e educadora da VerCrescer Assessoria Educacional.