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Tinham uma vida cosmopolita. Unsestudavam, outros já tinham umemprego estável. Eles e elasnamoravam. Deixaram tudo paratrás para se dedicar à vida religiosa
textos Isabel Tavaresfotografia António Pedro Santos
Vocações Um cursocom saída profissionalPadres, precisam-se. Os seminários e conventos estãoenvelhecidos mas há gente nova a dar-lhes vida
ISABEL TAVARES (Texto)isabel. [email protected]ÓNIO PEDRO SANTOS (Fotografia)
A licenciatura em Teologia é dos cur-sos que tem maior saída profissional.A frase é de Peter Stilwell, professorassociado da Faculdade de Teologia evice-reitor da Universidade Católica Por-
tuguesa (UCP). "Precisamos de mão-de-obra e, se houver candidatos com voca-
ção, o que não falta são postos de tra-balho", diz.Em Portugal vive-se uma crise de voca-ções e os números comprovam esta rea-lidade. O défice deve-se, em parte, a ques-tões demográficas. O tempo não páranos mosteiros, conventos e semináriose a população está envelhecida. "Meta-de dos padres tem 60 ou mais anos deidade e está a caminhar para a reforma",afirma Peter Stilwell.
A baixa taxa de natalidade também não
ajuda. "É fácil compreender que umafamília com um filho único terá grandedificuldade em abrir horizontes vocacio-nais a esse filho ou filha", explica o padreManuel Morujão, secretário da Confe-rência Episcopal Portuguesa (CEP).
Por outro lado, as próprias famíliasestão em crise, "uma crise de valores,de laços afectivos, de capacidade edu-cativa", que contribui para a falta de
vocações.Mas a crise não afecta todas as congre-
gações por igual. Dos mais de 100 insti-tutos de vida consagrada, femininos e
masculinos, existentes em Portugal,alguns não têm novas vocações há 25
anos, outros estão mesmo a fechar. Mashá também aqueles que estão a crescer,como os Missionários Passionistas, queeste ano receberam 11 vocações, as Car-melitas ou os Jesuítas, entre outros. Os
dados oficiais disponíveis são atrasados
mas, da metade dos institutos contacta-dos pelo i, boa parte recebeu este anopelo menos um ou dois candidatos.
A maioria dos que se apresentam vêmde um contexto urbano, são gente escla-recida e interessada, habituada a reflec-tir sobre si e sobre o mundo, concordaPeter Stilwell.
O perfil traçado pelo secretário da CEPé o "do idealista com uma boa dose derealismo; o sonhador de um mundomelhor, mas que não larga os pés na ter-
ra; o que não se conforma com o mun-do como está, mas, em vez de revolta,
luta com a utopia da esperança; o quesente o coração inquieto e arrisca a seguir
a santa inquietação que Deus pôs no seu
coração... Vem-me à memória o caso de
diversos jovens que se têm decidido pelavida sacerdotal na Companhia de Jesus.
Fizeram uma experiência de serviçosocial, de aproximação dos pobres e neces-
sitados e verificaram que essa experiên-cia lhes mudou o rumo de vida..."
O i quis falar com o responsável do
Patriarcado pelo Secretariado Nacionaldas Vocações, mas não foi possível. O
padre à frente desta tarefa já não está
em funções e ainda não houve nova noe-
mação. Não há, por isso, dados estatísti-
cos sobre o tipo de pessoa que procuraávida consagrada, o número de homens
e mulheres, a percentagem de entradase desistências. Mas os mais de 15 teste-munhos recolhidos pelo i enquadram-se no cenário apresentado pelas diver-sas congregações contactadas.
A exigência não é igual para todas as
Ordens e há muitos factores que pesamna escolha dos candidatos: a história, a
obra, a forma de vida...
Hoje, a Igreja é também mais escruti-
nada pela sociedade. Poderá ter adorme-
cido, estar demasiado conotada compedofilia, riqueza e outros vícios contraos quais prega? "Não se deixem levar
pelo barulho", afirma Peter Stilwell. "A
procura do religioso está a aumentar,especialmente os sub-produtos, como a
meditação, o reiki e outros, que não dei-
xam de ser uma resposta à inquietaçãoespiritual, que as pessoas não queremprocurar no institucional", considera o
vice-reitor da UCP. Stilwell fala na neces-
sidade de uma certa bipolaridade, "ouvir
para além do que se está a dizer.""A Igreja não é uma invenção humana.
É de Jesus Cristo, seu fundador. Temoscertamente que ir actualizando o modode ser e viver em Igreja, mas na fideli-dade de Cristo. A Igreja, nestes dois mil
anos de história, tem visto que para man-ter a fidelidade a Cristo deve reservar o
sacerdócio aos homens que para tal foram
chamados. O sacerdócio não é uma pro-moção social, é um serviço esclesial na
multiplicidade de muitos outros nãomenos dignos", acrecenta o padre Moru-jão sobre este assunto.
Para todos os rapazes e raparigas,homens e mulheres, contactados pelo /,
a vocação foi um caminho, quase sem-
pre nada linear. E todos foram aconse-lhados a acabar os seus cursos, a reflec-
tir. Peter Stilwell explica que "é precisonão ter pruridos e deixar que o espíritonos conduza. Tem que haver descerni-
mento." De facto, nenhuma decisão é
irreversível mas, tal como no casamen-to - e mais de 50% acaba em divórcio,como lembra Frei José Nunes -, é bom
que a decisão seja uma certeza na altu-
ra em que é tomada.Manuel Morujão acredita que "o sacer-
dócio ou a vida consagrada são sobre-tudo um dom de Deus. Claro que a Igre-
ja deve procurar que os jovens ouçamo chamamento de Deus, usando os meios
mais adaptados: leituras, retiros, acom-
panhamento personalizado, iniciativasde animação juvenil e, claro está, as pla-taformas digitais, já que não estamos a
falar para jovens do tempo de Gutem-
berg, mas desta geração que vive nomundo das comunicações digitais, vir-tuais." Afinal, este é o tempo de MarkZuckerberg.
Sobre o chamamento e a forma como
a Igreja atrai ou não a sociedade, PeterStilwell lembra o cardeal Cerejeira, "queenchia missas". E diz que talvez deves-
se existir mais "marketing" em torno des-
tas opções.O secretário da CEP lembra que "esta
é a hora de dinamizar os leigos para queassumam um papel mais activo e inter-veniente. A Igreja não é monopólio dos
padres e bispos."
01 As monjas de Belém a cami-nho da celebração das oito damanhã
02 O silêncio é de ouro. Masoutra placa avisa para tocar o
sino ou, em desespero, a buzi-
na
03 O mosteiro das monjas deBelém fica em Sesimbra, masem breve se mudarão
Números
88%da população portuguesa é
católica, dizem as estatísticasdoINE
1,93milhões de pessoas vão àmissa em Portugal, segundoa Conferência Episcopal
23%foi o aumento do número de
pré-seminaristas nas diocesesnacionais em 201 1
500é o número de pré-seminaristas a frequentar os25 seminários diocesanos
411seminaristas estãoactualmente em regimede internato em seminários
36ordenações de sacerdotes em2008, dados da Conferência
Episcopal Portuguesa
"Os alunosquestionam mas emaltura de examesa capela enche"
Há uma crise de vocações?Porquê? Há menos vocações, defacto. Os motivos são mais de mil
e davam para fazer uma tese.
Mas, desde logo, há menos
nascimentos, menos filhos.
E não querem perder o filhoúnico? É. Fazem o possível pornão lhes abrir os horizontes nessesentido.
Mas há também aqueles quefazem a experiência edesistem... É o chamado turismo
religioso. Como existe umfenómeno interessantíssimo devoluntariado missionário. A vidatoda é que não... Hoje, a gente fazde paixonetas experiência, há acultura do momento.
Tem que ser para sempre? Não,mas por isso há o período dedescernimento. Quando nos
comprometemos é para a vida,até à morte.
A Igreja modernizou-se? É tãoverdade que a Igreja, em algumasquestões, não se adaptou, comoé verdade que a maior parte das
instituições que continuam a ter
vocações são as que menos se
adaptaram ao mundo.
Sexo, cigarros, bebida. Como éviver sem vícios? Vive-se bem,
falo por mim (risos). Viver com os
votos da obediência, do celibato eda pobreza é óptimo e libertador.
Os homens e mulheres casadostambém têm desejos, como é quefazem? Ninguém deve ser
dependente de nada. Mas não é
pecado beber um copo, pecado é
não o fazer.
Por que é que existe umexorcista por cada diocese? Os
padres exorcistas são indicados
pelo bispo e são pessoas quederam mostras de capacidadepara lidar com distúrbios
psíquicos. Sou muito pragmáticoe o que acho é que as pessoastêm de ser felizes. Se alguémacredita que é através doexorcismo (e não estamos a falarde coisas esquisitas) que vai
libertar-se, que vai apaziguar-se...O que não se deve é substituir aciência nesta matéria, mas amente é uma coisa complexa.
Em nome do Pai,do Filhoe do Espírito SantoSão rapazes e raparigas dos 18 aos 35 anos. Com licenciatura ou a frequentarum curso superior, namoros firmados, empregos estáveis. Gente cosmopolita,nem sempre de famílias católicas e praticantes, que decidiu deixar tudo para sededicar à vida consagrada. Ao i, testemunham o "chamamento", desmistificam osexo e falam de felicidade
ISABEL TAVARES isabel. [email protected]
André Ferreira descobriu osDominicanos pela Internet,mas a sua vocação está
longe de ser virtualANTÓNIO PEDRO SANTOS
André Ferreira20 ANOS
Aluno do ISCTE, curso de Finanças eContabilidade. Os pais não eram, enão são, católicos praticantes. "Omembro da família mais assíduo namissa sempre fui eu", assume.Não fala como a maioria dos rapazesda sua idade. Pergunto-lhe sobre as
inquietações da sua geração eresponde que "a inquietude não é hojetão bem reflectida como noutrasgerações, embora existam anseios. Étudo tão efémero, tão veloz, que ofuturo num instante já é passado.Passamos pelo tempo sem nosdarmos conta de quem somos, talvezreflexo da sociedade actual..."
Chegou aos Dominicanos "pelaInternet", outro sinal dos tempos.Numa pesquisa online, acabou no siteda Ordem, descobriu a sua história eidentificou-se com a filosofia de vida:
pregação, estudo (compreensão) evida comum (partilha). "Havia umaaproximação entre mim e a Ordem".Ainda não é seminarista, está emprocesso de descernimento desdeOutubro. Mas diz que a sua inclinaçãonão lhe deixa muitas dúvidas. Claro,"há condicionantes que vãodeterminar tudo, mas é um processocalmo." E que não começou há doismeses. Foi no final do 12.° ano quecomeçou a colocar a hipótese a sério.Os pais aceitaram a escolha e os doissobrinhos, filhos da irmã mais velha,libertaram-no do peso de ter queassegurar a continuidade do clã.
Luís Palha22 ANOS
Ex-forcado de Vila Franca de Xira."Fora das beatices, vivia no mundodos touros e dos cavalos, dos copos emaluquice". Licenciado pelo Instituto
Superior de Agronomia. "Quis desistirvárias vezes, mas fui sempreaconselhado a acabar, primeiro o
curso, depois o mestrado."Namoradeiro. "Tive três namoros maissérios" e mais outros a brincar.Quando era a sério, eram uma certeza,"via a hipótese de casamento". Osnamoros nunca acabaram por causada vocação, "acabaram pelas razões
por que acabam os namoros." Aturbulência maior foi com "a última",Rosarinho, de quem é grande amigo."Sentia as minhas entranhas a remoero assunto, andava refilão, rabujento.Eu não estava bem." Tinha então 21
anos - faz 23 depois de amanhã e é
noviço em Coimbra, na Companhia deJesus, depois de um ano de reflexãoespiritual, em Lisboa. Quer ser padre -
os jesuítas podem ser padres ouirmãos. Diz que é a diferença entre serapóstolo ou ser discípulo. O percursonão foi linear, mas na sua cabeça tudofaz sentido. Sobre os votos,obediência, pobreza e castidade, dizque é preciso ser-se verdadeiro, emprimeiro lugar, consigo próprio. "Nãosomos [jesuítas] radicais. A pobrezadeve ser uma coisa espiritual. Nãotemos privações materiais, mas osmotivos para ter têm de ser os certos.Vivemos na lógica da partilha, nada épara mim." Sobre sexo, ou a falta dele,diz que "tenho todos os desejos evontades de que fala, sou um rapaz demuitas paixões. Até é muito
engraçado, porque aqui dentro,quando olho para uma rapariga acho-a linda, sinto que fico apaixonado."Sabe que há congregações onde parase entrar tem de se ser virgem, "façojuízo às imposições, mas não julgoquem as segue." Acredita que é aescolha que faz crescer. Como será,dentro de 20 anos, o padre LuísPalha? "Gostava que olhassem paramim e vissem um Deus ao meu 1ad0...Que dança, que é forcado, que faz rir."
Tânia31 ANOS
Artista plástica. Tinha uma vidaestável: um namoro sério, professorado quadro, leccionava no Porto.
Sempre se questionou sobre aprofissão que escolheu: "Para quêcriar mais objectos, quais os limites daarte, em que é que ajuda a tornar omundo melhor... Talvez o meu lugarnão fosse ser artista por ser artista,talvez a arte estivesse ligada àespiritualidade." Ainda são alguns, os'talvez'. "Tenho a certeza que queroestar ligada a Deus! Só não sei ondeencaixo, se na vida contemplativa, senuma vida mais missionária." Está afazer uma experiência com as monjasde Belém, no mosteiro em Sesimbra.
"Quando estou com as irmãs sinto
sempre o bichinho da vocaçãoreligiosa."Sobre o namorado, conta que "houvemuita sinceridade desde o início,abertura e crescimento." Na altura,ponderou "se devia ou não iniciarnamoro" e explicou as suas razões.Mas isso não tornou o assunto maisfácil. "Lembrava-me sempre da frase'não poder servir dois senhores aomesmo tempo'. Estivemos juntosnuma missão, em Itália, e foi aí quepercebi a importância de não casar, denão ter filhos. É preciso haver muitaentrega e repartir é difícil." Conta que"enquanto vivi com os meus pais vivi afé deles. Depois, questionei a Igreja, fuibeber a muitas fontes. Descobri que éna religião católica, cristã, que mesinto bem."
Duarte Rosado26 ANOS
Era estudante de Psicologia quandose juntou à Companhia de Jesus. Hojeestá num bairro do Pragal a fazer
acção social [magistério] - nestaOrdem são dois anos de noviciado,três de Filosofia, dois de magistério ecinco de Teologia. Ainda tem um longocaminho até ser ordenado padre, masa sua convicção é reforçada todos osdias. Entrou para os Jesuítas num
grupo de 1 6 rapazes. Era o cassula. O
que o levou até ali? "Estava num
campo de férias espiritualmente forte,
já no último dia, os outros estavam aalmoçar e, de repente, vindo do nada,aconteceu! Nem eu compreendi muitobem o que me tinha acontecido. É
uma coisa que não parte de mim, umchamamento." A primeira pessoa a
quem contou foi à mãe, "mas ela
queimou-me logo. À mesa, comunicou
a todos [pai e três irmãos]: o Duarte
tem algo para vos dizer..." Já
suspeitavam. Diz que o que maiscustou foi a saudade, a rotina. "Jáchorei de alegria, de consolação e detristeza." Que choros são esses? "Ochoro da consolação é do aumento da
fé, tudo transborda. O que mais custaé o choro da tristeza, do vazio."Deixou tudo: "roupa e mesada de 1 00euros para tabaco, gasolina etelemóvel." Dois grandes amigoslevaram a mal a decisão: "Vais
estragar a tua vida". Um discurso
duro, que não esquece. Tinha umabanda de rock "género Ben Harper,Jack Johnson e um estilo próprio."Chegou a gravar um CD comopresente de anos e estreou ao vivo em2005. E tinha namoradas. O mais difícil
foi lidar com a solidão, o medo do
abandono, do esquecimento. E acastidade. O que fazer quando as
hormonas estão aos saltos? "Tem quehaver um bocado de disciplina e de
Graça."
Maria do Carmo28 ANOS
Estudou Línguas Modernas, naFaculdade de Letras do Porto. Sente-se cada vez mais confirmada. Está em
Madrid. Demorará entre seis a noveanos até fazer os votos perpétuos.Viveu no seio de uma família católicanão praticante. Tem dois irmãos. "As
minhas dores eram não conseguirexplicar à minha família, com quemtinha uma relação fortíssima, o que se
passava." Frequentou a catequese efez a primeira comunhão, "masafastei-me da Igreja muito tempo." Noterceiro ano do curso foi para Paris,através do programa Erasmos. Ficou
instalada numa residência da OpusDei. Ficou para sempre com "a
imagem de ter visto pessoascoerentes, inteiras, a procurar viver o
que pensavam. Eram livres." E foi este
desprendimento que a cativou."Percebi que não conseguia viver isso
na minha vida afectiva, no casamento,com filhos. Eu não era verdadeira,coerente, livre... E nunca antes metinha passado isso pela cabeça. É um
processo de sedução, meio mágico,meio humano." Dos namorados, diz
que "gosta mais deles agora do queantes." Para Maria do Carmo o
importante foi "deixar-me empapar"com tudo aquilo. Percebeu depois quea sua vida não passaria mais pelaOpus Dei, mas seguir Jesus era umdestino cada vez mais claro. "Passeimuito tempo na procura." Nunca sesentiu condicionada e decidiu "deixar
que o meu desejo mais profundodançasse com Deus."