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Modernidade e diversidade: reflexões sobre a controvérsia entre teoria da modernização e a teoria das múltiplas modernidades Volker H. Schmidt Resumo: O artigo revisita a hipótese de convergência da teoria da modernização, fortemente criticada pelos teóricos das múltiplas modernidades, que defendem que as realidades emergentes não confirmam suas premissas basilares. Baseado em uma leitura completa dos textos clássicos, o artigo reconstrói o significado do termo dentro de um quadro teórico de referência sobre a modernização e, então, considera os fatos aos quais se opõem os teóricos das múltiplas modernidades. Identifica que nenhuma das observações citadas pelos teóricos mais proeminentes das múltiplas modernidades são capazes de desafiar a teoria da modernização, que pode acomodar facilmente os tipos de diferença destacados pelos críticos. Em particular, a modernidade do Leste Asiático, para qual os dois lados atribuem um peso especial para qualquer teste da teoria da modernização, se parece notadamente/notavelmente semelhante à modernidade ocidental quando observada através das lentes dessa teoria. Ao mesmo tempo, a literatura das múltiplas modernidades, apesar de alegar que leva a diferença muito a sério, silencia sobre as diferenças que grandes partes do mundo menos desenvolvido demonstram frente ao Ocidente e ao Leste Asiático em aspectos sócio-estruturais e culturais, que indicam diferentes graus de modernização. O artigo conclui com uma nota breve sobre o peso diferenciado dos diferentes tipos de diversidade para os problemas de referência diferentes e com uma sugestão para uma resolução construtiva do conflito entre as duas abordagens. Palavras-chave: Convergência; diversidade; modernidade; modernização; múltiplas modernidades. I O conceito das múltiplas modernidades tem sido desenvolvido com o objetivo de destacar os modos sobre os quais as sociedades modernas se diferenciam entre si 1 . Outras abordagens sociológicas, a maioria baseada em alguma versão da teoria da modernização, enfatizam aspectos comuns dessas sociedades. Mas será que a justaposição de convergência e divergência na forma de exclusão mútua, de oposição binária, realmente faz sentido? É possível existir convergências em alguns aspectos, enquanto a diversidade persiste em outros elementos; que existam dimensões da mudança social que exibem tendências comuns entre as regiões e zonas culturais, enquanto outros aspectos da vida social revelem uma resiliência destacada contra a homogeneização? Este artigo argumenta que a controvérsia entre a teoria da modernização e a teoria das múltiplas modernidades não pode ser resolvida por meios empíricos apenas porque a questão de saber se as sociedades convergem ou divergem não é uma questão simples de optar

Volker H. Schmidt - Modernidade e Diversidade

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Volker H. Schmidt - Modernidade e Diversidade (Artigo publicado da Revista Sociedade e Estado)

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  • Modernidade e diversidade: reflexes sobre a controvrsia entre teoria da modernizao e a teoria das mltiplas modernidades Volker H. Schmidt Resumo: O artigo revisita a hiptese de convergncia da teoria da modernizao, fortemente criticada pelos tericos das mltiplas modernidades, que defendem que as realidades emergentes no confirmam suas premissas basilares. Baseado em uma leitura completa dos textos clssicos, o artigo reconstri o significado do termo dentro de um quadro terico de referncia sobre a modernizao e, ento, considera os fatos aos quais se opem os tericos das mltiplas modernidades. Identifica que nenhuma das observaes citadas pelos tericos mais proeminentes das mltiplas modernidades so capazes de desafiar a teoria da modernizao, que pode acomodar facilmente os tipos de diferena destacados pelos crticos. Em particular, a modernidade do Leste Asitico, para qual os dois lados atribuem um peso especial para qualquer teste da teoria da modernizao, se parece notadamente/notavelmente semelhante modernidade ocidental quando observada atravs das lentes dessa teoria. Ao mesmo tempo, a literatura das mltiplas modernidades, apesar de alegar que leva a diferena muito a srio, silencia sobre as diferenas que grandes partes do mundo menos desenvolvido demonstram frente ao Ocidente e ao Leste Asitico em aspectos scio-estruturais e culturais, que indicam diferentes graus de modernizao. O artigo conclui com uma nota breve sobre o peso diferenciado dos diferentes tipos de diversidade para os problemas de referncia diferentes e com uma sugesto para uma resoluo construtiva do conflito entre as duas abordagens. Palavras-chave: Convergncia; diversidade; modernidade; modernizao; mltiplas modernidades. I

    O conceito das mltiplas modernidades tem sido desenvolvido com o objetivo de destacar os

    modos sobre os quais as sociedades modernas se diferenciam entre si1. Outras abordagens

    sociolgicas, a maioria baseada em alguma verso da teoria da modernizao, enfatizam

    aspectos comuns dessas sociedades. Mas ser que a justaposio de convergncia e

    divergncia na forma de excluso mtua, de oposio binria, realmente faz sentido?

    possvel existir convergncias em alguns aspectos, enquanto a diversidade persiste em outros

    elementos; que existam dimenses da mudana social que exibem tendncias comuns entre as

    regies e zonas culturais, enquanto outros aspectos da vida social revelem uma resilincia

    destacada contra a homogeneizao?

    Este artigo argumenta que a controvrsia entre a teoria da modernizao e a teoria

    das mltiplas modernidades no pode ser resolvida por meios empricos apenas porque a

    questo de saber se as sociedades convergem ou divergem no uma questo simples de optar

  • por um ou outro. A comparao entre duas sociedades quaisquer trar, inevitavelmente,

    semelhanas assim como diferenas. Os fatos no tm sentido a no ser que sua condio seja

    determinada por um problema de referncia dado: a mesma observao pode ser pode

    carregar um peso extremamente diferente dependendo do quadro de referncia sobre o qual

    considerado. O quadro de referncia para a controvrsia entre teoria da modernizao e a

    teoria das mltiplas modernidades a teoria da modernidade. Se algum deseja saber o que

    uma observao particular significa para aquela teoria, precisa primeiro determinar que

    concepo de modernidade que est sendo empregada ou proposta. S ento pode-se avaliar a

    significao dos fenmenos empricos.

    Como ser mostrado abaixo, os entendimentos de modernidade da teoria da

    modernizao e da teoria das mltiplas modernidades diferem muito. Mas enquanto a teoria

    da modernizao se baseia em uma concepo relativamente clara de modernidade, a teoria

    das mltiplas modernidades ainda tem que elaborar a sua prpria at agora, no foi alm de

    algumas dicas vagas sobre o que querem dizer com o termo. Ao invs disso, se posiciona

    contra a teoria da modernizao, especialmente em relao hiptese da convergncia,

    argumentando que realidades emergentes no confirmam suas premissas basilares.

    Para julgar a solidez desta crtica, depende-se muito de como a noo de

    convergncia compreendida. Baseada em uma leitura completa da literatura pertinente, a

    seo dois examina o significado do termo num contexto terico de modernizao. Identifica

    que a teoria da modernizao oferece um escopo amplo para analisar a diversidade. A seo

    trs confirma esta alegao ao explorar a significao dos resultados que Shmuel Eisenstadt,

    que cunhou o termo mltiplas modernidades, tem contra ela. Argumentando que a teoria da

    modernizao pode facilmente acomodar os tipos de diferena a que Eisenstadt alude, a seo

    analisa um nmero de diferenas que parecem ser muito significativas de um ponto de vista

    terico da modernizao, mas que so completamente ignoradas por tericos das mltiplas

    modernidades. A seo quatro compara as duas regies do mundo que mais avanaram em

    direo modernidade at ento, o Ocidente e algumas partes do Leste Asitico, para testar

    a hiptese da convergncia, e verifica que ela pode ser validada empiricamente. O artigo

    conclui com uma nota breve sobre o peso diferenciado dos diferentes tipos de diversidade

    para problemas de referncia diferentes e tambm com uma sugesto provisria para uma

    resoluo construtiva do conflito entre as duas abordagens.

    II

    Modernidade um conceito importante na sociologia, uma vez que se aplica a toda formao

  • societal a cujo surgimento a prpria disciplina deve sua existncia. A sociedade moderna,

    como conceitualizada nos trabalhos dos pensadores clssicos da sociologia como Herbert

    Spencer, Karl Marx, Max Weber, mile Durkheim, Georg Simmel e Talcott Parsons,

    radicalmente diferente dos modelos anteriores de organizao societal e as consequncias de

    uma transformao fundamental da sociedade equiparam-se em significao histrica apenas

    com a revoluo Neoltica. Modernizao, a mudana que resulta em modernidade, um

    processo interligado de diferenciao estrutural, racionalizao cultural e individuao

    pessoal na viso desses clssicos. Uma vez posto em movimento, torna as mudanas sociais

    endmicas, favorecendo instituies que so ao mesmo tempo adaptveis a elas e que

    estimulam mudanas posteriores.

    Os tericos da abordagem das mltiplas modernidades rejeitam essa

    conceitualizao baseando-se em sua suposta incapacidade em captar a imensa diversidade

    social, poltica e cultural exibida pela Idade Moderna. Essa diversidade, eles afirmam, pode

    ser considerada apenas se o conceito de modernidade for pluralizado. Mas antes que algum

    possa pluralizar qualquer conceito, algum primeiro precisa conhecer que elementos suas

    variaes tem em comum, porque ao menos se algum o fizer, no h nenhum modo de

    afirmar se um caso particular realmente uma variante do tipo em questo ou outra coisa.

    No pode haver nenhuma discusso significativa sobre modernidades sem uma definio

    adequada de modernidade2. Lamentavelmente, porm, uma definio suficientemente clara de

    modernidade est visivelmente ausente da literatura sobre mltiplas modernidades, como at

    mesmo os observadores simpatizantes tiveram a oportunidade de salientar (ver, por exemplo,

    Allardt, 2005).

    claro, no entanto, que a noo das mltiplas modernidades vai contra as teorias

    denominadas clssicas da modernidade e, especialmente, a teoria de modernizao de 1950 e

    1960, porque Eisenstadt e vrios de seus seguidores no pouparam esforos em declarar sua

    averso a essas teorias (ver Eisenstadt, 2000a; Wittrock, 2000). Tomar a teoria da

    modernizao como ponto de partida deve fornecer, consequentemente, algumas sugestes a

    respeito dos tipos de suposies que os crticos devem estar fazendo para dar credibilidade

    noo das mltiplas modernidades.

    Como indicado na introduo, o ponto principal da controvrsia entre a teoria da

    modernizao e a teoria das mltiplas modernidades a reivindicao anterior de que a

    modernizao um processo homogeneizante, que, no fim das contas, conduz convergncia

    as sociedades que se submetem a ele: um processo de mudana social atravs do qual

    sociedades menos desenvolvidas adquirem caractersticas comuns s sociedades mais

  • desenvolvidas, como Daniel Lerner (1968: 386) coloca. Mas o qu a teoria da modernizao

    quer dizer com convergncia? Para responder esta questo, importante manter a ideia de

    que a teoria da modernizao est ancorada conceitualmente no trabalho de Talcott Parsons.

    Como bem sabido, a teoria de Parsons sobre a modernidade est fixada em uma teoria mais

    abrangente de sistemas de ao. A sociedade, segundo o conceito de Parsons, um sub-

    sistema do sistema social, que, por sua vez, um dos quatro sub-sistemas do sistema de ao

    geral, os outros trs sendo o sistema cultural, o sistema de personalidades e o organismo

    comportamental. A teoria da modernizao refere-se apenas ao sistema social, cultural e de

    personalidade. Ela argumenta que, em conseqncia da modernizao, o sistema de

    personalidade se torna cada vez mais orientado para realizaes pessoais, consciente de sua

    individualidade e emptico; que a modernizao conduz racionalizao, generalizao de

    valores e a difuso de normas seculares no sistema cultural; e a diferenciao funcional a

    tendncia dominante, bem como a principal caracterstica estrutural da sociedade moderna, do

    sistema social que de interesse especial para a teoria sociolgica (Lerner, 1958, 1968;

    Parsons, 1964, 1977).

    Como outras abordagens macro-sociolgicas, a teoria da modernizao enfatiza

    particularmente os desenvolvimentos de subsistemas econmicos e polticos da sociedade3,

    mas outros subsistemas importantes como o sistema educacional, o sistema cientfico, o

    sistema legal e a mdia de massa tambm so analisados4. Na economia, a mudana mais

    destacada do ponto de vista da teoria da modernizao o desenvolvimento auto-sustentvel

    emergente; na poltica, a crescente participao dos cidados (grupo em que a populao se

    transforma apenas na poca moderna); na educao, a propagao da escolarizao em massa;

    na cincia, o estabelecimento da universidade de pesquisa e outras instituies orientadas

    puramente pesquisa; no direito, a enunciao de normas universais e sua aplicao por

    profissionais treinados, juzes independentes; e a mdia, a propagao rpida da informao

    para audincias em massa e, assim, a criao da opinio pblica.

    A diferenciao funcional, enquanto se constitui como uma chave, talvez a chave,

    se diferencia da estrutura da sociedade pr-moderna (cujo modo de organizao societria

    dominado pelo sistema de estratificao), no determinada institucionalmente e, portanto,

    compatvel com uma variedade de formas institucionais. A compreenso da teoria da

    modernizao sobre a formao da instituio da sociedade moderna inspira-se, mais uma

    vez, no trabalho de Parsons, especialmente em sua teoria de universos evolucionrios. Em um

    artigo influente que destaca essa teoria, Parsons associa a progresso de estgios da evoluo

    societal a descobertas evolucionrias crticas que do s sociedades mais avanadas uma

  • vantagem em relao s sociedades menos avanadas em termos de capacidade de adaptao

    a condies ambientais. No caso da modernidade, Parsons identifica quatro universais que

    acredita serem cruciais tanto para sua descoberta e consolidao final: sistema de mercado e

    dinheiro na economia, democracia no contexto poltico, o imprio da lei e igualdade antes da

    lei na esfera legal, e a organizao burocrtica das instituies pblicas e privadas (ver

    Parsons, 1964)5.

    Essa caracterizao, ainda que um pouco vaga, obviamente bastante semelhante

    ao modelo ocidental de modernidade, ao qual deve muito, certamente. Devemos notar, no

    entanto, que no reflete uma posio consensual compartilhada por todos os tericos da

    modernizao. Samuel Huntington, por exemplo, em seu livro Political Order in Changing

    Societies (1968), apresenta um conceito menos exigente pelo menos da modernidade poltica,

    argumentando que a distino poltica mais importante na modernidade no aquela entre

    democracias e ditaduras, mas entre governos que realmente governam seu pas sobre sua

    jurisdio (formal) e aqueles que no governam. Uma ordem poltica moderna, segundo seu

    conceito, um sistema de autoridade racionalizada em que se espera que os funcionrios

    atendam ao pblico, mais do que apenas seus prprios interesses, e tenham a capacidade de

    executar polticas escolhidas baseando-se no controle do bom funcionamento do aparato

    estatal. Isso deixa espao para alternativas polticas alm (do que hoje visto amplamente

    como) do modelo ocidental6, por exemplo, em modelos autoritrios, como muitas das crticas

    de Huntignton apontaram.

    Parsons tambm identificou mais de um caminho para a modernidade e para

    institucionalizaes diferentes de seu programa, como pode ser visto em sua anlise sobre a

    Unio Sovitica que considerou um exemplo similar aos Estados Unidos no tocante

    profundidade e aos nveis de modernizao que alcanou a partir da segunda metade do

    sculo XX (Parsons, 1977: 216ff.). Entretanto, era ctico quanto estabilidade em longo

    prazo dos sistemas polticos de estilo sovitico por conta de seus dficits inerentes de

    legitimidade (Parsons, 1964: 126). A histria parece provar que ele estava certo nesse ponto7.

    Mas, seja como for, Parsons afirma explicitamente que cr na existncia de

    (grandes) variaes dentro do tipo moderno de sociedade (Parsons, 1977: 228)8, e que

    muitas outras variaes provavelmente emergiriam como um resultado da tendncia global

    em concluso desse tipo de sociedade, um desenvolvimento que ele previu que

    provavelmente continuaria bem no sculo 21 (1977: 241).

    A noo de convergncia deve ser entendida como algo que vai de encontro com o

    contexto desta expectativa. aplicada principalmente estrutura bsica da sociedade9, sendo

  • sua premissa a de que as sociedades modernas e pr-modernas diferem muito mais uma das

    outras do que de as variedades de (um tipo de) sociedade moderna que surge como um

    resultado de uma modernizao bem sucedida10, um projeto que Parsons considerava longe de

    estar completo. A convergncia, assim compreendida, ocorre quando os pases em

    modernizao encontram duas condies principais. Primeiro, devem se movimentar de modo

    a estabelecer uma srie de instituies que a teoria considera como essenciais para a

    modernidade,11 e, em segundo lugar, devem ter sucesso em alinhar estas instituies aos

    propsitos do Estado, mais do que serem meras fachadas (Meyer et AL., 1997) da

    modernidade12.

    Mesmo contemporaneamente, muitos pases falham em alcanar essas condies e

    assim, no presente, no se qualificariam como completamente modernos. Todavia, ainda que

    seja difcil de alcan-las, nenhuma circunstncia requer que qualquer pas em modernizao

    se torne uma cpia exatamente igual aos seus precursores (Parsons, 1977: 215) dos Estados

    Unidos, como os mais ferozes crticos da teoria da modernizao diriam (ver, por exemplo,

    Wittrock, 2000: 54). verdade que Parsons sugere que os Estados Unidos poderiam servir

    como um modelo para outros pases em inovaes estruturais centrais para o

    desenvolvimento societrio moderno (Parsons, 1977:215), e outros tericos da modernizao

    tenham feito o mesmo. Em conseqncia da Guerra do Vietn e as revoltas estudantis no fim

    da dcada de 1960, e tambm, ainda que discutvel, sobre a descolonizao de grande parte do

    mundo no-Ocidental depois da Segunda Guerra Mundial, essa sugesto se tornou bastante

    polmica porque foi interpretada como uma racionalizao pouco camuflada do imperialismo

    americano. Esse um julgamento razovel?

    Ainda que politicamente compreensvel na poca, a plausibilidade terica desse

    julgamento passvel de ser debatida. Para entender o porqu, o termo modernizao

    precisa ser esclarecido. De um lado, simplesmente se refere ao aspecto dinmico da

    modernidade, os processos e produtos de mudana que acompanham a transio do pr-

    moderno ao moderno e alm. Por outro lado, o termo denota os esforos conscientes de

    atores sociais influentes a serem postos em prtica, atravs dos meios de planejamento

    racionais, cujos desenvolvimentos resultam no que entendido como modernidade em um

    ponto particular do tempo.

    Historicamente, os dois modos de modernizao formam uma sequncia.

    Enquanto os primeiros movimentos em direo a modernidade so primariamente fenmenos

    emergentes, efeitos agregados de aes descoordenadas que, enquanto subvertem a ordem

    antiga, eram raramente direcionados a realizao de (o que apenas a partir de uma

  • retrospectiva e a partir de uma perspectiva cientfica ou um observador de segunda ordem

    poderia parecer como) um programa ou projeto de modernidade; modernizadores

    posteriores, atravs da demonstrao do efeito dos precursores, tendem possuir idias

    relativamente claras como que direo devem seguir e como chegar l. Os pioneiros,

    inevitavelmente, servem como modelos para os seguidores no apenas porque impossvel

    para os ltimos ignorar (o conhecimento sobre) a existncia dos primeiros, mas a suposta

    superioridade dos precursores garante um verdadeiro estmulo para a modernizao. A

    modernizao tardia, na medida em que reflete uma ao intencional, movida pelo objetivo

    de alcanar o patamar dos precursores, e esse objetivo pode ser realizado apenas pela

    aprendizagem com os pioneiros.

    Agora, propor os Estados Unidos como modelo de modernizao tardia faz

    bastante sentido porque, no momento em que a proposta foi feita, os EUA eram claramente os

    lderes do desenvolvimento moderno: na economia, cincia, pesquisa e desenvolvimento,

    educao formal, mobilidade social, cultura (diria de massa) popular, e, discutivelmente, em

    outros campos tambm13. Hoje a imagem mais variada porque, imitando boas prticas de

    design institucional e designaes polticas nos Estados Unidos e em outros pases avanados

    scio-economicamente, diversos seguidores anteriores se tornam, eles prprios, modelos. E o

    que faz deles atrativos como modelos , precisamente, o que eles j alcanaram enquanto

    outros ainda se esforando para conseguir: tornar-se modernos e alcanar o Ocidente. Mas

    algum no pode se tornar moderno e alcanar o Ocidente sem estabelecer uma estrutura

    bsica de sociedade que assemelhe-se do Ocidente, porque essa estrutura a verdadeira

    condio de sucesso do Ocidente. A proposta da teoria da modernizao de ver os Estados

    Unidos como um modelo de desenvolvimento equivale a um pouco mais do que o

    conhecimento desse fato.

    III

    Retomando o paradigma da teoria das mltiplas modernidades, vale pena lembrar que a

    essncia do paradigma explicitamente direcionada contra a teoria da modernizao; contra a

    viso, para citar Eisenstadt (2000a: 1), da convergncia das sociedades industriais

    prevalecentes na dcada de 1950. Essa idia, diz Eisenstadt, deve ser rejeitada porque os

    desenvolvimentos atuais nas sociedades em modernizao tem refutado as homogeneizantes

    () pretenses do programa ocidental de modernidade com o surgimento de padres

    mltiplos de organizao societria que so manifestamente modernas, ainda que claramente

    diferentes do padro ocidental, ou, neste caso, da modernidade europia. A argumentao, em

  • suma, que a teoria da modernizao foi falseada empiricamente.

    Eisenstadt sabe que a linguagem da teoria das mltiplas modernidades pode ser

    defendida apenas se as diferenas observadas entre as sociedades modernas forem realmente

    profundas. Em outro texto (2000b: 110f.), ele selecionou o Japo como o caso-teste mais

    importante para o argumento de convergncia da teoria da modernizao, dado que o Japo

    foi o primeiro pas no-ocidental a se tornar completamente moderno. J que Parsons (1977:

    228) compartilhou este argumento, ele provavelmente teria concordado com esse peso

    especial que Eisenstadt d ao Japo em qualquer teste de validao da teoria de modernizao.

    Eisenstadt reconhece que as razes por trs da modernizao no Japo podem ter sido

    bastante similares quelas dos precursores do Ocidente Europeu14, ainda que mantenha que o

    padro de modernidade que surgiu do processo no o mesmo. O Japo moderno, ele

    argumenta, apresenta peculiaridades que no so somente variaes locais do modelo

    ocidental, mas se distinguem fundamentalmente deste modelo. (Eisenstadt, 2000b: 111).

    Ele continua, ento, com a fundamentao de seu argumento, durante algum

    tempo, atravs de ilustrao emprica. O primeiro exemplo tem a ver com os objetivos e os

    efeitos dos movimentos sociais no Japo contemporneo. Geralmente, estes movimentos

    tendem a ser menos radicais e menos adeptos ao confronto do que seus ocidentais homlogos,

    de acordo com Eisenstadt e, embora obtenham sucesso em algumas reformas instigantes, no

    conseguem induzir uma mudana maior no centro poltico. Esse centro tambm no o

    principal rgo de direo da sociedade, j que decises obrigatoriamente coletivas so

    frequentemente tomadas por redes diversas de burocratas, polticos e membros de grupos de

    interesse poderosos, mais do que pelo governo ou o parlamento. Outros recursos ditos nicos

    do sistema poltico do Japo so a pouca importncia dada s ideologias ou princpios

    fixados, que so superados muitas vezes por consideraes pragmticas, e a fraqueza relativa

    do Estado frente sociedade que restringe o escopo de medidas coercitivas e promove um

    estilo consensual de governana (Eisenstadt, 2000b, ch.3).

    Eisenstadt d outros exemplos de peculiaridades japonesas, mas nenhum de

    natureza substancialmente diferente. Eles so suficientemente significantes para apoiar o

    argumento de que o Japo constitui uma modernidade nica; uma modernidade que difere

    fundamentalmente da modernidade ocidental? Isso depende do conceito de modernidade

    empregado. O que Eisenstadt e seus seguidores tm dito sobre modernidade indica que sua

    concepo se foca primariamente no sistema poltico e em questes de identidade coletiva;

    mais especificamente, nas bases culturais e civilizacionais das comunidades imaginadas

    (Anderson, 1983) que refletem a construo da ordem simblica dos estados-nao modernos,

  • e tambm os tipos de regime que estabelecem, os modos de troca poltica que permitem ou

    encorajam, as polticas que possuem, e assim por diante15.

    O sistema poltico, certamente, um subsistema importante da sociedade. Mas

    ainda apenas um dos diversos sistemas, e reduzir toda a sociedade a ele argumentativamente

    cria uma concepo demasiadamente simples da modernidade, ao menos quando comparada

    com aquelas que fundamentam a tradio terica de diferenciao em sociologia, que tem

    como objetivo capturar a sociedade moderna em sua completude16. Mas, independentemente

    do uso que se faz disso, uma coisa deve ficar clara sobre a reconstruo acima sobre as

    proposies tericas principais da modernizao: a evidncia que Eisenstadt emprega contra

    elas at agora no apresenta qualquer desafio aquela teoria. Se algum julgar esses indcios

    luz das premissas da teoria como deveria, se o objetivo refut-la ento, os tipos de

    diferena que ele invoca so, realmente, nada alm de variantes menores de uma estrutura

    bsica de sociedade que o Japo, como outros pases em modernizao no Leste Asitico,

    compartilha com o Ocidente. O mesmo verdadeiro sobre o que outros tericos das mltiplas

    modernidades tm dito para destacar a importncia da diferena nenhuma de suas

    observaes aponta sistematicamente para alm do conceito, ou modelo, de modernidade que

    orienta o conhecimento terico da modernizao. Ningum nega que os pases se diferenciam

    entre eles, tm sua prpria histria, legados, peculiaridades institucionais e culturais,

    identidades coletivas, mas isso era sabido muito antes do paradigma das mltiplas

    modernidades surgir. Os tericos orientados por esta abordagem tm ainda que mostrar isso e

    porque essas diferenas so importantes teoricamente e em que sentido subvertem a noo de

    convergncia como entendida pela teoria da modernizao, a teoria da qual querem se

    distanciar.

    Questionar a significncia de alguns tipos de diferena para a teoria da

    modernidade no sugerir que as cincias sociais devem ser indiferentes a diferenas per se.

    A teoria da modernizao certamente no . Mas na medida em que sim, considera as

    diferenas, eles tendem a ser aqueles que separam a sociedade moderna dos tipos pr-

    modernos de organizao societria, que reflete graus maiores ou menores de modernizao e

    desenvolvimento, que referem-se a fatores que so condutores ou prejudiciais a

    modernizao, etc. Diferenas desse tipo, por outro lado, so fortemente ignoradas pela teoria

    das mltiplas modernidades, a despeito de sua relevncia inegvel para a teoria da

    modernidade. A razo , provavelmente, que tericos das mltiplas modernidades, embora

    bastante atentos s diferenas, negam, ou pelo menos no esto dispostos a considerar a

    possibilidade de que tais diferenas podem persistir na era moderna. Para a perspectiva dessa

  • escola, o mundo inteiro (igualmente) moderno agora (Eisenstadt, 2000: 14)17. Todas as

    sociedades contemporneas so modernas, apenas diferentemente modernas18.

    Uma perspectiva terica de diferenciao pe essa viso em dvida. Um caso a

    ser colocado a ndia. Desde a sua independncia em 1974, o pas tem sido uma democracia

    poltica e, portanto, em termos polticos, , sem dvida nenhuma, moderno, a despeito das

    vrias deficincias de sua democracia19. Ao mesmo tempo, o sistema de castas e,

    consequentemente, uma estrutura social que incompatvel com a modernidade completa,

    persiste a despeito de sua abolio legal h vrias dcadas atrs. Este sistema divide a

    populao em grupos hereditrios fixos classificados por status rituais. O casamento ou as

    refeies entre as castas so alvos de proibio, e as relaes entre os diversos grupos inclusos

    no sistema so organizadas estritamente de modo hierrquico, em que as classes mais altas

    controlam posies de prestgio no mbito do poder econmico e tambm poltico, e as

    classes mais baixas so relegadas a posies que refletem seu valor social menor a elas

    determinado. A ligao secular entre casta e ofcio, e, consequentemente, riqueza material e

    pobreza, tem se tornado menos rgida desde o sculo XIX, mas os grupos privilegiados scio-

    economicamente so das castas mais elevadas e vice-versa, predominantemente. Ainda pior

    que a situao dos membros das classes mais baixas, entretanto, a dos chamados intocveis,

    ou Dalits, e de numerosos grupos tribais que no se encaixam no sistema de castas e, assim,

    no tm qualquer lugar dentro dos limites definidos pelo sistema. De acordo com um estudo

    recente, esse grupo, que compem um nmero estimado em um quarto da populao indiana,

    sofre formas extremas de excluso, humilhao, explorao e privao20. Especialmente na

    ndia rural, onde vive 70% da populao, so negados os direitos bsicos de cidadania a

    vrios Dalits, como a proteo contra atos de violncia ou confisco de propriedade, o direito a

    voto, o acesso a servios pblicos, a venda ou compra em mercados pblicos, a entrada em

    templos, a liberdade de escolha dos locais de residncia, algumas vezes at ao casamento.

    Frequentemente, so mantidos em condies de escravido por dvida, sofrendo a imposio

    do trabalho forado, no-remunerado ou mal-remunerado (pagamentos abaixo do preo de

    mercado, muitas vezes, ou baseados nos critrios sem restrio de proprietrios de terra quase

    feudais), abuso sexual, como tambm de atos visveis de subordinao ou abuso pblico,

    como tendo que usar roupas imundas, de andar com a cabea curvada, andar nus em pblico,

    etc (Shah et al., 2006; Sooryamoorthy, 2008). Junto com outras minorias (especialmente a

    populao muulmana), eles tambm tm de lidar com a discriminao contempornea no

    sistema pblico de educao, cujos baixos investimentos sistemticos e a baixa qualidade

    contribuem, depois, para manter os grupos mais baixos em sua posio de desvantagem (ver,

  • por exemplo, Dubey, 2009).

    Enquanto o sistema de castas nico para a ndia, as clivagens sociais e as

    excluses deste tipo que produzem no so nicos; grande parte da Amrica Latina, por

    exemplo, demonstra divises arraigadas baseadas em grupos quase hereditrios que so

    bastante similares (Scheper-Hughes, 1992; Larrain, 2000; de Ferranti et al., 2004). Formas

    extremas de excluso social permeando a estrutura inteira da sociedade tambm so

    encontradas em partes do sudeste da sia (por exemplo, as Filipinas) e em outros lugares do

    mundo menos modernizado.

    Estruturas sociais que sustentam e tradies scio-culturais que sancionam

    prticas e hierarquias como estas so hostis modernidade porque so baseadas em

    desigualdades categricas que subvertem o princpio ou a diferenciao funcional ao erigir

    barreiras virtualmente intransponveis entre os pouco privilegiados e os privilegiados. Elas

    desenham uma linha entre o que visto e tratado como tipos essencialmente diferentes de

    seres humanos entre os quais relaes horizontais (simtricas) so impensveis, algumas

    vezes at abertamente herticas (contra a natureza). Estas estruturas tambm subvertem o

    funcionamento apropriado de muitas das instituies modernas formais, que se tornam,

    efetivamente, instrumentos dos interesses da elite em avano atravs da alocao de

    reparties pblicas (que, muitas vezes, so preenchidas com base no status mais do que pela

    qualificao), a alocao de reservas pblicas ou servios (cuja distribuio tende a ser

    regressiva), e por outros meios.

    Antes do avano da modernidade, a ordem societria dividindo a populao em

    estratos estritamente separados e hierarquizados era a norma em todas as sociedades

    avanadas; depois, esta ordem comeou a ruir e gradualmente teve de abrir espao a nova

    ordem onde cada membro da sociedade (deve ser) considerado (e, cada vez mais, tratado)

    como um igual. Para sistemas hierrquicos de estratificao, a prpria noo de igualdade de

    status, e, assim, aquela de igual cidadania, estranha e no tem significado. Sistemas sociais

    modernos, por outro lado, certamente no so igualitrios em todos os aspectos, mas as

    desigualdades tratadas como permitidas seguem uma lgica diferente, so graduais ao invs

    de naturalmente categricas. No necessrio dizer que essa uma distino ideal, porque, no

    mundo real, os dois tipos de desigualdade quase sempre se sobrepem. Analiticamente a

    distino , contudo, importante porque aponta para uma diferena chave entre as fundaes

    ideacionais das sociedades modernas e pr-modernas. O que apenas um fato da vida

    imutvel para as sociedades pr-modernas constitui um constrangimento permanente em

    sociedades modernas, porque contradiz seu auto-entendimento a semntica em que elas

  • descrevem a si mesmas e refletem a performance de suas instituies. precisamente por essa

    razo que a existncia de diferenas arraigadas de classe social, entre os sexos, raas, etnias,

    etc., em resumo: a existncia das diferenas atribudas refletindo gradaes de reconhecido

    valor social um problema que requer esforos em curso para remedi-lo e/ou justificativas

    na sociedade moderna.

    Tradies culturais, muitas vezes, servem para perpetuar hierarquias e prticas de

    origem pr-moderna. Um campo em que este fato particularmente evidente o das relaes

    de gnero. O valor baixo comparativamente dado a vida de garotas e mulheres em partes do

    sul e do leste da sia responsvel por difundir o infanticdio e a morte de fetos femininos,

    resultando em taxas da populao por sexo altamente enviesadas e dezenas de milhes de

    mulheres desaparecidas na ndia e na China (Croll, 2000). A UNICEF (2006) estima que

    mais de 130 milhes de mulheres e meninas vivas hoje so submetidas circunciso genital

    forada baseada em vises de mundo tradicionais na frica Sub-Saariana, costumes e normas

    negam a elas o direito do prazer sexual. As taxas de analfabetismo de mulheres na ndia

    (Drze &Sem, 2002), mas tambm em muitos dos pases rabes (ver UNDP, 2006), so o

    dobro do que aquela entre os homens, e muito mais garotas e mulheres, mais do que homens e

    meninos, esto subnutridas por causa de normas culturais que do prioridade do fornecimento

    de alimento aos homens (Suddarchan & Bhattacharya, 2006)21. Casamentos forados e

    assassinatos em defesa da honra de filhas ou irms no-condescendentes so a ordem do dia

    em grande parte do mundo muulmano, especialmente em partes menos desenvolvidas e entre

    os segmentos menos escolarizados da populao22. E a lista continua indefinidamente.

    Para uma escola de pensamento sensvel a diferena como a escola das

    mltiplas modernidades, vlido notar como presta pouca ateno a diferenas como essas,

    que esto quase completamente ausentes de suas anlises da (diversidade na) era moderna. A

    razo poderia ser a dificuldade de concili-las com uma teoria que trata todos os pases e

    regies do mundo como igualmente modernos? Isso, de qualquer maneira, como parecem as

    coisas de uma perspectiva terica da diferenciao, de acordo com a qual a diferena mais

    importante entre a modernidade e seu precursor evolucionrio aquela entre a diferenciao

    funcional ou por estratos da sociedade (Luhmann, 1997; ver tambm Parsons, 1964).

    Enquanto a estratificao continuar como o modo dominante de estruturar a sociedade,

    excluindo grandes partes, se no a maioria, da populao ao acesso a instituies e benefcios,

    no se pode afirmar que, segundo esse ponto de vista, a modernidade foi estabelecida

    genuinamente. Ao contrrio, uma realidade vivida apenas pelas minorias socialmente

    includas (Luhmann, 2000b: 232)23.

  • Assumindo que existem diferenas culturais e scio-estruturais que, em vez de

    refletir a diversidade intra-moderna, so melhor entendidas como demarcadoras de zonas de

    nveis maiores ou menores de modernizao atingidos24, ento so necessrios critrios

    atravs dos quais se pode julgar estes casos particulares. A teoria da diferenciao prope um

    tal critrio, o grau em que a diferenciao funcional foi realizada; e seus seguidores na teoria

    da modernizao adicionam outros, por exemplo, os nveis de desenvolvimento scio-cultural

    e scio-econmico, a propagao e a performance das instituies modernas, a individuao

    das pessoas, a difuso de normas seculares e igualitrias e outros. E enquanto qualquer

    proposta passvel de debate, essas duas escolas pelo menos se aventuram em criar alguns

    critrios. A escola das mltiplas modernidades, em contraste, parece insensvel s diferenas

    verdadeiramente fundamentais, enquanto d muito destaque a diferenas relativamente

    menores nas culturas expressivas dos Estados-nao contemporneos; como John Meyer

    (2000: 245) fala sem rodeios, de coisas que no importam no sistema moderno.

    Como indicado acima, a teoria da modernizao acomoda facilmente as diferenas

    do tipo que importam a teoria das mltiplas modernidades porque seu conceito de

    modernidade suficientemente abstrato para permitir uma grande variao dentro do tipo

    moderno de sociedade. A teoria da modernizao no enfatiza muito essa variao, mas, tendo

    em vista que isto no afeta o que a teoria considera como os blocos fundamentais da

    construo da sociedade moderna, aquilo que distingue a modernidade de outras formaes

    societrias, ignora, de modo acertado, essas diferenas, porque elas no tm qualquer

    influncia em seu assunto de interesse25. Apenas diferenas que fazem diferena em seu

    problema de referncia devem ser levadas em considerao pela teoria da modernidade. A

    sociologia no desprovida de instrumentos conceituais, permitindo que consideremos outras

    diferenas (por exemplo, entre pases) em um esquema comparativo de anlise adequado, mas

    confundir o estudo da modernidade com a anlise comparativa de caminhos das polticas

    escolhidas, de tipos de regimes institucionais promulgados, de identidades temporrias

    adotadas coletivamente, e de tradies culturais supostamente imutveis adotadas pelos (elites

    intelectuais e polticas de) pases particulares simplesmente funde nveis de anlise e,

    portanto, no adiciona nada a nossa compreenso de nenhuma das duas. Para conceitualizar

    variedades desse tipo, seria melhor recorrer a vrias teorias de mdio-alcance, como as

    famosas propostas de Robert Merton, ainda que privilegiadas indevidamente em detrimento

    da grande teoria.

  • IV

    Dizer que Eisenstadt no consegue criar argumentos convincentes tanto contra a teoria da

    modernizao, quanto a favor de sua alternativa proposta no prova a preciso da teoria da

    modernizao e, tampouco, invalida o paradigma das mltiplas modernidades. No final das

    contas, a noo poderia ser ampliada para abranger mais terreno social do que uma limitada

    interpretao culturalista e/ou poltica da modernidade captura, de modo que podem existir

    realidades mais danosas para a hiptese da convergncia do que os achados contra ela por

    Eisenstadt e seus seguidores. Onde algum teria que procurar pela evidncia necessria e o

    que este algum teria que mostrar para tornar a proposta de Eisenstadt mais plausvel?

    A evidncia poderia vir de uma regio que, ao passo em que se encontra em uma

    posio scio-econmica similar ao Ocidente, tem razes culturais/civilizacionais diferentes e

    tem tido diferentes encontros com a modernidade. Como o prprio Eisenstadt sabe bem,

    nenhuma regio atende to bem estes critrios quanto o Japo e seus vizinhos tigres

    asiticos, Coria do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura os quais, tomados juntos,

    compreendem atualmente os exemplares mais avanados daquilo que poderia ser chamado de

    Modernidade do Leste Asitico (Tu, 2000). Se este grupo apresenta evidncia de padres que

    o distingue fundamentalmente da modernidade Ocidental no meramente em termos de

    sistema de governo e de semnticas da auto-descrio societal, mas em termos que perpassem

    o quadro em todas, ou maioria das dimenses de mudana social e em todas, ou maioria dos

    setores da sociedade ento pode realmente ser sensato considerar uma pluralizao do

    conceito de modernidade.

    A realidade, no entanto, no d suporte idia. A modernidade do Leste Asitico e

    a modernidade Ocidental tm muito em comum, e no ponto em que diferem uma da outra, as

    diferenas no so significantes para uma teoria da modernidade. Um aspecto que as

    modernidades do Leste Asitico e do Ocidente compartilham, e que indiscutivelmente

    diferencia ambas, sobretudo, da maioria das outras regies do mundo mais do que uma da

    outra , o carter sistemtico dos processos de modernizao aos quais elas foram

    submetidas e aos quais continuam expostas, o que significa que mudanas em um elemento

    esto associadas a e produzem mudanas em outros elementos (Huntington, 1971: 288). A

    modernizao nessas duas regies, ao invs de ser limitada a setores particulares da sociedade

    e/ou a certos segmentos da populao, foi e continua sendo um fenmeno inclusivo,

    transformando todos os aspectos da organizao societal e as vidas de todos os membros da

    sociedade em um perodo de tempo muito curto. Um segundo, e associado, aspecto que os

    respectivos processos de modernizao compartilham a direo da mudana. Com variaes

  • pequenas, sistemas poltico, administrativo, legal, econmico, cientfico, mdico, educacional,

    previdencirio, etc., esto em posio de perseguir metas similares, executar programas

    institucionais similares, e so mais ou menos igualmente efetivos. Todos os pases em questo

    so ricos, alguns um pouco mais que outros, com polticas de crescimento compartilhado

    beneficiando todas as classes sociais, embora em diferentes graus26. Todos eles enfrentam

    problemas similares e respondem, todos, com padres praticamente similares. As principais

    reformas polticas iniciadas e implantadas com sucesso por um pas so, cedo ou tarde,

    copiadas, com alguma variao e adaptao local, pelos outros27, e os retardatrios do passado

    podem ser justamente os lderes do presente e do futuro o Japo, por exemplo, tornou-se

    lder mundial em importantes tecnologias nos anos 1990, estabelecendo os parmetros de

    mudana para outros (Katzenstein, 2003: 216ff.); Cingapura crescentemente vista como

    modelo de desenvolvimento para o Oriente Mdio, e todos os cinco pases tm tido um

    profundo impacto na transformao chinesa da era ps-Mao. Os perfis demogrficos das duas

    regies so marcadamente similares: nveis de urbanizao, estruturas etrias, taxas de

    fecundidade, expectativas de vida, atendimento educacional, composio da fora de trabalho

    (por setor e gnero), etc. de suas populaes todas variam de acordo com margens

    relativamente pequenas tpicas de naes desenvolvidas (ver, por exemplo, UNDP, 2007:

    243ff.). Condies de vida, estilos de vida, padres de consumo e, como pesquisas globais

    mostram, at mesmo sistemas de valores esto, cada vez mais, se movendo em direes

    comuns (com valores de auto-expresso tornando-se mais prevalecentes ao longo do tempo,

    enquanto valores tradicionais vo lentamente ficando para trs, embora, em lugar nenhum,

    desaparecem completamente; ver Inglehart & Welzel, 2005).

    claro que diferenas tambm so passveis de serem encontradas entre e em

    relao s duas regies. Em termos de seu impacto na performance de instituies pblicas e

    organizaes privadas, essas diferenas so relativamente insignificantes embora elas ganhem

    cor, se comparadas s diferenas que distinguem o grupo enquanto todo de quase todo o resto

    do mundo que ainda no alcanou nveis comparveis de desenvolvimento. Existem,

    certamente, diferenas nos sistemas polticos, e em termos de condies especficas que

    defrontam diferentes grupos de cidados ou partes interessadas, estas diferenas podem

    significar um excelente acordo. Ao mesmo tempo, os respectivos governos, todos,

    sobressaem-se em boa governana, servindo melhor a populao do que seus (com

    freqncia altamente corruptos, se no inteiramente predatrios) lugares equivalentes no

    mundo (Kaufmann, Aart & Mastruzzi, 2008). Os sistemas legais so todos baseados no direito

    civil ou no direito comum europeus (com a adio, em alguns casos, de elementos do direito

  • chins clssico), e, embora eles tendam a ser mais eclticos no Leste Asitico do que no

    Ocidente (bem como so caracterizados por uma preferncia geral pela persuaso e pela

    resoluo informal do conflito atravs de litgio e da aplicao do direito formal que est

    profundamente arraigado na tradies confucionistas; ver Glenn, 2007, ch. 9), o preceito do

    direito observado de forma mais meticulosa e integral nessas duas regies do que em

    qualquer outro lugar, a despeito de algumas variaes locais28. Diferentes variedades do

    capitalismo com diferentes graus de interveno/coordenao estatal so praticadas na (em

    partes da) Amrica do Norte, Europa e no Leste Asitico (Stubbs, 1995; Hall & Soskice,

    2001; Streeck & Yamamura, 2001; Yeung, 2004), e as respectivas culturas empresariais

    tambm variam algum tanto, mas, juntas, as economias das duas regies lideram qualquer

    lista de inovao, produtividade, eficincia e competitividade global, deixando outras regies

    bem atrs (World Economic Forum, 2007; World Trade Organization, 2007; Gill & Kharas,

    2007)29. Os sistemas de bem-estar social estabelecidos pelos membros do grupo se diferem

    marcadamente, mas, em contraste com boa parte do mundo, onde estes sistemas mal existem

    (ou onde eles atendem muito mais s necessidades de grupos pequenos enquanto excluem

    outros, como na Amrica Latina; ver Haggard & Kaufman, 2008)30, eles todos tm

    mecanismos em funcionamento para proteger os mais vulnerveis e para permitir (Gilbert,

    2002) que os pobres tenham mais espao (Schmidt, 2008). Eles tambm lideram a pesquisa e

    o desenvolvimento no mundo (Gill & Kharas, 2007), e, embora o Ocidente estivesse muito

    frente em um passado recente, o Leste Asitico rapidamente o alcanou e agora a nica

    regio fora do ocidente que tem um nmero considervel de universidades e institutos de

    pesquisa de classe mundial (Shanghai Jiao Tong University, 2009; QS, 2009). A cincia

    produzida ali se destina mesma comunidade global, usa as mesmas metodologias, segue os

    mesmos padres de excelncia e igualmente produtiva em termos do nmero de patentes

    registradas por cientista (World Intellectual Property Organization, 2007). Tomadas juntas, as

    duas regies tambm ostentam os melhores sistemas educacional e mdico no mundo e,

    embora a organizao de ambos os sistemas variem ligeiramente de pas para pas, elas

    compartilham premissas, tecnologias e caractersticas basilares, alm de uma importante base

    comum de conhecimentos31.

    Algumas diferenas tambm podem ser encontradas nas vidas cotidianas levadas

    pelas vrias populaes: nos ritos que elas realizam, nas divindades (quando existem) que elas

    adoram, nas festividades religiosas e seculares que elas celebram, nos alimentos aos quais do

    preferncia, etc. De forma geral, a moralidade cotidiana e o pensamento poltico tendem a ser

    mais conservadores no Leste Asitico do que no Ocidente, em parte devido aos legados do

  • autoritarismo (Chung, 2005), em parte maior compresso do tempo de desenvolvimento32, e

    em parte s disposies culturais enraizadas na tradio Confucionista e em outras tradies

    indgenas que mantm alguma fora, a despeito do efeito corrosivo da modernizao. A vida

    religiosa no Leste Asitico dominada por tradies Budistas, enquanto o Cristianismo

    prevalece no Ocidente. Entretanto, mesclas sincretistas entre religies locais e estrangeiras

    esto se tornando cada vez mais comuns em ambas as regies, e, com isto, h pluralismo

    religioso33. A religiosidade provavelmente mais forte no Leste Asitico do que na Europa

    Ocidental, mas no necessariamente mais forte do que nos Estados Unidos. Do ponto de vista

    da alimentao, a culinria local se sobressai em quase todos os lugares, mas, com o

    aumento da riqueza, a variedade culinria aumenta no Leste Asitico, bem como no Ocidente.

    As elites conservadoras do Leste Asitico rejeitam, com alguma freqncia, o que eles

    consideram individualismo Ocidental, mas enfrentam, cada vez mais, questionamentos em

    relao aos valores coletivistas, alegadamente Asiticos; especialmente jovens mulheres,

    altamente qualificadas e orientadas carreira, crescentemente rejeitam-se a sacrificar suas

    prprias aspiraes em benefcio de um grupo mais amplo (principalmente a famlia) e, com

    isto, a emancipao feminina vai progredindo em toda a regio, a despeito de poderosas

    foras que fazem contraponto (Peng, 2003; Bulbeck, 2005). As taxas de divrcio e de pessoas

    que vivem sozinhas, embora baixas para os padres ocidentais, esto crescendo por todo o

    Leste e Sudeste Asitico (Jones, 2005; Quah, 2008). As pessoas passam pelas mesmas

    situaes, tm fases biogrficas mais ou menos padronizadas, perseguem as mesmas metas e

    os mesmos divertimentos, enfrentam as mesmas presses etc. Em suma, a experincia vivida

    de uma pessoa de classe mdia (inferior, ou superior) tpica, em quase todos os aspectos,

    assemelha-se sua contraparte na outra regio34.

    O que assertivo na comparao entre Leste Asitico e Ocidente no seria

    assegurado com o mesmo grau de assero em uma comparao entre tais regies e a maioria

    das outras partes do mundo o que precisamente o que algum iria esperar de um ponto de

    vista da teoria da modernizao, segundo a qual graus de similaridade provavelmente variam

    de acordo com os nveis de desenvolvimento e, com poucas excees, tais nveis tendem a ser

    menores em outras regies. Se, entretanto, as diferenas mais fundamentais no so

    encontradas dentre regies do mundo ou pases igualmente ou similarmente modernos

    (desenvolvidos), mas primordialmente entre eles e o restante menos moderno (desenvolvido),

    ento o que isto implica para o poder de persuaso dos argumentos da abordagem das

    mltiplas modernidades?

  • V

    O paradigma das mltiplas modernidades, como ele foi desenvolvido e empregado at ento,

    deixa muito a desejar. Ele no fornece novos insights em relao modernidade e tampouco

    amplia nossos horizontes analticos para abranger aspectos que outros conceitos no poderiam

    alcanar35. Ao invs disso, ele cria uma confuso ao pluralizar a noo de modernidade sem

    pontuar o seu significado e ao invocar evidncias anedticas em relao diversidade, cuja

    existncia ningum nega, mas cuja relevncia para a teoria da modernidade ainda no foi

    estabelecida de forma sistemtica e coerente.

    Valendo-se da diferenciao e das tradies tericas da modernizao, o

    presente artigo argumentou que nem todas as diferenas empiricamente observveis so

    igualmente significantes. Ao invs disso, o peso conceitual dessas diferenas depende dos

    problemas de pesquisa a serem respondidos e dos quadros de referncia analticos usados para

    observar tais diferenas. Usando-se a modernidade como o quadro de referncia, deve-se

    mirar nveis de abstrao relativamente altos, resultando no fato de que fenmenos que

    apareceriam como diferentes em um nvel menor de abstrao devero ou podero ser

    tratados como instncias de convergncia se comparados com o que seria considerado uma

    diferena real em um nvel de abstrao mais alto.

    Para ilustrar, consideremos a literatura sobre o estado de bem-estar social. Um

    achado desta literatura que existem diferentes regimes de bem-estar social em diferentes

    partes do mundo, com diferentes fatores scio-histricos, polticos, econmicos, alm de

    outros fatores que determinam os tipos de regime que emergem em cada localidade (ver

    Esping-Andersen, 1990; Holliday, 2000; Haggard & Kaufman, 2008). Outro achado que os

    sistemas de bem-estar social diferem-se entre si, desafiando todo e qualquer esforo de

    encaix-los em tipologias amplas (Kasza, 2002), e tambm outra descoberta o fato de que

    praticamente todos os pases que enriquecem como resultado de uma modernizao bem

    sucedida iro estabelecer, cedo ou tarde, algum tipo de estado de bem-estar social,

    independentemente das orientaes polticas das elites dominantes, dos recursos de poder dos

    atores polticos, etc. (Winlensky, 1975). Estas descobertas so apresentadas freqentemente

    como se contradissessem entre si. Mas fazer isto desnecessrio porque, em certo sentido,

    elas todas esto corretas. Do ponto de vista de uma teoria da modernidade, a questo mais

    importante no est relacionada s peculiaridades de estados de bem-estar social especficos e,

    por outro lado, de pases desenvolvidos, mas sim se mecanismos de bem-estar social

    estatal ou regulado existem em todos eles. A convergncia diria que existem; a divergncia

    diria que eles no existem. Dizer que a seguridade social no contexto de um estado de bem-

  • estar social pode ser organizada de formas muito diferentes verdade, mas responde um

    diferente problema de referncia, nomeadamente questes do tipo Como diferentes estados

    de bem-estar social provm seguridade social?, Como eles se desenvolveram

    historicamente?, etc. Se a pesquisa estimulada por tais questes encontra coisas em comum

    atravs dos pases e diferenas que co-variam com outros fatores, ento faz sentido

    sistematizar essa descoberta e construir tipologias de regimes de bem-estar social. Todavia,

    tipologias inevitavelmente abstradas de diferenas que existem entre os representantes de um

    tipo ideal particular. Ento, quando uma maior nfase colocada nas variaes transnacionais,

    o quadro de referncia escolhido no captura diferenas que os estados de bem-estar social,

    assemelhando-se uns aos outros em algumas dimenses, podem apresentar em outras

    dimenses que so ignoradas ou jogadas abaixo pela tipologia36. Uma forma de lidar com este

    problema revisar a tipologia; outra forma seria descer para um nvel ainda menor de

    abstrao, mirando problemas de referncia para os quais as respectivas diferenas tm

    alguma importncia. Por exemplo, se algum quer saber como os fundos de bem-estar social

    so alocados em diferentes campos da poltica social (por exemplo, sade pblica, educao

    pblica, aposentadoria, etc.) e como isto impacta o bem-estar agregado de diferentes

    populaes, ento o que podem ser variaes nfimas do ponto de vista de uma teoria do

    estado de bem-estar social podem, de repente, assumir uma grande importncia. O exerccio

    poderia ser continuado e estendido para praticamente qualquer campo de investigao.

    Em suma, os aspectos da realidade que as anlises cientfico-sociais enfatizam no

    so simplesmente uma questo de verdade ou falsidade, mas depende, em larga escala, dos

    problemas de referncia que elas se propem a observar. Transpondo esta considerao para a

    controvrsia entre a teoria da modernizao e a teoria das mltiplas modernidades, sugere-se a

    seguinte concluso. A teoria das mltiplas modernidades est interessada em certas questes,

    e a teoria da modernizao em outras. Os tericos das mltiplas modernidades querem saber

    como continuidades culturais profundamente arraigadas se manifestam nas identidades

    coletivas, e at mesmo nas polticas, de estados-nao; como elas do forma percepo de

    problemas, construo e ao funcionamento de instituies, e assim por diante. Eles querem

    assentar fundaes para uma sociologia historicamente orientada e sensvel aos contextos, que

    consiga dar conta de vrias diferenas que chamam a ateno (ver, por exemplo, Spohn,

    2006). So certamente interesses legtimos. Mas no so os mesmos interesses que guiam o

    conhecimento terico da modernizao, que preocupa-se com o que nico modernidade

    enquanto formao societal, com as transformaes que se desenrolam com a transio da era

    pr-moderna para a era moderna, etc.

  • Uma conseqncia desta diferena que, frequentemente, as descobertas de cada

    abordagem no tm qualquer implicao sobre a outra. Elas respondem a diferentes

    problemas de pesquisa e, com isso, realam diferentes facetas da realidade. Ignorar isto pode

    nos levar a equvocos. Por este motivo, no deve haver surpresa no fato de que os dois lados

    frequentemente desentendem-se. Ao mesmo tempo, ambos claramente tm seus pontos cegos.

    E, a linguagem em comum que eles utilizam a linguagem da modernidade sugere que

    eles podem compartilhar pelo menos algum terreno comum, de modo que pode-se questionar

    se eles poderiam realmente complementar ou ser fecundos um ao outro. Isto seria possvel?

    Certamente seria. Uma possibilidade esta. Os tericos das mltiplas

    modernidades tm apontado, acertadamente, que os tericos da modernizao tendem a ver o

    mundo moderno atravs do prisma do Ocidente. Conforme a modernidade vai se tornando um

    fenmeno verdadeiramente global (Schimidt, 2007), anlises meticulosas de modernidades

    tardias (Kaya, 2004) podem sugerir mudanas em algumas das premissas que constituem a

    base das teorias clssicas da modernidade, cujo alicerce experimental era evidentemente mais

    limitado do que aquele disponvel para os analistas contemporneos. Neste ponto, os tericos

    das mltiplas modernidades poderiam proporcionar alguma abertura e inspirao. Por

    exemplo, assim como a literatura comparativa sobre as variedades do capitalismo

    enriqueceu nossa compreenso do capitalismo moderno ao demonstrar que no existe uma

    forma melhor de organizar uma economia capitalista, uma abordagem globalmente

    orientada das variedades de modernidade (ver Schimidt, 2006) que fosse alm da economia

    e abrangesse, tambm, outros subsistemas da sociedade poderia ajudar a superar alguns vieses

    e paroquialismos da teoria da modernizao. Alm disso, conforme os centros de

    modernidade deslocam-se gradualmente para locais no-ocidentais (Schimidt, 2009), o poder

    ocidental para definir a modernidade tambm diminui. Isto abre espao para interpretaes

    renovadas e, com novos competidores participando nas polticas de interpretao, seguro

    predizer que a compreenso mundial da modernidade futuramente no somente se

    diferenciar da compreenso de hoje, como tambm refletir um valor, uma experincia e

    uma base de interesses mais amplos. Entretanto, e aqui onde os tericos das mltiplas

    modernidades poderiam gozar de mais receptividade em relao ao pensamento terico da

    modernizao, medida que tal deslocamento vai acontecendo efetivamente, ele tem lugar

    precisamente em funo da modernizao em curso fora do hemisfrio ocidental. E esta

    modernizao pode mudar os (recm-) modernizados mais do que os tericos das mltiplas

    modernidades, que acentuam fortemente (talvez demasiadamente) continuidades culturais,

    parecem estar preparados para imaginar. Ento, enquanto os tericos das mltiplas

  • modernidades acertadamente insistem na variedade de formas a partir das quais a

    modernidade se expressa, ns devemos evitar subestimar as capacidades transformadoras da

    modernidade e evitar pensar em termos de emergncia de novas modernidades cujo

    enraizamento no passado , na melhor das hipteses, tnue.

    Volker Schimidt leciona sociologia na Universidade Nacional de Cingapura (National University of

    Singapore). Antes de filiar-se instituio, ele ocupou posies de docncia e pesquisa nas Universidades

    de Mannheim e Bremen, respectivamente. Em 1997/98, ele foi professor/pesquisador do Memorial J. F.

    Kennedy (J.F. Kennedy Fellow) no Centro de Estudos Europeus, Universidade de Havard, e, durante

    2008/09, foi professor visitante no grupo de excelncia Religio e Poltica na Modernidade,

    Universidade de Mnster. Schimidt autor ou co-autor de cinco livros e editor ou co-editor de outras

    quatro publicaes. Suas principais reas de especializao so a sociologia da justia, sade e poltica

    social, teoria social, e pesquisas sobre modernizao (com nfase especial no Leste Asitico). Endereo

    do autor: Department of Sociology, National University of Singapore, 11 Arts Link, Singapoure 117570.

    [e-mail: [email protected]]

  • 1 Este artigo uma verso estendida e revisada de um paper originalmente preparado para uma conferncia mid-

    term do Comit de Pesquisa em Teoria Sociolgica ISA (ISA Research Committee on Sociological Theory) na Universidade Nacional de Pusan, em Pusan, ocorrido entre 23-5 de junho de 2008. Partes deste paper tambm foram apresentadas no 38 Congresso Mundial do Instituto Internacional de Sociologia (38th World congresso of the International Institute of Sociology), em Budapeste, de 26-30 de junho de 2008, no 1 Frum de Sociologia ISA (1st ISA Forum of Sociology), em Barcelona, de 5 a 8 de setembro de 2008, e durante minha estadia como Pesquisador/Professor Visitante (Visiting Fellow) na Universidade de Mnster, no Ncleo de Excelncia Modernidade e Religio (agosto de 2008 a junho de 2009). Eu agradeo a todos os participantes pelas discusses ao vivo e as crticas. Eu sou grato particularmente a Thomas Gutmann por me convidar a Mnster e por seu esforo incessante em fazer da minha estadia o mais produtiva e agradvel possvel. A verso atual tambm se beneficiou de comentrios de Misha Pretrovic e as sugestes de um revisor annimo.

    2 Eisenstadt (2000a: 3) admite: 'No reconhecimento de uma multiplicidade de modernidades em constante evoluo', ele escreve, 'algum confrontado pelo problema do que realmente constitui o ncleo comum da modernidade'. Ele identifica como esse ncleo 'o modo ou os modos de interpretao do mundo' que se cristalizam em 'um distinto programa cultural' (Eisenstadt, 2005:31) que corroem formas tradicionais de legitimao das ordens social e poltica ao questionar sua naturalidade e ao tomar conscincia de sua maleabilidade. O lcus estrutural para a institucionalizao desse programa na conceitualizao de Eisenstadt o Estado-nao. Combinando esses dois aspectos com a observao de que Estados-nao tem sistemas polticos diferentes com diferentes legados e com entendimentos prprios que foram historicamente enraizados, tem-se a noo das mltiplas modernidades.

    3 Lerner (1968: 388), por exemplo, considera o movimento econmico como o elemento de impulso da modernizao, e estudiosos empregando em sua anlise um quadro terico geral da modernizao tem enfatizado repetidamente a importncia da iniciativa poltica para o sucesso de uma modernizao tardia (ver, por exemplo Bendix, 1970).

    4 A mdia, ainda que no seja de interesse vital para os tericos da modernizao, recebe muita ateno nas consideraes sobre modernidade de Lerner (ver 1958: 54ff.). No ocupa um papel central na arquitetura terica de Parson, mas Niklas Luhhmann, que (no um terico da modernizao mas) pode ser visto como um herdeiro legtimo de Parsons na teoria sociolgica de sistemas, concorda com o ponto de vista de Lerner sobre a importncia da mdia; ele devotou, na verdade, uma monografia inteira para a discusso deles (ver Luhmann, 200a).

    5 Na ltima pgina deste artigo, Parsons (1956: 357) identifica a institucionalizao da pesquisa e desenvolvimento (investigao cientfica e aplicao tecnolgica da cincia) como denominou o quinto universal evolucionrio, argumentando como este complexo estrutural foi capaz de assumir a mesma importncia que os outros quatro no sculo 20.

    6 Nas dcadas de 1950 e 1960, quando a teoria da modernizao era mais influente, algumas democracias consolidadas existiam mesmo na Europa Ocidental. A pennsula Ibrica era governada por regimes ditatoriais, a Grcia, depois de um longo perodo de instabilidade poltica, sofreu um golpe militar em 1967, a Itlia continuou a ser dividida em o Norte cvico e o Sul dominado pelas relaes hierrquicas patro-cliente (sobre o caso italiano, ver Putnam, 1993), e a Alemanha Ocidental, onde a democracia havia sido imposta pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial, ainda enfrentava um legado altamente autoritrio. A hiptese de identificar o modelo ocidental com a democracia poltica, consequentemente, seria muito mais fraco do que aparenta contemporaneamente.

    7 Permanece a necessidade de observar se isso se aplica a todos os tipos de regimes autoritrios ou apenas a suas variantes mais repressivas. Tericos da modernizao, enquanto se inclinaram para a democracia como um ideal normativo, certamente acreditavam que os prospectos de democratizao poderiam aumentar com nveis mais elevados de modernizao scio-econmica (o lcus clssico para esse argumento , claro, Lipset, 1959), mas mesmo onde argumentam que a transio para a democracia torna-se provvel em um certo estgio (por exemplo Inglehart & Hezel, 2005), ainda insistem na natureza probabilstica dessa proposio.

    8 Se considerarmos Parsons como o autor que criou as bases tericas da teoria da modernizao, ento, dado o espao conceitual que sua teoria garante diversidade, fica difcil entender o que motiva Arnason (2004, nfase original) a afirmar: a teoria inicial da modernizao era a priori no receptiva a idia de divergncias significativas em padres de modernizao, citando o padro sovitico como um exemplo. Assumindo que esse padro era diferente, ento sua afirmao se torna ainda mais confusa, j que Arnason tambm diz, no mesmo artigo em que se refere a Parsons e a outros, que a teoria inicial da modernizao

  • no ignorou a experincia sovitica (2008, nfase minha). Depois, ele adiciona que os autores posteriores (como Giddens e Habermas) negligenciam a experincia sovitica na teorizao da modernidade, e que estudiosos recentes chegam a questionar o carter moderno da Unio Sovitica. Essa observao correta. Contudo, porque seria utilizada contra a teoria inicial da modernizao um mistrio.

    9 Originalmente, Eisenstadt apresentou essa concepo. Resumindo o estudo terico da modernizao na dcada de 1970, ele diz que medida em que sociedades diferentes se tornam mais modernas ou desenvolvidas, mais se tornam parecidas em seus aspectos bsicos, centrais e institucionais (Eisenstadt, 1977: 1, nfase minha). Nota: mais parecida no significa idntica, e convergncia em aspectos institucionais bsicos no significa convergncia em todos os aspectos concebveis.

    10 Parsons no era o nico estudioso a defender esses pontos de vista; ver, por exemplo, Lerner (1958, ch 3) e Smelser (1968).

    11 Algumas dessas instituies mais importantes so: as do tipo produo-crescimento, preferivelmente uma economia capitalista; um sistema de bem, preferivelmente um governo poltico-democrtica; um imprio da lei e um sistema legal garantindo um conjunto de direitos humanos principais; administraes burocrticas providas de pessoal e cujos funcionrios sejam tecnicamente competentes e desprovidos de interesses especiais; um sistema de bem estar regulado ou coletivamente controlado, com cobertura a toda a populao e assegurando a satisfao de suas necessidades bsicas; pesquisa e desenvolvimento em grandes organizaes cientficas; etc.

    12 Essa qualificao necessria tendo em vista as descobertas do neo-institucionalismo sociolgico. Como John Meyer e seus colegas tem mostrado em vrios estudos (Meyer et AL., 1997, possui o melhor resumo), o mundo contemporneo exibe graus impressionantes de isomorfismo institucional. Eles tambm observam, contudo, que estruturas de instituies formais esto frequentemente desconectadas de sua prtica institucional atual, significando que existe uma m combinao entre a adoo aparente de um modelo particular (por exemplo, o modelo de Estado-Nao) e sua implementao e performance real, uma observao que permite vrios diagnsticos de falha institucional (como, por exemplo, a noo de estados falidos). Para a teoria da modernizao, uma adeso simblicaa modelos compartilhados no suficiente para aplicar a noo de convergncia; similaridade, neste contexto, quer dizer resultados similares, tambm.

    13 Como Parsons (1977:188) admitiu prontamente, os Estados Unidos no era um lder na componente social, setor em que permanecia atrs de diversos pases europeus cujos sistemas de bem-estar eram mais avanados; observaes similares foram feitas mais tarde sobre seu sistema de valores comparativamente mais tradicional (ver por exemplo Inglehart &Baker, 2000:31). No necessrio dizer que, para adquirir sua condio de modelo, numa fase anterior os prprios Estados Unidos tiveram de aprender com modelos estrangeiros. Suas universidades mais importantes, por exemplo, combinam elementos dos sistemas de universidades germnicas e britnicas (ver Bem-David, 1971). O resultado, no entanto, foi algo novo que agora influencia os padres globais de excelncia. Claro que ascender a uma posio de liderana em um momento do tempo no evita um possvel declnio mais tarde. Dessa maneira, enquanto os Estados Unidos lideraram os desenvolvimentos no campo educacional durante a maior parte do sculo 20, hoje esse no mais o caso (ver Goldin & Katz, 2008).

    14 Um caso adequado seria a Alemanha, um dos primeiros pases da modernidade tardia na Europa cujo desenvolvimento comparado frequentemente com o do Japo depois da Restaurao Meiji (ver por exemplo Bendix, 1970).

    15 Ver tambm Tu (2000), Wittrock (2000), Strath (2004) e os outros artigos no nmero especial de Thesis Eleven que editou sobre a modernidade Nrdica (i.e. escandinava). A orientao de Arnason (2000) um pouco mais ampla, mas ele tambm foca principalmente no sistema poltico. Wagner (2008) entende sua anlise aos sistemas econmicos e cientficos, mas reduz a anlise do discurso, por exemplo, os modos pelos quais os intelectuais percebem e constroem a modernidade (poltica, econmica, cientfica). Como outros culturalistas, ele tem pouco a dizer sobre a estrutura, a construo institucional e a performance dos sistemas sociais.

    16 Como mencionado na seo anterior, a teoria de Parsons considera a existncia de quatro subsistemas societais e tem a capacidade de acomodar vrios outros tratando setores adicionais da sociedade (por exemplo, educao, o direito, bem-estar social) como subsistemas de um dos outros (por exemplo, o sistema fiducirio ou da comunidade societal). Luhmann, que descarta o esquema GIL para a derivao de sistemas, trata a religio, a cincia, o cuidado com a sade, a educao e at as artes em conjunto com a poltica, o direito e a economia ao conferir a cada sistema o mesmo peso conceitual. As duras teorias vo alm de definies polticas da sociedade, puramente, que, apesar de terem sido consideradas obsoletas analiticamente pelos avanos feitos pela teoria social do sculo 19 (Luhmann, 2000b), continuam a inspirar boa parte da teorizao contempornea.

    17 Alguns leitores podem fazer a objeo sobre o fato de que Eisenstadt no diz expressamente que o mundo inteiro igualmente moderno. Isso verdade. O que ele realmente diz que modernidade envolveu quase o

  • mundo todo no fim do sculo 20, citando a frica, o Oriente Mdio, e vrios pases asiticos (do Japo atravs da ndia e China e Laos e Cambodja) como exemplos (Eisenstadt, 2000a: 14) e no indica em nenhum ponto do texto quaisquer diferenas a respeito dos nveis de modernizao. Ao mesmo tempo, ele d nfase em como cada pas reflete expresses nicas de modernidade e diferenas localizadas em diversos programas culturais de modernidade so as nicas diferenas a que ele alude. Em outras palavras, enquanto a expresso acima claramente uma interpretao, no parece uma imputao injustificada. Para indicar esta natureza interpretativa, o termo igualmente, apesar disso, foi posto entre aspas.

    18 Ver tambm Wagner (2008: 1), que inicia o primeiro captulo de seu lvro com a expresso Ns todos somos modernos agora e depois argumenta que a modernidade pode se manifestar em diferentes maneiras, enquanto em nenhum ponto do ponto texto considera a possibilidade que possa se manifestar em diferentes graus. Como Eisenstadt, ele identifica as razes histricas da modernidade em tempos mais remotos que a corrente principal da sociologia, propriamente na Era Axial, h 2500 anos. Consequentemente, no tem nenhum problema em considerar a Grcia Antiga, por exemplo, uma manifestao antecipada de modernidade. A modernidade Grega, diz Wagner, certamente diferente da nossa prpria, mas no menos moderna que a modernidade corrente ou contempornea (2008: vii).

    19 Observe que, enquanto Eisenstadt (2000: 23) consegue visualizar apenas as diferenas neutras entre as democracias da ndia e do Japo, as quais atribui as variaes de tradio cultural dos dois pases e suas experincias histricas no encontro com a modernidade Ocidental, outros, usando os critrios que medem a qualidade do governo, detectam diferenas enormes na performance das duas polticas (ver apndice C em Kauffmann, Aart & Mastruzzi, 2008), com o Japo como claramente superior , ou a frente da ndia. Em conformidade com essa observao, Inglehart e Welzel (2005: 161), se apoiando na distino usada amplamente entre a democracia formal e efetiva, descobrem que o score da ndia de democracia efetiva est onde se poderia esperar... na base de seu nvel de desenvolvimento econmico e esse nvel bem menor do que o Japo.

    20 Mesmo atualmente, aproximadamente 90% dos Dalits e dos grupos tribais so extremamente pobres, em um nvel mnimo de subsistncia, sem empregos ou seguridade social, trabalhando nas condies mais miserveis, sujas ou difceis de viver, de acordo com Indias National Commission for Enterprises in the Unorganized Sector (citado em Banerjee, 2010:6).

    21 Uma comparao global de desigualdade de gnero identifica os nveis de privao das mulheres na ndia como excepcionais (Drze & Sem, 2002: 70) mesmo de acordo com as taxas do mundo em desenvolvimento. Para anlises detalhadas das vrias dimenses dessa privao e muitas das iniciativas destinadas a resolv-la, ver, por exemplo, Bhandari & Mehta (2009). Pode ser difcil superar as vastas desigualdades de gnero indianas, mas modelos mundiais que do nfase a igualdade de gnero tem alcanado a ndia no menos que outras regies do mundo e fornecem padres para a deslegitimizao por atores locais afirmando a validade e aplicabilidade universal desses modelos.

    22 Os casamentos arranjados, que tambm persistem em grande parte do sul da sia, eram norma em todas as altas culturas. Na Europa do sculo XVIII, uma mudana ocorreu no pensamento das classes mais altas sobre a base apropriada do casamento, tornando o amor um componente essencial de uma crescente individualidade na escolha das esposas (Luhmann, 1987). Gradualmente, o ideal se espalhou para outras classes sociais e se tornou a norma na Europa e, atravs da difuso da cultura mundial moderna (Meyer et al., 1997) e alm.

    23 Por razes relacionadas, Parsons (1977: 184) encarou a incluso incompleta nos Estados Unidos da populao negra em sua comunidade societria como um caso de estratificao atributiva que subverte a premissa igualitria da sociedade moderna com uma estrutura de classe aberta (p. 186f.). Excluses sociais baseadas em inferioridade indiferenciada (Toby, 1977: 18) claramente persistem na era moderna. No h, entretanto, nada de moderno a respeito delas, se moderno for significado de prticas e percepes que so congruentes com o princpio da diferenciao funcional e/ou fundamentalmente com idias novas que origina, ou que apenas assume significncia entre pequenos crculos de intelectuais, em tempos modernos.

    24 O argumento acima de que grande parte das realidades sociais indianas so melhor entendidas como

    reminiscentes do seu passado pr-moderno do que como sintomas da modernidade tambm defendido por Heller (1999: 13), que relata a evidncia para a prevalncia generalizada da ordem social tradicional, hierrquica e atributiva e afirma que apenas o estado de Kerala conseguiu superar esta ordem em uma base ampla. As transformaes scio-econmicas massivas que a ndia tem passado desde o incio da dcada de 1990, apesar de terem submetido esta ordem a um certo stress, at agora no foi capaz de alter-la fundamentalmente.

    25 Lerner (1958: 78), enquanto aludia expressamente a rica diversidade das sociedades modernas e em modernizao, estava interessado, ainda assim, nas regularidades em que esto fundamentas a diversidade. Dado o assunto e o problema de referncia de seu estudo, essa prioridade faz perfeito sentido analiticamente.

  • 26 Usando o ndice de Desenvolvimento Econmico (IDH) da Organizao das Naes Unidas (ONU) como

    forma de medio, Japo e os quatro tigres asiticos esto na mesma liga como seus modelos ocidentais de outrora. De fato, nenhum pas no-ocidental fora do leste asitico est atualmente frente de qualquer protagonista da regio, cujo membro mais fraco (Coria do Sul) est na posio 26 em um total de 182 pases medidos a partir deste ndice (UNDP, 2009: 171ff.).

    27 Exame sistemtico do ambiente relevante frequentemente o primeiro passo dado pelas burocracias do leste asitico uma vez que um problema foi assinalado para regulao poltica (Katzenstein, 2003: 224). O objetivo aprender a partir da experincia dos outros que j tiveram que enfrentar problemas de mesma sorte. Uma das vantagens do desenvolvimento tardio (ou atraso, no jargo dos anos 1950 e 1960) enfatizadas pela escola da teoria da modernizao (ver Bendix, 1977: 415) precisamente esta oportunidade de aprender: os pases que se desenvolvem tardiamente no precisam reinventar a roda.

    28 Usando o mtodo de avaliao de Kaufman, Aart & Mastruzzi (2008), Coria do Sul e Taiwan ficam um pouco atrs de grandes pases ocidentais como os Estados Unidos, a Alemanha, o Reino Unido ou a Frana, mas esto frente da Itlia. As marcas de Japo e Hong Kong esto prximas a, ou so maiores que aquelas de alguns dos pases ocidentais citados acima. O caso de Cingapura difcil de ser avaliado, uma vez que diferentes ndices (por exemplo, Kaufmann et al. vs Bertelsmann ou Freedom House) o classificam de formas muito distintas, dependendo das qualidades e aspectos do direito que eles enfatizam. Nos casos de Coria do Sul e Taiwan, vlido notar que levou-se sculos para desenvolver tradies legais autnomas e sistemas legais relativamente livres de corrupo. Considerando a progresso muito menor do tempo de desenvolvimento desde os anos 1950 e 1960, quando eles comearam a se modernizar mais seriamente, ambos os pases atuam notavelmente bem (muito melhor do que muitos pases latino-americanos que j estiveram frente deles em diversos aspectos) e tambm de se admirar que o Japo esteja frente deles, j que o Japo foi o primeiro pas do leste asitico a se modernizar. O forte contraste entre pases com baixos e altos nveis de corrupo judicial demonstrado pelos numerosos estudos de caso empreendidos pela organizao Transparncia Internacional.

    29 Alm disso, nenhuma dvida existe de que estas variedades so todas variedades do capitalismo moderno. Dvidas tem sido levantadas, no entanto, quanto a modernidade de outros capitalismos (ver, por exemplo, Sem, 1999; Sachs, 2000; Becker, 2009), entre os quais nem todos libertaram a fora de trabalho da escravido e mercantilizaram ela, uma condio que Marx e Weber viam como essencial para o capitalismo moderno. De maneira interessante, e em contraste ao que algum esperaria de uma perspectiva culturalista, as variedades acima tambm perpassam linhas civilizacionais, com o capitalismo alemo (ou francs) compartilhando mais caractersticas com sua contraparte japonesa, ou do leste asitico, do que com a variedade anglo-americana. Pontos similares poderiam ser levantados em relao aos regimes scio-polticos (Schimidt, 2008).

    30 Haggard & Kaufman (2008: 79) apropriadamente chamam os sistemas de bem-estar social (welfare systems) encontrados em quase toda a Amrica Latina de sistemas estratificados porque, se de um lado eles vagarosamente comeam a abranger segmentos menos favorecidos da populao, por outro lado eles servem essencialmente aos interesses de grupos ncleos. Como outros subsistemas da sociedade, os sistemas de bem-estar social, destarte, refletem a significncia continuada da lgica da diferenciao pela estratificao, i.e. o modo de diferenciao societal que predomina em condies pr-modernas, na Amrica Latina. Claro que tais legados podem tambm ser encontrado em outros lugares, como por exemplo nos regimes scio-polticos conservadores (Esping-Andersen, 1990) da Europa continental, mas seus efeitos conservadores esto deslocados em relao a uma extenso muito maior de elementos igualitrios, os quais estes sistemas tambm contm.

    31 No caso da medicina, esta base de conhecimentos , sem sombra de dvidas, a medicina cientfica. Por exemplo, na Coria do Sul, a medicina oriental (incluindo a medicina chinesa), embora continue sendo praticada, responsvel por menos de 20% do gastos com sade do pas e por menos de 10% da medicina privada (ver OECD, 2003). A situao nos outros pases do leste asitico semelhante. Se a efetividade dos sistemas de cuidados com a sade mensurada em termos de indicadores comumente utilizados tais como a expectativa de vida ao nascer, mortalidade infantil, etc., ento os resultados alcanados pelo Japo e pelos quatro Tigres Asiticos so igualmente similares a ou melhores que aqueles dos pases lderes do Ocidente (ver UNDP, 2007: 247, 261). Na educao, os mtodos de instruo enfatizam a aprendizagem sistemtica e a preparao para exames mais fortemente do que no Ocidente (onde tais tcnicas foram gradualmente descartadas nos anos 1960), mas com nveis crescentes de desenvolvimento scio-econmico e a potencial demanda por empregados mais criativos que sejam capazes de solucionar problemas de maneira independente, o pensamento crtico e a compreenso profunda tm ganhado, tardiamente, mais proeminncia na prtica e no pensamento pedaggico. Em estudos que comparam as realizaes de alunos de quarta e oitava sries do ensino fundamental em cincias (Martin, Mullis & Foy, 2008a), matemtica (Martin, Mullis & Foy, 2008b) e leitura (Mullis et al., 2007), os estudantes do Japo e dos quatro tigres asiticos

  • consistentemente alcanaram pontuaes mximas, sendo muito superiores ao restante do mundo, com estudantes das naes lderes do Ocidente vindo, em sua maioria, em segundo lugar (a nica exceo a habilidade de leitura, um campo no qual os estudantes da Europa Oriental so fortes competidores em relao a qualquer grupo). O resto do mundo consistentemente se sai mal.

    32 Novos valores, estilos de vida e modelos de papis normalmente substituem os antigos em um processo gradual que pode durar sucessivas geraes (ver Inglehart & Welzel, 2005).

    33 O Japo no Leste Asitico e diversos pases predominantemente protestantes ou catlicos na Europa parecem ser excees a esta tendncia.

    34 Para as classes mdias em rpida ascenso na sia (Leste da sia) e como elas se comparam a suas contrapartes norte-americanas e europias, ver, por exemplo, Robison & Goodman (1996); Pinches (1999); Lange & Meier (2009).

    35 O sistema cultural de Parsons proporciona espao conceitual suficiente para analisar o que os tericos das mltiplas modernidades vem como a cultura de modernidade, e a ordem poltica constitui apenas um de seus quatro subsistemas da sociedade. Destarte, h um amplo escopo para que os tericos das mltiplas modernidades persigam suas inquietaes de acordo com a arquitetura da teoria de Parsons. O mesmo no se verifica quando temos a situao inversa se Parsons fosse adotar o paradigma das mltiplas modernidades, ele teria que restringir consideravelmente sua agenda quanto evoluo da sociedade.

    36 Por exemplo, enquanto comum observar os sistemas de bem-estar social britnico e americano como variedades do tipo regime liberal, o Servio de Sade Nacional Britnico (British National Health Service) contm elementos socialistas que o fazem mais similar aos seus equivalentes nos pases europeus social-democratas do que sua contraparte nos Estados Unidos.

    Modernidade e diversidade: reflexes sobre a controvrsia entre teoria da modernizao e a teoria das mltiplas modernidades