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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE E PRÉ - ALAS BRASIL 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina, Piauí. Cultura, comunicação e desenvolvimento: perspectivas políticas e econômicas - GT07 POLÍTICA DE FINANCIAMENTO DA CULTURA NO BRASIL - UMA ANÁLISE DO DESEMPENHO DA LEI ROUANET EM 2011 NO CEARÁ Rachel Gadelha Weyne Universidade Estadual do Ceará - UECE.

XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E … · folclore e artesanato, patrimônio cultural, humanidades e rádio e televisão. ... financiamento da cultura e visão da cultura

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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE E

PRÉ - ALAS BRASIL

04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina, Piauí.

Cultura, comunicação e desenvolvimento:

perspectivas políticas e econômicas - GT07

POLÍTICA DE FINANCIAMENTO DA CULTURA NO BRASIL -

UMA ANÁLISE DO DESEMPENHO DA LEI ROUANET EM 2011 NO CEARÁ

Rachel Gadelha Weyne

Universidade Estadual do Ceará - UECE.

POLÍTICA DE FINANCIAMENTO DA CULTURA NO BRASIL -

UMA ANÁLISE DO DESEMPENHO DA LEI ROUANET EM 2011 NO CEARÁ

Rachel Gadelha Weyne 1

Introdução

O presente artigo pretende se debruçar sobre o desempenho da Lei

Rouanet de Incentivo à Cultura no Ceará no ano de 2011, numa tentativa de

desvendar como esse mecanismo atua no campo da produção cultural do

Estado. Tomaremos como base os dados oficiais divulgados na home page do

Ministério da Cultura, através de seu programa de "Acompanhamento de

Projetos", disponíveis no sistema SalicWeb Os dados consultados têm como

base o mês de maio de 2011 e podem sofrer alterações, de acordo com o

processamento das informações no Ministério.2

Pretende-se com este trabalho identificar aspectos que possam

subsidiar o debate e a compreensão desse programa no Ceará, numa tentativa

de compreender algumas de suas consequências no âmbito da cultura do

Estado, assim como a percepção das relações que se estabelecem entre os

agentes participantes do processo. A pesquisa permitirá ainda a identificação

de aspectos que possam colaborar para a compreensão do campo da

produção cultural no Ceará, como também de sua configuração, potencial e

debilidades.

1 - Rachel Gadelha é graduada em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas - UNICAMP, possui

curso de Master en Gestion Cultural pela Universidade de Barcelona -UB virtual e é mestranda em Políticas Públicas e

Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará - UECE. [email protected].

2 - A metodologia utilizada pelo Salic considera o projeto aprovado quando passa pela CNIC, independente

do ano que é apresentado. Quando aprovado, o projeto tem12 meses para captar, podendo ser prorrogado por mais 12

meses. Assim, um projeto aprovado em 2010 pode captar em 2011 e um projeto aprovado em 2011 pode ter captação

somente em 2012. Dentro dessa metodologia, um projeto pode aparecer como uma unidade em 2010 e 2011, caso

tenha captado recurso nos dois exercícios. É por essa razão que a criação de um índice de captação, não

representada fidedignamente a situação dos projetos aprovados em 2011.

As leis de incentivo à cultura no Brasil: atualizando o debate

No final de 1991, foi criada a Lei 8.313 que institui o Programa Nacional

de Apoio à Cultura (Pronac), com a finalidade de captar e canalizar recursos

para a cultura no Brasil. O programa se propunha a atender uma demanda

represada dos segmentos culturais brasileiros não só por mais recursos para o

setor, mas também para assegurar a implantação de uma política pública para

a cultura no país.

O Pronac foi criado com objetivos ambiciosos como: possibilitar os

meios para o livre acesso às fontes da cultura, permitir o pleno exercício dos

direitos culturais e estimular a regionalização da produção cultural e artística

brasileira, dentre outros. Para atender esses objetivos, o Programa prevê três

tipos de mecanismo. O Fundo Nacional de Cultura - FNC a ser administrado

pelo próprio Ministério da Cultura e que se destina a projetos artísticos e

culturais que atendam aos interesses da coletividade, priorizando aqueles que

tenham pouco atrativo mercadológico e portanto menos possibilidades de

desenvolvimento com recursos próprios. O segundo mecanismo previsto foi o

Fundo de Investimento Cultural e Artístico - FICART que se destina a projetos

com um potencial de lucratividade e que possam atrair possíveis investidores

na forma de condomínio, sem personalidade jurídica, caracterizando comunhão

de recursos destinados à aplicação em projetos culturais e artísticos.

O terceiro mecanismo trata do Incentivo a Projetos Culturais,

popularmente conhecido por Mecenato ou Lei Rouanet, em alusão ao

intelectual e diplomata Paulo Sérgio Rouanet, ministro da cultura da época e

criador da Lei. Este mecanismo tem como princípio a renúncia fiscal por parte

do Governo e foi concebido sob os preceitos da visão neoliberal do Estado,

como um instrumento de estímulo à participação da iniciativa privada no apoio

a projetos culturais, previamente aprovados pelo Ministério.

O Incentivo a Projetos Culturais prevê nove categorias culturais que

podem ser beneficiadas através da renúncia fiscal, distribuídos entre as

categorias de artes cênicas, audiovisual, literatura, música, artes plásticas,

folclore e artesanato, patrimônio cultural, humanidades e rádio e televisão.

Com uma proposta ancorada em uma ou mais dessas categorias,

qualquer pessoa física ou jurídica pode se constituir como proponente e

apresentar um projeto que será avaliado por técnicos do Ministério sofrendo

uma apreciação final na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura - CNIC.

Uma vez aprovado, o proponente recebe autorização para captar

recursos junto a pessoas físicas, pagadoras de imposto de renda (IR), que

podem repassar até 6% do imposto devido para o projeto; ou empresas

tributadas com base no lucro real que podem repassar até 4% do seu imposto

para o projeto que lhe convier, desde que previamente aprovado.

Projetos na área de artes cênicas, livros de valor artístico e cultural,

música instrumental e erudita, doação de acervos para bibliotecas públicas e

museus, construção de salas de cinema, produção de obras cinematográficas e

preservação do patrimônio cultural material e imaterial são algumas das

iniciativas que recebem um tratamento diferenciado por parte do Ministério e

gozam do direito de receber o benefício de 100% de isenção fiscal. As demais

categorias culturais tem autorização para deduzir 80% do apoio, obrigando que

o patrocinador desembolse 20% do valor do apoio com recursos próprios. A

possibilidade de isenção total ocasiona uma demanda maior, por parte de

proponentes e investidores, em projetos que gozem desse benefício.

Dos três mecanismos previstos na Lei 8.313, o que teve mais adesão

social foi o mecanismo de Incentivo a Projetos Culturais. A pequena oferta e

procura por projetos de interesse de retorno comercial fizeram que o FICART

não conseguisse se tornar uma realidade e o Fundo Nacional de Cultura - FNC

encontrou dificuldades de operar devido ao seu baixo orçamento.

O mecanismo de Incentivo a Projetos Culturais, hoje o mais utilizado,

inicialmente enfrentou uma resistência por parte dos empresários, que temiam

que a utilização da lei implicasse em acréscimo de burocracia na rotina da

empresa ou gerasse uma exposição fiscal desnecessária e inconveniente.

Superada essa fase de desconhecimento, parte do empresariado vislumbrou

na lei uma possibilidade de ampliação da visibilidade de sua marca, uma vez

que o mecanismo permite a exposição da logomarca dos apoiadores de cada

projeto.

A criação da Lei Rouanet inspirou o surgimento de leis estaduais e

municipais de incentivo à cultura, baseadas no princípio da renúncia fiscal

através de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS,

Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana e Imposto sobre

Serviços - ISS respectivamente. No Ceará, em 1995 foi criada uma Lei que

ficou conhecida como Lei Jereissati em alusão ao governador da época, Tasso

Jereissati e que adotava os mesmos princípios de renúncia fiscal do ICMS

devido.

Na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso foi feito um amplo

esforço de aproximação do empresariado brasileiro ao Programa Nacional de

Apoio à Cultura, com realização de encontros e publicação de material

demonstrando que o investimento em cultura "é um grande negócio".

Se por um lado a criação da lei de incentivo à cultura trouxe um

crescimento e profissionalização ao campo da produção e gestão cultural, a

recém-criada política de patrocínio cultural também gerou distorções. Em

âmbito nacional, o empoderamento da esfera privada no âmbito do

financiamento da cultura e visão da cultura entendida como negócio foram

algumas das heranças da gestão Fernando Henrique Cardoso, conforme

descreve Leonardo Brant (2009, p. 65):

Período em que o Estado, cada vez mais diminuto, atuava

como aparato burocrático para tramitação de projetos e

prestação de contas, cabendo à definição do que deveria ser

financiado quase que exclusivamente às empresas

patrocinadoras e o trabalho artístico tornando-se cada vez mais

dependente de uma adequação ao mercado.

A principal crítica que se fazia a política de incentivo à cultura na época

se referia ao processo de "privatização" da cultura, uma vez que a definição de

quais projetos seriam apoiados, e consequentemente realizados, se

concentrava na mão das grandes empresas, detentoras de impostos que

justificassem os aportes necessários. Estas, por sua vez, selecionavam os

projetos a serem apoiados, nem sempre por sua relevância cultural, mas na

grande maioria das vezes, como um instrumento auxiliar no marketing

corporativo, pelo retorno de mídia e por seu potencial de "agregar valor" à

imagem da empresa.

Por outro lado, a ênfase no mecanismo de financiamento, por meio de

incentivos fiscais, revela uma fragilidade como explicita Barbosa (2007, p.184) :

O entusiasmo com o aumento de recursos incentivados

esconde um problema grave: as instituições federais de cultura

foram penalizadas com a falta de investimentos e de recursos

orçamentários que lhes permitissem a ampliação de suas

capacidades de ação cultural.

Outro resultado dessa política foi a excessiva concentração de projetos

na região Sudeste do Brasil, uma vez que é lá onde se localizam as grandes

empresas, detentoras de parcelas expressivas de impostos que podem ser

revertidos em apoio cultural. A desigualdade se manifestou de diversas

maneiras e teve o efeito nefasto e imediato na pouca representatividade da

diversidade cultural brasileira.

Os mecanismos de renúncia fiscal instauraram também uma nova

relação entre o setor público e privado, envolvendo o Ministério da Cultura, as

empresas, os atores do campo da cultura e a sociedade. Relação de contornos

fluidos, onde nem sempre fica claramente delineado o papel de cada um e

onde não existe um consenso sobre a quem pertence os recursos utilizados na

cultura: ao governo que renuncia, à empresa que direciona os recursos ou, em

última instância, à sociedade que paga os impostos.

A ênfase nos aspectos de visibilidade e retorno institucional desejados

pelo patrocinador também interferiu na concepção dos projetos culturais que

passaram a ser criados e produzidos de forma a se tornarem mais atraentes

aos olhos das empresas, seja pela tentativa de se adequar às políticas culturais

das instituições financiadoras (quando existente), ou pela busca de recursos de

divulgação para o projeto e, consequentemente, para o patrocinador.

Esses fatores contribuíram para acentuar e destacar, no âmbito da

cultura, mais uma expressão da desigualdade regional no Brasil. Respostas a

essa questão começaram a se efetivar no governo do presidente Luis Inácio

Lula da Silva, que nomeou o artista Gilberto Gil para a chefia do Ministério da

Cultura, com o desafio de criar alternativas de democratização e inclusão

cultural.

Na nova gestão, o viés da política pública saiu do mercado para o social

e a cultura passou a ser entendida como importante instrumento de inclusão

social, cidadania e desenvolvimento. Em seu discurso de posse, Gilberto Gil

(2003) afirma que o Estado assumiria um papel ativo na formulação e

implementação de políticas culturais, adotando uma perspectiva

“intervencionista” e transversal de atuação e que a cultura seria entendida

como uma “usina de símbolos”. A ênfase sairia do mercado para o social com

programas e ações direcionados a todos os “cantos e recantos do Brasil”, o

que foi intitulado pelo ministro como “do-in antropológico”.

Nesse período, foi feito um esforço do poder público, tanto federal como

estadual para introduzir novas formas de financiamento à cultura, mediante o

aumento do orçamento, recursos para o Fundo Nacional de Cultura e uma

política de editais e premiações com a função de induzir a promoção de setores

culturais de interesse para as políticas públicas vigentes e também ampliar o

alcance dos mecanismos de financiamento utilizando instrumentos mais

democráticos e acessíveis. Nesse período também foram dados os primeiros

passos de reforma no sistema de financiamento da cultura, com debates

públicos nacionais visando a construção de uma Lei que desse conta das

novas demandas, conhecida como Procultura.

No governo Dilma Roussef, a política cultural mantém grande parte dos

programas iniciados na gestão anterior, tendo como uma das "heranças" o

desafio da construção de um Plano Nacional de Cultura e o aperfeiçoamento

do mecanismo de financiamento da cultura, em uma complexa e delicada

tessitura de (re)construção e diálogo com a sociedade.

Passados 21 anos da criação da Lei Rouanet, o mecanismo continua a

crescer e a ser utilizado como um dos mais importantes instrumentos de

captação de recursos para viabilizar a realização de projetos culturais em

diversos estados do Brasil, apesar das inúmeras fragilidades, conforme

explicitado por Rubim ( 2007, p.27) ao enumerá-las:

1. O poder de deliberação de políticas culturais passa do

Estado para as empresas e seus departamentos de marketing;

2. Uso exclusivo de recursos públicos; 3. Ausência de

contrapartidas; 4. Incapacidade de alavancar recursos privados

novos; 5. Concentração de recursos. Em 1995, por exemplo,

metade dos recursos, mais de 50 milhões, estavam

concentrados em 10 programas; 6. Projetos voltados para

institutos criados pelas próprias empresas (Fundação

Odebrecht, Itaú Cultural, Instituto Moreira Sales, Banco do

Brasil, etc.); 7. Apoio equivocado à cultura mercantil que tem

retorno comercial; 8. Concentração regional dos recursos. Um

estudo realizado, em 1998/99, pela Fundação João Pinheiro,

indicou que a imensa maioria dos recursos da Lei Rouanet e da

Lei do Audiovisual iam para regiões de São Paulo e Rio de

Janeiro.

Esses problemas continuam presentes como desafios a ser enfrentados

pelas políticas públicas de cultura. Segundo dados divulgados pelo Ministério

da Cultura, em 2011 a região Sudeste captou 79,9% dos recursos utilizados

pela Lei Rouanet em todo o país. O restante do recurso disponível foi

distribuído da seguinte forma: 11,2% na região Sul; 5,3% na região Nordeste;

3% na região Centro Oeste e apenas 0,7% para a região Norte.

A desigualdade dos números na captação de recursos para a cultura

reproduz a mesma lógica de desigualdade social presente no país. No entanto,

ela se dá de diversas formas.

Inicia-se já na quantidade de projetos apresentados. Em 2011 a região

Sudeste apresentou 5.190 projetos para serem submetidos à aprovação pela

Lei Rouanet, enquanto a região Norte apresentou somente 78. Esses números

deixam transparecer a necessidade de ações de divulgação do mecanismo de

incentivo, estímulo à participação e capacitação para o preenchimento dos

formulários e gestão de projetos. As demais regiões também se encontram

numa situação inferior aos números apresentados pela região Sudeste, mas

numa posição mais favorável do que o desempenho da região Norte. A região

Centro Oeste apresentou 421 projetos, a Nordeste 762 e a região Sul 1.252.

No entanto, mesmo que os desafios da etapa de submissão dos projetos

às leis de incentivo sejam superadas, os proponentes ainda têm à frente

enormes desafios como a conquista e adesão de incentivadores para projetos,

uma vez que os maiores incentivadores se concentram na região Sudeste do

país. Em 2011, as 10 maiores incentivadoras da cultura no Brasil foram a

Petrobrás, Companhia Vale do Rio Doce, Banco do Brasil, Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social - BNDS, União Bancos Brasileiros -

UNIBANCO, Banco Bradesco de Financiamento, Bradesco Vida e Previdência,

BFB Leasing S.A. Arrendamento mercantil, VIVO e Cielo.

Outro desafio a ser superado é o acesso a essas empresas, quase

sempre difícil para os proponentes de projetos culturais que não se localizam

na região Sudeste. E, uma vez superado esse desafio, outro se impõe. Os

projetos realizados nas grandes metrópoles (principalmente Rio de Janeiro e

São Paulo) apresentam maior potencial de interesse da mídia e

consequentemente, oferecem mais visibilidade aos patrocinadores, criando

uma situação de "concorrência" bastante desigual. Segundo dados do

Ministério da Cultura, o Nordeste contou com o incentivo de 224 pessoas

jurídicas para projetos culturais em 2011, enquanto a região Sudeste recebeu

recursos de 1.750 empresas.

Os dados acima explicitam alguns problemas da Lei Rouanet,

reconhecidos pelo próprio Ministério da Cultura, através de Henilton Menezes,

Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura em

palestra proferida no Seminário ProCultura na cidade de São Paulo em maio de

2012. Segundo ele, alguns dos principais problemas do mecanismo da Lei

Rouanet atualmente são a incapacidade da lei de traduzir o atual momento da

cultura brasileira no quesito diversidade e territorialidade; a indução ao

investimento em projetos e segmentos culturais que permitem 100% de

abatimento do imposto de renda; a promoção da concentração de recursos em

dois estados brasileiros; a ausência de estímulo ao investimento privado na

cultura; a exclusão de agentes culturais que não têm acesso aos

patrocinadores; o fato de tornar o produtor e seus projetos reféns dos recursos

incentivados e por fim, o mais importante: a não garantia ao acesso dos

brasileiros à cultura.

Apesar de todas essas fragilidades, é fundamental destacar e

reconhecer as importâncias contribuições que esse mecanismo de renúncia

fiscal trouxe ao campo da cultura no Brasil nos últimos vinte anos. A Lei

Rouanet foi, e continua sendo, um dos mais importantes mecanismos de

indução do profissionalismo no setor, de crescimento do campo artístico e de

geração de recursos para a cultura do Brasil. Mesmo com todas suas

imperfeições, a Lei Rouanet aprovou 7.920 projetos no Brasil no ano de 2011,

dos quais 3.667 obtiveram êxito na obtenção de recursos.

Em reconhecimento à importância da manutenção dessa conquista e à

necessidade urgente de correção das distorções existentes no mecanismo de

financiamento à cultura, o Ministério da Cultura propôs a substituição do antigo

PRONAC pelo Programa Nacional de Incentivo à Cultura - PROCULTURA que

está sendo apreciado pelo poder legislativo. No entanto, prevê-se ainda um

caminho a ser percorrido para que a mesma seja aprovada e entre em vigor,

trazendo novas configurações aos mecanismos de financiamento à cultura no

país.

A Lei Rouanet no Ceará - Uma análise do seu desempenho em 2011

Como mencionado, os mecanismos de financiamento por meio de

renúncia fiscal influenciaram na criação de um mercado produtor e consumidor

de arte e cultura no Brasil. Através deles, surgiram novas demandas que

exigiram uma maior organização do sistema cultural, crescente

profissionalismo e competência dos atores, o que favoreceu o surgimento de

produtores e gestores e a criação de projetos culturais e eventos artísticos com

bom nível de execução técnica e qualidade artística. O campo da produção

cultural se ampliou, empregando e formando outros profissionais no setor, com

o fortalecimento da cadeia produtiva da cultura e estabelecimento de projetos

locais com conexões nacionais e internacionais.

Tal realidade se deu também no Ceará. A possibilidade de

financiamento de projetos impactou no surgimento de um novo mercado

profissional, no amadurecimento dos atores, no fortalecimento do sistema

cultural e na realização de projetos ações mais estruturadas na capital e em

alguns de seus municípios, conforme depoimento da produtora cultural Maria

Amélia Mamede (2003, p. 5):

As leis (de incentivo à cultura) contribuíram para tornar o

sistema cultural mais ágil e mais profissional. O fato das

empresas associarem sua imagem aos produtos e eventos

culturais leva as mesmas a buscarem projetos bem elaborados

e bem realizados. A qualidade passa a ser requisito

fundamental para os mesmos. Esse aspecto influenciou a

ampliação e profissionalização deste mercado. Os profissionais

da esfera cultural sentiram a necessidade de aprimorar sua

qualificação, o que resultou em melhorias no processo de

organização do mercado cultural.

Neste contexto, se deu de forma mais estruturada a criação de uma

nova organização cultural no Estado. No esteio das leis de incentivo, surgiram

projetos de porte local, nacional e internacional que demandam, de acordo com

suas características singulares, reflexões e respostas imediatas num ambiente

de tensão e diálogo permanentes com os agentes envolvidos, artistas,

produtores, Estado e investidores.

As leis impactaram não só na quantidade e qualidade dos projetos

culturais, mas também na ampliação do número de pessoas e organizações

que passaram a apresentar projetos na categoria de proponentes. Inúmeras

iniciativas foram propostas por pessoas físicas, organizações não

governamentais, associações e fundações culturais, empresas de organização

de evento ou produção cultural, etc.

Para viabilizar a realização desses projetos, foi necessário um esforço

de aproximação dos atores da cultura junto às empresas com potencial de

patrocínio. Essa aproximação demandou tempo, empenho, ampliação da rede

de contatos, maior profissionalização do setor cultural para se enquadrar os

projetos culturais nos perfil do mundo dos negócios e um grande esforço para

despertar interesse junto às empresas, a despeito dos benefícios da renúncia

fiscal.

Dados da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura - SEFIC,

divulgados em fevereiro de 2012, apontam que o Ceará participou com apenas

1,3% dos recursos captados em todo o Brasil no ano de 2011 pela Lei

Rouanet. Em relação ao Nordeste, o volume de recursos captados no Ceará só

foi menor do que o de Pernambuco, que responde por 1,8% dos recursos da

região e igual ao da Bahia com 1,3%. Os demais estados respondem por

valores bem menores na seguinte ordem: Maranhão com 0,3%, Piauí com

0,2% e Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Paraíba com 0,1% cada um.

Nesse mesmo ano, São Paulo sozinho ficou com quase a metade do

dinheiro incentivado no Brasil, participando com 43,7% dos recursos captados,

num montante de R$ 555.748.073,00. O Ceará conseguiu captar R$

15.917.788,00 de incentivos que foram distribuídos entre seus 94 projetos que

obtiveram êxito na captação, dentre 168 aprovados pelo Ministério. A diferença

entre as cifras do Ceará e São Paulo falam por si, atestando o abismo que

separa essas duas realidades e deixando antever o prejuízo que essa

diferença causa para o desenvolvimento da cultura no Brasil, no sentido de sua

diversidade territorial e social.

Os recursos investidos no Ceará, através da Lei Rouanet, vem em sua

grande maioria de doadores na forma de pessoas jurídica, seguidos por um

número menor de pessoas físicas, que participam com menor aporte financeiro.

Observando a relação de incentivadores do Ceará, podem-se distinguir blocos

distintos formados por grandes empresas com sede no Ceará; estatais com

sede fora do Estado e empresas de menor porte, em sua maioria cearenses e,

por fim, os doadores do tipo pessoa física.

No primeiro bloco, encontramos empresas como o BNB, que possui

sede em Fortaleza e é um dos mais importantes patrocinadores da cultura no

Estado. Em 2011, a partir do seu investimento total de R$ 4.227.500,00 fez um

aporte de recursos no Ceará de R$ 2.855.500,00 distribuídos em 34 projetos

culturais através da Lei Rouanet.

A relação de projetos culturais apoiados pelo banco no Ceará é

bastante diversificada, o que representa uma característica positiva de

valorização a diversas linguagens e segmentos. São projetos distribuídos em

livros, filmes, CDs, apresentações artísticas, exposições, artesanato, sendo

que quase a metade desses apoios são destinados a festivais, feiras e outros

eventos de natureza artística.

Os valores apoiados também variam, oscilando entre R$ 25.000,00 a

R$ 200.000,00. Na relação dos projetos apoiados pela instituição, somente um

projeto tem relação direta com o banco, que é uma iniciativa que contempla

uma série de apresentações artísticas no clube social do BNB, intitulada "BNB

Clube de Cultura" no valor de R$ 100.000,00. A localização da sede em

Fortaleza favorece a aproximação com os proponentes e artistas cearenses,

fazendo com que o Banco do Nordeste se configure como um importante

financiador da cultura no estado.

Outro importante investidor no Ceará é a Companhia Energética do

Ceará - Coelce. Privatizada no governo de Tasso Jereissati (1998), por um

grupo multinacional, a empresa manteve um corpo gerencial local, com

inserção na cultura do estado, que desde o início da nova gestão investiu no

apoio à cultura cearense, utilizando-se desse recurso como uma importante

ferramenta de marketing social e cultural. Por meio dos mecanismos de

incentivo previstos na lei federal e estadual, a empresa se destaca como uma

das maiores apoiadoras de projetos culturais no Ceará. Tem seu foco de apoio

a iniciativas com um caráter de cunho educativo, priorizando projetos que

conciliem visibilidade a ações de responsabilidade ambiental, inclusão social,

formação e geração de renda.

Em 2011, a Coelce investiu somente através da Lei Rouanet um volume

de recursos um pouco maior do que o BNB, num total de R$ 2.750.000,00,

distribuídos em 17 projetos, sendo 09 festivais e eventos, que consigam, em

diferentes medidas, conciliar visibilidade com os critérios socioculturais

almejados pela empresa. Essa preferência da empresa por iniciativas que

atendam esses critérios e a importância da Coelce como investidora de cultura

no Ceará faz com que alguns projetos procurem incluir ações com esse cunho

em sua programações, visando a obtenção do recurso.

Na lista de projetos incentivados pela Coelce em 2011, observa-se a

existência de algumas ações que tem interesse direto para a empresa,

gestados em seus departamentos de comunicação e responsabilidade social e

ambiental. Os valores investidos pela empresa nos projetos através da Lei

Rouanet variam entre R$20.000,00 e R$ 450.000,00. Por ser também uma das

maiores financiadoras de projetos culturais pelos mecanismos de renúncia

fiscal do estado, a empresa se configura como uma importante mantenedora

da cultura no Ceará.

O terceiro investidor em aporte de recursos do Ceará é composto pelo

conjunto de empresas que fazem parte da holding do Grupo Edson Queiroz,

uma das maiores instituições privadas do Ceará. Através de 12 empresas, o

Grupo Edson Queiroz fez um aporte de R$ 1.170.000,00 em incentivo a

projetos culturais no estado em 2011. O que se destaca aqui, além do

expressivo volume em recursos utilizados na cultura, é que desse montante,

R$ 670.000,00 são investidos em projetos realizados pelo próprio grupo, sendo

R$ 490.000,00 para realização de grandes exposições e R$ 180.000,00 para

apresentação de espetáculos teatrais nacionais, realizados em instalações

educativas culturais próprias. O Grupo também investiu R$ 300.000,00 em

projetos realizados por outras organizações culturais, mas que levam

assinatura de empresas suas na promoção.

Percebe-se claramente que o Grupo Edson Queiroz é a empresa

cearense que mais se utiliza do mecanismo da Lei para financiar seus próprios

projetos ou de interesses corporativos, chamando a atenção para a grande

soma de recursos investidos. Destacamos também a concentração dos

investimentos em apenas 05 projetos que se caracterizam por sua dimensão,

visibilidade e suas qualidades técnicas e artísticas, comparáveis aos grandes

projetos artísticos nacionais.

Outra empresa de grande porte, localizada no Ceará, é o Grupo M. Dias

Branco, que investiu em 2011 o valor de R$ 899.000,00 em oito eventos

culturais e artísticos, sendo dois deles realizados em Pernambuco e o restante

no Ceará, onde incentivou R$ 499.000,00. Outro investidor que se destaca por

um volume intermediário de recursos é a Companhia de Água e Esgoto do

Ceará - Cagece, pertencente ao Governo do Estado, que investiu R$

370.000,00 em três projetos.

Todas as empresas citadas acima possuem sede no Ceará o que facilita

o contato direto dos proponentes com as instâncias decisórias, contribuindo

sobremaneira para à participação destas no incentivo às artes no estado.

Ao analisarmos a participação das estatais federais no Ceará, podemos

perceber a relevância que estas têm no investimento de projetos no Estado. A

Petrobrás, maior investidora em cultura através da Lei Rouanet no Brasil, com

um total de R$ 112.790.419,30, reafirma sua importância também no Ceará

onde investiu um montante de R$ 1.552.770,70 no ano de 2011. Sua

participação no estado foi distribuída em 10 projetos de diferentes segmentos

como memória, formação, reservas técnicas de museus, eventos, manutenção

de grupos e cultura popular, revelando um caráter amplo de interesse e

inserção.

A participação das estatais conta ainda com o Banco Nacional de

Desenvolvimento Social – BNDS, com 600.000,00 em 03 projetos; Centrais

Elétricas Brasileiras S.A - Eletrobrás com 01 projeto no valor de R$ 100.000,00;

Companhia Hidro Elétrica de São Francisco – CHESF, com 02 projetos no

valor de R$ 201.700,00 e os CORREIOS, com 02 projetos no valor de R$

92.000,00. A Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e o Banco da

Amazônia não apoiaram nenhum projeto no Ceará em 2011.

A participação conjunta das estatais no Ceará chama a atenção pela

reprodução da desigualdade territorial, onde deveria existir uma política de

desconcentração e de indução à cultura. No âmbito das estatais, dos 984

projetos incentivados em todo o país num total de R$ 255.929.150,29, somente

52 foram investidos no estado com um valor total de R$ 5.401.970,70, sendo

que destes 34 são recursos oriundo do BNB. Ou seja, observa-se uma

concentração do BNB e uma desconcentração das outras estatais que

participam, reunidas, com 18 projetos no Ceará. Algumas dessas empresas só

conseguem ser acessadas pelos produtores culturais por meio de uma

assessoria de captadores profissionais ou intermediação de políticos.

Grandes empresas também apoiaram projetos no Ceará como o Banco

Industrial e Comercial, que investiu R$ 920.280,00 em 06 projetos; a

Votorantim Cimentos, que investiu R$ 558.245,00 em dois projetos; a Central

Geradora Termelétrica Fortaleza – CGTF, que investiu R$ 383.340,00 em dois

projetos; assim como a Grendene, que investiu R$ 261.281,00 em um único

projeto. Essas empresas possuem unidades no Ceará, o que facilita os

contatos entre os produtores locais e staff corporativo, favorecendo o apoio de

projetos no Ceará.

Por fim, cabe destacar o apoio das empresas de bebidas alcoólicas

como a Norsa e a AMBEV, que investiram juntas R$ 570.000,00 em projetos

com perfil de grande consumo de bebida, assim como o apoio da Souza Cruz

para a realização de um Acampamento da Juventude.

Excluindo esses investidores de grande e médio porte, o Ceará conta

ainda com um espectro maior de empresas locais que incentivam projetos

variados na faixa média de R$ 17.000,00, apoiando iniciativas de diversas

naturezas e segmentos artísticos. Na forma de pessoa física, somente 30

investidores aportaram recursos em projetos no estado durante o ano de 2011

totalizando R$ 15.419,04, distribuídos em valores que variaram entre o mínimo

de R$ 50,00 e o máximo de R$ 1.443,45, segundo dados do SalicWeb.

No ano de 2011 foram apresentados no estado do Ceará 174 projetos

para apreciação junto ao Ministério da Cultura na modalidade do Mecenato. O

maior número de projetos se concentravam nas categorias de música, artes

integradas, artes cênicas, audiovisual, humanidades, patrimônio cultural e artes

visuais, em ordem decrescente. No mesmo ano, São Paulo apresentou 2.472

projetos.

Constata-se a ausência de projetos de ópera, capacitação em artes

cênicas, artes plásticas, produção cinematográfica de curta metragem e de

média metragem, produção radiofônica, produção videofonográfica, projetos

audiovisuais transmidiáticos, rádios e TVs educativas não comerciais, eventos

e ações de incentivo à leitura, livros de valor humanístico e livros de valor

literários; todas essas categorias previstas no mecanismo de incentivo.

Ao longo do ano, apenas um projeto foi apresentado por diferentes

linguagens de interesse cultural significativo como circo, exposições de arte,

rádios e TVs educativas, livros de valor artístico, acervo e acervo museológico,

formação e pesquisa em audiovisual, dentre outros. A baixa demanda por

esses projetos e a ausência de outros pode estar relacionada à dificuldade dos

proponentes em atrair investidores para projetos de pouca visibilidade e de

caráter eminentemente cultural, o que por si só já desencorajaria a participação

no mecanismo.

Essa realidade pode ser comprovada se analisarmos o perfil dos

projetos que conseguiram obter êxito na captação. Destaca-se, primeiramente,

que dos projetos aprovados, somente 94 conseguiram obter êxito na captação

de recursos, sendo que somente 50% deles conseguiu atingir o valor máximo

do projeto. Os outros 50% só obtiveram êxito parcial na captação, o que

requereu a busca de mais recursos a outras fontes para não inviabilizar a

execução do projeto.

A maioria dos projetos aprovados visa à realização de grandes eventos

artísticos como festivais de arte (dança, cinema, música e teatro), que contam

com expressivos orçamentos, qualidade técnica e artística, tradição na cidade,

exposição acentuada na mídia e, consequentemente, maiores custos e

potencial de visibilidade e retorno para o patrocinador.

Dentre a relação de projetos captados em 2011, se destacam 29

festivais, festas e eventos variados, numa média de mais de dois projetos por

mês. Iniciativas desse porte geralmente são onerosos e necessitam de maiores

aportes, o que os torna mais dependentes de patrocinadores, que, por sua vez,

se utilizam desses grandes eventos como recursos complementares de

marketing.

A maioria desses projetos possui oferta regular anual e são gratuitos ou

apresentam grande parte de sua programação gratuita. Esse aspecto, aliado

aos altos custos de sua realização fazem com que não sejam

autossustentáveis, tornando-os altamente dependentes de leis de incentivo

para seu financiamento. Cria-se assim um círculo vicioso onde as empresas

exigem qualidade, profissionalismo e retorno institucional. Atributos que

impactam diretamente no orçamento dos projetos, tornando os mais caros e

fazendo com que os projetos sejam cada vez mais dependentes das empresas

para garantir sua sustentabilidade. Situação agravada pela necessidade de

renegociação do apoio ininterrupta, "projeto por projeto", o que causa uma

situação de fragilidade que impossibilita um planejamento de médio prazo e a

realização desses ações em bases mais consistentes e duradouras.

É importante ressaltar também que esses tipos de eventos impulsionam

a cadeia produtiva da cultura, uma vez que utilizam diversos tipos de

fornecedores do mercado da cultura e cumprem importante função na

circulação e fruição da cultura, auxiliando no estímulo a formação de hábitos de

consumo cultural. Contribuem também para divulgar a produção artística

cearense, assim como colaboram na formação de artistas e de plateia.

São projetos como o Festival Ibero-americano de Cinema - Cine Ceará,

Festival Jazz & Blues e Bienal Internacional de Dança, que tem grande

importância para os segmentos de cinema e vídeo, música instrumental e

dança, respectivamente. Realizados há diversos anos, responderam juntos por

R$ R$ 3.257.397,40 dos recursos captados no Ceará em 2011.

Outros projetos que envolvem somas expressivas são o Espaço Cultural

Unifor - Circuito de Exposições e o Temporada de Grandes Espetáculos no

Teatro Celina Queiroz. Idealizados, realizados e financiados, em sua quase

totalidade, com recursos do próprio grupo Edson Queiroz, esses dois projetos

respondem por um valor de R$ 1.370.000,00.

Ao observarmos a natureza dos projetos que conseguiram captar

recursos no ano de 2011, podemos ter uma ideia do que foi realizado no Ceará

na área cultural. Muitos projetos se enquadram na categoria de artes

integradas, prevendo mais de uma linguagem artística no mesmo projeto, mais

para efeito de classificação, iremos levar em conta aqui a linguagem artística

predominante no projeto.

Os projetos que mais tiveram êxito na captação foram os grandes

eventos, seguidos de projetos relacionados à música, audiovisual e dança,

assim como a publicação de livros, todos numa proporção relativamente bem

distribuída de captação. Em um número menor de projetos captados

encontramos projetos de cunho educativo e cultural, teatro, exposições de arte

e circo.

Outro fator que merece destaque é a tendência à reprodução do

desequilíbrio territorial na captação e realização dos projetos. Pouco mais de

1/4 dos projetos apresentados se realizam no interior ou preveem ações

realizadas na capital e em municípios cearenses.

Percebe-se ainda uma predominância de projetos que se referem à

fruição e à circulação de linguagens artísticas e um número bem resumido de

projetos que invistam especificamente em formação para as artes, apesar de

algumas ações estarem contempladas em outros projetos de artes integradas.

Observamos a aprovação de sete projetos que tratam diretamente de ações

formativas e educacionais em arte e cultura. Constatou-se o incentivo à

manutenção de apenas um grupo teatral e três projetos de

recuperação/restauração de acervos de grande valor cultural, todos financiados

pela Petrobrás.

A análise da relação de proponentes do Ceará traz novas contribuições

à compreensão do funcionamento da Lei no Estado. Desde a sua criação, o

mecanismo de incentivo já foi acionado por 199 pessoas físicas e 345 pessoas

jurídicas, distribuídos, em sua maioria, entre associações, fundações, institutos,

empresas com atuação na área cultural, companhias, grupos e instituições

culturais e prefeituras do interior.

Destacamos a presença nessa lista de projetos propostos pelas próprias

empresas investidoras, através de fundações criadas com essa finalidade;

proponentes ligados a grandes grupos de comunicação do estado; proponentes

que representam a classe empresarial como Serviço Social do Comércio -

SESC, Serviço Social da Indústria - SESI e Câmara dos Dirigentes Lojistas -

CDL; e ainda proponentes relacionados aos grandes equipamentos culturais do

estado (Theatro José de Alencar, Instituto Dragão do Mar, Biblioteca Municipal,

Museu da Imagem e do Som, etc.) e a Fundação de Cultura, Esporte e Turismo

de Fortaleza, ligada à Prefeitura Municipal. Estes últimos solicitam recursos

para diversos projetos na área de eventos, apresentações artísticas,

programações permanentes, restauração de acervos, implantação de

equipamentos e até mesmo diagnósticos, para compensar a escassez de seus

orçamentos públicos.

Esse aspecto sugere uma desigualdade na busca pela obtenção de

patrocínio, uma vez que, em muitos desses projetos, a tarefa de captar cabe ao

próprio gestor das instituições, que mantém um relacionamento próximo com

outros investidores; ou a membros do staff do poder público que falam em

nome de projetos de interesse público e possuem acessos privilegiados. Em

outros casos, a necessidade da captação não existe, uma vez que o próprio

proponente é detentor do capital necessário para seu projeto. Acontece ainda

das modalidades se encontrarem imbricadas uma com as outras.

Ao nos aprofundarmos na relação geral dos proponentes do Ceará,

podemos observar que 181 deles apresentaram projetos apenas uma vez e 70

apresentaram somente duas vezes. Por outro lado, encontramos apenas 24

proponentes que utilizaram o mecanismo de renúncia fiscal mais do que dez

vezes, desde sua implantação.

Essa relação dos maiores proponentes tem a seguinte composição:

empresas especialistas em elaboração de projetos culturais (com 36 e 34

projetos aprovados); produtoras culturais e associações que executam seus

próprios projetos anuais (com 23, 21, 15,14, 13, 12 e 11 projetos aprovados);

instituições ligadas à grupos empresariais (com 34, 25, 22 e 20 projetos

aprovados) e proponentes relacionados aos equipamentos públicos (com 28,

14 e 12 projetos aprovados).

Considerações Finais

A Lei Rouanet é responsável pela obtenção de recursos que viabilizam a

realização de diversos projetos no Ceará. Projetos que tem uma importância no

exercício do direito à cultura e na criação e circulação de bens culturais, assim

como na divulgação da produção artística cearense e na formação de novas

vocações produtivas na área da cultura do estado.

Muitas iniciativas relevantes conseguiram ser viabilizadas em 2011,

utilizando os recursos previstos na Lei. A despeito da importância dessas

iniciativas, a estrutura da Lei traz em seu próprio bojo elementos que não

favorecem a criação de bases mais sólidas para a incorporação da cultura

como direito básico do povo cearense.

Um dos primeiros aspectos que se evidencia é a pouca diversidade dos

projetos apresentados para apreciação junto ao Ministério, assim como uma

tendência a um tipo específico de ações que apresentam maior potencial de

interesse junto à iniciativa privada.

Observa-se também um número pequeno de empresas cearenses de

grande porte, que investem em projetos culturais, o que gera uma sobrecarga

de demandas de apoio por parte dos proponentes, criando uma situação de

concorrência entre os projetos e a formação de um "poder paralelo" nas mãos

destas empresas, uma vez que acumulam o capital financeiro e a decisão

sobre o que merece ou não ser apoiado. O fato de grandes contribuintes

criarem suas próprias instituições e se tornarem proponentes e investidores ao

mesmo tempo, limita ainda mais as possibilidades de patrocínio no mercado do

Ceará. Outro agravante é disputa na captação entre pequenos projetos

demandados pela sociedade com outros de interesse do poder público, criando

uma concorrência igual entre desiguais.

A captação de recursos no Ceará se dá em um mercado de poucas

empresas com capital disponível e sede no estado; em um cenário de difícil

acesso às empresas estatais e/ou privadas que se situam fora do Ceará e em

competição com projetos realizados em outros estados, principalmente na

região Sudeste; muitas vezes restando a busca por patrocínio nas empresas

locais de menor porte que, além do desconhecimento dos mecanismos da Lei,

não possuem valores expressivos disponíveis para arcar com as despesas do

projetos apresentados.

Todas essas razões colaboram para que o índice de projetos aprovados

e captados tenha caído no Ceará nos últimos três anos, passando de 75,7%

em 2009 para 56 % em 2011.

É importante salientar que os obstáculos não se restringem a questões

concretas como acesso e volume de recursos, mas se configura também na

desinformação de inúmeros proponentes em potencial, incluindo aí pessoas

físicas, que ainda não utilizam o mecanismo e outro, maior ainda, que é de

ordem subjetiva, através de uma avaliação de qual projeto apoiar baseada na

reprodução de modelos e critérios concentradores, ancorados numa estética

"capitalista" da cultura que termina priorizando uma tipologia de eventos, em

detrimento de outras ações.

A configuração dos projetos realizados com apoio da Lei Rouanet no

Ceará, tende a reproduzir a cultura pensada e administrada numa sociedade

estruturada sobre valores de mercados, onde os projetos mais apoiados são

aqueles que mais benefícios podem trazer aos investidores, quer no retorno de

imagem direta, quer por "agregarem valor" às suas marcas, ao se identificarem

com projetos de prestígio artística e cultural.

Não que esses projetos não tenham significância e cumpram um

importante papel no sistema da cultura, mas, sob essa lógica, inúmeros outros

projetos de relevância cultural nas áreas de patrimônio, preservação, formação,

humanidades e culturas tradicionais, para citar alguns, ficam de fora desse

cenário de financiamento. Assim como também diversas expressões culturais

tradicionais relevantes para o Estado ficam excluídas desse processo, devido

às suas inaptidões para a gestão burocrática em que o mecanismo da lei exige

como o domínio a técnica de elaboração de projetos, a captação de recursos e

o acompanhamento financeiro dos mesmos.

Não bastassem essas dificuldades, outro aspecto se observa: a lei

garante a realização de inúmeras iniciativas, mas nem sempre assegura a

continuidade e manutenção delas, uma vez que os projetos apresentados ao

Ministério são formulados com previsão de início, meio e fim, enquadrados e

cronogramas e orçamentos finitos e previamente aprovados.

Essa situação tem se configurado no decorrer desses anos como um

dos maiores paradoxos das políticas culturais do Brasil. Através de diferentes

mecanismos, as políticas culturais têm sido responsáveis pelo surgimento e

proliferação de inúmeras iniciativas de pequeno, médio e grande porte em

diversas localidades do país. No entanto, a gestão e sustentabilidade desses

projetos ainda continuam a ser um desafio a ser superado.

Desde os grandes projetos e eventos, até as iniciativas mais tímidas,

mesmo que tenham conseguido alcançar seus objetivos na captação dos

recursos, se quiserem continuar a desenvolver seus projetos, terão que iniciar

todo o processo novamente. Isso cria uma espécie de regra no "jogo" da

cultura, onde, no final da partida, automaticamente, o jogador volta para a

primeira casa e inicia nova partida, praticamente do ponto zero. Como esses

projetos não são autossustentáveis, há a impressão de que tudo o que está

sendo feito no campo da produção cultural baseado na Lei Rouanet, são como

construções de castelos em bancos de areia.

Isso pode ser facilmente perceptível no simples exercício de conjectura

de extinção da Lei hoje no país. A eliminação desse mecanismo geraria um

efeito dominó de proporções significativas. Sem incentivo, poucas empresas se

disponibilizariam a investir recursos próprios em projetos culturais. Os poucos

recursos ofertados seriam alvos de disputas acirradas, que provavelmente

teriam entre os vencedores proponentes e projetos da região Sudeste.

Situação que poria em risco diversas iniciativas bem sucedidas em todo o

Brasil, provocando uma crise em um setor que vem passando por um período

de dinamização sem precedentes na história do país.

Podemos dizer que os agentes culturais trabalham num cenário rico de

possibilidades, mas de bases instáveis, gerando um ambiente de incertezas

permanente, conforme bem descrito por Rubim ( 2010) que denuncia um

ambiente de tensão que pode até mesmo dilacerar as políticas em processo.

Segundo ele, o predomínio das leis de incentivo não se configura como uma

modalidade adequada para garantir as políticas públicas, tornando o

financiamento à cultura no Brasil, emblemático dessa tensão.

Faz-se necessário que a política de financiamento baseada nos

incentivos seja revisada, de forma a garantir as conquistas já alcançadas pelos

agentes da cultura, estimulando e preservando as inúmeras iniciativas surgidas

na sociedade civil com o advento da Lei Rouanet, mas urge avançar no

processo de continuidade e sustentabilidade dessas iniciativas, pois como diz

Porto ( 2007) o incentivo fiscal é um recurso temporal que precisa apresentar

estratégias de desenvolvimento do setor e dos benefícios conquistados.

Algumas dessas estratégias já estão sendo contempladas no Procultura

que está tramitando no poder legislativo. Com ele, se busca criar condições

para o estímulo ao investimento fora do eixo Sudeste do Brasil; a ampliação do

universo de patrocinadores com políticas de incentivo à participação de

empresas de menor porte; o maior aporte de recursos para o Fundo de

Nacional de Cultura para assegurar recursos para projetos que não se

enquadrem no formato comercial de interesse dos investidores; e a

possibilidade de renúncia de 100% do investimento baseada em uma nova

avaliação dos projetos pautadas em critérios objetivos, são alguns exemplos

das melhorias que poderão ter efeito positivo em todo o país.

Busca-se um aperfeiçoamento. Uma vez garantida as conquistas

propostas no Procultura, precisamos pensar em outros parâmetros de política

de financiamento e do fazer cultural.

É chegada a hora de posicionarmos o debate do financiamento à cultura

no país sob novos pressupostos, tirando a ênfase nas políticas de renúncia

fiscal e diminuindo sua sujeição à iniciativa privada. Precisamos criar uma nova

percepção da cultura, onde essa seja entendida como direito do cidadão e

assegurar, junto às instâncias públicas, recursos para a execução de políticas

que contemplem a diversidade e a riqueza cultural do país, integrando grandes

projetos artísticos da cultura urbana com pequenas iniciativas que promovam a

riqueza e a diversidade cultural brasileira. Cultura só porque faz bem. Só

porque nos tornamos pessoas melhores. Cultura porque não existe vida sem

ela.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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