10
1 INTRODUÇÃO
A violência sexual não depende de barreiras culturais, classes sociais, níveis socioeconômicos
e limitações individuais, podem ocorrer tanto no espaço privado quanto no público e atinge
todas as faixas etárias. A violência denominada violência de gênero, representa grave violação
aos direitos humanos e é capaz de desencadear inúmeros agravos à saúde. Durante muito
tempo, a violência foi considerada uma questão de polícia. Pela extensão que tem atingido,
passou a ser igualmente um problema de saúde pública (DINIZ et al. 2007).
Este tipo de violência manifesta-se de várias formas e diferentes graus de severidade de atos,
inclusive o sexo sob coação, assédio sexual (incluindo favores sexuais em troca de
favorecimento no trabalho ou de qualificação acadêmica), abuso sexual de menores,
prostituição forçada e tráfico de seres humanos, casamentos precoces e atos de violência
contra a integridade sexual das mulheres, como a mutilação genital e inspeções da virgindade
obrigatória (OMS, 2002).
A Lei Maria da Penha (Lei 11.340, Capítulo II, inciso III) delimita a violência sexual,
considerando-a como qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, manter ou
participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da
força; que a induza a comercializar ou utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a
impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao
aborto à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou
anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (BRASIL, 2010).
Segundo Organização Mundial de Saúde (2002), em alguns países uma em cada quatro
mulheres relatam terem sido vítimas de violência sexual, e até um terço das dolescentes têm
iniciação sexual forçada, como é o caso do norte de Londres e Reino Unido. Valores
semelhantes foram registrados no Guadalajara (México) (23%), Lima (Peru) (23%) e na
província de Midlands, no Zimbabué (25%). No Brasil o tema ainda é pouco explorado, sendo
11
estimada taxa de 7% de violência sexual na população geral. (LOPES, et al., 2004; DREZETT
et al., 1999). A subnotificação dos casos ainda faz com que os dados estatísticos disponíveis
não reflitam a realidade.
O estupro é o crime sexual predominante entre adolescentes e mulheres adultas
(SQUIZATTO; PEREIRA, 2004). A vítima de violência sexual está exposta a diferentes
riscos que podem comprometer a saúde física e mental. A violência sexual é capaz de
provocar distúrbios psicológicos decorrentes do trauma, doenças de ordem física, como por
exemplo, as lesões corporais, gravidez indesejada, abortos, doenças sexualmente
transmissíveis (DSTs) e a infecção pelo HIV (DREZETT et al., 1999; DINIZ et al. 2007).
Segundo Drezett (2002), 25 a 50% das vítimas da violência sexual são infectadas por alguma
DST, e cerca de 80% das vítimas de violência sexual referem ter como principal preocupação
a possibilidade de se infectar com o HIV.
É dever do Estado fornecer serviços especializados apropriados para o atendimento necessário
à mulher vitima de violência, por meio de entidades dos setores público e privado, inclusive
abrigos, serviços de orientação para toda a família, quando for o caso, cuidado e custódia dos
menores afetado (CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E
ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, 1994; cap. III, art. 8, §4). No entanto,
a garantia de atendimento a mulheres que sofreram violência sexual nos serviços de saúde
representa, por conseguinte, apenas uma das medidas a serem adotadas com vistas à redução
dos agravos decorrentes deste tipo de violência. A oferta desses serviços permite a
adolescentes e mulheres o acesso imediato a cuidados de saúde, à prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis como o HIV (BRASIL, 2012).
Diante dos agravos e repercussões da violência sexual para a saúde das pessoas, o Ministério
da Saúde criou, em 1999, a primeira norma técnica de prevenção e tratamento dos agravos
resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes, com vistas a padronizar o
12
atendimento das vítimas. Esta norma técnica passou por revisões nos anos de 2002, 2005,
2010 e 2012, e entre as condutas padronizadas, inclui-se o uso de antirretrovirais para
prevenir a infecção pelo HIV.
A norma técnica do Ministério da Saúde recomenda a quimioprofilaxia antirretroviral do HIV
para todos os casos de violência sexual em que tenha ocorrido penetração vaginal e/ou anal
nas primeiras 72 horas após a violência, inclusive se o status sorológico do agressor for
desconhecido. No entanto, a quimioprofilaxia do HIV deve ser considerada uma emergência e
iniciada imediatamente após a violência, ainda nas primeiras 24 horas. O esquema deve ser
mantido sem interrupção por quatro semanas consecutivas. (BRASIL, 2012).
O direito de acesso universal à medicação é uma conquista importante, sendo considerado um
avanço nas políticas voltadas para o HIV/Aids. A adesão à profilaxia antirretroviral é um dos
fatores principais na redução do risco de transmissão da infecção pelo HIV. A falta de adesão
ao esquema antirretroviral está diretamente relacionada ao risco de falha da profilaxia e de
surgimento de cepas virais multirresistentes. (BRASIL, 2010b).
O termo adesão ao tratamento deve ser observado dentro de um contexto em que a pessoa não
apenas siga as orientações da equipe de saúde, mas entenda e concorde com a necessidade e
os objetivos das mesmas e utilize os medicamentos prescritos (processo de responsabilidade
compartilhada) (BRASIL, 2010b).
Vários estudos nacionais e internacionais têm mostrado que a falta de adesão à
quimioprofilaxia do HIV é frequente em mulheres vítimas de violência sexual, podendo estar
associada a diversos fatores como: transtornos psíquicos ou emocionais, efeitos colaterais dos
medicamentos, aspectos socioeconômicos e escolaridade das vítimas de violência sexual,
qualidade do serviço de saúde, problemas de comunicação e falta de vínculo entre a vítima de
violência sexual e o profissional de saúde, falta de entendimento das prescrições médicas
(DREZET et al., 1999; STEEL-DUNCAN et al., 2004; SCHREMMER, SWANSON, KRAL,
13
2005; OLSHEM et al., 2006; DINIZ et al., 2007; RAMOS, MEDICI, PUCCIA, 2009;
ABRAHAMS, JEWKES, 2010).
Segundo Diniz et al. (2007), o abandono do tratamento pode ser justificado por
inúmeras situações. Ingerir um comprimido para prevenir o HIV é acompanhado por uma
série de fatores, como relembrar a violência sofrida ou tornar público algo que seria privado.
A dificuldade econômica em ir ao serviço buscar o comprimido e o não entendimento do que
seja o tratamento também são razões que justificam o fato de as mulheres não aderirem ao
tratamento.
De acordo com alguns autores, a adesão à quimioprofilaxia do HIV entre as vítimas de
violência sexual tem variado de 16% a 85% (WIEBE et al., 2000; GARCIA et al., 2005).
Poucos estudos têm sido realizados especificamente sobre o uso da quimioprofilaxia anti-HIV
em adolescentes, sendo provável que adolescentes vitimas de violência sexual tenham
problemas específicos complicando sua adesão ao tratamento.
Conhecer as dificuldades de pessoas, relacionadas ao uso de antirretrovirais permite a melhor
compreensão dos fatores que levam à falta de adesão ao tratamento nos serviços brasileiros.
Tal conhecimento pode contribuir para melhorar as políticas dirigidas a esse grupo e auxiliar
os profissionais de saúde a lidar com essas dificuldades. (MELCHIOR, NEMES, ALENCAR,
BUCHALLA, 2007). Nesse sentido, este estudo objetivou conhecer os fatores relacionados à
falta de adesão à quimioprofilaxia do HIV, em mulheres jovens e adolescentes vítimas de
violência sexual.
14
2 REVISÃO DA LITERATURA
Para compor este capítulo, foi realizada uma revisão integrativa da literatura sobre o tema
“Adesão ao protocolo de quimioprofilaxia do HIV por vítimas de violência sexual”, cujo
artigo científico produzido e ainda não submetido, encontra-se a seguir.
15
ARTIGO (01) - Artigo ainda não submetido.
Adesão ao protocolo de quimioprofilaxia do HIV por adolescentes vítimas de violência
sexual: Revisão integrativa
Ericka Viviane Pontes Procópio*
Camila Guerra Feliciano*
Cintia Regina Tornisiello Katz**
*Alunas do Programa do Mestrado em Hebiatria da Faculdade de Odontologia de
Pernambuco.
**Professora do Programa do Mestrado em Hebiatria da Faculdade de Odontologia de
Pernambuco.
Não há conflito de interesses.
Endereço para correspondência:
Ericka Viviane Pontes Procópio.
Rua: Luiz Barbalho, 127, apto 101 – Boa Vista, Recife – PE. CEP: 50070-120.
Fone: 55(81) 32236701.
e-mail: [email protected]
mailto:[email protected]
16
RESUMO
O objetivo deste estudo foi apresentar uma revisão da literatura explorando o tema adesão à
quimioprofilaxia antirretroviral ao HIV em adolescentes vítimas de violência sexual,
consolidando e pontuando os resultados existentes. Foi realizada uma busca dos artigos
relacionados à temática de interesse, publicados em revistas indexadas nas bases de dados
Medline, Lilacs, Scielo, Ibecs e Pubmed. Foram utilizados os seguintes descritores em
português e inglês: violência sexual, quimioprofilaxia; pacientes desistentes do tratamento;
adolescente, adesão ao tratamento medicamentoso e HIV. Houve concordância pelos autores
com relação à indicação do início do protocolo de quimioprofilaxia do HIV para as vítimas de
agressão sexual no período de até 72h após a agressão. Os estudos mostraram que 46 a 85%
das vítimas não concluíram os protocolos quimioprofiláticos iniciados. Os fatores
relacionados à falta de adesão ao tratamento mais citados foram: os transtornos psíquicos e ou
emocionais; falta de entendimento da prescrição médica, efeitos colaterais; e a falta de
recursos financeiros para retornar ao serviço. Diante da escassez de estudos voltados a
população de adolescentes, verifica-se a necessidade de futuros estudos sobre as
particularidades que levam essas vítimas a desistirem do tratamento, contribuindo para
melhorar a qualidade da assistência oferecida a este grupo.
Palavras-chave: adolescente, violência sexual, quimioprevenção, adesão ao tratamento
medicamentoso.
ABSTRACT
The aim of this study was to present a review of the literature exploring the issue of adherence
to HIV antiretroviral prophylaxis in adolescents victims of sexual violence, and consolidating
existing scoring results. It was conducted a search for articles related to the topic of interest,
published in journals indexed in Medline, Lilacs, Scielo, Ibecs and Pubmed. We used the
following key words in Portuguese and English: sexual violence, chemoprophylaxis, patients
dropped out of treatment; teenager, adherence to drug treatment and HIV. There was
agreement by the authors regarding the indication of the beginning of the HIV
chemoprophylaxis protocol for victims of sexual assault in the period until 72 hours after the
assault. Studies have shown that 46 to 85% of the victims have not completed the protocols
chemoprophylactic started. Factors associated with lack of adherence to treatment most
frequently cited were: psychological disorders and emotional or; lack of understanding of the
prescription, side effects, and lack of financial resources to return to service. Given the
scarcity of studies aimed at adolescent population, there is a need for further studies on these
particularities that lead victims to give up treatment, helping improve the quality of care
offered to this group.
Key words: Teenager, sexual violence, chemoprevention, medication adherence.
INTRODUÇÃO
A violência sexual é um evento capaz de provocar vários problemas de saúde por
expor as vítimas a diferentes riscos que podem comprometer seu bem-estar físico e mental. Os
17
traumas físicos, a gravidez, as consequências psicológicas e a possibilidade de adquirir
doenças sexualmente transmissíveis e a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida são os mais
importantes1,2
.
O Ministério da Saúde atento a estes agravos lançou em 1999 a primeira Norma Técnica
(Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra Mulheres e
Adolescentes), a qual foi revisada nos anos de 2002, 2005 e 2010, e que padroniza o
atendimento a estas vítimas entre as condutas sistematizadas e está a indicação e uso dos
antirretrovirais1, 2
.
A garantia de atendimento a mulheres que sofreram violência sexual nos serviços de saúde
representa, por conseguinte, apenas uma das medidas a serem adotadas com vistas à redução
dos agravos decorrentes deste tipo de violência. A oferta desses serviços, entretanto, permite a
adolescentes e mulheres o acesso imediato a cuidados de saúde, à prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis, ao HIV e à gravidez indesejada3.
O risco de transmissão do HIV após a agressão sexual, embora seja pequeno após uma única
exposição, pode ser significativo em certas circunstâncias, por isso é razoável que a profilaxia
pós-exposição (PEP) seja oferecida, mesmo que existam evidências de que a mesma seja
limitada. Para uma melhor resposta, normatizou-se que a sua administração seja feita dentro
de 72h após a ocorrência da violência sexual e que a prescrição permaneça por 28 dias1,4,5
.
A prescrição do PEP está baseada na premissa de que a carga viral é pequena o suficiente no
início do período após a exposição e que medicamentos antirretrovirais podem retardar ou
parar a replicação viral e permitir que o sistema imunológico do corpo possa eliminar ou
limitar os riscos de transmissão do HIV.
Dentro do conceito de adesão ao tratamento, devemos observar todo um contexto, que passa
desde o entendimento das orientações das equipes de saúde, os objetivos das mesmas até a
18
liberdade da escolha de utilizar ou não os medicamentos prescritos (processo de
responsabilidade compartilhada).
A adesão à profilaxia antirretroviral pelas vítimas de violência sexual é de fundamental
importância para a redução do risco de transmissão da infecção pelo HIV. A falta de adesão
ao esquema antirretroviral está diretamente relacionada ao risco de falha da profilaxia e de
surgimento de cepas virais multirresistentes3.
Considerando a relevância do tema, este estudo objetivou apresentar uma revisão integrativa
da literatura sobre os artigos publicados que abordaram a falta de adesão à quimioprofilaxia
do HIV em adolescentes vítimas de violência sexual.
MÉTODOS
Estratégia de busca
Foi realizada uma busca dos artigos relacionados à temática de interesse, publicados
em revistas indexadas nas bases de dados Medline (Literatura Internacional em Ciências da
Saúde), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), Scielo
(Scientific Electronic Library Online), Ibecs (Índice Bibliográfico Español en Ciencias de la
Salud), realizado diretamente no portal Bireme (BVS) e Pubmed, sem a utilização de limites
temporal.
Na estratégia para a captura de publicações, foram utilizados os seguintes descritores
em português e em inglês: violência sexual; quimioprofilaxia; pacientes desistentes do
tratamento; adolescente; adesão ao tratamento medicamentoso e HIV.
Os critérios de busca foram aplicados para os títulos e resumos. Foram considerados
os artigos publicados em português, inglês ou espanhol; não foi estabelecido limite temporal,
dada a relevância da temática. Após a leitura do título e resumos foram excluídos os estudos
não relacionados ao tema e os artigos em duplicidade nas bases de dados.
19
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A estratégia de busca identificou 24 estudos, sendo 22 artigos e duas monografias
(Figura-1). Após a análise dos títulos e resumos, quanto aos critérios de elegibilidade foram
excluídos 15 estudos: oito repetições, três por não apresentarem resumo, três fora da temática
proposta, duas monografias, restando apenas oito artigos para compor esta revisão.
Figura 01 – Fluxograma de seleção dos artigos.
Números de estudos encontrados
Inicialmente na busca: Pubmed: 15; Lilacs: 09;
Scielo 00; Medline: 00; Ibecs: 00.
Excluídos por não possuírem resumo
disponível nas bases de dados. (n=03)
Artigos: 22; monografias: 02. (n= 24)
Excluídos por duplicação. (n=08)
Fora da temática. (n=03)
Monografias. (n=02)
Números de artigos selecionados para
avaliação: (n=08)
Selecionados para a pesquisa. (n=08)
20
Este estudo trata de um fenômeno atual e, diante de sua evidente complexidade, buscou-se
realizar uma revisão bibliográfica sobre o tema adesão ao tratamento profilático do HIV para
vítimas de agressão sexual. A estratégia de busca possibilitou a seleção de oito artigos,
embora nem todos tenham abordado diretamente o problema, contribuíram para a
compreensão da temática. Estes estudos encontram-se sumarizados na Tabela 1.
Tabela 1: Artigos que abordaram a temática adesão ao tratamento quimioprofilático do HIV
em adolescentes vítimas de violência sexual
Autores
(ano) País Amostra
Faixa
Etária
(anos)
Desenho do
Estudo
Falta de adesão ao
protocolo
quimioprofilático
Diniz et al.1
(2007) Brasil 172 12 -19
Transversal
Retrospectivo
46,1% das
adolescentes;
42,6% da amostra
total
Ramos, Medicci,
Puccia2 (2009)
Brasil 59 12 - 45 Transversal
Retrospectivo 60,3%
Olshen et
al.5.(2006)
EUA 145 12 - 22 Transversal
Retrospectivo 85,0%
Kerr et al.6 (2003) Inglaterra 673 11 - 66
Transversal
Retrospectivo 58,8%
Abrahams,
Jewkes8 (2010)
África 29 16 a 73 Qualitativo 68,9%
Schremmer,
Swanson, Kral9
(2006)
EUA 2685 0- 18 Transversal
Retrospectivo 76%
Steel-Duncan et
al.4 (2004)
África 06 12 - 18 Série de
Casos
Nenhum caso
recebeu a
profilaxia anti-
HIV.
Rovi, Shimoni7
(2002) EUA 160 1 - 91
Transversal
Retrospectivo
Não avaliou
adesão. Em 62,5%
dos casos nenhum
antibiótico foi
prescrito.
21
Os estudos selecionados para esta revisão foram realizados com diferentes objetivos e
enfoques metodológicos. Além do objetivo de verificar a taxa de adesão ao protocolo
quimioprofilático, estes estudos também objetivaram relatar as experiências dos serviços
especializados, avaliar os atendimentos realizados e relatar os efeitos secundários da
profilaxia. Os caminhos metodológicos foram variados, entretanto, observou-se que a maioria
foi de natureza transversal.
Em todos os estudos o sexo feminino foi o mais acometido. Embora os estudos não tenham
sido relacionados a uma faixa etária específica, por analisarem, na maioria das vezes, toda a
clientela dos serviços ou atendimentos, a maioria mostrou maior predomínio de adolescentes
entre as vítimas, confirmando assim este grupo como mais vulnerável pelas características
intrínsecas à idade. O tipo de violência sexual mais citada pelas vítimas foi o estupro, seguido
do atentado violento ao pudor 1,2,4,5,6,7,8
.
Os estudos mostraram altos percentuais de falta de adesão ao tratamento
quimioprofilático, com percentuais variando de 46 a 85% dos casos com indicação do
tratamento. Considerando os fatores relacionados à falta de adesão ao tratamento, os mais
citados foram: os transtornos psíquicos e ou emocionais1,5,8
, a falta de entendimento da
prescrição médica, efeitos colaterais1,5
; e a falta de recursos financeiros para retornar ao
serviço1,8
.
Diniz et al.1 analisaram os prontuários de atendimento médico dos meses de outubro a
dezembro de 2003, do Serviço de Atenção a Pessoa em Situação de Violência em Salvador
(BA). Os autores observaram que o estupro foi o tipo de violência sexual mais frequente,
sendo a faixa etária de 12 a 18 anos a mais acometida. Neste estudo, cinquenta e quatro por
cento das vítimas tinham indicação para uso dos antirretrovirais para prevenção do HIV,
porém, entre as mulheres que iniciaram o tratamento, apenas 57,4% concluíram o protocolo.
Entre os motivos mais apontados no estudo para a falta de adesão ao tratamento estavam os
http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edlibrary&format=iso.pft&lang=p&nextAction=lnk&indexSearch=AU&exprSearch=DINIZ,+NORMELIA+MARIA+FREIRE
22
transtornos psíquicos (40%); a falta de entendimento do uso correto das medicações (30,0%);
os efeitos colaterais secundários (20,0%) e a falta de recursos financeiros para retornar ao
serviço (10,0%).
Ramos, Medicci, Puccia2, ao avaliarem o atendimento prestado à luz dos procedimentos
indicados segundo a Norma Técnica do Ministério da Saúde, baseados na análise dos
prontuários médicos do Serviço de Saúde Pública do Município de Santo André entre os anos
de 2005 e 2006, identificaram o predomínio de adolescentes entre as vítimas (36,7%). Quase a
metade dos casos (48,0%) em 2005, foi vítima de estupro. Os autores observaram que em
90% dos casos houve indicação do uso dos antirretrovirais, porém 40,7% das mulheres não
concluíram o tratamento e 59,3% não realizaram o acompanhamento ambulatorial.
Olshen et al.5, em estudo realizado em dois centros de pediatria de referência em Boston, no
período de julho de 2001 a junho de 2003, observaram que 74,0% das vítimas relataram o
estupro como a forma de agressão. Foram oferecidos os antirretrovirais para 129 mulheres
(89,0% das vítimas), porém apenas 110 (76,0%) concordaram em iniciar o tratamento.
Apenas 15,0% das pacientes completaram o curso de 28 dias de profilaxia e 37,0% relataram
episódios de vômitos, 14% diarreia, 11% dor abdominal como entraves ao tratamento.
Kerr et al.6, avaliando o primeiro ano de funcionamento de um serviço piloto na cidade de
Londres, verificaram que dentre os 673 casos de violência sexual, dezesseis por cento tinham
idades entre 11 e 15 anos. A média das idades neste estudo foi de 26 anos, e a grande maioria
das vítimas era do sexo feminino. A profilaxia pós-exposição ao HIV foi oferecida para um
total de 34 casos, porém 20 (58,8%) destes não retornaram para acompanhamento.
Abrahams e Jewkes8 realizaram um estudo qualitativo com 29 mulheres atendidas em
serviços de agressão sexual no Sul da África e verificaram que apenas nove mulheres
completaram o protocolo de drogas prescritas. Os autores relataram como barreiras para
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Abrahams%20N%22%5BAuthor%5D
23
adesão ao tratamento: fatores individuais, como autoculpa e perturbação emocional; fatores
sociais, como o medo de ser estigmatizada e de ser culpabilizada pelo estupro; e fatores
relacionados a crenças sobre a medicação, como dificuldades com os esquemas posológicos,
falta de conhecimento sobre a medicação, e incapacidade de ajustar a medicação na
programação diária.
Steel-Duncan et al.4 avaliaram uma série de casos na Jamaica, de crianças e adolescentes
vítimas de agressão sexual. O estudo mostrou que apenas quatro das crianças estavam sob
cuidados de proteção. O atendimento médico foi procurado após a agressão por apenas uma
dessas vítimas, sendo este também o único evento que recebeu a profilaxia pós-exposição
padrão para doenças sexualmente transmissíveis, porém sem incluir a profilaxia para o HIV.
Os autores evidenciaram a importância da instituição do protocolo de quimioprofilaxia anti-
HIV para as vítimas de violência sexual por meio do relato de que, após três meses, o caso
citado apresentou sorologia positiva para o HIV. Os autores concluíram que o risco de
transmissão do HIV após violência sexual, embora seja pequeno, como é relatado na
literatura, pode ser significativo em certas circunstâncias, e por isso é razoável que a
profilaxia pós-exposição seja oferecida.
Rovi, Shimoni7 analisaram os dados da Pesquisa Nacional Americana de Assistência
Hospitalar Ambulatorial Médica de 1994 a 1999, para identificar os casos de agressão sexual.
Foram identificados 160 casos, sendo que 90% eram mulheres adultas ou adolescentes.
Observou-se que 26,9% das vítimas tinham de dez anos de idade ou menos; 21,2% tinham
entre 11 e 17 anos; 30,0% entre 18 e 30 anos; e 21,9% mais de 30 anos de idade. Neste
estudo, nenhuma das vítimas recebeu o esquema completo de antibióticos para infecções
sexualmente transmissíveis. Os autores verificaram que, mesmo com as recomendações para a
instituição da profilaxia anti-HIV para as vítimas de violência sexual terem sido emitidas pelo
Centro de Controle de Doenças (CDC) desde o ano de 2003, estas ainda não estavam sendo
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Rovi%20S%22%5BAuthor%5D
24
colocadas em prática, revelando a necessidade de instituir um padrão de atendimento para as
vítimas de agressão sexual, juntamente com maiores investimentos na capacitação dos
profissionais de saúde que atendem esta população.
Embora os estudos tenham sido realizados em países bem diferentes com relação à
distribuição dos casos de HIV, todos os estudos incluídos nesta revisão concordaram que o
protocolo quimioprofilático deve ser oferecido às vítimas de agressão sexual nas primeiras
72h e que o acompanhamento ambulatorial deve ter duração mínima de seis meses, com a
realização de consultas médicas e coletas de exames laboratoriais, para melhor resultado do
tratamento profilático. Estes dados estão de acordo com a Norma Técnica do Ministério da
Saúde, em vigor desde o ano de 1999, para atendimento a vítimas de agressão sexual no
território nacional.
Olshen et al.5 relataram que a taxa de adesão ao protocolo varia de acordo com a percepção da
população de risco em contrair o HIV. Entretanto, na tabela 1 foi possível observar que
mesmo considerando a alta incidência de casos de HIV na população africana, altas taxas de
falta de adesão ao tratamento são observadas. Neste contexto, destaca-se a importância do
desenvolvimento do vínculo de comunicação entre a vítima e o profissional de saúde, visando
o desenvolvimento de um processo educativo com as vítimas para melhorar a adesão ao
protocolo e reduzir os casos de HIV nesta população.
CONCLUSÃO
As adolescentes são as principais vítimas de violência sexual e representam uma grande fatia
dos atendimentos médicos desse setor. No entanto, poucos estudos foram voltados para esta
população específica. Os estudos disponíveis mostraram altas taxas de falta de adesão ao
tratamento quimioprofilático do HIV para as vítimas de violência sexual. Assim, verifica-se a
necessidade de futuros estudos sobre as particularidades que levam as vítimas adolescentes a
25
desistirem do tratamento, com vistas a contribuir para melhorar a qualidade da assistência
oferecida a este grupo.
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26
3 PROPOSIÇÃO
OBJETIVO GERAL
Compreender os fatores ou eventos relacionados à falta de adesão ao protocolo de
quimioprofilaxia do HIV em mulheres jovens e adolescentes vítimas de violência sexual.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Avaliar o perfil epidemiológico e os aspectos relacionados à adesão ao protocolo de
quimioprofilaxia antirretroviral de jovens e adolescentes vítimas de violência sexual,
atendidas em um serviço de apoio à mulher do Recife/PE.
b) Conhecer a representação social da violência sexual e sua relação com a adesão ao
protocolo da quimioprofilaxia do HIV em um grupo de mulheres jovens e
adolescentes.
27
4 PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS
4.1 DESENHO DO ESTUDO
Este estudo foi composto de duas abordagens relacionadas ao tema Falta de adesão ao
protocolo quimioprofilático do HIV em mulheres jovens e adolescentes vítimas de violência
sexual: abordagem quantitativa, realizado através de um estudo transversal, e abordagem
qualitativa.
4.2 CENÁRIO DO ESTUDO
Este estudo teve como campo da pesquisa o Serviço de Apoio a Mulher Wilma Lessa (SAM-
WL) no Hospital Agamenon Magalhães anexo à emergência geral, que funciona desde 2001
atendendo mulheres de qualquer idade, que tenham sofrido algum tipo de violência
(doméstica, física, moral, sexual). O atendimento é realizado por uma equipe
multiprofissional, formada por médicos, assistentes sociais, psicólogos e enfermeiras, que
garantem o sigilo da paciente.
O serviço conta com salas de recepção, serviço social, psicologia, sala de atendimento médico
e de exames, quarto de repouso e copa.
4.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA
A Organização Mundial da Saúde circunscreve a adolescência à segunda década da vida (de
10 a 19 anos) e considera que a juventude se estende dos 15 aos 24 anos. Esses conceitos
comportam desdobramentos, identificando-se adolescentes (de 15 a 19 anos) e adultos jovens
(de 20 a 24 anos) (BRASIL, 2005). Considerando esta classificação, fizeram parte deste
estudo mulheres jovens e adolescentes na faixa etária de 10-24 anos.
Foram incluídas no estudo as mulheres jovens e adolescentes que procuraram atendimento
médico no Serviço de Apoio a Mulher Wilma Lessa do Hospital Agamenon Magalhães
28
(SAM-WL) dentro das primeiras 72 horas da violência e receberam quimioprofilaxia
antirretroviral para infecção pelo HIV (terapia antirretroviral tríplice, com utilização de
Zidovudina, Indinavir e Lamivudina).
4.4 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS
4.4.1 ESTUDO QUANTITATIVO
Foi realizada a análise dos prontuários de atendimento de mulheres jovens e adolescentes do
Serviço de Apoio à Mulher Wilma Lessa, os quais incluíam dados da consulta de urgência e
do seguimento ambulatorial, do período de janeiro de 2011 a Outubro de 2011. Este estudo
objetivou obter as características sócio-econômico-demográficas das vítimas, as
características da violência e do agressor; dados relacionados ao atendimento clínico;
indicação da profilaxia e acompanhamento ambulatorial. Esses dados foram digitalizados e
analisados no Programa de Estatística SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) na
versão 17. Os resultados foram expressos através de percentuais. Para verificar associação
entre duas variáveis categóricas foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson ou o teste Exato
de Fisher, a margem de erro utilizada nas decisões dos testes estatísticos foi de 5%.
4.4.2 ESTUDO QUALITATIVO
Para a realização deste estudo, aplicou-se a um grupo de pacientes do serviço, um roteiro de
entrevista semi-estruturada, composta de cinco questões norteadoras, em um grupo de
pacientes do serviço. As questões norteadoras foram: 1 - O que representou seu primeiro
atendimento? 2 - Fale sobre a(s) orientações que você recebeu. 3 - Você sentiu dificuldade de
fazer o tratamento em casa? 4 - Na sua opinião o que foi mais difícil durante o tratamento? 5 -
Você parou ou desistiu do tratamento?
29
As entrevistas foram gravadas com gravador de voz digital e transcritas na íntegra, de forma
detalhada, em um período não superior à 24hs.
As jovens e adolescentes foram convidadas a participar da pesquisa nos dias agendados para
as consultas de retorno. Após captação dos sujeitos através de convite individual, foi realizada
explicação dos objetivos da pesquisa, e assinado o termo de consentimento livre e esclarecido,
pela adolescente e se necessário, pelo seu responsável (Apêndice A).
O número de participantes do estudo foi definido mediante critério do índice de saturação do
conteúdo abordado. Segundo Flick, (2009), o fechamento amostral por saturação teórica é
operacionalmente definido como a suspensão de inclusão de novos participantes quando os
dados obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, certa redundância ou
repetição, ou seja, não surgir mais nada novo.
As informações obtidas por meio das entrevistas permitiu a análise segundo a técnica de
análise de conteúdo, à luz do referencial teórico das representações sociais.
Para Bardin, (2011), a análise de conteúdo, é um conjunto de técnicas de análise das
comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de
conteúdo das mensagens que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições
de produção/ recepção dessas mensagens. Assim, os resultados foram apresentados,
destacando-se as informações obtidas conforme a relevância, cuja análise procedeu-se com
base em referenciais teóricos de autores que realizaram estudos relacionados à temática, sendo
agrupadas em categorias para análise percorrendo os seguintes passos:
1. Leitura inicial objetivando uma compreensão global do material. Esta é a fase de
organização propriamente dita. Tem como objetivo sistematizar as ideias iniciais e
explora de forma sistemática os documentos.
2. Identificação das unidades de significado que emergiram das falas dos entrevistados e
codificação. A codificação corresponde a uma transformação, efetuada segundo regras
30
precisas, dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e
enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo ou da sua expressão.
3. Descoberta de núcleos de sentido;
4. Interpretação e discussão dos núcleos de sentido encontrados.
Para garantir o anonimato das pesquisadas, nos fragmentos das entrevistas, foram utilizados
os seguintes códigos: E (para entrevista) e, após esse código, os números correspondentes à
sequência das entrevistas.
4.5 ASPECTOS ÉTICOS
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Agamenom
Magalhães, Recife/PE (CAAE- 0217.0.236.000-11). A participação das adolescentes e jovens
esteve condicionada à assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e à
anuência de seus responsáveis.
De acordo com o Artigo 7º da Resolução 01/88, de 13 de junho de 1988, sobre as
Normas de Pesquisa em Saúde, esta pesquisa se enquadra na classificação de Pesquisa Com
Risco Mínimo, a qual engloba estudos prospectivos que empreguem o registro de dados
através de procedimentos comuns em exames físicos ou psicológicos do diagnóstico ou
tratamento rotineiros. Considerou-se nesta pesquisa o risco mínimo de algumas participantes
se sentirem constrangidas em compartilhar informações pessoais durante a entrevista, ou até
mesmo ao relembrarem a violência sofrida. Foi garantida às participantes a confidencialidade
dos dados e das informações coletadas. Os resultados da pesquisa foram obtidos apenas para
alcançar os objetivos da pesquisa, incluindo a sua publicação na literatura científica
especializada.
31
Ao final das entrevistas, as participantes receberam orientações sobre a importância da
realização do tratamento completo e do acompanhamento ambulatorial. Este estudo pretendeu
contribuir com o conhecimento dos fatores que dificultam adesão à quimioprofilaxia do HIV
em mulheres jovens e adolescentes vítimas de violência sexual, visando auxiliar na elaboração
de estratégias para reduzir a falta de adesão ao protocolo quimioprofilático do HIV,
importantes para a redução do risco de transmissão da infecção pelo HIV e o surgimento de
cepas virais multirresistentes.
32
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1 ARTIGO (02) - Artigo enviado para o periódico: Revista Brasileira de Epidemiologia.
Perfil epidemiológico e aspectos relacionados à adesão ao protocolo de quimioprofilaxia
antirretroviral de adolescentes e jovens vítimas de violência sexual, atendidas em um
serviço de apoio à mulher do Recife/PE.
Epidemiological profile and aspects relating to adherence to antiretroviral
chemoprophylaxis protocol for adolescents and young victims of sexual violence, attending
a support service to women in Recife / PE.
*Ericka Viviane Pontes Procópio
*Camila Guerra Feliciano
**Cintia Regina Tornisiello Katz
*Alunas do programa do Mestrado em Hebiatria da Faculdade de Odontologia de
Pernambuco.
**Professora do Programa do Mestrado em Hebiatria da Faculdade de Odontologia de
Pernambuco.
Não há conflito de interesses.
Endereço para correspondência:
Ericka Viviane Pontes Procópio
Rua: Luiz Barbalho, 127, apto 101 – Boa Vista, Recife – PE. CEP: 50070-120
Fone: 55(81) 32236701. e-mail: [email protected]
mailto:[email protected]
33
RESUMO
Este estudo objetivou avaliar o perfil epidemiológico e os aspectos relacionados à adesão ao
protocolo de quimioprofilaxia anti-HIV de adolescentes e jovens vítimas de violência sexual,
atendidas em um serviço de apoio à mulher do Recife/PE. O estudo foi do tipo transversal,
com dados de 178 prontuários de atendimentos realizados com vítimas de 10 e 24 anos de
idade. A análise estatística foi realizada no programa SPSS e os testes utilizados foram o Qui-
quadrado de Pearson e/ou Exato de Fisher. A maioria das vítimas tinha entre 15 a 19 anos
(36,5%), baixa renda (66,3%) e baixa escolaridade (63,5%). Mais da metade apresentou
indicação para realização da quimioprofilaxia (58,4%); entretanto, apenas 40,0% realizaram o
protocolo. Ressalta-se que em 50,0% das fichas não havia anotação do serviço sobre a
conclusão do protocolo. Apenas 10,0% compareceram a todas as consultas de retorno. A
conclusão do protocolo não foi associada com nenhuma das variáveis analisadas,
evidenciando a importância de avaliar com maior profundidade os motivos que levam à falta
de adesão à quimioprofilaxia anti-HIV em adolescentes, considerando os aspectos
comportamentais característicos desta fase. Verificou-se também a necessidade de maior
atenção ao preenchimento da ficha de controle e atendimento; e do aprimoramento do
acompanhamento ambulatorial dos casos.
Palavras chaves: adolescente, violência sexual, quimioprevenção, adesão ao tratamento
medicamentos, HIV, pacientes desistentes do tratamento.
34
ABSTRACT
This study aimed to evaluate the epidemiological profile and aspects relating to adherence to
protocol chemoprophylaxis for HIV in adolescents and young victims of sexual violence,
attending a support service to women in Recife / PE. A cross-sectional study was conducted
with data from 178 medical records of care provided to victims of 10 and 24 years old.
Statistical analysis was performed using SPSS and the tests used were the chi-square test and /
or Fisher. Most victims were between 15 and 19 years (36.5%), low income (66.3%) and
lower education (63.5%). More than half had indication for chemoprophylaxis (58.4%),
however, only 40.0% completed the protocol. It is noteworthy that in 50.0% of the chips had
not annotation service on completion of the protocol. Only 10.0% attended all follow-up
visits. The conclusion of the protocol was not associated with any of the variables analyzed,
highlighting the importance of assessing in depth the reasons that lead to non-adherence to
chemoprophylaxis for HIV in adolescents, considering the behavioral characteristic of this
phase. It was observed a need for greater attention to filling out the control and care, and the
improvement of outpatient cases.
Key words: adolescent, sexual violence, chemoprevention, medication adherence, HIV,
patient dropouts.
35
INTRODUÇÃO
A violência contra adolescentes é multidimensional e requer uma resposta multifacetada1.
Atinge indistintamente todas as classes sociais, etnias, religiões e culturas, tornando-se,
portanto, um fenômeno mundial. Sua verdadeira incidência é desconhecida, manifestando-se
de múltiplas formas, nos diferentes momentos históricos e sociais, em acordo com aspectos
culturais2,3
. Acredita-se que é uma das condições de maior subnotificação e subregistro2.
Segundo a Organização das Nações Unidas, toda a violência contra crianças e adolescentes é
evitável. No entanto, esta violência existe em todos os países do mundo, e as iniciativas de
combate costumam priorizar os sintomas e suas consequências, e não as suas causas1.
Martins e Jorge4, em estudo com 186 registros de casos de abusos sexual nos Conselhos
Tutelares e programas de atendimento do município de Londrina-PR, verificaram o grande
impacto que a agressão sexual exerce na saúde física e mental das vítimas, deixando marcas
profundas e causando danos irreparáveis em seu desenvolvimento, incluindo o impacto na
vida reprodutiva e sexual. Os autores concluíram que, considerando os danos e agravos
provocados e a sua estreita relação com as questões policiais e jurídicas, a violência constitui-
se em um grande problema de saúde pública.
Ramos, Medicci e Puccia5
analisaram os prontuários de mulheres vítimas de violência sexual
atendidas em um serviço de saúde pública do município de Santo André/SP entre os anos de
2005 e 2006. Do total de 59 mulheres atendidas no biênio 2005-2006, metade eram
adolescentes e jovens.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, em alguns países, uma em cada quatro mulheres
relatam ter sido vítima de violência sexual, e até um terço das adolescentes tem sua iniciação
sexual forçada, como é o caso do norte de Londres e Reino Unido. Valores semelhantes foram
registrados em Guadalajara (México), Lima (Peru) e na província de Midlands (Zimbabwe)6.
36
Apesar de suas sérias implicações sobre a saúde da vítima, em vários países a violência sexual
continua sendo ignorada e não é inserida como tema habitual dos programas de saúde sexual e
reprodutiva. A necessidade de prestar atenção a este problema se justifica, não apenas por
representar séria violação dos direitos humanos das vítimas, mas porque um atendimento de
emergência adequado pode prevenir grande parte das consequências deste tipo de violência7.
No Brasil, a abordagem da violência no âmbito da saúde pública encontra-se nas etapas
iniciais. As informações, primordiais para o desenvolvimento de ações, no entanto, continuam
inacessíveis, quer seja por limitações ou pelo silêncio acerca da temática violência8.
Em 1999, o Ministério da Saúde lançou a primeira norma técnica de prevenção e tratamento
dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes, com vistas a
padronizar o atendimento das vítimas. Esta norma técnica passou por revisões nos anos de
2002, 2005, 2010 e 2012, e de acordo com estas recomendações os serviços de saúde devem
estar adequadamente preparados para avaliar os riscos envolvidos com a violência sexual em
cada caso, oferecendo medidas de proteção e intervenção apropriadas. Contracepção de
emergência, profilaxia para a hepatite B e proteção medicamentosa contra as doenças
sexualmente transmissíveis não virais e contra o HIV são medidas que devem ser oferecidas e
garantidas nos casos ocorridos há menos de 72 horas, além do aborto previsto em lei para
alguns casos9,10
.
De acordo com alguns autores, a adesão à quimioprofilaxia do HIV entre as vítimas de
violência sexual tem variado de 16% a 85%11,12
. Poucos estudos têm sido realizados
especificamente sobre o uso da quimioprofilaxia anti-HIV em adolescentes13,14
, sendo
provável que adolescentes vítimas de violência sexual tenham problemas específicos
complicando sua adesão a tratamento.
Apesar da atenção e adoção de políticas públicas, a violência sexual contra mulheres ainda
permanece como grave ameaça às condições de vida, sobretudo quando se considera os
37
problemas relacionados à falta de adesão à quimioprofilaxia das doenças sexualmente
transmissíveis em alguns grupos populacionais, fato merecedor de novos estudos. Em
Pernambuco, como na maioria dos estados brasileiros, existem poucos dados disponíveis
sobre a violência sexual, cuja ocorrência geralmente é subnotificada ou é registrada apenas
nos serviços de pronto-socorro, não sendo possível conhecer com exatidão os casos de
violência contra adolescentes.
Neste sentido, este estudo objetiva avaliar o perfil epidemiológico e os aspectos relacionados
à adesão ao protocolo de quimioprofilaxia antirretroviral de adolescentes e jovens vítimas de
violência sexual, atendidas em um serviço de apoio à mulher do Recife/PE.
38
MÉTODO
Realizou-se um estudo tipo transversal, que teve como população de referência adolescentes e
jovens na faixa etária de 10 a 24 anos, que foram atendidas no Serviço de Apoio à Mulher-
Wilma Lessa do Hospital Agamenon Magalhães no Recife, Pernambuco, de janeiro a outubro
de 2011. Este serviço foi escolhido para a realização do estudo por ser referência no Estado,
sendo responsável pelo atendimento da maioria das vítimas de violência de qualquer natureza.
Neste estudo utilizou-se o critério de divisão de faixa etária estabelecido pela Organização
Mundial da Saúde, a qual circunscreve a adolescência à segunda década de vida (de 10 a 19
anos de idade) e considera que a juventude se estende dos 15 aos 24 anos15
.
As adolescentes e jovens foram acompanhadas ambulatorialmente de acordo com um
protocolo estabelecido pela norma técnica do Ministério da Saúde para Prevenção e
tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes, com a
primeira consulta em 15 dias após o atendimento de emergência e as demais após 45, 90 e 180
dias. Todos os dados deste estudo foram obtidos através dos prontuários de atendimento, os
quais incluíam informações sobre a consulta de urgência e do seguimento ambulatorial.
As variáveis da pesquisa foram organizadas quanto às características sócio-econômico-
demográficas das vítimas, quanto às características da violência, características do agressor;
dados relacionados ao atendimento clínico; indicação da profilaxia e acompanhamento
ambulatorial.
Os dados foram digitalizados e analisados no Programa de Estatística SPSS (Statistical
Package for the Social Sciences) na versão 17. Os resultados foram expressos através de
percentuais. Para verificar a associação entre duas variáveis categóricas foi utilizado o teste
Qui-quadrado de Pearson ou o teste Exato de Fisher, a margem de erro utilizada nas decisões
dos testes estatísticos foi de 5%.
39
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Agamenom
Magalhães, Recife/PE (CAAE- 0217.0.236.000-11).
40
RESULTADOS
Neste levantamento foram identificados 468 atendimentos, sendo 285 registrados como
violência sexual. Destes 178 atendimentos (38%) foram realizados em adolescentes e jovens
na faixa etária de 10-24 anos. A média das idades foi de 16,8 anos.
A Tabela 1 apresenta os resultados relativos aos dados socioeconômicos e demográficos das
pesquisadas. Observou-se uma maior concentração de casos na faixa etária de 15 a 19 anos
(36,5%). A maioria das pesquisadas se declararam como da cor parda (59,6%) e solteiras
(96,1%). Quanto à escolaridade, a maioria tinha ensino fundamental (63,5%) e não
trabalhavam (60,1%). Quanto à renda familiar, o maior percentual estava entre as famílias que
recebiam até um salário mínimo (36,0%). Metade das pesquisadas era procedente da cidade
do Recife; 17,4% eram das cidades que compõem a Região Metropolitana do Recife e 24,7%
eram do interior do estado de Pernambuco.
A Tabela 2 mostra os resultados relativos à violência sexual e o perfil dos agressores.
Verificou-se que se a grande maioria (90,4%) sofreu penetração vaginal, com a ressalva que
uma mesma pessoa pode ter sofrido mais de um tipo de agressão. Quanto ao local da agressão,
aproximadamente 1/3 (34,3%) das pesquisadas foi agredida na própria residência e 57,9% foi
agredida em outros locais diferentes dos relacionados. Em relação ao instrumento utilizado para
intimidação da vítima os mais citados foram: arma (34,8%) e força maior (32,6%). Uma grande
parcela das vítimas ainda não havia iniciado a atividade sexual (39,9%). Observou-se nos dados
relativos ao perfil dos agressores, que o maior percentual correspondeu aos casos em que o
agressor era desconhecido (47,2%), seguido daqueles em que o agressor era vizinho, parente ou
outro (37,1%). Quanto à idade, a maioria das vítimas relatou que os agressores tinham entre 20
e 29 anos (26,4%). Um grande percentual das vítimas relatou que os agressores tinham feito
uso de álcool e/ou drogas (32,6%).
41
A Tabela 3 expressa os dados relativos à indicação e à adesão ao protocolo da quimioprofilaxia
do HIV. Verificou-se que maioria das vítimas tinha indicação para realizar o protocolo
(58,4%). Destaca-se que apenas 10,7% das vítimas compareceram a todos os retornos de
acompanhamento no serviço de apoio à mulher; o maior percentual de adolescentes
correspondeu aos que tiveram 2 a 5 retornos (41,0%), seguido de 29,8% que não tinham
retornado e 18,5% que tinham retornado apenas uma vez. Dos 104 casos que realizaram o
protocolo de quimioprofilaxia, 40,4% fizeram a conclusão do protocolo, 9,6% não concluíram
o tratamento e, em 50,0% dos prontuários não havia esta informação.
As Tabelas 4 e 5 avaliam a conclusão do protocolo de quimioprofilaxia do HIV de acordo
com as variáveis sócio-econômico-demográficas e culturais das vítimas, com o perfil do
agressor e tipo de agressão. Verificou-se que a conclusão do protocolo não foi associada com
nenhuma dessas variáveis analisadas.
42
DISCUSSÃO
Os resultados relacionados aos dados sociodemográficos obtidos neste estudo equiparam-se
aos de outros estudos realizados16,17,18,19
, porém não existe uma padronização no que se refere
a faixa etária mais afetada; entretanto estes dados levam à observação de que quanto menor a
idade maior o percentual de vitimização. Assim como encontrado em outros estudos
brasileiros, a maioria dos casos de abuso sexual ocorreu entre menores de 19 anos,
assinalando que estas são as principais vitimas de agressão sexual e a população mais
vulnerável20,21,22
. Segundo Oshikata, Bedone e Faunde23
, uma possível explicação sobre a
preferência dos agressores por mulheres mais jovens, não é apenas o suposto maior atrativo
sexual, mas também a sua menor capacidade de reação em comparação com a mulher de
maior idade.
No concernente à raça, a literatura aponta que a raça negra aparece como a mais vulnerável
para agressão sexual16,18
. Porém, nos dados analisados, foi encontrado um maior predomínio
da raça parda, o que pode estar relacionado com a metodologia empregada neste trabalho,
sendo anotada a raça autodeclarada. Ramos, Medicci, Puccia17
, revelaram em seu estudo que
houve predomínio da raça branca, no entanto, ressaltam que podem ter ocorrido erros no
preenchimento do formulário. Para Costa, Carvalho, Santa Bárbara, Santos, Gomes, Sousa24
,
populações afrodescendentes e brancas ocupam lugares divergentes na sociedade e vivenciam
experiências desiguais, infligindo aos negro/pardos diversas iniquidades sociais, com
extremas desigualdades.
Verificou-se que maioria das vítimas era de baixa renda e baixa escolaridade, assim
semelhante ao encontrado em outros estudos, segundo os quais dificuldades econômicas,
desemprego, famílias reconstituídas são fatores de risco para abuso sexual 21,25,26,27
. No
entanto, salienta-se que este tipo de violência pode estar sendo silenciado nas classes mais
favorecidas26
.
43
Considerando as adolescentes e jovens estudadas, verificou-se que o estupro foi o crime
sexual predominante, o que está em consonância com outros estudos 16,17,22,23
.
Para as adolescentes a agressão em via pública ou local ermo foi o predominante e o agressor,
desconhecido da vítima, desfecho encontrado nos resultados citados por Lopes, Gomes, Silva,
Deus, Galvão, Borba21
e Ramos, Medici, Puccia17
. Portanto o fato de o agressor ser
desconhecido, na maior parte dos casos, impede a determinação de sua condição sorológica
para o HIV, fortalecendo assim um dos critérios para iniciar a quimiprofilaxia antirretroviral
para o HIV 22
.
Assim como observado em outros estudos, grande parte das vítimas não sabia informar se o
agressor estava sob o efeito de drogas o que pode ser justificado pela situação de terror a que
estavam submetidas no momento da violência sexual. Além disso, o uso de armas e a
intimidação por força física, pelo agressor, são fatores determinantes para anular a resistência
da vítima 16,17,21,23
.
Os resultados apontaram que a maioria dos atendimentos realizados era de adolescentes e
jovens procedentes do Recife, o que pode ser justificado pela localização do serviço, pela
dificuldade das vitimas do interior do Estado para chegar até a capital ou a falta de serviços
capazes de realizar um atendimento integral em outros municípios.
Quanto à indicação de antirretrovirais, mais da metade das mulheres iniciou a profilaxia para
o HIV quando recebeu o primeiro atendimento no serviço. Isto explica, em parte, a procura do
serviço com rapidez, pelo temor da vítima em adquirir HIV em função de uma violência
sexual. Entretanto, verificou-se uma taxa de adesão ao protocolo de quimioprofilaxia anti-
HIV de 40,4%. Este valor foi menor do que o encontrado em outros estudos brasileiros 16,17
,
indicando que pode haver uma maior necessidade, nas cidades do Nordeste do Brasil, em se
trabalhar estratégias de orientação desta população para melhorar a adesão ao protocolo
quimioprofilático.
44
Assim como a falta de adesão ao protocolo quimioprofilático, observou-se que a grande
maioria das pesquisadas também não completou o período de acompanhamento clínico
preconizado pela norma técnica do Ministério da Saúde, assim como observado por Ramos,
Medici, Puccia17
. Vale salientar que, de acordo com Olshen, Hsu, Woods, Harper, Harnisch,
Samples18
, a adesão ao protocolo de quimioprofilaxia anti-HIV é maior nos países com maior
prevalência de HIV, como é o caso da África, pois a percepção do risco nestes países é mais
elevada.
Neste levantamento não foram encontradas associações significativas entre a
conclusão do protocolo e nenhuma das variáveis sócio-econômico-demográficas analisadas; o
que significa que a falta de adesão ao tratamento não dependeu da escolaridade das vítimas;
da sua classe econômica ou das suas características sociais. Esses resultados evidenciam a
importância de se avaliar com maior profundidade os motivos que levam à falta de adesão ao
protocolo, principalmente na população de adolescentes, a qual está relacionada com aspectos
comportamentais característicos da faixa etária. Alguns estudos têm indicado que a falta de
adesão à quimioprofilaxia do HIV pode estar associada a diversos outros fatores como:
transtornos psíquicos ou emocionais, efeitos colaterais dos medicamentos, qualidade do
serviço de saúde, problemas de comunicação e falta de vínculo entre a vítima de violência
sexual e o profissional de saúde, falta de entendimento das prescrições médicas 16,17,18,22,28,29,30
.
As limitações apresentadas neste estudo estão relacionadas à ausência de informações que
deveriam ter sido registradas pelos profissionais no momento do atendimento. Além desse
fator, por se tratar de uma pesquisa documental, não foi possível informar os agravos sofridos
pelas vítimas devido à descontinuidade do atendimento. Assim, evidenciam-se as seguintes
necessidades, comuns aos serviços de apoio à mulher: maior atenção ao preenchimento
completo das informações básicas na ficha de atendimento; aprimorar o acompanhamento
ambulatorial dos casos, buscando reduzir as desistências; realizar busca ativa dos casos, para
45
verificar os motivos da desistência; inserir a família no atendimento trabalhando a
responsabilidade pelo acompanhamento e capacitação dos profissionais para o atendimento
aos adolescentes vítimas de violência.
46
CONCLUSÕES
O perfil epidemiológico encontrado na maioria das adolescentes pesquisadas foi de vítima de
estupro, baixa renda e baixa escolaridade, procedente de locais próximos ao serviço, com
indicação de realização do protocolo de quimioprofilaxia para o HIV, porém com grande
tendência a não retornar às consultas de acompanhamento e de não aderir ao protocolo
quimioprofilático.
As adolescentes são a parcela mais vulnerável da sociedade para este tipo de violência. O
atendimento médico após a violência foi mais elevado entre as adolescentes e jovens com
maior grau de escolaridade, idade e renda familiar. Entretanto, estas variáveis não foram
associadas à adesão ao protocolo quimioprofilático. Desta forma, sugere-se que estudos com
abordagens qualitativas sejam realizados para contribuir com o conhecimento das variáveis
que interferem na adesão ao acompanhamento ambulatorial e à quimioprofilaxia; assim como
estudos que avaliem o impacto causado na saúde destas adolescentes, a médio e longo prazo.
47
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51
Tabela 1 – Distribuição das vítimas de agressão pesquisadas segundo os dados sócio-
econômicos e demográficos
Table 1 - Distribution of assault victims surveyed according to the socio-economic and
demographic
Variável n %
TOTAL
178 100,0
Faixa etária (anos)
10 a 14 60 33,7
15 a 19 65 36,5
20 a 24 53 29,8
Raça/cor (autodeclarada)
Branca 40 22,5
Negra 22 12,4
Parda 106 59,6
Não informou 10 5,6
Estado marital
Solteira 171 96,1
Casada 7 3,9
Escolaridade
Analfabeto 7 3,9
Ensino fundamental 113 63,5
Ensino médio 51 28,7
Universitário 7 3,9
Profissão
Estudante 107 60,1
Do lar 14 7,9
Doméstica 11 6,2
Outras 46 25,8
Renda (salários mínimos)
Ate 1 64 36,0
Mais de 1 a 2 54 30,3
Mais de 2 24 13,5
Não informado 36 20,2
Procedência
Recife 89 50,0
Região Metropolitana do Recife 31 17,4
Interior 44 24,7
Outro Estado 12 6,7
Não informou 2 1,1
52
Tabela 2 – Distribuição das pesquisadas segundo os dados relacionados à agressão os dados
relacionados ao agressor
Table 2 - Distribution of surveyed according to data related to aggression data related to
offender
Variável n %
Tipo de violência sexual sofrida
Penetração vaginal 161 90,4
Penetração oral 57 32,0
Penetração anal 50 28,1
Não informou 8 4,5
BASE(1)
178
Local da agressão
Residência 61 34,3
Outros 103 57,9
Não informado 14 7,9
Instrumento utilizado para intimidação da vítima
Arma 62 34,8
Força maior 58 32,6
Ameaça 18 10,1
Não informou 40 22,5
Atividade sexual
Sim 101 56,7
Não 71 39,9
Não informado 6 3,4
TOTAL
178 100,0
Parentesco do agressor com a vítima
Parceiro intimo/ Ex-parceiro/ Namorado e afins 26 14,6
Desconhecido 84 47,2
Vizinho/ Parente/ Outro 66 37,1
Não informado 2 1,1
Idade do agressor
10 a 19 anos 23 12,9
20 a 29 anos 47 26,4
30 a 39 anos 32 18,0
40 ou mais 29 16,3
Não soube informar 47 26,4
Uso de álcool e/ou drogas pelo agressor
Sim 58 32,6
Não 83 46,6
Não soube informar 37 20,8
TOTAL
178 100,0
(1): Considerando que uma mesma vítima tenha sofrido mais de um tipo de violência
sexual, registra-se a base para o cálculo dos percentuais e não o total.
(1): Whereas the same victim suffered more than one type of sexual violence, records
become the basis for the calculation of percentages and not the total.
53
Tabela 3 – Distribuição das pesquisadas segundo os dados referentes à realização ou não do
protocolo de quimioprofilaxia do HIV
Table 3 - Distribution of surveyed according to data regarding whether or not the protocol of
HIV chemoprophylaxis
Variável n %
Indicação para o protocolo de quimioprofilaxia
Sim 104 58,4
Não 74 41,6
Retorno ao serviço de apoio à mulher
Apenas um retorno 33 18,5
Dois a cinco retornos 73 41,0
Compareceu a todos os retornos 19 10,7
Não retornou 52 29,2
Não informou 1 0,6
TOTAL
178 100,0
Conclusão do protocolo
Sim 42 40,4
Não 10 9,6
Não informou 52 50,0
TOTAL
104 100,0
54
Tabela 4 – Avaliação da conclusão do protocolo segundo os dados sócio-demográficos
Table 4 - Assessment of the completion of the protocol according to socio-demographic data
Conclusão do protocolo
Variável Sim Não TOTAL Valor de p
n % N % n %
Faixa etária (anos)
10 a 14 9 81,8 2 18,2 11 100,0 p(1)
= 0,392
15 a 19 15 71,4 6 28,6 21 100,0
20 a 24 18 90,0 2 10,0 20 100,0
Grupo Total
42 80,8 10 19,2 52 100,0
Raça/cor
Branca 9 75,0 3 25,0 12 100,0 p(1)
= 0,535
Negra 5 100,0 - - 5 100,0
Parda 27 81,8 6 18,2 33 100,0
Grupo Total
41 82,0 9 18,0 50 100,0
Estado marital
Solteira 39 79,6 10 20,4 49 100,0 p(1)
= 1,000
Casada 3 100,0 - - 3 100,0
Grupo Total
42 80,8 10 19,2 52 100,0
• Escolaridade
Fundamental 20 71,4 8 28,6 28 100,0 p(1)
= 0,086
Médio/superior 22 91,7 2 8,3 24 100,0
Profissão
Estudante 24 77,4 7 22,6 31 100,0 p(1)
= 0,788
Do lar 6 100,0 - - 6 100,0
Doméstica 2 100,0 - - 2 100,0
Outras 10 76,9 3 23,1 13 100,0
Grupo Total
42 80,8 10 19,2 52 100,0
Renda(salários)
Ate 1 10 76,9 3 23,1 13 100,0 p(1)
= 0,428
Mais de 1 a 2 14 70,0 6 30,0 20 100,0
Mais de 2 12 92,3 1 7,7 13 100,0
Grupo Total
36 78,3 10 21,7 46 100,0
Procedência
Recife 24 88,9 3 11,1 27 100,0 p(1)
= 0,342
RMR 7 70,0 3 30,0 10 100,0
Interior 9 75,0 3 25,0 12 100,0
Outro Estado 2 66,7 1 33,3 3 100,0
Grupo Total
42 80,8 10 19,2 52 100,0
(1): Através do teste Exato de Fisher.
(1): Through the Fisher Exact test.
55
Tabela 5 – Avaliação da conclusão do protocolo segundo o parentesco do agressor com a
vítima e tipo de violência sofrida
Table 5 - Assessment of the completion of the protocol according to the relationship of the
perpetrator to the victim and type of violence suffered
Conclusão do protocolo
Variável Sim Não TOTAL Valor de p
n % n % n %
Parentesco do agressor
Parceiro intimo/ Ex-parceiro/
Namorado e afins 3 100,0 - - 3 100,0 p
(1) = 1,000
Assaltante/ Desconhecido 32 80,0 8 20,0 40 100,0
Vizinho/ Parente/ Outro 7 77,8 2 22,2 9 100,0
Grupo Total
42 80,8 10 19,2 52 100,0
Tipo de violência sofrida
Penetração vaginal
Sim 38 80,9 9 19,1 47 100,0 p(1)
= 1,000
Não 3 75,0 1 25,0 4 100,0
Penetração oral
Sim 21 80,8 5 19,2 26 100,0 p(1)
= 1,000
Não 20 80,0 5 20,0 25 100,0
Penetração anal
Sim 13 76,5 4 23,5 17 100,0 p(1)
= 0,714
Não 28 82,4 6 17,6 34 100,0
Grupo Total
41 80,4 10 19,6 51 100,0
(1): Através do teste Exato de Fisher.
(1): Through the Fisher Exact test.
56
5.2 ARTIGO (03) - Ainda não submetido.
Representação social da violência sexual e sua relação com a adesão ao protocolo de
quimioprofilaxia do HIV em mulheres jovens e adolescentes
Social representation of sexual violence and its relationship to adherence to protocol
chemoprophylaxis of HIV in young women and adolescents
Ericka Viviane Pontes Procópio*
Camila Guerra Feliciano*
Kalina Vanderlei Paiva da Silva**
Cintia Regina Tornisiello Katz**
*Alunas do Programa do Mestrado em Hebiatria da Faculdade de Odontologia de
Pernambuco.
**Professoras do Programa do Mestrado em Hebiatria da Faculdade de Odontologia de
Pernambuco.
Não há conflito de interesses.
Endereço para correspondência:
Ericka Viviane Pontes Procópio
Rua: Luiz Barbalho, 127, apto 101 – Boa Vista, Recife – PE. CEP: 50070-120
Fone: 55(81) 32236701
e-mail: [email protected]
mailto:[email protected]
57
RESUMO
O objetivo deste estudo foi conhecer as representações sociais da violência sexual e sua
relação com a adesão do protocolo da quimioprofilaxia do HIV em mulheres jovens e
adolescentes. Realizou-se uma pesquisa qualitativa, orientada pela teoria das representações
sociais, através de entrevista gravada com 13 indivíduos sexo feminino, com idades entre 12 e
23 anos. No grupo estudado, observou-se que as representações sociais construídas acerca da
violência sexual exerceram uma considerável influência na adesão ao tratamento
quimioprofilático. As pesquisadas elaboraram imagens nas quais as preocupações geradas à
família, desconfortos causados pelos efeitos dos fármacos, a mudança de rotina, o medo de
adoecer, de ser estigmatizada, ansiedade e raiva, apareceram como elementos constantes,
podendo acarretar o abandono do tratamento. As reflexões sobre as experiências sociais
ocorridas em decorrência da violência mostraram-se fundamentais para se compreender a
situação dos entrevistados. Considerando a influência dessas representações no tratamento
quimioprofilático, verifica-se a necessidade de uma maior atenção dos serviços de saúde com
relação a estas possibilidades, dispondo de recursos para planejar sua assistência com base
nestas diferentes necessidades. É preciso que, além do investimento em pesquisas com novos
fármacos, exista um investimento em pesquisas qualitativas, que forneçam subsídios para um
acompanhamento mais apropriado das vítimas/pacientes.
Descritores: adolescente, violência sexual, quimioprevenção, adesão ao tratamento
medicamentos, representação social.
ABSTRACT
The aim of this study was to understand the social representations of sexual violence and its
relationship with the accession protocol chemoprophylaxis of HIV in young women and
adolescents. A qualitative research was conducted based on the theory of social
representations, through recorded interviews with 13 female subjects, aged between 12 and 23
years. In the group studied, it was observed that the social representations about sexual
violence exerted a considerable influence on treatment adherence chemoprophylaxis. The
surveyed elaborated images in which the concerns generated the family, discomforts caused
by the effects of drugs, change of routine, fear of getting sick, being stigmatized, anxiety and
anger, appeared as constant elements, which can cause the abandonment of treatment. The
reflections on the social experiences that occur as a result of violence proved to be
fundamental to understanding the situation of respondents. Considering the influence of these
representations on chemoprophylaxis treatment, there is a need for greater attention of health
services in relation to these possibilities, and resources to plan your tour based on these
different needs. In addition to investing in research on new drugs, there is a need to invest in
qualitative research, providing subsidies to a more appropriate accompaniment for victims /
patients.
Key words: adolescent, sexual violence, chemoprevention, drug treatment adherence, social
representation.
58
INTRODUÇÃO
A violência sofrida em idade precoce muitas vezes acomete a mulher que ainda não
iniciou a vida sexual. Este fenômeno determina uma importante elevação no risco de
contaminação pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Nos casos de violência sexual,
especificamente, o risco de infecção pelo HIV é intensificado pela possibilidade de ocorrerem
rupturas e dilacerações da pele da região genital 1,2
.
A taxa de infecções após violência sexual chega até 60% dos casos, com prevalência
de 0,8 a 1,6% para a infecção pelo HIV, sendo esta a principal preocupação das vítimas de
violência sexual 1,2
.
O risco de transmissão do HIV após a agressão sexual, embora pequeno, pode ser
significativo em certas circunstâncias, sendo, portanto, razoável que a profilaxia pós-
exposição seja oferecida, embora existam evidências de que a mesma tenha limitações 3.
Além disso, no caso de vítimas adolescentes as exigências de ordem psicológicas e jurídicas,
além de médicas, são ainda mais preementes.
Segundo o Ministério da Saúde, a quimioprofilaxia do HIV deve ser considerada uma
emergência e iniciada imediatamente após a violência, ainda nas primeiras 24 horas. O
esquema deve ser mantido sem interrupção por quatro semanas consecutivas. A adesão à
profilaxia antirretroviral é um dos fatores principais na redução do risco de transmissão da
infecção pelo HIV. A falta de adesão ao esquema antirretroviral está diretamente relacionada
ao risco de falha da profilaxia e de surgimento de cepas virais multirresistentes 4.
Um número significativo de mulheres inicia a profilaxia para o HIV quando recebe o
primeiro atendimento no serviço de referência. Isto se explica, em parte, pelo temor da vítima
em adquirir HIV em função de uma violência sexual. Entretanto, verifica-se que menos da
metade das mulheres completaram a profilaxia antirretroviral, evidenciando a grande
necessidade de reformulação da assistência a esta população, em especial no que se refere ao
59
seguimento ambulatorial dos casos5. Uma avaliação continuada do atendimento prestado deve
ser efetivada para fins de identificação periódica dos casos de abandono do tratamento, na
busca de alternativas viáveis para reduzir o risco de infecção pelo HIV 2.
Vários estudos têm mostrado que a falta de adesão à quimioprofilaxia do HIV é
frequente em mulheres vítimas de violência sexual, podendo estar associada a diversos fatores
como: transtornos psíquicos, efeitos colaterais dos medicamentos, aspectos socioeconômicos,
qualidade do serviço de saúde 1,2,3,5,6,7,8
.
Conhecer as dificuldades relacionadas ao uso de antirretrovirais permite a melhor
compreensão da falta de adesão ao tratamento nos serviços brasileiros. Tal conhecimento
pode contribuir para melhorar as políticas dirigidas a esse grupo e auxiliar os profissionais de
saúde a lidar com essas dificuldades 9.
Poucos estudos têm sido realizados especificamente sobre o uso da quimioprofilaxia
anti-HIV em adolescentes. É provável que adolescentes vítimas de violência sexual tenham
particularidades relacionadas a esta fase do ciclo da vida, que interfiram na adesão a este
tratamento. Assim, esta pesquisa objetivou conhecer, através de um estudo qualitativo, a
representação social da violência sexual e sua relação com a adesão do protocolo da
quimioprofilaxia do HIV em adolescentes e jovens, visando contribuir pa