SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO: OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Reitor Prof. Dr. Décio Sperandio Vice-Reitor Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo Diretor da Eduem Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor-Chefe da Eduem Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini
CONSELHO EDITORIAL
Presidente Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor Associado Prof. Dr. Ulysses Cecato Vice-Editor Associado Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza Editores Científi cos Prof. Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva Prof. Dr. Clóves Cabreira Jobim Prof. Dr. Edson Carlos Romualdo Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes Prof. Dr. João Fábio Bertonha Profa. Dra. Maria Suely Pagliarini Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias Prof. Dr. Ronald José Barth Pinto Profa. Dra. Dorotéia Fátima Pelissari de Paula Soares Profa. Dra. Terezinha Oliveira Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco Profa. Dra. Luzia Marta Bellini Profa. Dra. Valéria Soares de Assis
EQUIPE TÉCNICA
Projeto Gráfi co e Design Marcos Kazuyoshi Sassaka Fluxo Editorial Edneire Franciscon Jacob Mônica Tanamati Hundzinski Vania Cristina Scomparin Edilson Damasio Artes Gráfi cas Luciano Wilian da Silva Marcos Roberto Andreussi Marketing Marcos Cipriano da Silva Comercialização Norberto Pereira da Silva Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima
Maringá2009
FORMAÇÃO DE PROFESSORES - EAD
Sociologia da Educação: olhares para a escola de hoje
Aparecida Meire Calegari-Falco
(ORGANIZADORA)
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2. ed. revisada e ampliada
Coleção Formação de Professores - EAD
Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese
Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331
Revisão Gramatical: Annie Rose dos Santos
Edição e Produção Editorial: Carlos Alexandre Venancio
Eliane Arruda
Capa: Júnior Bianchi
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Copyright © 2009 para o autor
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo
mecânico, eletrônico, reprográfi co etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos
reservados desta edição 2009 para Eduem.
Sociologia da educação: olhares para a escola de hoje/ Aparecida Meire Calegari- Falco, organizadora. 2. ed. rev. e ampl. -- Maringá: Eduem, 2009. 155p. 21cm. (Formação de professores – EAD; n. 10).
ISBN 978-85-7628-188-7 1. Educação – Sociologia. 2. Sociologia da educação. 3. Sociologia educacional. 4. Sociedade e educação. I. Calegari-Falco, Aparecida Meire, org.
CDD 21.ed. 370.19
S678
Endereço para correspondência:
Eduem - Editora da Universidade Estadual de MaringáAv. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário
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Sobre os autores
Apresentação da coleção
Apresentação do livro
CAPÍTULO 1
O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista
Tarcyanie Cajueiro Santos
CAPÍTULO 2
Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamentoMário Luiz Neves de Azevedo / Dalila Andrade Oliveira
CAPÍTULO 3
Considerações sobre o trabalho como categoria explicativa do fenômeno educativo
Eloiza Elena da Silva
CAPÍTULO 4
A educação na obra de Brecht: representações de conquistas e realizações coletivas.
Primeiros atos: possibilidades apresentadas Marta Chaves / Sonia Mara Shima Barroco
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umárioS
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OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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CAPÍTULO 5
Construção do sujeito na era tecnológicaTarcyanie Cajueiro Santos
CAPÍTULO 6
O conhecimento no projeto educativo da “Sociedade do conhecimento”
Lizia Helena Nagel
CAPÍTULO 7
As funções sociais da escola na atualidadeMaria Eunice França Volsi
CAPÍTULO 8
Escola: ideologia e indústria culturalIris Yae Tomita / Tereza Kazuko Teruya / Vanderlei Siqueira dos Santos
CAPÍTULO 9
Segregação, integração/inclusão escolar: A educação de pessoas com necessidades especiais
Nerli Ribeiro Nonato Mori
CAPÍTULO 10
Impossibilidade de educar para a não-violência?:Refl exões preliminares
Lizia Helena Nagel
CAPÍTULO 11
Fracasso escolar: uma questão sociológicaLuciana Grandini Cabreira / Luzia Grandini Cabreira
CAPÍTULO 12
Novas demandas educacionais na contemporaneidade: um olhar para a ecopedagogia
Aparecida Meire Calegari-Falco / José Ricardo Penteado Falco
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APARECIDA MEIRE CALEGARI-FALCO
Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade
Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educação
(UEM). Doutoranda em Educação (UEM).
DALILA ANDRADE DE OLIVEIRA
Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Ciências Sociais (UFMG),
Mestre em Educação (UFMG), Doutora em Educação (USP) e Pós-Doutoramento
(UERJ) na Universidade de Montreal (Canadá). Pesquisadora do CNPq (bolsista de
produtividade).
IRIS YAE TOMITA
Professora do Centro Universitário de Maringá (Cesumar). Graduada em Publicidade e
Propaganda (Cesumar). Mestre em Educação (UEM).
JOSÉ RICARDO PENTEADO FALCO
Professor do Departamento de Biologia Celular e Genética da Universidade Estadual
de Maringá (UEM). Graduado em Ciências Biológicas (Unesp-Rio Claro). Mestre em
Biologia Celular (Unicamp) e Doutor em Biologia Celular e Estrutural (Unicamp).
LIZIA HELENA NAGEL
Graduada em Filosofi a e História. Mestre em Ensino pela UFRGS. Doutora em Filosofi a
da Educação (PUC-SP). Pesquisadora na área de História e Filosofi a da Educação.
Participa do Grupo de Pesquisa ‘Transformação Social e Educação nas Épocas Antiga
e Medieval’ (UEM).
LUCIANA GRANDINI CABREIRA
Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade
Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Psicologia (UEL). Mestre em Educação (UEL).
LUZIA GRANDINI CABREIRA
Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade
Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Jornalismo (UEL) e Pedagogia (Fafi jan).
Mestre em Educação (UEL).
obre os autoresS
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MARIA EUNICE FRANÇA VOLSI
Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educação (UEM). Professora da Fafi par.
Pedagoga da Rede Estadual Pública de Ensino.
MÁRIO LUIZ NEVES DE AZEVEDO
Professor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduado em
História (UEM). Mestre em Educação (UFSCar-São Carlos). Doutor em Educação (USP).
Pesquisador visitante do IESALQ-Unesco (1/2008) e do CNPq (bolsista produtividade).
MARTA CHAVES
Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade
Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educação
(UEM). Doutora em Educação (UFPR).
NERLI RIBEIRO NONATO MORI Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade
Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Psicologia da Educação (PUC-SP). Doutora
em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (USP).
SONIA MARI SHIMA BARROCO
Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá
(UEM). Graduada em Psicologia (UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutora em
Educação (Unesp-Araraquara). Pós-Doutoramento pela USP. Pesquisadora do CNPq.
TARCYANIE CAJUEIRO SANTOS
Formada em Ciências Sociais pela UFPE, Mestre, Doutora e Pós-Doutora em Ciências
da Comunicação pela USP. Bolsista jovem pesquisadora da Fapesp, no Programa
de Mestrado em Comunicação e Cultura da Uniso. Faz parte do Grupo de Estudos
Filosófi cos da Comunicação-Filocom.
TEREZA KAZUKO TERUYA
Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade
Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Ciências Sociais (Unesp-Marília) e História
(Faculdade Auxilium de Lins-SP). Mestre em Educação (Unesp-Marília). Doutora em
Educação (Unesp-Marília).
VANDERLEI SIQUEIRA DOS SANTOS
Graduado em Jornalismo (Faculdades Maringá). Mestre em Educação (UEM).
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A coleção Formação de Professores - EAD teve sua primeira edição publicada em
2005, com 33 títulos fi nanciados pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do
Ministério da Educação (MEC) para que os livros pudessem ser utilizados como material
didático nos cursos de licenciatura ofertados no âmbito do Programa de Formação de
Professores (Pró-Licenciatura 1). A tiragem da primeira edição foi de 2500 exemplares.
A partir de 2008, demos início ao processo de organização e publicação da segunda
edição da coleção, com o acréscimo de 12 novos títulos. A conclusão dos trabalhos
deverá ocorrer somente no ano de 2012, tendo em vista que o fi nanciamento para
esta edição será liberado gradativamente, de acordo com o cronograma estabelecido
pela Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES), que é responsável pelo programa denominado
Universidade Aberta do Brasil (UAB).
A princípio, serão impressos 695 exemplares de cada título, uma vez que os livros
da nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados
no Curso de Pedagogia, Modalidade de Educação a Distância, ofertado pela Universi-
dade Estadual de Maringá, no âmbito do Sistema UAB.
Cada livro da coleção traz, em seu bojo, um objeto de refl exão que foi pensado
para uma disciplina específi ca do curso, mas em nenhum deles seus organizadores
e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e
práticas construídas historicamente no que se referem aos conteúdos apresentados. O
que buscamos, com cada um dos livros publicados, é abrir a possibilidade da leitura,
da refl exão e do aprofundamento das questões pensadas como fundamentais para a
formação do Pedagogo na atualidade.
Por isso mesmo, esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço
coletivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade Esta-
dual de Maringá (UEM) e das instituições que têm se colocado como parceiras nesse
processo.
Neste sentido, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais insti-
tuições que organizaram livros e ou escreveram capítulos para os diversos livros desta
coleção.
Agradecemos, ainda, à administração central da UEM, que por meio da atuação
direta da Reitoria e de diversas Pró-Reitorias não mediu esforços para que os traba-
lhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possível. De modo bastante
presentação da ColeçãoA
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OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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específi co, destacamos o esforço da Reitoria para que os recursos para o fi nanciamento
desta coleção pudessem ser liberados em conformidade com os trâmites burocráticos
e com os prazos exíguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE).
Internamente enfatizamos, ainda, o envolvimento direto dos professores do De-
partamento de Fundamentos da Educação (DFE), vinculado ao Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes (CCH), que no decorrer dos últimos anos empreenderam
esforços para que o curso de Pedagogia, na modalidade de educação a distância, pu-
desse ser criado ofi cialmente, o que exigiu um repensar do trabalho acadêmico e uma
modifi cação signifi cativa da sistemática das atividades docentes.
No tocante ao Ministério da Educação, ressaltamos o esforço empreendido pela
Diretoria da Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educação de Educação a
Distância (SEED/MEC), que em parceria com as Instituições de Ensino Superior (IES)
conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convênios para a li-
beração dos recursos fossem assinados e encaminhados aos órgãos competentes para
aprovação, tendo em vista a ação direta e efi ciente de um número muito pequeno de
pessoas que integram a Coordenação Geral de Supervisão e Fomento e a Coordenação
Geral de Articulação.
Esperamos que a segunda edição da Coleção Formação de Professores - EAD possa
contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Pedagogia, bem como
de outros cursos superiores a distância de todas as instituições públicas de ensino
superior que integram e ou possam integrar em um futuro próximo o Sistema UAB.
Maria Luisa Furlan Costa
Organizadora da Coleção
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A reedição desta obra nos possibilitou acrescentar, bem como suprimir, temáticas que são emergentes nas discussões educacionais na atualidade. Buscamos identifi car, junto aos tutores e professores/orientadores da disciplina, os limites e sugestões que por ventura pudessem ter surgido no trabalho efetivo com os alunos do Curso Normal Superior, a quem a primeira edição se destinava.
Dessa forma, atendendo às demandas levantadas por eles e repensando o propósito desta obra, acrescentamos temas que têm por objetivo contribuir na construção de um arcabouço teórico/prático para a formação de professores, uma vez que permite tecer considerações sobre tais problemas que envolvem diretamente a escola. Soma-se a essas questões a necessidade de apresentar um panorama relativo às novas possibilidades de atuação do pedagogo também nos espaços não escolares.
Essa abordagem é pertinente em um momento em que se repensa a própria identi-dade dos cursos de Pedagogia e da própria Educação, que indubitavelmente fl exibiliza-se em espaço e tempo para acontecer nos mais diversos setores/lugares que antes sequer se cogitava pensar sob a perspectiva educacional. Franco Cambi1 defi ne com maestria o momento de reavaliação atual da pedagogia: “acontece por solicitação de uma sociedade em profunda transformação e que está assumindo a forma de ‘sociedade aberta’ (plural, dinâmica e até mesmo confl ituosa)”.
É importante destacar que, apesar de atender em parte o conjunto de tais temáticas, esta obra certamente pontuará somente as principais questões, uma vez que em seu limite não conseguirá abarcar todas as demandas, considerando que estas se multiplicam rapi-damente.
É imprescindível que não percamos de vista a TOTALIDADE da questão envolvida, que apesar de oferecer um panorama das questões atuais, não se confi gura em uma aborda-gem da micro-história; ao contrário, busca compreendê-las sob uma perspectiva histórica desse novo repertório pedagógico.
Agradecemos aos autores que se empenharam em contribuir com suas pesquisas para enriquecer a presente obra, permitindo, sob diferentes concepções teóricas, desvelar te-máticas importantes para um curso de formação de professores.
Desejamos aos leitores que possam se apropriar adequadamente dos temas que serão
1 Franco Cambi, pedagogo italiano, autos de História da Pedagogia (Editora Unesp, 1999).
presentação do livroA
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abordados, com a certeza de que somente parte dessa pluralidade aqui se apresenta, mas não como um receituário a ser seguido, e sim como um exercício de compreensão de fatos sociais que interferem em nossas vidas, especialmente na comunidade escolar.
Aparecida Meire Calegari-Falco Organizadora do Livro
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Tarcyanie Cajueiro Santos
A Sociologia, ciência que se propõe a estudar a sociedade, surgiu no século XIX,
mas sua gestação remonta ao fi nal do século XVI e início do século XVII, quando a
sociedade feudal se desagrega e em seu lugar surge a progressiva consolidação da
sociedade capitalista, no continente europeu.
Esse fenômeno se insere em um outro ainda maior: o advento da modernidade.
As transformações que caracterizaram esse período, seja na dimensão social, política,
econômica, seja na cultural e existencial, foram “mais profundas que a maioria dos
tipos de mudança característicos dos períodos precedentes” (GIDDENS, 1991, p. 14) e
produziram modos de vida sem correlação com os tipos tradicionais de ordem social.
A modernidade, como uma organização social correspondente a um estilo de vida,
inaugura uma nova maneira de conceber o homem e repercute nas relações sociais.
O indivíduo emerge progressivamente como sujeito detentor de seu destino. Esse
novo modo de vida, cuja característica principal é a de ser emulada por um conjunto
de descontinuidades que descentram o homem, trouxe consigo a produção de esti-
los diferentes dos das instituições sociais tradicionais (GIDDENS, 1991). A partir da
modernidade, a natureza da vida social cotidiana é radicalmente alterada, afetando os
aspectos mais pessoais da existência humana (GIDDENS, 1991, p. 9).
As Ciências Sociais e a Sociologia são uma tentativa de resposta às transformações
geradas no homem e na sociedade pelo advento da modernidade, mais especifi camen-
te com a “ruptura do tecido simbólico que encerrava a sociedade do Antigo Regime”
(CAILLÉ, 1991, p. 45). É com a derrocada efetiva do mundo baseado na dominação da
nobreza e com o surgimento da crença de que o homem é o principal porta-voz de seu
destino que as Ciências Sociais vão se desenvolver. Podemos afi rmar que a partir do
O debate sociológico atual e as
transformações na sociedade capitalista
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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
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fi nal do século XVIII tem início o cumprimento histórico do projeto sociocultural da
modernidade, assentado sobre os pilares da emancipação e da regulação. Esse projeto
“coincide com a emergência do capitalismo como modo de produção dominante nos
países da Europa que integraram a primeira grande onda de industrialização” (SAN-
TOS, 1996, p. 78).
Renato Ortiz, ao analisar a história da modernidade, distingue dois momentos no
século XIX francês: um primeiro, que se estende da Revolução Francesa até a metade
do século, e outro, que se inicia com a aceleração da Revolução Industrial. Segundo o
autor, duas modernidades caracterizariam esse período. A primeira, descrita por Bau-
delaire com ironia e vivacidade, associa-se à Revolução Industrial e as suas descober-
tas, como as estradas de ferro, a iluminação a gás, o telégrafo e a fotografi a. A segunda
anuncia elementos que marcarão o século XX e que têm como substrato outro sistema
técnico: o automóvel, o avião, a eletricidade, a telecomunicação (rádio) e o cinema
(ORTIZ, 1991, p. 30-31).
Essas duas modernidades são, conforme Ortiz, descontinuidades que inauguram
um novo patamar social. É importante compreendermos bem o que ocorre entre o
século XVIII e o século XIX, porque isto lança luz sobre a ruptura de sentido e a nova
cultura que então emerge e que se espelhará pelo século XX adentro, modifi cando as
relações do homem com o espaço e com o tempo. Trata-se de uma mudança de visão
dos homens em relação a si mesmos e ao mundo; uma transformação que refl ete o
afastamento do capitalismo e dos seus avatares da tradição feudal e do Antigo Regime.
Podemos pontuar que, com a nova secularidade daí advinda, os padrões religiosos
de interpretação da ordem do mundo foram substituídos por padrões seculares, que
tinham a natureza e não mais Deus como princípio explicativo. Ou seja, o mundo dei-
xou de ser visto e explicado como perfeição divina e passou a ser encarado como algo
em si, imanente e, por isso, propenso a mudanças.
O advento de uma nova organização socioeconômica implicou um rompimento
com os constrangimentos do século XVIII; promoveu um intercâmbio entre espaços
que estavam voltados para si mesmos. Se, durante o Antigo Regime, o tempo e o espa-
ço confi navam-se em fronteiras seguras, com a Revolução Francesa o espaço urbano
passa a ser pensado cada vez mais como um conjunto formado por partes conectadas
entre si e não isoladas (ORTIZ, 1991, p. 198). Ou seja, o dinamismo que a modernida-
de imprime ao mundo deriva dessa separação do tempo e do espaço, a qual remete ao
desencaixe dos sistemas sociais, que desloca “as relações sociais de contextos locais de
interação e sua reestruturação por meio de extensões indefi nidas de tempo-espaço”
(GIDDENS, 1991, p. 29).
Assim, a partir dessa época, a cidade se especializa e o espaço se transforma. As
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medidas revolucionárias introduzidas na sociedade rompem com o modelo do Antigo
Regime, impulsionando o desenvolvimento do capitalismo, que tem se caracterizado
pela aceleração do ritmo da vida e pela compressão do tempo-espaço. O princípio de
circulação, que emerge no século XIX juntamente com a racionalidade, a funcionali-
dade, o sistema e o desempenho, torna-se o elemento estruturante da modernidade.
A racionalização do espaço e do tempo ao longo do século XVIII compôs um pro-
cesso de reorganização social caracterizado por uma profunda dicotomia, cujo resul-
tado nas pessoas que viveram no século XIX foi a sensação de habitarem dois mundos
diferentes. Isto gerou um ambiente de constantes crises: de um lado, explosivas con-
vulsões em todos os níveis da vida social, pessoal e política; de outro, o sentimento
de um mundo que não chega a ser moderno por inteiro (BERMAN, 1986). De acordo
com Renato Ortiz, a cidade ainda guarda um passo provinciano, um tempo lento que
se contrapõe à rapidez da modernidade a vapor. Apesar do avanço considerável do
sistema de comunicações, as impossibilidades técnicas não efetivam o total “encolhi-
mento” do espaço, o qual é sentido potencialmente, por meio da imprensa, das lojas
de departamento e das exposições universais, como se as pessoas vivessem em um
mundo unifi cado.
É nesse panorama de turbulência ocasionado pela disseminação dos ideais de
igualdade, liberdade e fraternidade da Revolução Francesa, pela inovação tecnológica
e por uma industrialização causadora de miséria e de desemprego em uma época que,
ao mesmo tempo, ainda respira os ares do passado, que os intelectuais vão pensar uma
nova teoria da sociedade, buscando não apenas entender os problemas que surgiam,
como também solucioná-los. A esse respeito, Vilma Figueiredo, assinala que:
Eram as condições inumanas de trabalho, a exploração de mão de obra in-fantil, as precárias condições de higiene, a miséria generalizada, estruturas de poder pouco fl exíveis e impermeáveis aos anseios das grandes massas alguns dos principais temas que ocupavam grande número de intelectuais de então (FIGUEIREDO, 2001, p. 5).
A resposta destes pensadores ao caos desse período, fazendo com que as pessoas
sentissem o tempo e o espaço fraturados, não apenas se deu no nível intelectual, mas
também no campo dos interesses práticos. A crença de que a sociedade era regida por
leis naturais incentivava não apenas a tentativa de elaborar um conhecimento sistemá-
tico acerca delas, como também a aplicação dessas descobertas na correção e no con-
trole do social e dos indivíduos. No caso da Sociologia, é no século XIX que surgem
os primeiros esforços sistemáticos de delimitação do objeto de estudo e de estratégias
metodológicas para a produção de conhecimento.
Deste modo, a Sociologia teve como parâmetro o método das ciências naturais, cujo
O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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emprego sistemático da observação e da experimentação possibilitou uma progressiva
dominação e controle do homem sobre a natureza. Entre o tempo de Copérnico e
Newton, as ciências naturais alcançaram um desenvolvimento notável, foram feitas des-
cobertas tecnológicas extraordinárias, que se associavam à Revolução Industrial, cujo
resultado foi, por exemplo, o surgimento das estradas de ferro, da iluminação a gás, do
telégrafo e da fotografi a. Com o fi m de ter o mesmo progresso das ciências naturais e
alcançar o status de ciência, a sociologia elaborou um sistema de conhecimentos com
base em fatos e tentou livrar-se de concepções dogmáticas, supranaturais, religiosas e
de ideias preconcebidas, o que estava dentro do espírito do tempo impregnado pelas
ideias iluministas, segundo as quais a razão era a principal aliada do homem.
São dignos de atenção os fundadores clássicos da Sociologia, na medida em que
deixaram para essa ciência um legado teórico e prático que inspirou inúmeros intér-
pretes e seguidores ao longo do século XX e cuja força se estende até os dias atuais:
Karl Marx, Èmile Durkheim, baseados na tradição positivista de August Comte e Max
Weber. Apesar das diferenças entre si, esses fundadores da Sociologia têm em comum a
responsabilidade pela formação da crença de que o conhecimento sociológico poderia
controlar a sociedade, seja no sentido de sua organização e conservação, seja no da
mudança gradual ou transformação radical:
Deixando-nos uma macro-sociologia cujo eixo está nos fatores condicionantes do confl ito e da solidariedade na sociedade industrial, nas razões da ordem e nas possibilidades de mudança lenta ou acelerada, gradual ou não, para so-ciedades mais avançadas, quer sejam mais solidárias, mais igualitárias ou mais racionais (FIGUEIREDO, 2001, p. 7).
O impacto das teorizações produzidas por esses pensadores nas sociedades do
século XX é apontado por sociólogos como Vilma Figueiredo. Para ela, se Comte,
Durkheim e Weber infl uenciaram o desenvolvimento das democracias que se fortale-
ceram durante o século XX, por meio de suas teorizações sobre a evolução da raciona-
lidade, a natureza do vínculo social e os tipos de dominação,
É Marx, entretanto, quem fornece o exemplo mais visível de teoria posta em prática. Isso porque foi em seu nome que se desenvolveram argumentos e des-dobramentos inspiradores e justifi cadores da revolução que pretendeu implan-tar o comunismo na Rússia e criou a União Soviética (FIGUEIREDO, 2001, p. 9).
A Sociologia, em seu desenvolvimento, infl uenciou os destinos das sociedades que
almejavam se tornar modernas e, ao mesmo tempo, foi por elas infl uenciada, passan-
do a ser produzida em diferentes lugares, com multiplicidade de temas, problemas e
propostas. Como apregoa Giddens:
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O discurso da sociologia e os conceitos, teorias e descobertas das outras ci-ências sociais continuamente ‘circulam dentro e fora’ daquilo de que tratam. Assim fazendo, eles reestruturam refl exivamente seu objeto, ele próprio tendo aprendido a pensar sociologicamente. A modernidade é ela mesma profunda e intrinsecamente sociológica (1991, p. 49).
Por isso, ao caminhar da macro para a microssociologia, essa ciência vem se diver-
sifi cando tanto metodologica quanto teoricamente, procurando dar conta dos novos
problemas sociais que têm aparecido.
Assim, durante todos esses anos, as ciências sociais se articularam basicamente em
torno de três grandes paradigmas: o marxismo, o funcionalismo e o weberianismo.
Normalmente, os cientistas sociais aderiam a uma ou a outra visão de mundo, de
modo que se era ou marxista ou funcionalista ou weberiano, quando muito, “fun-
cional-weberiano”. Tais paradigmas, apesar dos diferentes conceitos e metodologias,
tinham origem no contexto da sociedade industrial e na crença de que o progresso
seria alcançado por meio da razão e da ciência. O eixo básico desse pensamento era a
ideia de um sujeito e de um fi m unitários e também de superação, que em um futuro
iria se efetuar1, ou seja, aquilo que Lyotard designou como as metanarrativas, que são
narrações com funções legitimadoras, tais como:
Emancipação progressiva da razão e da liberdade, emancipação progressiva ou catastrófi ca do trabalho (fonte do valor alienado no capitalismo), enriqueci-mento da humanidade inteira por meio dos progressos da tecnociência, e até, se considerando o próprio cristianismo na modernidade (opondo-se, neste caso, ao classicismo antigo), salvação das criaturas por meio da conversão das almas à narrativa crística do amor mártir. A fi losofi a de Hegel totaliza todas estas narrativas, e neste sentido concentra em si a modernidade especulativa (LYOTARD, 1993, p. 31).
Por conseguinte, os atuais desafi os da Sociologia e, de maneira geral, das ciências
sociais emergiram na segunda metade do século XX e tornaram-se mais evidentes ou
aguçados no início deste século, quando o mundo parece ter fi nalmente entrado em
uma nova fase. Apesar de os pensadores clássicos ainda serem uma fonte inesgotável
de conhecimento para se pensar a contemporaneidade, a complexidade e a incerte-
za que vivenciamos parecem não condizer mais com muitos dos conceitos por eles
elaborados.
1 Weber foi o único desses pensadores clássicos que viu o uso abusivo da razão sob uma perspectiva negativa. Para ele, a racionalização leva ao desencantamento do mundo, criando uma jaula de ferro. Em sua visão, “nem a ciência, nem a fi losofi a podem dar um ‘sentido’ à existência. A modernidade não comporta ‘soluções’. Cabe ao homem conviver com os ‘paradoxos’ (TRAGTENBERG, 1992, p. xiv).
O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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Diversamente de outros períodos históricos, o século XX desenvolveu, em escala
abrangente e dinâmica, tecnologias comunicacionais e informacionais, cujo impacto
não parece ser menor do que o de técnicas anteriores, como as da época do surgimen-
to da sociologia como ciência. Contudo, se no século XIX a racionalização da socieda-
de ainda era uma potencialidade, na conjuntura posterior à Segunda Guerra Mundial
sofrerá saltos e redefi nições.
David Harvey (1992) vê aí uma intensa fase de compressão do espaço e do tempo
similar à ocorrida no fi nal do século XIX, que modifi cou o panorama de então. À medi-
da que o século XIX se estendeu, a técnica não apenas passou a ser prolongamento da
ciência, como também da sociedade. A modernidade avançou materializando-se nela,
permitindo, por meio da separação do tempo e do espaço, o desencaixe das relações
sociais. Foi nesse caminhar que, no fi nal do século XX, a tecnologia tornou-se estrutu-
radora das próprias sociedades.
Em meio ao processo de modernização da sociedade observa-se o aparecimento de
uma cultura de massa, que visou à conquista de um maior mercado possível e dirigiu
seus produtos a consumidores em expansão. Como propala Renato Ortiz, os meios
de comunicação de massa contêm uma dimensão que transcende as territorialidades
locais, pois o circuito técnico sobre o qual as suas mensagens se apoiam é responsável
por um tipo de civilização que se mundializa. A circulação, princípio estruturante das
relações sociais, ocorre com base nesses meios, indicando a existência de uma malha
imprescindível para a mobilidade cultural. Portanto, assim “como as antigas estradas
de ferro, a materialidade dos meios de comunicação permite interligar as partes desta
totalidade em expansão” (ORTIZ, 1991, p. 58-59), mas por meio de uma velocidade
cada vez maior e ininterrupta.
A vocação mundial sobre a qual se estrutura essa modernidade repousa sobre as
exigências de uma civilização urbano-industrial, conectada cada vez mais pelos meios
de comunicação voltados ao grande público. Isto signifi ca que, embora já no fi nal do
século XIX a emergência de uma “modernidade-mundo”2 possa ser captada em alguns
estratos sociais dos países ocidentais mais desenvolvidos, a sua plena realização ocor-
re apenas no decorrer do século XX, com o advento da globalização, da precarização
do trabalho, da fragmentação das sociedades, da reestruturação do capitalismo e das
novas tecnologias comunicacionais, eletrônicas e informacionais, como o conjunto
2 Modernidade-mundo pode, em síntese, ser compreendida com base na “existência de processos globais que transcendem os grupos, as classes sociais e as nações”. Comportaria a emergência de uma sociedade global, em que os homens encontram-se interligados, independentemente de suas vontades. Para uma compreensão melhor desse conceito, veja: ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1998, p. 7.
17
convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware),
telecomunicações/radiodifusão, optoeletrônica, a engenharia genética e seu crescente
conjunto de desenvolvimentos e aplicações.
No momento em que o processo de racionalização sobre o qual se ancora a mo-
dernidade ocorre nas diversas esferas do tecido social, a sociedade passa a ser carac-
terizada como um conjunto desterritorializado, cujas partes são articuladas umas às
outras. Com isso, não foram apenas a Primeira Guerra Mundial, o choque da Segunda
Guerra Mundial, a revolução soviética e a ascensão dos movimentos fascistas que fi ze-
ram com que o mundo ocidental entrasse em uma nova fase; também o advento do
pós-industrialismo, de uma burocratização cada vez mais impessoal, a proliferação de
armas químicas e nucleares, a devastação do meio ambiente e a deterioração da vida
social, assim como a atuação cada vez maior dos meios de comunicação como cimen-
tadores sociais, entre outros acontecimentos, ajudaram a produzir uma desconfi ança
em relação às ideologias do progresso e uma incerteza sobre o futuro e colocaram em
xeque as metanarrativas que guiaram as ciências sociais. Uma sensação de que “tudo
o que é sólido desmancha no ar”, como bem pontuou Marx no Manifesto Comunista,
vai a par do processo de secularização e individualização da sociedade e da crise das
ciências, as quais parecem não dar mais conta dos acontecimentos, não conseguindo,
muitas vezes, prevê-los ou explicá-los.
Esse processo de substituição de uma sociedade disciplinar, estruturada com base
na noção de dívida infi nita e de dever absoluto, por uma sociedade do controle, as-
sentada na informação, na estimulação das necessidades, no sexo, no culto da natura-
lidade, da cordialidade e do humor e no levar em conta os “fatores humanos” (LIPO-
VETSKY, 1994) indica a passagem da modernidade à pós-modernidade, na teoria e na
cultura em geral. O momento de radicalização da modernidade, segundo autores que
negam a pós-modernidade, é entendido como um fenômeno de superação daquela3.
Essa mutação, que apenas veio a ser amplamente analisada nas últimas décadas do
século XX, quando nos deparamos com o processo de reestruturação do sistema capi-
talista implementado pela revolução tecnológica da informação, não ocorreu da noite
3 Concordamos com Renato Ortiz, no sentido de que a pós-modernidade pode ser compreendida como uma confi guração social que se projeta para além da anterior, mesmo se construindo com base nela, uma vez que é um momento de radicalização das modernidades anteriores. Ortiz. Mundialização e cultura, op. cit, p. 68-69.
O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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para o dia4. Todavia, já em 1950, ano do aparecimento da televisão, alguns autores
começaram a discutir e analisar esse processo de transformação cultural, social, eco-
nômica, tecnológica e política, que impulsionou a nova confi guração social, política,
econômica e existencial, cujo marco foi a explosão de maio de 1968.
A proclamação desse movimento de todos os desejos, bem como a sua pretensão à
autenticidade e ao direito à diferença, como novas visões de mundo, em nome do res-
peito ao indivíduo e da erradicação dos dogmatismos morais e religiosos, apontam o
novo espírito da época. Com essa mudança normativa, que instituiu sociologicamente
o indivíduo puro, o importante passa a ser poder se exprimir e se assumir. Esse novo
sujeito soberano e incerto, por não ter mais o peso de morais rígidas para indicar a sua
conduta, deve elaborar suas próprias regras (EHRENBERG, 1998, p. 133).
Riesman (1971, p. 85), que no início da década de 1950 publicou A Multidão So-
litária, com a assistência de Nathan Glazer e Reuel Denney, fi gura entre os cientistas
sociais que se preocuparam em analisar o declínio do modelo normativo, baseado na
disciplina e na culpa, que guiou a individualidade até 1950. Ele argumentava que a
sociedade estava transitando de um estágio “orientado para dentro” para um estágio
“orientado para o outro”. As pessoas, antes infl uenciadas pelos pais e outras autori-
dades mais velhas, passavam a depender da aprovação de seus pares. No início da
segunda metade do século XX, Riesman já percebia que “educação, lazer e serviços ca-
minham conjuntamente com um crescente consumo de palavras e imagens dos novos
meios de comunicação de massa” (RIESMAN, 1971, p. 85).
Se essas técnicas, juntamente com o capitalismo, ajudaram a corroer os laços comu-
nitários ao mesmo tempo em que aumentavam a demanda por comportamentos mais
“socializados”, a difusão da televisão, após a Segunda Guerra Mundial, criou uma nova
“galáxia da comunicação”, aprofundando ainda mais processos iniciados anteriormen-
te, como os de individualização e de distanciamento entre o tempo e o espaço. Com
a sua introdução, um sistema de comunicação essencialmente dominado pela mente
tipográfi ca e pela ordem do alfabeto fonético é deixado para trás. Em seu lugar, emerge
“um meio fundamentalmente novo caracterizado pela sua sedução, estimulação sen-
sorial da realidade e fácil comunicabilidade, na linha do menor esforço psicológico”
(CASTELLS, 1999, p. 358).
4 Steven Connor afi rma que “embora o termo ‘pós-modernismo’ tenha sido usado por alguns escritores dos anos 1950 e 1960, não se pode enunciar que o conceito de pós-modernismo tenha se cristalizado antes da metade dos anos 1970, quando afi rmações sobre a existência desse fenômeno social e cultural tão heterogêneo começaram a ganhar força no interior e entre algumas disciplinas acadêmicas e áreas culturais, na fi losofi a, na arquitetura, nos estudos sobre o cinema e em assuntos literários”. CONNOR, Steven. Cultura pós-moderna: introdução às teorias do contemporâneo. São Paulo, Loyola: 1992, p. 13. Outros autores, como Ciro Marcondes Filho, postulam que o pós-modernismo já existia em 1920.
19
Ao modelar a linguagem da comunicação societal, os media, especialmente a televi-
são e o rádio, moldaram o ambiente no qual agimos e interagimos. Quanto mais esses
media penetram em nossa vida, mais tendemos a, individualmente, nos absorver. Cas-
tells preconiza que a difusão desses media, cujo eixo central é a TV, pressupõe uma
importante característica da sociedade em que um número cada vez maior de pessoas
está morando sozinhas. Ciro Marcondes Filho, por sua vez, ao mencionar o papel da
televisão, distingue nela uma característica única. Para este autor, ela não apenas foi “o
veículo dominante no fi nal da modernidade”; como também foi o “veículo de ingresso
na nova fase social, fi m da modernidade, interregno pós-modernidade e agora ciber-
sociedade” (MARCONDES FILHO, 2000, p. 36). Deste modo, como principal meio de
comunicação da modernidade, a televisão, junto com a motorização, contribuiu am-
plamente para o confi namento das pessoas em casa, para a implosão da esfera pública
e para a política de sedução de massa (MARCONDES FILHO, 2000, p. 36).
No fi nal do século XX, a Internet, aliada ao aparecimento e à cotidianização de sis-
temas multimediáticos, como o computador, que reúne media dispersos (a televisão, o
telefone, o rádio e o jornal), parece aprofundar essa tendência. Por meio deles, conceitos
como interatividade, participação e performance indicam novos vetores, como realidade
virtual, imagem, digitalização, transitoriedade, entre outros. Ou seja, nos deparamos com
o aparecimento de uma sociedade em rede, cujo sistema multimediático se apresenta
como o sinalizador de novas tendências culturais, políticas, econômicas e sociais.
Se com os media dispersos já vivíamos em um ambiente comunicacional, com a
introdução e a difusão dos sistemas multimediáticos entramos na sociedade em rede.
Com o teclado e a tela as pessoas já acionam programas via satélite e a cabo, veem o
clima e jogam. De fato, atualmente a televisão não apenas está conectada a grandes re-
des, TV a cabo e parabólicas; sua tela já integra cassetes, jogos eletrônicos e até mesmo
o computador, fazendo o papel de visor (ORTIZ, 1998, p. 63).
Diversamente do ambiente de discussão produzido pelo espaço público moderno,
como contraponto ao espaço privado, os sistemas multimediáticos, cujo epicentro é
a Internet, aparecem como uma esfera pública inteira, “um mundo em que a conste-
lação de atividades se acha deslocada e condensada no meio eletrônico”5. A penetra-
bilidade em todos os domínios das atividades humanas, atuante nas tecnologias da
informação, do processamento e da comunicação, faz com que vivamos em um mundo
que já se tornou digital.
5 Marcondes Filho. “Haverá vida após a Internet?”, disponível em: http://www.anpocs.org.br.http://www.eca.usp.br/nucleos/fi locom/home.html. 2000.
O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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Essas tecnologias não são apenas ferramentas a serem aplicadas, mas também processos a serem desenvolvidos. Com elas,segue-se uma relação muito próxima entre os processos sociais de criação e manipulação de símbolos (a cultura da sociedade) e a capacidade de produzir e distribuir bens e serviços (as forças produtivas) (CASTELLS, 1999, p. 51).
As novas tecnologias, ao integrarem mentes e máquinas, funcionam como ampli-
fi cadores e extensões do homem. Desse modo, pela primeira vez na história a mente
humana se torna uma força direta de produção e não apenas um elemento no sistema
produtivo. Na medida em que a fonte de sua produtividade se encontra na tecnologia
de geração de conhecimentos, de processamento da informação e de comunicação de
símbolos, a maior interdependência entre o homem e a máquina deriva desse novo
modo informacional de desenvolvimento.
Castells (1999) relaciona esse grande progresso tecnológico do início dos anos
1970 com a cultura da liberdade, da inovação individual e da iniciativa empreendedora
oriunda dos campi norte-americanos da década de 1960. A ênfase nos dispositivos per-
sonalizados, na interatividade, na formação de redes e na busca de novas descobertas
tecnológicas, muitas vezes sem muito sentido comercial, correspondeu a um seguimen-
to específi co da sociedade norte-americana que, em interação com a economia global e
a geopolítica mundial, concretizou um novo estilo de produção, de comunicação e de
gerenciamento de vida, desembocando na cibersociedade ou sociedade tecnológica ou
sociedade em rede dos anos 1990. Informa Castells que o espírito libertário dos anos
1960, atuante nessa revolução da tecnologia da informação, não apenas foi de encontro
com a tradição cautelosa do mundo corporativo de então, como também se difundiu
pela cultura mais signifi cativa das sociedades contemporâneas.
Assim, até certo ponto, a disponibilidade de novas tecnologias constituídas como um sistema já na década de 70 foi uma base fundamental para o processo de reestruturação socioeconômica dos anos 80. E a utilização dessas tecno-logias década de 80 condicionou, em grande parte, seus usos e trajetórias na década de 90 (CASTELLS, 1999, p. 69).
Por se juntarem ao profundo movimento de individualização das sociedades mo-
dernas, essas novas tecnologias simbolizam a liberdade e a capacidade de dominar o
tempo e o espaço. O seu sucesso, na visão de Dominique Wolton (2000, p. 87), pode
ser compreendido por meio de três palavras chaves: autonomia, domínio e rapidez. A
digitalização, a velocidade e o excesso informativo são considerados por Marcondes
Filho como os três componentes da era tecnológica. Ao interferirem na ordenação
física e psíquica dos agentes, eles produzem novas sínteses, reordenando seu modus
21
vivendi e sua estruturação de mundo6.
Apesar de haver grandes áreas e consideráveis segmentos populacionais que não
têm acesso a esse novo sistema, sua difusão ocorreu com a velocidade da luz, conec-
tando o mundo, em menos de duas décadas, por meio da tecnologia da informação.
Ao se difundir por todo o conjunto de relações e estruturas sociais, a tecnologia e as
relações técnicas de produção penetram no poder e na experiência, modifi cando-os
(CASTELLS, 1999, p. 52, 36).
Assim, as últimas décadas do século XX foram caracterizadas por um impacto deso-
rientador e diruptivo sobre as práticas políticas e econômicas, equilíbrio de poder de
classe, assim como sobre a vida social e cultural. Reiterando Castells:
Uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação está re-modelando a base material da sociedade em ritmo acelerado. Economias por todo o mundo passaram a manter interdependência global, apresentando uma nova forma de relação entre a economia, o Estado e a sociedade em um sistema variável (CASTELLS, 1999, p. 21).
O grande desafi o da sociologia é o de procurar compreender todas essas mudanças.
As transformações sociais são tão drásticas quanto as tecnológicas, políticas, culturais e
econômicas. O surgimento de uma nova estrutura social coloca inúmeras difi culdades
para aqueles que desejam compreendê-la. Ela pressupõe, para ser ao menos delimita-
da, uma sociologia humilde e plural.
Plural, porque o novo estágio do capitalismo e a globalização a ele atrelada têm
nos mostrado um mundo interconectado por uma tecnologia que chega, em maior
ou menor escala, a todos os lugares, penetra em todos os domínios de tal forma que a
sociologia sozinha não pode mais dar conta de seu objeto. Por isso, inúmeros autores
têm chamado atenção à interdisciplinaridade, ou seja, à importância de outras discipli-
nas para se entender as transformações sociais e o próprio campo da sociologia.
Humilde, porque a neutralidade científi ca e o racionalismo como os modos domi-
nantes de pensar da ciência (incluindo-se aí a sociologia) se mostraram um mito. Eles
foram postos em xeque pela teoria do caos e da mecânica quântica, levando à neces-
sária relativização de seus pressupostos. Neste sentido, uma ciência que se pretendia
soberana, acima dos fenômenos, subsumindo-os, foi levada a repensar a própria ativi-
dade do investigador diante da precedência dos fatos e dos fenômenos em relação a
ele próprio. Como expõe Ciro Marcondes Filho:
6 Marcondes Filho. “Haverá vida após a Internet?” op. cit.
O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
22
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Referências
Levou a uma postura que - combinada à falência do humanismo, à crise dos ide-ais emancipatórios e a todos os mitos que envolveram o despertar científi co do início do século 19 (progresso, evolução, razão, teleologia, história, homem) - se alinhava ao pensamento deste século, muito mais modesto em relação às capacidades humanas diante das máquinas, muito mais crítico em relação aos desenvolvimentos da ciência e muito mais consciente das verdadeiras capacida-des de pesquisa do ser humano (MARCONDES FILHO, 2000).
Assim, ao ter uma postura crítica diante dos acontecimentos que marcaram o sécu-
lo XX, e sem negligenciar a razão, mas também não fazendo dela a sua musa, a Socio-
logia poderá nos dizer muito sobre os rumos que as nossas sociedades estão tomando.
23
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1) Qual a relação entre a Sociologia e a modernidade?
Proposta de Atividade
O debate sociológico atual e as transformações na sociedade capitalista
Anotações
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
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Anotações
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Mário Luiz Neves de Azevedo / Dalila Andrade Oliveira
O liberalismo, como teoria político-econômica e prática de governo, cumpriu fun-
ções históricas fundamentais para avançar no sentido de uma sociedade com maior
riqueza e liberdade1. O pensamento liberal deu forma a um modo de produzir, pós-
medieval, que tem o trabalho livre, apesar dos exemplos de escravismos conhecidos
na História, e a liberdade de empreendimento para o capital como conteúdos e o
mercado como espaço de relação entre possuidores de mercadorias.
Entretanto, o liberalismo não se defi ne de maneira simples. Matteucci (1992), ao
escrever o verbete “Liberalismo”, no Dicionário de Política de Norberto Bobbio, reco-
nhece que não existe um conceito unívoco de liberalismo, o que coloca-nos diante do
risco de se escrever uma história paralela de diversos liberalismos ou de se chegar a
um liberalismo “ecumênico”, “que não tem muito a ver com história” (1992, p. 686).
A advertência de Matteucci é bastante atual, pois tal conceito continua equívoco
(não unívoco), concorrendo, dessa forma, para uma maior difi culdade na defi nição,
não só da complexa matriz liberal, mas, sobretudo, do que se convencionou chamar
de neoliberalismo e de suas consequências. Em outro dicionário, agora de Economia,
encontramos a seguinte defi nição para o termo liberalismo:
doutrina que serviu de substrato ideológico às revoluções anti-absolutistas que ocorreram na Europa (Inglaterra e França, basicamente) ao longo dos séculos XVII e XVIII e à luta pela independência dos Estados Unidos. Correspondendo aos anseios de poder da burguesia, que consolidava sua força econômica ante uma aristocracia em decadência amparada no absolutismo monárquico, o libe-ralismo defendia: 1) a mais ampla liberdade individual; 2) a democracia repre-sentativa com separação e independência entre os três poderes (executivo, le-gislativo e judiciário); 3) o direito inalienável à propriedade; 4) a livre iniciativa e a concorrência como princípios básicos capazes de harmonizar os interesses individuais e coletivos e gerar o progresso social [...] (SANDRONI, 1985, p. 241).
1 Segundo Marx e Engels, “a burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário. Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia calcou aos pés as relações feudais, patriarcais e idílicas” (1998b, p. 23).
Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento
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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
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Observamos então que o liberalismo constitui um conjunto de princípios que serve
de referencial a seus partidários, portanto, não é um sistema único, imutável e acaba-
do. Bobbio (1990, p. 114) afi rma que as características unifi cadoras e fundantes do
liberalismo residem na economia e na política, isto porque, como teoria econômica,
apoia-se no livre-cambismo e como teoria política propõe um Estado que governe o
menos possível.
O livre mercado e o individualismo fi rmam-se, historicamente, como sendo as bases
do liberalismo. De acordo com Adam Smith, autor clássico do liberalismo anglo-saxão,
o indivíduo, ao buscar maximizar o próprio ganho, promove o bem público (1980).
Para Smith, a explicação para a existência dessa curiosa energia “ego-fi lantrópica” re-
side no mercado. Ou seja, na procura de benefícios para si, o indivíduo é guiado por
uma “mão invisível” e “colabora” com o desenvolvimento social.
As políticas de orientação liberal clássica apoiam-se em Smith, defendendo maior
liberdade de escolha, atribuindo certa racionalidade ao mercado e recomendando que
o Estado tenha papel mais restrito. Para Smith, o Estado deve limitar-se a “(1) proteger
as fronteiras nacionais; (2) a administrar a justiça interna; e (3) a criar e promover
certas obras e instituições públicas” (HUNT, 1989, p. 82).
O neoliberalismoO que se conhece por neoliberalismo é um projeto político e econômico que se
(re)apresenta na segunda metade do século XX, defendendo, radicalmente, a míni-
ma intervenção do Estado e assemelhando-se ao liberalismo defendido pela Escola
Neoclássica2, após um período de relativa estabilidade do Estado de bem estar social
e de economia política keynesiana3. De modo esquemático, podemos afi rmar que os
2 Segundo Capul e Garnier, a Economia Keynesiana é o “conjunto de análises econômicas inspiradas nos trabalhos de John Maynard Keynes (1883-1946), economista e alto funcionário britânico. A Teoria Keynesiana [...] opõe-se frontalmente à Teoria Neoclássica e defende a necessidade da intervenção do Estado face às crises econômicas” (1996, p. 96). A Escola Neoclássica segue a maioria dos princípios da Escola Clássica (automatismo do mercado, liberalismo, individualismo e mínima intervenção do Estado). O marginalismo, originado na Escola Neoclássica, faz uma fi ssura com a Escola Clássica ao negar a teoria do valor-trabalho. O valor para o marginalismo é gerado a partir de um fator subjetivo a utilidade marginal. Conforme Sandroni, “o valor de cada bem é dado pela utilidade proporcionada pela última unidade disponível desse bem, ou seja, por sua ‘utilidade marginal’” (ibid, p. 256). Além disto, o valor do bem torna-se maior à medida que o produto escasseia, isto é, sua utilidade marginal aumenta. O mercado é o campo desta determinação. O marginalismo é criado e desenvolvido por três escolas diferentes: a) Escola Inglesa: William S. Jevons (1835-1882) sucedido por Alfred Marshall (1842-1924); b) Escola Austríaca: Karl Menger (1840-1921) seguido por Böhm-Bawerk (1851-1914), Friedrich von Wieser (1851-1926), Ludwig E. von Mises (1881-1973) e Friedrich A. von Hayek (1899-1992); c) Escola de Lausanne: León Walras (1834-1910), que teve como discípulo Vilfredo Pareto (1848-1923).
3 A Economia Clássica foi fundada por Adam Smith e David Ricardo. As publicações mais relevantes são “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith, de 1776; os “Princípios de Economia Política”, de John Stuart Mill, de 1848, e os “Princípios de Economia Política e Tributação”, de 1817, de David Ricardo.
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pensadores neoliberais, ao estilo dos economistas neoclássicos, são mais “liberais” que
o próprio liberalismo clássico4, desestimando, inclusive, a terceira função do Estado
defendida por Smith, qual seja: a criação e promoção de “certas obras e instituições
públicas”.
Contudo, a roupagem ideológica do neoliberalismo traz novos adereços e o seu
conteúdo teórico comporta determinadas características que, conforme dito, inspira-
das nas escolas neoclássicas, o diferencia do liberalismo de Adam Smith e o distingue,
essencialmente, do keynesianismo. Milton Friedman, referência incontestável do neoli-
beralismo, propõe que a principal função do Estado seja “a de proteger nossa liberdade
contra os inimigos externos e contra nossos próprios compatriotas; preservar a lei e a
ordem; reforçar os contratos privados; promover mercados competitivos” (1983, p. 12).
A participação estatal na economia só é aceita por Friedman em casos excepcionais.
Para ele, “além desta função principal, o governo pode, algumas vezes, nos levar a fazer
em conjunto o que seria mais difícil ou dispendioso fazer separadamente. Entretanto,
qualquer ação do governo nesse sentido representa um perigo” (FRIEDMAN, 1983, p. 12).
Curiosamente, a obra de Smith serve como referência tanto para a tradição liberal-
conservadora como para o pensamento mais progressista, tanto para a teoria do valor-
trabalho, que defende o trabalho como o original fator criador de riqueza, como para a
teoria do valor-utilidade, que propugna a utilidade como fonte de valor. Segundo Hunt,
As obras de Smith [...] impressionam o leitor por serem extremamente ambí-guas, quanto à questão do confl ito de classes versus harmonia social, no capita-lismo. Um argumento central [...] é de que os proponentes da teoria do valor-trabalho vêem o confl ito de classes como algo de importância fundamental para a compreensão do capitalismo, enquanto que a teoria do valor-utilidade vê a harmonia social como fundamental e leva, inevitavelmente, a uma versão do argumento da “mão invisível”, de Smith. Só quando Smith abandonou a teoria do valor-trabalho é que ele pôde argumentar em favor da “mão invisível” e da harmonia social (1989, p. 82).
4 O monetarismo segue o extremo laissez-faire; caracteriza-se por sustentar que é possível manter a estabilidade do sistema capitalista com medidas de controle sobre a quantidade de moeda no mercado. Contemporaneamente, a Escola de Chicago, representada por seu maior expoente Milton Friedman, é a referência monetarista acadêmica. Entretanto, o monetarismo também não é novo, é atualizado pela Escola de Chicago, pois tem referência no século XIX. Marx, em O Capital, em uma nota de rodapé, considerou os pressupostos monetaristas como absurdos. Ele explica em nota complementar: "Teoria monetária muito divulgada na Inglaterra na primeira metade do século XIX, que partiu da teoria quantitativa do dinheiro. Os representantes da teoria quantitativa afi rmam que os preços das mercadorias seriam determinados pela quantidade de dinheiro em circulação. Os representantes do Currency princi-ple queriam imitar as leis da circulação metálica. No currency (meio circulante) incluíam, além do dinheiro metálico, também as notas bancárias. Eles acreditavam alcançar um curso estável do dinheiro por meio da plena cobertura em ouro das notas bancárias; a emissão devia ser regulada conforme a importação e exportação do metal precioso. As tentativas do governo inglês (lei bancária de 1844) de basear-se nessa teoria não tiveram nenhum sucesso e somente confi rmaram sua falta de sustentação científi ca e sua total inutilidade para fi ns práticos" (MARX, 1983, p. 120).
Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
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A obra de Smith, comportando esse paradoxo (ou ambiguidade), dá margem a
uma dupla interpretação. No entanto, segundo a noção de historicidade, a obra deve
ser datada e compreendida de acordo com o espírito da época em que foi escrita.
Destaquemos que o individualismo, a livre iniciativa e a mínima intervenção do Es-
tado eram pressupostos básicos para que regimes e sistemas, baseados no servilis-
mo, no artesanato, na agricultura primitiva, na autarquia dos feudos e no misticismo
religioso fossem superados e para que se impedissem retrocessos ao estilo de um
“neofeudalismo”.
Enfi m, o mercado foi um elemento desagregador do modo de produção feudal e
a burguesia benefi ciou-se da impessoalidade das novas relações sociais, cujas marcas
principais são a troca de coisas e o individualismo do laissez-faire, para pôr fi m às
subservientes relações sociais do feudalismo. Desse modo, podemos inferir que a
“desregulação” do servilismo é, em essência, uma “regulação” capitalista.
A compreensão do movimento neoliberal é um desafi o teórico, pois, à semelhança
do liberalismo, não existe um neoliberalismo com sentido unívoco, são vários neo-
liberalismos. Grosso modo, os representantes políticos e teóricos dessa corrente de
pensamento entendem que a sociedade deve voltar a adotar a política econômica
anterior às regulações de matiz keynesiano, isto é, retornar ao caminho que a Escola
Clássica indicou e que a Escola Neoclássica radicalizou na forma, entre as variantes
mais conhecidas, do marginalismo e da vertente quantitativista do Monetarismo5.
Para a ortodoxia neoclássica e para o neoliberalismo, o mercado deve ser livre e deve
ser tratado como o principal regulador nas relações sociais, de modo que se destine
ao Estado, apenas, o papel de vigilante dos princípios de respeito à propriedade
privada, da preservação dos contratos estabelecidos e de promotor do livre mercado.
Como já podemos notar o liberalismo clássico e o neoliberalismo preservam tê-
nues, mas fundamentais, diferenças entre si. Perry Anderson recorda que
o neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de merca-dos por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política (1995, p. 9).
5 “Nome dado pelo presidente dos EUA Franklin D. Roosevelt, em 1933, a sua política econômica de luta contra a crise [...], marcando uma ruptura com a tradição econômica liberal dos Estados Unidos da América, segundo a qual o Estado não podia intervir na vida econômica” (CAPUL; OLIVIER, 1996, 185).
29
Segundo Perry Anderson, Hayek entra assim na luta ideológica e no clima de disputa
eleitoral do pós-II Guerra Mundial: “O alvo imediato de Hayek, naquele momento, era
o Partido Trabalhista inglês, às vésperas da eleição geral de 1945 na Inglaterra, que este
partido efetivamente venceria” (1995, p. 9). Anderson nota o que, abertamente, anuncia e
reconhece Hayek nas primeiras páginas de sua obra: “quando um estudioso das questões
sociais escreve um livro político, seu primeiro dever é declará-lo francamente. Este é um
livro político [sem grifos no original]” (ANDERSON, 1995, p. 7).
Enquanto os fundamentos do Estado de bem-estar se estruturavam na Europa do pós-
guerra (II Guerra Mundial) e o New Deal6 consolidava-se nos EUA, Hayek, em 1947, três
anos após a publicação de O Caminho da Servidão, convocou várias celebridades que
compartilhavam de sua orientação ideológica para uma reunião em Mont Pèlerin, na Suí-
ça. Conforme Anderson,
Na seleta assistência encontravam-se Milton Friedman, Karl Popper , Lionel Rob-bins, Ludwig Von Mises, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, entre outros. Aí se fundou a Sociedade de Mont Pèlerin, uma espécie de franco-maçonaria neoliberal, altamente dedicada e organizada, com reuniões internacionais a cada dois anos. Seu propósito era combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro (1995, p. 9-11).
As propostas econômicas referenciadas na obra teórica de representantes desse grupo
passam a ser consideradas relevantes por policymakers somente a partir da década de
1970, mais precisamente com a crise 1973, pois as décadas de 1950 e 1960, conhecidas
como “Os Anos Dourados” do capitalismo, constituíram um período infrutífero para o
neoliberalismo7. Os princípios do liberalismo radical não podiam ser aplicados em países
que conheciam os mais altos índices de crescimento econômico da história e que maravi-
lhavam-se com a assistência do Estado de bem-estar social.
A crise dos anos 1970 foi a grande prova para o keynesianismo, pois as políticas sociais e
econômicas dos governos tinham por pressupostos que os problemas seriam temporários
sem a necessidade de mudanças de fundo (HOBSBAWM, 1995, p. 398). Contudo, dada a
falta de efeito das usuais intervenções, parecia ter se esgotado a política de keynesiano. De
acordo com Hobsbawm, o neoliberalismo tornou-se uma opção para os governantes:
6 Esse é um testemunho do que signifi cou os "Anos Dourados" em uma região da Itália: "foi nos últimos quarenta anos que Modena viu de fato o grande salto à frente. O período que vai da Unifi cação até então fora uma longa era de espera, ou de lentas e intermitentes modifi cações, antes que a transformação se acelerasse até a velocidade do raio. As pessoas agora podem desfrutar um padrão de vida antes restrito a uma minúscula elite" (MUZZIOLI apud HOBSBAWM, 1995, p. 253).
7 Adam Smith sugere: "Mesmo que o Estado não viesse a tirar qualquer vantagem da instrução das camadas infe-riores do povo, deveria mesmo assim, interessar-se por que não fossem completamente ignorantes" (1980, p. 425).
Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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A única alternativa oferecida era a propagada pela minoria de teólogos econô-micos ultraliberais. Mesmo antes do crash, a minoria [...] de crentes no livre mercado irrestrito já começara seu ataque ao domínio dos keynesianos e outros defensores da economia mista administrada e do pleno emprego. O zelo ideo-lógico dos velhos defensores do individualismo era agora reforçado pela visível impotência e o fracasso de políticas econômicas convencionais, sobretudo após 1973 (1995, p. 398).
Além disso, essa variação ortodoxa de liberalismo como programa econômico de
governo ganhou maior crédito político internacional com a premiação de dois de seus
maiores intelectuais: Friedrich von Hayek e Milton Friedman, que receberam o Prêmio
Nobel de 1974 e 1976, respectivamente.
Entre os países centrais, a Inglaterra, em 1979, sob o Governo de Margareth Tha-
tcher, foi a primeira a tentar cumprir a agenda neoliberal, seguida pelos EUA, sob a
presidência de Ronald Reagan, em 1980. Perry Anderson faz um conciso relato sobre o
processo de implantação do modo de governar neoliberal no Reino Unido:
o modelo inglês foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o mais puro. Os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles so-bre os fl uxos fi nanceiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, fi nalmente [...], se lançaram num amplo programa de privatização, começan-do por habitação pública e passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água (ANDERSON, 1995, p. 12).
Resumidamente, o neoliberalismo, na teoria e na prática de governo, também
pode ser considerado um resgate radicalizado da “Lei de Say”, conhecida pelo nome
de “lei dos mercados”. Jean Baptiste Say (1767-1832), inspirado na “mão invisível” de
Adam Smith, defende que a iniciativa privada deve ser a empreendedora por exce-
lência, que o mercado deve ser o sinalizador e o regulador dos negócios, dos inves-
timentos, do cotidiano e das condições de vida dos sujeitos e que o Estado deve se
privar de qualquer intervenção no mercado. Para Say (1983), portanto, a partir dessa
visão de mundo e sob a perspectiva da “lei dos mercados”, que nada mais é que a
ideologização das relações de troca, não ocorre crise de superprodução, pois, equi-
vocadamente (e a História o comprova), entende a oferta cria a sua própria procura
e o mercado tende ao equilíbrio.
O NEOLIBERALISMO E A EDUCAÇÃOSistematicamente, os fundamentos do liberalismo, principalmente suas correntes
mais ortodoxas, tomam por base o individualismo para a formulação das políticas
sociais. Não diferentemente, as reformas neoliberais identifi caram o mercado como
31
referência para as mudanças na relação Estado, sociedade e educação8.
O projeto de sociabilidade neoliberal marca-se pelo afastamento da democracia
tradicional e pelo menosprezo da ideia de justiça social9. A educação é um direito
social e uma obrigação do Estado. Historicamente, é considerada uma atividade de
socialização, de integração social, de formação de cidadãos e preservação da vida em
sociedade. Em suma, “a educação é um instrumento público, potencialmente civiliza-
dor, criador, por excelência, de cidadãos. Além disso, antes de ser somente um setor
do Estado, é uma conquista popular extraída a duras penas do Estado” (AZEVEDO,
1995, p. 17). Diante de tanta força criativa, da complexidade das relações humanas e,
ao mesmo tempo, do défi cit educacional ainda existente em grande parte do Planeta e,
em especial, no Brasil, o que propõe o neoliberalismo para a educação?
Na opinião de Friedman, a questão educacional encontra-se no âmbito do mercado.
Ele admite tão somente que a educação possa ser fi nanciada pelo Estado se “justifi cada
pelos efeitos laterais” (1983, p. 86). Entretanto, a execução do projeto do sistema educa-
cional é retirada do âmbito público e transferida para a iniciativa privada. Para Friedman,
A intervenção governamental no campo da educação pode ser interpretada de dois modos. O primeiro diz respeito aos ‘efeitos laterais’, isto é, circunstâncias sob as quais a ação de um indivíduo impõe custos signifi cativos a outros indi-víduos pelos quais não é possível forçar uma compensação, ou produz ganhos substanciais pelos quais também não é possível forçar uma compensação - cir-cunstâncias estas que tornam a troca voluntária impossível. O segundo é o inte-resse paternalista pelas crianças e por outros indivíduos irresponsáveis. Efeitos laterais e paternalismos têm implicações muito diferentes (1) para a educação geral dos cidadãos e (2) a educação vocacional especializada (1983, p. 83).
Os pensadores neoliberais costumam distinguir educação e instrução, argumen-
tando que, até certo limite, justifi ca-se a construção de políticas públicas para a for-
mação geral, pois, necessariamente, a construção de uma sociedade democrática e
estável demanda (prioritariamente) indivíduos alfabetizados com um grau mínimo de
conhecimentos. Dessa maneira, a educação geral é considerada pelo neoliberalismo
como um usufruto pessoal/familiar, entretanto, para além das possíveis vantagens in-
dividuais, a universalização da educação possibilita um ganho para toda a sociedade,
ou seja, o benefício gerado pela educação diretamente ao sujeito não se descola do
8 “Descobrir o signifi cado do que se costuma chamar de 'justiça social' tem sido, há mais de dez anos, uma das minhas maiores preocupações. Não consegui esse intento - ou melhor, cheguei à conclusão de que, com referência a uma sociedade de homens livres, a expressão 'justiça social' não tem o menor signifi cado” (HAYEK apud BUTLER, 1987, p. 89).
9 Cf.: Oliveira (1997). “Educação e planejamento: a escola como núcleo do sistema”.
Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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benefício para toda a sociedade. No entanto, seguindo a lógica do Estado Mínimo e do
livre-mercado, Friedman propõe a privatização das escolas, com a venda, inclusive, das
instalações e dos prédios escolares e com a criação do “vale-educação”, uma espécie
de bônus (voucher), distribuídos pelo governo, que os pais trocariam pela educação
de seus fi lhos em escolas particulares.
As ideias neoliberais tiveram muita força no movimento de reformas educacionais
vivido por muitos países latino-americanos na década passada. Alguns deles tiveram
seus sistemas educacionais reformados em uma direção contrária ao movimento de
construção da educação pública como um direito do cidadão e obrigação do Estado.
Tais reformas vieram no bojo de um movimento mais amplo de reforma do próprio Es-
tado. O Chile é comumente apontado como o país que sofreu maiores infl uências das
ideias neoliberais na reforma de seu sistema educativo, o que resultou em modelo de
organização muito peculiar. A educação chilena é administrada por um sistema misto,
sendo que ao Estado nacional cabe um papel condutor, apesar da descentralização da
educação pública e uma forte área de gestão privada. A educação privada está dividida
em dois tipos: aquela fi nanciada pelas famílias e a que recebe recursos fi nanceiros es-
tatais, conhecida como “educação particular subvencionada”. A Argentina, a Colômbia,
o Peru, entre outros, também viveram processos de reformas educacionais orientadas
na direção aqui discutida, sendo que em cada país tais orientações foram sendo incor-
poradas de maneira distinta, variando conforme a capacidade de resistência e contra-
posição a tais processos.
O Brasil, também na década de 1990, viveu um período de importantes reformas
tanto no âmbito do Estado quanto da educação. As justifi cativas para tais reformas
assentavam-se na necessidade de modernizar o Estado e adequá-lo às exigências da
economia mundial. Para tanto, os referenciais perseguidos pelos reformadores estatais
foram, em grande medida, as orientações neoliberais. Nesse contexto, as reformas
educacionais implementadas estavam imbuídas da mesma racionalidade presente na
reforma do Estado brasileiro, cuja maior expressão é a Reforma Administrativa. A su-
posta crise do modelo burocrático de administração ensejou o desenvolvimento de
outras formas de organização do serviço público, embasadas em maior fl exibilidade.
Trata-se de um processo que pressupõe a focalização das políticas públicas nas popu-
lações mais vulneráveis, a partir da defi nição de um padrão mínimo de atendimento; a
descentralização da cobertura, visando a atenção local, bem como a implementação
de ações e programas; a desregulamentação para permitir maior fl exibilidade or-
çamentária e administrativa, sobretudo para possibilitar a busca de complementação
orçamentária junto à sociedade e, por fi m, atingir maior efetividade das políticas,
gerando maior impacto por meio da expansão do atendimento com menores custos.
33
As reformas dos anos 1990 trouxeram importantes mudanças para a gestão da edu-
cação pública, os modelos fundamentados na fl exibilidade administrativa promoveram
maior desregulamentação de serviços e descentralização de recursos, o que acabou por
ampliar a autonomia da escola e fortalecê-la como núcleo do sistema10. Tais modelos
foram justifi cados pela busca de melhoria da qualidade na educação, entendida como
um objetivo mensurável em termos quantitativos, devendo ser alcançados por meio
de inovações incrementais na organização e gestão do trabalho na escola. Tal processo
fez com que fossem ampliadas as responsabilidades e espaços de decisão nas unidades
escolares, tais como a elaboração do calendário escolar, o orçamento anual da esco-
la, bem como a defi nição de prioridades de gastos, entre outras. Em contrapartida,
verifi ca-se que através da autonomia, as escolas não só passaram a contar com maiores
possibilidades de decidir e resolver suas questões cotidianas com mais agilidade, como
também essa abertura tem estimulado-as a buscarem complementação orçamentária
junto à iniciativa privada e a outras formas de contribuição da população.
VIVE-SE TEMPOS DE PÓS-NEOLIBERALISMO? (À GUISA DE CONCLUSÃO)
No fi nal da primeira década do século XXI, mais precisamente a partir da segunda
quinzena de setembro de 2008, o sistema capitalista, que se mantinha, em grande
medida, referenciado no liberalismo ortodoxo (ou neoliberalismo) e na supremacia
do capital fi nanceiro, entra em crise, a qual, do ponto de vista histórico, ganha uma
magnitude que somente pode ser comparada à crise de 192911.
Apesar de parecer paradoxal, a realidade demonstra que o liberalismo necessita
do Estado para a manutenção de sua referência para o capitalismo. Diante da crise de
10 Segundo Canzian, “os norte-americanos estão enfrentando um súbito processo de empobrecimento que já destruiu cerca de US$ 16,5 trilhões da riqueza disponível entre as famílias nos últimos 15 meses. O valor equivale a mais do que tudo o que os EUA produzem em um ano e a quase 13 PIBs do Brasil. Só de setembro para cá, as famílias fi caram US$ 9,5 trilhões mais pobres. Os números são do IIF (Instituto de Finanças Internacionais), que reúne 380 grandes bancos, e foram divulgados em antecipação a dados semelhantes a serem publicados pelo Fed (o banco central dos EUA) nos próximos dias” (CANZIAN, 08 mar. 2009, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi 0803200911.htm).
11 Olivares e Guedes assim defi nem o chamado Consenso de Washington: “A primeira formulação do chamado “consenso de Washington” se deve a John Williamson. Seu enunciado concre-tiza dez temas de política econômica, nos quais, segundo o autor, “Washington” está de acordo. “Washington” signi-fi ca o complexo político-econômico-intelectual integrado pelos organismos internacionais (FMI, BM), o Congresso dos EUA, a Reserva Federal, os altos cargos da Administração e os grupos especialistas. Os temas sobre os quais existe acordo são: disciplina orçamentária; mudanças nas prioridades do gasto público (de áreas menos produtivas como a saúde, educação e infra-estruturas); reforma fi scal encaminhada para buscar bases tributárias amplas e modelos secundários moderados; liberalizacão fi nanceira, especialmente das modalidades de lucro; busca e ma-nutenção de modelos de câmbios competitivos; liberalização comercial; abertura para entrada de investimentos estrangeiros diretos; privatizações; desregulações; garantia dos direitos de propriedade (2009, http://www.eumed.net/libros/2005/gog/3c.htm).
Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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2008, economistas ligados ao establishment dos EUA passam a defender essa interven-
ção, inclusive a estatização de determinados símbolos do capitalismo mundial, como
os grandes bancos de Wall Street. Richardson e Roubini declaram em artigo intitulado
“Agora, todos nós somos suecos”:
o sistema bancário dos Estados Unidos está à beira da insolvência e, se não quisermos fi car como o Japão nos anos 90 ou os Estados Unidos nos anos 30, o único meio de salvar os bancos é a estatização. Como economistas defenso-res do livre mercado, professores de uma escola de administração no coração da capital fi nanceira do mundo, sentimo-nos como se dizendo uma blasfêmia quando propomos que o governo assuma totalmente o controle do sistema bancário. Mas o sistema fi nanceiro dos Estados Unidos chegou a um ponto tão crítico que não há muita escolha [sem grifos no original] (RICHARDSON; ROUBINI, 2009).
A declaração de que a alternativa é a estatização faz sucumbir a célebre sentença da
primeira ministra do Reino Unido (1979-1990), Margareth Thatcher, de que não havia
alternativas ao livre mercado, celebrizada pela abreviação TINA (There is No Alterna-
tive), quando se espalharam pelo Globo programas de governo de corte neoliberal,
privatizantes e desregulamentadores da economia, culminando, em 1989, na série de
recomendações liberalizantes denominada de “Consenso de Washington”12.
Esse tipo de ortodoxia é uma “verdade” que foi superada a partir de setembro de
2008. A crise do subprime e do estouro da “bolha imobiliária” nos Estados Unidos
da América tem obrigado, na linha de Richardson e Roubini, a se construir um novo
consenso em favor da intervenção do Estado na economia. Defendem-se sem ressal-
vas a nacionalização de bancos, o salvamento de empresas capitalistas e a injeção de
capitais (públicos) na economia. De certo modo, em tempos de crise, esse gênero
de intervenção signifi ca a transferência de rendas e fundos do tesouro público para
a esfera e interesses privados que se resume na antiga e patrimonialista consigna de
“apropriação privada de lucros, rendas e dividendos e nacionalização de perdas e pre-
juízos”. Patrícia Campos Melo, correspondente em Washington do jornal O Estado de
S. Paulo, escreve a respeito da crise fi nanceira:
12 Gramsci, a respeito da política econômica italiana na passagem da década de 1920 para a de 1930, assevera: “[...] o Estado é investido de uma função de primeiro plano no sistema capitalista, na qualidade de empresa (holding estatal) que concentra a poupança a ser colocada à disposição da indústria e da atividade privada [...] (p. 408) “[...] deste complexo de exigências nem sempre confessadas, nasce a justifi cação histórica das chamadas tendências corporativas, que se manifestam predominantemente como exaltação do Estado em geral, concebido como algo de absoluto, e como desconfi ança e aversão às formas tradicionais do capitalismo. Daí a impressão de que a base político-social do Estado parece repousar sobre a ‘gente humilde’ e os intelectuais, mas, na realidade, a sua estrutu-ra permanece plutocrática, o que torna impossível romper as ligações com o grande capital fi nanceiro [sem grifos no original]” (p. 410).
35
O governo dos EUA já injetou US$2 trilhões no sistema fi nanceiro desde agosto de 2007, mas isso é só o começo, avaliam analistas ouvidos pelo Estado. Há ainda um rombo que pode chegar a US$4 trilhões. Instituições como Citibank e Bank of América são tidas como insolventes. Calcula-se que o sistema fi nanceiro americano tenha US$10,8 trilhões em ativos tóxicos – papéis de origem duvido-sa e com baixa aceitação no mercado (MELO, 2009, p. 2009).
Essa não é uma novidade para o sistema dominante. Poderiamos recordar as políti-
cas públicas posteriores ao crash de 1929 para demonstrar como o sistema capitalista
alcança a saída para as crises. É desnecessário pontuar que a solução para aquela crise
(1929) foi a regulação e a intervenção de Estado que, em países considerados desen-
volvidos, resultou no chamado “Estado de Bem-Estar Social”, em época conhecida
como “anos dourados” do capitalismo.
Em suma, ao mesmo tempo em que a teoria (neo)liberal supõe aversão à inter-
venção do Estado, o sistema capitalista necessita de que o Estado seja o regulador
das relações econômicas e políticas entre os diversos atores sociais e garanta, legal e
coercitivamente, o jogo de mercado.
Os pressupostos do neoliberalismo são postos em questão diante da realidade
construída pelo próprio capitalismo: o sistema capitalista para ser operativo, apesar
do discurso em contrário, necessita da regulação pelo Estado. Descartada essa regra,
deixado à (ideo)lógica dinâmica do mercado, os atores sociais que têm por referência
o mercado sem regras, inebriados pela atmosfera do jogo e da etérea ilusão da acu-
mulação sem limites, tendem ao suicídio por defi nhamento, à maneira narcísica, ao
paralisar-se diante da única alternativa reconhecida pelo neoliberalismo: o próprio
mercado.
O esmaecimento do neoliberalismo como modelo de organização política e a falên-
cia do mercado como eixo regulador da vida em geral também se refl etem na educa-
ção. Se durante os anos 1990 os programas de reformas eram unânimes em propor a
descentralização da educação, maior participação da comunidade, inclusive no fi nan-
ciamento educativo, a livre-escolha e a busca dos pressupostos da economia privada na
gestão da escola pública, na atualidade assistimos a um movimento de busca de maior
articulação e de estímulo à organização sistêmica.
Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
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1) A partir da análise crítica do presente capítulo e com base em leituras complementares, defi na o que é o neoliberalismo.
Proposta de Atividade
Anotações
39
Anotações
Neoliberalismo e reforma educacional: crise e esgotamento
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
40
Anotações
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Eloiza Elena da Silva
São inúmeras as mudanças que ocorrem no mundo do trabalho, em consequência
da reestruturação produtiva que se dá no atual contexto de globalização da economia.
No Brasil, as mudanças começaram a acontecer realmente com a abertura da econo-
mia ao mercado externo, ocorrida na década de 1990, quando as empresas perderam a
proteção governamental e passaram a ter como concorrentes os produtos importados.
O acesso ao mercado internacional ampliou a gama de fornecedores e compradores,
fazendo com que as empresas nacionais se reestruturassem, investindo em tecnologia
e qualidade, visando a garantir sua fatia no mercado globalizado. As mudanças no
mundo do trabalho se revelam tanto no surgimento de novos campos profi ssionais
e empregatícios quanto na revolução tecnológica, na elevação dos índices de desem-
prego e no aniquilamento de algumas profi ssões, bem como no surgimento de novas
funções sociais.
É com base nesse contexto historicamente modifi cado que pretendemos discutir a
educação atual, mais precisamente o fato de os objetivos e fi ns de nossa educação es-
tarem ancorados em princípios muito próximos aos objetivos (e resultados) atribuídos
à educação pelo senso comum. O entendimento da educação como ideologia pode ser
observado nos ditos populares que apregoam um poder social/reformador à educação
e estão largamente difundidos por grande parte dos meios de comunicação, como a
televisão, os jornais e revistas, os quais, desconsiderando os demais condicionantes
sociais, transmitem a ideia de que a educação pode ser o fator chave do sucesso ou
não de um indivíduo.
Tais ideias fundamentam-se em um princípio de igualdade entre todos os homens
e, nesse caso, a educação cumpre o papel de garantir, ainda que ideologicamente, essa
Considerações sobre o trabalho como
categoria explicativa dofenômeno educativo
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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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igualdade, atuando “teoricamente” como niveladora de oportunidades, preparando o
cidadão para a vida em sociedade e para atuar no mercado de trabalho. Isso signifi ca
que, como o acesso à educação fundamental é um direito de todos, recai apenas no
indivíduo a responsabilidade pelo seu fracasso ou seu sucesso; ou seja, não se consi-
dera o fato de muitas vezes as oportunidades de emprego não atenderem à demanda
de pretensos trabalhadores que estão excluídos do mercado produtivo.
Essa suposta igualdade se concretiza então como produtora de profundas desi-
gualdades, que passam a ser compreendidas como de responsabilidade apenas do
indivíduo, independente das oportunidades reais que lhe foram negadas. Ao mesmo
tempo, esse comprometimento entre educação e formação para o trabalho, em uma
sociedade em que a venda da força de trabalho é fator primordial para a sobrevivência
da maior parte da população, exige que questionemos o real e o imaginário constantes
nessa relação e baseados nos conceitos de igualdade e individualidade, conforme os
objetivos e fi ns atribuídos à educação, no que se refere ao preparo para o trabalho.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9394/96 (BRASIL, 1996) estabelece
como prioridade do Estado a educação básica (Ensino Fundamental e Médio). Assim,
o ensino ulterior, ou aquele que realmente possibilita uma formação profi ssional,
dependerá exclusivamente da capacidade do indivíduo para acessá-lo (considerados,
nesse caso, o esforço pessoal e a capacidade de consumo). Para analisar a questão, é
importante lembrar que a escola, como instituição, está sempre comprometida ideolo-
gicamente. A prática pedagógica na sociedade humana, em sua essência, é uma prática
ideológica que carrega em si o objetivo preestabelecido de ‘formar’ os homens de que
ela necessita para se manter na forma em que está estabelecida. Na medida em que
se vive na sociedade capitalista, baseada na relação capital-trabalho, justifi ca-se que as
defi nições para a educação estejam quase sempre vinculadas ao binômio cidadania e
trabalho, a começar por seus objetivos e fi ns:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e de solidariedade humana, tem por fi nalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi cação para o trabalho (BRASIL, 1996, p. 5).
Em um país em que teoricamente todos são iguais e que, pelo acesso à educação,
de acordo com sua aplicação individual, todos teriam a mesma possibilidade de alcan-
çar sucesso ou não, a categoria trabalho fi rma-se então como condicionante do fenô-
meno educativo. A educação toma a forma de redentora do homem, assume o poder
de realizar mudanças no ser social, independentemente dos demais condicionantes
envolvidos no mesmo processo, considerados em sua totalidade.
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A reafi rmação da categoria ‘trabalho’ no primeiro plano dos objetivos educacionais
signifi ca que estes se mantêm sob parâmetros do passado, que se ignora o fato de
que o mundo do trabalho já não é mais o mesmo e que, em um momento em que as
oportunidades de trabalho sucumbem ao desemprego, apenas uma boa qualifi cação
profi ssional não é capaz, por si mesma, de gerar novas oportunidades de emprego.
Essa visão ideológica que confere à formação escolar o poder de levar qualquer
homem ao sucesso, em um mundo de trabalho cada vez mais escasso e competitivo,
em que uns têm mais, outros menos, e outros não têm nada, é fundamentada em um
princípio de igualdade e individualidade. Na perspectiva de que o sucesso ou fracasso
de cada um é resultante da dedicação individual, a educação ganha a feição de uma
grande arma que, acessível a todos, seria ao mesmo tempo a prova da igualdade e a
justifi cativa para as desigualdades.
As ideias que fundamentam essa concepção existem desde Locke (1632-1704), um
fi lósofo inglês descendente de comerciantes, cuja concepção de homem e sociedade
baseava-se no princípio da igualdade. Em um momento de ruptura com o modelo
produtivo que já não atendia às necessidades e interesses da população, a ideia de que
não era a vontade divina, mas a propriedade do trabalho que dava forma aos homens
era uma resposta às mudanças que ocorriam no interior daquela sociedade.
Nesse novo pensar, tirava-se Deus das relações sociais. Para Locke, todos os homens
em estado de natureza eram iguais e proprietários, cada um era proprietário de seu tra-
balho. Esse direito natural não poderia ser tirado por ninguém, e “[...] embora a natu-
reza tudo nos ofereça em comum, o homem, sendo senhor de si próprio e proprietário
de sua pessoa e das ações e do trabalho que executa, teria ainda em si mesmo a base
da propriedade” (LOCKE, 1983, p. 51). No entanto, nessa ideia de igualdade há limites
estabelecidos sobre a propriedade:
Embora tenha dito [...] que todos os homens são iguais pela natureza, não pretendo suponham que entenda eu toda espécie de igualdade. A idade ou a virtude podem atribuir ao homem justa precedência; a excelência dos dotes e o mérito colocarão outros acima do nível comum; o nascimento pode submeter a alguns e alianças e benefícios a outros, para prestar obediência àqueles que a merecem pela natureza, gratidão ou outros motivos [...] (LOCKE, 1983, p. 48).
Assim, se todos os homens são iguais em estado de natureza, visto que possuem
a propriedade do trabalho, a qual, como direito natural, não pode ser tirada por
ninguém, a posse de outros bens e de outras propriedades está acessível a qualquer
um por meio do trabalho. Esse é um direito social que também deve ser garantido.
Nesse aspecto, Locke (1983 p. 82) defi ne que “o objetivo grande e principal, portan-
to, da união entre os homens em comunidades, colocando-se eles sob governo, é a
Considerações sobre o trabalho como categoria explicativa do fenômeno educativo
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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preservação da propriedade”.
Sendo a propriedade considerada legítima, visto que resulta do trabalho humano,
qualquer homem poderá, por meio de seu próprio esforço, produzir e acumular ili-
mitadamente outras propriedades. Esse acúmulo, por outro lado, produz diferenças
e gera desequilíbrios, resultando em uma sociedade de classes que Locke (1983) não
desconsidera, mas, ao contrário, justifi ca quando se refere a todos os cidadãos como
proprietários e iguais. Em alguns momentos de seu “Segundo Tratado Sobre o Gover-
no”, podemos encontrar a defi nição de propriedade apenas no sentido de proprieda-
de da vida, liberdade e posses; outras vezes somente como bens e fortunas.
Assim, ao considerar que o objetivo principal da união entre os homens era preser-
var a propriedade, o pensamento liberal (do qual Locke foi um dos maiores represen-
tantes) conteria um claro elitismo, uma vez que a igualdade era defi nida de forma abs-
trata e até, talvez possamos assinalar, puramente formal. Deste modo, se teoricamente
todos são membros da sociedade civil, na prática somente os proprietários de bens
terminam por exercitar plenamente a cidadania, preservando a propriedade.
Apesar de o atual momento histórico ser extremamente diferente daquele em que
se produziram tais ideias, podemos identifi car essa relação estado/sociedade/proprie-
dade em nossa prática social. Sua essência não se modifi cou: hoje também se encontra
à disposição de qualquer cidadão uma infi nidade de bens e serviços, como escolas, car-
ros, lazer, meios de transporte, entre outros, mas para que possamos gozar de quais-
quer desses bens ou serviços, faz-se necessário ‘pagarmos’ por eles, já que tomar para
nós um bem que não é nosso signifi ca usurpar a propriedade do outro, que o Estado
tem o dever de preservar.
Desse modo, apesar de aparentemente tudo estar disponível a todos, visto que uma
suposta igualdade garante esse direito, o usufruto está condicionado à propriedade e à
quantidade de capital que cada um possui para a troca, havendo grande distância entre
o que está disponível e o que é acessível.
Essa situação leva-nos a refl etir: nessa relação, os proprietários estariam apenas
submetidos à sociedade civil, sendo considerados membros com o objetivo principal
de ser governados. A forma de governo representativo representa a propriedade e ga-
rante a posse inerente às desigualdades latentes, justifi cando, assim, as desigualdades
com base em uma suposta igualdade, relacionando o fracasso ou sucesso ao individual
e não ao social.
Em uma sociedade que condiciona a educação diretamente à formação para o
trabalho, dar acesso à educação é dar as armas para o homem agregar valor a sua
propriedade pessoal (força de trabalho); bem remunerada, esta possibilitará o acesso
a outras propriedades. Conseguir atingir ou não esses objetivos é de sua exclusiva
45
responsabilidade; é como se os demais aspectos sociais em nada infl uenciassem sua
trajetória. Logo, quando o valor de um homem é medido pelo que possui, leva-se em
consideração sua própria capacidade; da mesma forma, o fato de outro nada possuir
também é atribuído ao seu fracasso individual. Consequentemente, os outros condi-
cionantes sociais são “inocentados” de qualquer participação nesse processo.
O que não podemos negar é que tudo o que se faz ou se pretende fazer em termos
de educação no Brasil também pouco se distancia do binômio cidadania-trabalho, que
se encontra presente em praticamente todas as leis que defi nem a educação no Brasil.
A Constituição de 1937, artigo 129, por exemplo, estabeleceu como primeiro dever do
Estado, em matéria de educação, o “ensino pré-vocacional e profi ssional” (NISKIER,
1989, p. 304). Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 4024/61, artigo 01, apregoa
que um dos fi ns da educação é “o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio
dos recursos científi cos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as possibilidades e
vencer as difi culdades do meio” (NISKIER, 1989, p. 341). Na Lei nº. 5692/71, o artigo
01 apresenta como “objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária
ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qua-
lifi cação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”. A Lei nº.
7077/82 defi ne como ”objetivo geral proporcionar [...] preparação para o trabalho e
para o exercício consciente da cidadania” (NISKIER, 1989, p. 450). Atualmente, a LDB
nº. 9394/96 defi ne que:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e de solidariedade humana, tem por fi nalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi cação para o trabalho (BRASIL, 1996, p. 05).
É claro que o preparo para a cidadania tem um importante papel no esclareci-
mento dos deveres e direitos, ou seja, na compreensão e aceitação da forma como os
homens serão governados para manter a ordem e a propriedade. Quando, na prática,
essa concepção de propriedade e de igualdade distancia as pessoas dessa mesma so-
ciedade em classes claramente distintas, devemos considerar a estreita relação entre
educação e trabalho e questionar se o atual estágio em que se encontra o trabalho ou
o emprego é capaz de garantir a sobrevivência.
A situação que se apresenta é a de que uma grande parcela da classe trabalhado-
ra cada vez mais rapidamente vê o emprego diminuir. Esses dados revelam a crise
que se instaura no mercado de trabalho e se agrava a cada dia, demonstrando que
a propriedade da força de trabalho não mais representa a possibilidade real (como
regra) de propiciar a manutenção das necessidades básicas ou de se adquirir outras
propriedades.
Considerações sobre o trabalho como categoria explicativa do fenômeno educativo
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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Em nossos dias, em busca de um capitalismo estável e lucrativo, as empresas conse-
guem mais lucro substituindo o trabalho humano pela máquina (ou mesmo parando
as máquinas). O trabalho não mais se encontra sob as perspectivas do passado, em que
a exploração do trabalho humano assalariado representava o grande fi lão para se pro-
duzir riqueza, ao lado de algumas máquinas gerenciadas pelo homem. Hoje, o sonho
de máquinas que realizariam o trabalho pelo homem tornou-se pesadelo para uma
grande parcela da classe trabalhadora. Sua única propriedade para negociar em favor
de sua sobrevivência é sua força de trabalho e, para ela, eles nem sempre encontram
comprador. Passam, portanto, a enfrentar uma dupla concorrência: a de máquinas
avançadas, com as quais muitas vezes nem podem competir, e a da grande massa de
desempregados que disputam as poucas vagas disponíveis.
Diante de tais considerações, algumas máximas do senso comum, como “Sem a
Educação Eu Não Sou Ninguém”, tão massifi cadas pelos meios de comunicação, pare-
cem-nos um tanto utópicas, visto que podemos nos deparar com pessoas consideradas
“ninguém” e que possuem boa formação escolar e/ou profi ssional, e, por outro lado,
com proprietários de meios de produção que, sem qualquer formação específi ca, po-
dem “comprar” o trabalho e o potencial de inúmeros “letrados”, ansiosos por uma
oportunidade de emprego, que disputarão com garra uma vaga disponível. Desse pon-
to de vista, torna-se claro quem representa o “ninguém” e o “alguém” nessa relação,
e o quesito educação quase sempre representa apenas um detalhe em tais defi nições.
Acreditamos que essas condições e contradições possam servir de suporte para
uma refl exão sobre a visão de educação advinda do senso comum, e talvez para a busca
de um novo fi m e de um objetivo mais condizente com a realidade. Faz-se necessário
libertar a educação institucionalizada do estigma de redentora social, para que possa-
mos buscar soluções para as crises sociais consideradas como totalidade, pois a escola
não tem em si mesma o poder de resolver tais crises. A educação carece sim de novos
fi ns e objetivos para sua existência, dentro do contexto social e não como curativo para
seus males.
Tendo em vista que, na sociedade capitalista, cabe à grande maioria da popula-
ção sustentar-se com a venda de sua força de trabalho e que os fi ns e objetivos da
educação estão também diretamente relacionados à formação para o trabalho, nossa
análise apontou para a necessidade de uma refl exão acerca da crise no mundo do tra-
balho, diretamente relacionada com uma possível perda de identidade entre educação
e trabalho e para a necessidade de novos paradigmas que venham guiar o fenômeno
educativo.
A utopia da igualdade tornou-se produtora de profundas desigualdades, porém
o senso comum, como ideologia, tende a perpetuar conceitos que apresentam a
47
educação como redentora do homem e como solução para as desigualdades sociais,
embora a história comprove que a educação não é capaz de solucionar problemas
sociais, como o da falta de emprego.
Essa constatação, indiscutivelmente, gera um embate contra um de seus principais
fi ns e objetivos, o que nos aproxima de uma questão crucial para a compreensão da
própria sociedade. Se a educação é uma das formas de que esta se utiliza para se re-
produzir, quando começa a perder sua identidade é porque a sociedade se encontra
em uma profunda crise e necessita de novos paradigmas.
Teoricamente, o capitalismo supõe o trabalho humano, mas na atualidade passa a
prescindir dele. Como não é possível negar a totalidade, ou seja, considerar apenas
o lado dos proprietários dos meios de produção, é necessário considerar que essa
mudança acarreta uma perda da identidade dos não-proprietários da força de traba-
lho, que já não conseguem garantir sua sobrevivência. Essa contradição se desnuda,
demonstrando que não se pode mais insistir em políticas educacionais que retratem
o senso-comum ideológico sobre o saber e o trabalho, ignorando a crise no mercado,
que denuncia a própria contradição da sociedade capitalista e a crise na educação.
A crise que se instaura na sociedade denuncia a existência de objetivos e necessi-
dades que não estão sendo satisfeitos. Ou seja, o modelo de produção capitalista não
satisfaz mais na forma como as relações sociais estão postas, porque, em seu processo
histórico, as mudanças no processo de trabalho correspondem a uma negação da for-
ma burguesa de ser, ou seja, traz em si sua contradição ou a necessidade de superação.
Faz-se necessária uma nova forma de vida, posta como possibilidade, que apontará
uma nova forma de conhecimento, não mais o saber sobre o trabalho, mas a compre-
ensão do papel histórico das forças produtivas, gerando uma nova forma de existência
dos homens.
Relembrando Marx, este expõe que:
A revolução social [...] não pode tirar sua poesia do passado, e sim do futuro. Não pode iniciar sua tarefa enquanto não se despojar de toda veneração supers-ticiosa do passado. As revoluções anteriores tiveram que lançar mão de recor-dações da história antiga para se iludirem quanto ao próprio conteúdo. A fi m de alcançar seu próprio conteúdo a revolução [...] deve deixar que os mortos enterrem seus mortos. Antes a frase ia além do conteúdo; agora é o conteúdo que vai além da frase (MARX, [19--], p. 205).
Urge compreender e diferenciar o velho do novo, para que possamos nos libertar
das superstições do passado e, fi nalmente, buscar (e encontrar) um novo sentido para
a educação, com os pés centrados no presente e os olhos voltados para o futuro.
Considerações sobre o trabalho como categoria explicativa do fenômeno educativo
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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BRASIL. Ministério da Educação. Lei n. 9394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Brasília, DF: 1996.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o Governo. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
MARX, Karl. O dezoito brumario de Luiz Bonaparte. In:______. Obras escolhidas.
São Paulo: Alfa - Omega, [19--]. v. 1.
______. O capital. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
NISKIER, Arnaldo. Educação brasileira: 500 anos de história, 1500-2000. São Paulo:
Melhoramentos, 1989.
SAVIANI, Dermeval. A nova lei da Educação. Campinas, SP: Autores Associados, 1997.
Referências
1) Como podemos averiguar a infl uência das mudanças ocorridas no mundo do trabalho no processo educativo?
Proposta de Atividade
Anotações
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Marta Chaves / Sonia Mari Shima Barroco
Ser educador nos dias atuais tem sido um desafi o, pois quando a prática social pa-
rece complexa, e ao mesmo tempo impotente, é preciso cuidado. Há um risco muito
grande de se tomar os homens por essa medida aparente; como se ela fosse apenas
fruto das suas ações imediatas e como se naturalmente tivesse que ser sempre assim.
Para avançar além dessa constatação, é preciso da ciência que vá além do aparente.
Neste sentido, é importante retomar o teórico soviético L. S. Vigotski (1997), posto
que denunciou, em sua crítica à psicologia burguesa, a crise de uma ciência, justamen-
te pelo fato de ela lidar com aparências e emergências. Ela tomava os sujeitos, e as
queixas a eles referentes, descolando-os do mundo, e concebendo o próprio mundo
de modo estagnado, sem movimento, ou ainda sob rotações sobre as quais não se
poderia intervir; antes, apenas aguardar o desenrolar natural dos fatos e fenômenos
inter e intrapsíquicos.
Uma psicologia dessa natureza, que embasaria a educação, só poderia descrever,
mas não explicar a contento como os homens aprendem e se desenvolvem, como eles
imitam; como seus psiquismos constituem-se de uma ou de outra forma segundo as
suas condições biológicas, que tomam uma ou outra direção de acordo com as con-
dições sócio-históricas disponíveis. Essa psicologia criticada acabava referendando e
perpetuando uma dada visão de mundo, bem como uma dada prática social; a prática
de se conceber a sociedade a partir de polos naturalmente antagônicos, a socieda-
de de classes. Vigotski e outros psicólogos, bem como vários educadores soviéticos
(Makarenko, Pistrak etc.) puseram ou reconheceram diante de si uma tarefa histórica:
a formação de um novo homem, do homem para uma sociedade sem classes.
Nesse contexto fundamental, destacar Krupskaia, educadora e combatente
A educação na obra de Brecht: representações
de conquistas e realizações coletivas
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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
50
revolucionária russa, em meados dos anos de 1920, como uma nobre guerreira reafi r-
mava a importância da formação do novo homem. Para esta autora, a primeira direção
ou um dos pilares para a educação do novo homem é a unidade e ajuda mútua, cama-
radagem, fortalecimento da solidariedade; esses seriam os primeiros conteúdos dessa
educação, e a autora insiste que os jogos e reuniões contribuem para isto. Krupskaia
[19--?) afi rmava que para a vida soviética daqueles tempos não bastava substituir o
pronome eu por nós, essa prática deve representar não uma mera substituição de
termos ou pronomes, mas deve expressar a vida quotidiana de cada pessoa, adulto ou
criança. Neste sentido, Krupskaia solicita ao povo soviético coerência entre a proposta
e as ações, revelando ao mesmo tempo todas as difi culdades de se exercitar uma prá-
tica que até então era anunciada. Para isto, afi rmava que o trabalho social, de utilidade
social, é um meio para a formação do espírito e de responsabilidade social.
No mesmo cenário e com os mesmos propósitos Vigotski, um grande humanis-
ta, vislumbrou e demonstrou a possibilidade de outra sociedade, em que os homens
poderiam revelar-se, de fato, de outra forma daquela que tinha a sua frente: grande
parte da Rússia era analfabeta, faminta, órfã naqueles anos pós-1917. Pôde vislumbrar
e defender outra ciência, aquela que pusesse os homens em movimento, que os liber-
tasse da mediocridade, da sina do destino, dos grilhões do Q.I. – investigado por Binet
(1905), cuja aplicação desmedida pela pedologia foi fortemente questionada por ele
– da presdestinação dos berços dos bem ou mal-nascidos etc.
Podemos dizer que a sua visão prognóstica do desenvolvimento humano, em de-
fesa de outra ciência e de outra sociedade, foi possível porque ele mesmo teve sólida
formação humanista (BARROCO, 2005; BLANK, 1996). Literatura, história, fi losofi a,
saberes técnicos, tudo isso levava ao remover das montanhas, vencer aparentes limites.
Hoje estamos aqui no Brasil, com documentos ofi ciais que fazem menção a este
autor e a sua teoria, mas que lhe retiram de fato o seu vigor, a sua essência, posto
que o isola de seu contexto e de suas bases fi losófi cas sob uma ideologia neoliberal
e uma prática pós-moderna (DUARTE, 2001). Fica dele a defesa de que o bom ensino
é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento e que as mediações instrumen-
tais, socioculturais signifi cativas elevam os indivíduos de um estado primitivo a um
nível cultural, mas sem o devido entendimento das implicações dessa tese. Para nós, o
homem desenvolvido é aquele que domina os recursos externos e direciona seus pro-
cessos internos por meio do conhecimento, de uma constante atuação sobre o mundo
(VIGOTSKI; LURIA, 1996). Entendemos, como Vigotski, a importância e a necessidade
de se apreender o mundo pela única via possível, a da socialização do saber, e reconhe-
cemos, como ele, quanto os grandes pensadores e autores propiciam-nos níveis mais
elevados de consciência.
51
No sentido de destacar essa prática, vale aqui lembrar o que o próprio Karl Marx
assinalou acerca da História ao tratar da Revolução Francesa, afi rmando que os ho-
mens fazem sua própria história, não sob as circunstâncias de sua escolha, mas sim sob
aquelas que encontra apresentadas pelo passado. Não intentamos reeditar o passado,
conclamando seus espíritos, como Marx denuncia, porém precisamos ir aos clássicos,
emprestar seus olhos e identifi car os diagnósticos que faziam e os remédios que pro-
punham. Trata-se de enriquecer nosso repertório para outro devir.
Neste capítulo, apresentamos, portanto, refl exões acerca da obra de um desses
mediadores que a história propicia: Bertolt Brecht (1898-1956). Com ele, buscamos
por pistas para mais bem compreendermos o homem que somos e que formamos pela
via educacional.
De acordo com Chaves (2000), Brecht com suas poesias, músicas, suas peças e
personagens nos instiga não só por seu estilo literário, mas também por apresentar
as instituições sociais como elementos que contribuem para a estabilidade da socie-
dade capitalista, ocupando-se em promover a compreensão e a superação da mesma.
Para efetivar tal objetivo, procurou revelar a prática dos homens comprometidos e
dependentes de instituições que legitimam a sociedade burguesa. Em sua crítica, não
desconsiderou a necessidade de tratar da educação formal e, ao pontuar os limites
da escola, não negou o método dialético, o que signifi ca enunciar que apresentou os
limites e ao mesmo tempo a positividade das instituições educativas.
PRÁTICAS SOCIAIS E PRÁTICAS DIDÁTICAS: A NECESSIDADE DA SUPERAÇÃO
Segundo Brecht (1992), os elementos que caracterizam a prática dos indivíduos
envolvidos diretamente ou não com a escola confi rmam que a valorização de deter-
minados comportamentos pela sociedade encontram-se evidenciados no interior da
mesma, expressos sob a forma de conteúdo escolar, práticas didáticas, e até podemos
mencionar a organização da rotina e do espaço escolar. Assim, não há independên-
cia da escola em relação à sociedade, e a aquela de fato referenda a prática social, à
medida que traz em suas atividades cotidianas a forma de relação estabelecida pelos
homens na luta pela vida, reproduzindo-a sem discuti-la ou estranhá-la.
Apresentando-se expressamente como um defensor do conhecimento histórico,
portanto carregado de possibilidade transformadora, Brecht entende que a constru-
ção da sociedade sem classes, como afi rmam os clássicos do marxismo, baseia-se no
conhecimento da economia da sociedade capitalista (CHAVES, 2000). Ressaltando tal
conhecimento como um elemento fundamental para a formação da consciência críti-
ca, em 1919 Brecht põe seus personagens a ensinarem que o “homem não pode ser
A educação na obra de Brecht: representações de conquistas e realizações coletivas
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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paralisado pelo saber”. Neste sentido, o conhecimento tem a função de revelar cienti-
fi camente como as instituições sociais contribuem para a edifi cação da dinâmica social
burguesa. Ao discutir o comprometimento do conteúdo da educação burguesa com
essa ordem social, Brecht dá um depoimento que demonstra seu descontentamento
com seus primeiros anos na escola. Ficam evidentes as raízes de sua independência e
de sua concepção da arte como uma forma alternativa de educação, como evidencia:
Me aborreci durante quatro anos na escola primária. E durante, nove anos que, em seguida, passei no Realgynasium de Augsburg, não consegui aprender nada dos meus professores. Eles não cessaram de me estimular meu gosto pelo pra-zer e pela independência (BRECHT apud PEIXOTO, 1991, p. 26).
Evidentemente, o descontentamento de Brecht com o conteúdo da educação não
se restringe à educação da Alemanha, sua nação de origem, cuja função última no
período em que o autor frequentava os bancos escolares era preparar o homem para o
Estado. A escola conhecida pelo jovem Brecht é expressão da educação europeia que
se edifi cou sobre as bases da fi losofi a grega, do direito e teoria do estado romano e do
pensamento cristão, marcas postas desde a Idade Média e início da Idade Moderna.
A dinâmica social que deu origem à organização da educação formal determinou a
estruturação dos mosteiros cristãos que representavam a primeira forma de ensino
institucionalizado, formando padres, escrivães e médicos, que, em última instância,
se responsabilizavam pela ordem e bem estar moral, comercial e físico dos homens.
Lembramos que, durante a renascença, o sistema educacional passou a orientar-se
pelo pensamento humanista, e em tal contexto, a razão tornava-se o critério da ação.
Posteriormente, nos séculos XVII e XVIII, tendo como referência a fi losofi a iluminista,
a educação fazia a defesa do Estado Moderno.
Agora tratando especifi camente da educação na Alemanha, foram introduzidas em
alguns de seus estados as diretrizes modernas de educação estatal, como a obrigatorie-
dade escolar, cuja efetivação só ocorreu a partir do século XIX. A preocupação com a
reconstrução nacional alemã requisitava uma educação de formação geral, unifi cada,
acessível a todos e que deveria priorizar o comércio e a agricultura, atividades econô-
micas preciosas à Alemanha naquele momento de reorganização política e econômica
em função da derrota imposta por Napoleão em 1806. As reformas educacionais não
estavam isentas do sentimento de humilhação e derrota que se propagou na Alemanha
e uniu as forças patrióticas em busca da autoconsideração. Há, então, uma preocupa-
ção com a formação do homem para desempenhar seu papel no Estado.
As bases para uma nova organização do Estado alemão foram postuladas pelo fi -
lósofo Johann Gottlieb Fichte (1762-1814). Em 1808, Fichte, em seus “Discursos à
53
Nação Alemã”, defendia que cada cidadão, através do desenvolvimento integral de
suas capacidades, deveria responsabilizar-se pelo Estado.
A defesa do homem com formação patriótica para a reorganização da nação alemã
confi rma aqui, mais uma vez, a ideia de que a dinâmica social mostra-se na dinâmica
escolar e também em outras instituições sociais. A valorização da pátria e o “gosto pela
independência”, que marcam a face educacional no século XIX e início do século XX
em resposta aos anseios sociais da Alemanha, apenas reforçam a ideia de que as insti-
tuições sociais, cada uma a sua maneira, dão a sua parcela de contribuição no cenário
político e econômico. Na formação institucional do homem alemão, a escola do século
XX expressava a necessidade de preparação do homem para atender o Estado, em um
momento em que sua organização já se mantém com base em uma defesa prática e
ideológica. Prática, porque no início desse século os confl itos pela posse de territórios
conduziam a um embate direto para os quais os homens deveriam estar preparados.
Ideológico, porque a defesa da nacionalidade unia, contraditoriamente, as classes con-
fl itantes em uma preservação da propriedade privada.
Nesse âmbito, a formação geral e profi ssional para a ação em sociedade, acrescida
de valores morais, marcam a estruturação e consequentemente a defesa da sociedade
capitalista, a qual, Brecht nos mostra, expressa-se no conteúdo escolar. A preocupação
não era se limitar a preparar o homem para a realização de tarefas, para servir de mão-
de-obra para a Alemanha e demais países, mas a formação moral, patriota, intelectual,
que incorporasse a defesa e a aceitação da dinâmica social capitalista. Assim, o conte-
údo moralizador caracteriza-se com dupla intenção, formando o homem para a defesa
prática e intelectual da sociedade capitalista.
Naquele contexto, o homem era considerado um elemento integrante da política
estatal. Todos os encaminhamentos estavam voltados para tal prática, logo, tanto no
tocante às orientações ofi ciais quanto à dinâmica escolar referentes a esse período,
segundo Michel (1977), nos livros escolares das escolas em geral e também dos ins-
titutos responsáveis pela formação dos dirigentes para o nazismo a prioridade eram
os ensinamentos de amor à pátria e a negação de qualquer possibilidade de se refl etir
sobre as práticas sociais e escolares instituídas.
Valores como o culto à juventude e à guerra, incorporados pela sociedade e legi-
timados pela escola, formam a geração de Brecht. Hitler (1983) tinha toda uma ar-
gumentação concatenada, que se manifestava em seus discursos, por meio dos quais
insistia: “quero uma juventude brutal, imperiosa, impávida e cruel” (HITLER apud
MICHEL, 1977, p. 86).
Neste sentido, a crítica de Brecht à educação burguesa, enquanto instituição pro-
motora da sociedade capitalista, incide sobre a exaltação ao herói, prática frequente
A educação na obra de Brecht: representações de conquistas e realizações coletivas
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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não só na Alemanha como também em outros países. Lembremo-nos de que este autor
testemunhou as duas guerras mundiais do século XX, o que signifi ca dizer que sua
geração foi marcada pelos princípios que referenciam os mortos no “front” e vanglo-
riam os que retornam dos campos de batalha. Com as memórias vivas diante deles,
manifestas nas imagens e experiências de toda sorte que as guerras forneciam, pouco
sobrava para a refl exão e o conhecimento, e muito sobrava para a exaltação do herói,
enquanto ideal almejado pela prática social. Essa prática torna-se, consequentemente,
presente no cotidiano escolar, sendo um dos elementos dos programas ofi ciais da rede
de ensino.
DA SUPERAÇÃO BRECHTIANA: À SUPERAÇÃO POSSÍVELBrecht relata uma de suas experiências enquanto estudante em 1915, ocasião
em que contestou a orientação de seu professor, o qual pedia uma redação sobre o
tema Doce e honroso é morrer pela Pátria. Contrariando a tarefa recebida, assim se
manifestou:
A máxima de que é doce e honroso morrer pela pátria pode ser valorizada ape-nas como propaganda tendenciosa. Despedir-se da vida, na cama ou no campo de batalha, é geralmente difícil para os jovens na fl or da idade. Apenas os im-becis podem levar tão longe a vaidade de falar sobre o pequeno salto através da porta escura. E isto também só enquanto acreditarem que estão distante da hora fi nal (BRECHT apud PEIXOTO, 1991, p. 20).
Nessa experiência escolar denunciada por Brecht, há o culto ao herói que, durante
o nazismo, seria associado ao culto ao chefe, ao líder ou, em alemão, mais precisamen-
te, ao Führer. Durante o Terceiro Reich, acentuava-se a louvação ao individualismo e
de valorização da hierarquia, na qual só havia espaço para a ordem e a obediência.
Para a garantia da incorporação desses valores pela juventude, sabemos que em 1936
passou a ser obrigatória a adesão de jovens em organizações do partido nazista.
Vale lembrar que a exaltação dos heróis nacionais camufl a a luta de classes, conven-
cendo o homem a se unir para proteger as riquezas de seu país. Nessa perspectiva, a
guerra apresenta-se, em sua aparência, como a defesa coletiva da pátria, quando, em
sua essência, trata-se da defesa do capital privado, lembrando que essa é uma questão
intensamente abordada nos escritos de Marx e Engels.
Pondo em discussão a importância da consciência histórica, Brecht, assumidamente
amparado pelos clássicos marxistas, faz inúmeras referências críticas ao conteúdo da escola
burguesa. Entre as diferentes obras que tratam dessa questão, estão As histórias do Senhor
Keuner. Formando um conjunto de 87 crônicas, pequenos textos escritos no início da dé-
cada de 1930, trazem certezas e indagações pertinentes ao comportamento humano. Para
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tratar temas como nacionalismo, princípio religioso, perseguição aos opositores do regime
nazista, Brecht (1993) cria o Senhor Keuner, que se posiciona criticamente contra essas e
outras questões na luta pela vida. Em uma das curtas histórias e utilizando-se da fábula inti-
tulada Se os Tubarões fossem Homens, este autor focaliza algumas instituições sociais, entre
as quais a escola.
Para tal fi m, escreve um diálogo entre o Senhor Keuner e uma menina, fi lha de uma
hospedeira, que simboliza no conto a ingenuidade, o caráter de naturalidade que os ho-
mens atribuem às questões da sociedade. Brecht utiliza esse conto como recurso didáti-
co. Em seu permanente exercício de desvelar os mecanismos da sociedade capitalista,
destacamos que esse texto pode ser considerado como uma síntese da obra de Brecht.
Quando a menina interroga o Senhor Keuner sobre como seria o mundo se os tubarões
fossem homens, a resposta, dada com muita astúcia, é um exemplo do comportamento
deste autor diante da difi culdade de sobreviver nos anos trinta em função da perseguição
política que sofriam aqueles que se opunham à ordem, não somente vigente na Alema-
nha, mas em todo o mundo. Eis como, em linguagem fi gurada e irônica, o Senhor Keuner
a desmistifi ca, tratando da forma ofi cial de se educar o homem na sociedade capitalista:
Como é natural, nessas grandes caixas também haveria escolas. E nessas es-colas os peixinhos aprenderiam como se nada na goela dos tubarões. [...] É claro que a formação moral dos peixinhos seria o mais importante. Ensinar-lhes-iam que nada é mais sublime nem formoso do que um peixinho que se sacrifi ca alegremente, e todos deveriam ter fé nos tubarões, sobretudo quando prometem zelar pela felicidade futura. Far-se-ia os peixinhos com-preender que um tal futuro só estaria assegurado se aprendessem a obedecer [...] (BRECHT, 1993, p. 57).
Brecht denuncia a escola, instituição social cuja rotina diária e conteúdo preparavam
meninos e meninas, “os peixinhos”, para incorporar valores morais, caros à sociedade capita-
lista. Os exercícios aparentemente realizados de forma integrada, a relação mediada pela falsa
ideia de bondade e alegria são práticas constantes. A ideia de sacrifício é fundamental e per-
manentemente exaltada. Lembremo-nos da redação Doce e honroso é morrer pela Pátria,
que Brecht e seus companheiros de escola deveriam elaborar. Brecht muito jovem contestou
a tarefa ordenada, e décadas depois sua contestação ganha consistência e o dramaturgo nos
dá uma oportunidade de refl etir sobre uma das mais importantes funções da escola, o culto
ao indivíduo e a exaltação ao herói. Escreve:
Se os tubarões fossem homens, por certo fariam guerra uns aos outros para conquistar caixas e peixinhos estrangeiros. Mandariam os seus próprios pei-xinhos para a guerra, e ensinar-lhes-iam que há enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Como toda gente sabe, proclamariam, os peixinhos são mudos mas calam-se em línguas muito diferentes e por isso é impossível entenderem-se. A cada peixinho que matasse na guerra uns quantos
A educação na obra de Brecht: representações de conquistas e realizações coletivas
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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peixinhos inimigos, dos que se calam noutra língua, seriam dadas uma conde-coração de algas marinhas e o título de herói (BRECHT, 1993, p. 58).
Insistindo que a escola era um elemento necessário à prática burguesa e, portanto,
contribui com sua edifi cação, Brecht (1992), estruturando seu posicionamento em
relação a essa educação, põe em discussão os livros didáticos, que trazem como conte-
údo o culto aos heróis. Essa questão está presente na peça O Julgamento de Luculus,
escrita em 1939, no ano em que ofi cialmente se iniciou a II Guerra Mundial, e na qual
o autor afi rma:
Nos livros escolaresLêem-se os nomes dos grandes generais. Quem os quiser imitar,Estude bem as batalhas delesE as suas vidas extraordinárias. Para podermos ser dignos deles,Devemos elevar-nos bem acima Da multidão. Nossa cidade esperaAlgum dia também os nossos nomes (BRECHT, 1992, p. 19).
Entendemos que Brecht não responsabiliza particularmente a educação pela edi-
fi cação da sociedade burguesa. No entanto, o autor apresenta essa instituição como
instrumento legitimador da sociedade de seu tempo, cuja estrutura permanece a mes-
ma até os dias atuais. O autor evidencia quanto os livros didáticos, instrumentos do
universo escolar, podem servir e correntemente têm servido de respaldo ou para na-
turalizar (demonstrar como curso natural da história) o modo de ser da sociedade
capitalista, porque trazem em muitas de suas ilustrações e textos a defesa de valores
patrióticos expressos na exaltação ao herói. Entretanto, o fato de Brecht mostrar-se um
crítico da educação não signifi ca que atribui à escola a responsabilidade de preparar os
homens para a ação revolucionária. Ele tem plena consciência dos limites burgueses
dessa instituição, e é como tal que ele a focaliza. Logo, não é a ausência de conteúdo
revolucionário que ele critica, mas sim o fato de que por ser burguesa, o conteúdo
escolar não pode revelar a contradição social. Em um texto da década de 1940, o
autor escreve que “[...] os livros da escola não dizem que quem emprega o suor é um
e quem recebe é outro” (BRECHT, 1992, p. 80).
Assim, Brecht reafi rma nossa compreensão de que não há independência entre
conteúdo escolar e conteúdo social, mas uma intrínseca relação entre ambos. Ou seja,
o conteúdo da escola burguesa está comprometido com o capitalismo e expressa a
sociedade capitalista. O conteúdo escolar é marcado historicamente, não está desvin-
culado da realidade. A escola traz o conteúdo comprometido com a prática social que
57
lhe condiz. Tal como Brecht, consideramos o conteúdo escolar dependente do mo-
vimento social e, portanto, um conteúdo que justifi ca e sustenta a prática capitalista.
Brecht faz do teatro um instrumento da elaboração da consciência crítica. Ao
abordar o período da História marcado pela Alemanha nazista, denuncia as formas
de negação aos direitos do homem, condenando o entendimento fascista de que o
homem precisa ser enquadrado e comandado por uma organização que garanta de
forma efi caz o culto à nação e proclame a virtude da violência. Com a intenção de des-
mistifi car questões como estas, o autor aborda a aparência do fenômeno, revelando
que, de fato, trata-se da negação da luta de classe. É importante realçar que a práxis
utilitária imediata e o senso comum que a ela condiz permitem ao homem que se viva
no mundo, se familiarize com as coisas, que as maneje e que crie novos aparatos e os
reproduza, aprimorando-os de acordo com suas necessidades, mas, nem por isso, que
compreenda a realidade.
ATOS DECISIVOS: A REALIZAÇÃO COLETIVA E A EDUCAÇÃO POSSÍVEL QUE PROTAGONIZAMOS
Não fazendo de Brecht um herói, é necessário salientar que este autor dedicou
sua vida e seus escritos à defesa da igualdade entre os homens, como dramaturgo
ou poeta, criando recursos cênicos diferentes daqueles da dramaturgia convencional,
sendo um educador que fez de seu teatro um instrumento da práxis revolucionária,
uma alternativa educacional. Essa ênfase objetiva salientar aos educadores atuais que a
linguagem deve ser viva, o conhecimento deve ser vivo acerca de uma prática também
viva, devendo também provocar ações vívidas, porque quando a prática se mostra im-
potente é preciso buscar razões para se viver. A teorização, somada a um dado modo
de atuação, assumem papel fundamental nessa busca.
O fato de Brecht ter vivido sob o nazismo e de ter produzido suas peças nessas cir-
cunstâncias não invalida a atualidade de suas questões. É fato que, em seu momento,
toda a sociedade estava sendo intencionalmente reeducada para o nazismo, todas as
formas de manifestação estavam comprometidas com o nazismo. Este se apresentava
como a alternativa natural para os desdobramentos históricos da Alemanha, uma vez
que o conhecimento e a teorização, enfi m, a racionalidade, foram paulatinamente dis-
pensados ao longo do próprio percurso da fi losofi a alemã, de Shelling até Hitler – que
dirá de outros espaços (LUKÁCS, 1972). Restavam, portanto, poucas e clandestinas
opções aos opositores ao regime. Música, literatura, propaganda, imprensa, símbolos,
discursos eloquentes provocavam a identifi cação, a emoção irrefl etida. E, nesse mo-
mento particular, as peças de Brecht tinham um sentido político de resistência muito
particular.
A educação na obra de Brecht: representações de conquistas e realizações coletivas
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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Entretanto, elas superam seu momento, e conforme o conceito de Saviani (2003),
tornam-se clássicas, resistindo ao tempo, atravessaram os mares e alcançaram outros
povos. Como é possível perceber, os problemas apontados por Brecht permanecem
em nossa época com marcas aparentemente democráticas, solidárias, cujas estratégias
de harmonização social em muito se assemelham às anteriores. Perguntamos, agora:
qual é o efeito da atuação da mídia, da escola, ou de outros segmentos formadores?
São instituições cujo limite é a reprodução da dinâmica social vigente? Essas questões
merecem nossa atenção se quisermos evitar que se tome a escola de modo estanque e
paralisador, de modo pouco dialético, apenas como aparelho ideológico do Estado, e
ao mesmo tempo se queremos que ela avance para outra função, que lhe deveria ser
a clássica, como também sugere Saviani (2003): a de ensinar conteúdos científi cos e
culturais, de fato.
Brecht permite-nos rever conteúdos e práticas frequentes, posto que inofensivas,
no cotidiano escolar. Seu trabalho apresenta-se como recurso didático capaz de ques-
tionar as guerras, confl itos com roupagens religiosas, o culto aos heróis nacionais ou
midiáticos. Tratando do ensinar e aprender no palco, Brecht contribuiu para que re-
pensássemos o processo ensino-aprendizagem, fora do espaço teatral, cênico.
Nessa possibilidade de refl etir sobre a dinâmica escolar está implícita a necessidade
de avaliar a atuação dos educadores. Avaliar não apenas a didática ou a forma de apre-
sentação do conteúdo, mas o próprio conteúdo.
A escola tradicionalmente marcada pelo autoritarismo ou pela liberdade, descom-
prometida, caracteriza sua rotina, em que a aprendizagem permanece no limite do
cotidiano, com práticas e conteúdos marcados pela hierarquia e submissão, que impe-
dem o homem de compreender sua própria vida. Muitas vezes, o espaço que deveria
estar reservado ao conhecimento cede lugar ao culto ao passado, ao desenvolvimento
científi co, como obra de um só indivíduo e não como produção social dos homens. As
“conquistas”, os feitos históricos são atribuídos a um homem e não aos homens. Nos
livros didáticos, nos murais nos pátios e corredores, nas comemorações semestrais –
conduzidas pelo calendário ofi cial – valoriza-se a máxima da individualidade, fazendo
com que o singular seja sempre superior ao plural (ao coletivo).
Compreender que a escola é expressão da lógica social instituída, que é determi-
nada não impede a possibilidade de atuação nessa escola, no sentido brechtiano, ou
seja, com ações, experimentos que permitam, mais que conhecer, desvelar o cotidiano
e, por consequência, a dinâmica social. Ensinar e aprender a ser ativo e não passi-
vo diante do conteúdo. Negar, portanto, aquela dinâmica na qual a relação ensino-
aprendizagem efetiva-se com a supremacia da ordem, da hierarquia, da submissão, da
autoridade.
59
Parece-nos que o ensinamento maior Brecht reside na ênfase da necessidade de se
ampliar o universo de pares na relação ensino-aprendizagem, no sentido de valorizar
o coletivo, incentivar a superação do estado inicial da aprendizagem, não limitá-lo a
capacidades mínimas de leitura e escrita. Levar o educando a assumir uma postura
de independência, e não de submissão frente ao saber ou diante daquele que pre-
tensamente sabe, e que, por força de uma tradição que não promove, ao contrário
oprime, deixa aprendiz e educador simplesmente em lugares opostos. Acreditamos
que o que se coloca como desafi o à escola atual, assim como orientaria Brecht, ainda é
a necessidade de revigorar a formação dos educadores, a nossa própria formação. Se
há a necessidade de se avaliar a didática, seja quanto à apresentação dos conteúdos e
recursos didáticos, seja quanto aos próprios conteúdos, isso só nos parece possível se
o eixo de trabalho não for perdido.
Neste sentido, Chaves (2008) assinala que as tentativas de tornar a educação sub-
serviente ao capital se apresentam e se reapresentam na História – trata em sua pes-
quisa particularmente do Estado do Paraná na década de 1960 – o que não nos impede
de refl etir acerca das possibilidades de enfrentamento a essa lógica que precisamos
ensaiar até que possamos protagonizar atos que seja decisivos.
O eixo ainda nos parece ser o domínio do conhecimento específi co, mas também
daquilo que ainda deve ser o universal: o domínio de como o mundo se move, não só
no sentido em que Galileu desvenda, mas que a história tem revelado. Esse saber vivo
que põe as coisas em relação não pode ser dispensado na sala de aula, e nem na pró-
pria formação do educador. Recoloca-se, portanto, como essencial, ter a dimensão de
que a aprendizagem movimenta o desenvolvimento, daí sua dimensão não ser apenas
do domínio cognitivo, porém a de alcançar o sentido ético. Assim, também nos parece
necessário continuar a discutir as questões da escola e a sua relação com a sociedade
em geral nos termos em que Brecht entende como a “praxis revolucionária”.
BARROCO, Sonia Mari Shima. Psicologia educacional, Vigotski e arte: em busca de
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Referências
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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações. 8. ed. rev.
e ampl. Campinas, SP : Autores Associados, 2003.
61
Proposta de Atividade
Considere as práticas educativas realizadas na escola atual e apresente alguns procedimen-tos didáticos que possam contribuir para demonstrarmos a potencialidade da escola em favor de uma educação que contribua para a formação de educandos com espírito de solidariedade e defesa de bens e realizações coletivas.
Anotações
VYGOTSKI, Lev Semenovich. Obras escogidas. 2. ed. Trad. José Maria Bravo. Madrid:
Visor, 1997. t. 1.
VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comportamento:
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Alegre: Artes Médicas, 1996.
A educação na obra de Brecht: representações de conquistas e realizações coletivas
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
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Anotações
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Tarcyanie Cajueiro Santos
A modernidade é um modo de organização social, que corresponde a um estilo
de vida e inaugura uma nova maneira de conceber o homem, repercutindo sobre
as relações sociais. O indivíduo emerge progressivamente como sujeito, e é pensado
como detentor de seu destino. Esse novo modo de vida, cuja característica principal é
a de ser emulado por um conjunto de descontinuidades que descentraram o homem,
trouxe consigo a produção de estilos diferentes das instituições sociais tradicionais.
Antes da Idade Moderna, não existia um sistema de pensamento que considerasse o
sujeito como uma categoria fi losófi ca. Com a modernidade, o questionamento sobre
a possibilidade de o sujeito poder ou não compreender a realidade é posto. Nem a
fi losofi a Antiga, tampouco a fi losofi a Cristã colocaram o sujeito como o centro de inú-
meros questionamentos e grandes apostas, como fez o pensamento moderno com o
racionalismo clássico, a partir do século VII, cujo ponto de partida reside na indagação
da possibilidade de o nosso pensamento alcançar a realidade.
A Filosofi a Antiga, que se inicia com o pensamento grego, é realista, ou seja, parte
da premissa de que o ser existe em si mesmo e por si, independente do sujeito conhe-
cedor. Entender o que é a realidade é a grande pergunta que esses primeiros fi lósofos
se fazem. Isso porque tal sistema de pensamento parte “da afi rmação da existência da
realidade e de que ela poderia ser conhecida verdadeiramente pela razão e pelo pen-
samento” (CHAUÍ, 1999, p. 209). Dito de outra forma, essa fi losofi a não se questiona
sobre o estatuto do sujeito, pois basta que este conheça para que encontre a verdade,
ou o Bem, como quer Sócrates. Apesar das divergências entre os grandes fi lósofos –
pré-socráticos, Sócrates, Platão e Aristóteles, entre outros – permanece a crença na
indissociabilidade entre aquele que conhece e a própria realidade. A exceção são os
sofi stas que, partindo da linguagem, relativizam ou até negam o ser.
A Filosofi a Cristã, que dominou toda a Idade Média, apresentou novos problemas,
como o de conciliar as exigências da razão humana com a revelação divina, provo-
cando uma cisão entre corpo (matéria) e alma (espírito), a realidade e o sujeito, que
passou a ser mediada pela fé. O único meio de alcançar a verdade, o infi nito, em suma,
Construção do sujeito na era tecnológica
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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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Deus, deveria ocorrer através da fé, à medida que Deus jamais poderia ser compreen-
dido por meio da razão, de um ser fi nito e corruptível, como o homem. Neste sentido,
“para os cristãos, a razão humana é limitada e imperfeita, incapaz de, por si mesma e
sozinha, alcançar a verdade, precisando ser socorrida e corrigida pela fé e pela Revela-
ção” (CHAUÍ, 1999, p. 225).
Por conseguinte, o sujeito moderno desponta apenas com o desmoronamento
da Idade Média e o aparecimento de uma época que traz consigo o capitalismo, as
grandes navegações, o aparecimento e as redescobertas de textos sacros e antigos, as
primeiras descobertas científi cas, a reforma, as incertezas intelectuais, assim como a
importância que o homem e a razão passam a ter. Nessa época marcada por profundas
transformações, instabilidades e perturbações políticas e sociais, inúmeros são aque-
les que questionam o legado fi losófi co de então, duvidando inclusive da religião. Do
ceticismo de Montaigne ao pragmatismo político de Maquiavel, o homem dessa nova
época se vê em meio a um turbilhão de acontecimentos e sentidos, sem saber ao certo
que caminho traçar. Ora, é ante essa indeterminação e insegurança que se antepõe
Descartes. Fazendo uma recapitulação sobre a sua vida, este pensador chega à conclu-
são de que nada do que aprendeu fornece certeza. Por isso, ele busca fundamentos
sólidos e princípios seguros, colocando em xeque tudo o que aprendeu. O único fun-
damento seguro é a razão, de modo que a consciência aparece como sujeito e objeto
do conhecimento.
Para Descartes, podemos duvidar de tudo, menos da nossa capacidade racional.
Daí a máxima “penso, logo existo”. Ao reduzir o homem ao seu cogito, Descartes enfa-
tiza a necessidade de se criar um método, para que possamos utilizar corretamente a
razão. Deste modo, ele busca um método universal, com base no rigor da matemática
e no encadeamento racional, à medida que os fenômenos devem ser interpretados se-
gundo o modelo fornecido pelos dispositivos mecânicos. O mecanicismo é a doutrina
que reduz a matéria, o corpo e a vida à extensão, e que explica tudo que não é alma ou
pensamento apenas pelas noções de extensão e de movimento dessa extensão. O di-
namismo da natureza pertence ao criador, porque ela não possui dinamismo próprio,
sendo reduzida a um mecanismo transparente e à linguagem matemática, entregue à
exploração da razão humana. É a partir da suposição de que fenômenos da natureza
são regidos pela lei da extensão e do movimento conhecidas pela razão, própria do
cogito, que Descartes dá origem a duas grandes correntes da fi losofi a moderna: o
idealismo e o empirismo.
O auge do sujeito moderno se dá com a fi losofi a crítica de Kant e com a ideia de
que o avanço do conhecimento exige que as crenças tradicionais e a própria razão
sejam submetidas à operação crítica. Se com Descartes o sujeito se torna o primeiro
65
momento no processo epistemológico do conhecimento e da busca da verdade, com
Kant o sujeito passa a ser a condição mesma do conhecimento verdadeiro, das verda-
des sintéticas a priori, forma kantiana da verdade absoluta. Kant se posiciona contra o
empirismo de Hume, que rejeita as certezas do mundo e afi rma um profundo ceticis-
mo. Kant confere ao sujeito um lugar muito mais importante do que Descartes dera,
já que considera que a razão depende exclusivamente do sujeito, das estruturas de
sensibilidade e do entendimento, caindo em um subjetivismo epistemológico.
De acordo com Kant, Hume o desperta de seu sonho dogmático, mostrando a
necessidade de questionar a própria razão, refundando a fi losofi a e o próprio conhe-
cimento. “Despertar do dogmatismo é elaborar uma crítica da razão teórica, isto é,
um estudo sobre a estrutura e o poder da razão para determinar o que ela pode e o
que ela não pode conhecer verdadeiramente” (CHAUÍ, 1999, p. 231). Nesses termos,
o conhecimento verdadeiro e necessário apenas é possível quando organizado pelo
sujeito do conhecimento nas formas de espaço e tempo e conforme os conceitos de
entendimento. Isto signifi ca que “nunca saberemos o que é e como é a realidade em
si mesma, separada e independente de nós. Conhecemos apenas a realidade como
fenômeno, isto é, organizada pelo sujeito do conhecimento segundo as formas do
espaço e do tempo e segundo os conceitos do entendimento. A realidade conhecível
e conhecida é aquela aposta pela objetividade estabelecida pela razão ou pelo Sujeito
Transcendental” (CHAUÍ, 1999, p. 235). Pensador iluminista, Kant concebe o sujeito
moderno como um ser repleto de potencial, cuja plena emancipação ocorreria senão
existissem entraves a sua realização. Em outros termos, Kant é um pensador que abra-
ça o ideal iluminista do século XVIII, com seu discurso emancipatório e suas fantasias
antropocêntricas do sujeito.
Por conseguinte, Hegel é outro grande pensador idealista. Com ele, há uma abso-
lutização do idealismo, buscando evitar o excesso de subjetivismo kantiano por meio
da importância que atribui à objetividade. Posto que “a razão em Hegel não é nem
exclusivamente razão objetiva (a verdade está nos objetos) nem exclusivamente sub-
jetiva (a verdade está no sujeito), mas ela é a unidade necessária do objetivo e
do subjetivo” (CHAUÍ, 1999, p. 81). Em seu sistema de pensamento, o sujeito, ou o
espírito deixa de ser substância e passa a ser visto como processo, automovimento que
se realiza e se supera no desenvolvimento da história. Com Hegel, nasce a pretensão
de propiciar ao homem o totalizante conhecimento absoluto do Absoluto, prosseguin-
do com as fantasias da história, do homem, da verdade, do progresso e da evolução
presentes no Iluminismo. Ou seja, há com ele a pretensão de purifi car a consciência
empírica e elevá-la ao Espírito e ao Saber Absoluto.
Contudo, se depois de Hegel aparecem diversas críticas ao seu absolutismo da
Construção do sujeito na era tecnológica
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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razão e a sua crença de que a consciência é a própria realidade, sendo unidade entre
pensamento e ser, será apenas com Nietzsche que todo esse edifício fi losófi co se des-
truirá. Toda a sua fi losofi a se contrapõe às ideias fi losófi cas e aos valores morais tradi-
cionais, que se afi rmam como a grande verdade, precisando, por isso, ser desmascara-
dos. Impiedoso, Nietzsche, com a sua crítica feroz a toda essa concepção fi losófi ca do
sujeito moderno e de sua racionalidade, dá um golpe fi nal na visão de homem erguida
e exaltada durante toda a modernidade, considerando-o como vontade de potência.
Tal fi losofi a nos remete à pequenez do homem, à sua insignifi cância no conjun-to geral das coisas que constituem o mundo. Desde os átomos até o universo. Isso porque a vontade, aquilo pelo qual o homem se bate achando que é o seu senhor, essa mesma vontade não passa de ilusão [...]. O homem sonhou o sonho da onipotência durante vários séculos. Destronando Deus de seu in-fi nito poder, o homem ocupou o seu lugar acreditando-se o novo criador. Não obstante, sua fraqueza, sua impotência, sua posição de mero fi gurante no teatro dos acontecimentos não tardou a surgir (MARCONDES FILHO, 1997, p. 11).
Segundo alguns autores, Nietzsche chegou mesmo a antecipar Freud, outro im-
portante pensador que contribuiu para a aniquilação da crença no sujeito universal e
racional ao chamar a atenção para o inconsciente como uma das dimensões estruturais
do homem.
Nietzsche tem sido apontado como o fi lósofo que anteviu não apenas o niilismo
que muitos autores consideram como um fenômeno característico da pós-moderni-
dade, como também os desdobramentos da cibercultura, desse mundo artifi cial e de
todo o seu imaginário tecnológico, com suas repercussões para o sujeito contemporâ-
neo. Ao postular que a condição geral do mundo é o caos, não existindo nele uma or-
dem ou uma estrutura, Nietzsche também se adiantou à própria concepção de ciência
que emergiu com a física quântica, à teoria do caos e à auto-organização, no século XX,
e que se constituem como conhecimentos da era tecnológica.
Não podemos esquecer que todo o edifício da fi losofi a moderna foi construído
tendo em conta a física clássica, que é um modelo mecanicista. Ao considerar que a
natureza segue leis eternas e imutáveis, a mecânica se ocupava apenas com processos
regulares e repetitivos. A consequência dessa visão, sob o ponto de vista da subjetivi-
dade, é a de um sujeito que se vê como uma essência identitária, uma ordem estável,
sempre igual a si mesma, caracterizada pela unidade, constância e isolamento. “Com-
binava com uma visão de mundo do passado, dos grandes processos, amplas ideolo-
gias, vastas posturas morais, as grandes ideias condutoras (A. Gehlen), os metarrelatos
( J. E. Lyotard)” (MARCONDES FILHO, 1997, p. 13). O modelo de ciência que emerge
no século XX, por sua vez, dá importância aos fenômenos irregulares, isolados, que
diante de difi culdades encontram novas respostas.
67
Depois da descoberta da segunda lei da termodinâmica, abriu-se a possibilidade de
se estudar fenômenos a partir de modelos que operam com a indeterminação, a impre-
visibilidade e o acaso. Isso porque essa lei parte do pressuposto de que a quantidade
de trabalho útil que se pode obter a partir da energia do universo está constantemente
diminuindo. Essa homogeneidade estática, levando à dispersão regular por todo o
espaço, nada mais é o que a própria desordem, ou seja, falta de forma. Em outras
palavras, o calor que se dissipa no encontro dos corpos jamais será utilizado nova-
mente, o que gera transformações irreversíveis, não repetitivas, levando à desordem
no sistema físico. Isso é uma mudança enorme em relação à ciência clássica, uma vez
que, ao contrário de um modelo preestabelecido, o atual permite apreender nos pró-
prios processos sua livre manifestação. É assim que “os computadores, sistemas que
elaboram repostas novas a novas questões, sistemas não-lineares, instauram-se entre
a velha dualidade entre máquinas simples (que não possuíam organização) e os seres
vivos, sistemas complexos. Dos processos não lineares passa-se à auto-organização”
(MARCONDES FILHO, 1997, p. 13).
Em relação à subjetividade, o sujeito deixa de ser visto através da primazia da cons-
ciência e da centralidade, passando a ser compreendido como processual e aberto.
Estrutura descentrada, não-linear e fl uida, o sujeito da sociedade tecnológica ou da
cibersociedade desmascara sociologicamente a concepção de um eu unitário, coerente
e organicamente construído. Com as sociedades da informação, a relação com o outro
passa cotidianamente pela tecnologia, seja através das máquinas geradoras de realida-
de virtual (simulação), seja através das redes de interação telemáticas. A pesquisado-
ra do MIT, Massachusetts Institute of Technology, Sherry Turkle, em seus primeiros
estudos sobre as comunidades virtuais, chamadas de MUDs (multi-user-domain ou
multi-user-dungeon), já apontava esses espaços como intensos locais de trocas, onde
podemos assumir diversas personagens. Para ela,
Em meus mundos mediados por computador, o eu [self] é múltiplo, fl uido, e constituído na interação como conexões com máquina; é feito e transformado pela linguagem; o intercurso sexual é uma troca de signifi cantes; e a compre-ensão vem da navegação e da experimentação mais do que da análise. E nos mundos gerados por máquina dos MUDs, encontro pessoas que me põem em uma nova relação com minha própria identidade (TURKLE, 1995, p. 17).
Essa transformação na maneira de se perceber e se vivenciar a subjetividade, que
tem seu auge no espaço eletrônico da Internet, emergiu com a revolução tecnológica
no fi nal do século XX. Não somente as bases materiais da sociedade se modifi caram
drasticamente, como também outras esferas, e uma das consequências disso, sob o
ponto de vista social, é que “cada vez mais, as pessoas organizam seu signifi cado não
Construção do sujeito na era tecnológica
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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em torno do que fazem, mas com base no que elas são ou acreditam que são” (CAS-
TELLS, 1999, p. 23). Devido à complexidade da sociedade tecnológica, não é mais pos-
sível sustentar a defi nição do sujeito em função de seu território geopolítico, de seu
pertencimento a um Estado-Nação. A identidade hoje assume dimensões inesgotáveis
de análise, podendo passar por confi gurações tão díspares como, por exemplo, por
meio de seu relacionamento com as corporações do mercado global, como também “a
busca pelo signifi cado ocorre no âmbito da reconstrução de identidades defensivas em
torno de princípios comunais” (CASTELLS, 1999, p. 27). Isso signifi ca que a identida-
de, o modo de se relacionar e perceber o outro assume novos sentidos, contribuindo
para que o sujeito da era tecnológica se assente em lógicas diferenciadas daquelas
que acreditou até então. É por isso que, ao invés de se buscar a velha e tão almejada
essência, como se o indivíduo tivesse uma estrutura acabada, as pesquisas privilegiam
minorias, movimentos moleculares e auto-organizações espontâneas.
Com a expansão dos meios técnicos de informação, o mundo analógico torna-se
cada vez mais obsoleto, sendo substituído pelo mundo digital, pelo menos em termos
de importância. A essa passagem de uma vivência “sólida” para uma “volátil”, estrutu-
rada pela velocidade, o fi lósofo Gilles Deleuze, seguindo Michel Foucault, denomina
sociedade de controle. Diversamente das sociedades disciplinares dos séculos XVIII e
XIX, cujo apogeu se deu no início do século XX, as sociedades de controle emergem
no fi nal do século XX com a centralidade que a técnica passou a ter na vida das pesso-
as, gerando uma “crise generalizada de todos os meios de confi namento, prisão, hos-
pital, fábrica, escola, família” (DELEUZE, 1992, p. 220). Se nas sociedades disciplinares
os indivíduos passavam de um espaço fechado para outro, cada um circunscrito as
suas leis; nas sociedades de controle essa delimitação do dentro e do fora se esfumaça.
Cada vez mais fi ca difícil impor limites territoriais e legais sobre as diversas instituições
que regem a sociedade. Afi nal, qual a delimitação entre o espaço da família e o da
escola, se grande parte das crianças no mundo contemporâneo passa o dia inteiro sob
os cuidados da escola enquanto os seus pais precisam trabalhar e, ao mesmo tempo,
tornam-se reféns dos conselhos de pedagogos e de psicólogos, que teoricamente pa-
recem saber mais como educar os seus fi lhos do que eles próprios? E em relação ao
trabalho, que com as novas tecnologias estende-se à esfera outrora sagrada, a família,
local tradicionalmente de afetividade? Isto sem mencionar a televisão e a Internet, que
trazem intermitentemente notícias do suposto espaço público para o espaço privado,
borrando ambos ao expô-los a assuntos que abarcam o domínio da intimidade. Como
entender essas instituições que parecem se perfazer a cada instante, em um exercício
contínuo que nunca tem fi m? Que tipo de domínio e gestão de corpos existem nesse
incessante processo de dominação? Nas cruas palavras de Deleuze (1992, p. 224), as
69
instituições como:
a família, a escola, o exército e a fábrica não são mais espaços analógicos distin-tos que convergem para um proprietário, Estado ou potência privada, mas são agora fi guras cifradas, deformáveis e transformáveis, de uma mesma empresa que só tem gerentes.
Também podemos compreender a confi guração das sociedades a partir dos seus
tipos de máquina, pois como pontua Deleuze (1992, p. 223), “não porque as máqui-
nas sejam determinantes, mas porque elas exprimem as formas sociais capazes de
lhes darem nascimento e utilizá-las”. Equipamentos aparentemente mais simples, as
máquinas energéticas, características das sociedades disciplinares, pareciam se deparar
“com o perigo passivo da entropia e o perigo ativo da sabotagem” (DELEUZE, 1992,
p. 223), enquanto que as máquinas informáticas e os computadores das sociedades de
controle, mais complexas e difíceis de controlar, nos enviam ao perigo passivo da inter-
ferência e o ativo, da pirataria e da introdução de vírus (DELEUZE, 1992, p. 223). En-
quanto que no primeiro caso o perigo de sabotagem poderia ocorrer pela destruição
das máquinas por operários, como os luditas, que no século XIX se revoltaram contra
a mecanização do trabalho e de suas péssimas condições decorrentes da Revolução
Industrial, no segundo, a sabotagem ocorre de maneira mais difusa, como nas ações
de hackers ou ciberpiratas, que devido aos seus conhecimentos em computadores têm
a habilidade de entrar nos sistemas e modifi cá-los.
Se ainda estendermos essa lógica ao capitalismo, veremos que seu modelo de so-
breprodução não atua no par indivíduo-massa, mas incide sobre as trocas fl utuantes,
os mercados e as diversas modulações de moeda. Aqui, a fábrica, a concentração e a
produção, indispensáveis nas sociedades de controle, já não têm tanta importância,
sendo desbancadas pela empresa, pelo marketing e pela venda (de ações e serviços).
A consequência perversa disso é que sob o ponto de vista do capital,
as conquistas de mercado se fazem por tomada de controle e não mais por formação de disciplina, por fi xação de cotações mais do que por redução de custos, por transformação do produto mais do que por especialização da pro-dução (DELEUZE, 1992, p. 224).
Por conseguinte, o uso desenfreado da racionalidade tecnocientífi ca, exacerbado
pela informatização da sociedade, em que a mente humana se torna uma força direta
de produção, leva à penetração de sua lógica em várias esferas das sociedades de con-
trole, como da racionalidade econômica,
ao subordinar as decisões de investimento não às taxas de retorno, mas à di-nâmica da inovação; [...] como se a sobrevivência das empresas no mercado
Construção do sujeito na era tecnológica
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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dependesse mais de sua capacidade de invenção e substituição de produtos do que da extensa exploração comercial dos mesmos, cujo ciclo de vida é cada vez menor (SANTOS, 2008, p. 5).
Tem-se, deste modo, um processo paroxístico de renovação ilimitada de gadgets,
seguindo a ânsia ilimitada do capital, com a sua primazia absoluta, que aliada à racio-
nalidade científi ca acaba não apenas criando uma relação paradoxal entre homem e
natureza mediada pela ciência e pela tecnologia, como também certo tipo de controle
sobre a vida, denominada por Michel Foucault biopolítica. Dito de outra forma, a pró-
pria vida passa a ser gerida e controlada a partir dessa mesma lógica tecnocientífi ca,
que intervém sobre a realidade biológica do ser humano, criando questionamentos
acerca da relação homem-máquina.
A marca da cibersociedade ou da sociedade tecnológica é a de ser regida e reorga-
nizada por meio da cibernética e das redes computacionais, pautadas sob a lógica das
máquinas inteligentes, cujo objetivo é desenvolver linguagens e técnicas que deem
conta do problema do controle e da comunicação em geral, tanto dos homens quanto
das máquinas. Assim, com a evolução da engenharia genética e das redes computacio-
nais, a própria vida do humano torna-se centro de questionamentos. Se Nietzsche, no
século XIX, apontou para a morte de Deus e para a grande farsa da metafísica, com a
sua exaltação do sujeito antropológico, a tecnociência, no fi nal do século XX, com seus
ciborgues, clones e tantas outras invenções maquínicas, questiona a humanidade de
nossa subjetividade. Afi nal, ainda é possível falar do humano? Existem diferenças entre
o humano e as máquinas, ou ambos não passam de sistemas de informação? Com a pe-
netração do humano com a máquina, com as transformações no corpo humano feitas
pela tecnociência e ao mesmo tempo com a humanização e subjetivação das máquinas,
inúmeros autores têm se debruçado sobre a discussão que remete ao pós-humano. A
lista é enorme, abrangendo no mínimo:
Implantes, transplantes, enxertos, próteses. Seres portadores de órgãos ‘artifi -ciais’. Seres geneticamente modifi cados. Anabolizantes, vacinas, psicofármacos. Estados ‘artifi cialmente’ induzidos. Sentidos farmacologicamente intensifi ca-dos: a percepção, a imaginação, a tesão. Superatletas. Supermodelos. Super-guerreiros. Clones. Seres ‘artifi ciais’ que superam, localizada e parcialmente (por enquanto), as limitadas qualidades e as evidentes fragilidades dos hu-manos. Máquinas de visão melhorada, de reações mais ágeis, de coordenação mais precisa. Máquinas de guerra melhoradas de um lado e outro da fronteira: soldados e astronautas quase ‘artifi ciais’; seres ‘artifi ciais’ quase humanos. Bio-tecnologias. Realidades virtuais. Clonagens que embaralham as distinções entre reprodução natural e reprodução artifi cial. Bits e bytes que circulam, indistin-tamente, entre corpos humanos e corpos elétricos, tornando-os igualmente indistintos: corpos humano-elétricos (SILVA, 2000, p. 15).
71
Não há mais como negar que, tanto nós homens quanto as máquinas somos fabrica-
ções, somos ciborgues em contínuo aprimoramento tecnocientífi co. Essa transformação
pela qual mal começamos a entrar remete a inúmeros questionamentos, a dúvidas que
podem ser, em consonância com Laymert Garcia dos Santos, resumidas em três posições
acerca dessa temática. Primeiro, é a via da singularidade, que considera o pós-humano
como superação do humano. Tal como existe, o corpo humano precisa ser superado,
estando obsoleto. Existem duas formas desse processo de obsolescência do corpo.
Ela ocorre, por um lado, através de uma necessidade aparentemente crescente de modifi car o organismo mediante a incorporação de próteses para lidar com a velocidade da transformação; e, de outro, através da formulação de uma ‘exi-gência’ cada vez maior de que o homem precisa poder viver em ambientes que não são seu habitat natural – como as viagens espaciais (SANTOS, 2005, p. 164).
Um exemplo disso foi o projeto Biosfera II, que procurava reproduzir o mundo
natural, com seres vivos, plantas, produção autônoma de oxigênio em uma bolha, com
o objetivo de sobrevivência em outras condições climáticas e até em outros planetas,
revelando a preparação para a possibilidade da terra se tornar futuramente um planeta
inabitável. Esse projeto era uma instalação de vidro e metal, no deserto do Arizona,
onde oito pessoas residiram durante dois anos. A Biosfera II, que tentava ser uma re-
produção da nossa biosfera, mas sem o “mal” ou a degradação presente no ambiente
(natural) externo, fracassou.
Um segundo ponto de vista é o da transformação biogenética, que visualiza o pós-
humano como a superação do humano a partir da própria evolução deste por meio de
seu aperfeiçoamento genético. Não há aqui uma ruptura radical do humano, mas seu
aperfeiçoamento por meio de um processo de eugenia, com a melhoria do patrimônio
genético. O projeto Genoma, que opera com a genética e a biologia molecular, surge
como uma possibilidade de mapear o genoma e eliminar os genes defeituosos, visando
ao aumento de duração da vida. Sob o ponto de vista ético, esse projeto indica diver-
sos problemas, como o das pessoas se tornarem reféns de grandes corporações, que
sabendo o tipo de doenças que elas podem futuramente ter, cobrariam taxas altíssimas
de plano de saúde, ou ainda de o mercado de trabalho ser fatiado segundo as aptidões
genéticas dos indivíduos, tendo o monopólio do homem perfeito e de sua matriz.
Ora, esses perigos já foram mostrados em diversos fi lmes, como Gattaca – a ex-
periência genética, em que as pessoas que são concebidas geneticamente em labora-
tórios se tornam econômica e socialmente mais bem sucedidas do que aqueles que
foram concebidas naturalmente. Em consequência, forma-se uma rígida hierarquia,
com novas espécies de castas, preconceitos e divisões sociais, legitimadas pela ciência.
A sociedade fi ca dividida entre os válidos, que foram manipulados geneticamente antes
Construção do sujeito na era tecnológica
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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de seu nascimento, e os não-válidos, indivíduos que, por causa da possibilidade de
desenvolverem ou de já terem algum tipo de doença ou “defeito”, fi cam com os piores
trabalhos, sem possibilidade alguma de ascensão social.
Diferentemente do Biosfera II, estamos aqui diante de um processo que se pro-põe a mexer diretamente com o corpo. Não se trata das próteses, de toda essa indústria de órgãos artifi ciais, de substituição de partes prejudicadas ou inefi -cientes por mecanismos técnicos [...]. São na verdade dois desenvolvimentos paralelos. Um trata de reformar o corpo a partir de sua matriz básica, a célula, buscando-se, no campo da utopia, alterar o patrimônio genético da humanida-de. Outro tem mais a ver com uma ‘recauchutagem’, uma substituição de tudo que é ou se tornou falho em nosso sistema por peças recambiáveis, como a vál-vula do coração. Trata de ver o corpo como uma máquina imperfeita, precária, frágil, que só sobrevive com o enxerto de peças mais aperfeiçoadas. Esta última opera com a negação do corpo enquanto a anterior, com sua reconstrução (MARCONDES FILHO, 1997, p. 50).
Por último, temos a terceira vertente, que vê nas duas linhas anteriores a confi rma-
ção da obsolescência do humano e de sua passagem para o pós-humano. A Inteligência
Artifi cial é o consubstanciamento dessa visão, buscando construir uma nova espécie de
seres artifi ciais através de processos que simulam as propriedades da vida por meio de
computadores. São seres maquínicos ou robôs, como aqueles imortalizados no fi lme
de fi cção científi ca Blade Runner, que não apenas pareciam com os humanos, com
seus sentimentos e emoções, como também eram mais perfeitos, e até mesmo mais
humanos que os próprios humanos. Estes sim fracos e imperfeitos, inclusive porque
menos humanos e mais maquínicos do que os belos replicantes.
Cabe, então, à guisa de conclusão, refl etirmos um pouco mais sobre a constituição
do sujeito na sociedade tecnológica, assim como procurar compreender que tipo de
sociedade é esta, quais seus sonhos e utopias. Se podemos tratar do ocaso do hu-
manismo, será possível também pensar o fi m do humano, como defendem as novas
utopias da cibersociedade? A descoberta do homem como ser desprovido de valor
e onipotência, que aparece em Nietzsche e em Heidegger e posteriormente com o
desenvolvimento da tecnociência, toma novos rumos com as utopias da sociedade tec-
nológica. Com o fi m da exaltação do homem tão apregoada pelo humanismo, vemos
emergir a substituição do conceito de homem pelo de corpo, naturalizando, desta
forma, o saber. Surge aqui a visão de que a emoção, o amor, o ódio, entre outras carac-
terísticas consideradas ainda por alguns da ordem do humano, tornam-se agora objeto
de uma ciência que acredita poder controlá-las no homem e atém mesmo criá-las em
máquinas. Seguindo essa perspectiva, a cibersociedade se assenta em uma nova visão
de sujeito, sem as defi ciências do humanismo, posto que agora este sujeito não mais
apresenta um componente demasiado fraco e débil: a sua humanidade.
73
Misto de técnica com natureza desnaturalizada, o sujeito da era tecnológica des-
ponta como um ser híbrido, que ao tomar como parâmetro à máquina e à inteligência
artifi cial, comporta-se como se não tivesse ligação alguma com a natureza. E assim
fazendo, ele acaba instaurando um comportamento niilista, fortalecendo “um modo
de ser pré-refl exivo, não-racional e não espiritual, e nem por isso instintivo” (SANTOS,
2008, p. 2). Neste sentido, o desaparecimento de grandes relatos explicativos, pro-
mulgado pelo pós-modernismo nos anos 1980, parece ter sido ultrapassado pelo res-
surgimento dos grandes projetos sociais presentes na cibernética e em suas diferentes
vertentes. Contudo, o que vemos agora é a tentativa de resgatar o homem por meios
diversos daqueles defendidos pelo humanismo, porque atualmente a busca do “além
do homem” ocorre com referência ao discurso do corpo, dos genes e da carne, criando
a utopia de que há uma espécie cujo processo de evolução tecnocientífi ca superará
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Construção do sujeito na era tecnológica
O desenvolvimento da sociedade do capital é o desenvolvimento ampliado de suas contra-dições sociais, seja no campo da técnica e da tecnologia, seja no da sociabilidade e subjetivida-des humanas e também do ecossistema urbano-social. Como essas contradições se apresentam no fi lme?
Blade Runner é um fi lme de ação que contém uma profunda refl exão fi losófi ca sobre o problema da identidade do homem, debilitada pelo descentramento do sujeito humano dian-te do poder da técnica e do capital. Todas as personagens do fi lme buscam algo. Como você analisa a questão da identidade no fi lme? Utilize-se das personagens para fundamentar a sua resposta.
Em Blade Runner, os replicantes, embora não sejam do gênero humano, mas sim objetos técnicos complexos, produtos do trabalho humano, da engenharia genética e de seus avanços fantásticos, reivindicam um atributo elementar da hominidade: tempo de vida. Até que ponto o drama vivido pelos replicantes é humano?
Proposta de Atividade
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
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Anotações
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Lizia Helena Nagel
A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO QUE VIROU SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
A “Sociedade do Conhecimento” é a forma (brasileira) de traduzir, ideologica-
mente, a Sociedade da Informação ou a Super Estrada da Informação, expressões
conceitualmente mais realistas, menos pretensiosas em sua compreensão e mais
precisas em sua extensão, cunhadas nos anos 1990 pela Comunidade Econômica
Europeia e Estados Unidos com o objetivo de planejar ou concentrar esforços na
construção de uma infraestrutura global da informação1.
Isso signifi ca que a “Sociedade do Conhecimento” (na verdade, Sociedade da
Informação) é, antes de tudo, a expressão empresarial dos investimentos racio-
nalmente programados para o mundo globalizado, relativos à informática, teleco-
municação, redes de comunicação digitais (Banda Larga) sistemas de comunicação
móveis, que incluem, de modo mais imediato, a) o ensino a distância; b) os serviços
de telemática para pequenas e médias empresas; c) o tráfego computadorizado; d) a
gerência de tráfego aéreo; e) a licitação e compra eletrônica; f ) as redes de adminis-
tração pública; g) o controle de infovias urbanas ligadas à prestação de serviços das
prefeituras; h) o uso da telemedicina, entre outros tantos.
Esse amplo programa de investimentos, desenvolvido pela União Europeia e Es-
tados Unidos para garantir uma infraestrutura globalizada da informação, desdobra-
se em ações capitaneadas pelo Estado, por Empresas Locais e por Redes de Pesquisa
(em nosso caso, pelo MEC/ MCT/ CNPq). No entanto, não podemos esquecer que
1 A política preconizada pela Comunidade Europeia a esse respeito pode ser acessada pela Internet Information Society Projetct Offi ce ISPO, órgão especialmente criado para coordenação e divulgação de suas atividades.
O conhecimento no projeto educativo da “sociedade do
conhecimento”
6
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
78
é do setor privado a responsabilidade primária pelo projeto e pela implementação
não só dessa infraestrutura de informação pretendida como pela regulamentação
em qualquer nível de parceria e/ou de interconexões das redes (locais, internacio-
nais, transnacionais).
Cabe lembrar, também, que as regulamentações que estruturam ou organizam
essas redes de informação defi nem tanto a legitimidade de operações integradas
entre várias redes quanto prescrevem o conteúdo e incluem: a) sigilo das comuni-
cações; b) propriedade intelectual; c) exploração comercial de produtos virtuais,
de banco de dados. Regras que, essencialmente operacionalizadas pelo privado,
garantem, de forma cada vez mais ampla e sofi sticada, o poder dos oligopólios já
existentes2, os quais, por meio de contínuas fusões, tornam-se megaconglomerados
da informação, meta defi nitiva da chamada “Sociedade do Conhecimento” (tão cele-
brada como grande conquista pelos educadores3!).
Ora, o processo de desenvolvimento da legítima Sociedade da Informação se deve,
então, aos oligopólios ou aos mega conglomerados que se apropriam, organizam, co-
mandam o desenvolvimento da infraestrutura da informação e, consequentemente,
têm poderes ilimitados para determinar a informação que pode ser (re)passada à
sociedade. Esses organismos, no entanto, mesmo quando reconhecidos como articu-
lados por um poder político e econômico defi nido, não estão sendo analisados, pelos
educadores, em sua natureza privatista. Quando os educadores listam e apregoam as
vantagens da “Sociedade do Conhecimento”, louvando a futura “democratização da
informação”, esquecem-se de que o conhecimento a ser socializado dependerá dos
interesses privados dos organismos que sustentam essa mesma infraestrutura.
O conhecimento, portanto, a ser “democratizado”, ou repassado em sua estrutu-
ra, organização e objetivos, somente pode expressar, de forma mais ou menos sutil,
a natureza privada que lhe confere, dinamicamente, concretude informacional. Inte-
resses múltiplos, divergentes, contraditórios ou contrários ao mercado não podem
ser divulgados em função da própria natureza particular da entidade privada da qual
emanam as informações.
Infelizmente, esses megaconglomerados da informação, usufruindo total
2 Gustavo Gindre, Coordenador Geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Sociedade, no artigo Uma disputa de projetos nas sociedades do conhecimento, afi rma: O Brasil, até hoje, tem sido citado como exem-plo da mais brutal concentração de oligopólios na comunicação. Nenhum país do mundo (exceto México, talvez) tem um predomínio tão gigantesco de poucos grupos empresariais sobre a exploração do fenômeno comunica-cional de massa.
3 Para maior aprofundamento da temática, sugere-se o texto de NAGEL, Educação e desenvolvimento na “pós-modernidade”, 2007.
79
independência de demandas públicas e/ou demandas culturais, com capacidade de
emancipar-se de qualquer paradigma que não seja defi nido pelo lucro, ainda assim
não são analisados pelos educadores como entraves reais para o conhecimento,
para a inclusão, para a educação dos homens do amanhã! Da mesma forma, não é
analisado o pensamento do Banco Mundial, que fornece o roteiro sobre em quais
conhecimentos os países em desenvolvimento devem investir. Ora, se a educação
pressupõe conhecimentos não-sofísticos, não-falaciosos, se pretende, de fato, uma
legítima Sociedade do Conhecimento, faz-se necessária uma incursão nessa área.
Nada melhor, para isso, que começar examinando as propostas do Informe sobre o
Desenvolvimento Mundial (BANCO MUNDIAL, 1998-1999).
O CONHECIMENTO, NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO, PARA OS PAÍSES EMERGENTES
O Banco Mundial, publicando seu Informe sobre o Desenvolvimento Mundial
(1998-1999), oferece ricos subsídios para considerações pelos educadores. Analisan-
do apenas o resumo desse estudo – o conhecimento a serviço do desenvolvimento
– pretendemos abordar, fundamentalmente, o tipo de conhecimento considerado
necessário aos países pobres ou em desenvolvimento.
A versão resumida, expressando sinteticamente as questões trabalhadas na to-
talidade do Informe, contempla os seguintes itens: a) necessidade de reduzir as
diferenças de conhecimentos entre países pobres e ricos; b) sugestões para corrigir
os problemas derivados da falta de informação dos países em desenvolvimento; c)
políticas para diminuir as defi ciências de comunicação por meio de instituições in-
ternacionais, das redes; d) delimitação das novas funções do Estado na perspectiva
do desenvolvimento global. Lista sintética das “Lições de Casa” a serem cumpridas
pelos países emergentes e que demonstram ter, como ponto de partida, a convicção
de ser a pobreza (de países e de pessoas) resultante da falta de conhecimentos e,
como tal, passível de ser superada por alternativas direcionadas pelas nações que
detêm o saber científi co e tecnológico.
Já pontuamos que, dependendo da forma como se elabora um problema, nes-
sa formulação já estão contidas as ideias mestras, consideradas chaves, para a su-
peração da situação afl itiva. Ora, o problema principalizado pelo Banco Mundial
constitui-se na tese de que a falta de conhecimento, geradora de pobreza, impede
o desenvolvimento. Cabe, portanto, tornar mais ágil a aquisição de conhecimentos
aos homens que não o possuem. Inicialmente, esse estudo postula:
El conocimiento se asemeja a la luz. [...] A pesar de ello, miles de milliones de personas viven todavía sumidas - sin ninguna necesidad - en la oscuridad
O conhecimento no projeto educativo da “sociedade do conhecimento”
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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de la pobreza. Lo que distingue a los pobres - sean personas o países - de los ricos es no sólo que tienen menos capital sino tambíen menos conocimientos.Los problemas de información son con frecuencia la causa fundamental de las difi cultades que los pobres de los países en desarrollo encuentran en su lucha diaria por sobrevivir y mejorar su nivel de vida (BANCO MUNDIAL, 1998-1999, p. 1,p. 4, grifos nossos).
Secundarizando as relações capitalistas na determinação das diferenças entre na-
ções ou homens, o Banco Mundial investe naquilo que considera o problema real a
ser debelado: a superação da pobreza pela via do conhecimento. Tese aparentemen-
te cativante, porque, ao “recuperar” o ideal Iluminista que promete, pelo saber, a
transformação social, reativa em muitos homens, em muitos professores o otimismo
perdido nos discursos asseguradores da morte dos paradigmas, intensamente di-
vulgados ao fi nal do século XX. O arrazoado do Banco Mundial reativa, na verdade,
nos mais desavisados, um certo otimismo pedagógico que se alia ao esforço para a
difusão da nova forma de ser da educação, do ensino, e das novas “verdades” asse-
guradas por esse organismo fi nanceiro internacional4.
Todavia, o estímulo ao crédito na razão ou no conhecimento para o saneamento
de problemas sociais também deve ser examinado para além de suas aparências. O
conceito de razão embutido nas teses Iluministas, da Ilustração, ou mesmo de al-
guns partícipes de certo otimismo pedagógico não é o mesmo que o Banco Mundial
utiliza para defender ou emular o conhecimento nas nações subdesenvolvidas. O co-
nhecimento sugerido ao Terceiro Mundo é o saber como um produto acabado, feito
no Primeiro Mundo, passível de ser adquirido como uma mercadoria que, objetivada
em um pacote, pode ser apropriada por qualquer consumidor, segundo indicações
básicas de “como usar”, “vide bula”, presas ao próprio produto.
Nessa proposta, o conhecimento comprado, já empacotado, servindo para eli-
minar, de modo rápido, a defasagem entre ricos e pobres, apresenta a vantagem de
suprimir o tempo necessário para a descoberta dos conhecimentos já existentes. A
proposta só não revela que esse tempo reduzido, ou suprimido, quando da compra
de bens, de serviços, ou de pacotes científi cos e tecnológicos, tira do usuário a pos-
sibilidade de compreender, até as últimas consequências, a natureza, a confecção,
os passos para a produção, assim como os possíveis danos derivados do produto
4 A Unesco, expressando os interesses do Banco Mundial, contrata Edgar Morin para redigir os parâmetros educati-vos ideais do século XXI – o que ele realiza no livro: Os sete saberes necessários à educação do futuro. Também para dar continuidade a esse trabalho, Jacques Delors é convocado pelo mesmo organismo, e seu livro: Educação: um tesouro a descobrir, passa a ser disseminado, sistematicamente, transformando-se em cartilha básica para os professores dos diversos sistemas de ensino.
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adquirido. Tira do usuário a possibilidade de analisar e avaliar o material obtido via
mercado, uma vez que o consumidor não possui conhecimento teórico e/ou meto-
dológico para tanto.
Na perspectiva do Banco Mundial, no entanto, o desenvolvimento dos pobres
só é agilizado porque o consumidor do conhecimento-pronto é dispensado de en-
tender ou dominar todo e qualquer procedimento relativo àquilo que ele consome.
Fica desobrigado de levantar e de testar hipóteses sobre a efi ciência e efi cácia do
que adquire. Em nome do “necessário desenvolvimento econômico”, legitima-se
o direito de ser o conhecimento, em toda a sua grandeza, dimensão, extensão ou
complexidade, apenas uma propriedade dos países já ricos.
Na apologia do “tempo ganho”, do descarte do passado em direção ao futuro in-
questionável, do conhecimento sem os desafi os que antecedem as legítimas desco-
bertas, o comprador do pacote de conhecimento-pronto é induzido a desvalorizar os
meios apropriados de investigação, os métodos de pesquisa, as rotinas pertinentes, as
dúvidas científi cas formuladas e testadas com o aval de comunidades diversas. Sente-se
desobrigado de conhecer os nexos que unem a teoria à prática e eximido de conhe-
cer símbolos ou terminologias específi cas, atributos ou propriedades dos materiais.
Sente-se livre, dessa forma, da necessária disciplina para organizar dados, examinar
tendências, inquirir, ter familiaridade com critérios de julgamento, ou com estruturas
teóricas que permitem, inclusive, previsões antecipadas dos fenômenos. Comporta-
mentos trágicos para quem precisa aprender, mas esperados e /ou aconselhados, com
naturalidade, por quem detém o saber, de acordo com a frase do Informe:
Por otro lado, los países en desarrollo no tienen que reinventar la rueda ni las computadoras, ni redescubrir el tratamiento del paludismo. En vez de volver a descubrir lo que ya se sabe, los países más pobres tienen la posibilidad de adquirir y adaptar gran parte de los conocimientos ya disponibles en los paí-ses más ricos (BANCO MUNDIAL, 1998-1999, p. 2).
Suprimem-se pedagogicamente, nessa proposta, os atos intelectivos de compor e
de decompor as tecnologias, os símbolos, as representações, para o entendimento dos
produtos elaborados. Desvalorizam-se os passos próprios à formação da consciência
pesquisadora, produtiva. Estimula-se um voluntarismo destinado a implementar o já
constituído, como promessa de superação das desigualdades, embora o próprio texto
do Banco Mundial, contraditoriamente, propague: De hecho, la mayor diferencia es
la que existe no en el volumen de conocimientos disponibles sino en la capacidad de
generación de los mismos (BANCO MUNDIAL, 1998-1999, p. 2, grifos nossos).
Sem negar a importância de transmitir conhecimentos já produzidos pela
O conhecimento no projeto educativo da “sociedade do conhecimento”
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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humanidade em geral, afi rma-se o poder pernicioso do ideário e da prática que li-
mita o ato de conhecer à aplicação de saberes disponíveis no mercado do Primeiro
Mundo. Empreitada reducionista de valorização meramente mecânica de aplicação da
tecnologia já pronta. Opção nunca separada de sistemática propaganda, posto que os
argumentos a favor dessa proposta não escondem seu caráter político, explorador e
opressivo, como podemos ler no texto que segue:
Los factores fundamentales para la adquisición de conocimientos en el exterior son tres: un régimen comercial abierto, la inversión extranjera y la concesión de licencias de tecnología. [...] La concesión de licencias de productos tecnológicos desempeña un papel de creciente importancia en la adquisición de conocimientos por los países en desarrollo. [...]Al mismo tiempo que el mundo avanza hacia una economía basada en el cono-cimiento, se observa una tendencia a proteger mejor los derechos de propiedad intelectual. [...] Los países en desarrollo deben participar activamente en las negociaciones en curso so-bre estos temas, para poner de manifi esto su preocupación de que el endurecimiento de los derechos de la propiedad intelectual pueda inclinar la relación de fuerzas en favor de quienes generan la información y, al frenar la adaptación, agrande las diferencias de conocimientos (BANCO MUNDIAL, 1998-1999, p. 9, grifos nossos).
Na verdade, só esse conjunto de juízos emitido pelo Banco Mundial obriga a refl etir
sobre como se desenvolvem as relações de produção capitalista à época denominada
“Sociedade do Conhecimento”. Como podemos constatar, o ensino proposto para o
próprio desenvolvimento econômico já está comprometido, de certa forma, com a ne-
gação, “a priori,” da produção do saber mais avançado. O saber científi co e tecnológi-
co como propriedade de quem já o detém fi ca, nesse documento, claramente defi nido
como vendável a quem interessar possa. Para a educação básica, recomenda serem
levados aos alunos conhecimentos técnicos sobre nutrição, controle da natalidade,
programas de contabilidade e de informática, além de conhecimentos sobre ecologia
para impedir a degradação ambiental e manter a força dinâmica do trabalho sau-
dável (BANCO MUNDIAL, 1998-1999, p. 2, p. 10). Para o ensino universitário, reco-
menda serviços de qualidade [mas] de baixo custo, acentuando a escolha do ensino
em sua forma virtual. Orientações que confi rmam a redução dos conteúdos e a falta de
profundidade dos temas tratados pela escola. Enfi m, é a lógica da desinformação na
objetivação da Sociedade do (Des)Conhecimento5 .
5 Enquanto nos países desenvolvidos o percentual do Produto Interno Bruto destinado à educação beira os 5%, no Brasil esse percentual gira em torno de 3,7%. Mesmo com essa diferença, o Congresso cortou em 18% o orçamento para 2009 do Ministério da Ciência e Tecnologia. Convém lembrar, também, que, enquanto nos países do primeiro mundo os docentes universitários têm grau de doutor, no Brasi eles não passam de 30% nas universidades públicas, fi cando com um percentual muito inferior nas escolas privadas.
83
O CONHECIMENTO NO BRASIL (ENQUANTO “SOCIEDADE EM DESENVOLVIMENTO”) NA PERSPECTIVA DOS PROFESSORES
Dez anos após a publicação do documento do Banco Mundial aqui citado, torna-se
imprescindível interrogar os docentes brasileiros sobre o que, concreta e objetivamen-
te, eles entendem por “Sociedade do Conhecimento”. Importante interrogar, ainda, se
os professores estabelecem relações entre o “ideal educativo atual” (no Brasil e para o
Brasil) com os interesses econômico-fi nanceiros que operam em nível internacional.
Enfi m, se eles percebem quanto a pedagogia instituída, os métodos utilizados, o co-
nhecimento ou conteúdo proposto pelas Diretrizes Educacionais correspondem às de-
mandas do atual mercado que, hoje, estimulam mais consumidores do que produtores.
Questionamentos importantes, uma vez que, como propõe Batista Junior: “A ‘globaliza-
ção’ virou pau para toda obra. É desculpa para tudo e desfruta, além disso, da imortal
popularidade de explicações que economizam esforço de refl exão” (1998, p. 11).
A frase de Batista Junior é tão ou mais importante quando a pensamos no quadro de
aceitação em massa das orientações dadas pelo Banco Mundial. O peso do marketing a
favor das ideias educativas desenvolvidas por esse organismo fi nanceiro e alavancadas
pela Unesco é incomensurável. A Unesco capitaneou tanto a escolha e depuração dos
conteúdos para a escola da sociedade globalizada quanto a forma de pensar o ensino
e a aprendizagem. Cumpriu, portanto, com a função que a ONU lhe outorgou de or-
ganizar a educação, a ciência e a cultura necessárias ao “desenvolvimento” desejado.
Mesmo sem idealizar o sistema educacional como capaz de contrariar o sistema
produtivo no qual se insere, nunca se imaginou tanta adesão ao ideário neoliberal
que, sofi sticamente, trata de desenvolver o conhecimento na sociedade e, ao mesmo
tempo, retira dela as condições para tal realização. Edgar Morin e Jacques Delors,
encarregados pela Unesco de detalhar o conteúdo e os procedimentos educativos ne-
cessários às novas demandas do capital, transformaram-se em ícones; com Perrenoud,
fazem um trio imbatível em termos de credibilidade didática e de citações em projetos
pedagógicos de qualquer instância, de qualquer nível no Brasil.
Edgar Morin, autor de extensa obra, redige, conforme o solicitado, no fi nal dos
anos 1990, os parâmetros educativos ideais para o século XXI, expostos em seu livro:
Os sete saberes necessários à educação do futuro. Para dar continuidade a esse tra-
balho, também Jacques Delors é convocado pelo mesmo organismo, e seu livro, Edu-
cação: um tesouro a descobrir, é disseminado, sistematicamente, nos mais diversos
sistemas de ensino, transformando-se em verdadeira bíblia da pedagogia.
Confi rmando a tese de que nunca se abordou tanto acerca da importância do co-
nhecimento e nunca, com tanta ênfase, se o desmereceu, optamos por arrolar alguns
aconselhamentos dados por esses intelectuais tão prestigiados. Morin, ao iniciar sua
O conhecimento no projeto educativo da “sociedade do conhecimento”
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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obra, colocando em dúvida o conhecimento existente, alerta para os erros e ilusões do
saber e chama os professores a duvidarem da racionalidade que comandou o que já foi
descoberto. Para ele, características cerebrais, mentais e culturais podem levar a juízos
falsos, a desacertos, a incorreções. Sem tocar nos progressos, como os da robótica, da
biotecnologia, dos supercondutores, da informática médica, da engenharia de alimen-
tos, da engenharia clínica, entre tantas outras práticas concretizadas com sucesso pelo
saber teórico existente, Morin induz à dúvida sistemática sobre tudo o que já foi dito e
feito. Formar futuros profi ssionais, habilidosos, com domínio dos saberes necessários
às áreas citadas e em expansão não teria lugar no rol de objetivos das escolas. Aprego-
ando e repetindo inúmeras vezes a impossibilidade de conhecer as coisas tais como
elas são, esses intelectuais inviabilizam não só o ensino de conteúdos pertinentes a
essas áreas como o crédito na própria razão.
Delors (2001), com proposta similar à de Morin, criticando a obsessão de acesso ao
ensino superior (p. 23), criticando a bagagem escolar que considera excessivamente
pesada (p. 89), afi rmando, fundamentalmente, que a educação deve reanimar e for-
talecer o potencial criativo e a autonomia de cada aprendiz frente ao já existente
(p. 90), não repassa aos seus leitores uma valorização respeitosa dos conhecimentos
teóricos que, no mínimo, movem as nações mais desenvolvidas. O primeiro princípio
educativo por ele defendido, aprender a aprender, de fato mera tautologia, induz
os professores em geral a privilegiarem as possibilidades subjetivas do educando em
detrimento da conquista daquele saber que fez e faz das nações ricas as legítimas pro-
prietárias dos conhecimentos que negociam.
Perrenoud (1999), por outro lado, interessado na formação dos profi ssionais
da educação, dando uma nova dimensão à palavra competência, sugere não estar a
mesma relacionada, imediatamente, com o domínio e/ou a profundidade dos conhe-
cimentos específi cos de uma área. Reconceituando a competência, divide-a em dez
campos, os quais, se atendidos, mostrariam a relevância de um professor. São eles:
1) capacidade de organizar as situações de aprendizagem que inclui saber trabalhar a
partir das representações dos alunos; 2) administrar a progressão das aprendizagens;
3) conceber e fazer evoluir dispositivos de diferenciação, incluindo a administração da
heterogeneidade no interior dos grupos; 4) comprometer os alunos com sua aprendi-
zagem e seu trabalho, suscitando neles o desejo de aprender; 5) trabalhar em equipe;
6) participar da gestão da escola; 7) informar e inserir os pais na instituição; 8) usar
novas tecnologias; 9) enfrentar os deveres e os direitos éticos da profi ssão; e 10) admi-
nistrar sua formação continuada.
Nesse quadro de responsabilidades propostas aos professores, não encontramos,
em nenhum item, preocupação mais imediata com o saber dito científi co, exigente e
85
de aprofundamento constante que, por outro lado, necessita, para esse mesmo apro-
fundamento, muitas informações e dados anteriores. Condenando os paradigmas em
geral, sem qualquer análise histórica, vinculando-os a opções pessoais, os atuais repre-
sentantes da intelectualidade educativa direcionam, de modo consistente, a educação
do século XXI para a negação do conhecimento, para a negação das bases epistemoló-
gicas que sustentaram e sustentam a tecnologia do mundo desenvolvido.
Ora apelando para práticas pedagógicas mais modernas, ora para o descrédito no
Racionalismo, no Iluminismo, ora para a importância da subjetividade em detrimento
da objetividade, os pedagogos pós-modernos condenam todo e qualquer sistema de
interpretação dos homens em suas relações com o mundo. Quer na perspectiva das
humanidades (da história, da fi losofi a, da política, das artes), que auxiliam o reconhe-
cimento de necessidades sociais e/ou a elaboração de diversos projetos de vida, quer
na perspectiva das ciências duras (ou exatas), que concretizam descobertas importan-
tes na área da mecânica, qualquer sistema é, por dever de ofício na pós-modernidade,
negado como verdade.
Interessante é que a condenação feita por esses autores a qualquer sistema já pro-
duzido no mundo das ideias, a qualquer paradigma, confronta-se, contraditoriamen-
te, com o sistema ou o paradigma proposto por eles para a educação do século XXI.
Como dar crédito a intelectuais que condenam sobejamente o autoritarismo teórico,
a obediência aos paradigmas anteriores, enquanto oportunizam uma coerção cultural
em direção as suas teses? Por que somente as orientações fornecidas por eles precisam
ser aceitas como sendo as “legítimas havainas”? Por que se confere crédito a um siste-
ma de ideias quando esse mesmo sistema de ideias afi rma não ser válida a transmissão
de conhecimentos? Por que se autoriza um modelo educativo que afi rma não existir
verdades defi nitivas, tampouco, a possibilidade de generalização de princípios?
Tentando responder às perguntas dadas, levantamos uma hipótese para o enten-
dimento dessa capacidade docente de crer no inacreditável. Procuramos identifi car,
na obra desses autores, o que realmente unifi ca tantas contradições e o que congrega
tantos professores. Nesse levantamento, três palavras, pela insistência e valor atribuído
a elas, merecem ser destacadas: compreensão, tolerância e solidariedade. Segundo
os autores, todo e qualquer projeto pedagógico não pode deixar de tê-las como plata-
forma básica. À escola é, pois, dada a função de (ao invés de oferecer conhecimentos)
estimular atitudes reguladas pelo afeto, pela sensibilidade, pela admissão incondicio-
nal de todo e qualquer modo de ser, de todo e qualquer modo de pensar e/ou de
sentir dos seres humanos. Enfi m, a escola passa a assegurar que “só o amor constrói”,
repassando, assim, uma pedagogia hipócrita para um mundo ávido de competição e
de ganhos fi nanceiros escandalosos.
O conhecimento no projeto educativo da “sociedade do conhecimento”
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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O tempo de escolarização serve, dessa forma, para garantir a fantasia de que somen-
te teremos um mundo melhor pela renovação de princípios cristãos, ou, ainda, pela
introjeção didática de comportamentos não egoístas nos alunos. Importante lembrar,
no entanto, que se esses atributos fazem bem à alma de qualquer cidadão, podemos
pontuar que eles, na “Sociedade do Conhecimento”, fazem bem melhor à alma dos
comerciantes, dos vendedores do saber pronto, sediados nos países desenvolvidos!
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Referências
87
1) Procure no site do INEP os dados estatísticos que revelam o desempenho dos alunos dos Ensinos Fundamental e Médio, em português, matemática e ciências, nos últimos dez anos. Assinale a diferença no rendimento dos estudantes ao longo desses anos. Faça uma breve exposição das possíveis causas desses resultados e estime os resultados em termos de desenvolvimento da nação brasileira.
Proposta de Atividade
Anotações
O conhecimento no projeto educativo da “sociedade do conhecimento”
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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Anotações
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Maria Eunice França Volsi
As rápidas mudanças que têm marcado a sociedade contemporânea, como o avan-
ço científi co e tecnológico, a globalização da economia e principalmente o fato de o
conhecimento ter se transformado no principal recurso no processo de produção,
fazem com que os homens de nossa época se preocupem mais com a formação e con-
sequentemente com a educação. Diante desta nova realidade, é atribuída à educação
a responsabilidade de formar e educar os homens de acordo com as necessidades da
sociedade atual, também denominada sociedade do conhecimento. Neste sentido, é
necessário entendermos as funções atribuídas à escola, bem como os desafi os postos
a ela no contexto atual.
As transformações que estão ocorrendo na sociedade trazem desafi os que, para se-
rem enfrentados, exigem um novo comportamento, uma nova visão do futuro dos ho-
mens. Essas transformações são frutos do avanço da ciência e da tecnologia às quais os
homens recorrem para sanar suas diversas necessidades, especialmente a necessidade
de acumular mais e mais capital. A sociedade pode ter mudado e inovado as formas
de acumular riqueza, mas ainda é uma sociedade capitalista. Apesar das mudanças na
forma de produzir e se organizar que vêm ocorrendo desde a sua criação e das ino-
vações pelas quais tem passado de forma mais intensiva nos últimos tempos, muitas
das características que lhe dão sustentação, como, por exemplo, o individualismo, a
acumulação de capital, a exploração de uma classe em favor de outra, permanecem.
Juntamente com os avanços científi cos e tecnológicos, temos também a globalização
da economia, que passa a exigir dos homens novas formas de agir tanto nos negócios
quanto na própria vida. Temos ainda o conhecimento como princípio ativo no processo
de produção; ele passou a ser o recurso determinante nessa nova fase da sociedade
capitalista, denominada também Sociedade do Conhecimento.
Todas essas transformações requerem um novo tipo de educação, mas como com-
preendê-la, especialmente a educação escolar, nesse contexto? Como entender e de-
terminar o papel da escola em uma sociedade dita Sociedade do conhecimento, que
expressa a transição para uma outra forma de ser que ainda desconhecemos e sobre a
As funções sociais da escola na atualidade
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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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qual podemos apenas conjeturar?
São estas as questões que desenvolveremos e analisaremos na perspectiva socioló-
gica neste capítulo. Um tanto complexa, sabemos, diante da materialidade, mas por
isso mesmo necessária para podermos entender como se situa a educação, em especial
a escolar, em meio a essas atribulações.
AS FUNÇÕES DA ESCOLAA escola, desde a sua origem, sempre atendeu, de certa forma, às necessidades
postas pelos homens, necessidade estas advindas do próprio processo de produção.
De acordo com Ferreira (1998, p. 8),
A educação, a escola que, segundo a própria história, nada mais são do que a sistematização de uma resposta necessária às questões da formação dos seres que fazem essa sociedade, certamente não poderia seguir por um caminho di-ferente. Do mesmo modo que a Didática Magna de Comênio fora à elaboração, segundo a interpretação, das respostas no campo educacional, às demandas da sociedade naquele momento, hoje a escola tem que ser repensada, projeta-da para a satisfação das necessidades competitivas ditadas pelo mercado (grifo nosso).
Essa afi rmação acerca da função atual da escola pode ser encontrada na vasta lite-
ratura sobre a qualidade total na educação. Nela, a educação é vista como uma merca-
doria (de boa ou de má qualidade) e a escola como uma empresa fornecedora dessa
mercadoria que qualquer cliente (aluno, pais, sociedade) poderá comprar.
Entendemos que a escola precisa estar em consonância com as necessidades do
mercado, mas não deve existir somente para atendê-lo, pois desta forma estaria redu-
zida sua função, a qual também deveria ser a de formar um cidadão crítico, pensante e
apto a lidar com todas as situações que possam surgir na vida. Estas não se resumem
apenas às estabelecidas pelas relações econômicas, apesar de serem importantes e
necessárias para entendermos a educação e a escola.
Pensada dessa forma, a escola é, como explica Guareschi (1994), uma instituição
criada pela classe dominante para reproduzir seus interesses, sua ideologia e garantir
as relações de produção. Neste sentido, acrescenta o autor, a escola hoje desempenha
duas funções principais: “preparar mão-de-obra para o capital” e “reproduzir as rela-
ções de dominação e de exploração” (GUARESCHI, 1994, p. 72).
É preciso, portanto, que a escola não se limite a reproduzir as relações existentes
na sociedade. Para tanto, se faz necessário pensar na qualidade da educação escolar.
O desafi o da qualidade coloca-se para a escola em dois níveis. Na realidade, ela deve
estar equipada para permitir dois tipos de qualidade. Uma é a formal, caracterizada es-
sencialmente pelo domínio de técnicas, pela capacidade de manejo de instrumentos
91
e de procedimentos científi cos. A outra é a política, traduzida em uma capacidade de
o sujeito fazer sua própria história, diante dos fi ns históricos da sociedade humana
(DEMO, 1993, p. 115).
Ou seja, a escola deve buscar o conhecimento aliado às qualidades formal e políti-
ca. Por isso, Demo (1993, p. 16) afi rma que “não há como se chegar à qualidade sem a
educação, bem como não será educação aquela que não se destinar a formar o sujeito
histórico, crítico e criativo”.
Pensando nessas funções atribuídas à escola na sociedade atual, destacamos vários
estudiosos da educação e da sociedade contemporânea que defi nem a função e/ou
papel da escola no contexto atual. Vejamos alguns destes autores e suas afi rmações:
[...] a escola tem um papel insubstituível quando se trata de preparação das no-vas gerações para enfrentamento das exigências postas pela sociedade moder-na, ou pós-industrial [...] Tem, pois, o compromisso de reduzir a distância entre a ciência cada vez mais complexa e a cultura de base produzida no cotidiano, e a provida pela escolarização. [...] tem também, o compromisso de ajudar os alu-nos a tornarem-se sujeitos pensantes, capazes de construir elementos catego-rias de compreensão e apropriação crítica da realidade. A escola de hoje precisa propor respostas educativas e metodológicas em relação às novas exigências de formação postas pelas realidades contemporâneas como a capacitação tecnoló-gica, a diversidade cultural, a alfabetização tecnológica, a superinformação, o relativismo ético, a consciência ecológica (LIBÂNEO, 1998, p. 10).
[...] a escola tem uma função específi ca educativa, propriamente pedagógica, ligada a questões do conhecimento; é preciso, pois, resgatar a importância da escola e reorganizar o trabalho educativo, levando em conta o problema do saber sistematizado, a partir do qual se defi ne a especifi cidade da educação escolar (SAVIANI 1997, p. 114).
o papel da escola é de ser o lugar próprio onde se inicia e se sedimenta a capaci-dade de manejar e produzir conhecimentos, considerada a condição primordial da oportunidade de desenvolvimento.[...] o papel da escola [...] é o de assumir a condição de lugar de formação de um tipo essencial de competência frente a formação da cidadania e frente às mudanças na sociedade e na economia (DEMO, 1993, p. 244).
[...] a escola precisa propiciar um ambiente em que os professores e alunos sujeitos do processo possam gestar projetos conjuntos que propiciem a pro-dução de conhecimento. Neste contexto a escola deve se apresentar como um ambiente inovador transformador e participativo, no qual os alunos e os pro-fessores sejam reconhecidos como sujeitos capazes de inovar e de produzir conhecimento (BEHRENS, 1999, p. 90-91).
Podemos verifi car que não são poucas as funções atribuídas à educação escolar
dos nossos dias. Mas será que a escola que temos está preparada para assumir essas
responsabilidades?
Quando fazemos essa indagação, estamos nos referindo à escola como um todo, a
As funções sociais da escola na atualidade
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
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sua estrutura física, a seu corpo docente, a suas condições fi nanceiras, a seu currículo,
enfi m, em sua capacidade pedagógica e, politicamente, estamos nos referindo também
ao papel que lhe é imposto pela sociedade, que é o de formar os futuros cidadãos, a
nova geração que desponta.
Lembremos, no entanto, que a escola não está sozinha na tarefa de educar; ela
compartilha a tarefa de socialização do saber com várias outras instâncias comunica-
tivas, empresariais e principalmente com a mídia. Muitos serviços instrucionais são
prestados por instituições capacitadoras, cujos objetivos mais específi cos são os ades-
tramentos e reciclagens para o mercado de trabalho. Mercado este tão concorrido que
chega a gerar uma contradição: ao mesmo tempo em que se exige constante formação,
assistimos ao desemprego em massa e a substituição crescente da mão-de-obra huma-
na por uma “máquina inteligente”.
EDUCAÇÃO ESCOLAR E CRESCIMENTO ECONÔMICODe acordo com o relatório da Unesco, Delors (1998, p. 69) propõe que a ciência
e a educação são os “motores principais do progresso econômico”. Isso signifi ca que
uma nação tende a prosperar mais economicamente conforme se dá mais atenção à
educação e ao nível de desenvolvimento humano de sua população.
Partindo dessa premissa, especialmente nos países em desenvolvimento considera-
se que o investimento em educação é de suma importância para se alcançar ou pelo
menos acompanhar o desenvolvimento econômico dos países desenvolvidos.
Essa ideia de que a educação pode acelerar o progresso econômico, apesar de am-
plamente difundida na sociedade atual, tem sua origem na teoria do capital humano
criada nos anos cinquenta. Segundo essa teoria, acreditava-se que, a partir do investi-
mento no homem, elevar-se-iam suas condições de produtividade e consequentemen-
te seu nível de vida. No momento atual, observamos uma retomada desses preceitos,
embora as condições políticas e econômicas sejam diferentes das daquela época.
A teoria do capital humano tem sido utilizada para justifi car a necessidade do ajuste
entre o sistema produtivo e as políticas educacionais como condição para a prosperi-
dade econômica. O conhecimento é concebido como capital, capaz de trazer retorno
considerável e aumentar a produtividade e a acumulação de capital, melhorando a
qualidade de vida.
O Banco Mundial, órgão que vem fi nanciando a educação nos países em desen-
volvimento, considera a educação básica e o investimento em capital humano como
ponto chave para o desenvolvimento econômico e redução da pobreza. Constatemos
essa premissa no documento do Banco Prioridades y Estrategias para la Educacion
– estudio sectorial del Banco Mundial de maio de 1995:
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A educação, em particular o ensino primário e o secundário de primeiro ciclo,
tem importância fundamental para o crescimento econômico e a redução da pobreza,
especialmente agora que as estruturas do mercado de trabalho estão experimentando
enormes transformações decorrentes da evolução tecnológica e da reforma econômica.
O Banco Mundial considera também o investimento em capital humano como “mo-
tor principal do crescimento” (BANCO MUNDIAL, 1995, p. xxxii). Por isso, nos últimos
anos, tem-se dedicado mais intensivamente à universalização da educação básica, à
qualidade e à inovação tecnológicas.
A educação é vista como investimento capaz de promover a mobilidade social, daí
é compreensível a pregação de que deve haver ajuste entre a educação e as demandas
criadas pelo sistema produtivo.
Para ajustar a educação às demandas do mercado atual, é preciso que se levem em
consideração as transformações constantes no sistema produtivo.
Já não se trata de pedir aos sistemas educativos que formem mão-de-obra para em-
pregos industriais estáveis, mas sim que formem, para a inovação, pessoas capazes de
evoluir, de se adaptar a um mundo em rápidas mudanças e capazes de dominar essas
transformações.
Essa metamorfose pela qual a sociedade como um todo vem passando é relatada
também no já referido documento do Banco mundial. Vejamos:
A economia e os mercados de trabalho estão experimentando mudanças enor-
mes no mundo todo. A tecnologia, o comércio internacional, a desregulamentação
da economia e do mercado de trabalho e a migração estão mudando as estruturas
de emprego dos países em desenvolvimento. A rapidez com que se adquirem novos
conhecimentos e se produzem as mudanças tecnológicas implica a possibilidade de
se alcançar um crescimento econômico sustentado, de forma que as mudanças de
emprego serão mais frequentes na vida das pessoas. Observamos a utilização cada vez
menor do trabalho manual, empregos mais abstratos que se separam cada vez mais da
produção pelo esforço físico.
A essa realidade não basta, portanto, que a escola forme o trabalhador para do-
minar conhecimentos primários, como no taylorismo e no fordismo, em que a em-
presa se encarregava do treinamento necessário à execução do trabalho. Atualmente,
sendo o conhecimento o principal fator no processo produtivo e devido ao avanço
tecnológico, os empregos nas indústrias tornaram-se instáveis, passíveis de mudanças
constantes. Ampliaram-se, assim, neste novo contexto histórico, as responsabilidades
da educação escolar.
Para que a escola tenha sucesso na adequação às novas demandas que lhe são impos-
tas, é preciso responder às necessidades geradas pelo mercado.
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Como bem propaga o documento do Banco Mundial: “está cada vez mais evidente
que para se ter êxito neste novo mundo os países devem por em prática reformas ba-
seadas no mercado e continuar investindo em conhecimento” (1995, p. xxxii). Isto se
aplica também às reformas educacionais, uma vez que a educação e o investimento em
capital humano são considerados como principais recursos para o desenvolvimento.
Com a transformação do conhecimento no princípio ativo do processo produtivo,
este passou a ser considerado um capital decisivo para o desenvolvimento da socie-
dade como um todo, principalmente no que se refere ao aspecto econômico, já que
quanto maior a detenção e a produção de conhecimento, maior a possibilidade de
aumento da produtividade e consequentemente de produção de riqueza.
Isso signifi ca que o grande capital de uma empresa hoje é o conhecimento que ela
possui, ou seja, as pessoas (cérebros) passam a ser vistas como capital intelectual da
empresa.
Se, na Revolução Industrial, o que representava o potencial de uma indústria eram
as máquinas que esta possuía, hoje, com a disseminação das máquinas, o que realmen-
te tem determinado o potencial produtivo de uma empresa é o conhecimento.
É o potencial de conhecimento que também tem classifi cado um país como desen-
volvido ou em desenvolvimento. Se o conhecimento se tornou o diferencial no pro-
cesso de desenvolvimento e se é delegada à educação, especialmente a escolar, a tarefa
de transmitir e ao mesmo tempo produzir conhecimentos, então, uma escola e uma
nação que consigam trabalhar neste sentido estarão respondendo às necessidades da
sociedade atual.
A situação, porém, não é tão simples assim. Países em desenvolvimento até conse-
guem formar muitos profi ssionais com alto potencial cognitivo, mas nem sempre são
capazes de mantê-los. Estes, em busca de melhores salários e melhores condições de
trabalho, como aventa Delors, “emigram para os países ricos onde as suas potenciali-
dades podem ser mais bem utilizadas e remuneradas” (1998, p. 73).
Nesse âmbito, parece não ser sufi ciente formar profi ssionais com altos níveis de
conhecimento, que representem o capital intelectual de seu país; é necessário que lhes
sejam dadas as condições para que aí permaneçam e apliquem seus conhecimentos.
Parece evidente que o problema não é tanto formar profi ssionais com capacidade
de produzir conhecimentos, mas sim conseguir manter essa elite detentora e produ-
tora de conhecimentos.
É claro que esses profi ssionais representam uma pequena fração da população,
pois ainda é predominante, particularmente nos países pobres, uma grande massa
da população em condições precárias, cujo acesso a qualquer tipo de conhecimento,
especialmente o formal, é restrito. Traduzindo, a pobreza intelectual acaba imperando
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nos países pobres.
Diante dessa situação, será que realmente a educação via escola poderá resolver ou
pelo menos amenizar os problemas desses países? Será que, diante da problemática
exposta, basta produzir e transmitir conhecimentos para que se possam resolver pro-
blemas que são frutos das próprias relações estabelecidas entre os homens no meio
social em que vivem?
Verifi camos, no entanto, que é a forma de produção e organização da socieda-
de que determina qual formação, qual educação se faz necessária em cada momento
histórico. São as relações produtivas entre os homens que, direta ou indiretamente,
estabelecem as prioridades educacionais e o papel da escola na sociedade.
ASSMANN, Hugo. Reencantar a Educação: rumo à sociedade aprendente.
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Referências
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1) Como a sociologia da educação pode contribuir para que a escola não seja apenas, como explicam alguns autores, reprodutora das relações capitalistas de produção e possa contribuir para a transformação das relações de exploração existentes na socie-dade?
Proposta de Atividade
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Anotações
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Anotações
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Íris Yae Tomita / Teresa Kazuko Teruya / Vanderlei Siqueira dos Santos
O tema “escola, ideologia e indústria cultural” pode ser tratado de diferentes pers-
pectivas. Neste capítulo, procuramos resgatar, de forma sintética, como a escola se
universalizou com a criação do sistema nacional de ensino, bem como abordaremos
as difi culdades de sua implementação no Brasil. Em seguida, com base em alguns
conceitos, procuramos refl etir sobre o poder da indústria cultural, sua ideologia e seus
refl exos na escola.
BREVE HISTÓRICO DA ESCOLAA escola, tal como a conhecemos hoje, foi criada e idealizada segundo o projeto
burguês de educação, ou seja, para viabilizar a sociedade burguesa e efetivar o sistema
capitalista de produção. Especialmente a partir do século XVIII, as transformações
sociais, econômicas, culturais e políticas, que acompanharam as revoluções burguesas
na Europa e o processo de industrialização e urbanização exigiam a formação de tra-
balhadores qualifi cados para ocupar os postos de trabalho e a instrução do povo, uma
vez que este precisava ser adaptado ao novo modo de produção industrial.
No Brasil, a ideia de sistema nacional de ensino só surgiu no século XIX,
a partir do Regulamento de 1854, decorrente da ‘Reforma Couto Ferraz’. Esse Regulamento, baixado em 17 de fevereiro de 1854 pelo Ministro do Império Luiz Pereira do Couto Ferraz, estabelecia em seu artigo 64 a obrigatoriedade do ensi-no, determinando uma multa de 20.000 a 100.000 réis aos pais ou responsáveis por crianças de mais de sete anos que a elas não garantissem o ensino elementar, dobrando-se a multa em caso de reincidência (SAVIANI, 2004, p. 253).
No entanto, nesse período, a criação desse sistema enfrentava as difi culdades de-
correntes das precárias condições materiais, considerando que a construção de redes
de escolas em todo o território nacional dependia de recursos fi nanceiros para investir
na educação. Nas últimas décadas do Império, o debate relativo à importância da edu-
cação nacional e da criação da escola foi intenso, mas os projetos de instrução em nível
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nacional também não se realizaram por falta de investimento fi nanceiro.
Com a Proclamação da República, capitaneada pela oligarquia cafeeira, o projeto
foi abandonado, sendo retomado somente em meio à crise da década de 1920. Nessa
época, realizava-se a “Semana de Arte Moderna”, com o caráter nacionalista que lhe
deram as novas correntes culturais de São Paulo e Rio de Janeiro. Era uma tentativa de
romper com os modelos europeus e olhar para “as coisas de nosso País, para as carac-
terísticas de nossa terra e de nossa gente, nossos costumes e realidades, que até então
desprezávamos e desconhecíamos completamente” (LEMME, 1984, p. 259).
No bojo dessas transformações, os educadores brasileiros, engajados no movimen-
to progressista, denunciavam a situação precária das escolas e dos métodos de ensino.
Os debates em torno do pensamento educacional não surgiram espontaneamente.
Foram impulsionados pelas transformações no mundo industrial e pelas ideias de re-
novação dos métodos na Europa pós-guerras. Era o movimento da Escola Nova, que
defendia o método baseado na psicologia infantil, no respeito à personalidade e ao
interesse da criança contra a velha pedagogia coercitiva dos jesuítas. Havia uma crença
de que a educação poderia substituir o espírito de revoltas e guerras pelo espírito de
diálogo, de debates e de decisões em assembleias, a fi m de conduzir a humanidade
para a paz e a harmonia.
Após a Revolução de 1930, passou a ser discutida a necessidade da implantação de
rede escolar em nível nacional. No Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova em 1932
foram traçadas as diretrizes da nova política nacional para a educação escolar no Brasil.
Segundo Lemme (1984), esse documento histórico teve um caráter abrangente e, na
história da educação no Brasil, foi o único nesse gênero.
Após 26 anos do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, em 1959, o problema
da instrução escolar novamente voltou ao palco dos debates. No Congresso Nacional
tramitou outro documento: o Manifesto dos Educadores Democráticos em Defesa do
Ensino Público. Florestan Fernandes (1966) denunciava a precariedade da instrução
popular e o descaso das camadas dominantes em relação à universalização da instru-
ção primária. Para o autor, esse comportamento da elite favoreceu o crescimento da
miséria e o atraso no desenvolvimento social. Os defensores da educação popular
argumentavam que a necessidade de expansão da escola pública era condição para
a democratização da cultura, da riqueza e do poder, cujo resultado levaria o país ao
crescimento econômico e ao desenvolvimento social e cultural.
Atualmente, a ideologia neoliberal vem dominando o processo de globalização e
defi ne a produtividade, a efi ciência e a competitividade como indicativos da qualidade
total. Desse ponto de vista, a pesquisa deve ser de cunho prático e utilitário, uma vez
que deve atender às necessidades do mercado. A privatização é a meta do projeto
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neoliberal de educação, que atrela a escola e a universidade pública aos critérios mer-
cantis de produtividade.
As teorias crítico-reprodutivistas, adverte Saviani (1995), denunciam a função da
escola como reprodutora da ideologia burguesa na sociedade, a qual atua de forma
discriminadora e repressiva. Dentre os sociólogos que, na década de 1970, exerceram
infl uência sobre os educadores brasileiros, podemos citar Pierre Bourdieu e Passeron,
os quais elaboraram a teoria da violência simbólica. De acordo com essa teoria, a es-
cola impõe arbitrariamente a cultura dos grupos ou classes dominantes aos grupos ou
classes dominados. Essa imposição vem da autoridade pedagógica e do poder arbitrá-
rio que se encontra na autoridade legítima. Louis Altusser procurou demonstrar que
a ideologia se materializa nos Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE); assim, o Estado
impõe sua ideologia por meio do AIE religioso, AIE escolar, AIE familiar, AIE jurídico,
AIE político, AIE sindical, AIE da informação e AIE cultural.
Se Altusser já denunciava a escola como um AIE que reproduz a ideologia burgue-
sa, podemos enunciar que, hoje, os aparatos da mídia são mais efi cientes para trans-
mitir a ideologia, uma vez que se utilizam do entretenimento para seduzir o público. A
expansão e a diversifi cação das tecnologias de informação e comunicação lançadas ao
mercado oferecem, com suas inovações e técnicas de manipulação, recursos cada vez
mais sofi sticados. Por isso, é necessário analisar criticamente as mensagens da mídia e
desvendar a ideologia que ela propaga. Entendemos que, para identifi car a ideologia
da mídia, é necessário compreender a ação da indústria cultural no processo educati-
vo, como veremos a seguir.
IDEOLOGIA E INDÚSTRIA CULTURALPrimeiramente, é preciso esclarecer que entendemos o conceito de ideologia como
falseamento da realidade, conforme a perspectiva do materialismo histórico cunhada
por Marx e Engels. Como a teoria crítica desenvolvida pelos pensadores da Escola de
Frankfurt muito contribuiu para enriquecer as nossas refl exões sobre a infl uência da
indústria cultural no processo de difusão da ideologia burguesa e da racionalidade
técnica, vamos nos dedicar um pouco a ela.
Na cidade de Frankfurt, Alemanha, a partir da década de 1920, um grupo de inte-
lectuais formava o Instituto de Pesquisa Social, o qual fi cou conhecido como Escola de
Frankfurt. Dentre eles, podemos citar Herbert Marcuse, Erik Fromm, Valter Benjamim,
Jürgen Habermas e, especialmente, Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, que de-
senvolveram análises críticas referentes ao engodo da razão iluminista e dos sistemas
totalitários nazifacistas da cultura massifi cada, entendida como elemento de controle
opressivo e dominação.
Escola, ideologia e indústria cultural
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De acordo com Bruno Pucci (2003), em 1930, Horkheimer foi nomeado diretor da
escola, que, em 1933, foi transferida para Genebra, Suíça. Um ano depois, Horkheimer
e Adorno foram para os EUA, onde escreveram o livro: Dialética do Esclarecimento,
considerado um clássico do pensamento do século XX. Segundo estes dois pensadores
alemães banidos para um território norte-americano, ponto mais desenvolvido do capi-
talismo monopolista, o capitalismo, por via da razão iluminista, prometia tirar o homem
da tutela do trono e do altar e dar a ele condições e autonomia. No entanto, enfeitiçado
pelo vertiginoso “progresso” da dimensão instrumental dessa mesma razão, conduziu o
homem a uma nova tutelagem: ser escravo das tecnologias que ele mesmo criou.
O termo “indústria cultural” foi usado pela primeira vez em 1947, por Adorno e
Horkheimer, na obra Dialética do Esclarecimento. Segundo esses pensadores alemães,
nos EUA, sociedade representante da emergência das transformações tecnológicas trazi-
das pelo capitalismo, o cinema era indústria, ao passo que na Europa era arte. Para enten-
der essa ideia, que a priori parece preconceituosa, é preciso compreender o conceito de
Indústria cultural cunhado por Adorno e Horkheimer.
Gabriel Cohn (1994) assinala que o termo indústria cultural foi criado com o intuito
de desvendar o caráter fetichista e manipulador do processo de produção e veiculação
da cultura. Desfaz-se, desse modo, a ambiguidade do termo cultura de massa. Em lugar
de este ser expressão de uma cultura procedente das massas, o que implicaria um sen-
tido democrático e popular, sobressai a dimensão totalitária, administrada, dirigida e,
em consequência, estandardizada e alienante com que atinge as massas. Não se trata,
portanto, de uma cultura surgida espontaneamente das próprias massas, feita pelas
massas, mas de uma cultura feita para as massas. O termo indústria cultural torna-se
mais apropriado para conceituar o papel alienante e fetichista que a produção dos
bens culturais passou a ter no processo de desenvolvimento da sociedade industrial.
Ele revela uma cultura comprometida com os aparatos instrumentais gerados pela
sociedade industrial. A cultura passa a ter, neste sentido, uma dimensão massifi cada e,
perdendo o seu caráter de consistência civilizadora e emancipatória, exerce uma fun-
ção ideológica de adaptação do indivíduo ao contexto historicamente determinado.
Adorno e Horkheimer alertam para o fato de que a indústria cultural traz consigo a
ideologia do capital, perpetuando, por meio de seus aparatos, a exclusão e a explora-
ção. “O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquistou seu poder sobre a
sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A
racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter com-
pulsivo da sociedade alienante de si mesma” (ADORNO; HORKHEIMER, 1994, p. 114).
Nas relações com o mundo, o ser humano tem necessidade de simbolizar o seu
cotidiano e esses símbolos passam a representar essas relações. A indústria cultural
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penetra nessas formas de representações subjetivas construídas pelos indivíduos,
transformando-as em mercadorias, dando a falsa impressão de que eles são reconhe-
cidos e integrados socialmente e não administrados em seus desejos e atitudes. Dessa
forma, ao invés da indústria cultural possibilitar aos sujeitos uma experiência eman-
cipatória, acaba reforçando os estereótipos com os quais a subjetividade humana está
comprometida.
INDÚSTRIA CULTURAL E CONSUMISMOAdorno e Horkheimer (1994) alertam para a violência com que a indústria cultural
leva os indivíduos ao consumo desenfreado de mercadorias. Os indivíduos não têm
nenhuma forma de resistência a essa tendência porque não percebem o mecanismo
de tal sistema.
Essa é uma questão de fundamental importância para a compreensão dos aparatos
da indústria cultural e que nem sempre é bem entendida. A violência da indústria cul-
tural não está manifestada apenas no consumo de algum produto material específi co
dessa indústria, e sim no consumo do todo da indústria cultural, que está latente em
um determinado produto. Mais do que um produto, consome-se uma ideologia. Por
trás de um determinado produto há uma estereotipia que faz parte do todo da indús-
tria cultural e que se revela nesse particular. Não basta ver um produto, um programa
ou um ator da mídia, por exemplo, como alienantes. Não são estes que alienam a
sociedade, eles também são fruto de um processo alienante. Alienante porque leva
o indivíduo a uma falsa experiência do real, mantendo uma relação de dominação e
reforçando a incapacidade de superação. Da mesma forma, quando se consome uma
determinada mercadoria, consomem-se também as relações de subordinação nela
imbricadas.
INDÚSTRIA CULTURAL E ENTRETENIMENTOAdorno e Horkheimer (1994) pontuam que a indústria cultural permanece a in-
dústria da diversão. Mas o puro entretenimento, entendido como o abandono des-
contraído à multiplicidade das associações e ao absurdo feliz, é cerceado e estorvado
pelo entretenimento corrente que a indústria cultural teima em acrescentar a seus
produtos. O logro, pois, não está no fato de a indústria cultural propor diversão, mas
no fato de ela estragar o prazer, uma vez que envolve seu tino comercial nos clichês
ideológicos da cultura em vias de se liquidar a si mesma. Os autores preconizam que:
a diversão não passa de simples prolongamento do trabalho mecanizado e pos-sui, por isso, uma doença incurável. ‘O espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o produto prescreve toda reação [...] Toda
Escola, ideologia e indústria cultural
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ligação lógica que pressupunha um esforço intelectual é escrupulosamente evi-tada (ADORNO; HORKHEIMER, 1994, p. 128-129).
O entretenimento é ofertado pela indústria cultural ao trabalhador como recom-
pensa pelo esforço dedicado às horas de trabalho. Tudo o que exigir um esforço men-
tal maior e demandar maior capacidade refl exiva por parte do telespectador, deve ser
evitado devido à cumplicidade deste com o processo de trabalho. Por trás dessa lógica,
esconde-se o grande limite da indústria cultural: ocultar, por meio da estereotipagem
da cultura, aquilo que é regressivo e coercitivo na sociedade industrial, anulando a
capacidade do indivíduo de reconhecimento e emancipação. O entretenimento acaba
por tomar, exclusivamente, o lugar dos bens superiores, que ele expulsa inteiramente
das massas.
Nas palavras de Adorno e Horkheimer, na medida em que deixa de revelar o todo
do processo social, a diversão se torna a própria apologia da sociedade industrial.
Divertir signifi ca sempre: não ter que pensar nisso, esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é mostrado. A impotência é a sua própria base. É na verdade uma fuga, mas não, como afi rma, uma fuga da realidade ruim, mas da última ideia de resistência que essa realidade ainda deixa subsistir. A liberação pro-metida pela diversão é a liberação do pensamento como negação. O descara-mento da pergunta retórica: mas o que é que as pessoas querem? Consiste em dirigir-se às pessoas como sujeitos pensantes, quando sua missão específi ca é desacostumá-las da subjetividade. Mesmo quando o público se rebela contra a indústria cultural, essa rebelião é o resultado lógico do desamparo para o qual ela própria o educou (ADORNO; HORKHEIMER, 1994, p. 135).
Por estarem acostumados e conformados à indústria cultural, os consumidores,
principalmente os mais desatentos, são levados a posturas de submissão paciente pe-
rante as mensagens e produtos da mídia. No fundo, acabam rindo da sua própria des-
graça, afundando-se em um lamaçal de contradições que esconde a sua própria dor.
Destruindo a capacidade de individuação, a indústria cultural destrói a possibilidade
de os indivíduos se reconhecerem como sujeitos de si e de sua história. A própria fe-
licidade é entendida como um privilégio, concedido por um ser superior apenas para
alguns privilegiados. Na maioria das vezes, a própria indústria do prazer é apresentada
como se estivesse em busca dessa pessoa.
A indústria cultural não cessa de lograr seus consumidores quanto ao que está
continuamente a lhes prometer. A promissória do prazer, emitida pelo enredo e pela
encenação, é prorrogada indefi nidamente. Signifi ca que jamais chegaremos à coisa
mesma, que o convidado deve se contentar com a leitura do cardápio. Ao desejo, exci-
tado por nomes e imagens cheios de brilho, o que enfi m se serve é o simples encômio
do quotidiano cinzento ao qual ele queria escapar. Nessa falsa sociedade até o riso
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atacou, como uma doença, a felicidade. Rir-se de alguma coisa é sempre ridicularizar.
Um grupo de pessoas a rir é uma paródia da humanidade. São mônadas, cada uma
das quais se entrega ao prazer de estar decidida a tudo às custas dos demais e com o
respaldo da maioria (ADORNO; HORKHEIMER, 1994).
Dessa forma, com a repetição padronizada de seus produtos e do imediatismo, a
indústria cultural rouba dos sujeitos a capacidade de refl exão, amadurecimento e en-
frentamento da realidade. Rouba da cultura aquilo que é revelador, emancipatório. É
essa a lógica da indústria do entretenimento. O lazer perde a despreocupação e a leveza
da sua essência, transformando-se em um enlatado pesado da sociedade do trabalho.
Substituindo toda e qualquer forma mais elaborada de conteúdo, que exija maior capa-
cidade de concentração e refl exão, o entretenimento aparece como meio privilegiado
para eliminar da cultura o pouco de resistência que ainda existe. O indivíduo, mergu-
lhado na oferta e na promessa do falso prazer (porque o indivíduo não experimenta o
prazer e sim a sua estereotipia), deixa de se reconhecer e nomear seus sentimentos, de
manter uma relação de objetivação com as coisas e acontecimentos e perde a capacida-
de de emancipação entendida como conscientização e racionalidade.
SEMIFORMAÇÃO E EDUCAÇÃONo livro Dialética do Esclarecimento, estão as primeiras referências à semiforma-
ção. Adorno e Horkheimer referem-se a ela como uma determinada forma social da
subjetividade socialmente imposta por um determinado modo de produção em todos
os planos da vida, seja na produção, seja fora dela.
Adorno (1996) salienta que, apesar de toda ilustração e de toda informação que se
difunde, e até mesmo com sua ajuda, a semiformação passou a ser a forma dominante
da consciência atual, o que exige uma teoria que seja abrangente. Para essa teoria, a
ideia de cultura não pode ser sagrada, o que a reforçaria como semiformação, pois a
formação nada mais é que a cultura tomada pelo lado de sua apropriação subjetiva.
Neste sentido, Rodrigo Duarte (2003), parafraseando Adorno, esclarece que a semi-
formação ou semicultura não signifi ca pura e simples falta de cultura, mas o resultado
de um processo planejado de supressão das possibilidades libertadoras até mesmo
da incultura, a qual poderia ampliar-se em consciência crítica graças a seu potencial
de dúvida, chiste e ironia. Ao argumento de que seria melhor o contato precário com
a cultura do que nenhum, Adorno responde que aquilo que é semicompreendido e
semi-informado não é estágio prévio da cultura, mas seu inimigo mortal.
De acordo com Wolfgang Leo Maar (2003), Adorno diria que hoje a sociedade
é ela própria uma ideologia. Essa ideologia já não seria um conjunto ideal no pla-
no das ideias, mas a própria ordem social. A semiformação vai muito além de uma
Escola, ideologia e indústria cultural
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“perturbação pedagógica” no interior de uma determinada situação social educacio-
nal. Refere-se a uma forma ordenada da sociedade contemporânea, determinada con-
forme certo modo de produção social dos homens, e somente nesse âmbito pode ser
adequadamente apreendida.
Do ponto de vista educacional, consideramos que a maior contribuição de Adorno
e Horkheimer é “esclarecer o esclarecimento”, apontando as ideologias pelas quais
enveredou a modernidade. Em seu pensamento, o primordial é não perder de vista
a constelação em que a educação é estruturada. Para captar a essência na análise da
historicidade da construção educacional, precisamos examinar os diferentes tempos e
espaços da cultura e sua formação fora do âmbito estritamente cultural ou pedagógico
defi nidos na sociedade. É necessário investigar o plano ou o contexto da própria pro-
dução social e material da sociedade em sua forma determinada.
Maar (2003), no debate radiofônico “Educação para quê?”, informa que Adorno
menciona a existência de dois problemas difíceis quando se trata de emancipação: o
primeiro refere-se à própria organização do mundo – expressão da ideologia domi-
nante – que teria convertido a si mesma imediatamente em sua própria ideologia, cuja
pressão sobre as pessoas é tão intensa que supera toda educação. E o segundo, ao fato
de que a educação – por sua essência racional e conscientizadora – seria imponente
se ignorasse a adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo.
Todavia, seria igualmente questionável se ela fi casse nisto e não produzisse nada além
de pessoas bem ajustadas. A consequência seria de que a situação existente se imporia
no que tem de pior
Neste sentido, é preciso aplicar toda a energia para que a educação seja uma edu-
cação para a contradição e para a resistência: contradizer e resistir são modos de se ir
além do plano da reconstrução cultural e da vigência da semiformação e de se referir
ao plano da vida real efetiva.
REFLEXÕES SOBRE A ESCOLA, IDEOLOGIA E INDÚSTRIA CULTURALOs pesquisadores, inspirados na visão frankfurtiana da teoria crítica iniciada na
década de 1930, vêm realizando refl exões e críticas relativas ao conteúdo ideológico
utilizado pela mídia, na perspectiva da educação para os meios de comunicação. No
entanto, os retornos positivos dessa prática nem sempre atendem às expectativas. Pri-
meiramente, há que se questionar o método utilizado para promover essa visão crítica,
pois o professor pode não ter formação para criticar uma linguagem que, muitas vezes,
desconhece. Enquanto isso, a TV continua sendo um utensílio tão ou mais importante
que outras necessidades básicas.
Nem mesmo os mais críticos deixam de assistir à TV: proíbem os fi lhos de fazê-lo,
107
mas eles próprios não a desligam. Talvez porque se sentem mais preparados para assis-
ti-la sem serem persuadidos. Essa visão refl ete a ideia de que a criança é um ser incom-
pleto. Nesse caso, qual seria o critério para que a criança pudesse assisti-la? Censurar
ou selecionar os programas da TV para que seus fi lhos possam assistir não é caminho.
A linguagem televisiva de fácil assimilação e a fragilidade da escola são fatores que
contribuem para transformar a televisão em uma fonte de entretenimento e diversão
para as crianças e jovens. A escola, que continua mantendo o modelo tradicional de
ensino, torna-se um local monótono e desinteressante. O professor enfrenta o grande
desafi o de lidar com educandos que, mediados pela linguagem da mídia, vêm semifor-
mados, antes mesmo de ingressar na vida escolar, apresentando perfi s com os quais
ainda não estamos preparados para lidar.
Adorno tem um duplo posicionamento sobre a formação pela televisão. De um lado,
como no caso da televisão educativa, ela oferece serviço de formação cultural. De outro,
existe também uma função formativa ou deformativa da consciência humana, uma vez
que é enorme a quantidade de espectadores que ocupam muito tempo assistindo a te-
levisão. Quais seriam os efeitos de transmissões sem objetivo educacional? Ele entende
que o uso em grande escala da televisão “contribui para divulgar ideologias e dirigir de
maneira equivocada a consciência dos espectadores” (ADORNO, 1995, p. 77).
A televisão como ideologia procura incutir uma falsa consciência, ocultar a realida-
de e impor um conjunto de valores ideológicos. Adorno opõe-se a esse instrumento
ideológico, cujo conteúdo apresenta modelos aparentemente ideais de conduta para
os homens alcançarem uma vida verdadeira, “dando a impressão de que as contradi-
ções presentes desde os primórdios de nossa sociedade poderiam ser superadas e so-
lucionadas no plano das relações inter-humanas, na medida em que tudo dependeria
das pessoas” (ADORNO, 1995, p. 84).
O problema é que a reprodução da ideologia na TV não é percebida. Os programas
televisivos, de excelente qualidade técnica, que visam à formação geral ou à profi ssio-
nalização, apresentam-se como imparciais e neutros. A harmonização e a deformação
da vida são imperceptíveis para o público, porque são perfeitamente realistas, “o con-
trabando ideológico se realiza sem ser percebido, de modo que as pessoas absorvem
a harmonização oferecida sem ao menos se dar conta do que lhes acontece. Talvez até
mesmo acreditem estar se comportando de um modo realista. E justamente aqui é
necessário resistir” (ADORNO, 1995, p. 86).
A mídia eletrônica tornou-se um instrumento poderoso, pois ela alcança quase
todas as pessoas no mundo. Bourdieu (1997, p. 9) preconiza que a televisão “expõe a
um grande perigo as diferentes esferas da produção cultural, arte, literatura, ciência,
fi losofi a, direito. expõe a um perigo não menor a vida política e a democracia”.
Escola, ideologia e indústria cultural
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
108
Por que esse perigo existe? As emissoras de televisão estão de olho nos índices de
audiência, por isso não investem na qualidade de seus programas, mas sim na capaci-
dade de entreter o público. Elas têm o poder de “ocultar mostrando”, isto é, podem
manipular uma seleção de imagem do cotidiano e adaptar a uma mensagem ideoló-
gica, de acordo com as categorias de percepção do repórter ou dos produtores. Essas
categorias são “estruturas invisíveis” que organizam a visão de mundo construída por
meio da educação, da cultura e da história. Essas categorias de percepção, por sua vez,
podem estar contaminadas pelos diferentes níveis de preconceitos e de valores éticos
e políticos pervertidos.
Para manter o sucesso de audiência, isto é, o sucesso comercial, os programas
estão sempre atrás de novidades e variedades, destacando diariamente os eventos es-
portivos, as novelas, os programas de humor e de futilidade. O telejornal e a imprensa
escrita sensacionalista difundem, prioritariamente, as tragédias que ocorrem no mun-
do, como catástrofes, crimes, incêndios, denúncias de corrupções e escândalos. São
fl ashes de acontecimentos cotidianos informados artifi cialmente. Alguns assuntos ga-
nham mais destaque porque despertam as curiosidades e prendem a atenção dos teles-
pectadores. As pessoas, de maneira geral, são pouco exigentes, não leem jornais e têm
a televisão como a única fonte de informação. Para satisfazer o público, o jornal reúne
uma variedade de “assuntos-ônibus”1 para garantir um nível desejável de audiência.
Em se tratando de um jovem que desde o seu nascimento convive com a televisão,
provavelmente o poder de infl uência desta sobre a representação da realidade é muito
maior. A mídia defi ne o modelo de indivíduo para a sociedade, direciona as preocupa-
ções e incita o desejo de consumir cada vez mais coisas. Tudo em forma de entreteni-
mento. A mensagem publicitária atua na área da emoção, da vaidade, da autoafi rmação
e da autoestima. “O importante é viver a vida e não ser careta”.
A indústria cultural, especialmente o aparato televisivo e o cinema, tem legitimado
o poder econômico e político, imprimindo o consenso nas mentes e nos corações dos
indivíduos. A técnica do espetáculo garante o entretenimento e pode transformar uma
determinada realidade com o potencial de falsifi car ou simular imagens previamente
montadas para mostrar uma estrutura escolar (TERUYA, 2006).
O espetáculo, além de produzir a ilusão, é a exibição da racionalidade técnica
de representação e ilusão. O espetáculo está presente nas novelas, nos shows, nos
telejornais, nos vídeos, nos CDs, nos CD-ROMs, nos computadores, na Internet, na
rede, nos sites, nos bate-papos, nas informações, no consumo, no entretenimento, no
1 O termo “assunto-ônibus” é utilizado por Bourdieu (1997) para referir-se àqueles assuntos banais da vida coti-diana, como, por exemplo: o tempo, a chuva, o sexo, um escândalo, um acidente, um crime e outras tragédias.
109
shopping-center com suas mercadorias glamorosas, no convite ao consumo. Todos nós
participamos desse espetáculo de consumidores em que desfi lam mercadorias e que
revela a nossa identidade na sociedade. Cada modelito novo signifi ca a visualização
de uma personalidade à procura de seus pares. Não importa se o que mostra é falso
ou verdadeiro. O que importa é fazer de si um espetáculo. Esta é a lógica da ideologia
capitalista, que impõe um espírito competitivo, cujo perfi l é mostrar se os indivíduos
têm dinheiro, prestígio, inteligência, fama e beleza.
As imagens espetaculares da televisão têm o poder de fazer o telespectador acre-
ditar naquilo que ele vê. Mediadas pelas mensagens de fácil assimilação e requintadas
pelos apelos emocionais que os recursos audiovisuais da indústria cultural produzem
com muita efi ciência e convencimento, elas educam a visão humana de forma cada
vez mais atraente. Essa representação da realidade que o mundo da imagem, do som,
do ritmo e da animação nos oferece é a pura ideologia disseminada pela indústria
cultural, de modo a imprimir um pensamento único segundo os interesses da elite.
A leitura da imagem exige abstração e refl exão crítica, pois as imagens veiculadas nos
meios eletrônicos limitam a capacidade intelectual das pessoas.
Hoje, mais do que nunca, os produtos da indústria cultural estão presentes na sala
de aula. São crianças que crescem em frente à televisão. Os professores reconhecem
que os meios de comunicação desempenham função educativa paralela à da escola
e que estão, cada vez mais, equipados com recursos para conquistar o sucesso de
público.
Nesse contexto, a mediação do professor é de fundamental importância no pro-
cesso de recepção. Mais do que ignorar a infl uência dos meios de comunicação, o
professor pode ajudar os alunos a formar uma consciência crítica sobre os produtos e
as mensagens midiáticas. O professor pode, por exemplo, ajudar os alunos a perceber
as falsidades presentes na vida da sociedade culturalmente construída, despertar sua
consciência sobre o engodo dos produtos da indústria cultural, levá-los a perceber que
ela apresenta uma sociedade harmônica, sem qualquer tipo de contradição social, mi-
nimizando ao extremo os poucos resquícios de resistência. Todavia, conforme o pensa-
mento de Adorno, deve também ajudar o aluno a perceber que, se ali estão presentes
as formas reducionistas da própria cultura, também estão presentes as possibilidades
de emancipação e libertação.
Escola, ideologia e indústria cultural
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
110
ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Tradução
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Referências
111
1) Após a leitura deste capítulo, observe as manifestações das crianças no espaço escolar. Em seguida, faça uma análise dessas manifestações para verifi car como a indústria cultural interfere no mundo infantil.
Proposta de Atividade
Anotações
Escola, ideologia e indústria cultural
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
112
Anotações
113
Nerli Nonato Ribeiro Mori
Temos o direito de acreditar que ainda não é demasiado tarde para empreender a criação da nova utopia da vida, onde ninguém possa decidir, excluir, nem decidir por outro, até a forma de morrer ou viver. Onde as estirpes condenadas a Cem anos de Solidão tenham, por fi m e para sempre, uma segunda oportu-nidade sobre a terra.(Gabriel Garcia Márquez)
Nunca é tarde para utopias; pessoas pensam, sonham e buscam novos caminhos.
Caminhos melhores, mais justos e solidários. No entanto, ultrapassar o já estabelecido
nunca é um processo tranquilo, sem obstáculos; o caminho da utopia exige passos
mais curtos, outros mais longos, alguns até mesmo para trás. A educação de pessoas
com necessidades especiais também tem sido, assim, um percurso de conquistas e
retrocessos, que vai da segregação entre os antigos até a luta pela inclusão social em
nossos dias. No presente capítulo, vamos tratar um pouco desse percurso histórico e
discutir os limites e possibilidades de uma escola inclusiva.
UM POUCO DE HISTÓRIA: DA SEGREGAÇÃO À INTEGRAÇÃOA história dos homens é marcada pela segregação dos diferentes. A mais antiga
forma de segregação foi a eliminação das pessoas que, por alguma defi ciência, não
conseguiam providenciar o seu próprio sustento ou defender-se nas situações de peri-
go. Nesse caso, elas eram exterminadas ou abandonadas.
Na antiga Grécia, em Esparta, a dedicação à guerra exigia um corpo forte e perfeito;
por isso, os recém-nascidos eram examinados por uma comissão especial, que reco-
nhecia ou lhes negava o direito de viver.
Outros exemplos de eugenia radical são os da eliminação dos surdos na China,
Segregação, integração/inclusão escolar: a educação
de pessoas com necessidades especiais
9
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
114
os quais eram lançados ao mar, ou os de defi cientes sacrifi cados aos deuses, na Gália.
Com o início do cristianismo e a propagação de uma moral judaico-cristã, os ho-
mens passaram a desenvolver uma atitude de resignação e tolerância para com as
pessoas que apresentavam características especiais. Esse modo de pensar e agir predo-
minou na Idade Média, quando cuidar dos doentes, loucos e párias da sociedade era
considerado um caminho para se chegar ao céu. Assim, especialmente nos séculos XVI,
XVII e XVIII, proliferaram as obras de caridade e os internatos.
Quais eram as pessoas enviadas para essas instituições? Nelas eram colocados os
loucos, os doentes, os fi lhos dos mendigos, vagabundos e boêmios, as crianças que
se portavam mal, ou seja, que vagabundeavam, mendigavam, roubavam ou se prosti-
tuíam, os órfãos, os bastardos e os “expostos” (abandonados) e também aqueles que
hoje compõem a clientela das instituições especializadas, ou seja, os cegos, surdos,
defi cientes, disformes, “idiotas ou insensatos”.
Entre o século XVII e início do século XIX, foram escritas as primeiras obras sobre
defi ciências e criadas as primeiras instituições voltadas para a educação de pessoas
com defi ciências. Na página seguinte, fundamentados em Mazzota (2003), apresenta-
mos um quadro com os principais fatos da história da educação especial.
Como indicamos no Quadro 1, a partir do século XVII passou a imperar a ideia
de que as pessoas com defi ciência requeriam atendimento especializado. Ainda hoje
é ascendente o movimento de criação de centros especializados na forma de escolas.
Esse movimento se realizou em meio a conquistas no campo da Pedagogia. Como
informam Garcia e Beatón (2004), desde o século XVIII foram produzidas abordagens
importantes referentes à necessidade de um ensino pautado no desenvolvimento do
indivíduo, que considerasse suas características psicológicas e os preparasse para uma
vida útil. Data desse período o nascimento da Educação Especial e sua didática.
Lus (1995) observa que autores como Maria Montessori e Ovide Decroly são muito
mais lembrados pelos seus métodos para crianças normais do que pelo trabalho com
defi cientes. O mesmo ocorre com Alfred Binet, que entre 1905 e 1910, juntamente com
H. Simon, por solicitação do Ministério de Instrução da França desenvolveu uma esca-
la para identifi car escolares que necessitavam de atendimento especial. Essa escala é a
referência mais forte quando se fala de Binet; no entanto, sua maior contribuição foi a
possibilidade de avaliar a inteligência e a disposição para oferecer educação especial
para as crianças que dela necessitassem, cujo resultado foi a criação de escolas e classes
especiais.
A criação das “classes e escolas de aperfeiçoamento” aparece associada à promul-
gação, na França, em 1882, da obrigatoriedade do ensino primário. Segundo Simon
(1991, p. 15),
115
Segregação, integração/inclusão escolar: a educação de pessoas com necessidades especiais
1620 Primeira obra impressa sobre defi cientes.Redação das letras e arte de ensinar os mudos a falar.
1770
Fundada a primeira insti tuição especializada para a educação de “surdos-mudos” pelo abade Charle M. Eppée → inventor do método dos sinais.Obra: A verdadeira maneira de instruir os surdos-mudos (1776).Dentre os discípulos do abade, destacaram-se, pela divulgação e conti nuação de sua obra:•Tomas Braidwood (1715-1806 – Inglaterra);•Samuel Heineck (1729-1790 – Alemanha) → criador do método oral, em oposição ao método de sinais;→ Ambos criaram insti tutos para educação de “surdos-mudos”.
1780 Fundação do Insti tuto Nacional dos Jovens Cegos, em Paris, por Valenti n Haüy.
1829Criação do sistema Braille, por Louis Braille (1809-1852), com base na adaptação de um método idealizado por Charles Barbier para a transmissão de mensagens noturnas nos campos de batalha.
Início do séc. XIX
Primórdios do atendimento educacional aos “débeis” ou “defi cientes mentais”:• Jean Marc Itard (1774-1838) → educação de Vítor, o “selvagem de Aveyron”.• O trabalho desse sensorialista, organicista e médico tem como norte a instrução individual, a programação sistemáti ca de experiências de aprendizagem, a moti vação e a recompensa.• Eduard Seguin (1812-1880), aluno de Itard → criou o primeiro internato público da França para crianças retardadas mentais.→ Emigrou para os estados Unidos e em 1907 publicou o livro Idiocy and its treatment by the Physiological Method, no qual apresentava um programa para escola residencial.• Maria Montessori (1870-1956), médica italiana, aprimorou os processos de Itard e Seguin: criou programas de treinamento para crianças com retardo mental cujo objeti vo era a “auto-educação” pelo uso de materiais didáti cos (blocos, encaixes, recortes, objetos coloridos e letras em relevo). Defi niu regras para educação de pré-escolares normais e escolares treináveis.
Entre 1817 e 1850, proliferaram escolas para cegos, surdos e pessoas com defi ciência mental. Programas para defi ciência fí sica só foram criados nas décadas posteriores.
[...] até a obrigatoriedade escolar, distinguiam-se facilmente as crianças defi -cientes sensoriais, motoras e mesmo ‘mentais’, na medida em que esta defi -ciência mental era, de algum modo, aparente. Com a obrigatoriedade escolar aparecem alguns atrasados escolares para os quais vão ser criadas ‘classes e escolas de aperfeiçoamento’.
As referidas classes surgiram em 1909, mas, antes disso, quatorze classes haviam
sido criadas em caráter experimental. A obrigatoriedade de educação para todos, o
consequente aumento de alunos e a insufi ciência de professores originaram classes
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
116
numerosas; a colocação dos alunos com defi ciência nas classes ou escolas especializa-
das passou a ser uma constante, constituindo-se um panorama de segregação escolar.
Após a Segunda Guerra Mundial, a segregação escolar ampliou-se ainda mais, porque,
[...] ao multiplicarem-se as categorias de crianças que freqüentarão estabeleci-mentos ou classes especiais (a título experimental, criaram-se classes para ‘dis-léxicos’) e, por outro lado, ao generalizar-se a despistagem precoce, antes da entrada na escola primária. F. Platone e outros (1984) referem que as estatísti-cas ofi ciais classifi cam as crianças e adolescentes segundo 15 categorias (os dis-léxicos, felizmente, não fi guram aí) que, no total, englobavam 384.633 crianças a receber um ensino especial (ano escolar de 1981-1982) (SIMOM, 1991, p. 16).
Além da França, a especialização dos professores e dos estabelecimentos foi am-
pliada em países como Canadá e Estados Unidos. Uma justifi cativa para o que o autor
chama de “febre segregativa” é a de que seria mais barato concentrar especialistas e
materiais no menor número de estabelecimentos e aí atender o maior número possível
de pessoas que apresentassem quadros semelhantes. Para o autor, esse enfrentamen-
to do problema é simplista, pois se pode ser verdade para as defi ciências sensoriais
e motoras, “é menos evidente para uma classifi cação que quisesse distinguir entre
distúrbios do comportamento, atrasos intelectuais ou difi culdades de aprendizagem”
(SIMON, 1991 p. 17).
Um contraponto à segregação teve início na década de 1960, com movimentos
em prol da integração de pessoas com defi ciência, questionando-se não somente a
segregação social e escolar, mas também as atitudes sociais para com as pessoas que
têm defi ciência.
DA BUSCA DE UMA EDUCAÇÃO ESCOLAR INTEGRADORA À INCLUSÃOOs movimentos em prol da integração têm como marco ações empreendidas entre
o fi nal da década de 60 e início dos anos 70 (século XX) nos países nórdicos, as quais
tinham como objetivo a inserção de pessoas com defi ciência nos mesmos espaços e
contextos sociais que as pessoas ditas normais.
Dessas ações derivou o conceito de normalização, cujo sentido é tornar acessível às
pessoas com defi ciência − ou àquelas socialmente desvalorizadas − condições e mode-
los de vida análogos aos disponíveis ao conjunto da população.
Foi em meio aos movimentos dos pais de crianças cujo acesso às escolas comuns foi
negado que surgiu nos países desenvolvidos a fi losofi a da “normalização e integração
escolar”. Surgiram, então, as propostas de escolas especiais e, mais tarde, as classes
especiais dentro das escolas comuns.
Somente a partir da década de 1970 começou a tomar corpo a ideia de inserção de
117
crianças e jovens de acordo com as suas necessidades individuais. Uma versão desse
sistema, denominada cascata, foi apresentada em Quebec, Canadá, em 1976. Sua pro-
posta é o atendimento educacional especial em oito níveis de integração baseados em
uma diversidade de medidas, graduadas conforme as necessidades das crianças, mas
em uma perspectiva de normalização.
Assim, as crianças e jovens podem ser colocados em diferentes níveis de ambientes
educativos, que vão desde a classe regular até a escolarização em centros de Educação
Especial. O apoio domiciliar ou o ensino em instituições ou centros hospitalares só de-
vem ser adotados em casos de extrema necessidade, já que estes são muito restritivos
em termos de integração.
Vejamos uma representação do sistema em cascata, transcrita de Bautista Jiménez
(1997, p. 39):
QUADRO 2
Sistema em cascata segundo o relatório C.O.P.E.X.
(Comité Provincial de L’Enfance Inadaptée)
Nível 1Classe regular com professor de ensino regular, primeiro responsávelpela prevenção, identifi cação, avaliação e correcção das difi culdades
ligeira do aluno
Nível 2Classe regular com serviços de apoio ao professor de ensino regular
Nível 3Classe regular com serviços de apoio ao professor
de ensino regular e ao aluno
Nível 4Classe regular com o aluno a frequentar
uma classe de apoio
Nível 5Classe especial na escola regularcom participação nas actividades
gerais da escola
Nível 6Escola especial
Nível 7Apoio domiciliário
Nível 8Ensino em instituiçãoou centro hospitalar.
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ação
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coce
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ais
long
e do
que
o n
eces
sário
Segregação, integração/inclusão escolar: a educação de pessoas com necessidades especiais
É interessante observar que, segundo a proposta do sistema em cascata, o mo-
vimento em seu interior não deveria ser estático, ou seja, a inserção da criança ou
jovem não seria permanente em qualquer um dos seus níveis. Para tanto, o trabalho
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
118
desenvolvido e os resultados alcançados deveriam ser continuamente avaliados
por pais, professores e órgãos gestores da escola, de forma a indicar novas metas
para a prática pedagógica e possíveis inserções em níveis menos restritivos e mais
integradores.
Todavia, o que se pretendia integrador não se efetivou na prática, porque o sis-
tema escolar regular não se modifi cou para receber os alunos especiais e a integra-
ção dependia, portanto, unicamente da capacidade de adaptação dos alunos a serem
inseridos. Aqueles que não conseguiam se adaptar ou acompanhar os colegas eram
excluídos. Assim, as transições interníveis raramente ocorriam.
Essas constatações deram início a outro movimento na história da educação de
pessoas com necessidades especiais: a luta pela inclusão. Os debates, iniciados na
segunda metade da década de 1980, acirraram-se nos anos 1990 com base na ideia
de que, além de atuar diretamente com essas pessoas, era necessário modifi car não
apenas a escola, mas reestruturar também a sociedade, torná-la mais inclusiva.
Sob a perspectiva da inclusão, passou-se a defender um único sistema educacio-
nal para todos os alunos, tivessem eles ou não alguma defi ciência, de modo que ele
se tornasse mais inclusivo e de qualidade. Para tanto, seria necessário reformular os
currículos, as formas de avaliação, a formação dos professores e adotar uma política
educacional consistente e contínua, voltada para a escolarização de todos.
A metáfora da integração é a cascata, ao passo que a da integração é o caleidoscó-
pio, assim explicitada por Forest e Lusthaus (apud MANTOAN, 1998, p. 48):
O caleidoscópio precisa de todos os pedaços que o compõem. Quando se reti-ra pedaços dele, o desenho se torna menos complexo, menos rico. As crianças se desenvolvem, aprendem e evoluem melhor em um ambiente rico e variado.
Para concretizar a metáfora do caleidoscópio, o sistema escolar tem que se adaptar
às particularidades dos alunos, com suas diferenças e necessidades.
119
Nos últimos anos, têm-se formado duas correntes em torno das discussões sobre
educação inclusiva: a da “inclusão” e a da “inclusão total”, esta última mais coerente
com a ideia do caleidoscópio.
Os inclusionistas defendem a manutenção dos serviços especiais para aqueles
que deles desejam usufruir e também como forma de viabilizar o processo de in-
clusão; os inclusionistas totais advogam a extinção do continuum de serviços e a
colocação imediata de todas as crianças e jovens na escola comum.
No panorama delineado, quais as possibilidades e limites de uma escola inclusiva
no Brasil?
EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO BRASILPara entender o atendimento educacional oferecido às pessoas com necessidades
especial no Brasil, vale destacar algumas leis:
• Constituição Federal 1988, Art. 208: “atendimento educacional especializado
aos portadores de defi ciência, preferencialmente na rede regular de ensino”.
• Lei 8.069/90, sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, Art. 54, inciso III: “é
dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: atendimento especializa-
do aos portadores de defi ciência, preferencialmente na rede regular de ensino”.
• Lei 9.394/96, Diretrizes e Bases a Educação Nacional, capítulo V: educação espe-
cial é “[...] uma modalidade de educação escolar, oferecida, preferencialmente,
na rede regular ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”.
• Plano Nacional de Educação/1997: a formação dos profi ssionais da educação
deve ser garantida pelas Secretarias Estaduais e Municipais da Educação.
• Resolução nº 2, do Conselho Nacional de Educação, de 11 de fevereiro de 2001:
institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.
Como mostram as leis, a educação especial no Brasil é uma modalidade de educa-
ção escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino. Segundo o Censo
Escolar divulgado em abril de 2004 pela Secretaria de Educação Especial, há 566.753
alunos com necessidades especiais matriculados, sendo 57% na rede pública e 43% na
rede privada.
Comparando a evolução dos números de 1998 a 2004, observamos que a matrícula
do alunado especial em escolas e classes especiais passou de 87% para 65,6%; por
outro lado, aumentou de 13% para 34,4% a matrícula em escolas regulares e classes
comuns, com ou sem apoio pedagógico.
É necessário avaliar também a qualidade da escolarização que está sendo desenvol-
vida. Embora ainda muito longe do desejado, os dados indicam avanços com relação a
Segregação, integração/inclusão escolar: a educação de pessoas com necessidades especiais
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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sua inserção na escola regular.
Dois eventos contribuíram especialmente para a situação atual. Um deles foi a
Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em
1990. Nessa ocasião, o Brasil fi xou metas para melhorar o seu sistema educacional,
inclusive aquele voltado para o alunado especial.
Outro evento foi a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Es-
peciais: Acesso e Qualidade, realizada em Salamanca, na Espanha, em junho de
1994. Organizado pelo governo espanhol em cooperação com a Unesco, o encontro
contou com cerca de trezentos representantes de noventa e dois governos e vinte e
cinco organizações internacionais. O objetivo era examinar mudanças políticas para
estender o enfoque da educação integradora a todas as crianças, sobretudo aque-
las com necessidades educativas especiais. Dos trabalhos ali realizados resultou a
Declaração de Salamanca, cujo princípio fundamental é o de que as escolas devem
acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectu-
ais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras.
Conforme a Declaração, toda criança tem direito à educação e à possibilidade de
atingir e manter o nível adequado de aprendizagem. No caso daquelas com necessi-
dades educativas especiais, “devem ter acesso às escolas comuns que deverão integrá-
las numa pedagogia centralizada na criança, capaz de atender a essas necessidades”
(BRASIL, 2004, p. 10).
Além disso, todos os países devem assegurar que, “num contexto de mudança sis-
temática, os programas de formação do professorado, tanto inicial, como contínua,
estejam voltados para atender às necessidades educativas especiais nas escolas integra-
doras” (BRASIL, 2004, p. 11).
Por estarem voltadas para as características culturais e individuais dos alunos, as es-
colas integradoras necessariamente devem apresentar gestão escolar e currículo mais
fl exíveis, novas formas de ensino e ampliação dos recursos pedagógicos.
O maior desafi o para a criação da escola integradora é justamente oferecer um
ensino ao mesmo tempo individualizado e grupal. Essa é uma tarefa muito comple-
xa, porque envolve a superação da visão do défi cit individual e a ênfase na proposta
educativa. Não é fácil romper com a prática da homogeneização; isto implica acabar
com a rotulação, fl exibilizar currículos e respeitar os diferentes ritmos e estilos de
aprendizagem.
Concomitante a esse desafi o, no Brasil ainda há o grave problema do número de
pessoas com necessidades especiais fora de qualquer sistema escolar. Como denuncia
Mendes (2002) a despeito da retórica da integração escolar e da inclusão, vivemos no
Brasil uma situação de exclusão signifi cativa. Ou seja, como ressalta a autora, as metas
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assumidas em 1990 ainda não foram cumpridas.
Os gestores da educação especial não pensam assim. Para eles, a elevação da taxa
de inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais em classes co-
muns e a redução do crescimento das matrículas em escolas especializadas ou classes
especiais consolidam a tendência de inclusão. A meta era que, até 2006, todas as esco-
las brasileiras fossem inclusivas.
Em setembro de 2004, o Ministério Público Federal, com o apoio de várias institui-
ções, publicou e distribuiu uma cartilha intitulada O Acesso de Alunos com Defi ciência
às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular, a qual exorta a inclusão de crianças e
jovens surdos, cegos, usuários de cadeiras de rodas e com defi ciência intelectual (defi -
ciência mental, na lei) nas escolas da rede comum. Faz também um apelo à sociedade e
às escolas especializadas para que denunciem atos de discriminação como o de escolas
que negam matrícula a alunos com defi ciência.
A cartilha provocou muita polêmica: de um lado, se posicionaram aqueles que
defendem o direito do defi ciente estudar com outras crianças e acreditam que isso
levará a uma postura mais inclusiva da comunidade escolar; do lado oposto fi caram
as associações que mantêm escolas especiais e para quem certos graus de defi ciência
não permitem a inclusão. Para estas últimas, não há preparo sufi ciente por parte dos
professores ou estrutura adequada para lidar com alunos do segmento especial.
Não deixa de ser desalentador verifi carmos que apenas 4,8% das escolas públicas
da educação básica possuem sanitários adequados aos alunos com necessidades edu-
cacionais especiais e somente 3,6% têm dependências e vias adequadas ao alunado
especial.
Quanto ao conhecimento do processo ensino-aprendizagem desse segmento, con-
cordamos com García e Beatón (2004, p. 31):
Apesar das críticas que podem ser feitas às escolas especiais, aquelas que real-mente se converteram em escolas no sentido amplo da palavra, serviram para por em evidência e demonstrar as imensas possibilidades de desenvolvimento que apresentam os escolares, quando são bem atendidos e educados. Muitas outras conclusões positivas podem ser numeradas, mas essa se tornou a mais signifi cativa.
As instituições especializadas construíram um conjunto de conhecimentos funda-
mentais para a inclusão. É necessário delimitar mais claramente a relação entre escolas
especiais e escolas comuns; isso contribuirá, por exemplo, para evitar confl itos como
os ocorridos no episódio da divulgação da cartilha, narrado anteriormente.
Por trás dos confl itos está a incerteza sobre o futuro das escolas especiais, que,
para alguns, são incompatíveis com a ideia de inclusão. É preciso lembrar que a quase
Segregação, integração/inclusão escolar: a educação de pessoas com necessidades especiais
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totalidade das escolas especiais brasileiras é fruto de lutas de pais e outros setores da
sociedade civil e são mantidas por organizações não-governamentais. Foram criadas
em uma época em que a escola regular não recebia as crianças especiais.
É compreensível, portanto, a preocupação por parte do setor especial com a
manutenção dos serviços, pois também entre os pais, a inclusão não é unanimidade.
Frente às questões levantadas, pensamos que a inclusão total, com o imediato
desmonte dos programas e serviços especializados, é um equívoco que, se efetivado,
pode ter consequências desastrosas e se confi gurar em um retrocesso das conquistas
realizadas.
Não se trata de negar ou ser contra a educação inclusiva; o momento atual de luta
pela inclusão é um avanço na estratégia de universalização do saber, a qual deve ser
um objetivo a ser alcançado. As propostas neste sentido, no entanto, devem levar em
conta os fundamentos históricos, legais, fi losófi cos e políticos norteadores do atendi-
mento educacional ofertado às pessoas com necessidades especiais no Brasil.
Independentemente das divergências em torno da defi nição do que seja a inclusão,
há um consenso de que ela exige uma reorganização de base das escolas e salas de aula
regulares, cujas mudanças devem ser voltadas para atender à diversidade, ou seja, é
preciso abandonar o princípio da homogeneidade e voltar-se para a heterogeneidade.
Segundo Mittler (2005), essas mudanças envolvem três níveis:
• Todas as crianças frequentando a escola local, na sala de aula regular e com o
devido apoio;
• Todas as escolas reestruturando seu programa de ensino, pedagogia, avaliação
e sistemas de agrupamento para garantir acesso e sucesso a todas as crianças da
comunidade;
• Todos os professores aceitando a responsabilidade pelo aprendizado de todas
as crianças, recebendo treinamento contínuo, apoio do diretor, do corpo admi-
nistrativo da escola, de seus colegas e da comunidade.
As propostas, aparentemente simples, estão bem distantes da nossa realidade; para
levá-las a termo, seria necessário reinventar a escola; somente reinventando-a, ela
pode tornar-se inclusiva.
Uma escola inclusiva rompe com o modelo escolar que conhecemos. Trata-se de
uma educação na e para a diversidade, voltada para todos os alunos, com todos os
membros da comunidade envolvidos nas tomadas de decisões. Tanto os alunos quanto
os profi ssionais e recursos fi nanceiros e educacionais devem estar integrados em uma
síntese superadora do individualismo.
Stainback e Stainback (1999) propõem algumas estratégias práticas para promover
123
a educação inclusiva. Uma delas é prever processos de adaptação no currículo geral,
de modo a adequá-lo às necessidades dos alunos. É necessário também estabelecer
mecanismo de fl exibilidade dos objetivos, de modo que eles possam ser modifi cados
durante o processo educativo.
É interessante observar que os defensores da educação inclusiva ou da educação
para e na diversidade não se referem apenas às defi ciências, mas a todas as crianças,
independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lin-
guísticas ou outras.
Como efetivar a escola inclusiva? Essa é uma longa discussão que não cabe no espa-
ço reservado para o presente capítulo. No entanto, é preciso ressaltar que ela envolve
mudanças na sociedade. É ilusão pensar que essas possam se fazer de forma tranquila,
a curto ou médio prazo. Grandes mudanças sempre são produtos de tensões e lutas
advindas de necessidades geradas na produção da vida. O debate está posto, o fi nal do
caminho aponta para a inclusão; o que ainda não está claro é como chegar lá.
Uma providência imediata é a formação profi ssional e atitudinal dos educadores
e gestores da educação. Como expõe Torres González (2002), “a diversidade implica
vias formativas, que reúnem tanto os aspectos teórico-práticos como as atitudes e dis-
posições” (p. 259).
Para o autor, essa nova proposta educacional se confi gura em um novo espaço pro-
fi ssional, didático, curricular, organizativo e institucional, que requer uma formação
pautada pela lógica da diversidade e da heterogeneidade.
Nesse novo pensar, o conhecimento e a prática com as necessidades especiais não
fi cam restritos aos espaços e educadores especializados; o conceito de diversidade
implica tanto a educação geral como a especial.
O que fazer com os programas e instituições especializados? Acabar com eles e
colocar todo o seu alunado na escola regular?
No Brasil, temos uma cultura de contraposição: é tradição, na academia, colocar
autores em opostos extremos e eliminar um em favor de outro; se adotamos um mé-
todo, o outro já não serve mais. Será que, para sermos inclusivos, temos que destruir
instituições que ocuparam um lugar deixado vazio pelo Estado?
Uma sociedade inclusiva é aquela que proporciona as condições necessárias para que
o cidadão possa exercer seus direitos e cumprir seus deveres. Uma educação inclusiva
demanda políticas públicas que assegurem a todos os alunos a possibilidade de desenvol-
ver o máximo de suas potencialidades, de modo a apreender, usufruir e contribuir para
formar a cultura humana, para viver a comunidade.
Para reinventar a escola, não temos que romper com o que veio antes, mas sim
pensar em uma continuidade pautada em mudanças que desenvolvam práticas mais
Segregação, integração/inclusão escolar: a educação de pessoas com necessidades especiais
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inclusivas por meio da criação ou do fortalecimento de vínculos entre escolas regu-
lares e escolas especiais. Mendes (2002) explica que a legislação atual seria cumprida
caso a inserção ocorresse pelo caminho da associação entre classe comum e Sala de
Recursos, pela adoção do professor itinerante ou, ainda, por meio de classe especial.
Para a autora, a manutenção de um continuum de serviços e soluções, com ênfase na
matrícula em sala comum − com o aluno e a escola recebendo apoios especializados
de acordo com suas necessidades − propiciaria que a educação inclusiva, ao contrário
da integração escolar, saísse defi nitivamente do discurso e alcançasse a sala de aula e
as escolas.
Concluímos, portanto, defendendo que a matrícula das pessoas com necessidades
especiais seja feita preferencialmente em classes comuns das escolas regulares, mas
com o provimento das condições materiais de acessibilidade física, atitudinal e de
formação geral e específi ca. Somente com essas condições a escola pode receber e
ensinar a todos.
BAUTISTA JIMÉNEZ, R. B. Modalidades de escolarização: a classe especial e a
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TORRES GONZÁLEZ, J. A. Educação e diversidade: bases didáticas e organizativas.
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1) Aponte algumas diferenças básicas entre integração e inclusão.
Proposta de Atividade
Anotações
Segregação, integração/inclusão escolar: a educação de pessoas com necessidades especiais
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Anotações
127
Lizia Helena Nagel
A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALARA preocupação no país sobre a violência, estimulada desde 1997 pelo alerta da
Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) sobre seu
alastramento em todos os cantos do mundo, está adquirindo espaço na consciência
social dos brasileiros. Ainda de modo tímido, professores começam a se reunir para
discuti-la, movidos não só pela angústia vivida em salas de aula, como também por se
sentirem mais apoiados pelas revelações chocantes, oferecidas pela mídia, acerca do
cotidiano das escolas e das famílias.
O simples fato do início dos debates relativos à violência estar ligado ao apoio da
Unesco e da mídia já mostra que os educadores, dos quais se poderia esperar que
abrissem a discussão, estavam calados. Com dados estatísticos disponíveis em hospi-
tais, em delegacias de polícia, sobre crianças, jovens, mulheres, velhos, entre outros,
a maioria vitimada em ambientes domésticos ou educativos, independentemente da
classe social ou do poder econômico, ainda assim os professores e pais não se sentem
com coragem, ou com bagagem teórica sufi ciente, para levantar uma bandeira contra
os mais diversos tipos de agressão sofridos nas famílias ou nas escolas.
Se educar signifi ca opor-se a comportamentos que desqualifi cam o homem como
um ser social, é importante perguntar: por que os professores, pais ou educadores não
se irmanam, de modo mais disciplinado, em uma luta a favor de relações humanas mais
respeitosas? Por que pais, professores, psicólogos, médicos, profi ssionais que se sentem
responsáveis pela vida não se propuseram, até agora, abertamente, a liderar, de modo
sistemático e produtivo, campanhas contra a violação dos direitos humanos?
Crianças, adolescentes, jovens, adultos, velhos, quer como vítimas, quer como
Impossibilidade de educar para a
não-violência?Refl exões
preliminares
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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
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responsáveis pela violência, embora possam ser cotidianamente identifi cados, não se
transformaram em dados sufi cientes para envolver e empurrar os diferentes tipos de
educadores em direção a projetos marcados pela busca da autêntica civilidade. Tal in-
terrogação exige aprofundamento, principalmente porque os educadores sabem que
a realidade de amanhã está nas mãos dos fi lhos e dos alunos do presente, reféns, hoje,
de uma prática social destrutiva e, cada vez mais, potencializada.
CONSIDERAÇÕES A MARCARInúmeros fatores podem ser indexados para responder aos questionamentos so-
bre a violência. Nenhum deles, no entanto, pode ser entendido como vetor único,
responsável pela situação vivida. A compreensão relativa à complexidade das variáveis
interatuantes não só divide e multiplica, ao mesmo tempo, a responsabilidade de cada
um como favorece o entendimento de que a violência não pode ser debelada por uma
única categoria, por uma única força, por uma ou duas instituições.
Por uma questão didática, sem a pretensão de esgotar o número, a força e a com-
plexidade dessas variáveis que acionam o império crescente da violência, passamos a
discorrer sobre algumas questões que a sustentam. Iniciamos, assim, por uma rápida
comparação entre o que se espera, hoje, eticamente dos governantes, políticos, juízes,
cidadãos e o que se pensava sobre a moralidade deles no início do século XX. Se os car-
gos públicos eram entendidos como destinados a pessoas dignas de serem imitadas,
ou admiradas, por suas convicções e práticas, os homens da atualidade, com cargos
eletivos ou executivos, deixaram de ser identifi cados e/ou selecionados por tais atribu-
tos. As funções que são atribuídas aos representantes do povo não são mais associadas
ao comando de homens íntegros, comprometidos com deveres em prol das relações
sociais. As funções públicas não são mais vistas como carentes de homens honrados.
Se, antes, o homem público era descrito com um perfi l delimitado por regulações mo-
rais, o homem público atual, outrora desenhado como “modelo cívico”, caiu por terra.
A consecutiva e crescente publicização dos escândalos dos indivíduos ligados ao
Estado, antes entendidos como “pessoas de bem”, muito tem contribuído para des-
caracterizar o político, o cidadão como um ser virtuoso. Na verdade, a divulgação de
comportamentos atípicos no espectro da moralidade não tem por objetivo imediato
a preocupação com a negação de atitudes antissociais. A mídia, preocupada essen-
cialmente em capitanear manchetes, sempre sustentadas pela defesa incondicional da
liberdade da imprensa, não tem por meta a educação em uma a perspectiva ética. No
entanto, ela educa muito mais por sua aparente neutralidade na narração dos fatos do
que reconhece sua capacidade de interferência nas ideias e nas ações dos indivíduos
129
comuns1. Ao não tomar partido, contudo, ela educa por vulgarizar, tornar corriqueiro,
apresentar como padrão um homem que, sob o manto da impunidade, defendendo
interesses próprios, não busca relações sociais mais qualifi cadas.
A imprensa, advogando e administrando, sem limites, o princípio da não-censura
(bandeira liberada de qualquer dever, ou ônus, correspondente a esse direito), siste-
maticamente, informa aos cidadãos, com metodologia sensacionalista, acerca da cor-
rupção “dos outros”. O leitor transforma-se, assim, pela repetição dos fatos, em um
condenado a desacreditar naquilo que antes era induzido a valorizar. Também, pela
mudança rápida do foco das noticias é, subliminarmente, induzido a abandonar os ve-
lhos desejos de aperfeiçoamento, de desenvolvimento, de superação antes considera-
dos condição de melhoria da sociedade brasileira. Resta, por essa educação midiática,
desacreditar no homem, qualifi cando-o, apenas, por seu potencial de “sagacidade” e
de “criticidade”, fl uido e sem parâmetro! Afi nal, a impunidade também já foi traduzida
como natural!
A propagação contínua, ad nauseum, de que os dirigentes do país não só têm os
pés de barro como são, totalmente, imunes a qualquer sanção, de fato termina por
educar todas as classes sociais Na internalização dessa “verdade”, forjada pela repeti-
ção dos fatos e/ou das informações, concretiza-se, pelo mesmo caminho, o crescimento
da consciência de ser o sucesso um produto do descumprimento de normas e regras.
Nesse quadro, paradigmas de idoneidade, modelos de intelectuais bem formados, re-
ferências de profi ssionais competentes, imagens de políticos escrupulosos desapare-
cem no horizonte e expressam-se no desinteresse progressivo pela coisa pública. Os
inumeráveis e crescentes habeas corpus que assolam o país não só garantem as mais
esdrúxulas impunidades como deslegitimam as instituições, vulgarizam e desqualifi -
cam as profi ssões, desacreditam os intelectuais, roubam a dignidade dos homens em
geral, assim como conferem a pena de morte a qualquer adesão a princípios éticos,
norteadores de atos sociais politicamente comprometidos com a coletividade.2
1 A neutralidade da mídia se faz pela mutabilidade constante das manchetes que ora acusam, ora mostram argu-mentos de defesa dos anteriormente acusados.
2 Quando a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional de Minas Gerais) encaminha uma campanha para recuperar a imagem do próprio advogado, conforme depoimento de Luiz F. Valladão, só essa decisão já mostra a perda ou o desgaste da imagem desses profi ssionais. http://oab.quipus.com.br/oab8.qps/Rf/QUIS-7DRSQZ, acessa-do em 07.02.09 às 8h30 min.
Impossibilidade de educar para a não-violência?Refl exões preliminares
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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Se a pós-modernidade3 vem louvando, como conquista social, a defenestração de
princípios (éticos) reguladores da vida em comum, a morte dos modelos4, convém
lembrar que nem modelos, enquanto modelos, foram eliminados e, tampouco, prin-
cípios reguladores de comportamentos foram extintos no mundo das mercadorias ou
do consumo compulsivo. Convém explicitar, então, quais argumentos sustentam essas
afi rmações tão desprovidas de bases concretas.
Na verdade, o conceito, a concepção, ou a função do modelo, tal como era antes
entendido, não é nem o ponto de partida, nem o ponto de chegada dos interessados
na extinção de práticas orientadas por perfi s ou referências já conhecidas. Os “mo-
delos”, ou os princípios teóricos de atuação social condenados pelos pós-modernos,
são entendidos, fundamentalmente, como meras expressões de poder, coerção, im-
posição, violência física ou simbólica. Qualquer modelo é lido como objetivado pelo
arbítrio de uns sobre outros que, frágeis, de modo submisso se poriam a cumprir as
regras dadas pelos detentores de algum tipo de força social. Nesse quadro de ações
fundamentalistas contra qualquer poder, pais e professores são os primeiros condena-
dos a abrir mão de sua autoridade5. Os educadores em geral são condenados a abrir
mão de deliberações e ações diretivas consideradas, a priori, metafi sicamente, como
destrutivas da subjetividade, como abusivas frente aos direitos individuais de cada um.
Mas a realidade é mais complexa do que muitos cérebros que dela falam. Isso
porque os modelos e princípios reguladores das atividades humanas continuam a
existir, agora, como fantasmas! Mais difusos na prática social ou na prática educativa,
tornam-se apenas menos aparentes, ou ainda detectados fi losofi camente, sem materia-
lidade. Os modelos em sua objetivação saem das mãos dos personagens reconhecidos,
como pais e educadores, e multiplicam-se na imprensa, televisão, Internet, orkut etc.
O “conteúdo” dos novos modelos, ajustados à era cibernética, substituem os velhos
perfi s desejados para os homens. A subjetividade continua construída, acionada ou
3 Como representantes da pós-modernidade incluem-se todos aqueles que privilegiam: a) o singular, o particular, ou o inédito; b) a afi rmação da inexistência de verdades ou princípios de caráter universal; c) a libertação de qualquer parâmetro teórico; d) a louvação do presente como superação qualitativa do passado, e) o entendimento do sujeito como criador de si mesmo emancipado de forças sociais ou de “violências simbólicas”; f ) a liberdade emancipada de qualquer regra, norma, controle ou coerção, entre outras características já postas pela literatura específi ca.
4 Modelo, neste artigo, de modo simplifi cado, deve ser entendido como um recurso metodológico capaz de auxi-liar no encaminhamento de conhecimentos e de práticas consideradas relevantes para um determinado contexto, servindo, também, mesmo que indiretamente, para compreensão e análise da realidade a qual ele se refere. Implica na descrição de um perfi l considerado ideal que facilitaria a direção educativa desejada assim como oportuniza a crítica a esse mesmo ideal projetado como conveniente à sociedade.
5 Autoridade, aqui, é tomada como diretividade, como condução de um ponto defi nido para outro desejado, não sendo identifi cada como arbítrio posto ter, em sua base, interesse social de qualidade maior ao já existente.
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(de)formada, agora, por outros meios e por outros “modelos”.
A subjetividade que foi analisada, a partir dos anos 60 do século XX de forma gra-
dativa e crescente, como perigosamente destruída por “modelos educativos impos-
tos”, mantém-se forjada (ou destruída?) por outras referências, agora não mais iden-
tifi cadas, ou reconhecidas, como reguladoras dos novos comportamentos. O pai, por
exemplo, tem como espelho a imagem do “fi lho sarado”, a mãe tem como referência a
“jovem descomprometida”, a fi lha se reconhece na “Gisele Bündchen”, os meninos, de
qualquer idade, sentem-se respeitados pela grife em uso, e a professora só se justifi ca
se for democrática (ainda que ignorante)!
O novo, mais novo, portanto, na sociedade dos “sem-modelo” não é a condenação
à morte de uma educação pautada em modelos impostos. Não é a negação da virtuali-
dade do modelo ou da saga de qualquer modelo, que é a de ser reproduzido quer na
modernização, quer na superação da forma anterior. O mais importante na sociedade
dos “sem-modelos” é a rejeição visceral a qualquer situação que possa implicar com-
promissos com os outros.
Ainda que a pós-modernidade liberte seu grito hedonista, afi rmando o crepúsculo
do dever, a morte do moralismo, os modelos, os paradigmas, os referenciais que inter-
ferem na formação ou educação dos homens continuam, agora, mais do que nunca,
revitalizados pela volatilidade do mercado e pela força da publicidade, da propaganda.
Criticado e rejeitado o discurso sobre a educação por modelos tal como o passado
afi ançou, os cidadãos confi rmam, contraditoriamente, no dia-a-dia, a prática efetiva da
imitação de novos ícones, sob a coordenação dos holofotes da mídia e/ou do mercado.
Nas artes, Britney Spears, Amy Winehouse, “estrelas” fabricadas, mobilizam, nos
fãs, o desejo de viver no mundo de espetáculos, das fantasias. Pichadores com seu
estilo repetitivo são enquadrados na categoria de artistas como Anita Malfati, Segal, Di
Cavalcanti, com talento sufi ciente para não se reproduzir, da mesma forma, em todas
as obras. Paulo Coelho entra para a Academia ao lado de notáveis como Aluízio de
Azevedo, Ruy Barbosa, Machado de Assis. A moda faz dos jovens uma cabeça universal
com boné.
Propondo-se a colocar todos como iguais pela reprodução de papéis, de perfi s,
de comportamentos, a moda, mesmo efêmera, com um vigor centuplicado, sem in-
terferências contrárias faz o papel dos antigos modelos educativos. Na sociedade de
consumo, não deixa de se transformar no mais novo recurso metodológico, capaz de
padronizar hábitos, atitudes, habilidades, com muito maior fôlego do que os velhos
modelos ligados à moralidade existencial. Na sociedade globalizada, a moda padroniza
comportamentos, produz (ou educa) o maior número de adeptos à forma de vida de-
fi nida como a melhor. Por meio das mais variadas formas de comunicação, entranha-se
Impossibilidade de educar para a não-violência?Refl exões preliminares
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
132
na subjetividade de todos o modo de ser, de pensar, de agir, de viver nominado como
o mais moderno, o mais avançado para os cidadãos da sociedade do “conhecimento”!
Dominados por comportamentos padronizados, os indivíduos, contraditoriamente,
pensam-se como únicos dentro de uma “pluralidade” de iguais já modelados!
Na produção dessa modelagem em série, de novas subjetividades, por exemplo,
nada melhor do que lembrar personagens como Monk e House, titulares das séries
televisivas mais premiadas nos últimos anos. Representando um tipo-padrão de com-
portamento, esses personagens invadem todos os países e fertilizam, em todas as resi-
dências, a aceitação de comportamentos irascíveis, infl exíveis, antissociais, fóbicos. Os
heróis do passado, que antes eram vendidos como lutadores contra injustiças, defenso-
res dos oprimidos, controladores de atos de vandalismo, tornaram-se obsoletos. Robin
Hood, Zorro, Capitão Marvel, entre tantos outros modelos do século XX, desaparecem
do imaginário social na mesma neblina pela qual lobos passam a ser transformados em
cordeiros, homens em vampiros e mulheres6 são formatadas pelo sexo e pelas drogas.
Louva-se um outro tipo de homem. Os velhos padrões (ou os velhos modelos com
grande durabilidade) precisam ser substituídos pelo mercado. A substituição radical
de comportamentos fi ca, assim, à deriva do capital, que impõe a descontinuidade, a
não-permanência, como único ritmo para seu desenvolvimento.
Nessa perspectiva de descontinuidade, de não-permanência, de rejeição de prin-
cípios condutores de ações a longo prazo, o maior representante do neoliberalismo,
Richard Rorty (1931-2007), defende a ideia de que no indivíduo cabe, apenas, incre-
mentar a esperança e a solidariedade, uma vez que as verdades, os paradigmas, as
referências, antes creditados e acreditados, só podem ser assumidos como afi rmações
pouco prováveis. Como ele mesmo diz: “Los llamados neopragmatistas no están dema-
siado preocupados por la fi losofi a moral y la fi losofi a social [...]” (1997, p. 10). O que
pode ser interpretado pela frase: o mundo atual não mais está interessado na formação
de homens com princípios fi losófi cos, sociais, universalizantes.
Nesse quadro, no contexto das práticas atuais, torna-se impróprio advogar um
código de ética universal. A subjetividade reclamada, como oposição permanente a
denominadores comuns, é aquela que não admite interferências de valores alheios ou
estranhos aos interesses de cada indivíduo. A luta contra a violência, exatamente por
essa razão, também se torna, se não obsoleta, quiçá esquizofrênica. O melhor discurso
a favor da paz entra em contradição com o discurso hegemônico que se move rejeitan-
do qualquer coerção, regra, lei ou princípio. Isso porque todo parâmetro, modelo ou
6 Séries da televisão como Gossip.
133
princípio, para julgar qualquer ação humana já é, na verdade, traduzido como ataque
à subjetividade, ou ainda como autêntica objetivação da violência.
A pós-modernidade, intitulando-se como um movimento libertário, contradito-
riamente convive, sem contestação ou repúdio, com os modelos construídos pelo
mercado e viabilizados, em profusão, pela mídia. Negando a educação intencional,
institucionalizada, ignora a formação dada aos cidadãos pelos meios de comunica-
ção. Eliminando do raciocínio a relação entre subjetividade e objetividade (no caso,
educação formal ou informal), entre individuo e sociedade, organizam discursos que
proliferam nos meios pedagógicos, orientando pais e professores a “não destruírem” a
subjetividade de seus fi lhos e alunos. Subjetividade que, na verdade, ajusta-se à Revo-
lução Tecnológica, à informatização, à automação e à robotização e respondem pelas
mudanças estruturais de nossa sociedade.
O PENSAMENTO QUE (SÓ) QUER “LIBERTAR”... Essa despreocupação dos educadores frente à formação administrada pelos meios
de comunicação, no entanto, precisa ser mais bem aprofundada. As perguntas básicas,
nesse momento, seriam: O que faz com que a educação por modelos seja tão ridi-
cularizada? Por que modas, ou “modelos”, atuais, inerentes à educação midiática,
intrinsecamente unidos ao desenvolvimento da produção fl exível, não são apresen-
tados, denunciados, como organizadores e/ou destruidores de subjetividades? A res-
posta, que não é simples, toma forma, aqui, na seguinte hipótese: confere-se a cada
indivíduo a possibilidade de produção de sua própria subjetividade, desde que ele não
se submeta ao já dado, ao já dito, ao já feito, ao já regulado ou já legislado!
Os pós-modernos parecem admitir que as transformações operadas pela tecnolo-
gia, as contínuas mudanças na sociedade, por não viabilizarem a duração ou a rigidez
dos conceitos, concepções, normas ou regras, permitem aos homens grande margem
de independência. Nesse quadro, os indivíduos, se libertos de saberes e valores impos-
tos como racionais, antes admitidos como verdades, mas em fase de substituição por
outros, podem construir sua subjetividade de modo soberano. A fl uidez do mundo,
as mudanças no mundo industrial são percebidas como possibilidade de recusa de
todas as práticas e de todos os discursos já constituídos. Solidifi ca-se, assim, a ideia de
libertação ou de emancipação do homem dessa sociedade, lida e reduzida, sem contra-
dições, apenas, a uma “natureza disciplinadora” que deve ser negada”.
Nessa perspectiva, o fazer-se homem como dono de si mesmo implica um exer-
cício oculto de crítica sobre o mundo em que vive. Deve manter-se em atitude de
“estranhamento” diante de todos os “fazeres” e de todos os “dizeres”. Sua princi-
pal qualidade será a “desobediência”, que se faz concreta pela recusa espontânea
Impossibilidade de educar para a não-violência?Refl exões preliminares
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
134
e sistemática a endossar qualquer informação ou orientação. Ideias, juízos, delibe-
rações, já formuladas, ou atos já consagrados, se assumidos, revelariam um homem
ultrapassado, sem criatividade, reprodutor subserviente de uma sociedade que, já em
mudança, não mais suporta velhos hábitos. Urge, pois, a formação do sujeito pela via
da negação de qualquer ação realizada, ou por realizar, por outrem.
Essa proposta de autonomia absoluta, essa pretensão em não ser, em nenhuma hi-
pótese, “refém” do outro, tomando proporções fantásticas, torna-se o desejo universal
de todas as classes sociais. O discurso a favor da emancipação de tudo e de todos, a
favor de uma “distância isolacionista”, da negação das relações em suas mínimas
possibilidades, do desinteresse pelo outro e que se converte em autêntica apatia polí-
tica toma dimensões inacreditáveis no mundo atual. Como não poderia deixar de ser,
esse discurso entra na educação que proclama, contraditoriamente, o “dever de nada
ensinar a qualquer fi lho, a qualquer aluno”!
Para isso, contribuem inúmeros pensadores, divulgados consecutivamente pelos
(interessados) meios de comunicação. Tais pensadores, ao se referenciarem como van-
guarda, descrevem-se como integrantes de uma categoria privilegiada que conseguiu
superar os erros e limites do passado, contraditoriamente, pelo uso da própria razão
negada! Importante lembrar que tanto os favoráveis à reprodução da sociedade capita-
lista quanto os que a ela se opõem, nesses tempos, lutam pela autonomia absoluta dos
homens, desembainham espadas para cortar as amarras que impedem o indivíduo de
ser único em suas decisões.
Entre os intelectuais de renome, defensores do neoliberalismo, Hayek e Friedman
reforçam a nova fase do capitalismo, a partir dos anos 1970. Hayek (1889-1992) acen-
tua a condição considerada básica para manter e agilizar a sociedade ocidental: respei-
tar e acatar as opiniões e os gostos pessoais assumindo-os, sem interferências, como
supremos (1977, p. 15). Sustenta, claramente, em sua obra O caminho da servidão,
a necessidade de libertar os indivíduos de quaisquer orientações diretivas, realçando
a importância de todos se sentirem como donos de seu destino. Sua proposta básica
não deixa de incitar todos a cobrarem o direito individual de seguirem seus próprios
valores e preferências em vez de os alheios.
Friedman (1912-2006), outro economista de renome, em seu livro Capitalismo e
Liberdade (1988), confi rma os axiomas de Hayek, defendendo o pressuposto de que
nada existe além do próprio indivíduo, nem pátria, nem qualquer outra ideia. Nessa
direção, afi rma ser qualquer intervenção externa um ato coercitivo, destrutivo. Na
grandeza conceitual dada à coerção, agora já detalhada como um mal maior, o interes-
se pela acumulação capitalista torna-se pouco transparente.
Mas não só economistas e políticos da atualidade reproduzem discursos da
GRAFIA
CORRETA:
Hayek e
Friedman
135
não-regulação. Filósofos, historiadores, antropólogos, entre outros profi ssionais das
áreas de ciências humanas, vêm acentuando posicionamentos semelhantes. Coesos,
pelo espaço que lhes é concedido na mídia, apontam para o ideal educativo comum:
libertar os indivíduos de qualquer força externa ao sujeito. Pais e professores, fi lo-
sófi ca e didaticamente, são orientados a se posicionarem a favor da não-interferência,
a respeitarem a autonomia dos fi lhos e dos alunos. São instados a execrar qualquer
instrumento ou parâmetro regulador de comportamentos, pois qualquer medida
neste sentido não é só considerada uma invasão de privacidade como um abuso de
autoridade.
O sujeito (de fato, já modelado pela cultura em que está inserido), segundo os
pioneiros desse mais novo movimento cultural, deve ser respeitado pelo modo de vida
escolhido, pelos valores que expressa, por seu direito de ser único. O dogma contem-
porâneo da não-interferência em qualquer das múltiplas formas possíveis de ser dos
indivíduos leva, todavia, a um tipo de educação que tem como objetivo mais defi nido e
relevante a estimulação para a tomada de decisões individuais. Nessa educação para
a tomada de decisões personalizadas, o segundo corolário obrigatório consiste em
incentivar o aluno a transformar-se em um eterno contestador, nunca subserviente,
nunca crédulo, nunca submisso ao já existente.
Defendendo tais pontos de vista, com poucas diferenças signifi cativas, portanto, in-
capazes de destruir a unicidade entre eles quanto à defesa da construção da subjetivi-
dade, sem a imposição de saberes já dados, alguns pensadores confi rmam tal práxis na
sociedade, marcando sobremaneira o cotidiano de professores e de pais. Lembrando
os mais citados, temos: Nietzsche (1844-1900), Deleuze (1925-1995), Foucault (1926-
1984), Derrida (1930-1995) e Lipovetski (1944-).
Estes autores, de fato, nas últimas décadas, marcam os fi ns e os meios dos pro-
cedimentos educativos por “aconselhamentos sistematicamente repetidos”. Frases
eloquentes e sedutoras são defendidas por seus inúmeros intérpretes brasileiros.
Elencando alguns pontos dessa “doutrina”, assumidos como “leme para uma nova
pedagogia”, apresentamos ideias-chave dessa nova forma de educar, associadas aos
intelectuais proponentes: a) “[A] subordinação tem de desaparecer, pois [assim] desa-
parece o seu fundamento: a crença na autoridade absoluta” [...] (NIETZSCHE , 2005,
p. 216): b) O “adestramento” (educação por forças exteriores equivalentes à violência
ou ao poder) priva o homem de julgar por si mesmo, leva o sujeito a se perder em
generalizações indevidas. Importante é libertar o pensamento das regras, das institui-
ções, das ideias que o deformam (DELEUZE, 1998); c) Importante é não ser governado
em nome de princípios, em vista de objetivos e por meio de procedimentos defi nidos
interessados em fi ns já estabelecidos (FOUCAULT, 1990); d) O velho humanismo deve
Impossibilidade de educar para a não-violência?Refl exões preliminares
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
136
ser substituído; ele deve ser pensado como aquele que estabelece limites à força, às
leis proclamadas, aos discursos políticos, aos direitos instituídos. A autoridade deve
ser submetida à inquirição, à crítica, à reavaliação (DERRIDA apud BAUMAN,1998);
e) O espírito de abnegação está desvalorizado por toda parte, enquanto se reforça a
paixão do Ego, do bem-estar e da saúde [...] Seja qual for o estado de graça da ética,
a cultura sacrifi cial está morta, nós deixamos de nos reconhecer na obrigação de viver
para outra coisa se não por nós mesmos (LYOTARD, 2005).
Como podemos perceber, todos concordam, na base, em não mais formar o cida-
dão com universais reguladores de comportamentos. Não é mais relevante formar o ci-
dadão para a República, mas sim incentivá-lo a reforçar a paixão por si mesmo, por sua
curiosidade, por seu estado de constante “estranhamento”. Em uma confl uência de
interesses, podemos dizer que o projeto educacional dos fi lósofos pós-modernos, na
verdade, funde-se ao dos neoliberais pela negação absoluta de qualquer diretividade.
Da mesma forma, os dois se fundem, também, pela negação peremptória de qualquer
comparação, o que garante legitimidade a qualquer ação, ato, desejo ou forma de ser
da cultura ou de cada indivíduo. Em síntese, o pensamento “reacionário” se encontra
defi nitivamente com seus “contestadores”.
A EDUCAÇÃO QUE NÃO QUER ENSINAR... Considerando que a Unesco não só alerta para a violência crescente, como contrata
Edgar Morin para delinear a educação ideal para o século XXI – o que ele realiza em Os
sete saberes necessários à educação do futuro, convém elucidar se o projeto de Morin
contraria ou afi rma as linhas mestras defendidas pelos intelectuais aqui apresentados.
Morin se põe ao lado dos que condenam a forma de pensar e de agir que teria regu-
lado o século XIX e XX. O discurso contra o racionalismo em seus erros e falácias leva-
o a solicitar da educação um comportamento permanente na identifi cação dos limites
dessa forma de pensar. Enaltece a necessidade constante de questionar o existente e,
em paralelo, a de respeitar a diversidade e a pluralidade. Propaga que ensinar não é
distribuir certezas, verdades, convicções, mas provocar dúvidas, oferecer meios para
a contestação ou o “estranhamento” permanente.
Negando as relações do todo com as partes, tal como o antigo racionalismo reque-
ria, propõe a analisar o mundo pela complexidade, categoria pouco interessada em
estabelecer nexos (causais ou não) entre os elementos de um dado sistema. Aproxima-
se, pois, dos pós-estruturalistas ao destruir a importância dos paradigmas como opção
metodológica para análises.
Quanto ao conhecimento, prega ser o mundo (objetivo) captado por meio de
estímulos individuais, consequentemente, atribui grande peso ao saber vinculado a
137
traduções e reconstruções pessoalizadas. O conhecimento cientifi co é, portanto, rela-
tivizado, apoiando a ideia de projetos privados, particulares, de vida, de acordo com
as experiências próprias, ou com base nas formas como cada indivíduo se relaciona
com os signos.
Exalta a competência que, em sua obra, abre-se para uma nova conotação muito
mais alargada: transforma-se em capacidade para saber lidar com o mundo tal como
é (!). Nessa proposta educativa, inclui, como meta fundamental, a efetiva compreensão
que deve se desdobrar, na prática, como solidariedade. Nesse ponto, lembra que o
exercício da solidariedade moriniana não implica o uso de qualquer paradigma como
estímulo para as ações, posto já terem sido todas as referências ou modelos existentes
colocados na berlinda.
Nesse momento, sem o desejo de transformar o capitalismo, agora interessado
em uma globalização mais alargada, somente com a intenção de apaziguar os ânimos
conturbados na passagem do milênio, o discurso da tolerância que busca a paz, já uti-
lizado por Locke (1632-1704), retorna com as modifi cações necessárias, ou adequadas,
aos novos tempos. O primeiro7 expressa o propósito de organizar situações positivas,
políticas, para o nascimento e desenvolvimento da sociedade das mercadorias em fun-
ção das difi culdades trazidas pelas guerras religiosas da época. O segundo expressa
o interesse em sossegar a animosidade própria às convulsões do Leste e do Oeste
europeu que precisam ser harmonizadas para a estruturação, em nível absolutamente
internacional, do sistema capitalista sem fronteiras, sem Estados nacionais. Como as-
sinala Nagel:
Ao fi nal do século XX, na fase da negação do Estado Nacional, visto como res-ponsável pelos entraves relativos ao alargamento das empresas transnacionais, ou como responsável pelos entraves a uma nova divisão do trabalho interna-cional, retoma-se essa luta contra a coerção cerceadora do progresso capitalista escamoteando-a e/ou simplifi cando-a (sem nenhuma criticidade) como princí-pio educativo da atual sociedade! (2007, p. 31).
As demandas típicas para o desenvolvimento do capitalismo, não só de Locke, po-
dem ser recuperadas. A força do discurso de Stuart Mill (1806-1873) na defesa do indi-
vidualismo também reaparece no enfático discurso dos defensores de uma liberdade
7 Locke, interessado em um pacto social entre homens (nesse momento entendidos por sua racionalidade), respei-tados como iguais em suas diferenças religiosas, escreve a Carta acerca da tolerância (1978, p. 21), na qual aponta a vida como precária e de duração incerta, por isso mesmo, carente de decisões livres, individuais, emancipadas de coerções externas. Descontadas as diferenças entre as exigências típicas do nascimento da sociedade capitalista e a sua reprodução na fase atual, observamos que a busca educacional na perspectiva da liberdade natural dos indivíduos, ainda hoje (mesmo sob a defesa de uma nova epistemologia) é mantida.
Impossibilidade de educar para a não-violência?Refl exões preliminares
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
138
mais radical. Aproximando-as, temos que Mill (1983) defende, tal como os pensadores
pós-modernos, que “as coisas na vida são mais bem feitas quando se deixa liberdade
de ação àqueles que têm um interesse imediato envolvido, sem controle por parte da
lei ou da intromissão de algum funcionário público” (p. 403).
Como podemos constatar, hoje, em situação diversa a dos idos do século XIX (tão
rejeitado pelos intelectuais), neoliberais e pós-modernos recuperam a exigência de
que cada indivíduo busque sua satisfação, sua “verdade”, afi rmando, indiretamente o
descrédito e o descompromisso para com as instituições existentes ou com as normas
reguladoras externas a aspirações subjetivas.
Nesse quadro, outra hipótese pode ser levantada: a educação do século XXI é
instada a buscar a paz, o que não signifi ca a negação da violência que agride pais
e professores. A negação da violência, desagregadora de ambientes familiares e institu-
cionais, desrespeitosa frente à dignidade das pessoa, sustenta-se no tempo por estar
fundamentada na defesa exacerbada dos direitos individuais, na defesa da liberdade,
como se ela fosse de ordem natural. A manutenção da violência de todos os dias, em
todas as esferas de ação dos homens, está, por conseguinte, intimamente relacionada
com a determinação de não constranger subjetividades por imposições externas, por
modelos, paradigmas ou referências, o que se traduz em benefício apenas para o de-
senvolvimento da sociedade das mercadorias.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1998.
DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1998.
DERRIDA, J. Os espectros de Marx. Rio de Janeiro: Relume, 1994.
FABRINI, R. N. O ensino de fi losofi a: a leitura e o acontecimento. Revista Trans/
Form/Ação, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 7-27, 2006.
FOUCAULT Qu’est-ce que la critique? Critique et Aufklärung. Bulletin de la Société
française de philosophie, v. 82, n. 2, p. 35-63, avr./juin, 1990. Conferência proferida
em 27 de maio de 1978. Tradução de Gabriela Lafetá Borges e revisão de Wanderson
Flor do Nascimento. Disponível em: <http://www.unb.br/fe/tef/fi loesco/foucault/
critique.html>. Acesso em: 12 jan. 2009.
Referências
139
Impossibilidade de educar para a não-violência?Refl exões preliminares
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HAYEK, F. O caminho da servidão. 2. ed. São Paulo: Globo, 1977.
LYOTARD, G. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo.
Barueri, SP: Manole, 2005.
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PERRENOUD, P. Novas competências para ensinar: convite à viagem. Porto Alegre:
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RORTY, R. Esperanza o conocimiento?: una introducción al pragmatismo. Buenos
Aires: Fondo de Cultura Económica, 1997.
RORTY, R. Objetivismo, relativismo e verdade. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
2002.
1) Considerando o texto em tela e considerando que o homem, mesmo diante de circuns-tâncias limitantes, é capaz de modifi car a natureza, alterar situações humanas, modifi car comportamentos, escreva como pais e professores poderiam encaminhar dez situações educativas difi cultadoras do ciclo evolutivo do individualismo, que permite, quando esti-mulado, a concretização de violência nas relações interpessoais.
Proposta de Atividade
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OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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Anotações
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Luciana Grandini Cabreira / Luzia Grandini Cabreira
A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coi-sa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum (ARENDT, 1972, p. 247).
O ensino, assim como sua consequência natural – a aprendizagem, têm sido temas
de inúmeros debates acerca dos problemas que ocasionam o insucesso escolar. É co-
mum observarmos que a educação, frente ao nível de desenvolvimento que a socieda-
de contemporânea alcançou em diferentes áreas, tem sido um referencial até mesmo
para indicar o nível de desenvolvimento de determinada população. Dessa maneira,
não é por acaso que os países com os piores índices de alfabetização também façam
parte dos considerados “em desenvolvimento” ou ainda “países periféricos”.
Assim, quando verifi camos que o Brasil integra o grupo dos nove países com maior
índice de analfabetismo, entendemos que a temática “fracasso escolar” está longe de
ser esgotada. Isto porque consideramos que refl ete um conjunto de medidas e de pes-
soas envolvidas com esse processo que afeta nosso cotidiano de forma muito peculiar.
Se entendermos o fato de a escola ainda não ser para todos, então o “fracasso es-
colar” deve ser atribuído ao sistema educacional, que não garante vaga para todos os
brasileiros em idade escolar.
Se entendermos que os professores não conseguem promover a aprendizagem,
então o “fracasso escolar” é dos cursos de formação, que, contrariando a LDB 9394/96,
não conseguem formar professores.
E ainda, se entendemos que a questão do fracasso escolar é resultado das políticas
econômica e social, então o responsável pelo “fracasso escolar” é nosso sistema de
governo, que promove a exclusão social e pratica a “política da escola dual”.
Assim, o que pretendemos é analisar o fracasso escolar na contemporaneidade,
considerando que vem ocupando espaços nas agendas internacionais enquanto preju-
dica jovens e crianças que tendem a fazer parte dos contingentes de excluídos que vão
O fracasso escolar e suas implicações
na atualidade
11
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
142
viver à margem de uma sociedade tecnológica e científi ca.
FRACASSO ESCOLARO fracasso escolar se apresenta sob diferentes formas, estendendo seu alcance às
populações com maior índice de vulnerabilidade social. Neste sentido, para compre-
ender melhor seus efeitos, precisamos conhecer as variadas nuances que o identifi -
cam. Caillods (2008) descreve algumas situações que identifi cam o fracasso escolar.
Son muchas las manifestaciones del fracaso escolar. Evidentemente, la primera de ellas es el índice de repitencia experimentado por los alumnos, y que aca-rrea el atraso escolar em el que quedan sumidos. La segunda manifestación es la desigual duración de sus estúdios, como también los índices de abandono escolar uma vez terminada la escolarización obligatoria. Um tercer indicador es el nível de conocimientos alcanzado, ya sea después de alguns años de estú-dios primários, como los 15 años de edad, uma vez fi nalizada laescolarización obligatoria, y también lãs distancias observadas entre los alumnos sobre el par-ticular. Um último indicador son las difi cultades para encontrar empleo que experimentan los jóvenes salidos del sistema educativo (p. 146-147).
Para conter as manifestações do fracasso escolar, apresentadas por Caillods (2008),
percebemos que no Brasil, o Ministério da Educação e Cultura – MEC, por meio do De-
creto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, que trata da implementação do Plano de Metas
Compromisso “Todos pela Educação”, pela União Federal, “em regime de colaboração
com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunida-
de, mediante programas e ações de assistência técnica e fi nanceira, visando a mobiliza-
ção social pela melhoria da qualidade da educação básica” estabelece no Artigo 2º que:
A participação da União no Compromisso será pautada pela realização direta, quando couber, ou, nos demais casos, pelo incentivo e apoio à implementação, por Municípios, Distrito Federal, Estados e respectivos sistemas de ensino, das seguintes diretrizes:I - estabelecer como foco a aprendizagem, apontando resultados concretos a atingir; II - alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos de idade, aferindo os resultados por exame periódico específi co;III - acompanhar cada aluno da rede individualmente, mediante registro da sua freqüência e do seu desempenho em avaliações, que devem ser realizadas periodicamente; IV - combater a repetência, dadas as especifi cidades de cada rede, pela adoção de práticas como aulas de reforço no contra-turno, estudos de recuperação e progressão parcial;V - combater a evasão pelo acompanhamento individual das razões da não-freqüência do educando e sua superação (BRASIL, 2007).
Por isso, ao enfocar, em detrimento do ensino, a “aprendizagem” no inciso pri-
meiro, observamos que há, por parte dos legisladores, um entendimento de que o
143
objetivo da educação se concretiza apenas se ocorre o aprendizado. Da mesma forma,
propõem nos incisos seguintes ações que priorizam o processo de alfabetização, o
controle de faltas, o combate à repetência e à evasão escolar. Medidas que visam a
atenuar o fracasso escolar, que, segundo Caillods (2008), se manifesta na repetência
escolar, a qual, por seu turno, acarreta atraso nos estudos e até mesmo a desistência
do aluno.
No entanto, sem uma política efetiva de melhoria do ensino público e de formação
do educador o insucesso escolar tende a permanecer no cenário educacional brasileiro.
Será que os que trabalham com a educação, quem vivem, enfrentam seus pro-blemas cotidianos e tentam encontrar soluções – os professores, estudantes, pais e os pesquisadores nacionais/locais – serão ignorados como sempre? Todos parecem continuar sendo ignorados/descartados/desautorizados como atores-intelectuais-ativos. Isso se dá porque eles vêem o mundo de uma outra perspectiva, distinta daquele defendida pelo Banco baseada em quantifi cação/custos, qualifi cação reduzida a testes ou taxas de aprovação/repetência, educa-ção à distância ou treinamento em serviço ao invés de qualifi cação do professor (SIQUEIRA, [200-], p. 9).
PERSPECTIVAS POLÍTICAS DO FRACASSO ESCOLAR NA CONTEMPORANEIDADE
[...] a escola é uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber sistematizado (SAVIANI, 2005, p. 14).
Na atualidade, temos, no país, um alto índice de analfabetismo. Em escala mundial,
estamos entre os países com as piores taxas de alfabetização. Juntamente com Bangla-
desh, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão, o Brasil fazia parte,
em 1990, do grupo dos nove países do mundo com a pior taxa de alfabetização do
mundo e onde poderia ser encontrada a grande maioria que integra as “100 milhões
de crianças fora da escola e mais de 900 milhões de adultos analfabetos” da sociedade
contemporânea.
Com isso, o Brasil, signatário dos tratados internacionais voltados para a área edu-
cacional, vem adotando políticas públicas no sentido de superar o fracasso escolar
e diminuir o número de analfabetos brasileiros. Na Conferência Mundial de Educa-
ção para Todos, realizada em 1990, na Tailândia, em Jomtien, os países fi rmaram o
compromisso de “impulsionar políticas educativas articuladas” (SHIROMA; MORAES;
EVANGELISTA, 2007, p. 48).
Essas políticas articuladas recomendam, na prática, o envolvimento do Estado, de
organizações sociais e de forças políticas e econômicas no “provimento da educação”
(SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2007, p. 52), porque consideram que:
O fracasso escolar e suas implicações na atualidade
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
144
[...] o que está em risco, segundo o diagnóstico dos organismos multilaterais, é nada mais nada menos que a paz mundial! Paz necessária e a ser assegurada pelo investimento que todos os países devem despender na educação. Essas mesmas formulações vão estar presentes nos documentos gerados por uma avalanche de seminários realizados no Brasil, após Jomtien.
Nesse âmbito, o cenário que verifi camos, no contexto das políticas educacionais,
aponta que o Brasil se norteou pelas determinações dos organismos multilaterais para
a década de 1990, período em que foi gestada a nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, a atual LDB 9394/96, com a visão de uma educação com o papel
de promover a equidade social e garantir o acesso à educação básica a quase todos os
brasileiros.
As principais diretrizes da reforma são a desconcentração do fi nanciamento e das competências de gestão relativas à educação básica em favor dos Estados e Municípios, e sua focalização no ensino fundamental de crianças e adolescen-tes. O instrumento criado para alcançar tais objetivos foi a Emenda Constitucio-nal 14, proposta pelo Executivo e aprovada pelo Congresso em dezembro de 1996. A Emenda suprimiu das Disposições Transitórias da Constituição de 1988 o artigo que comprometia a sociedade e os governos a erradicarem o analfabe-tismo e universalizarem o ensino fundamental até 1998, desobrigando o gover-no federal de aplicar com essa fi nalidade a metade dos recursos vinculados à educação. Com isso, o governo federal legitimou a antiga prática de realizar a maior parcela de seus gastos com o ensino superior e desobrigou-se de com-promissos legais em contribuir com aportes substantivos para a educação bási-ca, o que implicaria elevar seu orçamento (SILVA; GIL; DI PIERRÔ, 1999, p. 8).
É importante a compreensão que os termos “adotados” na redação dos documen-
tos ofi ciais nessa área são extremamente importantes e precisam ser analisados, pois
indicam, geralmente, a concepção dos organismos internacionais e a natureza das
ações que serão implementadas no âmbito educacional. Quando tratamos do vocá-
bulo equidade, por exemplo, amplamente utilizado nos documentos elaborados em
Jomtien e Dakar, temos a impressão de que já superamos as desigualdades, porque é
preciso que haja um mínimo de condição de igualdade para que se possa almejar a
condição de equidade.
Dentro do contexto atual, a escola tem sido responsabilizada pela transmissão do
saber e pela promoção da equidade social, mas enquanto isso, enfrenta uma crise sem
precedentes, especialmente nos países “periféricos”.
Em nossa LDB 9394/96, podemos observar que está contemplado o “Programa
Educação para Todos” como diretriz a ser seguida pelo sistema nacional de ensino.
Com isso, integrando o movimento de ênfase internacional “Todos pela Educação”, o
Brasil vem participando dos Fóruns Internacionais e das discussões acerca das novas
tendências mundiais voltadas para os países periféricos.
145
Esse movimento se confi gura por globalizar as diretrizes educacionais, em uma ten-
dência dos Organismos Multilaterais Internacionais de gerir a educação em países mais
pobres e com alta taxa de endividamento junto ao Banco Mundial ou FMI, no sentido
de contribuir para a diminuição do índice de analfabetismo e de pobreza. Essa interfe-
rência de organismos multilaterais na área educacional também tem sido responsável
pela crise enfrentada na educação, uma vez que promove a implantação de programas
que não atendem às especifi cidades de nosso país.
O PAPEL DA ESCOLA E O FRACASSO ESCOLAR
A escola eximindo-se de oferecer a todos explicitamente o que exige de todos implicitamente, quer exigir de todos uniformemente que tenham o que não lhes foi dado, a saber, sobretudo a competência lingüística e cultural e a rela-ção de intimidade com a cultura e com a linguagem, instrumentos que somen-te a educação familiar pode produzir quando transmite a cultura dominante (BOURDIEU,1992, p. 307)
Na década de 70, cerca de 50% das crianças saíam da escola em condição de semial-
fabetismo ou analfabetismo potencial na maioria dos países da América Latina. Diante
desse fato, Saviani (2005) busca as teorias da educação para explicar duas correntes
teóricas bem defi nidas na educação,
teorias que entendem ser a educação um instrumento de equalização social, portanto, de superação da marginalidade. No segundo, estão as teorias que entendem ser a educação um instrumento de discriminação social, logo, de marginalização (SAVIANI, 2005, p. 3).
Para Saviani (2005), o papel da escola consiste em transmitir o saber sistematizado,
dentro de uma vertente crítica que promove a conscientização e a formação de um
indivíduo capaz de compreender a sociedade atual e defi nir de que forma irá atuar
nesse contexto e que revoluções irá promover para ter melhores condições de vida.
Neste sentido, o papel da escola consiste em “ensinar”, em formar o estudante para
que possa analisar, a partir dos conteúdos apreendidos, de que forma se estrutura a
sociedade atual e ainda de que forma vai participar desse contexto.
A inclusão social, pelo viés da escolarização, consiste, portanto, no acesso ao sa-
ber produzido pela sociedade contemporânea de tal forma que os estudantes possam
compreender o nível de desenvolvimento que a humanidade atingiu e apreender os
saberes já produzidos.
A escola, bem como os professores, no interior da sociedade têm assumido tare-
fas que extrapolam a grade curricular e vêm sendo responsabilizados pelo fracasso
escolar.
O fracasso escolar e suas implicações na atualidade
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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Não se trata, pois, de deslocar a responsabilidade pelo fracasso escolar que atin-ge as crianças das camadas trabalhadoras para os professores, escamoteando o fato de que eles também são vítimas de uma situação social injusta e opressora [...] Com efeito, ao criticarmos a política educacional vigente pela distorções decorrentes de seu atrelamento aos interesses dominantes, não será possível deixar reconhecer seus efeitos sobre a formação (deformação) dos professores (SAVIANI, 2005, p. 31).
Na sociedade brasileira atual, a estrutura social se apresenta dividida em classes e
grupos sociais com interesses distintos e antagônicos, que repercute tanto na organi-
zação econômica e política quanto resulta em consequências decisivas nas condições
de vida da grande maioria da população trabalhadora. Observamos, nesse contexto,
que para promover a aprendizagem a escola deve apresentar características que per-
mitam superar o papel de conformadora e reprodutivista da estrutura social vigente.
Para tanto, os professores e estudiosos da vertente histórico-crítico que contrapõem
a crítico-reprodutivista apresentam, a partir dos estudos desenvolvidos por Vygostsky,
uma atuação pedagógica para que o professor tenha condições de ensinar em uma
perspectiva crítico-transformadora.
Os postulados de Vygotsky parecem apontar para a necessidade de criação de uma escola bem diferente da que conhecemos. Uma escola em que as pessoas possam dialogar, duvidar, discutir, questionar e compartilhar saberes. Onde há espaço para transformações, para as diferenças, para o erro, para as contra-dições, para a colaboração mútua e para a criatividade. Uma escola em que professores e alunos tenham autonomia, possam pensar, refl etir sobre o seu próprio processo de construção de conhecimentos e ter acesso a novas infor-mações. Uma escola em que o conhecimento já sistematizado não é tratado de forma dogmática e esvaziado de signifi cado (REGO, 1996, p. 118).
Os estudos desenvolvidos por Vygotsky (1991), Lúria e Leontiev, principais repre-
sentantes da psicologia soviética, tinham por objetivo acompanhar como se desenvol-
via a atividade mediada nas crianças e as funções superiores: percepção, memória e
pensamento, e observar como resolviam problemas utilizando instrumentos e signos.
Tradicionalmente a construção da inteligência humana tem sido pensada ape-nas como se fosse um mero produto biológico decorrente da combinação de gens humanos ou um produto social. O modelo de Vygotsky incorpora estes dois aspectos, privilegiando tanto um corpo geneticamente construído quan-to a sua vinculação com o social no desenvolvimento das potencialidades do sujeito. Conseqüentemente, a concepção torna-se dialética, onde a interação entre as variáveis biológicas e sociais é constantemente referida a um processo contínuo de mudança (MRECH, 1997, p. 68-69).
Para Vygotsky (1991), o pensamento e a fala têm a mesma raiz genética e se
147
desenvolvem de forma independente, sendo que em um primeiro momento de vida
a relação do indivíduo com o meio ocorre mediada pela percepção e motivação, e
em seguida pela linguagem, que permite à criança passar para um novo estágio de
desenvolvimento. O brinquedo, de acordo com este autor, propicia a criação da zona
de desenvolvimento proximal, constituindo-se em uma atividade que determina o de-
senvolvimento da criança.
O desenvolvimento, para Vygotsky (1991), não obedece, portanto, a um padrão de
sequência organizado, mas pode ocorrer a partir das atividades lúdicas que a criança
desenvolve e dos saltos qualitativos que ocorrem em sua história de vida. Desse modo,
através do brinquedo as crianças estabelecem relações, e em muitos casos não sabem
como se portar ou reagir diante das descobertas; nesse momento, o papel do profes-
sor é primordial por favorecer o desenvolvimento do conceito científi co.
A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibi-litam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica deve organizar-se a partir dessa questão. [...] Ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. Daí que a primeira exigência para o acesso a esse tipo de saber seja aprender a ler e escrever. Além disso, é preciso conhecer também a linguagem dos números, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. Está aí o conteúdo fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimen-tos das ciências naturais e das ciências sociais (história e geografi a humanas) (SAVIANI, 2005, p. 15).
Forquin (1993, p. 10) pontua que “é o instrumentalismo estreito que reina, o
discurso da adaptação e da utilidade momentânea, enquanto que as questões fun-
damentais, as que dizem respeito à justifi cação cultural da escola, são sufocadas ou
ignoradas”.
Neste sentido, praticar a luta social e cultural é rejeitar qualquer forma de domes-
ticação do tempo e da história humana, e sob esse ponto de vista faz-se necessário
combater politicamente qualquer forma de resignação às condições desfavoráveis das
crianças, adolescentes e jovens oriundos de grupos sociais marginalizados, e lutar a
favor da realização de tarefas pedagógicas e socioculturais possíveis para promover a
inserção social desses grupos.
Do ponto de vista educacional, o analfabetismo escolar de crianças e jovens denun-
cia um processo de exclusão por dentro da escola que precisa ser enfrentado. Sendo
assim, ao lado do acesso é preciso construir alternativas de permanência com sucesso,
que promovam a aprendizagem para as gerações escolarizadas.
O insucesso escolar caracteriza-se pela incapacidade de uma criança correspon-der aos objectivos da escola em termos escolares. É a partir dos anos sessenta
O fracasso escolar e suas implicações na atualidade
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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que encontramos as suas primeiras manifestações, quando se começou a exigir que as escolas, por razões económicas e de igualdade, encontrassem formas de garantir o sucesso escolar de todos os seus alunos. O que era atribuído até então ao foro individual, tornou-se subitamente um problema de cariz social. A preguiça, a falta de capacidade ou interesse deixaram de ser aceites como expli-cação para o abandono escolar de crianças e jovens. A culpa do seu insucesso escolar passou a ser assumida como um fracasso de toda a comunidade escolar. O sistema não criava factores que motivassem e encaminhassem os alunos para o êxito escolar (BORDIEU, 2008, p.1).
Apesar de a leitura não se restringir à escola, ela tem um papel importante na for-
mação de leitores/as capazes de ler, interpretar e fazer uso social desse aprendizado. É
preciso, então, reinventar a forma como a escrita foi apropriada pela escola, tornando
as crianças e os/as jovens sujeitos centrais de um processo de mudança que situe a
leitura como produção cultural, possibilitando aos jovens o domínio da leitura, da
expressão oral e escrita; do raciocínio lógico-matemático e do cálculo.
A apropriação da escrita como instrumento de informação e comunicação, tanto
na vida profi ssional quanto na vida pessoal, é condição fundamental para o estudante
tornar-se um mediador da cultura escrita. Para isso, é fundamental viabilizar ao forma-
dor a possibilidade de aprender o signifi cado cultural da escrita para poder vivenciá-lo
com os seus educandos.
Por outro lado, no mundo moderno as funções da escrita e da leitura não se reali-
zam apenas por intermédio dos livros. As novas tecnologias da informação e da comu-
nicação, longe de concorrerem com a escrita, a integram, de forma que através delas
os/as educadores/as e os/as jovens podem se educar na linguagem do mundo, ampliar
o seu horizonte de possibilidades e formar redes através das quais possam construir
comunidades capazes de assumir coletivamente a produção de alternativas para os
problemas que as afetam, através da pesquisa e da troca de informações, inclusive com
outros grupos de diferentes culturas.
Assim, educar na escola signifi ca ao mesmo tempo preparar as crianças e os jovens para se elevarem ao nível da civilização atual – da sua riqueza e dos seus problemas – para aí atuarem. Isso requer preparação científi ca, técnica e social. Por isso, a fi nalidade da educação escolar na sociedade tecnológica, mul-timídia e globalizada, é possibilitar que os alunos trabalhem os conhecimentos científi cos e tecnológicos, desenvolvendo habilidades para operá-los, revê-los e reconstruí-los com sabedoria (PIMENTA, 1999, p. 23).
Essas são algumas das condições que podemos promover no sentido de qualifi -
car os processos educativos da escola, e por conseguinte, combater o fracasso cultu-
ralmente mediado pelos grupos sociais mais empobrecidos que constituem a escola
pública.
149
A RESPONSABILIDADE DA ESCOLA
[...] o modelo capitalista de produção, distribuição e consumo institui novas formas de se pensar a cultura, a própria sociedade e o indivíduo. Em síntese, do ponto de vista da história do conhecimento humano, a ciência contemporânea trouxe uma mudança bastante radical em relação aos paradigmas de saber ante-riores. A própria concepção de pensamento e inteligência foi alterada (MRECH, 1997, p. 67).
O campo específi co de atuação profi ssional e política do professor é a escola, à
qual cabem tarefas de assegurar aos alunos um sólido domínio de conhecimento e
habilidades, o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, de pensamento in-
dependente e criativo. Para tanto, não podemos reduzir a escola a um simples objeto
de estudo, ela precisa ser compreendida como “sujeito de estudo”.
Esta perspectiva da escola como ‘sujeito’ remete para a questão central da im-plicação dos actores sociais na produção de conhecimento, e simultaneamente na produção de ‘sentido’, relativamente às suas próprias acções. Trata-se de uma questão crucial, de cuja solução depende, em larga medida, a ‘fertilidade’ da investigação educacional, inserida numa problemática, de âmbito mais vasto, que tem estado no centro das nossas preocupações (CANÁRIO, 1996, p. 139).
A responsabilidade social da escola e dos professores, portanto, é muito grande,
pois lhes cabe escolher qual concepção de vida e de sociedade deve ser trazida à
consideração dos alunos e quais conteúdos e métodos lhes propiciam o domínio dos
conhecimentos e a capacidade de raciocínio necessários à compreensão da realidade
social e à atividade prática na profi ssão, na política e nos movimentos sociais.
Se não há realmente ensino possível sem o reconhecimento, por parte daqueles a quem o ensino é dirigido, de certa legitimidade da coisa ensinada, corolário da autoridade pedagógica do professor, é necessário também, e antes de tudo, que este sentimento seja partilhado pelo próprio professor. Toda pedagogia cínica, isto é, consciente de si como manipulação, mentira ou passatempo fútil, destruiria a si mesma: ninguém pode ensinar verdadeiramente se não ensina alguma coisa que seja verdadeira ou válida a seus próprios olhos (FORQUIN, 1993, p. 9).
De acordo com Libâneo (1994), quando o professor se posiciona, consciente e ex-
plicitamente, do lado dos interesses da população majoritária da sociedade, ele insere
sua atividade profi ssional, ou seja, sua competência técnica na luta ativa por esses in-
teresses bem como na conquista de melhores condições de vida e de trabalho e a ação
conjunta pela transformação das condições gerais (econômicas, políticas, culturais) da
sociedade.
Desse ponto vista, pelo menos em tese o ofício do professor é trabalho que
O fracasso escolar e suas implicações na atualidade
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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pressupõe a unidade entre teoria e prática, como decorrência de ser o conheci-
mento o mediador e o material, assim como o objeto produzido nesse processo de
ensino-aprendizagem.
Educar signifi ca propiciar e desencadear processos de auto-organização nos neurônios e nas linguagens das pessoas. Se tomarmos em conta a extrema ver-satilidade original do cérebro/mente, todo cuidado é pouco para não diminuí-la, mas ativá-la ao máximo. Deixemos, neste momento, fora de consideração os demais aspectos importantes da ecologia cognitiva para concentrar-nos na questão da linguagem. Enquanto adquirem novas informações e conhecem novas linguagens, os aprendentes devem poder também, como respeito à ver-satilidade de seu sistema neuronal, deixar soltos os laços de seus signifi cantes. Quem ensina apenas há de mostrar pistas, insinuar ritmos para a dança das linguagens. Domesticar e escravizar os signifi cantes em sentidos unívocos re-presenta um atentado à plasticidade do cérebro/mente. A rigidez excessiva no uso de palavras e conceitos geralmente representa uma diminuição, temporária ou prolongada, da plasticidade de nossos neurônios (ASSMMAN, 1999, p. 71).
Na realidade, a educação compreende os processos formativos que ocorrem no
meio social, nos quais os indivíduos estão envolvidos de modo necessário e inevitável
pelo simples fato de existirem socialmente.
A aula, por sua vez, é algo que extrapola o espaço da sala, especialmente conside-
rando que integramos a “sociedade do conhecimento”, e que “o fazer a aula não se
restringe à sala de aula, está além de seus limites, no envolvimento de professores e
alunos com a aventura do conhecimento, do relacionamento com a realidade” (RIOS,
2001, p. 27).
A prática educativa, nessa concepção, não é apenas uma exigência da vida em socie-
dade, mas também o processo de prover os indivíduos dos conhecimentos e experiên-
cias culturais que os tornam aptos a atuar no meio social para transformá-lo em função
de necessidades econômicas, sociais e políticas da coletividade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
À beira de um precipício só há uma maneira de andar para frente: é dar um passo atrás (M. de Montaigne).
Então, depois de caminharmos pelos autores e teses que nortearam a composição
deste capítulo, podemos questionar: a escola que fracassa em seu papel de ensinar
as novas gerações tem sido a única responsável pela não concretização do processo
educativo ou ela faz parte de uma estrutura maior que a norteia nessa direção? Por isso
mesmo é necessário repensar a escola que pretendemos. Para que ela ensine autono-
mia, conteúdo e em que sociedade vivemos nesse século XXI ela precisa saber disso,
151
porque para ensinar é preciso primeiro conhecer.
A educação que os trabalhadores recebem visa principalmente a prepará-los para o
trabalho físico, para atitudes conformistas, inclusive a de se contentarem com uma es-
colarização defi ciente. A minoria dominante dispõe de meios para difundir a sua pró-
pria concepção de mundo (ideias, valores, práticas sobre a vida, o trabalho, as relações
humanas) para justifi car, ao seu modo, o sistema de relações sociais que caracteriza a
sociedade capitalista. O sistema educativo, incluindo as escolas, as igrejas, as agências
de formação profi ssional, os meios de comunicação de massa, têm constituído meios
privilegiados para o repasse da ideologia dominante.
Freire (2002) educava para a cidadania e fazia torcida para o sucesso dos movi-
mentos sociais que tinham a proposta de libertar os homens, porque a fi nalidade da
educação, não podemos nos eximir dessa inferência, está no processo de permitir que
o indivíduo seja livre para se relacionar de forma ativa, seja na sala de aula, seja na
sociedade.
E, no entanto, em nossa escola ainda não temos nem mesmo autonomia no pro-
cesso de gestão. A descentralização, nos moldes que foi implantada, signifi cou apenas
a transferência de tarefas das administrações centrais para os Estados e municípios,
mas não a desconcentração do poder da União. Para que a autonomia seja de fato uma
realidade na área educacional é imprescindível a conquista da autonomia de gestão e
administrativa para que a área educacional possa caminhar sem sofrer tanto com os
impactos políticos.
Atualmente, os programas voltados para a educação são alterados por conta das
mudanças de governos, uma vez que representam, em sua maioria, Programas de Go-
verno passíveis de mudanças de acordo com a visão que cada equipe política porta da
área educativa.
Assim, de modismo em modismo, de programa de governo em programa de go-
verno, vemos uma alternância que impede a implantação de políticas educacionais
planejadas a longo prazo, e que possibilitem um trabalho organizado e articulado pe-
las esferas educativas. Sem uma política à prova de mudanças intempestivas fi ca difícil
a área educativa combater o “fracasso escolar” que vem excluindo e relegando tantos
brasileiros à condição de marginalidade.
O fracasso escolar e suas implicações na atualidade
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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1) A partir da afi rmação: “Portanto, a responsabilidade social da escola e dos professores é muito grande, pois cabe-lhes escolher qual concepção de vida e de sociedade deve ser trazida à consideração dos alunos e quais conteúdos e métodos lhes propiciam o domínio dos conhecimentos e a capacidade de raciocínio necessários à compreensão da realidade social e à atividade prática na profi ssão, na política, nos movimentos sociais”, desenvolva um texto sobre o fracasso escolar no contexto escolar e social dos quais você participa.
Proposta de Atividade
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Anotações
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Aparecida Meire Calegari-Falco / José Ricardo Penteado Falco
“Para criar e organizar uma nova cultura, torna-se imprescindível que os pro-fi ssionais da educação descubram novos horizontes e reinventem novas for-mas de apropriação do saber” (Alvim Tofl er)
Até meados do século XX, predominava a crença que a escola teria o papel de
superar o atraso econômico, e dentre outras funções também a de promover uma
sociedade democrática, justa e igualitária. O princípio de escola pública vinha, por
si só, atender o acesso e garantir o princípio de igualdade entre os indivíduos (NO-
GUEIRA; NOGUEIRA, 2002). Muitos pesquisadores questionaram essa visão funcio-
nalista da educação, destacando inclusive que a escola, enquanto instituição, está
vinculada e comprometida com o modelo de produção, e que a prática pedagógica
na sociedade humana é, em sua essência, uma prática ideológica, carregando em si
o objetivo de “formar” os homens que tal sociedade necessita para se manter, na
forma como está organizada e estabelecida. Neste sentido, a categoria trabalho tem
se fi rmado como principal condicionante do fenômeno educativo.
No entanto, assistimos atualmente às inúmeras mudanças que ocorrem, especial-
mente no mundo do trabalho, como consequência da reestruturação produtiva que
se dá no contexto da globalização. Segundo o Relatório Mundial de Educação da
Unesco, coordenado por Jacques Delors, o fenômeno da globalização aconteceu ini-
cialmente no campo da economia, desregulamentando mercados fi nanceiros. A ideia
de mercado mundial de capitais afundou a concepção de “ilhas fi nanceiras”, obede-
cendo a uma lógica própria que passa então a ditar orientações nos campos da eco-
nomia e demais setores dos paises. Sobre a questão, Wertheim e Cunha pontuam que:
Novas demandas educacionais na
contemporaneidade: um olhar para a
Ecopedagogia
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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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Uma nova carta ao mundo foi traçada e, por assim dizer, imposta. Quem quiser participar e ser incluído nesse novo mapa precisa arranjar trunfos es-pecífi cos, o que torna mais escandalosa a separação entre os que ganham e os que perdem (2001, p. 48).
Com o advento da globalização, as redes científi cas e tecnológicas se estrutu-
raram e geraram disparidades entre países pobres e ricos. Isso porque, “a rigor, a
concentração de riquezas gera concentração de conhecimentos e de tecnologias.
Essa concentração tem forças para silenciar muitas culturas” ( WERTHEIM; CUNHA,
2001, p. 49). Essa relação, sem dúvida, coloca em risco o desenvolvimento humano
nesses patamares de relação.
A globalização desenfreada segue lado a lado com a própria redução do papel do
Estado, uma vez que, diluída a soberania dos países pobres ou em desenvolvimento,
estes se encontram cada vez mais impotentes para assegurar o mínimo compatível
com a promoção da cidadania. De acordo com Reimers, (apud WERTHEIM; CUNHA,
2001), uma das implicações imediatas da dívida externa é a redução da taxa de ex-
pansão da educação no país, seguida da saúde, habitação e segurança pública:
As mudanças neoliberais que já se efetivaram ou as que estão em curso, atin-gem toda estrutura social, gerando incertezas e perplexidades crescentes quanto ao futuro. O aumento do desemprego e da violência, o progressivo endividamento e a redução da autonomia das nações, entre outros fatores, ajudam a espalhar um sentimento de vulnerabilidade entre as pessoas e entre as instituições. Devido a isso, a auto-estima dos países, inclusive a auto-estima tecnológica se vêem abaladas com sérios prejuízos no que se refere à dina-mização da sociedade civil, um contraponto crucial para o enfrentamento da crise ( WERTHEIN, 1999, p. 11).
Nesse contexto, o setor produtivo aumenta a cobrança junto ao sistema edu-
cacional para responder às demandas em função de habilidades básicas que são
exigidas pelo mercado e não necessariamente inspiradas nos direitos à cidadania.
Os novos mercados competitivos e globalizados exigem, por assim dizer, uma
nova cultura empresarial para a qual são exigidas posturas de liderança, capacidade
de trabalhar em grupo, capacidade de antecipação e conhecimento do cliente. Por
sua vez, o sistema educacional atende apenas a uma pequena parcela, mantendo a
maioria da população marginalizada da conhecida “sociedade do conhecimento”.
Repensar os cursos de formação de professores, especialmente os cursos de
Pedagogia, perpassa sobretudo o repensar sua própria identidade, considerando
seus limites frente aos novos desafi os impostos na atualidade. Recorremos a Cambi
(1999), que assim argumenta:
a partir dos anos 80 e sucessivamente até hoje, a pedagogia foi atravessada
157
por um feixe de ‘novas emergências’ e novas fórmulas educativas, novos sujeitos dos processos formativos/educativos e novas orientações político-culturais (p. 638).
Tais emergências são capazes de reescrever o papel e o território da pedagogia,
considerando assim uma sociedade que se organiza a partir de um saber em constan-
te transformação e a necessidade de adequação aos novos paradigmas sociológicos.
Ainda nas palavras de Cambi, podemos constatar:
A pedagogia é um saber em transformação, em crise e em crescimento, atraves-sado por várias tensões, por desafi os novos e novas tarefas, por instâncias de radicalização, de autocrítica, de desmascaramento de algumas - ou de muitas - de suas engrenagens ou estruturas. É um saber que se reexamina, que revê sua própria identidade, que se reprograma e se reconstrói. Ao mesmo tempo, a educação (o terreno das práxis formativas, da transmissão cultural, das ins-tituições educativas) também vem se reexaminando e requalifi cando, fi xando novas fronteiras elaborando novos procedimentos (1999, p. 641-642).
Ressaltamos ainda que a ampliação do conceito de educação que extrapola o âm-
bito escolar vem se confi gurando nos diferentes espaços denominados não escolares
ou não formais, os quais abordamos brevemente, sem a pretensão de aprofunda-
mentos, por não se constituir objeto deste capítulo. Destacamos ainda que o projeto
pedagógico do curso de Pedagogia, modalidade a distância da UEM, prevê uma obra
específi ca para tratar dos campos de atuação do pedagogo de forma mais esmiuçada.
Chamada de Pedagogia Social, esta se organiza como uma das áreas no campo
de Trabalho Social, envolvendo uma série de especialidades que, na classifi cação de
Quintana (1993), são as seguintes:
01) Atenção à infância com problemas (abandono, ambiente familiar
desestruturado);
02) Atenção à adolescência (orientação pessoal e profi ssional, tempo livre,
férias);
03) Atenção à juventude (política de juventude, associacionismo, voluntariado,
atividades, emprego);
04) Atenção à família em suas necessidades existenciais (famílias desestrutura-
das, adoção, separações);
05) Atenção à terceira idade;
06) Atenção aos defi cientes físicos, sensoriais e psíquicos;
07) Atenção a pessoas hospitalizadas (pedagogia hospitalar);
08) Prevenção e tratamento das toxicomanias e do alcoolismo;
09) Prevenção da delinquência juvenil (reeducação dos dissocializados);
Novas demandas educacionais na contemporaneidade: Um olhar para a Ecopedagogia
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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10) Atenção a grupos marginalizados (imigrantes, minorias étnicas, presos e
ex- presidiários);
11) Promoção da condição social da mulher;
12) Educação de adultos;
13) Educação no campo.
Salientamos ainda o campo da pedagogia empresarial e a atuação em organi-
zações não governamentais de diversos direcionamentos (ambiental, educacional,
cultural e recreativo).
Sem dúvida alguma, uma das únicas (mas não exclusiva) formas de preparar o ci-
dadão é a educação, e não exclusivamente no âmbito da escola, haja vista que, como
já assinalamos anteriormente, o conceito de educação extrapola os muros escolares.
Todavia, uma área extremamente nova para a pedagogia é conhecida como Eco-
pedagogia ou Pedagogia da Terra, a qual se organiza como resposta a uma emer-
gência atual de pensar os problemas ambientais de modo a considerar os aspectos
econômicos, culturais e políticos.
Cambi (1999) enuncia que a Ecologia marcou a refl exão pedagógica dos últi-
mos tempos, realçando a necessidade do papel educativo do domínio/exploração
do ambiente, destacando novos valores e novos modelos antropológicos e culturais,
exaltando a relação entre o homem e o ambiente que congregue compreensão e res-
peito, de maneira a construir um novo homem, diferente em suas atitudes daquelas
que mantinha no passado. Objetiva superar a visão de habitat e forjar a concepção
de “nicho ecológico”, a respeitar e a preservar.
[...] a ecopedagogia não é uma pedagogia a mais, ao lado de outras pedago-gias. Ela só tem sentido como projeto alternativo global onde a preocupação não está apenas na preservação da natureza (Ecologia Natural) ou no impacto das sociedades humanas sobre os ambientes naturais (Ecologia Social), mas num novo modelo de civilização sustentável do ponto de vista ecológico (Eco-logia Integral) que implica uma mudança nas estruturas econômicas, sociais e culturais. Ela está ligada, portando, a um projeto utópico: mudar as relações humanas, sociais e ambientais que temos hoje (GADOTTI, 2003, p. 15).
Em termos gerais, podemos defi nir Meio Ambiente por tudo aquilo que nos ro-
deia, as cidades e aldeias, os desertos e as fl orestas, ou seja, o Meio Ambiente natural
e o Meio Ambiente modifi cado pelas ações antrópicas. Fazemos parte do Meio Am-
biente e nossas ações refl etem nele hoje e em seu futuro.
Ao mesmo tempo que a natureza nos dá suporte de existência biológica e social, ela recebe uma carga injusta de rejeitos, dejetos e todo tipo de ações predatórias, engendradas e produzidas nas nossas atividades humanas e
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sociais. Nesse processo das ações da sociedade humana são criados e recria-dos modos de relacionamento, ao mesmo tempo que ocorrem as relações intra-sociais que dão origem à cultura através de bens materiais, tecnologia e outras formas de se reproduzir biológica e socialmente (HIGUCHI; AZEVE-DO, 2004, p. 64).
A degradação ambiental ocorre pela destruição de ambientes naturais para a
construção de cidades e indústrias e exploração agropecuária, bem como pelos de-
jetos produzidos pelos hábitos humanos (resíduos hospitalares, domésticos, agrá-
rios, tecnológicos, entre outros).
Cabe lembrar que a exploração do Meio Ambiente é uma necessidade do homem
e de todos os animais. A exploração ocorre desde a origem da espécie humana.
Como animal consumidor, precisamos explorar o Meio Ambiente como moradia e
para extrair o alimento que contém a matéria orgânica que nos constitui e também
contém a energia necessária para nos manter vivos. Contudo, devido ao modo atual
de vida da sociedade, também necessitamos explorar o Meio Ambiente como fonte
de matéria-prima para a produção dos “bens de consumo”.
Os impactos ao Meio Ambiente causados pela exploração humana aumentam
conjuntamente com o crescimento da população e com os hábitos sociais contem-
porâneos, principalmente os de consumo aliados ao avanço das tecnologias, que
necessitam de matéria-prima para a sua construção.
O potencial destrutivo gerado pelo desenvolvimento capitalista o colocou numa posição negativa frente à natureza. O capitalismo aumentou mais a capacidade de destruição da humanidade do que o seu bem-estar e prosperi-dade (GADOTTI, 2003a).
No século passado, a exploração do meio ambiente pelo homem se deu de forma
devastadora, produzida pela industrialização e urbanização descontrolada e pela
ideologia da exploração da natureza, sem a preocupação com o futuro.
Cientistas, prevendo os impactos humanos sobre o meio ambiente, criaram em
1972 o conceito de Desenvolvimento Sustentável, ou sustentabilidade, que prevê o
equilíbrio entre a ação humana, o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento
social e o Meio Ambiente.
Em termos simples, a sustentabilidade deve prover o melhor para as pessoas e
para o ambiente, tanto agora quanto para um futuro indefi nido. Deve suprir as ne-
cessidades da geração presente sem afetar as possibilidades das gerações futuras de
suprir as suas, enfocando o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento social
e a proteção ambiental; um conceito sistêmico, relacionado com a continuidade dos
aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade humana.
Novas demandas educacionais na contemporaneidade: Um olhar para a Ecopedagogia
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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Ao ser instituída a Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvi-
mento Sustentável (2005-2014), ações político-pedagógicas da educação ambiental
passaram a ser vistas em suas múltiplas nomenclaturas: ecopedagogia, educação no
processo de gestão ambiental, alfabetização ecológica, educação ambiental crítica,
educação científi co-ambiental, emancipatória ou transformadora, tendo por objeti-
vos compreender que o modo de vida atual da enorme população de seres huma-
nos, com base no consumismo capitalista, está gerando uma degradação ambiental
constantemente abordada nos meios de comunicação. Mesmo assim, a população
em geral pouco faz para evitar essa degradação. Vale ressaltar que muitos vivem em
condições precárias de sobrevivência, daí a pensar nessa temática é algo que com
certeza não faz parte de suas prioridades.
A qualidade de vida vem atrelada à conservação do meio ambiente, mas não
somente sob essa perspectiva ecológica, somam-se a isso as questões sociais, cultu-
rais e econômicas que estão diretamente relacionadas à produção do homem e da
maneira de este produzir sua vida.
[...] as conseqüências do analfabetismo científi co são muito mais perigosas em nossa época do que em qualquer outra, devido ao fato de que a interven-ção humana nos ecossistemas tem alcançado níveis alarmantes, com consequ-ências globais [...] (ANGELINI; CARVALHO, 2005, p. 26).
Sem dúvida nenhuma é uma demanda educacional contemporânea se preocupar
com essa temática, propiciando desvelar que fazemos parte do Meio Ambiente. Esta-
mos interagindo constantemente com o Meio Ambiente. Exploramos o meio para as
necessidades básicas e para as necessidades “criadas” pelo consumismo capitalista,
produzindo grande quantidade de resíduos, que também agridem o Meio Ambien-
te. Destruímos o Meio Ambiente para construir moradias, para produzir alimento
para nossa população através da agropecuária, para a construção de indústrias que
produzem nossas “necessidades” tecnológicas. Destruímos o meio com a grande
quantidade de resíduos que produzimos, com os quais não nos preocupamos, como
se esses resíduos não nos afetassem. Para pensar, é necessário conhecimento adqui-
rido, e o lócus da escola é indubitavelmente esse espaço por excelência.
Não podemos deixar de destacar que, somadas às ações individuais, é imprescin-
dível ações governamentais que possam assegurar diretrizes concretas para a efeti-
vação de políticas de ação e de proteção ao meio em que vivemos; podemos citar
o caso brasileiro, quando propôs a Agenda 21, a qual objetiva desvelar tal temática,
inclusive no que se refere a uma abrangência para além do meio ambiente físico,
como consta no documento,
161
Praticar a Agenda 21 pressupõe a tomada de consciência individual dos ci-dadãos sobre o papel ambiental, econômico, social e político que desempe-nham em sua comunidade. Exige, portanto, a integração de toda a sociedade na construção desse futuro que desejamos ver realizado. Uma nova parceria, que induz a sociedade a compartilhar responsabilidades e decisões junto com os governos, permite maior sinergia em torno de um projeto nacional de desenvolvimento sustentável, ampliando as chances de implementação bem-sucedida (BRASIL, 2004, p. 16).
E ainda: “Acreditamos que a Agenda 21 é um forte instrumento que permite
defi nir e implementar políticas públicas com base em um planejamento participativo
voltado para as prioridades do desenvolvimento sustentável” (BRASIL, 2004, p. 4).
São prioritárias as questões que procurem desenvolver programas de inclusão
social, ampliando o acesso universal da população à educação, saúde e distribuição
de renda, buscando a sustentabilidade urbana e rural, a preservação dos recursos
naturais e minerais e a ética política para o planejamento rumo ao desenvolvimento
sustentável. Destacamos a essa soma de prioridades o combate à cultura do des-
perdício, um “problema ecológico, produzido pela industrialização descontrolada e
pela ideologia do domínio/exploração da natureza” (CAMBI, 1999, p. 638).
[...] a evolução do conceito de educação ambiental acompanhou a evolução do conceito e da percepção de ambiente. Evoluiu de um enfoque mais eco-lógico no sentido das ciências biológicas, para uma dimensão que incorpo-ra as contribuições das ciências sociais fundamentais para a melhoria do ambiente humano.Assim, pode-se pensar o ambiente e a educação ambiental de forma a re-duzi-los aos aspectos relativos à fauna, flora, ar, solo e água. Pode-se, no entanto, ampliar o conceito e adotar o modelo do tecido celular de Dias (1992), abordando os aspectos políticos, éticos, sociais, científicos, eco-nômicos, tecnológicos, culturais e ecológicos, por exemplo. Compartilho, no entanto, de um pensamento no qual o ponto de partida é o ambiente interno de cada ser humano. Não no sentido antropocêntrico, mas porque parto do princípio de que o ambiente interno de cada ser humano está interconectado com o planeta e com o cosmos. É onde começa a compreen-são do conceito de rede e de interconexão, de interdependência, de teia da vida. A Conferência de Tbilisi considera a educação ambiental como sendo: ‘um processo permanente no qual indivíduos tornam-se conscientes do seu ambiente e adquirem conhecimento, valores, habilidades, experiên-cias e a determinação para agir individual e coletivamente, prevenido e resolvendo problemas presentes e futuros’ (DIAS, 1992 apud MUNHOZ, 2004, p. 142).
Em âmbito internacional, podemos citar o Protocolo de Kyoto, assim denomina-
do em homenagem à cidade japonesa de Kyoto onde o acordo foi assinado. Cons-
titui-se em um acordo assinado em 1997 por 189 nações, que se comprometeram
em reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa em 5%, com base em
Novas demandas educacionais na contemporaneidade: Um olhar para a Ecopedagogia
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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pesquisas comparativas com os níveis da década de 1990. O alvo é o dióxido de car-
bono (CO2), uma vez visto que os cientistas acreditam que a emissão descontrolada
desse gás, bem como de outros, esteja diretamente ligada ao aquecimento da Terra.
O efeito estufa pode comprometer ainda mais a vida no planeta, promovendo uma
série de catástrofes que muito prejudicará a humanidade e toda e qualquer espécie
de vida. O Protocolo entrou em vigor em fevereiro de 2005, prevendo que suas me-
tas sejam atingidas entre 2008 e 2012, quando o documento expira.
Vale ressaltar que alguns países se recusaram a assinar o acordo, entre eles os
Estados Unidos, o maior emissor de gás poluente do mundo, alegando que a im-
plantação de metas prejudicaria a economia do país. O então presidente George
W. Bush refutou o acordo, alegando também que este não exigia providências dos
países em desenvolvimento.
A principal crítica ao Protocolo de Kyoto é que as metas instituídas represen-tam pouco na luta contra o aquecimento global, causando um impacto pe-queno na mudança do panorama atual. Baseando-se nessa crítica, boa parte dos especialistas se mantém cautelosa quanto ao novo tratado, na esperança de que seja mais rígido e abrangente. Para eles, a falta de adesão dos Estados Unidos enfraqueceu muito a utilidade do acordo, já que são eles, justamente, o país com maiores emissões de gases poluentes do mundo. Por outro lado, os defensores do Protocolo apontam que, além da importância em traçar as linhas gerais para os próximo acordo, Kioto foi essencial para que diversas na-ções e empresas tenham transformado em lei as metas de redução, tornando concretas as ações ambientais neste âmbito (PROTOCOLO, 2008).
Apesar dos limites que o Protocolo possa ter na efetivação de medidas efi cazes
a que se propõe, há algo que não podemos deixar de considerar importante, qual
seja: expor ao mundo a situação do planeta, envolvendo governos para o compro-
metimento de ações concretas para atendimento às diretrizes do documento; apon-
tar os países que se recusam a participar das propostas, principalmente os maiores
causadores dos problemas e fi nalmente estabelecer uma verdadeira “vitrine” das
questões que envolvem a sobrevivência/consumo/ atrelado a uma posição responsá-
vel frente ao planeta.
Por fi m, contribuir para a formação do espírito de responsabilidade e solidarieda-
de e fugir da propagação oportunista que vem rondando a temática é um dos prin-
cipais objetivos da Ecopedagogia, haja vista que se constitui em uma temática emer-
gencial frente à degradação do meio ambiente que se construiu no último século.
Não resta dúvida de que é preciso reconhecer que as novas demandas educa-
cionais, sobretudo a Ecopedagogia, se constituem apenas no início de caminhada,
que se desponta como novos saberes e novas fronteiras que a pedagogia precisa
buscar para reestruturar sua ação. Portanto, pensar na formação do educador sem
163
perpassar pelo debate da Ecoformação (GADOTTI, 2006) é restringir e estreitar a
consciência de totalidade que tanto se busca nos cursos desses profi ssionais.
ANGELINI, Ronaldo; CARVALHO, Adriana Rosa. Educação científi ca-ambiental:
histórico e perspectiva. In: FALCO, José Ricardo Penteado; RODRIGUES, Maria
Aparecida (Org.). Biologia dos organismos. Maringá: Eduem, 2005. 228p.
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Referências
Novas demandas educacionais na contemporaneidade: Um olhar para a Ecopedagogia
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO:
OLHARES PARA A ESCOLA DE HOJE
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FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio
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KRASILCIK, M.; MARANDINO, M. Ensino de ciências e cidadania. São Paulo:
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Debate com sua turma sobre a seguinte temática: em que base podemos defender a bandeira dos países desenvolvidos quando postulam que precisam “usar” o meio ambiente para que haja o desenvolvimento e consequentemente empregos e prosperidade para todos.
Proposta de Atividade
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Anotações
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Anotações