UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
RAQUEL FRANCO DE GODOY
A EXECUÇÃO DA PENA APÓS A CONDENAÇÃO EM 2º GRAU DE
JURISDIÇÃO (ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO)
CURITIBA
2018
RAQUEL FRANCO DE GODOY
A EXECUÇÃO DA PENA APÓS A CONDENAÇÃO EM 2º GRAU DE
JURISDIÇÃO (ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO)
Monografia apresentada ao Curso de Direito daFaculdade de Ciências Jurídicas da UniversidadeTuiuti do Paraná, como requisito parcial para aobtenção do título de Bacharel em Direito.Orientador: Prof. Me. Murilo Henrique PereiraJorge
CURITIBA
2018
TERMO DE APROVAÇÃO
RAQUEL FRANCO DE GODOY
A EXECUÇÃO DA PENA APÓS A CONDENAÇÃO EM 2º GRAU DE
JURISDIÇÃO (ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO)
Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel no Curso
de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.
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Prof. Dr. PhD. Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografia Universidade Tuiuti do Paraná
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Orientador Prof. Me. Murilo Henrique Jorge
Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito
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Prof.
Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito
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Prof.
Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito
Curitiba ____ de ______________________ de 2018
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus e minha família, em especial a meus filhos,
Isabella e Daniel, que sofreram ao meu lado durante toda a trajetória acadêmica.
Agradeço de coração, aos amigos que fiz ao percorrer esse caminho, em especial a
Mariluce Fatuch, Lorena Lazarotto, Tiago Gomes, Matheus Enéas, Julio Cesar e
Camilla Bonasoli. Após estes cinco anos frequentando a faculdade de Direito, devo
também agradecer aos meus colegas de turma, todos aqueles com quem pude contar
durante toda nossa caminhada para conquistar o título de bacharel em Direito. Jamais
teríamos conseguido chegar ao fim dessa jornada se não tivéssemos apoiado uns aos
outros, seja nas atividades e trabalhos ou nas revisões para avaliações, espero que
nossa amizade se prolongue por toda a vida. Parabenizo todos os professores que a
mim lecionaram, que com vasta experiência e conhecimento em suas respectivas
disciplinas, pela paciência com os alunos e pela busca de sempre renovar e melhorar
sua metodologia. Congratulo aqui também em especial, meu professor e orientador
Murilo Henrique Pereira Jorge, por ter aceitado de pronto o desafio de me orientar e
pelos valiosos ensinamentos a mim transmitidos. Agradeço a faculdade pela
oportunidade de ter um orientador dessa grandeza, sendo também motivo de orgulho
para minha vida acadêmica.
“Não há mais cruel tirania do que aquela
que se exerce à sombra das leis e com as
cores da justiça.”
Charles de Secondat Montesquieu
(1689-1755)
RESUMO
O presente trabalho buscará abordar, os desdobramentos e consequências no
âmbito do Processo Penal da execução da pena após a condenação confirmada em sede
recursal, tendo em vista a oscilação no entendimento de nossa Suprema Corte,
responsável pela guarda de nossa Constituição Federal. Inicialmente, se fará necessário
um breve apontamento quanto ao poder de punir estatal, bem como as espécies de
sanções permitidas em nosso ordenamento jurídico, sua aplicação e seus limites. Em
um segundo momento, a análise dos princípios que norteiam o processo penal. Por
fim, buscar-se-á também, analisar o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal
Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez que, em recente decisão abriu-se
um precedente, em regime de repercussão geral, ao decidir pelo cumprimento
provisório da pena, quando confirmada a sentença condenatória em segundo grau.
Palavras-chave: Poder de punir, Execução da pena, Entendimento Jurisprudencial,
Presunção de inocência.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................….. 82 O PODER PUNITIVO ..……...…………………..…................…......... 102.1 A SANÇÃO PENAL ........…..............................……................................ 112.2 A FINALIDADE DA PENA ...................………………........................... 122.3 ESPÉCIES DE PENA ..................................................................……...... 132.3.1 Pena Privativa de Liberdade …………………………………………….. 143 A PRISÃO ..........................................................…………………........... 153.1 PRISÃO PROCESSUAL....…………………………………………........ 163.1.1 Prisão em Flagrante ……........................................................................... 18 3.1.2 Prisão Preventiva .............…………………………….............................. 18 3.1.3 Prisão Domiciliar ............................…………………………………....... 19 3.1.4 Prisão Temporária ...............................................………......................…. 20 3.2 PRISÃO PENAL ………………………………………………..………. 20 4 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL .. 22 4.1 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ......................…..…... 22 4.2 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO
DEVIDO PROCESSO LEGAL …………….............................................
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4.3 PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO................................. 26 5 A EXECUÇÃO DA PENA ………..………………………………….... 27 6 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ………………………...… 296.1 HABEAS CORPUS nº 84.078/MG …………………………….………... 296.1.1 Síntese do caso ……………….………………………………………….. 306.1.2 Principais Argumentos …………………………………………………... 316.2 HABEAS CORPUS nº 126.292/SP ………………………………..……... 356.2.1 Síntese do caso ……………….………………………………………….. 356.2.2 Principais Argumentos …………………………………………………... 366.3 ARE nº 964.246/SP ………...……………………………………………. 396.3.1 Síntese do caso ……………….………………………………………….. 406.3.2 Principais Argumentos …………………………………………………... 416.4 HABEAS CORPUS nº 434.766/PR …………………………...…………. 446.4.1 Síntese do caso ……………….………………………………………….. 456.4.2 Principais Argumentos …………………………………………………... 467 CONCLUSÃO ………………………………………………………….. 49
REFERÊNCIAS ………………………………………………………... 52
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1 INTRODUÇÃO
O início do cumprimento da pena tem sido objeto de grande discussão em todo
o cenário nacional, tendo em vista que o legislador constitucional ao preconizar que
ninguém será tratado como culpado antes do trânsito em julgado da respectiva
condenação penal, abre espaço para uma interpretação genérica da norma. Ao passo
que o legislador ordinário numa redação mais específica e densificada, vedou a
execução provisória da pena. A dissonância entre o Texto Constitucional e Código de
Processo Penal, tem gerado fortes embates no país e a Suprema Corte oscila seu
posicionamento a todo momento, gerando instabilidade jurídica.
O Habeas Corpus nº 84.078/MG, de relatoria do Ministro Eros Grau, foi o caso
paradigma para a mudança de entendimento em 2009, pois até então os tribunais em
geral, inclusive o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, admitiam
a execução provisória da pena. Como observado pelo Ministro Sepúlveda Pertence (às
fls.1073) “o grande argumento da corrente, até aqui majoritária, é o de que, não sendo
providos os efeitos suspensivos, os recursos não suspendem a prisão.”
Todavia, a tese pacificada de que não se admitia a prisão pena até o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória, veio à baila novamente após a recente decisão
no Habeas Corpus nº 126.292/SP, em 2016, a qual mudou a orientação da Corte, ao
entender que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau
recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o
princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso
LVII, da Constituição Federal.
Há contudo, duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADC nº 43 e nº
44) pendentes de julgamento, nas quais se questiona a constitucionalidade da norma
disposta no artigo 283 do Código de Processo Penal, modificada pela Redação da Lei
12.403 de 2011: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de
sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do
processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”, tendo em vista que, a
execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, em
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consonância com o novo entendimento do Supremo, reafirmada no julgamento do
ARE nº 964.246/SP, em regime de repercussão geral, é contrária ao disposto na norma.
Entende-se, pois, que o momento no qual pode ser iniciada a execução da pena
encontra-se no âmago dessa discussão, assim como a possível violação do princípio da
presunção de inocência, na hipótese de ser iniciada após a condenação em segundo
grau, sem que se aguarde o trânsito em julgado.
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2 O PODER PUNITIVO
Conforme preleciona Capez (2015, p. 41), “o Estado, única entidade dotada de
poder soberano, é o titular exclusivo do direito de punir (para alguns, poder-dever de
punir).” Nesse sentido, o Estado estabelece regras que regulamentam nossa vida em
sociedade, assim como as relações do cidadão com o Estado, impondo-lhes deveres e
concedendo-lhes direitos. Daí surge o direito objetivo, o qual se ocupa com a vontade
do Estado quanto à regulamentação das relações sociais num todo, resultando no que é
lícito ou ilícito, bem como qual conduta estará autorizada e qual estará proibida.
A titularidade do poder de punir do Estado, segundo Aury Lopes (2016, p. 34)
“[...] surge no momento em que se suprime a vingança privada e se implantam os
critérios de justiça”.
Nesta senda, assevera Mougenot (2016, p. 46) que “o Estado ideal, modelado
por influência das ideias liberais, exerce esse poder para garantir as condições mínimas
de convivência entre os indivíduos, de modo a manter a ordem e a paz, oferecendo
proteção aos interesses considerados fundamentais para cada indivíduo ou categoria de
indivíduos. Ao fazê-lo, legitima o uso da força, justificado na busca pelo bem
comum.”
Zaffaroni (2011, p.39) afirma que “as normas jurídicas que habilitam e limitam
o exercício do poder coativo do Estado em forma de pena (poder punitivo), seria o
universo dentro do qual deve ser construído um sistema de compreensão que explique
quais são as hipóteses e condições que permitem formular o requerimento punitivo.”
Conforme preleciona Capez (2015, p. 42), “No momento em que é cometida
uma infração, esse poder, até então genérico, concretiza-se, transformando-se em uma
pretensão individualizada, dirigida especificamente contra o transgressor.” Diante da
atuação estatal, o autor afirma que “surge, então, um conflito de interesses, no qual o
Estado tem a pretensão de punir o infrator, enquanto este, por imperativo
constitucional, oferecerá resistência a essa pretensão, exercitando suas defesas técnica
e pessoal.”. Ainda, segundo o autor (2015, p.42):
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Nesse ponto entra o processo penal. A jurisdição só pode atuar e resolver oconflito por meio do processo, que funciona, assim, como garantia de sualegítima atuação, isto é, como instrumento imprescindível ao seu exercício.Sem o processo, não haveria como o Estado satisfazer sua pretensão depunir, nem como o Estado-Jurisdição aplicá-la ou negá-la.
Neste sentido, Mougenot (2016, p. 50) afirma que o processo penal pode ser
visto sob dois aspectos, o primeiro “um instrumento que determina como deverá ser
exercido o poder do Estado de averiguar e impor uma sansão” e o segundo “uma
garantia para o réu – e para a sociedade em geral – de que apenas haverá punição caso,
após concedida oportunidade plena de defesa, reste demonstrada sua culpa”.
Segundo Aury Lopes (2016, p. 49-57), “[…] o processo penal é regido pelo
Princípio da Necessidade, ou seja, é um caminho necessário para chegar a uma pena” e
vai além quando afirma que “todo poder tende a ser autoritário e precisa de limites,
controle. Então, as garantias processuais constitucionais são verdadeiros escudos
protetores contra o (ab)uso do poder estatal.”
Assim, os princípios constitucionais devem efetivamente construir o processo
penal e, dentre eles, destaca-se o princípio da presunção de inocência (ou da não
culpabilidade), o qual é, no Brasil, um dos princípios basilares do Direito, responsável
por tutelar a liberdade dos indivíduos, disposto no art. 5º, LVII, da Constituição
Federal de 1988: “ninguém será considerado culpado até transito em julgado de
sentença penal condenatória”.
2.1 A SANÇÃO PENAL
Inicialmente, insta observar que a pena não é a única resposta que o Estado,
através do seu poder punitivo, pode dar ao cidadão.
Conforme preleciona Bitencourt (2012, p.199), “A pena é um mal que se impõe
por causa da prática de um crime: conceitualmente a pena é um castigo, embora seu
fim essencial não seja, necessariamente retributivo.” Ainda, segundo o autor (2012,
p.199), a sanção penal deve obedecer aos seguintes princípios:
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a) legalidade – a pena deve ser cominada por lei anterior ao fato (art. 5,XXXIX, da CF; art. 1º do CP);b) individualização – a pena deve ser individualizada em cada caso concreto,segundo a culpabilidade do infrator (art. 5º, XLVI, da CF);c) personalidade – nenhuma pena poderá passar da pessoa do condenado(art. 5º, XVL, da CF);d) proporcionalidade – proporcional ao crime e nos limites da culpabilidade;e) humanidade – o Estado não pode aplicar sanções que atinjam a dignidadeda pessoa humana ou lesionem a constituição físico-psíquica do condenado.Esse princípio fundamenta a proibição da pena de morte, da prisão perpétuae de quaisquer penas cruéis ou infamantes, de tortura e de maus-tratos.
Assim, faz-se necessário analisar a pena, a partir dos princípios que a norteiam.
Em síntese, a pena cominada deve ser prevista em lei, individualizada de acordo com o
caso concreto, não passar da pessoa do condenado, ser proporcional ao crime e não
pode ser indigna.
2.2 A FINALIDADE DA PENA
Zaffaroni (2011, p.43-63) afirma que “todas as sociedades contemporâneas que
institucionalizam ou formalizam o poder (estado) selecionam um reduzido número de
pessoas que se submetem à sua coação com o fim de impor-lhes uma pena.” Afirma
ainda o autor que “o poder não é algo que se tem, mas sim que se exerce”.
Durante a história do direito penal, a doutrina buscou várias justificativas para a
existência da pena e sua aplicação. Nesta busca, nossos códigos e leis produziram três
teorias sobre o tema, quais sejam: a teoria absoluta; a teoria relativa; e a teoria mista.
Em síntese, citando Ferrajoli, Bitencourt (2014, p.133) assevera que:
A característica essencial nas teorias absolutas consiste em conceber a penacomo um mal, um castigo, como retribuição ao mal causado através dodelito, de modo que sua imposição estaria justificada, não como meio para oalcance de fins futuros, mas pelo valor axiológico intrínseco de punir o fatopassado: quia peccatum. Por isso, também são conhecidas como teoriasretributivas.
Ainda, segundo o autor (2014, p.133), é possível entender melhor uma ideia de
pena em sentido absoluto quando analisada em conjunto com o tipo de Estado que lhe
dá vida e, nesse contexto, as características mais significativas do Estado absolutista
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eram a identidade entre o soberano e o Estado, a unidade entre a moral e o Direito,
entre o Estado e a religião, além da afirmação de que o poder do soberano advinha do
Divino.
Quanto às teorias relativas, Bitencourt (2014, p.142) preleciona, citando mais
uma vez Ferrajoli, que:
[…] a pena se justifica, não para retribuir o fato delitivo cometido, mas, simpara prevenir sua prática. […] A pena deixa de ser concebida como um fimem si mesmo, sua justificação deixa de estar baseada no fato passado, epassa a ser concebida como meio para o alcance de fins futuros e a estarjustificada pela sua necessidade: a prevenção de delitos. Por isso as teoriasrelativas também são conhecidas como teorias utilitaristas ou como teoriaspreventivas.
No que se refere às teorias mistas ou unificadoras, Bitencourt (2014, p.155)
afirma que essas “tentam agrupar em um conceito único os fins da pena” e destaca a
teoria unificadora dialética de Roxin (2014, p.157):
[…] Roxin propõem uma teoria unificadora dialética, que parte dadiferenciação entre o fim da pena, que se impõem na valoração de um casoconcreto, e o fim do direito penal. A questão é colocada nos seguintestermos: ‘Se o direito penal tem que servir à proteção subsidiária de bensjurídicos e, com isso, ao livre desenvolvimento do indivíduo, assim como àpreservação de uma determinada ordem social que parta deste princípio,então, mediante este propósito, somente se determina quais condutas podemser sancionadas pelo Estado. Sem embargo, com isso não se está de antemãodefinido que efeitos deveriam surtir a pena para cumprir com a missão dodireito penal’.
Por fim, Bitencourt (2014, p.157) afirma que “a pena declarada numa sentença
condenatória deverá ser adequada para alcançar ambas as finalidades preventivas”.
2.3 AS ESPÉCIES DE PENA
Nos termos do artigo 32 do Código Penal e do artigo 5º, XLVI, da Constituição
Federal, podemos encontrar três espécies de pena, quais sejam: as privativas de
liberdade (reclusão e detenção); as restritivas de direito (prestação de serviços à
comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana); e a pena
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de multa. Entretanto, para o presente estudo, interessa apenas a pena privativa de
liberdade.
2.3.1 Pena Privativa de Liberdade
Delineada entre os artigos 33 a 42 e artigo 53 do Código Penal, bem como nos
artigos 87 a 95 e artigos 105 a 146 da Lei 7.210/84 - Lei de Execução Penal, é aquela
que pressupõe a restrição da liberdade ambulatorial do indivíduo, e pode ser sob a
forma de reclusão, detenção ou prisão simples.
O artigo 33 do Código Penal determina que a pena de reclusão deverá ser
cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. Já a pena de detenção, seu
cumprimento deverá ser em regime semiaberto ou aberto, salvo se houver necessidade
de transferência para o regime fechado.
Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado,semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvonecessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº7.209, de 11.7.1984)§ 1º - Considera-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurançamáxima ou média;b) regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ouestabelecimento similar;c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ouestabelecimento adequado.
As penas privativas de liberdade, conforme dispõe o artigo 53 do Código Penal,
“tem seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime”.
É nessa modalidade que se encontra a prisão, a qual restringe o direito
ambulatorial do indivíduo e submete-o ao cárcere.
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3 A PRISÃO
Os fundamentos constitucionais da prisão estão dispostos no artigo 5º, LXI, da
Constituição Federal: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
Considerada como um “castigo” imposto pelo Estado, Nucci (2016, p. 530)
conceitua a prisão como “a privação de liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir,
através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere.”
Segundo os apontamentos de Bitencourt (2012, p. 592-593), embora não se
possa atingir os resultados desejados, a prisão é a principal resposta penológica que o
Estado pode dar, vejamos:
Quando a prisão se converteu na principal resposta penológica,especialmente a partir do século XIX, acreditou-se que poderia ser um meioadequado para conseguir a reforma do delinquente. Durantes muitos anosimperou um ambiente otimista, predominado a firme convicção de que aprisão poderia ser um instrumento idôneo para realizar as finalidades da penae que, dentro de certas condições, seria possível reabilitar o delinquente.Esse otimismo inicial desapareceu, e atualmente predomina uma atitudepessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que sepossa conseguir com a prisão tradicional.
Mougenot (2016, p. 571) assevera que “prisão designa a privação de liberdade
do indivíduo, por motivo lícito ou por ordem legal, mediante clausura” e, ainda ,
classifica-a em duas modalidades:
1. Prisão - pena: é a que decorre de sentença condenatória transitada emjulgado, que aplica pena privativa de liberdade. Em nosso sistema, a prisãopena somente existe no âmbito do direito penal, sendo, portanto, de afirmarque a prisão pena no Brasil é aquela decorrente de sentença condenatóriatransitada em julgado.2. Prisão sem pena: é a que não decorre de sentença condenatória transitadaem julgado, não constituindo pena no sentido técnico jurídico. A doutrinaidentifica quatro espécies: prisão civil, administrativa, disciplinar eprocessual (provisória ou cautelar).
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A regra extraída da legislação brasileira é de que a prisão deve basear-se em
decisão judicial, proferida pelo Juízo competente, devidamente motivada e reduzida a
escrito, ou ainda, se faz necessário decorrer de flagrante delito, neste caso cabendo a
qualquer do povo a sua concretização.
De acordo com Aury Lopes (2016, p. 31), o processo penal é a única estrutura
institucional, que se reconhece como legítima, pela qual o Estado impõe “mediante a
atuação de um terceiro imparcial, cuja designação não corresponde à vontade das
partes” para apurar a existência do delito e sancionar o autor. Nesse sentido, afirma o
autor que:
Para que possa ser aplicada uma pena, não só é necessário que exista uminjusto culpável, mas também que exista previamente o devido processopenal. A pena não só é efeito jurídico do delito, senão que é um efeito doprocesso; mas o processo não é efeito do delito, senão da necessidade deimpor a pena ao delito por meio do processo.
Assim, verificado o caráter instrumental do processo penal em relação ao
Direito Penal, importa destacar a distinção entre a prisão penal e a prisão processual.
Na primeira, sua finalidade é repressiva e deve ocorrer somente após o trânsito
em julgado da sentença condenatória, tendo como fundamento o preceito secundário
(sanctio iuris) da norma penal, na qual materializa o fim principal do processo penal,
ou seja, a sanção punitiva estatal. De outro lado, a prisão processual, também chamada
de provisória, possui natureza cautelar.
Destaque-se ainda que, ambas as espécies de prisão restringem a liberdade,
causando, assim, a falsa impressão de que não há diferença entre elas, sendo o local de
encarceramento a única diferença para o preso.
3.1 A PRISÃO PROCESSUAL
A natureza cautelar da prisão processual decorre das características que a
definem, quais sejam: a instrumentalidade; a acessoriedade; a preventividade; a
provisoriedade; a cognição sumária; a referibilidade; e a proporcionalidade.
Gustavo Badaró (2017, p. 1.015) afirma que:
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[…] após a reforma do CPP em 2008, passaram a existir no sistemabrasileiro, apenas três modalidades de prisões cautelares: prisão temporária,prisão em flagrante delito e prisão preventiva. Estas modalidades de prisõescautelares ou processuais costumam ser chamadas de “prisões provisórias”,em contraposição à prisão que constitui sanção penal na modalidade de penaprivativa de liberdade que é uma prisão “definitiva”, somete imposta após otrânsito em julgado da condenação penal.
A disposição legal da prisão processual encontra-se no artigo 282 do Código de
Processo Penal, que determina seu manejo apenas quando necessária para aplicação da
lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente
previstos, para evitar a prática de infrações penais; e quando adequada à gravidade do
crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
As medidas cautelares podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente e serão
decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou ainda, quando no curso
da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante
requerimento do Ministério Público. Podem também as medidas cautelares ser
revogadas ou substituídas quando verificada a falta de motivo para que subsista.
Para Mougenot (2016, p. 573), “todas as prisões ocorridas antes do advento do
trânsito em julgado da decisão penal condenatória, como visto, não têm natureza de
pena, devendo ser dotadas de cautelaridade”. Neste sentido, o autor aponta ainda, que
a finalidade das prisões cautelares é:
[…] resguardar a sociedade ou o processo com a segregação do indivíduo.Daí falar em cautelaridade social, cujo escopo é proteger a sociedade deindivíduo perigoso, e cautelaridade processual, que garante o normal iterprocedimental, fazendo com que o feito transcorra conforme a lei e queeventual sanção penal seja cumprida.
Em síntese, a prisão processual só será materialmente constitucional se for
necessária e urgente para a garantia da paz social e fundada num mínimo de prova
sobre a autoria de crime. Do contrário, ela não será admissível em nenhuma das suas
formas, razão por que, se decretada, deverá ser prontamente relaxada pelo juiz (artigo
5º, LXV, da Constituição Federal/88).
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3.1.1 Prisão em flagrante
Segundo Mougenot (2016, p. 582), “a doutrina costuma definir prisão em
flagrante como a detenção do indivíduo no momento de maior certeza visual da prática
do crime”.
Já Nucci (2014, p. 147) afirma que “[...] flagrante significa tanto o que é
manifesto ou evidente, quanto o ato que se pode observar no exato momento em que
ocorre”. O autor assevera ainda que “a prisão em flagrante é compatível com o
princípio constitucional da presunção de inocência” e “não depende de ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciária competente”.
Trata-se de um ato administrativo, pois o auto de prisão em flagrante, onde se
formaliza a detenção do suspeito, é realizado pela Polícia Judiciária, tornando-se
jurisdicional quando o juiz, ao tomar conhecimento, deixa de relaxá-la e prefere
mantê-la, convertendo-se assim em prisão preventiva.
A previsão legal para a hipótese de prisão em flagrante encontra-se no artigo
302 do Código de Processo Penal, o qual determina que será considerado em flagrante
delito quem está cometendo a infração penal; acaba de cometê-la; é perseguido, logo
após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça
presumir ser autor da infração; ou é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas,
objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
Para Mougenot (2016, p. 593), “a prisão em flagrante visa, justamente, impedir
a continuidade delitiva e, dessa forma, por fim ao estado de flagrância do sujeito”.
Assim, a prisão em flagrante não pode mais ser mantida durante o processo, devendo
obrigatoriamente ser convertida em preventiva ou relaxada.
3.1.2 Prisão Preventiva
Gustavo Badaró (2017, p. 1.020) afirma que “qualquer medida cautelar não é
um fim em si mesma, mas um instrumento para atingir a finalidade de assegurar a
utilidade e eficácia de um futuro provimento principal.”
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Neste sentido a prisão preventiva sustenta-se com o objetivo de garantir a
ordem pública, a preservação da instrução criminal e a fiel execução da pena. Tal
medida excepcional só se justifica em situações específicas, em casos especiais.
Conforme preleciona Mougenot (2016, p. 598):
Prisão preventiva é a modalidade de prisão provisória, decretada pelo juiz arequerimento de qualquer das partes, por representação do delegado depolícia ou de ofício, em qualquer momento da persecução penal, paragarantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência dainstrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.
De acordo com o artigo 311 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva
pode ser decretada em qualquer fase do inquérito policial ou do processo penal, por
requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou ainda, mediante
representação da autoridade policial. Também cabe ao magistrado decretar a prisão
preventiva de ofício no curso da ação penal.
3.1.3 Prisão Domiciliar
A prisão domiciliar consiste no “recolhimento do acusado ou investigado em
sua residência, de onde somente poderá sair mediante autorização judicial”
(Mougenot, 2016, p. 608).
Os requisitos para a concessão dessa modalidade de prisão estão dispostos no
artigo 318 do Código de Processo Penal, quais sejam: ser maior de 80 (oitenta) anos;
estar extremamente debilitado por motivo de doença grave; imprescindibilidade de
cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; ser
gestante; ser mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; ou se
homem, o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade
incompletos.
Por sua natureza excepcional, a prisão domiciliar não comporta ampliação,
sendo imprescindível para sua concessão que todos os requisitos sejam comprovados,
sob pena de indeferimento.
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3.1.4 Prisão Temporária
Criada pela Medida Provisória nº 111, de 24 de novembro de 1989, sendo
convertida na Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, é uma modalidade de prisão
cautelar, cuja finalidade é assegurar uma eficaz investigação policial quando se tratar
de apuração de infração penal de natureza particularmente grave.
A partir da Constituição Federal de 1988, condicionou-se expressamente a
decretação de prisão à autoridade judiciária, não permitindo mais que a autoridade
policial pudesse fazê-la.
Para a decretação da prisão temporária, faz-se necessário o preenchimento dos
requisitos previstos no art. 1º, da Lei nº 7.960/89, quais sejam: quando imprescindível
para as investigações do inquérito policial; quando o indiciado não tiver residência fixa
ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; quando
houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal,
de autoria ou participação do indiciado nos crimes de homicídio doloso, sequestro ou
cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro, estupro, atentado
violento ao pudor, rapto violento, epidemia com resultado de morte, envenenamento de
água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha
ou bando, genocídio, tráfico de drogas, crimes contra o sistema financeiro e crimes
previstos na Lei de Terrorismo.
A prisão temporária tem prazo de duração de cinco dias, prorrogáveis por mais
cinco e ocorre durante a fase de investigação do inquérito policial para assegurar o
sucesso de uma determinada diligência.
3.2 A PRISÃO PENAL
Do delito nasce apenas a pretensão punitiva do Estado, mas não o direito de
ação, ou seja, não é possível haver punição, no âmbito penal, sem o devido processo
legal que proporcione ao acusado o direito ao contraditório e ampla defesa.
Nesse sentido, Nucci (2016, p. 109) afirma que a ação penal “[...] é o direito do
Estado acusação ou do ofendido de ingressar em juízo, solicitando a prestação
21
jurisdicional, representada pela aplicação das normas de direito penal ao caso
concreto”, e somente ao final da ação penal é que será dada a resposta estatal ao
jurisdicionado, por meio da sentença, a qual pode ser absolutória ou condenatória. Para
este estudo, interessa apenas a sentença penal condenatória.
Conforme preleciona Mougenot (2016, p. 666), a “sentença condenatória é
aquela em que o juiz julga procedente a pretensão punitiva deduzida na peça
acusatória, reconhecendo a responsabilidade do réu e lhe aplicado uma pena.”
Todavia, ainda que julgado procedente o pedido acusatório, a decisão é passível
de revisão, pois o ‘princípio do duplo grau de jurisdição’ garante a todos os
jurisdicionados a reanálise de seu processo, seja ele administrativo ou judicial, pela
instância superior, e somente após sua revisão é que haverá o trânsito em julgado.
Gustavo Badaró (2017, p. 214) assevera que “a condenação penal irrecorrível
produz efeitos principais e secundários. O efeito principal é a imposição da sanção
privativa de liberdade (reclusão, detenção ou prisão simples), restritiva de direitos ou
de multa, no caso de condenação.”
Assim, para que a condenação penal produza seus efeitos, devem ser
observados os princípios constitucionais que norteiam o processo penal.
22
4 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL
Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 77) afirma que “Princípio significa uma
base para a interpretação das normas e um horizonte a ser perseguido para a devida
realização dos fins de concretização de justiça”.
Neste sentido, Badaró (2017, p. 39) assevera que:
Princípio é o mandamento nuclear de um sistema.. O princípio é a regrafundante que, normalmente, está fora do próprio sistema por ele regido.A Constituição da República (CR) foi pródiga em estabelecer uma série deprincípios do processo e, em especial, do processo penal. Esse corpoprincipiológico da CR representa o modelo constitucional de processobrasileiro, podendo-se falar em um “devido processo constitucional”.As diversas garantias constitucionais, embora tenham operacionalidade em sie isoladamente, ganham força quando atuam de forma coordenada eintegradamente constituindo um sistema ou um modelo de garantiasprocessuais.
Encontramos inseridos na Constituição Federal a maioria dos princípios que
norteiam o processo penal brasileiro, alguns, inclusive, constituem autênticas garantias
fundamentais. Para o presente estudo, importam apenas quatro desses princípios, quais
sejam: o ‘princípio da presunção de inocência’, o ‘princípio do contraditório e da
ampla defesa’, o ‘princípio do devido processo legal’ e o ‘princípio do duplo grau de
jurisdição’.
4.1 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Beccaria (1997, p. 69), em 1764, já advertia que “um homem não pode ser
chamado réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção
pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi
outorgada”.
A presunção de inocência, como princípio positivado, somente ingressou no
sistema jurídico brasileiro com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso
LVII:“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”.
23
Segundo Lima (2016, p. 80), “No ordenamento pátrio, até a entrada em vigor da
Constituição de 1988, esse princípio somente existia de forma implícita, como
decorrência da cláusula do devido processo legal”. Afirma ainda o autor, que a
presunção de inocência:
Consiste, assim, no direito de não ser declarado culpado senão mediantesentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal , em queo acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para suadefesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provasapresentadas pela acusação (contraditório).
O uso da expressão ‘não culpado’ difere-se da forma como o referido princípio
foi previsto nos Tratados Internacionais, os quais costumam referir-se à ‘presunção de
inocência’, ao passo que a Constituição Federal Brasileira utiliza a expressão ‘não
culpado’, razão pela qual o preceito inserido na Carta magna passou a ser denominado
de ‘presunção de não culpabilidade’ (LIMA, 2016, p. 80).
A esse respeito, Badaró (2017, p. 62-63) afirma que:
A garantia constitucional não utiliza a expressão “presunção de inocência”,que representa a formulação tradicional do princípio. Deu-se preferência àfórmula da consideração da não culpabilidade. Em virtude dessa diversidadeterminológica, o preceito constitucional passou a ser denominado “presunçãode não culpabilidade”.As expressões “inocente” e “não culpável” constituem somente variantessemânticas de um idêntico conteúdo. É inútil e contraproducente a tentativade apartar ambas as ideias – se é que isto é possível -, devendo serreconhecia a equivalência de tais fórmulas. Procurar distingui-las é umatentativa inútil do ponto de vista processual. Buscar tal diferenciação apenasserve para demonstrar posturas reacionárias e um esforço vão de retorno aum processo penal voltado exclusivamente para a defesa social, que nãopode ser admitido em um Estado Democrático de Direito.
Em nosso ordenamento jurídico pátrio, a presunção de inocência está
consagrada no artigo 5º da Constituição Federal, sendo o princípio reitor do processo
penal. Neste sentido, o professor Eugênio Pacelli (2013, p.574) preleciona que:
O princípio da não culpabilidade, também designado por princípio dainocência, significa, portanto, o ponto de partida de um ordenamento jurídicoestruturado em bases garantistas, relativamente às questões penais.
24
Com isso, busca-se impedir, sobretudo, a antecipação de juízos por parte dasautoridades públicas, a fim de se evitar a precipitação no conhecimentoefetivo e completo de todas as circunstâncias que envolvem a matériacriminal.
Para Aury Lopes Junior (2016, p. 588):
A presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva ea estigmatização (precoce) do réu. Significa dizer que a presunção deinocência (e também as garantias constitucionais da imagem, dignidade eprivacidade) deve ser utilizada coo verdadeiro limite democrático à abusivaexploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processojudicial. Este princípio reconhece, assim, um estado transitório de nãoculpabilidade, na medida em que o referido status processual permaneceenquanto não houver o trânsito em julgado de uma sentença condenatória.Uma consequência do referido princípio é a impossibilidade de seconsiderarem, para efeitos de dosimetria da pena, os inquéritos e processoscriminais em andamento do acusado, sem trânsito em julgado, conforme teorda Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça “é vedada a utilização deinquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.
Assim, entende-se que a presunção de inocência, princípio constitucional
consistente no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada
em julgado, está intimamente ligada aos princípios do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa.
4.2 O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO
DEVIDO PROCESSO LEGAL
Para que o processo penal seja válido e produza seus efeitos, faz-se necessário
respeitar os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal,
expressamente previstos na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LV: “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e os acusados em geral, são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
O princípio do contraditório não significa apenas o direito de ser intimado dos
atos e fatos do processo, mas a garantia de plena reação a tais atos e fatos. Neste
sentido, Renato Brasileiro de Lima (2016, p. 87) assevera que “o contraditório
25
pressupõe, assim, a paridade de armas: somente pode ser eficaz se os contendentes
possuem a mesma força, ou, ao menos, os mesmos poderes.”
A seu turno, o princípio da ampla defesa exige direito à plena e perfeita ciência
do processo, com a possibilidade de opor defesas diretas e indiretas, produzir provas e
ser assistido por profissionais com competência técnica. De acordo com Mougenot
(2016, p. 95), “o princípio da ampla defesa consubstancia-se no direito das partes de
oferecer argumentos em seu favor e de demonstrá-los, nos limites em que isso seja
possível.”
Os princípios do contraditório e da ampla defesa se relacionam, como aponta
Lima (2016, p. 89): “[…] o exercício da ampla defesa só é possível em virtude de um
dos elementos que compõem o contraditório – o direito à informação. Além disso, a
ampla defesa se exprime por intermédio de seu segundo elemento: a reação.”
Vale salientar que a defesa técnica é indisponível e irrenunciável, revestindo-se
de suma importância no processo penal, a ponto do legislador, na redação do artigo
396-A, § 2º, do Código de Processo Penal, exigir a nomeação de defensor ao réu que
não o tiver, sob pena de nulidade absoluta. In verbis:
Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudoo que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificaras provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendosua intimação, quando necessário. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).§ 2o Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, nãoconstituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhevista dos autos por 10 (dez) dias. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
Verifica-se que os princípios do contraditório e da ampla defesa são requisitos
obrigatórios para a concretização do princípio do devido processo legal, cuja previsão
encontra-se no artigo 5º, LIV, da Constituição Federal: “ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Ademais, segundo Mougenot (2016, p. 91), o devido processo legal tem origem
no princípio da legalidade “nullus actum sine lege”, o qual garante ao indivíduo o rigor
de obediência ao previamente estabelecido em lei.
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4.3 O PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
De acordo com Aury Lopes Júnior (2016, p. 974), “O princípio do duplo grau
de jurisdição traz, a sua essência, o direito fundamental de o prejudicado pela decisão
poder submeter o caso penal a outro órgão jurisdicional, hierarquicamente superior na
estrutura da administração da justiça.”
Embora não haja previsão expressa na Constituição Federal de1988, por força
de tratado internacional, no ano de 1992, o Brasil aprovou, por meio do Decreto
legislativo nº 27/92, e incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº
678/92 a seguinte norma: “Art. 8.2, h, do Pacto de San José da Costa Rica (Convenção
Americana dos Direitos Humanos - CADH): Direito de recorrer da sentença a juiz ou
tribunal superior”.
A posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema é a de que a
CADH ingressa no sistema jurídico brasileiro com status “supralegal”, ou seja, acima
das leis ordinárias, mas abaixo da Constituição.
Tal princípio garante a todos os jurisdicionados a reanálise de seu processo, seja
ele administrativo ou judicial, pela instância superior, determinando assim a
possibilidade de todo condenado ter acesso a um recurso, cuja finalidade seja a revisão
da decisão de primeiro grau. Cumpre destacar que os casos de Prerrogativa de Foro,
quando a competência originária já cabe à máxima instância, não há o duplo grau.
Neste sentido, tendo em vista que a Constituição não consagra expressamente
tal princípio, Aury Lopes (2016, p. 975) assevera que, nos casos em que houver
julgamento originário pelos tribunais, haverá uma restrição à garantia que decorre da
CADH. O autor vai além quando afirma que “ainda que o duplo grau de jurisdição
fosse consagrado no texto constitucional, poderia haver a supressão ou limitação pelo
próprio sistema constitucional”.
27
5 A EXECUÇÃO DA PENA
Embora o réu fique preso tanto na prisão cautelar quanto na execução
provisória da pena, a diferença entre os dois institutos é bastante significativa, haja
vista que seus fundamentos e hipóteses de aplicação são completamente distintos. Pois
enquanto a primeira exige fundamentação expressa quanto à presença do fumus boni
iuris e do periculum libertatis, a segunda pode ser decretada sem qualquer
demonstração de sua necessidade para o processo.
O ponto de divergência reside quanto à possibilidade da prisão como execução
provisória da pena, posto que existiam vários dispositivos infraconstitucionais a
justificá-la, dentre os quais, o artigo 393 do Código de Processo Penal que trazia dois
efeitos da sentença penal condenatória recorrível, quais sejam: ser o réu preso ou
conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis
enquanto não prestar fiança; e ser o nome do réu lançado no rol dos culpados.
Todavia, a Lei nº 12.403/2011 revogou o art. 393 do Código de Processo Penal,
afastando seus efeitos.
Outro artigo que justificava a possibilidade da prisão como execução provisória
da pena era o artigo 594 do Código de Processo Penal, também revogado, o qual
exigia a prisão como requisito para apelação, e, ainda, o artigo 595 completava tal
entendimento ao considerar deserta a apelação do réu que fugisse.
Art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança,salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentençacondenatória, ou condenado por crime de que se livre solto. (Redação dadapela Lei nº 5.941, de 22.11.1973) (Revogado pela Lei nº 11.719, de 2008).Art. 595. Se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declaradadeserta a apelação. (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
Além da revogação de ambos os dispositivos, o Superior Tribunal de Justiça
editou a súmula 347, sustentando que “o conhecimento do recurso de apelação do réu
independe de sua prisão.”
No mesmo sentido, o artigo 637 do Código de Processo Penal dispõe que: “O
recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido
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os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da
sentença.”
Essa mesma disposição é encontrada no artigo 1029 e § 5º, do Código de
Processo Civil (Lei 13,105/15):
Art. 1029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstosna Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:
§ 5o O pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário oua recurso especial poderá ser formulado por requerimento dirigido:
Neste sentido ainda, existem entendimentos sumulados pelo Supremo Tribunal
Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 716/STF: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento dapena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada,antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.”;Súmula 717/STF: “Não impede a progressão de regime de execução da pena,fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrarem prisão especial”;Súmula 267/STJ: “A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contradecisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão.”
Por fim, é autorizada a execução da sentença condenatória antes do trânsito em
julgado no artigo 669 e inciso I, do Código de Processo Penal, os quais dispõem que
“Só depois de passar em julgado, será exequível a sentença, salvo: I - quando
condenatória, para o efeito de sujeitar o réu a prisão, ainda no caso de crime
afiançável, enquanto não for prestada a fiança;”
Embora a exigência da prestação de fiança, cuja natureza é cautelar nos crimes
afiançáveis, remeta à ideia de que a prisão do réu condenado poderia ser uma medida
cautelar.
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6 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
6.1 HABEAS CORPUS 84.078/MG
O HC 84.078-7/MG, de relatoria do Ministro Eros Grau, foi o caso paradigma
para a mudança de entendimento, pois até 2009 os tribunais admitiam em regra, a
execução provisória da pena enquanto pendesse qualquer recurso. Como observado
pelo Ministro Sepúlveda Pertence (às fls.1073), “o grande argumento da corrente, até
aqui majoritária, é o de que, não sendo providos os efeitos suspensivos, os recursos
não suspendem a prisão.”
HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA“EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DACONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.1 O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não temefeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado,os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. ALei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa deliberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição doBrasil de 1988 definiu, em seu art. 5º , inciso LVII, que “ninguém seráconsiderado culpado até o trânsito em julgado de sentença penalcondenatória”.2 Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados àordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, aodisposto no art. 637 do CPP.3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode serdecretada a título cautelar.4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todasas fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Porisso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelaçãosignifica, também, restrição do direito de defesa, caracterizandodesequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, doacusado, de elidir essa pretensão.5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos emmatéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimeshediondos” exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINSsintetizou na seguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando punirdemais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara umpouco ao próprio delinquente”.6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto daConstituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dosmagistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípioconstitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados porrecursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos,além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado
30
como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz aamplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, amelhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda aesse preço.7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida aconstitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a reduçãode vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções porresponderem a processo penal em razão da suposta prática de crimefuncional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52],o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violaçãodo disposto no inciso LVII do art. 5o da Constituição do Brasil. Isso porque--- disse o relator --- “a se admitir a redução da remuneração dos servidoresem tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, semque esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo dequalquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução dasdiferenças, em caso de absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, porunanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da leiestadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime aimpossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedadeanteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamenteprestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia dapropriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade,mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça àsliberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas.8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Nãoperdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. Sãopessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucionalda sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a suaexclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias,as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurarplenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. Ordemconcedida.
6.1.1 Síntese do caso
Trata-se de habeas corpus impetrado por Omar Coelho Vítor, condenado à pena
de 7 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado, por tentativa de homicídio
qualificado (art. 121, § 2º, inciso IV, c/c art. 14, inciso III, alínea c e d, ambos do
Código Penal), contra o Superior Tribunal de Justiça, o qual denegou habeas corpus
para que o recorrente aguardasse o julgamento de recurso especial em liberdade. Foi
decretada prisão preventiva ao paciente, fundando-se em indícios de que teria o intento
de se fazer furtar da aplicação da lei penal, mobilizando seu patrimônio de forma a
facilitar sua fuga.
Na 1ª Turma, foi rechaçada a sustentação da prisão preventiva, razão pela qual o
Ministro Eros Grau passou a analisar a possibilidade da prisão como execução
31
antecipada da pena. Após o voto do Ministro Relator pela concessão da ordem, o
Ministro Carlos Ayres Britto pediu vista e propôs remessa do feito ao Pleno,
considerando que havia entendimentos opostos entre a 1ª e a 2ª Turma. Votaram contra
a possibilidade de execução provisória da pena os Ministros Eros Grau, Celso de
Mello, Carlos Britto, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Gilmar
Mendes. Restaram vencidos os Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim
Barbosa e Ellen Gracie.
A Tese vencedora foi centralizada no princípio da presunção de inocência, como
um direito fundamental e alicerce da Constituição, a qual definiu, em seu artigo 5º,
inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”.
6.1.2 Principais argumentos
O Ministro Eros Grau fundamentou seu voto em dois principais argumentos: a)
o art. 164 da Lei nº 7.210/84 que teria superado o art. 637 do Código de Processo
Penal; e b) a aplicação isonômica em face do entendimento da Corte ao aplicar a pena
restritiva de direitos apenas após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória
(art. 147 da Lei nº 7.210/84).
No que se refere ao art. 164 da Lei de Execução Penal, o Ministro Relator fez o
seguinte apontamento:
A Lei de Execução Penal --- Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1.984 ---condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito emjulgado da sentença condenatória (artigo 1052), ocorrendo o mesmo com aexecução da pena restritiva de direitos (artigo 1473). Dispõe ainda, em seuartigo 1644, que a certidão da sentença condenatória com trânsito emjulgado valerá como título executivo judicial.
Sustentou que ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal vinham
interpretando o artigo 147 da Lei de Execução Penal de forma a afastar a possibilidade
de execução da sentença sem o seu trânsito em julgado e, por uma questão de isonomia
e coerência, não se poderia vedar a execução da pena restritiva de direito antes do
32
trânsito em julgado da sentença com fundamento no princípio constitucional da
presunção de inocência, mas permitir a execução da pena privativa de liberdade,
indubitavelmente mais grave, enquanto não sobreviesse título condenatório definitivo.
Asseverou também que a Corte não pode sucumbir ao desejo das massas e da
mídia, a qual anseia em punir sempre que se noticia algum crime específico e que
choca a sociedade, pois ao Supremo cumpre o exercício da prudência do direito para
fazer prevalecer a força normativa da Constituição contra esses casuísmos. Rechaçou
ainda a afirmação de que ao se proibir a execução provisória da pena os tribunais
superiores seriam inundados com recursos de natureza extraordinária. Por fim, exigiu
coerência do Supremo que prestigia a presunção de inocência em nome da garantia da
propriedade, devendo fazer o mesmo quando se trata da garantia da liberdade.
O Ministro Menezes Direito divergiu do voto do Relator, argumentando que os
recursos excepcionas não admitem discussão da matéria de fato, mas apenas de tese
jurídica e que é nas instâncias ordinárias que o julgamento se conclui. Afirmou ainda
que os recursos extraordinário e especial não se revestem de efeito suspensivo e que
não pode o judiciário, por via interpretativa, atribuir tal efeito, exceto
excepcionalmente.
Mencionou ainda o voto do Ministro Celso de Mello, em que este afirma que “o
Pacto de São José da Costa Rica, que institui a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, não impede – em tema de proteção ao status libertatis do réu (art. 7º, n. 2) -,
que se ordene a privação antecipada da liberdade do indiciado, do acusado ou do
condenado, dede que esse ato de constrição pessoal se ajuste às hipóteses previstas no
ordenamento doméstico de cada Estado signatário desse documento internacional”.
Afirmou também que “a prisão na pendência de recurso é admitida em sistemas
de países reconhecidamente liberais, como, por exemplo, os Estados Unidos da
América [...]”. Também criticou que se erija a norma do artigo 5º, inciso LVII, CF
como absoluta, afirmando que, se a prisão como execução provisória viola a presunção
de inocência, a prisão cautelar também violaria. Argumentou ainda, que o caráter
preventivo da pena é que justifica a privação de liberdade do condenado antes mesmo
do esgotamento das instâncias extraordinárias. Por fim, o Ministro trouxe em seu voto
a ideia de que o respeito ao preceito constitucional estimula a impunidade e protege
33
aqueles cujos recursos financeiros podem patrocinar os custos da multiplicidade de
recursos.
O Ministro Celso de Mello discorreu sobre a diferença entre a prisão cautelar e
a prisão penal, sendo que a primeira, sempre qualificada pela nota da
excepcionalidade, não objetiva infligir uma punição à pessoa que sofre a sua
decretação, funcionando apenas como instrumento destinado a atuar em benefício da
atividade desenvolvida no processo penal. De outro lado, a prisão penal, como pena
antecipada, é, a seu ver, vedada pela Constituição, a qual estabelece limites que não
podem ser transpostos pelo Estado e seus agentes. Por fim, argumentou que a
presunção de inocência não se esvazia progressivamente, à medida que se sucedem os
graus de jurisdição.
O Ministro Joaquim Barbosa afirmou que as decisões proferidas pelos juízos
ordinários devem ser levadas a sério, por serem presumidamente idôneas para o ofício
que lhes compete exercer, do contrário melhor seria que todas as ações fossem
processadas e julgadas diretamente pelo Supremo Tribunal Federal. Afirmou que a
adoção da tese de que somente poderia haver execução penal com o trânsito em
julgado da condenação causaria verdadeiro estado de impunidade, em especial nos
casos em que o sentenciado tenha a seu dispor um defensor que se utilize de uma
infinidade de recursos com o fim único de protelar o trânsito em julgado.
Sustentou também que a EC nº 45, que condicionou a admissibilidade do
recurso extraordinário à demonstração da repercussão geral, tinha a intenção de
autorizar a execução provisória da pena privativa de liberdade. Trouxe ainda dados
estatísticos que evidenciaram que a maioria das questões que chegam ao Supremo
Tribunal Federal para julgamento em recurso extraordinário de natureza criminal não
preenchem os requisitos constitucionais de admissibilidade e que apenas 4% dos
recursos admitidos foram providos. Por fim, ressalvou que o condenado que entender
que está sofrendo constrangimento ilegal contra a sua liberdade, diante de uma
nulidade gravíssima e insanável no processo, pode socorrer-se do remédio
constitucional habeas corpus.
O Ministro Carlos Ayres Britto iniciou seu voto ressaltando que a liberdade de
locomoção é a prima-dona dos direitos individuais, tanto que o habeas corpus precede
34
a todos os outros remédios constitucionais e ações de urgência. Asseverou que o
princípio da presunção de não culpabilidade já é relativizado pela própria Constituição
quando, em seu artigo 5º, inciso VXI, traz as hipóteses de prisão. Ponderou também
sobre a irreparabilidade do dano decorrente da prisão corporal, a qual tem dimensão
quádrupla: abalo psíquico do preso, desprestígio familiar, desqualificação profissional
e desprestígio social. Afirmou ainda que a sociedade não ficaria desprotegida ao se
prestigiar o princípio da presunção de inocência, tendo em vista que o juiz pode com
base no artigo 312 do Código de Processo Penal, decretar a prisão cautelar por decisão
devidamente fundamentada. Por fim, diferenciou a aplicação da presunção de
inocência na esfera criminal da esfera eleitoral, haja vista que nesta impera o coletivo e
a representatividade popular, obedecendo a outros critérios, a outros vetores e a outros
parâmetros constitucionais.
O Ministro Cezar Peluso observou que é inconstitucional qualquer medida
gravosa antes do trânsito em julgado, cuja justificação seja exclusivamente um juízo
de culpabilidade, pois viola o princípio constitucional da presunção de inocência.
Apontou a irreversibilidade da medida de prisão e o sentimento de injustiça que toma a
todos ao se privar de liberdade um inocente.
A Ministra Ellen Grecie afirmou que a presunção de inocência, após a decisão
em segundo grau de jurisdição, deixa de existir e é substituída por um juízo de
culpabilidade.
O Ministro Marco Aurélio argumentou sobre irreversibilidade da medida de
prisão, asseverando que no campo patrimonial, a execução provisória é possível por
permitir o retorno ao status quo ante, em caso de provimento do recurso especial ou
extraordinário interposto pelo executado, já no que se refere a liberdade de ir e vir, é
impossível tal retorno.
O Ministro Gilmar Mendes asseverou que a execução antecipada da pena
afronta, a um só tempo, os postulados da presunção de inocência, da dignidade
humana e da proporcionalidade. Ofende a presunção de inocência, na medida em que
“o fato de que o imputado tenha que ser considerado não culpado, obriga a não
castigá-lo por meio da prisão preventiva”; ofende a dignidade humana, tendo em vista
que o ser humano se torna objeto da ação estatal. “O ser humano não pode converter-
35
se em simples objeto da luta contra o crime com a violação de seus direitos ao respeito
e a proteção de seus valores sociais”; e ofende o princípio da proporcionalidade, na
medida em que diante do conflito entre dois bens constitucionais, há de se examinar
qual seria o mais adequado, necessário e proporcional em sentido estrito. Por fim,
rebateu a preocupação levantada pela Ministra Ellen Gracie quanto ao fato de se alterar
uma jurisprudência de vinte anos e se concluir que a Suprema Corte esteve equivocada
durante todo esse tempo, quando na verdade, não seria essa a conclusão, mas sim a de
que se estaria diante de uma hipótese de mutação constitucional.
6.2 HABEAS CORPUS 126.292/SP
Cerca de seis anos após o julgamento do HC 84.078/MG, o Supremo Tribunal
Federal afetou novamente ao Plenário a matéria relativa à execução provisória da pena,
com o escopo de modificar a orientação jurisprudencial.
A matéria parecia pacificada, em especial após as modificações legislativas
trazidas pelas Leis nº 11.689/2008, 11.719/2008 e 12.403/2011, as quais revogaram os
artigos 393, 408, §1º, 594 e 595 do Código de Processo Penal, acabando com a prisão
decorrente de sentença condenatória recorrível e a prisão decorrente de pronúncia.
CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIOCONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º,LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA PORTRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃOPROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em graude apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, nãocompromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmadopelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.2. Habeas corpus denegado.
6.2.1 Síntese do caso
Trata-se de habeas corpus impetrado por Maria Claudia de Seixas em favor do
paciente Marcio Rodrigues Dantas, o qual foi condenado à pena de 5 anos e 4 meses
de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de roubo majorado (art.
36
157, §2º, I e II, do Código Penal), contra a decisão do relator que indeferiu o pedido
liminar para que o recorrente aguardasse em liberdade até o trânsito em julgado da
decisão condenatória.
Votaram a favor da possibilidade de execução provisória da pena os ministros
Teori Zavascki, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux,
Edson Fachin e Dias Toffoli. Restaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski,
Rosa Weber, Celso de Mello e Marco Aurélio.
A tese firmada agora pelo Supremo Tribunal Federal é que “A execução
provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito
a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da
presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.”
6.2.2 Principais argumentos
O Ministro Relator Teori Zavascki, para sustentar a constitucionalidade da
execução antecipada da pena argumentou que nas instâncias ordinárias é que se exaure
a possibilidade de exame de fatos e provas, sendo este o momento em que se fixa a
responsabilidade criminal do acusado. Citou também a Lei da Ficha Limpa (LC
135/2010), julgada constitucional, a qual alterou o art. 1º, I da lei complementar
64/199072, consagrando ADC 29 e 30 e ADI 4578. Fe referência ao Direito
Comparado, no qual citando a Ministra Ellen Gracie quando do julgamento do HC
85.886, de 28/10/2005, que “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo
grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando
referendo da Corte Suprema”. Por fim, apontou o sentimento de impunidade que causa
a protelação do início da execução da pena e afirmou ainda que os recursos de natureza
extraordinária não têm por finalidade específica examinar a justiça de sentenças em
casos concretos, mas tão somente preservar o direito objetivo, a autoridade e
uniformidade da aplicação das normas.
O Ministro Luís Roberto Barroso indicou em seu voto fundamentos jurídicos e
pragmáticos. Para justificar a mudança de orientação do Supremo Tribunal Federal
recorreu à mutação constitucional, que se operou sob o impacto traumático da própria
37
realidade que se criou após a primeira mudança de orientação em 2009, a qual gerou a
impossibilidade de execução da pena após o julgamento final pelas instâncias
ordinárias e que produziu três consequências muito negativas para o sistema de justiça
criminal: a) funcionou como um poderoso incentivo à infindável interposição de
recursos protelatórios; b) reforçou a seletividade do sistema penal; e c) o novo
entendimento contribuiu para agravar o descrédito do sistema de justiça penal junto à
sociedade.
Argumentou também que a Constituição Federal trata a culpabilidade e a prisão
como coisas distintas, as quais não se confundem. Asseverou ainda que o imputado
deve ser presumido inocente até o trânsito em julgado, mas que a prisão pode ser
decretada antes, pois decorre de uma decisão escrita e fundamentada expedida por
autoridade judiciária, em conformidade com o inciso LXI do art. 5º da Constituição
Federal; Defendeu que deve ser aplicada a técnica de ponderação, chegando à
conclusão de que a prisão pena antes de transitada a decisão condenatória não atinge o
núcleo essencial do princípio fundamental.
Dentre os fundamentos pragmáticos apresentados, merece destaque a suposta
redução no grau de seletividade do sistema punitivo brasileiro. Afirmou o Ministro que
as pessoas com maior recurso financeiro, mesmo que condenadas, não cumprem a
pena ou a procrastinam por mais de 20 anos, utilizando-se de defesa técnica que
interpõe um recurso atrás do outro, evitando-se assim, o trânsito em julgado. Nesse
sentido, para o Ministro, a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal
traria impacto positivo no número de pessoas presas temporariamente, pois traria
maior eficiência ao sistema.
O Ministro Celso de Mello fundamentou seu voto utilizando um argumento
simples e de peso, qual seja, a manifesta clareza do texto constitucional. Segundo seu
entendimento, há um momento visivelmente definido a partir do qual se descaracteriza
a presunção de inocência. Como observou o Ministro, a Constituição brasileira é mais
intensa na proteção da presunção da inocência, sendo portanto inadequado invocar a
experiência norte-americana ou francesa, entre outros Estados democráticos.
O Ministro Marco Aurélio se manteve coerente com o seu voto anterior,
proferido em 2009, no qual rechaçou a possibilidade de execução provisória da
38
sentença. Reconheceu que a delinquência atual é maior, até mesmo em razão do
crescimento demográfico desenfreado, que a Justiça é morosa, que o tempo é precioso
tanto para o Estado-acusador, quanto para o acusado. Afirmou também que é
justamente em razão disso que a proteção aos direitos humanos deve ser maior, bem
como a segurança jurídica. Asseverou que o quadro caótico do momento é o mesmo de
6 anos antes e ponderou que o Supremo Tribunal Federal não pode oscilar de modo a
decidir em um sentido em um dia e de forma completamente oposta no outro, deve
haver coerência em suas decisões.
Nesse sentido foi também o voto da ministra Rosa Weber, que afirmou ter
dificuldade em aceitar a revisão da jurisprudência apenas pela alteração dos integrantes
da Corte. Também reconheceu que existem questões pragmáticas envolvidas, mas que
a alteração da compreensão da Corte sobre o texto constitucional não deve ser o
caminho para solucioná-las.
O Ministro Gilmar Mendes mudou de orientação, já que em 2009, entendeu que
a execução antecipada da pena violava os princípios da dignidade humana, da
presunção de inocência e da proporcionalidade. Para fundamentar sua decisão, trouxe
casos específicos que revelam como a demora no cumprimento da pena compromete a
efetividade da justiça. Além disso, afirmou que o art. 5º, inciso LVII, da Constituição
Federal não precisa o que é ser considerado culpado, de modo que não obstaria que o
legislador infraconstitucional tratasse de forma progressivamente mais gravosa o
imputado. Assim, a presunção de não-culpabilidade poderia ser mitigada de acordo
com o estágio do processo, desde que não atingisse o seu núcleo fundamental.
O Ministro Edson Fachin argumentou que as regras da Lei de Execução Penal
que exigem o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para o início da
execução foram revogadas pela lei nº 9.038/90, já que seu art. 27, §2º, afirmava que os
recursos extraordinário e especial seriam recebidos apenas no efeito devolutivo.
O Ministro Ricardo Lewandowski manteve seu entendimento de que não há
como ultrapassar a taxatividade do inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal.
Defendeu que, em matéria penal, a interposição, pela defesa, de recursos de caráter
excepcional e de agravo contra decisão denegatória obsta a eficácia imediata da
decisão condenatória, pois ainda presente a presunção de inocência, em conformidade
39
com o disposto constitucional. Nesse sentido, o art. 637, do CPP não teria sido
recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
Revelou também indignação com o fato de, na história brasileira, sempre se dar
mais importância ao bem ‘propriedade’ em detrimento do valor ‘liberdade’. Citou
dispositivos penais que punem mais rigorosamente crimes contra o patrimônio que
crimes contra a vida. Além disso, observou que o Código de Processo Civil de 2015
trouxe em seu art. 520, sobre cumprimento provisório da sentença, a necessidade de
prestação de caução suficiente e idônea para o levantamento de depósito em dinheiro.
Por fim, relembrou que o sistema penitenciário brasileiro está absolutamente
falido e que seria um contrassenso autorizar a prisão dos condenados em segundo grau,
eis que o número de presos crescerá em dezenas ou centenas de milhares.
6.3 REPERCUSSÃO GERAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM
AGRAVO - 964.246
Em regime de repercussão geral, em 10.11.2016, o Supremo Tribunal Federal
reafirmou a jurisprudência adotada a partir do HC 126.292, no sentido de que a
execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda
que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio
constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da
Constituição Federal.
O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão e reconheceu a
existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, por
maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencidos os Ministros
Celso de Mello, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Não se
manifestou a Ministra Rosa Weber.
CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIOCONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º,LVII). ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO. EXECUÇÃOPROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL
40
RECONHECIDA. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA. 1. Em regime derepercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo TribunalFederal no sentido de que a execução provisória de acórdão penalcondenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especialou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunçãode inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. 2.Recurso extraordinário a que se nega provimento, com o reconhecimento darepercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria.(ARE 964.246 RG, Rel. MIN. TEORI ZAVASCKI, PROCESSOELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO, DJe. 25/11/2016).
6.3.1 Síntese do caso
Trata-se de agravo contra decisão que inadmitiu recurso extraordinário
interposto em ação penal na qual o recorrente foi condenado à pena de 5 (cinco) anos e
4 (quatro) meses de reclusão, em regime fechado, e à pena pecuniária de 13 (treze)
dias-multa, no valor unitário mínimo, pela prática do crime previsto no art. 157, § 2º, I
e II, do Código Penal. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento
à apelação do réu e determinou expedição imediata de mandado de prisão, para início
da execução da pena.
No recurso extraordinário, apontou-se a ofensa ao art. 5º, LVII, da Constituição
Federal, dispositivo constitucional que garante o direito de ninguém ser considerado
culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, de onde decorre o
direito de não ser preso antes do trânsito em julgado. Sustentou ainda que mesmo que
os recursos cabíveis contra o acórdão da apelação (recursos Especial e Extraordinário)
sejam despidos de eficácia suspensiva, certo é que há presunção constitucional de
inocência até o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Declarou também a parte recorrente a existência de repercussão geral da
matéria, conforme estabelece o art. 543-A, § 2º, do CPC/1973, porquanto claramente
extrapola os interesses subjetivos das partes, atingindo todos os cidadãos que tem o
direito de ver respeitados todos os direitos e garantias fundamentais estabelecidos em
nossa Constituição. Por fim, requereu o provimento do recurso extraordinário para que
a execução aguarde o trânsito em julgado.
41
6.3.2 Principais argumentos
O Ministro Relator Teori Zavaski, para sustentar seu voto, retomou
considerações feitas no julgamento do habeas corpus 126.292, também de sua
relatoria, quando se afirmou que a presunção de inocência é uma garantia de sentido
processualmente dinâmico, cuja intensidade deve ser avaliada segundo o âmbito de
impugnação próprio a cada etapa recursal, em especial quando tomadas em
consideração as características próprias da participação dos Tribunais Superiores na
formação da culpa. Destacou que o uso do remédio heroico não deve estimular
técnicas defensivas per saltum, tendo em vista a antecipação do conhecimento em
relação a imputações, condenações e prisões ilegais ilegítimas.
Asseverou que a dignidade defensiva dos acusados deve ser calibrada
processualmente, a partir das expectativas mínimas de justiça depositadas no sistema
de justiça criminal do país, pois se, de um lado, a presunção de inocência em conjunto
com as demais garantias de defesa devem viabilizar ampla disponibilidade de meios e
oportunidades para que o acusado possa intervir no processo-crime em detrimento da
imputação contra si formulada, de outro lado, ela não pode esvaziar o sentido público
de justiça que o processo penal deve ser minimamente capaz de prover para garantir a
sua finalidade última, de pacificação social.
Citou diversos precedentes já invocados quando do julgamento do habeas
corpus 126.292 e destacou ainda que, em diversas oportunidades antes e depois de tais
precedentes, as Turmas do STF afirmaram e reafirmaram que o princípio da presunção
de inocência não inibia a execução provisória da pena imposta, ainda que pendente o
julgamento de recurso especial ou extraordinário.
Afirmou o Ministro que o princípio da presunção de inocência positivado no
inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal ganhou destaque no ordenamento
jurídico, no período de vigência da Constituição de 1946, com a adesão do Brasil à
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, e que o reconhecimento desse
postulado civilizatório teve reflexos importantes na formulação das normas
processuais penais, com a implementação de nova ideologia, a qual agregou ao
42
processo penal brasileiro parâmetros para a efetivação de um modelo de justiça
racional, democrático e de cunho garantista.
Pontuou ainda que a eventual condenação representa, por certo, um juízo de
culpabilidade, que deve decorrer da logicidade extraída dos elementos de prova
produzidos em regime de contraditório no curso da ação penal. Asseverou que, para o
sentenciante de primeiro grau, fica superada a presunção de inocência por um juízo de
culpa, pressuposto inafastável para condenação, embora não definitivo, já que sujeito à
revisão, caso haja recurso ao Tribunal, momento em que se exaure definitivamente o
exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, de
responsabilidade penal.
Destacou também que é nesse momento em que se concretiza, em seu sentido
genuíno, o duplo grau de jurisdição e que os recursos de natureza especial e
extraordinário não configuram seus desdobramentos, porquanto não são recursos de
ampla devolutividade, sendo portanto o âmbito de cognição estrito à matéria de direito.
Asseverou ainda que tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do
acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância
extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização do princípio da
presunção de inocência. Faz sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos
extraordinários, como o fazem o art. 637 do Código de Processo Penal e o art. 27, § 2º,
da Lei 8.038/1990.
Quanto à presunção de inocência, citou o Ministro Gilmar Mendes:
No que se refere à presunção de não culpabilidade, seu núcleo essencialimpõe o ônus da prova do crime e sua autoria à acusação. Sob esse aspecto,não há maiores dúvidas de que estamos falando de um direito fundamentalprocessual, de âmbito negativo. Para além disso, a garantia impede, de umaforma geral, o tratamento do réu como culpado até o trânsito em julgado dasentença. No entanto, a definição do que vem a se tratar como culpadodepende de intermediação do legislador. Ou seja, a norma afirma queninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da condenação,mas está longe de precisar o que vem a se considerar alguém culpado. O quese tem, é, por um lado, a importância de preservar o imputado contra juízosprecipitados acerca de sua responsabilidade. Por outro, uma dificuldade decompatibilizar o respeito ao acusado com a progressiva demonstração de suaculpa. Disso se deflui que o espaço de conformação do legislador é lato. Acláusula não obsta que a lei regulamente os procedimentos, tratando oimplicado de forma progressivamente mais gravosa, conforme a imputação
43
evolui. Por exemplo, para impor a uma busca domiciliar, bastam fundadasrazões - art. 240, § 1º, do CPP. Para tornar implicado o réu, já sãonecessários a prova da materialidade e indícios da autoria (art. 395, III, doCPP). Para condená-lo é imperiosa a prova além de dúvida razoável. Comoobservado por Eduardo Espínola Filho, a presunção de inocência é vária,segundo os indivíduos sujeitos passivos do processo, as contingências daprova e o estado da causa. Ou seja, é natural à presunção de nãoculpabilidade evoluir de acordo com o estágio do procedimento. Desde quenão se atinja o núcleo fundamental, o tratamento progressivamente maisgravoso é aceitável. (…) Esgotadas as instâncias ordinárias com acondenação à pena privativa de liberdade não substituída, tem-se umadeclaração, com considerável força de que o réu é culpado e a sua prisãonecessária. Nesse estágio, é compatível com a presunção de nãoculpabilidade determinar o cumprimento das penas, ainda que pendentesrecursos (in: Marco Aurélio Mello. Ciência e Consciência, vol. 2, 2015).
Sustentou que a execução da pena na pendência de recursos de natureza
extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não-
culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo
o processo criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como
respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Considerou não ser
incompatível com a garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis
ou pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos
próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias, assim
como não se mostrar arbitrária a possibilidade de o julgador determinar o imediato
início do cumprimento da pena, inclusive com restrição da liberdade do condenado
após firmada a responsabilidade criminal pelas instâncias ordinárias.
Por fim, destacou que a ideia de efetividade no cumprimento da sanção imposta
em juízo condenatório, diretamente relacionada ao alcance do princípio da presunção
de inocência, tenderia a reparar, ou ao menos amenizar, a cultura da imposição
deliberada e inconsequente de prisões preventivas como método de concretização da
punição do acusado no âmbito do processo penal.
O Ministro Roberto Barroso, em seu voto, como no julgamento do habeas
corpus 126.292, defendeu a ocorrência de uma mutação constitucional, que se operou
sob o impacto traumático da própria realidade que se criou após a primeira mudança
de orientação em 2009, a qual gerou a impossibilidade de execução da pena após o
julgamento final pelas instâncias ordinárias e que produziu três consequências muito
44
negativas para o sistema de justiça criminal: a) funcionou como um poderoso incentivo
à infindável interposição de recursos protelatórios; b) reforçou a seletividade do
sistema penal; e c) o novo entendimento contribuiu para agravar o descrédito do
sistema de justiça penal junto à sociedade. A partir desses três fatores, tornou-se
evidente que não se justifica, no cenário atual, a leitura mais conservadora e extremada
do princípio da presunção de inocência, que impede a execução (ainda que provisória)
da pena quando já existe pronunciamento jurisdicional de segundo grau (ou de órgão
colegiado, no caso de foro por prerrogativa de função) no sentido da culpabilidade do
agente.
Por fim, asseverou que a Constituição brasileira não condiciona a prisão, mas a
certeza jurídica acerca da culpabilidade ao trânsito em julgado da sentença penal
condenatória e que a presunção de inocência é princípio (e não regra) e, como tal, pode
ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros
princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes.
6.4 HABEAS CORPUS 434.766/PR
O HC 434.766/PR, de relatoria do Ministro Felix Fischer, julgado em
05.03.2018 no Superior Tribunal de Justiça, foi considerado bastante emblemático,
tendo em vista que figurou como paciente o ex presidente da República do Brasil Luis
Inácio Lula da Silva.
HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA E LAVAGEM DEDINHEIRO. PRISÃO DETERMINADA PELO TRIBUNAL APÓS OJULGAMENTO DA APELAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXECUÇÃOPROVISÓRIA DA PENA. LEGALIDADE. RECENTE ENTENDIMENTODO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOPRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. CONSTRANGIMENTOILEGAL NÃO EVIDENCIADO. REGIME INICIAL FECHADO.POSSIBILIDADE. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. MATÉRIANÃO ENFRENTADA PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DEINSTÂNCIA. HABEAS CORPUS DENEGADO.1. Após o julgamento do Habeas Corpus n. 126.292/SP (STF, RelatorMinistro TEORI ZAVASCKI, TRIBUNAL PLENO, julgado em 17.2.2016),esta Corte passou a adotar o entendimento do Supremo Tribunal Federal deque “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em graude apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não
45
compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmadopelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal”. Em outras palavras,voltou-se a admitir o início de cumprimento da pena imposta pelo simplesesgotamento das instâncias ordinárias, ou seja, antes do trânsito em julgadoda condenação, nos termos da Súmula 267/STJ.2. O Supremo Tribunal Federal também reconheceu a repercussão geral dotema (ARE 964.246/SP, Rel. Ministro TEORI ZAVASCKI) e, em11.11.2016, decidiu, em Plenário Virtual, pela reafirmação de suajurisprudência externada no mencionado HC 126.292/SP. 2. No particular,como a sentença condenatória foi confirmada pelo Tribunal de origem, seeventualmente rejeitados os Embargos de Declaração sem efeitosmodificativos, e porquanto encerrada a jurisdição das instâncias ordinárias(bem como a análise dos fatos e provas que assentaram a culpa docondenado), é possível dar início à execução provisória da pena antes dotrânsito em julgado da condenação, sem que isso importe em violação doprincípio constitucional da presunção de inocência.3. O Superior Tribunal de Justiça já firmou orientação no sentido de que nãohá que se falar em reformatio in pejus, pois a prisão decorrente de acórdãoconfirmatório de condenação prescinde do exame dos requisitos previstos noart. 312 do Código Penal. Entende-se que a determinação de execuçãoprovisória da pena se encontra dentre as competências do Juízo revisional eindepende de recurso da acusação. HC 398.781/SP, Quinta Turma, Rel. MIN.RIBEIRO DANTAS, DJe 31/10/2017). 3. Sobressai a incompetência desteSuperior Tribunal de Justiça para a análise da impetração, quando a matériade fundo, alegada no mandamus, que é questão eleitoral, não foi objeto dedebate e decisão pelo Tribunal a quo, sob pena de indevida supressão deinstância. Precedente.4. Habeas Corpus denegado.
6.4.1 Síntese do caso
Trata-se de habeas corpus preventivo impetrado por Cristiano Zanin Martins e
outros contra o Tribunal Regional Federal da 4ª Região - TRF4, cujo paciente foi
condenado em primeiro grau de jurisdição por: (I) crime de corrupção passiva do art.
317 do CP, com a causa de aumento descrita no § 1º do mesmo dispositivo, pelo
recebimento de vantagem indevida do Grupo OAS, em decorrência de valores
oriundos do contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobras, à pena de 6
anos de reclusão, além de multa de 150 dias-multa, no valor unitário de 5 salários-
mínimos; e (II) crime de lavagem de dinheiro do art. 1º, caput, inciso V, da Lei nº
9.613/1998, envolvendo a ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento
164-A (tríplex) e do beneficiário das reformas nele realizadas, à pena de 3 (três) anos e
6 (seis) meses de reclusão, além de multa de 35 (trinta e cinco) dias-multa, no valor
unitário de 5 (cinco) salários-mínimos, na forma do art. 69 do Estatuto Repressor
46
(concurso material), totalizando 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a serem
cumpridos em regime inicialmente fechado, além de multa, no total de 185 (cento e
oitenta e cinco) dias-multa, no valor diário de 5 (cinco) salários-mínimos, sendo-lhe
imposto, ainda, como condição para progressão de regime, a reparação do dano, na
forma do art. 33, § 4º, do Código Penal.
Foram interpostos recursos tanto pelo Ministério Público Federal, quanto pela
defesa, os quais foram julgados em 24.01.2018 pela 8ª Turma do TRF4, oportunidade
em que, por unanimidade de votos, foi mantida a condenação do paciente, bem como
majorada a reprimenda anteriormente imposta para o patamar de 12 (doze) anos e 01
(um) mês de reclusão, em regime inicial igualmente fechado, além de 280 (duzentos e
oitenta) dias-multa, à razão unitária de 05 (cinco) salários-mínimos vigentes ao tempo
do último fato criminoso. No mesmo compasso, em observância ao decidido pelo
plenário do Supremo Tribunal Federal no HC 126.292/SP, determinou-se que, tão logo
decorrido o prazo para a interposição dos recursos dotados de efeito suspensivo, ou
mesmo quando julgadas as respectivas irresignações, fosse oficiada a unidade
judiciária de origem (13ª Vara Federal Criminal de Curitiba/PR), autorizando o início
da execução das penas impostas no decisum.
6.4.2 Principais argumentos
O Ministro Relator Felix Fischer iniciou seu voto destacando que o habeas
corpus preventivo não se revela pertinente quando inexistente situação de dano efetivo
ou de risco potencial ao direito ambulatorial, fazendo-se necessária sua comprovação.
Asseverou que não se vislumbra no caso em tela a existência de tal situação apta a
respaldar o writ de natureza preventiva e, ainda que houvesse, não se pode, no presente
caso, considerar ilegal ou abusivo o ato perpetrado pelo Tribunal de Origem. Lembrou
também que, ao julgar o HC 126.292/SP, o Supremo Tribunal Federal assentou o
entendimento de que “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido
em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não
compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo
5º, inciso LVII, da Constituição Federal”. Afirmou o Ministro que a matéria foi objeto
47
de novo exame pela Corte, em 05.10.2016, nas ADCs 43 e 44, e, posteriormente, no
julgamento do ARE 964.246, sob a sistemática da repercussão geral, sendo novamente
afirmada a possibilidade da execução da pena após a confirmação em sede recursal.
Asseverou o Relator que a execução provisória da pena era a orientação que
prevalecia na jurisprudência, mesmo após a Constituição de 1988, e citou precedentes
nesse sentido: como o HC 68726/DF, de relatoria do Ministro Néri da Silveira, que em
28.06.1991, decidiu que a presunção de inocência não impediria a prisão decorrente de
apelação que confirme a sentença penal condenatória; ou ainda a pontual observação
do Ministro Moreira Alves no HC 68841/SP, em 24.09.1991, em que destacou a
ausência do efeito suspensivo dos recursos especial e extraordinário; e, mais
recentemente, o HC 71723/SP, julgado em 14.03.1995, no qual o Ministro Ilmar
Galvão também assentou que a decisão em segundo grau que venha a confirmar a
sentença condenatória de primeiro grau autoriza a imediata prisão do acusado, já que
os recursos especial e extraordinário estariam despidos de efeito suspensivo.
Pontuou também que, em diversas oportunidades, as Turmas do Supremo
Tribunal Federal afirmaram e reafirmaram que o princípio da presunção de inocência
não inibiria a execução provisória da pena imposta, ainda que pendente o julgamento
de recurso especial ou extraordinário. Por fim, asseverou que não há que se falar em
ofensa ao princípio da presunção de inocência e não vislumbrou a existência de
qualquer ilegalidade na determinação de que o paciente inicie o cumprimento
provisório da pena após o esgotamento dos recursos em segundo grau.
O Ministro Jorge Mussi, em seu voto, sustentou que não se pode utilizar o
habeas corpus para obstar eventuais ilegalidades ou constrangimentos ainda não
existentes e que sequer se sabe se realmente ocorrerão. Asseverou ainda que a mera
suposição sem indicativo fático de que o paciente será preso, em ofensa aos princípios
da presunção de inocência e da necessidade de motivação das decisões judiciais, não
constitui uma ameaça concreta à sua liberdade capaz de justificar o manejo do
mandamus para o fim pretendido. Apontou também que, mesmo que a ameaça de
prisão fosse concreta, não se vislumbraria a ilegalidade ou abuso de poder na
determinação da execução provisória da pena privativa de liberdade depois de
esgotadas as instâncias ordinárias. Por fim, afirmou o Ministro que é cediço o
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entendimento firmado pela Corte quanto à possibilidade de execução provisória de
acórdão penal condenatório, ainda que sujeito a recursos de natureza extraordinária,
não havendo que se falar em ofensa ao princípio da presunção de inocência.
O Ministro Ribeiro Dantas, em seu voto, destacou que exaurida a jurisdição
ordinária, inicia-se a execução provisória da pena privativa de liberdade e que isso,
mesmo quando determinado de ofício pelo órgão recursal, não constitui reforma em
prejuízo, porque se insere dentro das atribuições do Juízo de revisão, sendo irrelevante
recurso ou não do acusador. Pontuou também que o instrumento manejado tem função
de dar efeito suspensivo ao recurso que sequer teria sido interposto pelo paciente, já
que pendentes os aclaratórios no TRF-4, pois o próprio risco de violência ao direito de
ir e vir do paciente, pressuposto básico da concessão, em tese, de um writ preventivo
como este, sequer se configura de momento. Por fim, asseverou que o argumento
utilizado pela defesa de que o paciente não ostenta periculosidade nem pretende se
furtar à Justiça é justificativa para que ele não sofra prisão cautelar, não sendo,
portanto, plausível em prisão pena, mesmo que em execução provisória e, embora
tenha reconhecido o risco meramente potencial à liberdade do paciente, também não
vislumbrou qualquer ilegalidade.
O Ministro Joel Ilan Paciornik reconheceu a ameaça concreta e iminente à
liberdade de locomoção física do paciente, tendo em vista que não decorre de ato
ilegal, mas da condenação confirmada em grau de recurso de apelação, o que afasta
constrangimento ilegal. Pontuou ainda o Ministro que, embora a orientação do
Supremo seja pela execução provisória da pena, nada impede que esse entendimento
possa mudar, tendo em vista os julgados recentes, de natureza cautelar, concedidos
pelos Ministros daquela Corte. Por fim, considerou razoável e coerente aplicar o
precedente vinculante geral ARE n. 964.246/SP, o qual autoriza o início da execução
da pena aplicada na ação penal após cumprido o duplo grau de jurisdição.
O Ministro Reynaldo Soares da Fonseca não reconheceu o constrangimento
imediato ao direito ambulatorial do paciente, todavia entendeu haver o risco potencial,
o qual justifica o manejo do writ. Ainda, segundo o Ministro, os argumentos
sustentados pela defesa, a fim de que se revogue de plano a expedição de mandato de
prisão em desfavor do paciente, seriam aqueles utilizados nas cautelares.
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7 CONCLUSÃO
A partir de tudo o que foi exposto nos capítulos anteriores, faz-se necessário
tecer algumas considerações de forma a retomar os pontos essenciais deste estudo.
Inicialmente, viu-se que o Estado é o titular exclusivo do poder de punir, o qual
se legitima somente após o devido processo legal, pelo qual, se ao fim restar
demonstrada a culpa do acusado, conforme disposto no artigo 5º, LVII, da
Constituição Federal de 1988: “ninguém será considerado culpado até transito em
julgado de sentença penal condenatória”.
Viu-se também que, no exercício desse poder punitivo, dentre as espécies de
sanções impostas ao acusado, a prisão é a mais gravosa, pois há a privação de
liberdade, restringindo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento ao cárcere.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal fora pacificado em 2009, com o
HC 84.078/MG, no qual os ministros, por maioria, entenderam inconstitucional a
execução provisória da pena e, dentre os argumentos trazidos, merecem destaque a
irreparabilidade do dano decorrente de uma prisão injusta, a revogação tácita do art.
637 do Código de Processo Penal pelo art. 164 da Lei de Execução Penal e a
incompatibilidade da execução antecipada da pena com os princípios da dignidade
humana, proporcionalidade e presunção de inocência.
Contudo, em 2016, no julgamento do HC 126.292/SP, o Supremo Tribunal
Federal mudou seu posicionamento, muito em razão da troca da maioria de seus
membros. Dentre os principais fundamentos trazidos para justificar essa mudança de
entendimento, merecem destaque: i) a matéria fática se exaure com a decisão de
segundo grau de jurisdição; ii) outros países notadamente democráticos permitem a
execução da pena antes do trânsito em julgado; e iii) o princípio da presunção de
inocência não ser absoluto.
Em regime de repercussão geral, no julgamento do ARE 964.246, em
10.11.2016, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reafirmou a jurisprudência
adotada a partir do habeas corpus 126.292, no sentido de que a execução provisória de
acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso
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especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de
inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.
Esse entendimento assentado em 2016 pelo Supremo Tribunal Federal, norteou
o julgamento do habeas corpus 434.766/PR, em 05.03.2018, no Superior Tribunal de
Justiça, em que figurou como paciente o ex presidente da República do Brasil Luiz
Inácio Lula da Silva, cuja sentença condenatória foi confirmada em sede recursal.
Da análise dos dispositivos legais e entendimentos sumulados pelos tribunais
superiores, pode-se concluir que são essencialmente os artigos 669, I, do CPP: “Só
depois de passar em julgado, será exequível a sentença, salvo: I - quando condenatória,
para o efeito de sujeitar o réu a prisão, ainda no caso de crime afiançável, enquanto
não for prestada a fiança”; e 637 do mesmo Diploma: “O recurso extraordinário não
tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os
originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença”; e a súmula 267
do Superior Tribunal de Justiça: “A interposição de recurso sem efeito suspensivo,
contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”, que dão
substrato para a execução provisória da pena.
Apesar da recente revisão jurisprudencial para manter o entendimento de que a
execução da pena após a condenação em segundo grau é constitucional, o artigo 283
do Código de Processo Penal (ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou
por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência
de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do
processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva) entra em confronto
direto com esse entendimento. Assim, para prevalecer o assentado em 2016, ao julgar
as ADCs 43 e 44, deverá ser declarada a inconstitucionalidade do artigo 283 do CPP.
Cumpre destacar também que, apesar dos argumentos trazidos em 2016 para a
mudança do entendimento jurisprudencial terem grande relevância (considerando-se os
escândalos de corrupção e a crise política vivenciada no Brasil), a liberdade consiste
em um direito fundamental ao homem, cuja natureza tem tamanha importância, a
ponto de ser proclamada no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, como a mais alta aspiração do homem comum.
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Verifica-se, pois, que a pretexto de dar eficácia à tutela penal, o Judiciário tem
atribuído maior alcance ao poder punitivo estatal restringido-se a liberdade do acusado
antes mesmo do trânsito em julgado, o que é incompatível com o Estado Democrático
de Direito.
Compete ainda pontuar que, embora este trabalho se encerre com a análise do
HC 434.766/PR, julgado em 05.03.2018, no Superior Tribunal de Justiça, houve ainda,
o julgamento do HC 152752/PR, em 05.04.2018, no Supremo Tribunal Federal (ainda
não publicado), no qual a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diante da
confirmação de sua condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4),
buscava impedir a execução provisória da pena e, por maioria, os ministros denegaram
a ordem.
Conquanto, na ocasião, o Ministro Celso de Mello tenha sido voto vencido, em
sua sustentação fez duas observações que valem ser destacadas: i) a presunção de
inocência, ao contrário do que muitos afirmam, não se reveste de status absoluto, pois
encontra limite temporal, estabelecido pelo trânsito em julgado; e ii) se existem muitos
recursos a serem manejados pela defesa do acusado, retardando-se assim o
cumprimento da pena, cabe ao legislativo e não ao judiciário restringir o uso desses
instrumentos.
Por fim, apesar de o limite de prazo para encerramento deste trabalho se dar em
13.04.2018, seu objeto de estudo não se exaure, pois aguarda-se ainda o julgamento
das ADCs 43 e 44, o que trará novo fôlego para a discussão do tema.
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53
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Jurisprudência:
HABEAS CORPUS 84.078/MG - STF
HABEAS CORPUS 12692/SP - STF
ARE n.964.246/SP - STF
HABEAS CORPUS HC 434766/PR - STJ