Universidade do Porto
Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física
A “Periodização Táctica” segundo Vítor Frade:
Mais do que um conceito, uma forma de estare de reflectir o Futebol.
Filipe César de Sousa Martins
Porto, Abril de 2003
1943’ Hoh-~V/991
Universidade do Porto
Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física
A “Periodização Táctica” segundo Vítor Frade:
Mais do que um conceito, uma forma de estar
e de reflectir o Futebol.
Trabalho Monográfico realizado no âmbito daDisciplina de Seminário, Opção de Futebol, ministradano 5.° ano da Licenciatura em Desporto e EducaçãoFísica da Faculdade de Ciências do Desporto e deEducação Física da Universidade do Porto.
Porto, Abril de 2003W~oin’oO ~ACULDADt Of OCSPOflo
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Trabalho realizado por: Filipe César de Sousa Martins
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FACULDADE DE CIÊNCIAS DO DESPORTOE DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Conselho Pedagógico.
CIassificaç~o Final
) ~[OFERTA 1 O Presidente do Consei
índice geral
Índice geral
Pg.
Agradecimentos iiiÍndice geral iv
Índice de quadros vi
Resumo vii
1. Introdução 12. Revisão da literatura 3
2.1. Periodização e treino no Futebol 3
2.1.1. Explicitação conceptual e estado actual do conhecimento 3
2.1.1.1. A natureza do jogo de Futebol 32.1.1.2. A imprescindibilidade do processo de treino e do seu 6
planeamento/periodização2.1.1.3. Uma determinada concepção do processo de treino... A tendência 8oriunda do Leste da Europa
2.1.1.3.1. Os percursores da periodização do treino 8
2.1.1.3.2. O “universo” de Matvéiev (Modelo Clássico de Periodização) 92.1.1.3.3. Modelos pós - Matvéiev 12
2.1.1.3.4. O início do “afastamento” em relação ao Modelo de Matvéiev 122.1.1.4. Do Norte da Europa e América do Norte surge uma nova tendência 15
referente à conceptualização do processo de treino
2.1.1.4.1. Um determinado entendimento da especificidade 182.1.1.4.2. Implicações metodológicas para o processo de treino 20
2.1.1.4.3. Importância dos testes de condição física no controlo e24direccionamento do processo de treino
2.1.1.4.4. Algumas inconsistências e limitações 252.1.1.5. A imperativa necessidade de uma reformulação conceptometodológica 27
do processo de treino
2.1.1.6. Tendência latino - americana para a concepção do processo de 30treino... “Treino Integrado”
2.1.1.7. A emergência de uma nova orientação conceptometodológica do 33
processo de treino3. Enquadramento metodológico 35
3.1. Caracterização da amostra 35
índice geral
3.2. Métodos de investigação seleccionados 35
3.3. Recolha de dados 36
4. Análise e discussão do conteúdo da entrevista 374.1. O treino enquanto processo criador da competição 38
4.2. A necessidade de um “corte” em relação ao passado 40
4.3. Da “Periodização Táctica” à “Fenómeno — Técnica” 454.3.1. A manutenção de um padrão de treino ao longo da época. Princípio 57
da altemância horizontal. Dar ênfase à organização de jogo.4.3.2. Especificidade, intensidade e recuperação. Aspectos cruciais para 64
alcançar regularidades
4.3.3. A sobreposição do colectivo ao individual 73
4.4. “Periodização Táctica” nos jogos desportivos colectivos, nos desportos 76individuais e nos escalões de formação de Futebol
5. Conclusões 79
6. Referências bibliográficas 86Anexos
Questionário II
LFCDiTI
Indice de qua&os
Índice de quadros
pg.
Quadro 1: Contraponto entre as peemissas da Periodlzaçâo Convencionar 79e as da ‘Pedodização Táctica’.
Resumo
Resumo
O planeamento e periodização do treino em Futebol tem vindo a merecer a atençãode diversos autores. Através da revisão da literatura identificamos três tendências
distintas no que conceme á conceptualização do processo de treino. A primeira tendênciateve origem nos países do Leste da Europa, a segunda surgiu do Norte da Europa e
América do Norte e a terceira dos países latino-americanos. Constatamos ainda a
emergência de uma outra orientação conceptometodológica do processo de treino, i. e., a
“Periodização Táctica”, preconizada por autores como Vítor Frade.
Com a realização deste trabalho monográfico pretende-se esclarecer algumasquestões relativas à “Periodização Táctica”, bem como descrever as premissas que a
distinguem das três tendências anteriormente referidas. Assim, visa-se,
fundamentalmente, a sistematização de um conjunto de conhecimentos acerca do
planeamento e periodização processo de treino.A metodologia empregue para a consecução destes objectivos consistiu numa
revisão da literatura relativa à problemática em questão e na realização de uma entrevista
a Vítor Frade. Como resultado da revisão da literatura e da entrevista levada a efeito,
conclui-se que as premissas da “Periodização Convencional” diferem das da
“Periodização Táctica”. Assim, enquanto que na primeira é a competição que “cria” otreino e este adquire contornos algo “abstractos”, devido à não definição de um modelo
de jogo e respectivos princípios, na segunda verifica-se exactamente o contrário. Do
mesmo modo, na primeira é dado especial realce à maximização das capacidadescondicionais (ênfase na dimensão física), enquanto que na segunda é enfatizado o‘jogar, dando-se realce ao desenvolvimento dos princípios do modelo de jogo (ênfase na
dimensão táctica). Na primeira, é dada grande importância ao atleta individual, sendo a
época dividida em períodos (nos quais é considerada a preparação geral e especial euma estreita relação entre volume e intensidade das cargas) com o intuito de adquirir a
forma durante as competições mais importantes. Na “Periodização Táctica” a equipa
(colectivo) é o mais importante, sendo preconizado um microciclo padrão para toda aépoca, no qual a especificidade e as intensidades máximas contribuem para a criação de
regularidades ao nível da forma de jogar pretendida. Por fim, verificamos que a terceira
tendêniia (oriunda dos países latino-americanos) é a que mais se aproxima daspremissas da “Periodização Táctica” e que esta última é passível de ser aplicada emtodos os desportos colectivos e individuais, bem como nos escalões de formação deFutebol.
Palavras Chave: FUTEBOL, TREINO, PERIODIZAÇÂO, MODELO DE JOGO, TÁCTICA.
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[~EDEFj
Introdução
1. Introdução
“Dei-me conta de que as questões mais profundas (...) nunca haviamrecebido resposta adequada e tomou-se-me claro que a maior parte dos
cientistas não estavam realmente interessados nesse género de interrogações,como se elas nada tivessem que ver com o seu trabalho de investigação’~
David Bohm (s!d, citado por Sérgio, 1991, p. 7)
Do mesmo modo que o jogo de Futebol tem registado uma evolução permanente,
também o treino tem apresentado várias orientações. Com o passar dos anos, váriosautores, oriundos de diferentes pontos geográficos, têm apresentado distintas
concepções acerca do modo como deve ser perspectivado o planeamento e periodização
do processo de treino.Inicialmente, a maioria desses autores concebeu modelos de treino com o intuito de
dar resposta às necessidades e exigências dos desportos individuais. Neste âmbito,Matvéiev e Veijoshanski são dois dos autores mais representativos, tendo os seus
modelos servido de base ao estabelecimento de programas de treino relativos aos
desportos individuais, mas também a alguns jogos desportivos colectivos, como oFutebol. Outros autores, como Bangsbo e Weineck, apresentam uma concepção de
treino mais orientada para os desportos colectivos, sendo que a sua principalpreocupação passa, fundamentalmente, pelo desenvolvimento das capacidades
condicionais dos atletas. Deste modo, é levado a efeito um controlo físico e fisiológico
dos atletas, tanto a nível do treino como da competição. È atribuída grande importância àobservação e registo de indicadores intemos e externos do esforço realizado pelos
futebolistas, tanto em situação de competição como em situação de treino, sendo, paraisso, realizados vários estudos de terreno e em contexto laboratorial.
Por outro lado, alguns autores defendem a necessidade de um “corte” em relação à
aplicação de alguns modelos de treino “convencionais” nos desportos individuais e, aindade forma mais premente, nos jogos desportivos colectivos. Em relação ao Futebol tem
sido referida a necessidade de elaboração de um modelo de treino que tenha em conta
algumas das suas peculiaridades, nomeadamente a longa duração do seu calendário
competitivo e a sua “essencialidade táctica”. São vários aqueles que sugerem que asvárias dimensões que contribuem para o rendimento em Futebol devem ser todas
integradas e que se afirmam contra a existência de um treino físico, técnico, táctico oupsicológico.
Todavia, a necessidade de efectuação do referido “corte” relativamente aosmodelos “convencionais” de treino não tem sido sustentada com clareza. É neste
Introdução
contexto que surge uma nova Conceptualização do processo de treino, à qual o seucriador e percursor, Vítor Frade, atribuiu a denominação de “Periodização Táctica”. No
entanto, dado que a referida concepção é pouco “retratada” na literatura existente,
subsistem algumas dúvidas acerca dos seus fundamentos. Daqui resulta o facto de, porvezes, alguns responsáveis pela gestão do treino estarem convictos que estão a colocar
em prática as orientações da “Periodização Táctica” e, na realidade, isso não estar a
acontecer.
Partindo do anteriormente exposto, com a realização deste trabalho monográfico
pretendemos explicitar as questões fundamentais da denominada “Periodização Táctica”,bem como descrever as premissas que a distinguem das três tendências relativas à
conceptualização do processo de treino anteriormente referidas.
Porém, gostaríamos de salientar que será dado especial realce à “PeriodizaçãoTáctica”, uma vez que esse é o tema central deste trabalho. Deste modo, o objectivo
fundamental é explicitar e sistematizar um corpo de conhecimentos acerca doplaneamento e periodização do processo de treino, comparando a “Periodização
Convencional” com a “Periodização Táctica”.
Para a concretização destes objectivos, efectuamos uma revisão aprofundada daliteratura relativa à problemática em questão. Posteriormente, elaboramos umquestionário com o objectivo de tomarmos contacto com os conhecimentos e sabedoria
transmitida pelo nosso entrevistado, Vítor Frade.
Assim, se por um lado, a revisão da literatura permite a construção de um corpo deconhecimentos acerca das premissas da “Periodização Convencional”, por outro, aentrevista possibilita um conjunto de informação relevante referente aos fundamentos da
“Periodização Táctica”.
Efectuada esta breve introdução, apresentamos de seguida a revisão da literaturasubordinada à problemática em questão, na qual fazemos uma breve alusão à naturezado jogo de Futebol, à necessidade de planear e periodizar o processo de treino, bem
como às duas primeiras tendências relativas à conceptualização do processo de treino.Ainda neste capítulo, damos conta da necessidade de uma reformulação
conceptometodológica do processo de treino, abordamos a terceira tendência relativa àconceptualização do treino e fazemos uma breve alusão à emergência de uma novaorientação conceptometodológica do processo de treino (“Periodização Táctica”),
preconizada por alguns autores, de entre os quais se destaca o nosso entrevistado, VitorFrade.
Revisão da literatura
2. Revisão da literatur
2.1. Periodização e treino no Futebol
2.1.1. Explicitação conceptual e estado actual do conhecimento
No presente capítulo, levaremos a efeito uma explicitação conceptual de diversos
aspectos relacionados com o Futebol e, mais concretamente, com o seu treino eperiodização. Partindo de uma revisão aprofundada da literatura, daremos conta do
estado actual do conhecimento no contexto da problemática em questão. Nesse âmbito,sistematizamos um conjunto de informação relevante e fazemos alusão à perspectiva de
vários autores, oriundos dos mais diversos pontos geográficos, no que conceme ao modo
como conceptualizam o processo de treino. Todavia, antes de nos reportamos àproblemática central deste trabalho, efectuaremos uma breve abordagem à natureza do
Futebol, justificando a imperativa necessidade do processo de treino e do seu
planeamento/periodização.
2.1.1.1. A natureza do jogo de Futebol
O Futebol assemelha-se a um microcosmos onde podem ocorrer «fenómenos»,aparentemente inexplicáveis sob o ponto de vista científico, mas compreensíveis e até
justificáveis â luz da complexa realidade que o envoive...(Jorge, 1989, p. 9)
“Jogo de Futebol”... Esta, é uma expressão muito utilizada no quotidiano das
pessoas, estejam elas ligadas ao desporto, à política, à economia, à justiça, à medicina,às artes ou a outro ramo qualquer da nossa sociedade. Todavia, na grande maioria das
vezes, essa expressão é referida sem que as pessoas pensem no seu real significado ena complexa realidade que a envolve. Parece evidente que muita gente fala de Futebol,
mas nem todos reflectem acerca daquilo que o caracteriza, nem todos “pensam oFutebol”.
Assim sendo, deparamo-nos com uma questão. Afinal, o que é que está subjacenteao Futebol, qual a sua natureza, quais as principais características desta modalidade
desportiva?Reilly (1 996a) salienta que o Futebol é praticado em todas as nações, sem
excepção, afirmando-se como a modalidade desportiva mais popular à escala mundial.
Revisão da literatura
Jorge (1989, p.8) considera que o Futebol é uma modalidade que tem “impressõesdigitais próprias”.
Segundo Garganta (1997), na aparência simples de um jogo de Futebol, estápresente um fenómeno muito complexo, devido à imprevisibilidade e aleatoriedade dosfactos do jogo, o que origina grandes dificuldades, por parte do treinador, na previsão e
controlo do desfecho do mesmo.
Dufour (1991) reafirma estas asserções, salientando que a natureza e diversidadedos factores que concorrem para o rendimento desportivo, assim como a aleatoriedade e
imprevisibilidade características do jogo transformam o Futebol numa estrutura
multifactorial de grande complexidade.A grande complexidade que o jogo de Futebol comporta é tecida pelos
acontecimentos, interacções e acasos que ocorrem entre os sistemas em presença(Araújo & Garganta, 2002).
A complexidade do jogo é perceptível nas palavras de Castelo (2000) quando refereque o Futebol tem companheiros e adversários, tem um elemento que salta e muda de
trajectória, tem balizas, contacto físico, bolas que vêm por cima ou por baixo e temalguma relação social que determina situações tácticas e movimentações tácticas.
Segundo Garganta & Cunha e Silva (2000), as competências dos jogadores e dasequipas não se confinam a aspectos pontuais, mas dizem respeito a grandes categoriasde problemas, pelo que se toma necessário compreender o jogo pela sua complexidade.
Como se constata, alguns autores supracitados consideram que a imprevisibilidadeé um dos factores que contribui para a complexidade do jogo de Futebol. Figo (1999, p.43) afirma mesmo que “a grandeza do Futebol está na sua imprevisibilidade”. Panzeri
(s.d.), citado por Cuadrado Pino (2002), reforça essa ideia ao referir que “o Futebol é umaarte do imprevisto”.
Segundo Jorge (1989), deve estimular-se a criatividade dos jogadores, aoriginalidade das respostas (individuais e colectivas) ao jogo, com o intuito de criardesordem no adversário, todavia, é necessário cumprir o regulamento e a essência dojogo de conjunto (modelo de jogo). É imperativo que se mantenha uma certa ordem ou
organização na equipa.A ordem ou organização é, aliás, outro dos aspectos incontomáveis quando se fala
em “jogo de Futebol”. Aguirre Onaindía (2002) e Preciado Rebolledo (2002) estão em
sintonia, quando consideram que a ordem é um aspecto essencial do jogo de Futebol eque uma equipa sem ordem não pode almejar o sucesso desportivo.
Quando Valdano (s.d.), citado por Faria (1999), considera que é fundamental ternuma equipa quatro ou cinco jogadores a pensarem a mesma coisa ao mesmo tempo
está, de uma forma implícita, a atribuir grande importância à existência de ordem numa
4
Revisão da literatura
equipa de Futebol. Neste contexto, Olabe Aranzábal (2002) entende que é necessário
que todos os jogadores da equipa estejam associados, tenham uma ideia e um objectivo
comum. “Tudo no Futebol, incluindo a criatividade, necessita de se apoiar numa ordem”(Valdano, 1998, p. 26). Todavia, é extremamente importante estarmos conscientes de
que a ordem pretendida resulta do treino de cada dia (Olabe Aranzábal, 2002).
Caso os eventos e comportamentos fossem exclusivamente casuais e aleatórios,seria impossível impor o nosso saber, a nossa vontade. Caso não fosse criada uma certa
rotina, regularidade e predictibilidade (através do treino), o jogo resumir-se-ia a uma sérieinterminável de escolhas aleatórias, com consequências também aleatórias e tomar-nos-
ia prisioneiros impotentes da sorte (Araújo & Garganta, 2002). Neste sentido, o Futebol é
um fenômeno de “incertezas inteligentes” (Garcia Lavera, 2002).
Em síntese, gostaríamos de salientar que o jogo de Futebol não está condenado adecorrer de forma aleatória, O acaso não deve orientar a actividade dos futebolistas. Aordem ou organização é um elemento imprescindível para que as equipas de Futebol
consigam dar cumprimento àquilo que normalmente se designa por ‘jogar bem”.
Em decorrência do anteriormente exposto, Aguirre Onaindia (2002) considera que omais importante em Futebol é jogar bem, i. e., ter onze elementos orientados para o
mesmo objectivo. Jogar bem é tomar decisões correctas e levar a efeito o que se pratica
durante a semana (Pérez García, 2002; Aguirre Onaindia, 2002; Mel Pérez, 2002).
Seguindo esta ordem de ideias, pode afirmar-se que com o treino se visa jogar melhor
(Garcia Lavera, 2002).
Se atentarmos em algumas das afirmações proferidas pelos autores acimareferidos, constata-se uma relação directa entre alguns dos aspectos relativos à natureza
do jogo de Futebol e o respectivo treino. Esses autores atribuem grande importância aotreino enquanto processo regulador da actividade competitiva em Futebol, O facto de
Garganta (1 999a) considerar que, conforme se quer jogar, assim se deve treinar, reforça
a ideia que acabamos de expor.
Em sintonia com as ideias acima apresentadas, Frade (2001) afirma que o Futebolnão é um fenómeno natural, é um fenómeno construído através do processo de treino.Contudo, este processo deve ser devidamente pensado e planeado, pois só assim é
possível a realização de uma preparação científica da equipa (Teodorescu, 1984). Neste
sentido, o mesmo autor salienta que o planeamento é uma necessidade e que este seconstitui como ajuda para o trabalho do treinador.
Assim sendo, tal como inicialmente nos questionamos acerca da natureza do jogo
de Futebol, pensamos ser de toda a pertinência, neste momento, fazer uma alusão aoprocesso de treino, caracterizando-o e abordando alguns dos conceitos que lhe sãoinerentes, nomeadamente o seu planeamento e periodização.
5
Revisão da literatura
2.1.1.2. A imprescindibilidade do processo de treino e do seu
planeamentolperiodização
Encontrar o que não existe, a isso chama-se cria,; inventa,; construirna cabeça antes de o fazer na colmeia, conceber.”
(Le Moigne, 1994, p. 229)
Tal como já havíamos esclarecido anteriormente, os comportamentos
exteriorizados pelos futebolistas durante o jogo traduzem, em grande parte, o resultado
das adaptações provocadas pelo processo de treino (Garganta, 1999a).
O treino não é uma descoberta recente (Bompa, 1999). Segundo Sampedro (1999),
já na antiguidade, o seu planeamento era uma prática muito habitual.Hoje em dia, a preparação dos atletas para obtenção de um determinado objectivo
em competição é efectuada através do treino (Bompa, 1999). Figo (1999) salienta quetreinar é tão importante como saber aquilo que se tem que fazer. Em concordância com o
que acaba de ser mencionado, Garganta (1 999a) salienta que as aquisições conseguidas
ao nível do treino poderão ser transferidas para o contexto específico do jogo, caso sejamtreinados os aspectos que se prendem directamente com o jogo. As adaptações ou
ajustamentos dos atletas dão-se em conformidade com o modo como se treina
(Bompa, 1999).Bompa (1999) menciona que o treino é uma actividade sistemática de longa
duração, a qual é progressivamente e individualmente nivelada. Como facilmente sepoderá depreender, esta situação requer um planeamento reflectido. Só assim será
possível estruturar a actividade de treino, de modo a ajustá-la aos condicionalismos enecessidades da realidade envolvente. Actualmente, ninguém coloca em questão a
importância do planeamento do treino (Chirosa Ríos et ai., 1998).
No entender de Garcia Lavera (2002, p. 10), para que seja possível a optimizaçãodo rendimento em Futebol, é necessário uma “pré-actividade para a planificação,
interactividade na acção e pós-actividade para a avaliação”.
Tal como nos esclarecem Campos Graneil & Ramón Cervera (2001, p. 35),baseando-se numa definição apresentada pelo Dicionário da Real Academia da LínguaEspanhola, o termo planificar significa “submeter a um piano estudado certa actividade ou
processo”.
No que diz respeito ao desporto, os mesmos autores, esclarecem que submeter otreino a um plano estudado, significa ter em consideração alguns aspectos
determinantes, tais como o nível do desportista, os objectivos desportivos, ascompetições, os controlos ou actividades previstas, a organização metodológica das
Revísâo da literatura
cargas e o modelo para ordenar o treino em períodos e ciclos, de acordo com as
características peculiares do calendário desportivo das competições.
Seguindo esta ordem de ideias, Garganta (1991) menciona que planear ouplanificar, significa descrever e organizar à priori, as condições de treino, os objectivos aatingir, os meios e métodos a aplicar, as fases que, de um ponto de vista teórico, são as
mais importantes da época desportiva.
Por outro lado, de acordo com o mesmo autor, a periodização é um aspectoparticular do planeamento que diz respeito, fundamentalmente, aos aspectos
relacionados com a dinâmica das cargas de treino e com a consequente dinâmica daadaptação do organismo às mesmas, tendo em conta os períodos da época em que nos
encontramos (Garganta, 1991).Esta ideia é partilhada por Campos Granell & Ramón Cervera (2001) ao
mencionarem que a periodização do treino representa o sistema através do qual seconstrói um modelo de desenvolvimento estruturado em ciclos, para os quais se procura
que as cargas aplicadas favoreçam os mecanismos que provocam adaptação. Para Frey(2000) a periodização á a sucessão temporal de objectivos e conteúdos de treino.
De uma forma sintética, Campos Granell & Ramón Cervera (2001) afirmam que os
avanços verificados no planeamento do treino converteram este sector estratégico dodesporto num dos elementos essenciais de desenvolvimento, que em grande medida tem
contribuído para a melhoria dos resultados desportivos. A planificação do treino permite
que a preparação do desportista seja orientada de acordo com uma estratégia de
construção progressiva no tempo, procurando o maior desenvolvimento possível daforma desportiva.
Garganta (1991) alerta para o facto da crescente complexidade da estrutura do jogoexigir que os jogadores tenham cada vez mais maior capacidade de concentração,
determinação, disciplina, rigor, inteligência e um alto potencial físico, psíquico e tácticotécnico. Simultaneamente, essa situação, exige do treinador elevada capacidade deliderança, planeamento e organização de um trabalho sólido e racional, baseado no
conhecimento dos princípios e leis do treino. Todo o treinador que tenciona levar a efeito,com êxito, um determinado trabalho, sente a necessidade de elaborar um projecto, um
roteiro.
Em competição, quando as forças estão igualadas, a vitória é alcançada poraqueles que utilizam planos previamente preparados. Deve saber-se avaliar a situaçãode jogo, seleccionar rapidamente a solução mais adequada e aplicá-la sem demora
(Naglak, 1978, citado por Sampedro, 1999).
Pensamos que tudo o que atrás foi referido diz bem da imprescindibilidade de umprocesso de treino bem delineado, no qual terão que ser considerados um manancial
7
Revisão da literatura
enorme de factores. Todos os aspectos deverão ser bem ponderados, pois como afirma
Naglak, citado por Sampedro (1999), a planificação enriquece o jogo e conduz à vitória
com maior eficácia.
No decurso da sua existência, o Futebol tem sido ensinado, treinado e investigado àluz de diferentes perspectivas, as quais subentendem distintas focagens, assim como
concepções dissemelhantes a propósito do conteúdo do jogo e das características doensino-treino (Garganta, 1997). Segundo Veijoshanski (1998), actualmente, na literatura
desportiva podemos encontrar diferentes opiniões acerca do sistema de treino desportivo,assim como concepções e diversas escolas de preparação dos atletas
Com base nestas asserções, procuraremos delinear de seguida as tendências maissalientes, segundo as quais o processo de treino se tem orientado. Assim sendo, serão
abordados e esclarecidos as distintas formas de encarar o processo de treinabilidade,
i. e., as várias formas de conceber o treino que têm surgido com o decorrer dos anos.
2.1.1.3. Uma determinada concepção do processo de treino... A tendência
oriunda do Leste da Europa
“A evolução do treino e da competição no Futebol não será alheia à convicção de que os resultadosdespofltvos, ao invés de dependerem de forças mistedosas, deverão ser construídos com base
num trabalho devidamente programado, assumindo-se o treinador não como um mestredo improviso, mas como um elemento permanentemente disponível para utilizar
todo o seu saber, intuição e Me, em função dos objectivos a atingir».
(Garganta, 1993, p. 259)
2.1.1.3.1. Os percursores da periodização do treino
Tal como nos refere Silva (1998), as primeiras noções sobre a periodização dotreino foram elaboradas por Murphy e Kotov (anos 10-20) que, pela primeira vez,
evidenciaram a preocupação em organizar as actividades de treino com o intuito de
melhorar o rendimento desportivo. Assim, agruparam os conteúdos e tarefas do treinoem fases, visando uma progressão que permitisse obter um estado de forma no
momento desejado da competição.
De acordo com o mesmo autor, seguiram-se novos trabalhos de investigação nocampo da Teoria do Treino Desportivo, efectuados por Lauri Pihkala, Gorinovski e Birsin(anos 20-30), propondo leis importantes que ainda vigoram na iniciação. Assim, no
entender destes autores, a carga deve diminuir progressivamente em volume e aumentarem intensidade, assim como, o treino específico deve edificar-se sobre uma ampla base
geral e apresentar uma clara alternância entre o trabalho e a recuperação.
Revisão da literatura
Silva (1998) menciona que, ainda em finais da década de 30, o russo K. Grantyn(1939) na obra “Conteúdos e Princípios Gerais da Planificação do Treino Desportivo”,
lança as bases de uma teoria geral do treino, propondo a divisão do ciclo anual em três
etapas (de preparação, principal e de transição), com durações e objectivosdeterminados pelas características das modalidades.
Segundo o mesmo autor, nos anos 50, G. Dyson e N. Ozolin, desenvolverammodelos aplicados ao Atletismo baseados na preparação multilateral que culmina numa
especialização no momento da competição. Nos anos 50, Letunov justificoucientificamente a divisão em períodos, condicionando-os às características do atleta emvez de ao número e localização das competições no plano anual. Segundo Caixinha
(2001), Letunov (1950) criticou os meios utilizados até então, afirmando que o estado
de forma não se deve às componentes organizativas dos elementos do treino, mas simà “carga biológica” a que se submete o atleta durante o mesmo. Além disso, dividiu o
ciclo de treino em etapa de aquisição, etapa de forma desportiva e etapa de diminuição
do estado de treino.
2.1.1.3.2.0 “universo” de Matvéiev (Modelo Clássico de Periodização)
Nos anos 50, Lev P. Matvéiev actualizou e aprofundou alguns conhecimentos
desenvolvidos anteriormente e estruturou os fundamentos teóricos (Teoria Clássica) deum sistema de treino que se tomou hegemónico em quase todo o mundo, passando a ser
utilizado como referencial básico para os processos de preparação desportiva(Silva, 1998).
Matvéiev, desenvolveu o conceito de periodização do treino com base nas fases dosíndrome de adaptação de H. Selye, i. e., de acordo com o carácter ondulante daresposta biológica, a carga de treino procura obter uma relação óptima entre os ritmos do
treino e as alterações ondulantes das funções fisiológicas. Segundo Court (1992), a
característica cíclica e longa do processo biológico faz com que os efeitos do treinoapenas sejam obtidos tardiamente. A quantidade de trabalho só produz efeitos
“retardados”, o que leva Matvéiev a colocar a fase de “volume de trabalho” bastantetempo antes do período competitivo.
Matvéiev (1980) refere que a preparação do desportista consta fundamentalmentede preparação física, técnica, táctica, volitiva e teórica.
Segundo este autor, a preparação física divide-se em geral e especial. Em qualquermodalidade desportiva, o êxito depende não só das capacidades especificas, mastambém do nível geral das possibilidades funcionais do organismo. No seu entender, a
preparação física geral cria as bases para a preparação especial, já que assegura o
9
Revisão da literatura
desenvolvimento múltiplo da força, velocidade, resistência, flexibilidade e agilidade,
premissa necessária para que o aperfeiçoamento ocorra (em qualquer modalidade
desportiva).
A preparação técnica e táctica também se divide em geral e especial. Todavia, apreparação táctica do desportista deve ser levada a efeito em estreita ligação com a
preparação técnica (Matvéiev, 1980).
O mesmo autor salienta que as leis objectivas do aperfeiçoamento desportivorequerem que o treino desportivo, sendo um profundo processo de especialização,
proporcione ao mesmo tempo um desenvolvimento múltiplo. Assim sendo, considera-se
que a preparação geral e a preparação especial na actividade desportiva sãoinseparáveis.
No que conceme á forma desportiva, Matvéiev (1980) afirma que esta pode serentendida como o estado de predisposição óptima para a obtenção de resultados
desportivos em cada fase da evolução desportiva. Para atingir esse estado, deve-se
verificar um crescimento gradual, tanto das cargas físicas, como das exigências da
preparação técnica, táctica e volitiva.Segundo o autor, o processo de desenvolvimento da forma apresenta três fases
interdependentes e sequenciadas, respectivamente, fase de aquisição, de manutenção ede perda. O atleta não pode manter-se em forma durante todo o processo de prática
desportiva. Assim sendo, adquire a forma desportiva temporariamente, mantém-na
durante um ou outro período e depois perde-a durante algum tempo.
Todavia, Matvéiev (1980) salienta que os treinadores e desportistas devem planearo processo de treino de tal modo que se criem condições para alcançar a forma
desportiva no momento exacto, mantendo-a durante um determinado período,estabelecido de acordo com as datas das competições mais importantes.
Court (1992) refere que no modelo de Matvéiev considera-se que o atleta podeatingir o “pico de forma” mais do que uma ou duas vezes por ano, mantendo-se no
mesmo durante um curto espaço de tempo.
Relativamente à estrutura do ciclo de treino, Matvéiev (1980) salienta que este sedivide em três períodos (preparatório, competitivo e de transição), cujas durações estão
definidas pelas fases de desenvolvimento da forma e que estas condicionam fortementea dinâmica das cargas e os conteúdos do treino.
Assim, segundo este autor, no período preparatório (mais longo) devem ser criadase desenvolvidas as premissas para o surgimento da forma desportiva e assegurada a sua
consolidação. Este período divide-se numa primeira etapa de preparação geral e numasegunda de preparação especial.
Revisão da Hteratura
No que conceme á etapa de preparação geral, segundo o autor, a tendência geral
da dinâmica das cargas caracteriza-se pelo aumento paulatino do volume e intensidade,
com um crescimento preferencial em volume. É nesta etapa que se criam as bases da
forma desportiva. Na segunda etapa, tal como o próprio nome indica, podemos verificar
que a carga apresenta uma orientação especial mais marcada, em todos os seusaspectos. Além disso, constata-se uma redução do volume total das cargas e umincremento da intensidade das mesmas.
Depois de adquirida a forma desportiva, de acordo com Matvéiev (1980), surge atarefa de mantê-la durante todo o período de competições importantes (relativamente
concentrado) e de aplicá-la para a obtenção de rendimentos desportivos. Neste períodode duração relativamente curta, a proporção de preparação geral não deve ser menor do
que na etapa de preparação especial.
Relativamente à dinâmica das cargas, o mesmo autor, afirma que, inicialmente,continua a verificar-se uma redução do volume, sendo que de seguida este se estabiliza.
A intensidade das cargas específicas aumenta até chegar ao máximo, estabilizando-se a
esse nível. Como é óbvio, esta estabilização é relativa. No caso de um períodocompetitivo mais prolongado, produz-se um novo incremento no volume geral das cargas,
com uma certa redução da sua intensidade. Depois, verifica-se novamente a tendênciade redução do volume e de elevação da intensidade.
No que conceme ao período de transição, não se verifica uma pausa ou suspensão
do processo de treino. Este continua, mas efectuam-se grandes alterações na sua forma
e conteúdo. Constata-se uma redução da intensidade e do volume das cargasespecíficas. A perda temporal da forma desportiva que ocorre neste período, constitui
uma das condições imprescindíveis para o progresso posterior (Matvéiev, 1980).
Em síntese, concordamos com Campos Granell & Ramón Cervera (2001) quandoestes salientam que, no modelo de Matvéiev, as singularidades biológicas do
organismo do desportista não são contempladas. Além disso, há um papel
preponderante da preparação geral, sendo o seu modelo caracterizado por um períodopreparatório em que se trabalha muito em volume. Partindo do anteriormente exposto,
verificamos ainda que a mudança de períodos de treino produz-se pela alteração dadinâmica das cargas (baseada nas grandes ondas) e que há uma separação entre
preparação condicional e técnica, com alternância das curvas de intensidade e volumedas cargas.
Uma das principais características deste modelo é a sua perspectiva universal,visando atender a todas as modalidades e níveis de preparação.
Revisão da literatura
2.1.1.3.3. Modelos pós - Matvéiev
A. Arosjev surgiu nos anos 70 com o denominado “Treino Pendular”, na tentativa de
aperfeiçoar o modelo de Matvéiev (Silva, 1998). Segundo o mesmo autor, este modelo
aplicou-se preferencialmente no boxe, luta e remo e fazia uma distinção entre preparação
condicional e preparação técnica. È proposta uma estrutura de treino em que se realizauma alternância pendular sistemática entre a carga especial e geral, uma vez que havia a
ideia que o contraste entre os dois tipos de carga conduzia a uma melhoria da
capacidade específica do desportista.
O mesmo autor refere que o critério básico de desenvolvimento consistia em irdiminuindo as cargas gerais e em aumentar gradualmente as específicas, atingindo a
sua maior expressão na competição mais importante. O facto deste modelo se estruturar
em função das datas das competições e de se atribuir uma grande importância às cargas
genéricas é questionável e acaba por reforçar a teoria de Matvéiev.
Ainda nos anos 70, A. Vorobjev (“Treino Modula?’) faz algumas críticas ao modeloclássico de Matvéiev e com ele inicia-se o afastamento em relação ao mesmo. Segundo
Caixinha (2001), Vorobjev é considerado um dos pioneiros da dupla periodização. A
aplicação das cargas segue os princípios da adaptação biológica e utiliza prioritariamentecargas específicas. Propõe uma organização do treino na forma de pequenas ondas, com
mudanças acentuadas e frequentes no volume e intensidade das cargas para que sejapossível conseguir adaptações contínuas e elevadas, uma vez que perante um estímulo
uniforme, o organismo responde de forma também uniforme, O referido autor organiza oano em estruturas intermédias de curta duração.
2.1.1.3.4. O início do “afastamento” em relação ao Modelo de Matvóiev
De acordo com Garganta (1993), a década de 80 foi um período bastante produtivono que se refere ao aparecimento de diferentes modelos de periodização, embora
sempre voltada para os desportos individuais ou para os desportos cíclicos de grupo.Assim, após uma era em que o modelo de Matvéiev dominou, um dos autores que maisinfluenciou as tendências da periodização do treino nos anos 80 foi o soviético
Verjoshanskj.
Segundo Verjoshanski (1998), o modelo de treino concebido por Matvéiev já háalgum tempo perdera muito do seu valor teórico e prático. Actualmente, o desporto dealto rendimento e a metodologia de preparação dos atletas de topo sofreram alterações
~“essenciais, sendo que a imposição das ideias antiquadas de Matvéiev representa um
Revisão da literatura
factor impeditivo do progresso dos conhecimentos científicos no desporto e,
particularmente, no Futebol.
No entender do mesmo autor, a sub-divisão formal do ciclo de treino anual emperíodos defendida por Matvéiev não é típica da prática desportiva. Além disso, os
princípios da periodização foram formulados com base num estudo efectuado comsujeitos da Natação, da Halterofilia e do Atletismo, pelo que não podem ser
considerados universais.
Deste modo, Veijoshanski (1998) chama a atenção para o fado de que asindicações de um elevado número de especialistas e de treinadores vão no sentido de
que é necessário substituir a concepção de Matvéiev por uma moderna teoria e
metodologia de treino.
Neste sentido, em 1979, Verjoshanski preconizou um modelo denominado “Treinoem Blocos” com o objectivo de construir um método mais adequado para o
desenvolvimento da força (Campos Graneil & Ramón Cervera, 2001). Este modelo,fundamentalmente direccionado para o Atletismo e para disciplinas em que a força rápidaassume particular importância, caracteriza-se por uma concentração do treino da força,como recurso para a consecução de melhores rendimentos na técnica, na velocidade ou
nas chamadas capacidades especiais (Silva, 1998).
O desenvolvimento especifico da capacidade de força rápida e dos sistemas deprodução de energia (para um trabalho muscular) são factores determinantes para a
melhoria da mestria técnica e das outras capacidades condicionais. Para a melhoria
eficaz da mestria técnica-desportiva, deve ter-se em consideração que a preparação
especial deve preceder um trabalho profundo sobre a técnica (Veijoshanski, 1990).
Neste modelo (“Treino em Blocos”), o processo de treino estrutura-se, basicamente,a partir de um volumoso bloco inicial de treino (com cerca de dois meses de duração),com predominância de força, ao qual se segue o desenvolvimento das demais
capacidades condicionais e técnico-tácticas, de acordo com as necessidades damodalidade (Silva, 1998).
Assim, tal como refere Garganta (1993), a proposta de Verjoshanski baseia-se no
pressuposto de que para conseguir obter rendimentos desportivos de nível elevado, aperiodização não deve atender somente aos aspectos da carga, mas também à
evolução técnica e táctica do atleta, preconizando-se a construção de “blocos”dedicados a cada componente do rendimento desportivo.
Um outro autor que se demonstrou bastante céptico em relação ao modelo clássicode Matvéiev foi Peter Tschiene. Assim, em finais dos anos 70, o referido autor
conceptual~zou o denominado ‘Treino Estrutural”, aplicado inicialmente nas modalidadesde força rápida que apresentam duas fases de competição diferenciada.
13
Revisão da líteratura
Segundo Campos Granell & Ramón Cervera (2001), Tschiene defende uma maioraproximação às características específicas de cada modalidade desportiva, valorizando a
competição como elemento de desenvolvímento da performance. Neste contexto,
Tschiene (1994), reportando-se ao caso específico do Futebol, salienta que o
desenvolvimento da capacidade específica de rendimento, na maior parte dos casos, éobtido através da acumulação de jogos do campeonato.
Em sua opinião, em muitas modalidades desportivas, a planificação do treino nãotinha obtido resultados efectivos, uma vez que não havia uma verdadeira teoria dotreino, pois as existentes mantinham um carácter basicamente analítico. Assim, as
bases teóricas não se ajustavam à realidade da prática desportiva, até porque, a partir
dos anos 70, o modelo de Matvéiev não oferecia alternativas úteis para a maioria dos
desportos.
Por outro lado, o processo de treino era baseado em esquemas parciais
desconexos entre si e eram utilizados períodos extremamente longos de preparaçãogeral que em nada beneficiavam as altas prestações desportivas. O último factor
apresentado por Tschiene justificando a falta de resultados efectivos, por parte dasteorias anteriores, relacionava-se com o facto da planificação do treino ser realizadasem considerar as características individuais dos sujeitos (Campos Granell & Ramón
Cervera, 2001).
Assim, segundo Caixinha (2001), Tschiene faz uma proposta pioneira relativamenteà distribuição da carga durante a temporada, fundamentada na manutenção de volumes
e intensidades elevadas durante todo o ciclo de treino. A dinâmica das cargas, em formade pequenas ondas, determina mudanças frequentes e pouco intensas nos componentes
da carga. Verifica-se a predominância da intensidade em unidades de treino
relativamente curtas, onde se destacam as cargas de competição. Este autor utiliza o
controlo individual das competições, como procedimento para desenvolvimento emanutenção da forma, através do incremento da intensidade específica. Introduz aindao “intervalo profiláctico” (desde o período preparatório), após a aplicação de cargas
específicas e antes das competições.
Oliveira (1999) afirma que as formulações contidas no modelo desenvolvido porTschiene foram um primeiro passo para a orientação da preparação nos jogos
desportivos colectivos, contudo insuficiente, já que não explicitavam suficientemente as
características da programação e organização do treino.
Segundo Garganta (1993), Platonov (1991) refere que a periodização do treinopode ser efectuada segundo duas formas básicas. Assim, por um lado, poderiam ser
utilizados microciclos e mesociclos de choque, implicando visíveis variações do volume,da intensidade e da complexidade das cargas, provocando oscilações na forma
14
Revisão da literatura
desportiva. Por outro lado, as cargas de treino poderiam ser uniformemente distribuídasao longo do macrociclo.
A primeira forma referida pelo autor apresenta aspectos característicos de uma
organização tradicional do treino, preconizando uma periodização que se alicerça naacentuada oscilação das cargas, com o objectivo de obter os melhores resultados nas
competições mais importantes. A segunda versão torna inviável o aparecimento dos“picos de forma”, possibilitando, por outro lado, a manutenção de um elevado nível de
preparação durante períodos de tempo prolongados e contribuindo para a obtenção debons níveis de desempenho nas diversas competições ao longo da época
(Garganta, 1993).
2.1.1.4. Do Norte da Europa e América do Norte surge uma nova tendência
referente à conceptualização do processo de treino
Segundo Platonov (1999), entre os anos 30 e os 60, autores soviéticos comoBemshtein, Jakolev, Letunov, entre outros, alcançaram uma posição central no que
conceme à orientação da ciência do desporto, mais concretamente no campo da
medicina e da biologia. Todavia, durante os anos 70 e 80, a importância dos autoressoviéticos neste domínio foi diminuindo, verificando-se um decréscimo acentuado aonível do conhecimento biomédico, principalmente devido á falta de equipamento de apoio
às investigações científicas. Nos anos 80 e 90, exceptuando as pesquisas efectuadas por
alguns autores ucranianos como Volkov, Mischenko, Koltscinskaia e Balsevic, poucas
pesquisas de autores soviéticos vêm referenciadas na literatura referente aos problemasda biologia do desporto.
De facto, segundo o mesmo autor, os soviéticos não conseguiram acompanhar oenorme desenvolvimento tecnológico que se verificou noutros países como, por exemplo,a França, Alemanha, Polónia, Itália, China, etc. Nesses países, como resultado do seu
avanço tecnológico, verificou-se um grande desenvolvimento ao nível das ciências do
desporto, tendo sido publicados vários trabalhos importantes no âmbito da teoria e
metodologia do treino desportivo.
Actualmente existem várias teorias relacionadas com o treino dos desportoscolectivos, tendo sido construídos diversos modelos para abordagem destes desportos e,
consequentemente, do Futebol (Romero Cerezo, 2000).
Um desses modelos surgiu durante os anos 70 e 80, muito por influência do grandemestre da preparação física em Futebol, Alvarez dei VilIar (Romero Cerezo, 2000).Alvarez deI Villar (1983), acreditava que o treino deveria visar, fundamentalmente, a
Revisão da literatura
melhoria da condição física dos futebolistas, pois esta é determinante para obtenção deresultados desportivos positivos, O mesmo autor considerava que todos os desportistas,
incluindo os futebolistas, para serem considerados como tal têm que ser rápidos,
resistentes e potentes. Na sua perspectiva, estas capacidades básicas deveriam sermelhoradas com a utilização de métodos e sistemas de treino do Atletismo, uma vez que
era nessa modalidade desportiva que estes haviam sido alvo de maior investigação
científica. No entender deste autor, para ser considerado um bom jogador, este teria que
ser, acima de tudo, um excelente atleta. Assim, segundo este autor, um jogador com umdomínio técnico medíocre poderia ser um super jogador, desde que apresentasse uma
boa preparação física.Alvarez dei VilIar (1983) verificou que muitas das acções e movimentos realizados
pelos futebolistas durante o jogo são semelhantes às efectuadas em diversas
especialidades do Atletismo. É por esta razão que o autor afirmava que os métodos esistemas de treino do Atletismo, com ligeiras adaptações, deveriam ser aplicados na
preparação dos futebolistas.
Em nossa opinião, Alvarez deI VilIar terá sido um dos autores que mais contribuiupara uma nova conceptualização do treino, baseada na ideia de que a elevação das
capacidades físicas, através de métodos utilizados em Atletismo, é o elemento básicopara a obtenção de bons resultados desportivos.
Ponto de vista semelhante apresenta MuVios Marín (2001) ao referir que a realidade
demonstra que nem com bons jogadores o êxito é garantido, sendo a sua objectivação
ainda mais difícil caso não se verifique um bom suporte físico e psicológico.
Dada a importância que estes autores atribuem à dimensão física dos jogadores,toma-se imprescindível conhecer pormenorizadamente os processos de adaptação
biológica e fisiológica do organismo dos atletas às cargas de treino.
Weineck (1978), citado por Forteza (2001), considera que tem existido umabiologização da metodologia do treino desportivo, não tendo surgido por acaso aafirmação de que o treino desportivo, em termos gerais, é um processo de adaptação
orgânica permanente à carga de trabalho. Bompa (1999) refere mesmo que o principal
intento do treino é aumentar a capacidade de trabalho e as habilidades dos atletas, bemcomo desenvolver traços psicológicos mais fortes. O aumento da capacidade de trabalhoe, consequentemente, da perfomiance atlética, consegue-se através do aumento da
função orgânica.
Todavia, dado que os atletas de topo apresentam níveis muito elevados depreparação física especial, o seu aumento sucessivo é de complexidade extrema. Porisso, é necessário descobrir todas as reservas que podem aumentar a eficácia do treinofísico especial (Verjoshanski, 1990).
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Revisão da literatura
Partindo do anteriormente exposto, o mesmo autor salienta que, actualmente, a
preparação dos atletas de alto nível exige a aplicação de grandes estímulos aos sistemas
funcionais vitais do organismo, para que este seja capaz de suportar níveis de trabalho
muito elevados. Este facto determina que, sem conhecimentos científicos e apelandoapenas à intuição, muito dificilmente se consiga responder às exigências do treino
moderno. Deste modo, Bompa (1999) defende que para se levar a efeito um programa detreino efectivo, é necessário compreender os sistemas energéticos e saber quanto tempo
os atletas precisam para restaurar as energias despendidas no treino e na competição.
Verjoshanski (2001) esclarece que a enorme experiência prática acumulada napreparação dos atletas de alto nível, os progressos científicos da fisiologia e da
bioquímica da actividade muscular, da medicina desportiva, da biomecânica dos
movimentos desportivos e de alguns estudos fundamentais sobre a metodologia de treinodesportivo, tem criado pressupostos objectivos para a formação de uma moderna teoria e
metodologia do treino desportivo e das suas principais bases científicas.
O crescente número de estudos e publicações dedicadas à adaptação dos diversossistemas orgânicos do atleta de alto nível à carga de treino e de competição, demonstra ofacto de na teoria do treino se estar a dar importância dominante ao aspecto biológico
(Tschiene, 1991).Barbero Alvarez (1998) confirma estas asserções, salientando a importância do
conhecimento das características da modalidade desportiva.
O treino físico em desportos individuais como, por exemplo, em Atletismo e emNatação, não apresenta excessivos problemas sob o ponto de vista do conhecimento do
trabalho que o atleta deverá realizar durante a competição (Riera & Aguado, 1989, citado
por Barbero Álvarez, 1998). Todavia, nos desportos de equipa (como o Futebol) toma-semais difícil conhecer com precisão as cargas a que se submetem os participantes na
competição, sendo necessário recolher alguns dados para que se possa treinar com umcerto rigor (Barbero Álvarez, 1998).
Neste sentido, Garganta (1999a) menciona que os factores energético-funcionaissão talvez os mais profusamente estudados até ao momento.
Segundo Barbero Álvarez (1998), se desconhecermos os dados provenientesdesses estudos, a preparação física carecerá de rigor. Se, pelo contrário, existir um
conhecimento aprofundado desses aspectos, toma-se possível um processo de treinomais rigoroso e ajustado às necessidades próprias do Futebol, O mesmo autor salientaque, partindo desse conhecimento, obtido através de análises físicas (cinemáticas) e
fisiológicas de situações reais de jogo, poderão estabelecer-se programas adequados
direccionados ás capacidades condicionais específicas.
Revisão da literatura
Garganta (1 999a) refere que os investigadores têm procurado configurar o perfilenergético-funcional reclamado pelo jogo de Futebol (nas múltiplas solicitações que este
impõe aos atletas), com base na análise da actividade desenvolvida pelos jogadores
durante as partidas. Deste modo, segundo Reilly (1990), tem sido acumulado umimpressionante corpo de conhecimentos acerca dos aspectos científicos do Futebol.
Shephard (1999) e Garganta (1 999a) efectuaram uma revisão de algum estudos
referentes à caracterização do esforço dos futebolistas, tendo descrito e agrupado alguns
desses parâmetros, de natureza muito variada, em indicadores internos e extemos.Segundo Barbero Álvarez (2001), os indicadores extemos são aqueles que contribuem
para a avaliação da carga física de competição pelo seu aspecto exterior. Entre estes,tanto Shephard (1999) como Garganta (1999a), fazem referência à distância percorrida, à
repartição dos períodos de trabalho e de recuperação e ao tipo e intensidade dos
deslocamentos. Por outro lado, de acordo com Barbero Álvarez (2001), os indicadoresinternos são aqueles que permitem avaliar a carga energética ou fisiológica competitiva
pelas repercussões intemas no organismo do jogador. Entre estes, Shephard (1999) e
Garganta (1 999a) fazem alusão à frequência cardíaca, ao consumo máximo de oxigénio(V02 máx.) e à concentração de lactato sanguíneo.
2.1.1.4.1. Um determinado entendimento da especificidade
Barbero Álvarez (1998) refere que a observação e análise dos indicadores externos
e intemos do jogo de Futebol permitirá um processo de treino rigoroso, científico eadaptado às necessidades específicas da modalidade desportiva.
Um dos princípios básicos do treino é a especificidade (Alvarez dei VilIar, 1983).Segundo o mesmo autor, o esforço realizado na competição depende do tipo de
modalidade desportiva, da função do desportista e das suas características individuais.Assim sendo, a planificação do treino deve adequar-se ao esforço de cada atleta em
competição.
De acordo com Barbero Álvarez (1998), para elaborar um modelo de treinoespecífico nos desportos colectivos, e mais concretamente no Futebol, é necessário quese conheçam as exigências físicas, fisiológicas e energéticas que essa actividade
comporta.
N Parece-nos que o autor supracitado apresenta um entendimento de especificidadeintimamente relacionado ou dirigido para os aspectos físicos e fisiológicos do rendimentoem Futebol. Outros autores, que passaremos a mencionar, de uma forma implícita ou
explícita, apresentam perspectivas claramente semelhantes às de Álvarez (1998) no queconcerne à especificidade do treino em Futebol.
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Revisão da literatura
Neste sentido, Bompa (1999) considera que o desenvolvimento das capacidades
biomotoras é muito maior quando estas são trabalhadas através de exercícios
específicos.
Volkov (1975), citado por Barbanti (1996), considera que o princípio daespecificidade se baseia no facto das maiores mudanças funcionais e morfológicas,
durante o processo de treino, acontecerem apenas nos órgãos, células e estruturas
intracelulares responsáveis pelo movimento.
Um treino especifico tem efeitos específicos sobre o organismo, i. e., o organismoadapta-se sempre de modo específico às solicitações que lhe são impostas (Mellerowics
& MelIer, 1979, citado por Barbanti, 1996). Tal como refere Barbanti (1996), o treino físicosolicita exigências distintas do organismo, tanto em quantidade como em qualidade. A
adaptação do organismo efectua-se sempre de acordo com estas solicitações, ou seja,
de acordo com o estímulo a que foi submetido.Deste modo, segundo o mesmo autor, a prática de uma actividade física produzirá
uma adaptação do organismo que será específica para essa actividade física. Assim,uma pessoa que corre produzirá uma adaptação orgânica para correr; uma que nada,
efectuará uma adaptação para nadar; assim como outra que joga Futebol produzirá uma
adaptação para jogar Futebol.Em decorrência do anteriormente exposto, Balyi & Hamilton (s.d.) referem que os
jogadores podem melhorar e/ou aperfeiçoar as suas capacidades somente se o treino
tiver uma direcção muito precisa. Deste modo, devem ser promovidos estímulos
específicos através de uma óptima distribuição da carga de trabalho e de recuperação.
Segundo os mesmos autores, nem quando se verifica um longo períodopreparatório se deve realizar uma preparação geral. Esta apenas se deve verificar paraaqueles jogadores que estão a recuperar de lesões.
Na perspectiva de Barbero Álvarez (1998), devemos saber a que intensidade serealizam os deslocamentos dos jogadores, quantos se fazem ao longo do jogo, quais as
suas distâncias, qual o número de interrupções verificadas, qual a duração das pausas,etc, O mesmo autor refere que, uma vez efectuada esta análise específica da
competição, obtêm-se certamente dados mais fiáveis para o estabelecimento deprogramas de treino orientados para o desenvolvimento das qualidades condicionais
específicas. Deste modo, segundo este autor, os programas tomam-se mais ajustados àsnece sidades do Futebol.
Revisão da literatura
2.1.1.4.2. Implicações metodológicas para o processo de treino
ReilIy (1990) refere que os resultados de investigações científicas (no âmbito
energético-funcional), apesar de demonstrarem algumas variações consoante o sistema
de jogo ou a táctica empregue, apresentam uma certa consistência no perfil demovimentos exibidos no decorrer do jogo, o que acarreta uma série de implicações aonível do treino. Barbero Álvarez (1998) corrobora o que acaba de ser dito, afirmando que,
partindo de uma análise física (cinemática) e fisiológica das situações reais de jogo, é
possível conhecer-se as características da actividade competitiva, o que, por sua vez,
permite elaborar o conteúdo e a estrutura do treino mais adequada.Os resultados das várias pesquisas científicas ajudam a obter uma melhor
compreensão das exigências e limitações do rendimento físico em Futebol (Bangsbo,
1998, citado por Romero Cerezo, 2000). Estes conhecimentos, juntamente com a
experiência prática, proporcionam informações valiosas para elaborar treinos adequados
e obter uma maior eficiência na competição (Romero Cerezo, 2000).A análise dos indicadores extemos do esforço em Futebol, tais como as distâncias
percorridas a diferentes velocidades e a altemância entre os esforços e as pausas,proporciona dados muito valiosos para estimar a carga de competição. Estes dados
serão de grande utilidade para os treinadores, mais concretamente para determinação da
intensidade e duração das cargas e dos tempos de recuperação dos exercíciosseleccionados para o treino (Barbero Álvarez, 2001).
A estimativa da carga através dos indicadores internos (carga fisiológica) tambémtem grande interesse, por um lado, para a sua posterior utilização nos treinos diários
como meio de avaliação e controlo e, por outro lado, para objectivar mais claramente ostipos de esforços realizados. Tendo em atenção estes dados, procurar-se-á programar
com maior rigor os exercícios idóneos para cada sessão de treino (Barbero Álvarez,1998).
Bangsbo (1998) corrobora estas asserções ao referir que o Futebol é umamodalidade desportiva fisicamente exigente, caracterizada por actividades intensasfrequentes, tais como corridas de alta intensidade, tacklings, rotações ou saltos. Assim
sendo, o treino da condição física pode ajudar um jogador a resistir às exigências físicas
impostas pelo jogo e a manter as suas habilidades técnicas ao longo do mesmo.
Todos os futebolistas, independentemente do seu nível de jogo, podem retirarbenefícios de programas de treino da condição física (Bangsbo, 1998), uma vez que
necessitam tanto de uma boa capacidade física como das habilidades de jogo, paraalcançarem vitórias (Reilly, 1990).
Revisão da literatura
Os referidos programas de treino contemplam diversas formas metodológicas paraa abordagem e desenvolvimento da componente física do rendimento. Bangsbo (1998)
faz referência a dois tipos de treino para desenvolvimento das capacidades físicas, mais
concretamente treino funcional e treino formal. Por seu tumo, Weineck (1997) atribui adesignação, respectivamente, de treino integrado e de treino separado aos dois tipos de
treino anteriormente referidos.
No entender de Bangsbo (1998), uma parte importante do treino deve ser efectuada
em presença da bola, uma vez que daí advêm várias vantagens. Assim, em primeirolugar, treinam-se os grupos musculares específicos usados em Futebol e, em segundo
lugar, desenvolvem-se as habilidades técnicas e tácticas em condições similares às dos
jogos. Finalmente, esta forma de conceber o treino é susceptivel de produzir uma maiormotivação para os jogadores comparativamente com o treino sem bola.
Todavia, o autor salienta que quando se leva a efeito um treino com bola, pode
acontecer que não se trabalhe com a intensidade suficiente, devido por exemplo, áslimitações tácticas. Segundo Alvarez dei VilIar (1983) e Muf~os Marín (2001), se apenas
for utilizado o trabalho com bola, é praticamente impossível desenvolver maximaimente
as capacidades determinantes para o rendimento em Futebol. Assim, de acordo comBangsbo (1998), em determinados casos, o treino deve ser efectuado sem bola. Nesses
casos, este deve realizar-se na relva, com botas de Futebol e executando movimentossimilares aos realizados durante o jogo.
Tschiene (1994) considera que a maior parte dos desportos de equipa écaracterizada por acções de força rápida, realizadas em intervalos irregulares e a
intensidade variável. O Futebol não foge à regra, pois segundo Bangsbo (1998), acapacidade de força é importante em muitas actividades levadas a efeito durante osjogos, tais como tacklings e sprints. No seu entender, o treino de força funcional
contempla a realização de movimentos relacionados com o Futebol.
Relativamente a esta concepção de treino, Bompa (1999) esclarece que asimulação de um movimento padrão do desporto em causa, tem como consequência odesenvolvimento apenas do tipo de força dominante nessa mesma modalidade
desportiva.
Do anteriormente exposto, depreende-se que o treino de força funcional podebasear-se na realização de jo~os em que os movimentos são efectuados em condiçõesfisicamente mais exigentes qu~2 normal (Bangsbo, 1998).
Em concordância com o que acaba de ser referido, Tschiene (1994) considera quea força rápida deve ser desenvolvida conjuntamente com os aspectos tácticos e técnicos,
seja durante o período preparatório, seja durante a actividade de jogo no período
competitivo. Segundo o mesmo autor, esse desenvolvimento consegue-se através da
21
Revisão da literatura
utilização do método complexo, no qual são reproduzidas em situação de treino, as
componentes da actividade de competição.
Weineck (1997) salienta que o treino de força integrado no jogo permite que setreine de forma específica os grupos musculares mais relevantes para o Futebol. De
acordo com Bangsbo (1998), a vantagem deste tipo de treino baseia-se no facto de que o
aumento da força muscular pode ser utilizado eficazmente durante os jogos. Por outrolado, o mesmo autor considera que neste tipo de treino é mais difícil controlar e ajustar as
cargas, sendo esta a sua desvantagem. Para Tschiene (1994), o método complexo tem a
desvantagem de não possibilitar uma clara melhoria da capacidade muscular de forçarápida. Assim sendo, na sua perspectiva, esta deve ser desenvolvida de modo exaustivo
(concentrado) durante um breve período especial de, pelo menos, 5 ou 6 semanas antes
da utilização do referido método complexo.De acordo com Bangsbo (1998), aquando da realização de um treino formal da
força, os grupos musculares são trabalhados através de movimentos isolados, O referido
autor considera que neste tipo de treino podem ser utilizadas diferentes classes demáquinas convencionais de treino de força ou pesos livres que permitem o ajustamento
da resistência oferecida pelas cargas à capacidade actual dos jogadores. Segundo o
mesmo autor, sabe-se que os ganhos de força muscular são específicos do movimentoconcreto que se realize. Deste modo, a grande desvantagem do referido treino formal
reside no facto de os movimentos efectuados não se assemelharem aos do jogo de
Futebol.
No que conceme à resistência de velocidade, Weineck (1997) considera que esta
pode ser melhorada através de um treino integrado (situações de jogo) ou separado(situações analíticas), desde que sejam realizadas muitas séries de acções à máxima
intensidade. O autor menciona vários métodos para o treino da velocidade,
nomeadamente o método das repetições, método intensivo de intervalos e método dedesenvolvimento da velocidade integrado no jogo. Os dois primeiros poderão ser
realizados com ou sem bola e têm um cariz analítico, enquanto que o desenvolvimento
da velocidade integrado no jogo tem um cariz mais global, uma vez que,simultaneamente à velocidade, permite o desenvolvimento dos aspectos técnico-tácticos.
Todavia, o mesmo autor considera que devem ser realizadas, principalmente,formas de treino relacionadas com o jogo (i. e., jogos em pequenos grupos, tais como
situações de 2x2, 2x3, etc.).
Bangsbo (1998) também defende a realização de um treino funcional da velocidade.
Segundo este autor, o treino da velocidade em Futebol deve adoptar principalmente aforma de situações similares às do jogo, dado que uma parte do efeito de treino desejado
relaciona-se com o aperfeiçoamento da capacidade dos jogadores para prever e reagir às
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Revisão da literatura
diversas situações que ocorrem no decorrer das partidas. No entender de Weineck
(1997), a vantagem deste tipo de treino reside no facto de, para além de permitir trabalhar
as componentes físicas, também permitir trabalhar as físico-cognitivas e as técnico-
tácticas.
De acordo com Bangsbo (1998), a velocidade também pode ser desenvolvidaatravés de um treino formal (por exemplo, correr uma determinada distância em sprint,
após emissão de um sinal). Alvarez dei VilIar (1983) refere que a velocidade absoluta do
jogador e de qualquer desportista deve ser trabalhada através da realização de esforços
curtos à máxima intensidade possível. Bompa (1999) considera que a repetição é ométodo básico usado no treino da velocidade. Segundo o autor, são necessárias várias
repetições para alcançar melhorias na velocidade e, consequentemente, efeitos
superiores de treino. Além disso, o mesmo autor refere ainda que os atletas devemtreinar a velocidade com a máxima concentração possível.
Segundo Bangsbo (1998), o treino formal da velocidade, embora melhore a
capacidade dos sistemas anaeróbicos na produção de energia, tem pouco efeito sobre acapacidade de reacção em situações específicas do jogo de Futebol. Além disso, durante
este tipo de treino, alguns músculos que intervêm em certos movimentos rápidos durante
o jogo não são suficientemente treinados.
Segundo este autor, os benefícios que advêm de um treino funcional da velocidadesão muito superiores aos resultantes de um treino formal.
De acordo com Weineck (1997), o futebolista deverá melhorar as suas
características de força-velocidade, mediante um reforço muscular dos membrosinferiores. Bompa (1999) salienta que para os atletas estarem aptos a realizar todos os
elementos de velocidade, em primeiro lugar é necessário que tenham pernas fortes. Na
sua perspectiva, ninguém é rápido antes de ser forte, daí que o treino da força deva seruma parte importante de qualquer programa de treino para desportos que requeiram um
bom desenvolvimento da velocidade.
A efectividade dos programas de treino e, consequentemente, das metodologiasaplicadas, poderá ser comprovada através da realização de testes de condição física,
uma vez que, segundo Weineck (1997), os resultados que dai provêm permitemaveriguar os avanços oconidos durante o processo de treinabilidade. Assim sendo, este
autor reclama a necessidade de se efectuarem alguns testes concementes às
componentes parciais da capacidade de rendimento futebolístico.
Revisão da literatura
2.1.1.4.3. Importância dos testes de condição fisica no controlo e direccionamento
do processo de treino
De acordo com Weineck (1997), é muito importante, tanto para o jogador como
para o treinador, conhecer de que forma o processo de treino que se está a desenvolvertem influenciado os factores individuais. Neste sentido, os testes de condição física
servem mais para controlar e dirigir o treino do que para efectuar uma comparação
imediata com outros futebolistas.
Bangsbo (1998) refere que os testes devem ser efectuados com um propósito bemdeterminado. Assim sendo, devem definir-se objectivos claros antes de eleger qualquer
teste.Este autor enuncia uma série de boas razões para realizar testes aos jogadores.
Entre estas, o autor salienta o facto de os testes serem um instrumento útil para estudar oefeito de um programa de treino, assim como para motivar os jogadores para um
empenhamento, cada vez maior, no treino. Além disso, os testes fornecem resultados
objectivos aos jogadores e ajudam a avaliar se estes se encontram preparados paraparticipar em jogos oficiais. O autor acrescenta ainda que os testes de condição física
possibilitam uma tomada de consciência maior, por parte dos jogadores, acerca dos
objectivos do treino. Finalmente, o mesmo autor refere que os testes são importantespara planificar programas de treino a curto e a longo prazo.
Para que estes propósitos sejam satisfeitos é importante que o teste usado estejarelacionado com a modalidade desportiva, neste caso com o Futebol, e que reproduza as
condições de um jogo. Contudo, devido aos muitos aspectos que um jogo comporta,
devemos ter consciência de que um teste não pode prognosticar como renderá um
jogador durante o jogo (Bangsbo, 1998).O mesmo autor refere que na realização dos testes os jogadores são sujeitos a
esforços intermitentes, tal como no jogo de Futebol, sendo que as provas podem realizar-se num campo relvado, utilizando calçado próprio da competição.
Bangsbo (1998) enuncia alguns testes que considera específicos do Futebol, comopor exemplo, o “teste de sprint”, o “teste da capacidade de resistência intermitente” e os
“testes intermitentes yo-yd’.Relativamente ao “teste de sprint”, o autor menciona que um jogador, durante um
jogo completo, sprinta menos de um minuto. Todavia, estes sprints são muito
importantes. Em determinada situação, o fado de um jogador ser capaz de correr mais
rápido que um opositor pode decidir o resultado de um jogo. O mesmo autor refere que avelocidade em Futebol se baseia principalmente na capacidade de observar, perceber e
analisar com rapidez uma situação, para logo efectuar a acção mais adequada. Além
24
Revisão da literatura
disso, esta baseia-se na capacidade de produzir energia com rapidez, o que, entre outras
coisas, depende do nível de treino alcançado e da distribuição dos tipos de fibras nos
músculos. Finalmente, a velocidade depende do grau de fadiga dos músculos antes desprintar. O autor acrescenta ainda que, em Futebol, os sprints devem ser curtos (menos
do que 40 metros) e que, com alguma frequência, devem contemplar mudanças de
direcção. Segundo Bangsbo (1998), neste teste, todos estes factores são considerados.
O mesmo autor salienta que, tanto o “teste da capacidade de resistênciaintermitente” como os “testes intermitentes yo-yo”, apresentam características que
reflectem o perfil da actividade de um jogo de Futebol, na medida em que se alternam
períodos de corrida a uma intensidade elevada com períodos de recuperação durante osquais os jogadores fazem jogging. Assim, pode afirmar-se que estes testes de campo são
muito úteis, pois incluem movimentos similares àqueles realizados ao longo de um jogo.
Em resumo, segundo o autor supracitado, pode dizer-se que existem várias razões
que abonam em favor da realização de testes de condição física. Assim, além da járeferida função de motivação dos jogadores para que treinem com maior intensidade, o
autor destaca o fado de estes permitirem constatar se um jogador recuperou de
determinada lesão.
Todavia (nunca é demais repetir), para que os testes possam satisfazer estespropósitos, devem ter relação com o Futebol. É sabido que um jogador de Futebol deveter uma grande capacidade de resistência e recuperar rapidamente de um sprint. Neste
sentido, constata-se que estas componentes do rendimento estão presentes nos testes
atrás mencionados (Bangsbo, 1998).Barbero Álvarez (1998) acrescenta ainda que as provas de esforço e os testes
perlódicos durante o processo de treino devem completar-se com medições efectuadas
em situações reais de jogo, na competição.
2.1.1.4.4. Algumas inconsistências e limitações
Vedoshanski (1990) refere que a suposição de que cada uma das capacidadescondicionais (força, velocidade e resistência) tem um mecanismo fisiológico particular,
levou a que alguns autores concluíssem que é possível desenvolvê-las isoladamente.
Segundo o mesmo autor, a fisiologia e a bioquímica receberam esta ideiaindiscriminadamente, sem a contradizer, limitando-se a uma função explicativa. Desta
forma, acabaram por contribuir para o reforço de uma metodologia de desenvolvimentofísico, baseada num conceito analítico-sintético que perdurou até hoje.
Segundo Tschiene (1994), não se deve pensar que a adaptação do jogador às
condições especiais de treino se limita ao lado orgânico-muscular (condicional). O
25 __________
FCDEF
Revisão da literatura
mesmo autor refere que um sector importante dos pressupostos de prestação do jogador
que se deve ter em consideração e no qual se desenvolve uma adaptação é opensamento táctico.
De acordo com Garganta (1 999a), não obstante a proliferação de estudos no
âmbito da caracterização do perfil energético-funcional do futebolista, alguns dos seusautores têm alertado para a debilidade dos resultados deles decorrentes e para a
inconsistência das suas conclusões. Este alerta surge devido ao facto de não seremclaramente consideradas as peculiaridades tácticas do jogo, mais concretamente o estilo
e os métodos de jogo (ofensivos e defensivos) utilizados, nem as funções
desempenhadas pelos jogadores no quadro dos respectivos sistemas tácticos utilizados.Reilly (1996b), notabilizado pelos seus estudos no domínio da fisiologia do Futebol,
alerta para o facto das exigências colocadas ao nível da actividade do jogador de Futebol
decorrerem, em larga escala, do nível de competição e das imposições tácticas (estilo dejogo/posição do jogador) do jogo.
As posições assumidas por vários autores permitem inferir que os factores
energético-funcionais não são, de facto, faculdades substantivas, mas aspectossubsidiários do rendimento, cujo sentido depende das características do contexto que
motiva a sua expressão e da capacidade do jogador para elaborar respostas adaptativas
ao envolvimento (Garganta, 1999a). O mesmo autor, citando Brettschneider (1990),salienta que a análise dos jogos desportivos e da prestação dos jogadores deve ser
efectuada através da análise do contexto no qual decorrem as acções, não se devendolimitar a aspectos isolados.
Mombaerts (1998), citado por Romero Cerezo (2000), salienta que por vezes se
planeiam treinos onde as qualidades próprias do jogo são deixadas de lado, em favor dasqualidades físicas. O Futebol, como desporto colectivo que é, tem as suas exigências
próprias de jogo.Em síntese, tal como refere Romero Cerezo (2000), para a prática do Futebol é
requerida a realização de uma série de movimentos, esforços e acções em sequências
variáveis e intermitentes com o objectivo de marcar um golo ou de o evitar. Aspossibilidades de êxito dependem de um uso inteligente da relação de
oposição/cooperação e não apenas de um elevado nível de desenvolvimento dos
factores energético-funcionais.Partindo das inconsistências anteriormente referidas, estamos plenamente
convencidos que é necessário uma outra forma de abordar toda a problemática inerente
ao processo de treino em Futebol. Como constataremos de seguida, são vários osautores reconhecidos a nível intemacional pelos seus vastos conhecimentos na área do
treino em Futebol que partilham desta ideia.
26
Revisão da literatura
2.1.1.5. A imperativa necessidade de uma reformulação
conceptometodológica do processo de treino
“Em qualquer modalidade, os atletas têm reacções diferentes em relação a situações específicase o alto rendimento não se compadece com a utilização de nonnas de omientação do passado.
Há que prever para antecipaç esclarecer para tomar consciência.”
(Jorge, 1989)
Através da leitura e análise de tudo o que anteriormente foi exposto, podemos
constatar que, numa primeira fase (tendência oriunda dos países do Leste da Europa),quase se procurou seguir a frase olímpica «Citius, Altius, Fortius”, não olhando a meios
para atingir os fins (Oliveira, 1991).
Segundo Court (1992), durante muitos anos, todos os treinadores do mundofuncionaram com um modelo de programação do treino baseado nas concepções
elaboradas por Matvéiev. Nem todos sabiam quem era este autor soviético, mas todosfaziam uso do seu modelo.
Garganta (1993), complementa a ideia anterior referindo que têm sido vários osusos e abusos relativos à aplicação do modelo preconizado por Matvéiev, principalmenteno que conceme aos jogos desportivos colectivos. Esta afirmação é confirmada por Lago
Peilas & López Grafia (2000), ao salientar que os jogos desportivos colectivos
apresentam dois conceitos fundamentais que os diferenciam dos individuais,
respectivamente a interacção grupal e a incerteza espacial.Anatoly Bondarchuk, Carlos Morno, Jorge Araújo, Jorge Castelo, José Oliveira,
José Vieira, Leon Teodorescu, Monge da Silva, Peter Tschiene, Vítor Frade, Yuri
Veijoshanski, entre outros, têm manifestado a sua preocupação acerca da colonização
dos desportos colectivos pelos desportos individuais (Vieira, 1993), proclamando anecessidade de uma nova teoria dos jogos desportivos colectivos, organizada e teorizada
em função da especificidade da modalidade desportiva em causa (Carvalhal, 2001).
Oliveira (1999) considera que a generalidade dos modelos teóricos propostos, foidesenvolvida tomando como referência desportos em abstracto, modalidades individuais
ou ainda formulações pedagógicas pouco ajustadas às verdadeiras exigências da
actividade desportiva concreta.De acordo com o anteriormente mencionado, o Futebol constitui uma realidade para
a qual o modelo clássico não apresenta respostas condizentes. Este facto deve-se ao
conflito entre a curta duração do período preparatório e a longa duração do períodocompetitivo, durante o qual se exigem bons níveis de prestação (Garganta, 1993; Monge
da Silva, 1998).
Revisão da literatura
Verifica-se que a literatura relativa aos aspectos do planeamento e da periodização
do treino desportivo, tem apresentado abordagens que se limitam às modalidades
desportivas em que somente é necessário estar em forma em dois ou três momentos dociclo anual (Garganta, 1993). Balyi & Hamilton (s.d.) complementam esta ideia,
salientando que os atletas envolvidos em modalidades desportivas como o atletismo, a
natação, a ginástica, etc., ao contrário dos atletas dos jogos desportivos colectivos, têm a
possibilidade de atingir o “pico de forma” na competição desejada.Para Frade (1998), a periodização mais tradicional é manifestamente física, porque
se baseia numa análise quase estritamente física, ou seja, as variáveis que identifica comofundamentais são físicas.
Reportando-nos agora à segunda fase da evolução conceptual do processo de treino(tendência oriunda dos países do Norte da Europa), Oliveira (1991) refere que começou aperceber-se a existência de determinadas capacidades físicas que o jogador de Futebol
requisitava quando em jogo. Deste modo, deu-se início à caracterização energético-
funcional do esforço do futebolista. O mesmo autor salienta que, a partir de então, o
planeamento e estruturação do processo de treino em Futebol começou a basear-se nacaracterização do esforço específico do futebolista, ou seja, começou a atender-se
sobretudo à componente física.
Em conformidade com este facto, Garganta (1993, p. 261) reforça a ideia de que “aperiodização do treino tem assentado numa base predominantemente referenciada aos
aspectos da adaptação morfológica, fisiológica ou bioquímica do organismo”.Relativamente às constatações anteriormente mencionadas, segundo Gonzalo
Prieto (2001), é evidente que o jogador deve ter uma boa condição física para poder
desenvolver a sua actividade, porém é pouco provável que com um repertório técnico-táctico discreto se possa ser um bom jogador. Um futebolista deve ser mais do que um
bom atleta. Neste seguimento, o autor coloca a seguinte questão: de que vale ter umaequipa de Futebol constituída por onze portentosos atletas do decatlo, capazes de correr
atrás da bola sem se cansar, se uma vez recuperada a sua posse não realizam nada de
proveitoso?
Por seu lado, Monge da Silva (1998) considera que para que os problemas da forçasejam explicados não é necessário analisar os problemas da contracção muscular, assim
como para se efectuar uma abordagem à resistência não se tem que estudar as fontes deenergia. De acordo com Garganta (1993), esta perspectiva apenas traduz uma visão
parcelar do processo de treino.
Neste seguimento, Jorge (1989) afirma que o privilégio dado às qualidadescondicionais conduz a uma manifesta mecanicidade. O jogo permanece exageradamente
Revisão da literatura
marcado por aspectos mecanicistas, sem possibilidade de desenvolvimento de ordem
criativa com disciplina.
Atendendo ao anteriormente exposto, segundo Garganta (1993), constata-se
frequentemente que quando a periodização do treino em Futebol é perspectivada, osfactores dominantes da capacidade de jogo são pouco considerados. O processo é
reduzido às repercussões das cargas no plano físico-atlético, resultando daí numa
intervenção pouco adequada às exigências da modalidade desportiva.
Em consequência do que acaba de ser mencionado, o mesmo autor defende anecessidade da reformulação do modo como se procede à periodização do treino,
devendo começar a dedicar-se mais atenção à análise dos aspectos táctico-técnicos do
jogo formal. Contudo, Monge da Silva (1998) salienta que é sabido que a reformulação eevolução das ideias não se faz de forma linear, mas sim à custa de periódicos processos
de ruptura com anteriores concepções.
Todavia, segundo Garganta (1993), essa reformulação deve mesmo acontecer,passando os objectivos e a natureza dos efeitos e dos conteúdos, assim como dos
exercícios a propor aos atletas durante o processo de treino, a ser sistematizados em
função da análise dos aspectos estruturais e funcionais do jogo formal. O mesmo autor,citando Seirul-lo Vargas (1987), afirma ser possível efectuar uma conjugação dos
aspectos propostos por Veijoshanski (1987) e Bondarchuk (1988). Assim, relativamente
ao primeiro autor, o conceito de trabalho concentrado e por “blocos” adquire grande
importância, uma vez que possibilita a manutenção e elevação dos níveis de força
explosiva, durante toda a temporada (sabe-se que a força explosiva é cada vez maisimportante para o futebolista). Por outro lado, Bondarchuk defende a redução substancial
do trabalho geral durante o período preparatório. Além disso, este autor afirma que anoção de sinergia é um aspecto importantissimo a reter no que conceme ao processo de
treino, i. e., a interligação entre as componentes do rendimento (condicionais, táctico
técnicas, psíquicas).
Revisão da literatura
2.1.1.6. Tendência latino - americana para a concepção do processo de
treino... “Treino Integrado”
A concepção reducionista e cartesiana do treino desportivo, caracterizada
sinteticamente pela decomposição do esforço do atleta num conjunto de parcelas, ainda
a dominante. Com este modo de perspectivar o processo de treino, pretende-secompreender a complexidade do todo pela multiplicação de “pseudo” partes constitutivas.
È neste contexto que aparece o treino físico, técnico, táctico e psicológico, tendo cada umdeles várias subdivisões (Monge da Silva, 1 989b; Monge da Silva 1998; Lago Peiias &
López Graija, 2000). De acordo com Monge da Silva (1998), os investigadores têm
centrado a sua atenção em aspectos cada vez mais isolados, na convicção de quequanto melhor se conhece cada pormenor, melhor se conhece o todo.
Segundo Garganta et ai. (1996), na investigação relativa à performance do jogador
de Futebol, baseada em factores energéticos, fisiológicos e biomecânicos, oscomportamentos são perspectivados como resultado de uma maior ou menor adequação
do organismo às exigências energéticas e funcionais do jogo, em termos de unidade
entre o estímulo e a resposta. Dessa forma, não são consideradas as configuraçõestácticas que induzem tais comportamentos.
Todavia, no entender de Garganta & Cunha e Silva (2000, p. 5), o problema
essencial é a complexidade, “um princípio transacional que faz com que não nospossamos deter apenas num dos níveis do sistema, sem ter em conta as articulações
que ligam os diversos níveis”.
De acordo com Konzag (1991), o jogo apresenta múltiplas componentes de
prestação, tomando-se necessário que estas possam vir a actuar de modo convergente,através da sua integração recíproca. Partindo desta constatação, Jorge (1989) evidencia
que os “métodos analíticos” não são os mais ajustados à realidade do Futebol atéporque, como aponta Bondarchuk (1984), citado por Monge da Silva (1998), o atleta éuma unidade e, como tal, as estruturas condicional específica e a técnica, devem ser
treinadas em simultâneo.Garganta (1 999a) salienta que as exigências do jogo de Futebol caminham mais no
sentido de reclamar inteligência (adaptabilidade) aos jogadores do que força, resistência
ou velocidade, entendidas como capacidades autónomas. Assim, não basta chegar mais
longe, saltar mais alto ou ser mais forte, é necessário ser mais veloz, mais rápido, nãoapenas a chegar ao local pretendido ou a realizar uma acção, mas também a pensar, a
encontrar soluções, a perceber o erro, a descodificar os sinais do envolvimento(Garganta, 199gb).
Revisão da Iíteratura
Em conformidade com o que acabamos de expressar, Teodorescu (1984) refere
que o jogador executa procedimentos (hábitos) técnicos adaptados às diversas fases do
jogo em condições de luta com os adversários e em regime de qualidades motoras e de
tensão psíquica, solicitadas com diferentes intensidades.
Deste modo, as capacidades motoras, em vez de se restringirem à acepção física
do termo, devem impor-se sobretudo como uma grandeza táctico-técnica, perceptiva einformacional (Garganta, 1 999a). Concordamos com Van Lingen (1992), quando refere
que ao falar-se em velocidade ou em potência não se consegue um aporte de informaçãoimportante para melhorar a qualidade do treino e do jogo. A velocidade, por exemplo,
está sempre relacionada com os companheiros e os oponentes. É sobretudo umavelocidade táctico-técnica.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Konzag (1991) menciona que a capacidade
de jogo é uma capacidade complexa que possibilita a utilização recíproca das
capacidades condicionais e coordenativas, assim como das qualidades psicológicas dos
atletas e das habilidades técnico-tácticas, para que, desta forma, seja possível enfrentar
e resolver racionalmente, i. e., de modo ajustado à situação, os problemas existentes nojogo. Para Jorge (1989), os aspectos estruturais (táctico-técnicos) e os energético-
funcionais (físicos) constituem-se numa unidade dialéctica, condicionando-se einfluenciando-se reciprocamente na realização das situações de jogo. Do mesmo modo,
Chirosa Rios et aI. (1998) e Quesada Aguila & Puga Turi~o (2002) consideram que todas
as variáveis do rendimento são inerentes à competição. Na competição exige-se uma
acção integradora das múltiplas capacidades e habilidades (MulIer, 1996, citado porChirosa Rios et aI., 1998; Tschiene, 1996, citado por Chirosa Rios et aI., 2000).
Assim sendo, se o jogador se implica a nível físico, técnico, táctico e psíquico
durante a competição de Futebol, é lógico que o treino de alto rendimento deva ser o
mais parecido com a mesma, abarcando todos esses aspectos e procurando umainfluência mútua entre estes conteúdos de treino. Por outras palavras, o treino deve
seguir as premissas da competição e adaptar os seus meios às exigências da mesma
(Lorenzo Calvo, 1998; Chirosa Rios et aI., 1998; Romero Cerezo, 2000). No fundo, isto
aponta para a criação de exercícios que reproduzam, parcial ou integralmente, oconteúdo e a estrutura do jogo (Teodorescu, 1984).
Em decorrência do anteriormente exposto, autores como Antón (1994, citado porLorenzo Calvo, 1998); Chirosa (1996, citado por Chirosa Rios et aI., 2000); Lorenzo
Calvo (1998); Chirosa Rios et aI. (1998); Gonzalo Prieto (2001), entre outros, fazem
alusão a um modelo de treino baseado na articulação ou integração dos vários factores
que contribuem para o rendimento desportivo. A esse modelo atribuiu-se a designação de“Treino Integrado”.
31
Revisão da literatura
As novas tendências do treino desportivo contemplam uma maior interacção entre
as aquisições das habilidades técnico-tácticas e o desenvolvimento da condição física
dos jogadores (Quesada Aguila & Puga Turitio, 2002). Segundo os mesmos autores,
estas novas tendências levam ao nascimento da ideia de “Treino Integrado” nosdesportos de equipa, definido por Antón (1994), citado por Lorenzo Calvo (1998), como a
preparação física-técnica-táctica integral em que todas as capacidades são
desenvolvidas num contexto semelhante ao da competição.
Demonstrando total concordância com os autores anteriormente referidos, Chirosa(1996, citado Chirosa por Ríos et ai., 2000); Lorenzo Calvo (1998); Chirosa Ríos et ai.(1998), afirmam que é possível (e necessário) realizar a preparação física, técnica e
táctica, em simultâneo.
Dado que o Futebol é algo indivisível, em vez de se recorrer a métodos analíticos, émais correcto fazer-se uso de métodos integrados que garantam a adequação do treino à
realidade do jogo e a contínua inter-relação entre os elementos que o constituem
(Gonzalo Prieto, 2001). Segundo Jorge (1989), é necessário que estes sejam trabalhados
de forma integral. Os problemas actuais do treino não são os do treino físico, do treinotécnico ou de outro tipo de treino. Não se pretende um somatório de coisas separadas.
Queiroz (1986) salienta que a condição física, a técnica e a táctica, embora noçõesdiferentes, devem estar estritamente ligadas no treino, tanto como estão na competição.
Segundo Jorge (1989), não existe treino físico, existe treino apenas. QuesadaAguila & Puga Turitio (2002) afirmam que as habilidades técnico-tácticas deverão ser
empregues como mais um meio para o desenvolvimento das capacidades físicas. Neste
contexto, Teodorescu (1984) refere que a velocidade de reacção, a destreza, a
combinação velocidade-força e a resistência aeróbia e anaeróbia são desenvolvidasatravés do característico e necessário dinamismo dos hábitos técnico-tácticos.
Monge da Silva (1 989b) considera que quanto mais próxima do jogo estiver asituação criada, maior será a interligação dos distintos factores, embora se tome mais
difícil controlar a componente física. Por outro lado, segundo o autor, quanto mais
afastado da situação real estiver o exercício, maiores serão as possibilidades de se
controlar a componente física, mas também menor será a interligação dos factores e,provavelmente, menor transferência terá para a realidade. Assim, toma-se imprescindível
que, durante o processo de treino, se verifique uma interacção e integração das suasdiversas componentes, pois, só assim, será possível o aparecimento de uma capacidade
de jogo elevada (Konzag, 1991).
Sintetizando, a realização de um “Treino Integrado” permite optimizar o rendimento,economizar e administrar o tempo de modo ponderado e acelerar o processo de
preparação. Os objectivos desejados podem ser alcançados com menos tempo e volume
32
Revisão da literatura
de trabalho. Estes são aspectos de fundamental importância no processo de preparação
de equipas de alto rendimento (Chirosa Rios et. ai., 1998; Chirosa Rios et ai., 2000).
Os autores mencionados ao longo deste capítulo demonstraram-se a favor de umaconcepção de treino, na qual os diversos factores que concorrem para o rendimento sãotrabalhados em simultâneo. Contrariamente a uma visão analítica do processo de treino,
estes autores defendem uma concepção global, em que o desenvolvimento de um factor
contribui para o desenvolvimento de outro. Todavia, alguns autores referem que não
basta que se desenvolvam os referidos factores do rendimento de forma integral, poisesse facto não garante a obtenção de resultados desportivos positivos. Assim, é realçada
a necessidade de se elaborar um modelo de treino capaz de fazer frente a toda aproblemática conceptual e metodológica inerente ao jogo de Futebol.
2.1.1.7. A emergência de uma nova orientação conceptometodológica do
processo de treino
No seguimento daquilo que expusemos anteriormente, vários autores, entre os
quais destacamos Vitor Frade, têm vindo a afirmar a necessidade de emergência de umanova orientação conceptometodológica do processo de treino, dado considerarem que
nenhuma das tendências anteriormente referidas atende às reais necessidades e
exigências do jogo de Futebol.
Neste contexto, Frade (1985) salienta que o pensamento táctico reflecte aimperativa necessidade da emergência da dimensão táctica em detrimento da física, uma
vez que apenas a acção intencional é educativa. Na perspectiva de Castelo (1998),
educar não é meramente desenvolver os vários grupos musculares, mas sim habituar o
cérebro a comandar o corpo. A inteligência é uma característica muito importante, pois oatleta precisa de ser perspicaz para, primeiro, observar e captar o que deve fazer e
depois ter capacidade de o registar na memória e, em seguida, enviar uma ordem que
possa ser cumprida pelos vários grupos musculares.
Segundo Garganta (1997), a esfera directora em Futebol é a dimensão táctica, poisé através desta que os comportamentos que ocorrem durante uma partida são
consubstanciados. Mesmo tomando como exemplo os movimentos basilares de
locomoção dos jogadores nas suas diferentes formas (marcha, trote, corrida rápida,sprint), constata-se que as razões da sua expressão se fundam numa intencionalidade
guiada sobretudo por imperativos tácticos (Garganta, 1 999a).Para Jorge (1989), a importância da preparação táctica em Futebol é evidente.
Oliveira (1991) tem opinião idêntica, afirmando mesmo que o “táctico” é o aspecto mais
Revisão da literatura
importante da planificação e periodização. Na perspectiva de Frade (1998, p. 3), o jogo de
Futebol “não é um fenómeno natural, é um fenómeno construído e em construção”, em
que o factor táctico é a sua “essência”.
Neste sentido, Garganta et ai. (1996) salientam que a construção de um corpo deconhecimentos ao nível do ensino, do treino e da competição em Futebol, deve ser
realizada a partir de uma matriz organizacional que considere a táctica como núcleodirector, sem contudo descurar os restantes factores do rendimento.
É neste contexto que Vítor Frade faz emergir o conceito “Periodização Táctica”. Apartir do momento em que este autor fez alusão ao referido conceito, outros autoreselaboraram trabalhos nos quais se constata uma certa aproximação a algumas das suas
premissas e fundamentos. Entre esses autores, destacamos Oliveira (1991), Vieira
(1993), Faria (1999), Carvalhal (2000), Rocha (2000) e Resende (2002).
Contudo, verifica-se que a “Periodização Táctica” é um conceito acerca do qualsubsistem muitas dúvidas e incertezas, não estando ainda muito claros quais os aspectos
que a distinguem de outros modelos de treino. É por essa razão que (ainda) não é
possível referirnio-nos á “Periodização Táctica” como uma tendência de treino implantadano contexto desportivo nacional e intemacional, tal como sucede em relação às três
tendências anteriormente mencionadas.
Embora os trabalhos anteriormente referidos possam ser considerados como umponto de partida para dar a conhecer a “Periodização Táctica” e afirmá-la como uma
forma alternativa de conceber o processo de treino, constata-se que muitas das suas
premissas permanecem pouco claras, havendo, por isso, a necessidade de realização de
mais trabalhos de investigação neste âmbito. Somente dessa forma será possível fazer
da “Periodização Táctica” um modelo de treino reconhecido pelo facto das suaspremissas possibilitarem a obtenção de bons resultados desportivos ao nível do Futebol
e, quiçá, ao nível de outros jogos desportivos colectivos e dos próprios desportosindividuais.
Esperamos que a nossa entrevista a Vitor Frade ajude a tomar mais claros alguns
aspectos referentes ao modelo de treino de que ele é pioneiro e percursor, ou seja, a“Periodização Táctica” e, ao mesmo tempo, a evidenciar os aspectos que a distinguem
das demais concepções de treino. Assim, com a realização da análise e discussão da
referida entrevista, pretendemos contribuir para que a “Periodização Táctica” seja, cadavez mais, um modelo de treino colocado em prática por todos aqueles que são
responsáveis pela gestão do processo de treino de suas equipas.
Enquadramento metodológico
3. Enquadramento metodológico
3.1. Caracterização da amostra
A nossa amostra é constituída unicamente pelo Dr. Vítor Frade. A escolha deste
autor para nosso entrevistado, esteve relacionada com o facto de este ter sido o pioneiroe percursor da “Periodização Táctica”. Sendo esse o tema central deste trabalho,
pensamos que a escolha deste autor é bastante pertinente.A sua “forma de estar e de reflectir o Futebol”, possibilitou-lhe a acumulação de um
enorme conjunto de conhecimentos. Esse fado permite que este se expresse de forma
clara acerca de todos os aspectos referentes ao planeamento e periodização do processo
de treino.O curriculo que o referido autor apresenta diz bem da sua experiência. Assim
sendo, Vítor Frade fez parte de várias equipas técnicas do F. C. Porto, ao serviço do qual
conquistou dois Campeonatos Nacionais, três Taças de Portugal e três Supertaças
Cândido de Oliveira. Além das conquistas a nível nacional, conta ainda com umaparticipação nas meias finais da Liga dos Campeões e com outra na Taça das Taças.
Ainda ao serviço do F. C. Porto foi vice-campeão por duas vezes. Além do trabalho
realizado neste clube, o nosso entrevistado fez ainda parte de equipas técnica de clubes
como o Boavista F. C. (onde trabalhou durante seis anos e contabilizou quatro presençasnas competições europeias), Rio Ave F. C. (cinco anos) e F. C. Felgueiras (1 ano).
Presentemente, Vítor Frade é o coordenador técnico do Departamento de Futebol
Juvenil do F. C. Porto e lecciona a disciplina de Metodologia Aplicada 1 e II, Opção de
Futebol, na Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade
do Porto, instituição à qual se encontra ligado à cerca de vinte e cinco anos.
3.2. Métodos de investigação seleccionados
Para realização do presente trabalho monográfico foi efectuada uma revisão da
literatura referente à problemática em questão. Posteriormente procedeu-se à elaboração
de um questionário que serviu de suporte à entrevista realizada. Tratou-se de umaentrevista semidirectiva, na qual permitimos ao nosso entrevistado a exposição de todos
os seus conhecimentos acerca dos aspectos que pretendíamos abordar.Durante a entrevista foi utilizado um gravador da marca O!ympus. Posteriormente, a
entrevista foi transcrita para o papel, tendo sido efectuada a análise de conteúdo (técnica
de investigação empírica) da mesma.
35
Enquadramento metodológico
3.3. Recolha de dados
A entrevista foi realizada do dia 10 de Abril de 2003 e decorreu nas instalações da
Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.
Análise e discussão do conteúdo da entrevista
4. Análise e discussão do conteúdo da entrevista
A revisão da literatura efectuada permitiu identificar três tendências distintas no que
conceme à orientação conceptometodológica do processo de treino.Relativamente à primeira tendência identificada, constata-se que esta é oriunda dos
países do Leste da Europa e que se caracteriza fundamentalmente pela divisão da épocadesportiva em períodos e pela grande importância atribuida aos factores da carga, como
a intensidade, a densidade e o volume. Verifica-se ainda que a carga é vista de um modoalgo abstracto, não havendo qualquer relação com a forma de jogar pretendida.
A segunda tendência surge do Norte da Europa e América do Norte. Nesta, é
atribuida grande importância aos aspectos energético-funcionais da actividade dosatletas, sendo frequente a realização de estudos relacionados com a avaliação da carga
física de competição, tanto pelo seu aspecto exterior (características dos deslocamentos
dos jogadores, tempos de esforço e recuperação, etc.) como pelas repercussões internasno organismo do jogador.
Verifica-se ainda uma terceira tendência, na qual os seus principais representantes,
originários dos países latino-americanos, preconizam o “Treino Integrado” das váriasdimensões (dimensão táctica, técnica, física e psicológica).
Para maior facilidade de comunicação, a partir deste momento, a primeira
tendência, oriunda do Leste da Europa passará a ser designada por LE. À segunda, comorigem nos países do Norte da Europa e América do Norte, atribuiremos a designação de
NE, sendo que a terceira tendência, cuja premissa fundamental é a integração das váriasdimensões inerentes ao treino será designada por TI.
Além destas três tendências, alguns autores, como é o caso de Vítor Frade, vêm
defendendo uma “nova” orientação metodológica para o processo de treino em Futebol.
Este autor atribuiu a designação de “Periodização Táctica” a essa “nova” concepção detreino. Com a realização da entrevista, pretendemos esclarecer algumas dúvidas que
ainda subsistem acerca dos fundamentos desta concepção de treino e acerca dos
aspectos que a distinguem das demais.Para se levar a efeito esse esclarecimento, será efectuado de seguida um
contraponto entre o conteúdo mais relevante da entrevista e a revisão da literatura
efectuada. Todavia, dado que o objectivo central deste trabalho se prende com a“Periodização Táctica”, será esta que irá nortear toda a discussão. Apenas gostaríamos
de acrescentar que, tal como fizemos em relação às tendências de treino, também apartir deste momento, para maior facilidade de comunicação, passaremos a referir o
nosso entrevistado, Vitor Frade, através da expressão VF.
Análise e discussão do conteúdo da entrevista
4.1. O treino enquanto processo criador da competição
Antes de nos reportarmos à “Periodização Táctica” propriamente dita, foi nossa
intenção indagar acerca da relevância que Vítor Frade (VF) atribui ao processo de treino.Deste modo, pretendemos obter uma noção geral acerca da significação do referido
processo, bem como constatar a valorização que o referido autor lhe atribui, uma vez
que, em nosso entender, o surgimento da “Periodização Táctica” é reflexo da importânciaatribuída ao treino, enquanto processo que contribui para a obtenção dos resultados
desportivos almejados.
Esta primeira abordagem é ainda mais importante se considerarmos o facto denormalmente, na opinião do nosso entrevistado, o processo de treino ser referido de um
modo “abstracto”.
Quando VF menciona o termo “abstracto” está certamente a referir-se ao facto de,muitas das vezes, o gestor do treino elaborar as diversas situações de exercitação semter uma ideia bem definida acerca daquilo que pretende para a equipa, em termos de
forma de jogar. Essa forma de jogar deverá ser a linha orientadora de todo o processo de
treino, caso contrário, tal como refere o mesmo autor, o processo toma-se “abstracto”.
Assim, partindo da revisão da literatura que levamos a efeito, pensamos que as trêstendências relativas à orientação conceptometdológica do processo de treino (LE, NE e
TI) acabam por se abstrair da mencionada linha orientadora, pois em momento algumfazem alusão à forma de jogar pretendida. Neste sentido, concordamos com VF quando
refere que, exceptuando a “Periodização Táctica”, todas as outras tendências encaram o
processo de treino de uma forma algo “abstracta”. A grande “missão” do gestor do treino
é tomar o processo mais concreto, sendo para isso indispensável a idealização de uma
forma de jogar.
Estamos plenamente de acordo com o nosso entrevistado quando refere que oobjectivo do treino passa pela criação de condições que permitam ou possibilitem atingir
aquilo que se pretende e que a forma de jogar pretendida não acontece por “geraçãoespontânea”, pois “carece de tempo, carece de uma certa lógica, às vezes, até
pedagógica”.
O mesmo autor salienta que o treino em Futebol deve basear-se no jogar, nacriação de condições de jogar. Somente desse modo, é possível “alcançar a forma de
jogar pretendida. VF acrescenta ainda que “o termo treinar terá que estar absolutamente,
ou sobretudo, condicionado áquilo a que se aspira”.Como facilmente se depreende, a concretização da forma de jogar pretendida é um
dos objectivos fundamentais do responsável pelo processo de treino. Todavia, sabe-se o
quão difícil é aplicar essa pretensão em situação de jogo, devido ao elevado número e
38
Análise e discussão do conteúdo da entrevista
variedade de factores que envolvem a competição. Pensamos que é praticamenteimpossível, durante o jogo, verificar uma total concordância entre aquilo que se pretende
e os comportamentos reais apresentados pela equipa. Assim, em nosso entender, otreinador deve aspirar a que a equipa realize, o maior número de vezes possível, oscomportamentos pretendidos.
Neste sentido, VF salienta que “aquilo que o treino nos dá, é fazermos crescer adensidade de um determinado número de coisas e fazê-las acontecer mais vezes”. O
autor refere-se a esta ideia como o “princípio das propensões”.Ainda neste contexto, o mesmo autor apresenta uma analogia, salientando que se
virmos um penedo com dois pontos de musgo isolados, sabemos que, passado um mês,
este estará cheio de musgo. Mas, se quisermos que o musgo cresça mais depressa,devemos empurrar a água para o penedo.
No fundo, é isto que também tem que se fazer no treino. Esta analogia coloca em
evidência a necessidade de elaborar situações de treino que reproduzam aquilo que sepretende e de as repetir sistematicamente, até que os comportamentos pretendidos
apareçam o maior número de vezes possível durante a competição. Procura-se acelerar
o processo de aquisição de hábitos que devem ser colocados em prática na competição.
Por outras palavras, provoca-se o aparecimento de determinados comportamentosdurante o treino para que a equipa, chegada à competição, seja capaz de apresentar
esses comportamentos com uma maior regularidade, sabendo nós de antemão que nem
sempre isso é possível.Neste sentido, VF salienta a absoluta necessidade do treino enquanto processo
criador da competição. Todavia, em seu entender, a competição também tem que ser
considerada como treino, como um momento relevante do treino, dado que “é aí que o
aspecto mais global e mais exigente do colectivo se apresenta».Num outro plano, contrastando com o que acaba de ser referido, parece estar a NE.
Nesta, há uma tendência para conceber o treino com base em dados cinemáticos efisiológicos obtidos em situações reais de competição, bem como em estudos de terreno
e em contexto laboratorial, objectivando configurar o perfil energético-funcional reclamadopelo jogo de Futebol. Inerente a esta tendência está o facto de se acreditar que a recolha
desses dados possibilita um processo de treino mais rigoroso. Daqui se depreende quenesta, contrariamente à “Periodização Táctica”, a competição é que “cria” o treino e não o
treino que “cria” a competição.Como se constata, embora vários autores sejam unânimes em considerar que o
treino adquire grande importância enquanto processo regulador da actividade competitiva(Lorenzo Calvo, 1998; Chirosa Rios et aI., 1998; Bompa, 1999; Romero Cerezo, 2000;Olabe Aranzábal, 2002; Pérez Garcia, 2002; García Lavera, 2002; Aguirre Onaindía,
39
Análise e discussão do conteúdo da entrevista
2002; Mel Pérez, 2002; Garganta, 1 999a), nem todos apresentam um igual entendimento
conceptometodológico acerca do mesmo.
Em seguida, procuraremos esclarecer a posição do nosso entrevistado
relativamente às três tendências referentes à conceptualização do treino queidentificamos através da revisão da literatura efectuada, bem como justificar as razões
pelas quais o mesmo autor defende um “corte” em relação ao passado, i. e., em relação a
alguns dos fundamentos que sustentam essas tendências. Como não poderia deixar de
ser, essa justificação será dada com base em algumas das premissas da “PeriodizaçãoTáctica”.
4.2. A necessidade de um “corte” em relação ao passado
De acordo com VF, realmente existem três tendências no que se refere à
conceptualização do processo de treino. No entanto, o autor esclarece que não seidentifica com nenhuma delas, uma vez que as suas premissas não se coadunam com o
seu entendimento de treino.Para o autor, todos aqueles que, por uma razão ou outra, se identificam com as
mesmas, “enfermam de um mesmo mal conceptual, que é a separação das coisas e alógica ascensional, das etapas, das fases”.
Na perspectiva do nosso entrevistado, não se deve falar em factores do rendimento,pois na sua perspectiva, o factor é uma noção matemática que implica separação. Ao
referir que se opõe à separação das “coisas”, este autor está em desacordo com
Matvéiev (1980), pois este divide o processo de treino em preparação física, técnica,
táctica, volitiva e teórica. VF também se apresenta em discordância com Verjoshanski
(1990), uma vez que este separa o treino em físico-condicional e técnico.Matvéiev e Veijoshanski são dois dos principais representantes da LE. Assim
sendo, facilmente se constata que o facto da LE efectuar a separação das dimensões do
treino é um aspecto que a diferencia da “Periodização Táctica”, uma vez que esta, ao
basear-se na realização de situações de jogo, possibilita o desenvolvimento global dasmesmas. Deste modo, na “Periodização Táctica” não faz sentido falar em preparação
física, técnica, táctica ou psicológica, como aspectos isolados, pois o seudesenvolvimento ocorre em simultâneo.
Por outro lado, Bangsbo (1998), Weineck (1997) e Bompa (1999), autores que
podemos identificar como representantes da NE, embora refiram a possibilidade dedesenvolver a dimensão física através de situações similares às da competição, também
defendem a necessidade de, por vezes, a desenvolver de forma isolada. Desta forma,
Análise e discussão do conteúdo da entrevista
estes autores referem-se frequentemente ao treino isolado da força, da velocidade e da
resistência.
Constata-se que os autores que se identificam com esta tendência (NE) efectuam
vários estudos, objectivando uma melhor caracterização fisiológica e cinemática do jogode Futebol. Esse facto surge como resultado da grande ênfase dada à dimensão física.
Neste contexto, acredita-se que depois de efectuar essa caracterização, é possível
elaborar o conteúdo e a estrutura do treino mais adequada. Contrariamente ao que acaba
de ser referido, na “Periodização Táctica”, a dimensão física não é muito enfatizada, poiscomo já foi salientado, considera-se que o mais importante é o “táctico”.
VF considera que os conhecimentos resultantes de estudos fisiológicos ebiomecânicos, no âmbito do Futebol, não têm nenhuma aplicação na “Periodização
Táctica”. O mesmo autor justifica essa constatação com o fado de a grande maioria das
pessoas que avançam estudos nessas áreas, terem pouquíssimos conhecimentos acercadaquilo que ele acha que se deve conhecer ou entender melhor, ou seja, o jogo. Assim,
este autor refere que “aquilo que é fundamental não é medir o que habitualmente semede, quando muito é medir a qualidade do jogo” e, no seu entender, ninguém faz isso.
Tal como foi possível constatar na revisão da literatura por nós efectuada, na
terceira tendência (TI), à semelhança da “Periodização Táctica”, é levado a efeito o
desenvolvimento integrado das várias dimensões. Neste sentido, autores como Antón(1994, citado por Lorenzo Calvo, 1998); Chirosa (1996, citado por Chirosa Rios et aI.,
2000); Lorenzo Calvo (1998); Chirosa Rios et aI. (1998); Gonzalo Prieto (2001),
defendem a articulação ou integração das várias dimensões durante o processo de
treino.
Em nosso entender, das três tendências de treino identificadas, a TI é aquela quemais se aproxima da “Periodização Táctica”, sendo que o nosso entrevistado não deixou
claro quais os aspectos que as diferenciam. Todavia, o facto de ambas se oporem à
separação das várias dimensões que contribuem para o rendimento em Futebol, é um
aspecto que as une.Neste contexto, VF salienta que na “Periodização Táctica” não há separação, daí
que a noção de “táctica” seja dominante. Para este autor, “o táctico não é físico, não étécnico, não é psicológico, não é estratégico, mas sem estes não existe”. De forma
semelhante, Queiroz (1986) refere que a condição física, a técnica e a táctica, embora
noções diferentes, devem estar estritamente ligadas no treino, tanto como estão nacompetição.
Como já foi referido, o nosso entrevistado também critica a divisão da época
desportiva em períodos, etapas e fases. Assim sendo, a “Periodização Táctica” opõem-se
à LE, pois nesta última, de acordo com o modelo de Matvéiev (1980), é preconizada a
41
Análise e discussão do conteúdo da entrevista
divisão do ciclo de treino em três períodos, nomeadamente em período preparatório,
período competitivo e período de transição. O período preparatório, por sua vez, ainda é
dividido numa primeira etapa de preparação geral e numa segunda de preparação
especial.
VF refere que a generalidade das pessoas ligadas às referidas tendências de treino,“não tirou da cabeça aquilo que é o grande cancro conceptual”, ou seja, “as fases, os
períodos, as etapas, constituindo-se estas como momentos significativamente diversos”.
Neste sentido, Matvéiev (1980) salienta que a duração dos três períodos anteriormentemencionados é definida pelas fases de desenvolvimento da forma e que estas
condicionam fortemente a dinâmica das cargas e os conteúdos do treino.
No entender de VF, na “Periodização Táctica” não existe esta divisão do processo
de treino, sendo que outro dos aspectos em relação ao qual é necessário efectuar um“corte”, diz respeito à noção de carga. O mesmo autor refere que Tschiene salienta o
quão negativa é a noção de carga, “o grande cancro que isso é”, mas que o própriocontinua a usar esse termo.
O mesmo autor considera que “as pessoas vão continuar a falar da mesmamaneira, porque só se ultrapassam perante situações de vulto, situações significativas,
testes cruciais”.Pelas palavras do nosso entrevistado, depreende-se a necessidade de um “corte”
em relação às premissas da LE, mais concretamente em relação a Matvéiev. Na sua
óptica, nem Veijoshanski, nem Tschiene efectuaram esse “corte”, pois embora tenham
levado a efeito um afastamento relativamente a certos aspectos, contradizem-se comdemasiada regularidade. Segundo o mesmo autor, o único que “suprime todos os
pressupostos, todas as premissas de Matvéiev” é Bondarchuk.Em nosso entender, VF refere que Bondarchuk foi o único autor a suprimir todas as
premissas de Matvéiev, devido ao fado de este salientar a importância da redução
substancial da preparação geral durante o período preparatório, bem como da noção desinergia (atleta visto como uma unidade, em que não há separação das várias dimensões
do treino).Na revisão da literatura efectuada, tivemos a oportunidade de constatar que na NE
é dada grande importância à realização de testes físicos. Neste contexto, Weineck (1997)
e Bangsbo (1998), salientam a importância que adquire, tanto para o jogador como parao treinador, o conhecimento do modo como o processo de treino tem influenciado osfactores individuais. Bangsbo (1998) acrescenta ainda que os testes permitem motivar os
jogadores para um empenhamento, cada vez maior, no treino.Todavia, a “Periodizaçâo Táctica” não contempla a realização desses testes, sendo
que VF, em total discordância, refere mesmo que “qualquer tipo de testes só são úteis
42
Análise e discussão do conteúdo da entrevista
para quem os puder dispensar e os físicos ainda mais. Eles podem mostrar «muita
coisa», mas escondem o essencial”. Segundo o autor, o físico que determinado jogo
requisita “não tem nada a ver com o físico que os testes isolam”. O mesmo autor salienta
que o mais importante é saber se os jogadores são capazes de jogar e que, nem sempre,aqueles que alcançam os melhores resultados nos testes físicos são os que estão melhor
a jogar.Em nossa opinião, isto acontece, porque um jogador, quando em jogo, não efectua
apenas os comportamentos que leva a efeito durante os testes. Assim, ele pode obterresultados muito bons na realização dos testes, mas depois, na situação de jogo, não
conseguir coordenar as suas acções com as dos companheiros, por exemplo. E o
contrário também se poderá verificar, i. e., os jogadores obterem resultados fracos ao
nível dos testes e apresentaram um rendimento elevado em situação de jogo. Este facto
é confirmado pelo próprio Bangsbo (1998) ao esclarecer que, devido aos muitos aspectos
que um jogo comporta, devemos ter consciência de que um teste não pode prognosticarcomo renderá um jogador durante o jogo.
Não obstante, Bangsbo (1998) não deixa de apontar mais uma razão para levar a
efeito a realização de testes físicos. Assim, ele afirma que os testes poderão ser úteis
para constatar se um jogador recuperou de determinada lesão.Todavia, no entender de VF, nem mesmo nessas situações devem ser efectuados
testes. Este autor começa por esclarecer que, enquanto os atletas estão lesionados, têm
um problema clínico e não, como se costuma dizer, um problema físico. Assim, quando
os atletas têm um problema clínico podem ser sujeitos aos testes que o departamentomédico achar mais compatíveis com a sua lógica de tratamento, todavia, quando o atleta
está em condições clínicas, não devem ser efectuados quaisquer testes.Segundo o nosso entrevistado, sempre que os atletas estejam em condições
clínicas, deve-se “testar a lógica de progressão, pedagogicamente”. O mesmo autorsalienta que, em caso de lesão, o desfasamento que vai existir entre este e os restantes
diz respeito ao jogar. Se o processo for bem dirigido, tempos depois, os atletas vão estarmelhor do que tempos antes e assim sucessivamente, mas em relação ao que se
pretende (que é jogar Futebol).VF refere que, caso o Futebol fosse apenas “ir e vir”, poderia fazer-se o teste do
“yo-yo”, por exemplo, porém, o Futebol é muito mais do que isso. Para este autor, as
informações retiradas dos testes, “são indicações parcelares que não têm interesse
absolutamente nenhum, é perder tempo. O que é preciso é saber dominar o jogo, saberqual a multiplicidade de nuances do jogo”.
Análise e discussão do conteúdo da entrevista
O mesmo autor argumenta que o tempo de treino deve ser curto, pelo que não sedeve perder tempo com os testes, com o acessório. No entanto, o autor esclarece que os
testes, para ele, nem acessórios são, pois utiliza a “Periodização Táctica”.De acordo com VF, a “Periodização Táctica” coloca o jogar como objecto de
preocupação regular e sistemática, dando-lhe ênfase. Perspectiva idêntica tem Queiroz(1986, p.41), para quem “o jogo deve constituir, no treino, o núcleo de todo o processo” e
que quanto maior for o grau de correspondência entre os modelos de preparação e o
jogo, melhores e mais eficazes serão os seus efeitos. VF considera que, nenhum dosautores ligados à LE, NE ou à TI, coloca a ênfase no jogar, sendo esse o seu grande erro
conceptual.
Todavia, como já foi referido anteriormente, VF não esclarece a diferença entre a“Periodização Táctica” e a TI. Na nossa perspectiva, existe uma certa aproximação entre
estes dois modelos de treino, pelo menos no que conceme à colocação da ênfase no
jogo. A nossa opinião baseia-se no fado de Antón (1994), citado por Lorenzo Calvo(1998), definir esta tendência de treino (TI) como a preparação física-técnica-táctica
integral, na qual todas as capacidades são desenvolvidas num contexto semelhante ao
da competição.
Como resultado da sua experiência e da sua reflexão de trinta anos, VF conclui queé absolutamente imprescindível “cortar” com essas ideias todas. Este autor considera que
nenhuma das três tendências de treino tem aspectos positivos, pois entende que apenas
a “Periodização Táctica” é ajustada às necessidades do Futebol.
As outras tendências não se ajustam ao Futebol, porque todas elas têm aspectosnegativos que, por mais pequenos que sejam, podem prejudicar o rendimento da equipa.
Para VF, “o problema não reside a média exigência ou a baixa exigência”. O problema da
eficácia apenas se coloca a um nível muito elevado em que é obrigatório estar-se sempreno máximo das capacidades. A este nível, um pormenor, por mais ínfimo que seja, pode
fazer desmoronar tudo.
Em seguida, abordaremos mais aprofundadamente a “Periodização Táctica”,esclarecendo algumas das suas premissas fundamentais.