Í N D I C E
1. Introdução 2
2. Farmacocinética na Geriatria 4
2.1 Absorção 5
2.2 Distribuição 8
2.3 Metabolismo 10
2.4 Excreção 12
3. Alterações Farmacodinâmicas na Geriatria 14
4. Factores que podem alterar a farmacocinética e a farmacodinâmica dos medicamentos nos idosos
21
5. Interacções Fármaco-Fármaco nos Idosos 23
6. Efeitos específicos dos fármacos nos idosos 25
6.1. Analgésicos Opióides 25
6.2 AINEs 25
6.3 Anticoagulantes 26
6.4 Fármacos Cardiovasculares 26
6.5 Psicofármacos 28
7. Conclusão 31
8. Bibliografia 32
1
1 . I N T R O D U Ç Ã O
A Geriatria é o ramo da Medicina que se ocupa do estudo dos problemas
biomédicos que se desenvolvem com o envelhecimento. A definição de
envelhecimento depende de factores relativos, considerando-se os 65 anos como a
idade de início da terceira idade.
O envelhecimento progressivo da população em Portugal é uma realidade e as
projecções para as próximas décadas fazem prever que estas pessoas constituam uma
fatia considerável do trabalho do médico de família. Segundo dados do Instituto
Nacional de Estatística, em 2008, 15,2% dos homens e 19,9% das mulheres tinham
idade superior a 65 anos, prevendo-se para 2060 um aumento destes valores para
29,5% e 35,0%, respectivamente, e um indicador de envelhecimento superior a 2
idosos por homem jovem e 3 idosos por mulher jovem.
Com o envelhecimento aumenta o número de doenças crónicas e com elas, a
necessidade de utilizar fármacos para o seu controlo. Embora nem todos os idosos
necessitem de fármacos, a existência de múltiplas doenças crónicas no mesmo
indivíduo pode implicar a prescrição de fármacos de diferentes grupos terapêuticos,
aumentando os risco de efeitos adversos para a saúde.
A ocorrência de reacções adversas aos fármacos pode ser reduzida por um
aumento do conhecimento do médico e da consciência do problema. As interacções
farmacológicas podem ocorrer quando 2 ou mais fármacos são usados, mas
habitualmente não demonstram consequências adversas. Contudo, uma notável
porção das reacções adversas a fármacos resultam de interacções farmacológicas nas
quais o efeito de um ou mais fármacos se torna aumentado ou diminuído para além
dos limites da janela terapêutica requerida.
O aumento da frequência das reacções adversas a fármacos tem-se tornado um
2
foco da farmacologia clínica. A etiologia dos efeitos indesejados do fármaco envolve a
examinação da farmacocinética do fármaco (especificamente, os fenómenos de
absorção, distribuição, metabolismo e excreção) e da farmacodinâmica
(especificamente os aspectos clínicos das respostas fisiológicas alteradas à acção do
fármaco incluindo a diminuição da resposta homeostática compensatória na
população idosa.
Hemorragia devido a anticoagulantes orais, hipoglicémia devido ao tratamento
da diabetes, e gastropatia associada ao consumo de AINES têm sido identificados em
estudos epidemiológicos como reacções adversas frequentes na população idosa. Uma
vez que polimedicação, definida como o uso de 5 fármacos em simultâneo por um
período superior a 6 meses, é também bastante comum - alguns autores referem que
pelo menos 85% dos idosos em Portugal consomem pelo menos 1 fármaco prescrito e
a maioria usa mais do que um (Galvão, 2006) – o potencial para reacções adversas tem
aumentado para cada classe de fármacos.
As reacções adversas na população idosa habitualmente não são
idiossincráticas, ou seja, reacções exageradas à dose usual, mas são mais
frequentemente extensões dos efeitos usuais do fármaco. Estas reacções são
responsáveis por admissões e estadias hospitalares prolongadas. Um estudo realizado
nos EUA, pelo National Service Framework for Older People (2001), revelou que 5-17%
dos internamentos hospitalares dos idosos são causados por reacções adversas a
medicamentos.
Para perceber como a administração dos fármacos está alterada para doentes
idosos, discutiremos os efeitos do envelhecimento na farmacocinética do fármaco
(absorção, distribuição, metabolismo e eliminação). De seguida, abordaremos assuntos
da mudança farmacodinâmica que resultam da alteração da sensibilidade e
modificação da resposta para um estímulo, e como os mecanismos homeostáticos
diminuídos contribuem para a alteração da resposta do indivíduo.
2 . F A R M A C O C I N É T I C A N A G E R I A T R I A
Os principais parâmetros farmacocinéticas sofrem alterações com a idade. A
sua menor complexão física e a deterioração dos órgãos fundamentais para a
3
bioeliminação e eliminação com a idade contribuem de forma importante para a
alteração dos parâmetros farmacocinéticos.
A farmacocinética inclui os seguintes processos: a absorção, distribuição,
metabolismo e excreção dos fármacos, parecendo a absorção ser a menos afectada
pelo envelhecimento.
Os factores que influenciam a farmacocinética do idoso podem ser resumidos
no seguinte quadro:
Factores Farmacocinéticos Mudanças Fisiológicas com o
Envelhecimento
Mudanças Patológicas Factores Externos
Absorção Aumento do pH do suco gástrico,
diminuição da superfície de absorção,
menor motilidade intestinal
Acloridria, obstipação, diarreia,
gastrectomia, síndrome de
malabsorção, pancreatite.
Antiácidos em geral,
anticolinérgicos,
colestiramina, interacções
farmacológicas
Distribuição Diminuição do output cardíaco,
diminuição do volume de líquido
circulante, maior proporção de tecido
gordo, menor albumina plasmática
Insuficiência Cardíaca,
desidratação, edemas, ascite,
hepatopatias, malnutrição,
insuficiência renal.
Interacções farmacológicas
Metabolismo Involução hepática, diminuição da
actividade enzimática
Hepatopatias, febre, má nutrição,
doença da tiróide
Hábitos de dieta, consumo
de tabaco, interacções
farmacológicas
Excreção Diminuição da perfusão hepática,
diminuição da filtração glomerular,
diminuição da secreção tubular
Hipovolémia. insuficiência renal Interacções farmacológicas
Tabela 1: Factores fisiológicos, patológicos e externos que influenciam a farmacocinética nos idosos.
2.1 ABSORÇÃO
Em casos em que existe redução da capacidade funcional absortiva, por
exemplo, como resultado da redução do número de células absortivas, seria de
esperar uma redução quer na taxa quer na extensão da absorção do fármaco. Porém, 4
dependendo das características fisico-quimicas do fármaco em particular, as alterações
na fisiologia do estômago podem na verdade facilitar a absorção do fármaco. No caso
de um fármaco cuja dissolução da formulação é o passo limitante na absorção do
fármaco, uma diminuição do tempo de esvaziamento gástrico pode aumentar a
extensão da absorção e, portanto, a exposição sistémica ao fármaco.
O envelhecimento está frequentemente associado com níveis de CCK elevados,
o que pode inibir as contracções gástricas distais e lentificar o esvaziamento gástrico.
(MacIntosh et al., 1999).
Se a secreção de ácido gástrico basal ou estimulada é ou não alterada, é
controverso. A maioria dos estudos sugere que, embora a secreção de ácido gástrico
seja em geral similar em jovens e idosos, a incidência da acloridria (incapacidade do pH
do estômago abaixo de 4.0 sob estimulação máxima da pentagastrina, devido à
ausência da produção de HCl) é aproximadamente 10-20% em pacientes idosos,
comparado com menos de 1% nos pacientes jovens (Blechman and Gelb, 1999). A
hipocloridria (diminuição de produção de HCl pode estar presente em
aproximadamente em 20% dos indivíduos acima dos 70 anos (Holt et al., 1989).
Embora o pH gástrico em jejum seja similar nos indivíduos jovens e idosos, a
resposta do pH gástrico pós-prandial difere significactivamente (Russell et al., 1993):
Jovens (N=24) Idosos (N=79) Valor de P
Jejum
pH, mediana (int.) 1,7 (1,4-2,0) 1,3 (1,1-1,6) 0,014
Durante a refeição
pH. mediana (int.) 5,0 (4,4-5,6) 4,9 (3,9-5,5) 0,74
Resposta pós-prandial, mediana (int.), min.
pH = 5 8 (2-17) 23 (6-46) 0,015
pH = 4 14 (8-40) 52 (27-115) 0,0002
pH = 3 42 (26-83) 89 (44-167) 0,0026
pH = 2 100 (44-143) 154 (82-210) 0,0026
Tabela 2: Comparação do pH gástrico entre jovens e idosos (Russell et al., 1993)
Numa avaliação do pH do tracto gastrointestinal superior conduzido num grupo
de indivíduos idosos saudáveis, 11% apresentam um pH gástrico superior a 5. Embora
o pH gástrico durante o consumo da refeição não seja significativamente diferente
entre os jovens e os idosos, o tempo mediano para a resposta pós-pandrial foi
significativamente menor nos jovens. Para pacientes que comem poucas horas ao dia,
5
baixos valores do pH gástrico só podem ser encontrados no início da manhã.
Clinicamente, estas mudanças podem ser significativas para fármacos que apresentam
perfis de dissolução e/ ou activação dependentes do pH.
Um pH gástrico elevado pode resultar na redução da absorção de Ca²⁺, Fe²⁺,
tiamina, vitamina B12 e vitamina C.
O pH gástrico alterado pode, dessa forma, modificar a absorção do fármaco
pelo menos de duas formas. Para fármacos que sejam ácidos fracos, um incremento no
pH gástrico aumenta a ionização dos ácidos fracos, aumentando a sua solubilidade e
facilitando a sua absorção. Pelo contrário, as bases fracas dissolvem-se em menor
quantidade, existindo sobretudo na forma não-ionizada. Clinicamente, portanto, pode-
se observar dissolução e absorção aumentadas de ácidos fracos e diminuídas de bases
fracas em doentes com pH gastrointestinal alto, como idosos com hipocloridria ou logo
a seguir ao almoço.
O tracto gastrointestinal é um sistema de órgãos heterogéneos em que
propriedades como motilidade gastrointestinal ou o número de vilosidades e
microvilosidades podem mudar ao longo do sistema digestivo (Martinez and Amidon,
2002).
Além das mudanças verificadas no estômago com o aumento da idade também
se observam mudanças no intestino. Embora os enterócitos permaneçam
essencialmente inalterados, há uma redução do número de neurónios mioentéricos no
intestino delgado. As diferenças do pH duodenal são mínimas entre jovens e idosos
(Russell et al., 1993). Mudanças nos padrões manométricos, incluindo contracções
pós-prandiais diminuídas e reduções na frequência de complexos motores migrantes
levantam questões sobre o trânsito GI alterado em alguns indivíduos (Firth and
Prather, 2002). Tem-se observado atrasos no trânsito intestinal em pacientes idosos
saudáveis que se tornam inactivos (Liu et al., 1993). Estas mudanças são
relativamente menores e não se espera que alterem significativamente a absorção da
maioria dos fármacos, podendo existir excepções. Em particular, a absorção de
algumas formulações de fármacos epilépticos é mais sensível aos tempos de trânsito
intestinal, embora o significado clínico seja ainda incerto.
Numa avaliação de uma formulação osmoticamente controlada de
6
carbamazepina, a exposição sistémica variou substancialmente como função do tempo
de trânsito intestinal do estômago e intestino delgado (Wilding et al.,1991). Neste
estudo conduzido, o tempo de trânsito gastrointestinal variou entre 10 e 60h. No
global, a libertação do fármaco foi maior nos indivíduos com trânsitos intestinais mais
longos, enquanto que mais de 30% do fármaco não foi libertado em indivíduos cujo
trânsito intestinal era mais rápido. Portanto, como os tempos de trânsito intestinal nos
idosos estão alterados, a formulação da dose e a forma de administração do fármaco
podem influenciar os padrões de absorção de anti-epiléticos pouco solúveis como a
carbamazepina.
Os pacientes idosos podem também apresentar menor compliance rectal e
tónus dos esfíncteres reduzidos. Trânsito lento no cólon distal, juntamente com
mudanças na função ano-rectal, podem contribuir para a elevada incidência da
obstipação vista em pacientes idosos (particularmente inactivos) (Firth and Prather,
2002). Se estas mudanças ou a alta influência da obstipação nos pacientes idosos
resultam em absorção rectal do fármaco alterada não é certo.
2.2 DISTRIBUIÇÃO
O volume de distribuição (VD) apesar de não ser uma medida fisiológica real, é
um parâmetro farmacocinético importante. O volume de distribuição é definido como
a quantidade de um fármaco no corpo dividido pela concentração do fármaco no
sangue ou plasma por quilograma de peso corporal.
Um volume de distribuição superior ao volume de sangue ou plasma sugere
que um fármaco se encontra particionado ou ligado a componentes do tecido. O
volume de distribuição é importante nas terapias de fármacos que exigem doses de
carga (por exemplo. digoxina,procainamida e amiodarona).
7
Cálculos da dose de carga são baseados no nível sanguíneo desejado em
repouso e no volume de distribuição:
Dose de carga (mg / kg) = Concentração sanguínea desejada (mg / L)
x Volume de Distribuição (L / kg)
A composição do organismo é um factor muito importante na distribuição dos
fármacos. Em média, para um jovem e um idoso médio, a quantidade total de água
diminui de 61% para 53% e a massa corporal magra diminui de 19% para 12%. A
proporção da massa corporal gorda, pelo contrário, aumenta de 18-20% para 36-38%
nos homens, e de 26-33% para 38-45% nas mulheres.
Consequentemente, fármacos hidrossolúveis como os aminoglicosídeos, a
digoxina, o etanol, a fenitoína, a meperidina e a teofilina, precisam de uma dose mais
baixa para chegar aos níveis plasmáticos requeridos, porque o volume de distribuição
nos idosos é menor. Já os fármacos lipossolúveis – tiopental, diazepam, salicilatos,
entre outros – vão ter um volume de distribuição no tecido adiposo maior, pelo que
pode haver um retardo na sua eliminação. Assim, o intervalo da dose nos idosos deve
ser ajustado para valores superiores.
Os transportadores plasmáticos também sofrem mudanças em pessoas de
idade avançada. Por exemplo, a albumina, que actua como transportador de ácidos
fracos, diminui a sua concentração nos idosos: de 4,7g/100 ml nos jovens para 3,8
g/100ml nos idosos. Doenças comuns na população idosa podem deprimir os níveis de
albumina. Estas incluem algumas doenças crónicas debilitantes que requerem terapia
farmacológica, tais como insuficiência cardíaca, doença renal, artrite reumatóide,
cirrose hepática, entre outras. Assim, os fármacos que se unem à albumina em
quantidades cada vez menores apresentam uma fracção livre farmacologicamente
activa maior, aumentando assim o efeito destes.
Por exemplo, num estudo realizado a oito jovens voluntários saudáveis do sexo
masculino e a seis pacientes idosos do sexo masculino e feminino, estes foram
submetidos a múltiplas doses orais de 500 mg de naproxeno duas vezes por dia. Os
níveis séricos de naproxeno foram medidos por cromatografia líquida de alta pressão,
8
sendo a concentração de fármaco livre determinada após diálise de equilíbrio.
Verificou-se uma concentração sérica máxima significativamente menor, uma menor
área sob a curva dose-resposta durante um intervalo, uma maior depuração corporal
total e um maior volume de distribuição aparente, para os pacientes idosos. A fracção
livre (menos de 1% do total da concentração de naproxeno) mostrou dependência da
concentração, tendo sido encontrada em maior percentagem nos idosos. As diferenças
farmacocinéticas entre os idosos e os jovens podem ser explicadas por uma menor
concentração sérica de albumina com a idade, juntamente com um decréscimo da
afinidade da ligação de naproxeno à albumina. Além disso, a depuração do fármaco foi
significativamente menor nos idosos pelo que é aconselhável iniciar o tratamento com
o naproxeno nestes com uma dose mais reduzida.
Outros fármacos como a acetazolamida, ácido valpróico, diflunizal, salicilatos,
varfarina, difenilhidantoína, fenilbutazona e fenitoína apresentam também um
incremento da concentração de fármaco livre inferior a 50%, requerendo doseamento
plasmático para uma maior segurança na dosagem.
2.3 METABOLISMO
Em geral, pode-se afirmar que o metabolismo hepático diminui com a idade. As
principais mudanças ocorrem na Fase I, estando maioritariamente diminuídas as
reacções de oxidação e mais ou menos preservadas as conjugações com ácido
glicurónico.
Isto pode causar problemas com a utilização de diferentes
ansiolíticos ou hipnóticos nos idosos, por exemplo. A maioria dos benzodiazepínicos
9
(BZ), é primeiramente convertido por oxidação a metabolitos activos (fase I), que se
podem ligar aos receptores BZ, embora apresentem menor actividade que o fármaco
inicial. Em seguida, o fármaco é conjugado, formando metabolitos inactivos (fase II),
que são excretados.
Como os idosos apresentam menor massa hepática, fluxo sanguíneo hepático e
sistemas de oxidação, a fase I pode sofrer atrasos, levando à acumulação do fármaco e
de metabolitos activos, tendo como consequência a sobredosagem e o aumento de
efeitos adversos. A conjugação com ácido glicurónico, a sulfatação e a acetilação não
são tão afectados nos idosos.
Para que um fármaco sofra metabolismo de primeira passagem pelo fígado,
deve ser eficientemente extraído do sangue. Exemplos destes fármacos incluem
analgésicos narcóticos, propanolol, verapamil, teofilina, antidepressivos tricíclicos e
numerosos agentes antipsicóticos. Estes medicamentos são extremamente
dependentes do fluxo sanguíneo hepático, que está diminuido em 12 a 40% da
população idosa. Quando atinge uma determinada concentração, a capacidade do
fígado para extrair e metabolizar um fármaco é ultrapassado (saturação dependente
da cinética de primeira passagem). Quando isso ocorre, basta um pequeno aumento
na concentração do fármaco para levar a um grande aumento da concentração do
fármaco sistémico. A cinética torna-se dependente da dose.
O aumento da biodisponibilidade sistémica tem sido mostrado para vários
fármacos altamente extraídos em pessoas idosas, tais como o propanolol, o labetalol e
o verapamil. Por outro lado, a redução das taxas de absorção gastrointestinal pode
diminuir a biodisponibilidade dos fármacos altamente extraídos porque a maior parte
do fármaco é metabolizado na primeira passagem pelo fígado. Para tais fármacos, a
clearance aproxima-se do fluxo sanguíneo hepático para razões de extracção elevadas
(≥ 0,7), mas a duração da acção pode ser prolongada devido à lenta absorção
e / ou libertação de depósitos ou porque in situ o fármaco de longa duração é derivado
de um pró-fármaco de curta duração.
Estudos em humanos apontam para que as alterações na clearance dos
fármacos em idosos se devam principalmente à combinação diminuição do fluxo
sanguíneo e diminuição do tamanho do fígado.
10
Fármacos como a varfarina, fenitoína e AINES apresentam uma clearance
hepática reduzida (≤ 0,3), estando substancialmente ligados às proteínas plasmáticas
com concentrações limitadas de fármaco livre e, consequentemente, sofrem pouco
metabolismo de primeira passagem.
Em pacientes com cirrose, doenças hepáticas avançadas ou idosos, a atividade
enzimática conjugativa não é significativamente afectada, pelo que nestes casos
especiais pode ser administrado oxazepam, temazepam ou lorazepam, que são
metabolizados exclusivamente por conjugação, tendo especial cuidado com lorazepam
nos idosos, devido à alta incidência de amnésia e confusão mental que ele produz.
Os benzodiazepínicos de acção intermédia e prolongada são mais susceptíveis a
acumulação e necessitam pois de mais ajustes da idose ou intervalos mais prolongados
em doentes hepáticos e idosos. Segundo estudos recentes, as doses de
benzodiazepínicos deve ser reduzida pela metade nos idosos (Martindale, 1993),
devendo-se evitar a via intravenosa para prevenir a ocorrência de apneia.
Os efeitos metabólicos podem ser atribuídos a um ou mais dos seguintes
factores:
1. Diminuição da permeabilidade da membrana celular dos hepatócitos para a
passagem de moléculas.
2. Alterações na concentração das enzimas ou hemoproteínas celulares.
3. Diminuição dos níveis do citocromo P450 e do sistema NADPH.
4. Diminuição do citocromo P450-redutase.
Também se observou uma menor taxa metabólica, com os seguintes fármacos:
imipramina e antidepressivos tricíclicos, barbitúricos, meperidina, fenilbutazona,
propranolol, quinidina, teofilina e tolbutamida. Esta diminuição pode ser devida a um
menor fluxo hepático e à menor massa hepática, como já foi referido anteriormente.
A cimetidina é um agente anti-ulceroso que provoca redução do fluxo
sanguíneo hepático e inibe as oxidases de função mista. O mesmo pode acontecer com
outros fármacos inibidores enzimáticos como a eritromicina e cloranfenicol, quando
administrados com fármacos metabolizados por oxidação (teofilina, fenitoína,
benzodiazepinas, propranolol, etc) podem provocar uma interacção perigosa com
acumulação de fármacos.11
2.4 EXCREÇÃO
A excreção renal também diminui com idade, diminuindo aproximadamente 1%
ao ano a partir dos 50 anos. A clearance de creatinina pode estar reduzida até 50% em
80 anos, quando comparado com os jovens entre os 25 e os 30 anos, havendo uma
grande variação interindividual.
A excreção dos fármacos é afectada da mesma forma, devido a uma diminuição
da filtração glomerular e da função excretora dos túbulos renais com a idade. Isso
pode levar a um aumento significativo do tempo de semi-vida dos fármacos, com
maior tendência para a acumulação e a ocorrência de efeitos tóxicos. Os fármacos que
diminuem particularmente a sua eliminação renal com a idade são aminoglicosídeos,
ampicilina, cefalosporinas, doxiciclina, sulfonamidas, tetraciclinas, tiazidas, furosemida,
triamtereno, atenolol, digoxina. fenobarbital, amantadina e cloropropamida.
Devido aos factores farmacocinéticos acima indicados, a semi-vida plasmática,
ou seja, o tempo que leva para a concentração do fármaco no plasma diminuir até
50%, depende quer do VD quer da clearance:
A semi-vida dos fármacos aumenta e, em alguns casos, acentuadamente. Isso
pode ser devido quer a diminuições da clearance quer a aumentos do VD. como se
posse ver na tabela abaixo:
Fármaco Semi-vida plasmática num jovem de 25 anos
(em média) (h)
Semi-vida plasmática num adulto
de 70 anos (em média) (h)
Lidocaína 1,2 1,6
Ampicilina 1,2 1,7
Cefamandol 1,1 1
Carbenicilina 1 1,4
Cefradina 0,5 1,2
Penicilina G 0,5 1
Aminopirina 3,3 8,2
Practolol 6,5 8,2
Propanolol 2,3 3
Gentamicina 2,3 5,1
Imipramina 18 24
12
Tioridazina 8 16
Doxiciclina 12 17
Amitriptilina 8 13
Clortalidona 53 369
Fenilbutazona 72 100
Fenobarbital 73 100
Digoxina 50 70
Lítio 18 32
Diazepan 18 92
Espironolactona 28 80
Tabela 3: Alterações dos tempos de semi-vida de fármacos em idosos, comparativamente aos
jovens.
3 . A L T E R A Ç Õ E S F A R M A C O D I N Â M I C A S N A G E R I A T R I A
Hoje em dia, ainda não é possível separar de forma clara os efeitos provocados
pela idade por si só daqueles provocados pela idade associada a presença de doença.
Sendo assim, é importante ter em conta a grande variabilidade de respostas a um
fármaco num grupo geriátrico heterogéneo, que abrange tanto os mais saudáveis e de
boa forma física, quanto os mais debilitados. Do mesmo modo, a presença de múltiplas
patologias e a consequente necessidade de prescrição de diversos tipos de
medicamentos altera a resposta do indivíduo aos fármacos, sendo mais afectados os
fármacos cuja janela terapêutica é menor.
A alteração da sensibilidade dos receptores dependente da idade pode causar
mudanças no efeito dos medicamentos nos idosos, diferenciando-se do espectro
farmacológico esperado. Existe muito pouca informação acerca das quantidades reais
de receptores e da sua sensibilidade, uma vez que estes estudos devem incluir uma
série de eventos em cascata que ocorrem desde quando o fármaco é administrado até
à resposta obtida. Apesar de tais quantificações terem sido possíveis in vitro e em
alguns modelos animais, obter a precisão necessária para tal em humanos é ainda
muito difícil. Desta forma, a maior parte dos estudos apenas relaciona a concentração
plasmática do fármaco com o seu efeito resultante. As benzodiazepinas são os
sedativos/hipnóticos mais prescritos para os idosos, sendo a maior parte delas,
13
fármacos de clearance baixa (facto que se torna ainda mais evidente nos idosos), o que
implica que ao longo do tempo, seguindo uma toma normal, a concentração vai
aumentando. Como consequência deste problema, as benzodiazepinas de tempo de
semi-vida mais curto são as mais indicadas para a prescrição neste grupo etário.
Outros factores que podem aumentar a concentração das benzodiazepinas no SNC são
a diminuição dos níveis plasmáticos de albumina, à qual se ligam, alguma alteração
que torne a barreira hematoencefálica mais permissível, o aumento do número de
adipócitos (local de armazenamento das benzodiazepinas), entre outras alterações
farmacodinâmicas que já se provaram existir, embora não se saiba ainda quais.
Utilizando esta relação, descobriu-se que o sistema nervoso central do idoso é
mais sensível a doses únicas de fármacos psicotrópicos como a morfina, a maior parte
das benzodiazepinas e dos antipsicóticos. Tal pode ser devido a uma maior penetração
destes fármacos através da barreira hematoencefálica. As alterações dependentes da
idade no SNC envolvem os neurotransmissores e são estruturais, electrofisiológicas, e
bioquímicas. Devido a todas estas alterações, a frequência de presença de confusão
nos idosos é muito alta. As biotransformações hepáticas levam a alterações da
clearance da maior parte dos ansiolíticos e hipnóticos. Para além disto, os
neurotransmissores endógenos no SNC estão presentes em menor quantidade nos
idosos, causando uma resposta dos receptores aos fármacos aumentada
(supersensibilidade).
O aumento da sensibilidade dos receptores pode ocorrer também noutros
sistemas. Os anticoagulantes à base de cumarina têm um efeito maior na síntese de
factores coagulantes em idosos, na ausência de alterações farmacocinéticas.
A idade frequentemente resulta numa alteração da resposta ao fármaco
relativamente a indivíduos mais jovens, mesmo quando administrado em
concentrações iguais. Geralmente, a resposta a um fármaco diminui com a idade, o
que pode ser explicado a nível molecular. A tabela que se segue inclui exemplos de
alterações nos receptores devido ao envelhecimento.
Receptor Tecido Densidade de
Receptores
Alteração Fisiológica
Muscarínicos Cérebro Diminuída Memória diminuída
14
Hormona Paratiroideia Rim Diminuída Diminuição da activação da vitaminaD
Beta-adrenérgicos Coração Ligeiramente
diminuída
Diminuição da frequência e da contractibilidade
Alfa-adrenérgicos Fígado Diminuída Sem alterações na glicogenólise
Opióides Cérebro Diminuída Anorexia e hipodipsia
Tabela 4: Alterações consequentes da idade nas quantidades de receptores e respectiva resposta fisiológica.
Alguns estudos em animais envelhecidos têm mostrado um défice na transmissão
colinérgica juntamente com um decréscimo no número de receptores muscarínicos de
acetilcolina. Este défice pode ser traduzido como uma perda da memória no animal
envelhecido.
A redução da resposta do miocárdio a catecolaminas é também de grande importância
médica. O funcionamento do seu sistema nervoso autonómico muda, podendo ser
esta a base para a hipotensão ortostática. Os doentes idosos têm uma resposta
diminuída das alterações da frequência cardíaca em resposta a bloqueadores beta-
adrenérgicos, o que indica uma diminuição da função parassimpática. Embora a função
parassimpática esteja diminuída nos idosos, a noradrenalina plasmática e a pressão
sanguínea aumentam, o que indica um aumento na actividade simpática cardíaca. O
reflexo barorreceptor também está diminuído nos idosos. A sensibilidade à
estimulação por isopreterenol e por bloqueadores beta-adrenérgicos diminui com o
envelhecimento. Para além disto, o exercício, que aumenta os níveis plasmáticos de
catecolaminas, não aumenta tanto a frequência cardíaca nos idosos como seria de
esperar. Estas observações confirmam as respostas diminuídas a beta-adrenérgicos
nos idosos. Mesmo que o output cardíaco aumente numa pessoa idosa saudável, como
aumentaria numa pessoa jovem, a fisiologia destes acontecimentos é diferente. Com o
envelhecimento, o volume ejectado pelo coração aumenta mais e a frequência
cardíaca aumenta menos do que seria de esperar num coração jovem, ambos em
exercício. Esta diferença é uma consequência da diminuição da resposta a estímulos
adrenérgicos. O sistema arterial, à medida que envelhecemos, vai respondendo menos
tanto a estímulos beta-adrenérgicos, quanto ao seu bloqueio.
Os receptores alfa-adrenérgicos foram também estudados. Nos hepatócitos, a
estimulação da glicogenólise por receptores alfa permanece inalterada com o
15
envelhecimento, embora haja um declínio de 39% na densidade dos receptores alfa1-
adrenérgicos hepáticos.
As alterações funcionais dos receptores opióides causam anorexia, hipodipsia,
impotência e outras perturbações do comportamento, sinais e sintomas muitas vezes
associados ao envelhecimento em si. No indivíduo idoso, existe uma diminuição do
conteúdo em péptidos opiáceos no sistema nervoso central, assim como uma redução
no número de receptores µ-opióides.
Outra alteração importante ao nível pós-receptor é uma diminuição da
resposta dependente do cálcio. Os movimentos de entrada e saída de cálcio das
células são cruciais para um variado tipo de funções, podendo afectar a secreção, a
neurotransmissão, contracção muscular e a divisão celular. Foram observadas
mudanças na mobilização do cálcio em resposta a vários estímulos, como por exemplo
por hormonas, neurotransmissores e outros, nos idosos. A implicação clínica destes
achados está no uso de fármacos que possam reverter pelo menos parcialmente o
défice na mobilização do cálcio, levando a uma melhoria significativa nas funções
afectadas.
Nas veias humanas in vivo, o relaxamento por isoprenalina (isoproterenol)
diminui com a idade. Este fenómeno parece demonstrar alguma especificidade para os
receptores beta-adrenérgicos, uma vez que as respostas a vasodilatadores AMPc-
dependentes, prostaglandina E1, e adenosina mantêm-se constantes
independentemente do avanço da idade. Pelo contrário, as respostas sistémicas,
cardíacas e vasculares mediadas por receptores β diminuem neste grupo etário.
Indivíduos idosos que recebam a mesma dose de beta-agonistas, experienciam menos
taquicardia do que indivíduos mais jovens. Uma diminuição do mesmo tipo na resposta
cronotrópica foi observada em resposta a exercício físico. A resposta inotrópica
induzida por catecolaminas em miocárdios de ratos de laboratório envelhecidos
também está diminuída. Por outro lado, a vasodilatação em resposta a estímulos beta-
adrenérgicos aumenta com a idade.
Ainda existe muito pouca informação sobre as alterações na função das
proteínas G dependentes da idade, aparentemente, estas proteínas permanecem
inalteradas. Uma vez que não foram encontradas alterações nos receptores em todos
os tecidos, a redução da actividade da unidade catalítica da adenilato ciclase pode ser 16
um dos mecanismos que levam à resistência de tecidos alvo envelhecidos às
catecolaminas e a outras hormonas que funcionam através de AMPc.
Existem outras alterações funcionais consequentes do envelhecimento, que
podem ter como causa alterações na função do sistema nervoso central, nas respostas
reflexas, no sistema renina-angiotensina-aldosterona e no equilíbrio hidroelectrolítico:
O abastecimento de sangue para o cérebro pode ficar comprometido pelo
estreitamento aterosclerótico dos sistemas arteriolares vertebral e carotídeo.
Hipoteticamente, esta diminuição no fluxo sanguíneo pode resultar em perdas
neuronais e causar ainda uma alteração da sensibilidade a fármacos de acção central
como benzodiazepinas, beta-bloqueadores, alfa-agonistas centrais, antidepressivos
tricíclicos, barbitúricos e opiáceos.
A sensibilidade do reflexo barorreceptor e a sua responsividade diminuem no
idoso. Devido a estas alterações, os doentes idosos frequentemente desenvolvem
hipotensão postural se medicados com nitroglicerina, fenotiazinas, diuréticos,
antagonistas do cálcio derivados da dihidropiridina e alfa-bloquadores periféricos. A
nitroglicerina pode induzir hipotensão mais severa, assim como bradicardia, em
doentes idosos com enfarte do miocárdio do que em doentes mais jovens,
possivelmente por maior relaxamento do músculo liso vascular.
Os níveis plasmáticos de renina e os níveis de aldosterona no sangue e na urina
diminuem com a idade, tanto em situações normais como em reposta a mudanças na
postura e a alterações de volume. Buhler F. et al sugeriram, no seu artigo “The Place Of
The Calcium Antagonist Verapamil In Antihypertensive Therapy.” para a revista Journal
of Cardiovascular Pharmacology em 1982, que devido à diminuição da actividade de
renina com o envelhecimento, estes doentes podem responder mais rapidamente a
diuréticos e antagonistas de cálcio do que a beta-bloqueadores e inibidores da enzima
de conversão da angiotensina. Por outro lado, o estado de hiporenina-hipoaldosterona
pode predispor a hipercaliémia, especialmente medicados com AINEs, IECAs, beta-
bloqueadores e diuréticos poupadores de potássio.
Como resultado da disfunção renal intrínseca e induzida por diuréticos,
frequentemente ocorrentes no idoso, e dos níveis mais altos de vasopressina
dependentes da idade, pode surgir retenção de água e consequente hiponatrémia.
Para além disso, a hipertensão prostática pode resultar em uropatia obstrutiva, 17
levando a lesão renal ainda maior, maior retenção de água e hiponatrémia, que
persistirão até que a obstrução seja resolvida.
Os antagonistas do cálcio, por exemplo verapamil e nifedipina, são
medicamentos muito utilizados no tratamento para a hipertensão e doença cardíaca
isquémica. Existem dados que dizem que tanto a farmacocinética como a
farmacodinâmica destes fármacos podem ser afectadas pela idade, embora não se
tenha a certeza sobre a relevância clínica destas alterações. Num estudo em que se
mediu a clearance de 2.5mg de nifedipina administrados de forma intravenosa em
indivíduos normotensos jovens e idosos, descobriu-se que a clearance nos idosos era
significativamente mais baixa, sendo a concentração plasmática maior. Isto pode ser
devido a uma diminuição de forma geral na clearance, dependente da idade.
Um estudo relativo aos IECAs mediu o efeito hipotensivo da administração de
benazepril e enalapril, sendo que esse efeito hipotensivo era semelhante, apesar da
tensão diminuir mais nos indivíduos idosos cuja tensão inicial era mais elevada.
Para determinar as alterações farmacodinâmicas e farmacocinéticas dos alfa-
bloqueadores periféricos, 1 mg de prazosine foi administrado a jovens e idosos,
obtendo-se como resultados tempos de semi-vida muito semelhantes (apenas
ligeiramente aumentados nos idosos), concentrações máximas e taxas de ligação às
proteínas também idênticas nos dois grupos etários. Apesar disso, encontraram-se
alterações no efeito hemodinâmico, já que a pressão arterial sistólica baixou
consideravelmente mais nos idosos (apesar das alterações na pressão diastólica terem
sido muito semelhantes). Estas observações permitiram concluir que apesar da
farmacocinética do prazosine não ter sido afectada, a farmacodinâmica deste fármaco
aumenta com a idade.
Os nitratos são muito difíceis de analisar, logo há pouca informação sobre eles.
Apesar disso, teoricamente pode-se inferir que há alterações, já que o metabolismo
hepático de primeira passagem fica comprometido com o envelhecimento. A
nitroglicerina é pouco afectada por esta modificação, já que não é de primeira
passagem. Outra possível causa de alterações é o reflexo barorreceptor diminuído, que
pode levar à maior propensão para hipotensão ortostática, agravando-se com a
vasodilatação provocada por este grupo de medicamentos.
18
Um dos fármacos mais comummente prescritos para os idosos é a digoxina, de
efeito inotrópico positivo, para o qual os idosos têm sensibilidade aumentada. O factor
que mais altera a farmacocinética deste fármaco é a polimedicação, já que há muitos
fármacos que interagem com ele (ex: quinidina, antiácidos, antibióticos, varfarina,
fenobarbital, levodopa e bloqueadores dos canais de cálcio). Outros factores que
aumentam a sensibilidade à digoxina nos idosos são o mecanismo homeostático
alterado, a hipocalémia induzida por diuréticos (já que provoca o aumento do uptake
miocárdico, logo, promove a secreção tubular). Por outro lado, a actividade
aumentada do simpático, por exemplo por febre ou infecção, pode diminuir a
sensibilidade à digoxina.
Quanto aos anticoagulantes, a resposta à varfarina é maior com o
envelhecimento. Uma vez que não foram encontradas diferenças na farmacocinética,
tal alteração pode ser devida à farmacodinâmica. Por outro lado, o facto de haver
albumina em menor quantidade no plasma dos doentes idosos pode influenciar estes
resultados, já que isso implica uma maior quantidade de anticoagulante livre, logo,
funcionante no sangue.
É também muito importante reconhecer que as dificuldades básicas que
envolvem os estudos dos efeitos dos fármacos são as relativas à distinção entre as
mudanças causadas pelo envelhecimento em si e aquelas primariamente influenciadas
por patologias, já que os processos patológicos podem influenciar os efeitos
farmacodinâmicos dos medicamentos.
4 . F A C T O R E S Q U E P O D E M A L T E R A R A F A R M A C O C I N É T I C A E A F A R M A C O D I N Â M I C A D O S M E D I C A M E N T O S N O S I D O S O S
Quando se pensa em envelhecimento em termos fisiológicos, a primeira coisa que vem
à cabeça é a diminuição da capacidade adaptativa. As respostas fisiológicas que requeiram
actividades integradas de vários sistemas de órgãos podem resultar num período de
recuperação mais lento num doente idoso, após mudanças fisiológicas ou patológicas. Um
doente idoso com volume plasmático diminuído, regulação vasomotora diminuída, falta de
tolerância à glucose, maior morbilidade por infecções e outras limitações pode estar mais
susceptível aos efeitos adversos dos medicamentos. As respostas homeostáticas diminuídas
19
podem gerar reacções adversas a fármacos em idosos que seriam facilmente compensadas em
indivíduos jovens. O tratamento de doentes idosos pode ser extremamente complexo devido à
existência de múltiplas doenças e terapias farmacológicas capazes de produzir reacções
adversas.
Mesmo estando sob supervisão médica cautelosa, doentes nesta faixa etária podem
experienciar efeitos adversos a medicamentos. Os sedativos hipnóticos, antidepressivos,
ansiolíticos e o etanol são menos tolerados por estes doentes, especialmente quando vários
agentes são usados em simultâneo. Como resultado do uso de simpaticomiméticos,
antiparkinsónicos e/ou fármacos anticolinérgicos podem surgir alterações da função mental e
alucinações. Para além disto, estes medicamentos podem exacerbar o glaucoma ou a retenção
urinária. Alguns, aparentemente, suicídios em idosos podem acontecer por prescrição não
cautelosa de sedativos ou por ingestão repetida acidental num doente idoso confuso.
Há vários aspectos patofisiológicos do envelhecimento que contribuem para as
reacções adversas aos medicamentos, por exemplo, estados anóxicos, isquémicos,
diabéticos e hipotiroideus aumentam a sensibilidade a fármacos como a morfina,
barbitúricos e outros sedativos hipnóticos.
Na farmacoterapia a um doente idoso, é imprescindível individualizar a terapia, uma
vez que respostas inesperadas como hipersensibilidades, tolerâncias e toxicidades
devem ser antecipadas. A prescrição de vários fármacos simultaneamente pode
resultar num aumento farmacodinâmico das acções adversas de um fármaco, como se
pode ver na tabela a seguir.
Fármaco Factor de alteração (doença de
base ou medicamento prescrito
previamente)
Efeitos Adversos
Sedativos/Hipnóticos Doença Pulmonar Obstrutiva
Crónica
Possíveis respirações lentificadas e aumento da
retenção de CO2
Fármacos anticolinérgicos:
(ex: anti-histamínicos, relaxantes
musculares, narcóticos)
Hipertrofia Benigna da Próstata Possíveis défices na micção e obstrução ou
obstipação gastrointestinal
Anticolinérgicos, Narcóticos e
Antidepressivos Tricíclicos
Obstipação Possível agravamento da obstipação
Benzodiazepinas de Acção Longa Quedas, perdas de memória Possíveis quedas e perdas de memória
Beta-Bloqueadores Síncope Possível síncope
20
Antidepressivos Tricíclicos Amitriptilina, Doxepina Efeitos anticolinérgicos e sedativos fortes
Analgésicos Propoxifeno, Indometacina,
Pentazocina
Efeitos adversos no SNC; Hipotensão
Antieméticos Trimetobenzamida Efeitos adversos extrapiramidais
Relaxantes Musculares Carisoprodol, Clorzoxazona,
Ciclobenzaprina, Metaxalona,
Metocarbamol
Mal tolerado, levando a efeitos adversos
anticolinérgicos, sedação e fraqueza
Benzodiazepinas de Acção Longa Diazepam, Clordiazepoxide e
combinações, Flurazepam
Risco aumentado de sedação prolongada,
quedas, fracturas, efeito amnésico
Benzodiazepinas de Acção Curta Alprazolam, Lorazepam, Oxazepam,
Temazepam, Triazolam
Sensibilidade aumentada, mesmos efeitos das
de acção longa
Ansiolíticos Meprobamato Altamente aditivo e sedativo
Antimuscarínicos/
Anticolinérgicos para doenças
gastrointestinais
Diciclomina, Hiosciamina,
Propantelina, Alcalóides Belladonna
Efeitos anticolinérgicos potentes e possíveis
efeitos tóxicos
Antihistamínicos de Primeira
Geração
Clorfeniramina, Ciproheptadina,
Difenhidramina, Dexclorfeniramina,
Hidroxizina, Prometazina
Efeitos anticolinérgicos potentes
Barbitúricos Todos os barbitúricos excepto o
Fenobarbital
Mais efeitos adversos do que quaisquer outros
sedativos ou hipnóticos e altamente aditivos;
geralmente não devem ser utilizados como
primeira terapia
Opióides Meperidina Analgesia oral ineficaz com muitas desvantagens
comparando com outros narcóticos
Antipsicóticos Atípicos Doença Psicótica Aumento de peso, sedação, efeitos
anicolinérgicos, tolerância à glucose anormal
Tabela 5: Efeitos adversos dos fármacos nos idosos com doença de base
5 . I N T E R A C Ç Õ E S F Á R M A C O - F Á R M A C O N O S I D O S O S
Os mecanismos pelos quais as interacções fármaco-fármaco podem existir incluem:
1. Inibição da absorção do fármaco
2. Fluxo sanguíneo hepático diminuído
3. Inibição da excreção renal
4. Inibição ou estimulação do metabolismo do fármaco
5. Deslocamento levando à desconexão da ligação à albumina
6. Efeitos farmacodinâmicos dos fármacos nas respostas tecidulares.
Algumas interacções medicamentosas importantes estão listadas na tabela seguinte (o
doente deve ser também inquirido por prescrições de outros médicos, fármacos sem
receita médica, chás e suplementos da dieta):
21
Tabela 6: Algumas interacções medicamentosas importantes
Fármaco primário Fármaco(s) que interage(m) Mecanismo Efeito
Efeito Adverso
Aumentado:
Varfarina Fenilbutazona,
Metronidazole,
Aspirina
IM,DA
IM
OM
Hemorragia
Antidiabéticos
Sulfoniluréias
(Tolbutamida,
clorpropamida)
Sulfafenazole,
Cloramfenicol,
Fenilbutazona,
Varfarina
IM
IM
IM,DA,IE
IM
Hipoglicemia
Fenitoína Fenilbutazona,
Cloramfenicol,
Isoniazida
IM
IM
IM
Nistagmo
Ataxia Cerebelar
Sedação
Azatioprina Alopurinol IM Supressor da Medula Óssea
Metrotrexato Sulfisoxazole,
Aspirina
DA
IE
Supressor da Medula Óssea
Digoxina Diuréticos,
Quinidina
OM
OM
Intoxicação por digitálicos
Propanolol Cimetidina HBF Bradicardia
Sedativos Hipnóticos Etanol OM Sedação Excessiva
Efeito Adverso Diminuído:
Varfarina Barbitúricos,
Rifampim,
Glutetimida,
Disopiramida
SM
SM
SM
SM
Perda do controlo da
anticoagulação
Prednisona Barbitúricos SM Efeitos corticosteróides
diminuídos
Contraceptivos Esteróides
Orais
Rifampim SM Perda do efeito
contraceptivo
Quinidina Barbitúricos,
Rifampim
SM
SM
Efeito antiarrítmico
diminuído
Lincomicina Caolina-pectina IA Biodisponibilidade diminuída
22
Tetraciclina Antiácidos-Ferro IA Biodisponibilidade diminuída
Clorpropamida Corticosteróides OM Efeitos hipoglicémicos
diminuídos
Metformina Respiradona OM Efeitos hipoglicémicos
diminuídos
Pioglitazona Olanzepina OM Efeitos hipoglicémicos
diminuídos
Mecanismos: DA = desconexão da ligação à albumina; HBF = fluxo sanguíneo hepático diminuído; IA =
inibição da absorção do fármaco; IE = inibição da excreção renal; IM = inibição do metabolismo do
fármaco; OM = outros mecanismos (efeitos farmacodinâmicos dos fármacos nas respostas teciduais);
SM = estímulo do metabolismo do fármaco.
6 . E F E I T O S E S P E C Í F I C O S D O S F Á R M A C O S N O S I D O S O S
6.1 ANALGÉSICOS OPIÓIDES
Os opiáceos como morfina, meperidina e pentazocina exibem uma semi-vida
mais prolongada e uma menor metabolização nos idosos, devido aos parâmetros
farmacocinéticos acima mencionados. Por isso, os idosos são em geral mais sensíveis
do que os jovens, sobretudo no que diz respeito à depressão respiratória. Uma vez
iniciada a terapia com opióides, o papel da função renal é crítico. Uma vez que muitos
dos metabolitos dos opióides sofrem depuração renal e têm actividade quer na
analgesia quer nos efeitos adversos indesejados, é crítico saber a clearance da
creatinina (não apenas a creatinina sérica) no idoso. As doses iniciais podem ser iguais
às dos doentes jovens, mas o médico deve usar um maior intervalo de dosagem ou
doses mais pequenas no decurso da terapia. A metadona, o propoxifeno, e a
meperidina não são recomendados para uso nos idosos, por causa da toxicidade dos
seus metabolitos. De todos os efeitos indesejados dos opióides, o mais difícil de lidar é
o da obstipação. Aqui, uma abordagem agressiva usando laxantes estimuladores do
intestino é crítica para prevenir este problema.
6.2 AINES
23
Os AINEs são potencialmente mais perigosos nos idosos, causando irritação da
mucosa gastrointestinal, gastrite e hemorragia digestiva, que às vezes pode ser fatal.
Os AINEs também podem causar outros transtornos como hipercalémia e insuficiência
renal às vezes irreversíveis. Por isso os idosos com enfermidades crónicas como
osteoartrites, por exemplo, devem ser controlados na sua função renal, já que os
AINES tendem a acumular-se e provocar os ditos efeitos. Os agentes AINES como
indometacina, piroxicam, ibuprofeno (mas não o sulindac) diminuem o efeito diurético
da furosemida (diurético de alta eficácia) e antagonizam ou eliminam o efeito
antihipertensivo dos bloqueadores β-adrenérgicos, tiazidas, IECAS e outros fármacos
por inibir as prostaglandinas renais. A elevação da pressão arterial pode ser leve ou
severa em pacientes hipertensos quando se administram os AINES conjuntamente com
estes antihipertensivos.
6.3 ANTICOAGULANTES
Os cumarínicos (como a varfarina) podem ser mais perigosos em idosos do que
em jovens, embora isto seja controverso. Alguns estudos demonstram um efeito maior
da varfarina na sua acção inibidora da síntese da vitamina K e de factores de
coagulação dependentes da vitamina K nos idosos. Por isso é possível haver um maior
aparecimento de hemorragias como complicação nos idosos pelo que ser deve
controlar com grande cuidado o tempo de protrombina.
6.4 FÁRMACOS CARDIOVASCULARES
A incidência da toxicidade da digoxina aumenta com a idade, em grande parte porque
as duas doenças mais comuns que beneficiam com o uso da digoxina – insuficiência
cardíaca congestiva e fibrilhação auricular - são marcadamente mais prevalentes na
terceira idade. Se os idosos são mais sensíveis aos efeitos da digoxina per se é incerto.
Dados recentes apontam que a toxicidade da digoxina entre pacientes jovens e adultos
não difere. Incidências similares de toxicidade cardíaca, toxicidade gastrointestinal e
estado mental alterado são encontrados em ambas as populações de doentes.
24
A administração de digoxina deve ser cuidadosa já que a excreção renal no
idoso pode estar diminuída. O volume de distribuição, que depende da massa magra
diminuída nos idosos, está também reduzido. Por isso, as doses devem ser
controladas, sobretudo as iniciais. Também se verifica nos idosos um aumento de
doenças que provocam comorbilidade, tais como doenças cardiovasculares e DPOC, o
que aumenta a susceptibilidade à toxicidade da digoxina. Além disso, o tratamento
destas doenças com fármacos tais como a quinidina e os bloqueadores dos canais de
cálcio podem aumentar os níveis séricos da digoxina.
Os antiarrítmicos sobretudo a quinidina, a lidocaína, a procainamida, NAPA,
exibem uma semi-vida mais prolongada o que leva a um maior risco de toxicidade. Os
bloqueadores dos canais de cálcio, verapamil e diltiazem, também produzem maiores
efeitos nos idosos.
Os β-bloqueadores foram investigados extensivamente, sendo ainda pouco
usados em doentes idosos com insuficiência cardíaca congestiva. Estudos, porém,
demonstram que os beta bloqueadores são eficazes e bem tolerados em pessoas
idosas com insuficiência cardíaca congestiva. Mas porque os efeitos adversos podem
ser bem mais frequentes e sérios nos idosos, os protocolos de prescrição têm de ser
estritamente aplicados. Os doentes com insuficiência cardíaca congestiva graus II e III
devem iniciar o tratamento com beta bloqueadores pelo menos 1 mês depois de
qualquer descompensação. A dose inicial deve ser a mais baixa possível (1,25mg/dl
para o bisoprolol ou nebivolol). As doses devem ser aumentadas muito
progressivamente e estádios superiores a 15 dias podem ser necessários. O objectivo
será atingir a dose de 10mg/dl para bisoprolol/nebivolol, dada a curva dose-resposta
que existe para os beta-bloqueadores nos idosos com insuficiência cardíaca. Em caso
de baixa pressão arterial, os tratamentos antihipertensivos devem ser reduzidos ou
abandonados (por exemplo, derivados dos nitratos ou bloqueadores dos canais de
cálcio). Uma redução na dosagem de qualquer diurético ou finalmente do beta-
bloqueador pode seguir-se, se necessário. Se ocorrer bradicardia, quaisquer
tratamentos anti-bradicárdicos (como a digoxina ou a amiodarona) têm de ser
reduzidos ou parados antes da redução da dosagem do beta-bloqueador.
6.5 PSICOFÁRMACOS25
Os neurolépticos produzem mais efeitos adversos nos idosos. Embora sejam
úteis em indicações precisas, devem ser estritamente monitorizados. Os efeitos
antimuscarínicos das fenotiazinas podem provocar inconvenientes maiores em idosos
do que em jovens. Da mesma forma, a hipotensão ortostática da clorpromazina e
derivados é também mais evidente nos idosos do que em jovens. Os efeitos sedativos
dos neurolépticos podem ser maiores nos idosos, daí ser recomendado utilizar o
haloperidol por ter pouca acção sedativa. Às vezes os efeitos sedativos podem ser
convenientes, pelo que pode neste caso usar tiotidazida. Os efeitos extrapiramidais
são mais intensos com as butirofenonas, sendo mais evidentes nos idosos. Por isso,
não estão indicados em doentes com Parkinson e às vezes podem desencadear esta
doença com sintomatologia subclínica. Em geral, a semi-vida das fenotiazinas
aumenta. A tioridazina, por exemplo, duplica a sua semi-vida plasmática nos idosos. O
transporte plasmático modifica-se, já que a fracção livre aumenta.
Os antidepressivos tricíclicos produzem maiores efeitos adversos nos idosos. A
amitriptilina e a imipramina, apesar de serem eficazes em idosos deprimidos, não são
aconselhados, devido ao seu potencial para efeitos secundários. A desipramina
apresenta menos efeitos secundários tóxicos, especialmente no que diz respeito aos
seus efeitos anticolinérgicos, mas a sua eficácia não foi ainda bem estudada. Já a
nortriptilina é o tricíclico que foi melhor estudado e é, de acordo com esses estudos, o
fármaco de primeira linha no tratamento da depressão em idosos. É eficaz quer no
tratamento da depressão aguda ou crónica, apresentando actividade colinérgica baixa,
efeitos cardíacos reduzidos, mesmo em doentes com doença cardíaca estabelecida, e
menos hipotensão ortostática comparativamente com outros fármacos da mesma
família. Para além disso, apresenta um intervalo terapêutico definido para o seu nível
plasmático em repouso. O papel do seu metabolito 10-hidroxi precisa de ser mais
explorado, mas quando a sua contribuição para a eficácia e toxicidade for melhor
entendida, poderá ser possível usar de forma mais precisa e segura nos doentes
idosos.
Os inibidores da MAO também potenciam os seus efeitos adversos, não sendo
habitualmente prescritos a pessoas com mais de 60 anos, ou pessoas com doenças
cardiovasculares, uma vez que eles podem aumentar abruptamente a pressão arterial
26
desencadeando uma crise hipertensiva. A doença de Alzheimer tem como suposta
base bioquímica uma diminuição da enzima acetilcolinesterase no SNC e uma
diminuição da Ach nos neurónios. Os neurónios colinérgicos tendem a desaparecer ou
a destruir-se. Também se observam diminuições nas concentrações de noradrenalina,
dopamina, 5-hidroxitriptamina e somatostatina. Estas doenças agravam-se
significativamente com os antimuscarínicos de acção central. Em 1990, a FDA
autorizou o uso limitado de tetrahidroaminocridina (THA), um inibidor de colinesterase
de larga duração, embora os seus resultados sejam pouco animadores. Também o
deprenil (IMAO-B) tém demonstrados certos efeitos úteis. Os chamados
vasodilatadores cerebrais não possuem nenhum efeito directo útil nesta doença.
Os ansiolíticos e hipnóticos são extensamente prescritos a idosos. Com a idade
avançada, há alteração da farmacocinética dos fármacos sedativo-ansiolíticos,
causando concentrações plasmáticas mais elevadas após dose única ou múltiplas
doses, o que pode originar uma resposta clínica alterada, com sinais mais evidentes de
sobredose, confusão mental, amnésia, sedação excessiva e dependência.
A maioria dos dados significativos disponíveis referem-se às benzodiazepinas,
que se tornaram a classe dos fármacos sedativo-ansiolíticos mais amplamente
prescrita. Embora não haja completa consistência dos dados disponíveis, estes indicam
que a terceira idade está associada a uma clearance afectada das benzodiazepinas que
são biotransformadas por oxidação microssomal (como o diazepam,
desmetildiazepam, desaquilflurazepam, bromazepam, alprazolam, triazolam e outros).
Por exemplo, a farmacocinética do bromazepam foi avaliada em 32 sujeitos
voluntários, divididos em jovens (21-29 anos) e idosos (60-81 anos), que receberam
doses orais únicas de 6mg e que depois colheram sangue durante as 48 horas
seguintes. Comparado com sujeitos jovens, os idosos apresentavam maiores
concentrações de pico séricas (132 vs. 82 ng/ml), menor volume de distribuição (0.88
vs. 1.44 L/kg), clearance oral reduzida (0.41 vs. 0.76 ml/min/kg), e fracção sérica livre
aumentada (34,8% vs. 28.8% livre). A coadministração de cimetidina (1.2 mg diários)
reduziu significativamente a clearance do bromazepam (0.41 vs. 0.82 ml/min/kg) e
prolongou a semi-vida de eliminação (29 vs. 23 horas). O propranolol (160 mg diários)
prolongou significativamente a semi-vida do bromazepam (23 horas), mas a redução
da clearance (0.65 vs. 0.82 ml/min/kg) não foi significativo. O bromazepam possui, 27
pois, características farmacocinéticas das benzodiazepinas com valores de semi-vida
entre 20 e 30 horas. Consistente com a sua biotransformação por oxidação
microssomal hepática, a clearance do bromazepam é grandemente afectada em
idosos, com coadministração de cimetidina e possivelmente propanolol.
Para as benzodiazepinas metabolizadas sobretudo por conjugação com
glicuronatos (oxazepam, lorazepam, temazepam) ou por nitroredução (nitrazepam),
poderão existir mínimas diminuições na clearance. Apenas no caso do triazolam, existe
evidência directa ligando a redução da clearance ao aumento dos efeitos clínicos no
idoso. A sugestão de que a biotransformação por conjugação ou nitroredução seja
mais segura para idoso do que a biotransformação por oxidação não foi ainda
directamente validada. Existem evidências epidemiológicas que relacionam o uso de
benzodiazepinas de semi-vida longa (versus curta) com a incidência aumentada de
reacções adversas como confusão, quedas e fractura da anca em idosos. Contudo, a
clearance diminuída e a acumulação aumentada das benzodiazepinas em questão
ainda não foram validadas como causa do aumento das reacções adversas. A idade
aumentada pode estar também associada com um incremento da sensibilidade
intrínseca das benzodiazepinas, isto é, resposta farmacodinâmica aumentada,
relativamente a indivíduos jovens a uma dada concentração plasmática ou do órgão-
alvo. Esta mudança na sensibilidade pode coexistir, ou ser independente, das
alterações da farmacocinéticas.
7 . C O N C L U S Ã O
A Farmacocinética e a Farmacodinâmica são muito afectadas nos idosos, podendo
afectar em grande escala a forma como este grupo etário responde aos medicamentos.
Não só estão afectados os mecanismos relativos ao processamento do
medicamento logo após a sua ingestão e todos os outros até que haja uma concentração
suficiente do fármaco no seu local de acção, como também o número de receptores e a
forma como estes funcionam pode estar afectada, o que dificulta muitas vezes a análise
laboratorial dos estudos realizados, tornando difícil a diferenciação entre, dentro das
alterações, o que é verdadeiramente farmacocinético e farmacodinâmico.
28
A existência de doenças de base no idoso, muitas vezes mais do que uma, pode
levar a alterações fisiológicas do organismo, influenciando também a resposta aos
fármacos, específicos para cada alteração.
As interacções medicamentosas podem surgir, de igual modo, de efeitos
farmacocinéticos, influenciando a quantidade de fármaco no local dos receptores, ou de
alterações na cascata de reacções dos receptores, o que pode ocorrer em todos os grupos
etários. A frequência com que ocorrem estas interacções, no entanto, é muito maior nos
idosos uma vez que está directamente relacionada com o número de medicamentos
prescritos. Esta é a razão pela qual a poli prescrição é tão perigosa nos idosos, podendo
mesmo levar a admissões no hospital e até à morte.
8 . B I B L I O G R A F I A
Hammerlein, A., et al. “Pharmacokinetic and Pharmacodynamic Cahanges in the Elderly” in 1998 Clin Pharmacokinet
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