8/3/2019 ARTIGOS remunerao
1/36
ARTIGOS REMUNERAO E COMPETNCIAS: RETRICA OU
REALIDADE?
REMUNERAO E COMPETNCIAS: RETRICA OU REALIDADE?
RESUMO
Este artigo objetiva refletirsobre a articulao entre prticas de remunerao e
a noo de competncias mediante a anlise de um modelo organizacional. A
crescente utilizao da noo de competncias como referncia para a gestode pessoas desperta o interesse na forma como se aplica ao processo de
remunerao em face das limitaes do sistema tradicional de remunerao
num contexto de constantes mudanas. Por meio de pesquisa qualitativo-
descritiva, tendo como principal instrumento para a coleta de dados a entrevista
semi-estruturada, verificou-se que a vinculao entre remunerao e
competncias ocorre por meio processo de avaliao de desempenho, e que
se fazem presentes vrias contradies entre a concepo do modelo e sua
aplicao, instigando uma discusso sobre a retrica e a realidade desse tipo
de prtica. Alm disso, percebe-se a complexidade e a diversidade de variveis
envolvidas na arquitetura de um modelo de remunerao e sua
operacionalizao.
Jnia Maral Rodrigues
UFMG
ABSTRACT This study is a reflection on compensation and competences
articulation analyzing an organizational model. The increased use of
competencies notion as reference for human resources management raises
the interest in how it is applied to compensation processes considering the
limitations of the traditional model of remuneration in a context of constant
changes. A qualitative-descriptive research was carried on based upon semi-
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
2/36
structured interviews as the basic method for data collection. The results
indicate that compensation and competencies articulation occurs through
performance evaluation and there are many contradictions between the
conception of the model and its application paving the way for a discussion
about the rhetoric and the reality of this practice. It also indicates the complexity
and diversity of the variables involved in building a compensation model and its
management. PALAVRAS-CHAVE Remunerao, competncias, desempenho,
gesto de pessoas, organizaes. KEYWORDS Compensation, competences,
performance, people management, organizations.
EDIO ESPECIAL 2006 RAE 23
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
3/36
ARTIGOS REMUNERAO E COMPETNCIAS: RETRICA OU
REALIDADE?
INTRODUO
Entre as razes que so apresentadas pelos estudiosos do sistema de
remunerao baseado em competncias para que as empresas que buscam a
vantagem competitiva adotem essa forma de compensao, destacam-se
principalmente a inovao tecnolgica e o aumento da competio global.
Embora esteja crescendo o apelo utilizao de competncias vinculadas s
estruturas de remunerao, ainda no se estabeleceu solidamente a maneiracomo isso deve acontecer. A literatura sobre o tema no apresenta um
consenso quanto ao tipo de remunerao ao qual o conceito de competncias
deveria estar vinculado, se remunerao fixa ou remunerao varivel
(Hiplito, 2000; Lawler III, 1986; Ribeiro, Guimares e Souza, 2001; Wood Jr.,
1997). E em relao realidade brasileira, em resultados de pesquisa, verifica-
se que entre as empresas que possuem modelo de gesto baseado em
competncias so poucas as que articulam o conceito de competncias
remunerao (Barbosa, 2001). O estudo especfico da articulao entre
remunerao e competncias demanda a compreenso de diferentes
elementos da dinmica organizacional que se influenciam mutuamente
viabilizando a recompensa da contribuio das pessoas em funo de suas
competncias. Para tanto, deve-se considerar a perspectiva estratgica da
organizao e suas competncias, que so desdobradas em competncias
individuais necessrias ao alcance dos resultados esperados. A gesto de
pessoas assume papel preponderante nesse processo, pois viabiliza a gesto
de competncias desde sua identificao, desenvolvimento, avaliao e
posterior recompensa. Portanto, refletir sobre a retrica e a realidade da
remunerao baseada em competncias consiste em conhecer em
profundidade a dinmica de tal modelo por meio de uma anlise pormenorizada
com base em mltiplos olhares. Para o alcance desse objetivo, a pesquisa foi
realizada com um estudo de caso por meio de entrevistas semi-estruturadas,
anlise de documentos e observao. Os dados obtidos foram analisados de
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
4/36
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
5/36
relao com as pessoas que se encaixa bem num sistema de gesto
burocrtico, fortemente hierarquizado e voltado para o controle rgido. Vale
ressaltar a forte correlao, estabelecida pela administrao cientfica, entre a
forma de se organizar o trabalho e as polticas de remunerao, quando Taylor
estabelece o valor dos salrios com base na acentuada diviso de tarefas
(Brisolla, 1994). A lgica para a definio do valor do salrio nesse modelo
tradicional se baseia na mensurao do valor relativo do cargo e do valor
pago pelo mercado. Para isso realizada uma sobreposio entre a estrutura
de cargos e os valores dos salrios. A estrutura de cargos elaborada com
base nas descries de cargo (documento que registra objetivos, tarefas,
responsabilidades e requisitos de um cargo), que so avaliadas visando a
definir uma hierarquia entre eles. A estrutura de salrios definida com base
em
24
RAE
VOL. 46 EDIO ESPECIAL MINAS GERAIS
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
6/36
JNIA MARAL RODRIGUES
pesquisas de mercado, quando se conhece a freqncia e amplitude dos
salrios pagos aos cargos em anlise. No entanto, o formato e o contedo dos
cargos se alteraram significativamente em funo das transformaes
estruturais, tecnolgicas, de processo, de mercado e de clientes que atingiram
as organizaes nas ltimas dcadas. Abandonou-se o registro de tarefas
altamente padronizadas e previsveis, passando-se a contemplar
genericamente uma ampla possibilidade de responsabilidades com diferentes
nveis de complexidade. Portanto, h que se considerar cada vez mais uma
significativa distncia entre o contedo das descries de cargos, o que as
pessoas realmente realizam no trabalho, e os critrios considerados pelos
gestores para remunerar e/ou promover seus empregados. Alm disso, Hiplito
(1997, 2000) destaca que as atividades que constam nas descries de cargos
so, na maioria das vezes, registradas de forma bastante inadequada,
deixando de dar resposta demanda da eqidade interna. Nesse mesmo
sentido, Albuquerque e Oliveira (2002, p. 02) ressaltam que nos sistemas
tradicionais, o tempo reconhecido, e no a contribuio dos empregados.Assim, o sistema no encoraja o desenvolvimento de habilidades e
competncias. Ainda nessa linha de argumentao, o fato de dar aumento
salarial simplesmente porque a pessoa assumiu uma nova responsabilidade
como acontece no sistema tradicional de remunerao no coerente com a
prtica de recompensar pelo desempenho proposta pelos sistemas de
remunerao estratgica (Lawler III, 1986; Hiplito e Silva, 2000). Barret (1991)
destaca que a principal diferena entre as abordagens tradicional e estratgicade remunerao est no fato de que a primeira abordagem remunera a
habilidade requerida e prevista na descrio de cargo, enquanto na
remunerao estratgica a compensao est voltada para o nvel de
habilidade da pessoa que desempenha o trabalho. A abordagem estratgica da
remunerao est voltada para o alinhamento da remunerao estratgia da
empresa, constituindo-se numa fonte de vantagem competitiva de forma que
proporcione certo nvel de flexibilidade para acompanhar as constantesmudanas, mas que deve tambm reforar os objetivos da organizao, a
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
7/36
longo prazo, pela promoo de uma fora de trabalho produtiva e melhor
qualificada (Martocchio, 1998; Wood Jr., 1996). Portanto, pensar a
remunerao de forma estratgica significa que a organizao considere o total
da remunerao a ser paga, uma vez que a combinao de diferentes
alternativas passa a compor o que realmente recebido pelo empregado, de
um lado, e os custos envolvidos
para a empresa, de outro. O grande desafio desenvolver programas de
remunerao que suportem e reforcem os objetivos de negcio da
organizao, o tipo de cultura, clima e comportamentos necessrios para a
organizao ser efetiva (Lawler III, 1990). Entre as diferentes alternativas para
o alinhamento estratgico da remunerao, a vinculao ao desempenho, via
remunerao varivel, tem sido amplamente considerada na literatura sobre o
tema como uma das principais formas para assegurar a alavancagem de
resultados organizacionais e a conseqente recompensa para as pessoas
(Heery, 1996; Wood Jr., 1997). Segundo Wood Jr. (1997), nota-se uma
tendncia ao aumento da parte varivel da remunerao de acordo com o
desempenho apurado com base em metas e indicadores previamenteestabelecidos. Essa uma caracterstica da abordagem estratgica da
remunerao, que, em certa medida, transfere uma parte do risco da
remunerao para o prprio empregado.
Competncias: contextualizando sua interface com a gesto de pessoas
A crescente utilizao do termo competncias e a busca da aplicao dessa
noo administrao de Recursos Humanos fazem emergir a necessidade de
compreenso das diferentes dimenses que essa lgica abrange. Do ponto de
vista terico, tem-se discutido se a utilizao da expresso competncias
retrata ou no um conceito ou se caracteriza uma noo que vem crescendo
em aplicabilidade, mas ainda carente de melhor articulao e clareza de
modo a unificar os diferentes discursos que dela tratam. A grande repercusso
na atualidade do conceito de competncias se deve, em parte, ao rpido
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
8/36
desenvolvimento tecnolgico pelo qual passa a sociedade e s mudanas
estruturais nas economias ocidentais em direo ao setor de servios e
indstrias baseadas no conhecimento. Esses fatores acarretam s
organizaes uma maior dependncia da competncia humana para garantir
seu sucesso competitivo (Sandberg, 1993). Assim, as alteraes provocadas
pelas novas tecnologias no processo de trabalho tm criado novas exigncias
para que os trabalhadores respondam de forma adequada a tal realidade.
Pode-se reconhecer uma tendncia a considerar as competncias humanas
como um dos principais fatores que, no passveis de imitao, asseguram a
vantagem competitiva das organizaes. De acordo com Brando e Guimares
(1999, p. 6), as competncias das pessoas que compem a empresa, aliadas
a outros recursos, do origem e sustentao competncia organizacional.
Em relao s competncias individuais, Dutra,
EDIO ESPECIAL 2006 RAE 25
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
9/36
ARTIGOS REMUNERAO E COMPETNCIAS: RETRICA OU
REALIDADE?
Hiplito e Silva (1998) identificam duas principais correntes, a americana e a
europia, que possuem abordagens diferentes para a noo de competncias.
No pensamento europeu pode-se destacar ainda a diferena entre o
pensamento britnico e a abordagem francesa. Entre os tericos do
pensamento americano sobre competncias, tem destaque o trabalho de
Boyatzis (1982), que, influenciado pela viso de McClelland sobre o
comportamento como uma funo da interao entre a pessoa e o ambiente,
define a competncia como a capacidade que a pessoa traz para a situao de
trabalho. Enfatiza que a competncia individual necessria mas no
suficiente para o desempenho efetivo no trabalho. O foco dessa abordagem
est voltado para a identificao de caractersticas pessoais que assegurem
um desempenho superior na situao de trabalho e com maior nfase para o
nvel gerencial (Spencer e Spencer, 1993). De acordo com Steffen (1999), a
viso britnica sobre a noo de competncias privilegia a identificao de
perfis que so a base para programas de formao e certificao de
competncias. Para Bitencourt e Barbosa (2004), a nfase est direcionada s
tarefas relativas aos cargos, sendo a definio de competncias relacionada
aos resultados esperados, traduzidos por indicadores de desempenho exigidos
pela estrutura produtiva. Para alm dos atributos pessoais to destacados no
pensamento americano e dos indicadores de desempenho enfatizados pela
abordagem britnica, os autores franceses trazem uma contribuio
significativa quando resgatam outras dimenses que compem a competncia.Reconhecem que o fato de a pessoa possuir os atributos necessrios funo,
como tambm a definio de resultados esperados, no assegura que a
competncia venha a ser mobilizada de maneira adequada. Zarifian (2001) e
Le Boterf (2003) so convergentes em relao a esse ponto, e destacam a
mobilizao da competncia como fator determinante dessa nova lgica,
reconhecendo a plasticidade que caracteriza tal dinmica. Os pensamentos de
Le Boterf (2003) e Zarifian (2001) apresentam os seguintes pontos em comum:a interao entre as pessoas como fator integrante da competncia; o processo
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
10/36
de comunicao como determinante para a construo e o desenvolvimento da
competncia; a capacidade diante do imprevisto, vista como parte do processo
combinatrio do esquema cognitivo que permite aes adequadas diante de
situaes inesperadas; e um lado impondervel da competncia que est
relacionado engenhosidade das pessoas. Os autores nacionais que tm se
dedicado compreenso da noo de competncias demonstram claramente
que no h uma unicidade sobre o termo, o que interfere diretamente na sua
aplicao s prticas de gesto (Albuquerque e Oliveira, 2002; Barbosa, 2003;
Bitencourt, 2001; Bitencourt e Barbosa, 2004; Dutra, Hiplito e Silva, 1998;
Fleury e Fleury, 2001; Ruas, 2003). Pode-se identificar um ponto em comum
entre os diferentes discursos a respeito das competncias. Esse ponto comum
diz respeito s transformaes nos processos de trabalho, principalmente em
funo das inovaes tecnolgicas de produo e da informao, e os fatores
de competitividade que demandam novas configuraes para as relaes que
se estabelecem entre as pessoas e seu trabalho. A aplicao da noo de
competncias demanda em primeiro lugar que a organizao denomine o que
competncia e qual o alcance de sua aplicabilidade ao modelo de gesto. Apartir da, parte-se para a identificao das competncias, que pode ser
alcanada por diferentes caminhos, dependendo da abordagem metodolgica
utilizada. A princpio, no h a indicao de uma forma de identificao de
competncias mais adequada a ser utilizada pelas organizaes, sabendo-se
que essa deciso deve ser coerente com o contexto da empresa e com a forma
como interagem empresa, empregados e sindicatos (Jenkins e Klarsfeld, 2002).
Rodrigues (2004) analisa diferentes enfoques metodolgicos para aidentificao de competncias e ressalta que h um ponto de convergncia
referente nfase no desempenho em situaes concretas como referncia
para a descrio de competncias. Porm, h uma dificuldade intrnseca no
processo de descrio das competncias relativa ao fator implcito
(representao interna) que de fato integra os diferentes saberes e as atitudes
necessrias (Levy-Leboyer, 1997). Ou seja, independentemente da
metodologia utilizada, haver sempre um componente invisvel dacompetncia que diz respeito aos recursos internos mobilizados em uma dada
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
11/36
situao que refletem a combinao de diferentes saberes, experincias,
traos, caractersticas e motivaes. Portanto, tal combinao no
apreensvel (Le Boterf, 2003; Zarifian, 2001). J em relao recompensa das
competncias, deve-se considerar a deciso do fator a ser recompensado e a
forma de traduzir tal recompensa em prticas de remunerao. Nesse contexto,
no sistema de pagamento busca-se reconhecer a contribuio das pessoas
para o resultado organizacional tendo como princpio a articulao entre as
estratgias organizacionais e as prticas de remunerao como forma de
sustentar ou promover vantagens competitivas.
26
RAE
VOL. 46 EDIO ESPECIAL MINAS GERAIS
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
12/36
JNIA MARAL RODRIGUES
Articular remunerao e competncias
Remunerar as pessoas por suas habilidades e conhecimentos no algo
recente. Conforme destaca Lawler III (1991), empresas de pesquisa e
desenvolvimento ou mesmo outras tm recompensado grupos de pessoas
por suas habilidades e conhecimentos h dcadas. Lawler III (1986, 1990), por
meio de um breve histrico sobre essa forma de remunerao skill-based pay
, demonstra que nos Estados Unidos ela foi tipicamente desenvolvida em
empresas de manufatura e que sua popularidade tem aumentadosignificativamente, embora sua aplicao no nvel gerencial e de estafe no
fosse to freqente naquela poca. Outra forma de remunerao tambm
mencionada na literatura sobre o tema denominada pay-for-knowledge, e, de
acordo com Martocchio (1998), considerada pelos profissionais de
remunerao como sinnima de remunerao baseada em competncia.
Embora existam diferenas entre skill-based pay e pay-for-knowledge, os
princpios que direcionam essas formas de remunerao so os mesmos:
recompensar as pessoas em funo de habilidades e competncias. Com base
nessa lgica, torna-se fundamental traduzir a definio de competncias em
atributos que possam ser mensurados para a verificao do alcance de
resultados individuais e, conseqentemente, organizacionais. Ento, a
arquitetura do modelo de remunerao depender tanto do conceito de
competncia adotado pela organizao como da abordagem metodolgica
utilizada para sua identificao, considerando a influncia mtua desses dois
aspectos. Embora a lgica da competncia tenha como foco principal a
contribuio das pessoas, e tambm dos grupos, na prtica ela ainda se revela
vinculada estrutura de cargos como ponto de partida para sua identificao e
posterior desdobramento. O fator a ser recompensado, de acordo com a lgica
da competncia aplicada s prticas de remunerao, tem como inferncia que
a competncia independentemente de sua definio conceitual permite o
alcance dos resultados esperados, sendo a avaliao do desempenho a
ferramenta disponvel para a verificao de tais resultados. Dessa forma,
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
13/36
busca-se, por meio de indicadores, a mensurao dos resultados individuais,
entendidos, na lgica da competncia, como a conseqncia da sua
mobilizao ou como as caractersticas que diferenciam uma performance
superior das demais. Portanto, esse um desafio que se apresenta s
organizaes que pretendem implementar um sistema de remunerao por
competncias, pois, conforme destaca Fischer A. (1998, p. 160), a
flexibilizao da remune-
rao somente pode ser implementada em organizaes que contarem com
processos de avaliao de desempenho estruturados e legitimamente
reconhecidos. Resultados de pesquisas demonstram que, em ltima instncia,
o que as empresas tm realmente recompensado o resultado apresentado e
no as competncias. E tambm ressaltam a dificuldade da mensurao dos
aspectos intangveis relacionados s competncias. Adicionalmente, parece
no haver uma substituio do modelo tradicional pela remunerao baseada
em competncias que traga uma nova conotao referente maior insero
estratgica nas organizaes das prticas de remunerao e/ou da gesto de
pessoas. Nesse sentido, a reflexo sobre a remunerao baseada em
competncias retoma o papel que a administrao de Recursos Humanos tem
ocupado nas organizaes, uma vez que faz relembrar elementos essenciais
da gesto de pessoas e sua vinculao com os resultados organizacionais,
funo de carter fundamental para que seus processos agreguem valor aos
negcios. Porm, o entendimento da operacionalizao da gesto de pessoas
depende, em grande parte, de variveis organizacionais e do modelo de
gesto, que influenciam e direcionam as polticas da rea de RecursosHumanos. Por isso, a viso de diferentes pessoas envolvidas tanto na
concepo quanto operacionalizao do modelo de remunerao vinculado s
competncias fator decisivo para que o pesquisador possa confrontar
diferentes opinies e, assim, analisar os aspectos complementares e
contraditrios da aplicao dessa prtica de recompensa.
PROCEDIMENTOS METODOLGICOS
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
14/36
O problema central desta pesquisa diz respeito articulao entre as prticas
de remunerao e a noo de competncias, tendo como objetivo analisar
como essa vinculao tem se traduzido na realidade organizacional, com base
nas prticas de remunerao e da interface estabelecida com modelos de
gesto de competncias. Para isso, foi necessrio conhecer a estrutura de
remunerao, o modelo de competncias e os mecanismos estabelecidos para
viabilizar a remunerao das competncias. Considerando a natureza do
problema da pesquisa e de seus objetivos, optou-se pela pesquisa do tipo
qualitativo-descritiva como forma de investigao que se prope abordar um
fenmeno ou situao mediante um estudo realizado em determinado espao-
tempo (Lakatos, 1999, p. 22). De acordo com Roesch (1999), a pesquisa
qualitativa pode ser considerada uma alternativa metodolgica de
EDIO ESPECIAL 2006 RAE 27
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
15/36
ARTIGOS REMUNERAO E COMPETNCIAS: RETRICA OU
REALIDADE?
pesquisa em face do predomnio do paradigma positivista, caracterizando-se
pela nfase nos aspectos subjetivos que permeiam as investigaes no campo
das cincias sociais. O que torna essa forma de pesquisa bastante pertinente
em estudos na rea de Administrao, que notadamente privilegiam a anlise
de realidades organizacionais como forma de construir e reconstruir um
conhecimento de natureza aplicada. Pelo aspecto da viabilidade da pesquisa,
optou-se pelo estudo de um caso visando conhecer em profundidade a
dinmica do modelo de remunerao baseado em competncias. Em relao
estratgia do estudo de caso, Laville e Dionne (1999, p. 156) consideram que
se um pesquisador se dedica a um dado caso, muitas vezes porque ele tem
razes para consider-lo como tpico de um conjunto mais amplo do qual se
torna o representante. A escolha do caso para anlise teve como base um
estudo elaborado por Barbosa (2003) no qual esse autor esquadrinhou as
empresas que adotam modelo de competncias em Minas Gerais. Do universo
de 18 empresas, constatou-se que apenas cinco vinculavam o sistema deremunerao s competncias, dentre as quais, trs fazem parte de um
mesmo grupo. A unidade de anlise escolhida para este estudo representa a
principal empresa desse grupo. Por uma questo de sigilo, a organizao ser
denominada neste estudo empresa Beta. A Beta faz parte de um conglomerado
de empresas de siderurgia do setor privado, num total de 7 mil funcionrios
distribudos entre 12 empresas, instituies e fundaes vinculadas ao grupo.
Sua composio contempla duas unidades industriais prprias, em duascidades de Minas Gerais, alm de ela ter participao no controle de outras
quatro unidades, em funo de um processo de reestruturao organizacional
e societria, sendo duas no estado
de Minas Gerais, uma no interior de So Paulo e outra no estado do Esprito
Santo. Em relao coleta de dados, optou-se pela entrevista semi-estruturadacomo principal meio de levantamento das informaes. Tambm foram
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
16/36
considerados os documentos fornecidos pela organizao com dados
relevantes compreenso do modelo de remunerao e competncias. E
como forma complementar foi utilizado o recurso de dirio de campo durante a
realizao das entrevistas e nas diferentes formas de contato com a
organizao e seus representantes. O dirio de campo um tipo de registro no
qual constam todas as informaes que no sejam registro das entrevistas
formais, ou seja, observaes sobre conversas informais, comportamentos,
cerimnias, festas, instituies, gestos, expresses que digam respeito ao tema
da pesquisa (Minayo, 2000, p. 100). Com base na atribuio das atividades
dos profissionais envolvidos com o modelo de remunerao e competncias, o
grupo de entrevistados totalizou 21 pessoas, entre analistas de recursos
humanos, consultores, gerentes de recursos humanos e gestores. As
entrevistas com esses profissionais ocorreram nas unidades de Belo Horizonte
(A), Joo Monlevade/Minas Gerais (B), Vitria/Esprito Santo (C) e
Piracicaba/So Paulo (D). A Tabela 1 mostra a distribuio dos entrevistados
de acordo com o cargo e o total tanto na organizao quanto nas unidades
pesquisadas. Para tratamento e anlise dos dados, foram identificadas
categorias que direcionam a anlise qualitativa descritiva considerando a
seleo prvia das informaes relevantes compreenso do fenmeno
estudado, a partir de trs grandes eixos de anlise: a composio do sistema
de remunerao, o modelo de competncias e a vinculao entre remunerao
e competncias. Tais categorias, no entanto, compreendem subitens que
renem as informaes
Tabela 1 Grupo de entrevistados CARGO Analistas de RH Consultoraexterna (remunerao) Gerente corporativo rea de RH Gerente unidade
industrial Gerentes de Recursos Humanos das unidades Gestores (unidades)
Total NMERO DE ENTREVISTADOS 10 01 01 01 04 04 21 TOTAL NA
ORGANIZAO 14 01 05 07 04 175 206 TOTAL NAS UNIDADES
PESQUISADAS 14 01 05 04 04 115 143
28
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
17/36
RAE
VOL. 46 EDIO ESPECIAL MINAS GERAIS
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
18/36
JNIA MARAL RODRIGUES
necessrias para compreender como a noo de competncias se insere no
sistema de remunerao, resgatando as razes que levaram adoo desse
modelo, a forma como estruturado e sua operacionalizao.
RESULTADOS
A compreenso da vinculao entre a noo de competncias e a
remunerao passa pelo conhecimento da definio de competncia utilizadapela organizao e pela forma como se relaciona com a estrutura de
remunerao. Para tanto, necessrio descrever a composio do sistema de
remunerao e do sistema de gesto de desempenho, que , no caso
estudado, a ferramenta que engloba o perfil de competncia como um dos
elementos para o clculo do bnus-meta, que o fator varivel da
remunerao vinculado competncia. O principal fator que direciona a poltica
de remunerao da Beta a considerao do valor anual total recebido pelos
empregados como um diferencial em relao ao mercado. A empresa busca,
mediante a combinao de vrias formas de remunerao, manter-se num
nvel que a torne competitiva na atrao e reteno de pessoas no que diz
respeito ao quesito remunerao. Os componentes da remunerao total anual
so: salrio-base, benefcios, remunerao varivel, 13 e 14 salrios. A
poltica de remunerao definida pela organizao para todos os grupos
ocupacionais de que a posio do salrio-base corresponda mediana de
mercado. A diferenciao da empresa em relao ao mercado est direcionada
para o valor total de remunerao anual, tendo como alvo um posicionamento
prximo ao 3 quartil, de acordo com as pesquisas salariais. Outro aspecto da
poltica de remunerao que merece destaque o posicionamento da empresa
desfavorvel concesso de aumento real para o salrio-base, privilegiando a
prtica da remunerao varivel como forma de equilibrar o ganho total anual
recebido por cada empregado. O fator varivel da remunerao tambm
diferenciado entre os grupos ocupacionais, da seguinte maneira: (1)
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
19/36
participao nos lucros e resultados (PLR), conforme negociaes sindicais
para o nvel operacional e, ainda, grande parte do quadro tcnico; e (2)
programa de bnus-meta, no qual so elegveis executivos (inclusive da rea
comercial), supervisores, profissionais de nvel superior, o que inclui
administrao, operao industrial, vendedores, secretrias e profissionais de
nvel mdio. A remunerao da competncia est relacionada a essa segunda
alternativa de remunerao varivel, atingindo
cerca de mil empregados na organizao, num total de 3.961, considerando as
unidades A, B, C, D e escritrios em Belo Horizonte. J na sua origem, o perfil
de competncias esteve vinculado ao pagamento de uma parcela varivel da
remunerao. O perodo entre os anos de 1996 e 2000 corresponde fase de
construo do modelo de competncias vinculado remunerao, e
compreende tanto a definio do perfil de competncias para os diferentes
grupos ocupacionais como tambm a elaborao das regras do clculo
utilizado para subsidiar o pagamento da remunerao varivel. A partir do ano
de 2000, em funo dos resultados obtidos pela avaliao de desempenho e
do feedback tanto de avaliadores como de avaliados, foram feitos ajustes nomodelo no que diz respeito principalmente ao perfil de competncias. Essas
alteraes decorreram da necessidade de uma atualizao constante das
competncias que realmente contribuam para os resultados organizacionais e
que sejam, portanto, especficas do negcio da organizao. A competncia
definida pela organizao como o conjunto de comportamentos que levam as
pessoas a obterem o resultado esperado da sua performance. Porque o
conjunto de comportamento que determina qual o processo que as pessoasusam para atingir resultados (gerente corporativo). A definio das
competncias foi inicialmente concebida para dois grupos ocupacionais, a
saber: em 1996, para o grupo de executivos; e aps um ano, para os
profissionais de nvel superior. Esse primeiro perfil de competncias foi
construdo pela mesma consultoria que elaborou o plano de cargos e salrios,
utilizando sua metodologia de entrevistas de evento comportamental, que tem
o objetivo de identificar comportamentos tpicos de grupos de profissionaisconsiderados de sucesso, ou com resultados acima do esperado, e tambm de
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
20/36
grupos de profissionais com desempenho dentro do esperado. Assim, foi
definido um total de 17 competncias, distribudas em funo da natureza das
atividades de cada grupo ocupacional. O desenvolvimento de competncias
tem como base principal as aes que so acordadas entre o avaliado e seu
gestor ao final do processo de avaliao, quando estabelecem o plano de
desenvolvimento individual (PDI), que um plano de ao que indica o que,
como e quando fazer, e qual o indicador de mensurao para o que ser
realizado. Entretanto, no h nesse instrumento uma uniformidade a respeito
do que se espera e da maneira como deve ser conduzido esse processo de
desenvolvimento, no que diz respeito natureza das aes que indicam o
desenvolvimento das competncias, bem como
EDIO ESPECIAL 2006 RAE 29
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
21/36
ARTIGOS REMUNERAO E COMPETNCIAS: RETRICA OU
REALIDADE?
ao acompanhamento desse plano no intervalo entre uma avaliao e outra. O
posicionamento das pessoas do nvel corporativo (gerente e consultora) de
que o PDI de responsabilidade de cada funcionrio, no havendo
formalmente a orientao de uma sistemtica de acompanhamento por parte
dos gestores. Sendo assim, a definio das aes de desenvolvimento
individual se faz em funo das competncias com pior avaliao, excluindo
qualquer tipo de atividade que caracterize treinamento, como, por exemplo,
cursos de ingls, MBA e de conhecimento tcnico sobre processo produtivo.
No entanto, a ao dos gestores demonstra uma diferenciao da postura de
acompanhamento dos planos de desenvolvimento individual de seus
subordinados, ou at mesmo sobre a concretizao de seu prprio PDI. A
remunerao da competncia na organizao para os cargos de carreira
gerencial e carreira tcnica ocorre pela remunerao varivel mediante
pagamento de um bnus anual previamente estipulado, que, poca da coleta
de dados, era calculado em funo de dois fatores: o desempenho da empresa(DE), e o desempenho individual (DI), composto por quatro diferentes
dimenses, como ser mostrado a seguir. O resultado DE tambm fator
moderador para o clculo do percentual de bnus-meta a ser pago, sendo o
clculo feito pela seguinte frmula:
perodo de 2004. Tal incluso foi feita visando minimizar a negligncia tanto nocumprimento das metas de desenvolvimento individual quanto em relao
preveno da sade, principalmente a realizao dos exames peridicos de
sade. O perfil de competncias avaliado por meio do sistema de gesto de
desempenho, que gera um valor final para o DI, considerando tambm o
resultado do cumprimento das metas mediante a responsabilidade por
resultados. A Figura 1 ilustra o processo para a avaliao do perfil de
competncias. A escala de avaliao varia de 0 a 100%, sendo considerada aseguinte classificao: 0 ausente; 25% percebida no nvel inicial; 50%
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
22/36
percebida no nvel mediano; 75% percebida no nvel alto; 100% percebida
no nvel pleno. A rea corporativa sinaliza uma ampla facilidade para a
operacionalizao do processo de avaliao, em funo de sua informatizao,
justificando inclusive a pouca quantidade de pessoas alocadas para esse
processo. Todavia, os relatos de gerentes de Recursos Humanos, analistas e
gestores usurios do modelo nas diferentes unidades demonstram a
necessidade de envolvimento da rea de RH nesse processo. Em relao s
principais facilidades do processo de avaliao das competncias, a
informatizao do sistema o principal aspecto ressaltado pela maioria dos
entrevistados, que ressaltam o fato de o software ser bastante amigvel, auto-
explicativo e, portanto, de fcil utilizao. As dificuldades identificadas no
proValor-bnus = bnus-meta x (0,5 DE + 0,5 DI) x salrio-base cesso de
vinculao da remunerao noo de 100 competncias dizem respeito
principalmente disponibilidade de tempo para fazer a avaliao e, at mesmo,
preparao do gestor para exercer seu O bnus-meta um valor-alvo
mltiplo de salrios estipulado para cada grade salarial, que contempla at trs
papel de avaliador. valores diferentes de salrios, de acordo com a estrutura A
reunio de feedback o ponto mais citado pelos ende cargos e salrios
definida pela metodologia de pontos. trevistados de forma ambgua: ao mesmo
tempo em que O desempenho da empresa medido por resultados, sendo
consideram o momento mais importante de todo o proresponsveis o
presidente e a diretoria. Aqui se utilizam incesso, tambm onde se detectam
as maiores falhas na dicadores financeiros, como market share, ebtida e
outros. operacionalizao. Alguns fatores apontados por dificulO resultado do
cumprimento dessas metas traduzido num tarem a prtica do feedback so a
periodicidade da avaliapercentual denominado DE. A empresa tem alcanado,em o, a subjetividade, e a distncia do gestor em relao ao anos
consecutivos, um desempenho superior a 100%. subordinado no desempenho
das atividades. O percentual de DI a combinao de quatro fatores Grande
parte dos entrevistados tambm relata as mudiferenciados por peso, tendo a
seguinte configurao danas que ocorreram em funo da vinculao de
uma poca da coleta de dados: 75% para a responsabilidade parcela varivel
da remunerao ao perfil de competncias. por resultados; 15% para avaliaodo perfil de compeOs principais aspectos percebidos dizem respeito a um
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
23/36
tncias; 5% para a realizao do PDI; 5% para a qualidamaior
comprometimento das pessoas pelo conhecimento do que a organizao
espera de cada empregado e ao de da sade. direcionamento das aes de
treinamento para o alcance Os fatores relativos realizao do PDI e s aes
da do perfil de competncias. qualidade da sade na avaliao de 2005
referem-se ao
30
RAE
VOL. 46 EDIO ESPECIAL MINAS GERAIS
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
24/36
JNIA MARAL RODRIGUES
Em relao a possveis modificaes no sistema de remunerao e
competncias, as sugestes concentram-se na preocupao com a atualizao
das competncias e na necessidade de reduzir o intervalo entre as avaliaes,
como tambm na incluso de outros avaliadores, como caracterstico da
avaliao 360.
CONSIDERAES FINAIS
Uma breve anlise do caso estudado busca confrontar os aspectos tericos
descritos anteriormente com a prtica desenvolvida pela organizao. Para
isso, abordou-se inicialmente o modelo de competncias e na seqncia a
articulao entre o perfil de competncias e o sistema de remunerao,
buscando sinalizar as principais dificul-
dades da aplicao do conceito de competncias, assim como os pontos
positivos e reflexes sobre esse tipo de prtica, visando seu aperfeioamento.
Sobre a definio das competncias, deve-se destacar que a metodologia
adotada pela empresa utiliza o relato das pessoas como nico meio de obter
informaes. Essa tcnica pode deixar lacunas na medida em que o
entrevistado pode no se lembrar ou at mesmo no querer falar sobre alguns
aspectos do trabalho (Boyatzis, 1982). Uma metodologia que contemple a
observao ou descrio das atividades concretas do trabalho poderia ampliar
as informaes que levam definio de competncias. Tal forma de
identificao permitiria ainda melhor visualizao de que as diferentes
dimenses das competncias so interdependentes e, por isso, sua
identificao pode ficar limitada quando feita de forma dissociada.
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
25/36
Figura 1 Processo para a realizao da gesto do desempenho Liberao do
Sistema Informatizado de Gesto de Desempenho
Definio dos 3 pares escolhidos como avaliadores do perfil de competncias
Fechamento de responsabilidade por resultado e PDI do ano anterior Abertura
das metas para o prximo ano
Avaliao do chefe imediato
Avaliao dos pares
Auto-avaliao
Devoluo da avaliao pelos pares Discusso com chefe superior
Realizao da reunio de feedback Aprovao das metas para o prximo ano
Definio do Plano de Desenvolvimento Individual
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
26/36
Anotao do PDI no Sistema
Encerramento para prazo de avaliao do ano anterior e registro das metas
para o prximo ano
Fonte: Adaptado pela autora a partir de documentos fornecidos pela empresa.
EDIO ESPECIAL 2006 RAE 31
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
27/36
ARTIGOS REMUNERAO E COMPETNCIAS: RETRICA OU
REALIDADE?
Alm disso, o caso estudado tambm evidenciou uma lacuna na medida em
que no so definidas competncias organizacionais e pouca ou nenhuma
preocupao com o futuro considerada na definio do perfil de
competncias. Essa lacuna de no identificar competncias organizacionais
para posterior desdobramento em competncias individuais restringe a
perspectiva estratgica do modelo de competncias e sua contribuio para a
competitividade, pois as declaraes organizacionais sobre estratgias e
vantagens competitivas esto relacionadas basicamente natureza do negcio
e aos recursos fsicos para sua consecuo. Ainda se deve registrar que os
diferentes perfis de competncia adotados para os sete grupos ocupacionais
revelam certo grau de homogeneidade, pois tm como evidncias de uma
competncia comportamentos idnticos entre grupos funcionais que realizam
tarefas de natureza diferenciada. Pergunta-se: no teria essa padronizao das
competncias o mesmo carter prescritivo to criticado nas tradicionais
descries de cargo que a lgica de competncias pretende, a princpio,extrapolar? O desenvolvimento das competncias, aspecto preponderante para
sua remunerao, revela uma forte transferncia da responsabilidade pelo
desenvolvimento da competncia para o empregado, desvinculada de uma
sistemtica organizacional para que isso acontea. Dado que a organizao
assume que toda e qualquer atividade de treinamento no pode ser
caracterizada como PDI, sendo o desenvolvimento individual de
responsabilidade do empregado, muito pouco resta a ele fazer nesse sentido.Diferentemente, gera uma expectativa de superao das dificuldades
individuais, qualquer que seja sua natureza, que se mostra presente na
execuo das atividades de trabalho. Mesmo que para isso sejam demandadas
aes que extrapolem, e de muito, o espao organizacional. No caso estudado,
a remunerao da competncia depende da combinao de vrios fatores para
que seja definida, pois a competncia compe o clculo do fator varivel da
remunerao, que fruto tambm do DE, do cumprimento de metas por meioda responsabilidade por resultados, da realizao do plano de desenvolvimento
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
28/36
individual e da qualidade da sade. Prerrogativas que delimitam
conceitualmente um sistema de remunerao e competncias, pela via de
recompensar os resultados individuais que esto relacionados aos
organizacionais, consideram que haja uma combinao de metas e indicadores
em trs nveis: individual, de grupos e organizacionais. Dessa maneira, torna-
se mais eqitativo o esforo para o alcance dos resultados (Barbosa, 2003;
Hiplito, 2000; Lawler III, 1990). O mo-
delo estudado contempla duas dessas dimenses quando considera o
desempenho da empresa e as metas individuais de cada empregado frente s
diretrizes desdobradas desde a presidncia. Alm disso, o peso de 75% para o
fator responsabilidade de resultados demonstra a nfase muito mais nos
resultados pela mensurao quantitativa das metas do que no perfil de
competncias, considerado como requisito para o alcance dos resultados.
Embora se destaque a competncia de trabalho em equipe (considerada em
seis dos sete grupos contemplados pelo modelo), a dinmica do modelo no
contempla a prtica dessa competncia por meio do estabelecimento, por
exemplo, de metas coletivas. Essa situao pode levar a um excesso daindividualizao, dificultando os nveis de cooperao entre as pessoas, fator-
chave para a mobilizao das competncias (Wood Jr., 1997; Zarifian, 2001),
alm do enfraquecimento de eventuais reivindicaes coletivas que possam ter
maior expressividade do que questes tratadas individualmente (Heery, 1996).
H de se considerar tambm o risco de que se fomente uma competio
interna pela busca do resultado individual, mais que dos resultados que
favoream a organizao. Remunerar com base no desempenho, considerandoque o resultado da avaliao de desempenho fruto da competncia em ao,
reduz a competncia a um resultado padronizado que no demonstra
efetivamente sua parcela de contribuio. Nesse sentido, vale retomar a
considerao de Le Boterf (2003) sobre o aspecto impondervel da
competncia, associado peculiaridade de cada ao, que no acontece de
maneira idntica em momentos diferenciados. Essa dimenso no passvel
de apreenso, sendo limitadas as tentativas de traduzi-la em um valor a serpago, como forma de recompensa. Isso porque seu dinamismo e unicidade
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
29/36
denunciam que nenhuma definio ou padronizao prvia de um perfil de
competncias contempla tais aspectos, vitais no processo de mobilizao das
competncias. De maneira geral, o programa de bnus-meta est, em certa
medida, mais atrelado estratgia definida pela organizao, em que o total
pago anualmente aos empregados deve aproximar-se do 3 quartil,
confirmando pesquisas salariais. Portanto, a remunerao da competncia
feita indiretamente, combinando fatores relacionados aos resultados da
empresa e das pessoas. O caso pesquisado sinaliza a oscilao entre a
retrica e a realidade da remunerao baseada em competncias. O modelo
revela que nenhuma abordagem conceitual sobre a noo de competncias ,
isolada ou exclusivamente, suficiente para dar suporte ao desdobramento da
competncia como fator a ser remunerado, uma vez que
32
RAE
VOL. 46 EDIO ESPECIAL MINAS GERAIS
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
30/36
JNIA MARAL RODRIGUES
a multiplicidade conceitual da noo de competncias permite diferentes
leituras da realidade, de acordo com o enfoque considerado. A partir de um
perfil de competncias, independentemente da abordagem metodolgica
utilizada para sua definio, feita uma inferncia mediante a avaliao de
desempenho de que a presena das competncias (ou a competncia em
ao), previamente definidas, conduz ao desempenho, que ento avaliado e,
por conseqncia, remunerado. Deve-se considerar tambm que as
caractersticas do modelo e as diferenas de relatos entre os responsveis pela
sua concepo e aqueles que fazem sua operacionalizao (analistas de
recursos humanos e gestores) reforam a dinmica entre a retrica do modelo
e sua prtica, como, por exemplo: i) transparncia do sistema; ii) falta de
consenso quanto s aes de desenvolvimento das competncias; iii) o peso
relativo das metas para o clculo da remunerao varivel significativamente
superior ao perfil de competncias; iv) o perfil de competncias est vinculado,
principalmente, estrutura tradicional de cargos, sem nenhuma referncia s
competncias organizacionais como direcionadoras das competnciasindividuais; v) a prtica do feedback mostra-se bastante deficiente; vi) o
componente varivel da remunerao acaba sendo um anteparo poltica
tradicional centrada na remunerao fixa; vii) a organizao repassa ao
empregado a responsabilidade do desenvolvimento das competncias
definidas para sua funo; vii) as metas so definidas em carter individual,
embora tenha destaque a competncia de trabalho em equipe. Essa retrica
pode ser minimizada se for levada prtica. Para tanto, necessrio um slidoprocesso de identificao, desenvolvimento e reconhecimento das
competncias individuais, em linha com as competncias organizacionais, o
que no aconteceu no caso estudado. Finalmente se devem preparar gestores
para a efetiva gesto de pessoas baseada em competncias. Esses gestores
devero participar e envolver-se no processo de concepo do modelo atuando
como elos entre as estratgias e demandas organizacionais e a realidade
operacional das diferentes reas/unidades de uma organizao. Dessa forma,articular-se-o melhor os resultados organizacionais e das reas individuais e o
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
31/36
perfil de competncias minimizar a discrepncia do peso relativo atribudo a
cada uma dessas dimenses. Para tanto, a atuao da rea de Recursos
Humanos torna-se preponderante nesse processo de formao de gestores. O
modelo de remunerao estudado neste trabalho impede que se faam
generalizaes, pois se trata da anlise de um caso nico, com todas as suas
particularidades (Yin,
2001). Ao mesmo tempo, importante destacar que uma realidade especfica
permitiu a reflexo sobre aspectos tericos e prticos fundamentais na
discusso que tem sido feita sobre os modelos de remunerao, principalmente
aqueles baseados em competncias.
REFERNCIAS
ALBUQUERQUE, L. G.; OLIVEIRA, P. M. Implementao do modelo de gesto
de pessoas por competncias: o caso da Oxiteno. In: ENCONTRO NACIONAL
DA ASSOCIAO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PSGRADUAO E
PESQUISA EM ADMINISTRAO, 26., 2002, Salvador. Anais. Salvador:
ANPAD, 2002. BARBOSA, A. C. Q. possvel remunerar pelas competncias?
Discurso e prtica frente a frente um estudo em grandes organizaes. In:
ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO NACIONAL DOS PROGRAMAS
DE PSGRADUAO E PESQUISA EM ADMINISTRAO, 27., 2003,
Atibaia. Anais. Atibaia: ANPAD, 2003. BARBOSA, A. C. Q. Gesto de
competncias em organizaes: um mosaico da teoria prtica. In: BARBOSA,
A. C. Q. (Org.). I Workshop gesto de competncias em organizaes. Belo
Horizonte: UFMG/IKS, 2001. BARRET, G. V. Comparison of skill-based pay
with traditional job evaluation techniques. Human Resources Management
Review, v. 1, n. 2, p. 97-105, 1991. BITENCOURT, C.; BARBOSA, A. C. Q. A
gesto de competncias. In: BITENCOURT, C. (Org.). Gesto contempornea
de pessoas: novas prticas, conceitos tradicionais. Porto Alegre: Bookman,
2004. BITTENCOURT, C. C. A gesto de competncias gerenciais: a
contribuio dos princpios da aprendizagem organizacional. Projeto de Tese
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
32/36
PPGA/ UFRGS, Porto Alegre: 2001. BOYATZIS, R. E. The Competent
Manager: A Model for Effective Performance. New York: Willey, 1982.
BRANDO, H. P.; GUIMARES, T. A. Gesto de competncias e gesto de
desempenho: tecnologias distintas ou instrumentos de um mesmo constructo.
In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO NACIONAL DOS
PROGRAMAS DE PS-GRADUAO E PESQUISA EM ADMINISTRAO,
23., 1999, Foz do Iguau. Anais. Foz do Iguau: ANPAD, 1999. BRISOLLA Jr.,
C. B. A remunerao varivel mudando paradigmas na administrao salarial:
um estudo no setor bancrio. Dissertao (Mestrado em Administrao) USP,
So Paulo, 1994. DUTRA, J. S.; HIPLITO, J. A. M.; SILVA, C. M. Gesto por
competncia: o caso de uma empresa do setor de telecomunicaes. In:
ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO NACIONAL DOS PROGRAMAS
DE PSGRADUAO E PESQUISA EM ADMINISTRAO, 22., 1998, Foz do
Iguau. Anais. Foz do Iguau: ANPAD, 1998. FISCHER, A. L. A. Constituio
do Modelo Competitivo de Gesto de Pessoas no Brasil um estudo sobre
empresas consideradas exemplares. Tese (Doutorado em Administrao)
FEA/USP, So Paulo 1998.
EDIO ESPECIAL 2006 RAE 33
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
33/36
ARTIGOS REMUNERAO E COMPETNCIAS: RETRICA OU
REALIDADE?
FLEURY, A.; FLEURY, M. T. L. Estratgias empresariais e formao de
competncias: um quebra cabea caleidoscpio. So Paulo: Atlas, 2001.
HEERY, E. Risk, representation and new pay. University Press: Personel
Review, v. 25, n. 6, p. 54-65, 1996. HIPLITO, J. A. M. Mudando paradigmas
na administrao de salrios. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO
NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PS-GRADUAO E PESQUISA EM
ADMINISTRAO, 21., 1997, Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: ANPAD,
1997. HIPLITO, J. A. M. Competncias e nveis de complexidade do trabalho
como parmetros orientadores de estruturas salariais. In: ENCONTRO
NACIONAL DA ASSOCIAO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PS-
GRADUAO E PESQUISA EM ADMINISTRAO, 24., 2000, Florianpolis.
Anais. Florianpolis: ANPAD, 2000. HIPLITO, J. A. M.; SILVA, C. M.
Metodologia de pesquisa salarial por competncias: aplicao e resultados. In:
ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO NACIONAL DOS PROGRAMAS
DE PS-GRADUAO E PESQUISA EM ADMINISTRAO, 24., 2000,Florianpolis. Anais. Florianpolis: ANPAD, 2000. JENKINS, A.; KLARSFELD,
A. Understanding individualization in human resource management: the case
of skill-based pay in France. International Journal of Human Resource
Management, v. 13, n. 1, p. 198-211, 2002. LAKATOS, E. M. Fundamentos de
metodologia cientfica. So Paulo: Atlas, 1999. LAVILLE, C.; DIONNE, J. A
construo do saber: manual de metodologia da pesquisa em cincias
humanas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. LAWLER III, E. E. What iswrong with point factor job evaluation. Management Review, v. 75, n. 11, p. 44-
49, 1986. LAWLER III, E. E. Strategic Pay: Aligning Organizational Strategies
and Pay Systems. California: Jossey-Bass, Inc., 1990. LAWLER III, E. E.
Paying the person: a better approach to management. Human Resource
Management Review, v. 1, n. 2, p. 145-154, 1991. LE BOTERF G.
Desenvolvendo a competncia dos profissionais. Porto Alegre: , Artmed, 2003.
LEVY-LEBOYER, C. Gestin de las competencias. Barcelona: EdicionesGestin, 1997.
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
34/36
MARTOCCHIO, J. J. Strategic Compensation: A Human Resource
Management Approach. New Jersey: Prentice Hall, 1998. MINAYO, M. C. S. O
desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em sade. So Paulo: Hucitec-Abrasco, 2000. RIBEIRO, L. M. M.; GUIMARES, T. A.; SOUZA, E. C. L.
Remunerao baseada nas competncias: o ponto de vista de gestores de
uma empresa financeira estatal. In: ENCONTRO NACIONAL DA
ASSOCIAO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PS-GRADUAO E
PESQUISA EM ADMINISTRAO, 25., 2001, Campinas. Anais. Campinas:
ANPAD, 2001. RODRIGUES, M. A. Gesto das competncias em
organizaes: diferencial produtivo ou retrica gerencial? Um estudo de casoem empresa de manufatura contratada. Dissertao (Mestrado em Engenharia
da Produo), DEP/UFMG, Belo Horizonte, 2004. ROESCH, S. M. A. Projetos
de estgio e de pesquisa em administrao. So Paulo: Atlas, 1999. RUAS, R.
Gesto por competncias: uma contribuio perspectiva estratgica da
gesto de pessoas. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO NACIONAL
DOS PROGRAMAS DE PS-GRADUAO E PESQUISA EM
ADMINISTRAO, 27., 2003, Atibaia. Anais. Atibaia: ANPAD, 2003.SANDBERG, J. Human competence at work: a managerial problem. In:
SANDBERG, J. Human Competence at Work. Boston: John Wiley, 1993.
SPENCER. L. M.; SPENCER, S. M. Competence at Work: Models for Superior
Performance. England: John Wiley, 1993. STEFFEN, I. Tendncias no mercado
de trabalho e polticas de educao profissional. Turim, OIT, 1999 (traduzido).
WOOD Jr, T. Remunerao estratgica: a nova vantagem competitiva. So
Paulo: Atlas, 1996. WOOD Jr, T. Remunerao por habilidades e
competncias. So Paulo: Atlas, 1997. YIN, R. K. Estudo de caso:
planejamento e mtodos. Porto Alegre: Bookman, 2001. ZARIFIAN, P. Objetivo
competncia: por uma nova lgica. So Paulo: Atlas, 2001.
Artigo recebido em 22.11.2005. Aprovado em 18.07.2006. Jnia Maral
Rodrigues Pesquisadora associada do Ncleo Interdisciplinar sobre Gesto em
Organizaes (No) Empresariais (Nig.one/UFMG) e do Observatrio de
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
35/36
Recursos Humanos em Sade UFMG. Professora substituta da
FACE/UFMG. Professora do Instituto J. Andrade. Mestre em Administrao
pelo Cepead-UFMG. Interesses de pesquisa nas reas de gesto de
competncias, remunerao, administrao de recursos humanos e gesto da
informao. E-mail: [email protected] Endereo: Rua Matip, 262,
apto. 201, Bairro Santo Antnio, Belo Horizonte MG, 30350-210.
34
RAE
VOL. 46 EDIO ESPECIAL MINAS GERAIS
8/3/2019 ARTIGOS remunerao
36/36