8
INTRODUÇÃO
O tema escolhido para o desenvolvimento da monografia foi a Inteligência Emocional
(IE). Para entrar no assunto, discutiram-se primeiramente o conceito de inteligência e a
forma como ele tem sido abordado desde a entrada do século XX até os dias atuais.
Inicialmente debatido apenas por psicólogos da educação e depois por psicólogos de todos
os tipos, as descobertas dos pesquisadores têm interessado tanto a educadores quanto a
empresários e à sociedade de um modo geral.
O problema eleito como pergunta da pesquisa foi: qual a penetração das
descobertas sobre a IE nas escolas e, principalmente, nas práticas de ensino? Tal problema
teve como base metodológica para a busca de respostas a pesquisa bibliográfica, através
da consulta de artigos, livros e outras publicações disponíveis tanto em texto impresso
quanto em texto digital.
O trabalho é justificado na medida em que os conceitos de inteligência e as formas
de lidar com eles acompanham a educação escolar desde sempre. E com relação à
Inteligência Emocional, viu-se que o mundo dos negócios fez dela uma apropriação
imediata, gerando vários desdobramentos e aplicações práticas. O que ainda não ocorreu
nas práticas de ensino, conforme é demonstrado no trabalho.
O objetivo geral foi aprofundar o conhecimento sobre a Inteligência Emocional,
frisando o diferencial desta modalidade de inteligência em relação às outras. Já o objetivo
específico foi tentar apurar de que maneira e em que extensão a IE tem integrado as
práticas de ensino.
No primeiro capítulo, fez-se a revisão conceitual sobre inteligência. No segundo,
abordou-se especificamente a Inteligência Emocional, sua evolução conceitual e histórica.
No terceiro capítulo, compilaram-se os achados mais importantes sobre práticas de ensino
9
referentes à Educação (ou alfabetização) Emocional no Brasil. Por fim, conclui-se que a
penetração teórica foi bem maior que a prática que, por sua vez, aguarda maiores
investimentos, para que sejam implantados e continuados de forma mais sistemática.
10
1 - CONCEITO DE INTELIGÊNCIA
De acordo com o dicionário Michaelis (2009), existem as seguintes definições
para o vocábulo inteligência:
1 Faculdade de entender, pensar, raciocinar e interpretar; entendimento, intelecto. 2 Compreensão, conhecimento profundo. 3 Filos Princípio espiritual abstrato considerado como a fonte de toda a intelectualidade. 4 Psicol. Capacidade de resolver situações novas com rapidez e êxito (medido na execução de tarefas que envolvam apreensão de relações abstratas) e, bem assim, de aprender, para que essas situações possam ser bem resolvidas. 5 Pessoa de grande esfera intelectual.
No dicionário etimológico (2014), há também outra definição: o vocábulo
inteligência é proveniente do latim “intelligentia”, que deriva do verbo “intelligere”,
formado por “inter”, que significa interno, interior, e “legere” que significa ler, captar
ou conectar. Resumindo, inteligência é a capacidade de ler as entrelinhas, interligar
ideias.
Não há contradição entre as definições expostas acima, mas, sim,
complementaridade. Para os propósitos deste TCC, julga-se importante tentar
compreender de que formas o conceito de inteligência tem sido percebido pelos
estudiosos que se empenharam em investigá-lo.
1.1. A visão dos pesquisadores
Seguindo a exposição de Afonso (2007), um grande debate sobre a questão
da inteligência humana surge na virada do século XIX para o século XX, a partir da
11
repercussão da obra de Charles Darwin e, principalmente, da noção de evolução
defendida por ele e por alguns de seus seguidores.
Os interessados na discussão se reúnem pela primeira vez em 1921, em um
encontro que ficou conhecido como “Simpósio da inteligência humana”, organizado
por uma revista norte-americana, em que se fizeram presentes 14 pesquisadores,
todos eles especialistas em psicologia da educação. O propósito deles era tentar
chegar a um consenso sobre o conceito de inteligência e, mais que isso, estabelecer
critérios confiáveis para medir a inteligência de cada ser humano. Tais critérios
deveriam ser válidos para todos os membros da espécie, independentemente de sua
localização no mapa, de sua história ou cultura particular (AFONSO, 2007, p.26).
No referido simpósio, embora não tenha acontecido de todos concordarem
com todas as ideias, o autor consultado aponta algumas tendências gerais nas
maneiras de conduzir os questionamentos sobre a inteligência. De acordo com o
mesmo, é possível listar as seguintes linhas de raciocínio mais ou menos comuns a
todos os que ali compareceram:
[...] a ênfase na predição, sobretudo do sucesso acadêmico, a referência a construtos não cognitivos exclusivamente da perspectiva do seu contributo para melhorar a predição, a ligação estreita entre o construto de inteligência e a sua medição, prioritariamente contextualizada no domínio da educação, a concentração em temas de natureza estatística e psicométrica – intercorrelações de testes, estandardização, validade – e a aposta futura na investigação dos processos mentais superiores ou complexos, por contraste com os processos mentais simples (idem, p. 26).
Afonso identificou, ainda, uma lista de critérios a serem levados em conta
quando for para medir a inteligência das pessoas. Reproduzimos abaixo as
informações listadas pelo autor, pois reforça a compreensão de como esses
psicólogos da educação do início do século XX estavam abordando a questão da
12
inteligência, mostrando também qual era realmente a preocupação deles. Segue a
lista construída por Afonso (idem, p.26):
Componentes de nível elevado (raciocínio abstrato, representações, resolução de problemas, tomada de decisão) (57%);
Adaptação tendo em vista responder adequadamente às exigências do meio (29%);
Capacidade de aprendizagem (29%);
Mecanismos fisiológicos (29%);
Processos elementares (percepção, sensação, atenção) (21%); Eficácia do comportamento (21%);
Se observarmos com cuidado, será fácil perceber a presença da abordagem
evolucionista herdada de Darwin, em que o que define a maior ou menor capacidade
de evolução é a possibilidade de adaptação. Resumindo, os seres biológicos que
mais se adaptam ao meio e que continuam se adaptando continuamente,
respondendo com rapidez e eficiência aos mais diferentes estímulos e condições
ambientais, são considerados os mais evoluídos. Na lista de Afonso, os critérios
abstratos da definição de inteligência ainda ocupam o primeiro lugar. Se juntarmos o
segundo, o terceiro e o último item, obteremos um índice igualmente alto de
adesões. A noção de adaptação está presente em todos eles.
1.2. Como essa visão aparece no Brasil
Como educadores, é importante refletir sobre as consequências no Brasil
dessas abordagens da inteligência no início do século XX. Essa preocupação leva a
destacar algumas características das concepções pedagógicas da chamada “Escola
Nova”.
13
De acordo com Cunha (1994, p. 68):
A metodologia de mensuração de atributos psicológicos individuais, grandemente incentivada nessa época, é vista como um recurso capaz de adequar o educando ao sistema escolar, o que permite melhor rendimento do aluno. (...) A observação das características individuais, que deve ocorrer na escola renovada, tem o objetivo de buscar o melhor aproveitamento das energias do indivíduo, para que cada pessoa seja integrada à função em que melhor se mostrará eficiente e produtiva.
E, mais adiante:
(...) Os testes são largamente aconselhados como instrumentos para melhorar a distribuição dos alunos nas salas de aula (TOLEDO, 1938) o que imprime racionalidade à organização da escola e do trabalho do professor. Além disso, os testes são vistos como instrumentos científicos que dispensam a interferência de fatores subjetivos na avaliação do educando (idem, p. 69).
O autor citado informa, ainda, que um dos educadores que mais apoiou a
aplicação dos testes como técnica de previsão do rendimento escolar da criança foi
Manoel Bergstron Lourenço Filho - 1897/1970 - grande educador brasileiro e adepto
do escolanovismo. Lourenço foi um grande estimulador do desenvolvimento da
psicologia e da educação brasileiras (REVISTA PSICOLOGA, CIÊNCIA E
PROFISSÃO, 1997).
É importante destacar, também, que os referidos testes serviram muitas
vezes para, na prática, discriminar os estudantes, colocando os supostamente “mais
aptos” em classes “A” e os “menos aptos” em classes “B” e “C”. Tal mecanismo
ajudou a consolidar a história da educação dualista no Brasil (um tipo de educação
para as elites, outro tipo para as classes populares)1.
1 Sobre o dualismo na educação brasileira ver Libâneo (2012).
14
1.3. Novas reflexões sobre as inteligências
Retomando a exposição de Afonso (2007), vê-se que, em 1986, um novo
simpósio organizado nos Estados Unidos aconteceu. O próprio título dado ao
encontro já sinaliza que os especialistas tinham novos pontos de vista a reportar
sobre o assunto: “O que é inteligência? Pontos de vista contemporâneos sobre sua
natureza e definição”.
Segundo o autor (2007), os organizadores do livro que divulgaram o evento
(Robert Sternberg e Douglas Detterman) eram psicólogos empenhados em estudos
sobre o desenvolvimento e funcionamento da mente, e sobretudo o que envolvia
conceitos como inteligência e aprendizagem. Dessa vez, contou-se com a presença
de 24 estudiosos que não eram exclusivamente dedicados à psicologia da
educação, mas também a outros ramos da psicologia (AFONSO, 2007, p. 27).
As diferenças de abordagens foram notáveis. O afã de medir a inteligência e
de prever as trajetórias de desenvolvimento e aprendizagem foi praticamente
abandonado pelos estudiosos dos anos 1980. A relativização dos contextos, uma
visão mais relativista tanto da inteligência quanto da aprendizagem começa a se
fazer presente nesse cenário de discussões. Veja-se como Afonso sintetizou essas
novidades (idem, p. 27):
No simpósio de 1986, o domínio da conceptualização e investigação da inteligência é bem mais amplo e assume um estatuto de maior relevo no âmbito da psicologia científica, abandonada que foi a questão estrita da predição como força motriz do estudo da inteligência (STERNBERG & BERG, 1986). Esta mudança, bem ilustrativa da evolução da investigação da inteligência humana ao longo do século XX, de uma abordagem pragmática para uma abordagem alicerçada em quadros de referência conceptuais (AFONSO, 2002a), conduziu ao emergir de perspectivas contextualistas e orientadas para o processamento da informação, mais preocupadas com a compreensão do que com a predição da inteligência (STERNBERG & BERG, 1986).
15
1.4. As múltiplas inteligências segundo Howard Gardner
De acordo com Rodrigues (2014), Howard Gardner é um psicopedagogo
norte- americano nascido em 1943. Lecionando nas Universidades de Harvard
(cognição e educação) e Boston (neurologia), Gardner já recebeu dois prêmios
importantes em função de seus trabalhos acerca das “inteligências múltiplas”. Tendo
participado dos debates acerca das abordagens sobre inteligência mencionados
acima, sua obra é uma das precursoras no sentido de considerar tanto os aspectos
individuais e internos quanto os aspectos interativos e culturais na constituição e
funcionamento da inteligência humana (para ele, sempre no plural).
As sete primeiras inteligências descritas por Gardner foram publicadas no
livro “As estruturas da mente”, em 1983, nos Estados Unidos, e editado no Brasil em
1994. Mais tarde, adicionou mais duas modalidades de inteligência ao rol das
primeiras.
1.4.1 - Inteligência Lógico - Matemática
Começamos a desenvolver essa inteligência quando nos deparamos com
objetos ou brinquedos na infância. Ordenando-os, avaliando sua quantidade e
reordenando-os, damos o primeiro passo ao cérebro para o domínio lógico-
matemático.
Números e raciocínio lógico são coisas que agradam a quem tem esse tipo de
inteligência bem desenvolvida, que são pessoas que possuem sensibilidade para
números, facilidade com relações lógicas e manipulação de cadeias de raciocínio,
padrões, ordem e sistematização. Sentem-se desafiadas perante problemas
16
envolvendo raciocínio e tendem a resolvê-los de forma metódica e persistente,
mesmo que sejam quebra-cabeças de revistas ou jornais (PSICOIDEIA, 2010, p. 1).
Apesar de muitos dos que têm essa inteligência desenvolvida valorizarem sua
intuição, eles sempre confiam em métodos explícitos de resolução de problemas
quando a intuição falha. Essa inteligência é mais vista em matemáticos, cientistas e
filósofos.
1.4.2 - Inteligência Linguística
É uma inteligência que adquirimos de nascença, que se resume na
capacidade de comunicar e interpretar o mundo através das palavras. O ser humano
já nasce pré-disposto a adquirir a linguagem. Essa inteligência denota sensibilidade
para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma percepção para as
diferentes funções que a linguagem possui (SPREA, 2009, p. 113).
Essa inteligência ajuda a pessoa a aprender os mecanismos e estruturas da
língua, como o alfabeto e a análise sintática, o que ajuda na escrita. Quanto à língua
falada, a Inteligência Linguística ajuda no uso objetivo da linguagem, ou seja, em
transmitir ideias do modo desejado pelo interlocutor.
Esta inteligência é mais utilizada pelos poetas e escritores, e começa a se
evidenciar quando uma criança conta ou relata uma história verdadeira, vivenciada
por ela ou alguém próximo. Também é muito usada por pessoas que gostam de
brincar com rimas e trocadilhos, contar piadas e histórias.
17
1.4.3 - Inteligência Musical
Se manifesta através de uma habilidade para apreciar, compor ou reproduzir
uma peça musical. Inclui discernimento de sons, habilidade para perceber temas
musicais, sensibilidade para ritmos, texturas e timbre e habilidade para produzir ou
reproduzir música (SPREA, 2009, p 115).
Integrar música com assuntos de outras áreas, escrever música, tocar um
instrumento musical, estudar com música, usar música para relaxar, ou até mesmo
mudar de humor com música são características de pessoas com esta inteligência
bem desenvolvida.
Esta inteligência é mais vista em músicos, compositores, maestros, etc.
1.4.4 - Inteligência Espacial
Também conhecida como Inteligência Espacial-Virtual, é expressa pela
capacidade de compreender o que é visto com precisão, transformando e
modificando percepções para recriar experiências visuais, mesmo sem estímulos
físicos (SPREA, 2009, p. 113).
Ou seja, com a inteligência espacial, você se localiza no mundo e manipula
diferentes objetos, tanto física quanto virtualmente.
Outra característica dessa inteligência é a facilidade em visualizar
informações de uma maneira não textual, ou seja, por meio de gráficos, tabelas,
fluxogramas, mapas mentais ou qualquer outra ferramenta gráfica. Por isso, existem
18
tantos exemplos destas ferramentas no meio empresarial. A capacidade de absorver
e compreender informações é altamente beneficiada com a utilização de modelos
espaciais.
Algumas habilidades desse tipo de inteligência incluem a criação de imagens
mentais, a comparação entre objetos, a capacidade de mover objetos no espaço, a
correlação entre imagem e seu significado, e a capacidade de resolver problemas
usando a visualização.
É o tipo de inteligência mais presente em arquitetos, engenheiros,
navegadores e até mesmo em jogadores de xadrez.
1.4.5 - Inteligência Corporal - Cinestésica
É a capacidade de controlar e orquestrar os movimentos do próprio corpo. É a
habilidade para usar a coordenação em esportes, artes cênicas ou plásticas, e na
destreza. Está relacionada com o movimento físico e com o conhecimento do corpo.
Essa inteligência inclui também o sentido de tempo, resultante de uma ação física
acompanhado da capacidade de treinar respostas de forma que se tornem reflexos
(LURIA, 1981, p. 122).
Essas capacidades podem não parecer muito impressionantes, já que a
inteligência corporal - cinestésica não é amplamente apreciada na nossa cultura. Até
mesmo chamá-la de “inteligência” pode ser surpreendente para algumas pessoas.
As pessoas com essa inteligência mais desenvolvida costumam praticar
esportes e atividades físicas em geral, possuem boa coordenação motora e
19
geralmente gesticulam quando falam. Este tipo de inteligência é bastante encontrado
em dançarinos, atores e atletas.
1.4.6 - Inteligência Interpessoal
Esta inteligência pode ser descrita como uma habilidade para entender e
responder adequadamente a humores, temperamentos, motivações e desejos de
outras pessoas. Na sua forma mais primitiva, essa inteligência se manifesta como a
habilidade de distinguir pessoas, e na sua forma mais avançada, como a habilidade
de perceber as intenções e desejos de outros e reagir apropriadamente. Crianças
especialmente dotadas demonstram muito cedo a habilidade para liderar outras
crianças, uma vez que são extremamente sensíveis as necessidades e sentimentos
dos outros (SPREA, 2009, p. 118).
A inteligência interpessoal está baseada numa capacidade nuclear de
perceber distinções entre os outros, em especial contrastes em seus estados de
ânimo. A história de Helen Keller, escritora cega e surda falecida em 1968, mostra-
nos que a inteligência interpessoal não depende da linguagem. Esta inteligência é
mais desenvolvida em psicoterapeutas, professores, políticos e vendedores.
1.4.7 - Inteligência Intrapessoal
Essa é a variação interna da inteligência interpessoal, ou seja, é a habilidade
de acessar aos próprios desejos, sentimentos e motivações, para conseguir discerni-
los e se usar deles na solução de problemas pessoais. É o reconhecimento de
20
habilidades, necessidades e desejos próprios, formando uma imagem precisa de si
mesmo. Por ser a inteligência mais pessoal dentre as outras, ela só é observável
através de sistemas semióticos das outras inteligências, isto é, através de
manifestações linguísticas, musicais ou cinestésicas (SPREA, op. cit. p. 119).
Essa inteligência implica a necessidade de refletir e auto avaliar. As pessoas
conhecem seus pontos fracos e fortes e conseguem definir objetivos e desafios
adequados, sem alimentar expectativas irreais.
As pessoas que possuem essa inteligência mais evidente, apresentam graus
elevados de automotivação, autoconhecimento, habilidade intuitiva, sensibilidade a
valores próprios, introspecção, e geralmente são diferentes do habitual encontrado
nos outros.
Esta inteligência é mais desenvolvida em filósofos, conselheiros espirituais,
psicólogos e pesquisadores.
1.4.8 - Inteligência Naturalista
Em 1996, houve a primeira ampliação à lista de Gardner. Ela define
indivíduos aptos para reconhecer flora e fauna, fazendo distinções relativas ao
mundo natural e para usar essa habilidade produtivamente na agricultura ou nas
ciências biológicas.
Apesar da habilidade de apreciar a vida ao ar livre ou de sentir-se confortável
junto à natureza sejam importantes aspectos dessa inteligência, ela tem sido
caracterizada mais como uma capacidade para discernir, identificar e classificar
21
plantas e animais, do que uma habilidade de conviver com a natureza (SPREA, óp.
cit. p. 116).
A inteligência naturalista também pode ser encontrada no meio humano, já
que as habilidades de observar, coletar e organizar podem ser aplicadas a vários
aspectos. Essa inteligência pode ser observada em biólogos e pesquisadores.
Charles Darwin foi caracterizado como possuidor de uma inteligência naturalista
muito marcante.
1.4.9 - Inteligência Existencial
Acrescentada por Gardner em 1999, a Inteligência Existencial reflete a
capacidade de situar-se com referência a características existenciais da condição
humana, como os significados da vida e morte, o derradeiro destino dos mundos
físico e psicológico, e a experiências profundas como o amor por alguém ou total
imersão num trabalho de arte (SILVA, 2001, p. 50).
Ou seja, é a capacidade de formular e examinar as perguntas mais
importantes para a maioria dos seres humanos de se obter respostas sobre a vida.
Seria a característica de líderes espirituais e pensadores filosóficos, como Dalai
Lama.
Concluindo esse capítulo, é importante lembrar que as descobertas de
Gardner foram extremamente influentes, mas é preciso levar-se em conta que os
estudos sobre a inteligência continuam a progredir.
22
Devemos frisar, ainda, as pesquisas relacionadas à inteligência emocional,
que se tornaram abundantes a partir dos anos 1990, e que propiciaram
desdobramentos muito interessantes, rompendo com um paradigma
predominantemente cognitivista. A descrição das inteligências em Gardner,
sobretudo as intrapessoais e interpessoais já apontavam para a existência de um
quociente intelectual (cognitivo - QI) e outro emocional (QE). Assim, a proposta de
Goleman, ao enfatizar o QE, desperta-nos a atenção para sua importância,
enfatizando que esse lado não pode ausentar-se do cenário da aprendizagem, uma
vez que o bom desempenho em diversos aspectos da vida está condicionado ao
domínio das inteligências intrapessoal e interpessoal. Veremos um atento
posicionamento de Goleman sobre esses domínios no próximo capítulo.
23
2. INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
No capítulo 1, discutiram-se os conceitos mais antigos de inteligência e
revisaram-se diversas outras concepções provenientes de pesquisadores que se
dedicaram ao assunto no decorrer da história da psicologia e da educação.
Apresentou-se, também, a teoria das múltiplas inteligências de Gardner, que
representou um avanço significativo na evolução da noção de inteligência. Neste
capítulo, serão apresentadas as ideias que traduzem o conceito de inteligência
emocional.
2.1. A trajetória do conceito
No início da década de 1990, surge uma concepção renovadora de
inteligência que chama atenção dos intelectuais de diversas áreas de atuação, trata-
se da ideia de “inteligência emocional”. Muitos profissionais viram nessa ideia um
estímulo motivador para intervir de forma positiva no ambiente de trabalho, na
saúde, na família, em todos os tipos de liderança, na educação, etc. (SILVA, et. al.
2012, p. 17).
Segundo Sprea (2009, p. 123), o termo já era alvo de pesquisas desde o
começo da década, com a publicação de dois artigos em jornais acadêmicos, por
Peter Salovey e John D. Mayer. Os artigos enquadravam a inteligência emocional
como um conjunto de habilidades que contribuiriam para a avaliação e expressão
acurada de emoções em si e em outros e o uso de sentimentos para motivar e
planejar a vida das pessoas. Salovey e Mayer começam revendo o debate sobre as
qualidades adaptáveis e não adaptáveis da emoção. Em seguida, eles exploram a
24
literatura sobre inteligência, especialmente sobre inteligência social, para examinar o
lugar da emoção em concepções tradicionais de inteligência. Com isso, os autores
descreveram um quadro para que nele pudesse ser integrada a pesquisa de
habilidades relacionadas à emoção. Concluindo, eles revêem os componentes da
inteligência emocional e discutem o papel dela na saúde mental, finalizando com
sugestões para futuras pesquisas e investigações na área.
Tais desenvolvimentos começam a ganhar muitos adeptos, principalmente a
partir da obra de Daniel Goleman: “Inteligência Emocional: a teoria revolucionária
que redefine o que é ser inteligente2”. É justamente sobre esse livro que iremos
basear este capítulo do nosso trabalho.
Daniel Goleman é doutor em psicologia, formado pela Universidade de
Harvard. Escreveu por mais de dez anos sobre psicologia e ciências do cérebro para
o jornal norte-americano The New York Times. Em virtude de suas pesquisas, foi
indicado duas vezes para receber o prêmio Pulitzer. Ajudou a fundar uma equipe de
trabalho que ajuda professores e gestores das escolas a adotar a abordagem da
inteligência emocional nas aulas e outras atividades escolares. Também é codiretor
de um grupo que recomenda práticas de desenvolvimento de habilidade de
inteligência emocional e promove pesquisas rigorosas sobre a contribuição da
inteligência emocional ao desempenho no ambiente de trabalho (OBJETIVA, 2014,
s/p).
Ninguém melhor para definir o conceito de inteligência emocional do que o
próprio Goleman:
A inteligência emocional caracteriza a maneira como as pessoas lidam com suas emoções e com as das pessoas ao seu redor. Isto implica autoconsciência, motivação, persistência, empatia e entendimento e características
2
25
sociais como persuasão, cooperação, negociações e liderança. Esta é uma maneira alternativa de ser esperto, não em termos de QI, mas em termos de qualidades humanas do coração (GOLEMAN, 2014, s/p).
2.2. A organização do livro
O livro foi dividido em cinco partes, que foram nomeadas da seguinte forma:
O cérebro emocional; A natureza da inteligência emocional; inteligência emocional
aplicada; momentos oportunos e alfabetização emocional. Pensamos que é possível
resumir os conteúdos de cada parte da maneira como se segue:
I: o autor descreve em pormenores a estrutura cerebral responsável pelas
emoções; relata a evolução dessas estruturas; fala sobre a centralidade das
emoções; redefine a relação das emoções com a racionalidade.
II: o autor argumenta sobre as influências das emoções na racionalidade e
vice-versa. A partir daí, fala das possibilidades positivas do desenvolvimento
da inteligência emocional, abordando a questão da necessidade de controlar
as emoções para se conquistar melhorias na vida.
III: o autor fala sobre as consequências geradas por experiências vividas,
herdadas do passado e sobre o significado dessas consequências. Disserta
também sobre como a inteligência emocional pode ser utilizada para que nos
posicionemos melhor perante essas diversas emoções geradas ou
vivenciadas em contextos específicos, podendo ser positivas ou negativas.
IV: o autor fala mais abertamente em “eficiência emocional”, dizendo que as
pessoas podem ser consideradas eficientes ou não eficientes do ponto de
vista emocional e enumera também como é que se podem formar pessoas
com maior inteligência emocional, de forma que elas sejam capazes de
26
transformar quadros de depressão, traumas de infância e outros tipos de
experiências que se agregaram nas emoções e cumpriram um papel de
aprendizagem emocional negativa e/ou equivocada.
V: o autor dá vários exemplos para mostrar as consequências ruins e
indesejáveis das deficiências emocionais no dia a dia, espalhadas por toda a
humanidade. Demonstra também que se as pessoas desenvolvessem mais
suas habilidades emocionais poderiam solucionar de forma mais satisfatória
diversos tipos de problemas. Nessa parte, Goleman defende também a ideia
de que é fundamental realizar uma “alfabetização emocional” em todas as
escolas. O autor acredita que adotar essa proposta faria uma imensa
diferença na trajetória das pessoas e na vida social, principalmente se isso
acontecer desde cedo, na escola.
Acrescente-se uma lista das habilidades emocionais com as quais é preciso,
segundo Goleman, aprender a lidar da forma adequada:
Auto Conhecimento Emocional – reconhecer as próprias emoções e
sentimentos quando ocorrem;
Controle Emocional – lidar com os próprios sentimentos, adequando-os a
cada situação vivida;
Auto Motivação – dirigir as emoções a serviço de um objetivo ou realização
pessoal;
Reconhecimento de emoções em outras pessoas – reconhecer emoções no
outro e empatia de sentimentos;
Habilidade em relacionamentos interpessoais – Interação com outros
indivíduos utilizando competências sociais.
27
2.3. O significado do livro
Conforme se disse acima, o livro de Goleman (1995) teve uma importante
repercussão em diversas áreas. Do ponto de vista da educação, pode-se dizer que
representou um acréscimo enorme à perspectiva diferenciada sobre inteligência que
já tinha sido inaugurada por Howard Gardner.
A diferença em relação a Gardner é que Goleman focaliza seus estudos sobre
duas formas de inteligência definidas pelo primeiro autor: a intrapessoal e
interpessoal. Pensamos que as pessoas que são responsáveis pela educação
podem obter com a ajuda de Gardner muitas orientações sobre como lidar com as
emoções no contexto de formação da criança, no processo de socialização e em
todas circunstâncias de aprendizagem - seja na escola, seja fora dela.
Lembramos que na primeira parte de seu livro, Goleman (1995) fala sobre as
novidades neuro - fisiológicas da época, que propiciaram a ele descrever os
caminhos das emoções dentro do funcionamento do cérebro humano. Os exemplos
dados pelo autor apontam os momentos da vida em que a emoção e o sentimento
podem ultrapassar e fazer desaparecer toda a racionalidade.
O autor acredita que se compreendermos as estruturas cerebrais que
comandam as emoções poderemos obter grande elucidação sobre como funciona o
que ele chama de aprendizado emocional. De posse desse conhecimento,
descobre-se o caminho que permite dominar impulsos emocionais destrutivos. Isso
poderá ajudar em qualquer tipo de interação social: entre líderes e liderados no
trabalho, nas escolas, nas igrejas e em qualquer ambiente. É evidente que as
28
mesmas lições servirão para aprimorar as relações entre professores e alunos, e
mesmo a criação dos nossos filhos.
Goleman (1995) ensina a compreender o funcionamento fisiológico das
emoções e a enxergar como elas afetam o comportamento e, além disso, as
tomadas de decisão que temos de realizar todos os dias. Ele enfrenta a difícil tarefa
de demonstrar como lidar com a raiva e com todos os tipos de “paixões”. Por outro
lado, explica que certa dose de agressividade utilizada da maneira correta, no
contexto e momento adequados pode ser importante para tomada de atitudes
decisivas que, de outra maneira, não alcançariam os resultados esperados.
Durante a leitura, espantamo-nos várias vezes com os exemplos utilizados,
alguns deles reveladores de situações de agressividade e mesmo de violência.
Conforme a leitura foi progredindo, entretanto, perceberam-se os objetivos do autor:
falar sobre os seres humanos em sua integralidade, pois os seres humanos não são
movidos o tempo todo por ações racionais e lógicas, nem mesmo por sentimentos
sóbrios e pacificadores. Na verdade, se olharmos em volta, o que mais veremos
serão discussões acaloradas, passionalidade, desentendimentos causados por um
gesto ou por apenas uma palavra.
Compreendeu-se, então, que Goleman (1995) quis realmente falar sobre
questões que nos afetam todos os dias e que qualquer ser humano poderá estar
sujeito. Ele não se preocupou em ditar regras morais sobre como nós deveríamos
nos comportar. É como se ele estivesse dizendo algo mais ou menos assim: se você
quiser continuar sendo agressivo, passional, violento, etc. você pode, o mundo está
repleto desses comportamentos, você seria apenas mais um. Mas assuma as
consequências pessoais e sociais do seu comportamento: você perderá muito mais
29
do que ganhará. Da mesma forma, o autor demonstra não só com argumentos
lógicos, mas, com análise de casos (os exemplos), o quanto se ganha buscando um
controle e um ajustamento emocional mais equilibrado. Novamente, os ganhos são
tanto internos quanto externos.
A autorreflexão, a autocrítica, a atenção no outro, a atenção no contexto, a
identificação e o monitoramento das expectativas próprias e alheias são orientações
básicas para que se consiga encontrar formas de expressão emocionais que nos
permitam uma qualidade de vida melhor.
Outra recomendação importante é buscar a transparência e o diálogo sempre
que possível. Aprender a conviver com as divergências de opinião e com os diversos
tipos de diferenças entre as pessoas. Não querer ditar para o próximo o que você
julga bom ou importante, mas, procurar compreendê-lo de seu próprio ponto de
vista. São receitas que Goleman (1995) não pretende que sejam adotadas como
fórmulas mágicas, pois não podem ser usadas apenas como técnicas.
Ou seja, um fato extremamente importante que foi percebido a partir da leitura
do livro citado é que todas essas recomendações só funcionarão se cada um se
dedicar profundamente a se reeducar emocionalmente. Não são técnicas para
serem “aplicadas”, são aprendizagens e posturas que devem ser internalizadas em
busca de uma verdadeira transformação emocional.
Nesse ponto, é que entram os educadores e a educação - formal ou informal,
escolar ou doméstica - propiciando os meios de como essa desejável transformação
poderá ocorrer. Esse será o assunto do nosso próximo capítulo.
30
3. A EDUCAÇÃO EMOCIONAL NA PRÁTICA
A questão da educação - ou alfabetização - emocional vem, desde a
publicação da obra de Daniel Goleman, que foi analisada no capítulo precedente,
inquietando muitas pessoas, especialmente os profissionais da educação. Os
debates têm despertado a consciência de que desenvolver competências
emocionais pode auxiliar nas conquistas pessoais e sociais tanto quanto
desenvolver o raciocínio lógico ou habilidades linguísticas. Conforme se viu no
capítulo 2 deste trabalho, as inteligências intrapessoal e interpessoal, identificadas
por Gardner, desempenham um papel essencial e são realmente o foco das
propostas de Goleman para o público em geral e para os educadores em particular.
O propósito deste capítulo foi relatar os achados em termos de práticas
pedagógicas existentes no Brasil que de alguma maneira contemplem objetivos de
educação emocional. É preciso dizer que isto não foi tarefa fácil, pois quase não
foram encontradas publicações sobre práticas. Encontrou-se com mais frequência
textos teóricos, que preferimos não incluir na análise, uma vez que objetivávamos
realmente tentar conhecer experiências aplicadas.
3.1. Celso Antunes e a Alfabetização Emocional
Celso Antunes nasceu em São Paulo, 5 de outubro de 1937, é formado
em geografia pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em ciências humanas
e especialista em inteligência e cognição. Membro consultor da Associação
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Internacional pelos Direitos da Criança Brincar, reconhecido pela UNESCO. É autor
de cento e oitenta livros e consultor de diversas revistas
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Celso_Antunes).
Num livro intitulado “Alfabetização emocional” (ANTUNES, 2001) o autor
relata experiência vivenciada numa escola da rede particular da cidade de São
Paulo. Tal proposta recebeu o título de “Projeto de Alfabetização Emocional” e foi
implantado junto a alunos de primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental,
atingindo também alunos do primeiro ano do ensino médio. De acordo com Behrens
e Machado (2005, p. 10) a proposta de trabalho envolvia o desenvolvimento de seis
tipos de saber: o auto-conhecimento; a administração de emoções; como dispersar a
ansiedade; ética social e empatia; a arte do relacionamento; a automotivação,
aprimorando a comunicação.
As autoras citadas são breves com relação à descrição do projeto, impedindo
que se tenha do mesmo uma compreensão maior. Elas destacam o método de
trabalho através de um “painel de fotos”:
Por meio do painel, algumas propostas são sugeridas, como por exemplo: a identificação das emoções pela expressão dos rostos nas fotos e a possibilidade de realizar uma dramatização a partir da coleção organizada. A atuação proporcionou situações nas quais os alunos puderam vivenciar suas emoções e interpretar as emoções do grupo. Assim, puderam associar os sentimentos com as fotos apresentadas. (p. 61 e 62).
A despeito do fato de que o livro de 2001 seja encontrado como citação em
diversos trabalhos acadêmicos encontrados (na verdade 8), nem o texto de
Antunes, nem o artigo citado permitem que se saibam as consequências do projeto.
Por outro lado, não existem dados que permitam compreender se houve ou não a
continuidade do mesmo. Pesquisando na internet nada se conseguiu localizar que
fosse um indicativo de que houve continuidade ou outros desdobramentos. Ao que
tudo indica, foi uma experiência única de curta duração, no contexto de uma escola
particular.
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3.2. Pesquisa de Sílvia Mª de Oliveira Pavão
O trabalho em questão é a tese de doutorado da autora, defendida em 2003,
na Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha, onde recebeu o título de
Doutora em inovação e sistemas educativos. A tese foi disponibilizada em arquivo
PDF na internet, onde a localizamos.
A autora relata uma experiência prática em educação emocional realizada no
âmbito de uma escola municipal no município de Santa Maria/RS. Durante oito
meses, no ano de 2000, a autora realizou entrevistas e oficinas com alunos,
gestores e professores, tematizando questões referentes às competências
emocionais.
Segundo a autora, o estudo levou à conclusão de que como o
desenvolvimento das competências emocionais envolve um alto grau de maturidade
e sensibilidade social, e os instrumentos da dinâmica de grupo, com uma
perspectiva sociocultural, facilitam tal desenvolvimento, influindo de forma positiva
nas aprendizagens emocional e cognitiva.
Embora a autora relate boa participação de todos os envolvidos e excelente
receptividade, principalmente por parte dos alunos, mais uma vez tratou-se de
projeto isolado e sem continuidade ou expansão.
3.3. Augusto Cury e a Escola de Inteligência
Augusto Cury é médico psiquiatra, nascido em São Paulo, e tem inúmeras
obras publicadas sobre os mais diversos temas. As relações humanas e a
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educação, em seus variados aspectos, têm sido assuntos recorrentes dos seus
livros. Dentre eles há vários Best Sellers, por exemplo, “O vendedor de sonhos”;
“Pais brilhantes, professores fascinantes”, e muitos outros.
Segundo depoimento do próprio autor, o projeto “escola da inteligência” tem
como proposta inserir na grade curricular do ensino fundamental e médio - público e
privado - aulas semanais sobre o desenvolvimento das competências emocionais,
principalmente aquelas que dizem respeito ao relacionamento interpessoal. Proteger
as emoções, aprender a colocar-se do lugar do outro, que de acordo com a fala de
Cury, é uma função tanto nobre quanto complexa da inteligência humana. Outras
metas do projeto são: aprender a pensar antes de agir; expor ideias em vez de
impor; libertar o imaginário para desenvolver criatividade para prover soluções em
múltiplas situações existenciais. Por outro lado, pretende-se que os estudantes de
todos os níveis consigam deixar de ser apenas repetidores de informações para se
tornarem “pensadores”.
Através de um professor que já trabalhou no projeto “Escola de Inteligência”,
conseguiu-se acesso ao “Livro do Professor”, do material didático utilizado no projeto
que se intitula: “As Armadilhas da Mente e os Códigos da Inteligência”. Na página 50
do referido livro destacou-se uma mensagem dirigida aos professores:
Querido Professor, você sabia que no auge da indústria do entretenimento, estamos diante da geração mais deprimida, frágil e insatisfeita de todos os tempos?
Estamos adoecendo rápido e coletivamente. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) a depressão será a doença mais comum do mundo nos próximos anos. Hoje mais de 40 milhões de pessoas sofrem de anorexia, mais de 80% das crianças já sofreram agressão física ou moral dentro da escola, sendo que a maior parte são meninas e, ainda, que 50% da população cedo ou tarde desenvolverá algum tipo de transtorno ao longo da vida.
Tais números são assustadores, acarretando gravíssimos problemas nas relações intra e interpessoais, na qualidade de vida e no mercado de
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trabalho. Segundo algumas pesquisas, 80% dos casos de demissão advém de problemas comportamentais.
Como resultado disso, aproximadamente 20 milhões de pessoas tentam o suicídio por ano, sendo que mais de 1 milhão realmente conseguiram.
Diante desse cenário, precisamos urgentemente agir, e a educação é uma poderosa ferramenta para prevenir esse triste cenário, ainda mais, quando aliadas ao desenvolvimento de uma inteligência saudável. É o que estamos buscando junto com você na aplicação do Programa Escola de Inteligência! (CURY, s/d, p. 50).
O trecho selecionado resume muito bem as preocupações do autor e as
metas do Projeto - intervir num mundo emocionalmente doente, evitando que esse
diagnóstico continue a se reproduzir nas gerações presentes e futuras - além de
definir o papel da educação como “poderosa ferramenta” a ser utilizada nesse
processo. O desenvolvimento das habilidades intrapessoais e interpessoais, frisadas
desde a publicação das inteligências múltiplas de Gardner, e que foram depois
retomadas com ênfase total por Goleman, serão essenciais para a abordagem de
Cury. Tal ideia pode ser constatada no terceiro parágrafo do trecho destacado, onde
Cury menciona literalmente as habilidades intra e interpessoais.
Cabe aqui resgatar-se o capítulo IV do livro de Goleman, onde o autor afirma
a existência de pessoas eficientes e não eficientes emocionalmente, indicando que é
essencial que se busque desenvolver a eficiência emocional, de forma a desfazer
“aprendizagens” traumáticas, negativas, solidificadas a partir de experiências ruins.
É fácil reconhecer que a mesma compreensão é compartilhada por Cury, da mesma
forma que o mesmo propósito de intervenção, a partir de uma proposta de
“educação emocional”.
Ou seja, a habilidade de transformar esses registros negativos grafados na
memória e nas emoções, e administrá-los de forma a que não mais nos impulsionem
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a reações autodestrutivas ou destrutivas para o coletivo, é a grande arte de tornar-se
emocionalmente eficiente/inteligente. Ao conquistar essa capacidade e ao aplicá-la
na prática do dia a dia estaremos vencendo as “armadilhas da mente” e utilizando os
“códigos da inteligência” para viver melhor pessoal e coletivamente.
Do ponto de vista do interesse da nossa pesquisa, é essencial considerar o
fato de que o projeto está entrando em diversas escolas das redes pública e privada,
e ganhando espaço nos currículos escolares. Sem contar o fato de que profissionais
da educação, alunos e pais apresentam depoimentos positivos acerca do projeto,
conforme se viu em vídeo, disponível no site do mesmo
(www. escoladainteligencia .com.br/ .).
Uma das cidades que aderiu ao Projeto, implantando em suas escolas as
aulas da “Escola de Inteligência”, foi Monte Alto, em São Paulo, cuja experiência
encontra-se resumida a seguir:
Segundo informações da Secretaria Municipal de Educação de Monte Alto, o programa “Escola da Inteligência” funciona da seguinte forma: a partir de pesquisas realizadas nas escolas e comunidades, Augusto Cury, detectou que os estudos mostram que informar é muito diferente de conhecer.
Para ele, os jovens se tornaram uma massa de repetidores de ideias e não seres humanos críticos, capazes de enfrentar a competitividade do mercado de trabalho que vivemos hoje.
Ainda, de acordo com a Secretaria, o programa estimula o desenvolvimento da maturidade intelectual e emocional, como: o treinamento de caráter, a tolerância, a disciplina, a liderança, a flexibilidade de ideias, a determinação, a autoconfiança, entre outros. Fornece ferramentas para a promoção da saúde emocional, contribuindo para prevenir as fobias, a ansiedade, a depressão, a baixa autoestima, a agressividade, entre outros transtornos psicológicos (UNIARA, 2014).
A expansão e penetração do trabalho da Escola de Inteligência ocorrem
paralelamente ao enfrentamento de algumas dificuldades de reconhecimento da
legitimidade intelectual de seu mentor. Isto é retratado em várias reportagens
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encontradas ao longo da pesquisa. Exemplo disso encontra-se na reportagem da
Folha de São Paulo, de onde se extraiu o seguinte trecho:
No segundo ano da faculdade de medicina, em São José do Rio Preto (SP), Augusto Jorge Cury, 53, entrou em tristeza profunda.O hoje escritor e psicanalista, que já vendeu cerca de 16,5 milhões de livros no país falando sobre superação e controle de sentimentos, afirma que aquela “dor emocional” foi o estopim para se tornar quem é atualmente.
Ele descreve aquela depressão como um momento de “miserabilidade do ser”. Desde então, foram 25 livros lançados em 60 países, cinco compilações e uma teoria inédita –conforme o médico, a inteligência multifocal.Para o autor, o mundo está no apogeu do desenvolvimento científico e tecnológico, mas atingiu esse nível sem que as pessoas tenham acompanhado a evolução porque não controlam suas emoções.O resultado é a proliferação de transtornos mentais em todo o mundo, disse Cury.
Embora Cury diga, “com muita humildade”, que é “um dos poucos autores da atualidade com mestrado e doutorado em sua própria teoria”, a Associação Brasileira de Psiquiatria afirma que a inteligência multifocal não é oficialmente reconhecida (Folha de São Paulo, 2014).
Cabe observar-se que a despeito das críticas recebidas e do fato de Cury e
seu projeto não contarem ainda com grande prestígio acadêmico, a pesquisa
realizada para a redação deste trabalho de conclusão de curso permite afirmar que
suas ideias e propostas estão perfeitamente alinhadas aos pressupostos defendidos
por Goleman a respeito da Inteligência Emocional, incluindo aí as concepções
acerca da importância e necessidade da Educação Emocional.
3.4. Uma experiência importante na Bahia
Jair de Oliveira Santos é médico cardiologista, é professor baiano, diretor do
Colégio Águia e fundador das Faculdades Castro Alves. Há cerca de 10 anos vem
solidificando suas experiências com educação emocional, primeiro no colégio e
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depois na faculdade citada. A experiência parece-nos relevante não só pela
continuidade, mas pelo fato de a “educação emocional” ter sido integrada na matriz
curricular de todos os cursos oferecidos pela referida IES.
Ou seja, não se trata de um experimento passível de diluição, mas a proposta
de Jair (2000) alcançou legitimidade legal, através do Parecer 819 de 1999, do
Conselho Nacional de Educação. O livro do autor, “A emoção na sala de aula”,
contendo desde a descrição dos processos físico-químicos e neurofisiológicos das
emoções, até inúmeros relatos de histórias reais, ocorridas em várias partes da
cidade de Salvador, serve como material didático privilegiado nas aulas de
“educação emocional”.
Não há descrição, no livro, sobre as estratégias de ensino utilizadas nem
sobre a formação/capacitação dos professores que lecionam a disciplina no âmbito
da Faculdade Castro Alves. O autor oferece, entretanto, alguns depoimentos de
alunos, provenientes de cursos distintos, os quais foram publicados no Jornal baiano
“A Tarde”, que demonstram grande apreciação pela disciplina e por seus resultados
práticos. Citamos alguns desses depoimentos, a seguir:
Mônica Pedrosa declarou que:
Depois que passei a estudar Educação Emocional minha relação com o mundo mudou. Sei que no futuro isso vai ser um diferencial em minha carreira profissional, mas no presente já estou colhendo os frutos de conhecer minhas emoções nas relações do cotidiano.
O aluno de Marketing, Paulo Barros disse que:Depois da Educação Emocional passei a ser mais tranquilo e menos ansioso. Melhorei muito meu convívio familiar, inclusive no relacionamento com a noiva. Acho que a Educação Emocional é fundamental para nossa formação.
Silvana Cambuí, também do curso de Marketing, disse que:O estudo da educação Emocional ajudou muito meu desenvolvimento pessoal. Fiquei mais confiante em mim e passei a me relacionar melhor com todo mundo, inclusive com minha filha. Passei a compreender melhor meu
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marido, e fiquei mais paciente com ele. Hoje convivo melhor com todos de minha família.
Os materiais encontrados no desenvolvimento do trabalho de pesquisa
deixam a sensação de que, de fato, as práticas pedagógicas correlacionadas à
abordagem da educação (ou alfabetização) emocional são escassas, pouco ou mal
relatadas, e bastante descontínuas. Exceção feita ao projeto do médico Augusto
Cury, que parece em franca expansão, e ao projeto do - também médico - Jair de
Oliveira Santos.
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Considerações Finais
As pesquisas sobre a temática da inteligência se renovam a cada dia. Os
achados dos primeiros estudiosos, que se preocuparam com isso, e que tinham o
propósito de medir o tamanho da inteligência individual com vistas a diagnosticar
capacidades e prever o futuro nos estudos e no mercado, também não foram
completamente descartados. Alguns testes de inteligência ainda são usados,
principalmente em determinados sistemas de recrutamento e seleção relativos às
empresas. São o que se chama vulgarmente de “testes psicotécnicos”. Na
educação, esses antigos testes foram substituídos pelas “provas Brasil”; pelo
“SAERJ”; pelo “ENADE”, e também pelos questionários socioeconômicos que
acompanham, por exemplo, o ENADE. São aferições de desempenho –
simultaneamente de alunos e de sistemas de ensino. E prestam-se a comparações
entre o desempenho dos vários sistemas por localidade; por classe socioeconômica
e assim por diante.
Por outro lado, as conquistas de Gardner, que revolucionaram os altos
escalões do conhecimento, mas que ainda - segundo penso – não foram
assimiladas pela maioria dos professores e gestores, que não consideram qualquer
tipo de inteligência na hora de avaliar, que não seja a linguística ou a lógico -
matemática. O mesmo se aplica às descobertas de Goleman (1995), e daqueles que
lhe seguiram a trilha, que fora do país alcançaram grande sucesso em diversas
escolas e universidades, enquanto no Brasil as experiências ainda se fazem
escassas.
Ou seja, conforme demonstrou o trabalho de pesquisa, as experiências
envolvendo práticas de ensino em educação (ou alfabetização) emocional
comparecem no cenário das escolas residualmente aqui e ali, com mais ênfase
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acolá, sem ter ainda solidificado estruturas, nem estabelecido uma continuidade nos
projetos. Lembramos aqui a experiência do Dr. Augusto Cury, com a “Escola de
Inteligência”, que parece expressar uma exceção ao que se acaba de dizer.
Em face dessa constatação, que aparece nítida no terceiro capítulo, a
pesquisa deixa como sugestão para trabalhos futuros a realização de uma pesquisa
de campo que venha a aferir os contornos e os resultados do projeto “Escola de
Inteligência”, sobre o qual não se encontrou qualquer tipo de publicação acadêmica,
fosse artigo, dissertação, tese ou livro. Pois, quer as universidades aprovem ou não,
o projeto está adentrando escolas país afora, tanto da rede pública, quanto da rede
privada. Assim sendo, constitui-se como objeto de pesquisa sério, na medida em
que está atingindo milhares de estudantes, professores e gestores. De que maneira
isto está acontecendo? Quais as consequências pedagógicas disso? Seriam pelo
menos duas perguntas a serem respondidas.
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