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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISESCOLA DE CINCIA DA INFORMAOVICTOR PINHEIRO LOUVISI

ORGANIZAO DA INFORMAO DE COLEES MUSEALIZADAS

Belo Horizonte2014

VICTOR PINHEIRO LOUVISIAutor

ORGANIZAO DA INFORMAO DE COLEES MUSEALIZADAS

***TTULO DA DISSERTAO***

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao da Escola de Cincia da Informao da Universidade Federal de Minas Gerais para obteno do grau de Mestre em Cincia da Informao.Linha de Pesquisa: Organizao e Uso da Informao (OUI)Orientadora: Cristina Dotta OrtegaDissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao da Escola de Cincia da Informao da Universidade Federal de Minas Gerais para obteno do grau de Mestre em Cincia da Informao.Linha de Pesquisa: ***Orientador: ***

Belo horizonte2014Belo horizonteAno

L894o

Louvisi, Victor Pinheiro.

Organizao da informao de colees musealizadas [manuscrito] / Victor Pinheiro Louvisi. 2014.92 f. :il., enc.

Orientadora: Cristina Dotta Ortega.Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Cincia da Informao.Referncias: f. 78-90.Anexos: f. 91-92.

1. Cincia da informao Teses. 2. Museus Teses. 3. Museologia Documentao Teses. 4. Patrimnio cultural Bens Culturais Teses. I. Ttulo. II. Ortega, Cristina Dotta. III. Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Cincia da Informao. CDU: 069

Ficha catalogrfica: Biblioteca Prof Etelvina Lima, Escola de Cincia da Informao da UFMG

Universidade Federal de Minas GeraisEscola de Cincia da InformaoPrograma de Ps-Graduao em Cincia da Informao

Dissertao intitulada Organizao da Informao de Colees Musealizadas, de autoria de Victor Pinheiro Louvisi, aprovada pela banca examinadora constituda pelos seguintes professores:

__________________________________________________________________________Prof. Dr. Cristina Dotta Ortega - OrientadoraUniversidade Federal de Minas Gerais - UFMG

__________________________________________________________________________Prof. Dr. Profa. Dra. Suely Moraes Ceravolo (por videoconferncia)Universidade Federal da Bahia - UFBA

__________________________________________________________________________Prof. Dr. Yacy-Ara Froner Gonalves Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

__________________________________________________________________________Prof. Dr. Luiz Henrique Assis GarciaUniversidade Federal de Minas Gerais - UFMG

_____________________________________________________________________Prof. Dra. Renata Maria Abrantes Baracho Coordenador(a) do Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao - PPGCI ECI/UFMG

Data de aprovao: Belo Horizonte, 20 de novembro de 2014

Av. Antnio Carlos, 6627 - Belo Horizonte, MG - 31270-901 - Brasil - Tel.: (31) 3409-5112 - Fax: (31) 3409-5490

DEDICATRIA

Vitria, Leandra, Joo e Yure. Meus sobrinhos.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, quero agradecer a minha orientadora, Cristina Dotta Ortega, pela excelente orientao que me foi dada, sempre pronta a me orientar pelos caminhos tortuosos da Cincia da Informao, pois a menor dvida era sempre respondida com presteza e ateno. Aos membros da banca por aceitarem participar da avaliao da dissertao, a professora Suely Moraes Ceravolo do curso de Museologia da UFBA, a professora Yaci-Ara Froner Gonalves da Escola de Belas Artes da UFMG, ao professor Luiz Henrique Garcia da Escola de Museologia da UFMG, o meu muito obrigado. Ao professor Paulo da Terra da Escola de Cincia da Informao da UFMG por me incentivar a entrar no programa de ps-graduao. Seus conselhos foram imprescindveis para que eu entrasse no mestrado. Aos funcionrios do Museu Imperial de Petrpolis, em especial, conservadora/restauradora Eliane Zannata, s muselogas Ana Lusa Alonso de Camargo e Aline Maller Ribeiro, que prontamente me receberam em seu ambiente de trabalho e que muito contriburam para essa pesquisa.Aos funcionrios das instituies nas quais eu pesquisei, Pedro Brito Soares do Arquivo Mineiro; Vincius Duarte Moreira e Raquel Teixeira do Museu Mineiro; Ozana Hannesch e Ana Cristina do Museu de Astronomia e Cincias Afins do Rio de Janeiro; Adriana Amaro, Fernando Amaro, Isamara Carvalho e Tatiana Christo da Biblioteca Nacional; e Edmar Gonalves da Casa de Rui Barbosa.Aos amigos da Escola de Conservao/Restaurao de Bens Mveis da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em especial grande amiga Ana Paula Corra de Carvalho e Maria Luiza Soares (Kuka). Aos companheiros da Fundao Municipal de Cultura de Belo Horizonte, do Museu Histrico Ablio Barreto e do Centro de Referncia Audiovisual, em especial Paulo Udi, Gilvan Rodrigues, Juliana Fabrino, Raphael Rajo, Ricardo Costa, Darlene Saturnino, Marcella Furtado, Soraia Nogueira e Isabel Beirigo.Aos amigos da PUC Minas So Gabriel, Mara Marques, Michele Marie e Chris Cssia.Aos meus amigos Marcos Maia, Mariana Maciel e Paulo Rocha.Aos meus familiares.

O passado no aquilo que passa, aquilo que fica do que passou. Alceu Amoroso Lima

RESUMO

A informao sobre as colees musealizadas pode ser vista dentro de um conjunto de aes articuladas que tem por objetivo preservar os testemunhos materiais produzidos ou recolhidos pelo ser humano. A documentao gerada pelos museus bastante ampla, envolvendo desde os trmites legais para a aquisio da pea, at as intervenes de restaurao, exposies, emprstimos entre outros. H um entendimento do potencial que essas informaes podem ter na gerao de novas informaes, auxiliando os profissionais no planejamento e na execuo de seu trabalho. Alm disso, essas informaes so importantes testemunhos sobre a histria dessas colees e das instituies que as detm. Dessa forma, o estudo pretende abordar a organizao da informao voltada para o trabalho realizado nos museus, enfocando o carter sistmico das instituies museolgicas. Discute os conceitos de musealizao, documento, patrimnio e bem cultural, observando suas relaes com o assunto tratado. Tambm discute a produo documental realizada pelo museu e aborda, como exemplo, algumas instituies que trabalham de forma sistmica o seu acervo. Para o desenvolvimento da pesquisa, optou-se por uma abordagem horizontal sobre a atividade museolgica, identificando seus processos, desde aquele que retira o objeto de sua funo original para exercer uma funo simblica, transformando-o em bem cultural musealizado; em seguida a insero do objeto em uma coleo passando pelo processamento tcnico at a guarda na reserva tcnica e sua fruio por meio da exposio, ao educativa, como tambm, eventuais aes de conservao e restaurao. Conclumos que os museus guardam uma quantidade imensa de contedo, muitas vezes heterogneos e que as informaes sobre as colees so dispersas, podendo estar em vrios locais dentro de uma mesma instituio, prejudicando a gesto das colees e emperrando o fluxo informacional. Para que isso no ocorra necessrio que o museu seja visto de uma forma sistmica e que utilize as novas tecnologias da informao para auxiliar nesse trabalho de gesto e integrao da informao e das aes do museu.

Palavras-chave: Organizao da Informao. Musealizao. Teoria dos Sistemas. Patrimnio Cultural.

ABSTRACT

The information about collections of museum can be seen within a set of coordinated actions which aims to preserve material evidence produced or collected by humans. The documentation generated by the museums is very broad, ranging from the legal procedures for the acquisition of the piece; the restoration interventions, exhibitions, loans and more. There is a potential that such information may be in the generation of new information, helping professionals in the planning and execution of their work. In addition, this information is important testimonies about the history of these collections and institutions that hold them. Thus, the study aims to discuss about the organization of information about the work done in museums, focusing on the systemic character of museum institutions. Discusses the concepts of musealization, document, heritage and cultural assets, watching their relations with the subject matter.

Keywords: Information Organization. Musealization.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1Processo de recuperao da informao....................................................... 39

Figura 2 Sistema de Informao Documentria para Museus .................................... 54

Figura 3Normatizao. Standards Internacionais....................................................... 58

Figura 4Site do Museu Imperial de Petrpolis ............................................................ 71

Figura 5Sistema de Busca do Museu Imperial, no qual pode ser visto o resultado da busca, atravs da ficha catalogrfica. .................................................................................. 72

Figura 6Site da Fundao Magnes ........................................................................... 73

Figura 7Sistema de Busca do Magnes Collection of Jewish Art and Life, no qual pode ser visto o resusltado da busca. ........................................................................................... 74

Figura 8Site do Instituto Smithsonian. ........................................................................ 75

Figura 9Sistema de Busca do Site Instituto Smithsonian (Collection Research Center), no qual pode ser visto o resultado da busca. ....................................................................... 76

LISTA DE ABREVIATURAS

ABRACOR Associao Brasileira de Conservao e Restauradores de Bens CulturaisABNT Associao Brasileira de Normas TcnicasFBN Fundao Biblioteca Nacional CECOR Centro de Conservao e Restaurao de Bens Culturais MveisEBA/UFMG Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas GeraisEBA/UFRJ Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de JaneiroECI/UFMG Escola de Cincia da Informao da Universidade Federal de Minas GeraisFMC Fundao Municipal de Cultura de Belo HorizonteFCRB Fundao Casa de Rui BarbosaICCROM - Centro Internacional de Estudos para a Conservao e Restaurao de Bens CulturaisICOM International Council of MuseumsICOMOS Conselho Internacional de Monumentos e StiosLACRE Laboratrio de Conservao e Restaurao de Documentos Grficos da Fundao Casa de Rui BarbosaLAPEL Laboratrio de Conservao e Restaurao de Documentos em Papel do Museu de Astronomia e Cincias AfinsMAST Museu de Astronomia do Rio de JaneiroOCRI Ps-Graduao Lato Sensu em Organizao do Conhecimento para a Recuperao da InformaoUFMG Universidade Federal de Minas GeraisUFOP Universidade Federal de Ouro PretoUFRJ Universidade Federal do Rio de JaneiroUNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a CulturaUNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

SUMRIO

1 INTRODUO131.1 PROBLEMA E JUSTIFICATIVA141.2 OBJETIVO181.2.1 Objetivo Geral181.2.2 Objetivos Especficos191.3 METODOLOGIA191.3.1 Fundamentao Terica191.3.2 Execuo da Pesquisa201.3.3 Estrutura da Dissertao202. O MUSEU E A MUSEALIZAO212.1 O PROCESSO DE MUSEALIZAO212.2 O PATRIMNIO E OS BENS CULTURAIS273. ORGANIZAO DA INFORMAO EM MUSEUS333.1. ORGANIZAO DA INFORMAO333.2 DOCUMENTAO MUSEOLGICA413.3 NORMAS PARA A ORGANIZAO DA INFORMAO EM MUSEUS544 A PRODUO DOCUMENTAL DAS DISTINTAS REAS DO MUSEU594.1 O MUSEU E A TEORIA DOS SISTEMAS594.2 EXEMPLOS DE SISTEMAS INTEGRADOS DE INFORMAO695 CONSIDERAES FINAIS77REFERNCIAS78BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR 877 ANEXOS91ANEXO 1 - LISTA DE SOFTWARES DE GESTO DA INFORMAO UTILIZADOS EM MUSEUS91ANEXO 2 - MUSEUS CADASTRADOS COM ACERVO CATALOGADO.92

1 INTRODUO

Uma pintura de Di Cavalcanti, um ferro de passar do incio do sculo XX, um relgio que pertenceu a um ilustre escritor, uma escultura em madeira do sculo XVIII, uma vitrola fabricada pela RCA Victor, uma porcelana proveniente da China, uma fotografia dos ndios Xavantes, um uniforme usado por um prainha na Segunda Guerra Mundial, um mapa da construo de Belo Horizonte, um livro de Machado de Assis, um violo, um chapu, uma casa, uma frma para fazer queijo etc. So inmeros os objetos que rodeiam a vida do ser humano, sendo produzidos ou utilizados para satisfazer suas necessidades. Alguns desses, com o tempo, so tratados de forma diferenciada, outros valores simblicos so atribudos, diferentes das suas funes originais, o que acarreta a sua preservao, havendo ento, a necessidade do registro de suas informaes. A informao sobre as colees musealizadas bastante ampla, envolvendo desde os tramites legais para a aquisio da pea; as intervenes de restaurao, exposies, emprstimos entre outros. Muitas instituies possuem informaes acumuladas atravs de anos de atividade profissional que so registradas numa ficha. Ela pode ser em papel ou fazer parte de um sistema informatizado de recuperao da informao. Inclusive, ela pode se desdobrar em outras fichas, dependendo do tipo de acervo. Essa ficha pode conter os seguintes campos a serem preenchidos, entre outros: histrico da pea; autoria/fabricante; material de qual composto, estado de conservao; procedncia; origem etc. Contudo, o uso dessa ficha no a nica forma de registrar as informaes sobre o que realizado nas colees. Tambm podemos encontrar relatrios, banco de imagens, anotaes em cadernos etc, mas o principal instrumento de organizao e busca da informao tem sido a ficha de catalogao. Ao longo do tempo, os modelos e as ferramentas se alteraram, mas o princpio do registro continua fundamental para subsidiar as aes sobre as colees. Atualmente, h normas internacionais que so utilizadas para a realizao das atividades de um museu, como as indicadas, por exemplo, pelo International Council of Museums (ICOM). Esses padres servem de base para o trabalho realizado pelos profissionais de museus, entretanto, cada instituio tem a sua maneira de gerenciar esse processo.As informaes sobre as colees, de qualquer natureza, so importantes testemunhos, pois explicitam a maneira como foram tratadas durante o tempo, sendo, portanto, constitutivos de sua histria, o que de fundamental importncia para a prpria preservao das colees. Tambm podemos mencionar o auxlio que essas informaes podem fornecer para o entendimento dos bens culturais, pois elas servem de base para um trabalho mais apurado. Sendo assim, ressaltamos a importncia dos bens culturais, j que so entendidos como pontes entre o presente e o passado e so elementos primordiais de construo de identidades coletivas. O museu est intrinsecamente ligado ao conceito de bem cultural e tambm de patrimnio, que pode ser entendido como o conjunto dos bens materiais e imateriais de um povo ou nao. Contemporaneamente, os conceitos de bem cultural e de patrimnio recebem as mais diversas formas e expresses, sendo alvo de intensos debates.Nossa inteno analisar as atividades realizadas sobre as colees musealizadas em conjunto com outras atividades desempenhadas por uma instituio museolgica, pois entendemos que o museu configura-se como um sistema no qual as vrias partes so inter-relacionadas, no podendo ser vistas como isoladas. O presente trabalho pretende abordar a organizao da informao de colees musealizadas. A nossa preocupao recai sobre a maneira como as informaes so organizadas e recuperadas e qual o papel dessas informaes em relao s demais informaes no contexto museolgico.

1.1 PROBLEMA E JUSTIFICATIVA

Atualmente vivemos um perodo em que mudanas significativas vm ocorrendo tendo como foco a informao. Uma nova estrutura social surge nesse perodo, denominada por Castells (2001) de informacionalismo[footnoteRef:1]. Nessa nova estrutura, que tem um vis economicista, mas que acabou se espraiando para todas as reas da sociedade, a informao torna-se elemento primordial como geradora de novas riquezas, transformando-se em moeda de troca. Nesse sentido, tambm podemos dizer que as chamadas novas tecnologias tm proporcionado grandes mudanas em todas as esferas da sociedade[footnoteRef:2]. [1: A perspectiva terica que fundamenta essa abordagem postula que as sociedades so organizadas em processos estruturados por relaes historicamente determinadas de produo, experincia e poder. (CASTELLS, 2001, p.32-33).] [2: Significativas transformaes econmicas, (geo) polticas, sociais, culturais e institucionais vm remodelando a base material da sociedade a partir de estratgias de acumulao que contm em seu cerne processos de gerao e de difuso de novos conhecimentos [...] Profundas reestruturaes organizacionais e culturais acompanham as formas contemporneas de produo e de acumulao capitalista, surgindo tambm distintas exigncias quanto orientao e s estratgias de interveno dos diferentes agentes sociais. (BAUMGARTEN, 2001, p. 09-10).]

informacional porque a produtividade e a competitividade de unidades ou agentes nessa economia (sejam empresas, regies ou naes) dependem basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma eficiente a informao baseada em conhecimentos. [...] A emergncia de um novo paradigma tecnolgico organizado em torno de novas tecnologias da informao, mais flexveis e poderosas, possibilita que a prpria informao se torne o produto do processo produtivo. (CASTELLS, 2001, p. 87).

A partir da metade do sculo XX, devido Segunda Guerra Mundial, as pesquisas em cincia e tecnologia aumentaram vertiginosamente. Consequentemente, a produo de informao acompanhou esse desenvolvimento. Com o aumento da populao e o grande desenvolvimento das indstrias de telecomunicaes e informtica, a demanda para o uso desses produtos acelerou. Hoje, ento, nos deparamos com uma situao que comporta duas vertentes principais: a quantidade e a variedade de formas de expresso e, mais importante, o grande nmero de pessoas a exigir acesso a todas elas (CAMPELLO; CALDEIRA; MACEDO, 1998, p. 5).Com o surgimento da web, que possibilitou uma comunicao entre as pessoas, empresas e pases de forma instantnea e aumentou consideravelmente a acumulao e a difuso da informao, tornou-se necessrio a descoberta e implantao de instrumentos mais potentes de organizao, guarda e busca da informao. A informao sempre constituiu pilar importante dos mais diversos modos de produo social, entretanto, em cada momento histrico tem se configurado de forma especfica. (BAUMGARTEN, 2000).Dessa forma, j de longa data que o ser humano tem tido a necessidade de registrar suas ideias, suas experincias e seus sentimentos. Essa prtica tm sido realizada com o auxlio dos mais diversos suportes: parede das cavernas, tbuas de argila, madeira, pele, papel, disquetes, discos entre outros. Com essa gama de suportes, o ser humano foi conseguindo acumular uma grande soma de informaes que, com o passar do tempo, devido ao aumento da sua produo, precisou ser organizada para que contedos pertinentes pudessem ser encontrados no menor tempo possvel. Podemos dizer que essa procura est sujeita s condies objetivas de cada agrupamento humano, sua cultura e seu modo de pensar. Contemporaneamente, essa procura tem sido feita, em grande parte, atravs de tecnologias digitais, o que acarreta novas discusses sobre a informao.Na condio de seres humanos, h um limite de percepo e de reteno da informao.

A abundncia de dados digitais exacerba a mais fundamental restrio no trato da informao: os limites da compreenso humana. As novas tecnologias da informao nos trazem a possibilidade virtual de ter acesso a todo tipo de informao, em qualquer lugar e a qualquer momento [...] As novas tecnologias de informao so inteis sem os meios de localizar, filtrar, organizar e resumir os seus produtos (LUCAS, 1996, p. 69).

Dessa forma, entendemos que a informao deve ser ordenada, estruturada e contida de alguma forma, seno permanecer amorfa e inutilizvel. (MCGARRY, 1999, p. 11). Organizamos nossas colees no intuito de que possam ser disponibilizadas e acessadas, portanto, recuperadas. As instituies, de um modo geral, tm se preocupado cada vez mais em melhorar o gerenciamento da informao com o objetivo de dinamizar suas atividades. Dessa forma, podemos dizer que tem havido uma percepo do potencial das informaes que essas instituies produzem e acumulam. Essas informaes podem estar registradas nos mais diferentes suportes e ter os mais diversos formatos, como: agendas, fichas catalogrficas, fitas de vdeo, arquivos de udio, planilhas, planos de trabalho, manuais, normas internas, arquivos digitais, cadernos de anotaes, entre outros. Esse processo tambm tem ocorrido com as instituies culturais[footnoteRef:3] e artsticas e, dentro desse contexto, com os museus. [3: Instituio cultural pode ser definida como: estrutura relativamente estvel voltada para a regulao das relaes de produo, circulao, troca e uso ou consumo da cultura (ministrios e secretarias da cultura, museus, bibliotecas, centros de cultura, etc.). (COELHO NETTO, 1997, p. 219).]

O interesse no assunto tem suas razes na experincia profissional do autor dessa dissertao, j que o mesmo tem formao na rea de museologia, tendo realizado diversos trabalhos em museus e instituies culturais. Entretanto, foi como integrante da equipe do Laboratrio de Restaurao da Biblioteca Nacional, no perodo compreendido entre fevereiro de 2006 a janeiro de 2007, que pde observar a realizao do trabalho de restaurao e a maneira como as informaes sobre as intervenes eram registradas. Isso ocorria atravs de uma ficha, chamada de ficha de diagnstico. Essa ficha era utilizada para obras como: manuscritos, mapas, plantas, partituras, peridicos, gravuras, folhetos, obras de artes. No caso dos livros, alm da ficha de diagnstico, tambm eram utilizadas mais duas fichas: a ficha tcnica de encadernao; e a ficha tcnica de desmonte e relao de cadernos[footnoteRef:4]. Essas informaes, depois de registradas numa dessas fichas eram armazenadas num banco de dados da instituio. [4: Um livro, quase sempre, composto por cadernos que, unidos, formam o livro. Quando o livro restaurado, ele desmontado e se no houver um esquema ou guia auxiliando o restaurador a remontar os cadernos, pode haver confuso das folhas na remontagem. No caso de livros muito antigos nem sempre h paginao, e mesmo que a tenha no possvel confiar nela. O profissional pode fazer uma paginao artificial com o lpis, mas a ficha tcnica de desmonte e relao de cadernos assegura que as folhas sero remontadas na ordem em que estavam.]

Com essa experincia profissional, pensamos que essas informaes poderiam ter uma organizao mais elaborada e, principalmente, oferecer um melhor aproveitamento de suas possibilidades de produo de conhecimento. Dessa forma, essas discusses foram levadas para o mbito acadmico atravs do curso de Ps-Graduao Lato Sensu em Organizao do Conhecimento para a Recuperao da Informao (OCRI)[footnoteRef:5], da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), originando trabalho de concluso de curso intitulado Mtodos de Organizao do Conhecimento para a Melhoria do Armazenamento da Informao no Laboratrio de Restaurao de Bens Culturais. Nesse trabalho realizamos levantamento de literatura sobre Restaurao e Organizao do Conhecimento, um estudo de caso sobre o Laboratrio de Conservao e Restaurao de Documentos Grficos (LACRE)[footnoteRef:6] da Fundao Casa de Rui Barbosa (FCRB), no Rio de Janeiro, e como proposta, discutimos a utilizao de linguagens documentrias para melhor organizar essas informaes. [5: O curso tem como objetivo geral: especializar profissionais da informao na organizao do conhecimento para a recuperao da informao, visando aprimorar sua atuao na implantao, gesto, anlise e crtica de sistemas de recuperao da informao em atividades de pesquisa e didtico-pedaggicas. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2014).] [6: A escolha desse laboratrio se justificou, principalmente, porque na poca o LACRE estava implantando um sistema de recuperao da informao informatizado, o que para ns suscitava uma nova perspectiva de investigao. O que observamos que a equipe teve dificuldade em lidar com o novo sistema, no que tange a utilizao do software e o preenchimento das fichas, pois esse processo passou a ser feito diretamente no computador.]

Em nosso entendimento, essas informaes carregam grande potencial na gerao de novas informaes, pois a partir delas possvel, por exemplo, realizar um histrico, saber qual tcnica mais empregada, que tipo de material mais utilizado etc. Nesse sentido possvel elaborar estatsticas seguras sobre o acervo que foi trabalhado, auxiliando os profissionais na tomada de deciso, no seu planejamento e na execuo de seu trabalho. As informaes sobre os objetos so to importantes como os prprios objetos, pois elas contextualizam a sua existncia. Muitas instituies museolgicas tm informao acumulada e com grande potencial de uso, sendo de interesse sua organizao para recuperao de forma eficiente sobre s colees musealizadas, utilizando-as como possvel fonte geradora de conhecimento. Sendo assim, acreditamos que poderemos contribuir com as discusses sobre a organizao da informao nos museus. Dessa maneira que o tema de nosso trabalho perpassa aspectos de organizao da informao, focando nas atividades realizadas em colees musealizadas.

1.2 OBJETIVO1.2.1 Objetivo Geral

Discutir a organizao da informao de colees musealizadas, focando o carter sistmico das atividades de um museu.

1.2.2 Objetivos Especficos

Discutir os conceitos de musealizao, documento, patrimnio e bem cultural, observando suas relaes com a organizao da informao de colees musealizadas. Discutir a documentao museolgica e as normas utilizadas para padronizar o trabalho realizado nos museus. Discutir a produo documental e as etapas de trabalho do museu, tendo como enfoque o seu carter sistmico. Abordar, como exemplo, algumas instituies que trabalham de forma sistmica o seu acervo. 1.3 METODOLOGIA1.3.1 Fundamentao TericaEm nossa pesquisa, o trabalho realizado nos museus foi discutido de uma forma sistmica e, para tal, utilizamos a teoria geral dos sistemas, proposta por Ludwig Von Bertalanffy (2012).Para explorar o entendimento sobre as colees de museus, tendo como referncia o patrimnio cultural e os bens culturais, escolhemos autores de linha historiogrfica, quais sejam: Franoise Choay (2001); Dominique Poulot (2009); e tambm, Jos Reginaldo dos Santos Gonalves (2003), da linha antropolgica.Para abordar o processo de musealizao, escolhemos autores que tratam do objeto museolgico enquanto suporte de informao e sua relao com a noo de documento e, para tal, discutimos a partir de: Maria Lucia de Niemeyer Matheus Loureiro e Jos Mauro Matheus Loureiro (2013); Zbynek Strnsk (1981); e Suely Moraes Ceravolo e Maria de Ftima Tlamo (2007).Para a discusso em torno da organizao da informao, trabalhamos a partir de: Nair Kobashi (2007 e 2013); Cristina Ortega (2012); Marisa Brscher (2008); e Ligia Caf (2008).No que se refere Documentao, partimos dos trabalhos que tivessem alguma aproximao com a discusso do objeto museolgico, enquanto documento: Paul Otlet (1934); Johanna Smit (2008) e Antonio Garca Gutirrez (1999).Para a discusso sobre organizao da informao nos museus, partimos dos trabalhos que tivessem como foco a documentao museolgica. Nesse sentido, trabalhamos com: Helena Dodd Ferrez (1987 e 1994); Helena Ferrez Maria Helena Bianchini (1987); Maria Ins Cndido (2006) e Mara Teresa Marn Torres (2002).Para uma abordagem dos sistemas informatizados utilizamos Lluis Codina (2005), por tratar o tema de forma conceitual.

1.3.2 Execuo da Pesquisa

O presente trabalho caracteriza-se como um estudo exploratrio, j que teve a inteno de proporcionar maior aproximao e conhecimento dos problemas citados. Entretanto, tambm podemos caracteriz-lo como uma pesquisa descritiva, pois, analisamos o museu numa perspectiva sistmica, no qual suas atividades so descritas e analisadas de forma integrada. Sendo assim, utilizamos a metodologia de cunho qualitativo, por ser a que melhor se refere ao tema proposto, j que, a nossa inteno era compreender as atividades realizadas pelo museu e sua relao com a teoria dos sistemas.

1.3.3 Estrutura da Dissertao

Para o desenvolvimento da pesquisa, optou-se por uma abordagem horizontal sobre a atividade museolgica, identificando seus processos, desde aquele que retira o objeto de sua funo original para exercer uma funo simblica, transformando-o em bem cultural musealizado; em seguida a insero do objeto em uma coleo passando pelo processamento tcnico at a guarda na reserva tcnica e sua fruio por meio da exposio, ao educativa, como tambm, eventuais aes de conservao e restaurao. Sendo assim, no captulo 2 (O Museu e a Musealizao) foram discutidos os conceitos de musealizao, documento, patrimnio e bem cultural, relacionando-os com o tema tratado. No captulo 3 (Organizao da Informao nos Museus) tratamos da organizao da informao e a organizao da informao que realizada nos museus. Tambm abordamos a documentao museolgica e as normas utilizadas para padronizar o trabalho realizado nos museus. No captulo 4 (A Produo Documental das Distintas reas do Museu) foi abordado a produo documental e as etapas de trabalho do museu, tendo como enfoque o carter sistmico da atividade de uma instituio museolgica, como tambm, citamos alguns exemplos de instituies que tem como projeto o tratamento do acervo de forma integrada.

2. O MUSEU E A MUSEALIZAO2.1 O PROCESSO DE MUSEALIZAO

Neste captulo discutimos os conceitos de musealizao, documento, patrimnio e bem cultural, observando suas relaes com a organizao da informao de colees musealizadas.Como foi mencionado, h um grande nmero de objetos a nossa volta. O ser humano, como ser pensante, tende a criar diversos objetos para suprir suas necessidades. Kroeber (1949) usa o conceito de superorgnico para explicar que isso o que diferencia os humanos dos animais.

A espcie humana sobreviveu. E, no entanto, o fez com um equipamento fsico muito pobre. Incapaz de correr como um antlope; sem fora de um tigre; sem a acuidade visual de um lince ou as dimenses de um elefante; mas, ao contrrio de todos eles, dotada de um instrumento extraorgnico de adaptao, que ampliou a fora de seus braos, a sua velocidade, a sua acuidade visual e auditiva etc. (LARAIA, 2009, p. 38-39).

Dessa forma, a humanidade conseguiu, atravs do desenvolvimento do seu crebro, criar instrumentos que pudessem auxili-lo em sua sobrevivncia. Isso talvez explique a quantidade de objetos que o ser humano vem criando ao longo de sua existncia. Podemos dizer que o ser humano se faz humano atravs dos objetos que cria. Um objeto um produto que criado para alguma funo, [...] ele designa aquilo que colocado ou jogado (ob-jectum, Gegen-stand) em face de um sujeito, que o trata como diferente de si, mesmo que este se tome ele mesmo como objeto. (DESVALLS; MAIRESSE, 2013, p. 68). Quer dizer, h uma distino entre o ser e aquilo que ele cria. Apesar de que, h casos que acontece uma simbiose entre os dois, tornando-os indissociveis. Entretanto, h objetos que se diferenciam de outros por sua carga simblica, tornando-se objetos de museu, quer dizer, um objeto musealizado. O processo de musealizao, segundo Loureiro e Loureiro (2013, p. 2), consiste em: processo (ou conjunto de processos) por meio dos quais alguns objetos so privados de sua funo original e, uma vez revestidos de novos significados, adquirem a funo de documento.

O homem percebe sua dimenso humana ao se projetar no mundo. Atravs de suas vrias manifestaes expressivas, da construo de objetos que eventualmente ocupam um lugar no espao, da reconstruo da paisagem, o homem se apropria das coisas do mundo, atribuindo-lhes significados. (DERDYK, 2003, p. 10).

Contemporaneamente, os objetos que compem as colees museolgicas so vistos como portadores de informao e, portanto, como documento. Para Ulpiano Bezerra de Meneses (1992, p. 111) a musealizao o processo de transformao do objeto em documento. A musealizao tem seu incio com uma etapa de separao dos objetos de seus contextos originais para outro lugar em que possam ser estudados como documentos. Ele, ento, se transformaria em testemunho de determinada realidade, portanto seria um substituto ou uma representao dessa realidade (DESVALLS; MAIRESSE, 2013).O objeto musealizado permite que tenhamos uma viso mais ampla de documento, considerando que o termo tem sido retomado na Cincia da Informao quanto a antigas propostas j desenvolvidas desde o incio do sculo XX, principalmente as ideias de Paul Otlet. Em sua tica tudo poderia ser um documento, ou tudo teria potencial para ser documento.

Por mais potentes que sejam os atuais sistemas de informao e a tecnologia que os sustenta, pode-se afirmar que o sonho de Otlet, a saber, a organizao de toda a informao, mostrou-se totalmente invivel hoje, pois abordagem quantitativa (toda a informao) no pde ser acrescida uma abordagem qualitativa, quando se constata que a capacidade de leitura e absoro de informaes pelo ser humano praticamente no mudou nos ltimos sculos. Dito de outra maneira, as snteses propostas por Otlet propem uma soluo para o acesso a uma informao cada vez mais volumosa, mas uma soluo forosamente unificadora, ou centralizadora, que dificilmente corresponde s diferentes necessidades locais dos habitantes da aldeia global. (SMIT, 2008, p. 20).

Dessa forma, que se faz necessrio uma avaliao do que ser incorporado a uma instituio museolgica, pois h limites nesse processo, como: limites fsicos de guarda de acervo, de pessoal, financeiro, conceitual etc.

por esta razo que a musealizao, como processo cientfico, compreende necessariamente o conjunto das atividades do museu: um trabalho de preservao [...], de pesquisa (e, portanto, de catalogao) e de comunicao (por meio da exposio, das publicaes, etc.) ou, segundo outro ponto de vista, das atividades ligadas seleo, indexao e apresentao daquilo que se tornou musealia[footnoteRef:7]. O trabalho da musealizao leva produo de uma imagem que um substituto da realidade a partir da qual os objetos foram selecionados (DESVALLS; MAIRESSE, 2013, p. 57). [7: O termo objeto de museu , por vezes, substitudo pelo neologismo musealia (pouco utilizado), construdo a partir do latim, com plural neutro: as musealia. (DESVALLS; MAIRESSE, 2013, p. 68).]

Sendo assim, a musealizao permite aos pesquisadores o acesso ao objeto/documento, o que abre caminho para mltiplas possibilidades de produo de conhecimento, pois atravs deste possvel novos olhares, inclusive o confrontamento com outros tipos de documentos (SANTOS; LOUREIRO, 2012). As fontes no so uma janela que se abre e expem diretamente o passado, pois entre o passado e o historiador h uma srie de filtros: a prpria preservao de uma fonte, por exemplo, um filtro. (VICENTINO; DORIGO, 2012, p. 10). Waldisa Rssio (1984) enfatiza que a musealizao uma forma de preservao, pois o fato de separar o objeto e transferi-lo para o museu denota sua importncia como testemunho, o que reflete sua fidelidade, por isso, a preocupao em preserv-lo.

Como estratgia de preservao, a musealizao aponta, assim, para essas duas direes, objetivando no apenas garantir a integridade fsica de uma seleo de objetos, mas tambm promover aes de pesquisa e documentao voltadas produo, registro e disseminao das informaes a eles relacionadas, com vistas transmisso a geraes futuras. [...] Trabalhar com objetos musealizados implica em assumir sua polissemia. (SANTOS; LOUREIRO, 2012, p. 51).

O termo musealizao teria sido cunhado por Zbynek Strnsk na dcada de 1970 (BARAAL, 2008). Segundo Schreiner (1980, p. 39) o museu era definido por Strnsk como: instituio documentria que acumula, preserva e comunica testemunhos autnticos da realidade objetiva. Para Loureiro e Loureiro (2013), Strnsk procurou definir o processo de musealizao a partir de uma perspectiva informacional, mesmo que aberta e provisoriamente. Durval Lara Filho (2009, p. 166) diz que qualquer objeto musealizado tem uma funo documental.Como foi falado anteriormente, a musealizao o processo que transforma o objeto em documento. Sendo assim, importante o entendimento sobre o que venha a ser documento e o seu papel nesse processo. A palavra documento originria do termo em latim documentum, que tem significado associado quilo que serve como prova. Encontramos tambm os termos docere (ensinar), doceo (aprender), disco (ensinar ou instruir). (SANTOS, 2013), (LOUREIRO; LOUREIRO, 2013). Dessa forma, o documento denotaria um meio pelo qual seria possvel ensinar ou informar.

A noo de documento envolve a de informao. O documento constitudo por uma instncia fsica e por uma instncia simblica ou informacional, sendo que esta s existe de fato quando acionada, o que deflagra perspectiva comunicacional. Por sua vez, toda produo e uso de informao ocorre em um certo contexto social e cultural, de modo que os aspectos contextuais sociais e culturais so determinantes na produo documentria. (ORTEGA, 2012, p. 6).

Por muito tempo, o termo documento esteve associado ao documento escrito. Dessa forma, a fonte principal de anlise eram os documentos oficiais, que na maioria das vezes eram produzidos pelo Estado. Entretanto, a partir dos anos 1920, a chamada Histria Nova ou Escola dos Annales comeou a questionar a forma de narrativa tradicional, que tem por foco o enaltecimento dos grandes feitos polticos e a histria dos grandes personagens. Os historiadores dessa vertente contriburam para o alargamento do conceito de documento. (LOUREIRO; LOUREIRO, 2013). Para Febvre (apud LE GOFF, 1984, p. 98) a Histria deveria ser feita com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presena, a atividade, os gostos e a maneira de ser do homem.

Os documentos permitem que a informao se converta num recurso social de enorme potncia, ao mesmo tempo em que permitem que supere as barreiras do tempo e do espao. Uma informao que no fica registrada em alguma classe de suporte material, por mais valiosa que seja, se perde de maneira to definitiva como a energia que se perde por frico em uma mquina. Nem uma (informao) nem a outra (a energia) podero voltar a ser utilizadas.[footnoteRef:8] (ABADAL; CODINA, 2005, p. 30, traduo nossa). [8: Los documentos permiten que la informacin se convierta en un recurso social de enorme potencia, al mismo tiempo que permiten que supere las barreras del tiempo y del espacio. Una informacin que no queda registrada en alguna clase de soporte material, por muy valiosa que sea, se pierde de manera tan definitiva como la energa que se pierde por friccin en una mquina. Ni la una (informacin) ni la otra (la energa) podrn volver a ser utilizada.]

A noo de documento tambm alargada conceitualmente pela Documentao nos anos 1930, o que muito provavelmente tem relao com o movimento da Histria, que tratamos anteriormente. Segundo Loureiro e Loureiro (2013), o advogado belga Paul Otlet teria estabelecido as bases para uma reflexo sobre a noo de documento em Cincia da Informao pois, para Otlet, haveria outros suportes de informao alm do livro. Nesse sentido, para Smit (2008, p. 11):

possvel detectar duas correntes de pensamento que conformaram, a partir de meados do sculo passado, o entendimento do que seja um documento e, conseqentemente, do que possa ser entendido pelo termo documentao, sendo uma corrente mais pragmtica e a outra se caracterizando por uma abordagem funcionalista do documento.

A corrente pragmtica limita o documento aos registros grficos, principalmente os textuais. J a corrente funcionalista, enfatiza a funo informativa do documento. Essa vertente est associada a Paul Otlet e documentalista Suzanne Briet. (SMIT, 2008); (LOUREIRO; LOUREIRO, 2013).Briet abordou os documentos com base em sua estrutura fsica e abstrata. De incio tratava o documento como conhecimento fixado materialmente que tinha por finalidade a consulta, estudo ou prova. Entretanto, com o tempo, ampliou o conceito para coisas mais abstratas, no sentido de ser algo identificado a partir de alguma coisa fsica. A noo de documento em Cincia da Informao e a de musealizao em Museologia contribuem para a compreenso dos aspectos referentes s instituies museais.

No museu nos defrontamos com objetos enquanto objetos, em suas mltiplas significaes e funes ao contrrio, por exemplo, do que ocorre num supermercado, em que os objetos so definidos essencialmente (embora no exclusivamente), por seu valor de uso. No museu, objetos de nosso cotidiano (mas fora de contexto e portanto, capazes de atrair a observao) ou estranhos vida corrente (capazes, por isso, de incorporar minha as experincias alheias) assumem valores cognitivos, estticos, afetivos, sgnicos. Doutra parte, a funo documental do museu (por via de um acervo, completado por bancos de dados) que garante no s a democratizao da experincia e do conhecimento humanos e da fruio diferencial de bens, como, ainda, a possibilidade de fazer com que a mudana-atributo capital de toda realidade humana deixe de ser um salto do escuro para o vazio e passe a ser inteligvel. (MENESES, 2010, p. 18-19).

Como falado anteriormente, o fruto da musealizao o objeto como documento. Entretanto, antes mesmo do objeto passar por esse processo ele percebido como um patrimnio, e que, portanto, precisa ser preservado.

A coleo, ao formar parte da instituio museolgica, substitui seu antigo carter de gosto particular de seu antigo dono por um por estudo cientfico, investigador e educativo, inserindo-se no complexo museal. Sobre, por tanto, uma transformao de tipo interno ao transmutar tanto o objeto de sua existncia (gozo para o colecionador/pea educativa no museu) como sua finalidade (satisfao de seu dono ao ser coleo particular/exposio pblica e domnio coletivo no museu. (LEN, 2010, p. 88).[footnoteRef:9] [9: La coleccin, al entrar a formar parte de la institucin musestica, sustituye su antiguo carcter de gusto particular de su dueo por un estudio cientfico, investigador y educativo, insertndose en el complejo musestico. Sufro, por tanto, una transformacin de tipo interno al transmutar tanto el objeto de su existencia (goce para el coleccionista/pieza educativa en el museo) como su finalidad (satisfaccin de su dueo al ser coleccin privada/exposicin pblica y de dominio colectivo en el museo. (LEN, 2010, p. 88).]

Antes do objeto passar por esse processo de musealizao, ele percebido como um bem cultural. O museu, como o arquivo e a biblioteca, tem em suas dependncias grande parte do patrimnio de nossa sociedade. Dessa forma, os processos de musealizao e patrimonializao esto interconectados, sendo necessrio entender como esses processos funcionam.

2.2 O PATRIMNIO E OS BENS CULTURAIS

O patrimnio cultural, nas suas mais diversas formas e expresses, vem sendo alvo de intensos debates na sociedade contempornea. Impulsionado por iniciativas governamentais, pela indstria do turismo e, tambm, por movimentos de resistncia de minorias tnico-sociais e culturais, a discusso sobre a preservao do patrimnio cultural aumentou consideravelmente.

O tema est presente nos meios de comunicao, assim como no mundo acadmico. Nos jornais, na televiso, na internet, as notcias so constantes sobre processos de patrimonializao dos itens os mais diversos, assim como sobre os agentes, os objetos, os espaos, os interesses e os conflitos em jogo. A palavra patrimnio transformou-se numa espcie de grito de guerra e qualquer espao da cidade, qualquer atividade, qualquer lugar, qualquer objeto pode ser, de uma hora para outra, identificados e reivindicados como patrimnio por um ou mais grupos sociais. Em geral, trata-se de reivindicaes identitrias, fundadas numa memria coletiva ou numa narrativa histrica, mas, evidentemente, envolvendo interesses muito concretos de ordem social e econmica. (GONALVES, 2012, p. 59-60).

A ideia de patrimnio antiga na sociedade humana, mas o conceito de patrimnio que conhecemos tem suas origens no sculo XVIII com a formao dos Estados Nacionais Europeus, sendo um instrumento utilizado na construo de suas identidades. Foi a partir desse momento que a noo de patrimnio como propriedade particular e herana paterna estendeu-se para os bens de uma coletividade. (SOUZA; CRIPPA, 2009, p. 208). Na Revoluo Francesa, segundo Fonseca (1997, p. 58):

os atos de vandalismo, que se intensificaram aps a priso do rei em Varennes, repugnavam os eruditos e contrariavam os ideais Iluministas de acumulao e difuso do saber. Por esse motivo, desde 1789, o governo revolucionrio tentou regulamentar a proteo dos bens confiscados, justificando essa preocupao pelo interesse desses bens para a instruo pblica.

O patrimnio cultural de um povo formado pelo conjunto dos saberes, fazeres, expresses, prticas e seus produtos, que remetem histria, memria e identidade desse povo. (BRAYNER, 2007, p. 12). Atrelado ideia de valor e de propriedade, o patrimnio algo que, pela sua importncia econmica, histrica, artstica, religiosa ou simblica, digno de ser preservado, estando ligado ao conjunto de bens que os indivduos possuem e/ou de sua coletividade. (GONALVES, 2003).

A preservao de acervos de qualquer natureza/suporte no constitui um fim, uma ao em si mesma. Ela se relaciona com o patrimnio, com o que ele representa, com a memria, com critrios de escolhas e com polticas de preservao, com leis de proteo ao patrimnio. Ao mesmo tempo, reflexo da conjuntura poltica em determinadas esferas sociais e do poder pblico. (CARVALHO, 2011, p. 29).

Dominique Poulot (2009) afirma que o patrimnio est relacionado assimilao do passado, que sempre transformao, metamorfose dos vestgios e dos restos, recriao anacrnica. Resulta, assim, em uma relao de fundamental estranheza estabelecida, simultaneamente, por qualquer presena de testemunhos do tempo remoto na atualidade. O autor considera, ainda, que a ideia do patrimnio no ocidente transformou-se sumariamente em lugar da pessoa pblica, em particular da figura do rei, lugar da histria edificante e lugar da identidade cultural. (POULOT, 2009, p.13).

As colees patrimoniais so a base sobre a qual os museus constroem e reforam o seu papel social e a identidade cultural. Permitem redescobrir os povos, as migraes, os movimentos e as ideias que criaram e deram forma s sociedades e s civilizaes. O desafio consiste em preservar essas colees patrimoniais, de modo a transmitir aspectos relacionados ao passado, enriquecer o presente e construir o futuro. (GRANATO; CAMPOS, 2013, p. 2).

A palavra patrimnio refere-se aos bens de herana, que passam, segundo as leis, dos pais e das mes para sua filiao. (POULOT, 2009, p.16). Ainda segundo o autor, Era malvisto interromper a cadeia de transmisso da qual a instituio familiar havia sido publicamente incumbida.

O que consideramos como patrimnio cultural material, objeto de interesse da conservao, so aqueles objetos/monumentos que se destacam dos demais por um processo de significao, que se formaliza quando da escolha para que faam parte desse conjunto. O que os diferencia dos demais, na moderna concepo de patrimnio pelo vis da Museologia, inclui a noo de comunicao, que pode traduzir-se de formas diferentes: significncia, simbolismo, conotao cultural, metfora, entre outros. Os objetos de interesse da conservao tm, portanto, em comum sua natureza simblica, todos so smbolos e todos tm o potencial de comunicao, seja de significados sociais, seja de sentimentais. (GRANATO; SANTOS; ROCHA, 2007, p. 5).

Entretanto, podemos observar, como afirma Franoise Choay (2001), que a palavra, com o tempo, adquiriu outros significados e adjetivos, tornando-se um conceito nmade (CHOAY, 2001, p.11). De um modo geral, quando se fala em patrimnio tendemos a fazer divises: patrimnio econmico, cultural, gentico, entre outros, e tambm subdivises, como no caso do patrimnio cultural: patrimnio cultural material ou tangvel e patrimnio cultural imaterial ou intangvel. Nesse sentido, percebemos que h muitos patrimnios a serem preservados ou vrias maneiras de se perceber o que patrimnio. At mesmo porque, o que visto como sendo digno de ser preservado como patrimnio para uma pessoa, grupo ou nao, pode no ter o mesmo valor para outros. Pelo visto, so tantos os patrimnios quantas so as inmeras compartimentaes da sociedade e seus interesses. (LEMOS, 1987, p. 32).O patrimnio tem sido visto, na atualidade, como uma categoria de pensamento. Este conceito proveniente da Antropologia e desde o incio da formao da disciplina, em fins do sculo XIX, um dos seus conceitos basilares. A Antropologia tem a preocupao com estudos comparativos de categorias de pensamento, reconhecendo nessas, estruturas na vida social. (GONALVES, 2003).Desta forma, o patrimnio, como outras categorias (Nao, Estado, Justia, Democracia etc.), uma construo social, historicamente estabelecida que, em muitos casos, naturalizada sendo utilizada indiscriminadamente. (GONALVES, 2003). As categorias de pensamento humano jamais se fixam de maneira definitiva, pois, fazem, desfazem e se refazem constantemente, transformando-se com o lugar e com o tempo. (DURKHEIM, 1972). Sendo assim, o patrimnio cultural necessita de procedimentos que mantenham a sua preservao, j que sua integridade fsica parte importante do processo pelo qual possvel sua comunicao.

A preservao do patrimnio cultural significa, principalmente, cuidar dos bens aos quais esses valores so associados, ou seja, cuidar de bens representativos da histria e da cultura de um lugar, da histria e da cultura de um grupo social, que pode, (ou, mais raramente no), ocupar um determinado territrio. Trata-se de cuidar da conservao de edifcios, monumentos, objetos e obras de arte (esculturas, quadros), e de cuidar tambm dos usos, costumes e manifestaes culturais que fazem parte da vida das pessoas e que se transformam ao longo do tempo. O objetivo principal da preservao do patrimnio cultural fortalecer a noo de pertencimento de indivduos a uma sociedade, a um grupo, ou a um lugar, contribuindo para a ampliao do exerccio da cidadania e para a melhoria da qualidade de vida. (BRAYNER, 2007, p. 12).

O conceito de patrimnio passou por mudanas considerveis, ampliando tambm o entendimento dos bens culturais. Esses bens so vistos como elementos fundamentais para que as identidades coletivas possam ser construdas. (BENCHETRIT, 2008).

Os bens culturais so aqueles atravs dos quais podemos compreender e identificar a cultura de um povo, em determinado lugar e momento histrico. Estes bens culturais podem ser tangveis ou intangveis. O objeto cultural ou evidncia material o bem tangvel, aquele que posso pegar, tocar: um livro, uma casa, uma panela, um quadro, um documento, um instrumento musical, um jornal, uma fotografia, um nibus, etc. O intangvel aquele que acontece em determinado momento e no se materializa atravs do tempo, no se perpetua: a execuo de uma msica, uma procisso, um ritual de umbanda, uma forma de plantio, um processo de fabricao de vinho, etc. Somente atravs de seu registro, que pode ser escrito, filmado, fotografado, que se materializa. (GRUNBERG, 2000, p. 3-4).

Os museus so instituies detentoras de grande parte do patrimnio. Dessa forma, eles organizam esse patrimnio e as suas informaes, tendo papel fundamental com a memria das instituies, das comunidades e dos indivduos, o que possibilita a criao de pontes entre o passado e o presente.Sendo assim, o reconhecimento de determinado objeto como patrimnio permite que ele seja musealizado e, portanto, reconhecido como documento. Entretanto, como aponta Gonalves (2012) preciso abrir o patrimnio, no sentido de entender como funcionam os mecanismos e processos que fazem com o que determinada coisa vire patrimnio. Muitas vezes, esses processos so mascarados ou vistos como naturais. Entendemos que esses mecanismos so construes sociais, e portanto, so frutos de disputas.

Ao contrrio do que indicavam as ideologias oficiais, os patrimnios culturais deixam de se configurar como um consenso (se verdade que algum dia o foram) e exibem-se como fragmentrios e divididos contra si mesmos. Sua unidade parece constituir-se em uma promessa jamais cumprida, uma realizao constantemente adiada. Assistimos a uma extensa, complexa e diversificada produo de patrimnios culturais que se desdobra para alm (ou aqum) das fronteiras nacionais. (GONALVES, 2012, p. 65).

As disputas sobre o patrimnio tm seu reflexo nos discursos que determinados grupos sociais fazem do patrimnio. Esse tema bastante debatido, pois tanto o patrimnio como o museu so essencialmente analisados como lugares de consagrao de determinadas memrias representativas de culturas, agentes sociais, personagens, perodos histricos. (ABREU; FILHO, 2012, p. 40).A ideia do museu, e tambm o patrimnio, como espao da consagrao de memrias, reverberou na composio dos museus, repercutindo na formao de suas colees. A maneira como os acervos foram formados expressam mais do que simples mecanismos de escolhas, refletem como determinados grupos percebem o que digno de ser patrimnio, como tambm, refletem o pensamento de determinado poca, sendo modificados com o tempo.

Para este fim, patrimnios e museus so postos de observao singulares. O que guardamos? O que descartamos? Como hierarquizamos as coisas, as palavras, as pessoas? Que categorias, valores e significados discursivos so eleitos quando se trata de preservar ou exibir uma manifestao cultural ou um perodo histrico? Que histrias esto sendo contadas a partir de inventrios, tombamentos, registros, documentaes e deslocamentos dos objetos da vida cotidiana para o mundo dos patrimnios e museus? (ABREU; FILHO, 2012, p. 40).

A maneira como o patrimnio constitudo, torna-se uma importante fonte de anlise, pois deixam expostos, os processos de escolha do que considerado patrimnio, e portanto, do que deve ser preservado. Esses mecanismos so representaes simblicas que determinados grupos sociais deixam transparecer. Um dos grandes desafios perceber como os valores que sustentam padres de conduta e regras culturais so expressos cotidianamente em prol do patrimnio, e por isso, discursivamente sustentados. (ABREU; FILHO, 2012).Sendo assim, o processo de patrimonializao repercute sobre o processo de musealizao, refletindo na formao das colees do museu.

3. ORGANIZAO DA INFORMAO EM MUSEUS3.1. ORGANIZAO DA INFORMAONeste captulo abordamos a organizao da informao, a organizao da informao em museus e as normas utilizadas no trabalho de organizao da informao em museus.Organizar a informao no uma das tarefas mais simples, at mesmo porque a informao entendida como tal dentro de uma viso em que o histrico, o social e o cultural so determinantes. Por outras palavras, a informao s se faz dentro de um sistema simblico e de significao que tem sentido em conformidade com a sociedade que a produz, quer dizer, o seu contexto. Sendo assim, organizar a informao reflete esses aspectos, os quais influenciam sua atividade. Em uma viso mais ampla, podemos dizer que precisamos organizar para poder compreender o mundo e nos comunicarmos melhor[footnoteRef:10]. (CAF; SALES, 2010, p. 117). [10: Desde crianas usamos categorias para nos relacionarmos com o mundo. Psiclogos nos falam que os crebros dos bebs organizam imagens dentro de categorias, tais como: rostos e comidas. (TAYLOR, 1999, p. 1, traduo nossa).]

Entretanto, organizar essa massa informacional torna-se uma atividade mais complexa num mundo heterogneo e disforme como na atualidade. Da mesma forma, as estruturas e categorias tradicionais no mais do conta da complexidade contempornea, o que leva a uma parafernlia de conceitos que tentam dar nome e enquadramento quilo que escapa categorizao. (LARA, 2013, p. 240). Esta falta de clareza tambm pode denunciar a dificuldade de se definir informao e conhecimento, o que tambm ocorre com o termo dado. Entretanto, alguns autores, como Fernandez-Molina (1994), referem-se a dado como informao em potencial e Burke (2000, p. 19) usa o termo informao para referir-se ao que relativamente cru, especfico e prtico, e conhecimento para denotar o que foi cozido, processado ou sistematizado pelo pensamento. Entendemos que a nossa pesquisa se insere na tica da Organizao da Informao, j que estamos preocupados com os aspectos inerentes descrio de objetos informacionais. Quer dizer, com o tratamento descritivo de colees museolgicas e a maneira como so organizadas. Para Aguiar e Kobashi (2013, p. 5), a Organizao da Informao pode ser compreendida como uma srie de atividades processuais com a finalidade de descrever intelectualmente contedos documentais para serem representados nos sistemas de recuperao da informao. Sendo assim, tambm podemos compreend-la como a organizao de um conjunto de objetos informacionais para arranj-los sistematicamente em colees, neste caso, temos a organizao da informao em bibliotecas, museus, arquivos, tanto tradicionais quanto eletrnicos. (BRSCHER; CAF, 2008, p. 5).

A Organizao da Informao uma rea da Cincia da Informao que abrange os fundamentos e os mtodos de produo e de gesto de sistemas de informao documentria. Tais sistemas coletam, manipulam, armazenam e disseminam documentos, informao fixada em suporte que objetiva o conhecimento, ampliando, assim, sua utilidade de modo substancial. (SANTOS, 2013, p. 25).

A organizao da informao a primeira parte das atividades documentrias, as quais so continuadas pelo armazenamento e a recuperao, visando o acesso e o uso.

A organizao da informao o conjunto de procedimentos que se inicia com a identificao de documentos e de pblicos e a seleo dos primeiros a partir da relao estabelecida entre ambos, e se d propriamente pelas atividades de ordenao de documentos (quando o caso) e de representao dos mesmos em sistemas. (ORTEGA, 2012, p. 7).

atravs da Organizao da Informao que se procura criar mtodos e instrumentos para a elaborao de informao documentria. (KOBASHI, 2007). Esse processo comea com a identificao de documentos que possam ter alguma relevncia para o usurio. Aps a seleo dos mesmos, realizada a produo de informao sobre esses documentos, por este motivo chamadas de informaes documentrias.Segundo Kobashi (1994, p. 64), a informao documentria a representao condensada do contedo de documentos, cuja finalidade facilitar a circulao da informao nas vrias esferas da atividade humana. Para Ortega e Lara (2009, p. 9) a Informao documentria aquela apreendida, registrada e armazenada em um sistema de informao de forma a ser passvel de recuperao e uso para os mais diversos fins demandados pela sociedade.As informaes documentrias so produzidas no contexto das operaes que compem o ciclo documentrio, quais sejam: produo de documentos, coleta, tratamento ou organizao, armazenagem, recuperao, disseminao e uso da informao. Estas operaes so ligadas umas s outras, de tal forma que cada uma depende da que a precede, de acordo com a lgica do processo. (GUINCHAT; MENOU, 1994, p. 30).O termo anlise documentria adotado para tratar de todo o processo de tratamento do documento, o qual constitudo pelas etapas de: leitura, anlise, sntese e representao. A opo pelo termo anlise deu-se pela percepo de que esta etapa determinante para a realizao das etapas seguintes, exercendo papel fundamental na qualidade do trabalho. A anlise documentria envolve os dois aspectos de tratamento do documento: o aspecto formal, no qual so exploradas as informaes para identificao do documento, alm de suas caractersticas fsicas; e o temtico, no qual realizada a atribuio de assuntos ou contedos temticos ao documento. Assim, a anlise documentria permite "[...] estabelecer uma ponte entre o usurio e o documento, fornecer subsdios ao processo de disseminao da informao, e gerar produtos documentrios (resumos e ndices)". (GUIMARES, 2003, p.104). Em outros termos, podemos dizer que:

Ao considerar a centralidade dos modos e meios estudados e propostos pela rea, deflagramos como seu objeto a mediao da informao, no sentido de mediao entre objetos e pessoas abordados, respectivamente, como documentos e usurios. Dito de outro modo, temos uma mediao entre objetos potencialmente informativos e pessoas potencialmente usurias da informao. (ORTEGA, 2012, p. 3).

Nesse sentido que h a mediao, a qual tem como alvo acomunicao que se d viainformao entre a representao do objeto e o sujeito que a interpreta. (ORTEGA, 2012, p. 3). Segundo Lara (1993, p. 27 apud ORTEGA, 2012, p. 3), a comunicao se efetiva no momento da apropriao. Entretanto, a apropriao da informaoocorre quando h apreenso da informao pelo usurio, cujo protagonismo permite a tomada de deciso ou a construo de conhecimento. (ORTEGA, 2012, p. 3). atravs da informao documentria que acontece a comunicao documentria. Esta requer:

[...] a organizao prvia da informao em categorias aptas a circular nas vrias esferas da sociedade. Considera-se, assim, a presena de um sistema que elabora mensagens (o sistema de informao documentrio) e o enunciatrio (o usurio) que as recebe e as interpreta. A transferncia de informaes requer, portanto, a elaborao de mensagens (representaes) que propiciem interpretaes produtivas. (KOBASHI; TLAMO, 2003, p. 13).

Para a produo das informaes documentrias representativas do contedo dos documentos, faz-se uso dos registros sobre os documentos, produzidos por meio de diversos instrumentos, como as linguagens documentrias (eventualmente chamadas de vocabulrios controlados), como os tesauros. As linguagens documentrias so sistemas simblicos institudos para facilitar a comunicao, com a ressalva de que sua funo comunicativa restringe-se a contextos documentrios, isto , seu sistema de smbolos destina-se traduo dos documentos. (CONCEIO; PECEGUEIRO, 2002, p. 88).

As linguagens documentrias so tradicionalmente consideradas instrumentos de controle terminolgico que atuam em dois nveis: a) na representao da informao obtida pela anlise e sntese de textos; b) na formulao de equaes de busca de informao. (TLAMO; LARA; KOBASHI, 1992, p. 197).

As linguagens documentrias possibilitam que o documento possa ser recuperado com pertinncia e rapidez, j que h o controle da significao, seguida da padronizao dos termos. A linguagem documentria evita a ambiguidade da linguagem natural, pois possvel o controle do significado, j que, com as linguagens naturais os significados podem ser mltiplos. Isso pode ter reflexo na eficincia com que o indexador descreve o assunto dos documentos, j que, autores diferentes podem ter diferentes palavras para expressar uma mesma ideia, como tambm, os prprios usurios podem ter vrias palavras para expressar uma estratgia de busca. (FUJITA, 2003). Neste sentido, as linguagens documentrias trabalham como mediadoras entre o item documental[footnoteRef:11] e o usurio, atuando no processo comunicacional entre ambos. (YASSUDA, 2009, p. 41). Os termos so padronizados atravs de vocabulrios controlados, que so utilizados na descrio do item documental, auxiliando na recuperao do contedo informacional. As linguagens documentrias so [...] instrumentos privilegiados de mediao que apresentam dupla funo: a) representar o conhecimento inscrito e b) promover interao entre usurio e dispositivo. (KOBASHI, 2007, p. 2). [11: Item Documental. Menor unidade documental, intelectualmente indivisvel, integrante de dossis ou processos. Unidade documental fisicamente indivisvel. (GLOSSRIO, 2014). ]

As linguagens documentrias, a cada dia, vm ampliando sua importncia como ferramentas de organizao e distribuio de informao. Elas permitem agregar valor informao, por meio da organizao temtica da informao e so importantes instrumentos, que possibilitam o compartilhamento das informaes produzidas por diferentes instituies. Os elementos de composio das linguagens documentrias so os termos. Eles so retirados das linguagens naturais. (KOBASHI, 2007). Podemos dizer que as linguagens documentrias so uma espcie de cdigo de traduo, que tem como uma de suas principais funes a normalizao das representaes documentrias, cujo objetivo a comunicao. Sendo assim, o trabalho realizado atravs das atividades documentrias citadas, com uso de instrumentos como as linguagens documentrias, tem como produto os sistemas de informao documentria, por meio dos quais a informao acessada:

Sistemas documentrios, ou sistemas de informao documentria, referem-se aos sistemas resultantes das atividades documentrias, ou seja, das aes informacionais sobre objetos tornados documentos. Trata-se de atribuio de significados com o fim de orientar usurios em seus processos de busca e de uso de informao. (ORTEGA, 2012, p. 6).

Um sistema de informao tambm pode ser visto como um sistema de recuperao da informao, j que tem a finalidade de recuperar a informao. Para que ele funcione necessrio que a informao esteja organizada ou tratada. Para Antonio Garca Gutirrez (1999, p. 87, traduo nossa) um sistema de informao um conjunto de elementos ou componentes relacionados com a informao que interagem entre si para alcanar um objetivo: facilitar e/ou recuperar a informao[footnoteRef:12]. [12: Un sistema de informacin es un conjunto de elementos o componentes relacionados con la informacin que interaccionan entre si para lograr un objetivo: facilitar y/o recuperar la informacin.]

Figura 1. O processo de recuperao da informao segundo Cesarino e Pinto (1980).

Segundo a Associao para a Promoo e Desenvolvimento da Sociedade da Informao de Lisboa (2005, p. 83), um sistema de informao composto por:

recursos humanos (o pessoal), recursos materiais (o equipamento) e procedimentos que possibilitam a aquisio, o armazenamento, o processamento e a difuso da informao pertinente ao funcionamento de uma empresa ou de uma organizao, quer o sistema esteja informatizado ou no.

Um dos objetivos de um sistema de informao fazer com que o usurio recupere a informao que deseja, atravs de documentos que apresentem determinadas caractersticas, como: autor, ttulo, assunto etc. Todo movimento existente nos Sistemas de Recuperao de Informao tem por princpio geral possibilitar a seu usurio o acesso informao/documentos. (CAMPOS, 2001, p. 17). Desta forma que os sistemas de recuperao da informao

organizam e viabilizam o acesso aos itens de informao, desempenhando as atividades de: Representao das informaes contidas nos documentos, usualmente atravs dos processos de indexao e descrio dos documentos; Armazenamento e gesto fsica e/ou lgica desses documentos e de suas representaes; Recuperao das informaes representadas e dos prprios documentos armazenados, de forma a satisfazer as necessidades de informao dos usurios. Para isso necessrio que haja uma interface na qual os usurios possam descrever suas necessidades e questes, e atravs da qual possam tambm examinar os documentos atinentes recuperados e/ou suas representaes. (SOUZA, 2006, p. 163).

A funcionalidade do sistema depende da aderncia entre o que foi representado e as questes de busca realizadas pelos usurios. (ORTEGA; LARA, 2010). Um dos elementos do sistema de informao a base de dados. Para Fidel (1987 apud ABADAL; CODINA, 1987, p. 5, traduo nossa) uma base de dados um armazm de dados de uma parte selecionada do mundo real para ser utilizado com propsitos particulares[footnoteRef:13]. Abadal e Codina (2005, p. 19, traduo nossa), dizem que uma base de dados uma representao de alguma parte da realidade[footnoteRef:14]. Uma base de dados formada por: [13: Una base de datos es un almacn de datos de una parte seleccionada del mundo real para ser utilizado con propsitos particulares. ] [14: Una base de datos es una representacin de alguna parte de la realidad.]

registros estruturados em campos de modo a facilitar o acesso informao presente nos documentos. Ela construda de modo sistemtico por uma ou mais pessoas, com o propsito de representar entidades do mundo real para os usurios de um dado contexto informacional. (SANTOS, 2013, p. 25).

Como parte da base de dados, temos os pontos de acesso, atravs dos quais possvel ao usurio acessar a descrio dos documentos:

Os pontos de acesso so elementos em geral j registrados na descrio bibliogrfica [...], mas em alguns casos revistos em sua forma para cumprirem sua funo de acesso descrio bibliogrfica por meio do ndice de busca, onde so agrupados. Deste modo, os pontos de acesso permitem chegar descrio bibliogrfica, a qual por sua vez, faz conhecer a existncia de um documento de interesse. (ORTEGA, 2009, p. 57).

Sendo assim, essas atividades tm como propsito a recuperao da informao. Segundo Abadal e Codina (2005, p. 29, traduo nossa), recuperar significa voltar a ter. Recuperar informao significa voltar a ter uma informao que alguma vez, h uns minutos ou h alguns anos, foi produzida por algum, por ns mesmos ou por terceiros[footnoteRef:15]. Dessa forma, os sistemas respondem pelo fato de que h, por parte do usurio, uma necessidade de se obter informao. [15: Recuperar significa volver a tener. Recuperar informacin significa volver a tener una informacin que alguna vez, hace unos minutos o hace unos aos, ha sido producida por alguien, bien por nosotros mismos o bien por terceras personas.]

Nesse sentido, entendemos que o usurio de fundamental importncia nesse processo, pois os sistemas so projetados para que ele possa encontrar o que deseja. Desse modo, essa relao entre o sistema de informao e o usurio deve ser vista de forma mais ampla, no se limitando s atividades de busca da informao. Deve-se levar em conta, a relao que ocorre entre o profissional da informao (bibliotecrio, muselogo, arquivista etc) e o usurio, atravs do trabalho de organizao da informao.

O usurio de informao assim se constitui quando um indivduo abordado a partir de um certo contexto institucional em situao de uso (real ou potencial) de informao, na perspectiva de aes profissionais, portanto, aes sistemticas e objetivas. Importa distinguir indivduos que usam informao e usurios de informao: ambos compem os interesses da rea mas os primeiros so observados para que os ltimos sejam compreendidos como tal. Deste modo, todo ser humano indivduo que usa informao, cuja explorao pode se dar a partir de abordagens sociolgicas (sujeitos informacionais), psicolgicas (sujeitos cognitivos), pedaggicas (sujeitos educandos) e outras, as quais, elaboradas sob o ponto de vista dos demais objetos empricos da rea, permitem aproximaes noo de usurios de informao. (ORTEGA, 2012, p. 5).

O usurio principal motivador de uma situao de comunicao, j que na recepo que se estabelece a ao da comunicao ou no. [...] A comunicao documentria , ento, um processo que exige, de um lado, a informao documentria e, de outro, o usurio que se apropria dessa informao. (ORTEGA; LARA, 2010, p. 9).Sendo assim, organizar a informao um processo complexo que envolve a utilizao de processos e instrumentos produzidos especificamente para a recuperao da informao e demanda profissionais especializados para sua elaborao e execuo, visando atender s necessidades informacionais dos usurios.

3.2 DOCUMENTAO MUSEOLGICA

Diante do exposto, cada vez mais, o museu visto como espao de informao e de produo de novas informaes. Para alm de suas funes j mencionadas, o museu , ou pelo menos deveria ser, um espao de pesquisa, um espao onde os testemunhos materiais sejam vistos como suportes de informao e detonadores de questionamentos e, portanto, geradores de conhecimento. Como veculos de informao, [os museus] tm na conservao e na documentao as bases para se transformar em fontes para a pesquisa cientfica e para a comunicao que, por sua vez, geram e disseminam novas informaes. (FERREZ, 1994, p. 2).

A formulao do conceito de objecto enquanto documento originou assim, o desenvolvimento tcnico da documentao. A documentao em museus nasceu pela necessidade de efectuar um controlo(sic), armazenamento e recuperao dos fundos documentais e das fontes de informao bibliogrfica que, na primeira metade do sculo XX, tinham crescido exponencialmente. Por este motivo, os museus foram, pela primeira vez, considerados depsitos documentais e equiparados aos arquivos e s bibliotecas pelos belgas Paul Otlet e Henri La Fontaine. (MARQUES, p. 49, 2010).

As colees museais so as bases das atividades de um museu. Os objetos so importantes instrumentos para se entender a sociedade, j que, do ponto de vista histrico-cultural so importantes fontes de informao, mesmo quando so encarados individualmente, mas principalmente, enquanto parte de sistemas culturais, materialmente configurados. (BARBUY, 2008).Os objetos incorporam informaes nicas sobre a natureza do homem na sociedade: nossa tarefa a elucidao de abordagens atravs das quais elas possam ser recuperadas, uma contribuio nica que as colees museolgicas podem dar para a compreenso de ns mesmos. (PEARCE, 2005, p.13).

A chamada cultura material participa decisivamente na produo e reproduo social. No entanto, disso temos conscincia superficial e descontnua. Os artefatos, por exemplo, so no apenas produtos, mas vetores de relaes sociais. Que percepo temos desses mecanismos? No se trata, apenas, portanto, de identificar quadros materiais de vida, listando de objetos mveis, passando por estruturas, espaos e configuraes naturais, a obra de arte. Trata-se, isto sim, de entender o fenmeno complexo da apropriao social de segmentos da natureza fsica e, mais ainda, de apreender a dimenso material da vida social. (MENESES, 2010, p. 18).

Dessa forma, as instituies de memria, detentoras de colees, tm sob a sua responsabilidade grandes desafios para salvaguard-las, sendo responsveis pela sua preservao, o que pressupe a conservao, a guarda e a segurana, permitindo a disponibilizao para pesquisa e a apreciao por meio de exposies em condies adequadas. Essas aes possibilitam instituio museolgica democratizar suas colees, tornando-as socialmente protegidas e amplamente usufrudas. Entretanto, para que os objetos museolgicos possam ser utilizados em todo o seu potencial informacional, necessrio que eles estejam organizados, do que decorre que a documentao imprescindvel.

No h como desenvolver nenhum trabalho nos museus se a documentao do acervo e sua pesquisa no estiverem atualizadas e consolidadas, pois delas emanam as linhas programticas de exposies, ao educativa, publicaes, intercmbios, dentre outras possveis frentes de atuao do museu. So elas tambm que podem assegurar o estabelecimento de uma poltica de acervo que determinar o que ingressar nos referidos acervos e quais critrios sero seguidos em caso de descarte. (FABBRI; MACHADO, 2010, p. 26).

A documentao museolgica o que permite socializar o patrimnio cultural (LOUREIRO, 2008) em suas mais diversas possibilidades (mas no somente, como foi relatado acima), pois atravs desse processo que suas potencialidades como fonte de informao so identificadas e disponibilizadas para o pblico. A atividade de documentar as colees de museus to antiga quanto as prprias instituies museais, entretanto, essa prtica nem sempre foi desenvolvida como as outras atividades do museu. (CERAVOLO; TLAMO, 2000).

Nos estudos de histria do colecionismo no se prestou muita ateno documentao, frente a outros aspectos mais atraentes, como a formao de certas colees, as exposies ou questes de ndole sociolgicas, como as relaes entre os colecionadores, os artistas e o pblico. Os instrumentos documentais, como inventrios e catlogos, foram usados mais como fontes historiogrficas para fazer a histria do colecionismo, como ocorreu com a histria da arte, sem ser tanto estudados como resultado de um importante processo inerente gesto das colees e dos museus.[footnoteRef:16] (TORRES, 2002, p. 9, traduo nossa). [16: En los estudios de historia del coleccionismo no se ha prestado mucha atencin a la documentacin, frente a otros aspectos ms atrayentes como la formacin de determinadas colecciones, las exposiciones o cuestiones de ndole sociolgicas como las relaciones entre coleccionistas, artistas y pblico. Los instrumentos documentales, como inventarios y catlogos, han sido utilizados ms como fuentes historiogrficas para hacer historia del coleccionismo, como ha ocurrido con la historia del arte, sin ser tanto estudiados como resultado de un importante proceso inherente a la gestin de las colecciones y de los museos.]

Mesmo sendo uma atividade antiga, podemos dizer que a preocupao de fato com documentao museolgica recente, principalmente no Brasil. Isso se reflete nos recursos (ou na falta deles) destinados ao trabalho de documentao, tanto do ponto de vista financeiro, de pessoal e de tecnologia. Essa uma atividade, vista por muitos, como de bastidor, sem visibilidade em comparao com as outras aes do museu, como as exposies e as aes educativas, por exemplo.

Numa realidade repleta de demandas, como a necessidade de investir no restauro ou na climatizao de edificaes para assegurar a salvaguarda do acervo, ou ainda na contratao e capacitao de profissionais para as vrias atividades do fazer museal, a documentao acabava por ocupar um papel coadjuvante, mais vinculado a demandas especficas e pontuais, como a pesquisa para novas exposies, por exemplo. (RAMOS, 2010, p. 14-15).

Para Ceravolo e Tlamo (2000, p. 242), a documentao aos poucos vai assumindo maior importncia nas atividades de museus, quer sob a tica administrativa, quer como elemento de pesquisa cientifica. Colees de objetos permanecem como sendo o elemento caracterstico e diferenciador entre museus, bibliotecas e arquivos.

A herana museal e cultural sofreu graves perdas no s por acidentes ou vandalismos, mas tambm por desaparecimentos, substituies ou roubos dos quais, em muitos casos, no se tem notcia. Estes fatos so produzidos por no existir nos museus um sistema de documentao ou por ser este inadequado suas necessidades.[footnoteRef:17] (MONREAL, 1982, p. 5, traduo nossa). [17: La herencia musestica y cultural ha sufrido graves prdidas no solo por accidentes o vandalismos, sino por desapariciones, substituciones o robos de los cuales, en muchos casos, no se tiene ni noticia. Estos hechos se han producido por no existir en los museos un sistema de documentacin o por ser este inadecuado a sus necesidades. (MONREAL, 1982, p. 5).]

Nos ltimos anos tem havido uma grande necessidade de gesto das colees museolgicas e, consequentemente, um maior rigor nos procedimentos de registros e inventrios. Isso por conta de presses internas e externas da instituio referentes busca pela informao, eficincia nos gastos e, como falado anteriormente, de um maior profissionalismo das equipes dos museus. Museus demandam planejamento e o estabelecimento de metas a curto, mdio e longo prazos colocando-os frente a frente aos desafios cotidianos de tomada de decises incluindo quelas que dizem respeito aos destinos do acervo. (CERAVOLO, 2014, p. 1).

O registro de um museu tem vrios objetivos, entre os mais importantes a gesto de colees, a pesquisa dos objetos, a segurana e o controle do movimento de entradas e sadas dos mesmos. Sabemos que uma das funes mais importantes de um museu o conhecimento das colees que possui, mas este conhecimento pode ser feito de vrias maneiras, todas elas com um nome e funo prpria e especfica e se chamar Inventrio Administrativo, Registro de Objetos, Catalgo de Colees, etc. Este elevado nmero de sistemas cria uma grande confuso entre os tcnicos de museus e muitas vezes faz com que as informaes relativas aos objetos se encontrem em vrios lugares, criando essa disperso, uma duplicidade de trabalho quando se trata de buscar dados precisos.[footnoteRef:18] (MONREAL, 1982, p. 5, traduo nossa). [18: El registro de un museo tiene varios objetivos, entre los ms importantes la gestin de colecciones, la investigacin de los objetos, la seguridad y el control del movimiento de entradas y salidas de los mismos. Sabemos que una de las funciones ms importantes de un museo es el conocimiento de las colecciones que posee, pero este conocimiento puede ser realizado de varias formas, todas ellas con un nombre y funcin propia y especfica y se llamar Inventario Administrativo, Registro de Objetos, Catlogo de Colecciones, etc. Este nmero elevado de sistemas crea un gran confusionismo entre los tcnicos de los museos y hace que muchas veces las informaciones relativas a los objetos se encuentren en varios lugares, creando esta dispersin una duplicidad de trabajo cuando se trata de buscar datos precisos.]

Sendo assim que, atualmente, a documentao museolgica vista como um importante instrumento de preservao e gesto das colees, pois a documentao do patrimnio cultural tem sido uma das tarefas mais exigidas aos responsveis pelos museus[footnoteRef:19]. [19: Para Bearman (1987, p. 32-33, traduo nossa) h sete principais sistemas de informao num repositrio cultural: gesto de pessoal, gesto financeira, gesto do espao, gesto de contratos, gesto de publicaes, gesto de exposio e gesto de colees. There are seven principal information systems in a cultural repository: Personnel management, Financial management, Space management, Contracts management, Publication management, Exhibits management, and Collections management.]

Para Ceravolo e Tlamo (2000, p. 242-243):

Observam-se aos menos duas tendncias no trato da documentao. Uma mais reflexiva debrua-se sobre a importncia do objeto como documento e suporte de informaes significativas para as pesquisas cientficas. Essa perspectiva poderia ser considerada como uma linha especialmente francesa, desenvolvida principalmente sob a gide das propostas de Rivire [...] Uma outra tendncia da documentao em museus pode ser chamada de tecnicista, pois visa em primeiro lugar o acesso rpido aos objetos e seus respectivos registros. [...] Esta tendncia desenvolve-se com fora no territrio norte-americano.

A documentao deve ser feita pelos motivos que apontamos, o que se reflete na legislao[footnoteRef:20], como no Brasil e em alguns pases. O Estatuto Brasileiro de Museus, Lei n 11.904, de janeiro de 2009, em seu artigo, 39 orienta: obrigao dos museus manter documentao sistematicamente atualizada sobre os bens culturais que integram seus acervos, na forma de registros e inventrios. [20: Tambm podemos citar, mesmo que no trate especificamente dos museus, a LEI N 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011, a lei de acesso informao, que de um modo geral estabelece procedimentos a serem observados pela Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios, com o fim de garantir o acesso a informaes. Como os museus no Brasil, em sua grande maioria, esto sob a responsabilidade do Estado, essa lei atinge grande parte das instituies. Assim, para que o museu possa dar acesso informao e estar de acordo com a lei, necessrio que sua documentao esteja organizada. ]

O cdigo de tica do ICOM (2009), considerado o principal documento desta instituio, estabelece normas mnimas para a prtica profissional e para a atuao dos museus. Mesmo no tendo fora de lei, um documento internacional que serve de base para as aes das instituies museais em todo mundo. A seo 2.20 trata da documentao de acervos, como segue:

Os acervos dos museus devem ser documentados de acordo com normas profissionais reconhecidas. Esta documentao deve permitir a identificao e a descrio completa de cada item, dos elementos a ele associados, de sua procedncia, de seu estado de conservao, dos tratamentos aque j foram submetidos e de sua localizao. Estes dados devem ser mantidos em ambiente seguro e estar apoiados por sistemas de recuperao da informao que permitam o acesso aos dados por profissionais do museu e outros usurios autorizados.

O que tambm pode ter contribudo para que a documentao ficasse de lado, foia imagem dos museus como depsitos, lugares nos quais se entulhavam coisas, ou seja, uma reunio de objetos que no tinham mais serventia em suas funes originais. Essa imagem, infelizmente, ainda perdura em muitos lugares, como afirma Mrio Chagas: No Brasil, por exemplo, frequentemente, associa-se o termo museu representao de um lugar que guarda coisas velhas. (CHAGAS, 2005, p.56).Dessa forma que muitos museus aceitavam objetos sem nenhum critrio de seleo, apenas recebendo o que lhe era oferecido, praticando a coleta passiva. Quando, por motivos variados, no aceitavam a oferta, muitas vezes eram acusados de negligentes.

[...] a maior parte das incorporaes era realizada sem normas e procedimentos claros de entrada no acervo, por profissionais sem formao na rea museolgica, que assumiam diversas funes no museu e no dispunham de estrutura e condies para maiores reflexes sobre sua prtica. Nesse contexto, praticamente todas as ofertas de doao eram aceitas e no foram raros os momentos em que campanhas foram iniciadas visando ampliar as colees, numa lgica de ausncia de critrios de seleo, como que pressupondo mrito maior aos museus quanto mais numerosos fossem seus acervos. (RAMOS, 2010, p. 16).

nesse sentido que muitos profissionais de museus so obrigados a trabalhar com acervos com pouca informao, que vieram do nada, sem relao estabelecida com a misso da instituio, at mesmo porque foram reunidos em pocas em que sequer existia a expresso poltica de aquisio de acervos, sendo muitas vezes atrelados a uma proposta celebrativa e pouco questionadora do passado[footnoteRef:21]. [21: Meneses lembra que, durante a dcada de 1960, houve alguns movimentos reivindicatrios, como o maio de 1968 francs, cujos questionamentos tambm se fizeram sentir na rea do patrimnio. Dessa forma, os museus e suas colees foram considerados patrimnios da burguesia, sendo vistos como templos e objetos de culto. Para os questionadores dos museus, a maneira que deveriam ser encarados era transform-los em fruns, espaos de debates, de criatividade e de interao. (MENESES, 2010).]

Fruto dessa ausncia de definio, tivemos um crescimento dos acervos em quantidade alta e com caractersticas as mais variadas na maioria dos museus, fazendo com que fossem incorporados ao patrimnio do Estado inmeros itens que dificilmente seriam inseridos se houvesse uma poltica focada, com requisitos objetivos. (RAMOS, 2010, p. 15-16).

A soma de precariedade e boas intenes[footnoteRef:22] levou formao de colees com relevncias distintas, ou sem nenhuma relevncia, como tambm incorporao de objetos sem nenhum tipo de documentao de aquisio ou qualquer outra informao, como procedncia, origem etc. Levou tambm a colees de documentos de tipologias e suportes muito heterogneos: fotografia, mobilirio, vestimentas, livros, numismtica entre muitos outros. Isso por um lado abre vrias possibilidades de uso das colees, como em exposies e pesquisas, mas por outro lado, essa variada tipologia e classes de objetos influencia decisivamente a documentao museolgica, principalmente, no que se refere s fichas catalogrficas, que precisam ser elaboradoras para dar conta dessa heterogeneidade de objetos. Como fazer para tratar colees que tenham ao mesmo tempo indumentria, numismtica, tapearia, espcimes etc? Como o profissional de museus se porta diante de tanta diversidade de temas a serem tratados? [22: No desmerecemos o trabalho e o esforo daqueles que, em condies precrias as mais diversas, se empenharam em preservar as colees sobre suas responsabilidades. Sabemos que a falta de recursos financeiros e de pessoal um problema crnico e de longa data em nossas instituies culturais. Entendemos que no mais catastrfico por conta do esforo e dedicao de homens e mulheres, de diversas reas, que muitas vezes, sem formao tcnica, conseguiram preservar as colees e manter os museus em funcionamento.]

Atualmente, com a constante profissionalizao da rea de museus, esses profissionais tm se preocupado cada vez mais em recolher objetos que expressam e dialogam com a proposta da instituio e, consequentemente, com a comunidade que o museu atende. Afinal, todos os esforos de seleo e organizao de colees, entre outras aes, so voltados para o pblico. Com esse desenvolvimento, tem sido pertinente a reflexo sobre as diversas atividades exercidas por um museu, como tambm, sua relao com outros campos do conhecimento.Segundo Meneses (2010) e Bittencourt (2005), o movimento chamado de Nova Museologia tambm teria contribudo para que o objeto museolgico ficasse em segundo plano, ou seja, o estudo da pesquisa das colees e o que Meneses chama de enfrentamento do objeto. (CARVALHO, 2011). Entretanto, ressaltamos a importncia desse movimento para a rea da Museologia, pois colocou questes relevantes relacionadas importncia dos museus se voltarem para a sociedade, ao considerar a questo dos problemas sociais, a nfase no tempo social, entre outros. Na opinio dos autores, a Nova Museologia teria surgido no bojo do que tem sido chamado de ps-modernismo, cuja nfase a negao do Objeto, a fragmentao, o relativismo. As questes ligadas ao ps-modernismo teriam, assim, atingido tambm os museus[footnoteRef:23]. Na posio ps-moderna o que importa no mais o suporte material, mas o carter da informao e como esta interage com o observador. (BITTENCOURT, 2005, p.44). [23: Tambm mencionando os movimentos artsticos do mesmo perodo, como a Pop Art, houve um questionamento da urea sagrada da obra de arte, j que para esses movimentos a arte estaria em todos os lugares e principalmente nas ruas, no estando somente no museu. Propostas como as instalaes, performances, happening, bodyart, arte conceitual, entre outros, propunham a arte como o lugar do efmero. O crtico de arte Giulio Carlos Argan props que o museu de arte contempornea descartasse acervo para que ele pudesse ser um espao de criatividade. (MENESES, 1994).]

Uma dcada depois, a ingenuidade deste binmio maniquesta estava patente; o mal no residia no suporte patrimonial do museu