CENTRO UNIVERSITÁRIO
DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS
FACULDADE DE DIREITO
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E A COMPATIBILIDADE DO ESTATUTO DE ROMA
COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA
PAULA ANDRÉA AIRES VERÇOSA R.A n.º 489476/4
FONE: (11) 8124-0557 E-MAIL: [email protected]
São Paulo 2008
PAULA ANDRÉA AIRES VERÇOSA
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E A COMPATIBILIDADE DO ESTATUTO DE ROMA
COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA
Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Ms. Emerson Penha Malheiro.
São Paulo 2008
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________
PROFESSOR ORIENTADOR
Prof. Ms. Emerson Penha Malheiro
__________________________________
PROFESSOR ARGÜIDOR
__________________________________
PROFESSOR ARGÜIDOR
Dedico esse trabalho aos meus pais, sempre tão
presentes e dedicados em todos os momentos da
minha vida, razão maior do meu esforço.
Aos meus irmãos e sobrinhos, que alegram a
minha vida e me dão força para lutar pelos meus
ideais.
Ao meu Anjo da Guarda, que sempre esteve
presente em todos os momentos difíceis da
minha vida, renovando as minhas forças dia-a-
dia.
Ao Professor Emerson Penha Malheiro, exemplo
de persistência e dedicação, tratando cada aluno
como se fosse único.
Aos meus amigos que permaneceram ao meu
lado nestes cinco anos.
E a todos aqueles que acreditaram na conclusão
deste trabalho.
“A justiça não é somente uma questão de castigo
de crimes de guerra e direitos humanos, é
também uma questão de reconhecimento do
sofrimento das vítimas. E para os afetados, em
muitos casos, este reconhecimento é parte
essencial de seu processo de reabilitação.”
(Richard Goldstone)
SINOPSE
O direito internacional se faz presente na história da humanidade, seja
para regular a sociedade, seja para punir os criminosos. Após muito tempo de
impunidade para os autores de crimes contra os direitos humanos, a comunidade
internacional criou o Tribunal Penal Internacional, que visa amenizar o sofrimento das
vítimas de crimes bárbaros como genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de
guerra e de agressão, com a punição de seus autores.
Como qualquer instituto novo, não é perfeito, fazendo com que haja
dúvidas no que concerne à sua validade em relação à Constituição Federal Brasileira.
Ao final de um estudo dos institutos presentes no Estatuto de Roma do
Tribunal Penal Internacional, é importante salientar que a justiça deve prevalecer sobre
a impunidade, fazendo com que cada Estado julgue seus criminosos e, se houver
inércia ou omissão, a Corte exercerá sua jurisdição com fulcro no princípio da
complementaridade. Se a justiça nacional não pune seus criminosos, há uma justiça
internacional capaz de priorizar os valores da liberdade, democracia e principalmente
da vida.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 01 1. FORMAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL............................................ 03
1.1 Momentos históricos....................................................................................... 041.2 Natureza jurídica do direito internacional....................................................... 061.3 Relação do direito internacional com o direito interno................................... 06
1.3.1 Teoria monista....................................................................................... 071.3.2 Teoria dualista........................................................................................ 07
1.4 Tratados........................................................................................................... 08
2. CRIAÇÃO DOS TRIBUNAIS AD HOC............................................................ 132.1 Tribunal Militar de Nuremberg........................................................................ 132.2 Tribunal Militar de Tóquio............................................................................... 152.3 Tribunal penal internacional para a antiga Iugoslávia...................................... 162.4 Tribunal penal internacional para Ruanda....................................................... 17
3. CRIAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL.............................. 193.1 Princípios.......................................................................................................... 20
3.1.1 Princípio da legalidade e anterioridade................................................... 203.1.2 Princípio da não punição repetida........................................................... 203.1.3 Princípio da presunção de inocência....................................................... 213.1.4 Princípio da complementaridade e a jurisdição...................................... 21
3.2 Aprovação e entrada em vigor......................................................................... 223.3 Estrutura........................................................................................................... 23
3.3.1 Presidência.............................................................................................. 243.3.2 Seção de Apelação.................................................................................. 243.3.3 Seção de Primeira Instância.................................................................... 243.3.4 Seção de Questões Preliminares............................................................. 243.3.5 Procuradoria............................................................................................ 253.3.6 Secretaria................................................................................................ 25
3.4 Financiamento.................................................................................................. 263.5 Reservas........................................................................................................... 27
4. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL................... 284.1 Crimes internacionais....................................................................................... 28
4.1.1 Crime de genocídio................................................................................. 294.1.2 Crime contra a humanidade.................................................................... 304.1.3 Crimes de guerra..................................................................................... 314.1.4 Crimes de agressão................................................................................. 31
5. CONFLITO ENTRE O ESTATUTO DE ROMA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA.......................................................................................
33
5.1 Entrega de nacionais......................................................................................... 335.2 A previsão de prisão perpétua.......................................................................... 355.3 As imunidades de foro por prerrogativa de função.......................................... 365.4 A questão da reserva legal................................................................................ 375.5 A questão do desrespeito à coisa julgada......................................................... 385.6 A imprescritibilidade dos crimes...................................................................... 395.7 Eficácia interna das decisões proferidas pelo Tribunal Penal Internacional.... 40
CONCLUSÃO........................................................................................................... 41 ANEXOS.................................................................................................................... 43 BIBLIOGRAFIA...................................................................................................... 48
INTRODUÇÃO
O presente trabalho de conclusão de curso tem por objetivo esclarecer o
funcionamento do Tribunal Penal Internacional e apresentar a compatibilidade do
Estatuto de Roma com a Constituição Federal Brasileira.
No primeiro capítulo do trabalho é abordado um breve histórico do direito
internacional: são apontadas as diferenças entre direito internacional público e direito
internacional privado; a natureza do direito penal internacional e do direito
internacional penal, bem como sua relação com o direito interno; enfocando as duas
teorias utilizadas para a solução de conflitos entre normas nacionais e internacionais.
Para entender o procedimento de negociação do Estatuto de Roma,
procedeu-se uma análise dos tratados, esclarecendo o processo desde o momento de
negociação e elaboração até a conclusão com a ratificação por parte dos Estados
interessados.
É analisado no segundo capítulo os chamados tribunais ad hoc, precedentes
do Tribunal Penal Internacional, com uma abordagem dos principais acontecimentos e
críticas, demonstrando o motivo da importância da criação de um tribunal permanente.
Em seguida, no terceiro capítulo, é enfocada a criação do Tribunal Penal
Internacional, com a aprovação do Estatuto de Roma e sua entrada em vigor, estrutura
da presidência, seção de apelação e de primeira instância, seção de questões
preliminares, procuradoria, secretaria e financiamento.
Tratou-se, no quarto capítulo, da competência do Tribunal Penal
Internacional, abordando o princípio da complementaridade e os crimes que são
tipificados no seu Estatuto, como os crimes contra a humanidade, de guerra , genocídio
e agressão.
Por fim, no quinto capítulo, foram demonstradas algumas questões
concernentes à Constituição Federal Brasileira, despertando possíveis
incompatibilidades entre os seus institutos e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Internacional, no que se refere a entrega de nacionais para julgamento no Tribunal, a
previsão de prisão perpétua, as imunidades por prerrogativa de função, a questão da
reserva legal e da coisa julgada.
O trabalho termina de forma direta, confirmando as concepções
apresentadas nos capítulos anteriores, numa conclusão que estabelece que a conquista
de um Tribunal Penal Internacional permanente foi o passo mais valioso da sociedade
mundial na luta contra barbaridades e impunidades ocorridas em face aos direitos
humanos.
1. FORMAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL
Desde o início dos tempos, em que o homem organizou grupos formando a
sociedade, já havia a percepção, mesmo que remota, de direito internacional, uma vez
que as pessoas comercializavam mercadorias entre si, organizavam seus grupos e até
mesmo quando entravam em guerra, respeitavam as normas criadas para os combates.
Com o passar dos séculos, o homem foi evoluindo, surgiram os Estados,
suas leis e, para que haja respeito mútuo, há que ter também normas internacionais
para todos respeitarem. Surgiu então o “Direito das Gentes”, que representa o respeito
que os Estados devem ter uns com os outros, resultando vínculos de direitos e deveres
sob normas jurídicas em que o próprio Estado se sujeita.
A terminologia “direito internacional” surgiu quando JEREMY BENTHAN
escreveu a obra “In Introduction to the Principles of Morals and Legislation”,
utilizando a expressão international law para falar do Direito das Gentes. Esta
expressão foi adotada em diversos idiomas, permanecendo, por exemplo, “direito
internacional” em português1.
Portanto, “o direito internacional é o ramo do direito que regula e estuda
normas que regem relações de direitos e deveres coletivos, mediante tratados,
convenções, acordos entre nações e cuida das relações existentes entre Estados, entre
Estados e Organizações Internacionais, entre as próprias Organizações
Internacionais, ou ainda entre pessoas e os demais entes do direito internacional”2.
Deverá existir a pluralidade de Estados soberanos e relação entre eles,
existindo princípios e valores comuns a serem respeitados.
“A qualificação ‘público’, encontrada na expressão ‘direito internacional
público’, é usada para diferenciar este ramo do direito da disciplina dedicada ao
estudo do conflito de leis no espaço (direito internacional privado). Convém ter em
mente, porém, que ‘direito internacional’ e ‘direito internacional público’ são
freqüente e corretamente utilizados como sinônimos 3”.
O direito internacional público cuida das normas que regulam o
relacionamento entre Estados, enquanto o direito internacional privado cuida das
questões jurídicas envolvendo relações particulares que estabeleceram compromissos
vinculados à legislação de mais de um país.
Ainda, o direito internacional tem aspectos penais, em face da necessidade
de prevenir e reprimir condutas que são capazes de ameaçar a paz, dividindo-se em
duas vertentes quanto a sua natureza, sendo:
I) manifestação internacional do direito penal, e;
1 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/direito_internacional>. Acesso em 08 ago 2007. 2 Conceito ministrado pelo Professor Emerson Penha Malheiro em aula aplicada no dia 06 fev 2006, no campus Liberdade das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).
II) manifestação penal do direito internacional.
O direito internacional penal cria condições teóricas para o surgimento do
Tribunal Penal Internacional, vinculando-se ao direito internacional público, enquanto
o direito penal internacional atua no âmbito das relações individuais no contexto
internacional, vinculando-se ao direito internacional privado.
1.1 Momentos históricos
Na Idade Média (que se inicia com a queda do Império Romano do
Ocidente em 476 e encerrando-se em 1453), além da comercialização de mercadorias
entre senhores feudais, a Igreja tinha grande influência para solucionar conflitos,
proibia a destruição de colheitas, exigia respeito aos camponeses, aos viajantes e às
mulheres. Nesta época existia uma espécie de juramento que os homens obedeciam.
Um juramento era mais valioso que qualquer outra norma e era muito respeitado.
Na Idade Moderna (que se iniciou em 1453, com a tomada de
Constantinopla pelos turco-otomanos, encerrando-se em 1789, com a Revolução
Francesa), surge o direito internacional como conhecemos hoje, com os conceitos
consolidados pela “Paz de Westphalia”, composta de tratados que encerraram a guerra
dos trinta anos entre católicos e protestantes, no ano de 1648. Neste conjunto de
tratados houve o aprimoramento dos direitos humanos e a configuração do conceito de
soberania e de Estado, abolindo uma hierarquia internacional baseada na religião,
reconhecendo que não poderia um Estado ser superior a outro.
3 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/direito_internacional>. Acesso em 08 ago 2007.
Com a Revolução Francesa (1789 a 1799) iniciou-se a Idade
Contemporânea, cresceu o conceito de nacionalidade com o respeito dos direitos
sociais e com o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Houve a
internacionalização dos Rios Europeus e a criação dos primeiros órgãos internacionais,
como a Primeira Convenção de Genebra relativa aos direitos humanos, ocorrida em
1864.
No século XX, precisamente no ano de 1919, foi criada a Sociedade das
Nações, também conhecida como Liga das Nações, antecessora da Organização das
Nações Unidas (ONU), principal órgão internacional que surgiu com o intuito de
promover o pacifismo, desenvolvimento econômico e igualdade entre os Estados.
Após a 2.ª Guerra Mundial, foram criados os Tribunais de Nuremberg e
Tóquio, iniciando as jurisdições internacionais e a soberania estatal, priorizando os
direitos humanos.
1.2 Natureza jurídica do direito internacional
O direito internacional é considerado sui generis, por não existir uma
entidade superior que obrigue os Estados a cumprirem o acordado diante de norma
jurídica internacional.
Por isso mesmo, o sistema de sanções do direito internacional é precário,
por não haver uma entidade supra-estatal perante as demais.
A execução e aplicação das sanções dependem somente da vontade das
partes, o que faz surgir uma enorme diferença com o direito interno, em que o Estado é
soberano perante os demais sujeitos de direito, obrigando-os a cumprirem suas
normas.
A teoria que explica o cumprimento do direito internacional está
relacionada com o princípio pacta sunt servanda4, ou seja, a partir do momento em
que um Estado adere, aceita vincular-se juridicamente com outro Estado, deverá
cumprir o que o acordo estabelece.
1.3 Relação do direito internacional com o direito interno
Mesmo sendo distintos, o direito internacional e o direito interno não
caminham totalmente separados, havendo a necessidade de explicação referente ao
início de um e término de outro.
Muitas vezes os Estados praticam atos que tem repercussão internacional e,
quando o conflito entre normas ocorre, a solução é buscada na doutrina, com a teoria
monista e a teoria dualista.
1.3.1 Teoria monista
Os adeptos da teoria monista acreditam que todas as normas emanam de
uma só fonte, pertencendo a um mesmo sistema jurídico, apenas uma se sobrepondo à
outra.
Com base na hierarquia da teoria monista, ela apresenta duas vertentes: uma
que defende a primazia do direito interno, chamado de monismo nacionalista,
defendida por Georg Wilhelm Friedrich Hegel, que visualiza no Estado a soberania
absoluta, sendo que o direito internacional só tem validade se for previsto na
Constituição do Estado; outra vertente defende a primazia do direito internacional,
4 Os tratados uma vez celebrados devem ser fielmente cumpridos, sob pena de sanções internacionais. Artigo 26
conhecida como monismo internacionalista, defendida principalmente por Hans
Kelsen.
1.3.2 Teoria dualista
No que diz respeito à teoria dualista, o direito internacional e o direito
interno caminham lado a lado, um complementando o outro.
VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI define de forma bastante clara esta
teoria: “O direito internacional regularia as relações entre os Estados, enquanto o
direito interno destinar-se-ia à regulação da conduta do Estado com os indivíduos.
Por regularem tais matérias diferentes, entre eles não poderia haver conflito, ou seja,
um tratado internacional não poderia, em nenhuma hipótese, regular uma questão
interna sem antes ter sido incorporado a este ordenamento por um procedimento
receptivo que o ‘transforme’ em lei nacional”5.
As normas internacionais e as internas são incomunicáveis, diferenciadas
pelas fontes, pois as normas internacionais resultam da vontade coletiva de Estados ou
de Organizações Internacionais, enquanto as normas internas importam-se somente
com a vontade de seu Estado, jamais podendo influenciar o direito internacional.
Para uma norma internacional ter validade, deverá ser incorporada no
ordenamento jurídico interno através de um procedimento próprio, devendo ainda ser
aprovada pelo Poder Legislativo, conforme previsão da Constituição Federal.
da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 26 de maio de 1969. 5 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito internacional público. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 83.
1.4 Tratados
Tratado é um acordo formal de vontades entre dois ou mais sujeitos de
direito internacional, podendo ser Estados ou Organizações Internacionais (que têm
personalidade jurídica de direito internacional), formalizado num texto escrito,
dependente de vontade das partes e com o objetivo de gerar direitos e deveres para os
pactuantes.
LUIS IVANI DE AMORIM ARAÚJO esclarece que: “Convenção e
Tratado são expressões sinônimas. Se antigamente, empregava-se o termo
‘Convenção’ para indicar os acordos entre Estados objetivando assuntos de natureza
econômica, comercial ou administrativa e a designação ‘Tratado’ para os acordos de
caráter político, hoje não se faz mais tal desconformidade”.6
Podem-se acrescentar no conceito acima descrito as expressões acordo ou
compromisso, também sinônimos de tratado.
Existem diversas espécies de tratados, levando-se em conta, para classificá-
los, o número de partes, a natureza e o procedimento.
Como o próprio conceito revela, os tratados somente obrigam as partes, não
sendo aplicável a terceiros: pacta tertiis nec nocent nec prosunt 7.
Para um tratado ter validade, deverá passar por um processo de negociação
e conclusão antes da sua entrada em vigor, para afastar qualquer vício e, por
conseqüência, a anulação do acordo.
6 ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 33. 7 Como regra geral, o tratado não pode aplicar-se a Estados que dele não fazem parte.
Em primeiro, deve-se observar a capacidade das partes, se são sujeitos de
direito internacional e pessoas capazes, dotadas de personalidade jurídica
internacional.
Cada parte tem um agente que a representa, com poderes para negociar e
concluir um tratado, podendo ser Chefe de Estado e/ou Chefe de Governo, dependendo
do sistema adotado em cada país.
No caso do Brasil, compete privativamente ao Presidente da República
celebrar tratados, conforme o artigo 84, inciso VIII da Constituição Federal de 1988.
Essa atribuição é conferida a um órgão auxiliar: o Ministério das Relações Exteriores,
localizado no Palácio do Itamaraty, em Brasília, que negocia e celebra, com a
cooperação de outros órgãos interessados na administração federal, tratados, acordos e
demais atos internacionais.
Em outros casos, poderá ser nomeada determinada pessoa, denominada
“plenipotenciário”, portadora de uma carta de “plenos poderes”, concedida pela
“Divisão de Atos Internacionais do Itamaraty” a pedido formal do Presidente da
República, para negociar o tratado.
A carta de “plenos poderes” é encaminhada à outra parte participante do
tratado, devendo o plenipotenciário entregá-la para dar início à negociação. Nesta carta
vem escrito que o Presidente da República o nomeia como representante para assinar,
em determinado local e em nome do governo, o tratado.
Após a negociação, o tratado é assinado pelas partes para dar autenticidade,
mas nesta fase ainda não gera efeitos jurídicos. No Brasil, só terá validade depois de
apreciado pelo Poder Legislativo interno (artigo 49, inciso I, Constituição Federal).
O Presidente elaborará uma mensagem enviando uma cópia da versão
oficial do tratado para o Congresso Nacional requerendo a aprovação dele. Versão
oficial é aquela de responsabilidade dos Estados, em seu próprio idioma (versão
traduzida).
Há a necessidade de o Congresso Nacional apreciar todos os tratados stricto
sensu para terem validade no território nacional, limitando-se apenas à sua aprovação
ou rejeição, jamais modificando o seu conteúdo.
Nos acordos executivos, que são tratados comerciais de pequena
importância, basta a parte legítima assinar para o tratado ter validade no direito
interno.
Uma vez apreciado pelo Poder Legislativo, o tratado deve ser promulgado,
através de um Decreto Legislativo e remetido ao Presidente da República para a
ratificação.
Se não houver aprovação pelo Congresso Nacional paralisa-se o
procedimento. Caso contrário há expedição de um Decreto Legislativo que autoriza o
Presidente da República ratificar o tratado por meio de Decreto Presidencial.
A ratificação é um ato unilateral, em que a parte que celebrou o tratado
expressa em definitivo a sua vontade de se responsabilizar perante a comunidade
internacional, depositando a ratificação no órgão internacional ou numa sede do
Estado participante do tratado, obrigando-se internacionalmente.
No Brasil, essa vontade vem expressa na “carta de ratificação”, que mostra
que o tratado foi concluído e aprovado pelo Congresso Nacional, assinada pelo
Presidente da República e contendo o selo das Armas da República, sendo também,
referendada pelo Ministro das Relações Exteriores.
Por fim, como toda norma jurídica, o tratado precisa ser publicado no
Diário Oficial da União, fazendo com que tenha força normativa conhecida por todos.
Visando a paz e a segurança mundial, a Organização das Nações Unidas
(ONU), orienta que todos os tratados devem ser registrados no seu Secretariado, para
uma parte invocá-la caso necessite. Sem esse registro, a ONU não reconhecerá o
tratado e não atuará no caso de conflito.
Quando há uma espécie de desacordo sobre determinado trecho do
conteúdo do tratado, a parte que não concordar poderá não se vincular só àquela
disposição, fazendo uma “Reserva”. Em alguns casos é mais vantajoso fazer uma
Reserva de determinada disposição do que rejeitar o tratado por completo. Cabe
ressaltar que há espécies de tratados que não admitem Reservas e que, se fazê-la, a(s)
outra(s) parte(s) precisa(m) concordar.
Também não é obrigatória a permanência no tratado, se o Estado desejar
deixar de fazer parte desta relação, basta realizar a “Denúncia” manifestando a sua
vontade para desobrigar-se, mas deverá seguir as regras de prazo ou disposições
processuais, caso houver.
Porém, se o Estado não participou da negociação do tratado, ainda poderá
fazer parte através da “Adesão” (no caso dos tratados abertos, que permitem a
participação).
2. CRIAÇÃO DOS TRIBUNAIS AD HOC
No período da 2.ª Guerra Mundial (1939 a 1945) novos delitos foram
cometidos, sobretudo pelos nazistas, extremamente graves e violentos, que atentavam
principalmente contra a humanidade. Seria inaceitável que tais delitos ficassem sem
punição.
Os tribunais ad hoc, também conhecidos como “tribunais de exceção”,
foram criados em caráter particular e temporário para julgar crimes específicos,
colocando-se sempre em prova a sua legitimidade.
2.1 Tribunal Militar de Nuremberg
Com iniciativa do governo norte-americano e constituído entre 17 de julho
e 8 de agosto de 1945, na Alemanha, após a 2.ª Guerra Mundial, a Carta do Tribunal
Internacional Militar, conhecido como Tribunal Militar de Nuremberg, surgiu para
julgar os criminosos de guerra das Potências Européias do Eixo8. Nesse julgamento, os
chefes da Alemanha nazista foram acusados de provocarem a 2.ª Guerra além de
diversos crimes contra os direitos humanos.
Foi, sem dúvida alguma, grande marco para a codificação de uma lei
internacional penal.
O Tribunal de Nuremberg era composto por quatro membros e quatro
suplentes, representantes das quatro potências vencedoras da 2.ª Guerra: Estados
Unidos (EUA), França, Reino Unido e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), que permaneciam fixos em seus respectivos cargos até o final do julgamento.
Esses juízes eram “desnacionalizados”, ou seja, seriam, em razão de seus
cargos, imparciais para passar a idéia de que o tribunal somente visava fazer justiça,
defendendo todos os povos e não seus respectivos Estados.
Os réus foram os principais dirigentes do 3.º Reich, denunciados pelos
crimes de conspiração, crimes contra paz, crimes de guerra e crimes contra a
humanidade, resultando na aniquilação de milhares de pessoas, cometidos
individualmente ou por organizações.
Dos 22 homens levados a julgamento, doze foram condenados à forca e
executados em de 16 de outubro de 1946, três a prisão perpétua, dois tiveram pena de
reclusão de vinte anos, um teve pena de reclusão de quinze anos, um foi condenado à
8 As Potências do Eixo eram formadas pela Alemanha, Itália e Japão.
pena de reclusão de dez anos e três foram absolvidos e liberados logo após o
encerramento da seção do julgamento.
A acusação baseou-se nos diversos tratados e pactos de não-agressão
assinados pela Alemanha com as Potências Européias, mas nenhum deles previa os
crimes cometidos e sua punibilidade.
A defesa era prejudicada porque não foram permitidas argumentações
referentes à política internacional e, na maioria das vezes, os advogados não tinham
acesso aos documentos apresentados pela acusação, vindo a conhecê-los através da
imprensa. Os advogados também não tinham conhecimento do procedimento adotado
pelo Tribunal, uma vez que eles eram alemães e o procedimento adotado era o anglo-
saxônico, adotado nos EUA e de conhecimento da acusação e dos juízes. Da sentença,
não havia recurso.
Uma das críticas à validade do Tribunal é no sentido de que foi cerceada a
defesa, não sendo adotado o procedimento mais benéfico ao réu. Mas, de qualquer
maneira, Nuremberg teve seu papel ao levantar o debate internacional acerca da
culpabilidade de Estados soberanos e a punição de indivíduos por atos contra a paz e
contra a humanidade.
Ainda hoje resta a dúvida acerca do motivo pelo qual o Tribunal de
Nuremberg não foi composto também por membros de países neutros, ou apenas por
eles, já que foi formado somente por membros de países vencedores da 2.ª Grande
Guerra. Se o Tribunal fosse criado com árbitros neutros (ou quem sabe da própria
Alemanha), o veredicto de Nuremberg seria menos questionável.
Independente de todas as críticas, Nuremberg foi pioneiro em julgar crimes
contra a humanidade e crimes contra a paz, tipificando estes delitos para o direito
internacional, além de consolidar crimes conhecidos como delitos de agressão e crimes
de guerra, em que atrocidades praticadas não poderiam ficar impunes.
2.2 Tribunal Militar de Tóquio
Também conhecido como Tribunal Internacional para o Extremo Oriente, o
Tribunal de Tóquio foi constituído em 19 de janeiro de 1946, na Conferência de
Moscou, pelos representantes da China, Estados Unidos, Reino Unido e União
Soviética, para julgar os criminosos de guerra japoneses.
Os crimes previstos neste tribunal eram os crimes contra a paz, crimes
contra a humanidade e crimes de guerra, este último com uma peculiaridade:
“enquanto Nuremberg trata apenas de guerra ‘declarada’, o Estatuto do Tribunal do
Extremo Oriente prevê como crime ‘o planejamento, a preparação, o início e a
implementação de uma guerra declarada ou não’”9.
Era composto por onze juízes dos seguintes países: Austrália, China,
Estados Unidos, Filipinas, França, Reino Unido, Países Baixos, Nova Zelândia, URSS
e Índia (escolhido na condição de país neutro por não ter participado da guerra).
Foram acusadas 28 pessoas, sendo sete condenados à morte e executados
em 23 de dezembro de 1946, dezesseis condenados à prisão perpétua, um condenado a
vinte anos e um condenado a sete anos de prisão. Dois acusados morreram no decorrer
do julgamento e um foi hospitalizado no início do processo e libertado após.
9 GONÇALVES, Joanisval Brito. Tribunal de Nuremberg 1945-1946: a gênese de uma nova ordem no direito internacional. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 203.
Mesmo o juiz indiano absolvendo todos os acusados por entender que o
tribunal não teria competência para julgá-los, todos os acusados foram condenados. No
caso do Tribunal de Tóquio, havia a possibilidade de recurso dos condenados.
2.3 Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia
O Conselho de Segurança da ONU criou em 25 de maio de 1993, um
Tribunal Internacional para julgar violações graves, praticadas no território da antiga
Iugoslávia depois do ano de 1991, como as atrocidades ocorridas no campo de
concentração de Trnopolje10, onde milhares de muçulmanos e croatas foram mantidos
prisioneiros sem nenhuma condição de sobrevivência.
Os crimes tipificados neste estatuto são: infrações graves às Convenções de
Genebra de 194911, violações às leis e costumes da guerra, genocídio e crimes contra a
humanidade.
Composto por dezesseis juízes de diferentes nacionalidades, o Tribunal para
antiga Iugoslávia, situa-se em Haia e desde a sua criação julgou 78 acusados (até
2003) onde seis foram absolvidos.
Para este Tribunal está previsto recurso e não há pena capital, uma vez que
um dos princípios do Estatuto do Tribunal para antiga Iugoslávia é a “proteção das
pessoas” definido pelo direito internacional humanitário. Está proibido qualquer tipo
de tortura, penas corporais, mutilações ou experimentos médicos/científicos.
10 FERNANDES, David Augusto. Tribunal Penal Internacional: a concretização de um sonho. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.68. 11 No término da 2.ª Guerra mundial, a Suíça realizou uma conferência diplomática com objetivo de adaptar as convenções de Genebra de 1929 ao novo sistema jurídico internacional. Surgiram quatro convenções: Convenção de Genebra para a Melhoria da Sorte dos Feridos e Enfermos dos Exércitos em Campanha; Convenção de genebra para a Melhoria da Sorte dos Feridos, Enfermos e Náufragos das Forças Armadas no Mar; Convenção de Genebra Relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra, e Convenção de Genebra Relativa à proteção dos civis em tempos de Guerra. Estas Convenções ainda estão em vigor e o Brasil faz parte delas.
2.4 Tribunal Penal Internacional para Ruanda
O Tribunal Penal Internacional para Ruanda foi criado pelo Conselho de
Segurança da ONU em 8 de novembro de 1994, mediante solicitação oficial formulada
pelo governo de Ruanda, para julgar criminosos da guerra civil ocorrida entre grupos
de etnia Hutus (constituídos por escravos e servos que formavam a classe baixa) e
grupos de etnia Tutsis (procedentes da Etiópia e do Egito, formando a classe superior).
Nesta guerra milhares de Tutsis foram massacrados, tiveram partes de seus
corpos amputadas e sofreram todos os tipos de maus-tratos causados por milícias
Hutus.
A competência do Tribunal é para julgar crimes de genocídio (praticados
contra os Tutsis) e outras violações às normas de direito humanitário, no território de
Ruanda.
Inspirado nas regras de procedimento estabelecidas para o Tribunal para a
antiga Iugoslávia, o Tribunal para Ruanda é formado por três Câmaras de Julgamento,
com três Juízes cada (eleitos pela Assembléia Geral da ONU) com mandato de quatro
anos e possibilidade de reeleição.
A sede do Tribunal para Ruanda localiza-se em Arusha, na Tanzânia
(cidade símbolo por ter sido o marco das negociações relativas à estabilização política
de Ruanda) e, por motivos de economia, o Procurador-Chefe e as Câmaras de
Apelação são os mesmos do Tribunal para antiga Iugoslávia, em Haia.
Com os Tribunais para a antiga Iugoslávia e para Ruanda, percebe-se que
há a necessidade de criação de um tribunal permanente, para julgar crimes de guerra e
crimes contra a humanidade cometidos a partir de sua criação, respeitando o princípio
da legalidade e anterioridade do direito penal.
3. CRIAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Em 1948, a ONU solicitou a seus especialistas que estudassem a
possibilidade de criar um tribunal criminal internacional permanente para julgar crimes
de guerra. No decorrer da Guerra Fria12 (1945 a 1991) essa idéia não saiu do papel,
sendo retomada a discussão somente após seu encerramento, com a emancipação de
Estados com fortes tendências ideológicas, políticas, geográficas e religiosas que
colocavam em risco a paz mundial.
Após o ocorrido em Ruanda e antiga Iugoslávia, a Assembléia Geral das
Nações Unidas percebeu que havia a necessidade de criar um tribunal permanente e
solicitou à Comissão de Direito Internacional que elaborasse um projeto de estatuto
para uma corte penal internacional.
No período entre 15 de junho e 17 de julho de 1998, houve uma
Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas, que criou o Estatuto
do Tribunal Penal Internacional, também chamado de Estatuto de Roma por ter sido
realizada tal conferência naquela cidade.
O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional é uma convenção
multilateral de caráter permanente, capacitando o Tribunal de personalidade jurídica
própria e internacional, competente para julgar indivíduos que cometam “crimes
graves que afetem o conjunto da comunidade internacional”13, em caráter
complementar.
3.1 Princípios
O Estatuto de Roma é regido por uma série de princípios fundamentais,
sendo que a maioria já são utilizados no direito penal brasileiro:
12 A Guerra Fria foi um conflito político-ideológico entre os Estados Unidos e a União Soviética, que teve início no final da 2.ª Guerra Mundial e encerrou-se com a extinção da União Soviética, no ano de 1991. Informação obtida no site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Fria. Acesso em 28 dez 2007.
3.1.1 Princípio da legalidade e anterioridade
É um princípio básico do direito penal, nullum crimen nulla poena sine
lege, em que uma pessoa não poderá ser punida se os atos cometidos não estiverem
previstos em lei, impossibilitando a utilização de analogia ou do direito costumeiro.
Os artigos 23 e 24 do Estatuto de Roma deixam claro a importância da
aplicação deste princípio. O indivíduo só poderá ser punido por um ato codificado no
Estatuto no tempo de sua vigência aplicando, em caso de ambigüidade, interpretação
em favor do acusado.
3.1.2 Princípio da não punição repetida
Outro princípio básico do direito penal é o ne bis in iden, pois o Tribunal
Penal Internacional não poderá julgar o mesmo fato duas vezes. Por isso, fundamenta-
se também o princípio da complementaridade, não podendo o Tribunal julgar o caso se
ele está sendo julgado no Estado, salvo se o Tribunal perceber que este julgamento
ocorre de maneira imprudente, visando excluir o réu do cumprimento da pena.
3.1.3 Princípio da presunção de inocência
13 Preâmbulo do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
O artigo 66 do Estatuto de Roma também aduz a inocência do acusado até
que provem sua culpa.
Este princípio é utilizado no Brasil com base na Constituição Federal
Brasileira que dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito julgado
da sentença penal condenatória”14.
É um dos principais princípios que protegem o direito de liberdade e a
dignidade da pessoa humana e uma das principais garantias constitucionais, fazendo
com que o acusado também tenha seus direitos respeitados.
3.1.4 Princípio da complementariedade e a jurisdição
Para crimes que envolvam fronteiras entre Estados, deverá haver todo um
cuidado em relação a quem têm competência para julgar. Tal assunto gerou muitas
discussões relativas à jurisdição e aplicabilidade do direito internacional humanitário.
Com a criação do Estatuto de Roma, foi debatida a questão da
complementaridade, tendo sido aprovado o conceito e incluído este princípio no
preâmbulo e nos artigos 1.º, 17, 18 e 19 do estatuto.
O Tribunal Penal Internacional “será complementar às jurisdições penais
nacionais”15
O princípio da complementaridade nada mais é do que a responsabilidade
de cada Estado de tomar as medidas necessárias para julgar os crimes previstos no
Estatuto. Se houver inércia por sua parte, o Tribunal Penal Internacional julgará o
14 Artigo 5.º, inciso LVII, Constituição Federal.
caso16. Ele descreve o princípio da complementaridade como requisito para a
admissibilidade de jurisdição.
Segundo DAVID AUGUSTO FERNANDES: “o TPI teria competência
para investigar e ajuizar um assunto sempre e quando um Estado não reivindicasse
sua jurisdição. Os Estados continuam a ter o papel principal, mas se não assumirem
ou considerarem a impossibilidade de fazê-lo, não mostrando interesse no assunto ou
atuando de má-fé, o TPI tomará frente na função de investigar, para garantir que seja
feita justiça. O Tribunal foi criado, em particular, para intervir em assuntos nos quais
não há perspectiva de os crimes internacionais serem devidamente processados por
tribunais nacionais.”17
3.2 Aprovação e entrada em vigor
O Estatuto de Roma foi aprovado com 120 votos a favor, 7 votos contra e
21 abstenções. Votaram contra a sua aprovação os Estados Unidos (EUA), Filipinas,
China, Índia, Israel, Srilanka e Turquia.
Em 07 de fevereiro de 2000, o Brasil assinou o Estatuto de Roma, que foi
aprovado pelo Congresso Nacional em 06 de junho de 2002, por meio do Decreto
Legislativo n° 112, depositou o instrumento de ratificação em 20 de junho de 2002 e
promulgou em 25 de setembro de 2002, pelo Decreto n° 4.388.
3.3 Estrutura
15 Artigo 1.º, Estatuto de Roma. 16 Artigo 17, Estatuto de Roma. 17 FERNANDES, David Augusto. Tribunal Penal Internacional: a concretização de um sonho. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.164.
O Tribunal Penal Internacional é composto pelos seguintes órgãos: Presidência,
Seção de Apelações, Seção de Primeira Instância, Seção de Questões Preliminares,
Procuradoria e Secretaria.
Há, acima de todos estes órgãos, a Assembléia dos Estados-partes, que decide todas
as questões importantes para o funcionamento do Tribunal Penal Internacional,
como adequação do Tribunal ao direito internacional atual, fiscalização, decisão
sobre orçamentos e demais assuntos importantes. Poderá também criar órgãos
subsidiários, de acordo com as necessidades.
Cada Estado-parte tem direito a um voto e a um representante. Reunir-se-á na sede
do Tribunal ou na sede da ONU, anualmente ou em sessões extraordinárias, quando
houver necessidade.
São dezoito juízes, sendo dez especializados em direito penal e oito especializados
em direito internacional, entre eles a brasileira Sylvia Helena de Figueiredo Steiner.
Os juízes foram eleitos mediante voto secreto da maioria absoluta dos Estados-
partes para um mandato de nove anos sem a possibilidade de reeleição. Cada Estado
pode indicar no máximo dois candidatos (não podendo haver dois juízes de uma
mesma nacionalidade). O Procurador-Geral e os Adjuntos foram escolhidos da
mesma forma.
Os juízes escolheram o Presidente, o Vice-Presidente e o Secretário pela maioria
dos seus votos.
3.3.1 Presidência
É composta por um Presidente e dois Vice-Presidentes, todos juízes do Tribunal,
eleitos pela maioria absoluta dos magistrados. A eles incube todas as atividades de
administração do Tribunal, com exceção da Promotoria, que é órgão autônomo.
3.3.2 Seção de Apelação
É composta por um Presidente e quatro juízes, que trabalham somente neste
órgão, desempenhando funções exclusivamente ligadas à recurso.
3.3.3 Seção de Primeira Instância
É composta por seis juízes, mas são necessários somente três para a
realização de audiência. A função da seção é zelar para que haja um julgamento justo e
claro para as partes, as testemunhas e as vítimas, cuidando do idioma a ser usado no
julgamento, publicidade e clareza das provas, interrogatórios e demais documentos.
Também poderá exercer todas as funções previstas na Seção de Questões Preliminares.
3.3.4 Seção de Questões Preliminares
É composta por pelo menos seis juízes e cuida de todos os assuntos
processuais anteriores à audiência realizada na Seção de Primeira Instância, ou seja,
interrogatórios, oitiva das vítimas, autorização para o Procurador iniciar alguma
investigação ou tomar alguma medida preventiva, entre outras. O prazo de atividade
desses juízes é de três anos, sendo prorrogado até o término da causa que eles
iniciaram.
3.3.5 Procuradoria
É órgão independente e separado do Tribunal, dirigido por um Procurador-
Geral e Procuradores adjuntos eleitos para um mandato de nove anos, sem
possibilidade de reeleição. Também podem ser nomeados assessores jurídicos
especializados em determinadas áreas, bem como investigadores.
Sua função é receber informações sobre crimes, realizar investigações para
a propositura de ação penal perante o Tribunal e demais obrigações previstas no
Estatuto.
3.3.6 Secretaria
É um órgão administrativo composto por um Secretário e um Secretário
Adjunto, eleitos pelos juízes do Tribunal para um mandato de cinco anos, com
possibilidade de reeleição uma única vez.
A função maior da Secretaria está ligada à garantia da defesa do acusado,
prestando todas as informações aos seus advogados, assistindo os detidos, além de
prestar auxílio à Procuradoria quando necessário. Também poderá apoiar as vítimas e
testemunhas, seja formulando plano de proteção à vítima/testemunha ou qualquer
outra atividade que julgar necessário.
Ainda poderá ser formado um Comitê Consultivo, caso necessário.
3.4 Financiamento
O Financiamento do Tribunal Penal Internacional está previsto no capítulo
XII do Estatuto de Roma, nos artigos 113 a 118.
As contribuições que sustentarão as despesas do Tribunal caberão aos
Estados-membros. A ONU também poderá oferecer fundos, conforme a aprovação da
Assembléia Geral, bem como poderá haver contribuições voluntárias de particulares,
governos, organizações particulares, empresas e outras entidades, conforme artigo 116
do Estatuto de Roma.
Estas contribuições pelos Estados membros têm gerado críticas no que
concerne à imparcialidade de possíveis julgamentos proferidos pelo Tribunal. Os
críticos afirmam ser impossível existir um julgamento justo por um tribunal financiado
por Estados que poderão ser inimigos no caso de uma guerra. Eles acreditam que o
correto seria que a ONU financiasse o Tribunal para que não haja corrupção18.
Hoje existe uma Comissão Preparatória que está discutindo acerca do
financiamento e do conceito do crime de agressão. Também está estudando o
relacionamento entre a ONU e o Tribunal Penal Internacional. Essa Comissão se reúne
duas vezes por ano e ainda não há uma definição concreta sobre o assunto19.
18 O presidente iugoslavo, Slobodan Milosevic fez diversas críticas ao Tribunal Penal Internacional, dentre elas, sobre sua imparcialidade devido a boa parcela do financiamento vir dos Estados-partes e não da ONU. O presidente morreu em 2006 na cela da prisão do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia, em Haia, onde aguardava julgamento por ter cometido crimes de guerra e crimes contra a humanidade na Bósnia, Croácia e Kosovo. Informação obtida no site: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u37036.shtml>.Acesso em 05 dez 2007. O mesmo questionamento foi feito em 10 nov 2007 pelo Professor Edson Luz Knippel, em palestra realizada no Auditório Nelson Carneiro das Faculdades Metropolitanas Unidas/FMU, que pede atenção à questão da influência que os Estados-partes podem promover ao contribuírem financeiramente com o Tribunal Penal Internacional.
3.5 Reservas
Quando há uma espécie de desacordo sobre determinado trecho do
conteúdo do tratado, a parte que não concordar apenas com aquela disposição, poderá
ratificar o tratado fazendo uma reserva somente àquela parte que não aceitou20, o que
não é possível no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, conforme seu artigo 120.
19 Informação obtida no site: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/tpi/panorama.html>. Acesso em 21 jan 2008.
4. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
O Tribunal Penal Internacional é competente para julgar pessoas que
cometeram crimes graves de natureza internacional. Sua jurisdição poderá ser exercida
no território de qualquer Estado-parte ou, mediante convenção, sobre o território de
qualquer outro Estado.
4.1 Crimes internacionais
Para os efeitos do Estatuto de Roma são crimes internacionais o genocídio,
os crimes contra a humanidade, de guerra e de agressão.
Além destes, também consideram-se delitos internacionais todos aqueles
em que a extensão e conseqüência ultrapassam fronteiras, abrangendo dois ou mais
Estados. No entanto, não são de competência do Tribunal Penal Internacional.
Os crimes internacionais podem ser cometidos pelos Representantes de
Estado, aqueles que são praticados com objetivos políticos, como os crimes de guerra,
crimes contra a paz e os crimes contra a humanidade ou podem ser cometidos por
particulares, que englobam a pirataria, o tráfico de drogas/moeda ou qualquer outro
que envolvam dois Estados praticados sem objetivo político.
A atuação do Tribunal Penal Internacional não depende de objetivos
políticos. O Tribunal é competente para julgar pessoas físicas que cometeram os
crimes tipificados em seu Estatuto, independentemente se foram praticados com
objetivos políticos ou não.
20 Ver item 1.4, p. 8 deste trabalho.
4.1.1 Crime de genocídio
Genocídio é a “recusa à existência de inteiros grupos humanos, portanto
um delito de direito dos povos, que contrasta com o espírito e os objetivos das Nações
Unidas, delito que o mundo civilizado condena”21. O crime de genocídio previsto no
artigo 6.° do Estatuto de Roma.
No Brasil, genocídio está definido no artigo 208 do Código Penal Militar, na Lei
2.889 de 1.º de outubro de 1956 e é considerado crime hediondo, conforme previsão
da Lei 8.072/90, em seu artigo 11.
O conceito de genocídio abrange extermínio de grupos nacionais, étnicos, sociais,
religiosos, políticos e culturais, mas esses dois últimos grupos não fazem parte da
previsão do Estatuto de Roma.
A objetividade jurídica deste tipo penal internacional é a proteção a determinado
grupo de pessoas. É um crime comum quanto ao sujeito ativo podendo ser praticado
por qualquer pessoa.
A conduta é matar, aniquilar pessoa(s) que pertence(m) a um grupo nacional, étnico,
racial ou religioso.
21 Conceito dado pela Resolução da Assembléia Geral da ONU de 11 de dezembro de 1946.
Mesmo que a proteção seja direcionada para o “grupo de pessoas”, para configurar
o crime de genocídio basta que a conduta seja direcionada à pelo menos uma pessoa
deste grupo e haja o elemento subjetivo específico por parte do sujeito ativo.
Se a ação praticada pelo sujeito ativo não tiver a intenção de exterminar o grupo, o
crime será homicídio, descaracterizando crime internacional, ou seja, o crime de
genocídio exige a existência do dolo específico.
O crime de perseguição de determinado grupo, com características psíquicas,
econômicas ou judiciais, assemelha-se ao genocídio, sendo também uma das formas
de crime contra a humanidade.
4.1.2 Crimes contra a humanidade
Previsto no artigo 7.° do Estatuto de Roma, fazem parte da conduta dos
crimes contra a humanidade os seguintes atos: homicídio, extermínio, redução à
condição análoga à de escravo, deportação, perseguição por motivos políticos, raciais
ou religiosos, tortura, agressão sexual, prostituição ou gravidez ou mesmo esterilização
forçada, entre outros atos cometidos contra população civis, independente de estar em
período de guerra ou não.
Para a configuração deste crime DAVID AUGUSTO FERNANDES
esclarece que “os elementos deste crime se estipulam mediante os dois últimos
elementos de cada crime contra a humanidade para descrever o contexto em que tem
lugar a conduta. Estes dois elementos são: que a conduta tenha tido lugar como parte
de um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra um população civil e que o
autor tenha tido conhecimento de ser a conduta parte de um ataque generalizado ou
sistemático dirigido contra a população civil ou tenha tido a intenção de a conduta ser
parte de um ataque desse tipo” 22.
São “ataques generalizados e sistemáticos” aqueles praticados
premeditadamente e contra uma variedade de vítimas.
4.1.3 Crimes de guerra
Os crimes de guerra estão definidos no artigo 8.° do Estatuto de Roma, sendo necessária a presença de um conflito armado, podendo ser de caráter internacional ou não, desde que a conduta esteja relacionada com este conflito.
São aqueles que se inserem num plano pré-ordenado ou numa política,
cometidos em larga escala, ou seja, “deve existir um conflito armado prolongado entre
as autoridades governamentais e grupos armados organizados ou entre entes desses
grupos em território de um Estado, sendo diferente, portanto, de um simples motim ou
de singelos atos isolados e esporádicos de distúrbio e de tensões no direito interno”23.
4.1.4 Crimes de agressão
A Resolução 3.314 de 14 de dezembro de 1974, do Conselho de Segurança
das Organizações das Nações Unidas (ONU) entendia como agressão “o emprego da
força armada por um Estado contra a soberania ou independência política de outro
Estado, ou de qualquer outra maneira incompatível com a Carta das Nações Unidas.
Constitui também atos de agressão, independentemente da declaração ou não de
22 FERNANDES, David Augusto. Tribunal Penal Internacional: a concretização de um sonho. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 270. 23 MALHEIRO, Emerson Penha. A defesa dos direitos difusos e coletivos em face dos crimes contra a humanidade no tribunal penal internacional. Dissertação de Mestrado. Santos: Universidade Metropolitana de Santos, 2007, p. 128.
guerra, os seguintes: a) a invasão ou o ataque ao território de um Estado por forças
armadas de outro, ou qualquer ocupação militar, mesmo temporária do todo em parte
do território de outro Estado, com o emprego de força; b) o bombardeio ou a
utilização de todo o tipo de arma por forças armadas de um Estado contra o território
e outro; c) o bloqueio dos portos ou costas de um Estado pelas forças armadas de
outro Estado; d) o ataque das forças armadas de um Estado contra as forças armadas
terrestres, marítimas ou áreas de outro Estado; e) o uso das forças armadas e um
Estado que se encontrem estacionadas no território de outro Estado, de maneira
contrária as condições do acordo que permitiu a presença dessas forças armadas; f) o
ato de um Estado permitir que seu território seja usado para atos de agressão contra
outro Estado; g) o envio por um Estado, ou em seu nome, de bandos armados, grupos
de tropas não regulares ou mercenários, que se dediquem a praticar ações armadas
contra outro Estado.”24
O crime de agressão não tem um conceito exato previsto no Estatuto do
Tribunal Penal Internacional, mas pode-se entender como atos cometidos por um
indivíduo que, com o uso de força armada, atente contra um outro Estado ou viole a
própria soberania Estatal.
Com o estabelecimento da corte, a Assembléia dos Estados-Partes do
Tribunal, nomeou uma comissão para tratar do assunto, de modo que o crime possa ser
regulamentado na Conferência de Revisão do Estatuto, prevista pelo seu artigo 121,
que ocorrerá em 2009.
24 FERNANDES, David Augusto. Tribunal Penal Internacional: a concretização de um sonho. Rio de
5. CONFLITO ENTRE O ESTATUTO DE ROMA E A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL BRASILEIRA
Há uma discussão acerca da conformidade do Estatuto de Roma com as
normas constitucionais brasileiras, principalmente no que diz respeito às proibições da
extradição de nacionais, da vedação da aplicação da pena de prisão perpétua, da
aplicabilidade das imunidades de foro por prerrogativa de função, da questão da
reserva legal, do desrespeito a coisa julgada, da imprescritibilidade dos crimes e da
eficácia interna das decisões proferidas pelo Tribunal Penal Internacional.
5.1 Entrega de nacionais ao Tribunal Penal Internacional
Extradição “é o processo através do qual um Estado solicita a outro a
entrega de uma pessoa, foragida daquele, que esteja sendo processada ou já
condenada em razão de crime, ao qual se aplique a lei do Estado requerente, a fim de
que lá se veja processado ou cumpra a pena”25.
Estão previstos na Constituição Federal Brasileira, em seu art. 5.°, inciso
LI, os princípios concernentes à extradição, sendo vedada a extradição de brasileiros
natos e permitindo, em alguns casos, a extradição de brasileiro naturalizado no caso de
ter praticado crime antes da sua naturalização ou na hipótese de comprovado
envolvimento em tráfico ilícito de drogas e entorpecentes.
Janeiro: Renovar, 2006, p.302. 25 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O Tribunal Penal Internacional: a internacionalização do Direito Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 211
Diferente da extradição, a entrega é a simples cooperação entre Estados e o
Tribunal para garantir o julgamento de crimes previstos no Estatuto. Há a entrega para
submeter o acusado à própria justiça, em grau internacional e não a justiça de outro
Estado.
Com base na complementaridade do tribunal, a entrega só existe se o
Estado for incapaz de julgar o criminoso, podendo a incapacidade ser absoluta, com
fundamento na sua omissão, ou mesmo relativa, baseada na sua leniência na realização
do julgamento.
O próprio Estatuto do Tribunal Penal Internacional faz a distinção entre
entrega e extradição no seu artigo 102:
Artigo 102: “Para os fins do presente Estatuto:
a) por “entrega” se entenderá a entrega de um indivíduo por um Estado
ao Tribunal, em conformidade com o disposto no presente Estatuto;
b) por “extradição” se entenderá a entrega de um indivíduo por um
Estado a outro, em conformidade com o disposto em um tratado,
convenção ou no direito interno.”
Os pedidos de entrega serão encaminhados ao Presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF) e os pedidos de investigação a ser promovida pelo Tribunal
Penal Internacional serão encaminhados ao Procurador Geral da República.
A delegação brasileira, apesar de votar a favor do Estatuto de Roma,
ressaltou a dificuldade que poderia haver na interpretação deste instituto e sua
compatibilidade com o artigo 5.º, inciso LI da Constituição Federal de 1988.
A aparente incompatibilidade é suprida com base em dois argumentos:
primeiro, pelo princípio da complementaridade, pois os Estados têm a obrigação
primária de investigar, processar e julgar seus nacionais pelos crimes cometidos, sem a
necessidade de entregá-los à jurisdição do Tribunal Penal Internacional; em segundo,
pela própria essência da entrega, que não se confunde com a extradição.
A extradição indica a entrega de um indivíduo para ser julgado em outro
Estado. No caso do Tribunal Penal Internacional não há que se falar em extradição,
uma vez que entrega seu nacional para ser julgado não por outro Estado e sim por um
julgador que estende a sua jurisdição nacional.
5.2 A previsão de prisão perpétua
Há a possibilidade de prisão perpétua no Tribunal Penal Internacional,
quando “justificada pela extrema gravidade do crime e pelas circunstâncias pessoais
do condenado”26.
A princípio contraria a previsão do artigo 5.°, inciso XLVII, alínea “b” da
Constituição Federal Brasileira, que indica a proibição de penas de caráter perpétuo.
Mas a Constituição Federal pátria admite a pena de morte no caso de guerra declarada, conforme artigo 84, inciso XIX, que é muito pior. Ainda, quando há crimes em que deverá ocorrer a extradição, o Brasil não usa a prisão perpétua como empecilho para negá-la. É o que explica ALEXANDRE DE MORAES:
“A legislação brasileira exige para a concessão de extradição, a
comutação da pena de morte, ressalvados os casos em que a lei brasileira permite sua
aplicação, em pena privativa de liberdade. Em relação à pena de prisão perpétua,
porém, reiterada jurisprudência da Corte Suprema entende ser desnecessária sua
comutação em pena privativa de liberdade com prazo máximo de cumprimento.
26 Artigo 77, alínea “b”, Estatuto de Roma.
Igualmente, não se exige a comutação de eventual pena de prisão com trabalhos
forçados”27.
Na hipótese do Tribunal Penal Internacional, não há a extradição e sim a
entrega, não havendo conflito “porque a proibição insculpida no dispositivo da
Constituição Federal Brasileira dirige-se ao direito interno, não podendo atingir
outra jurisdição, seja ela estrangeira ou internacional”28
Então, internamente não é admitida a prisão perpétua, mas dependendo da
gravidade do ato, não há óbice algum em entregar o sujeito para ser julgado por uma
jurisdição internacional que possa aplicá-la, pois a Constituição Federal se dirige ao
direito pátrio.
Além disso, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional prevê a
possibilidade de revisão da pena a cada 25 anos, “quando o recluso tiver cumprido
dois terços da pena, ou 25 anos de prisão, em caso de prisão perpétua, o Tribunal
revisará a pena a fim de determinar se esta deveria ser reduzida. Tal revisão não
ocorrerá antes de cumpridos tais prazos29”.
Por fim, embora a possibilidade de prisão perpétua, esta só é aplicável em
casos excepcionais de extrema gravidade, resultando em exceção à regra geral da
aplicação das penas previstas no Estatuto.
5.3 As imunidades de foro por prerrogativa de função
27 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p.123. 28 MALHEIRO, Emerson Penha. Conflito aparente entre o Estatuto de Roma e a Constituição Federal Brasileira in Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Ano 11, número 13. São Bernardo do Campo: A Faculdade, 2007, p.142. 29 Artigo 110, § 3.º, Estatuto de Roma.
O artigo 27 do Estatuto do Tribunal Penal Internacional prevê a irrelevância
de função social, que a princípio contradiz com dispositivos da Constituição Federal
Brasileira, que dá imunidade para os agentes políticos dos Três Poderes da República
em determinados casos.
Esta imunidade prevista pela Constituição pátria não poderá ser considerada
pelo Estatuto, uma vez que a maioria dos crimes previstos no diploma são praticados
por entes políticos dos Estados.
No Brasil, as imunidades por prerrogativa de função foram criadas para
garantir a liberdade de expressão dos parlamentares e, conseqüentemente, a
democracia do país. A previsão do artigo 27 do Estatuto do Tribunal Penal
Internacional faz com que não aconteça a impunidade dessas pessoas se forem
cometidos crimes através de sua posição política.
Basta o Brasil julgar adequadamente o criminoso se quiser manter
distinções baseadas na posição oficial, caso contrário o Tribunal Penal Internacional
poderá reconhecer a competência para o processo e julgamento, aplicando as regras do
princípio da complementaridade e excluindo as imunidades relativas à função, atuando
conforme seu Estatuto.
5.4 A questão da reserva legal
O Estatuto do Tribunal Penal Internacional, nos seus artigos 22 e 23,
determina expressamente que não há crime sem prévia cominação legal e detalha todas
as hipóteses de sua competência.
Não existe preceito primário e secundário nos crimes tipificados no Estatuto
de Roma porque não houve um acordo no momento de sua elaboração. Haverá a
aplicação das penas previstas no artigo 77.
Não há incompatibilidade com o ordenamento interno e com o princípio constitucional da legalidade só porque não existe cominação expressa de pena para cada conduta, pois todas as penas aplicáveis estão previstas no Estatuto no artigo 77 e são aplicáveis conforme artigo 78.
5.5 A questão do desrespeito à coisa julgada
O princípio da complementaridade previsto no Estatuto do Tribunal Penal
Internacional autoriza a revisão de atos já julgados em última instância no direito
interno do Estado, conforme seu artigo 17. Isso contraria a previsão do artigo 5°,
inciso XXXVI da Constituição Federal Brasileira que dispõe que “a lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Mas, em uma análise da própria Constituição pátria, percebe-se a previsão
de formação de um tribunal internacional, conforme artigo 7.° do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. Ademais, o artigo 5.º, § 4.º da Constituição Federal
(incluído pela Emenda Constitucional n.º 45 de 2004) prevê a submissão do Brasil à
jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
O Tribunal Penal Internacional só analisará os casos já julgados no Brasil se
verificar que não houve o procedimento conforme as normas do devido processo
reconhecidas pelo direito internacional, ou se não houver condições de concluir o
processo ou até mesmo a investigação.
Portanto, não haveria sentido algum a existência de previsão do artigo 7.°
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e do artigo 5.º, § 4.º da
Constituição Federal, se o Brasil não reconhecesse o poder do Tribunal Penal
Internacional em exercer sua jurisdição no direito interno, proibindo-o de revisar as
decisões nacionais para garantir a verdadeira justiça.
5.6 A imprescritibilidade dos crimes
Para as condutas ocorridas após a entrada em vigor do Estatuto do Tribunal
Penal Internacional, não haverá prescrição, conforme previsão do seu artigo 29.
Os Estados-partes devem assegurar que as pessoas possam ser entregues ao
Tribunal Penal Internacional mesmo quando o crime esteja prescrito no ordenamento
jurídico interno.
A questão da imprescritibilidade não fere o ordenamento jurídico nacional,
uma vez que a própria Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso XLII, prevê a
imprescritibilidade para o crime de rascismo.
Ainda, “A ausência de previsão da imprescritibilidade do genocídio, dos
crimes de guerra, de lesa-humanidade ou de agressão no direito interno não impede a
sua providência por tratado internacional, mesmo porque o rol da Constituição
Federal não é taxativo, podendo ser ampliado.”30
Além disso, um tratado não poderá ser descumprido sob alegação de falta
de norma interna regulamentando o assunto, conforme descreve o artigo 27 da
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 26 de maio de 1969. Até mesmo
porque, para um tratado entrar em vigor no ordenamento jurídico nacional, deverá
passar por trâmites no Poder Legislativo.
30 MALHEIRO, Emerson Penha. Conflito aparente entre o Estatuto de Roma e a Constituição Federal Brasileira in Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Ano 11, número 13. São Bernardo do Campo: A Faculdade, 2007, p.143.
5.7 Eficácia interna das decisões proferidas pelo Tribunal Penal
Internacional
Em regra, a legislação brasileira exige a homologação de sentença
estrangeira para que seus efeitos jurídicos possam ser produzidos em território
nacional.
No caso de sentenças proferidas pelo Tribunal Penal Internacional não há a
necessidade de homologação da sentença, uma vez que a sentença do Tribunal não tem
natureza de sentença estrangeira e sim internacional.
É o que explica em sua Dissertação de Mestrado o Professor EMERSON
PENHA MALHEIRO: “Sentença estrangeira é aquela proveniente de outro Estado,
que exerce jurisdição apenas no seu próprio território.
A homologação de sentença estrangeira visa estender a eficácia da decisão
proferida no território onde é realizado tal procedimento, para que os interessados
não tenham que iniciar nova ação judicial. Ocorre que a sentença estrangeira é
diferente de sentença internacional.
A sua natureza jurídica é diversa. Enquanto aquela é prolatada no âmbito
dos Estados, esta o é na dimensão dos tribunais internacionais.”31
Se a pena imposta ao réu for privativa de liberdade, a sua execução dentro do território interno dependerá de acordo e será cumprida em estabelecimento prisional federal, excluindo o Brasil de qualquer decisão que modifique a proferida pelo Tribunal Penal Internacional. O Supremo Tribunal Federal (STF) encaminhará qualquer pedido relativo ao réu para o Tribunal Penal Internacional.
CONCLUSÃO
Durante muito tempo, milhões de pessoas foram vítimas das piores
atrocidades cometidas por chefes de governo ou militares, sem que houvesse punição.
A impunidade desses autores gerou a necessidade de se criar um tribunal que tivesse
uma competência mundial.
No período da 2.ª Guerra Mundial foram criados diversos tribunais de
exceção, conhecidos como tribunais ad hoc, que tiveram sua competência questionada
devido a seu caráter excepcional e de urgência, geralmente formado pelas potências
vencedoras de guerras e batalhas.
Por isso justifica-se a necessidade da criação de um Tribunal Penal
Internacional.
O Estatuto do Tribunal Penal Internacional ainda necessita de algumas
transformações, como por exemplo, a definição do crime de agressão que, mesmo
prevista no projeto do Estatuto, não foi utilizada.
No que diz respeito a possíveis incompatibilidades em relação à
Constituição Federal de 1988, vale ressaltar que o Brasil aderiu a uma jurisdição
internacional e não estrangeira, portanto não há que se falar em extradição.
Também por esse motivo não poderá alegar que a prisão perpétua infringe a
Constituição pátria, que prevê essa proibição somente ao direito interno e, além disso,
o tribunal só a aplica em casos extremos e dá a possibilidade de revisão após 25 anos
de pena cumprida, tempo inferior à duração máxima da prisão permitida no Brasil.
31 MALHEIRO, Emerson Penha. A defesa dos direitos difusos e coletivos em face dos crimes contra a humanidade no tribunal penal internacional. Dissertação de Mestrado. Santos: Universidade Metropolitana de Santos, 2007, p 117.
Com a criação do Tribunal Penal Internacional, passou a existir um tribunal
permanente, capaz de julgar indivíduos, não restringindo sua atuação direcionada
somente a Estados. Com isso, os oficiais responsáveis poderão ser julgados, não
podendo alegar que agiram em “razão de Estado”. Quanto às imunidades previstas na
Constituição Federal Brasileira, se o Tribunal aplicar tal princípio ferirá sua própria
natureza, pois foi constituído para julgar indivíduos independentes da função que
exercem no Estado.
Ademais, os tribunais de exceção (ad hoc) acarretavam muitas despesas
com todo seu procedimento de criação.
No que se refere à “perda” da soberania por parte dos Estados que aderiram
ao Estatuto de Roma, é claro que cada Estado deverá ceder parte da sua soberania em
prol do Tribunal, mas isto acontecerá somente se o Estado não cumprir com o seu
papel de julgar corretamente e imparcialmente seus criminosos, pelo princípio da
complementaridade.
Assim, apesar das dúvidas existentes quanto à compatibilidade dos dois
institutos, elas não existem, sendo o Estatuto de Roma completamente compatível com
a Constituição Federal Brasileira.
O Tribunal Penal Internacional é a melhor opção para manter a paz
internacional, garantindo que não haverá mais tribunais de exceção formados
principalmente por potências poderosas, vencedoras de guerra, cujos crimes em face
dos direitos humanos também praticam.
ANEXOS
1. Abreviaturas Usadas CF – Constituição Federal EUA – Estados Unidos da América ONU – Organização das Nações Unidas p. – Página STF – Supremo Tribunal Federal TPI – Tribunal Penal Internacional URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
2. Estados-membros do Tribunal Penal Internacional32
A Afeganistão África do Sul Albânia Alemanha Andorra Antígua e Barbuda Argentina Austrália Áustria B Barbados Bélgica Belize Benin Bolívia Bósnia-Herzegovina Botsuana Brasil Bulgária Burkina Fasso Burundi C Camboja Canadá Chade Colômbia Comores Congo Coréia do Sul Costa Rica Croácia Chipre D
32 Disponível em: < http://www.icc-cpi.int/statesparties.html>. Acesso em 06 fev 2008.
Dinamarca Djibouti Dominica E Equador Eslovênia Eslováquia Espanha Estônia F Fiji Finlândia França G Gabão Gâmbia Geórgia Gana Grécia Guiné Guiana H Honduras Holanda Hungria I Ilhas Marshall Irlanda Islândia Itália J Japão Jordânia L Lesoto Letônia Libéria Liechtenstein
Lituânia Luxemburgo M Macedônia Malavi Mali Malta Maurício México Mongólia Montenegro N Namíbia Nauru Nova Zelândia Níger Nigéria Noruega P Panamá Paraguai Perú Polônia Portugal Q Quênia R Reino Unido da Grã-Bretanha República Centro Africana República Democrática do Congo República Dominicana Romênia S Samoa São Cristóvão e Nevis São Vicente e Granadinas San Marino Senegal Sérvia
Serra Leoa Suécia Suíça T Tadjiquistão Tanzânia Timor Leste Trinidad e Tobago U Uganda Uruguai V Venezuela Z Zâmbia
BIBLIOGRAFIA
1. Livros AMBOS, Kai; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano (Organizadores). Tribunal Penal Internacional: possibilidades e desafios. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.
AMBOS, Kai; MALARINO, Ezequiel; ELSNER, Gisela (Editores). Cooperación y asistencia judicial con la corte penal internacional. Montevidéu, Uruguai: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2007. ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de direito internacional público. 10. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. FERNANDES, David Augusto. Tribunal Penal Internacional: a concretização de um sonho. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. GONÇALVES, Joanisval Brito. Tribunal de Nuremberg 1945-1946: a gênese de uma nova ordem no direito internacional. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional público. 5. ed. São Paulo: Ed. LTr, 2004. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O Tribunal Penal Internacional: a internacionalização do direito penal. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004. MAIA, Marrielle. Tribunal Penal Internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio da complementaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito internacional público. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: Ed Revista dos Tribunais; IELF, 2005. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15. ed. ver. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
2. Endereços Eletrônicos DIREITO INTERNACIONAL. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/direito_internacional>. CALETTI, Cristina. Os precedentes do tribunal penal internacional, seu estatuto e sua relação com a legislação brasileira. Jus Navegandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3986>. DIREITOS HUMANOS NA INTERNET. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/tpi/panorama.html>. FOLHA ON LINE. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u37036.shtml>.
INTERNATIONAL CRIMINAL COURT. Disponível em: <http://www.icc-cpi.int/statesparties.html>. 3. Artigo MALHEIRO, Emerson Penha. Conflito aparente entre o Estatuto de Roma e a Constituição Federal Brasileira in Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Ano 11, número 13. São Bernardo do Campo: A Faculdade, 2007. 4. Dissertação MALHEIRO, Emerson Penha. A defesa dos direitos difusos e coletivos em face dos crimes contra a humanidade no tribunal penal internacional. Dissertação de Mestrado. Santos: Universidade Metropolitana de Santos, 2007. 5. Filmes HOTEL RUANDA (Hotel Rwanda – África do Sul / Canadá / Reino Unido, 2004). Direção: Terry George. Duração: 121 min. JULGAMENTO DE NUREMBERG, O. (Nuremberg – EUA, 2000). Direção: Yves Simoneau. Duração: 169 min. JULGAMENTOS DE GUERRA (Hunt for Justice – Canadá / Estados Unidos, 2005). Direção: Charles Binamé. Duração: 88 min.