UNIVERSIDADE DE BRASLIAFACULDADE DE DIREITO
THIAGO ANDR PIEROBOM DE VILA
PROVAS ILCITAS E PROPORCIONALIDADE: UMA ANLISE DA COLISO ENTRE OS PRINCPIOS
DA PROTEO PENAL EFICIENTE E DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILCITOS
Braslia2006
THIAGO ANDR PIEROBOM DE VILA
PROVAS ILCITAS E PROPORCIONALIDADE: UMA ANLISE DA COLISO ENTRE OS PRINCPIOS
DA PROTEO PENAL EFICIENTE E DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILCITOS
Dissertao submetida Faculdade de Direito da Universidade de Braslia para a obteno do ttulo de Mestre em Direito, rea de concentrao Direito, Estado e Constituio. Orientadora: Professora Doutora Ela Wiecko Volkmer de Castilho
Braslia2006
Thiago Andr Pierobom de vila
PROVAS ILCITAS E PROPORCIONALIDADE:
UMA ANLISE DA COLISO ENTRE OS PRINCPIOS DA PROTEO PENAL EFICIENTE
E DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILCITOS
Esta dissertao foi julgada adequada para a obteno do ttulo de Mestre em Direito, rea de concentrao Direito, Estado e Constituio, e aprovada em sua forma final pela Coordenao do Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Direito da Universidade de Braslia.
Banca Examinadora:
Presidente: Professora Doutora Ela Wiecko Volkmer de Castilho - UnB
Membro: Professor Doutor Antonio Magalhes Gomes Filho - USP
Membro: Professor Doutor Gilmar Ferreira Mendes - UnB
Membro: Professor Doutor Alexandre Bernardino Costa UnB (Suplente)
Coordenador de Ps-Graduao em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Braslia: Professor Doutor Cristiano Otvio Paixo Arajo Pinto UnB
Braslia/DF, 08 de maro de 2006.
AGRADECIMENTOS
Por mais que a redao de uma dissertao seja vertida na solido dos estudos,
a companhia de pessoas especiais foi essencial para que esta minha jornada fosse mais proveitosa
e agradvel, pelo que no posso deixar de externar meus agradecimentos a todos os que
colaboraram com minha empreita.
Minha famlia a base para todas as minhas lutas e vitrias. De forma especial,
agradeo minha esposa, Roberta, amiga e cmplice, pelo apoio e compreenso demonstrados
durante o rduo perodo da redao, pela pacincia ante minha ausncia e por todo o amor. A
meus pais, Celso e Juvanira, pela educao, o exemplo e o apoio sempre presentes, pela
disposio em perdoar-me e, especialmente, por serem meus melhores amigos. A meus filhos,
Felipe e Giovanna, por toda a alegria que tm me proporcionado e pela inspirao em olhar a
vida de uma forma mais sensvel. A meus irmos, Juliano e Leandro, pela amizade e lealdade.
Agradeo Universidade de Braslia pela oportunidade de cursar este
Mestrado, ter acesso a um ensino pblico e gratuito, de ponta de linha, e de conviver com
professores idealistas que despertam a esperana de construir uma sociedade mais justa e
igualitria. Meus agradecimentos aos professores Alejandra Pascual, Alexandre Bernardino,
Cristiano Paixo, Gilmar Mendes, Jos Geraldo de Souza Jr. e Marcus Faro de Castro, pelo
convvio e pelos valorosos ensinamentos. De forma especial, professora Ela Wiecko de
Wolkmer de Castilho, pelos preciosos ensinos de criminologia e por orientar-me com dedicao e
pacincia na redao deste trabalho: obrigado de corao. Finalmente, sou grato aos professores
Antonio Magalhes Gomes Filho, Gilmar Ferreira Mendes e Alexandre Bernardino Costa, por se
disporem a compor minha banca examinadora e contriburem com meu trabalho atravs de suas
valiosas crticas.
O processo de aprendizado tambm no seria possvel sem a intersubjetividade
do convvio com os colegas do mestrado. Minha especial gratido aos colegas Ana Flauzina,
Andr Rufino, Antnio Suxberger, Daniel Vargas, Fabiana Costa e Marina Quezado, pela
frutfera troca de experincias.
Tambm agradeo ao Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios, na
pessoa de seu Procurador-Geral de Justia, Rogrio Schietti Cruz, pelo incentivo e fomento
minha formao acadmica e por proporcionar-me um frtil campo de experincia.
Obrigado ao Prof. Carlos Eduardo Vasconcelos e aos colegas e professores
Diaulas Ribeiro e Rogrio Schietti, por suas crticas e sugestes ao meu projeto de dissertao.
Tambm sou grato colega Kdyma Almeida, por se prontificar a realizar pesquisa de artigos
doutrinrios na Biblioteca da Universidade Carlos III, durante sua estada em Madri, bem como ao
colega Diaulas Ribeiro, por franquear-me acesso sua biblioteca particular, na qual obtive vrios
dos ttulos estrangeiros utilizados nesse trabalho. Aos colegas Lenilson Morgado, Georges
Seigneur e Andr Rufino por sugestes de reviso e especialmente ao Rogrio Schietti, pela
discusso de questes ligadas a meu tema e sugestes valiosas. Ao Prof. Filemon Moraes, pela
reviso lingstica. Aos bibliotecrios da Biblioteca do MPDFT, em especial Anna Lemos, pelo
sempre atencioso e diligente atendimento.
Obrigado aos meus alunos da graduao na UnB e da ps-graduao da
FESMPDFT, pelo incentivo em fazer-me crescer atravs do milagre de compartilhar aquilo de
que se precisa: o conhecimento.
Finalmente, e mais relevante, obrigado a Deus, pelo dom da vida, pela sade,
pela minha famlia, por ter me colocado onde estou, por auxiliar-me em cada passo de minha vida
e por fazer-me compreender que o que h de mais importante em nossa vida o amor.
Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertar.
Jesus. Joo 8:32.
RESUMO
Esta dissertao uma anlise da possibilidade e critrios de aplicao do
princpio da proporcionalidade, da doutrina constitucional alem, para a admisso de provas
obtidas por meios formalmente ilcitos, luz do princpio fundamental da proteo penal. Os
direitos fundamentais no so absolutos, mas se limitam reciprocamente pelo princpio da
proporcionalidade. A proteo penal um direito e dever fundamental. O processo penal possui
uma instrumentalidade garantista-funcional. O processo deve estar teleologicamente predisposto
a uma maior aproximao possvel com a verdade, para realizao de sua funo de pacificao
social. A inadmissibilidade das provas ilcitas um princpio constitucional (no regra) que se
justifica no efeito dissuasrio e no fair trial. H uma coliso de princpios na inadmissibilidade
das provas obtidas por meios ilcitos: crticas luz da funcionalidade do processo. Nos sistemas
jurdicos estudados (EUA, Alemanha e Espanha), no h uma regra de excluso absoluta das
provas ilcitas. No Brasil, a jurisprudncia dos Tribunais Superiores sobre as excees das provas
ilcitas no acompanha plenamente os sistemas internacionais. H necessidade de alteraes no
entendimento jurisprudencial nacional, para progressiva admisso das excees de prova pro reo,
abuso de garantias constitucionais, exceo de boa-f, violaes por particulares, violao de
direitos de terceiros, teoria da descontaminao, conhecimentos fortuitos, erro incuo, gravidade
do crime, no exclusividade, descoberta inevitvel e vcio diludo.
Palavras-chave: Princpio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios
ilcitos. Princpio da proporcionalidade. Princpio da proteo penal. Coliso de princpios.
Verdade processual. Efeito dissuasrio. Fair trial. Crticas. EUA. Alemanha. Espanha.
Jurisprudncia dos Tribunais Superiores. Sistematizao de excees.
ABSTRACT
This dissertation is a study concerning the possibility and standards of using the
proportion rule of Germans constitutional doctrine to accept formally illegally obtained
evidence, considering the preferred right of criminal protection. The preferred rights are not
absolute, but they are mutually limited by the proportion rule. The criminal protection is a
citizens preferred right and a States essential obligation. Criminal procedure is an instrument for
a double target: protect defendants of arbitrary punishment and protect society through the
criminal law application. Criminal procedure must have truth to restore social peace. The
exclusion of illegally obtained evidence is a constitutional principle, not a rule, which is justified
by the target of deterrent effect of policial misconduct and in the demand of fair trial. There is a
collision of juridical principles in the exclusion of illegally obtained evidence. Guarantee review
considering the criminal procedure functionality. In USA., Germany and Spain, there is not an
absolute exclusionary rule. In Brazil, the High Courts precedents about the exclusionary rule
exceptions are different from the other countries studied. It is necessary to change Brazilian
jurisprudence for gradual admission of exceptions of evidence favorable to defendant, abuse of
constitutional guarantees, good-faith exception, privates evidence, breaking rights of third
parties, descontamination doctrine, fortuitous finding, harmless error, grave felonies, independent
source, inevitable discovery and purged taint.
Key words: Exclusionary rule of illegally obtained evidence. Reasonableness
(proportion rule). Principle of criminal protection. Principles collision. Procedural truth.
Deterrent effect of policial misconduct. Fair trial. Reviews. USA. Germany. Spain. Brazilian
High Courts jurisprudence. Exceptions systematization.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AI = Agravo de Instrumento
AgRg = Agravo Regimental
AP = Ao Penal Originria
art. = artigo
BGH = Bundesgerichtshof (Superior Tribunal Federal da Alemanha)
BGHSt = Entsheidungen des Bundesgerichtshofes in Strafsachen (Sentenas do Superior Tribunal Federal da Alemanha em matria penal)
BVerfG = Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal da Alemanha)
BVerfGE = Entsheidungen des Bundesverfassungsgerichts (Sentenas doTribunal Constitucional Federal da Alemanha)
CF/88 = Constituio Federal brasileira de 1988
CP = Cdigo Penal
CPC = Cdigo de Processo Civil
CPP = Cdigo de Processo Penal
Des. = Desembargador
DJU = Dirio de Justia da Unio
ed. = edio, editor, Editora
ED = Embargos de Declarao
EUA = Estado Unidos da Amrica
f. = folha
HC = Habeas Corpus
i. = ilustre
Inq. = Inqurito
j. = julgado em
LOPJ = Lei Orgnica do Poder Judicial da Espanha
Min. = Ministro
MP = Ministrio Pblico
p. = pgina(s)
p/ = para
RE = Recurso Extraordinrio
rel. = relator
REsp = Recurso Especial
RHC = Recurso Ordinrio em Habeas Corpus
RMS = Recurso Ordinrio em Mandado de Segurana
RSTJ = Revista do Superior Tribunal de Justia
RT = Revista dos Tribunais
RTJ = Revista Trimestral de Jurisprudncia
S. = Seo
STC = Sentena do Tribunal Constitucional espanhol
STF = Supremo Tribunal Federal
STJ = Superior Tribunal de Justia
STS = Sentena do Tribunal Superior espanhol
t. = tomo
T. = Turma
TC = Tribunal Constitucional espanhol
TEDH = Tribunal Europeu de Direitos Humanos
TJ = Tribunal de Justia
trad. = traduo
TS = Tribunal Superior espanhol
v. = vide, volume, versus
SUMRIO
INTRODUO............................................................................................................................................................13
1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E O PRINCPIO DA PROPORCIONALIDADE............................................17
1.1 CONSIDERAES INICIAIS........................................................................................................................................... 171.2 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE ALEXY....................................................................................................... 18
1.2.1 Conceito de direitos fundamentais em Alexy................................................................................................181.2.2 Estrutura principiolgica das normas de direitos fundamentais em Alexy: regras, princpios e procedimentos........................................................................................................................................................201.2.3 Restrio e as perspectivas interna e externa.............................................................................................. 241.2.4 Tipos de restries dos direitos fundamentais: diretamente constitucionais e indiretamente constitucionais............................................................................................................................................................................... 251.2.5 Garantia do contedo essencial como limite s restries.......................................................................... 271.2.6 mbito de proteo.......................................................................................................................................281.2.7 Restrio e configurao..............................................................................................................................291.2.8 O princpio da proporcionalidade como procedimento de mediao das colises..................................... 301.2.9 Argumentao jurdica como procedimento de concretizao dos direitos fundamentais..........................331.2.10 Respostas de Alexy s crticas sua teoria dos direitos fundamentais......................................................37
1.2.10.1 Objees metodolgicas - o arbtrio judicial...........................................................................................................381.2.10.2 Objees dogmticas - a relativizao dos direitos fundamentais.......................................................................... 40
1.3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRINCPIO CONSTITUCIONAL ESTRUTURANTE E GUIA DA PONDERAO...........................411.3.1 Breve histrico da dignidade humana..........................................................................................................411.3.2 Perspectivas da dignidade: individual, coletiva e personalista................................................................... 431.3.3 Conceitos de dignidade: respeito, liberdade e emancipao.......................................................................46
1.3.3.1 Dignidade como respeito........................................................................................................................................... 461.3.3.2 Dignidade como liberdade.........................................................................................................................................471.3.3.3 Dignidade como emancipao...................................................................................................................................48
1.3.4 Dignidade da pessoa humana como princpio constitucional estruturante................................................. 501.3.5 Dignidade humana como guia da ponderao de interesses....................................................................... 52
1.4 PROTEO PENAL NO SISTEMA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.............................................................................................541.4.1 Dimenso objetiva e dever fundamental de proteo penal.........................................................................55
1.4.1.1 Garantias institucionais..............................................................................................................................................561.4.1.2 Eficcia horizontal.....................................................................................................................................................571.4.1.3 Dever de proteo......................................................................................................................................................571.4.1.4 Normas de organizao e procedimento....................................................................................................................581.4.1.5 Deveres fundamentais................................................................................................................................................59
1.4.2 Dimenso subjetiva e direito fundamental de proteo penal..................................................................... 591.4.2.1 Direito fundamental de proteo - a proteo penal material....................................................................................621.4.2.2 Direitos a organizao e procedimento - a instrumentalidade processual penal....................................................... 64
1.4.3 Dimenses da proporcionalidade na proteo penal: proibio de insuficincia e de excesso..................651.4.4 Reconhecimento do direito e dever de proteo penal eficiente na Constituio Federal de 1988............ 691.4.5 Processo penal e proporcionalidade............................................................................................................73
2 PROVAS ILCITAS E DIREITOS FUNDAMENTAIS....................................................................................... 79
2.1 CONSIDERAES INICIAIS........................................................................................................................................... 792.2 VERDADE PROCESSUAL E PROVA..................................................................................................................................80
2.2.1 Concepes da verdade................................................................................................................................ 802.2.2 Verdade material e formal............................................................................................................................812.2.3 Verdade no processo e justia...................................................................................................................... 882.2.4 Conceito de prova.........................................................................................................................................892.2.5 Direito prova como direito fundamental................................................................................................... 94
2.3 PROVAS ILCITAS: NOES INTRODUTRIAS................................................................................................................... 982.3.1 Sistemas de tratamento das provas ilcitas...................................................................................................982.3.2 Justificativas das limitaes probatrias................................................................................................... 100
2.3.3 Conceituaes: provas ilcitas e ilegtimas................................................................................................ 1012.3.3.1 Prova ilcita como violao a direitos fundamentais............................................................................................... 1022.3.3.2 Prova ilcita como violao a direitos materiais......................................................................................................1042.3.3.3 Prova ilcita como violao extraprocessual........................................................................................................... 105
2.3.4 Exemplos de provas ilcitas........................................................................................................................ 1062.3.5 Provas ilcitas por derivao..................................................................................................................... 108
2.4 INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILCITAS COMO PRINCPIO CONSTITUCIONAL E SUA RELAO COM A PROPORCIONALIDADE.......1082.5 TELEOLOGIA DA GARANTIA FUNDAMENTAL DA INADMISSIBILIDADE..................................................................................116
2.5.1 Efeito dissuasrio....................................................................................................................................... 1172.5.2 Fair trial..................................................................................................................................................... 1212.5.3 Articulao da teleologia........................................................................................................................... 123
2.6 PROVAS ILCITAS E A INSTRUMENTALIDADE DO DEVIDO PROCESSO PENAL......................................................................... 1242.6.1 Proposta de equilbrio entre a garantia e a funcionalidade...................................................................... 1242.6.2 Crticas garantia sob a perspectiva da funcionalidade...........................................................................1272.6.3 Crticas funcionalidade sob a perspectiva da garantia...........................................................................131
2.7 CONSIDERAES FINAIS........................................................................................................................................... 134
3 TRATAMENTO DAS PROVAS ILCITAS EM SISTEMAS JURDICOS ESTRANGEIROS ...................135
3.1 CONSIDERAES INICIAIS......................................................................................................................................... 1353.2 ESTADOS UNIDOS...................................................................................................................................................136
3.2.1 Emendas Constitucionais que ensejaram a criao das regras de excluso (exclusionary rules)............1363.2.2 Gnese e desenvolvimento da regra de excluso....................................................................................... 1393.2.3 Restries regra de excluso...................................................................................................................1473.2.4 Excees regra de excluso.....................................................................................................................150
3.2.4.1 Exceo de boa-f (good faith exception) no mbito da Quarta Emenda............................................................... 1503.2.4.2 Exceo de impugnao (impeachment exception).................................................................................................1523.2.4.3 Exceo de erro incuo (harmless error exception)................................................................................................ 1533.2.4.4 Limitaes relativas legitimidade para o requerimento de excluso (standing for motion to supress)................ 154
3.2.5 Tratamento da ilicitude por derivao.......................................................................................................1563.2.5.1 Teoria da fonte independente (independent source doctrine)..................................................................................1573.2.5.2 Teoria do nexo causal atenuado (attenuated connection doctrine)..........................................................................1583.2.5.3 Exceo da descoberta inevitvel (inevitable discovery exception)....................................................................... 161
3.2.6 Consideraes finais...................................................................................................................................1613.3 ALEMANHA............................................................................................................................................................163
3.3.1 O Tribunal Europeu de Direitos Humanos e as provas ilcitas................................................................. 1633.3.2 Evoluo das proibies de prova na Alemanha....................................................................................... 1663.3.3. Tratamento da ilicitude por derivao......................................................................................................1743.3.4 Consideraes finais...................................................................................................................................175
3.4 ESPANHA...............................................................................................................................................................1763.4.1 Desenvolvimento da regra de excluso do art. 11.1 da LOPJ................................................................... 1763.4.2 Exceo de boa f e a admissibilidade da prova pro reo...........................................................................1803.4.3 Tratamento da ilicitude por derivao.......................................................................................................182
3.4.3.1 Teoria da conexo de antijuridicidade.....................................................................................................................1823.4.3.2 Outras excees....................................................................................................................................................... 189
3.4.4 Consideraes finais...................................................................................................................................1903.5 OUTRAS REFERNCIAS............................................................................................................................................. 190
3.5.1 Inglaterra....................................................................................................................................................1913.5.2 Canad........................................................................................................................................................1923.5.3 Austrlia..................................................................................................................................................... 1933.5.4 frica do Sul............................................................................................................................................... 1933.5.5 Frana........................................................................................................................................................ 1943.5.6 Itlia............................................................................................................................................................1953.5.7 Outros......................................................................................................................................................... 196
3.6 CONSIDERAES FINAIS .......................................................................................................................................... 197
4 PROVAS ILCITAS E PROPORCIONALIDADE: ANLISE CRTICA DA JURISPRUDNCIA NACIONAL E PROPOSTA DE SISTEMATIZAO DE EXCEES ...........................................................199
4.1 CONSIDERAES INICIAIS ........................................................................................................................................ 1994.2 PROVA ILCITA PRO REO...........................................................................................................................................2014.3 PROVA ILCITA PRO SOCIETATE..................................................................................................................................207
4.3.1 Abuso de garantias constitucionais............................................................................................................2104.3.2 Exceo de boa-f.......................................................................................................................................2164.3.3 Segue: conhecimentos fortuitos.................................................................................................................. 218
4.3.3.1 Em interceptao telefnica.....................................................................................................................................2184.3.3.2 Em buscas e apreenses domiciliares......................................................................................................................225
4.3.4 Descontaminao posterior........................................................................................................................2274.3.4.1 Descontaminao por possibilidade de renovao do ato....................................................................................... 2274.3.4.2 Descontaminao por confirmao posterior do teor da prova pelo titular do direito violado............................... 228
4.3.5 Violaes por particulares......................................................................................................................... 2324.3.6 Violao de direitos de terceiros (o requisito da legitimidade).................................................................2374.3.7 Erro incuo.................................................................................................................................................2394.3.8 Gravidade do crime.................................................................................................................................... 2414.3.9 Outras hipteses......................................................................................................................................... 251
4.4 EXCEES S PROVAS ILCITAS POR DERIVAO...........................................................................................................2554.4.1 Violaes meramente procedimentais........................................................................................................ 2594.4.2 Teoria da no exclusividade.......................................................................................................................2614.4.3 Teoria da descoberta inevitvel................................................................................................................. 2634.4.4 Teoria do vcio diludo............................................................................................................................... 265
4.5 REGULAMENTAO LEGAL DAS EXCEES GENRICAS...................................................................................................269
CONCLUSO............................................................................................................................................................ 272
REFERNCIAS.........................................................................................................................................................284
INTRODUO
A Constituio Federal de 1988 consagrou, de forma expressa e aparentemente
peremptria, o princpio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilcitos, ao
estabelecer, no art. 5o, inciso LVI, que so inadmissveis no processo as provas obtidas por
meios ilcitos.
Essa norma estabelece o ponto de partida hermenutico a respeito da clebre
polmica doutrinria sobre as provas ilcitas. Apesar da importncia de normas que asseguram
que o processo penal deve se desenvolver de forma a respeitar a dignidade da pessoa humana
mediante a observncia de suas garantias fundamentais, cresce na doutrina a denominada teoria
da proporcionalidade, que admite a ponderao dos princpios em conflito para estabelecer o
vetor jurdico preponderante perante o caso concreto.
A experincia desse autor no magistrio jurdico demonstrou que h uma
dificuldade de aceitao social dos resultados da inadmissibilidade de provas verdicas por vcios
formais, especialmente quando sua excluso resulta na absolvio de crimes graves. Como
lembra Giuseppe de Luca, a invocao de regras estritamente formais para afastar a verdade do
processo constitui, na conscincia coletiva, uma expresso de falta de princpios ticos1, de forma
que o problema possui implicaes de ordem tica, lgica e psicolgica que transcendem a
aparente neutralidade do remdio. Tal fenmeno implica a necessidade de uma anlise que tenha
como ponto de partida no apenas uma interpretao normativa, mas uma viso unitria dos
aspectos sociolgico, teleolgico, e de tratamento do tema em outros sistemas, para uma
compatibilizao da garantia constitucional com os demais vetores jurdicos.
Apesar de o princpio da proporcionalidade permitir uma mitigao do rigor
formal da norma constitucional da inadmissibilidade probatria, faltam critrios objetivos que
1 LUCA, Giuseppe de. La cultura della prova e il nouvo processo penale. In: ______. Evoluzione e riforma del diritto e della procedura penale. Milo: Giuffr, 1991, p. 209, citando o discurso que Robespierre lanou a seus opositores, no julgamento de condenao do Rei morte: "vs invocais a forma porque no tendes mais os princpios".
13
confiram estabilidade e controle a este processo, de forma que no se degrade o sistema de
proteo aos direitos fundamentais, repristinando um processo penal inquisitivo e aviltante da
dignidade humana.
Portanto, este trabalho possui o objetivo geral de responder duas indagaes:
(1) possvel compatibilizar o princpio da inadmissibilidade das provas ilcitas com os demais princpios em coliso?; e
(2) Quais os critrios gerais dessa compatibilizao?
Para tanto, pretende, como objetivos especficos, investigar a categoria
inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilcitos luz da teoria dos direitos fundamentais
de Alexy e do tratamento do tema em sistemas jurdicos estrangeiros, buscando: (a) identificar os
princpios em coliso na inadmissibilidade probatria; (b) analisar os problemas ligados
preponderncia de cada um dos princpios em coliso; (c) investigar o tratamento da categoria
estudada em sistemas jurdicos estrangeiros; (d) analisar criticamente a jurisprudncia nacional
luz do referente; e (e) propor sugestes para a compatibilizao da categoria com os demais
princpios em coliso.
A dissertao seguir duas etapas. Num primeiro momento, utilizar o mtodo
dedutivo para analisar o problema das provas ilcitas luz de uma compreenso geral das
relaes entre Estado e cidado. Assim, o raciocnio seguir do geral para o particular nos
seguintes termos: filosofia poltica, direito constitucional, teoria dos direitos fundamentais,
direitos fundamentais a prestaes, direitos fundamentais de proteo, direito fundamental de
proteo penal, direito fundamental a um processo penal eficiente, at chegar ao problema das
provas ilcitas. Com isso, demonstrar-se- que a norma do art. 5o, LVI, da CF/88 um princpio
constitucional e, como tal, no absoluto, mas deve ser compatibilizado com os demais
princpios fundamentais, em especial o princpio da proteo penal eficiente. A dissertao parte
da hiptese de trabalho de resposta afirmativa primeira indagao dos objetivos gerais.
Num segundo momento, utilizar o mtodo indutivo para analisar os problemas
da preponderncia de cada um dos princpios com coliso e recolher numa pesquisa do
tratamento das provas ilcitas em sistemas jurdicos estrangeiros os critrios gerais para realizar a
compatibilizao da garantia. Os conceitos operacionais recolhidos nessa pesquisa sero
14
analisados de forma crtica, verificando sua eventual aplicao pela jurisprudncia nacional e
propondo critrios de sistematizao das excees s provas ilcitas.
O tipo genrico de investigao pretendida o jurdico-compreensivo, que parte
da decomposio de um problema jurdico em seus diversos aspectos, relaes e nveis. Na
realizao da pesquisa, recorrer-se-, predominantemente, tcnica da pesquisa bibliogrfica em
livros, artigos doutrinrios e repertrio jurisprudencial, nacional e estrangeiro.
O trabalho ser dividido em quatro captulos. No primeiro captulo ser
apresentada a teoria dos direitos fundamentais, tendo como referencial terico a doutrina de
Robert Alexy, ainda que complementada por outros autores. Esse captulo pretende demonstrar
que os princpios fundamentais no so absolutos e que existe um princpio de proteo penal
eficiente que emana da dimenso objetiva dos direitos fundamentais e da subjetivao dos
direitos proteo. Essa perspectiva acarreta ao processo penal uma instrumentalidade garantista-
funcional, que proteja o acusado contra a arbitrariedade punitiva e a sociedade mediante uma
realizao eficiente da proteo penal.
O segundo captulo analisar o problema da verdade processual e suas
implicaes para a justia do julgamento e a aceitabilidade social dos resultados do processo.
Introduzir os conceitos gerais sobre o problema das provas ilcitas, demonstrar que a categoria
estudada corresponde a um princpio constitucional, investigar a teleologia da garantia e
analisar de forma dialtica as crticas a uma preponderncia tanto da garantia quanto da
funcionalidade do processo nesse tema.
O captulo terceiro investigar o tratamento das provas ilcitas em sistemas
jurdicos estrangeiros, de forma mais alongada nos EUA, Alemanha e Espanha, e com breves
referncia a outros pases. Esse captulo pretende recolher, de forma indutiva, os critrios gerais
para a compatibilizao da garantia com os demais princpios colidentes.
No captulo quarto ser analisada de forma crtica a jurisprudncia nacional
sobre o tema, verificando sua compatibilidade com a teoria dos direitos fundamentais e com os
critrios apontados pelos sistemas jurdicos estrangeiros. As excees identificadas no cap. 3
sero sistematizadas luz dos problemas do sistema jurdico nacional, com propostas de
15
tratamento diferenciado a problemas especficos, como o abuso de garantias constitucionais, os
conhecimentos fortuitos, a descontaminao posterior, as violaes por particulares, o erro
incuo, a gravidade do crime, as excees s provas ilcitas por derivao e outros problemas.
Finalmente, na concluso, ser apresentada uma relao das teses sustentadas
na dissertao, de forma a permitir uma viso sinttica das idias.
Tratar do tema das provas ilcitas tarefa rdua, pois toca no mago de
fundamentos da cultura jurdica, que podem despertar reaes extremas tanto de repdio a uma
flexibilizao da proteo aos direitos fundamentais durante a persecuo penal, quanto de
indignao em relao a resultados processuais socialmente ilegtimos. Espera-se que a
investigao realizada fornea, ao fim, critrios gerais para o tratamento das provas ilcitas de
forma condizente com a misso de um Estado democrtico de Direito de proteger o sistema de
direitos fundamentais como um todo.
16
1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E O PRINCPIO DA PROPORCIONALIDADE
1.1 Consideraes iniciais
Como visto na introduo, este captulo ir iniciar o raciocnio dedutivo
destinado comprovao da hiptese de trabalho de que a norma prevista no art. 5o, inciso LVI,
da CF/88 no absoluta, mas comporta temperamentos inerentes acomodao dos diversos
princpios em coliso no processo penal.
Nosso problema se inicia na filosofia poltica e a inscrio do indivduo em sua
inter-relao com a coletividade, cuja tenso se resolve na concepo de Estado que se adota.
Essa concepo de Estado se expressa na Constituio e no sistema de direitos fundamentais
positivados. Todavia, pressupondo-se que a nossa Constituio produto de um processo
democrtico, necessariamente alberga valores dspares, quando no antagnicos. O processo
constituinte no se desenvolve necessariamente sob o signo do consenso, mas como sntese
dialtica de ideais polticos diversificados que traduzem a diversidade axiolgica da sociedade.
Assim, uma compatibilizao dos diversos direitos fundamentais expressivos desses valores
dspares apenas pode ser realizada em uma teoria dos direitos fundamentais de matiz
principiolgica. Adotar-se- como referencial terico aos objetivos deste trabalho a teoria dos
direitos fundamentais de Alexy, ainda que outros referenciais sejam citados como confirmao de
nossas concluses a partir do referencial inicial.
Por questes didticas, iniciar-se- a exposio pela teoria dos direitos
fundamentais de Alexy (seo 1.2) para, aps, dar um passo atrs e esclarecer que a teoria de
Alexy pressupe uma relao material de preferncia condicionada entre os direitos fundamentais
que dada pela concepo de Estado (subseo 1.2.9). Defender-se- que a dignidade da pessoa
humana deve espelhar essa concepo de Estado, indicando na seo 1.3 algumas dessas relaes
da filosofia poltica com a teoria dos direitos fundamentais (especialmente na subseo 1.3.2).
Aps um breve histrico da dignidade da pessoa humana, uma anlise de suas perspectivas, dos
17
conceitos de dignidade (respeito, liberdade e emancipao), defender-se- que a dignidade da
pessoa humana um princpio constitucional estruturante e deve ser a guia da proporcionalidade.
Em seguida, analisar-se-o os direitos proteo (seo 1.4), abordando as duas
possveis linhas de justificao: uma fundada numa dimenso objetiva dos direitos fundamentais
(dever de proteo) e outra numa dimenso subjetiva (direito de proteo). Defender-se- que a
proteo penal expresso desse direito/dever de proteo dos direitos fundamentais e que possui
estatura constitucional. Como conseqncia, tambm o processo penal, como espcie de direito
fundamental a normas de organizao e procedimento, ser informado por esse imperativo de
proteo penal. O reconhecimento da dupla dimenso da proporcionalidade (proibio de excesso
e de insuficincia) acarreta ao processo penal uma instrumentalidade garantista-funcional, que lhe
impe uma ponderao constante dos princpios que esto em coliso em sua realizao prtica,
em especial a garantia do indivduo contra o arbtrio punitivo, a proteo da coletividade contra o
delito mediante uma realizao eficiente do direito material e a considerao dos interesses da
vtima no processo. Nessa situao de ponderao complexa ser inscrito o problema das provas
ilcitas.
1.2 A teoria dos direitos fundamentais de Alexy
Nesta seo, ser exposto o sistema de restries aos direitos fundamentais de
Alexy, que servir como referencial terico aos objetivos deste trabalho, a ser corroborada pelos
estudos de outros autores (em especial de Hberle, Hesse, Dworkin e Canotilho). Sero
analisados o conceito de direitos fundamentais, sua estrutura principiolgica, a restrio,
contedo essencial, mbito de proteo, o princpio da proporcionalidade, a argumentao
jurdica e as respostas de Alexy s suas crticas.
1.2.1 Conceito de direitos fundamentais em Alexy
A teoria dos direitos fundamentais de Alexy uma teoria jurdica geral. Alexy
tem como ponto de partida as normas atributivas de direitos fundamentais previstas na
Constituio (em seu caso, a Lei Fundamental da Alemanha). Portanto, uma teoria dogmtica
com trplice dimenso: analtica, emprica e normativa. A teoria de Alexy visa orientao e
18
crtica da praxis jurdica, a fim de definir qual a deciso correta para cada caso, mediante a
anlise do problema da fundamentabilidade racional dos juzos de valor2.
A teoria de Alexy no uma teoria de valores concretos, mas um ideal teortico
de estruturao racional do esquema de soluo aos problemas das colises de princpios de
direitos fundamentais. Segundo Alexy, ou uma teoria dos direitos fundamentais se apia em um
nico princpio (teoria unipontual) ou em vrios. A reduo a um nico princpio leva um grau de
abstrao tamanho que perde sua utilidade e contraria as vrias funes, aspectos e fins dos
direitos fundamentais. Alexy salienta a necessidade de reconhecer vrios princpios de direitos
fundamentais, o que leva concluso de que haver colises entre esses princpios3.
Assim, Alexy constri uma teoria estrutural dos direitos fundamentais, que
proponha as solues s colises entre os princpios fundamentais4. Segundo Alexy, a coliso e a
ponderao so os problemas fundamentais da dogmtica dos direitos fundamentais5. Alexy
reconhece que o Direito no pode ser reduzido apenas a uma dimenso analtica, mas ressalta a
importncia de uma considerao sistemtica conceitual do Direito para a racionalidade da
cincia jurdica.
Alexy trabalha com o conceito formal de norma de direito fundamental.
Afastando os conceitos material e estrutural de direitos fundamentais por sua abstrao e pela
vinculao a uma concepo material de Estado, Alexy trabalha com o conceito de direito
fundamental reconhecido pela Constituio sob o ttulo "Direitos e Garantias Fundamentais" (no
caso brasileiro, o Ttulo II da Constituio Federal, que abrange os artigos 5o a 17). Mas tambm
reconhece que existem outros direitos fundamentais em outros enunciados da Constituio6. O
conceito formal tem as vantagens de estar o mais perto possvel da Constituio, no impedir
consideraes de tipo geral, no realizar pr-julgamentos de nenhuma tese material ou estrutural
2 ALEXY, Robert. Teora de los derechos fundamentales. 1. ed., 3. reimpresso. Madri: Centro de Estudios Polticos y Constitucionales, 2002, p. 27-35.
3 Ibidem, p. 35-39.4 Ibidem, p. 39. Segundo Alexy, sua proposta continua a grande tradio analtica da jurisprudncia de conceitos:
ibidem, p. 46.5 ALEXY, Robert. Coliso e ponderao como problema fundamental da dogmtica dos direitos fundamentais.
Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Rio de Janeiro: [s.n.], 1998, p. 1 (palestra proferida na Fundao Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, em 10.12.98, mimeo).
6 Alexy inclui dois conceitos para tal classificao: as normas sob o ttulo de "direitos fundamentais" e as que permitem o recurso de inconstitucionalidade (Verfassungsbeschwerde); v. ALEXY. Teora de los derechos fundamentales, op. cit., p. 65.
19
e incluir, no essencial, os enunciados que so entendidos como direitos fundamentais pela
Constituio7.
Ao lado da norma explcita de direitos fundamentais, Alexy acrescenta o
conceito de normas adscritas, que so as que, pela indeterminao do contedo semanticamente
aberto das normas constitucionais explcitas, discriminam seu contedo estabelecendo uma
relao de preciso. O critrio de revelao dessas normas adscritas fornecido pela
argumentao jusfundamental correta, que possibilita, at mesmo, o reconhecimento de novos
direitos fundamentais8.
1.2.2 Estrutura principiolgica das normas de direitos fundamentais em Alexy: regras, princpios e procedimentos
fundamental para a compreenso da estrutura das normas dos direitos
fundamentais a anlise da dimenso principiolgica do direito e do Estado constitucional
contemporneo. Especialmente porque, como afirma Zagrebelsky, "as normas legislativas so de
forma prevalente regras, enquanto as normas constitucionais sobre direitos e sobre a justia so
prevalentemente princpios"9, ainda que se reconhea que tambm h regras na Constituio, bem
como princpios na legislao infraconstitucional.
Enquanto o positivismo jurdico tradicional via o direito como aplicao de um
silogismo judicial (subsuno da situao concreta do fato previso abstrata da norma), a
moderna teoria dos direitos fundamentais afasta tal perspectiva para incluir os princpios tambm
como espcie normativa ao lado das regras. Segundo Alexy, a compreenso dessa estrutura
normativa distinta de regras e princpios essencial para uma teoria satisfatria da coliso dos
direitos fundamentais, dos limites e do papel dos direitos fundamentais no sistema jurdico10.
Alexy distingue, na estrutura das normas de direitos fundamentais, duas
espcies normativas: as regras e os princpios. O critrio de distino entre regras e princpios,
segundo Alexy, no apenas de grau (de generalidade), mas de qualidade. Enquanto as regras
7 Ibidem, p. 66.8 Ibidem, p. 66-74.9 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dctil: ley, derechos, justicia. 3. ed. Madri: Trotta, 1999, p. 109-110,
traduo nossa.10 ALEXY. Teora de los derechos fundamentales, op. cit., p. 81-172.
20
so cumpridas na lgica do tudo ou nada, os princpios so mandados de otimizao, que devem
ser realizados na maior medida possvel, dentro das possibilidades jurdicas e reais existentes11.
Assim, havendo um conflito de regras, deve-se introduzir uma clusula de
exceo em uma das regras e, caso tal no seja possvel, a regra deve ser declarada invlida. O
conceito de validez jurdica no gradual, de sorte que ou a norma vale ou no vale. J na coliso
de princpios, no se discute a validez, mas a dimenso de peso: "nos casos concretos os
princpios tm diferente peso e prevalece o princpio com maior peso"12. Assim, a resoluo do
conflito de princpios feita atravs da atividade de ponderao, que no leva excluso do
princpio realizado em menor medida.
preocupao central da obra de Alexy a busca de um procedimento para a
soluo dos problemas de coliso de princpios, introduzindo elementos reguladores do processo
argumentativo dos direitos fundamentais13. Da porque sua teoria pode ser classificada em um
sistema de trs nveis: regras, princpios e procedimentos. Os procedimentos so os reguladores
da aplicao das regras e princpios, e possuem a forma de uma teoria da argumentao jurdica14.11 Essa perspectiva de Alexy muito semelhante de Dworkin. Segundo Dworkin, a distino entre regras jurdicas
e princpios jurdicos de natureza lgica, pois "as regras so aplicveis maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, ento ou a regra vlida, e nesse caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou no vlida, e nesse caso em nada contribui para a deciso": DWORKIN. Levando os direitos a srio. Trad. Nelson Boeira. So Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 39. Diferentemente, os princpios no apresentam as mesmas conseqncias jurdicas automticas de aplicao das regras. O princpio, para Dworkin, "enuncia uma razo que conduz o argumento em uma certa direo, mas [ainda assim] necessita uma deciso particular" (ibidem, p. 41), ou seja, "inclinam em uma direo, embora de maneira no conclusiva. E sobrevivem intactos quando no prevalecem" (ibidem, p. 57). Essas razes dadas pelo princpio devem ser compatibilizadas por "outros princpios ou outras polticas que argumentem em outra direo" (ibidem, p. 41), de forma que o princpio "se for relevante, deve ser levado em conta pelas autoridades pblicas como [se fosse] uma razo que inclina numa ou noutra direo" (ibidem, p. 42). Ao ocorrer um conflito de princpios, deve-se avaliar qual conjunto de princpios (como razes iniciais) possui um peso mais relevante, de sorte que "poderemos ento afirmar que uma obrigao jurdica existe sempre que as razes que sustentam a existncia de tal obrigao, em termos de princpios jurdicos obrigatrios de diferentes tipos, so mais fortes do que as razes contra a existncia dela" (ibidem, p. 71). Uma outra diferenciao do conceito de princpios em relao s regras que "os princpios possuem uma dimenso que as regras no tem a dimenso do peso ou importncia" (ibidem, p. 42). Assim, enquanto o conflito de princpios equacionado levando "em conta a fora relativa de cada um", o conflito de regras solucionado no campo da validade (hierarquia, sucesso cronolgica e especificidade).
12 ALEXY. Teora de los derechos fundamentales, op. cit., p. 89.13 Alexy afirma que seu intento oferecer um modelo que permita tomar em conta as convices j firmadas e os
resultados das discusses jurdicas precedentes e, por outro lado, deixe espao para os critrios do correto, oferecendo uma melhor fundamentao e um procedimento para a objetivao dos enunciados valorativos de fundamentao da deciso judicial. V. ALEXY, Robert. Teora de la argumentacin jurdica. Trad. Manuel Atienza e Isabel Espejo. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 30-34.
14 Para uma anlise desta perspectiva tripartida da teoria de Alexy sobre os princpios, v. MAIA, Antnio Cavalcanti; SOUZA NETO, Cludio Pereira de. Os princpios de direito e as perspectivas de Perelman, Dworkin e Alexy. In: PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (org.). Os princpios da Constituio de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 85-96. No mesmo sentido: QUEIROZ,
21
Segundo Alexy, a soluo de uma coliso de princpios deve ser tomada
levando em conta as circunstncias do caso concreto, estabelecendo entre os princpios uma
"relao de precedncia condicionada", ou seja, as condies sob as quais um princpio precede o
outro. Essa relao de precedncia no absoluta, abstrata, incondicionada, mas sempre
condicionada, concreta e relativa15. Na teoria de Alexy no h relaes de precedncia absolutas
entre princpios, pois os princpios, como mandados de otimizao, se referem a aes e situaes
que no so quantificveis.
Diante da necessidade de considerao das peculiaridades do caso concreto,
Alexy afirma ser possvel estabelecer uma Lei de coliso, afirmando que "de um enunciado de
preferncia sobre uma relao de precedncia condicionada se segue uma regra que prescreve a
conseqncia jurdica do princpio que possui preferncia quando se do as condies de
preferncia"16, ou seja, um enunciado que conclua que sempre que se estiver sob determinada
situao singular, um princpio ter precedncia sobre outro. O resultado da ponderao entre os
princpios em coliso gerar uma norma de direito fundamental adscrita: "como resultado de toda
ponderao de direitos fundamentais correta, pode formular-se uma norma de direito fundamental
adscrita com carter de regra sob a qual pode ser submetido o caso"17.
Enquanto as regras j contm uma determinao no mbito das possibilidades
jurdicas e fticas, os princpios ordenam que algo deve ser realizado na maior medida possvel,
tendo em conta as possibilidades jurdicas e fticas. Enquanto as regras j devem estabelecer as
relaes de precedncia no caso concreto, os princpios no tm contedo determinado com
respeito a princpios contrapostos e s possibilidades fticas.
O carter de mandado de otimizao dos princpios fica explicitado na
considerao de que os princpios so apenas razes prima facie, enquanto as regras so razes
definitivas. Segundo Alexy, os princpios geram direitos prima facie e a via do direito definitivo
passa pela determinao de uma relao de preferncia. Portanto, os princpios nunca so razes
definitivas, mas pontos de partida para uma avaliao da normalizao ideal. Segundo Alexy:
Cristina M. M. Direitos fundamentais: teoria geral. Coimbra: Coimbra Ed., 2002, p. 140-3.15 ALEXY. Teora de los derechos fundamentales, op. cit., p. 92.16 Ibidem, p. 94.17 Ibidem, p. 98.
22
Quando h que se passar do amplo mundo do dever ser ideal ao estreito mundo do dever ser definitivo ou real, se produzem colises ou, para usar outras expresses freqentes, tenses, conflitos e antinomias. ento inevitvel sopesar princpios contrapostos, ou seja, h que estabelecer relaes de preferncia.18
Conforme Alexy, as normas de direitos fundamentais possuem um carter
duplo: so ao mesmo tempo regras e princpios: "Ela [teoria dos princpios] afirma no apenas
que os direitos fundamentais, enquanto balisadores de definies precisas e definitivas, tm
estruturas de regras, como tambm acentua que o nvel de regras precede prima facie ao nvel dos
princpios. O seu ponto decisivo o de que atrs e ao lado das regras existem os princpios"19.
Assim, atrs da regra de direito fundamental h um princpio, que deve ter primazia na
ponderao quando ocorrer um conflito desse com outros princpios constitucionais.
Na perspectiva de Alexy, os direitos fundamentais individuais podem ser
restringidos no apenas por outros direitos fundamentais individuais (coliso em sentido estrito),
mas tambm por princpios constitucionais relativos a bens coletivos (coliso em sentido amplo)20
.
Ressalta Alexy que os princpios possuem um carter deontolgico e
vinculante, que lhes permite a judicializao imediata; no caso brasileiro, Alexy afirma que tal
fora vinculante emana do art. 5o, 1o, da CF/8821. Essa perspectiva de Alexy permite uma
oxigenao do sistema, proporcionando segurana jurdica atravs das normas-regra e permitindo
a superao dos conflitos de valores prprios de uma sociedade pluralista e aberta atravs das
normas-princpio. Em suas palavras, "a grande vantagem da teoria dos princpios reside no fato
de que ela pode impedir o esvaziamento dos direitos fundamentais sem introduzir uma rigidez
excessiva"22. Segundo Alexy, essa soluo intermediria entre a vinculao e a flexibilidade
possui uma importncia especial diante da Constituio brasileira, que estabeleceu tantos
princpios sociais generosos que apenas podem ser levados a srio se compatibilizados com os
demais princpios, sob uma "reserva do possvel"23.
18 Ibidem, p. 133.19 ALEXY. Coliso e ponderao..., op. cit., p. 10.20 ALEXY. Teora de los derechos fundamentales, op. cit., p. 130 e 281. No mesmo sentido: ALEXY. Coliso e
ponderao... op. cit., p. 2-7.21 ALEXY. Coliso e ponderao... op. cit., p. 8.22 Ibidem, p. 12.23 Ibidem, p. 14.
23
1.2.3 Restrio e as perspectivas interna e externa
Segundo Alexy, "que os direitos fundamentais esto sujeitos a restries e
podem ser delimitados ou limitados parece ser um conhecimento evidente e at trivial que na Lei
Fundamental se manifesta com toda clareza [...]"24. No mesmo sentido, Hberle explicita que:
se os direitos fundamentais se integram reciprocamente formando um sistema unitrio, se configuram como componentes constitutivos do conjunto constitucional e esto em uma relao de recproco condicionamento com outros bens jurdico-constitucionais, disso se deduz que h que se determinar seu contedo e seus limites em ateno aos outros bens jurdico-constitucionais reconhecidos junte deles 25 - concluindo que - a Constituio quer por igual as relaes de poder especial e as liberdades individuais, os direitos fundamentais e o direito penal, as liberdades de um com as liberdades do outro26.
A pretenso de validade absoluta de certos princpios com sacrifcio de outros
cria princpios reciprocamente incompatveis, com a conseqente destruio do que Canotilho
denomina de tendencial unidade axiolgico-normativa da lei fundamental27.
Segundo Alexy, "as restries de direitos fundamentais so normas que
restringem posies jusfundamentais prima facie"28. Assim, destaca que as restries so normas,
e que devem ser necessariamente constitucionais.
Quando se fala em restrio, h duas perspectivas a serem analisadas: a externa
e a interna.
Segundo a perspetiva externa, h o "direito em si" que, aps a incidncia das
restries, se torna o "direito restringido". A relao entre o direito e sua restrio externa ao
conceito de direito, decorrente da necessidade de compatibilizar os diferentes direitos individuais
com os demais direitos individuais e bens coletivos.
24 ALEXY. Teora de los derechos fundamentales, op. cit., p. 267.25 HBERLE, Peter. La garantia del contenido esencial de los derechos fundamentales. Madri: Dykinson, 2003, p.
33.26 Ibidem, p. 39.27 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituio. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p.
1056.28 ALEXY. Teora de los derechos fundamentales, op. cit., p. 272.
24
J segundo a teoria interna, h apenas uma coisa: o direito e suas restries, o
direito com um determinado contedo. O conceito de restrio substitudo pelo de limite. Essa
teoria d lugar idia de "restries imanentes".
Segundo Alexy, uma perspectiva mais individualista tender perspectiva
externa, e uma mais comunitria tender perspectiva interna29. Alexy adota em sua teoria a
perspectiva externa com as adaptaes da teoria dos princpios, na qual os princpios so razes
prima facie a serem restringidas pelas demais razes prima facie concorrentes30.
1.2.4 Tipos de restries dos direitos fundamentais: diretamente constitucionais e indiretamente constitucionais
Alexy, apesar de reconhecer que no existe uma sistemtica satisfatria das
restries aos direitos fundamentais, identifica duas espcies de restries: as diretamente ou as
indiretamente constitucionais.
Um exemplo de restrio diretamente constitucional (adaptando a teoria de
Alexy Constituio brasileira) o disposto no art. 5o, inciso XVI, da CF/88. O direito de reunio
em local pblico um princpio de direito fundamental que est totalmente restringido nas
situaes discriminadas na regra, prevista no prprio inciso (reunio no pacfica, armada, que
frustre outra reunio anteriormente convocada para o mesmo lugar e sem aviso prvio
autoridade competente). Todavia, quando a disposio constitucional estabelece a possibilidade
de restrio com base em direito cuja conformao dada pelo legislador ordinrio, tal
disposio ser apenas uma clusula de restrio que permitir uma restrio indiretamente
constitucional (a ser realizada, em verdade, pelo legislador ordinrio). Assim ocorre, e.g., com o
disposto no art. 5o, inciso XVII, da CF/88, que assegura a plenitude de liberdade de associao
para fins lcitos; como os fins lcitos so estabelecidos pelo legislador ordinrio, trata-se uma
restrio indiretamente constitucional.29 Ibidem, p. 269.30 Ibidem, p. 271. Registre-se que Hberle adota a teoria interna: "o legislador que concretiza no mbito dos direitos
fudamentais os limites conformes essncia regula limites que existem desde o princpio", afirmando a necessidade de compatibilizao tima das relaes indivduo e comunidade; v. HBERLE. La garantia del contenido esencial..., op. cit., p. 57. Todavia, como lembra Alexy, um conceito amplo de mbito de proteo essencial para que no se tenha uma elipse do processo de ponderao de interesses, mascarando o processo de proteo prima facie, ponderao e proteo em concreto. Para uma viso das perspectivas interna e externa dos direitos fundamentais, v. MENDES, Gilmar Ferreira et al. Hermenutica constitucional e direitos fundamentais. Braslia: Braslia Jurdica, 2000, p. 223-6.
25
Esclarece Alexy que possvel a restrio de direitos fundamentais com base
em outros valores ou princpios constitucionais, citando como exemplo deciso do Tribunal
Constitucional Alemo: "tendo em conta a unidade da Constituio e a totalidade da ordem de
valores protegidos por ela [...] os direitos fundamentais de terceiros que entram em coliso e
outros valores jurdicos de nvel constitucional podem excepcionalmente limitar, em pontos
particulares, tambm direitos fundamentais no restringveis"31. Todavia, conclui Alexy que o
Executivo no poder, regra geral, realizar diretamente uma restrio com base no peso
preponderante de outros princpios constitucionais (no fundamentais) opostos, mas dever
apoiar-se em uma restrio indiretamente constitucional sob a forma de uma lei32.
Tambm so possveis restries indiretamente constitucionais, quando a
Constituio autoriza uma competncia a impor a restrio. Pode ser de duas formas: explcitas
ou implcitas. As explcitas decorrem de clusulas de reservas que expressamente autorizam a
restrio, que podem ser subdivididas em simples ou qualificada: a primeira quando
simplesmente se confere a competncia para impor restries (e.g., a admissibilidade de
identificao criminal do civilmente identificado, nas hipteses previstas em lei art. 5o, inciso
LVIII, da CF/88); a segunda quando a prpria Constituio j limita o contedo da possvel
restrio (e.g., a inviolabilidade das comunicaes telefnicas, pois a Constituio, alm de exigir
a lei, j fornece os requisitos gerais para a restrio art. 5o, inciso XII, CF/88). Segundo Alexy,
na perspectiva material da competncia do legislador para estabelecer a restrio, devem ser
obedecidos trs requisitos: (a) obedincia s reservas qualificadas j previstas na Constituio;
(b) respeito ao contedo essencial do direito fundamental restringido; (c) observncia do
princpio da proporcionalidade (e, portanto, do mandado de ponderao). Na considerao da
proporcionalidade, o legislador no pode introduzir uma restrio que no seja apoiada por
princpios constitucionais contrapostos cujo peso argumentativo seja mais relevante. Alexy
31 ALEXY. Teora de los derechos fundamentales, op. cit., p. 281.32 V.: "As posies formais jusfundamentais que tm importncia, sobretudo dentro do marco da reserva legal de
direito fundamental, tm como conseqncia que o peso preponderante de princpios constitucionais opostos no lhes confere j o status de autorizaes suficientes de interveno. Assim, por exemplo, o Executivo tem que poder apoiar-se em uma restrio indiretamente constitucional sob a forma de uma lei tambm quando princpios constitucionais opostos, como restries diretamente constitucionais, justificam materialmente uma interveno"; ALEXY. Teora de los Derechos Fundamentales, op. cit., p. 282. Todavia, registre-se que a estatura constitucional da proteo penal no apenas de princpio constitucional, mas de um princpio de direito fundamental; v. infra, item 1.4.2.1.
26
ressalta que a competncia do legislador constitutiva da restrio, e no meramente
interpretativa das possibilidades constitucionais de restrio33.
1.2.5 Garantia do contedo essencial como limite s restries
Segundo Alexy, a denominada garantia do contedo essencial deve ser
encarada como um significado duplo. Em sentido objetivo, significa a vedao de reduo total
de vigncia de uma disposio jusfundamental de forma que perca sua importncia para os
indivduos em geral ou para a vida social. Mas tambm deve ser vista numa perspectiva subjetiva,
como forma de proibio de supresso de posies do indivduo (considerado o carter de direito
subjetivo dos direitos fundamentais)34.
H duas correntes na interpretao do ncleo essencial: a absoluta e a relativa.
Segundo a relativa, o contedo essencial aquilo que fica aps uma ponderao com os demais
princpios em coliso. Assim, a garantia do contedo essencial corresponde necessidade de
observncia do princpio da proporcionalidade. J para a teoria absoluta, sempre h um ncleo
essencial de cada direito fundamental que em nenhuma hiptese pode ser afetado.
Alexy posiciona-se a favor da teoria relativa. Segundo Alexy o ncleo essencial
significa apenas que "existem condies nas quais se pode dizer com muita alta segurana que
no h precedncia de nenhum princpio oposto" e que "o carter absoluto de sua proteo uma
questo das relaes entre os princpios"35. Portanto, segundo Alexy, no h verdadeiramente um
ncleo essencial j determinado objetivamente e de forma absoluta pela Constituio, mas uma
relao entre princpios contrapostos que permitem uma concluso de que dificilmente haver
situaes concretas nas quais aquela parte mais significativa do direito fundamental possa ser
suprimida. E conclui que "a garantia do contedo essencial do art. 19, 2o, da Lei Fundamental
[alem] no formula frente ao princpio da proporcionalidade nenhuma restrio adicional da
restringibilidade de direitos fundamentais"36, mas apenas fortifica a validade do princpio da
proporcionalidade.
33 Neste ponto Alexy discorda da posio de Hberle. V. ALEXY. Teora de los derechos fundamentales, op. cit., p. 282-286.
34 Ibidem, p. 287-8.35 Ibidem, p. 291.36 Loc. cit.
27
No mesmo sentido, defende Hberle que "o contedo essencial dos direitos
fundamentais no uma medida que h que deduzir 'em si' e independentemente do conjunto da
Constituio e dos bens jurdicos reconhecidos junto a tais direitos [...]"37 concluindo que "no
contedo essencial dos direitos fundamentais se reflete a totalidade do sistema jurdico-
constitucional de valores"38. Portanto, o contedo essencial no possui um contedo apriorstico,
mas possui apenas um carter declaratrio de sntese do resultado da ponderao dos princpios
em coliso39.
1.2.6 mbito de proteo
Segundo Alexy, mbito de proteo, em sentido amplo, consiste em tudo aquilo
que est proibido prima facie pelo direito fundamental de defesa, ou permitido prima facie pelas
normas jusfundamentais permissivas. A construo de uma estrutura do mbito de proteo deve
ser feita com a considerao de trs elementos: bem protegido, interveno e restrio.
Alexy resume a estrutura do mbito de proteo e sua relao com a
ponderao nos dois seguintes enunciados, denominados "leis de interveno":
(I) Todas as medidas que constituem uma interveno em um bem jusfundamental protegido esto prima facie jusfundamentalmente proibidas.
(II) Todas as medidas que constituem intervenes em um bem jusfundamentalmente protegido e no esto justificadas por uma restrio esto definitiva e jusfundamentalmente proibidas.40
Conclui Alexy que, sempre que se estiver diante de casos nos quais no seja
claro se algo deve ser qualificado como uma interveno, adequado seguir a via da proibio
prima facie, realizando posteriormente a ponderao41. Tal deve ocorrer mesmo que se esteja
diante de um caso claro de que o resultado da ponderao ser a no-proteo do direito. Afirma:
Se uma razo fala a favor da proteo jusfundamental, h que afirmar sua tipicidade, por mais fortes que possam ser as razes contrrias. Isto no significa
37 HBERLE. La garantia del contenido esencial..., op. cit., p. 59.38 Ibidem, p. 62.39 No sentido de uma significao apenas declaratria do contedo essencial: ibidem, p. 219-222. Todavia, Hberle
tambm confere garantia do contedo essencial uma natureza de "garantia institucional" dos direitos fundamentais, destinada a evitar abusos por parte do legislador, como, e.g., a supresso total do direito fundamental. Para uma anlise do problema do ncleo essencial, v. MENDES. Op. cit., p. 210-223.
40 Ibidem, p. 296-7.41 Loc. cit.
28
que em todos os casos haja que levar a cabo ponderaes amplas. Mas sim que tambm os casos claros de no proteo jusfundamental so o resultado de uma ponderao e que deve-se manter aberta a possibilidade de ponderao para todos os casos e que de modo algum pode ser substituda por evidncias, de qualquer tipo que elas sejam.42.
Essa construo de Alexy contraposta denominada teoria estrita do mbito
de proteo, que j exclui da proteo as situaes (supostamente) de clara no-proteo, que
decorrem da elipse de uma ponderao preliminar. A teoria de Alexy, ao ampliar o mbito de
proteo, tambm aumenta o nmero de colises, tendo que excluir mais da proteo
jusfundamental atravs das restries que uma teoria estreita, incrementando, assim, a utilizao
do princpio da proporcionalidade como instrumento de concretizao sria e honesta dos direitos
fundamentais. A uma suposta crtica de insegurana na utilizao desse critrio e do aumento de
restries implcitas, Alexy replica que "a insegurana que existiria se algum no pudesse ater-
se a nada mais que ao texto das clusulas restritivas pode ser eliminada mediante uma
jurisprudncia constitucional continuada e racional orientada pelo princpio da
proporcionalidade"43. E tal procedimento tem a vantagem de conferir ordem jurdica como um
todo o carter de um sistema amplo de solues de colises jusfundamentais44.
1.2.7 Restrio e configurao
Segundo Alexy, uma norma de configurao aquela que dispe sobre aquilo
que est abarcado pelo direito fundamental, no sendo restritiva de seu mbito de proteo.
Alexy identifica na doutrina autores que utilizam a expresso configurao no
apenas para o contedo do direito, mas tambm para sua delimitao (restrio)45. Alexy prope
uma concepo restrita da configurao, de forma que apenas se utilize esse conceito para as
configuraes em sentido estrito. Para Alexy, configurao deve ser o oposto de restrio, de
forma que configurao no pode referir-se s normas de mandado ou de proibio, mas apenas a
42 Ibidem, p. 311.43 Ibidem, p. 315.44 Ibidem, p. 318.45 Hberle citado por Alexy como um dos que utilizam esta expresso de forma no exata. Segundo Hberle,
"qualquer limitao de um direito fundamental parte da determinao do contedo [... e ] o objetivo da teoria interna ver em uma unidade o contedo e os limites de um direito". V. HBERLE. La garantia del contenido esencial..., op. cit., p. 167. Ver de forma desenvolvida: ibidem, p. 168-174.
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normas de competncia46. Ainda assim, quando a eliminao de uma competncia obstaculizar a
realizao de um princpio fundamental, deve-se considerar que essa uma restrio. O critrio
distintivo de configurao e restrio, em Alexy, o da no-obstaculizao de um princpio de
direito fundamental, de forma que todo impedimento de realizao da razo prima facie de um
princpio deve estar justificado por uma argumentao jusfundamental racional dentro do marco
da proporcionalidade.
1.2.8 O princpio da proporcionalidade como procedimento de mediao das colises
A teoria dos direitos fundamentais de Alexy , em ltima anlise, uma teoria da
aplicao do princpio da proporcionalidade na soluo das colises de princpios. Segundo
Alexy, "princpios e ponderaes so dois lados do mesmo fenmeno. O primeiro refere-se ao
aspecto normativo; o outro, ao aspecto metodolgico"47.
A proporcionalidade, portanto, o mtodo utilizado para a resoluo das
colises dos princpios. No , segundo Alexy, um princpio nesse sentido, pois a
proporcionalidade em si no entra em coliso com outros princpios48. Antes, o procedimento
(conforme a classificao tripartida do sistema de Alexy) para a soluo das colises de
princpios.
A proporcionalidade como mtodo de resoluo das colises possui trs
subprincpios (ou mximas parciais): adequao, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito. A adequao significa a idoneidade do meio utilizado para a persecuo do fim desejado.
Segundo Gonzalez-Cuellar Serrano, a adequao exige um juzo de "funcionalidade", para
verificar se as medidas restritivas so aptas a atingir ou fomentar os fins que se perseguem49.
Necessidade significa a utilizao, entre as vrias medidas aptas, da mais benigna, mais suave ou
menos restritiva. Segundo o referido autor, tambm denominado de "interveno mnima", 46 Este conceito de Alexy utilizado em outros autores no sentido de poder jurdico, autorizao para realizar algo,
faculdade, direito de configurao, capacidade jurdica; v. ALEXY. Teora de los derechos fundamentales, op. cit., p. 227.
47 ALEXY. Coliso e ponderao... op. cit., p. 10.48 ALEXY. Teora de los derechos fundamentales, op. cit., p. 122, nota 84. Tanto que Alexy a denomina de
"mxima de proporcionalidade" e afirma que as trs mximas parciais devem ser catalogadas como regras (ou seja, aplicadas mediante subsuno). Comentando a terminologia na doutrina brasileira, v. SILVA, Lus Virglio Afonso da. O proporcional e o razovel. Revista dos Tribunais, So Paulo, ano 91, v. 798, p. 24-27, abril de 2002.
49 GONZALEZ-CUELLAR SERRANO, Nicolas. Proporcionalidad y derechos fundamentales em el proceso penal. Madri: Colex, 1990, 155.
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"alternativa menos gravosa" e "de subsidiariedade"50, implicando a necessidade de comparar as
alternativas aptas e otimizar a menor leso possvel. Se o Estado, para realizar um princpio P1,
possui sua disposio as medidas M1 e M2, ambas adequadas para realizar P1 mas restritivas de
um princpio concorrente P2, deve-se escolher a medida que menos restrinja o princpio P2;
assim, se M1 restringe P2 mais que M2, ento M1 no necessria. J a proporcionalidade em
sentido estrito o postulado da ponderao de interesses, propriamente dito. Esse procedimento
da ponderao denominado por Hesse como princpio da concordncia prtica que, junto com o
da unidade da Constituio, deve orientar a compatibilizao dos interesses em coliso mediante
uma interpretao orientada ao problema concreto51. A ordem de aplicao desses subprincpios
sucessiva, iniciando-se pela adequao e passando pela necessidade at a ponderao, de forma
que, caso a medida restritiva seja reprovada em um desses parmetros, no ser necessria a
aplicao dos demais52.
A adequao e a necessidade refletem o carter dos princpios como mandados
de otimizao diante das possibilidades fticas, enquanto a ponderao reflete o carter dos
princpios como mandados de otimizao diante das possibilidades jurdicas53.
Segundo Alexy, possvel enunciar uma lei de ponderao com a seguinte
frmula: "quanto mais intensa se revelar a interveno em um dado direito fundamental, maiores
ho de se revelar os fundamentos justificadores dessa interveno"54. No mesmo sentido, afirma
Hberle que "o princpio de proporcionalidade significa que, para uma limitao especialmente
intensa da liberdade, deve existir uma necessidade 'urgente'"55, argumentando que a ponderao
de bens "equilbrio e ordenao conjunta" que garante uma "unificao em uma situao
global"56. Nessa linha, define Canotilho o princpio da proporcionalidade como um princpio
jurdico-material de "justa medida", destinado proibio de excesso e de arbtrio57.
50 Ibidem, p. 189.51 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da Repblica Federal da Alemanha. Trad. Lus Afonso
Heck. Porto Alegre: Fabris, 1998, p. 66, 72.52 Como anota Lus Virglio Afonso da Silva, alguns autores que se ocupam da anlise da jurisprudncia da Corte
Europia de Direitos Humanos acrescentam um quarto parmetro, que antecede os trs j explicitados no texto, a legitimidade dos fins que a medida questionada pretende atingir. V. SILVA, L. V. A. Op. cit., p. 35.
53 ALEXY. Teora de los derechos fundamentales, op. cit., p. 112.54 ALEXY. Coliso e ponderao... op. cit., p. 13.55 HBERLE. La garantia del contenido esencial..., op. cit., p. 69.56 Ibidem, p. 40.57 CANOTILHO. Op. cit., p. 1039. Ainda que se possa criticar uma identificao de proporcionalidade com
proibio de excesso, j que esta tambm significa proibio de insuficincia. V. infra, subseo 1.4.3.
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Segundo Alexy, essa lei da ponderao no um procedimento arbitrrio, mas
deve seguir trs planos de argumentao: definio da intensidade da interveno; conhecimento
da importncia dos fundamentos justificadores da interveno; e realizao da ponderao em
sentido especfico e estrito58. Ernesto Pedraz Penalva acrescenta outros trs critrios norteadores
do procedimento da ponderao: a) quanto mais sensvel revelar-se a intromisso da norma na
posio jurdica do indivduo, mais relevantes ho de ser os interesses da comunidade que com
ele colidam; b) do mesmo modo, o maior peso e preeminncia dos interesses gerais justificam
uma interferncia mais grave; c) o diverso peso dos direitos fundamentais pode ensejar uma
escala de valores em si mesmo, como ocorre na esfera jurdico-penal (o direito vida tem
preferncia ao direito propriedade)59.
No texto constitucional brasileiro, no h dispositivo explcito consagrando o
princpio da proporcionalidade. Todavia, a doutrina aponta se que trata de um princpio
constitucional implcito, derivado de vrios dispositivos constitucionais60. A dignidade da pessoa
humana, reconhecida como princpio fundamental do Estado Brasileiro (art. 1o, III), revela a
sntese dos valores humanistas subjacentes ordem constitucional e exige a otimizao do
conjunto de direitos fundamentais concorrentes. O devido processo legal (art. 5o, LIV), entendido
em um sentido material, exige uma lei devida para as restries, portanto justa e racional. Nesse
sentido, o devido processo legal substancial possui conexo estreita com a dignidade da pessoa
humana, j que esta se funda no postulado da liberdade tica do ser humano, e portanto exige que
as leis do Estado devam ser revestidas de uma razoabilidade apta a criar uma ordem justa racional
de tal sorte que todo ser racional possa a ela aderir como se a lei fosse sua prpria vontade.
Tambm se funda na prpria noo de Estado de Direito Democrtico (art. 1o, caput), no qual o
Estado autolimita sua atividade atravs das leis, para a realizao de fins, dentre os quais os mais
relevantes so a afirmao do conjunto de direitos fundamentais61, o que resulta no
reconhecimento da proporcionalidade como vedao da arbitrariedade e do desarrazoado. Deriva,
58 ALEXY. Coliso e ponderao... op. cit., p. 13.59 Apud BARROS, Suzana de Toledo. O princpio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das
leis restritivas de direitos fundamentais. 3. ed. Braslia: Braslia Jurdica, 2003, p. 88.60 Ibidem, p. 93-100.61 Segundo Prez Luo, o Estado de Direito se assenta sobre trs fundamentos: limitao da atividade dos rgos de
poder pela legalidade, garantia de respeito aos direitos subjetivos pblicos positivados na Constituio e controle judicial de toda atividade do Estado; v. PREZ LUO, Antonio Enrique. Estado de derecho y derechos fundamentales. 8. ed. Madri: Tecnos, 2003, p. 238-239.
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enfim, da prpria estrutura dos direitos fundamentais como princpios jurdicos, que apenas se
sustenta logicamente se houver a observncia dos trs subprincpios da proporcionalidade.
Alm desses fundamentos legais, h grande reconhecimento e aplicao do
princpio da proporcionalidade em vrios ramos do direito, especialmente no administrativo e
penal. A doutrina nacional tem contribudo para uma sedimentao desse princpio62 e a
jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal tem aceito e recorrentemente utilizado o princpio da
proporcionalidade como critrio de aferio da constitucionalidade de atos legislativos e
administrativos63, de forma que no se hesita em reconhecer que o princpio da proporcionalidade
possui plena vigncia no direito constitucional ptrio, com sua especial estruturao racional
desenvolvida pela doutrina constitucional alem64.
1.2.9 Argumentao jurdica como procedimento de concretizao dos direitos fundamentais
Segundo Alexy, a argumentao jurdica do discurso jurdico uma forma de
argumentao do discurso prtico geral65. Alexy afirma que h quatro graus de discursos: o
discurso prtico geral, o procedimento legislativo, o discurso jurdico e o procedimento judicial.
Como o discurso prtico geral no fornece respostas certas a todas as situaes mas apenas um
cdigo geral da razo, a demanda social por segurana demanda do Estado a concretizao de
solues, dentre as vrias opes possveis, mediante o procedimento legislativo. Este, por sua
vez, tambm no exaure as possibilidades concretas de solues e deve ser delimitado pelo
62 Ver, dentre outros: BARROS, S. T. Op. cit. STUMM, Raquel Denize. O princpio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. FARIAS, Edilsom Pereira. Coliso de direitos. Porto Alegre: Fabris, 1996. SARMENTO, Daniel. A ponderao de interesses na Constituio Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. STEINMETZ. Wilson Antnio. Coliso de direitos fundamentais e princpio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. OLIVEIRA, Fbio Corra Souza de. Por uma teoria dos princpios: o princpio constitucional da razoabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
63 Para uma anlise da utilizao de tal princpio pela jurisprudncia do STF, v. BARROS, S. T. Op. cit., p. 104-130. Ainda que, como critica Lus Virglio Afonso da Silva, nem sempre o STF obedea de forma correta seqncia metodolgica dos trs subprincpios, utilizando-se a proporcionalidade por vezes apenas como um topoi argumentativo; v. SILVA, L. V. A. Op. cit., p. 31 et seq.
64 Segundo Lus Virglio Afonso da Silva, exatamente esta estruturao atravs de um procedimento racional que diferencia o princpio da proporcionalidade, criado pela jurisprudncia alem, de seu similiar estadunidense que o princpio da razoabilidade, acrescentando que a razoabilidade, apenas como adequao entre fins e meios, corresponde ao subprincpio da adequao. V. SILVA, L. V. A. Op. cit., p. 30-1. Discutindo a problemtica da fungibilidade dos conceitos e optando pela razoabilidade apenas por questes terminolgicas (razo seria mais adequado que proporo), v. OLIVEIRA, F. C. S. Op. cit., p. 81-88.
65 ALEXY. Teora de los derechos fundamentales, op. cit., p. 530. No mesmo sentido: Idem. Teora de la argumentacin jurdica, op. cit., p. 203-212.
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discurso jurdico, que estar sujeito a trs controles: lei, ao precedente e dogmtica66. Ainda
assim, no se limita totalmente a insegurana pela possibilidade de vrias correntes doutrinrias,
de modo que a plena concretizao apenas ocorrer com o procedimento judicial, no qual se
decide perante o caso concreto. A controlabilidade do procedimento judicial ante sua abertura aos
critrios valorativos ocorre, segundo Alexy, atravs da argumentao prtica racional.
A argumentao jusfundamental uma forma de argumentao jurdica, mas
que no est limitada pelo procedimento legislativo, mas pelas disposies abstratas, abertas e
ideologizadas dos enunciados dos direitos fundamentais67. Segundo Alexy, a interpretao dessas
normas parte em primeiro lugar do prprio texto constitucional e da vontade do constituinte.
Esses critrios, ante a relativa fora semntica dos enunciados abertos dos direitos fundamentais,
podem no ser decisivos, mas so o ponto de partida, que podero ser eventualmente superados
por solues contrrias ao texto apenas mediante um nus de argumentao forte o suficiente.
Afirm