UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE DIREITO
MARCUS EULER RODRIGUES BARROCAS
EXAME CRIMINOLÓGICO: ANÁLISE CRÍTICA DO INSTITUTO À LUZ
MODELO GARANTISTA CONSTITUCIONALMENTE ESTABELECIDO
FORTALEZA
2014
MARCUS EULER RODRIGUES BARROCAS
EXAME CRIMINOLÓGICO: ANÁLISE DO INSTITUTO À LUZ DO MODELO
GARANTISTA CONSTITUCIONALMENTE ESTABELECIDO
Monografia apresentada à
Coordenação do Curso de Direito
da Universidade Federal do Ceará
como requisito para obtenção do
Título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Me. Michel
Mascarenhas Silva
FORTALEZA
2014
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito
B277e Barrocas, Marcus Euler Rodrigues.
Exame criminológico: análise crítica do instituto à luz do modelo garantista
constitucionalmente estabelecido / Marcus Euler Rodrigues Barrocas. – 2014.
65 f. : enc. ; 30 cm.
Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de
Direito, Fortaleza, 2014.
Área de Concentração: Execução Penal.
Orientação: Prof. Me. Michel Mascarenhas Silva.
1. Pena (Direito) - Brasil. 2. Prisões - Brasil. 3. Prisioneiros - Brasil. I. Silva, Michel
Mascarenhas (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.
CDD 343.4
MARCUS EULER RODRIGUES BARROCAS
EXAME CRIMINOLÓGICO: ANÁLISE DO INSTITUTO À LUZ DO MODELO
GARANTISTA CONSTITUCIONALMENTE ESTABELECIDO
Trabalho de Conclusão de Curso
submetido à Coordenação do
Curso de Graduação em Direito da
Universidade Federal do Ceará,
sob a orientação do Professor
Mestre Michel Mascarenhas Silva,
como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em
Direito em conformidade com os
atos normativos do MEC e do
Regulamento de Monografia
Jurídica aprovado pelo Conselho
Departamental da Faculdade de
Direito da UFC.
Aprovada em: __/__/___
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Professor Ms. Michel Mascarenhas Silva (Orientador)
Universidade Federal do Ceará – UFC
_______________________________________
Professor Ms. Raul Carneiro Nepomuceno
Universidade Federal do Ceará – UFC
_______________________________________
Professor Mestrando Thales José Pitombeira Eduardo
Universidade Federal do Ceará - UFC
À minha mãe, Regiane, pela atenção, carinho e
amor incondicionalmente fornecidos.
Ao meu pai, Daniel, pela paciência, dedicação
e amizade como formas de incentivo para que
me tornasse uma pessoa melhor.
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai, Daniel, e à minha mãe, Regiane, pelo amor, atenção, respeito e
incentivo, responsáveis por me tornar um homem cada vez melhor e mais digno. Sei que
palavras não se prestam a traduzir os reais agradecimentos que vocês merecem, mas eis uma
tentativa.
Aos meus irmãos de sangue, Júlio e Luiza, por todo o histórico de apoio que
sempre me foi dado ao longo de todas as nossas vidas.
À minha madrasta, Soraya, por sempre tentar me propiciar momentos
inesquecíveis.
Aos meus irmãos de coração, João Pedro e Sofia, sempre solícitos.
Ao professor e orientador, Michel Mascarenhas Silva, pela orientação, apoio e
conhecimento, sem o qual não seria possível este presente trabalho.
Aos amigos do REC (DJ, Zaquinha, Coerdeiro, Pebu, Guedim, Dantas, FDP,
Everton, Davizim, Gabarruda, Felarruda, Ricardo Mala, Joel, Mascarado, Carlim, Bel,
Barreto, Caio, Dudu, Dante, Obara, Solon e Cariri), grupo este do qual sempre levarei comigo
os sentimentos de amizade e parceria, tão importantes na vida de qualquer ser humano.
Aos amigos dos estágios na AGU (Dr. Paulo, Dr. André, David, Milena, Olívia,
Tarcísio e Santiago) e na PGJ (Dr. Paulo, Dr. Elnatan, Dra. Yháskara, Yanne, Gabriel
Câmara, Gabriel Soares, Dudu, Vivian e Igor), locais onde, além de todo o aprendizado para a
vida acadêmica, fiz amizades especiais.
A todos os amigos que fiz nessa centenária casa, principalmente a meus colegas
da turma 2015.1, os quais, diante da impossibilidade de citar todos os nomes, desejo,
sinceramente, que cada um se sinta congratulado pela companhia a mim concedida ao longo
desses 4 anos e meio.
E, finalmente, à Duda, a qual sempre esteve ao meu lado, concedendo-me
incentivo para que eu me tornasse uma pessoa melhor, embora saiba que palavras não seriam
suficientes para demonstrar o que sinto neste momento. Não podendo ficar de fora, também,
todos os seus familiares, que me tratam como se da família fosse.
A utopia está lá no horizonte. Me aproximo
dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez
passos. Por mais que eu caminhe, jamais a
alcançarei. Para que serve a utopia? Serve
para isso: para que eu não deixe de caminhar.
Eduardo Galeano
RESUMO
A Lei de Execução Penal, publicada em 1984, atribuiu ao exame criminológico a função de
classificar os condenados de acordo com as suas personalidades, obedecendo, assim, ao
princípio constitucional de individualização da pena. Todavia, sempre houve muita discussão
na doutrina quanto à eficácia do exame e à sua capacidade de ser a melhor ferramenta para
auxiliar o Poder Judiciário, especialmente quando da análise dos pedidos de progressão de
regime, de liberdade condicional, dentre outros benefícios existentes no curso da fase
executória da pena. Esse cenário de veementes debates agravou-se, sobretudo após o advento
da Lei 10.792/2003, em que restou alterado o teor do art. 112 da Lei de Execução Penal, visto
que se estabeleceu, como requisito subjetivo para a concessão dos aludidos privilégios, o
atestado de bom comportamento carcerário, a ser fornecido pelo diretor do estabelecimento
prisional. Do exposto, a presente pesquisa, portanto, propor-se-á a analisar, de forma crítica, o
referido exame, em todas as suas espécies previstas na legislação brasileira, utilizando-se,
como parâmetro, a Constituição Federal de 1988.
Palavras-chave: Execução penal. Individualização da pena. Exame criminológico.
Garantismo. Dignidade da pessoa humana.
ABSTRACT
The Penal Execution Law, published in 1984, gave the criminological examination function to
classify inmates according to their personalities, thus obeying the constitutional principle of
individualization of punishment. However, there has always been much discussion on the
doctrine concerning the effectiveness of the test and its ability to be the best tool to assist the
judiciary, especially when examining applications of regime progression, probation, among
other benefits existing in the course of execution stage of the worth. This scenario of
vehement debates worsened, especially after the enactment of Law 10,792 / 2003, which
remained changed the content of art. 112 of the Penal Execution Law since established itself
as a subjective requirement for the granting of privileges alluded to, a certificate of good
prison behavior, to be provided by the director of the prison. From the above, the present
study therefore will propose to examine, critically, that examination, in all its species under
Brazilian law, using as parameter, the Federal Constitution of 1988.
Key-words: Criminal enforcement. Individualization of punishment. Criminological
examination. Guaranteeism. Human dignity
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 10
2. DO SISTEMA PROGRESSIVO ADOTADO NO BRASIL NA
EXECUÇÃO DA PENA......................................................................................
12
2.1. Principais teorias e objetivos da sanção penal....................................................... 13
2.2. Breve apanhado sobre os sistemas penitenciários................................................. 18
2.3. Características do modelo de execução da pena privativa de liberdade adotado
no Brasil.................................................................................................................
21
3. DO EXAME CRIMINOLÓGICO NO BRASIL............................................... 26
3.1. Da Escola Positivista italiana e sua influência sobre o Exame Criminológico
realizado no Brasil..................................................................................................
28
3.2. Aspectos históricos do Exame Criminológico na legislação brasileira.................. 30
3.3. Conceito de Exame Criminológico......................................................................... 33
3.4. Espécies de Exame Criminológico......................................................................... 34
4. DO EXAME CRIMINOLÓGICO PARA FINS DE CONCESSÃO DE
BENESSES NA FASE DE EXECUÇÃO DA PENA NO BRASIL..................
42
4.1. Das alterações promovidas pela Lei 10.792/2003.................................................. 42
4.2. Das fases constitutivas do exame criminológico para fins de concessão de
benesses..................................................................................................................
46
4.3. Análise crítica do Exame Criminológico para fins de concessão de benesses na
fase de execução da pena........................................................................................
49
4.4. Modelo garantista constitucionalmente estabelecido no Brasil.............................. 56
5. CONCLUSÃO.......................................................................................................
58
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 62
10
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XLVI, traz à baila a necessidade
de observância da lei ao princípio da individualização da pena de cada condenado, no sentido
de classificá-los de acordo com a sua personalidade e antecedentes, estabelecendo, para cada
um, o tratamento penitenciário mais adequado às suas circunstâncias. Diante disso, no Brasil,
há, pelo menos, trinta anos emprega-se o exame criminológico como um dos instrumentos
responsáveis por essa individualização.
O presente trabalho, portanto, ao versar sobre o exame, será realizado tendo como
principais fontes a doutrinária, através da consulta de livros, revistas e artigos científicos que
abordem os diferentes aspectos relacionados ao tema, bem como a jurisprudencial, com a
utilização das decisões que perfazem o entendimento majoritário no âmbito do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Isso posto, inicialmente, no segundo capítulo desta obra, será explicitado o
sistema progressivo adotado no Brasil. Serão tecidas considerações introdutórias acerca do
tema, ressaltando, ainda, a missão e os limites do Direito Penal. Em seguida, explorar-se-á as
principais teorias justificadoras da sanção penal, tais como: as retributivas, as preventivas e as
mistas. Posteriormente, será feito um apanhado histórico dos sistemas penitenciários
existentes até então, a saber: o pensilvânico; o auburniano; e os progressivos. Finalmente,
serão apresentados os principais atributos do modelo brasileiro de execução da pena privativa
de liberdade.
Depois, no terceiro capítulo, adentrar-se-á, de maneira propedêutica, o tema
central da presente monografia: o exame criminológico. Desse modo, serão expostas as
noções gerais acerca do instituto, sua fonte de inspiração, seus principais aspectos históricos,
sua função, seu conceito e suas espécies. Aliás, no que atine às espécies, serão estruturadas as
principais diferenças e semelhanças entre elas. Além disso, serão evidenciadas as
características das equipes profissionais responsáveis pelos exames e as medidas legais a elas
disponibilizadas para a elaboração de seus pareceres e laudos.
Por fim, no quarto capítulo, tratar-se-á, especificamente, da espécie de exame
criminológico que opera como pré-requisito para a concessão dos variados benefícios
possíveis na fase de cumprimento da pena, tais como a progressão de regime e o livramento
condicional. Ademais, serão relatados os aspectos históricos mais relevantes desta modalidade
específica de exame, destacando, ainda, as alterações promovidas pela Lei 10.792/2003, e a
11
consequente elaboração da Súmula Vinculante n. 26 e da Súmula 439 do Superior Tribunal de
Justiça referentes ao instituto. Em seguida, serão apresentadas, de acordo com a doutrina, as
fases constitutivas do exame e o prestígio científico a elas outorgado. Encerrando o capítulo,
serão explicitadas as críticas mais lembradas no meio acadêmico acerca dessa avaliação de
cunho criminológico, bem como exposto o modelo garantista constitucional vigente.
12
2. DO SISTEMA PROGRESSIVO ADOTADO NO BRASIL NA EXECUÇÃO DA
PENA
Sabe-se que a figura do delito é inerente a todas as sociedades, desde os mais
remotos tempos. Trata-se, nas palavras de Durkheim1, de um fato social normal, o qual,
inclusive, pode ser entendido como fenômeno responsável pelas transformações da própria
sociedade.
Nesse sentido, conforme Bitencourt2, justamente por conta das relações sociais já
trazerem em sua essência não somente o delito, como, também, a própria violência, surgiu a
necessidade da criação do Direito Penal, ao qual, em última hipótese, competirá refratar
qualquer espécie de violência ou perigo de violência aos bens jurídicos mais preciosos assim
classificados pelos membros da coletividade, tornando, com isso, possível a harmoniosa
convivência humana.
A classificação desses bens como valiosos para a sociedade demanda, de acordo
com Greco3, uma análise sob a perspectiva política, e, não, econômica, atentando-se, também,
para o seu caráter metamórfico, uma vez que acompanha as transformações ocorridas no seio
social.
Isso posto, como instrumento utilizado para tutelar os bens jurídicos, assim como
para dirimir os conflitos emergentes do cometimento de infrações penais, o Direito Penal,
obedecendo ao devido processo legal, utiliza-se das sanções correspondentes aos tipos penais
previstos em lei anteriormente às condutas delitivas porventura perpetradas, sejam tais
sanções penas propriamente ditas ou medidas de segurança.
Por sinal, do mesmo modo que ocorre com os bens jurídicos tutelados pela lei
penal, a compreensão da sanção penal deve ser efetuada à luz do modelo socioeconômico e da
forma de Estado apresentada por determinada sociedade4. Diante da forte ligação entre
Estado, pena (lato sensu) e culpabilidade, a partir do momento em que se altere a ideologia
utilizada para compreensão estatal, automaticamente restarão modificadas tanto a pena,
quanto a culpabilidade. Esta, por sua vez, nas palavras de Machado5, entendida como
instrumento idôneo para a exclusão da temerária responsabilidade objetiva, bem como da
1 DURKHEIM, Emile. Las reglas del método sociológico, México, Fondo de Cultura Económica, 1997, p. 8.
2 BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, v.1. 17ª ed. ve. ampl. e atual. de
acordo com a Lei 12.550, de 2011. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 35. 3 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 10ª ed. Rio de janeiro: Impetus, 2008, p. 4.
4 BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., loc. cit.
5 MACHADO, Fábio Guedes de Paula. A Culpabilidade no Direito Penal Contemporâneo. São Paulo:
Quartier Latin, 2010, p. 21.
13
responsabilidade pelo fato cometido por “outros”, garantindo, com isso, a subjetivação e a
individualização da responsabilidade penal.
2.1. Principais teorias e objetivos da sanção penal
Partindo dessa premissa, as teorias que tentam explicar a natureza das sanções
penais sofreram diversas modificações ao longo dos séculos, sempre evoluindo de forma
emparelhada com a alteração dos fatos sociais. Contudo, em que pese as diferenças a seguir
apontadas por tais correntes doutrinárias, há consenso entre elas no sentido de defender a
imprescindibilidade da sanção para o convívio social.
É possível, dessa forma, delimitar sobretudo três teorias que tentam, à luz do
contexto histórico em que foram elaboradas, explicar o sentido, a função e as finalidades da
sanção criminal, são elas: as teorias retributivas (ou absolutas); as teorias preventivas (ou
relativas); e as teorias mistas (ou unificadoras).
As teorias retributivas, em um momento inicial, por estarem inseridas no âmago
do Antigo Regime, em que a figura do monarca era entendida como a própria personificação
do Divino, propugnavam a ideia de que a sanção seria um mal, um castigo, ao qual o
delinquente deveria ser submetido para que expiasse seus pecados.
De acordo com Bitencourt6, a imposição da sanção estaria justificada por sua
simples aplicação, pouco importando, desse modo, qualquer efeito futuro. Atentava-se, assim,
exclusivamente para o fato passado: punitur quia peccatum est (pune-se porque é pecado).
Destarte, conclui-se pela forte conotação religiosa atribuída à sanção penal, a qual
se justificava por si só, a fim de punir o delinquente pelo mal perpetrado, pouco importando,
na hipótese, se haveria ou não qualquer espécie de ressocialização do apenado.
Com o advento do Estado liberal burguês e o consequente rompimento do
paradigma do Direito Divino dos reis, iniciou-se uma nova vertente da teoria retributiva, em
que se valorizava não o monarca em si, mas, na verdade, o ordenamento jurídico como um
todo, diante da ideia de que este havia sido pactuado de forma legítima pelos membros da
coletividade, tese essa base das teorias contratualistas da época.
Como resultado dessa ideia, entendia-se que quando um indivíduo cometesse
alguma infração penal, anteriormente prevista em lei, pelo fato de haver fustigado a ordem
6 BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p.149 .
14
legal pactuada, a ele deveria ser imposta uma sanção penal, como forma de restaurar o
ordenamento interrompido, isto é, como mecanismo de retorno ao status quo ante. O
delinquente, portanto, seria considerado um traidor, um verdadeiro inimigo social.
Como defensores das teorias retributivas, destacaram-se os alemães Kant e Hegel.
Mirabete, em sua obra, esclarece as principais diferenças na percepção de tais pensadores
acerca da sanção criminal (pena em sentido amplo):
(...) Dizia Kant que a pena seria um imperativo categórico, consequência natural do
delito, uma retribuição jurídica, pois ao mal do crime impõe-se o mal da pena, do
que resulta a igualdade e só esta igualdade traz a justiça. O castigo compensa o mal e
dá reparação à moral. O castigo é imposto por uma exigência ética, não se tendo que
vislumbrar qualquer conotação ideológica nas sanções penais. Para Hegel, a pena,
razão do direito, anula o crime, razão do delito, emprestando-se à sanção não uma
reparação de ordem ética, mas de natureza jurídica. 7
Tal ideia tornou-se, gradativamente, alvo das mais severas críticas. Assim, ainda
no contexto do Estado Liberal burguês, frente à efervescência das teses jusnaturalistas e
contratualistas do século XVII, abriu-se caminho para o surgimento das teorias preventivas
(ou relativas), que serão analisadas a seguir.
Com o objetivo de atribuir à sanção um fim exclusivamente prático, qual seja, o
da prevenção, as teorias preventivas procuravam justificá-la não pela retribuição em si ao fato
delitivo, mas, sim, como forma de prevenir a prática deste.
Segundo Bitencourt8, a sanção deixaria de ser um fim em si mesmo, não sendo
mais concebida como uma justificação do fato passado, mas, sim, como meio para alcançar
fins futuros, qual seja, a prevenção de possíveis delitos.
Ressalte-se que, do mesmo modo que as teorias retributivas, as teorias preventivas
enxergavam na sanção penal um “mal necessário”. Todavia, diferentemente das primeiras, em
que tal necessidade se justificava pelo ideal de realização de justiça, as segundas
vislumbravam na aplicação da sanção a finalidade útil de inibir a prática delitiva, seja pelo
próprio apenado, no que tange à reincidência, seja pela sociedade como um todo, no que diz
respeito à manutenção da pax social.
Com o nascimento desse propósito de prevenção, foi possível a subdivisão desta
em geral e especial. Tal divisão, por sinal, decorreria justamente do destinatário da aplicação
7 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 244.
8 BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 158.
15
da punição: na prevenção geral, por exemplo, seriam os membros da coletividade social; na
prevenção especial, por outro lado, seria o próprio agente delituoso.
Seria possível, ainda, que, para cada uma das modalidades de prevenção acima
citadas, existisse uma nova fragmentação, pautada na natureza das prestações da sanção penal,
podendo, portanto, ser positivas ou negativas.
Destarte, de acordo com a classificação adotada por Luigi Ferrajoli, existiriam
sobretudo quatro grupos de teorias preventivas: a) as teorias da prevenção geral negativa; b)
as teorias da prevenção geral positiva; c) as teorias da prevenção especial negativa; e d) as
teorias da prevenção especial positiva.9
Nas teorias da prevenção geral, como já explanado, figuraria como foco da
aplicação da punição a coletividade de uma maneira ampla. A depender da sua classificação
em positiva ou negativa, a função da sanção poderia ser interpretada de dois modos distintos.
Nesse sentido, na prevenção geral negativa, à luz da “teoria da coação
psicológica”, lançada por Ludwig Feuerbach10
, a sanção, ao ser cominada abstratamente,
apresentaria caráter intimidatório, tendo, desse modo, como finalidade precípua o
desenvolvimento, no espírito dos potenciais criminosos, de um contra-motivo suficientemente
forte, para afastá-los da prática do crime11
. A punição aplicada ao agente delituoso, portanto,
tenderia a refletir junto à sociedade, evitando-se, com isso, que as demais pessoas, que se
encontrassem com os olhos voltados na condenação de um de seus pares, pensassem nas
possíveis consequências que porventura poderiam advir da prática de qualquer infração penal
antes de cometê-la12
.
Já na teoria da prevenção geral positiva, por outro lado, a sanção penal possuiria o
caráter pedagógico de incutir na mente dos membros da sociedade o dever de obediência aos
preceitos elencados na normal penal, com o fito de fortalecer e reafirmar o ordenamento
jurídico vigente.
A propósito, Queiroz esclarece as principais características dessa espécie de
prevenção geral, in verbis:
9 BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 159.
10 Idem.
11 DE MOURA, Joana Chaves Álvares. Reflexões sobre o instituto da prisão perpétua. Dissertação de
Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2012, p. 13. Disponível em:
http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/9012/1/TESE%20Pris%C3%A3o%20Perp%C3%A9tua.pdf Acesso
em: 16/09/2014. 12
GRECO, Rogério. op. cit., p. 490.
16
(...) Para os defensores da prevenção integradora ou positiva, a pena presta-se não à
prevenção negativa de delitos, demovendo aqueles que já tenham incorrido na
prática de delito; seu propósito vai além disso: infundir, na consciência geral, a
necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito;
promovendo, em última análise, a integração social. 13
Destarte, inspirando-se nos ideais hegelianos, a prevenção geral positiva concebia
uma visão comunitarista do Estado, de modo a pressupor a existência de uma comunidade
ética de valores, ou de uma consciência jurídica comum. A conduta delitiva, portanto, seria
uma afronta a esta consciência, cuja consequência imediata seria o distanciamento subjetivo
do respectivo agente, em virtude da aplicação da sanção. Esta, conclui-se, teria a função de
restabelecer a referida consciência jurídica comum.14
Frente ao exposto, passar-se-á, a partir de agora, a tratar das chamadas teorias
preventivas especiais, as quais, conforme já anunciado, da mesma forma que ocorre com a
prevenção geral, também buscam evitar a prática delitiva, todavia dirigem-se exclusivamente
ao delinquente. Podem, ainda, ser subdivididas em prevenção especial negativa e em
prevenção especial positiva.
Na prevenção especial negativa, por sua vez, o objetivo primordial da sanção seria
eliminar ou neutralizar o delinquente tido como perigoso para o seio social. Nesta
modalidade, outra opção não haveria para o infrator, senão ser submetido ao cárcere,
mediante a aplicação de uma pena privativa de liberdade. Afinal, à luz desse entendimento,
apenas com a retirada momentânea do agente do convívio social seria possível impedi-lo de
incorrer na reincidência delitiva15
.
Bitencourt, em síntese, consigna:
(...) A pena, segundo esta nova concepção, deveria concretizar-se em outro sentido:
o da defesa da nova ordem, a defesa da sociedade. O delito não é apenas a violação à
ordem jurídica, mas, antes de tudo, um dano social, e o delinquente é um perigo
social (um anormal) que põe em risco a nova ordem.16
Tal raciocínio serviu como gênese para a ideia lombrosiana de classificação dos
homens em “bons” (normais ou não perigosos) e “maus” (anormais ou perigosos) por
natureza.
13
QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do direito penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 40. 14
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 164. 15
GRECO, Rogério. op. cit., loc. cit. 16
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 169.
17
Diante disso, o Estado avocou, compreensivelmente, a defesa da sociedade contra
atos desses homens “anormais” ou perigosos e, em razão de seus antecedentes atentatórios à
sociedade, previa-se-lhes medidas ressocializadoras ou inocuizadoras17
.
Ilustrando o assunto, Raffaele Garófalo, com base em seu conceito de
temibilidade de delinquente, fazia depender desta a necessidade e a medida da punição, cujo
fim deveria ser a readaptação do criminoso ao meio social, sendo, portanto, a sanção o meio
de defesa social adaptado à personalidade do agente delituoso.18
Com efeito, na prevenção especial positiva, visar-se-ia apenas o delinquente, o
qual seria submetido às chamadas medidas ressocializadoras já mencionadas, no sentido de
desencorajá-lo a reincidir em condutas criminosas, ou, conforme Roxin19
, a missão da sanção
criminal, à luz dessa espécie de prevenção, consistiria unicamente em fazer com que o autor
desistisse de cometer futuros delitos.
Bitencourt20
, ao tratar da prevenção especial, aduz que seus adeptos prefeririam
falar de medidas e não de penas, como modalidades de sanção. A pena, conforme apregoado,
implicaria a liberdade ou a capacidade racional do indivíduo, partindo de um conceito geral de
igualdade. Já a medida, em contrapartida, suporia que o delinquente fosse um sujeito perigoso
ou diferente do sujeito normal e, por isso, deveria ser tratado na medida de sua periculosidade.
Percebe-se, com isso, claramente, traços do sistema vicariante, adotado no Brasil
a partir da Reforma de 1984, em que, para o sujeito “normal”, aplica-se uma pena, baseada na
sua culpabilidade; já para o sujeito “anormal”, aplica-se uma medida de segurança, na medida
de sua periculosidade.
A propósito, no tocante ao assunto, Noronha21
, versando sobre as modalidades de
sanção penal, esclarece que, na pena, prevaleceria o cunho repressivo, ao passo que, na
medida de segurança, predominaria o fim preventivo. Todavia, segundo o autor, não se
poderia negar a existência da prevenção também na pena.
Encerradas as explanações acerca das teorias preventivas, finalizar-se-á a
abordagem das teorias da pena com as denominadas teorias mistas ou unificadoras.
17
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 170. 18
MIRABETE, Julio Fabbrini. op. cit., loc. cit. 19
ROXIN, Claus. Derecho Penal – Parte General. Madrid: Civitas, 1997. t. I, p. 85. 20
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., loc. cit.. 21
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. v. 1. 3ª ed. São Paulo: Edição Saraiva, 1965, p. 368
18
Com o objetivo de reunir os principais aspectos das teorias retributivas e
preventivas, as teorias mistas buscam, em síntese, defender a natureza retributiva da pena e,
paralelamente, exaltar a finalidade preventiva-educativa-correcional desta.
A sanção, portanto, não deveria fundamentar-se em nada que não fosse o fato
praticado, qual seja, o delito. Com isso, corrigindo equívoco das teorias preventivas, priorizar-
se-ia a resposta à pergunta “quando se pune?”, em detrimento da questão “por que se pune?”.
2.2. Breve apanhado sobre os sistemas penitenciários
Expostas as principais teorias acerca da sanção penal, é importante, ademais,
tratar dos principais aspectos históricos referentes aos sistemas penitenciários. Para uma
correta abordagem destes, contudo, deve-se, de antemão, analisar a pena de prisão (ou,
tecnicamente, a pena privativa de liberdade), tendo em vista o estreito grau de correlação
entre tais institutos.
Historicamente, a prisão sempre foi utilizada como simples meio de custódia do
delinquente, de sorte a contê-lo e guardá-lo, preservando-o fisicamente até o momento de seu
julgamento. Apresentava, portanto, um caráter acessório em relação às demais penas, tais
como a de morte, as corporais e as infamantes. Daí porque costumava-se dizer que a prisão
era uma verdadeira “antessala” dos suplícios22
.
Ao longo dos séculos, todavia, a ferramenta da prisão aprimorou-se e, no final do
século XVIII, ganhou autonomia e status de pena, tornando-se, à época, a principal resposta
penológica para o delito, uma vez que se acreditava no seu poder de reforma do delinquente.
Com isso, para o devido cumprimento da pena de prisão, passou-se a exigir maior
grau de organização dos estabelecimentos prisionais, campo fértil, portanto, para o
surgimento dos sistemas penitenciários, os quais podem ser subdivididos em três espécies: o
sistema pensilvânico (ou da Filadélfia); o sistema auburniano; e os sistemas progressivos.
No sistema pensilvânico, de origem norte-americana, surgido também no final do
século XVIII, utilizava-se, como forma de cárcere do apenado, o isolamento celular, com a
possibilidade de passeio isolado deste em um pátio circular, sem trabalho ou visitas,
incentivando-se, ainda, a leitura da Bíblia23
.
22
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 643. 23
MIRABETE, Julio Fabbrini. op. cit., p. 250.
19
Todavia, destaque-se que esse sistema celular de isolamento completo não era
aplicado a todos os presos. Para o delinquentes comuns, por exemplo, eram destinadas celas
comuns, sendo, ainda, permitido o trabalho conjunto durante o dia; apenas para os mais
perigosos, portanto, eram separadas células de isolamento absoluto, não lhes sendo, assim,
possível a autorização para o exercício de qualquer trabalho24
.
Destarte, tal método não se propunha a melhorar as prisões e, consequentemente,
conseguir a recuperação do delinquente; era, na verdade, um eficiente instrumento de
dominação25
, consubstanciando-se, assim, em um claro exemplo de aplicação de sanção à luz
das teorias retributivas, já caracterizadas neste trabalho. Não à toa, muitas foram as críticas ao
sistema pensilvânico, diante da impossibilidade de readaptação social do condenado por meio
do isolamento26
.
Como alternativa ao método celular, o sistema auburniano, elaborado na primeira
metade do século XIX, também nos Estados Unidos, exigia o isolamento dos condenados
mais perigosos apenas no período noturno, visto que, durante o dia, estavam estes autorizados
a trabalhar, primeiro em suas celas e, posteriormente, em comum27
.
Ademais, a metodologia adotada nesse sistema, inspirada no estilo de vida militar,
era o de silêncio absoluto (silent system) como forma de o delinquente poder refletir acerca do
ilícito perpetrado e, por conseguinte, curar-se do mal em si existente, ressocializando-se. Com
isso, abria-se espaço para aplicação de penas cruéis e excessivas, sob a alegação de que se
poderia promover a recuperação do delinquente.
Do exposto, percebe-se, nesse sistema, uma tímida introdução dos preceitos
defendidos pelas teorias preventivas da pena, sobretudo as de natureza especial, voltada para o
delinquente em si.
Entretanto, foi com a criação dos sistemas progressivos que se buscou, de fato,
trabalhar com a ideia de prevenção especial da pena, com vistas à readaptação social do
delinquente.
Em síntese, nos sistemas progressivos, a pena privativa de liberdade era dividida
em períodos e, à medida que o condenado fosse cumprindo cada um destes, manifestando,
24
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 184. 25
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 185. 26
MIRABETE, Julio Fabbrini. op. cit., loc. cit. 27
Idem.
20
ainda, uma boa conduta carcerária e um aproveitamento satisfatório no estabelecimento
prisional no que se refere ao seu tratamento reformador, ampliavam-se seus privilégios.
Ademais, nesses sistemas, o recluso poderia, a depender do preenchimento dos
pré-requisitos acima enumerados, reincorporar-se à sociedade antes do término da pena a ela
imposta.
Há, basicamente, duas espécies de sistemas progressivos: o inglês (ou mark
system) e o irlandês. A diferença entre ambos reside, unicamente, na quantidade de períodos
existentes ao longo da execução da pena: no sistema progressivo inglês, eram três (isolamento
celular diurno e noturno; trabalho em comum sob a regra do silêncio; e liberdade
condicional); já no sistema progressivo irlandês, por outro lado, eram quatro (isolamento
celular diurno e noturno; trabalho em comum sob a regra do silêncio; período intermediário; e
liberdade condicional)28
.
Estefam, em sua obra, trata, de maneira sistematizada, tais regimes:
(...) no século XIX, surgiu na Inglaterra o sistema progressivo inglês. Coube ao
capitão da Marinha Real Inglesa Alexander Maconochie, como diretor de um
presídio no condado de Narwich, na ilha de Norfolk, na Austrália, adotá-lo,
introduzindo um sistema de vales ou mark system, no qual a duração da pena não era
determinada tão somente pela sentença condenatória, „mas dependia do
aproveitamento do preso, demonstrado no trabalho e pela boa conduta. Levava-se
em conta, também, a gravidade do delito. O preso recebia marcas ou vales (daí o
nome mark system) quando seu comportamento era positivo, e perdia ganhos
quando se comportava de modo censurável‟.
Na Irlanda, em 1857, Walter Crofton impôs o sistema de vales, aperfeiçoando-o.
Nascia o sistema progressivo irlandês, caracterizado por promover, no primeiro
período do encarceramento, a segregação absoluta, com progressiva emancipação,
conforme o preso demonstrasse estar readaptado. Compunha-se de quatro etapas ou
períodos: o penal, cumprido no interior de uma cela, o da reforma, com isolamento
noturno, o intermediário, com trabalho comum, e o da liberdade provisória, tornada
definitiva se houvesse a demonstração de bom comportamento. 29
O objetivo traçado, portanto, pelos sistemas progressivos apresentaria, na visão de
Bitencourt30
, duas vertentes: de um lado pretender constituir um estímulo à boa conduta e à
adesão do recluso ao regime aplicado, e, de outro, almejar que este regime, em razão da boa
disposição anímica do interno, conseguisse, paulatinamente, sua reforma moral e a preparação
para a futura vida em sociedade.
28
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 189-193. 29
ESTEFAM, André. Direito penal, 1: parte geral. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 345. 30
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 194.
21
2.3. Características do modelo de execução da pena privativa de liberdade adotado no
Brasil
Tendo em vista que a sanção penal é gênero, do qual são espécies a pena e a
medida de segurança, deve-se reforçar a ideia de que, no Brasil, desde a Reforma trazida pela
Lei 7.209/1984, prevalece o sistema vicariante. Este, por sua vez, é entendido como o regime
da substituição, isto é, nele, não apenas está vedada a possibilidade de aplicação simultânea,
ao mesmo indivíduo, tanto de pena quanto de medida de segurança (o chamado “duplo
binário”), como, também, faculta-se ao magistrado a oportunidade de substituição daquela
modalidade de sanção penal por esta.
Com isso, na legislação atual brasileira, ao imputável que porventura pratique
uma conduta punível, deverá ser aplicada tão-somente uma pena correspondente; ao
inimputável, por sua vez, uma medida de segurança; e ao semi-imputável (ou “fronteiriço”),
uma pena ou uma medida de segurança, nunca as duas simultaneamente.
Acrescente-se, ademais, que o pré-requisito das penas, seja para o imputável, seja
para o semi-imputável, seria a culpabilidade (ou a ausência de periculosidade), diferentemente
das medidas de segurança, que, seja para o inimputável, seja para o semi-imputável,
pressuporia a periculosidade. Não seria possível, portanto, a aplicação de medidas de
segurança aos imputáveis, uma vez que, como visto, o pressuposto destas seria a
periculosidade do agente31
.
Nesse sentido, Nucci32
define a culpabilidade como o juízo de reprovação social,
incidente sobre o fato e seu autor, devendo este ser imputável, atuar com consciência
potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo,
seguindo as regras impostas pelo Direito.
No tocante à periculosidade, por outro lado, explicava Noronha:
(...) Não basta a prática de fato previsto como crime; é mister que, conjuntamente,
haja periculosidade do autor. Reconhece-se esta quando a personalidade do agente e
sua vida anteacta, aliadas aos motivos e circunstâncias do fato, mostram a
probabilidade de tornar ou vir (...) a delinquir.33
31
MASSON, Cléber. Código Penal comentado. 2ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 488. 32
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 10ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: 2014, p.
263. 33
NORONHA, Edgard Magalhães. op. cit., p. 373.
22
Destaque-se que, nos próximos capítulos, discutir-se-á, de forma crítica, os
institutos da culpabilidade e da periculosidade e as suas consequências na fase de
cumprimento da pena pelo condenado, principalmente no que diz respeito ao exame
criminológico.
Isso posto, no que atine à teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro para
explicar a natureza das medidas de segurança, sobretudo após a Reforma de 1984, é manifesta
a presença da já discutida teoria preventiva especial positiva, tendo em vista a finalidade
terapêutica existente nesta modalidade de sanção penal34
.
Com efeito, no art. 96 do Código Penal, estão estabelecidas as hipóteses de
medidas de segurança para os indivíduos tidos como perigosos, in verbis:
Art. 96. As medidas de segurança são:
I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro
estabelecimento adequado;
II - sujeição a tratamento ambulatorial.
Ressalte-se, por oportuno, que, diferentemente das penas, as medidas de
segurança não possuem prazo máximo de duração, devendo perdurar até que se extinga a
periculosidade do agente35
.
Dando sequência, no que diz respeito às teorias explicativas das penas, o Código
Penal Brasileiro acolheu a teoria mista ou unificadora. Chega-se a tal conclusão da
interpretação do art. 59 do referido Estatuto Penal Repressivo, a seguir transcrito:
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à
personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime,
bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e
suficiente para reprovação e prevenção do crime. (Grifo nosso)
Na parte final desse dispositivo, portanto, conforme Greco36
, impõe-se ao juiz, no
momento de aplicação da pena, a necessidade de harmonização entre a reprovação e a
prevenção do crime, fazendo, assim, com que restem unificadas as teorias retributivas e
preventivas no Direito Penal pátrio.
34
MASSON, Cléber. op. cit., p. 487. 35
Nesse sentido, vale ressaltar o impasse jurisprudencial entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal
de Justiça acerca do assunto. Enquanto para o Supremo Tribunal Federal deve ser observado, de forma análoga,
o prazo máximo estabelecido no art. 75 do Código Penal (30 anos), para o Superior Tribunal de Justiça, de outro
modo, deve ser considerado o limite máximo de pena abstratamente cominada ao delito. 36
GRECO, Rogério. op. cit., p. 491.
23
Enfatize-se, tempestivamente, que, em consonância com o texto constitucional e
sem prejuízo de outras porventura existentes na legislação criminal extravagante37
, há três
subespécies de penas previstas no Código Penal Brasileiro, consoante o art. 32 deste:
Art. 32 - As penas são:
I - privativas de liberdade;
II - restritivas de direitos;
III - de multa.
Na primeira delas, as penas privativas de liberdade, retira-se do condenado o seu
direito de locomoção, em razão da prisão por tempo determinado, não podendo, ainda, ser tal
restrição superior a trinta anos para crimes (art. 75 do Código Penal) ou a cinco anos para
contravenções penais (art. 10 da Lei das Contravenções Penais). Podem, ainda, ser, na forma
do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro, penas de reclusão ou de detenção,
se o fato for crime; ou pena de prisão simples, se o fato for contravenção penal.
Nessa toada, o Código Penal, em seu art. 33, caput, esclarece as diferenças entre
as penas privativas de liberdade de reclusão e de detenção, in verbis:
Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou
aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de
transferência a regime fechado.
Já a Lei das Contravenções Penais, por seu turno, trata da pena de prisão simples:
Art. 6º A pena de prisão simples deve ser cumprida, sem rigor penitenciário, em
estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semiaberto
ou aberto.
Do exposto, quanto aos regimes versados nos dois dispositivos acima transcritos,
quais sejam, o fechado, o semiaberto e o aberto, o próprio Código Penal Brasileiro, no §1º do
seu art. 33, define:
Art. 33. § 1º - Considera-se:
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou
média;
b) regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou
estabelecimento similar;
37
A título de ilustração, o art. 28, inciso I, da Lei 11.343/2006 elenca a pena de advertência como uma
possibilidade de sanção a ser aplicada ao infrator no caso da prática do delito de consumo de substância
entorpecente.
24
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento
adequado.
Já na segunda espécie de pena, as restritivas de direitos, limita-se um ou mais
direitos do sentenciado, servindo, portanto, como meio alternativo ao cárcere, quando da sua
substituição à pena privativa de liberdade. Subdividem-se, em conformidade com o art. 43 do
Código Penal, em: a) prestação pecuniária; b) perda de bens e valores; c) prestação de
serviços à comunidade ou a entidades públicas; d) interdição de direitos; e e) limitação de fim
de semana.
Por fim, na terceira modalidade de pena prevista, a multa, incide-se no patrimônio
do indivíduo penalizado, obrigando-o ao pagamento de determinado valor em dinheiro em
favor do Fundo Penitenciário Nacional (art. 49 do Código Penal Brasileiro).
Feito esse breve apanhado acerca das variantes de pena previstas na legislação
brasileira, vale dizer que, para o presente trabalho, interessa tão somente a pena privativa de
liberdade. Dessa maneira, como forma de execução desta, o Código Penal Brasileiro inspirou-
se no sistema penitenciário progressivo, conforme se extrai da leitura do art. 33, §2º, do
Código Penal:
Art. 33. § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma
progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e
ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em
regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não
exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos,
poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
Ratifica-se tal entendimento com o teor do art. 112 da Lei de Execuções Penais
(Lei n. 7.210/1984), in verbis:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o
preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom
comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas
as normas que vedam a progressão.
25
De acordo com Avena38
, contudo, a Lei de Execuções Penais promoveu algumas
adaptações ao sistema progressivo clássico, com o fito de ajustá-lo à moderna execução
criminal. Desse modo, segundo o autor, o referido dispositivo legal: a) estabeleceu a
necessidade de classificação do condenado; b) instituiu estabelecimentos penais distintos para
cumprimento da pena privativa de liberdade (penitenciária, colônia penal e casa do albergado)
segundo o regime no qual se encontra o preso; e c) definiu o exame de mérito do apenado
como condicionante para o deferimento da progressão de regime.
Por sinal, no que atine ao aludido exame de mérito, deve-se ressaltar as alterações
ocorridas na legislação, especialmente em decorrência do advento da Lei 10.792/2003,
oportunidade em que restaram modificadas, também, as formas de aferição do referido mérito
do apenado. Ademais, impende assentar as diferenças entre os exames elencados no
ordenamento nacional, a serem aplicados logo após o trânsito em julgado da sentença
condenatória. É o que se buscará debater nos próximos capítulos.
38
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Execução penal: esquematizado. 1ª ed. São Paulo: Forense, 2014, p.
229.
26
3. DO EXAME CRIMINOLÓGICO NO BRASIL
A Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, XLVI, traz à baila a necessidade de
observância da lei ao princípio da individualização da pena, in verbis:
Art. 5º. XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as
seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
Tratando do tema, Cernichiaro39
acentua a imprescindibilidade desse mandamento
como forma de adaptar a pena ao condenado, considerando-se, para isso, suas circunstâncias
pessoais, bem como as peculiaridades do delito por ele praticado.
Por estar inserido no rol de direitos fundamentais, a individualização da pena não
pode ser abolida do ordenamento jurídico, conforme insculpido no art. 60, §4º, inciso IV, da
Constituição Federal de 1988:
Art. 60. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir:
(...)
IV - os direitos e garantias individuais.
É possível defender a importância atribuída a esse regramento, à luz do
pensamento de Dumont40
, diante do fato de que, no Brasil, prepondera uma formação social
individualista, em detrimento de uma visão holística, visto que, enquanto nesta o valor está na
sociedade como um todo, naquela, em contrapartida, o valor supremo reside no indivíduo em
si, figurando como parte da coletividade.
A propósito, Bobbio41
, caracterizando uma sociedade moderna e individualista,
assevera que, nesta, em primeiro lugar, viria o indivíduo singular, o qual deteria valor em si
mesmo; apenas depois disso, portanto, viria o Estado, uma vez que seria este ente composto
pelo indivíduo, e, não, vice-versa.
Destarte, o princípio da individualização da pena, frise-se, apresenta caráter
multifário, uma vez que deve ser observado em três fases distintas, a saber: em um primeiro 39
CERNICHIARO, Luiz Vicente. Direito Penal na Constituição. São Paulo: RT, 1990. p. 98 e seguintes. 40
DUMONT, Louis. O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Tradução:
Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985. p. 34-42. 41
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 60.
27
momento (fase legislativa), deve ser considerado pelo legislador, ao definir crimes e cominar
penas a estes; em uma segunda fase, chamada de judicial, cabe ao juiz, através da análise dos
dispositivos elencados sobretudo a partir do art. 59 do Código Penal, definir a sanção mais
adequada ao fato praticado pelo agente delituoso, evitando-se, assim, a aplicação de penas-
padrão; e, por fim, em uma terceira oportunidade (fase executória da pena), no sentido de
classificar o indivíduo condenado definitivamente de acordo com a sua personalidade e
antecedentes, estabelecendo-se, com isso, o tratamento penitenciário mais adequado às suas
circunstâncias42
.
Dessa forma, em 1984, com o advento da Lei de Execução Penal, surgiu o exame
criminológico, com o propósito de ser a ferramenta responsável para promover a
individualização da pena na terceira e última fase acima exposta.
Portanto, vale dizer, o objetivo constitucional de individualizar a pena em sua fase
executória já estava previsto na Lei de Execução Penal de 1984, conforme se extrai da leitura
dos itens 26 e 27 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal43
. O constituinte
originário de 1988, portanto, apenas reforçou a necessidade de que fosse evitada a
padronização das penas, devendo, assim, a cada delinquente a exata medida punitiva pelo que
fez44
.
No próximo tópico, serão traçados os principais aspectos históricos desse exame
no cenário legislativo nacional.
42
BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal. 2ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 46. 43
Nesse sentido: “Item 26. A classificação dos condenados é requisito fundamental para demarcar o início da
execução científica das penas privativas da liberdade e da medida de segurança detentiva. Além de constituir a
efetivação de antiga norma geral do regime penitenciário, a classificação é o desdobramento lógico do princípio
da personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucionais. A exigência dogmática da
proporcionalidade da pena está igualmente atendida no processo de classificação, de modo que a cada
sentenciado, conhecida a sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda o tratamento penitenciário
adequado.
Item 27. Reduzir-se-á a mera falácia o princípio da individualização da pena, com todas as proclamações
otimistas sobre a recuperação social, se não for efetuado o exame de personalidade no início da execução, como
fator determinante do tipo de tratamento penal, e se não forem registradas as mutações de comportamento
ocorridas no itinerário da execução.” Disponível em:
file:///C:/Users/Wesley%20Mini%20Sound/Downloads/EXP%20MOT%20LEP%20Anexo%20II.pdf. Acesso
em 22/09/2014. 44
NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 60.
28
3.1. Da Escola Positivista italiana e sua influência sobre o Exame Criminológico
realizado no Brasil
O exame criminológico, ressalta Brito45
, surgiu como decorrência da vontade do
legislador brasileiro em atribuir à fase de execução da pena um respaldo científico, fruto do
pensamento da Escola Positivista italiana, inserida no contexto da segunda metade do século
XIX.
De uma maneira geral, tal Escola, inspirada nos dogmas da filosofia positivista de
Augusto Comte (1798-1857), do evolucionismo de Charles Darwin (1809-1882), da
sociologia de Herbert Spencer (1820-1903), dentre outras46
, tinha como principal objetivo
outorgar às ciências sociais os mesmos métodos de observação e investigação utilizados pelas
chamadas ciências naturais, a fim de que, por conta disso, fosse possível encontrar o melhor
tratamento científico a ser fornecido para o apenado, com vistas a evitar que este reincidisse
na prática delitiva, colaborando, assim, com a redução dos índices de criminalidade.
Para os adeptos do positivismo italiano, influenciados pelas teorias preventivas da
pena, esta perderia seu caráter retributivo, reduzindo-se, desse modo, a um provimento
utilitarista, cujos fundamentos não seriam a natureza e a gravidade do fato em si, mas, na
verdade, a personalidade do réu, bem como a sua capacidade de adaptação e, especialmente, a
sua perigosidade47
.
Destarte, partindo do pressuposto de que o delinquente seria uma patologia social,
que, por seu comportamento pernicioso à coletividade, careceria de uma diagnose adequada
para a sua consequente cura, aos poucos, os positivistas italianos enxergaram a inviabilidade
da aplicação de institutos científicos no cerne da atividade jurídica.
Com isso, emergiu a necessidade de criação de uma ciência nova e autônoma da
dogmática jurídica, denominada Criminologia48
. Esta, nas palavras de Estefam49
, constitui-se
em ciência empírica, que almeja descobrir as causas do delito como obra de autor
determinado, tendo como enfoque, portanto, a personalidade deste, seu desenvolvimento
45
BRITO, Alexis Couto de. Análise crítica sobre o exame criminológico. Disponível em: <
file:///C:/Users/Wesley%20Mini%20Sound/Downloads/Exame_criminologico-libre.pdf>. Acesso em:
22/09/2014, p. 1. 46
PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro, vol. 1: parte geral. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 62. 47
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 113. 48
Idem. 49
ESTEFAM, André. op. cit., p. 36.
29
psíquico, as diversas formas de manifestação do fenômeno criminal, seu significado pessoal e
social.
Frise-se que a Escola Positiva apresentou, sobretudo, três fases distintas, a saber:
antropológica, cujo principal ícone foi Cesare Lombroso, com sua obra “O homem
delinquente” (L’Uomo Delinquente); sociológica, com Enrico Ferri figurando como destaque,
através de sua “Sociologia criminal” (Sociologia Criminale); e, finalmente, jurídica,
representada por Rafael Garófalo com seu livro “Criminologia”.
Na fase antropológica, Lombroso50
defendia a existência de um criminoso nato,
atávico51
, delimitando, assim, as principais características deste, observando, para tanto, seus
atributos físicos anormais, tais como: rosto assimétrico, dentição desordenada, orelhas
grandes, olhos aberrantes, anomalias sexuais, marcas no corpo, dentre outros. Para o autor, o
delinquente não seria totalmente vítima das circunstâncias sociais e educacionais
desfavoráveis a que estivesse submetido, mas, na realidade, sofreria pela sua tendência
atávica, hereditária para o mal. O criminoso, dessa forma, era tido como enfermo, cuja doença
seria a própria delinquência.
Embora absurdo o intento de definir o criminoso nato, não se pode negar a
importância dos estudos realizados por Lombroso para ampliar os horizontes do Direito
Penal, da Criminologia e da Medicina Legal, influenciando, destarte, muitos dos seus
sucessores.
Já na fase sociológica, Ferri entendia que a maioria dos criminosos seria
ressocializável. Seriam, por outro lado, incorrigíveis, ainda que de forma mitigada, apenas os
delinquentes habituais. Com uma vertente voltada para a sociedade, em síntese, propugnava:
a) o Direito Penal seria um produto social, obra humana; b) a responsabilidade social derivaria
do determinismo (vida em sociedade); c) o delito seria um fenômeno natural e social (fatores
individuais, físicos e sociais); d) a pena seria um meio de defesa social, com função
preventiva; e) o método seria o indutivo ou experimental; e f) os objetos de estudo do Direito
Penal seriam o crime, o delinquente, a pena e o processo52
.
50
LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. Tradução: Sebastião José Roque. São Paulo: Ícone, 2007, p.
21 et seq. 51
Segundo o Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa (1996, p.69), entende-se por atavismo o
“reaparecimento, em um descendente, de um caráter não presente em seus antecedentes imediatos, mas sim em
remotos”. 52
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 116.
30
Finalmente, na fase jurídica, Garófalo, em síntese, em consonância com o padrão
definido pela Escola Positiva, estabeleceu os seguintes princípios: a) a periculosidade como
fundamento da responsabilidade do delinquente; b) a prevenção especial como fim da pena,
que, aliás, é uma característica comum da corrente positivista; c) a crença na ineficácia das
medidas ressocializadoras para com o delinquente, daí porque seria necessária a eliminação
deste (prevenção especial negativa); e d) definição sociológica do crime natural, com o fito de
superar a noção jurídica53
.
Em face disso, conforme Brito54
, essa perspectiva de análise do delinquente nato,
com a utilização de argumentos antropológicos, extirpou por completo o conceito espiritual e
abstrato de criminoso defendido pela a Escola Clássica de Carrara, tornando, portanto, o
ambiente propício para a manutenção dessa linha de pesquisa científica pelos demais
pensadores europeus, a ponto de Franz Von Liszt, em sua teoria psicológica, servir-se do
determinismo biológico ou social para configurar seu conceito de culpabilidade.
Isso posto, será relatado, no próximo tópico, como os preceitos positivistas foram
introjetados pelo legislador pátrio em nosso ordenamento jurídico.
3.2. Aspectos históricos do Exame Criminológico na legislação brasileira
No contexto do século XX, diversos congressos de entidades de criminologia ou
de Defesa Social foram se sucedendo, sempre no intuito de inserção de estudos da
personalidade dos autores de delitos, independentemente da fase judicial em que se
encontrassem as ações penais em seu desfavor.
Nesse sentido, Costa cita, como marco para a realização do exame biopsicológico,
o XII Congresso realizado pela Comissão Internacional Penal e Penitenciária, em 1950,
ocorrido em Haia, cujo resultado foi a elaboração da seguinte resolução, in verbis:
Na organização moderna da justiça criminal, é altamente desejável, para servir de
base ao pronunciamento da pena e aos processos de tratamento penitenciário e de
liberação, dispor-se de um relatório prévio ao pronunciamento da sentença,
objetivando não somente as circunstâncias do crime, mas também os fatores
relativos à constituição, à personalidade, ao caráter e aos antecedentes sociais e
culturais do delinquente. 55
53
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 115. 54
BRITO, Alexis Couto de. Análise crítica sobre o exame criminológico. Disponível em: <
file:///C:/Users/Wesley%20Mini%20Sound/Downloads/Exame_criminologico-libre.pdf>. Acesso em:
25/09/2014, p. 2. 55
COSTA, Álvaro Mayrink da. Exame Criminológico. Rio de Janeiro: Jurídica e Universitária, 1972, p. 116.
31
Ademais, no ano seguinte, em 1951, durante o ciclo de Estudos de Bruxelas, na
Bélgica, debateu-se, de modo minudente, o exame médico-psicológico e social do criminoso,
oportunidade na qual se concluiu pela sua realização como algo direcionado em benefício do
indivíduo que cometesse um delito, a fim de que, com isso, fosse sua readaptação social, e,
por via reflexa, a proteção social, frente à redução dos índices de criminalidade56
.
Em relação ao Brasil, não foi diferente. Acompanhando as novas tendências
mundiais, nosso país, ainda que tardiamente, sempre buscava introduzir os entendimentos
assentados no cenário científico-jurídico preponderante à época.
Nesse sentido, em 1930, a 14ª Subcomissão Legislativa do Congresso Nacional,
composta pelos eminentes juristas Cândido Mendes de Almeida, José Gabriel de Lemos
Britto e Heitor Pereira Carrilho, apresentou um Projeto de Código Penitenciário da República,
o qual foi concluído no ano de 1933.57
Em um de seus 824 artigos, foram criados os Institutos
de Antropologia Penitenciária58
, cujas atribuições, dentre outras, seriam a realização de
investigações sobre os fatores físicos e psíquicos definidores da personalidade dos
delinquentes e seus reflexos na predisposição para o cometimento de delitos. Percebe-se,
portanto, claramente, as fortes influências positivistas nesse dispositivo. Tal projeto,
entretanto, foi obstado com o advento do Estado Novo, de Getúlio Vargas.
Nesse interregno, ressalte-se, foram editados o Código Penal de 1940 e o Código
de Processo Penal de 1941, os quais não fizeram menção a quaisquer mecanismos de aferição
de personalidade dos agentes delituosos.
56
SILVEIRA, Alípio, O Exame bio-psico-social na Justiça Penal, in: Revista Brasileira de Criminologia e
Direito penal. n. 11, p. 122. 57
BARBOSA, Licínio. O anteprojeto de Lei de Execução Penal: exame crítico e sugestões. Disponível
em:<http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA&url=http
%3A%2F%2Fwww.revistas.ufg.br%2Findex.php%2Frevfd%2Farticle%2Fdownload%2F11475%2F7530&ei=V
LMmVIXWL8zzgwSey4KIAQ&usg=AFQjCNE7jHAdx7pXtBKkf3LoJllNzDmkvQ&bvm=bv.76247554,d.eX
Y>. Acesso em: 27/09/2014. 58
Nesse sentido, no art. 60 do projeto de Código Penitenciário da República, constava a seguinte redação: “As
investigações dos institutos de antropologia penitenciaria terão os seguintes objetivos: 1º, o estudo dos fatores
físicos e psíquicos que definem a personalidade dos delinquentes; 2º, o estudo da heredologia criminal, da
predisposição individual na gênese do delito e, particularmente, o estudo genealógico dos reincidentes; 3º, o
estudo da temibilidade dos criminosos, apreciada pelos seus aspectos psico-antropologicos, decorrentes da
formação anormal da personalidade e sua projeção social; 4º, individualizar a terapêutica penal, em face dos
resultados das investigações biotipológicas e médicas; 5º, individualizar o trabalho dos sentenciados, em face da
orientação profissional (seleção psico-fisiológica e determinação das aptidões); 6º, esclarecer o prognostico da
regeneração e positivá-la, indicando periodicamente se o „estado perigoso‟ desapareceu, se atenuou ou subsiste, e
verificando a extensão das diferentes taras ou desvios da normalidade encontrados nos delinquentes e o
desaparecimento dos principais motivos psicopatológicos responsáveis pelas reações antissociais realizadas; 7º,
verificar a conveniência de serem transferidos para as seções psiquiátricas das prisões, os delinquentes suspeitos
de alienação mental, a fim de que tenham conveniente observação e tratamento, nos caos indicados; 8º, fornecer
à Justiça, em pareceres motivados os elementos necessários à apreciação da personalidade dos delinquentes.”.
32
Em 1957, todavia, com a redemocratização, frente aos anseios nacionais de até
então, o eminente penalista Oscar Stevenson, com o auxílio, dentre outros, de Aníbal Bruno59
,
foi designado para elaborar um novo anteprojeto de Código Penitenciário brasileiro. Este, por
seu turno, especificamente em seu artigo 53, reproduziu o desejo manifestado no Projeto de
1933, uma vez que resgatou a necessidade de aplicação de exames clínicos de natureza
morfológica, fisiológica e neuropsiquiátrica nos condenados, buscando, através de pesquisas,
analisar a inteligência, os sentimentos, os instintos, as tendências e as aptidões destes. Além
disso, extraia-se da leitura desse documento o objetivo de perquirição do ambiente familiar,
da vida pregressa, das circunstâncias do fato cometido, do grau de conhecimentos, do nível de
cultura e da formação religiosa do apenado, a fim de conhecê-lo de modo mais
minudencioso60
.
Após a colheita dessas informações, caberia ao chamado Serviço de Recuperação
estabelecer a classificação do delinquente de acordo com o “grau de sociabilidade” que
porventura apresentasse, a saber: “sociáveis”, “facilmente recuperáveis”, “dificilmente
recuperáveis” e “perigosos”. A depender da classificação recebida, poderia o apenado ser
beneficiado com uma progressão de regime, por exemplo. Tal Anteprojeto, entretanto, não
logrou êxito em sua aprovação.
Posteriormente, em 1963, ao criminólogo, penalista e Ministro de Estado do
governo João Goulart, Roberto Lyra, foi atribuída a missão de elaborar um novo anteprojeto
de Código Penitenciário, cujo resultado foi a organização de um documento com o total de
250 artigos, divididos em 14 títulos, dos quais, frise-se, não constavam exames de
personalidade ou criminológicos61
. Com o Golpe de 1964, todavia, também fracassou.
Nesse contexto, Costa, sobretudo após a expressa previsão do termo “exame
criminológico” no Anteprojeto de Código de Processo Penal de Frederico Marques, elaborado
em 1969, consignava:
(...) todo homem nasce com uma constituição biopsicológica determinada, tornando-
se mais importante estudar as tendências do que as estruturas, porque são elas que
determinam o equilíbrio social do indivíduo. Todavia, é preciso igualmente levar em
conta o dinamismo do meio, e através do meio, da influência da situação sobre o
desenvolvimento da personalidade. O crime se produz porque um indivíduo,
respondendo a caracteres biológicos e psicológicos determinados, se encontra, num
dado momento, colocado em uma situação tal, que a execução deste crime se lhe
59
BARBOSA, Licínio. op. cit. loc. cit. 60
BRITO, Alexis Couto de. Análise crítica sobre o exame criminológico. Disponível em: <
file:///C:/Users/Wesley%20Mini%20Sound/Downloads/Exame_criminologico-libre.pdf>. Acesso em:
25/09/2014, p. 6. 61
Idem.
33
afigura como um resultado necessário ou inevitável (grifei), tanto seja determinante
do crime ou exercendo apenas uma influência favorável, a situação será sempre um
fator fundamental. 62
Em meio a esse cenário, portanto, no ano de 1984, com o advento da Reforma da
Parte Geral do Código Penal de 1940, através da Lei 7.209/1984, bem como da Lei de
Execução Penal (Lei n. 7.210/1984), pacificou-se, de vez, a previsão do exame criminológico
no formato atual.
3.3. Conceito de exame criminológico
Como abordado anteriormente, em 1984, com o advento da Lei de Execução
Penal e com a Reforma da Parte Geral do Código Penal Brasileiro, o legislador pátrio passou
a tratar, expressamente, do instituto do exame criminológico. Assim sendo, com o propósito
de adequar-se ao intitulado Direito Penal da culpabilidade vigente, tais dispositivos legais
almejaram demonstrar seu comprometimento com a execução da pena privativa de liberdade
cientificamente orientada63
.
Isso posto, o exame criminológico surgiu como uma importante ferramenta para
aperfeiçoar a execução penal, uma vez que poderia fornecer subsídios capazes de auxiliar o
magistrado na formação do seu livre convencimento acerca da personalidade do apenado.
Nesse sentido, Fernandes, ao conceituar tal exame, assevera:
O exame criminológico tem a missão de estudar a personalidade do criminoso, sua
capacidade para o delito, a medida de sua perigosidade e, ainda, sua sensibilidade à
pena e sua respectiva probabilidade de correção.64
Já Tornaghi65
, por sua vez, define o exame como uma forma de perquirição dos
precedentes pessoais e familiares do sentenciado, sob os aspectos físicos, psíquicos, morais e
ambientais, pois, a partir de então, seria possível a obtenção de informações reveladoras de
sua personalidade.
Aprofundando o assunto, Sá, de modo sistematizado, obtempera:
62
COSTA, Álvaro Mayrink. op. cit., p. 33. 63
BITENCOURT, Cezar Roberto. Regimes penais e exame criminológico. Revista dos Tribunais, São Paulo,
v. 77, n. 638, dez. 1998, p. 266. 64
FERNANDES, Valter. Criminologia Integrada. 4. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012, p. 213. 65
TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1977, p. 63
34
(...) o exame criminológico se vale da experiência clínica em entrevista psiquiátrica
e dos critérios de Psiquiatria para a compreensão de um quadro psíquico. Vale-se,
também, da tradição da Psicologia, nas entrevistas de diagnóstico, além das
tradicionais e já cientificamente embasadas técnicas de exame de personalidade e de
inteligência. Vale-se, também, de toda a experiência historicamente colhida e
validada dos profissionais do Serviço Social, na análise e compreensão do indivíduo
em seu histórico familiar e social. A esses exames, soma-se o estudo jurídico do
caso, com o devido detalhamento do histórico do examinando em suas práticas tidas
como criminosas, suas penas, sua vida prisional, etc., tudo isso servindo de “matéria
prima” a ser levada em conta no exame. Na interlocução de todos esses estudos e
dados, a equipe discute-os e busca compreender (não explicar) como a assim
chamada conduta criminosa (ou seja, a conduta socialmente problemática) se insere
em todo o complexo contexto pessoal do examinando. 66
Na visão do autor, portanto, percebe-se que, para a correta realização do exame,
com a consequente definição da personalidade do cativo, seria necessária uma abordagem de
caráter interdisciplinar, promovendo-se, portanto, a colheita de informações provenientes das
mais variadas áreas, as quais, quando analisadas de modo global, poderiam fornecer os
elementos de convicção mais adequados para o enfoque criminológico a ser aplicado ao
indivíduo em seu tratamento penitenciário.
Frente ao exposto, deve-se ressaltar, todavia, que, a despeito da mesma
denominação definida na legislação, o exame criminológico apresenta três espécies com
objetivos diversos.
3.4. Espécies de exame criminológico
A depender do momento a ser realizado na fase de execução da pena, o exame
criminológico pode ter objetivos diferentes, ainda que, em essência, proporcionem os mesmos
resultados práticos, quais sejam: o conhecimento da personalidade do examinando
definitivamente condenado67
e a proposição do tratamento, com vistas à reinserção social68
.
Desse modo, em tese, existem três espécies do referido instituto, a saber: a) o
exame criminológico de classificação genérico (ou de personalidade), previsto nos arts. 34 e
35, ambos do Código Penal Brasileiro; b) o exame criminológico de classificação específico,
66
SÁ, Alvino Augusto. Equipe criminológica: convergências e divergências. Revista IBCCrim n. 2, 1993, p.
41. 67
Nesse sentido, o Item 30 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal apresenta a seguinte redação:
“Item 30. Em homenagem ao princípio da presunção de inocência, o exame criminológico, pelas suas
peculiaridades de investigação, somente é admissível após declarada a culpa ou a periculosidade do sujeito. O
exame é obrigatório para os condenados à pena privativa da liberdade em regime fechado.” 68
BRITO, Alexis Couto de. Execução penal, 2ª ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 67
35
insculpido no art. 8º da Lei de Execução Penal; e c) o exame criminológico para fins de
concessão de benesses na fase de execução da pena.
O exame criminológico de classificação genérico, primeira modalidade aqui
versada, surgiu como corolário do mandamento constitucional de individualização da pena,
sobretudo em sua última fase (executória da pena), atribuindo, desta feita, aos agentes do
sistema carcerário a missão de promover a classificação dos condenados recém-ingressos,
com o fito de lhes fornecer o programa ressocializador adaptado às suas personalidades,
conforme insculpido no art. 5º da Lei de Execução Penal: “Art. 5º Os condenados serão
classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização
da execução penal.”
A propósito, a obrigatoriedade desse exame criminológico, logo no início da
execução da pena, para os sentenciados às penas privativas de liberdade nos regimes fechado
e semiaberto vem estatuída, respectivamente, nos arts. 34 e 35, ambos do Código Penal
Brasileiro, in verbis:
Art. 34. O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame
criminológico de classificação para individualização da execução.
Art. 35. Aplica-se a norma do art. 34 deste Código, caput, ao condenado que inicie o
cumprimento da pena em regime semiaberto.
O exame criminológico de classificação específico, por sua vez, segunda espécie
elencada, está estruturado na Lei de Execuções Penais, em seu art. 8º, no qual se estipulou sua
obrigatoriedade apenas para os condenados ao regime fechado, facultando, por outro lado, ao
juiz a possibilidade de submeter, também, os sentenciados recém-inseridos no regime
semiaberto:
Art. 8º O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime
fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos
necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da
execução.
Parágrafo único. Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido o
condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semiaberto.
Entretanto, vale ressaltar, Bitencourt69
, de modo diverso, vislumbra, em vez de
dois exames criminológicos distintos, a serem realizados logo no início do cumprimento da
pena, a existência de uma única modalidade de exame. Para o autor, haveria uma antinomia
69
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 706.
36
entre o art. 35, caput, do Código Penal Brasileiro e o art. 8º, parágrafo único, da Lei de
Execução Penal, cuja solução seria a submissão indistinta e obrigatória à avaliação dos
condenados ao regime fechado e semiaberto.
De acordo com o referido Mestre, se, no art. 35, caput, do Código Penal, obriga-se
a realização do exame para os condenados em regime semiaberto e, em contrapartida, no art.
8º, parágrafo único, da Lei de Execução Penal, faculta-se a sua promoção para os
sentenciados a este mesmo regime, outra providência não haveria, senão a aplicação indistinta
e obrigatória da avaliação a todos condenados, independentemente se em regime fechado ou
semiaberto.
Para embasar sua linha de raciocínio, o aludido autor esclarece que, no confronto
entre uma obrigação e uma opção, prevaleceria a primeira, diante de sua imperatividade.
Ademais, para o Professor, tendo em vista o objetivo de promover a individualização da pena,
traçado pela legislação para o exame criminológico, quanto maior fosse o número de
examinandos, maior seria a quantidade de beneficiados com os tratamentos penitenciários
mais adequados às suas necessidades pessoais.
Todavia, esse entendimento defendido pelo ilustre doutrinador traz consigo
algumas ressalvas. A esse respeito, Avena, em suas lições, alerta para as diferenças entre o
exame de classificação, insculpido no art. 5º da Lei de Execução Penal, e o exame
criminológico estatuído no art. 8º deste mesmo dispositivo legal, veja:
Inicialmente, deve-se ressaltar que não se confundem o exame de classificação
previsto no art. 5º da LEP e o exame criminológico estabelecido pelo art. 8º. O
exame de classificação é amplo, apresentando a situação do condenado de forma
genérica, com ênfase em aspectos objetivos de sua personalidade, antecedentes,
aspectos sociais e familiares, capacidade laborativa, entre outros destinados a
orientar a forma como deve ele cumprir a pena no estabelecimento penitenciário. Já
o exame criminológico é mais restrito, analisando questões de ordem psicológica e
psiquiátrica do condenado, visando revelar elementos como maturidade, frustrações,
vínculos afetivos, grau de agressividade e periculosidade e, a partir daí, prognosticar
a potencialidade de novas práticas criminosas. 70
Esse raciocínio é chancelado por Nucci71
, o qual, contudo, revela que, na prática,
não há diferenças manifestas entre tais exames, pois, como regra, acabam por constituir uma
única peça, elaborada pelos mesmos profissionais em exercício no estabelecimento prisional.
70
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. op. cit., p. 43. 71
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 11ª ed. rev. e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2014, p. 928.
37
Frente ao exposto, em resumo, conclui-se que, logo no início do cumprimento da
pena, os condenados ao regime fechado e ao semiaberto devem ser submetidos ao exame
criminológico de classificação genérico (arts. 34 e 35 do Código Penal Brasileiro c/c art. 5º da
Lei de Execução Penal), mais amplo e global, em que seriam analisados os aspectos
relacionados à personalidade dos examinandos, seus antecedentes, sua vida familiar e social,
sua capacidade laborativa, entre outros fatores, aptos a evidenciar os modos pelos quais
deveriam cumprir suas penas no estabelecimento penitenciário7273
.
Para os sentenciados ao regime fechado, ainda, além do exame criminológico de
classificação genérico (primeira espécie), determina-se, também, a realização obrigatória do
exame criminológico de classificação específico (segunda espécie), previsto no art. 8º, caput,
da Lei de Execução Penal, mais restrito, no qual seriam abrangidos os enfoques psicológicos e
psiquiátricos do exame criminológico de classificação genérico, concedendo, por
consequência, maior atenção à maturidade do condenado, sua disciplina, capacidade de
suportar frustrações e estabelecer laços afetivos com a família ou terceiros, grau de
agressividade74
, etc., delineando-se, dessa forma, um diagnóstico motivado sobre seu estado
perigoso75
, de modo a construir um prognóstico justificado de sua periculosidade, isto é, sua
tendência a voltar à vida criminosa. Frise-se, conforme já mencionado, a facultatividade desse
modelo de exame para os penalizados ao regime semiaberto (art. 8º, parágrafo único, da Lei
de Execução Penal).
Aliás, como argumentos evidenciados pela Exposição de Motivos da Lei de
Execução Penal76
para justificar a submissão do delinquente condenado ao regime fechado às
duas espécies de exame criminológico de classificação, infere-se a própria gravidade do delito
72
Idem. 73
Nesse sentido, o Item 34 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal deslindou o tema: “Item 34. O
Projeto distingue o exame criminológico do exame da personalidade como a espécie do gênero. O primeiro parte
do binômio delito-delinquente, numa interação de causa e efeito, tendo como objetivo a investigação médica,
psicológica e social, como o reclamavam os pioneiros da Criminologia. O segundo consiste no inquérito sobre o
agente para além do crime cometido. Constitui tarefa exigida em todo o curso do procedimento criminal e não
apenas elemento característico da execução da pena ou da medida de segurança. Diferem também quanto ao
método esses dois tipos de análise, sendo o exame de personalidade submetido a esquemas técnicos de maior
profundidade nos campos morfológico, funcional e psíquico, como recomendam os mais prestigiados
especialistas, entre eles DI TULLIO (Principi di criminologia generale e clínica. Roma: V. Ed., p. 213 e ss.)”
Disponível em:
file:///C:/Users/Wesley%20Mini%20Sound/Downloads/EXP%20MOT%20LEP%20Anexo%20II.pdf. Acesso
em 02/10/2014. 74
NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., loc. cit. 75
FERNANDES, Valter. op. cit., p. 213 et seq. 76
Nesse sentido: “Item 31. A gravidade do fato delituoso ou as condições pessoais do agente, determinante da
execução em regime fechado, aconselham o exame criminológico, que se orientará no sentido de conhecer a
inteligência, a vida afetiva e os princípios morais do preso, para determinar a sua inserção no grupo com o qual
conviverá no curso da execução da pena.”
38
perpetrado, em combinação com as circunstâncias pessoais externadas pelo agente. Afinal, no
regime fechado, por ser típico de crimes mais gravosos para a sociedade, presumiu o
legislador a existência de maior grau de periculosidade do agente, digna de exigir a realização
de outro exame, mais específico à sua condição.
Do exposto, Sá77
utiliza como fundamento para a realização desses exames logo
no início da execução da pena o fato de que, nesse estágio, o condenado ainda não teria
vivenciado as mazelas inerentes à vida carcerária; além disso, por estar, temporalmente, mais
próximo do momento da prática da conduta delitiva, o diagnóstico criminológico tenderia a
representar um grau de precisão científica mais próxima da realidade do delinquente.
Acrescente-se, ainda, que, de acordo com Beneti78
, esses exames iniciais, seja o de
classificação genérica (para os condenados nos regimes fechado e semiaberto), seja o de
classificação específica (obrigatório apenas para os penalizados no regime fechado),
configurar-se-iam como provas no âmbito da fase executória da pena, sendo, portanto,
fundamentais não somente à administração penitenciária em seu tratamento para com o
cativo, mas, também, ao juízo das execuções penais competente para o feito, visto que tais
avaliações poderiam servir de substrato no que tange às decisões referentes aos incidentes de
execução.
Isso posto, Marcão79
relata as três principais técnicas de avaliação da
personalidade do apenado, a fim de que se promovesse a classificação exigida pela legislação
referente ao assunto, a saber: a) técnicas subjetivas: incluiriam todas as formas de
autodescrição através de autoavaliação; b) técnicas objetivas: utilizariam medidas fisiológicas,
da observação do comportamento e avaliações feitas por terceiros. Ademais, seriam realizados
exames psicológicos, tais como os de escala de inteligência para adultos (Wechsller-Bellevue)
e o Inventário Multifásico de Personalidade de Minessota (MMPI); e c) técnicas projetivas:
implementariam exames expressivo-motores, estrutural-perceptivos e dinâmicos-aperceptivos.
Figurariam como exemplos dessas técnicas os testes de Rorschach, o de Szondi, e o
Psicodiagnóstico Miocinético (P.M.K. de Mira y Lopes).
Esses exames, ressalte-se, conforme previsão do art. 96 da Lei de Execução Penal,
devem ser realizados no Centro de Observação Criminológica, unidade autônoma ou em
77
SÁ, Alvino Augusto. Os três instrumentos de avaliação dos apenados na legislação penal brasileira.
Justiça e Democracia, Cotia, 1997, n. 3, p. 165. 78
BENETI, Sidnei Agostinho. Execução penal. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 133 79
MARCÃO, Renato. Lei de execução penal anotada. 4ª ed . São Paulo: Saraiva, 2013, p. 47.
39
anexo ao estabelecimento penal, local onde, portanto, retratar-se-ia o “perfil do preso”80
. Em
seguida, os resultados obtidos no referido centro seriam encaminhados à Comissão Técnica de
Classificação, a fim de que, nesta, fosse exarado parecer com o programa individualizado da
pena privativa de liberdade do condenado81
.
Desse modo, enquanto à Comissão Técnica de Classificação competiria a atuação
no próprio estabelecimento prisional, isto é, no local da execução, exercendo o ônus de
observação cotidiana do apenado, ao Centro de Observação Criminológica, em contrapartida,
incumbiria a função de realizar exames criminológicos mais sofisticados, com o fito de
auxiliar os órgãos judiciais da execução82
.
Acontece, contudo, que, justamente pela possibilidade de atuação subsidiária da
Comissão Técnica de Classificação na promoção desses exames, em caso de inexistência do
Centro de Observação (art. 98 da Lei de Execução Penal), não é raro que o Estado se escuse
da construção deste setor.
Com isso, acaba por ser maculado o objetivo inferido da lei em assegurar a
imparcialidade dos examinadores, uma vez que, para a elaboração de um resultado científico
mais apurado, seria necessário que estes não acompanhassem ou mantivessem contato pessoal
com os cativos ao longo do cumprimento de suas penas83
.
A Comissão Técnica de Classificação, responsável, como visto, em regra e na
prática, pela realização das duas primeiras espécies de exame criminológico, deve ser
composta da seguinte forma, conforme o art. 7º da Lei de Execução Penal, in verbis:
Art. 7º A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento,
será presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por 2 (dois) chefes de serviço, 1
(um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um) assistente social, quando se tratar de
condenado à pena privativa de liberdade.
Parágrafo único. Nos demais casos a Comissão atuará junto ao Juízo da Execução e
será integrada por fiscais do serviço social.
80
CARVALHO, Salo de. O (novo) papel dos “criminólogo” na execução penal: as alterações estabelecidas
pela Lei 10.792/03. In: Carvalho, Salo de. (org). Crítica à execução penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.
159. 81
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. op. cit., p. 188. 82
CARVALHO, Salo de. op. cit., p.160 83
BESSA, Noeli Kühl Svoboda. Os instrumentos técnicos previstos na Lei de Execução Penal brasileira
para formalizar a classificação dos condenados e avaliar o requisito subjetivo por ocasião da progressão
de regime ou livramento condicional. Direito e Sociedade, Paraná, n. 1, v. 1, p. 211.
40
Versando sobre a equipe componente dessa Comissão, Mirabete84
reforça a ideia
de que, para a realização dos exames criminológicos de classificação, seja o genérico, seja o
específico, bem como de todo o processo de individualização do tratamento penitenciário,
seria necessária uma postura técnica e científica, a qual somente seria factível se houvesse a
participação de funcionários aptos a realizarem os exames clínicos, morfológicos,
psiquiátricos, psicotécnicos, psicológicos, sociais, dentre outros. Somente assim, segundo o
autor, haveria a síntese criminológica adequada aos informes e pareceres a respeito da
periculosidade e adaptabilidade do condenado, proporcionando, desta feita, uma correta
classificação dos presos.
Ademais, esse rol de integrantes poderia ser ampliado, diante do princípio da
corresponsabilidade da comunidade na execução do trabalho penitenciário, no qual, na
medida em que fosse estendida à coletividade a participação na Comissão, consequentemente
maiores seriam o apoio e a confiança do público no procedimento, acarretando, dessa
maneira, uma maior aceitação do preso quando da sua reinserção na sociedade85
.
A atuação, em conjunto, dos profissionais membros da Comissão Técnica de
Classificação, no intuito de coletar os dados concernentes à personalidade do cativo, poderá
adotar as seguintes medidas, nos moldes do art. 9º da Lei de Execução Penal:
Art. 9º A Comissão, no exame para a obtenção de dados reveladores da
personalidade, observando a ética profissional e tendo sempre presentes peças ou
informações do processo, poderá:
I - entrevistar pessoas;
II - requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações a
respeito do condenado;
III - realizar outras diligências e exames necessários.
Como resultado dessas providências, portanto, seria possível, à luz do objetivo da
lei, individualizar a pena a ser cumprida pelo condenado, definindo-se, portanto, o tratamento
penitenciário mais apropriado a este86
.
84
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 57. 85
BRITO, Alexis Couto de. Execução penal. 2ª ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 80. 86
Nesse sentido, a título de ilustração, transcreve-se o Item 36 da Exposição de Motivos da Lei de Execução
Penal, in verbis: “Item 36. O trabalho a ser desenvolvido pela Comissão Técnica de Classificação não se limita,
pois, ao exame de peças ou informações processuais, o que restringiria a visão do condenado a certo trecho de
sua vida mas não a ela toda. Observando as prescrições éticas, a Comissão poderá entrevistar pessoas e requisitar
às repartições ou estabelecimentos privados elementos de informação sobre o condenado, além de proceder a
outras diligências e exames que reputar necessários.”
41
Ressalte-se, por oportuno, que, diferentemente do que ocorre com a Comissão
Técnica de Classificação, há omissão legislativa no que atine à composição do Centro de
Observação Criminológica.
Expostas as principais semelhanças e diferenças entre os dois primeiros tipos de
exame criminológico, por fim, tem-se uma terceira espécie deste, cuja utilização dever-se-ia
dar em um momento posterior, quando da análise do chamado “mérito” do cativo,
possibilitando a este, por sua vez, beneficiar-se com as benesses existentes no sistema
progressivo brasileiro.
Por se tratar de uma modalidade polêmica hodiernamente, havendo, inclusive,
sofrido alterações legislativas, tal modelo de exame merece uma abordagem individualizada,
o que se fará no próximo capítulo.
42
4. DO EXAME CRIMINOLÓGICO PARA FINS DE CONCESSÃO DE BENESSES
NA FASE DE EXECUÇÃO DA PENA NO BRASIL
Como dito em capítulos anteriores, não obstante o Código Penal Brasileiro e a Lei
de Execução Penal tratarem de modo confuso o instituto do exame criminológico, há, em tese,
objetivos bem definidos para cada modalidade deste.
Neste capítulo, por exemplo, será discutido o terceiro tipo de avaliação
criminológica já anunciado, qual seja, o referente à instrução de pedidos de benefícios
previstos legalmente no âmbito da execução da pena.
4.1. Das alterações promovidas pela lei 10.792/2003
Com o advento da Lei de Execução Penal, em 1984, exsurgiu o propósito de, além
de efetivar os dispositivos da sentença condenatória ou de qualquer outra modalidade de
decisão judicial, promover, à luz do sistema progressivo adotado no Brasil, a devida
ressocialização do cativo87
.
Desse modo, obtempera Bitencourt88
que o ponto propulsor da conquista ou da
perda de maiores regalias na fase de cumprimento da pena privativa de liberdade consistiria
no mérito ou demérito do condenado.
Para tanto, a redação original da Lei de Execução Penal, em seu art. 112, previa,
como instrumento de aferição do aludido mérito o exame criminológico, in litteris:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinado pelo Juiz, quando o
preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e seu
mérito indicar a progressão.
Parágrafo único. A decisão será motivada e precedida de parecer da Comissão
Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário.
Assim, de acordo com o supracitado artigo, havia, à época de sua vigência, dois
requisitos a serem, cumulativamente, observados para que o cativo progredisse de regime
prisional, a saber: o primeiro, de caráter objetivo, consubstanciava-se no lapso temporal
87
Nesse sentido, estabelece o Item 13 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal: “Item 13. Contém o
art. 1° duas ordens de finalidades: a correta efetivação dos mandamentos existentes nas sentenças ou outras
decisões, destinados a reprimir e a prevenir os delitos, e a oferta de meios pelos quais os apenados e os
submetidos às medidas de segurança venham a ter participação construtiva na comunhão social. 88
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 694.
43
efetivamente cumprido de um sexto da pena a ele imputada; o segundo, por sua vez, de
caráter subjetivo, materializava-se justamente no referido “mérito” para a concessão do
benefício, o qual seria aferido por parecer da Comissão Técnica de Classificação e por exame
criminológico, quando necessário.
Por “mérito”, frise-se, entende-se a capacidade provável do condenado de adaptar-
se ao regime menos rigoroso. Em outras palavras, se, ao longo da execução da pena, o
indivíduo apresentasse comportamento mau ou sofrível, haveria indícios de inaptidão para a
concessão de um regime mais suave ou ameno89
.
Desse modo, no tocante ao parecer da Comissão e ao exame criminológico,
encarregados, como dito, pela verificação do referido “mérito”, percebe-se, da interpretação
do antigo art. 112 da Lei de Execução Penal, que, partindo-se da ideia de que não há palavras
inúteis na lei, tratavam-se, com efeito, de dois institutos distintos90
.
Todavia, alguns setores da sociedade alegavam que a exigência desses exames
revelava-se extremamente burocrática, acarretando, assim, uma superlotação carcerária,
ambiente propício para, por exemplo, a eclosão de rebeliões e o surgimento de facções
criminosas no interior dos estabelecimentos prisionais.
Ilustrando o tema, Nucci91
aduz que o próprio Poder Executivo, responsável pelas
despesas tanto das Comissões existentes quanto dos estabelecimentos prisionais em si, na
defesa pelo fim desses exames, argumentava que os laudos elaborados pelos profissionais
atuantes nessas comissões seriam “padronizados”, repletos de subjetivismo e de pouca valia
para a individualização executória.
A propósito, como ferrenhos defensores da extinção dessa espécie de exame
criminológico, as classes profissionais dos psicólogos, em diversas oportunidades,
manifestaram-se sobre o tema.
A seguir, transcrever-se-á um trecho da carta emitida no ano de 2006 pelos
psicólogos da Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP) do estado do Rio de Janeiro
ao Conselho Regional de Psicologia (CRP/RJ), a qual, em que pese seja posterior às
modificações legislativas acerca do instituto, representa bem os argumentos da época contra a
eficiência dessas avaliações: 89
MASSON, Cléber. op. cit., p. 306. 90
DOS SANTOS, Dayana Rosa. O Exame Criminológico e sua valoração no processo de execução penal.
Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2013, p. 76. 91
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 11ª ed. rev. e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2014, p. 931.
44
(...) Os pedidos de exame criminológico, também questionado, chegam em grande
quantidade, frequentemente com prazo para realização. Sem condição de
acompanhar o dia-a-dia dos presos, visto que são numerosos e somos poucos
profissionais, o que acontece é que damos um parecer (que é mais um “parece”)
baseado em uma única entrevista. No contexto em que a maioria de nós trabalha,
principalmente nas penitenciárias de segurança máxima, onde o preso não trabalha,
não tem atividades, o único parecer profissional cabível seria de que o confinamento
só está contribuindo para adoecer o sujeito ou incrementar a violência.92
Diante desse cenário de contestações à realização do exame, no ano de 2003, foi
publicada a Lei 10.792/2003, a qual, dentre outras alterações, deu nova redação ao aludido art.
112 da Lei de Execução Penal:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o
preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom
comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas
as normas que vedam a progressão.
§ 1o A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério
Público e do defensor.
§ 2o Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional,
indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.
Mesmo com a mudança, manteve-se a existência de dois requisitos para a
progressão de regime, a saber: o primeiro, de ordem objetiva, referindo-se ao tempo
efetivamente cumprido de um sexto da pena; e o segundo, de vertente subjetiva,
consubstanciado no “bom comportamento carcerário”, a ser aferido pelo diretor do
estabelecimento prisional. Entendia-se, assim, em um primeiro momento, que a Lei
10.792/2003 teria extinguido o exame criminológico como pré-requisito para a concessão de
benefícios no âmago da execução da pena.
Entretanto, em 2009, o Supremo Tribunal Federal, ao versar sobre o assunto,
editou a Súmula Vinculante n. 26:
Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo,
ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da
Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado
preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo
determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame
criminológico.
92
Secretaria de Administração Penitenciária. Carta dos psicólogos da SEAP ao CRP-RJ. Rio de Janeiro, 2006.
Disponível em: http://www.crprj.org.br/documentos/2009-carta-ao-crprj-sobre-exame-psicologico.pdf. Acesso
em: 05/10/2014.
45
Do mesmo modo, no ano seguinte, em 2010, o Superior Tribunal de Justiça
firmou o seguinte entendimento a respeito do exame criminológico, através da Súmula 439, in
verbis: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em
decisão motivada.”
Em face disso, pacificou-se na jurisprudência que, com a revogação do texto
original do art. 112 da Lei de Execução Penal, em combinação com a expressa falta de
previsão do exame para a progressão, o exame, que era obrigatório, passou a ser, com a nova
redação promovida pela Lei 10.792/2003, facultativo, uma vez que o juiz, desde que em
decisão fundamentada, pode solicitar a realização da avaliação.93
No entanto, Brito94
, em sentido contrário à jurisprudência majoritária, assevera
que o exame criminológico para a progressão ao regime semiaberto jamais foi tido por
obrigatório. De acordo com o autor, se nem na fase inicial do cumprimento da pena em
regime semiaberto havia obrigatoriedade do exame criminológico de classificação específico,
não seria possível alegar tal exigência quando da progressão para o regime semiaberto.
Por fim, necessária se faz a menção do exame criminológico para a concessão do
livramento condicional. Desse modo, transcreve-se o teor do art. 83 do Código Penal
Brasileiro, in verbis:
Art. 83. O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena
privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:
(...)
Parágrafo único. Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou
grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à
constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não
voltará a delinquir. (Grifo nosso).
Da parte final do indigitado dispositivo legal, sugere-se a necessidade da
realização de exame criminológico, também, para o deferimento do livramento condicional ao
cativo.
93
Nesse sentido, vale citar o trecho de uma decisão que representa bem o entendimento pacificado na Suprema
Corte, in verbis: “(...) 2. O silêncio da lei, a respeito da obrigatoriedade do exame criminológico, não inibe o
juízo da execução do poder determiná-lo, desde que fundamentadamente. Isso porque a análise do requisito
subjetivo pressupõe a verificação do mérito do condenado, que não está adstrito ao 'bom comportamento
carcerário', como faz parecer a literalidade da lei, sob pena de concretizar-se o absurdo de transformar o diretor
do presídio no verdadeiro concedente do benefício e o juiz em simples homologador, como assentado na ementa
do Tribunal a quo." (HC 106.678, Relator para o Acórdão Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgamento em
28.2.2012, DJe de 17.4.2012). 94
BRITO, Alexis Couto de. Execução penal. 2ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2011,
p.72.
46
Entretanto, como essa redação do art. 83, parágrafo único, do Estatuto Penal
Repressivo foi elaborada no contexto da Reforma de 1984, o entendimento firmado pelos
tribunais superiores no tocante às progressões de regime deve ser estendido, também, para a
concessão do livramento condicional. Afinal, conforme o já citado art. 112, §2º, da Lei de
Execução Penal, alterado, justamente, pela Lei 10.792/2003, para a concessão não apenas do
livramento, como, também, para outros benefícios da presentes na execução da pena, basta o
mero atestado de boa conduta carcerária fornecido pelo diretor do presídio.95
4.2. Das fases constitutivas do exame criminológico para fins de concessão de benesses
Como já debatido neste trabalho, o exame criminológico compor-se-ia de uma
série de análises interdisciplinares, visto que somente seria possível definir uma visão
pluridimensional da personalidade do autor de um delito se houvesse uma abordagem dessa
mesma natureza96
.
Desse modo, conforme Fernandes97
, seria possível subdividir o exame
criminológico em sete outras fases constitutivas ou exames propriamente ditos, quais sejam:
a) exame morfológico; b) exame funcional; c) exame psicológico; d) exame psiquiátrico; e)
exame moral; f) exame social; e g) exame histórico.
No exame morfológico, dada a importância da constituição somato-psíquica para
a criminologia, ter-se-ia por objetivo a avaliação de todos os segmentos do corpo humano,
determinando suas medidas e proporções, a massa corpórea, óssea e muscular. Com isso, seria
possível registrar as particularidades ou peculiaridades que ensejariam estabelecer traços
individuais, anormalidades, formações patológicas, malformações congênitas, caracteres
herdados, dentre outros.98
Já no exame funcional, tendo em vista que para cada órgão do corpo humano
existe uma função especificamente definida, importar-se-ia verificar a existência, através da
análise dos sistemas (cardiovascular, respiratório, etc) do delinquente, de sinais de
imaturidade, de fraqueza vital hereditária, de atrofias constitucionais, de síndromes de
crescimento, dentre outras, todas elas analisadas conjuntamente, não se devendo selecionar
95
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. op. cit., p. 44-45. 96
FERNANDES, Valter. op. cit., p. 214. 97
Idem. 98
Ibidem, p. 216.
47
esta ou aquela função99
. Seria, por óbvio, aconselhável ser de maior grau a análise referente
ao sistema nervoso, dada sua grande influência no temperamento e no caráter do indivíduo,
podendo, inclusive, ser responsável pela adoção de diversas formas de atividades antissociais
e criminosas100
.
Na sequência, o exame psicológico surgiria com o propósito de apreender e
descrever o perfil psicológico do indivíduo, independentemente da existência ou não de
suspeita de que seja portadora de uma patologia mental. Seria, por isso, aplicável a qualquer
indivíduo, pois sempre traria importantes informações, a fim de que se compreendesse as
atividades mentais do examinando.101
Deveria tal exame ser amplo e, pelo menos, aferir três
aspectos de grande relevância para a Criminologia, quais sejam: a) o nível mental do
criminoso; b) os traços característicos de sua personalidade; e c) o seu grau de
agressividade.102
Exigir-se-ia, contudo, que tais avaliações fossem promovidas de forma
sistemática, a fim de que não se incorressem em conclusões errôneas.
No exame psiquiátrico, considerar-se-ia as doenças mentais que pudessem existir
ou tivessem surgido no criminoso após a prática delituosa. Tratar-se-ia, em verdade, da
essência da observação criminológica, pois seria através desse exame que se concluiria pela
sanidade ou insanidade mental do delinquente, atentando-se, contudo, para o momento em
que uma doença mental porventura existente tenha aflorado: se anterior, concomitante ou
posterior à prática delituosa103
.
Como consequência, seria provável definir se ao apenado caberia ou não a
aplicação de uma medida de segurança, bem como se não seria mais adequada a redução de
sua pena ou no tratamento do condenado, visando a sua ressocialização, após o cumprimento
da pena.
Nesse diapasão, para o supracitado autor, dentre outros possíveis, citam-se como
itens relevantes para uma perquirição mais aguda da mente do envolvido: a) os
psicoevolutivos, referentes às enfermidades infanto-juvenis com consequências graves para o
desenvolvimento psicossomático, tais como os problemas ocorridos no seio do lar, a falta de
99
Idem. 100
Ibidem, p. 218. 101
Idem. 102
Ibidem, p. 219. 103
Ibidem, p. 222.
48
escolarização, dentre outros; e b) os jurídico-penais, relevantes para o Direito, assim como a
natureza do delito praticado, a reincidência, etc104
.
Acresce-se, à luz dos ensinamentos desse escritor, ainda, a necessidade de uma
abordagem psicanalítica, porque seriam elas utilizadas no tratamento dos doentes mentais, e
poderiam fornecer subsídios para a compreensão do elemento mental (mens rea) que presidiu
a ação delituosa, sem, é claro, que se fizesse de tal análise a explicação causal do delito105
.
Por outro lado, no exame moral, objetivar-se-ia promover uma indagação moral
do examinando, tendo em vista a existência de certas pessoas que, por alterações de diversas
naturezas, apresentar-se-iam em um patamar muito baixo de condições instintivo-sensitivas.
Estas, por sua vez, constituiriam o alicerce do desenvolvimento da afetividade moral.
Nessa linha de raciocínio defendida pelo doutrinador, existiriam três espécies de
indivíduos: os morais, os imorais e os amorais. A seguir, transcreve-se um trecho de sua obra
que esclarece tal classificação:
(...) Morais: são os indivíduos que assimilaram através do binômio ensino-
aprendizagem os ensinamentos éticos e que, em virtude da própria índole, têm
tendências para seguir e obedecer a normas dessa natureza ética e que às vezes,
como exceção, vêm a afrontá-las, chegando até ao cometimento de delito.
Imorais: são os indivíduos que malgrado e mormente conhecem suficientemente
normas ético-morais, mas habitualmente não as obedecem, por razões que a própria
análise criminológica se encarrega de apurar.
Amorais: são aqueles que jamais foram capazes de assimilar princípios ético-morais,
conscientemente assimiláveis.106
Isso posto, em sequência, tem-se que, no exame social, por sua vez, objetivar-se-
ia conhecer as condições que poderiam ter influenciado a conduta antissocial do agente da
ação, mormente se decorrentes do meio social em que tivesse nascido, crescido e vivido.
Consubstanciar-se-ia, via de regra, em uma entrevista com um assistente social, levando-se
em conta, todavia, se o entrevistado já tivesse ou não sido submetido à julgamento.107
Encerrando as subespécies do exame criminológico, menciona o autor o exame
histórico. Neste, portanto, ter-se-ia por finalidade primordial a reconstrução do passado do
104
Idem. 105
Ibidem, p. 224. 106
Ibidem, p. 226. 107
Ibidem, p. 227.
49
criminoso, bem como de suas relações com seus ascendentes, descendentes e colaterais.
Seriam, assim, coletados dados referentes à sua vida pregressa.108
Frente ao exposto, como visto, concluídas essas fases constitutivas do exame
criminológico, seria fornecido um diagnóstico acerca da personalidade do examinando e,
consequentemente, um prognóstico, baseado no que foi coletado, em que se presumiria a
possibilidade ou não de reincidência delitiva do avaliado. De posse dessas informações, em
seguida, seria proposta a terapia mais adequada ao caso concreto, a fim de que, então, fosse
tratada a perigosidade ou temibilidade do indivíduo. Daí porque conclui o escritor pela
utilidade dessa ferramenta à Justiça, especialmente no que atine à concessão ou não de
benefícios legais.109
Nesse sentido, o referido autor, em defesa do exame criminológico para concessão
dos variados benefícios existentes no curso da execução penal, aduz:
(...) Se há uma avaliação inicial, quando o condenado começa a cumprir a pena,
logicamente que isto ocorre para se ter um conhecimento mais aprofundado do
recluso. Seria um disparate, um verdadeiro absurdo, não se ter o resultado do tempo
que o condenado permaneceu encarcerado, para aferir se há o mérito para a
progressão, que é reclamado pelo art. 33, §2º, do Código Penal.110
Todavia, ressalte-se, o próprio doutrinador ventila a hipótese de falibilidade do
referido exame, já que o prognóstico seria uma simples estimativa de reincidência. Ainda
assim, contudo, por seguir os ditames e rigores científicos, tal ferramenta seria mais legítima
do que o mero atestado assinado pelo diretor do estabelecimento prisional, o qual seria
plenamente incapaz de realizar uma análise convincente acerca da personalidade do
condenado.
4.3. Análise crítica do exame criminológico para fins de concessão de benesses na fase de
execução da pena
No que diz respeito à terceira espécie de Exame Criminológico, qual seja, aquele
realizado no contexto de incidentes ocorridos no curso da execução da pena, são inúmeras as
críticas existentes, sejam exaltando, sejam rechaçando o instituto.
108
Idem. 109
Ibidem, p. 228. 110
Ibidem, p. 241.
50
A parte da doutrina que defende a aplicação do exame, em síntese, reforça a ideia
de que este consubstanciar-se-ia em importante ferramenta para o fornecimento de elementos
que possibilitem ao magistrado decidir com maior grau de certeza acerca da condição do
apenado em beneficiar-se com os diversos institutos presentes na execução da pena, tais como
a progressão de regime, o livramento condicional, entre outro.
Nesse sentido, aduz Mirabete:
(...) a simples apresentação de um atestado ou parecer do diretor do estabelecimento
penitenciário, após o cumprimento de um sexto da pena no regime anterior, não
assegura ao condenado o direito de ser promovido a regime menos restrito. Embora
se possa inferir da nova redação do dispositivo o intuito de redução do mérito,
previsto na lei anterior, ao bom comportamento carcerário, no sistema vigente a
progressão pressupõe, como visto, não somente o ajustamento do condenado às
regras do regime carcerário em que se encontra, mas também um juízo sobre sua
capacidade provável de adaptação ao regime menos restrito. Essa avaliação mais
abrangente e aprofundada, e, portanto, mais individualizada, das condições pessoais
do condenado para a progressão, é inerente ao sistema progressivo instituído pela
reforma penal de 1984; reclamada pela exigência de mérito, persistente no Código
Penal (art. 33, §2º); expressamente prevista para a progressão ao regime aberto (art.
114, II, da LEP) e compatível com o princípio constitucional da individualização da
pena (art. 5º, XLVI, da CF).111
Ademais, o atestado de bom comportamento carcerário fornecido pelo diretor do
presídio limitar-se-ia a demonstrar a “prisionalização” do condenado, ou seja, sua simples
adaptação às regras do recinto, sem, contudo, ser vislumbrado o ideal de ressocialização. A
propósito, Pimentel destaca que o apenado estaria sendo socializado para viver na prisão.112
Ressalte-se, ainda, que Pitombo, questionando a constitucionalidade das
alterações promovidas pela Lei 10.702/2003 na Lei de Execução Penal, sobretudo diante da
violação ao princípio da individualização da pena, assevera:
(...) individualizar, na execução, consiste em dar a cada preso as oportunidades e
elementos necessários para lograr a reinserção social, posto que é pessoa, ser
distinto. A individualização, portanto, deve aflorar técnica e científica, nunca
improvisada.113
111
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução penal. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 424. 112
PIMENTEL, Manoel Pedro. Sistemas penitenciários, Revista dos Tribunais. São Paulo. V. 78. N. 639, p.
268. 113
PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Os regimes de cumprimento de penas e o exame criminológico,
Revista dos Tribunais, n. 583, mai. 1984, p. 313.
51
Em contrapartida, são várias as críticas lembradas pela doutrina que pugnam pela
extinção dessa modalidade de Exame Criminológico, a seguir trabalhadas:
A primeira delas, explicitada por Brito114
, reforça a falha no pressuposto para a
realização do exame, uma vez que este, na verdade, seria destinado aos imputáveis, mas sua
real aplicação deveria ser aos inimputáveis, diante do seu escopo de aferição do grau de
periculosidade do criminoso.
Não custa lembrar que a periculosidade, requisito presente em todos os
inimputáveis e em alguns semi-imputáveis, é entendida como a efetiva probabilidade de
determinado responsável por uma infração penal reincidir na prática de crimes ou
contravenções penais115
. Daí porque, nessa hipótese, fala-se no juízo de prognose como forma
de se atestar, empiricamente, a chance concreta e potencial, calcada em conjecturas razoáveis,
de que o indivíduo tornará a cometer infrações penais.
Destarte, é notória a confusão formada pela doutrina e jurisprudência no que se
refere à culpabilidade e à periculosidade como pressupostos do exame criminológico para a
possível concessão de benefícios ao longo da fase executória da pena. Afinal, como se sabe,
caso seja constatada a periculosidade do indivíduo, indica-se a aplicação de uma medida de
segurança; se, por outro lado, verificar-se a culpabilidade do sentenciado, ou seja, a ausência
de periculosidade neste, sugere-se, portanto, o emprego de uma pena.
Nesse sentido, representando a possibilidade de substituição da pena por uma
medida de segurança, no curso da fase de execução, tem-se o art. 183 da Lei de Execução
Penal, in verbis:
Art. 183. Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier
doença mental ou perturbação da saúde mental, o Juiz, de ofício, a requerimento do
Ministério Público, da Defensoria Pública ou da autoridade administrativa, poderá
determinar a substituição da pena por medida de segurança.
Da mesma maneira, é possível a substituição da medida de segurança por uma
pena, após a promoção do exame de cessação da periculosidade, prevista no Capítulo II, do
Título VI, da Lei de Execução Penal.
114
BRITO, Alexis Couto de. Análise crítica sobre o exame criminológico. Disponível em: <
file:///C:/Users/Wesley%20Mini%20Sound/Downloads/Exame_criminologico-libre.pdf>. Acesso em:
08/10/2014, p. 8. 115
MASSON, Cléber. op. cit., p. 491
52
A segunda crítica a ser explorada diz respeito à falibilidade do prognóstico
elaborado pela equipe profissional responsável pelo exame. Tendo em vista o cenário crítico
dos estabelecimentos penitenciários brasileiros, os quais, além de parcos recursos financeiros,
apresentam reduzida quantidade de profissionais para lidar com o crescente número de presos,
seria notória a imprestabilidade do exame criminológico em prever ou garantir a reincidência
delitiva de determinado sentenciado.
Ao tratar do assunto, leciona Wollf que:
(...) esta discricionariedade dos profissionais embasada em critérios que não são tão
neutros e científicos como pretendem ser, faz com que, muitas vezes, o parecer
técnico afigure-se quase como um exercício de suposições, de futurologia. Isto, a
partir de um discurso que já está dado como única verdade, bastando ajustá-lo a cada
caso avaliado.116
A propósito, no tocante à reincidência, impende ressaltar que esta pode decorrer
de fatores mais amplos, complexos e diversificados, podendo, desta feita, escapar da análise
feita através do exame, interferindo, assim, na precisão científica da resposta clínica
fornecida. Com isso, não poderia um parecer técnico, cujo mérito fossem probabilidades,
justificar a negação de direitos públicos subjetivos, diante da impossibilidade empírica de sua
constatação, obstaculizando o direito ao contraditório e à ampla defesa.117118
Vale dizer, ainda, que essa presunção de que o indivíduo não voltaria a delinquir
estaria baseada nos superados preceitos positivistas do século XIX, já discutidos nesta
pesquisa, os quais, destaque-se, vislumbrariam, no crime, uma realidade ontológica, um fato
anormal, uma representação de anomalia física ou psíquica do agente delituoso.
A terceira crítica existente, exaltada, sobretudo, pelos psicólogos, versa sobre o
caráter estigmatizante do exame, que pode ser responsável por aprofundar os índices de
criminalidade, nos mesmos moldes defendidos pela teoria norte-americana do Labelling
Approach (ou teoria da rotulação social ou etiquetagem).
Essa teoria, destaque-se, surgida, precipuamente, nos Estados Unidos da década
de 1960, ressalta o papel das instâncias de controle oficiais (Polícia, Poder Judiciário,
116
WOLLF, Maria Palma. Antologia de vidas e histórias na prisão. Tese de doutorado. Universidade de
Zaragoza, 2003, p. 93. 117
CARVALHO, Salo. Práticas inquisitivas na execução penal. In: Carvalho, Salo de. (org). Crítica à
execução penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 152 118
CARVALHO, Salo. O (novo) papel dos “criminólogos” na execução penal: as alterações estabelecidas
pela Lei 10.792/03. In: Carvalho, Salo de. (org). Crítica à execução penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.
152
53
Administração Penitenciária, etc) na expansão da chamada “delinquência secundária”, isto é,
na delinquência que resulta do processo causal desencadeado pela estigmatização119
.
Para os defensores dessa teoria, se um condenado fosse tido por perigoso ou
moralmente repugnante, certamente seriam empreendidos esforços para mantê-lo isolado do
convívio social. Assim, diante dessa rotulação pejorativa, o indivíduo acabaria por ter sua
autoestima abalada e, consequentemente, teria potencializada sua perspectiva de reincidência.
Nesse sentido, sistematizando a lógica apregoada pela teoria, assevera García-
Pablo de Molina, in verbis:
(...) A desviação primária é poligenética e se deve a uma variedade de fatores
culturais, sociais, psicológicos e sociológicos. A desviação secundária traduz-se
numa resposta de adaptação aos problemas ocasionados pela reação social à
desviação primária. Surge a teoria do estigma, etiqueta ou rótulo, status diferenciado
que vai aderir ao autor do crime e com o qual ele interagirá. Toda reação à conduta
criminal passa por cerimônias degradantes, processos ritualizados a que é submetido
o réu e que atinge a autoestima do agente do delito. Quando a reação à conduta
criminal é uma pena privativa de liberdade, nasce um processo institucionalizador
que recolhe o condenado a um local isolado de moradia com rotina diária e a
administração formal. As consequências disso serão, sempre, a acentuação da
carreira criminal e a institucionalização do condenado, potencializando-se a recidiva.
A interação e a autoimagem tendem a polarizar-se em torno do papel desviante, o
que cria o role engulfment.”
Assim, à luz do que foi relatado, o exame criminológico, utilizando-se de um
formato inquisitivo, violador da intimidade e da vida privada, para a reconstituição da vida
pregressa do condenado, figuraria como exemplo de cerimônia degradante, reforçando,
destarte, no examinando o seu estigma de delinquente120
.
A quarta crítica que a ser mencionada enxerga no instituto resquícios do
anacrônico Direito Penal do autor, o qual, ressalte-se, apresentaria como característica
principal a ideia de se punir uma pessoa mais pelo que é e menos pelo que fez. À luz dessa
vertente de Direito Penal, a pena não seria graduada pela culpabilidade, enquanto grau de
reprovabilidade da conduta, mas, sim, pela periculosidade do agente121
.
119
GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 8ª ed. reform., atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 251 120
CARVALHO, Salo. O (novo) papel dos “criminólogos” na execução penal: as alterações estabelecidas
pela Lei 10.792/03. In: Carvalho, Salo de. (org). Crítica à execução penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.
161. 121
ESTEFAM, André. op. cit., p. 32.
54
Diferentemente, portanto, do Direito Penal do fato, concepção vigente no Brasil
em matéria penal, sobretudo após o término da Segunda Guerra Mundial, em que o indivíduo
deveria ser penalizado pelo que fez, e, não, pelo que é122
.
Nesse sentido, reforçando a tese de que o exame representaria o modelo
inconstitucional de direito penal do autor, aduz Carvalho:
(...) Apesar de a instrução probatória no processo penal de cognição ser sustentada
por premissas acusatórias vinculadas ao direito penal do fato, todo processo de
execução das penas e os procedimentos que requeiram avaliação pericial eram
balizados por juízos medicalizados sobre a personalidade, conformando modelos de
direito penal do autor e criminológico etiológico refutado pelo sistema
constitucional de garantias estruturado na inviolabilidade da intimidade, no respeito
à vida privada e à liberdade de consciência e de opção. 123
A quinta crítica a ser debatida decorre do fato de que o sentenciado, se desejar,
não estaria obrigado a fornecer à equipe multidisciplinar responsável pela realização do
exame criminológico elementos que pudessem prejudicá-lo no julgamento de incidentes na
execução que porventura tenha pleiteado, diante do princípio constitucional da não
autoincriminação, previsto no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal de 1988: “Art. 5º LXIII -
o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogado.”
Esse princípio, também conhecido como nemo tenetur se detegere, tem por
fundamento a ideia de que o homem, na condição de detentor de direitos, deve ter a
possibilidade de conservar a sua liberdade, mantendo-se, portanto, em seu estado natural. Por
conseguinte, apenas contribuiria para a produção de uma prova incriminatória, se assim o
desejasse, uma vez que, conforme a própria Carta Magna, ele é presumidamente inocente124
.
Por sinal, vale ressaltar que existem diversos subprincípios derivados do princípio
da não autoincriminação, os quais são elencados por Gomes:
(...) o direito de não autoincriminação (...) possui várias dimensões: (1) direito ao
silêncio, (2) direito de não colaborar com a investigação ou a instrução criminal; (3)
direito de não declarar contra si mesmo, (4) direito de não confessar, (5) direito de
declarar o inverídico, sem prejudicar terceiros, (6) direito de não apresentar provas
que prejudique sua situação jurídica. A essas seis dimensões temos que agregar uma
122
Ibidem, p. 33. 123
CARVALHO, Salo. O (novo) papel dos “criminólogos” na execução penal: as alterações estabelecidas
pela Lei 10.792/03. In: Carvalho, Salo de. (org). Crítica à execução penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.
163. 124
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da não auto-incriminação: significado, conteúdo, base jurídica e âmbito
de incidência. Disponível em: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2066298/principio-da-nao-auto-incriminacao-
significado-conteudo-base-juridica-e-ambito-de-incidencia. Acesso em: 12/10/2014.
55
sétima, que consiste no direito de não produzir ou de não contribuir ativamente para
a produção de provas contra si mesmo. Esse genérico direito se triparte no (7) direito
de não praticar nenhum comportamento ativo que lhe comprometa, (8) direito de
não participar ativamente de procedimentos probatórios incriminatórios e (9) direito
de não ceder seu corpo (total ou parcialmente) para a produção de prova
incriminatória.125
Do exposto, diante de sua amplitude, tal princípio deveria ser observado em
qualquer fase processual, inclusive no cumprimento da pena, de modo que o condenado não
estaria compelido a ser submetido ao exame como pré-requisito para concessão de benesses,
bem como, na hipótese de optar por manter-se em silêncio, não seria possível ao juiz das
execuções interpretá-lo em prejuízo do indivíduo, negando-lhe algum benefício.
A sexta crítica a ser abordada diz respeito ao fato de que, pela forma como o
exame é realizado, restaria violado o Código de Ética Profissional do Psicólogo, sobretudo em
seu Princípio Fundamental I, a seguir transcrito:
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da
dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que
embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.126
Desse modo, conforme Brito127
, o psicólogo, em vez de segregar o condenado
com um parecer alegando determinado grau de periculosidade, deveria tentar compreender o
delito como uma construção social, e, não, apenas como um fenômeno patológico do
indivíduo.
A sétima crítica ressalta que o exame acabaria por demonstrar aspectos do sistema
da prova tarifada, uma vez que, por conta do abismo existente entre os operadores do Direito
e os profissionais responsáveis pelo exame, os laudos e pareceres resultantes deste, embora
não vinculassem a decisão do magistrado, diante do sistema atual do livre convencimento
motivado, instituiriam, na verdade, uma barreira intransponível, sobretudo se a avaliação do
condenado fosse desfavorável128
.
Sobre o assunto, retrata Brito:
125
Idem. 126
Conselho Federal de Psicologia. Código de Ética Profissional do Psicólogo. Resolução n. 010/05.
Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo_etica1.pdf>. Acesso em: 12/10/2014 127
BRITO, Alexis Couto de. Análise crítica sobre o exame criminológico. Disponível em: <
file:///C:/Users/Wesley%20Mini%20Sound/Downloads/Exame_criminologico-libre.pdf>. Acesso em:
12/10/2014, p. 20. 128
CARVALHO, Salo. O (novo) papel dos “criminólogos” na execução penal: as alterações estabelecidas
pela Lei 10.792/03. In: Carvalho, Salo de. (org). Crítica à execução penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.
166.
56
(...) Do ponto de vista prático, a falta de profissionais e a possibilidade de submeter
e limitar o julgamento do magistrado a um parecer de outra área científica acabaram
por consolidar uma jurisprudência de que o juiz, apesar da previsão legal, não estaria
adstrito ao laudo fornecido pelo profissional. Outra incoerência lógica, já que ao se
pedir uma perícia, é exatamente pelo conhecimento específico de quem a elabora
que se faz tal pedido. Não faz nenhum sentido que, na presença de um laudo, o
magistrado o dispense para tomar suas próprias convicções como base da decisão,
ainda mais nesta área na qual supostamente haveria uma série de procedimentos
técnicos de desconhecimento do juiz.129
Ao Juiz da execução, portanto, outra opção não haveria, senão homologar o
parecer exarado pela equipe técnica, como forma de atribuir à sua decisão um respaldo
científico, que a legitimaria130
.
4.4. Do modelo garantista constitucionalmente estabelecido no Brasil
Versando sobre o garantismo penal, Luigi Ferrajoli o estabelece como um
“modelo normativo de Direito”, estruturado sobre o princípio da legalidade, este, por sua vez,
funcionando como fundamento para um Estado de Direito.131
Destarte, sob o ponto de vista jurídico, por garantismo entender-se-ia um sistema
pautado na proteção do cidadão em face aos possíveis arbítrios estatais, os quais, a propósito,
no âmbito do Direito Penal, manifestam-se através da sanção penal.
Nessa toada, Bitencourt, reforçando o intuito o legislador constituinte originário
em adotar um modelo garantista no texto da Carta Magna de 1988, assinala:
Hoje poderíamos chamar de princípios reguladores do controle penal, princípios
constitucionais fundamentais de garantia do cidadão, ou simplesmente de Princípios
Fundamentais de Direito Penal de um Estado Social e Democrático de Direito.
Todos esses princípios são garantias do cidadão perante o poder punitivo estatal e
estão amparados pelo novo texto constitucional de 1988. Eles estão localizados já no
preâmbulo da nossa Carta Magna, onde encontramos a proclamação de princípios
como a liberdade, igualdade e justiça, que inspiram todo o nosso sistema normativo,
como fonte interpretativa e de integração das normas constitucionais, orientador das
diretrizes políticas, filosóficas e, inclusive, ideológicas da Constituição, que, como
consequência, também são orientativas para a interpretação das normas
infraconstitucionais em matéria penal.132
129
BRITO, Alexis Couto de. Análise crítica sobre o exame criminológico. Disponível em: <
file:///C:/Users/Wesley%20Mini%20Sound/Downloads/Exame_criminologico-libre.pdf>. Acesso em:
08/10/2014, p. 25. 130
CARVALHO, Salo. O (novo) papel dos “criminólogos” na execução penal: as alterações estabelecidas
pela Lei 10.792/03. In: Carvalho, Salo de. (org). Crítica à execução penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 164. 131
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Teoría del Garantismo Penal. Madrid: Trotta, 1998, p. 851. 132
BITENCOURT, Cézar Roberto. op. cit., p. 50.
57
Isso posto, da leitura, sobretudo, do art. 5º da Constituição Federal de 1988,
percebe-se a presença de diversos princípios, que personificam o destacado garantismo penal.
São eles: princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX); princípio da retroatividade da lei benéfica
(art. 5º, XL); princípio da humanidade (art. 5º, XLIX); princípio da presunção de inocência
(art. LVII); princípio da individualização da pena (art. 5º, entre outros.
Com isso, qualquer instrumento que vá de encontro a esse modelo garantista
constitucionalmente estatuído em nossa Carta da República estará eivado de manifesta
inconstitucionalidade.
58
5. CONCLUSÃO
Frente ao exposto, urge destacar a importância da individualização da pena,
também, em sua fase executória, de modo a fornecer a todos os condenados um tratamento
penitenciário adequado às suas personalidades. Tal tratamento, contudo, não deve ser
disponibilizado de modo irrestrito e indistinto, como se extrai da vertente formal do princípio
da isonomia. Há, em contrapartida, que ser observado o aspecto material deste princípio,
atentando-se, portanto, para a existência de traços individualizadores em cada indivíduo.
Diante disso, como dito, a legislação infraconstitucional incumbiu ao exame
criminológico a missão de avaliar a personalidade do apenado, sob a alegativa de que, ao
conhecê-lo, estar-se-ia promovendo justiça.
Daí porque, logo no início do cumprimento da pena, todos os sentenciados em
regime fechado ou em semiaberto devem ser submetidos ao exame genérico de personalidade,
a fim de que, após a consulta aos seus antecedentes, à sua vida familiar e social, bem como à
sua capacidade laborativa, sejam a eles estabelecidos a mais adequada forma de
responsabilização pelos seus atos e o melhor caminho na busca por sua ressocialização.
Nesse mesmo raciocínio, acrescente-se, especificamente aos indivíduos punidos
em regime fechado, por haverem cometido delitos mais gravosos, prevê-se, também, como
forma de compreender os motivos que os conduziram à prática delitiva, a realização de exame
criminológico complementar. Nesta avaliação, de caráter específico, enfoca-se a maturidade
do condenado, sua disciplina, sua capacidade de superar frustrações, seus laços afetivos com a
família, seu grau de agressividade, dentre outros, funcionando, portanto, como importante
ferramenta para aprimorar os resultados obtidos no primeiro exame criminológico.
O problema, entretanto, recai sobre o exame criminológico solicitado pelo
magistrado para aferir o mérito do apenado e, consequentemente, poder agraciá-lo ou não com
os benefícios inerentes ao sistema progressivo brasileiro. Afinal, com o advento da Lei
10.792/2003, retirou-se do texto anterior do art. 112 da Lei de Execução Penal a menção
expressa ao instituto, delegando-se, assim, ao diretor do estabelecimento prisional a missão de
analisar se o condenado apresenta bom comportamento carcerário, digno de concessão das
referidas benesses.
Como visto, as razões que podem justificar a tentativa do legislador ordinário em
revogar essa espécie exame são muitas.
59
Inicialmente, há uma falha no pressuposto dessa avaliação, uma vez que, embora
seja realizado em criminosos imputáveis, detentores de culpabilidade, seu objetivo principal,
na realidade, é a constatação de periculosidade, atributo este presente em todos os indivíduos
inimputáveis, bem como em alguns semi-imputáveis.
Percebe-se, desse modo, uma confusão doutrinária e jurisprudencial no que se
refere à aplicação dos conceitos de culpabilidade e de periculosidade, pois, de acordo com o
Supremo Tribunal Federal, o exame é utilizado para constatar o mérito do examinando
imputável, isto é, sua aptidão para adaptar-se ao regime mais brando. Assim, na prática, se o
juiz vislumbrar a impossibilidade da concessão do privilégio, baseado no prognóstico de
reincidência (indício de periculosidade), em vez de aplicar-lhe uma medida de segurança,
apenas indeferirá o pleito, mantendo-o no cumprimento da pena privativa de liberdade. Tal
medida, desta feita, contém em seu bojo uma manifesta inconstitucionalidade, além, é claro,
de macular o sistema vicariante adotado no Brasil desde 1984.
Do exposto, à luz do modelo constitucionalmente estabelecido, o procedimento
que melhor aplicaria os conceitos acima anunciados, no contexto da realização da terceira
espécie de exame criminológico aqui discutida seria o seguinte: a) o condenado, ao preencher
os requisitos elencados no art. 112 da Lei de Execução Penal, pediria ao juiz das execuções,
por exemplo, a progressão de regime; b) o magistrado, contudo, a fim de obter subsídios para
o julgamento, de forma fundamentada, decide pela realização do exame criminológico; c) o
exame, por sua vez, fornece um prognóstico confirmando a periculosidade do agente, isto é, a
efetiva probabilidade de reincidência do examinando; e d) o juiz, diante disso, deveria
converter a pena privativa de liberdade do sentenciado em medida de segurança, na forma do
art. 183 da Lei de Execução Penal.
Analogamente, frise-se, esse raciocínio mereceria ser aplicado no momento da
realização dos exames criminológicos iniciais. Dessa maneira, caso fosse constatado que o
examinando, definitivamente condenado, apresentasse um certo grau de periculosidade, o juiz
da execução, desde logo, deveria, também na forma do art. 183 da Lei de Execução Penal,
substituir a pena imposta por uma medida de segurança mais adequada às condições do
indivíduo.
Ademais, em face ao princípio constitucional da não autoincriminação, insculpido
no art. 5º, LXIII, da Carta Magna de 1988, não é possível, no contexto da realização do exame
criminológico para outorga de benefícios, compelir o cativo a prestar esclarecimentos acerca
60
de suas qualidades pessoais. Afinal, a amplitude desse princípio também permite sua
aplicação na fase de cumprimento da pena, não podendo, por exemplo, o silêncio do preso ser
interpretado em seu prejuízo, sob pena, inclusive, de violação de uma cláusula pétrea.
Acrescente-se, ainda, que, embora a jurisprudência majoritária enxergue como
temerária a análise do comportamento do preso pelo diretor do estabelecimento penitenciário,
utilizando-se do argumento de que se estaria delegando a este o ônus constitucionalmente
conferido ao juiz da execução, é de se notar que essa alteração legal promovida pela Lei
10.792/2003, além de não afastar a função jurisdicional do magistrado, alberga os princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa, inseridos no art. 5º, LV, da Constituição
Federal.
Com efeito, sabe-se que a análise do bom comportamento carcerário realizada
pelo diretor do presídio se dá pautada na verificação da disciplina do condenado,
consubstanciada na colaboração com a ordem, na obediência às regras do recinto e na
ausência de faltas disciplinares, sejam elas leves, médias ou graves. Assim, seria muito mais
objetiva e palpável a perquirição desse bom comportamento, através da observação de
circunstâncias fáticas, as quais, por sinal, poderiam até mesmo ser rebatidas pelo cativo,
perfazendo o modelo garantista extraído da Carta de 1988.
Pensar de outro modo, no sentido de permitir uma avaliação exclusiva da vida
anteacta do autor do crime e, por conta disso, negar-lhe benefícios inerentes ao sistema
progressivo constitucionalmente acolhido, tornaria o ambiente propício para resgatar o
famigerado Direito Penal do autor, completamente incompatível com o atual Estado
Democrático de Direito brasileiro.
Aliás, vale frisar que a vida pregressa do agente delituoso já é considerada pelo
magistrado, na fase judicial, conforme o art. 59 do Código Penal Brasileiro. Destarte, o juiz da
execução, ao analisar o exame criminológico e, novamente, poder utilizar-se dessas
circunstâncias pessoais para agravar a condição do preso, acaba por ferir a cláusula do ne bis
in idem.
Frente ao exposto, é louvável o propósito de classificação definido na Lei de
Execução Penal, a ser realizado pelos exames criminológicos genérico e específico, logo no
início do cumprimento da pena, desde que a análise da personalidade do sentenciado seja
razoável, não viole a intimidade e a vida privada do condenado e não o estigmatize.
61
Esses exames classificatórios, ressalte-se, por não objetivar manter o indivíduo
enclausurado, sob o argumento da periculosidade, mas, sim, por permitir-lhe o tratamento
penitenciário mais adequado, merece a atenção devida por parte do Poder Público.
Infelizmente, tendo em vista o cenário crítico do sistema penitenciário pátrio, tais avaliações
são, muitas vezes, renegadas e, por conta disso, são desobedecidos o princípio da
individualização da pena e a finalidade de ressocialização do apenado.
Em contrapartida, no que concerne ao exame criminológico para fins de
concessão de benesses, diante dos argumentos acima expostos, optar-se pela sua manutenção
no ordenamento jurídico brasileiro, à luz do modelo constitucionalmente estabelecido, é
manifestamente inconstitucional, caracterizando-se, na verdade, como um verdadeiro
constrangimento ilegal do preso, impedindo-o, ainda, de usufruir de um direito público
jurídico legalmente anunciado.
A propósito, conforme explicitado neste trabalho, a sanção penal, no Brasil,
justifica-se não apenas pela retribuição em si, mas, também, pela prevenção, com vistas a
evitar a perpetuação da prática delitiva. Daí porque não se pode visualizar unicamente no
enclausuramento absoluto e estritamente retributivo a solução para a criminalidade alarmante
em nosso país. Deve-se, de antemão, por intermédio de práticas ressocializadoras e inclusivas,
disponibilizar ao preso a chance de reconquistar, dignamente, um de seus bens maiores: a
liberdade.
62
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