FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA- FESP COORDENAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO
ROSSANA CARLA RAMALHO DE SOUZA
A INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE ANTE A RECUSA EM SE SUBMETER AO EXAME DE DNA
JOÃO PESSOA 2009
ROSSANA CARLA RAMALHO DE SOUZA
A INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE ANTE A RECUSA EM SE SUBMETER AO EXAME DE DNA
Monografia apresentada à Coordenação de Ciências Jurídicas, da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba - FESP, como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Luciane Gomes Área: Direito de Família
JOÃO PESSOA 2009
S729i Souza, Rossana Carla Ramalho de
A investigação de paternidade ao exame de DNA / Rossana Carla Ramalho de Souza – João Pessoa, 2009.
69f. Orientador: Profª. Luciane Gomes Monografia (Graduação em Direito) Faculdade de
Ensino Superior da Paraíba – FESP.
1. Família 2. Exame de paternidade 3. DNA I. Título.
BC/FESP CDU: 347.61(043)
ROSSANA CARLA RAMALHO DE SOUZA
A INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE ANTE A RECUSA EM SE SUBMETER AO EXAME DE DNA
Monografia apresentada à Coordenação de Ciências Jurídicas, da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba - FESP, como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Luciane Gomes
BANCA EXAMINADORA
__________________________________ Profª. Luciane Gomes
__________________________________ Membro da Banca Examinadora
__________________________________ Membro da Banca Examinadora
JOÃO PESSOA
2009
AGRADECIMENTOS
Avaliando esta monografia como conseqüência de uma caminhada que se
iniciou com o incentivo de pessoas que participaram da minha vida e fizeram à
diferença. Agradecer pode não ser empreitada fácil, nem justa, isentando-me dos
riscos de injustiça, agradeço desde já a todos os que de alguma forma passaram
pela minha vida e colaboraram para a construção da minha nova trajetória:
A Deus, por me mostrar o caminho e por colocar pessoas em minha vida,
essenciais para meu crescimento.
Ao meu primo, Luiz Silvio Ramalho Júnior, particularmente, que acreditou em
meu potencial, quando nem eu mesma acreditava, fazendo renascer meu
entusiasmo quando por muitas vezes pensei em lançar-me ao desânimo e desta
forma desistir.
À minha mãe, pela educação, carinho e apoio que me dedicou e dedica ao
longo da sua existência e pelo seu exemplo de vida... Por trás de uma aparência
frágil, esconde-se uma mulher guerreira e infatigável.
Às minhas filhas, Mônica e Larissa, pela paciência e compreensão.
À minha prima Alba Ramalho que me incentivou e por muitas vezes rogou a
Deus por mim,
À minha amiga Simone, por sua disponibilidade, por suas valiosas dicas que
foram de suma importância para o êxito da minha apresentação e,
conseqüentemente, para minha aprovação.
Aos meus professores da Fesp Faculdades que adicionaram conhecimento e.
lições que me servirão de parâmetro para minha vida profissional.
RESUMO
O estudo a investigação de paternidade ante a recusa em se submeter ao exame de DNA consiste na verificação da relação entre os direitos do hipotético pai e os direitos inerentes ao investigante, utilizando como abordagem teórica informações bibliográficas. A finalidade do trabalho foi demonstrar a condição do hipotético pai ante a recusa em realizar o exame de DNA, e também, que este processo, embora conflitante, se constitui um método eficaz para determinar a ascendência biológica de uma criança que busca na Justiça o direito de conhecer a sua origem genética. Neste sentido, foi feito um resgate da história evolutiva da família e da filiação, valorizando, em primeiro lugar, os direitos dos pais e dos filhos perante os ordenamentos jurídicos. Enfocamos ainda o papel primordial do exame de DNA e sua evolução nos casos de investigação de paternidade, priorizando a condição do pai ante a necessidade de realização do exame genético de DNA. Finalizamos nosso estudo mostrando a importância do exame de DNA nos processos investigatórios de paternidade e a condição do suposto pai que se ver compelido pela presunção de paternidade a concordar com a realização deste exame. Palavras-chave: Família. Paternidade. Direitos dos pais e filhos e exame de DNA.
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................6
2 FILIAÇÃO, MATERNIDADE E PATERNIDADE ................................................9
2.1 A família na sociedade grego-romana..........................................................10
2.2 As bases e as funções da família contemporânea ......................................14
2.3 As mudanças no direito de família brasileiro ..............................................18
2.3.1 O direito patriarcal ............................................................................................19
2.3.2 A maternidade e a paternidade ........................................................................22
3 AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO E NEGAÇÃO DE PATERNIDADE .....................26
3.1 A filiação .........................................................................................................27
3.2 Os tipos de filiação.........................................................................................28
3.3 O reconhecimento dos filhos ........................................................................29
3.4 Fundamentos da ação de investigação de paternidade .............................32
3.5 Efeitos do reconhecimento da paternidade .................................................34
4 OBRIGATORIEDADE DA REALIZAÇÃO DO EXAME GENÉTICO DNA .......36
4.1 Do direito material ..........................................................................................37
4.2 Do direito de personalidade ..........................................................................40
4.3 Da produção do exame genético DNA..........................................................43
5 RECUSA À REALIZAÇÃO DO EXAME GENÉTICO DNA..............................46
5.1 Abuso de Direito.............................................................................................47
5.2 imputação da paternidade .............................................................................52
5.3 Recusa em realizar o exame genético de DNA ............................................54
5.4 Determinação da prova pericial no DNA no ordenamento jurídico brasileiro .........................................................................................................60
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................64
REFERÊNCIAS.........................................................................................................66
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1 INTRODUÇÃO
O século XX se caracterizou por ser um período em que grandes mudanças e
transformações ocorreram no campo dos saberes. Nenhuma área do conhecimento
ficou incólume. Houve mudanças significativas no campo da cultura, da economia,
da história, e da família. A família que, no início desse século, era genuinamente
marcada pela presença forte do chefe da família e por uma postura de submissão da
esposa e filhos, após a Segunda Grande Guerra passa por um forte processo de
mudança. Entre essas mudanças, o pai perde a importância como pater familias, as
relações interpessoais são mais horizontais, as mulheres assumem a sua
sexualidade e há um maior número de divórcio.
Graças à descoberta dos cientistas James Watson e Francis Crick da
estrutura de dupla hélice do ácido desoxirribonucléico no ano de 1953, o DNA
passou a ser matéria essencial para o reconhecimento das estruturas genéticas do
ser humano. Uma das contribuições mais importantes do estudo do DNA ocorreu
com a pesquisa realizada por Alec Jeffreys, no ano de 1985, quando foi possível
identificar os padrões específicos de cada pessoa através da utilização de sondas
moleculares.
Estava aberto o caminho para a investigação de paternidade com um índice
de certeza nunca antes oferecido. O DNA tornou-se a prova mais utilizada neste tipo
investigação, modificando, por conseguinte, a compreensão sobre os ordenamentos
jurídicos inerentes ao processo de reconhecimento do filho.
Embora houvesse uma aceitação plena do exame de DNA como meio de
prova eficaz nas investigações genéticas de paternidade, algumas vozes se
levantaram contra o excesso de confiança nos resultados obtidos. Afirmavam que a
prova de DNA não é infalível e, portanto, ela sozinha não é suficiente para
determinar de forma absoluta um vínculo filial.
A partir desse momento, a ação de investigação de paternidade foi colocada
ao alcance de todo filho, tornando-se definitivamente o instrumento mediante o qual
ele ingressa em juízo visando à obtenção do reconhecimento forçado da paternidade
negada ou omitida pelo suposto genitor.
A Carta de 1988 consagrou a igualdade entre os filhos, independentemente
de sua origem. Em seu artigo 227, resguardou à criança e ao adolescente, sob a
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tutela da família ou do estado, o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar.
Essa igualdade constitucionalmente reconhecida assegurou, de maneira
enfática, o direito de a criança e o adolescente viver em um ambiente familiar digno.
No que se refere à investigação de paternidade surge, então, um conflito que
envolve os interesses do hipotético genitor em se recusar a realizar o exame de
DNA, ancorado no princípio jurídico de direito da personalidade, inviolabilidade
íntima e a integridade física; do outro, temos o pretenso filho que tem o direito
assegurado de ter a sua identidade genética reconhecida, mesmo que seja
necessária a submissão compulsória do suposto pai a realização do respectivo
exame.
O Novo Código Civil de 2002 resolveu a questão. Autorizou ao investigado a
recusar-se a realizar o exame de DNA, mas, ao mesmo tempo, colocou uma
cláusula na qual fica determinado que ele não poderá aproveitar-se de sua recusa,
pois será interpretada como uma confissão de paternidade, ou seja, o julgador
utilizar-se-á da prerrogativa da presunção legal de paternidade.
É considerando isto que se procedeu a essa pesquisa, tentando investigar a
questão da recusa em realizar o exame de DNA ante a investigação de paternidade.
O segundo capítulo examinou a questão da filiação e noção de paternidade e
maternidade de maneira a situá-las dentro do contexto familiar, social e cultural, bem
como em relação à doutrina jurídica, salientando os seus principais aspectos.
O terceiro capítulo abordou a ação de investigação de paternidade a partir da
relação de filiação existente. Por outro lado, também merecem comentários os tipos
de reconhecimento dos filhos e os principais princípios referentes aos fundamentos
da ação de investigação.
O quarto capítulo investigou as situações em que há a obrigatoriedade da
realização do exame de DNA, considerando, em particular, a noção de direito
material e do direito da personalidade. A partir daí buscou-se situar a produção do
exame de DNA na perspectiva do direito do suposto filho e o direito de recusa do
hipotético pai.
Por fim, no último capítulo tratou-se de investigar o tema central deste estudo
que é a recusa do suposto pai em realizar o exame de DNA ante a investigação de
paternidade a partir dos argumentos jurídicos de abuso de direito. De outro lado,
tem-se a imputação de paternidade e a determinação da prova pericial do DNA no
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ordenamento jurídico que fomentam a necessidade do exame como um princípio
prevalecente ao direito da personalidade do filho.
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2 FILIAÇÃO, MATERNIDADE E PATERNIDADE
Sob o ponto de vista sociológico, as relações sociais entre indivíduos se
sustentam pela corporificação de necessidades mútuas. Está na natureza humana a
necessidade de participação e de formação de grupos. O homem precisa de outro
ser humano não apenas para perpetuar a sua própria espécie, mas também para se
completar como indivíduo.
A vida em grupo, e a partir daí em sociedade, impõe a existência do outro. Do
viver pela socialização e se integrar ao grupo em que nasceu. Parece claro que a
verdade é que a socialização se transforma em contrato social, que os indivíduos
assumem para garantir a integridade do grupo. É como um complexo integrado de
diversas forças – física, biológica, social e cultural – que fornece o esteio
institucional da sociedade e do indivíduo (NÓBREGA, 2007).
Nesse aspecto, a família desempenha um papel primordial. São de sua
alçada social e jurídica a reprodução, a manutenção, o cuidado e a socialização de
novas gerações. De acordo com Oliveira (2002), os três elementos: filiação,
maternidade e paternidade aparecem no quadro social como um sistema que motiva
não apenas à sobrevivência de seus membros, mas também a satisfação das
exigências sociais para garantir a perpetuação da sociedade.
A partir desse quadro genérico em tela, a família se apresenta como um
organismo, cuja feição se amolda e se adapta à evolução humana e da sociedade.
No seu princípio, não havia família propriamente dita como afirma Engels (apud
Marcassa, 2007), mas as relações familiares eram de caráter abrangente. As
mulheres pertenciam a todos os homens da tribo. Em outros termos, imperava, no
seio da tribo, o comércio sexual promíscuo, de modo que cada mulher pertencia
igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres. A figura do pai,
tal como concebemos hoje, não existia. Os filhos eram de responsabilidades
exclusivas das mães. Daí, a família, no início, apresentar um caráter matriarcal, já
que a mãe, cuidava, alimentava e mantinha a prole.
No transcurso da evolução humana, este quadro sofreu mudanças
significativas. O homem passa a priorizar relações sociais mais individuais e
exclusivistas, de caráter monogâmico, na qual o padrão social de família se delineia
com mais vigor.
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A monogamia se constituiu ponto nodal no processo de desenvolvimento
humano e social. Transformou-se em benefício para a criação da prole, que adquiriu
um caráter reconhecido por todos da comunidade. Dessa situação também originou
o poder paternal. Ou seja, o poder antes atribuído à mulher, foi substituído pelo
poder do homem, assegurado no fator econômico e na produção de bens.
Os laços conjugais são agora muito mais sólidos, cabendo somente ao homem rompê-los, a quem igualmente se concede o direito à infidelidade. Quanto à mulher, exige-se que guarde uma castidade e fidelidade conjugal rigorosa, todavia, para o homem não representa mais que a mãe de seus filhos. A monogamia aparece na história sob a forma de escravização de um sexo pelo outro, como a proclamação de um conflito entre os sexos (MARCASSA, 2007, p. 27).
A família torna-se uma das formas mais antigas do indivíduo viver em
sociedade. Esse ajuntamento humano é sempre mutável, sofre influências e se
adapta aos costumes da sociedade. A família nasce da necessidade do indivíduo em
criar ligações duradouras com outros membros da comunidade. Isso foi possível por
que com a criação da família passou a existir também a figura real da mãe e do pai
como entes concretos, no qual o pai torna-se proprietário. Com isso, a sua posição
ganha mais importância em função do controle da riqueza. Essa vantagem passa a
interferir na “ordem da herança e da hereditariedade, provocando a abolição do
direito materno em substituição à filiação masculina e ao direito hereditário paterno”
(MARCASSA, 2007).
2.1 A família na sociedade grego-romana
A expressão “família” foi inventada pelos romanos para designar um novo
organismo social, cujo chefe mantinha sob seu poder a mulher, os filhos e certo
número de escravos, com o pátrio poder romano e o direito de vida e morte sob
todos eles, como assevera (MARCASSA, 2007). Em sentido lato, também se pode
compreender família como um organismo de pessoas que descende do mesmo
tronco ancestral; ou ainda o conjunto de pessoas e o acervo de bens constituindo o
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domus, pequena comunidade política, econômica, jurídica e religiosa, sob a potestas
do pater famílias (SANTOS, 2005).
De acordo com Kingsley Davis (1964) a família se constitui um grupo
organizado. Seus membros ocupam lugares definidos e sua interação se processa
em obediência a padrões de comportamentos previamente definidos. Sem seguir
esse padrão a família não poderia subsistir. A atenção as regras sociais e aos limites
impostos pela ordem econômica e social dentro da família faz com que o ritmo da
sociedade siga parâmetros bem definidos, embora a presença de embates e de
mudanças exploda de tempo em tempo.
De acordo com Ribeiro (2002), o poder exclusivo do homem na família
reveste a sua organização social com o caráter do patriarcado, no qual houve a
passagem das relações coletivas sexuais à monogamia. A instituição da monogamia
se reflete na construção da civilização nascente, baseada no domínio do homem
que busca assegurar a legitimidade paterna dos filhos. A ilegitimidade do filho, ou a
infidelidade da mulher não era permitida, já que a linhagem paterna toma como
presunção o pater is est quem nuptiae demonstrat (i.e., pai é aquele que o prova
através do casamento). Por esse motivo, como afirma estudiosa francesa Perrot
(apud FARIAS, 2007) “a história da família é longa, não linear, feita de rupturas
sucessivas”.
A idéia de família aparece ligada a um modelo hierarquizado e patriarcal. As
relações se manifestam a partir dos laços de produção de riqueza e de capital. Em
outras palavras, “as pessoas se uniam em família com vistas à formação de
patrimônio, para a posterior transmissão aos herdeiros” (FARIAS, 2007, p.4).
Em seu sentido original e etimológico, o vocábulo família parte da idéia de
escravo doméstico, ou seja, de famulus, conjunto de escravos pertencentes a um
senhor. Na Grécia antiga, o nome família aparece ligado ao deus do fogo – epístion,
o que está junto ao fogo (FEIJÓ, 2007).
Conforme Feijó (2007), a estrutura familiar grega era bastante desigual. As
mulheres não tinham quase nenhum direito. O chefe da casa era o marido que
dispunha de todos os direitos. O casamento era monogâmico sendo proibida a
bigamia. O casamento só era permitido entre os cidadãos das famílias eupátridas de
Athenas, formadas pelos membros da nobreza da Grécia antiga. Os primos e meio-
irmãos entre si poderiam contrair matrimônio.
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A mulher infiel era severamente punida; mas o adultério do marido era punido com indenização pecuniária para o marido traído ou simplesmente ficava impune. Na ausência de filhos o pai pode decidir pela adoção. O direito de vida ou morte era exercido pelo pai no caso de nascimento de uma criança defeituosa. Na família a mulher tinha autoridade inferior ao do homem, dos filhos, do filho mais velho, enviuvando, ficava sob a orientação de um tutor. No lar tinham um relevante papel administrando o lar, cuidando dos filhos e participava do culto familiar. A esposa atheniense era considerada inferior ao marido, sendo sua propriedade privada, não tendo liberdade de ir e vir em público (SANTOS, 2009, p.32).
Em Roma a situação da família diferenciava em alguns pontos da família
grega. A família romana girava em torno do pater famílias.
O ascendente vivo mais velho, o qual exercia seu poder sobre todos que a estavam submetidos, independentemente de vínculo consangüíneo, abrangendo a esposa, descendentes e esposas de seus descendentes. A família era assim uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional, cujo modelo clássico era o patriarcal, hierarquizado, sendo considerada uma unidade política, jurídica e religiosa, como estrutura análoga à do estado, centrada na figura do pater famílias (NOGUEIRA, apud FEIJÓ, 2007, p. 38).
Outro elemento importante na organização familiar em Roma era a religião, a
crença na força espiritual dos antepassados e nos deuses domésticos. Esses
deuses eram muito cultuados e respeitados. Havia uma força que emanava deles e
que servia de amparo para a família.
Feijó (2007) também aponta que a propriedade era outro dado essencial na
constituição e organização familiares romanas. Propriedade aqui com o sentido bem
amplo que envolve não apenas a casa, e as demais propriedades, mas os escravos
e o dinheiro que pertencia ao pater famílias:
Inicialmente havia um patrimônio só que pertencia a família, embora administrado pelo pater. Numa fase mais evoluída do direito romano, surgiam patrimônios individuais, como os pecúlios, administrados por pessoas que estavam sob a autoridade do pater. Ele administrava a justiça dentro dos limites da casa, e, na primeira fase do direito romano, a família era uma unidade política, constituindo-se o Senado pela reunião dos chefes das famílias (patres conscripti) (WALD, 2002, p.9).
O pater familias era considerado o chefe da casa com poder político, religioso
e de juiz. Ele podia exercer o ius vitae ac necis (i. e., o direito de vida e de morte
sobre todos os membros do seu grupo). Era de sua competência a aquisição de
bens e sua administração.
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O estado romano não interferia no domínio da família. O marido exercia seu
poder de maneira autônoma. Havia o respeito do Estado pela família, porque
acreditava-se que a família era a representação celular do Estado.
Assim como na Grécia havia o instituto das cortesãs, o Direito Romano
contemplava a instituição do concubinato sob o auspício das Lex Julia de adulteriis,
Julia de Maritendis Ordinibus e Lex Papia Poppaea. A característica específica do
concubinato era possuir um caráter de quase-casamento, distinto das Justae
Nuptiae por não garantir os efeitos decorrentes do casamento e por não apresentar
o Consensus Nuptialis ou Affectio Maritalis, mas garantindo o surgimento de efeitos
legais como a regularização da prole comum (RIBEIRO, 2002). Como havia sido proibido o casamento entre os plebeus e os patrícios, o concubinato foi a forma de união encontrada pelos romanos, apresentando-se como legitimus, sendo a concubina livre para casar-se com o companheiro e devendo ser mantida em sua companhia por toda a vida. Somente no Direito Justiniano é que foi rebaixado, sendo considerado inferior ao matrimônio, isto graças às influências do cristianismo; o casamento sacro foi prestigiado e em lei fixaram-se diferenças entre os filhos nascidos da esposa e os nascidos da concubina (RIBEIRO, 2002, p. 45).
A tendência da família romana, sob o auspício de maior complexidade da
sociedade e a proteção do Império, foi de ampliar os direitos de seus membros.
Conforme Wald (2002) Houve progressivamente uma diminuição nas restrições do
pater e maior autonomia à esposa e aos filhos. Com isso, direito como o ius vitae
necique, ou seja, o direito de vida e de morte sobre os filhos foi eliminado e estes
passaram a administrar seus próprios bens.
Na perspectiva de Wald (2002), com as modificações das leis, em particular a
do casamento sem manus, em que a mulher podia continuar sob a autoridade
paterna, a emancipação da mulher romana rompe as coerções impostas para uma
liberdade ampla, na qual, no fim da república, a autoridade do marido diminui
sensivelmente. Na época do Imperador Adriano, a mulher goza de amplos direitos e
liberdade. Não precisa de tutor para gerenciar seus atos jurídicos.
Na época imperial, a mulher goza de completa autonomia, participando da vida social e política, não se satisfazendo mais com as suas funções exclusivamente familiares. O feminismo se revela então na vida esportiva que levam as mulheres, comparecendo e participando de caçadas e de outros esportes. Corresponde a essa fase a dissolução da família romana, corrompida pela riqueza. Os adultérios e os divórcios se multiplicam (WALD, 2002, p.12).
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Se em Athenas e em Roma o modelo jurídico de sociedade impôs um papel
serviente à mulher em um dado momento histórico, decorre mais da necessidade de
perpetuação do culto familiar e da garantia dos bens e da propriedade. Embora esse
modelo perdurasse por muitos séculos e seus efeitos ainda estejam atuantes em
muitas sociedades modernas, as mudanças sociais e históricas ocorridas imputaram
novos modelos sociais ao papel da mulher na sociedade no mundo ocidental.
2.2 As bases e as funções da família contemporânea
O entendimento da instituição familiar como um núcleo pater cedeu às forças
evolutivas das transformações sociais. Embora a família se constitua um fenômeno
humano em que se enlaçam prepostos individuais e sociais, a vigência de novos
valores, de novas maneiras de contextualizar a realidade do mundo impõe uma
visão descentralizada, mais aberta e liberta.
Entre todas as mudanças que ocorreram no mundo nos últimos séculos,
nenhuma foi tão sentida quanto as que ocorreram no seio da família e na vida dos
indivíduos (em particular, no âmbito da sexualidade, das relações sociais, culturais e
econômicas). Isso ficou patente na passagem da Antiguidade à Idade Moderna, não
obstante as restrições impostas pelo Direito Canônico que regia as relações
familiares e da mulher de maneira severa.
De acordo com Wald (2002), a doutrina canônica, até o século XV,
considerava como válido apenas o casamento religioso. Tal coisa ocorria, porque o
entendimento da igreja era que o casamento era um sacramento, e por isso, a
exigência da indissolubilidade do vínculo sacramental. O divórcio só era debatido
quando se referia aos infiéis, pois estes não tinham suas uniões abençoadas pela
igreja.
Vale salientar, como assevera Wald (2002), uma distinção de uso entre o
Direito canônico e a sociedade medieval. Nesta, compreende-se o casamento como
uma relação de base econômica e política na qual a participação das famílias é tão
importante quanto à concordância dos nubentes. Naquela, o matrimônio era uma
decisão única das partes envolvidas (os noivos). Não era preciso o consentimento
dos pais, ou do Estado.
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A igreja se limitou a exigir para a validade do casamento o consenso dos nubentes e as relações sexuais voluntárias, relegando para um plano secundário o consentimento paterno e entrando em choque com o direito civil leigo, que, por motivos de ordem política, considerava-o como um dos requisitos essenciais para a realização do casamento e sua validade (WALD, 2002, p.14).
Mesmo que o instituto do casamento sob a ótica do Direito Canônico tivesse
um caráter indissolúvel, a própria igreja criou um conjunto de impedimentos que
serviam para requerer a sua nulidade. Segundo Wald (2002), estes impedimentos
para a realização do casamento abrangiam um contexto diversificado de situações.
Entre as causas mais citadas pode-se observar a incapacidade que se referia à
idade, ou a diferença de religião, ou a impotência ou ainda um casamento anterior.
Vicio de consentimento como dolo para obter o consentimento do outro par, ou ainda
erro quanto à pessoa do outro cônjuge.
Vale destacar que foi o Direito Canônico que deu relevo à questão e à
importância das relações sexuais, embora severamente limitadas em suas ações
pela questão do pecado, no relacionamento amoroso dos nubentes.
Coube o direito canônico destacar as relações sexuais, só permitindo que a mulher recebesse o pretium virginitatis após ter tido relações sexuais com o marido. Assim, o casamento se realizava pelo consenso, declarando as partes a sua vontade, normalmente em público e na presença de sacerdote, tornando-se perfeito com a cópula carnal Distinguiu-se, pois, entre o conjugium initiatium (consenso) e o ratum (cópula carnal), admitindo-se a dissolução do primeiro, mas não do segundo (WALD, 2002, p.14).
Grosso modo, dentro desse contexto, e com o desenvolvimento acelerado da
coisa econômica com o fim da Idade Média, a família e as relações sociais como um
todo se vêem envolvidas em um conflito entre a igreja e a sociedade civil e laica em
torno de questões econômicas e de orientação da família e o modus vivente dos
indivíduos.
Assim como o olhar diferenciado em relação às questões da família, a
sociedade civil da época considerava que as matérias que se referiam ao direito da
família deveriam pertencer à competência do Estado, não se justificava o seu
atrelamento as normas religiosas tendo em vista serem ações descaracterizadas do
sagrado.
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A reação da igreja se consumou no Concílio de Trento que reafirmou a
necessidade da aprovação sagrada da igreja às questões de ordem domiciliar e
sobre o casamento. Reconhecia que o casamento tinha um caráter sagrado e que a
igreja possuía competência exclusiva sobre a sua consagração, celebração e
nulidade (WALD, 2002).
Deve-se destacar também que nessa época a família não era totalmente um
espaço privado e reservado unicamente à intimidade. A vida pública e as relações
sociais se confundiam com o ambiente familiar. A preservação da família era ato
quase impossível. Não se podia conceber a família como algo à parte da vida social.
Conforme Setton (2002), a função da família era preservar a sua legitimidade
social perante a sociedade e também era responsável pela transmissão de um
patrimônio econômico e cultural. É a partir daí que a identidade social do indivíduo
se delineia. A família transmite para seus descendentes um nome, uma cultura, um
estilo de vida moral, ético e religioso e a capacidade de utilizar esse patrimônio
comum em benefício próprio perante o ambiente social.
Fenômeno universal é possível afirmar que a família é uma instituição que evolui conforme as conjunturas socioculturais. Não é um agente social passivo. Sua história recente revela um poder de adaptação e uma constante resistência em face das mudanças em cada período. Tem uma profunda capacidade de interagir com as circunstâncias e conjunturas sociais contribuindo fartamente para definir novos conteúdos e sentidos culturais (SETTON, 2002, p.15).
A passagem da família por diversas fases e as mudanças sofridas impôs-lhe
um caráter dinâmico, ao lado das transformações sociais e econômicas, que aos
poucos foram-lhe moldando novos perfis como, exempli gratia, a ruptura com o
modelo tradicional de família, a prevalência da individualidade, e uma relação
descentralizada, democrática no qual há um ambiente mais solidário, cuja base é o
afeto e o respeito mútuo.
A família aparece como um segmento social que mantém uma participação
importante no complexo relacional da sociedade. No entanto, fato comum nos
últimos tempos é a presença de conflitos internos, e a perda concomitante de poder
com a transferência de funções e atividades para outros segmentos sociais – a
saúde, a educação, a produção de alimentos.
Nessa perspectiva, as transformações ocorridas na família não mais admitem
a autoridade familiar como a primeira forma de respeito. Há uma mudança
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significativa nos papéis sociais dos membros da família. O modelo familiar sofre
mudanças graduais, mas de caráter extremamente profundo (SETTON, 2002).
Convém salientar, então, o papel da mulher no ambiente familiar. Ela passou
de dona de casa, responsável pela administração do lar e a educação dos filhos,
para o papel de uma profissional que atua em diversas áreas do conhecimento
humano. A dedicação exclusiva a casa já não é a única prioridade. Ela divide seus
afazeres com outros interesses sociais.
Essas alterações nos papéis sociais levaram a adaptações dos homens e das mulheres, não sem relutância de ambas as partes, pois da mesma forma que foi difícil para o homem abandonar o papel de senhor absoluto do modelo tradicional de família, para a mulher foi penoso abrir mão do papel de rainha do lar, frágil e submissa, ao qual estava secularmente acostumada, e do qual comumente angariava algumas vantagens secundárias, numa espécie de poder paralelo no mundo privado (SEMIONATO; OLIVEIRA, 2009, p. 59).
A participação da mulher nas mais diversas atividades econômicas alterou
significativamente a sua relação com a família. Uma das mudanças mais sentidas foi
o naufrágio da idéia de sua condição de inferioridade. O reflexo desta mudança foi à
desarticulação do modelo tradicional de família ainda em voga até a segunda
metade do século XX.
Nesse sentido, o ambiente familiar nos últimos tempos, se tornou mais aberto,
mais democrático, embora ainda exista resistência, em particular, em camadas
sociais mais pobres ou desinformadas.
A Constituição Brasileira nos seus artigos 226 e 227 proclama a completa
igualdade de direito e de deveres entre os cônjuges. Reconhece também, através
dos parágrafos 3º e 4º, a família de união estável ou monoparental e ainda define a
paridade de direitos entre filhos de qualquer origem através do parágrafo 6º do artigo
227.
Em suma, considerando estes artigos, a família se constitui elemento
fundamental na constituição e formação dos indivíduos. É preciso atentar para as
diferenças e a diversidade de posicionamento social e comportamental de forma a
instituir relações que pode se estabelecer entre si mesmo e com outras instâncias
sociais. O reflexo maior ocorre nos papéis sociais de seus membros marcados por
maior liberdade e por interesses comuns de ordem doméstica ou profissional, como
afirma Anção Sobrinho e Borges (2001).
18
2.3 As mudanças no direito de família brasileiro
A família é uma das instâncias fundamentais da sociedade. Ela sofre
mudanças de acordo com a direção tomada pelas organizações sociais. Nesse
sentido, o que era antes uma base comum na formação do núcleo familiar como o
pater famílias, o casamento indissolúvel, a posição subalterna da mulher e a
condição dos filhos mudaram drasticamente nos últimos decênios do século XX e
início do século XXI.
A família não pode ser compreendida no domínio exclusivo da sociologia,
mas também sob a ótica do Direito enquanto prática constituinte que regula os
direitos e deveres dos cidadãos sob o instituto familiar.
Nesse aspecto, segundo Tartuce (2006), convém ainda salientar que um dos
diferenciais mais fortes dentro da estrutura familiar diz respeito à questão de gênero
e os papéis representados tanto pelo marido como pela mulher. Tornou-se lugar
comum à família ter como responsável pela manutenção econômica a esposa. Em
outros casos, a amante, a concubina passou a ter os seus filhos reconhecidos social
e juridicamente e ainda garantir parte sobre bens pecuniários do homem.
Conforme a característica erga omnes das mudanças e das transformações
ocorridas na sociedade contemporânea, a partir, em particular, do grande salto na
década de 60, estas mudanças imputaram, contrariamente, um paradigma
diferenciado ao núcleo familiar. Esse paradigma diferenciado resulta expressamente
de uma concepção mais aberta e democrática do relacionamento no seio familiar.
Os papéis sociais no regime doméstico se tornaram mais horizontais, há uma maior
valorização dos atores que participam do convívio familiar e maior respeito pela
conduta individual de cada um de seus membros.
Como decorrência lógica do princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros, temos o princípio da igualdade na chefia familiar, que deve ser exercida tanto pelo homem quanto pela mulher em um regime democrático de colaboração, podendo, inclusive, os filhos opinarem (conceito de família democrática). Assim sendo, pode-se utilizar a expressão despatriarcalização do Direito de Família, já que a figura paterna não exerce o poder de dominação do passado. O regime é de companheirismo ou colaboração, não de hierarquia, desaparecendo a figura do pai de família (patter familias), não podendo ser utilizada a expressão pátrio poder, substituída, na prática, por poder familiar (TARTUCE, 2006, p. 28).
19
A despatriarcalização consiste, pois, em uma das conseqüências marcantes
do advento da igualdade plena entre marido e mulher, companheiro e companheira,
que passaram a participar ativamente das decisões no âmbito familiar, inclusive no
tocante a guarda e educação dos filhos.
Lôbo (2004) proclama que o direito da família consolida essas mudanças. A
Constituição de 1988, no artigo 226, § 3º, assinala que é completamente estável a
união entre homens e mulheres como segmento dentro da estrutura familiar. Aponta
ainda que o fulcro principal da família é a dignidade humana através de práticas de
respeito e de respaldo a sua condição. A família passa ser o instituto no qual a
existência dos indivíduos se proclama na sua caminhada em busca de objetivos em
comuns.
A família é, assim, reflexo de instâncias históricas dentro das relações sociais,
à medida que a sua origem se confunde com a própria existência da terra, ou seja, a
família é uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos
e desvios da história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as
estruturas e a arquitetura da própria história (HIRONAKA, Apud. ALVES, 2001).
Em decorrência dessa longevidade da família, não importa a sua estrutura ou
organização, ela se referencia sempre por ser uma unidade social essencial para o
desenvolvimento da vida em comum dentro de limites jurídicos, sociais, culturais e
econômicos da sociedade humana. A sua existência está, pois, ligada à comunidade
como metáfora da necessidade da vida em comum.
2.3.1 O direito patriarcal
A necessidade de sobrevivência exigiu do seres humanos diferentes
formas de organização. Uma dessas organizações se desenvolveu em torno da
figura do homem – a família patriarcal. Esse modelo de família se constituiu por
longas eras a base nuclear da sociedade. Em torno dela os indivíduos tinham papéis
definidos e se moviam a partir de um processo intenso de cooperação. A finalidade
era manter a unidade familiar intocada e a estrutura política, social e econômica
como instâncias particulares da classe dominante.
Os demais membros da família como as crianças e as mulheres eram
considerados seres inferiores. Embora em determinadas situações o papel da
20
mulher fosse valorizado e enaltecido, a realidade apontava para uma condição na
qual tudo era-lhe interdito. A mulher era responsável pela maternidade, criação dos
filhos e pela manutenção do lar. O homem constituía o poder absoluto dentro da
família. A sua autoridade era suprema. Os filhos mais velhos herdavam esse poder e
autoridade, desfrutavam de regalias e privilégios.
A participação da mulher era preponderante nas tarefas domésticas e agrícolas e o nascimento de numerosos filhos legitimava-a apenas para se constituir em uma mão de obra gratuita de segunda classe, apesar da importância fundamental do exercício dessas tarefas. Não havia a preocupação com o desenvolvimento de sua personalidade, que era absorvida inteiramente pela do marido [...]. A Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II, conhecida como Gaudim et Spes, ao abordar o tema da dignidade humana, com precisão e clareza começa por advertir:"Tudo quanto existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem, como seu centro e seu termo” (CACHAPUZ, 2004, p. 72)
O poder patriarcal, desde Roma antiga, refere-se ao poder herdado pelos
homens enquanto inserido nas atividades ligadas às relações sociais, e não ao
poder exclusivo do pai, ou o poder pater. O patriarcado é o poder de uma categoria
– o masculino. Por isso, o direito patriarcal se fundamenta no princípio da autoridade
outorgada ao patriarca da família, que se sustenta a partir de dois princípios básicos:
1) as mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens e, 2) os jovens estão hierarquicamente subordinados aos homens mais velhos. A supremacia masculina ditada pelos valores do patriarcado atribuiu um maior valor às atividades masculinas em detrimento das atividades femininas; legitimou o controle da sexualidade, dos corpos e da autonomia femininas; e, estabeleceu papéis sexuais e sociais nos quais o masculino tem vantagens e prerrogativas (NARVAZ; KOLLER, 2006, p. 65).
O pensamento jurídico a respeito do patriarcado expõe como ordinária a
condição de pater, em sentido lato, do homem que ordena e dirige o destino da
família. É um poder que encobre todas as instâncias da vida civil e privada da
família. Para Narvaz e Koller (2006) A sociedade civil como um todo é patriarcal. As
mulheres estão submetidas aos homens tanto na esfera privada quanto na pública.
A família patriarcal assume no Brasil o mesmo caráter de Portugal nos
primeiros anos de descobrimento. Foi um modelo que assumiu as mesmas
21
características e sofreu adaptações com o correr dos tempos as condições sociais,
econômicas e políticas do Brasil.
Narvaz e Koller (2006) admitem que a mentalidade patriarcal constitui um
modelo que permaneceu patente na vida política brasileira através do poder máximo
dos Donatários, depois pelos senhores rurais e pelo coronelismo, clientelismo e do
protecionismo vigente na sociedade brasileira até os dias atuais.
Com a República e a inserção de idéias renovadoras nos campos do direito,
da sociologia e da política, o modelo tradicional de família patriarcal sofre abalos na
sua condição. O desenvolvimento urbano, com o crescimento das cidades,
instalação das indústrias, a luz elétrica, os migrantes, enfim um conjunto de
mudanças significativas que impõem novas visões sobre o ser humano e as suas
instituições mais fundamentais como a família.
Mesmo com as mudanças significativas e as transformações sociais
ampliando a estrutura e as relações sociais no Brasil, a condição da mulher, desde o
momento da colonização, tinha a maioria de seus direitos limitados.
Em 1916, foi criado o Código Civil Brasileiro, patriarcal e paternalista, no qual constava que a mulher casada só poderia trabalhar com a autorização do seu marido. Em 1934, em meio ao governo provisório de Getúlio Vargas, uma nova constituição assegurou o voto da mulher. O trabalho feminino foi regulamentado pela Consolidação das Leis Trabalhistas somente em 1941. Durante a ditadura Vargas, os movimentos feministas foram reprimidos, sendo retomados novamente no início da Segunda Guerra Mundial (NARVAZ; KOLLER, 2006, p. 67).
Uma mudança importante para a condição social, política e econômica da
mulher veio a bojo da Lei 4.121, de 27 de agosto de 1962, Estatuto da Mulher
Casada, que preconiza ela ser absoluta e totalmente capaz de exercer suas
atividades e qualquer atividade profissional sem autorização prévia do marido.
Cachapuz (2004) assevera que o modelo patriarcal, embora ainda
persistente, sofreu abalos profundos o que enfraqueceu os preceitos canônicos e
uma visão social que colocava o homem como mandatário da família. A
jurisprudência e novas regras e leis amparadas em bases e argumentos mais
aceitáveis e mais próximos da isonomia entre os seres humanos caminha em busca
de novos paradigmas capazes de responder os reclamos da sociedade, que exige
deveres e direitos igualitários. Saliente-se que foi apenas na Constituição de 1988,
no seu artigo 5º, que a igualdade entre homens e mulheres está contemplada. Por
22
sua vez, conforme Narvaz e Koller (2006), com o artigo 226, §5º "os direitos e
deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e
pela mulher".
2.3.2 A maternidade e a paternidade
De acordo com a doutrina jurídica especializada, compreende-se a família um
organismo de pessoas ligadas por vínculo jurídico ou relação conjugal ou de
parentesco. No entendimento da Carta Magna de 1988, no seu artigo 226, a família
é a base da sociedade e tem, por isso, proteção especial do Estado.
A partir dessa premissa, a maternidade e a paternidade assumem caráter
essencial na manutenção da família, não obstante o processo significativo de
transformação que a atinge desde o segundo quartel do século XX.
A maternidade, por muitas eras, foi sempre concebida como uma prática
ligada exclusivamente à criação e manutenção de filhos. Pressupunha-se que dessa
forma ocorria devido à natureza específica da mulher. Essa natureza aparece ligada
à função biológica da maternidade. Moura e Araujo (2004) afirmam que sobre essa
função, convenções e diretrizes foram marcadas por diversas culturas de acordo
com as instâncias de conhecimento de cada uma delas.
Embora se considere a maternidade como conseqüência natural da função
biológica, deve-se também considerar que o papel da mulher não se restringe
somente a valorização do processo de ser mãe e cuidar de filhos. O cuidado
materno não foi sempre o mesmo. Estudiosos da sociedade apontam que na Idade
Média a maternidade não era valorizada em decorrência do status de poder do
homem, ou seja, “o homem era, então, percebido como superior à mulher e à
criança, diferença essa concebida como inerente à natureza humana” (MOURA;
ARAUJO, 2004).
A constituição da família caracterizava-se, assim, pelo lugar proeminente do
pai e a submissão da esposa e dos filhos. O casamento era fruto de trocas
econômicas e de alianças políticas. O amor e a afetividade entre o homem e a
mulher eram sentimentos considerados desnecessários como condição para um
23
bom casamento. A importância residia na aquisição de bens materiais e na
valorização social da família.
Esse modelo priorizou o papel da mulher como mãe, responsável pelos
cuidados e pela criação dos filhos. A priorização da maternidade evoluiu no mundo
ocidental até a revolução Industrial.
A “invenção da maternidade” faz parte de um conjunto de influências que afetaram as mulheres a partir do final do séc. XVIII: o surgimento da idéia de amor romântico; a criação do lar, a modificação das relações entre pais e filhos. Nesse período houve declínio do poder patriarcal com o maior controle das mulheres sobre a criação dos filhos, e por conseqüência uma forte associação da maternidade com a feminilidade (SCAVONE, 2001, p.36).
Conforme Dias e Lopes (2003) A compreensão do ideário da maternidade
liga-se à condição dos filhos. Se, em um primeiro momento, foi do cuidar da criança
como necessidade de manutenção da prole e da descendência, em outro momento,
sem descurar dessas qualidades, houve uma revalorização do lado maternal da
mulher. Mas com adoção da Revolução Francesa e a transformação de conceitos e
modelos da sociedade, as mulheres iniciaram um movimento de independência
pessoal, ligados ao desejo de investir em novos espaços sociais e obter assim maior
liberdade. Com isso, houve uma valorização da vida particular, onde a criança
passou a ser mais privilegiada.
A paternidade se realiza a partir da família patriarcal. Nela o homem é o
senhor absoluto das pessoas das terras e agregados. O núcleo do poder se destaca
pelo fato de todos estarem em posição submissa à sua autoridade. Ele é quem
decide o destino de todos que estão a sua volta.
Com a família monogâmica a caracterização gira em torno da formação de
um único casal e de coabitação exclusiva. O adultério, por parte da mulher, é
considerado crime. O homem tem o direito ao concubinato e amantes. A partir da
família monogâmica a idéia de propriedade assume um caráter mais amplo, no qual
o homem tem direito a administração de todos os bens, ao passo que o mesmo é
negado à mulher. Os homens passam a controlar a sexualidade feminina com o objetivo de garantir a transmissão da herança e posse da terra aos filhos legítimos. Isso tornava imprescindível a virgindade da mulher ao casar e imperdoável o adultério, uma vez que colocava em risco as garantias da transmissão da propriedade (RAMIRES, 1997, p.12).
24
Assim, a condição do homem como ente paterno na família ascende-se a
partir da relação poder e propriedade. A sua função social não aparece ligada à
função educativa. Essa responsabilidade cabe as mulheres da casa, em um primeiro
momento, ou a um pedagogo, depois a escola. A responsabilidade do patriarca é ser
mantenedor da família.
Ramires (1997) assevera que a idéia de paternidade se constitui um processo
importante e fundamental para as bases culturais da sociedade, tendo em vista que
permite a ascendência da família social sobre as bases do parentesco biológico.
Essa autora afirma que a organização do modelo de pai-provedor se constitui
um processo que ganha contornos mais nítidos à medida que assume um papel
preponderante perante a família. Nesse aspecto a sua atuação passa ser a
representação do poder que mantém distantes de si mesmo os demais membros da
família. Entretanto, a idéia de paternidade constituiu um avanço cultural, pois se
consolidou como o patrimônio da família burguesa e patriarcal.
É na família nuclear burguesa, caracterizada pela rígida divisão de papéis sexuais, que encontramos o padrão de criação de filhos/filhas excludentes da participação paterna de maneira sem precedentes. Esse padrão parece ser estendido até as últimas décadas, mesmo nos novos arranjos familiares que começam a se tornar mais freqüentes (RAMIRES, 1997, p.13).
Nos últimos tempos, um panorama mais promissor se faz presente nas
relações sociais entre os indivíduos. O patriarcado, como conhecido nos últimos
séculos, cedeu espaço para relações sociais mais horizontais dentro da família. Com
o rompimento do determinismo biológico, a mulher pode agora separar a
sexualidade da reprodução. Ela tem o direito de optar por querer ter ou não querer
ter filhos.
Como afirma Ramires (1997) surge um novo tipo de patriarcado, no qual o pai
passa a desempenhar um papel mais junto à família. Assume cada vez mais
atividades domésticas e procura romper com o modelo que herdou dos pais. Por
outro lado, passam a participar ativamente do cuidado e da educação dos filhos.
Além dessas mudanças mais correntes, o homem tem que enfrentar novas
condições sociais e culturais trazidas pelas novas tecnologias. Referimo-nos a
questão da reprodução assistida, a inseminação artificial, o aumento de práticas
25
contraceptivas, a barriga de aluguel, a doação de esperma e de óvulos, enfim uma
gama de oportunidades de tratar a questão da reprodução ou de sua negação.
Como fica nesse caso a maternidade e a paternidade? Atualmente, a família
segue rumo dinâmico no qual as condições de procriação já não são se restringem a
maternidade biológica. Novas configurações da maternidade estão hoje a disposição
dos casais. A mulher não mais precisa de um marido para constituir sua família. A
inseminação artificial, o uso de bancos de esperma faz com que a mulher possa
escolher o momento apropriado para a fecundação do seu feto.
Conforme Ramires (1997), esses novos modelos de maternidade e
paternidade geram, por conseqüência, inquietações no campo jurídico, ético, moral,
social e religioso. O doador do esperma pode ou não ser o pai, útero na qual a
criança se encontra pode ou não ser de sua mãe. Nesse sentido, as relações entre
pai e filho geram novas formas de compreensão do que seja pai e do seja mãe.
26
3 AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO E NEGAÇÃO DE PATERNIDADE
Atualmente uma das maiores preocupações do direito da família é oferecer
condições para que os laços familiares se mantenham duradouros e estáveis. Para
isso, há uma tentativa e um trabalho árduo na busca de atualizar o Código Civil e a
Constituição Federal para asseverar as condições efetivas de mudanças pelas quais
passam a sociedade e, em particular, a família.
A busca pela atualização das diversas formas de vínculos afetivos existentes
hoje na sociedade contemporânea, reforçada pelo desenvolvimento social e
tecnológico, deu-se mais efetivamente pela promulgação da Constituição Federal de
1988 e pela vigência do Código Civil de 2002. Em ambos os instrumentos
normativos ficam patentes a valorização do princípio da afetividade e a derrogação
da prevalência biológica como único vetor de determinação familiar em relação aos
filhos.
Diante da Carta Magna não mais há distinção entre homem e mulher que
estão ligados pelos laços do matrimônio, bem como a separação entre filhos
legítimos e ilegítimos. Nota-se que a questão legitimidade da filiação assenta-se
sobre o instituto da igualdade, ou seja, de acordo com o artigo 227, § 6º, da
Constituição Federal de 1988 “os filhos, havidos ou não da relação do casamento,
ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação”.
A Carta Magna enterrou para sempre qualquer forma de designação
discriminatória em relação à legitimidade filial. Com isso, fica também impedida
qualquer tentativa de restrição à investigação judicial de vínculos parentais. Nesse
sentido, como afirma Madaleno (1999), pode-se considerar esse instituto como “um
direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, de quem quer pesquisar a sua
origem genética materna ou paterna”.
Pode-se destacar ainda que o avanço das ciências médicas e da tecnologia
influenciou definitivamente todas as discussões a respeito da legitimidade filial. Não
há mais, com o teste de DNA, como negar a existência de vínculo sexual ou impor
contestação judicial para impedimento de verificação de paternidade; ou ainda para
a investigação do tempo de concepção da mãe, colocando, assim, em situação
27
embaraçosa a fidelidade e a moralidade da mulher que é alvo de suspeita por parte
de autor de ação investigatória.
Seguramente, era este o mais abjeto de todos os constrangimentos processuais, porque, em sociedade de padrões inflexíveis de comportamento da mulher, sugerir-lhe, maldosamente, uma vida promíscua, de múltiplos parceiros, representava risco que as mulheres de boa estirpe nem sempre estavam encorajadas a correr, inibidas pela vil ameaça de ver enlameada falsamente a sua moral como pessoa e a sua dignidade social (MADALENO, 1999, p.19).
A lei faculta ao pai oportunidades para reconhecimento voluntário do filho.
Caso essa ação encontre-se sob suspeita, é possível realizar investigação para
averiguar a legitimidade ou não do filho. Compreende-se a ação de investigação de
paternidade como um instrumento para que “se investigue judicialmente a
paternidade, e é por ela que o filho vem a juízo esclarecer quem é o seu pai”
(VIANA, Apud ARAUJO, 1999).
Há uma necessidade social, econômica e estatal de se proteger a família.
Visa-se com essa atenção fortalecer a organização social a partir de bases seguras
de reprodução humana para asseverar às gerações vindouras um mínimo de
garantia quanto ao nascimento normal, à preservação da saúde, à defesa de sua
integridade, à educação, enfim a valores outros componentes da personalidade
humana (SILVA, 2006).
Com o advento da Carta da República de 1988, portanto, a ação de
investigação de paternidade ganhou força e novos contornos, conquanto ao igualar
os filhos, extirpando quanto a estes discriminações de toda e qualquer natureza,
abriu caminho para a investigação da sua origem genética e a consequente busca
do reconhecimento dos seus direitos, garantia esta posteriormente confirmada pelo
texto do Código Civil de 2002.
3.1 A filiação
A origem etimológica de filiação deriva-se do vocábulo latim filiatio, cujo
sentido enfatiza a relação de parentesco estabelecida entre pessoas que concedem
a vida a um ente humano (CÂNDIDO, 2007). Quanto ao tema, a quem sustente,
28
ainda, que “filiação é o vínculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de
parentesco consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e
aqueles que lhe deram a vida” (DINIZ Apud SILVA, 2006).
Embora a definição seja ampla e geral, filiação se constitui laço efetivo entre
membros ligados por parentescos. Pode assumir diversos formatos. Ser resultante
de escolha entre parceiros na construção de núcleo familiar, no qual o veiculo
transmissor é a relação sexual; pode ainda advir, de acordo com Código Civil, artigo
1.597, inciso III, de inseminação artificial, ou fertilização in vitro, com células dos
parceiros interessados ou de parceiros desconhecidos, ou seja, inseminação
homóloga ou heteróloga (esta última, com autorização do cônjuge), segundo o artigo
1.597 do Código Civil.
No caso da fertilização in vitro, dúvidas surgiram com relação ao momento em que a vida legal do ser gerado começa. Para o Código Civil, artigo 2º, 2ª parte, o início legal da personalidade jurídica é o da penetração do espermatozóide no óvulo, muito embora este processo possa ocorrer fora do corpo da mulher, já que se põem a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (SILVA, 2006, p.32).
Além da consangüinidade, a filiação pode advir, também, da adoção,
conforme estabelece os artigos 1.593 e 330 do Código Civil, hipótese em que haverá
entre o adotado e o adotante parentesco de natureza civil.
3.2 Os tipos de filiação
A doutrina jurídica brasileira considera como estados de filiação a
classificação biológica e sociológica. A filiação biológica corresponde ao fruto da
relação sexual entre homem e mulher. A filiação sociológica (ou não biológica),
regulada pelo Código Civil nos artigos 368 e seguintes, é fruto de adoção regular,
que é “ato jurídico pelo qual se estabelece, independentemente do fato natural da
procriação, o vínculo de filiação” (GOMES, apud ARAUJO, 1999).
Até antes da Constituição de 1988, a filiação, enquanto base biológica,
desmembrava-se em legítima, legitimada e ilegítima.
29
1) Legítima, se oriunda da união de pessoas ligadas por matrimônio válido ao
tempo da concepção ou se resultante de união matrimonial, que veio a ser anulada,
posteriormente, estando ou não de boa-fé os cônjuges (CC, art. 221 e parágrafo
único, alterado pela Lei n. 6.515/77. Art. 14, parágrafo único).
2) Legitimada, decorrente de uma união de pessoas que, após o nascimento
do filho, vieram a convolar núpcias.
3) Ilegítima, provinda de pessoas que estão impedidas de casar ou que não
querem contrair casamento, podendo ser espúria (adulterina ou incestuosa) ou
natural (FRANCIULLI NETTO, 2004).
Atualmente, essa distinção tem valor meramente histórico, tendo em vista as
mudanças introduzidas pela Carta Magna de 1988 no § 6º do artigo 227, segundo o
qual “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação”.
3.3 O reconhecimento dos filhos
Não se pode mais compreender a paternidade e a filiação unicamente sob
o ponto de vista biológico. A compreensão da filiação evoluiu com o passar dos
tempos. O ordenamento que prepondera em nossos dias é a filiação socioafetiva.
Os procedimentos modernos de adoção, os processos de inseminação artificial e a
barriga de aluguel, tudo contribui para a quebra do vínculo biológico e o
fortalecimento do liame socioafetivo, que reforça mais o interesse da criança e a
prática de uma paternidade mais responsável.
O reconhecimento se constitui procedimento de ordem jurídica no qual os
pais se posicionam, em comum acordo e espontaneamente a lavratura do termo de
nascimento.
O reconhecimento é o ato declaratório que estabelece o vínculo jurídico entre os pais e os filhos. Não é ato constitutivo, uma vez que somente visa a declarar uma situação de fato, sendo, portanto, meramente declaratório. Este ato é de importância extrema uma vez que visa estabelecer as questões jurídicas relativas à filiação e, conseqüentemente, quanto às pessoas envolvidas (SILVA, 2006, p. 31).
30
Para Franciulli Netto (2004) o reconhecimento pode ser visto também a
partir de uma concepção ontológica na qual se constitui um procedimento para a
regular e assegurar as relações entre pais e filhos, e ainda tornar “eficientes os
direitos destes e a proteção que lhes é devida, como conseqüência da procriação”.
Quanto a sua natureza judicial, o reconhecimento pode ser voluntário ou
judicial. No primeiro caso, o reconhecimento é ato voluntário dos pais. No segundo,
decorrente de uma ação ou sentença judicial que concorre para assegurar a
paternidade ao filho. Em uma e noutra o reconhecimento se caracteriza por ser um
ato declaratório. Em outras palavras, “não cria a paternidade, apenas declara uma
situação fática, de que o Direito extrai conseqüências” (ARAUJO, 1999, p.43).
Se em princípio, o reconhecimento era ato exclusivo dos filhos naturais,
recusado aos filhos adulterinos ou incestuosos, o discorrer do ordenamento jurídico,
no bojo da Carta Magna de 1985, em seu artigo 227, §6°, reformulou tal concepção
e edificou outro entendimento no qual fica estabelecido que o reconhecimento de
filhos incestuosos, como já fora feito em relação aos filhos fruto de adultério, na Lei
n° 6.515/77, “[...] qualquer dos cônjuges poderá reconhecer o filho havido fora do
matrimônio, em testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do
filho, e, nessa parte, irrevogável” (artigo 1º da Lei nº 883/49,3).
Com isso, fica então estabelecido, sob o ordenamento jurídico, que o
reconhecimento do estado de filiação é “direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível, podendo ser exercido contra os pais ou seus herdeiros, sem
quaisquer limitações, observado o segredo de justiça” (SILVA, 2006, p.34).
O reconhecimento filial, não importa a sua natureza, implica o direito ao pátrio
poder, ao nome paterno, a participação igualitária na sucessão familiar, direito a
herança, estabelecida em testamento.
Quanto ao registro pode ser em nome de um dos genitores; se necessidade
houver, então, pode-se completar o vínculo com a adoção do nome do outro pela via
judicial. É preciso assinalar que o registro é ato exclusivista dos pais. Apenas em
casos especiais, com o consentimento da justiça, é possível um terceiro realizar o
registro da criança.
Além do reconhecimento voluntário no qual os pais, por vontade própria,
validam a filiação dos filhos, há o reconhecimento judicial no qual, a pedido do filho,
inaugura-se ação de investigação paterna ou materna, observados os pressupostos
legais. Conforme Viana (1998, apud ARAUJO, 1999) a ação de investigação de
31
paternidade, tema do trabalho, constitui-se “instrumento para que se investigue
judicialmente a paternidade, e é por ela que o filho vem a juízo esclarecer quem é o
seu pai”. O reconhecimento coativo de estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça (art. 27 do ECA). Qualquer filho, oriundo de relação fora do casamento, ex vi do art. 227, § 6o, da Constituição Federal, norma plena e de eficácia imediata, pode ser reconhecido voluntária ou judicialmente (art. 1.607 CC/art. 355 CC 1916), incluídos os outrora chamados adulterinos e incestuosos (FRANCIULLI NETTO, 2004, p. 62).
É o reconhecimento judicial, através da tutela do estado, requisito para o
início da investigação de paternidade (ação de prova de filiação, como rubricado no
Código Civil, art. 1.606). Por meio dessa ação, o requerente aspira ter reconhecido o
seu status familiae, mesmo que vá de encontro à vontade contrária do pai, numa
espécie de paternidade forçada.
De acordo com a Lei 8.560 de 1992, a ação de investigação de paternidade
de filhos havidos fora do casamento deixou de ser privativo e passou a ser público.
Neste processo, como afirma KINGSLEY (2007), o suposto pai é indicado para se
realizar a investigação de paternidade. Como a notificação é pública “pode produzir
reação de constrangimento nele”. Por isso, a entrevista com o suposto pai deve
ocorrer de maneira impessoal e na presença de um advogado para se evitar que ele
se sinta intimidado ou pressionado a admitir a paternidade.
O juiz não pode (grifo do autor), em hipótese alguma coagir o homem à admissão de uma paternidade. Havendo confirmação expressa de paternidade alegada, será imediatamente lavrado termo de reconhecimento, e remitida certidão ao Oficial do Registro, para a necessária averbação. Isto é o que se denomina de reconhecimento Administrativo. Se o suposto pai não se manifestar em 30 dias, ou, no mesmo prazo, negar a paternidade, o Juiz remeterá os Autos ao Ministério Público para que, havendo elementos suficientes, intente a ação de investigação de paternidade (KINGSLEY, 2007, p.33).
Um dos fundamentos especiais da Constituição em referência à filiação afirma
que todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º).
Com isso admite-se o princípio de igualdade entre os filhos, não importando a sua
natureza ou a sua origem, e eliminando-se, ao mesmo tempo, o padrão
32
discriminatório da legitimidade. A Lei busca legitimar todos os filhos, ou seja, “de
uma maneira geral, se nos afigura que esta lei pretende que todos os filhos sejam
legítimos, e que esta expressão não mais signifique os filhos havidos na constância
da relação matrimonial especificamente” (KINGSLEY, 2007, p.33).
3.4 Fundamentos da ação de investigação de paternidade
Para a maioria dos casos a prova da filiação se dá por meio do registro de
nascimento. A ação investigatória decorre da ausência do nome do pai ou da mãe
nesse registro. Por exemplo, quando se trata de criança abandonada, filho de mãe
solteira, ou por qualquer outro motivo não pode declinar o nome do pai. Para o registro do filho, o declarante não precisa fazer prova da origem biológica; nem seria obrigado a fazê-lo, pois impediria a filiação de outra natureza. O registro produz uma presunção de filiação quase absoluta, pois apenas pode ser invalidado se se provar que houve erro ou falsidade (art. 1.604 do Código Civil). A declaração do nascimento do filho, feita pelo pai, é irrevogável. Ao pai cabe apenas o direito de contestar a paternidade, se provar, conjuntamente, que esta não se constituiu por não ter sido o genitor biológico e não ter havido estado de filiação estável (LÔBO, 2004, p.3).
Assim, faculta-se a ação de investigação de paternidade nos casos em que
há a necessidade de reconhecimento do filho para obter todos os seus direitos,
inclusive os de herança, ou reivindicação alimentar. A origem dessa necessidade
deriva do direito canônico que considerava a alimentação dos filhos como emanado
do direito natural. Por isso, os filhos bastardos e espúrios podiam receber a
prestação desse serviço.
No Brasil, a investigação de paternidade era permitida em casos específicos.
Basicamente para garantir o direito a alimentação ou o direito sucessório. A
mudança mais significativa ocorreu em conseqüência da promulgação da
Constituição de 1988, que ampliou a permissão da investigação de paternidade.
Atualmente não há mais restrições quanto à ação de investigação da paternidade.
Não mais importa a origem do filho, se natural, adulterina ou incestuosa, de mulher
casada ou solteira.
A Constituição ainda estabelece que o reconhecimento genético se constitui
um direito personalíssimo do filho que se julga no direito de obter esse
33
reconhecimento. Nessa ação o pai ou a mãe não pode interferir, não sendo possível
qualquer tipo de renúncia ou de disponibilidade para criar obstáculos à execução da
ação.
Neste mesmo sentido, o artigo 27 da Lei 8.069/90 do Estatuto da Criança e
do Adolescente estabelece como norma a seguinte asserção:
O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.
Observa-se, assim, que o reconhecimento de origem genética se constitui um
instrumento eficaz para assegurar a certeza da origem do indivíduo interessado em
conhecê-la. Silva (1994) assegura que permitir que o filho conheça a sua verdadeira
identidade genética, é permitir que ele herde o seu direito de personalidade. É, como
ainda afirma Silva (1994) ter condições de buscar, nos pais biológicos, as respostas
para as mais variadas dúvidas sobre si mesmo que lhes surgem na vida.
É entendimento ainda que o reconhecimento genético é fator preponderante
em casos de elucidação de doenças de caráter consangüíneo. A resolução 1358/92
do Conselho Federal de Medicina - CFM, regulador da reprodução humana
assistida, prevê a possibilidade do fornecimento de informações acerca do pai
biológico em situações especiais e sempre preservada a identidade civil do doador,
para o médico que a requisitar (SILVA, 1994).
O Código Civil de 1916, no seu artigo 363, concedia a investigação de
paternidade considerando os casos:
a) concubinato: pessoas que se unem com o intuito de constituírem uma vida
em comum sem laços matrimoniais;
b) rapto da mãe pelo suposto pai ou relação sexual coincidente com a data da
concepção;
c) existência por escrito daquele a quem se atribuirá a paternidade,
reconhecendo-o expressamente.
Essas três hipóteses ordenaram a ação de investigação de paternidade.
Entretanto, a jurisprudência, com o passar do tempo, e maior entendimento das
causas em tela do processo de investigatório de paternidade foi sendo modificada,
paulatinamente, e as transformações trazidas pelo Direito moderno impuseram a
34
propositura de uma única demanda, pois tudo gira em torno das relações sexuais
(WELTER, 1994)
3.5 Efeitos do reconhecimento da paternidade
O reconhecimento do filho através da ação de investigação de paternidade
implica em uma série de conseqüências para os envolvidos neste processo. Uma
das primeiras é o direito do filho reconhecido em pleitear pensão alimentícia, desde
que, de acordo com os artigos 853 e 854 do CPC, já tenha sido proferida sentença
em primeiro grau, na qual se reconheça a paternidade. Ele passa a ter também
direito sucessório e o direito de usar o nome do pai.
Dentro desse quadro, a Constituição Federal reafirma a negação de qualquer
ato discriminatório contra o filho reconhecido. O entendimento é que não importa a
origem da filiação, quer seja fruto de união estável ou de relação monoparental.
Nessa nova ordem, o que vale é garantir à dignidade do filho reconhecido e prestar
todas as condições necessárias para ele se conduzir de acordo com que exige a
vida social.
Também houve um tempo em que o casamento fazia presumir a paternidade, e a maternidade era sempre certa. Atualmente, são conceitos relativizados, pois no terreno da filiação biológica, mesmo num cenário de altíssimas probabilidades, enquanto só aparência, nada mais comporta verossimilhança por mera presunção. Ora, se casamento e maternidade já não mais carregam o selo da incontestável verdade biológica, seria extremamente perigoso absolutizar a presunção de paternidade pelo singelo gesto processual de se negar em realizar o teste pericial do DNA (MADALENO, 1999, p.39).
Dalbosco (2008) reforça que o direito do filho reconhecido por exame de DNA
apresenta o efeito ex tunc, ou seja, é retroativo desde o inicio da concepção e,
portanto também gera efeito declaratório apresentando eficácia erga onmes para
todos que tiveram participação no ato seja oriundo de reconhecimento voluntário ou
judicial.
Outro fato patente é que, após o reconhecimento, fica estabelecida
definitivamente a ligação de parentesco entre o filho e o pai e sua família. Este é o
entendimento da lei 8883/49, art. 7 e o Decreto lei nº 3.200/41, artigo 14, que
35
assevera que no Registro Civil do filho não pode haver nenhuma referência a filiação
ilegítima e deve-se fazer menção dos nomes materno e paterno e dos avós.
Silva (2006) chama atenção para o fato de que o filho reconhecido só pode
residir no lar do pai com o consentimento da esposa, conforme o artigo 1.611 do
Código Civil de 2002. Além disso, o pai é obrigado a reconhecer o filho e dar-lhe
igual direito como os demais filhos.
Se o filho reconhecido for menor de idade fica sujeito ao pater familias do pai.
Se houver conflito, o juiz deve decidir pelo genitor que melhor atender aos interesses
da criança. Em último caso, quando os genitores forem considerados não
adequados à educação do filho, então, juiz deve indicar, preferencialmente pessoa
idônea da família de qualquer um dos genitores.
A ação de investigação de paternidade, em que pese conceder o reconhecimento, poderá determinar que o filho seja criado fora da companhia do pai e também da mãe, verificando o que melhor atende aos interesses do menor (SILVA, 1999, p.36).
Enfim, o reconhecimento do filho através de ação de paternidade restabelece
os direitos do filho. Esse reconhecimento engloba todas as possibilidades desde o
direito a exibir o nome de família ao direito de herança. Em outras palavras
“equipara-se o filho reconhecido à prole existente para efeito de clausulação de
legítima como para o de indignidade ou deserção ao descendente reconhecido”
(SILVA, 1999, p.37). Com o reconhecimento elimina-se, de vez, as restrições
existentes antes, quando o filho ilegítimo não era reconhecido e não tinha direito.
36
4 OBRIGATORIEDADE DA REALIZAÇÃO DO EXAME GENÉTICO DNA
Os filhos são reconhecidos enquanto fruto de união entre um homem e uma
mulher. A partir desta união o homem e a mulher passam a ter um conjunto de
obrigações e de conseqüências como estão expostos na Constituição Brasileira de
1988. Dentre essas conseqüências, destaque-se a obrigatoriedade dos pais em
alimentar, cuidar e educar aos filhos menores de idade.
A doutrina jurídica nos ensina que a filiação é um vínculo permanente entre a
pessoa gerada e as que a geraram, não importando o meio se biológica ou
inseminação artificial homóloga ou heteróloga, ou ainda decorrente de fertilização in
vitro. Essa relação de parentesco horizontal de primeiro grau é justificativa para a
aquisição na lei da realização de exame genético de DNA.
A presunção de paternidade, a partir da Constituição de 1988, ignora
distinções nas categorias de filiação. Não há mais por que impugnar diferenciações
entre filhos nascidos da constância do matrimônio e os nascidos fora do casamento,
ou por ato de adoção.
Neste sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente, sob a tutela
doutrinária da Constituição Federal de 1988, assegura que o reconhecimento dos
filhos é condição sine qua non, como se encontra explícito no seu artigo 26:
Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou qualquer outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação (ECA, 1990).
Os pais podem, voluntariamente, reconhecer filhos nascidos fora do
casamento. Isso é possível desde que sejam observadas e seguidas as
formalidades legais. Como o reconhecimento se deriva de direito indisponível, a
condição da filiação não pode sofrer renúncia ou influência de qualquer tipo de
transação.
Como afirma Pagotto (2004) o reconhecimento voluntário do filho constitui ato
declaratório, já que o que se tem de concreto é a declaração do pai de que gerou
aquele filho. Ainda deve-se salientar que o reconhecimento retroage até ao
momento da concepção, tendo, pois, efeito ex tunc, e que é também um ato
37
imprescritível tendo em vista que pode ser realizado a qualquer momento, sem
prazo de validade ou atitude que possa restringir a busca do reconhecimento.
A partir da Constituição de 1988, que consagrou a igualdade entre os filhos, o
reconhecimento judicial se tornou instrumento eficaz para a investigação de
paternidade por parte de filhos tidos fora da constância casamento. É através da
investigação da paternidade que o filho pode requerer, junto à justiça, o
reconhecimento da paternidade, outrora negada ou desconhecida.
Para que a empreitada se demonstre exitosa, é preciso que o vínculo
biológico seja com efeito comprovado, fato que aparentemente não é tão fácil como
se supõe. Como afirma Camargo (2008), embora exista um conjunto significativo de
meios probatórios na doutrina jurídica, a prova da filiação ainda consiste um desafio
sob a ótica da investigação de paternidade.
Segundo esta autora, esse quadro sofreu um revés instigante com a inserção
da prova pericial a partir do exame do DNA. Essa prova mostra-se robusta na sua
capacidade de determinar a filiação paterna, com um grau significativo na ordem de
99,9999% de certeza, excluindo de vez a verdade da paternidade derivada
unicamente da concepção jurídica ou presumida.
A confiabilidade inspirada pelo exame do ácido desoxirribonucléico transformou-o, para muitos juristas e magistrados, em prova absoluta, solução definitiva às lides investigatórias, com o conseqüente desmerecimento dos clássicos meios probatórios, tornados inúteis e dispensáveis (CAMARGO, 2008, p. 28).
A confiabilidade perante a significância do exame de DNA para a investigação
da paternidade fez a doutrina e a jurisprudência pátrias ressaltar a importância da
obrigatoriedade do respectivo exame, principalmente quando este se mostra como
único elemento de prova genética.
4.1 Do direito material
Por natureza, o homem convive com outros de sua espécie. Essa relação
exige que regras sejam criadas e observadas para o convívio pleno e saudável.
Essas regras, em primeiro momento, constituem-se em regras sociais, derivadas da
necessidade de respeito mútuo e de manutenção disciplinadora para suprimir a
desordem e o caos.
38
Como essas regras mantêm a concretude da sociedade e as relações entre
os seres humanos, a doutrina jurídica tem especial interesse na sua permanência. A
partir daí, promove ela própria regras jurídicas para a observância do status social e
manutenção das relações econômicas, sociais e humanas na sociedade.
A regra jurídica e a social não se confundem. São de naturezas distintas. Por
exemplo, as relações de cortesia, de etiqueta, amizade, solidariedade são próprias
do meio social, não pertencem assim à esfera dão pensamento jurídico, “porque não
foram criadas pelo Estado, e sim pelo meio social, são relações meramente sociais”
(FERREIRA, 2006, p. 46).
Américo (2007) assevera que a regra jurídica encontra ancoragem na visão
de que o direito deriva da ação do homem que precisa legislizar sobre as relações
sociais para garantir e manter o ordenamento dentro da comunidade. Assim, pode-
se compreender o direito como um conjunto de regras estabelecidas pelo Estado
para disciplinar a vida social do homem, ou seja:
Essas regras prevêem abstratamente situações passiveis de ocorrência no mundo natural e, para elas proscreve certos efeitos. Ao elaborar ditas regras in abstrato, o Estado estabelece situações de vantagem e de desvantagem, determinando quais interesses devem prevalecer em detrimento de outros. Essa posição de vantagem em relação a outro interesse é justamente o direito subjetivo (AMÉRICO, 2007, p.16).
As regras criadas a partir da postulação do Estado e da ordem jurídica, com o
fito de disciplinar a existência dos indivíduos na sociedade estão, pois, dentro do que
se convencionou nomear de direito material.
O direito material pode ser entendido, de acordo com Ferreira (2006, p. 35),
como o “conjunto de regras estatais que disciplinam as relações jurídicas entre as
pessoas na sociedade e em relação aos bens da vida”. Neste sentido, o direito
material determina as regras através das quais pode-se apontar o que deve ser
considerado como atividade lícita ou ilícita em relação ao comportamento do
indivíduo na sociedade.
Em princípio pode-se argumentar que o direito material miscigena-se com o
direito processual, mas a prática jurídica demonstra que são diplomas eqüidistantes,
embora possam convergir em determinadas situações. Américo (2007) assevera que
a convergência entre ambos ocorre tendo em vista que o direito processual se
39
conduz pela doutrina da efetivação dos preceitos normativos substanciais, ao passo
que o direito material constitui-se um conjunto de comandos que justificam a criação
de direitos referentes à pessoa. Em outros termos, em situação em que ocorre a
violação de direito material a ordem jurídica pode ser alcançada pela via do direito
processual.
Em suma, o direito material vige de maneira imediata, melhor, desde o
nascimento do indivíduo ele já possui um arcabouço de direito material embutido na
sua vida social. A violação a qualquer direito material exige reparação por meio
jurídico. Nesse caso faz-se uso do direito processual, já que este normaliza as
relações do indivíduo em sociedade.
O direito material deriva de uma normalização de atividades consagradas
pelo meio social e estão ligadas a procedimentos não jurisdicionais. Segundo
entendimento de Américo (2007) o direito processual visa regular a prática jurídica
concernente ao método de trabalho desenvolvido pelo Estado, além de estabelecer
os critérios de como proceder jurisdicionalmente na sua organização.
O Direito Processual aquele que se opera de forma mediata, agindo sob a relação processual, seus sujeitos e o comportamento destes, no processo jurisdicional, bem como as normas de organização judiciária. Já o Direito Material, chamado também de direito substantivo, subjetivo, apresenta normas de caráter geral e abstrato, voltadas às relações jurídicas não processuais, mas cotidianas. Quando sua norma é invocada, a mesma deve, em tese, ter aplicabilidade de plano diante de determinada relação jurídica, não necessitando da tutela jurisdicional para a sua efetivação (AMÉRICO, 2007, p.19).
Sob o ponto de vista de Athanásio (2007) o direito processual não tem vida
sem o direito material. Para este autor, o direito material se impõe sobre o direito
processual. O entendimento é que a regra processual não é forte o suficiente para
atender o direito material de maneira ampla e global. O argumento do autor se
contrapõe a idéia de que ambos os direitos são autônomos em seus campos, já que
o primeiro prepondera sobre o segundo.
O direito material deve ser o condão que apóia a vida social do indivíduo. Por
isso, ele deve ser preservado da violação. A tutela do judiciário impõe os limites
necessários para a salvaguarda de qualquer ilícito que se proponha contra o
indivíduo. Nesse sentido, Athanásio (2007) argumenta que toda norma do Direito
Material deve viabilizar para a eventualidade de sua violação, ou ainda de que todo
40
cidadão tem o poder de obstaculizar a violação respectiva de seus direitos e dos
atos contrários ao Direito.
4.2 Do direito de personalidade
Os Direitos da Personalidade foram reconhecidos de forma expressa a partir
da Carta Constitucional de 1988, que consagrou parte significativa à evolução deste
instituto na vida social do Brasil. Foi um reconhecimento vigoroso da Constituição,
principalmente quando garante no artigo 5º, inciso X, “são invioláveis a intimidade, a
vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”
Mas bem antes já havia uma preocupação com os direitos de personalidade
na literatura jurídica e filosófica. Os pensadores procuravam valorizar a pessoa
humana a partir da sua importância no meio social e em relação ao outro. Para
muitos o homem é a medida de todas as coisas. A partir desse preceito humanista, o
homem passa a ser mais valorizado, reconhece-se a dignidade humana como uma
qualidade inerente ao ser humano, ou seja, a dignidade é inerente a própria
natureza do ser humano.
Filippo (2008) considera que os direitos da personalidade referem-se a bens
integrados à interioridade do indivíduo. O que é próprio, inato à pessoa e vige sob a
tutela do direito enquanto ciência do espírito, que floresceu na consciência do
homem porque este é ser gregário. Esses direitos caracterizam-se por serem
categorias absolutas, intransmissíveis, imprescritíveis, extrapatrimoniais, vitalícias e
necessárias, conseqüência direita do direito civil que passa a valorizar a proteção da
pessoa como valor máximo.
Os direitos de personalidade constituem um ramo do direito privado que protege, na esfera jurídica, os objetos de direito que pertencem à natureza humana, tais como a vida, a inteligência, a moral, a auto-estima, a dignidade. (FILIPPO, 2008, p. 41).
Ao se considerar a base etimológica do termo pessoa, observa-se que esta
tem origem no Latim persona (per+sonare) e significa ressoar, fazer eco. O termo
41
deriva de máscaras utilizadas por atores nas representações teatrais em Roma
antiga. Por efeito metonímico, com o passar do tempo, o termo persona passou a
nomear o próprio papel representado pelo ator (SILVA, 2005).
O reconhecimento da pessoa como persona, um indivíduo complexo que,
dentro da sociedade, representa um conjunto de papéis sociais, onde cada um dos
papéis interage um com o outro conduziu a compreensão do ser humano para um
nível mais elevado, embora não houvesse ainda uma consciência ampla e definitiva
de considerá-lo a partir da concepção filosófica de dignitas hominis.
A visão da dignidade humana ganhou corpo modernamente, quando o
indivíduo é visto como ser dotado de direitos e deve, por isso, ser tratado com
igualdade perante a lei e a sociedade.
Assim, a consciência sobre o respeito aos direitos de humanidade do
indivíduo baseia-se fundamentalmente na idéia de liberdade. Por isso, pode-se
compreender a pessoa a partir do modo como ela atua na natureza.
O homem é um ser psicossomático, pois nele, corpo e mente, são interdependentes. A natureza individual humana se reveste de componentes - substâncias, potências, atos propriedades - que são objeto dos direitos básicos de personalidade. E personalidade é precisamente a aptidão para ser sujeito de direitos (SILVA, 2005, p. 43).
É preciso considerar que a pessoa natural quanto jurídica, como argumenta
Silva (2005), são sujeitos de direitos e deveres. Para o instituto jurídico, entretanto,
os direitos de personalidade são inerentes à pessoa natural, já que se referem a
predicados ligados à condição humana, e também quanto à expectativa satisfazer
necessidades, os interesses e pretensões do sujeito de direito sob a tutela do
ordenamento jurídico.
Os direitos da personalidade têm por objeto aqueles componentes da natureza humana. Explicitamente são eles: a) a vida; b) a potência vegetativa (forças naturais, crescimento, nutrição, procriação); c) potência sensitiva (sensação, cognição sensitiva, senso comum, fantasia, auto-estima, memória); d) potência locomotiva (ambulação); e) potência apetitiva (apetite sensitivo, concupiscível, irascível); f) potência intelectiva (inteligência, vontade, liberdade, dignidade); g) potência realizada (SILVA, 2005, p. 46).
Nicolodi (2003) argumenta que para a Constituição Brasileira de 1988 a
adoção dos direitos de personalidade partiu da necessidade de valorizar a dignidade
42
humana como fator distintivo e como princípio fundamental da República. Essa idéia
fica clara a partir do seguinte postulado constitucional:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Por sua vez, o Código Civil Brasileiro reforça a necessidade de valorização da
dignidade humana ao dedicar um capítulo especial – Capítulo II – aos direitos de
personalidade.
Nicolodi (2003) informa que esses postulados jurídicos se constituem
referências filosóficas e jurídicas que auxiliam a condução correta na aplicabilidade
das disposições normativas. Em particular, eles são importantes no que se refere ao
direito de proteção a inviolabilidade e integridade da pessoa.
Assim, de acordo com a importância da valorização dos direitos de
personalidade, que estão bem presentes na Carta Magna, no Novo Código Civil, no
Código Penal, além de sua referência em outros códigos como nas Leis de Imprensa
e dos transplantes, percebe-se que a sua tutela jurídica está bem estabelecida
(NICOLODI, 2003). Constitui-se um processo que implica em reconhecer a natureza
dos direitos de personalidade como direito fundamental para a regulação da pessoa
em sociedade.
Neves (2004) considera que os direitos de personalidade estão ligados aos
direitos fundamentais, já que, em sentido lato, a sua funcionalidade em criar um
arcabouço jurídico e filosófico para a proteção da condição humana face as
diretrizes do meio social.
Nesse sentido, pode-se argumentar que os direitos de personalidade são uma
extensão dos direitos humanos, já que surgiram a partir da necessidade de garantia
dos direitos individuais no século XIX, embora com eles não possam ser
confundidos, como arremata Neves (2004).
Neves (2004) ainda aponta que os direitos da personalidade são direitos
autônomos e, portanto, reconhecidos como um instituto que regula a condição
humana no seu ponto mais alto que é a valorização da dignidade humana.
43
E é assim aureolada, como princípio fundamental, que aquela expressão - dignidade da pessoa humana - comparece no art. 1º, III, da nossa Carta Magna. Nela o conceito da dignidade humana, além de normativo, é axiológico - pois expressa o valor da pessoa, do ser humano. O valor é a significância, é a projeção que um bem possa ter para alguém. Aplicando-se ao ser humano, ele mesmo é o bem, e a dignidade, é a sua significância, a sua projeção - o seu valor (SILVA, 2005, p. 47).
Assim, melhor ainda: os direitos fundamentais e da personalidade procuram a
valoração do ser humano em sociedade tanto na instância pública quanto privada,
por isso devem convergir para que seja possível estabelecer um corpo tutelar de
proteção e de garantias eficazes a favor do indivíduo.
4.3 Da produção do exame genético DNA
Com o avanço tecnológico, as descobertas científicas, as mudanças no
caráter das sociedades, enfim, as transformações advindas no bojo da Revolução
Industrial, em primeiro lugar, em segundo, o desenvolvimento conseqüente das
tecnologias da comunicação e da informação, as relações entre as pessoas
ganharam novos contornos. Há um choque entre a busca pelo novo, a criação de
novas ferramentas informáticas, e o direito e a vida privada das pessoas.
Nesse campo, um que merece destaque é a questão da paternidade face às
novas descobertas médicas do Ácido Desoxirribonucléico - DNA. A importância
desta descoberta é fundamental para se compreender a natureza do ser humano.
Entretanto, no que se refere à investigação de paternidade assumiu condição
proeminente devido à infalibilidade na identidade genética do pai.
Pena (2009) constata que o exame de genético de DNA pode ser realizado a
partir de qualquer tecido humano, já que todas as células possuem um mesmo
núcleo de DNA. Nesse caso, é suficiente uma quantidade pequena de tecido para a
realização do exame. Os laboratórios, por exemplo, solicitam uma quantidade não
superior a 10 ml para a realização do exame.
A utilização do DNA como material de constatação de prova na investigação
de paternidade é prática recente, não houve tempo hábil ainda para um tratamento
legislativo adequado a sua importância. Por isso, a sua utilização é muito
44
controversa, principalmente porque bate de frente na questão dos direitos de
personalidade.
Conforme Pena (2009) a incerteza da paternidade é fator desencadeante na
relação entre homem e mulher. Se em épocas mais passadas, quando ainda não
havia meios de determinar a origem genética da criança, a identidade do filho
baseava-se exclusivamente na honestidade da mulher ou nos traços genéticos, o
homem tinha que lidar com a dúvida. Saber que seu filho era o herdeiro genético
assegurava a descendência da família. Por isso, era fundamental obter a certeza
quando à origem genética do filho.
A incerteza da paternidade é um dos fatores que contribuiu para moldar padrões de conduta masculinos na sociedade, já que, no passado, os homens adaptativamente assumiam condutas que maximizassem a probabilidade de sua patemidade e minimizassem a chance de investirem recursos em crianças que fossem filhos biológicos de outros homens. Por exemplo, estudos multiculturais realizados em 186 diferentes grupos étnicos mostraram que o adultério feminino, junto com a esterilidade conjugal, é a causa mais comum de dissolução de casamentos. Outras evidências vêm dos estudos sobre os ciúmes maritais, que são despertados no homem principalmente pela suspeita, observação ou descoberta de infidelidade sexual da mulher (eventos que comprometem a certeza de paternidade), enquanto na mulher são evocados preponderantemente por infidelidade emocional (PENA, 2009, p.12).
A Constituição Brasileira de 1988 ampliou as possibilidades de investigação
de paternidade. O recurso de utilização de análise genética por meio do DNA
permitiu que a paternidade passasse a ser encarada desvinculada do casamento. A
filiação pode ser investigada em qualquer tempo pelo filho que queira saber a
verdade biológica a respeito de sua paternidade. Essa asserção encontra-se bem
especificada no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Fonseca (2003) considera que o teste de DNA é um meio de prova pericial
cujo percentual de acerto gira em torno de 99,99%, com zero por cento de chances
de erro. Assim, em uma investigação de paternidade, este exame não pode ser
descartado, porquanto constitui prova final para a elucidação da paternidade
genética daquele que busca o reconhecimento filial.
Ainda segundo Fonseca (2003), a Constituição Federal reconhece claramente
o direito dos filhos a uma convivência familiar como prioridade absoluta, atribuindo à
sociedade e ao Estado a obrigação de assegurar o cumprimento destes direitos,
45
inclusive o direito de subsistência com dignidade devendo a criança e o adolescente
fruir de saúde, educação, alimentação e lazer.
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Art. 227 da CF/88).
O exame de DNA constitui, hoje, prova definitiva quanto à questão do
reconhecimento da paternidade. Entretanto, embora os tribunais atualmente
aceitem-na sem questionar, é preciso considerar alguns aspectos que são
importantes.
Como afirma Veloso (2006) é preciso que se acolham as provas do exame de
DNA com o devido cuidado, tendo em vista a não compreensão completa a respeito
do assunto. Por isso, é de bom alvitre não descartar de todo as provas tradicionais,
principalmente quando elas podem excluir “a paternidade de forma categórica, como
por exemplo, os sistemas ABO, Rh, HLA, etc., afastando assim a necessidade da
utilização abusiva de técnicas tão sofisticadas como as em DNA”.
O estudo do DNA ainda é fruto de estudo recente. A produção de exame
genético a partir do DNA deve ser incorporada a prática forense sem minimizar a
eficácia dos outros exames. Entretanto, o cuidado com este exame deve ser
observado. Por isso, recomenda-se que o exame, quando exigido pela lei, seja
realizado em dois laboratórios distintos para dirimir qualquer dúvida sobre possíveis
erros humanos.
Veloso (2006) considera de bom alvitre que os resultados dos testes sejam
acompanhados de fotografias das fichas de suporte, a fim de permitir que outro
analista confira o diagnóstico.
Enfim, a produção de teste de DNA é um recurso excepcional para garantir a
paternidade de um filho. Embora, como assevere Veloso (2006), há possibilidade de
identificações incorretas ou duvidosas em conseqüências de erro humano, ou
material utilizado de segunda categoria.
46
5 RECUSA À REALIZAÇÃO DO EXAME GENÉTICO DNA
Nas relações sociais da família, o lugar do filho nascido fora do casamento
sempre foi problemático. Discriminada pela sociedade, a criança era penalizada por
ser oriunda de um lar sem pai. Essa criança não tinha direito a herança, ao nome do
pai, ao reconhecimento social de pertencer um lar estável.
Esse cenário mudou, entretanto, com a promulgação da Carta Magna de
1988. Ela consagrou a igualdade entre os filhos, não importando a sua origem
paterna e familiar. É possível agora a qualquer filho exigir o seu reconhecimento por
meio de investigação de paternidade através do ingresso de ação em juízo. O único
pré-requisito para a demanda desta ação é a demonstração da existência da
suposta paternidade, embora a prova se constitua um desafio no processo
investigatório, tendo em vista a dificuldade em demonstrar que uma determinada
pessoa foi gerada por outra.
Camargo (2008) informa que no período anterior ao exame de DNA, a
investigação de paternidade se resumia em exames de testemunhas, documentos, a
posse do estado de filho, ou exames de sangue, de verossimilhanças entre outros.
Entretanto, esses eram procedimentos imaturos e bastante discutíveis, que não
conduziam a uma comprovação muito segura, excetos em casos quando havia o
reconhecimento do pai.
Mais tarde, a evolução da genética acrescentou novas provas às demandas investigatórias, tais como o exame prosopográfico, o exame comparativo das papilas digitais, o exame das proporções físicas, bem como os sistemas ABO, M e N e Rh, e HLA. Contudo, tais provas também revelaram-se inaptas a apontar a paternidade biológica, visto que só serviam para excluí-la, e, ainda, com baixo poder de exclusão (CAMARGO, 2008, p. 30).
O momento de mudança radical nos exames de paternidade ocorreu,
entretanto, quando os cientistas James Watson e Francis Crick descobriram a
estrutura em dupla hélice do DNA (ácido desoxirribonucléico) no ano de 1953. Anos
mais tarde, a partir de 1985, surgiram técnicas que permitiam reconhecer no DNA as
características e particularidades das pessoas. Conforme Franca (2006), “Alec
Jeffreys criou sondas moleculares radioativas com a propriedade de reconhecer
47
regiões altamente sensíveis do DNA, e assim levantar os padrões específicos de
cada indivíduo, que ele chamou de ‘impressão digital genética do DNA’”.
O índice de acertos do exame de DNA trouxe esperanças na questão da
investigação de paternidade. Transformou-se em pouco tempo em o único exame
utilizado para identificar a paternidade. Para muitos estudiosos e juristas, o exame
de DNA se constitui prova absoluta diante de seu nível de acerto em torno de
99,99%.
Para Camargo (2008) a fé absoluta no exame de DNA se constitui um
exagero e em pode ser uma postura equivocada diante da possibilidade de erros e
de enganos na análise do material genético. Franca (2006) também se coloca
preocupado diante de inefabilidade do exame de DNA para muitos juristas. Ele
chama atenção para o fato de que se deva encarar as provas submetidas ao exame
de DNA com certa reserva e com cuidado, pois tudo que é novo e inusitado merece
ser analisado de acordo com o contexto.
Embora seja inegável o poder de certeza do exame de DNA nas questões de
investigação de paternidade, há outro problema que bate de frente com essa
questão que é a recusa do investigado em se submeter a esse tipo de exame. Desta
recusa surge um verdadeiro conflito de interesses: tem-se de um lado o direito do
hipotético filho, que busca conhecer a sua origem genética; e do outro lado o direito
do suposto pai, que em nome do direito a inviolabilidade da sua vida privada, bem
como de não produzir provas contra a sua pessoa, pode se recusar a se submeter
ao mencionado exame.
5.1 Abuso de Direito
A teoria do abuso de direito é instituto controverso e complexo na sociedade
moderna. A doutrina que trata desse tema o enxerga quase sempre como uma
postura que está além do direito subjetivo. Para Alves (2003) o abuso de direito se
caracteriza por ser um excesso de direito em detrimento de outro. Sob essa
demanda, é possível visualizar atualmente uma prática que procurar superar este
excesso de direito, por uma doutrina que imponha regras que o limite na sua
atuação.
48
A teoria do abuso de poder não é doutrina recente. A sua origem remonta à
Idade Média ou mais anterior, ao Direito Romano. Embora no Direito Romano o
abuso de poder não fosse ordenamento sistematizado, a sua presença
materializava-se em ações onde eram praticados “os mais grosseiros abusos sob o
firme pretexto de se exercitar um direito reconhecido por lei”, ou ainda “desvirtuava-
se a finalidade social dos direitos subjetivos com o intuito de causar dano injusto a
terceiro” (BARROS, 2005, p. 15).
Os romanos não desconheciam totalmente a teoria do abuso de direito. Ao contrário, utilizaram-se dela para apresentar soluções a determinados casos concretos. Dentre as tentativas de vedação ao abuso do direito localizadas no Direito Romano, temos: a proibição ao proprietário de demolir sua casa para vender os materiais; a perda da propriedade quando o titular se recusava a prestar caução de dano infecto; ou, ainda, as proibições de se manterem incultas as terras e de se manterem os latifúndios (BARROS, 2005, p. 15).
Segundo Barros (2005) no Direito Medieval o abuso de direito estava
presente nos atos emulativos. Estes atos podem ser compreendidos como “atos
praticados pelos indivíduos com intenção deliberada de causar prejuízo a terceiros”.
O cenário medieval era lugar propício para a materialização do abuso de
direito tendo em vista as condições sociais e a verticalização do poder existente. Era
comum, pois, a existência de brigas, conflitos, disputas por terras, batalhas entre
senhores feudais, a imposição da igreja e a exploração constante das populações.
Nesse ambiente, não havia um poder centralizador forte. O Estado, representado
pelos reis, dependia financeiramente e politicamente de arranjos com os senhores
feudais.
No que concerne aos atos emulativos, é imperioso frisar que os mesmos podiam ser constantemente observados, principalmente, nas relações imanentes ao direito de propriedade, quando proprietários ou vizinhos exercitavam seus direitos com o objetivo de prejudicar terceiros (BARROS, 2005, p. 16).
O caso principal que alinhavou os contornos da teoria de abuso de direito,
segundo Alves (2003), ocorreu sob a jurisprudência francesa, quando o tribunal de
Compiégne, em 1913, decidiu contra o proprietário de um terreno que edificou uma
série de torres pontiagudas para impedir a aterrissagem de aeronaves no terreno
vizinho. No entender do tribunal houve uma prática indevida e desnecessária com
49
claro objetivo de prejudicar outrem, constituindo, portanto, um exercício irregular e
despropositado do direito de propriedade.
Segundo a teoria do abuso do direito constitui abuso quando alguém causa
prejuízo a outrem de forma maliciosa e intencional. Neste caso, a culpa não precisa
ficar provada, conforme demonstra Marini (2000), basta haver excesso no exercício
de um direito e que cause prejuízo a outrem “para que a pessoa fique obrigada a
indenizar os danos causados, independentemente da prova de ter agido com culpa”.
Marini (2000) afirma ainda que a responsabilidade pelo abuso de direito, se
estabelece, segundo a doutrina, uma vez que, o exercício do direito, tido como
abusivo, é menos útil socialmente, do que a reparação do dano causado pelo titular
deste mesmo direito. Assim:
O exercício irregular, anormal, por conseguinte, abusivo de um direito, seria aquele exercido por uma pessoa, que desviando da destinação social e econômica, para qual esse dito direito foi criado, cause eventualmente dano a outrem (MARINI, 2000, p. 48).
Deve-se observar que o exercício de direito também pode não ser
considerado um ato doloso, mesmo se vier causar prejuízo a alguém, como por
exemplo, na ação de cobrança e nos interditos possessórios. Saraiva (2001) aponta
que, ao contrário, pode haver um cenário no qual a mera intenção de prejudicar
alguém, sob o ponto de vista moral, já se constitui um abuso e, portanto, um dolo. É
o que se convencionou a chamar, conforme Saraiva (2001), de non omne, quod licet
honestum est (Nem tudo que é lícito é honesto).
Basta considerar que o exercício de um direito – mesmo legítimo, em princípio - deve restar condicionado ao resultado que dele vier a promanar: de modo que, deve-se coibir tal exercício se for desnecessariamente lesivo a terceiro; e deve-se limitá-lo se for necessário ao convívio social ou aos interesses do Estado. Ou seja: o abuso do direito não se conceitua como seu exercício contrário ao direito, e sita, como um desvio de sua finalidade (SARAIVA, 2001, 48).
No ordenamento jurídico brasileiro, a teoria de abuso de direito passou a ser
considerada a partir do atual Código Civil. Anteriormente, essa questão era tratada
sob a ótica da jurisprudência, tendo em vista que o Código Civil de 1916 não
contemplava diretamente esse instituto. Assim, como não havia regra clara e
objetiva sobre o ordenamento da teoria de abuso de direito, Alves (2003) aponta que
50
houve uma série de dissensões doutrinárias que ainda se faz presente no corpo
teorético do abuso de direito.
Nesse caso, é preciso também analisar a contraparte do direito de abuso que
é o direto subjuntivo. O direito subjuntivo está ligado à vontade e ao desejo do
sujeito em busca de satisfação de seus interesses.
Poder de ação assegurada legalmente a toda pessoa para defesa e proteção de toda e qualquer espécie de bens materiais e imateriais, do qual decorre a faculdade de exigir a prestação ou abstenção de atos, ou o cumprimento da obrigação, a que outrem esteja sujeito (BARROS, 2005, p.48).
Neste sentido, o direito subjuntivo constitui um processo no qual o
comportamento do individuo está de acordo com um conjunto de valores e regras
legalmente aceitas. Por outro lado, o comportamento do individuo está em
conformidade com o direito subjuntivo, mas sua ação extrapola os limites jurídicos
aceitos, então estar-se diante de uma condição de abuso de direito.
No direito brasileiro o abuso de direito encontra-se no artigo 187, do Novo
Código Civil. Observa-se na sua redação o seu caráter operatório e a sua
atualidade. Com o seu reconhecimento abandonou-se de vez referências a
dispositivos esparsos e não exatamente pertinentes ao conteúdo que ele expressa:
“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e
pelos bons-costumes”.
Este enunciado tem a vantagem de servir para situações corriqueiras e
cotidianas. A sua importância reside também em demonstrar em ser claro na
definição do que é, em regime jurídico, abuso de direito, minimizando assim as
possíveis controvérsias e arengas a respeito desse item.
Neste sentido, a doutrina do ato ilícito se constitui um avanço no ordenamento
jurídico porque, segundo Alves (2003), traz consigo a idéia de ética e moralidade,
diretriz essencial do novo código como preconizava Miguel Reale. Assim, pode-se
compreender o abuso de direito como um instituto que procura combater o aspecto
mais egoístico do ser humano.
51
O abuso de direito é um exercício de um direito subjetivo, ou de uma faculdade, que, embora inicialmente tutelado pela lei, extrapola os limites estabelecidos pelas regras de convivência em sociedade ou pelos mandamentos fundamentais da ordem jurídica, transgredindo a finalidade social para qual foi inicialmente conferido ao seu titular (ALVES, 2003, p. 22).
Em relação a esse ordenamento jurídico, pode-se ainda elencar como
comportamento abusivo nas relações sociais dos indivíduos os seguintes
procedimentos:
a) matar o gado alheio que pasta no campo; b) requerer o credor arresto de bens que sabia não pertencer ao devedor; c) requerer busca e apreensão sem necessidade; d) requerer falência de alguém quando as circunstâncias e as relações entre ele e o requerente não o autorizam; f) requerer busca e apreensão preliminar de queixa-crime, por suposta contrafação de patente, visando eliminar concorrência. g) revogação, pelo mandante, de procuração sem nenhuma razão plausível; h) esgotar o proprietário as fontes em seu terreno, por mera emulação e em detrimento dos vizinhos; i) o exercício egoístico, anormal do direito, sem motivos legítimos; j) reiteradas purgações de mora nas ações de despejo por falta de pagamento; l) oferecer queixa-crime ou "delatio criminis" contra pessoa sabidamente inocente (Cf. MARINI, 2000).
A inserção do abuso de direito no Código Civil de 2002, portanto, serviu para
tornar claras as situações nas quais era possível estabelecer conflito em decorrência
do embate entre direito subjuntivo e individual e direito atrelado aos interesses
coletivos e as normas sociais de bem estar. Com essa ação, os doutrinadores
passaram a relativizar os direitos individuais para evitar o exercício abusivo
praticado pelos indivíduos.
O mesmo se dá em relação à investigação de paternidade, quando nos
deparamos com a negativa do suposto pai em realizar o exame de DNA. É que tal
recusa, diante do direito personalíssimo do investigante em buscar o
reconhecimento da sua origem genética, constitui autêntico exercício de abuso de
direito. Sob o fundamento de proteger a sua vida privada e de não produzir provas
contra si próprio, direito que lhe é assegurado pelo ordenamento constitucional e
infraconstitucional, o suposto pai se nega a produzir a respectiva prova e, desse
modo, impede o também consagrado direito constitucional e legal de o hipotético
filho reconhecer a sua paternidade.
52
Assim, no sopesamento dos interesses em questão, não podemos defender o
direito a privacidade do suposto pai, pois do contrário estaremos fomentando o
abuso de direito, o que não mais é tolerado pelo nosso ordenamento jurídico.
5.2 imputação da paternidade
O maior problema reside na visão da justiça que considera o investigado,
quando este se nega a fazer o exame, como culpado, ou seja, os juízes costumam
decretar a paternidade presumida. A solução ideal em tais casos é realizar o exame
de DNA, pois é uma prova inequívoca. Hoje em dia, o exame de DNA é fato
consumado. Pode-se discutir sua infalibilidade, mas não o seu caráter idôneo e
seguro (próximo de 100%) de investigar a paternidade de uma criança. As críticas
são dirigidas, na maioria das vezes, mais a falha humana e às condições ambientais
desfavoráveis à realização do teste do que propriamente à eficácia e à eficiência do
respectivo exame.
Outro ponto que o investigado pode elencar como argumento é considerar a
exigência do exame de DNA um abuso de direito do Estado, que vai de encontro à
tutela do direito à inviolabilidade da vida privada do indivíduo e também do ato de
não produzir provas contra si mesmo.
A imputação de paternidade parte do pressuposto de paternidade presumida.
Por isso, o argumento, mesmo válido da inviolabilidade e de produção de provas
contra si mesmo não surte o efeito desejado quando se trata da recusa do indivíduo
em se submeter ao exame de DNA para identificação biológica de ser ou não ser pai
de uma determinada criança.
O exame de DNA tem peso incontestável na formação do livre convencimento do julgador e constitui, portanto, inegável cerceamento de defesa o indeferimento da perícia de DNA, por outro lado, Não se pode constranger ninguém se submeter a um exame de sangue, se o réu se nega a realizar os exames, isto funciona como indício veemente de que se considera pai do investigante, ou pelo menos, vê grande possibilidade de que o seja. Aliás, a jurisprudência brasileira, consagrou praticamente o in dúbio pro pater certus neste sentido. A presunção de veracidade da imputação de paternidade, in casu, funcionaria como uma espécie de sanção à conduta obstrutiva da justiça e incivil do investigado ao se furtar de prestar o exame técnico hematológico (LEITE, 2004, p.58).
53
A imputação de paternidade estabeleceu-se no ordenamento jurídico como
um estímulo ao reconhecimento da paternidade. A sua importância reside na
necessidade de garantir ao indivíduo o direito de saber verdadeiramente qual é a
sua ascendência genética. Não se pode mais aceitar discriminações, porquanto a
qualquer hora e tempo o filho tem direito em se reconhecido biologicamente, embora
isso não implique em aceitação da filiação por parte do pai.
Convém salientar que a exigência do reconhecimento paterno decorre da
herança patriarcal, pois, enquanto predominava o matriarcado, a família era mais um
fenômeno espontâneo e natural sem maiores perquirições cruciais (LEITE, 2004).
O pater familias se constitui ainda o modelo para este reconhecimento e para
a determinação de parentesco. O pater, na sociedade romana exercia função
primordial. Cuidava da casa, das finanças, e dos interesses da família. Era o chefe
hegemônico do patrimônio da família. “Pater is est quem nuptia demonstrant, o
marido é normalmente o pai dos filhos de sua esposa, é uma célebre presunção até
hoje vigorante entre nós”, como assevera Leite (2004, p.59).
Assim, o teste de DNA facilita o reconhecimento (mas em muitos casos a não
aceitação por parte do pai) do filho em ter como um direito uma identidade, um nome
e pertencer a uma família.
A ausência das funções paternas já se apresenta como um fenômeno social alarmante, e provavelmente é o que tem gerado as péssimas conseqüências conhecidas por todos nós, como o aumento da delinqüência juvenil, menores de rua etc. E isto não é um fenômeno de determinada classe social. Nas classes menos favorecidas economicamente, o abandono material é maior. (FERREIRA, 2004, p. 44)
Diante do exame de DNA a imputação de paternidade se transforma um
argumento infalível. A justiça busca com isso alcançar uma paternidade que
transforme a vida do filho. A justiça parte da premissa de que a ausência do pai
contribui para as dificuldades dos filhos, em particular, gera sentimentos de
abandono, de depressão e baixa-estima. A imputabilidade do pai se torna, assim,
um dado essencial para garantir à criança o direito à paternidade, ou seja, é
fundamental para o jovem conhecer a sua filiação, saber sua origem biológica.
54
5.3 Recusa em realizar o exame genético de DNA
Segundo consenso entre a maioria dos juristas, a recusa em fazer exame
genético de DNA ou a qualquer outro meio científico pode ocasionar reconhecimento
de culpa, gerando, por conseguinte, admissão de paternidade.
Tal argumento ainda não encontra regra firmada entre os juízes no que se
refere a recusa em realizar exame genético de DNA nas disputas jurídicas acerca de
investigação de paternidade. Para alguns doutrinadores o reconhecimento da recusa
já pode ser considerado prova patente e suficiente para a indicação de paternidade.
Para outros, por outro lado, ainda se faz necessário a construção de outras
evidências que comprovem in factu um relacionamento concreto entre o suposto pai
e a mãe que pleiteia o exame de DNA.
Esse estado conflitante sobre as demandas investigatórias a partir da
realização de exame de DNA perdura, mesmo sabendo-se da grande importância
deste exame, para desvelar os segredos genéticos que identificam a filiação
paterna. O ponto discórdia gira em torno do direito da personalidade dos atores
envolvidos – o suposto pai e o pretenso filho.
É comum nas lides do processo investigatório de paternidade a constante
recusa do investigado em submeter-se ao exame genético. Desta recusa nasce o
conflito que envolve os direitos da personalidade. De um lado, como afirma Camargo
(2008), depara-se com o direito do pretenso filho em querer conhecer a sua
linhagem genética e identificar o seu pai, ação que conduz compulsoriamente o
suposto pai a se submeter ao exame biológico. De outro, o direito de personalidade
do pai de manter a sua integridade física e a inviolabilidade de sua intimidade, ação
que o conduz na direção da negação ante o exame de DNA.
A esse respeito, destaque-se o posicionamento do Plenário do Supremo
Tribunal Federal, no ano de 1994, registrado por Camargo em sua obra:
[...] Digo isto porquanto a Carta Política da República [...] consigna que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas - inciso X do rol das garantias constitucionais (artigo 5º). Onde ficam a intangibilidade do corpo humano, a dignidade da pessoa, uma vez agasalhada a esdrúxula forma de proporcionar a uma das partes, em demanda civil, a feitura de certa prova? [...] É irrecusável o direito do Paciente de não ser conduzido, mediante coerção física, ao laboratório. É irrecusável o direito do Paciente de não permitir que se lhe retire, das
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próprias veias, porção de sangue, por menor que seja, para a realização do exame. A recusa do Paciente há de ser resolvida não no campo da violência física, da ofensa à dignidade humana, mas no plano instrumental, reservado ao juízo competente - ou seja, o da investigação de paternidade - a análise cabível e a definição, sopesadas a prova coligida e a recusa do réu [...]. (CAMARGO, 2008, p. 32)
Em posicionamento contrário, outros Ministros se colocaram a favor de se
considerar como prevalecente em casos em que se examina a ascendência
biológica a partir de exame de DNA, do pretenso filho, considerando a recusa a
submissão do exame como presunção de paternidade, ou seja, admissão explícita
de que o suposto pai é de fato o verdadeiro pai.
Assim, em conformidade com a visão de que o direito de personalidade do
filho deva sobrepor-se ao do suposto pai, mais uma vez o registro de Camargo, que
cita a posição do Ministro Francisco Rezek sobre a questão:
[...] a visão individuocêntrica, preocupada com as prerrogativas do investigado, deve ceder espaço ao direito elementar que tem a pessoa de conhecer a sua origem genética. [...] o direito ao próprio corpo não é absoluto ou ilimitado [...]. Por vezes a incolumidade corporal deve ceder espaço a um interesse preponderante [...]. Na disciplina civil da família o corpo é, por vezes, objeto de direitos. [...] O princípio da intangibilidade do corpo humano, que protege um interesse privado, deve dar lugar ao direito à identidade, que salvaguarda, em última análise, um interesse também público (CAMARGO, 2008, p. 34).
Na verdade, o reconhecimento da paternidade de um indivíduo constitui
direito que deverá sobrepor-se a qualquer outro. Aliás, partindo-se da premissa de
que nenhuma garantia constitucional é absoluta, devendo no caso concreto haver o
sopesamento dos valores em discussão, incontestável que entre o direito ao
reconhecimento da paternidade, que encontra fundamento no direito à vida e no
postulado de proteção à dignidade humana e o direito a privacidade e a integridade
física do suposto pai, que muitas vezes alega não ser obrigado a se flagelar
fisicamente com a realização do exame de DNA, deverá prevalecer o direito do
investigante. Cabe ressaltar que a submissão a tal exame não demanda sacrifícios corpóreos consideráveis, que sejam legítimos a respaldar uma recusa fundada na alegação de que a parte deve ter respeitada a sua inviolabilidade corporal. A extração de uma amostra de sangue, ou mesmo de alguns fios de cabelo, não causam sofrimento considerável. Por outro lado, ainda que se pudesse considerar que a extração desse material genético originasse sofrimento corporal significativo, devemos entender que a busca da verdade real em relação à paternidade de um indivíduo é valor que se sobrepõe ao direito que se tem à inviolabilidade do corpo (MARTINS, 2003, p. 39).
56
Quanto ao ponto do direito de personalidade da intimidade, na qual a recusa
ao exame dar-se para se evitar a exposição pública do corpo, ou para se preservar
de possíveis discriminações em conseqüência de apresentação de doenças
congêneres, essas situações podem ser minimizadas caso o processo de
investigação de paternidade ocorra em segredo de justiça. Com isso, o direito à
intimidade deixa de ser um obstáculo intransponível perante a demanda pela
verdadeira identidade genética do hipotético pai.
É posição do Código Civil de 2002, para evitar a dissensão entre os juristas, e
o embate entre o investigado e o autor da ação de investigação de paternidade, que
o pretenso pai pode se recusar a realizar o exame de DNA, mas, ao mesmo tempo,
abriu uma brecha jurídica, em contrapartida, ao estabelecer o princípio da presunção
legal de paternidade como está exposto nos artigos 231 e 232, embora a presunção
de paternidade não seja juris et de jure ou absoluta, mas juris tantum ou relativa.
Com isso, cria uma armadilha argumentativa contra a recusa do pretenso pai
em se submeter ao exame de DNA, pois caso se evada do exame, presume-se a
paternidade. De uma maneira ou de outra, o investigado é “obrigado” a realizar o
exame de DNA para dirimir as dúvidas a respeito da sua possível paternidade em
relação ao processo movido pelo acusador.
É preciso, entretanto, ao cuidar de tal matéria considerar com atenção o
argumento apresentado por Franca (2006). Este autor demonstra que o exame de
DNA, não obstante a sua importância e precisão para a determinação de
paternidades, não tem “respostas para todas as indagações no campo da
identificação do vínculo genético de filiação, nem que todos os resultados dessa
prova sejam imperiosamente verdadeiros”.
Mesmo que a euforia de muitos tenha transformado o resultado das técnicas de investigação da paternidade e da maternidade pelo perfil do DNA num fato incontestável, ou que se propale uma cifra cada vez mais elevada de segurança na comprovação dos resultados desses exames, é imperioso, por razão de princípios científicos, que eles possam sempre ser analisados, principalmente quando se vai tomar uma decisão tão grave. A recomendação mais prudente tem sido que os Tribunais acreditem sim, mas com certa reserva nos resultados laboratoriais do polimorfismo do DNA em questões de vinculação genética de filiação, pelo fato de não se ter ainda uma convicção segura de seus recursos tecnológicos (FRANCA, 2006, p.8).
A posição do autor é de cautela, porque o exame de DNA não é um
procedimento isento de mácula, ou ainda porque as técnicas atuais não podem
57
responder absolutamente pelas necessidades impostas pelo exame. O exame de
DNA, não se pode negar, é um avanço enorme, um passo gigantesco nas pesquisas
médicas e cientificas em busca da identidade e da formação do ser humano. Mas a
questão que fica ainda é “a prova da tipagem em DNA, na investigação do vínculo
genético de filiação, tem valor probante absoluto e inquestionável?” (FRANCA,
2006).
Diante desse panorama, fica claro que o exame de DNA precisa ser encarado
como uma opção extremamente segura, mas da qual ainda não se pode afastar o
erro. Por isso, urge a normatização das técnicas do DNA para minimizar a zero
qualquer a influência de fatores que podem interferir negativamente nos resultados. Mesmo que a euforia de muitos tenha transformado o resultado das técnicas de investigação da paternidade e da maternidade pelo perfil do DNA num fato incontestável, ou que se propale uma cifra cada vez mais elevada de segurança na comprovação dos resultados desses exames, é imperioso, por razão de princípios científicos, que eles possam sempre ser analisados, principalmente quando se vai tomar uma decisão tão grave. A recomendação mais prudente tem sido que os Tribunais acreditem sim, mas com certa reserva nos resultados laboratoriais do polimorfismo do DNA em questões de vinculação genética de filiação, pelo fato de não se ter ainda uma convicção segura de seus recursos tecnológicos (FRANCA, 2006, p.8).
Deve-se lembrar que a recusa em realizar o exame de DNA por parte do
investigado, implica, além de afronta aos princípios constitucionais de proteção à
dignidade da pessoa humana e do direito a vida do investigante, em manifesta
negação ao preceito processual segundo o qual: “ninguém se exime do dever de
colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade” (art. 339 do
CPC).
Mesmo considerando sob o foco da inviolabilidade pessoal e do abuso de
direito a partir da manifestação do estado contra o investigado em exame de DNA,
que, ante a negativa, declara a presunção de verdade, o preceito acima fornece a
postura ética e moral mais indicada para que o acusado se conduza. Assim, ele
deve se prontificar a realizar o exame, sob pena de violentar o preceito processual
citado.
Convém chamar a atenção para o fato de que o direito ao corpo não é
ilimitado. A própria pessoa pode cometer violações em seu corpo, como no caso de
doação de órgãos regeneráveis e, também, violações por parte do Estado em casos
de interesse público, como nas vacinações. Com isso dirimi-se qualquer dúvida de
que a intangibilidade do corpo não é irrestrita.
58
Além disso, deve-se também imputar o seguinte preceito da Constituição
Federal como norma incondicional em questão da filiação.
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Art. 227, CF).
Esses argumentos doutrinários visam assegurar um respaldo positivo à ação
de pedido de investigação de paternidade ao se colocar os direitos de filiação em
posição de destaque entre os princípios constitucionais.
A esse respeito Fonseca (2003) argumenta que o princípio da prioridade
absoluta dos interesses da filiação contido no artigo 227 Constituição Federal
posiciona-se acima de outros princípios constitucionais. Com isso, o boicote a
realização do exame de DNA deixa de ser preponderante como fator de defesa
absoluta. O que conta na questão em tela é o direito da criança em conhecer a sua
ascendência genética.
A Carta da República e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
asseguram de maneira cabal os direitos que crianças e adolescentes gozam perante
a sociedade. São direitos fundamentais que garantem um tratamento social e legal
dentro do espírito de maior proteção e cidadania.
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (Art. 3º, ECA ).
Assim, ao procurar na justiça o seu reconhecimento genético, o indivíduo
utiliza o seu pleno direito de personalidade e com isso encontra respostas para as
suas dúvidas e questionamentos, conforme está garantido no Estatuto da Criança e
do Adolescente. O que vale, na espécie, é o princípio da prioridade absoluta dos
interesses da filiação. É esse princípio que sobrepuja o direito da personalidade do
hipotético pai, o direito de inviolabilidade pessoal e de integridade física, à
intimidade, à vida privada, à honra, à imagem e à liberdade.
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Conforme Fonseca (2003), o direito ao reconhecimento da origem genética é
direito personalíssimo da criança, não sendo passível de obstacularização, renúncia
ou disponibilidade por parte da mãe ou do pai, inexistindo, portanto, a possibilidade
de se ter presumido o vínculo paternal.
O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça (Art. 27, ECA).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é lei maior a respeito dos
direitos da criança. Nada pode obstar a sua realização. Por isso, a criança tem
direito inalienável de tomar conhecimento de seu verdadeiro pai biológico. Não
importa se a partir daí haverá uma relação filial amorosa, ou se o pai vai se dedicar a
esse filho, o que vale salientar, à luz da Lei e do direito, é que o reconhecimento
genético é um direito da criança. Cabe ao estado a abertura de inquérito e a
investigação necessária para a realização do exame de DNA, que irá determinar se
o investigado é ou não pai biológico do investigante.
Em suma, o exame de DNA constitui modo eficiente de determinar prova na
questão da investigação de paternidade, mas não se pode descurar das demais
provas como depoimento pessoal, confissão, prova documental, exibição de
documento ou coisa, prova testemunhal, prova pericial e inspeção judicial.
É certo que o alto índice de precisão do exame do DNA se reflete na
investigação de paternidade tanto para confirmá-la quanto para negá-la. Vargas e
Werlang (2004) asseveram que o exame de DNA incide sobre a presunção e a
reveste com o manto da realidade e da confiabilidade. Para as autoras o exame de
DNA se constitui peça fundamental para o concurso da verdade biológica.
Entretanto, é preciso que o exame seja realizado em condições ótimas laboratoriais,
onde esteja minimizada qualquer possibilidade de contaminação, como demonstra
Franca (2006).
As coletas de sangue devem ser feitas individualmente, sendo importante que as partes compareçam no mesmo horário ao laboratório, para que haja a identificação de uma parte pela outra. Não sendo possível o comparecimento das partes conjuntamente, devem estas ser fotografadas com máquinas polaróide e sua foto incorporada ao laudo, como prova de sua identidade (VARGAS; WERLANG, 2004, p. 48).
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A investigação de paternidade sob o ponto de vista do exame de DNA
transforma a presunção em verdade absoluta. Com isso, o hipotético pai passa a ser
verdadeiro pai. Mas isso basta para a relação filial entre o pai e o filho. Será que
haverá maior preocupação do pai a respeito do filho? A adoção do sobrenome e o
reconhecimento da paternidade não podem ser imputados juridicamente.
Essas questões não podem ser respondidas pela justiça. Cabe ao
ordenamento jurídico apontar assertiva ou negativamente a ligação paterna a partir
do exame genético de DNA, já que este teste se constitui atualmente a única prova
de certeza quase absoluta.
Esse dilema não pode ser facilmente resolvido. O desinteresse do pai pela
criança é algo que de imediato não como mudar. A investigação de paternidade com o objetivo de obrigar um homem a reconhecer um filho, que não quer, posto que não desejado, perderia sua legitimidade. O homem estaria sendo obrigado a aceitar um papel que não deseja e que, bem provavelmente, não sabe desempenhar. Quem sabe não seria de se considerar a possibilidade de uma investigação apenas para fins alimentares? Verifica-se que uma paternidade imposta por sentença jamais será transformada em paternagem, pois envolve valores como o afeto, a dedicação, o carinho, e, por isso, somente essa interessa a um filho (VARGAS; WERLANG, 2004, p. 48).
Como se observa, considerar apenas o vínculo biológico não é suficiente para
a realização integral da paternidade assumida através de processo jurídico.
Determina-se o pai e só. O lado afetivo fica de fora desta relação. A família assim
constituída é uma família partida, incompleta, porque falta a vivência afetiva. A
psicologia aponta que na origem do sujeito está o desejo. Estas crianças que
descobrem tardiamente a vinculação paterna têm desejo de família, de pais, como
afirmam Vargas e Werlang (2004). O que deve estar em jogo, em primeiro lugar,
nestas situações deve ser sempre o bem-estar da criança. Somente ela que importa.
5.4 Determinação da prova pericial no DNA no ordenamento jurídico brasileiro
Com a adoção do Novo Código Civil em 2002, a filiação como até era
conhecida mudou. A partir desta data, a discriminação entre os filhos desapareceu:
não mais importa se o filho é fruto de uma relação estável, ou extramatrimonial; filho
61
de uma esposa ou de uma concubina ou amante. Perante a Lei, os filhos têm o
mesmo direito de acordo com a norma jurídica de igualdade presente na
Constituição Brasileira de 1988.
Conforme esse ordenamento jurídico todos são iguais perante a lei. O estado
deve prover igualdade de direitos sem a distinção de sexo, e obrigações entre
homem e mulher, de forma que na relação matrimonial ou extramatrimonial o poder
familiar seja exercido igualmente entre o marido e a mulher. Portanto, não há mais
sentido em discriminar filhos nascidos fora do casamento.
Considerando o instituto da igualdade, torna-se inútil qualquer tentativa do
hipotético pai em se opor ao exame de DNA, evocando outros institutos jurídicos
como o direito da personalidade, o abuso de direito do estado, direito à intimidade e
a intangibilidade do corpo humano, porquanto “o indivíduo sem identidade ou que
receba tratamento desigual em juízo é indivíduo que a própria Justiça mantém
alijado dos direitos e garantias previstos na Carta Magna” (MARTINS, 2007).
A investigação de paternidade busca, assim, fornecer elementos para que
haja uma igualdade na relação familiar com a identificação da ascendência. Como
afirma Martins (2007) a finalidade do exame de DNA objetiva completar as lacunas
que faltam na identidade familiar do presumível filho.
Assim, a busca da igualdade genética e familiar através da determinação do
exame pericial do DNA se constitui um meio eficaz de se aproximar do direito de se
igualar-se aos demais membros da família.
O direito de igualar aos demais, tendo-se por completo, além de sua identificação decorrente da filiação biológica, consagra o direito de valer-se de todos os meios legais para a materialização desse direito assegurado em nosso ordenamento jurídico. Isso pode ser buscado mediante o procedimento da ação de investigação de paternidade, cumulada com outros pedidos decorrentes do reconhecimento objetivado pelo autor (MARTINS, 2007, p. 65).
O exame de DNA, desde o seu aparecimento, trouxe consigo o debate, o
questionamento, a dúvida e as possibilidades inimagináveis e o grau quase absoluto
de acerto, por volta de 99,999999999%, que, para Vargas e Werlang (2004), “este
percentual é, apenas, um cálculo, oriundo do zelo dos profissionais que executam
tais exames, porque, na realidade, 99,99999999% já é 100%, esta resta vencida”.
62
A confiança no exame de DNA transformou-o em prova absoluta, solução
definitiva nas investigações de paternidade que usa esse método para identificar o
suposto pai. A conseqüência imediata foi o descarte dos meios probatórios
tradicionais.
Com isso, a Justiça delegou à ciência um papel decisivo no julgamento de
investigação de paternidade. Cabe, nesse caso, ao juiz homologar o que está
prescrito na prova de DNA
Para os estudiosos da matéria o direito pátrio atual, mesmo consagrando a significativa liberdade probatória e dispondo o magistrado do instituto do livre convencimento da prova pericial, nota-se uma tendência em se confiar cegamente na perícia do DNA, determinando efeitos deletérios sobre os outros meios legítimos e lúcidos da prova judiciária. Maria Celina Bodin de Moraes critica a "certeza científica" com que se tem admitido o exame de paternidade pelo DNA que, segundo ela, só encontra um único obstáculo hoje, qual seja, a recusa do suposto pai em fornecer material para realização dos testes (DRUMOND, 2009, p. 56).
Com o exame de DNA, a investigação de paternidade saiu do campo das
presunções para o campo formal da ciência, o que o tornou com um nível de
eficiência na identificação do suposto de quase 100%. Essa certeza transformou o
exame de DNA em uma ferramenta poderosa, que passou a reinar, nestes casos,
absoluta.
Nesse aspecto, é preciso conhecer ainda o direito do investigado e o direito
do investigante. No primeiro caso, o investigado pode se opor negativamente a
realização do exame invocando o direito á intimidade e a inviolabilidade do corpo,
argumentos que se prestam a indagações e questionamentos. Esses direitos se
encontram acolhidos na Constituição Brasileira, entretanto choca-se diretamente
com os interesses da investigante. Nesse caso, como já vimos, a Justiça inclina-se
na direção da criança, já que todo filho, legítimo ou não, tem o direito jurídico de
conhecer o seu pai.
Conforme Martins (2007) é um direito do investigante que está além do direito
da personalidade do pai, pois se constitui um princípio supremo, que está conectado
aos direitos fundamentais da vida é se constitui sobre os demais princípios
humanos, um escopo no qual prevalece a dignidade da pessoa, que tem o direito de
conhecer a sua ascendência genética e sua família.
63
Na hipótese de negativa do réu à realização do exame de DNA, entende-se não se poder interpretar tal recusa como simples indício, passando pela presunção juris tantum. Pode-se, isto sim, determinar ao réu a conseqüente inversão do ônus da prova, sob pena de confissão, tendo em mente que a jurisprudência brasileira, em regra, tem avaliado a recusa sempre de modo desfavorável ao réu nas investigações de paternidade (MARTINS, 2007, p.81).
O ordenamento jurídico da presunção da paternidade parte do pressuposto
da inversão da prova, já que quem nada tem a esconder, mais rápido que provar
que é inocente. Com isso, a presunção hominis favorece a presunção da
paternidade do investigado que assim apaga qualquer indício de recusa ante a
necessidade do exame de DNA.
Almeida (2006) assevera que o estabelecimento da prova ainda é o ponto
sensível no processo de investigação de paternidade. Com a adoção do exame de
DNA a revelação da verdade tornou-se mais objetiva, mais clara, mais permanente.
A sua relevância para o conjunto probatório do exame pericial do DNA está na
grande possibilidade de apontar e conduzir o processo judicial na direção da
verdade nas questões que tratam de investigação de paternidade.
É o momento para consignar o exame de DNA como um método eficaz e
eficiente e que, por isso, não pode ser preterido, na busca da verdade em relação ao
suposto pai na investigação de paternidade. Embora se possa argumentar que o uso
do exame de DNA não exime o erro, a sua eficiência em acerto próximo aos 100% é
garantia de que a verdade, através da utilização do exame de DNA, seja conhecida,
favorecendo, nesse sentido, a necessidade do investigante em ter conhecimento
amplo e irrestrito a respeito de sua família e de sua ascendência genética.
É preciso ainda dizer que a paternidade não se restringe ao campo biológico,
mas fruto também de um campo maior construído a partir de vínculos que florescem
na família. É preciso encarar a necessidade de relativizar o resultado final do exame
de DNA no sentido de que se estabelece a verdade em relação ao suposto pai, mas
não se pode religar os fios da emoção, do respeito, do amor e da dignidade humana.
É preciso muito mais do que o reconhecimento biológico do pai. O filho precisa de
um amplo território de afetividade, no qual possa encontrar um porto seguro de
amor, carinho, de bem estar e felicidade.
64
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O instituto da filiação é responsável pela relação entre pais e filhos.
Doutrinariamente, apresenta-se articulada em filiação biológica e sociológica, na
qual ainda contempla as questões da filiação legítima, a ilegítima e a legitimada. O
exame de DNA prevalece nesse campo visando às hipóteses nas quais o não
reconhecimento voluntário do hipotético genitor se constitui o esteio da ação judicial.
Nestes casos a ação colocada a disposição do filho é o exame de DNA.
Exame que busca esclarecer e reconhecer a identidade biológica do pretenso pai da
criança. Se reconhecida essa identidade, acriança passará a fruir de todos os
direitos e deveres inerentes a sua situação de filho.
Nesse contexto, entretanto, o hipotético pai pode prescindir de realizar o
exame de DNA, alegando o direito da personalidade, ou seja, direito a integridade
física, à intimidade e à vida privada.
Para sanar a colisão de interesses, o Novo Código Civil considerou que os
direitos da personalidade são um instituto inerente ao ser humano e, portanto, ele
não é obrigado a produzir provas contra si mesmo ou violentar o próprio corpo na
produção destas provas.
Diante da necessidade do pretenso filho ter também o direito de conhecer
biologicamente ao pai, considerou este mesmo Código que a recusa do investigado
em realizar o exame de DNA para a posterior identificação, positiva ou negativa, da
paternidade pode incidir o efeito de presunção de paternidade. Aliás, o Código Civil
de 2002 veio apenas reafirmar tese já consagrada na jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, que chegou a editar a Súmula 301 nesse sentido.
Súmula 301-STJ: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. SUBSTITUIÇÃO DE TESTEMUNHA. AUSÊNCIA DE NOVA INDICAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. EXAME DE DNA. CONSULTA AO RÉU EM AUDIÊNCIA. RECUSA. ELEMENTOS DE PROVA DESFAVORÁVEIS AO INVESTIGADO. SÚMULAS N. 7 E 301-STJ. I. Não cerceia a defesa do investigado a substituição de testemunha com seu consentimento, sem que, por desídia pessoal, outra seja indicada. II. De acordo com a jurisprudência desta Corte, a recusa do investigado em submeter-se ao exame de DNA, como na espécie ocorreu em manifestação na audiência de conciliação e instrução, constitui elemento probatório a ele
65
desfavorável, pela presunção que gera de que o resultado, se realizado fosse o teste, seria positivo, corroborando os fatos narrados na inicial, já que temido pelo alegado pai. III. "Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade" (Súmula n. 301-STJ). IV. Existência, de outra parte, de outros dados colhidos nos autos, que, juntamente com tal presunção gerada pela recusa daquele a quem é imputada a paternidade, justificam a conclusão do acórdão estadual pela procedência da ação, cuja revisão, assim como o suposto cerceamento de defesa, nesse contexto, reclamaria do STJ o reexame geral da prova, o que recai no óbice da Súmula n. 7. V. Recurso especial não conhecido.
Assim, a posição do hipotético pai ante a necessidade de exame de DNA em
uma investigação de paternidade é bastante limitada. Se por um lado a Lei faculta a
sua recusa, ao mesmo tempo, impingi-lhe a presunção legal de paternidade para
coagi-lo a realizar ao exame em nome da preponderância dos direitos da
personalidade do pretenso filho. Com isso, não há alternativa legal que o proteja da
realização do exame como se demonstrou neste trabalho.
O exame de DNA é processo indispensável na investigação de paternidade.
O ordenamento jurídico brasileiro não pode prescindir deste processo nas questões
vinculadas aos interesses de filiação. Entretanto, por mais relevante e preciso que
seja o exame de DNA, não se pode delegar a este exame o absolutismo
incontestável de prova plena. Deve-se considerar também as articulações das outras
provas, as questões ligadas ao contexto familiar e às afetividades conexas ao
provimento social da família, bem como a valoração da provas pelo juiz.
Em suma, o Novo Código Civil deu um grande avanço quando considerou
que não mais se pode admitir a negativa ante a necessidade de realização do
exame de DNA a partir de argumentos importantes, mas que colidem com interesses
maiores, ou seja, o direito do indivíduo em conhecer a sua ascendência biológica.
Os artigos 231 e 232 sanam as dúvidas a respeito do direito e deveres dos
envolvidos em casos de investigação de paternidade.
É preciso, entretanto, considerar não apenas os direitos inerentes de cada
uma das partes envolvidas, mas também o contexto histórico, social, cultural e
familiar. O que está em discussão não é apenas um reconhecimento frio e
acadêmico a respeito de origem genética, mas, o que é fundamental, o direito Do
indivíduo em ter um lar, ter pais presentes, felicidade e bem-estar.
66
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