GEP – GRUPO DE ESTUDOS PREPARATÓRIOS DO II
CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO COMERCIAL
ANÁLISE CRÍTICA DO DIREITO
ANTITRUSTE
SÃO PAULO
2012
Coordenador:
André Luiz Santa Cruz Ramos (Doutorando em Direito Empresarial pela PUC-SP e
Professor de Direito Empresarial do IESB-DF)
Currículo resumido dos autores:
Patrick Coelho Campos Gappo (Bacharelando em Direito pela Univsersidade Estadual
do Rio de Janeiro – UERJ)
Adriel Santos Santana (Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz
– BA)
Odilon Cândido (Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Toledo de Araçatuba,
São Paulo)
Jean Monteiro (Bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho e Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de
Marília – UNIVEM)
Daniel Tisi (Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Curitiba,
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba e Pós-graduado em Relações
Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB)
SUMÁRIO
Introdução
1. As origens do direito antitruste
2. Os erros conceituais do direito antitruste
3. Controle de estruturas
4. Repressão de condutas
5. Conclusão
INTRODUÇÃO
“As leis antitrustes foram criadas precisamente para serem usadas pelos
concorrentes menores para arrasar concorrentes mais eficientes”. A afirmação é de
Dominick Armentano, professor emérito de Economia da Universidade de Hartford e
um dos maiores críticos da atualidade ao direito antitruste, mas se ela fosse colocada em
uma prova para que um estudante de Direito de qualquer universidade brasileira
assinalasse verdadeiro ou falso, certamente a esmagadora maioria, quiçá a totalidade
deles, assinalaria falso, sem titubear. Por quê?
No mundo todo, espalhou-se a falácia de que o direito antitruste (direito
econômico e direito concorrencial são outros nomes dados a essa nova disciplina
jurídica) é um importantíssimo ramo do Direito, por meio do qual o Estado, através de
um ente específico (no Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica –
CADE), intervém na Economia para corrigir supostas “falhas de mercado”, (i)
analisando preventivamente atos de concentração empresarial (controle de estruturas),
(ii) punindo medidas que atentem contra a ordem econômica (repressão de condutas) e
(iii) difundindo a cultura da concorrência pelo País (advocacia da concorrência).
Em todos os cursos de Direito oferecidos pelas instituições de ensino superior no
Brasil os estudantes são obrigados a engolir os despautérios mencionados no parágrafo
acima. Provavelmente nenhum desses estudantes é informado de que existem fortes e
muito bem embasados argumentos contra a existência de leis e órgãos antitruste. Talvez
sequer os professores desses alunos tenham sido informados disso. O objetivo desse
estudo, pois, é mostrar à comunidade jurídica brasileira tais argumentos, demonstrando
que leis e órgãos antitruste são a verdadeira antítese da livre concorrência e que, por
conseguinte, o CADE deve ser abolido e sua lei de regência, revogada.
Após reunir um pequeno, porém seletíssimo grupo de estudantes de Direito1 que,
graças à internet e ao livre fluxo de informações que ela propicia, tiveram contato com
ideias liberais, notadamente as ideias da Escola Austríaca de Economia2, sugeri a
1 O trabalho teve a valiosa colaboração de Daniel Marchi, economista formado pela USP de Ribeirão Preto e fundador do Grupo de Estudos da Escola do Distrito Federal, do qual o coordenador deste grupo tem a honra de fazer parte. O blog do grupo pode ser acessado no seguinte endereço eletrônico: http://escolaaustriacadf.blogspot.com/. 2 De acordo com a wikipedia, “A Escola Austríaca (também conhecida como Escola de Viena ou Escola Psicológica) é uma escola de pensamento econômico que enfatiza o poder de organização espontânea do mecanismo de preços. A Escola Austríaca afirma que a complexidade das escolhas humanas subjetivas faz com que seja extremamente difícil (ou indecidível) a modelação matemática do mercado em evolução e defende uma abordagem laissez-faire para a economia. Os economistas da Escola Austríaca defendem
realização desse estudo, que foi dividido em 4 (quatro) partes:
1. A origem das leis antitruste: nesse tópico, serão desmantelados os mitos que
envolvem os casos que deram origem ao Sherman Act3 e as demais leis antitruste
que lhe seguiram, deixando claro que tais leis surgiram como forma de os
empresários incompetentes usarem o governo para fustigar os empresários
competentes, conforme a citação de Dom Armentano que abre essa introdução.
2. Os erros conceituais do direito antitruste: nesse tópico, demonstrar-se-á
que conceitos como “concorrência perfeita” e “monopólio natural”, que são
usados a todo momento pela doutrina maintream que sustenta o direito
antitruste, são absolutamente equivocados. Também se demonstrará que a ideia
principal que sustenta o direito antitruste é absurda: os burocratas cometem o
pecado da “pretensão do conhecimento”4 e acreditam que podem ditar o
funcionamento do mercado.
3. Controle de estruturas: nesse tópico será estudada a mais nefasta atuação
dos órgãos antitruste: a análise preventiva de atos de concentração empresarial.
Demonstrar-se-á que é absurdo impedir fusões e aquisições, mesmo as que
acarretam alta concentração de mercado, porque elas geram eficiências que
reduzem os preços e melhoram os bens e serviços ofertados. Altos índices de
concentração empresarial só devem ser combatidos se decorrem de privilégios
legais, mas se surgem naturalmente num ambiente de livre competição, nada
deve ser feito.
4. Repressão de condutas: nesse tópico a idéia é mostrar que as condutas
repreendidas pelo direito antitruste – cartéis e preços predatórios, por exemplo –
a estrita aplicação rigorosa dos acordos contratuais voluntários entre os agentes econômicos, e afirmam que transações comerciais devam ser sujeitas à menor imposição possível de forças que consideram ser coercivas (em particular a menor quantidade possível de intervenção do governo)”. 3 Trata-se da lei antitruste americana, de 2 de julho de 1890, que inspirou todas as demais leis antitruste, inclusive a brasileira (atualmente, o Brasil vive um período de transição de leis antitruste, porque a Lei nº 12.529 foi editada em dezembro de 2011 e, ao fim de seu vacatio legis, substituirá a atual Lei nº 8.884/1994). 4 Título do discurso que o grande Friedrich Hayek, talvez o maior discípulo de Ludwig von Mises, proferiu por ocasião do recebimento do Prêmio Nobel de Economia, em 1974. Versão em português do texto pode ser lida no seguinte endereço eletrônico: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=222.
são falácias e só conseguem ser praticadas com danos ao mercado com ajuda
estatal: regulamentações esquizofrênicas, monopólios legais, barreiras à entrada
etc. No livre mercado genuíno, tais condutas não se sustentam nem conseguem
produzir efeitos nocivos duradouros.
Cada autor ficou responsável por escrever separadamente sobre um dos tópicos
acima, portanto o relatório ora apresentado não é um estudo uno, mas uma compilação
de estudos, os quais podem, eventualmente, repetir informações e não apresentar uma
seqüência perfeita de informações.
Praticamente toda a bibliografia utilizada no presente estudo pode ser obtida na
internet, em sites de institutos especializados que têm se dedicado a difundir as ideias
liberais. O mais importante deles, talvez, seja o Instituto Ludwig von Mises
(www.mises.org), que há alguns possui um braço brasileiro (www.mises.org.br).
Seguem abaixo os principais textos consultados e seus respectivos endereços
eletrônicos, para que o leitor possa, caso tenha interesse, conferir as informações e
aprofundar-se no estudo do tema. Outras fontes bibliográficas que também foram
consultadas estão devidamente citadas em notas de rodapé.
“Economia do indivíduo: o legado da Escola Austríaca”, de Rodrigo Constantino: http://www.mises.org.br/Ebook.aspx?id=26 “A lei antitruste e a AMBEV - uma análise sob a norma da razão”, de Klauber Cristofen Pires: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=362 “Anti-trust, Anti-truth”, de Thomas DiLorenzo: http://mises.org/daily/436 “Os economistas e as leis antitruste”, de William L. Anderson: http://escolaaustriacadf.blogspot.com/2011/06/os-economistas-e-as-leis-antitruste.html “O estado e os carteis - faça o que digo, não o que faço”, de Klauber Cristofen Pires: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=976 “O direito de formar cartéis”, de Rodrigo Constantino http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2009/04/o-direito-de-formar-carteis.html “100 Years of Myths about Standard Oil”, de Gary Galles http://mises.org/daily/5274 “Concorrência, monopólio e Estado”, de Alceu Garcia, pseudônimo de Pedro Mayall Guilayn: https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=explorer&chrome=true&srcid=0B8okAQj4S2bsN2UxYWJkMzgtNTMzYS00NGM3LTg0MzktYmViYThiNjYzNzYw&hl=pt_BR&pli=1
“Para que ser vê o CADE”, de Rafael R. Guthmann: http://www.libertarianismo.org/index.php/academia/15-artigos/369-para-que-serve-o-cade “Abolish Antitrust Laws”, de Murray Rothbard: http://mises.org/daily/4397 “Do Antitrust Laws preserve competition”, de Sylvester Petro: http://mises.org/daily/3856 “A politically incorrect guide to Antitrust Policy”, de Dominick Armentano: http://mises.org/daily/2694 “How Antitrust ruined the movies”, de Mark Thornton: https://www.mises.org/freemarket_detail.aspx?control=178
É extremamente salutar debater esses lugares-comuns que normalmente se
estabelecem nos mais variados ramos do Direito. O mito de que o livre mercado produz
cartéis, monopólios etc. que causam danos aos consumidores precisa ser combatido. A
nova lei antitruste brasileira (Lei nº 12.529, de dezembro de 2011) passou anos
tramitando no Congresso Nacional sem que nenhuma voz influente se levantasse contra
a sua aprovação, quando na verdade o ideal seria que várias vozes gritassem pela
revogação das leis antitruste e dos órgãos responsáveis pela sua aplicação. Se na
arena política ninguém ainda se manifestou nesse sentido, que pelo menos a academia
cumpra o seu papel e inicie o debate.5
5 Merece destaque, nesse ponto, interessante trabalho monográfico apresentado por Mariana Piaia Abreu como trabalho de conclusão de curso de Economia na Universidade Federal de Santa Maria. O título do trabalho é “Metodologia brasileira de análise de atos de concentração horizontal: a perspectiva da Escola Austríaca vs. o mainstream”, e pode ser lido no seguinte endereço eletrônico: http://libertarianismo.org/index.php/biblioteca/167-mariana-piaia-abreu/660-metodologia-brasileira-de-analise-de-atos-de-concentracao-horizontal-a-perspectiva-da-escola-austriaca-vs-o-mainstream
1. AS ORIGENS DO DIREITO ANTITRUSTE (Patrick Coelho Campos Gappo)
Faz parte do mito por trás do direito antitruste, a afirmativa de que o século XIX
foi um século de monopólios e cartéis. Até mesmo juristas céticos e críticos do direito
antitruste, como Richard Posner, acreditam na história de que o século XIX teria sido
um período de capitalismo selvagem e monopólios. Marshall Howard, por exemplo,
chama o Sherman Act de “carta magna do livre-comércio”.
Thomas DiLorenzo fez uma pesquisa extensiva sobre as condições do comércio
no final do século XIX, e não conseguiu achar uma estatística sequer que comprovasse a
acusação de cartelização generalizada do mercado. Mais especificamente, não
conseguiu achar um caso sequer de monopólios no sentido de aumentarem preços e
diminuírem a produção.
No seu estudo, DiLorenzo analisa os dados de 17 empresas diferentes, todas as
quais foram acusadas durante o debate para aprovação do Sherman Act, de estarem
monopolizando e prejudicando consumidores.
Na década imediatamente anterior à passagem do Sherman Act, o crescimento
do PIB foi de 24%. Enquanto isso, as empresas que estavam sendo acusadas de práticas
monopolísticas cresceram sua produção em média 175%, o que é sete vezes maior que o
resto da economia.
Outra acusação foi de que tais empresas estariam aumentando preços e
prejudicando consumidores. O estudo, porém revela que enquanto a média de preços da
economia no período caiu em 7%6, em todas as indústrias estudadas, com exceção do
carvão, os preços caíram mais do que a média nacional. O preço do aço, por exemplo,
caiu em 53%. O preço do açúcar refinado, em 22%. O preço do zinco, em 20%.
Tal redução de preços foi reconhecida pelo Congresso norte-americano durante a
discussão da lei. Os defensores da lei, como o Senador Edwards, diziam que mesmo
6 Interessante comparar como hoje a média de preços sempre é crescente.
havendo ocorrido tamanha redução de preços, ainda assim os trustes eram errados “em
princípio” (?).
1.1. Casos históricos
Existe um caso muito interessante que vale a pena estudar sobre preço
predatório7 e monopólios8, condutas que as autoridades antitruste adoram alardear como
nocivas ao mercado, para justificar sua existência e seus poderes de interferir na
economia. É a história de Herbert Dow contra o cartel alemão para a venda de bromo9.
Dow foi um dos grandes industriais do final do século XIX. Aos 12 anos já
havia inventado um incubador para ovos de galinha. Em 1891, ele havia desenvolvido
um método revolucionário para a produção de Bromo e logo em seguida abriu sua
indústria para começar a produção.
Segundo dizem seus biógrafos, Dow trabalhava 18 horas por dia e dormia na sua
fábrica para não perder tempo. Com todo seu trabalho e genialidade, Dow conseguiu
baratear os custos e vender bromo a 36 centavos por libra. Rapidamente, conseguiu
7 De acordo com o site da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, preço predatório é a “situação em que uma firma reduz o preço de venda de seu produto, incorrendo em perdas no curto prazo, objetivando eliminar rivais do mercado, ou possíveis entrantes, para, posteriormente, quando os rivais saírem do mercado, elevar os preços novamente, obtendo, assim, ganhos a longo prazo”. Trata-se de uma falácia sem tamanho, e a história mostra isso claramente, como bem lembra Murray Rothbard, discípulo de Ludwig von Mises e um dos maiores expoentes da defesa do livre mercado genuíno, em texto da década de 80 no qual criticava medidas protecionistas americanas contra produtos japoneses (iguais às medidas estúpidas que o governo brasileiro tem tomado contra produtos chineses): “Na verdade, durante décadas os opositores do livre mercado alegaram que muitas empresas ganharam poder no mercado praticando aquilo que chamam de "cortes de preços predatórios", isto é: essas empresas forçariam seus concorrentes menores à falência vendendo produtos abaixo do custo, e, logo em seguida, colheriam a recompensa desse método injusto aumentando seus preços e, assim, cobrando "preços de monopólio" dos consumidores. A alegação é que mesmo que os consumidores tenham algum benefício no curto prazo — com guerras de preços, "dumping", e vendas abaixo dos custos —, eles perderiam no longo prazo com esse alegado monopólio. Mas, como temos visto, a teoria econômica mostra que isso seria um empreendimento inútil, onde essas empresas praticantes de "dumping" perderiam dinheiro e nunca atingiriam o preço de monopólio. Além disso, uma investigação histórica não encontrou um único caso em que preços predatórios, quando tentados, foram bem sucedidos. Na verdade, há poucos casos em que eles realmente foram tentados” (Protecionismo: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=64). 8 Como bem destaca Hans F. Senholz, outro discípulo de Ludwig Von Mises nos EUA, “Em uma economia de mercado livre e desimpedida, sem agências reguladoras e conselhos antitruste, um monopólio não é causa para alarde. Uma empresa que porventura detenha o controle exclusivo de uma mercadoria ou de um serviço em um mercado específico será, ainda assim, incapaz de explorar essa situação, e pelos seguintes fatores competitivos: a concorrência potencial, a concorrência de substitutos, e a elasticidade da demanda” (Monopólio bom e monopólio ruim: como são gerados e como são mantidos: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1057). Monopólios, duopólios e oligopólios só são nocivos quando decorrem de barreiras legais à entrada, e estas só podem ser criadas pelo Estado. 9 Ver mais em: http://www.mackinac.org/article.aspx?ID=31. Confiram-se, ainda: Politically Incorrect Guide do American History e 33 questions you are not supposed to ask about american history, ambos de autoria de Thomas E. Woods Jr., PhD em história americana pela Universidade de Columbia.
conquistar o mercado americano, e desejou então começar a vender na Europa. O
problema nisso era que o velho continente estava numa situação de quase-monopólio
para um cartel químico alemão subsidiado pelo governo, que vendia o bromo a 49
centavos por libra.
O cartel alemão ameaçou de levar Dow à falência caso ele tentasse vender na
Europa. Mesmo assim o americano não se deixou intimidar e começou a exportar
bromo para o velho continente. Imediatamente, o cartel começou a praticar “preços
predatórios” e vender Bromo nos EUA a 15 centavos para tirar Dow do mercado.
Pois bem. A teoria econômica convencional, que ignora o dinamismo da
economia e a criatividade dos empreendedores, teria nos contado que esse seria o fim da
Dow Company, mas este simplesmente instruiu seus agentes a comprar o bromo
vendido nos EUA a 15 centavos, e revendê-lo na Europa a 27 centavos.
O cartel não conseguiu entender como a demanda por bromo nos EUA estava
crescendo tanto, ao mesmo tempo em que tanto bromo barato chegava à Europa. A
solução então foi vender a 12 centavos nos EUA, com a certeza de que isso levaria Dow
à falência. Quando nem isso deu certo, passaram a vender a 10,50. Enquanto isso Dow
apenas comprava nos EUA e revendia a 27 centavos na Europa.
Depois de um tempo e de uma quase-falência, o cartel alemão entendeu que
“preços predatórios não são a melhor estratégia”.
1.2. Jurisprudência
Se for tão natural que empresas formem monopólios e que tais monopólios (ou
duopólios e oligopólios) causam efeitos nocivos aos consumidores, então bastaria
analisarmos alguns casos empíricos para ver a validade de tal afirmação.
1.2.1. Caso da Standard Oil of New Jersey (1911)
Segundo o folclore jurídico conta, a Standard Oil monopolizava a indústria do
petróleo, destruía rivais com preços predatórios e aumentava preços para o consumidor
até ser punida pela Suprema Corte americana. Esse é um dos casos mais conhecidos do
direito antitruste em todo o mundo, mas a versão que comumente é passada aos leigos e
estudantes neófitos é recheada de falácias, que serão desmascaradas nos parágrafos
seguintes.10
Primeiramente, a Standard Oil não monopolizava sequer o refino de petróleo,
muito menos toda a indústria de petróleo. Mesmo no refino nacional, a sua porcentagem
de mercado caiu nas décadas precedentes à instauração do processo contra ela. Além
disso, havia por volta de 137 competidores no mercado, alguns dos quais muito famosos
e demonizados hoje, como Shell, Texaco etc.
Mais importante ainda, tanto a produção de petróleo quanto os preços caíram ao
longo das décadas de suposto “monopólio” da Standard Oil. Por exemplo, o preço do
querosene caiu de 30 centavos o barril em 1869 para 6 centavos o barril, na época do
julgamento.
Finalmente, a Standard Oil foi condenada não porque havia sido demonstrado
prejuízo aos consumidores. O motivo alegado no julgamento foi “tentativa” de
monopólio por meio das fusões.11
1.2.2. Microsoft
Outro caso conhecido em que as leis antitruste foram aplicadas para punir uma
empresa eficiente foi o caso da Microsoft, acusada de tentar monopolizar um sistema
operacional de computadores por meio de uma conduta supostamente anti-concorrencial
chamada de “venda casada”. Citando Dominick Armentano e Robert Murphy, Rodrigo
Constantino explica o absurdo do caso:
No entanto, a situação dominante da Microsoft era fruto de sua maior competitividade e, portanto, legítima. Não existiam barreiras artificiais à entrada de novos concorrentes, e sistemas operacionais substitutos eram oferecidos por outras empresas. Mas a Microsoft foi ganhando mercado porque um sistema operacional padronizado é mais barato de ser produzido e distribuído e mais fácil de ser usado, o que favorecia os consumidores. As fabricantes Dell, Compaq e tantas outras eram livres para escolher o browser da Netscape. Mas, claramente, um sistema operacional com um navegador grátis já incluído era uma opção mais benéfica para os consumidores do que pagar um custo adicional para ter outro browser. Quando as autoridades reclamaram da integração e do preço "predatório" da Microsoft, elas estavam condenando o processo competitivo de mercado, não qualquer monopolização. Robert Murphy, em Os Pecados do Capital,
10 Sobre esse caso, recomenda-se a leitura do texto “100 Years of Myths about Standard Oil”, de Gary Galles, disponível no seguinte endereço eletrônico: http://mises.org/daily/5274. 11 A American Tobacco, tal como a Standard Oil, foi condenada apenas por tentativa (intent) de monopolizar, não tendo sido provado nenhum malefício aos consumidores, que desfrutaram de maior produção e menores preços.
comenta o caso da Microsoft e condena a arbitrariedade da lei antitruste. "Um juiz deve decidir se uma empresa pode 'integrar' dois produtos ou se deve vendê-los separadamente." Murphy faz uma analogia com a Ford para demonstrar como seria absurdo questionar se a empresa deveria ter o poder de "integrar" o motor e os pneus de seus veículos ao vendê-los aos consumidores. "Seria ridículo para uma concorrente reclamar que a Ford estava 'vinculando' de forma desleal seus pneus ao sucesso de seu motor, reduzindo, dessa forma, a concorrência no negócio de pneus."12
1.2.3. Alcoa
Outro caso de aplicação das leis antitruste para punir uma empresa eficiente foi o
da Alcoa, também acusada de “monopolização”, porém sem que se tenha provado
qualquer atitude de sua parte para prejudicar consumidores com aumentos abusivos de
preços ou coisa parecida, como afirmam os fantasiosos manuais de direito concorrencial
escritos pelos “especialistas” que acreditam conseguir prever o funcionamento do
mercado.
Mais uma vez, confira-se a explicação de Rodrigo Constantino sobre o caso,
citando Dominick Armentano:
O caso da Alcoa é um bom exemplo disso. A empresa mantinha um grande domínio no mercado de seu principal produto, o lingote de alumínio. No entanto, essa posição era fruto de sua maior eficiência. A empresa foi acusada de "monopolização", mas o preço do lingote havia caído de US$ 5 por libra em 1887, quando a Alcoa foi fundada, para US$ 0,22 por libra em 1937, ano em que foi processada. Que prática predatória de monopólio é esta que reduz em mais de 95% o preço final ao consumidor? Será que o consumidor precisa de regulação antitruste para ser "protegido" disso? O caso da Alcoa está longe de ser o único.13
1.2.4. Outros casos
Alguns anos depois, em um caso de 1945, os tribunais americanos ampliaram a
lei antitrust de modo que aumentar a produção e diminuir preços estaria “excluindo”
potenciais competidores. Assim, foi o entendimento dos tribunais que ser muito
eficiente é uma violação da lei antitruste.14
12 Capítulo XVI do livro “A economia do indivíduo: o legado da Escola Austríaca”, disponível em http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=156. 13 Capítulo XVI do livro “A economia do indivíduo: o legado da Escola Austríaca”, disponível em http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=156. 14 Fonte???
Em outro caso de 1949, a sentença do tribunal determinou que uma empresa
fosse obrigada a aumentar os preços, para incentivar assim a criança de concorrência.
1.3. Leis
Conforme já exposto, a legislação antitruste americana começa em 1890 com o
Sherman Act. Nas palavras da lei, é ilegal: "every contract, combination … or
conspiracy in restraint of trade". Ao mesmo tempo, são ilegais quaisquer tentativas de
monopólio por meio de fusões e aquisições e “práticas desleais”. Outras leis antitruste
americanas: Clayton’s Act, de 1914 – proibição de preço predatório; Federal Trade
Comission Act, de 1914 – proibição de concorrência desleal; Robinson-Patman Act’s, de
1936 – restrições à redução de preços e descontos.
A legislação brasileira, conforme também já exposto, foi marcantemente
influenciada pela legislação norte-americana, e nossa autoridade antitruste, o CADE
(Conselho Administrativo de Defesa Econômica), foi criados nos moldes da Federal
Trade Comission.
2. OS ERROS CONCEITUAIS DO DIREITO ANTITRUSTE (Adriel Santos
Santana)15
O direito antitruste é alicerçado em teorias econômicas infundadas e que sofrem
severas críticas dos economistas que defendem o genuíno livre mercado, notadamente
os representantes da Escola Austríaca de Economia.
O principal erro conceitual que fundamenta as ações regulatórias e antitruste é a
própria definição de concorrência. Nos modelos neoclássicos, na situação de
concorrência perfeita, produtores e consumidores são atomizados, em número quase
infinito, de modo que não consigam influenciar na formação dos preços. Em outras
palavras, o NÚMERO de ofertantes (e consumidores) importa. A concorrência, para
esta escola, está intimamente ligada com a QUANTIDADE de players. Por um mero
desenvolvimento lógico, quanto menor o número de ofertantes, menor a concorrência.
Um único ofertante caracteriza monopólio, segundo eles, sem margem para contestação
de tal afirmação.
Pois bem, será essa uma boa abordagem para concorrência? Quando passamos a
entender a economia de mercado como um PROCESSO dinâmico (arcabouço teórico
muito mais aderente à realidade, diga-se), a análise sobre a quantidade de ofertantes
perde o sentido. Empresas vão aparecer, outras vão falir. Novos produtos surgem,
outros desaparecem. Empresários testam, aprovam ou abandonam técnicas de gestão de
recursos. O pano de fundo desse teatro da vida real é a liberdade de se entrar (e sair) de
qualquer ramo de negócios. A verdadeira disputa acontece pela preferência
(manifestada pelas compras) dos consumidores. Isso interliga toda a economia de
mercado. Fabricantes de ventiladores concorrem não só entre si, mas com produtores de
raquetes de tênis etc. Sim, porque quando alguém decide compra o bem A,
indiretamente ele abandonou os bens B, C, D.
Ludwig von Mises, o grande expoente da Escola Austríaca de Economia, nos
ensina que:
O mercado é um processo coerente e indivisível. É um entrelaçamento indissolúvel de ações e reações, de avanços e recuos. Entretanto, a insuficiência de nossa capacidade mental nos obriga a dividi-lo em partes e a analisar separadamente cada uma delas. Ao recorrer a tais divisões artificiais, não devemos esquecer que a aparente existência autônoma dessas
15 Este tópico teve a valiosíssima contribuição de Daniel Marchi, economista formado pela USP de Ribeirão Preto e fundador do Grupo de Estudos da Escola do Distrito Federal.
partes é um artifício de nossa mente. São apenas partes, isto é, não podem ser concebidas como independentes da estrutura geral do todo.16
Pois bem. Dentro da abordagem dos mercados como processos dinâmicos, e não
como realidades estáticas que podem ser controladas e manipuladas pelos modelos
matemáticos da economia neoclássica, a quantidade de empresas como medida de
concorrência não pode ser utilizada como “parâmetro”. Só faria algum sentido dentro da
idéia de mercados estáticos, algo absolutamente irreal.
Uma boa explicação sobe o papel da concorrência potencial, derivada da
liberdade de entrada nos diferentes ramos de negócio, é dada por :
Em um livre mercado, sem leis antitruste, mesmo se uma grande corporação detivesse o monopólio de determinadas mercadorias, ela ainda assim teria de agir como se fosse apenas mais uma produtora entre várias. Pois ela estaria continuamente submetida à concorrência potencial de várias outras corporações — grandes, médias ou pequenas — que poderiam se unir para competir contra ela, tomando fatias do seu mercado. Esses potenciais concorrentes indubitavelmente teriam os recursos, o conhecimento técnico e o domínio da maneira de organizar a distribuição e a comercialização das mercadorias, tornando-se capazes de concorrer com a grande.17 No extremo, mesmo se não houver concorrentes com tamanho e estrutura similar, o monopolista ainda sim deve se preocupar com a concorrência potencial que pode surgir da noite para o dia. Vários financistas, organizadores de empresas, promovedores e especuladores, tanto nacionais quanto estrangeiros, estão continuamente em busca de oportunidades para criar e estabelecer novas empresas. Várias empresas gigantes foram formadas assim no passado. Havendo liberdade de mercado, estes indivíduos estarão dispostos a arriscar capital caso vejam uma oportunidade para grandes lucros e formar um empreendimento conjunto. (...) Se, ainda assim, uma empresa continuar usufruindo uma posição monopolística, então é porque ela deve necessariamente ser a mais eficiente em sua área. Em outras palavras, em um setor em que haja liberdade de entrada e livre concorrência, qualquer monopólio sempre será um monopólio eficiente. O governo impor restrições a esta empresa ou mesmo dissolvê-la à força seria o mesmo que destruir o produtor mais eficiente e trazer para o setor o produtor menos eficiente. Neste caso, a economia irá sofrer uma perda líquida de produção e eficiência.
O caso emblemático é a função de pesquisa do Google. As estatísticas mostram
que ele concentra a esmagadora maioria das pesquisas feitas na internet. É um
monopólio (pelo menos no sentido de monopólio nocivo, combatido pelos burocratas
dos órgãos antitruste)? Evidente que não. A empresa melhora a cada dia seus serviços,
sem falar das novas funcionalidades. E por incrível que pareça, isso não dá ao Google
16 Mercado, praxeologia, lucros e prejuízos (http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1107). 17 Monopólio bom e monopólio ruim: como são gerados e como são mantidos (http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1057).
nenhuma espécie de garantia ou “poder de mercado” que não seja diretamente derivado
da preferência dos consumidores. É a concorrência potencial funcionando, uma vez que
a internet é um mercado totalmente livre de qualquer restrição burocrática. Por outro
lado temos os planos de saúde, por exemplo. Tem-se uma meia dúzia de empresas,
extremamente reguladas e totalmente passivas na disputa por consumidores e melhoria
de seus serviços.
Enfim, os teóricos do mainstream econômico sabem que os mercados devem ter
muitas empresas. Por um estranho passe de mágica, tal pressuposto vira conclusão. Nos
termos usados pelo genial Frédéric Bastiat, poder-se-ia dizer que a escola neoclássica
foca sua análise somente NAQUILO QUE SE VÊ. Os austríacos, por outro lado,
expandem a observação para AQUILO QUE NÃO SE VÊ, no caso, o papel exercido
pela propriedade privada, pela liberdade de mercado, pela concorrência potencial, pela
criatividade dos empreendedores etc.
Na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre esses, só o primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar por felizes se conseguirmos prevê-los. Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever. E essa diferença é enorme, pois o que acontece quase sempre é que, quando a consequência imediata é favorável, as consequências posteriores são funestas e vice-versa. Daí se conclui que o mau economista, ao perseguir um pequeno benefício no presente, está gerando um grande mal no futuro.18
Por fim, há ainda outro problema a ser apontado. As leis antitruste despertam a
seguinte dúvida: a propriedade privada é boa ou não? A liberdade de transacionar títulos
de propriedade deve ser tolerada ou não? Respostas condicionais lançam sobre a
sociedade um nível de arbitrariedade PIOR que um arranjo socialista puro-sangue. No
socialismo, todos estão cientes que NÃO PODEM possuir propriedades privadas.
Agora, o condicionamento da propriedade e da liberdade de trocas desorienta
todo o sistema. O quê eu posso ter? Que tamanho pode ser minha propriedade? Para
quem eu posso vender minha padaria? Certamente nem o mais ferrenho defensor do
direito antitruste pretende “bagunçar o sistema”, mas é isso que acaba acontecendo.
Como toda intervenção, as consequências não planejadas de sua ação acabam por piorar
o estado inicial. Não é de se estranhar que ocorra a demanda por mais e mais
18 O que se vê e o que não se vê (www.mises.org.br/files/literature/Frédéric%20Bastiat.pdf).
intervenções, até o ponto em que a economia de livre mercado simplesmente deixe de
existir. No limite distópico, surge um Super-CADE, o qual planeja, coordena e opera
toda a economia.
2.1. Análise e Crítica dos Paradigmas19 da Escola Econômica Neoclássica
São vários os conceitos teóricos que servem de base para o atual mainstream
econômico, estes quais por sua vez detêm uma enorme cota de responsabilidade sobre
as normas jurídicas germinadas ao longo das últimas décadas. Em especial, nesse
trabalho, chama à atenção as leis que permitiam uma maior intervenção estatal no
mercado com o intuito de maximizar os mecanismos de concorrência, tudo em nome
dos tais modelos matemáticos de equilíbrio.
A economia neoclássica, como se pode deduzir do parágrafo anterior, parte do
pressuposto inicial de que as informações que servem de escopo a atividade empresarial
são objetivas e claras àqueles que são responsáveis pelo desenvolvimento econômico.
Essa objetividade é a que supostamente permitiria que políticos fossem capazes de
prever com o máximo de probabilidade quais são as medidas aplicáveis e necessárias
para o bom funcionamento da economia, corrigindo assim as famigeradas “falhas de
mercado”.
Tendo em vista a posição da atual corrente majoritária na ciência econômica,
subscreve o economista Jesus Huerta de Soto, que atualmente coordena um programa de
mestrado e doutorado na Universidade Rey Juan Carlos sobre a Escola Austríaca de
Economia:
Toda a descoordenação social constitui uma oportunidade de lucro latente até ser descoberta pelos empresários. Assim que o empresário se dá conta dessa oportunidade de lucro e atua para aproveitar da mesma, esta desaparece e produz-se um processo espontâneo de coordenação, que é o que explica a tendência para o equilíbrio que existe em qualquer economia real de mercado. Além disso, o caráter coordenador da função empresarial é o único que torna possível a existência da teoria econômica como ciência, entendida
19 Num didático texto intitulado “Concorrência, monopólio e Estado”, Pedro Mayall Guilayn (que escreve sob o pseudônimo de Alceu Garcia), demonstra com clareza que “a concorrência perfeita não é um padrão normativo válido” e que “os agentes do Estado não são seres sobre-humanos”, desmontando, pois, dois paradigmas dos economistas neoclássicos que sustentam o direito antitruste. O texto integral pode ser lido no seguinte endereço eletrônico: https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=explorer&chrome=true&srcid=0B8okAQj4S2bsN2UxYWJkMzgtNTMzYS00NGM3LTg0MzktYmViYThiNjYzNzYw&hl=pt_BR
esta como um corpus teórico de leis de coordenação que constituem os processos sociais.20
Os economistas neoclássicos tomaram como fundamento da sua análise dos
fenômenos de mercado o modelo de equilíbrio. Nesse modelo se supõe que todo o
conhecimento, informações e dados estão postos objetivamente aos agentes econômicos
e que, portanto, haveria uma conformação adequada ou perfeita entre as variáveis
(preço, custo, valor etc.) presentes no mercado.21
Os críticos do mainstream econômico, por sua vez, em especial os
representantes da Escola Austríaca de Economia, avaliam que esses pressupostos são
completamente infundados, carecendo de bases fáticas, pois ignoram o real processo
dos mercados. O problema da tese defendida pelos neoclássicos, segundo esses críticos
“austríacos”, é a de que burocratas pudessem não apenas saber o que cada cidadão
considera ser o melhor para si mesmo em dado momento, afinal, segundo eles, o
conhecimento necessário para a atividade empresarial já está dado, como deveriam
intervir também no mercado de maneira a aperfeiçoá-lo, consertando assim suas
“deformidades”22. Essas intervenções buscariam aproximar assim a economia real do
chamado “estado de equilíbrio”, situação essa em que o sistema econômico se
encontraria em seu nível ótimo, onde a importância dos materiais trocados no mercado
encontra-se em conformidade com a quantidade de matéria-prima utilizada e o custo
decorrente do esforço empregado em sua fabricação, segundo as projeções desses
economistas.
Conforme Soto:
As principais críticas que os economistas austríacos fazem aos neoclássicos e que evidenciam os elementos básicos diferenciadores do seu ponto de vista são os seguintes: em primeiro lugar, concentrarem-se exclusivamente em estados de equilíbrio através de um modelo maximizador que assume como “dada” a informação de que necessitam os agentes para as suas funções objetivo e restrições; segundo, a escolha, em muitos casos arbitrária, de variáveis e parâmetros tanto para a função objetivo como para as restrições, tendendo a incluir os aspectos mais óbvios e esquecendo outros de grande importância, mas cujo tratamento empírico é mais difícil (valores morais, hábitos e tradições, instituições etc.); terceiro, centrarem-se nos modelos de equilíbrio que tratam com o formalismo da matemática e que ocultam as verdadeiras razões de causa e efeito; e quarto, elevar ao nível de conclusões
20 SOTO, Jesus Huerta de, A Escola Austríaca, São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, Pág. 21. 21 SOTO, Jesus Huerta de, A Escola Austríaca, São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, Pág. 29. 22 IORIO, Ubiratan Jorge, Ação, Tempo e Conhecimento: A Escola Austríaca de Economia. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2011, Pág. 50.
teóricas o que não são mais do que meras interpretações da realidade histórica, que podem ser relevantes em algumas circunstâncias concretas, mas que não se pode considerar como tendo uma validade teórica universal, uma vez que apenas se baseiam num conhecimento historicamente contingente.23
A teoria austríaca dos mercados afirma que estes subsistem graças à ação dos
seus integrantes (produtores e consumidores), a qual ocorre ao longo do tempo, se
concretizando sob situações restringidas ao conhecimento daqueles que atuam nos
negócios. Portanto, o conhecimento é assim subjetivo, não objetivo, como apregoam os
neoclássicos. Por isso mesmo é natural que erros ocorram durante as transações, já que
as informações disponíveis jamais serão completas. Deduz-se dessa maneira que a
economia é um arranjo essencialmente espontâneo, estando em uma constante
transformação promovida por seus participantes, os quais buscam corrigir
constantemente, por meio do processo de tentativa e erro, as negociações que nele se
operam.24
Dessa maneira, a Escola Austríaca desenvolve sua análise econômica ancorada
no pressuposto de que os mercados são processos que tendem ao equilíbrio porque as
partes neles envolvidos são racionais e aprendem com os erros cometidos, mas que, em
cada situação temporal, não estão em suas “posições” de equilíbrio.25
23 SOTO, Jesus Huerta de, A Escola Austríaca. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, Pág. 29. 24 IORIO, Ubiratan Jorge, Ação, Tempo e Conhecimento: A Escola Austríaca de Economia. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2011, Pág. 37-38. 25 IORIO. Ubiratan Jorge, Ação, Tempo e Conhecimento: A Escola Austríaca de Economia .São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2011, Pág. 37-38.
3. O CADE E O CONTROLE DE ESTRUTURAS (Odilon Cândido e Jean
Monteiro)
O CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) é uma autarquia
vinculada ao Ministério de Justiça Brasileiro que tem como objetivo interferir na
atividade empresarial com o pretenso objetivo de garantir que determinados “bens
públicos” definidos pelo legislador sejam protegidos, como a estabilidade econômica e
o direito à concorrência26. O poder regulador do CADE tem cada vez protagonizado
mais episódios de intervenção na liberdade empresarial. Diante da recente aprovação da
nova lei que regula a atuação do CADE, o atual presidente da autarquia afirmou que
Com a nova legislação, seremos mais eficazes na defesa de mercados eficientes e dos consumidores brasileiros, garantindo produtos e serviços de qualidade, incentivo à inovação tecnológica e coibindo os preços excessivos que são reflexos conhecidos da dominação de mercado.27
Dessa forma percebe-se que a visão propagandeada pela autarquia é a de um
órgão que defende o cidadão da iniciativa privada, que segundo o discurso gera
mercados ineficientes, produtos caros, sem qualidade, dentre outros problemas.
Entretanto a visão otimista do órgão regulador como forma definitiva de resolver todos
os desafios impostos pela interação dos agentes econômicos é controversa, inclusive
dentre aqueles que acreditam na necessidade de sua existência28.
No presente tópico, analisar-se-á a abrangência da intervenção em relação às
fusões de grandes empresas, analisando as consequências econômicas dessas
intervenções e se elas realmente acabam por realizar os fins desejados. Por fim serão
questionados os limites da atuação do CADE em face da Constituição Brasileira de
1988.
3.1. A atividade econômica, as grandes empresas e os monopólios
26 Para mais informações recomenda-se a consulta ao endereço eletrônico do CADE na área institucional: http://www.cade.gov.br/Default.aspx?ee4fd15ea261a387dd. 27 Disponível em: http://www.cade.gov.br/Default.aspx?f74bdb2dc45aae7486b38da2bc. 28 Em recente debate na FERCOMERCIO/SP, amplamente divulgado na mídia escrita, foi discutida a proposta de extinção do Federal Reserve por Ron Paul, postulante à vaga de candidato à presidência dos Estados Unidos pelo partido republicano. Tal fato, por si só, demonstra como após 20 anos em que há uma clara opção por um modelo de gestão muito próximo do capitalismo de estado, propagandeado de formas distintas por PT e PSDB, ainda há possibilidade de discussão sob uma ótica liberal e libertária.
A evolução do homem confunde-se com a evolução da atividade empresarial. As
sociedades antigas evoluíram sempre como consequência de suas conquistas comerciais.
Entretanto, a exceção das empresas estatais, os comerciantes pequenos e médios eram a
maioria dos integrantes do mercado europeu em vista da produção artesanal de baixa
escala. Já na época das grandes navegações começaram a surgir poderosos comerciantes
que se reuniam em ligas com a finalidade de manter o monopólio do comércio,
aplicando métodos de proteção contra a concorrência, como as corporações de ofício.
Uma sucessão de eventos acarretou no processo que denominamos revolução
industrial, no qual se criou um sistema baseado na produção em massa. Nesse ponto
ocorreu um aumento exponencial do número de grandes empresas as quais competiam
entre com pouca intervenção estatal em comparativo com o momento imediatamente
anterior. Entretanto tal ideário liberal não durou muito tempo. Praticamente desde o
inicio mantém-se um sistema social no qual existem três agentes – o governo, as
empresas e seus acionistas e o consumidor.
A mútua relação entre os três agentes acabou por originar um modelo híbrido, no
qual, apesar de não adotar um modelo plenamente intervencionista, com planificação da
atividade econômica, as relações com o interventor estatal são necessárias para a
viabilidade de grandes empreendimentos29. O governo atua de várias formas nas
relações entre os agentes econômicos. Ele pode ser acionista das empresas de seu país
comprando títulos. Ele pode intervir no que os consumidores podem comprar, assim,
influenciando na atividade de produção e venda. E por fim, ele pode controlar as
estruturas empresariais, regulando a criação, extinção, incorporação e fusão das
empresas.
No Brasil o órgão a que todo grande empreendimento deve se reportar é ao
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que é uma autarquia que
exerce o referido controle. Quanto aos limites do poder do CADE faz-se necessário uma
análise constitucional quanto à extensão de seu poder.
29 A “privatização” do Aeroporto de Guarulhos demonstra com clareza a referida tese. O percentual de participação do estado no consórcio gerenciador do aeroporto perfaz o percentual de 49%. Do restante, 90% das ações pertence à INVEPAR, que é um consórcio formado por fundos de pensão controlados pelo governo. Os 10% restantes pertencem ao Estado sul africano. Aqui, vale ressaltar, que já foram garantidos bilhões de reais em empréstimos subsidiados via BNDES para execução da obra. Dessa forma, percebe-se uma grande simbiose entre estado e “iniciativa privada” numa área que facilmente empresas privadas poderiam operar com autonomia, e os recursos dispensados poderiam ser alocados em áreas de maior importância, como a segurança. Um maior aprofundamento pode ser obtido com a laitura do seguinte texto: a nova estatização de Guarulhos (http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1219).
A liberdade é o mais nobre princípio protegido pela Constituição30. A própria
ideia de constitucionalismo moderno surgiu como uma reação burguesa aos desmandos
estatais, criando uma gama de direitos individuais oponíveis ao estado. É evidente na
Constituição Brasileira de 1988 a presença do ideário liberal em várias partes de seu
corpo normativo31. Trata-se de uma norma que tem como finalidade essencial restringir
a intervenção do estado na esfera privada. Entretanto, definir até que ponto o estado
pode interferir na autonomia privada é um dos pontos mais controversos na ciência
jurídica contemporânea.
No que tange a regulação econômica o dispositivo mais importante é o Art. 170
da CB/88. Tal dispositivo reconhece uma realidade de que vivemos numa “ordem
econômica”. Após afirma que ele é fundado no trabalho humano (outra constatação
fática). Por fim, funda o sistema na livre iniciativa, portanto, na liberdade de atuação
empresarial. Após o dispositivo começa interferir na realidade fática. Determina que o
sistema tenha a finalidade de assegurar existência digna a todos e em conformidade com
os princípios da justiça social. Seguidos de diversos princípios, o parágrafo único do
Art. 170 assegura o princípio do livre exercício da atividade econômica. E esta pode ser
exercida, exceto nos casos previsto em lei, sobre regime de plena liberdade
independente da autorização de órgãos públicos.
Entretanto, existe um grande problema: como interpretar a expressão “salvo nos
casos previstos em lei”? Como conciliar a determinação da liberdade e a autorização
legislativa para regular a liberdade econômica por lei? Isto porque a realidade fática é a
de que os órgãos públicos impõem limitações extremamente burocráticas à liberdade
econômica, que é infelizmente uma herança administrativa remanescente dos tempos
totalitários. Contudo, a constituição é clara. Ela afirma que o sistema é livre e somente
após abre a possibilidade de regulação do sistema. Se o sistema não fosse livre seria o
30 Alguns autores afirmam que a dignidade da pessoa humana é o princípio mais importante do constitucionalismo moderno. Contudo entendo que sem liberdade não há dignidade, mas ao tentar contemplar o princípio da dignidade da pessoa humana há possibilidade de violação a liberdade, a exemplo de uma hipotética lei que obrigue os brasileiros a ingerirem certos alimentos. Ela pode refletir um cuidado com um princípio (a dignidade humana como direito a vida saudável), mas restringirá de forma absurda (a liberdade de ingerir alimentos) de outras pessoas. O que se percebe é uma influencia ideológica desmedida em que há um grande esforço para tornar o direito um instrumento de inserção de determinadas ideias coletivistas no Brasil. 31 Já no Art. 1º a constituição determina a livre iniciativa e o pluralismo político. Em seu Art. 4º, determina que é dever do estado e de todos construir uma sociedade livre, justa e solidária. No Art. 5º, a constituição assegura o direito à liberdade em seu caput e nos incisos IV (liberdade de manifestação de pensamento), V (liberdade de consciência),IX (liberdade intelectual e artística), XIII (liberdade profissional),VX (liberdade de locomoção), XVII (liberdade de associação), dentre outras referencias inscritas.
contrário, afirmaria que é necessário regular e que as pessoas seriam livres até o
momento em que a norma infraconstitucional sobreviesse regulando.
Duas importantes mudanças no direito contemporâneo vieram para fundamentar
o regime de liberdade, especialmente a empresarial, quais sejam, a força normativa da
constituição e a aplicação da regra da proporcionalidade32 para dirimir o conflito entre
princípios. No direito administrativo contemporâneo tal ideia trouxe uma nova luz aos
atos estatais impondo um maior controle aos atos administrativos, que mesmo
discricionários, devem restringir minimamente a autonomia privada. Com a aplicação
da regra da proporcionalidade a liberdade deve ser levada sempre em conta pelo
legislador. Não é qualquer lei que pode restringir a liberdade empresarial, mas sim
apenas aquelas constitucionalmente justificáveis, mediante intensa justificação.
Desta forma, pergunta-se: Os poderes dados ao CADE são constitucionais?33
Como exposto em todo este trabalho as premissas que se fundam os poderes da
autarquia são falsas e sua atuação ao invés de gerar maior riqueza econômica,
proporciona mais pobreza, fuga de capitais, dentre outros malefícios que impedem um
desenvolvimento ético, justo e sustentável da sociedade brasileira.
3.2. O monopólio e o direito antitruste
O nosso trabalho tem o intuito de demonstrar que o Direito Antitruste, ao
contrário de beneficiar o consumidor e a competitividade do mercado, na realidade
acaba por prejudicá-los. Uma das crenças mais difundidas atualmente é a de que
32 Alguns autores denominam de princípio da proporcionalidade. Contudo a denominação correta é regra. As etapas da proporcionalidade não são aplicadas prima facie como os princípios, mas de forma definitivas como as regras. Dar a natureza de princípio à proporcionalidade subverteria toda sistemática do sistema de direitos fundamentais. Vale ressaltar que autores como VIRGILIO AFONSO DA SILVA criticam o sincretismo metodológico utilizado em nossos tribunais, os quais tem como objetivos utilizar os princípios mais como forma de decidir da forma que quiserem do que como um fenômeno da ciência do direito que tem postulados lógicos e uma carga argumentativa pré-definida para se enfrentada. 33 A nova lei do CADE certamente será alvo de demandas judiciais requerendo sua inconstitucionalidade com base na análise das consequências econômicas da lei e no principio da liberdade. Um efeito econômico imediato a ser notado é a possível demora para que as empresas obtenham as permissões do CADE. Em um mercado dinâmico como o mundial, em que a economia está ligada em rede, de forma que uma crise repentina (como a atual crise da dívida grega) ou crescimentos rápidos (como o da Irlanda) podem afetar outros países, nos parece imperativo que as empresas tenham condições de se adequarem da forma mais rápida possível a dinâmica do mercado sob pena de observarmos setores inteiros da econômica sendo prejudicados. Aqui, vale ressaltar, que as medidas protecionistas (que poderiam proteger determinados grupos empresariais) não passam de uma distribuição dos prejuízos da ineficiência por toda sociedade. Portanto, não há como adotar um protecionismo total sem causar um grande recesso econômico. Além de que medidas protecionistas fomentam a criação de mercados negros, os quais têm reflexos negativos em toda sociedade.
grandes fusões de empresas criam monopólio e que, em beneficio dessas empresas,
prejudicam consumidores e produtores. Tal pensamento está tão entranhado na
mentalidade da população que é assas urgente tentar mostrar os erros e falácias
cometidos por tal linha de raciocínio.
Um erro a ser considerado é o de que sem uma regulação estatal, a livre
competição leva necessariamente à concentração de mercado e conseqüentemente à
formação de monopólios. Tal argumentação não faz sentido, pois pressupõe que a
empresa possua completo conhecimento sobre tudo o que envolve seu mercado, o que
não é o caso como aponta Dominick Armentano, citado por Klauber Cristofen Pires:
Estabelecer um monopólio em um mercado livre exigiria uma perfeita capacidade de previsão empresarial, tanto no curto quanto no longo prazo, com respeito à demanda dos consumidores, tecnologia, localização, suprimentos e preços, e milhares de outras variáveis incertas; também iria requerer uma definição não ambígua de mercado relevante. Poucas firmas, senão nenhuma, na história econômica, antes ou depois do antitruste, tiveram alguma vez alcançado tal inerrante perfeição, e sozinhas realizaram isto por extensos períodos de tempo. A assim chamada "vida boa" que se reputa gozar pelo monopolista no livre-mercado é (...) parte do folclore da história antitruste.34
Outro erro comum que se deve salientar é o de considerar que devemos
combater os monopólios, e que eles seriam inerentes ao mercado não regulado. Para
compreendermos tal consideração devemos investigar a natureza do monopólio a partir
de sua gênese, estabelecendo características gerais que possam indicar o surgimento de
monopólios. Devemos compreender que há basicamente duas noções de monopólio. A
noção mais ortodoxa considera que o monopólio ocorre quando é “acentuado o controle
do monopolista sobre a oferta dos seus produtos.” Sendo assim, o monopólio seria
quando um vendedor tem o controle total sobre a venda de um produto. Porém existe
outra definição de monopólio que não considera a unicidade de um produto sob domínio
de um vendedor.35
34 PIRES, Kleuber Cristofen. A lei antitruste e a AMBEV - uma análise sob a norma da razão. 2009 <http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=362> Acesso em 17/ 11/2011. 35 1 - “A primeira - etimológica - refere-se a um só vendedor de um dado produto e esbarra no problema de ser exageradamente abrangente, induzindo-nos, por isso, a considerar como monopolistas os produtores de todos os produtos que apresentarem alguma diferenciação, não sendo monopolístas apenas os que produzam bens rigorosamente idênticos, o que, convenhamos, não é uma hipótese plausível. A segunda procura sugerir que existem monopólios nos mercados em que se praticam "preços de monopólio", estabelecidos quando o vendedor, percebendo que a curva de demanda é inelástica no ponto do preço competitivo, restringe as vendas e aumenta o preço, para maximizar a receita. Esta definição, com a qual simpatizava Mises (13), apesar de ter a vantagem de não restringir o monopólio aos casos em que só há um vendedor, depende da hipótese, que a teoria subjetiva do valor rejeita por ser implausível,
Para a Escola Austríaca de Economia o monopólio surge devido à intervenção
no mercado, como aponta o professor Ubiratan Jorge Iorio, que, citando Murray
Rothbard, explica que o monopólio em sentido realista será aquele que tem existência:
em decorrência da concessão de privilégios, diretos ou indiretos: o criador dos monopólios é o Estado e, sendo assim, é absurdo que ele pratique "políticas anti-monopolistas"; na realidade, o que ele deve fazer é, simplesmente, abolir as leis - ou melhor, as legislações (Thesis) - que estabeleceram os monopólios.36
Para compreender melhor tal concepção podemos recorrer à Israel Kirzner, que
faz uma analise do monopólio considerando-o um processo e não uma situação, ou seja,
o monopólio não é considerado como uma situação onde um produtor detém
completamente uma fatia do mercado, ao invés disso, empresas podem deter certo grau
de controle monopolístico de sua produção, porém, sempre inseridas em um processo
competitivo onde empresas produzem “outros produtos” (similares). O problema central
para a real competitividade, que afasta o monopólio, é a possibilidade de entrada no
mercado.37
A idéia de regular a entrada ou a simples regulação do mercado para evitar ou
controlar o monopólio é uma das principais motivações das legislações antitruste.
Porém, tal regulamentação ao invés de beneficiar os consumidores, na realidade só torna
o mercado menos eficiente. Como aponta Rodrigo Constantino, baseando-se em Murray
Rothbard, a respeito dos cartéis: “dificilmente esses cartéis sobrevivem se forem
ineficientes do ponto de vista da satisfação da demanda dos consumidores”. Segundo
Rothbard os consumidores, ao se depararem com prejuízos decorrentes da formação de
cartéis poderiam boicotá-los, obrigando-os a atenderem suas vontades.38
de que é possível estabelecer-se objetivamente qual é o preço "competitivo" Alterar a definição, mediante a substituição de "preços de monopólio" por "lucros de monopólio" é incorrer no mesmo tipo de erro. Por outro lado, a diferenciação entre "preços de monopólio" e "preços competitivos", é falsa: o que existe nos mercados livres são "preços de mercado" e "lucros de mercado", que variam segundo as circunstâncias que o mercado apresenta. A definição mais realista de monopólio é a terceira, estabelece que só se pode dizer que existem monopólios em decorrência da concessão de privilégios, diretos ou indiretos: o criador dos monopólios é o Estado e, sendo assim, é absurdo que ele pratique "políticas anti-monopolistas"; na realidade, o que ele deve fazer é, simplesmente, abolir as leis - ou melhor, as legislações (Thesis) - que estabeleceram os monopólios.” 36 UBIRATAN, Iorio J., “Falhas de Mercado” versus Falhas de Governo. Disponível em: <http://www.ubirataniorio.org/material.htm>. Acesso em 15/11/2011. 37 KIRZNER, Israel M. Competição e atividade empresarial. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1986, p. 75. 38 CONSTANTINO, Rodrigo. “O Direito de Formar Cartéis” Disponível em: <http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2009/04/o-direito-de-formar-carteis.html> 2009. Acesso em 17/11/2011.
Para os economistas austríacos o crescimento das empresas pode beneficiar o
consumidor, afinal a forma que uma empresa encontra para se expandir, quando
depende somente da competição do mercado e não da influencia do governo, será
encontrar maneiras de agradar seus clientes.
4. REPRESSÃO DE CONDUTAS NO REGIME ANTITRUSTE BRASILEIRO:
ANÁLISE DOS EFEITOS DE MERCADO DA ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE
DEFESA DA CONCORRÊNCIA, SOB O PARADIGMA DA ESCOLA
AUSTRÍACA DE ECONOMIA (J. Daniel Tisi R.)
INTRODUÇÃO
Incumbiu-me o ilustre organizador desta obra de discorrer sobre a repressão de
condutas consideradas no direito positivo brasileiro como “infrações à ordem
econômica”, bem como os efeitos práticos, verificados sob o enfoque da análise
econômica fornecida pelos teóricos da assim chamada Escola Austríaca de Economia
(EA), ou Escola Psicológica de Economia, que decorrem da atuação governamental, ou
que poderiam decorrer ou deixar de ocorrer caso o estado39 se furtasse de qualquer ação
nesta seara.
Esse texto tem por objetivo demonstrar que as disposições legais contidas na
legislação brasileira antitruste e a atuação dos órgãos que compõem o Sistema Brasileiro
de Defesa da Concorrência não são eficientes em seu objetivo de zelar por um ambiente
econômico que produza ganhos reais para a sociedade, ou seja, o acesso a bens e
serviços a preços decrescentes e a quantidades sustentáveis.
Ao contrário, as normas antitruste brasileiras inviabilizam os fenômenos
decorrentes da ação humana consciente, denominada de praxeologia pela escola
austríaca de economia (EA). A praxeologia, qualificada por Ludwig Von Mises, teórico
39 Neste texto, o leitor deparar-se-á, constantemente, com a grafia minúscula da vogal inicial “e” do vocábulo “estado”. Para justificar a escolha, valho-me das palavras contidas na Carta ao Leitor, publicada pela revista Veja, em sua edição 1999 de 14 de março de 2007: “[...] Se povo, sociedade, indivíduo, pessoa, liberdade, instituições, democracia, justiça são escritas com minúscula, não há razão para escrever estado com maiúscula Escrever estado com inicial maiúscula, quando cidadão ou contribuinte vão assim mesmo, em minúsculas, é uma deformação típica mas não exclusivamente brasileira. Os franceses, estado-dependentes, adoradores de seu generoso cofre nacional, escrevem "État". Os povos de língua inglesa, generalizando, esperam do estado a distribuição equânime da justiça, o respeito a contratos e à propriedade e a defesa das fronteiras. Mas não consideram uma dádiva do estado o direito à boa vida material sem esforço. Grafam "state". Com maiúscula, estado simboliza uma visão de mundo distorcida, de dependência do poder central, de fé cega e irracional na força superior de um ente capaz de conduzir os destinos de cada uma das pessoas. O escocês Adam Smith (1723-1790) nunca escreveu a palavra capitalismo. O inglês Thomas Hobbes (1588-1679) não utilizou a palavra estado. Ambos, porém, são associados a esses termos. Smith, autor de A Riqueza das Nações, como o primeiro pensador a explicar o funcionamento da economia capitalista. Hobbes, com seu Leviatã, como pioneiro na denúncia do estado pantagruélico. Foi, na verdade, defensor de uma instituição capaz de livrar a sociedade do estado permanente de guerra entre os indivíduos, uma "entidade soberana" – em minúsculas, recomendava Hobbes, que escrevia Lei sempre com capitular. [...]”
precursor da EA, visa a estudar os fatores que levam as pessoas a atingir seus
propósitos. A busca por estes propósitos, para a EA, tem o condão de garantir a
eficiência econômica, pela via de mercado, conforme veremos nas linhas adiante.
Nesse sentido, a lei antitruste, que prima pela garantia da ampla e irrestrita
concorrência e o livre acesso a mercados –, quando confrontada com os princípios do
estudo da ação humana e a abstração econômica teorizada pelos membros da escola
austríaca, pode representar, paradoxalmente, verdadeiro entrave a tais princípios,
prejudicando, em última instância, a mesma ordem econômica cujo mister principal é
defender, e, por via direta, prejudicando o consumidor brasileiro.
Para explorar o tema aqui proposto, e demonstrar a validade da hipótese aqui
levantada, qual seja, a de que a atuação governamental necessariamente inviabiliza
arranjos econômicos benéficos para os consumidores, este texto abordará os seguintes
tópicos: a) o alcance do direito positivo brasileiro que tem por escopo garantir a ordem
econômica, mormente os postulados constitucionais pertinentes e a Lei nº 8.884, de 11
de julho de 1994; b) o raciocínio econômico que fundamentou a elaboração das normas
concorrenciais brasileiras; c) a exemplificação pontual da atuação prática dos órgãos de
defesa da concorrência, e seus efeitos no mercado; d) a explanação teórica, sustentada
pela Escola Austríaca, do que se espera de uma economia de mercado, fundada na livre
iniciativa e concorrência e no direito de propriedade, com breves incursões no estudo da
praxeologia de Ludwig von Mises; e) a desmistificação dos efeitos de mercado levados
à cabo por práticas hoje consideradas ilegais, como, por exemplo, o monopólio, o
domínio de mercado relevante, o aumento arbitrário dos lucros, os preços
discriminatórios e o cartel; e, finalmente, f) a análise, sob a égide da abstração
econômica dos austríacos, de fatos concretos remetidos à apreciação do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica, o CADE.
Este texto apresenta uma reflexão crítica sobre a atuação das instituições
concorrenciais estabelecidas no seu mister de coibir, preventivamente ou a posteriori, as
práticas qualificadas pela lei como infrações à ordem econômica. O que os
consumidores esperam do mercado? O que efetivamente os consumidores almejam? O
que buscam os produtores? De que forma o CADE pode estabelecer parâmetros e
diretrizes para as condutas dos agentes de mercado (consumidores e empresas) que
beneficiem o sistema como um todo? Qual são as condutas qualificadas como infrações
pela lei e que são passíveis de intervenção? Por que razão tais condutas foram assim
tipificadas e qual é a visão da Escola Austríaca de Economia sobre tais práticas? Seriam
elas viáveis e sustentáveis num ambiente de livre-mercado? Se sim, seriam elas de todo
indesejáveis e necessariamente nocivas aos consumidores?
É recorrente lermos nos noticiários sobre a atuação do CADE, principal órgão do
Sistema de Defesa da Concorrência brasileiro, junto aos agentes de mercado,
principalmente grandes empresas, ordenando providências, comissivas e/ou omissivas,
por parte destas, sob a justificativa de que são necessárias investigações aprofundadas
sobre os reflexos das decisões que serão ou foram tomadas em processos de fusões ou
aquisições, por exemplo.
Nesse sentido, recentemente, a autarquia firmou Acordo de Preservação de
Reversibilidade da Operação conjuntamente com a VRG Linhas Aéreas S/A, integrante
do grupo Gol Linhas Aéreas Inteligentes S/A e a Webjet Linhas Aéreas S/A, com o
objetivo de preservar a reversibilidade da operação de aquisição, pela VRG, da Webjet,
até decisão final do órgão sobre se os atos a serem praticados pelas duas empresas ferem
ou não a ordem econômica por via da concentração. O caso Sadia/Perdigão também é
bem conhecido, em virtude do conturbado processo de fusão das duas megaempresas,
muito conhecidas no ramo de alimentos processados.
Assim, ???
4.1. A ORDEM ECONÔMICA E O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA
CONCORRÊNCIA SOB A ÉGIDE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E
DA LEI Nº 8.884, DE 11 DE JULHO DE 1994
A Lei nº 8.884, de 11 de julho de 1994, é o marco legal central da atuação
governamental em seu mister de prevenir e reprimir as chamadas infrações contra a
ordem econômica. Essa lei normatiza o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência,
que é composto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – o CADE -, a
Secretaria de Direito Econômico – a SDE -, subordinada ao Ministério da Justiça, e a
Secretaria de Acompanhamento Econômico – a SEAE -, órgão do Ministério da
Fazenda.40
Para uma boa análise do tema proposto, necessário se faz que identifiquemos o
sentido da expressão “ordem econômica”. Contudo, a legislação não traz conceito claro
40 Conforme já mencionado no início do presente estudo, a Lei nº 12.539/2011 entrará em vigor em breve e substituirá a atual Lei nº 8.884/1994, dando ainda mais poderes ao CADE e aos seus burocratas (a autarquia já está sendo apelidada de Super CADE).
e objetivo, razão pela qual me valerei da doutrina, mas especificamente do professor e
ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Roberto Grau. Segundo o jurista, ordem
econômica é:
“um conjunto de princípios jurídicos de conformação do processo econômico, desde uma visão macrojurídica, conformação que se opera mediante o condicionamento da atividade econômica a determinados fins políticos do Estado. Tais princípios [...] gravitam em torno de um núcleo, que podemos identificar nos regimes jurídicos da propriedade e do contrato.” (GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988. 6a ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 48)
Para Nelson Nazar, a expressão “ordem econômica” possui três sentidos: a)
modo de ser empírico de uma determinada economia concreta; b) conjunto de todas as
normas (morais, jurídicas e religiosas) sobre o comportamento dos sujeitos econômicos;
e c) conjunto das normas jurídicas da economia (NAZAR, Nelson. Direito econômico.
2a ed. rev., ampl. e atual., Bauru, São Paulo: Ed. Edipro, 2009, p. 49).
A Constituição Federal de 1988, por sua vez, no caput do artigo 170, preconiza
que devem ser fundamentos da ordem econômica a valorização do trabalho humano e a
livre iniciativa. Essa ordem, determina a CF, deve ter por fim assegurar a todos a
existência digna, nos termos da justiça social. Após, o texto constitucional apresenta o
rol dos nove princípios que informam essa ordem econômica, quais sejam: a soberania
nacional; a propriedade privada; a função social da propriedade; a livre concorrência; a
defesa do consumidor; a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos
de elaboração e prestação; a redução das desigualdades regionais e sociais; a busca pelo
pleno emprego; e, por fim, o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham suas sede e administração no Brasil.
Constata-se que o constituinte originário optou por um sistema econômico
capitalista no qual o estado possui papel primordial na condução e intervenção dos
rumos do mercado. A ordem econômica de mercado sujeita-se a todo instante às
diretrizes e planejamentos burocráticos. A norma, ou seja, o dever ser – o desejo, é
constantemente enfatizado: deve a ordem econômica valorizar o trabalho humano e a
livre iniciativa. Deve ela ter por fim assegurar a todos existência digna, etc. O mercado
deve se sujeitar aos princípios elencados na Lei Maior do país, do contrário, os atos
omissivos e comissivos de empresários e empreendedores representarão uma infração à
ordem escolhida pelo constituinte originário, e, portanto, sujeitos aos rigores da lei.
Ademais, é possível observar que tanto o texto constitucional, quanto o artigo 1o
da Lei nº 8.884/1994, que possui redação fundamentalmente semelhante ao disposto
constitucional, carregam termos completamente antagônicos, como, por exemplo, a
garantia da propriedade privada e a função social dessa mesma propriedade. Essa
confusão, que no âmbito da doutrina constitucional recebe a denominação de
dogmatismo eclético, representa o embate de valores antagônicos que permeou as
discursões e votações do texto constitucional na segunda metade da década de 1980.
Não há, portanto, uma linearidade, ou seja, uma uniformidade ideológica no trato
constitucional da vida econômica do país.
Para instrumentalizar essa “proteção” do estado à ordem econômica que prevaleceu no
texto da nossa Constituição Federal, foi instituído o Sistema de Defesa da Concorrência,
cujo órgão governamental fundamental é o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica, que é, nos termos definidos pelo artigo 3o da Lei nº 8.884/1994, o órgão
judicante com jurisdição em todo território nacional, de natureza autárquica e vinculado
ao Ministério da Justiça, responsável por coibir as chamadas infrações à ordem
econômica.
4.2. A praxeologia de Ludwig Von Mises
Praxeologia é a ciência que estuda a lógica da ação humana. É o marco teórico
que visa compreender o comportamento imbuído de propósitos dos seres humanos, por
meio das leis universais da ação humana. A praxiologia fornece instrumentos para a
compreensão da ação humana além dos resultados concretos, facilmente apuráveis.
Permite levar em conta os resultados não vistos, ou seja, invisíveis ou possíveis,
desencadeados por uma dada ação a qual necessariamente terá reflexos econômicos.
Como exemplos, podemos enumerar os fatores abstratos envoltos nos resultados
econômicos e lógicos provenientes do ato de se quebrar uma janela, no processo de
produção de um simples lápis grafite e do propósito estabelecido por uma dada pessoa
de poupar determinada quantia em dinheiro.
O primeiro caso foi apresentado por Frédéric Bastiat, deputado federal francês
que viveu no século XIX. Em seu livro O que se vê e o que não se vê, Bastiat
apresentou uma crítica contundente aos regulamentos e legislações estatais da época que
visavam disciplinar e prever as interações econômicas e seus efeitos, e desnudou em sua
obra os princípios que norteavam, e que ainda norteiam, as instituições econômicas da
maior parte dos países. No primeiro capítulo, o pensador francês refuta a noção de que,
ao ser acidentalmente quebrada uma vidraça, sua reposição estimularia a economia do
país, haja vista que o desafortunado cidadão que sofreu o prejuízo teria de ir ao mercado
adquirir o item para reposição, garantindo-se, assim, a empregabilidade da indústria de
vidraças.
Para Bastiat, esse tipo de raciocínio é falho, porquanto não leva em conta as
expectativas de âmbito individual, como, no caso, o objetivo que o desafortunado tinha
de adquirir um novo par de sapatos e que restou frustrado. Assim, os recursos que o
dono da vidraça quebrada iria dispor para adquirir os sapatos, setor que agora sofrerá
redução da demanda, terão de ser forçosamente realocados para a reposição da vidraça.
A abstração da situação econômica inversa, a que “não se vê”, onde a pessoa não teria o
prejuízo da janela quebrada, resultaria no incremento da propriedade e, portanto, no
bem-estar, haja vista que, além de deter a vidraça inteira, poderia lançar a mão de um
novo bem, o par de sapatos.
Esse tipo de análise bottom up, ou seja, que parte do indivíduo, é um dos
métodos mais usados pelos austríacos para se analisar a economia.
Outro exemplo da efetividade da praxeologia no estudo das interações humanas
é o processo de produção de um lápis grafite. Milton Friedman, economista liberal
norte-americano, usou esse exemplo em diversas ocasiões para explicar o poder de
versatilidade do livre-mercado. Segundo Friedman, não há uma só pessoa na terra que
detém todos os meios e todo o conhecimento para fabricar um item tão simplório como
um lápis grafite.
A madeira, commodity predominante do bem, vem de alguma fazenda de
reflorestamento. Para se extrair a madeira do meio-ambiente, foi usado um machado,
cuja lâmina é feita de aço, que, por sua vez, provém do minério de ferro. A ponta do
lápis é feita de grafite, que é extraído de uma mina do norte do Brasil. A borracha
embutida na traseira do lápis provém de outra floresta, localizada, quem sabe, na
Malásia.
Friedman continua ao apontar que literalmente milhares de pessoas cooperaram
direta ou indiretamente nos diversos estágios de concepção e fabricação de apenas um
lápis. Pessoas que não vivem no mesmo lugar, que não falam a mesma língua e que
possuem culturas diferentes. Não há, portanto, uma autoridade central, ou planejamento
centralizado que traça as diretrizes para o bom andamento da cadeia de produção do