Maria Mulé Slemenson
HUMOR: DEFESA OU SUBLIMAÇÃO?
Trabalho de conclusão de curso como exigência
parcial para graduação no curso de Psicologia, sob
orientação da Profª. Drª. Camila Sampaio Pedral.
Pontifícia Universidade Católica
Faculdade de Psicologia
São Paulo
2007
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Agradecimentos
Agradeço à orientadora desta pesquisa, Camila Sampaio Pedral, a
qual tive o prazer de escolher e o privilégio de ser escolhida. Agradeço
pela sua atenta leitura e delicada escuta, por alimentar-me com seu
entusiasmo pelo estudo e com seu estimado acervo bibliográfico. E como
não poderia faltar: por rechear nossos encontros com leveza e bom
humor. Agradeço aos dois psicanalistas entrevistados que contribuíram
enormemente para a pesquisa, agradeço pela disposição e colaboração
imediata.
Aos professores da graduação, em especial, Isabel Kahn Marin,
Maria de Lourdes Trassi Teixeira, Silvana Rabello, Regina Chu Cavalcanti,
Franklin Goldgrub, que me ensinaram algo além da teoria, mestres
incapazes de passaram despercebidos e que, desde já, deixam saudades.
Ao professor Sidnei José Caseto, pela seriedade, impecável e implicada
presença, ao lado do qual me encantei pelo tema desta pesquisa.
Aos abuelos, Marta e Carlos, que não pouparam cuidados e afetos à
neta brasileira; desde o primeiro olhar, a insistente e invariável aposta em
mim, para os quais as palavras ficam curtas e insuficientes.
À minha mãe, olhos dos quais brotam orgulho, admiração e um
imenso compartilhamento das conquistas, aquela com a qual, lado a lado,
dei os primeiros passos, esses que me possibilitaram percorrer este
caminho; ao meu pai, que apenas com um sorriso me aquece com a
intensidade de nossa relação, presença na qual transborda acolhimento e
generosidade.
Aos meus irmãos, meninos encantadores, Ivan, Tomás e Teo, que
me distraíram com ímpar bom humor, nos momentos de maior
introspecção e debruce sobre o trabalho.
Ao meu grande amor, Fabio De Maria, que me fez conhecer partes
escondidas de mim mesma, que me fez rodopiar pelo mundo afora,
abraçada com a leveza e simplicidade com que vive a vida. Pela tolerância
diante dos cinemas perdidos, das tardes de estudo e as Obras Completas
de Sigmund Freud na estante de casa.
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Ao meu analista, Christian Ingo Lenz Dunker, que com poucas e
pertinentes palavras, me acompanhou em amadurecimento tão
significativo, o que tornou possível a finalização de tantas etapas.
À Isabel Penteado, amada amiga e cúmplice companheira de tantas
empreitadas e descobertas, que se interessou e se dispôs a fazer uma
leitura de algumas destas páginas quando ainda eram rascunhos.
À Heloísa Reuter, pelo apoiou em meus primeiros passos e tropeços
na vida adulta, pelo amparo às minhas inseguranças e conflitos
profissionais, por acompanhar as batalhas e comemorar, sempre, as
vitórias.
Ao mestre Li, mais além da medicina, ao pleno acolhimento do
corpo, da alma e das emoções.
À Luciana Lins, Ernesto Duvidovich, Cláudio Waks, Cris Calderon,
Zeza, Regina Scarpa, Manuela Novais, Renata Borges, Julia Browne,
Marcelo Alencar, Ligia Hoffmann, Julia Gleich, queridos amigos, que
contribuíram para esta realização.
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Humor: defesa ou sublimação?
Palavras-chave: Riso, Humor e Psicanálise.
Resumo
O presente trabalho teve como objetivo provocar os leitores a se
questionarem a partir de quais finalidades o humor está presente na vida
dos sujeitos. Para disparar a reflexão dois eixos foram contrapostos: o
humor enquanto uma potência elaborativa e resignificativa e enquanto
defesa e afastamento da realidade.
Para sustentar as inquietações suscitadas, em uma primeira parte,
realizou definições conceituais e aprofundou teoricamente as
peculiaridades das diferentes espécies de riso, estabelecendo estreitas
articulações com a psicanálise. Em um segundo momento, se dedicou a
discutir a respeito das contribuições do humor no desenvolvimento
infantil. Na terceira etapa, estendeu os efeitos do humor e desafiou a
possibilidade da presença do dito humorístico no cotidiano dos sujeitos.
Para tal, primeiramente voltou-se para a clínica psicanalítica e
posteriormente para outros contextos sociais.
Percebeu-se que, além das hipóteses sugeridas, outras potências se
desenham na estrutura humorística, entre elas, o fortalecimento da
identidade grupal, a possibilidade de um processo libertário e a elaboração
simbólica. Ao afinar a ótica do humor, concluiu-se que os risos irônicos e
demais defensivos, não se incluem no repertório do humor. O circuito e
aprofundamento da temática possibilitaram reconhecer e legitimar que a
presença do humor promove um distanciamento da realidade angustiante,
na perspectiva de que esta possa ser vista sob diferentes ângulos e, o que
antes era cristalizado em dor, possa ser compreendido a partir de outros
sentidos. Desta forma, o dito espirituoso promove um reposicionamento
psíquico do sujeito, atribuindo leveza e risadas no árduo caminho do
viver.
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S U M Á R I O
Introdução p.06
Metodologia p.09
1.0 Humor e Psicanálise
1.1 - O humor na vida de Sigmund Freud p.12
1.2 - O cômico, o chiste e o humor: a quitanda do riso p.17
1.3 - As risadas aplaudem o espetáculo: o outro imprescindível p.40
2.0 A infância no jardim do riso p.52
3.0 Olhar a vida através da lente do humor p.64
3.1 - Uma nota sobre a transferência p.67
3.2 - A clínica bem-humorada p.69
3.3 - Vinhetas Clínicas p.85
3.3 - O humor no cenário social p.93
Considerações Finais p.101
Referências Bibliográficas p.104
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Introdução
A ótica do humor e, das tiradas humorísticas, está estampada na
camiseta dos adolescentes, nas conversas de bar, no jornal que embrulha
o peixe, no dito que encanta a mocinha, nas propagandas publicitárias,
nos encontros familiares, no tête-à-tête dos companheiros de esperanças,
nos abraços dos namorados, no olhar dos cúmplices, na cena
desconcertada e à mercê do imprevisto. Apesar de ser um “dom raro e
precioso”, que traz um tempero especial para os dias de chuva, para os
ambientes abafados e para as noites de luar, é uma experiência vivida e
compartilhada.
O interesse pela temática do humor é antigo. Nascida de uma
família argentina e, em grande parte judia, os ditos espirituosos estiveram
presentes em minha vida desde os tempos de fraldas. As inúmeras
anedotas que são contadas demonstram que o humor sempre foi um
prestigiado convidado em nossas mesas de jantar. Sensível a este, devido
à sua presença especialmente familiar, aprofundei meu interesse quando
as charges da Mafalda e do Yo, Matias começaram a fazer sentido em
minhas leituras.
Diante da proposta de produzir um trabalho de conclusão de curso,
não foi imediato o encaminhamento em direção a esta temática. Sentia-
me tímida em discorrer sobre um assunto que nem sequer deslumbrava a
possibilidade de um aprofundamento teórico. Divaguei por outros temas,
até que, desanimada pelos caminhos que percorria, o humor surgiu,
abruptamente, como uma possibilidade de pesquisa.
Naquela tarde de meados de setembro, a cidade de São Paulo se
encontrava estupefata e desolada diante de um trágico acontecimento.
Sentada em um banco de praça, lia as manchetes de jornal e todas, ou
praticamente todas, se reportavam ao mesmo evento. A tirada
humorística não foi diferente, entretanto, apresentava o indesejado
evento com a leveza e profunda consistência, característica do humor.
Como foram prazerosas aquelas risadas em dia tão indecente. Ao
escorregar meu olhar diante da charge, perguntei-me: por que não? Hoje
estou diante da resposta a que cheguei naquele dia.
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Este trabalho de conclusão de curso está dividido em três capítulos:
no primeiro se encontram articulações estreitas entre o humor e a
psicanálise, com ênfase nas considerações que podem ser feitas entre os
conceitos humorísticos e a abordagem psicanalítica; no segundo capítulo é
proposto um mergulho nos ânimos infantis e no entusiasmo com o qual o
humor incide na vida dos pequenos e o terceiro está voltado para a
presença do dito espirituoso na vida cotidiana dos sujeitos.
Dentre esses, encontramos sub-capítulos: no primeiro há uma
retomada do humor nos meandros da vida de Sigmund Freud, com foco
na intensidade e proximidade que o mestre manteve com este; em
seguida, há definições conceituais e o aprofundamento de algumas das
contribuições das teorizações freudianas à reflexão, reforçando as
peculiaridades e singularidades dos conceitos de cômico, de chiste e de
humor; e para finalizar é caracterizado o dito espirituoso, legitimando e
fundamentando a imprescindível presença do público para a piada circular.
No segundo capítulo, é situado o riso no jardim da infância, onde é
desconstruída a idealização de que as crianças não desfrutam das piadas,
visão destorcida, concepção pela qual se acredita que essas são felizes por
natureza, dispensando deste recurso. O humor, neste contexto, é
apresentado, segundo as contribuições possíveis para o estado de
orfandade e humilhação que as crianças se encontram diante das
tentativas de inserção no universo que se apresenta a elas em seus
primeiros anos de vida.
O capítulo final é iniciado com um sub-capítulo sobre os efeitos da
presença do riso na experiência analítica, desafiando a possibilidade de
uma clínica bem-humorada. Neste, estabeleceu-se um diálogo entre os
diferentes autores, apresentando as contribuições de cada um desses no
universo do humor. Após este, é dada continuidade às reflexões com
algumas vinhetas clínicas que ilustram o que é desenvolvido teoricamente,
e finalizando, com o humor para além da prática clínica, reconhecendo
seus efeitos na transmissão cultural e social na constituição dos indivíduos
e abordando as interfaces do dito espirituoso na vida cotidiana.
A pressuposição é de que, a partir do desenvolvimento e
aprofundamento destes aspectos de dinâmica e das peculiaridades do dito
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espirituoso, possamos nos aproximar da possibilidade de discriminar
segundo quais efeitos o humor incide na vida psíquica dos sujeitos. Para
disparar a reflexão, foram contrapostos dois eixos: o humor enquanto um
movimento elaborativo e sublimatório, como forma de ressignificar
situações traumáticas e angustiantes, ou ao invés, de forma defensiva,
como recusa e afastamento da realidade.
A interrogação, Humor: defesa ou sublimação?, propõe-se a
provocar os leitores na perspectiva de se questionarem quais potências
podem ser incitadas a partir do dito espirituoso e que efeitos podem se
configurar. Mais do que tudo, pretende dar elementos para validar uma
possibilidade do viver à margem da seriedade, afirmando o estilo de olhar
através da ótica do humor.
Metodologia
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Ao princípio da realização deste trabalho de conclusão de curso, o
empenho estava em rechear a pesquisa com experiências práticas que
trouxessem sustentação às reflexões. O temor era não encontrar,
teoricamente, o suficiente para isso. À medida que o acervo bibliográfico
ganhava volume e alimentava as interrogações suscitadas, foi depositado
maior peso nas leituras e conseqüentemente retirado da perspectiva de
coletar dados práticos. O equilíbrio encontrado foi apresentar as vinhetas
clínicas, que trouxeram substanciosas ilustrações.
Neste sentido, a metodologia desta investigação foi elaborada
segundo estratégias que possibilitassem uma aproximação e
reconhecimento dos efeitos do humor na vida dos indivíduos. Atenta às
inconvenientes interferências que poderiam ser suscitadas, caso fosse
realizada uma abordagem invasiva ou intempestiva ao sujeito, optou-se
pela coleta de casos clínicos. Nesses, as interfaces e as incidências dos
ditos humorísticas nas experiências humanas, foram relatados a partir da
escuta e observação de psicanalistas do percurso de seus pacientes.
Devido ao recém desabrochar de minha experiência clínica, foi
solicitado a analistas relatos que trouxessem elementos da relação que
seus pacientes estabelecem com o humor. O critério para escolha dos
profissionais foi que tivessem atuação clínica e que se apoiassem na
abordagem psicanalítica para nortear sua atuação, já que esta é a
orientação deste trabalho.
Neste contato, foi priorizada uma discussão ampla, rica em relatos
de vivências e percepções destes analistas acerca do acompanhamento de
seus pacientes. Dessa forma, a entrevista individual não dispôs de um
questionário dirigido e rígido, com questões pré-elaboradas a serem
respondidas, mas sim, uma conversa flexível e espontânea, que pudesse
contemplar e abranger as variadas óticas acerca da incidência do humor.
A partir dessa conversa, as vinhetas clínicas foram desenhadas,
material prático utilizado para se estabelecer relações com a hipótese
esboçada. O encontro com dois profissionais, cada um a sua vez, se
mostrou adequado e suficiente para alimentar as indagações desta
pesquisa. Para disparar a conversa foi realizada a seguinte provocação:
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quais os efeitos do humor você identifica na vida de seus pacientes?
Diante das respostas, a atenção se direcionou para o que se desenhou na
fala desses, desfrutando da abrangência e rica experiência destes
profissionais. O material coletado não está disponível em sua íntegra,
apenas estão presentes as vinhetas clínicas.
Além daquelas coletadas a partir da conversa com psicanalistas,
foram utilizados casos clínicos encontrados na literatura, tendo sido
possível, inclusive, aproveitar das discussões realizadas pelos autores, nos
casos em que foi cabível. A partir das vinhetas coletas e retiradas dos
livros, foi possível desenvolver uma análise que fundamentasse, refutasse
e trouxesse novas inquietações às hipóteses desta pesquisa.
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HUMOR E PSICANÁLISE
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1.1 - O humor na vida de Sigmund Freud
Este capítulo pretende contextualizar a predileção de Sigmund Freud
em relação ao humor, proximidade que não parece por acaso. Seus
primeiros escritos acerca desta temática surgem no início do século XX. No
entanto, antes disso, damas e cavalheiros que o conheceram deixaram
registros, através de anedotas, de que o pai da psicanálise era bastante
espirituoso, costumando optar por comentários dotados de humor e
sagacidade.
A leitura de suas obras traz indícios de seu estilo persuasivo e de sua
próxima relação com o humor: é freqüente vê-lo fundamentar teorias ou
fortalecer argumentos com piadas e casos graciosos. Suas ilustrações,
mesmo que algumas vezes pouco delicadas, mas sempre divertidas,
facilitam que os leitores ou ouvintes compreendam teorias psicanalíticas
complexas que pretende transmitir.
Em seu histórico capítulo intitulado Piadas Sérias, Peter Gay (1992)
compartilha com seus leitores que, em conversas informais, a ironia e a
sátira também não deixavam de se apresentar ao expor observações
mordazes por puro prazer. Relatos daqueles que o conheceram,
descrevem-no como uma presença dotada de simplicidade, encantadora
jovialidade e uma incrível capacidade de encontrar graça nas situações
cotidianas, até mesmo naquelas que denotavam um conteúdo grave ou
polêmico. Algumas de suas opiniões e postura diante de conflitos políticos,
guerras mundiais e ditadores da época ainda trazem dúvidas de como não
trouxeram conseqüências mais desastrosas: através de piadas, não
poupava suas críticas às autoridades e líderes.
Em meados de 1897, Freud começa a colecionar anedotas judaicas,
interesse nada casual, considerando-se sua origem familiar e sua intensa e
complexa relação com o judaísmo. Nascido na Áustria, de uma família
judia, nota-se em suas falas uma relação ambígua em relação à cultura
judaica. O biógrafo Gay (1992) retoma uma fala de Freud em que diz: “a
minha língua é o alemão. A minha cultura, as minhas realizações são
alemãs. Eu me considerava intelectualmente um alemão, até ter reparado
no crescimento do preconceito anti-semita na Alemanha e na Áustria
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Alemã. Desde então, prefiro me proclamar um judeu”. (Freud, 1827, apud
Gay, 1992, p. 194).
Seu ímpeto e entusiasmo em se declarar um judeu eram mais
intensos em momentos polêmicos e problemáticos do que nos mais
tranqüilos. Ao ler algumas de suas piadas publicadas, evidenciam-se
comentários hostis e maliciosos em relação à cultura e aos judeus em
especial vindos da Europa Oriental. A explicação para esta ambigüidade
pode estar segundo Gay (1992), no fato de que Freud ao mesmo tempo em
que procurava estabelecer uma distância com esta frota de judeus que
invadia sua cidade, ironicamente se identificava com eles em alguns de
seus aspectos e costumes menos refinados. Neste contexto, seu interesse
pelas anedotas judaicas se explicaria pela possibilidade de se defrontar com
seus sentimentos ambíguos e assim transitar pelos dois extremos, ainda
mais com o interessante acréscimo de fazer graça para os outros.
Ao abordar rituais cotidianos, trazia embutido, além da cena em si, a
sátira e a ironia características do gênero da piada. Nos casos a seguir,
demonstra sua hostilidade pouco disfarçada em relação aos judeus, que em
sua arrogante declaração de limpeza, apenas vinham a confirmar sua
pouca higiene:
“Dois judeus falam sobre o ato de se banhar. Eu tomo um banho por
ano, fala um deles, necessitando ou não”; ou essa outra; “Um judeu
observa restos de comida na barba do outro: posso te dizer o que você
comeu ontem. Diga então. Lentilhas. Errou! Isso foi antes de ontem”.
(Freud, 1905/2001, p. 69).
O fascínio pelo desconhecido e a busca por desvendar enigmas
acompanharam Freud desde os dias de estudante até a poltrona como
analista atrás do divã. Os indícios e as perguntas que o incitavam a
prosseguir em suas formulações, em sua maioria, foram recolhidas a partir
do acompanhamento de seus pacientes, assim sendo, descobriu um
laboratório de observação em seu próprio consultório.
O mergulho de Freud no universo do riso surgiu como um suspiro em
sua extensa produção sobre a Interpretação dos sonhos (1900). Nesta,
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procurou esclarecer o enigmático processo do sonhar, apresentando-o
como um retorno de uma operação anímica normal, articulando o conteúdo
manifesto do sonho, aquilo que recordamos e relatamos uma vez
acordados, mesmo que muitas vezes nos pareça fragmentado, absurdo e
sem nexo, aos pensamentos oníricos latentes, material presente na psique
humana, do qual podemos nos aproximar através de associações aos
elementos sonhados. Afirma que da comparação entre o conteúdo
manifesto do sonho recordado e os pensamentos latentes descobertos se
obtêm o conceito de trabalho com sonhos. Descreve o processo de
condensação pelo qual passam os elementos da psique durante o ato de
sonhar, o que leva a uma abreviação e formações substitutivas com o
material dos sonhos, segundo ele, assemelhando-se com a técnica do
chiste.
Nas palavras do mestre Freud (1905/2001):
Procurou-se descobrir na técnica do chiste os
processos de condensação com formação substituta ou
sem ela, de deslocamento, de figuração por um
contra-sentido e pelo contrário, de figuração indireta,
etc., o que segundo achamos, cooperam com a
formação do chiste e mostram muito amplas
coincidências com o processo de trabalho com sonhos.
(p. 153).
Introduz as piadas como uma possibilidade de satisfação de pulsões
e contorno de obstáculos e restrições culturais, ainda mais com o acréscimo
de prazer de uma fonte antes inacessível. Descreve-a como uma saída
oculta, através da qual a censura é enganada e ao sujeito é sinalizada a
oferta de liberdade de fala e de ação, mesmo que por apenas alguns
instantes. Encontrou nas piadas um encantador jogo de palavras e um
importante peso da linguagem na manifestação de elementos do
inconsciente. Identificou que a abertura do código verbal possibilita que
pensamentos sejam expostos ou ocultados, assunto que iremos aprofundar
nesta pesquisa.
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Assim sendo, Freud se dedicou a investigar a lógica do inconsciente,
durante os primeiros anos do século XX, com o esforço de evidenciar que o
inconsciente não está presente apenas nos sintomas e nos sonhos. A
tentativa era em fundamentar que as manifestações inconscientes
poderiam acontecer na vida cotidiana, nos atos falhos, nas piadas,
produções artísticas, entre outros. Sustentava com isso, a universalidade e
onipresença do inconsciente e da psicanálise na vida dos sujeitos.
Esta postura esteve presente em todos os trabalhos escritos, assim
como a insistente intenção de formular hipóteses que pudessem se aplicar
universalmente e a ambiciosa expectativa de explicar a mente humana. A
importância que foi embutida a estas premissas é compreensível, se a
localizamos naquele período histórico, em que havia uma imensa recusa à
Psicanálise. Neste terreno, a possibilidade de que esta teoria contemplasse
todo e qualquer cidadão sustentava a pertinência e a continuidade de suas
formulações.
Por esta razão, o sonho, experiência vivenciada por qualquer ser
humano, foi um excelente ponto de partida. Para introduzir o texto sobre
as piadas, Freud disse acreditar que existia uma íntima relação entre todos
os fenômenos mentais e, nesta perspectiva, estabeleceu estreitas ligações
entre o mecanismo do sonhar e da piada. Sua motivação em explorar os
recursos humorísticos, não estava limitada a captar a essência da ironia e
da piada, mas propunha-se principalmente a revelar a essência do
funcionamento da mente.
Sensível às piadas após coleta das anedotas judaicas, ele amplia a
temática e aprofunda os recursos técnicos, ao produzir O chiste e sua
relação com o inconsciente (1905), assunto que estendeu, como veremos
no capítulo O Humor (1927, volume XXI). Desde o princípio desta
discussão, sustenta que as piadas são assunto profundo e sério, pois dizem
o que não pode ser dito, denunciam a autoridade e as figuras de poder que
a muitos oprimem. As piadas, muito sedutoramente são além de uma
pequena conquista de liberdade em relação às restrições culturais, sociais e
políticas, uma calorosa oferta de prazer ao ouvinte.
Este percurso pelos meandros da vida de Freud nos indica que o pai
da Psicanálise se apropriou da potência humorística em sua própria
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trajetória, como recurso para ressignificar experiências psíquicas, para
explicitar e denunciar determinadas idéias. Seja em seus escritos ou em
seus passos cotidianos, as piadas ganharam peso de argumento. O que,
inclusive, poderia aproximar a formulação da piada às interpretações
analíticas, enquanto revelação do campo e das intenções inconscientes,
idéia que aprofundaremos mais adiante. Estas constatações são
merecedoras de uma aposta: talvez haja uma fundamentação para discutir
o recurso humorístico mais profundamente. É por si só, um convite para
retomarmos como isso foi pensando teoricamente por Freud.
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1.2 - O cômico, o chiste e o humor: a quitanda do riso
A importância que Freud atribuiu ao material dos chistes fica
evidente pela sua extensa produção teórica, as numerosas leituras que
realizou para fundamentar suas teorias, a quantidade de piadas que coletou
para refutar e aprofundar suas hipóteses e, por fim, o grau de
detalhamento, com o qual discute os processos psíquicos envolvidos na
formulação das piadas. Sua insistente busca foi identificar o que faz, afinal,
uma frase, uma cena ou uma lembrança tornar-se algo engraçado, uma
fonte de prazer aos indivíduos.
Em suas obras, O chiste e sua relação com o inconsciente (1905) e O
Humor (1927), Sigmund Freud aponta para os diferentes desdobramentos
do riso, o contexto e os caminhos pelos quais ele se dissemina. Para
disparar sua reflexão apresenta a idéia de que no riso há uma economia de
gasto psíquico que opera na suspensão da inibição de desejos, cuja
satisfação normalmente estaria proibida e que, através deste mecanismo,
acaba por se satisfazer. Isto é, defende que “a ganância de prazer
humorístico provêm da economia de um gasto de sentimento”. (Freud,
1927/2001, p. 157).
Nesta perspectiva, a essência do riso estaria em poupar afetos a que
a situação naturalmente daria origem e afastar, com uma pilhéria, a
possibilidade de tais expressões de emoções. A realização da piada seria
como um desengano na expectativa do ouvinte, no momento em que a
brincadeira ocupa o lugar do sentimento preparado para a ocasião. Nesta, a
graça se dissemina pelo imprevisto, pelo desconcerto e com ele a economia
do afeto preparada para o contexto: o sujeito começa a contar algo, o
ouvinte se prepara para manifestar um sentimento pertinente ao contexto
que esta sendo relatado. No entanto aquele que relata surpreende as
expectativas do ouvinte, contando uma piada. Diante desta mudança de
rumo, logo, pela não necessidade da descarga destes afetos preparados
pelo ouvinte, este é levado ao riso.
Desde o princípio, Freud nos chama atenção para o fato de que o
conceito de piada, segundo a leitura de que representa apenas uma
economia de um gasto de energia tornado inútil que se destina à risada,
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não se aplica, invariavelmente e indiscriminadamente, a qualquer explosão
de riso. O cômico, o chiste e o humor, estabelecem relações de parentesco,
mas, sobretudo de distinção. A seguir, será percorrido o caminho da
comicidade, posteriormente a este, das formulações do chiste e por último
da dinâmica do humor. Para finalizar, será realizada uma breve
comparação entre essas três formulações, para com isso, construir elos de
semelhanças e diferenciações entre elas, introduzir e aprofundar a
temática.
O contemporâneo Luis Campalans Pereda (2005) quando arrisca
fazer esta diferenciação, identifica que o cômico encontra seu território
quanto mais explicitamente a cena se constrói, vamos esclarecer, diz ele
que com a comicidade desfrutamos da graça em sua forma bruta e
inesperada: no click da fotografia. Ilustrações corriqueiras e familiares são
aquelas em que vibramos de rir diante de trapalhadas, escorregões no piso
molhado ou do contundente grito, quando intencionalmente demos um
susto em alguém. O nascimento da comicidade pode ser identificado no
contraste entre o que seria esperado, nos exemplos citados: um
comportamento civilizado; no lugar do que efetivamente ocorreu, os
tropeços e as trapalhadas. Isto é, o cômico se instala na falta de proporção
entre a atitude esperada e o que ao final sucedeu.
A cena cômica, como em qualquer atividade humana, para fazer,
exercitar ou dizer algo investimos certa quantidade de energia psíquica.
Diante desta constatação somos lavados a nos perguntar de que maneira,
no cômico, ocorre a economia de gasto psíquico que nos leva ao riso. A
resposta trazida por Mezan (2005) é que:
Para efetuar uma ação ou dizer algo, é necessário um
dispêndio de energia. O cômico ocorre quando este
dispêndio é a mais (em relação aos movimentos
corporais) ou a menos (com relação ao desempenho
mental), tomando como parâmetro a quantidade de
energia que eu mesmo empregaria naquela
circunstância (...) a comparação entre esses dois
dispêndios engendra uma diferença energética que vai
ser descarregada no riso. (p. 169).
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Mezan (2005) em sua fala reitera o que Pereda (2005) já nos havia
alertado, quanto à desproporção do dispêndio de energia característico do
cômico. Veremos como esta dinâmica ocorre psiquicamente: este processo
pode ser compreendido como uma liberação do inconsciente, na
autorização dos desejos e fantasias na emergência com a infantil. Este
resgate de elementos da infância opera ao oferecer uma abertura aos jogos
e brincadeiras, sob uma lógica que esbarra no tênue limite com o absurdo e
que nos convida a acessar as várias possibilidades de ser. O exagero da
comédia, associado aos múltiplos sentidos que apresenta e à alternância
entre eles, estabelece um ambiente suportável e seguro para que o sujeito
se descole da repressão de seu superego e, com a supressão dos processos
primários do inconsciente, ocorra uma economia de gasto psíquico, o que
explica o prazer que o sujeito experimenta diante de cenas bizarras.
Nas comédias cinematográficas, os passos atrapalhados do herói,
que ora figura o ideal e ora o ridículo, fazem com que, nesta alternância
entre um e outro, o espectador ao mesmo tempo esteja afastado da
personagem e identificado com ela. O cômico se situa na relação do eu com
a imagem do outro, em que a graça se estabelece em ver o outro em
circunstâncias que poderiam ser minhas e vice-versa. Neste
embaralhamento, o semelhante, o outro igual, se vê atingido e
contaminado sob efeito de uma descarga catártica, devido à proximidade
com o puro significado.
O francês Gilbert Diatkine (2006), em seu texto Sobre o Riso, faz
uma interessante analogia do cômico através de um filme do cinema mudo
de Charles Chaplin: descreve a trama e pontua cenas em que identifica a
emergência da comédia. Considera que é no cenário, no enquadramento,
na montagem e nas habilidades mímicas que os atores do cômico podem,
em certas ocasiões, dispensar as formas lingüísticas e expressar-se por
outras operações. O código verbal pode assim, contracenar no cômico,
porém não é indispensável.
A produção da cena, a expressão corporal e facial, os objetos
utilizados, são aqueles que confundem o superego confiando-lhe que é
apenas uma brincadeira, um faz-de-conta, e que pode rir à vontade. Neste
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registro, seja no cômico verbal ou no não-verbal, o pensamento circula pelo
talento de trazer graça e espontâneas risadas à cena.
Bons convidados para compreendermos como o renascimento da
infância nos leva ao cômico, através do qual “podemos ver o mundo sob os
binóculos do riso (...) é deste limiar entre a vida cotidiana e o espetáculo
do mundo que o palhaço faz o convite” (Sampaio, 1992, p. 43) são aqueles
que entram em cena portados de narizes vermelhos. Os palhaços com suas
roupas, gestos, movimentos exagerados e repetições exaustivas nos
convencem de que, sob aquela lona estendida, tudo é brincadeira e
personagens que a princípio vêm a alegrar as crianças não deixam de
desenhar um sorriso nas feições dos pais que acompanham seus tropeços.
Sampaio (1992) nos faz pensar que entre gargalhadas e “palhacices”,
perde-se o controle do destino e a brincadeira nos destina, permitindo que
a espera do que está por vir se torne suportável e a angústia do
desconhecido e enigmático, naquela magia, possa ser tolerada. Os
exageros e “palhacices”, que embaralham e desembaralham, fazem com
que o acento psíquico da platéia se desorganize para organizar-se de outra
forma. Neste movimento a tensão se alivia, o sujeito está no cenário do
circo, vê o palhaço ora como um semelhante e ora como um estrangeiro,
diante da alternância da graça e do ridículo, deixa-se levar e neste caminho
pode se surpreender com outros significados.
Permite-se pensar que, justamente pela razão de tornar-se possível
ver a realidade de “cabeça para baixo”, seja suportável ver nosso porteiro
da alegria em tantas enrascadas e apertos, em geral momento de explosão
da graça. Falamos aqui de um “deixar-se levar” pela palhaçada, pela graça
e pelo imprevisto, entretanto, “o riso é garantido, apenas, porque tivemos
a experiência, pela repetição, de que nada de grave vai realmente
acontecer. É nesse investimento economizado que se descarrega no riso”
(Diatkine, 2006, p. 05). Isto é, devido a experiências anteriores, nas quais
fomos levados a concluir que “debaixo da lona do picadeiro”, a brincadeira
é possível e permitida e que nada de mal sucederá, torna-se possível
relaxar e deixar-se levar.
Seja pela sua circulação despretensiosa, pela possibilidade de
dispensar inclusive do código verbal, por colorir o casual e garantir lugar
21
marcado na platéia para todo o público que se propõe, por aqueles
instantes, soltar as amarras e se deixar levar, talvez por tudo isso, o
cômico diferencia-se de outras espécies do riso, sendo capaz de penetrar
tanto e convocar a uma universalização do espetáculo da magia e do riso.
O seguinte processo psíquico que iremos abordar apresenta, desde
já, uma consistente polêmica diante da tradução adotada ao português: no
originário alemão é conhecido como Witz, alguns autores brasileiros
chamam de chiste, no entanto, muitos outros criticam veementemente o
uso deste termo. A crítica sustenta-se pelo fato de que o termo utilizado no
Brasil foi importado do espanhol, idioma no qual a palavra em sua
terminologia carrega em si o efeito mordaz, sagaz e espirituoso,
característico do Witz. Entretanto, o que não se mantêm no português,
onde frequentemente se associa o chiste com a piada, o que pode ser
reduzido apenas a uma anedota ou história engraçada. Justamente a esta
diferenciação, Freud dedicou considerável esforço para que Witz não se
confundisse com cômico. O que proponho para continuidade da leitura da
pesquisa, inclusive reconhecendo a pertinência da observação é que,
realizado o devido esclarecimento, podemos seguir a reflexão, utilizando-
nos do termo chiste, que é o mais difundido e empregado, porém com a
cautela de considerá-lo em seu adequado significado.
Ainda na tentativa de nos apoiarmos no conceito em sua forma mais
consistente e correta, trago a pesquisa realizada por Mezan (2005) para
este aprofundamento:
Diante da dificuldade, procurei investigar qual é
exatamente o sentido do termo alemão, a despeito do
uso que Freud fez dele como conceito. Witz provém do
antigo termo witan, que quer dizer “compreensão,
“entendimento”, e cuja raiz é wiss, presente no wissen
(“saber”), Wissenschaft (“ciência”) (...) em todo esse
campo semântico, predomina a idéia de “inteligência”,
irradiando-se para as de “visão” (meio para conhecer)
e daquilo que visão e inteligência produzem:
conhecimento, saber. (p. 139/140).
22
Havendo-nos com a insistente determinação de realizar as
diferenciações necessárias, a primordial delas é que diferentemente do
cômico é no código verbal e no uso das palavras que o chiste se organiza
para produzir o riso. A refinada composição da piada, os recursos textuais e
lingüísticos serão os responsáveis por um significante poder ser escutado
sob várias faces e significados, e com isso, a censura ser anestesiada. O
autor da piada tem a seu dispor todas as fontes de linguagem e, utilizará
de sua habilidade para articular a representação pré-consciente à
elaboração inconsciente.
Tais técnicas nos entregam ao riso, por deslocarem o acento
psíquico, isto é, provocarem um desengano nas expectativas dos ouvintes,
dando margem a outros sentidos. A censura do superego adormece e a
repressão é pega desprevenida justamente pelo fato do significante
remeter o ouvinte a vários significados: num instante, um determinado
elemento pode ser ele mesmo ou seu oposto. O refinado trabalho com a
linguagem é a flexibilização que fornece o relaxamento suficiente para que
se abra uma fresta no inconsciente e o ego permita-se rir.
Freud (1905/2001) deleita seus leitores com diversas anedotas, para
que assim verifiquem que: “a sensação de prazer que experimenta o
ouvinte não pode vir da tendência nem do conteúdo do pensamento do
chiste, não nos fica outra possibilidade senão a de relacioná-la com a
técnica do chiste” (p.89/90). O autor classificou 11 tipos e subtipos de
recursos técnicos pelos quais os chistes podem ser formulados. O desafio
tornou-se então, procurar a unidade dentro da multiplicidade. Com
maestria e bom humor, ele fundamenta tais técnicas, apresentando
inúmeras piadas, garantindo que, através da observação e análise
empírica, possam se construir teorias e formar um juízo sobre a natureza
deste processo psíquico. A repetição que passa a operar quando se tem o
acúmulo de centenas de piadas, possibilita que generalizações possam ser
corretamente realizadas e que o enigma, a unidade na multiplicidade,
encontre algumas respostas. Veremos a seguir, alguns exemplos de chistes
que possam trazer luz às nossas reflexões:
23
“O matrimonio X tem uma boa condição econômica. Na opinião de
alguns, o marido deve ter ganhado muito e com isso se acomodou um
pouco, enquanto outros acreditam que sua esposa se acomodou um pouco
e com isso ganhou muito”. (Freud, 1905/2001, p. 33).
Neste exemplo fica evidente que a técnica do reordenamento das
frases (ganhou muito - se acomodou um pouco/ se acomodou um pouco –
ganhou muito), o que foi realizado a partir das mesmas palavras apenas
alterando sua ordem, foi o que trouxe o acento irônico e crítico ao
comentário. Outra técnica, múltiplo significado, pode ser observada no
seguinte chiste:
“Um cavalheiro, suposto parente de Rousseau, também ruivo e com
o mesmo nome é apresentado a uma dama. No entanto seu
comportamento é desconcertado e inadequado e a dama lhe diz: você me
fez conhecer um homem roux (ruivo) e sot (bobo), mas não um Rousseau”.
(Freud, 1905/ 2001, p. 30).
A graça está, pois, roux-sot e Rousseau têm a mesma pronúncia,
assim, a partir de uma mesma sonoridade têm-se múltiplos significados: o
primeiro desqualifica o sujeito diante de si e o segundo refere-se ao
estimável filósofo e poeta. No seguinte exemplo, diferente do anterior, o
chiste se estabelece pelo jogo de palavras que enuncia um duplo sentido:
“O médico vem examinar uma senhora doente, movendo a cabeça
ao marido que a acompanha, diz: não gosto nada do que vejo em sua
esposa. Há tempos que eu também não gosto, se apressa em responder o
marido.” (Freud, 1905/2001, p. 37).
Neste, a fala do médico reflete um duplo sentido, o que fica
evidente quando escutamos a resposta do marido: enquanto o médico se
refere ao estado de saúde que a senhora se encontra, o marido, ao
escutar o diagnóstico, manifesta seus sentimentos em relação à esposa. O
24
chiste a seguir evidencia o teor lógico da falácia (falsa verdade), no qual o
cliente troca a torta pelo licor, através de um vínculo inexistente:
“Um senhor chega a uma doceria e pede uma torta, mas em
seguida a devolve e no lugar pede um copo de licor. Bebe-o e quer ir sem
pagar. O dono do estabelecimento o retém: o que o senhor quer de mim?
Deve pagar o licor. Na troca dele já lhe dei a torta. Mas você também não
a pagou. Mas também não a comi.” (Freud, 1905/2001, p. 58).
Muitos são os recursos técnicos - condensação, deslocamento, etc.-
que a partir das construções lingüísticas têm o efeito de provocar prazer
no ouvinte. Assim, sustenta-se que o efeito chistoso se encontra na
maneira em que o pensamento se expressa e não no material em si que é
apresentado. Freud (1905) propõe ao leitor fazer o exercício de formular
de diversas maneiras um mesmo chiste: deparamo-nos com o fato de que
o sentido se mantém, mas a graça se perde, esta que apenas se expressa
sob determinada técnica lingüística. Conclui que, justamente o produto
léxico, o jogo de palavras, causa o caráter chistoso e seu “efecto
risueño”1.
Ao recapitular a obra de Freud, Renato Mezan (2005) faz uma
interessante articulação entre as temáticas: sonhos e chistes. Diz ele:
No sonho, o resto diurno se veicula por algum
elemento fortuito aos desejos reprimidos, e, como um
imã, os atrai para si; o trabalho do sonho consiste
precisamente em disfarçá-los para que possam
penetrar na consciência, e, graças à regressão formal,
ali se estruturam como seqüência de imagens. No witz
(chiste), semelhanças fônicas entre palavras e
analogias inesperadas e entre idéias, desempenham
1 Insisto em manter o termo, rirsueño, no idioma espanhol, através do qual discorro sobre as teorias de Freud, pois me parece que o próprio termo traz elementos de sua teoria. A tradução do termo “efecto risueño” facilmente pode ser compreendida como efeito de riso/ de graça, no entanto, não proponho uma leitura etimológica do termo. Mas sim, pretendo ressaltar que a formulação deste termo traz em si uma condensação de dois significantes: rir+sonho (sueño), analogia extensamente desenvolvida pelo autor.
25
função idêntica a do resto diurno para o sonho: as
tendências condenadas pela censura tomam, por
assim dizer, carona naquelas semelhanças e analogias,
o que é possibilitado pela condensação e pelo
deslocamento operantes tanto na técnica quanto no
curso dos pensamentos. (p. 148).
Como já se sabia, o sonho é a realização disfarçada de um desejo
reprimido, restava saber se o chiste operava da mesma forma. Tal
indagação levou Freud (1905) a perceber que alguns chistes operavam a
partir de uma intenção, batizados por ele como tendenciosos e outros que
oferecem prazer apenas pela sua forma, chamados inocentes.
No caso dos chistes da primeira categoria, tendenciosos, o prazer é
resultado da expressão de uma motivação que de outra forma seria
censurada. Nestas, a tendência esquiva-se de alguma imposição, em que
com o auxílio do chiste, cancela-se a inibição, evitando a sufocação e a
estase psíquica. A forma alusiva indireta desta categoria de chistes
possibilita que pensamentos sejam expressos, como um drible à repressão.
Por uma brecha psíquica, pensamentos inconscientes podem tocar a
consciência e, por esta característica singular dos chistes tendenciosos,
esses proporcionam uma satisfação bem mais intensa, carimbados com
risos mais fortes.
Nos tendenciosos se encontram pensamentos morais, obscenos,
preconceituosos, que derivam fundamentalmente das esferas sexuais e
agressivas. Freud enfatizou que componentes singulares da constituição
sexual dos indivíduos podem ser decisivos na construção dos chistes, por
exemplo, os chistes obscenos muitas vezes são de autoria de pessoas com
inclinação exibicionista e, os agressivos, comumente formulado por aqueles
que apresentam um componente sádico, mais ou menos reprimido em suas
vidas.
Nas palavras de Mezan (2005):
Chistes tendenciosos gratificam intenções proibidas: a
vestimenta inocente ou engenhosa engana a censura,
e, quando a piada é entendida, a inibição que pesava
26
sobre tais idéias passa a ser supérflua - o inconsciente
se torna consciente. O prazer deriva, portanto, diz
Freud, da economia de um dispêndio psíquico, aquele
que era necessário para manter a inibição - o que, em
termos dinâmicos, equivale ao levantamento de uma
repressão. (p. 148).
Os chistes inocentes, valorizados por Freud (1905) ao longo de sua
obra, não são menos relevantes ou sem substância, podem enunciar algo
muito valioso, pois se apresentam em sua forma mais pura. Uma regra
geral é que a substância do chiste é inteiramente independente dele e, será
na maneira chistosa que apresenta o pensamento que este se torna
engraçado. Estes nos fazem sorrir e não gargalhar, no entanto, têm o
imenso desafio de mobilizar as energias psíquicas dos sujeitos a partir da
destreza no uso dos recursos técnicos.
Freud (1905/2001) aborda os chistes inocentes, ao retomar o
desenvolvimento e apreensão da linguagem de uma pequena criança que
faz suas primeiras tentativas. Localiza nestes passos iniciais em desvendar
o código verbal, a criança acomodando sua postura psíquica na sonoridade
acústica da palavra, sem se ater ao seu sentido ou ao seu significado.
Equívocos entre palavras com uma fonética semelhante são absolutamente
comuns, esses que levam os adultos a rir. Em suas palavras:
Na época que a criança aprende a dirigir o léxico de
sua língua materna, se depara com um manifesto
contentamento de “experimentar brincando” com esse
material e constrói as palavras sem se ater com a
condição do sentido, a fim de alcançar com elas o
efeito prazeroso do ritmo ou da rima. Este
contentamento lhe é proibido pouco a pouco, até que
ao fim somente lhe restam como permitidas as
conexões previstas de sentido entre as palavras. (...)
No último período da infância o poder da crítica
cresceu tanto que na maioria dos casos, o prazer do
“disparate liberado” raras vezes ousa exteriorizar-se
diretamente. (p. 120/121).
27
Nesta fala, ressalta-se outro aspecto, que se refere ao fato de que
com o crescimento do sujeito e sua apreensão da linguagem, estes
graciosos enganos e confusões são extintos e não lhe resta outra opção a
adotar o código verbal estabelecido. Nesta perspectiva, a formulação de
chistes inocentes vem a ser uma retomada nostálgica deste período do
desenvolvimento da linguagem infantil, em que se identifica um alívio de
gasto psíquico, pois a relação que o sujeito estabelece com as palavras é
apenas como variações de sonoridades, economizando a elaboração da
compreensão e emprego da palavra como representação de algo. A graça
encontrará maior alcance quanto mais distante estiver do círculo de
representação da palavra, isto é, de seu contexto habitual.
De passagem, sob as características fundamentais dos chistes
inocentes e tendenciosos, poderíamos estabelecer uma extensão entre
esses e o trabalho com os sonhos - conteúdo manifesto e conteúdo latente.
O conteúdo manifesto seria a piada em si e o conteúdo latente, a intenção
ou fantasia à qual se pode aceder à consciência. Através desta analogia
poderíamos identificar que, caso tenhamos um conteúdo latente
insignificante, porém com refinado uso dos recursos técnicos, temos um
chiste inocente; se ele traz conteúdos proibidos e secretos, será
tendencioso e maior será a explosão da risada.
No texto O Humor (1927), publicado pouco mais que duas décadas
após de O chiste e sua relação com o inconsciente (1905), Freud retoma o
tema, porém agora não se trata mais de chiste ou de cômico em geral,
mas de efeitos humorísticos. O que, em 1905, era teorizado como um
relaxamento parcial do recalque, como uma brecha na vigilância e na
coerção por parte da censura psíquica, passa a ser formulado, em 1927,
em termos de um sobreinvestimento do superego.
O autor recupera a organização psíquica dos sujeitos, pela qual,
dentro do núcleo do ego, se encontra o superego, herdeiro da instância
parental, da interdição, lei e função paterna. O superego que, em outros
mecanismos psíquicos se apresenta como inibidor e repressor ou até
mesmo punitivo, na organização humorística herda também um caráter
amoroso e moderador que tolera a obtenção de prazer de sua cria,
28
poupando-lhe por alguns instantes das penas da vida. Este superego
bondoso e tolerante mostra que é possível brincar, “que a vida não vale a
pena ser levada tão a sério”, que o mundo foi feito também para se gozar e
não apenas para o sofrimento interminável. O superego propõe um
distanciamento da realidade penosa e introduz a possibilidade de tirar
proveito dos afetos angustiantes implicados na ocasião, o que é em si, a
economia na despesa com o afeto angustiante. Mostra ao eu outra forma
de olhar, uma visão mais leve de mundo.
O êxito na promoção do distanciamento da situação
desfavorável estaria na possibilidade encontrada pelo
humorista de identificar-se até certo ponto com o pai,
consolando assim, do alto da sua nova posição, a
aflição das crianças desamparadas às quais reduziu
seu público. No entanto, a operação não se restringe
aos ouvintes, recaindo sobre o próprio humorista que,
ao rir de si mesmo, é ao mesmo tempo a criança aflita
e o adulto superior em relação a essa mesma criança.
(Kupermann, 2005, p. 33).
Freud compreende a relação do piadista com o ouvinte como uma
relação parental em que o primeiro exerce a função paterna, do adulto,
direcionando o caminho da graça que será percorrido pelo ouvinte, função
do filho, que ingenuamente e despretensiosamente o segue. A atitude
humorística seria o comportamento que o indivíduo tem em relação a si
próprio, como o adulto que procura amenizar uma amarga realidade para a
criança. “Isto quer dizer que o humor surge por um efeito da imaginação,
pelo qual se engendra, para o sujeito, um redimensionamento dos valores
e dos poderes do mundo e que permite ao ego uma pequena vitória, um
alívio imaginário”. (Sampaio, 1998, p. 56).
Este mecanismo ocorre quando a pessoa humorística
debita o acento psíquico do seu ego e o desloca sobre
seu superego. Para esse superego inchado, o ego pode
parecer-lhe diminuto, todos seus interesses sem
importância e a raiz desta nova distribuição de
29
energia, ao superego pode parecer-lhe fácil sufocar as
possibilidades de reação do ego. (Freud, 1927/2001,
p.160).
Neste sentido, há um superinvestimento do superego à custa do
ego, em que um pensamento pré-consciente é confiado por um momento
ao inconsciente, e o que resulta deste tratamento é imediatamente
recuperado pela percepção consciente, logo, fornece ao ego uma pequena
parcela de prazer. Portanto, seria o superego o protagonista da cena no
distanciamento promovido pelo humor, fazendo das angústias do ego,
algo à toa, da qual podemos inclusive rir.
Dito isso, vejamos a seguinte piada que apresenta exacerbada
virulência, o que se evidencia pela ira que a perpassa. Esta pode vir a
fundamentar a hipótese que faremos a seguir:
“Um goy [não judeu] pergunta a um judeu: “para que um judeu
precisa de pés? Pois para o bris [circuncisão] ele é carregado, para o hupá
[altar nupicial] ele é conduzido e, para o túmulo ele vai no caixão!”.
Resposta: “Para fugir depressa”. E o judeu retruca: “Para que um goy
precisa de cabeça? Ele não coloca tefilin, não usa peies [os cachos
laterais] e a inteligência não tem mesmo!”. (Mezan, 2002, p. 292).
Ao acompanhar os desdobramentos psíquicos através dos quais o
humor atinge a vida dos sujeitos e a ilustração acima, nada nos impediria
de levantar a hipótese de que este fosse, eventualmente, um manejo
indevido da realidade e uma postura defensiva do sujeito. A possibilidade
de burlar a realidade poderia ser compreendida como o triunfo do
narcisismo, um escapismo, como uma insistente tentativa de defender-se
do fato de estar à mercê do envelhecimento, debilidades, necessidades
orgânicas, frustrações e falências.
O humor, nesta perspectiva, poderia estar associado ao
enraizamento da onipotência humana, recusa a sentir o sofrimento causado
por determinada situação, se opondo a que traumas o toquem, o afetem e
30
mostrando que para ele são apenas focos de obtenção de prazer, rindo e
burlando, através do comentário humorístico. Isto não poderia ser
considerado diferente de uma psicopatologia e um intenso mecanismo de
defesa.
Assim constatado, Freud (1927/2001) nos indaga:
Em que consiste a atitude humorística, pelo qual o
sujeito se recusa ao sofrimento, põe em destaque que
o ego é indomável ao mundo real, sustenta com
triunfo o principio do prazer, mas tudo isso sem
comprometer, como fazem outros procedimentos de
igual propósito, o terreno da saúde anímica. (p.159).
Para responder à pergunta, Freud (1927/2001) escreve sobre a
metapsicologia do humor, em que diz que a dificuldade que encontramos
em nos entregar a uma cena engraçada está na emergência de
sentimentos conflitivos presentes na mesma. Defende que a escolha pelo
humor é a mais saudável delas, pois se economiza o dispêndio de afetos
penosos e, neste movimento, diminuem-se as agruras da vida. Tais afetos
dolorosos são economizados através do humor: para a pessoa que o
produz, nada mais é do que a poupança da energia dos afetos geradores de
desprazer, uma vez que “o superego condescendente, identificado com o
papel paterno, permite uma burla controlada do princípio da realidade,
favorecendo o princípio de prazer e, com isso, a transposição da barreira do
inconsciente” (Calich, 2006, p. 75).
Abrão Slavutzky (2005), ao retomar o Mal Estar na Civilização,
apresenta a questão de forma mais concreta:
A realidade humana é ameaçada pelo próprio corpo,
pela sua dor e envelhecimento, pelo mundo exterior,
que pode abater suas fúrias sobre o homem; e
finalmente pelos vínculos entre os homens. Em face
dessas exigências, surgem as defesas contra o
sofrimento, como são as neuroses, os delírios, as
drogas, o abandono de si, o êxtase e as sublimações.
31
(...) O humor se aproxima desses caminhos, mas
com uma vantagem, pois o triunfo do princípio de
prazer é feito dentro do terreno da saúde psíquica.
Logo, se a piada é o modelo para se pensar o
inconsciente, o humor é uma forma sublimada de
reagir às dores da existência: um modelo para
pensar as contradições humanas sem perder a graça.
(p. 209).
Abordar uma passagem humorística talvez seja recomendável
para esclarecermos o que aqui procuramos vislumbrar: os contornos do
humor. Resisti bravamente em trazer a esta pesquisa o exemplo que
vem a seguir, devido ao fato de ser um gesto de pouca originalidade. Ao
me encontrar com autores que retomaram as obras de Freud, esses em
sua grande maioria, apresentam esta passagem em suas linhas. Porem,
me deixei vencer, quando concluí que este exemplo, sem desqualificar
sua capacidade explicativa da dinâmica humorística, investida com os
anos, deixou de ser apenas um exemplo para tornar-se cauda, isto é,
uma extensão da teoria. Vamos lá: um condenado à morte é levado à
forca em uma segunda-feira e exclama: “A semana começa bem!”.
Este exemplo nos mostra que o humorista em seu comentário
irônico é capaz de separar-se de si por alguns instantes e rir de sua
própria desgraça. O herói renuncia a ocupar o lugar privilegiado da
desejada perfeição e “diante de uma falha, de uma queda, de um
fracasso, o eu é capaz de duplicar e debruçar-se sobre o narcisismo
ferido com benevolência, como um pai que, que vez de criticar, acha
graça nas bobagens dos filhos” (Kehl, 2005, p. 62). Em sua fala recupera
a fragilidade perdida e esbanja que o que aos outros seria desprazer,
para ele é uma fonte de obtenção de prazer e que, muito mais além das
vicissitudes da vida, ele, o piadista, perdeu tudo que tinha a perder e
aprendeu a rir de si mesmo.
Em contrapartida, para aqueles que escutam, também é um dito
humorístico, pois “se ele próprio não se preocupa com o que vai lhe
suceder, nos também, que já tínhamos preparado nossa compaixão, não
precisamos mobilizá-la, ela se torna inútil, e podemos descarregá-la rindo”
32
(Mezan, 2005, p. 171). A extraordinária clareza deste exemplo, em colocar
em descoberto a economia de um gasto psíquico, nos traz explicações pelo
qual esse caso frequentemente é utilizado pelos contemporâneos para
retomar essas teorias.
A seguir, uma piada mais contemporânea, a qual apresenta uma
dinâmica semelhante à do condenado, além do fato de abordar a questão
da morte, esta que aqui é apenas uma casualidade:
“Três homens são condenados à morte e têm direito a um último
desejo. “Quero que minhas cinzas sejam jogadas sobre o túmulo de
Pilsudski”, diz o polonês. “As minhas, sobre o túmulo de Masaryk, diz o
tcheco. “E eu quero ser enterrado lado a lado do grande camarada
Brezhnev”, diz o judeu. Mas Brezhnev ainda não morreu! “Perfeito. Eu
posso esperar.” (Mezan, 2002, p. 293).
Para finalizar nossas reflexões acerca do humor e verificarmos as
sutilezas e a destreza pela qual atinge os sujeitos, convido para subir ao
palco o personagem Mister O:
33
34
O leitor que observa a história em quadrinhos pode mostrar-se, a
princípio, interrogativo ou espantado com a originalidade da história. Após
alguns quadrinhos, se dará conta que o desafio de Mister O é atravessar o
abismo. O que temos em jogo para esta descoberta são as expressões do
personagem, suas tentativas, erros e acertos. À medida que Mister O tem
idéias e as coloca em prática, acompanhamos seus efeitos, a partir de seu
sorriso, espanto, dúvida, cansaço e até mesmo a morte, quando chegamos
no último quadrinho. Sendo que, através destas expressões, nos
encaminha a conclusões.
Ao acompanhar a história, talvez sem nos darmos conta, temos
indícios temporais: quando Mister O joga uma pedra no abismo, esta
demora cinco quadrinhos para chegar ao chão, com isso, imediatamente
temos a percepção que este é bastante profundo, mesmo sem vê-lo. Passa
sol, passa chuva, o relógio movimenta os ponteiros: na cena seguinte o
nosso personagem está com a barba branca, ou seja, não estamos falando
de segundos, minutos ou horas, como concluímos quanto à queda da
pedra, agora falamos de anos ou mesmo de toda uma vida.
Talvez por tanto esforço físico, talvez pela solidão, talvez pela
monotonia na qual se manteve durante os últimos anos de vida, Mister O,
quando finalmente preenche o abismo com pequenas pedrinhas, morre com
o coração partido. Uma considerável dose de angústia é suscitada nos
leitores, enquanto acompanham seqüencialmente os quadrinhos: seja por
não saber o que lhe vai acontecer, seja pela nossa impaciência de observar
um quadrinho por vez, respeitando sua seqüência, no lugar de direcionar a
vista para o fim (e então não entender o que se passa) ou pela
solidariedade em ver alguém diante de uma missão tão exaustiva.
Nesta história, com 60 quadrinhos, um personagem pouco
requintado em detalhes e fisionomia, um mesmo cenário que sofre poucas
alterações, essas que acontecem apenas quando finalmente Mister O
provoca alguma mudança é capaz de nos transmitir muitos significantes,
intenções, percepção temporal e inclusive, graça. Esta estaria no
desengano das expectativas dos leitores: aqueles que acompanham os
quadrinhos esperam, muito provavelmente, um merecido final feliz, quando
35
Mister O após tantos anos, consegue atravessar o abismo. Porém, o que
verificam não é bem isso: Mister O chega a comemorar, esbanjar um
grande sorriso de alegria, entretanto, a felicidade dura pouco, pois em dois
quadrinhos a seguir, isto é, rapidamente, já se tornou um defunto. O leitor
prepara-se para comemorar com o personagem a vitória, quando o vê,
repentinamente, de olhos esbugalhados recostado sobre o chão. É no
contra-circuito da expectativa do leitor em relação ao que sucede que está
a economia do gasto psíquico, somado à elaboração que dispensa por
completo a representação embutida na palavra: as imagens se explicam
por si só.
A graça se reafirma quando continuamos a ver as seguintes páginas
de Mister O, em que 30 outras histórias acompanham suas tentativas de
lidar com o abismo e se estabelece a garantida e repetida frustração. Suas
idéias e iniciativas são outras, assim como se realiza o desfecho,
entretanto, se repete o fato de em todas elas, ele tem a intenção de
atravessar o abismo e em todas termina mal. Para deleite e constatação
dos efeitos desta repetição, que sugere angústia, que não se realiza,
entretanto, que convoca os leitores; apresento mais uma aventura de
Mister O:
36
37
Percebe-se que em alguns aspectos, essas três categorias delineadas
por Freud (1905/1927), o cômico, o chiste e o humor, conversam entre si.
A primordial semelhança entre os mecanismos psíquicos descritos é o fato
de que em todos eles ocorre uma economia de gasto psíquico, isto é, uma
surpresa nas expectativas do ouvinte que lhe permite rir em lugar de outra
reação preparada para a ocasião. Tais mecanismos se caracterizam por
uma forma de diversão, que ficam sem graça uma vez explicados. Afinal,
explicar uma piada é quase uma piada em si.
O riso, efeito dos processos descritos, é costurado na suspensão da
inibição, uma vez que para desfrutar da graça é fundamental que haja um
desprendimento por parte do sujeito, que lhe permita “descansar a sua
vista” e apreender o mundo em outra perspectiva. A desproporção, a
inversão, o desequilíbrio, o trocadilho, o inesperado são estimados
convidados, que contribuem para que a realidade seja construída sob
diferentes pilares, mesmo que apenas por alguns instantes: momento em
que há relaxamento, há movimento, há ruído, há risadas.
Apesar das relações de parentesco, como acompanhamos, tais
mecanismos apresentam, sobretudo, importantes distinções. No destaque
das diferenças fundamentais, está a localização psíquica através da qual
se obtém prazer, uma vez que na elaboração humorística, o prazer
provém do levantamento de inibição de um material inconsciente, pelo
qual se ordenam os fantasmas sexuais e agressivos no campo dos desejos
inconscientes. Seu enunciado é uma experiência da transgressão, pois o
desejo inconsciente se manifesta e se realiza externamente na relação
com o outro, apesar dos limites impostos pelo recalque. Enquanto no
cômico, o prazer provém da comparação de dois dispêndios e a resposta
do interlocutor, está em contrapartida inserida no pré-consciente.
Identificamos como uma característica do condicionamento subjetivo
do chiste e do humor, o fato de que ninguém se satisfaz em elaborar um
chiste para si próprio; está articulado a estes o esforço de comunicá-los.
Diferente do cômico, em que a presença do outro não é uma condição, uma
vez que podemos desfrutar do cômico em quais circunstancias estivermos,
inclusive a sós. No cômico, será de grande desfrute o sujeito entregar-se à
38
graça e ainda melhor se provocar o mesmo em outro que com ele esteja.
No entanto, no chiste e no humor, a possibilidade de rir sozinho não existe,
seu processo de formação requer a comunicação a outro: a platéia torna-se
uma instância fundamental para encerrar seu processo.
No processo do cômico bastam apenas duas pessoas: o eu, aquele
que elabora o cômico e a pessoa objeto, que será o objeto da gozação.
Nesta dinâmica, é possível adicionar mais uma pessoa, o ouvinte, apesar
de não ser necessário. Já no chiste que, joga com as palavras e
pensamentos, é fundamental uma primeira pessoa, aquela que terá a
atividade de elaborar o chiste e uma terceira pessoa, aquela a quem irá
comunicar o chiste. A presença desta terceira pessoa assegura ao primeiro
se houve ou não o efeito chistoso em de sua elaboração, isto é, o público
comprova ao piadista que este alcançou seu propósito.
O chiste necessita invariavelmente do código verbal e do
deslizamento de significados adquirido a partir deste manuseio. As
palavras, as expressões e o vocabulário estão no bolso do piadista que as
recolhe com admirável destreza, fazendo com que a composição seja
hilária. No cômico, apesar das palavras poderem colorir a cena, são
absolutamente dispensáveis, uma vez que esta modalidade de risada se
desenvolve no registro da imagem, no contraste entre o esperado e o
absurdo. Esta determina uma fundamental característica do cômico, que
por ter um menor refinamento em sua formulação, pode ser uma mera
descarga catártica gerada pelo contágio social, tendo assim, um impacto
mais amplo, que tenderia à massificação de sua graça. “Há uma tendência
à universalização, que se acentua à medida que se afasta da propriedade
significante da palavra e se aproxima do puro significado: a torta na cara,
o escorregão na banana e etc.” (Pereda, 2005, p. 117). O cômico fala a
multidões, em contrapartida, o humor fala ao seu público fiel, aqueles
seletos que entendem o que quer transmitir, são da sua “tribo”. O humor
cria o laço social, fala a poucos, mas com tremenda profundidade. Isto
atribui aos ditos humorísticos a potência de formular críticas, transgredir,
combater conceitos e valores sociais.
Seja no chiste ou no humor, ambos se situam como um fenômeno
especificamente humano e dependente do discurso; no entanto, o
39
primeiro é identificado como um amplo leque de técnicas lingüísticas, que
em seu embaralho resultam em composições chistosas. O efeito
humorístico é mais do que isso, pode estar a serviço do deboche, da
agressão, da violação. “O efeito humorístico não é exclusividade do chiste,
pois abrange operações de linguagem que lhe são afins, tais como alusão,
o ato falho, a ironia, a casualidade, a gozação e o jogo de palavras”
(Slavutsky, 2005, p. 118).
A distinção entre essas diferentes formas de desfrute de graça, o
cômico, o chiste e o humor, faz-se pertinente neste cenário introdutório
do tema para construirmos e nos aproximarmos das diversas maneiras em
que a risada penetra os sujeitos, os meandros pelos quais se utilizam para
chegar a seus fins e, sobretudo, para identificarmos suas peculiaridades e
os efeitos que terão nos processos criativos humanos. A percepção mais
ampliada destas três formas de piada nos presenteia com o dispositivo de
identificar singularidades em seus efeitos e desdobramentos para se
chegar ao riso.
Entretanto, apesar das diferenciações desta “metapsicologia” da
piada se fazerem necessárias para o acompanhamento de algumas
passagens desta leitura, não nos ateremos rigidamente às exigências de
distinções entre as várias modalidades de riso. Inclusive, em muitos
momentos esta diferenciação se fará dispensável e, se teimosamente nos
aventurarmos a tal, encontraremos imensas dificuldades neste exercício.
Apenas a faremos, se efetivamente encontrarmos necessidade para tal.
40
1.3 - As risadas aplaudem o espetáculo: O outro
imprescindível
O fenômeno humorístico aponta para uma extraordinária
ambivalência, pois na estrutura da piada podemos encontrar, por um lado,
a vitalidade e, por outro, a mortificação. Esta estranha oscilação entre
vida e morte nos traz explicações ao corriqueiro fenômeno de ver alguém
chorar diante de algo cômico, rir diante de algo trágico ou mesmo chorar
de rir ou rir em lugar de chorar. O chiste apresenta em si uma potência
criadora de ambivalência, o que torna possível transitar entre a angústia e
o riso, amor e ódio em relação a um mesmo objeto.
Diante da sedução imposta pela piada, pelo convite que nos faz
para entrada no gozo e no prazer, facilmente alcançadas através do riso,
ainda mais, como outra possibilidade no lugar da angústia, poderíamos
supor que esta fosse uma atividade desejada e possível a todos os
indivíduos. Desejada talvez o seja, mas possível não, pois sabemos que
nem todos são capazes de desfrutar deste recurso: o humor é um “dom
raro e precioso”, a que apenas uma pequena minoria tem acesso. Muitos
ainda são incapazes de provocar ou até mesmo gozar do prazer
humorístico que lhes é oferecido.
O mestre Sigmund Freud (1905/2001) já havia identificado que
possivelmente haveria particularidades na natureza psíquica dos seres
humanos que têm a seu alcance o prazer humorístico. Apesar de seus
esforços encontrou no exercício de definir as características pessoais
necessárias para o proveito das piadas, um imponente obstáculo, mas
deixou como herança a observação de que uma postura alegre, algum
grau de cumplicidade com o piadista ou certa indiferença em relação ao
material da piada são predisposições necessárias para que o ouvinte
desfrute da graça. A prontidão daquele que se encontra pessoalmente
envolvido ou com sentimentos intensos relacionados com a temática do
chiste ou objeto de gozação encontrará grande dificuldade para ser tocado
por ela.
41
Ainda às voltas de compreender em qual instância e circunstância
uma frase lacônica dita por alguém se transforma em um estrondoso riso
por parte de outro, identificou que a primeira das aptidões necessárias
para se desfrutar da piada é que o ouvinte tenha suficiente concordância
psíquica com aquele que conta a piada para que a partir disso possa ser
acometido da mesma maneira como este o foi. Isto é, o cancelamento de
sua inibição interna deve ser superado, assim como o foi na primeira
pessoa no momento que ouviu a piada. O sucesso da piada dependerá do
encontro destas duas partes, a sintonia que haja entre elas e sua
especifica concordância psíquica.
No chiste, o sujeito precisa da presença do outro
como testemunho e parceiro, para que o desejo em
processo de realização no chiste possa ser
reconhecido pelo interlocutor, pelo riso que é capaz
de provocar. O chiste seria então da ordem do prazer
preliminar para a experiência do riso, que seria assim
da ordem do gozo final, isto é, daquilo que foi
tramado inconscientemente pelo locutor. (Birman,
2005, p. 102).
Desta forma, o dito espirituoso ocorre na esfera da linguagem e
pressupõe a presença de três pessoas: aquele que inventa a piada, o que
é objeto dela e o terceiro, o ouvinte, a quem é contada. Existe, no prazer
que o chiste provoca um compartilhamento de sentimento, o que
escancara a inscrição da piada no cenário social. Uma determinada
formulação lingüística apenas poderá se localizar no campo do humor se
tiver algo a comunicar a outrem. Esta é a primeira exigência que se impõe
à experiência da articulação da piada, caracterizada pelo prazer
descomprometido que, ao mesmo tempo em que convida, autoriza e
contagia, se dissemina rapidamente pelo espaço social.
Deparamo-nos com o cerne, o eixo fundamental e primordial da
circulação da piada: sua potência de liderança no cenário social. Apesar
das inúmeras e pertinentes aproximações entre a experiência dos sonhos
e a dos chistes, neste aspecto, escancara-se uma grande diferença, pois o
42
humor é um efeito eminentemente social, uma vez que envolve o sujeito
e mais alguém, seja como objeto de hostilidade, seja como aliado contra
tal objeto e, em contraposição:
O sonho ocorre na solidão do sonhador, não é social,
não tem nada a comunicar ao outro. Já a piada é a
mais social de todas as operações anímicas cuja
meta é o ganho de prazer. (...) A piada é um jogo
desenvolvido; já o sonho é sempre um desejo
irreconhecível, que serve para economizar um
desprazer, a piada produz um ganho de prazer.
(Slavutzky, 2005, p. 208).
O quinto capítulo de O chiste e sua relação com o inconsciente,
intitulado “Os motivos do chiste - chistes como um processo social”
(1905/2001), apresenta a temática que invariavelmente é abordada por
todo e qualquer autor que se proponha discorrer sobre o tema: o chiste
inexiste sem a presença da platéia. A descrição detalhada realizada por
Freud acerca de que modo ocorre o encontro entre piadista e ouvinte é
pertinente de ser retomada para ao fim compreendemos de que forma a
piada converte-se em moeda de troca no espaço social.
Aquele que conta a piada está concentrado em relatá-la
exatamente como a escutou e com isso produzir o mesmo efeito do qual
foi vítima. Nesta perspectiva, comporta-se de forma a não tropeçar no
efeito de sua graça e apenas ao final testemunha seu prazer diante da
risada de outro. Em contrapartida, o terceiro experimenta uma risada que
nasce em si quando uma significativa energia psíquica, antes empregada
da investidura de certo caminho psíquico veio a ser inaplicável e com
sorte pode desfrutar de uma livre descarga. O prazer adquirido converte-
se em risada, a partir economia de gasto psíquico.
Evidentemente, aquela que ocupa o papel da primeira pessoa na
ocasião é herdeira da terceira pessoa, na ocasião que era ouvinte da
piada. Nesta teve a oportunidade de descarga do sentimento
economizado, desfrute ao qual não tem acesso neste momento. Sabemos
que não somos assaltados pela mesma surpresa por duas vezes, nem pela
43
possibilidade de descarga ou completude na ganância de prazer, com isso,
fica excluída da primeira pessoa a possibilidade da espontânea explosão
do riso.
Mesmo que a descarga não se consuma, uma vez que esta já
ocorreu, para que a primeira pessoa pudesse elaborar ou relatar o chiste é
necessário que a resistência seja suspensa e para tal sabe-se que é
necessário que o investimento de inibição seja cancelado. A primeira
pessoa não pode rir arrebatada pela surpresa, porém a esta lhe
corresponde um novo gasto psíquico, que se refere a contar a piada.
Uma ganância de prazer fica garantida pelo ato de reproduzir aquilo
que uma vez lhe deu prazer e, com o cancelamento da inibição, ri sob um
efeito contagioso de desfrute da risada alheia produzida a partir de sua
fala. Assim, a comunicação do chiste completa o prazer daquele que conta
a piada sob efeito retroativa do outro sobre ele e remedia o “desânimo”
que experimenta pela ausência da novidade.
Neste encontro passamos de ouvinte para piadista, transitamos
entre os diferentes papéis: posteriormente a nos surpreendermos e rirmos
com o conteúdo da piada temos um prazer especial por partilhar com os
demais e repassar a mensagem. “deslocamo-nos assim da posição de
seduzido para a de sedutor, isto é, da posição de público para de ator, da
mesma forma que fará o nosso interlocutor, certamente, logo que seguida
se possível, disseminando a boa-nova.” (Birman, 2005, p. 88).
Birman (2005) enfatiza que há um sutil e saboroso prazer exclusivo
ao piadista: este se engrandece, infla seu ego diante do poder e prestígio
que recebe da platéia, sendo nada mais, nada menos, que o catalisador
do gozo dos demais. Neste jogo, os risos aparecem como aplausos pelo
excelente espetáculo. Esta súbita glória, automaticamente infla o
narcisismo do piadista, que não à toa se torna o sedutor da platéia e por
este registro deseja ser reconhecido.
O locutor protagoniza a cena, o receptor é primordial, afinal, quem
define o que é uma piada, o contador ou quem escuta? Uma história deixa
de ser uma história e passa a ser uma piada quando alguém ri dela. Esta
premissa nos leva a concluir que quem define o que é uma piada é
sempre o ouvinte, pois apenas teremos a garantia de que o chiste foi bem
44
sucedido a partir da risada de alguém e, se isso não ocorrer, saberemos
que a piada fracassou, logo não foi uma piada. “O chiste é compartilhado,
sancionado e festejado pelo outros, cuja participação é condição. (...) A
ressonância ou a reprodução desta satisfação em outros é o que dará
sustento à questão da transmissão de uma piada” (Pereda, 2005, p.
121/122).
Apenas podemos disseminá-las e sermos nutridos pelos efeitos que
elas causam ao nos depararmos com alguém que não a conheça, ou que,
mesmo a conhecendo, se disponha a ser novamente “pego” a rir. A
circulação da piada exige, portanto, a primordial presença de outro, pois:
O processo psíquico da formação do chiste não
parece acabado com sua ocorrência; ainda falta algo
que mediante a comunicação da ocorrência, quer
encerrar esse desconhecido processo (...) do chiste
que me ocorreu e que eu transmiti, não posso rir eu
mesmo, apesar do inequívoco gosto que tenho por
ele. Quem sabe, a necessidade de comunicar o chiste
a outro se entranhe de algum modo desse efeito de
risada negado a mim, porém manifesto no outro.
(Freud, 1905/2001, p. 137).
A discussão de Freud é justamente em torno da função que é
atribuída a esta terceira pessoa na dinâmica do chiste, aquela para a qual
são transmitidas as piadas, sempre com a imensa expectativa de como
esta irá reagir, pois se sabe que, sem a sua autorização, a graça não pode
circular.
Kupermann (2005) aponta que o encontro do piadista com seu
ouvinte reforça os laços identitários existentes naquele grupo social, pois,
através da piada, ao expor, caçoar ou ridicularizar o objeto de gozação,
essas duas partes dão as mãos e se deixam levar aos risos. A comunhão
entre eles faz com que, ao centralizar na segunda pessoa da dinâmica da
piada o ódio e a agressividade, possam desfrutar da identificação ao
próximo e se abraçar mutuamente. A possibilidade de comunhão na
graça, estaria, portanto, ao gozar aquele que ocupa o mesmo grupo a que
45
pertencem o piadista e o público, porém neste, o objeto da graça não
passa de um estrangeiro, de um diferente, excluído e alheio.
O alvo da piada é por ela ridicularizado, quando não ofendido ou
humilhado. Inúmeras são as piadas que se referem a grupos étnicos,
aproveitando-se de algum traço marcante e característico como temática
dos chistes. Esse gênero de piada, reflete imagens preconceituosas que
outros têm em relação a ele. Por esta razão, “aquilo do que se ri” pode
nos dar referências significativas sobre a organização de dado
agrupamentos, bem como a estrutura psíquica de seus componentes.
Piadas elaboradas acerca de seus costumes, crenças, instituições, valores,
rituais e outros, trazem indícios do que os singulariza e como esses se
relacionam com outros agrupamentos.
O humor, desta forma, é um fenômeno eminentemente social, pois
o mesmo efeito não se encontraria sem a presença do público, sem o qual
o piadista ficaria solitário e sua percepção e opinião acabaria em si,
destino absolutamente “sem graça”. A piada encontra seu rumo para
circular diante da platéia, uma vez que esta autorize a transgressão do
comediante, demonstrando que também desfruta desta traquinagem e
apóie-o através da demonstração de seu agrado.
Uma leitura alternativa, no entanto, indica uma
eficiência bem mais complexa e valiosa, que
configura uma autêntica política do Witz (chiste): a
dimensão transgressora do recalcamento viabilizando
novas possibilidades identificatórias e sublimatórias,
ou seja, novos modos de sociabilidade. Neste
sentido, ao se transmitir um chiste ou um dito
humorístico, busca-se compartilhar a critica social e a
denúncia das hipocrisias que sobrevivem em
qualquer agrupamento (...) favorecendo uma
libertação temporária das imposições sociais
anacrônicas. (Kupermann, 2005, p. 24).
Esta citação auxilia-nos a estender nosso campo visual e vislumbrar
o humor mais além da picuinha e fofoca, em que esses recursos nos
46
servem apenas para excluir o outro, na tentativa de nos diferenciarmos.
Por uma causa mais nobre, o chiste, amparado pelo código lingüístico, se
torna uma ferramenta para compartilhar questionamentos, denúncia,
protesto, crítica social, hipocrisia, ao expor ao divertimento público os
modelos questionáveis e negativos da sociedade, sob os contornos do
humor.
“Fritz Rabinovittch é levado à presença de Hitler, o qual está
furioso. “É você, judeu imundo, que anda fazendo piadas ao meu
respeito? Como aquela [conta], aquela [conta] e aquela [conta]?!”. “Sim,
sou eu”, responde Fritz. “Mas você não sabe que eu sou Adolf Hitler, o
Führer do Reich que vai durar mil anos? “. E Fritz: “Essa não fui eu que
inventei, não!””. (Mezan, 2002, p. 293).
A piada acima se refere a um marco histórico que poderá ajudar-
nos a iluminar nossa compreensão. A política de extermínio à cultura
judaica foi um movimento tresloucado que ascendeu ao poder na
Alemanha em 1933 e instalou a perseguição aos judeus, num anti-
semitismo cujas origens são difíceis de serem explicadas. Os judeus
passaram a serem vistos como um fator de corrupção do povo alemão,
sendo que a pureza da raça ariana deveria ser defendida através da
impiedosa perseguição ao povo judeu. Daí surgiu o regime totalitário e
militarista que se baseava numa mística heróica de regeneração nacional,
segundo a qual os homens eram desiguais por natureza. Utilizando-se de
espetáculos de massa e dos meios de comunicação, o partido nazista
conseguiu mobilizar a população por meio do apelo à ordem e ao
revanchismo, o que resultou no massacre de grande parte da população
judaica da Europa perpetrado pelos nazistas entre 1941-45.
As ressonâncias deste terrível acontecimento são inumeráveis:
famílias foram ensangüentadas, cidades assassinadas, a cultura judaica foi
dilacerada. Por sorte, alguns poucos sobraram e era necessário se
recompor. Um aspecto constituinte da cultura judaica, inclusive como uma
resposta bem humorada à marca de sangue em sua herança, são os
chistes judaicos: aquilo que havia de violento e mortífero no discurso
47
nazista transformou-se em franco e irônico objeto de riso para os judeus e
uma brilhante resposta ao anti-semitismo. Abandonaram a posição
passiva de vitimização e apoiados em um dispositivo criativo e
ressignificante, encontraram no chiste a via de desconstruir a realidade
sanguinária e recolocar-se no circuito social.
Roustang (1984) compartilha que “gosta muito dos judeus porque é
o único povo do mundo a utilizar, contra eles próprios, um humor tão
reconfortante” (p.32). Veremos a seguir uma piada que faz, com grande
graça, uma critica as autoridades não-judaicas e à hostilidade delas
quanto aos judeus:
“Um judeu encontra seu amigo sentado em um café em Berlim,
lendo placidamente Der Stürmer [o jornal do partido nazista]. “Como!
Você está lendo esta porcaria! Por acaso virou masoquista?”E o outro:
“Veja, se eu leio a imprensa judaica, só fico sabendo das desgraças: lojas
destruídas, pessoas presas e humilhadas... Mas neste jornal só dão boas
notícias: os judeus dominam o mundo, são os maiores financistas, os
intelectuais mais destacados... É lógico que prefiro ler isto”. (Mezan,
2002, p. 293).
Ou a seguinte piada, muito bem humorada:
“Quando se conta uma piada para um camponês, ele ri três vezes:
quando a ouve, quando ela lhe é explicada e quando ele a compreende.
Quando se conta uma piada a um conde russo, ele ri duas vezes: quando
a ouve e quando ela lhe é explicada: entendê-la, ele não vai nunca. E
quando se conta uma piada a um oficial do exército [russo], ele só ri uma
vez: quando a ouve, porque entendê-la está fora de questão e ele jamais
vai deixar que a expliquem. Mas quando se conta uma piada a um judeu,
primeiro ele diz “essa eu já conheço!”e em seguida ele conta uma
melhor”. (Mezan, 2002, p. 292).
Birman (2005) enfatiza que o humor judaico foi uma das formas
criativas de reação da cultura judaica ao anti-semitismo, não incorporando
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a crueldade ou a mortificação passiva, pelo contrário, se organizaram para
desmontar o dispositivo de aniquilamento colocado em cena pelo anti-
semitismo. A desconstrução da realidade através do chiste possibilitou a
circulação do desejo, pois o dispositivo anti-semita de destruição da
tradição judaica se constituiu efetivamente no campo político e social. Foi
possível dar a volta por cima através do chiste, pelo humor e pelo riso,
para desconstruir politicamente em ato o gesto de destruição colocado
imperativamente na cena social. Assim se realizou a tradição judaica,
constituindo a sua cultura pelo reconhecimento do trágico.
É preciso sempre rir e produzir chistes
cotidianamente para desconstruir a crosta dos
interditos instituídos pelo poder, para que assim o
sujeito possa afirmar o seu desejo e restaurar então
certos direitos para manter a existência de sua
comunidade social. (Birman, 2005, p. 106/107).
Observa-se que há neste processo uma dimensão libertária, pela
qual o espírito se posiciona diante das experiências de angústia e abusos,
não sendo através do grito ou força física sua manifestação, mas sim, no
processo criativo da elaboração e expressão do chiste. A piada se
caracteriza pelo prazer descomprometido que ao mesmo tempo em que
convida, autoriza e contagia, se dissemina rapidamente pelo espaço
social.
O impacto que a piada tem diante do público no qual é disseminada
está integralmente relacionado com a implicação, o contexto, o local, o
idioma e outras variáveis do terreno em que é contada. Bérgson
(1978/1983) chama a atenção para o fato de que se deve ser da paróquia
para compreender a piada, isto é, evidencia a necessidade de haver um
laço social que articule o ouvinte à temática e contextualização do que é
relatado. Os múltiplos significados que podem ser criados, reinventados e
renovados através do humor, assim como os deslizamentos de sentidos,
mais se potencializarão quanto mais próximos e envolvidos estiverem dos
interlocutores da piada a tais significantes.
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Sob este prisma, seria pouco pertinente definir como alvos rígidos e
fixos quem são aqueles que vestem o segundo papel, lugar daquele que é
ridicularizado, pois é contextualizado na época em que este é elaborado e
disseminado, relacionado com os hábitos, costumes, idioma e demais
características da sociedade em questão, que este encontrará seu
delicioso recheio. Por esta razão, o chiste interdita veementemente
qualquer possibilidade de ser traduzido “por outras palavras”.
Ernest Gombrich (1995) em, As teorias estéticas de Sigmund Freud,
faz precisões sobre a evolução da teoria estética, segundo ele,
influenciada pelas pesquisas do mestre. Faz interessantes aproximações
entre a obra de arte e o material do chiste, afirmando que estes, para que
sejam eficazes, requerem uma incursão nos subsolos do inconsciente,
mas também uma elaboração pré-consciente daquilo que pudemos
descobrir. Deixa com isso subentendido que a criação artística é a
expressão de uma consciência subjetiva e um meio de comunicação
ímpar, a qual qualquer tentativa de tradução é fadada ao fracasso.
A própria leitura de Os chistes e sua relação com o inconsciente
(1905/2001), nos traz indícios desta constatação, pois, apesar de
identificarmos as técnicas apresentadas pelo autor para os diversos
chistes, muitas deles não nos levam nos dias de hoje à graça. Com isso,
compreendemos que a contextualização do chiste, em termos dos valores
de seus ouvintes, será indispensável para que provoque os esperados
risos.
Também pelo fato do chiste e o inconsciente partilharem de uma
estrutura comum, as possibilidades e formulações de piadas se tornam
inesgotáveis. Poderíamos dizer que “o chiste está estruturado como uma
formação do inconsciente é por isso mesmo uma transação na qual
alguma coisa do recalcado abre passagem sem pagar o preço” (Pereda,
2005, p. 120). A piada acompanha o movimento, as novidades, as
tendências, as particularidades dos diferentes contextos, povoações,
épocas e sujeitos, pois ela tem a seu favor a possibilidade de se renovar e
reinventar. As elaborações e formulações advindas do inconsciente
ganham o acréscimo e o privilégio de serem infinitas e múltiplas.
50
As historietas permeadas pelo chiste e pelo humor, por provocarem
riso, ficam martelando como um estribilho risível na memória do público.
Devido a sua concisão significante e ao bom humor, o que Birman (2005)
irá chamar de argamassa mágica, o chiste manifesta sua potência de
fixação no psiquismo, o que faz com que as mensagens sejam registradas.
Não por acaso, as propagandas publicitárias, refrões de música e os meios
comunicativos de maneira geral, fazem um freqüente uso desse recurso.
Sem dúvida: as piadas têm uma produção infinita e se fixam no
psiquismo, entretanto não deixam de serem efêmeras, possuem o “tempo
limitado pela ampulheta”. O tempo de permanência para cada uma delas,
não se pode generalizar, cada uma possui o seu efeito e a sua vida útil.
Porém são poucas as piadas que se mantêm por um período mais longo.
Quem não experimentou se impulsionar para contar uma ótima que
escutou o outro dia e, de repente, se dar conta de que alguns dos
importantes fragmentos já se perderam? O curioso é que justamente esta
característica permite a renovação. Se eu contar duas vezes a mesma
piada, perde a graça. Na terceira já sou expulso do ambiente. Então, sua
marca efêmera e de transitoriedade, carrega o teor de “boa nova”, muito
boa, mas que dura pouco.
Além do fato de nascer em um fértil terreno, a natureza da piada
apresenta alguns recursos que favorecem que o seu objetivo, o riso, seja
alcançado. A brevidade da expressão garante que, sem muitos contornos,
o ouvinte seja exposto à temática do chiste e seja rapidamente penetrado
por ela. Outro aspecto favorecedor é o fato de o sentido ser facilmente
inteligível, isto é, não requer de longos questionamentos, reflexões ou
indagações: apenas exige a suspensão da inibição para seu desfrute. E,
finalmente, pelo fato do piadista apropriar-se dos benefícios do intrigante
relato e suspense, as lacunas que se interpõem na escuta do chiste,
minimizam-se com o aumento da expectativa do ouvinte, que dedica
considerável atenção para que a narrativa chegue ao glorioso fim.
Esses três aspectos, brevidade da expressão, fácil intelecção e vigor
no relato se articulam no processo da piada: apenas começamos a refletir
sobre o que ouvimos quando já fomos ligeiramente surpreendidos e
arrebatados pelo chiste. Porém nem tudo são flores, ou melhor, nem tudo
51
são risos. Existe uma grande parcela de imprevisto ao contarmos uma
piada a alguém: foge-nos ao controle como o outro irá reagir, mesmo
após pronunciar-lhes nossa expectativa de produzir graça.
Com isso, delineia-se um fundamental desafio, pois é fundamental
que o montante de energia do ouvinte seja corretamente deslocado e não
ocorra que ela se dissipe para outros fins ou se perca no processo. Para
que este encaminhamento ocorra de maneira desejável e que resulte na
espontânea risada, algumas articulações acerca da maneira que o chiste
penetra o ouvinte devem ser relevadas. Dentre elas, a harmonia ou as
contradições do material do chiste, os pensamentos que predominam no
ouvinte e a atenção que mantém e extrai do processo do chiste. Essas
peculiaridades tornam imprevisíveis os efeitos do chiste, sendo diferentes
a cada vez que são contados aos diferentes ouvintes.
Muito provavelmente, os leitores que chegam ao final deste
capítulo, devem ter algumas hipóteses, que respondam o porquê da
escolha do título: As risadas aplaudem o espetáculo: o outro
imprescindível. Na temática do humor, identificamos que apenas a partir
manifestação do outro, diferente de mim, percebo que a piada foi uma
piada, isto é, que alcançou seus fins. Neste caso, sem o aplauso destas
risadas, não encontro indícios que me orientem a concluir se a piada se
concretizou e que, como piadista, fui bem sucedido. Esta dinâmica que,
impreterivelmente, envolve ao menos dois agentes é o que, como
concluímos, insere o chiste no contexto social. Cenário em que, a
presença do outro, legitima ao piadista que suas expectativas foram
correspondidas diante da tentativa de provocar graça nos demais.
No próximo capítulo, A infância no jardim do riso, iremos abordar
de que forma o olhar deste outro faz com que o sujeito, em seus
primeiros passos de vida, reconheça suas vontades e desejos e, desde já,
é feita a provocação e o convite para pensarmos se existe ou não riso no
jardim das crianças.
52
A INFÂNCIA NO JARDIM DO RISO
53
2.0 - A infância no jardim do riso
Durante os anos de graduação, mergulhei na leitura de obras de
grandes pensadores e filósofos, mestres e gurus que há muito se
aprofundavam na compreensão do desenvolvimento e desejo humano,
diante de suas vicissitudes, da cultura e da lei. Atravessei as diferentes
abordagens psicológicas às quais os alunos são expostos, entretanto,
inquietantes perguntas não calavam. Intrigada com o universo de
descobertas e incógnitas que me penetrava, na sala de aula, como
professora de um grupo de crianças encontrei no olhar, no gesto, na
espontaneidade dos pequenos os maiores aprendizados.
No centro da espaçosa classe, um espaço era destinado para a roda
de novidades que ocorria dia-a-dia, matinalmente. Sentada lado a lado
com eles, durante os últimos quatro anos, não se esgotavam as
descobertas, as surpresas e as estrondosas risadas. De mãos dadas, pude
acompanhar os passos das crianças pré-escolares e é com elas que me
sento novamente para escrever sobre as particularidades da natureza do
humor infantil.
Françoise Dolto (1996) rememora uma pequena história verídica de
um bebê, de um chapéu e de uma primeira gargalhada. Com a leitura,
convida-nos a passear no parque onde, quando jovem, se encontrou com
um bebê de nove meses. Não o conhecia, sua mãe o descreveu como
arisco e lento. Dolto portava um vistoso chapéu, que a ela lhe pareceu
haver despertado a atenção do bebê que, deitado estava no carrinho
diante de si. Apesar do pequeno não dominar o recurso lingüístico, Dolto
não se intimidou: com o chapéu em mãos brincava com o bebê,
apresentando e ausentando o objeto de seu campo visual. O pequeno que
a princípio não se mobilizou com o gesto, passou a fixar o olhar,
acompanhar o movimento, esticar sua mão para pegá-lo, e quando o
tinha, experimentou jogá-lo inúmeras vezes no chão, testando sua
ocorrência. A jovem não se cansava de voltar a colocar o chapéu no colo
do bebê, mesmo sabendo que em instantes voltaria ao chão. A cada etapa
da brincadeira, Dolto nomeava e localizava o objeto através das palavras.
Desgastada de recolher o chapéu no chão, propôs outra brincadeira:
54
apresentava o chapéu e em seguida o fazia desaparecer. Fez isso com a
mesma insistência que o pequeno havia jogado o chapéu no chão, mas
desfrutava de uma reação incrível por parte do bebê: este atentamente a
olhava e acompanhava a movimentação do objeto. Observando sua
reação, arriscou “pregar uma peça” no pequeno: a princípio, com a
presença do chapéu dizia “chapéu”, com a ausência dizia “não tem mais
chapéu”. Como um desengano na expectativa do bebê, passou a mostrar
o chapéu e dizer “não tem mais chapéu”, e ausentar o chapéu e dizer
“chapéu”. A resposta a essa brincadeira poderá arrepiar os que lêem
essas linhas, pois, pela primeira vez em sua vida, o pequeno pôs-se a rir
às gargalhadas e reprisava frequentemente essa hilaridade com a
continuidade da brincadeira.
Esta cena nos remete a um bebê que, apesar de pouco
comunicativo e sem a aquisição da linguagem, encontrou com a
brincadeira a possibilidade de reconhecer seu desejo de brincar do chapéu
para a palavra, experimentar a realidade através da exploração sensorial.
Porém, mais do que isso, algo do sujeito se pronuncia através da
linguagem, pois ele percebe que brincar com esta lhe possibilita estar
“acima das coisas”. Isto uma vez que, a liberdade da fala e o uso das
palavras inauguram o jogo com a realidade: podemos dizer que um objeto
está presente, sem que o mesmo esteja e vice-versa. A palavra descola-
nos da realidade concreta, dá-nos a possibilidade de subvertê-la,
contrariá-la, invertê-la e com esta atividade desfrutar de genuíno prazer.
Não seria a liberdade fornecida pelo jogo com as palavras o que nos faz
rir?
Marie-Christine Laznik (2000) ajuda-nos a compreender este
processo no artigo, A voz como primeiro objeto da pulsão oral, em que
observa os picos prosódicos maternos como primeiros objetos da pulsão
oral. Em sua pesquisa aponta que a primeira manifestação pulsional do
bebê é em relação ao objeto, seja a mamadeira ou o seio materno,
chamado por ela como ativo. O segundo, reflexivo, seria tomando uma
parte do seu próprio corpo como objeto de prazer, como chupar o dedo ou
observar os movimentos de suas mãos. E o terceiro tempo, aquele que
iremos aprofundar, é quando o bebê faz de si um objeto de outro. Isto é,
55
comporta-se na direção de suscitar o olhar, o reconhecimento e a atenção
de sua mãe ou aquele que represente este papel na vida do sujeito.
Porém, para quais fins este bebê se comportaria de uma ou outra forma
para despertar esta atenção no outro?
Apoiada nas pesquisas de psicolingüísticos, Laznik, identifica a
emergência da prosódia do “mamanhês” (motherease) que se designa a
uma determinada construção lingüística: a pronúncia regular das palavras,
com a devida acentuação, entonação, pontuação e especificas
características gramaticais, das quais os bebês manifestam exacerbada
apetência e que as fazem reconhecíveis por ele.
Ilustra a prosódia do mamanhês a partir de uma experiência
frequentemente vivida entre mães e bebês, esta que, revela o jogo dos
tempos pulsionais: nus no trocador, ainda com pouco controle de seu
corpo, os bebês movimentam involuntariamente seus pezinhos. Diante
disso, observam uma particular manifestação em sua mãe, que interage
brincando que vai lhe morder os pés. Esta movimentação é acompanhada
pela voz materna, característica do mamanhês, que lhe diz: “bilu-bilu”,
“pequeno da mamãe”, “seu brincalhão” ou outras expressões singulares
desta relação. O bebê, desperto a essa alegria que se inscreve no olhar
materno, para a qual ele é “bom de morder”, goza da situação e
novamente lhe dá os dedinhos a serem mordidos. Identificando o gesto e
a intenção do pequeno, a mãe volta a lhe morder os pés e, repetir o jogo
de palavras. Nesta cena, que se evidencia prazerosa para ambos,
observamos que a fala do mamanhês é um eixo fundamental para que se
estreitem os laços entre mãe e bebê.
O que estaria ocorrendo nesta brincadeira em que o bebê oferece
seus pezinhos para serem mordidos? Quando a mãe sorri de prazer pelo
gesto de seu filho, ela retribui com seu olhar, o que faz com que o bebê se
reconheça como disparador de prazer do outro, como um sujeito
diferenciado da figura materna.
Essa prosódia lhe possibilitaria identificar sua
presença como o objeto causa de um gozo materno.
Ele vai procurar o rosto que corresponde a esta voz
particular. E ele procurará também fazer-se objeto
56
deste olhar, no qual ele lerá que ele é o objeto causa
dessa surpresa e dessa alegria que a prosódia da voz
e os traços do rosto materno refletem. (Laznik, 2000,
p. 90/91).
No próprio artigo, Laznik recupera a leitura de Freud (1905) em, O
chiste e sua relação com o inconsciente, texto no qual, como vimos
anteriormente, identifica-se a emergência e a necessidade do outro. No
entanto, neste terreno ou neste jardim, como o capítulo pretende se
situar, falamos da presença do outro especificamente na vida infantil e os
efeitos que este, o outro, encarna como aquele que legitima a presença do
sujeito e que lhe possibilita reconhecer seus desejos. Porém, não apenas
isso.
Vale ressaltar que na cena descrita, o bebê faz graça à sua mãe,
provoca o olhar dela com um pezinho que intencionalmente se movimenta
dentro de seu campo visual. Será na surpresa dos rituais de troca de
fraldas, entre o talco e o algodão, que o bebê se lembrará dos efeitos de
sua graça e surpreenderá sua mãe. Na dinâmica daquele repetitivo ritual
de higienização, haverá um desengano nas expectativas desta mãe, que
não terá diante de si um sujeito passivo, aguardando, com maior ou
menor paciência o processo da troca de fraldas. A mãe será convocada
pelo pezinho que se move na direção de provocar-lhe graça e prazer.
Podemos, assim, verificar a emergência da graça em um sujeito
que, antes mesmo da linguagem, já ensaia as suas primeiras risadas.
Essas aparecem como preparatórias e fundamentais para a construção de
um sujeito que reconheça seus desejos, com ímpar subjetividade e que
possa desfrutar das tiradas humorísticas. Com este ensaio, o indivíduo
caminha na direção de tornar-se um sujeito desejante, porém mais do que
isso, percebe, através da graça e do riso, uma forma de manifestação.
Pereda (2005) nos chama a atenção para os requisitos que devem ser
cumpridos para que haja a presença do humor efetivamente:
Para que haja piada é preciso também que já se
tenham estabelecido o recalque, a denegação, a
educação e a culturalização no sujeito, que exista
57
racionalidade, controle do pensamento e um eu que
instale as vias do discurso intencional e do senso
comum, dos valores admitidos e da moral. A
satisfação do humor tem lugar justamente quando
essas vias são subvertidas ou transgredidas pela
operação humorística. (p. 121).
Não é pouco. Haverá humor na vida das crianças? Freud
(1905/2001) nos defronta com a idéia de que as crianças estariam muito
além ou aquém da necessidade do humor. Compreende que na vida
infantil não há lugar para o humor, considera que essas têm ao seu
dispor, sem nenhum esforço, o benefício da leveza característica da
imaturidade, como se a felicidade fosse uma condição natural da infância,
em que não há reveses, angústias que justifiquem a necessidade do
relaxamento e alivio de dor oferecido pelo humor. Justifica que o cômico,
o chiste e o humor que procuramos ter ao nosso lado como aliados na
vida adulta é a re-experimentação de um prazer que tínhamos garantidos
na infância, quando a piada não nos fazia falta, pois não necessitávamos
dela para sermos felizes da vida.
A psicanalista Maria Rita Kehl (2005) contrapõe esta observação,
afirmando que talvez na idade infantil seja o momento que o humor se
faça mais necessário como ferramenta para a criança lidar com penosos
obstáculos que tem de enfrentar: a dissolução do complexo de Édipo, o
desamparo dolorosamente sentido quando a mãe se ausenta, as
frustrações e limitações de compreender a realidade e nela ser
reconhecida, as fantasias angustiantes ante a castração, as rivalidades
edípicas, as restrições e incompreensões por parte dos adultos, entre as
diversas outras dores e penas do percurso infantil. Empiricamente,
identificamos que as crianças, muitas vezes, fazem a escolha de rir no
lugar de chorar e com isso gozam do humor.
Caso contrário, o que lhes restaria diante da dor de ser depositado
pela mãe no colo da professora na entrada da escola, do colega que a
ridiculariza, da dura missão de compartilhar o que lhe pertence, de
esperar a sua vez para falar quando quer toda a atenção para si, ou talvez
58
a pior de todas, quando chega um belo bebezinho para disputar o seu
lugar no colo materno?
Esta indagação fez-me lembrar da ocasião em que um aluno de seis
anos, retornando à escola depois de alguns dias na maternidade após o
nascimento de sua irmã, foi indagado pela sua amiga de classe:
- “E então, ela nasceu?!”
Prontamente lhe respondeu:
-“Sim, ela é bonitinha, gostamos dela. Mas não vamos ficar por
muito tempo. Logo mais iremos trocá-la no supermercado por
balas.”
E riram juntos do absurdo que ele havia dito.
O trecho acima demonstra-nos que rimos do que pode ser falado,
ainda que, não possa ser feito. Novamente, defrontamo-nos com a
liberdade conferida pela palavra à imaginação, através da qual, podemos
criar e inventar, independentemente da realidade concreta. Entretanto,
quais recursos essa criança tem ao seu dispor para apropriar-se desta
liberdade do uso das palavras e compor, brilhantemente, esta piada?
As crianças tendem a ser rigorosas em relação às normas e leis que
aprendem dos adultos que a amam e a cercam. Qualquer professora que
possua afinada proximidade com seus alunos saberá que para estruturar
normas de sociabilidade dentro da classe, poderá recorrer a elaborar com
eles uma “lista de combinados” que, uma vez reconhecidos pelos
pequenos e autorizados pela autoridade do grupo, com muito respeito
será obedecida. Quem alguma vez ousou passar no semáforo vermelho
com uma criança de aproximadamente quatro anos, deverá haver sido
repreendido pela infração, o mesmo diante da mãe que diz pequenas
mentirinhas para safar-se de situações desconfortáveis e etc. As crianças
tendem a levar muito a sério o mundo que os cerca, pois confiam na
seriedade de suas razões.
A rigor temos duas formas de nos relacionar com as regras: a
primeira é pela suposição de que foram impostas por uma figura suprema
e superior, motivo pelo qual, independentemente à nossa compreensão,
não podemos burlá-las, sendo que, muitos dos preceitos religiosos partem
desse pressuposto para instaurar seus rituais e mandamentos. A segunda,
59
característica das sociedades laicas, é que somos sujeitos livres e
responsáveis pelas escolhas éticas que norteiam nossos atos, portanto,
estamos diante de regras construídas para serem refletidas, cabendo a
nós a escolha de respeitá-las ou não.
Quando se impõem a severidade, a rigidez e a submissão em
relação à norma, exclui-se a possibilidade do riso. O humor e a
irreverência caminham na contramão a esta postura enrijecida. O que
teríamos que ter a nosso dispor, como a criança que brinca com a idéia de
trocar a sua irmã recém-nascida por balas, para desfrutar desses
recursos? Para tal, exige-se um distanciamento quanto à verdade
absoluta, sendo preciso rebaixar a autoridade e a onipotência para
desfrutar destes prazeres.
Talvez a percepção da falta de seriedade das
escolhas paternas, as quais a determinação
inconsciente priva de uma boa parcela de livre-
arbítrio, inaugure para a criança uma primeira brecha
entre o que é e o que deveria ser. Por essa brecha se
introduz a ironia. (Kehl, 2005, p. 70).
Compreendemos que, para desfrutar do prazer humorístico é
necessário produzir-se um distanciamento afetivo da situação, ou seja,
quando não há brecha à regra não há riso, pois a regra não pode ser
rebaixada, o sujeito não se distancia dela. A inversa é verdadeira: quando
se abre uma brecha, há erro, há também a possibilidade da emergência
de um sujeito que desfrute do humor. Entretanto, como se faz possível a
abertura desta brecha, o distanciamento com relação à regra?
Os recursos humorísticos se tornam possíveis na infância quando a
criança tolera a queda, mesmo que parcial, da onipotência de seus pais,
passagem que se dá com significante dose de sofrimento. O mesmo que
pode abrir-lhe a possibilidade de obtenção de prazer, em outra medida,
representa o desamparo, a queda de um ideal, uma vez mais, a
incansável aparição da castração. Supor a queda das figuras paternas
significa questionar, de certa forma, a continência e o amor que esta
relação sela. Kupermann (2003) aprofunda a posição de órfão em que se
60
encontra esta criança e que o leva a desfrutar de sua capacidade
humorística:
Contrariamente à figura do herói, que ambiciona
substituir efetivamente o pai falante (...) o órfão é
aquele que, sabendo que sua existência não se reduz
aos limites impostos pelo seu narcisismo, crê na
potência do seu erotismo e do seu desejo, e pode
enunciar, junto ao humorista: tudo pode me
acontecer, a mim que já perdi o que tinha para
perder e que aprendi a rir com a vida. (p. 28).
Não diferente, foi o que observei nos meninos e meninas que
acompanhei no ambiente escolar. A cena que trago para falar da
gargalhada contagiante desses é a ocasião em que a escola convidou uma
trupe de palhaços para divertir a molecada. Neste momento em que me
ocupo de memorar este dia, invadem meus pensamentos as “palhacices”
dos competentes atores e ao fundo as estrondosas gargalhadas dos
pequenos, que não sabiam se olhavam para o sapato exagerado, os
movimentos desconcertados, os tropeços dos palhaços ou para o colega
ao lado, que igualmente a ele procurava um intervalo para respirar entre
as risadas.
Senhoras e Senhores, respeitável público, apresento-lhes o “risonho
porteiro do circo”:
No palhaço encontro, encarnada e restaurada, uma
dimensão positiva e criadora do riso, que faz renascer
um mundo múltiplo e fervilhante. É ele o risonho
porteiro do circo que, com seu humor nos convida
para o espetáculo da vida, espetáculo de um mundo
convertido em picadeiro (...) [apresenta-se no] tênue
limite com o absurdo, no sentido de permitir uma via
de acesso as múltiplas possibilidades de ser. (...) O
cômico procede embaralhando e desembaralhando a
realidade, invertendo, trocando, realizando,
desfazendo e refazendo mundos que se transmutam
61
em comédias e ativam a experiência e a vibração do
riso. (...) [O palhaço] brinca, na superfície das coisas e
de si próprio, lançando e recriando sentido com os
quais a vida é reinaugurada. (Sampaio, 1992, p.
43/44).
O palhaço tem a potência de fazer o grandalhão voar pelos ares, do
fracote dar tortas na cara, do desavisado escorregar na casca de banana,
do bonitão levar um tapa da mocinha, nas quais a crueldade infantil pode
se expressar sem culpa. A criança, através deste convidado, debocha de
sua própria falta de jeito, dos seus medos e de suas próprias trapalhadas
no mundo que lhe é apresentado dia-a-dia. O palhaço é sempre um
adulto, que se movimenta com hilária rigidez mecânica, entretanto,
sempre suscetível aos tropeços em suas próprias pernas, às travessuras
de seus próprios colegas com narizes vermelhos, que esperam a primeira
oportunidade para ridicularizá-lo. O eixo da comicidade está na exaustiva
repetição de um gesto normal, na produção intencional de um movimento
automático, e logo, no ‘inumano’ que se traduz em graça.
O enorme prazer com que as crianças riem do
ridículo que se revela na rigidez e no automatismo
corporal talvez se explique porque este é justamente
o aspecto da vida adulta que elas estão tentando, a
muito custo, assimilar. É porque para as crianças, a
automatização da rotina e a rigidez corporal ainda
lutam para se impor contra as expressões
espontâneas do desejo, contra o gozo desordenado
das descargas pulsionais, que ela ri gostosamente
quando o palhaço denuncia a vã pretensão do
controle que domina o mundo adulto. (Kehl, 2005, p.
57).
Birman (2005) complementa a idéia:
Neste contexto, o chiste foi enunciado como algo da
ordem do infantil, que se desdobraria na dimensão
62
francamente libidinal que se faz presente nas
explosões risíveis de gozo. Na tessitura dos registros
do infantil e do gozo, é o jogo que se importaria
nessa cena, de maneira triunfal, com o seu
inconfundível estilo de faz-de-conta e de que até
mesmo o impossível poderia se tornar possível. Nisso
tudo, o desejo é o vetor fundamental na cena lúdica
do chiste. (p. 98).
A orfandade simbólica da qual nos fala Kupermann (2003), à qual
nos remonta Maria Rita Kehl (2005) é também o passaporte para a
liberdade, para o descolamento do ideal das figuras parentais, para a
inscrição como sujeito desejante, senhor de suas vontades. O palhaço ou
mais amplamente o cômico, torna-se uma via, absolutamente acessível às
crianças, para elaborar os desajustes que vêem na realidade que as
convida insistentemente a posicionar-se. As atrapalhadas lhes permitem
tolerar e ao mesmo tempo ridicularizar o rigor que rege a vida adulta, e
assim, desnaturalizar a condição humana. Um pequeno deslize no acento
afetivo ou na rigidez mecânica da cena pode tornar tragédias em
comédias, situações conflituosas em “comédias da vida real”.
O livro, Pequeno tratado das pequenas virtudes, nos enaltece com
um de seus tratados, como se propõe, que finaliza com doçura este
capítulo:
Não ter humor é não ter humildade, é não ter
lucidez, é não ter leveza, é ser demasiado cheio de
si, é estar demasiado enganado acerca de si, é ser
demasiado severo ou demasiado agressivo, é quase
sempre carecer, com isso, de generosidade e de
doçura. (Comte-Sponville, 1995, p. 229).
Certamente, entraremos no acordo de que nossas crianças, apesar
dos pesares, das dificuldades, das angústias com as quais se deparam, se
propõem, ainda que com pedidos de ajuda, a atravessá-las com a leveza e
a espontaneidade infantil. Estão nutridas, talvez não do certificado da
felicidade absoluta como se pensava, mas certamente, nutridas de
63
vitalidade, coragem e inquietude. Resulta ser incoerente não reconhecer o
bom humor das crianças!
64
OLHAR A VIDA ATRAVÉS DA LENTE DO HUMOR
65
3.0 - Olhar a vida através da lente do humor
Percorremos até aqui alguns dos aspectos fundamentais sobre o
riso, abarcando suas interferências na vida do pai da psicanálise, suas
diferentes espécies, características singulares, sua dinâmica psíquica,
dentre outros traços significativos. Retomo, porém, a pergunta que esta
pesquisa busca se interrogar: se afinal, o humor atua de uma forma
defensiva, como um manejo da realidade ou se, ao invés, apresenta uma
potência elaborativa e ressignificativa. O campo da clínica psicanalítica é
um espaço privilegiado para buscar respostas para essa indagação. Desta
forma, convido alguns autores que abordaram fulgurações e relances do
humor para abrirem suas clínicas e iluminarem nossas reflexões.
Freud, em 1905, como vimos, dedicou bastante investimento à
temática dos chistes, tornando sua obra uma referência ímpar para os
leitores e escritores que se aventuraram no mesmo circuito. Porém, suas
inquietações em seguida foram interrompidas e, apenas brevemente
retomadas em 1927, quando complementa o primeiro texto (O chiste e
sua relação com o inconsciente) com um capítulo sobre o humor. Um
efeito semelhante pareceu contaminar os pensadores contemporâneos por
um longo período, pois a temática ficou abandonada e desinvestida. Uma
possível explicação para este fato é a de que a psicanálise sempre esteve
“associada mais a seriedade do que a brincadeira, ao sofrimento que ao
humor, à tragédia do que à comédia, ao triste que ao alegre” (Slavutzky,
2005, p. 204).
Em meados do século, discutia-se, com preocupação, a respeito da
tendência dos analistas a se comportarem com excessiva obediência
diante dos dogmas da teoria. Considerado por Freud (1905) como um
dom raro e precioso, “o humor foi justamente uma dádiva desprezada ao
longo do processo de instituição da psicanálise” (Slavutzky; Kupermann,
2005, p. 07).
Apenas mais tarde, psicanalistas se dedicaram a produzir uma visão
de mundo mais irônica e bem humorada. Recentemente, encontramos
uma grande frota de analistas que se aventuraram a dar continuidade a
essas reflexões e fazer interessantes aproximações entre a teoria e a
66
prática. Para apresentar a clínica psicanalítica e escutar o que os analistas
têm a nos contar, temos que anteriormente, discutir o conceito de
transferência.
67
3.1 - Uma nota sobre a transferência
O setting da clínica psicanalítica é composto por diversos temperos
que tornam aquele espaço absolutamente singular e acolhedor para a
pessoa que se recosta sobre o divã. O analista o recebe como único em
sua subjetividade, porém ao mesmo tempo com recheadas pitadas que
garantem o enquadre necessário para que a abordagem seja eticamente
respeitada. Este vínculo que se estabelece desde o início da relação
terapêutica entre analista e analisando é primordial para o progresso da
análise, pois a partir desta construção, isto é, da disponibilidade de escuta
do paciente e do depósito de conteúdos de sua realidade psíquica, será
possível que as intervenções do analista o toquem e o modifiquem no
sentido que a seguir vamos abordar.
Como se sabe, vivências, cenas e impressões penosas à realidade
do sujeito que há muito foram esquecidas, tornaram-se inacessíveis a ele
e mantidas no inconsciente. Este bloqueio, em que atos e palavras são
reprimidos, faz o recordar ser substituído pelo atuar e, sob o império da
resistência, o analisando reproduz tais eventos. Freud (1914/2001)
enfatiza que “o analisando não recorda, em geral, nada do que foi
esquecido e reprimido, mas sim o atua. Não o reproduz como lembrança,
sim como ação, sem saber o que faz.” (p. 152).
Será no tratamento analítico que o analista conduzirá o analisando
a resgatar tais eventos em sua história, na tentativa de reconstituí-la a
partir do questionamento e ressignificação dos sintomas. Esses conteúdos
que não foram elaborados em seu momento podem vir a ocupar a
consciência, manifestando-se através de sonhos, atos-falhos, atuações,
expressões de humor, entre outros mecanismos. O combate à resistência
apenas se iniciará quando o analista colocá-la em evidência para o
paciente, tornando possível o recordar do analisando, pois até então, este
não a discerne, nem se refere a ela.
Freud, no texto, Recordar, Repetir e Elaborar (1914/2001) enfatiza
a postura do analista na prática clínica:
68
Valendo-se da arte interpretativa (...) para discernir as
resistências que se recortam no doente e fazê-las
conscientes (...) o médico coloca em descoberto as
resistências desconhecidas para o doente (...) sendo estas
denominadas, o paciente narra com facilidade as situações
e os nexos esquecidos. (p. 149).
A análise se constituirá de “bons questionamentos”, que
encaminhem o sinuoso percurso do analisando a elaborar suas
resistências, mergulhando em vivências passadas, que muitas vezes
podem se configurar como dolorosas e angustiantes. Nas palavras de
Freud (1914/2001) “o médico atua enchendo as lacunas da lembrança”
(p. 150) e vencendo as resistências da repressão. Esta disponibilidade
poderá possibilitar que a repetição e atuação desses eventos sejam
substituídas pela possibilidade de recordar, retirando esses episódios do
plano da ação para o âmbito psíquico da associação livre.
Apesar do rápido percurso sobre este conceito fundamental e
extenuadamente desenvolvido na psicanálise, podemos caminhar para,
tendo em consideração os contornos da transferência, compreender a
partir de quais circuitos e instâncias é possível ou não identificar a
presença do humor na clínica psicanalítica. Para nos introduzir neste
íntimo e protegido espaço analítico, faremos uma leitura aprofundada do
que os analistas observaram em suas práticas e das reflexões que se
desencadearam a partir daí.
69
3.2 - A clínica bem-humorada
A temática desta pesquisa, assim como a pergunta por que se
interroga, recebeu nos capítulos anteriores um tratamento basicamente
teórico, o que foi planejado para que, a partir destes, tivéssemos a
amplitude e o embasamento conceitual necessário que nos possibilitasse
olhar para a experiência vivida do riso. Isto é, sabemos o que é sermos
capturados abruptamente por uma gargalhada, sentirmos a ansiedade de
relatar uma piada a um bom amigo, assim como, escutarmos alguma e
não acharmos a menor graça. Entretanto, o aprofundamento teórico tem
como perspectiva contribuir para que algumas das características
fundamentais do chiste ganhem destaque, assim como seus efeitos no
contexto social e sua movimentação psíquica e simbólica nos sujeitos.
Pretende-se apresentar conceituações teóricas, cenas, exemplos e
especialmente, casos clínicos, que possam fazer aproximações entre o que
viemos discutindo e a contextualização prática dos efeitos do humor na
vida dos indivíduos. O que sustenta a determinação desta pesquisa em
trazer ilustrações é a concepção de que a articulação entre teoria e prática
se faz necessária, uma vez que, uma sem a outra, nenhuma pode
progredir sozinha, isto é, a prática só encontra o seu sentido na teoria e a
teoria encontra sua verdade na prática.
Alguns autores referem-se ao humor como uma ferramenta,
vislumbrando a possibilidade de que possa ser “empregado” em
determinada situação, outros o vêem como uma presença inevitável e
incontestável e, em contrapartida, outros não o prescrevem ou nem
mesmo se referem a ele como possibilidade. Diante desta ampla
variedade de concepções, procuraremos, a partir do aprofundamento,
compreender ao menos tais controvérsias e quando muito, esboçar a
possibilidade de entender a serviço de quais funções psíquicas coloca-se o
humor.
Perante o recém desabrochar de minha experiência profissional e
imaturo percurso na prática clínica, convoquei profissionais, mais
experientes, para ilustrar e relatar experiências que enriqueçam nossas
reflexões. Com eles, poderemos discutir quais os efeitos humorísticos que
70
verificam em sua prática clínica, de que forma e para quais fins se
estabelece, se o recomendam na atuação e demais observações sobre sua
incidência. A aposta é que esta conversa possa fundamentar ou refutar,
ou ao menos, enriquecer nossas perspectivas em direção à indagação
desta pesquisa.
François Roustang (1984) em seu modesto texto, Meu caro amigo,
reconhece os efeitos da transferência como fundamentais, ao afirmar que
apenas a partir da constituição desta, se tornará possível o
estabelecimento do processo analítico. Entretanto, amplia o circuito
transferencial, propondo um novo critério de analisabilidade para
pacientes e competências para analistas. O texto é uma carta endereçada
para publicação, entretanto, é destinada a um colega, ao qual Roustang
relata uma grande descoberta que realizou. Solicita insistentemente que o
conteúdo desta se mantenha em segredo, mas que por sorte, chegou às
nossas mãos. Na intimidade desta relação com seu caro amigo relata qual
seria o critério que define se uma pessoa é capaz de análise:
A pessoa que me vem ver é ou não dotada de
humor? [A questão] vem a ser a de saber se a
pessoa em questão será capaz, dentro da maior
seriedade, de zombar um pouco de si mesma. Não se
trata de zombaria aguda, venosa ou irônica, pois a
seriedade se tornaria trágica. Trata-se de uma
zombaria doce, afetuosa e terna. (...) Na curva de
uma frase, o paciente tropeçaria numa palavra mal-
colocada ou num lapso. O problema é de saber se
quem tropeça nos próprios pés andando no tapete de
sua língua vai criar um drama ou se vai sorrir,
constatando que mesmo a sua infelicidade pode ter
para ele próprio algo de enternecedor. (Roustang,
1984, p. 30/31).
O autor apresenta que o fato do sujeito que procura análise portar
humor é o que permitiria aos psicanalistas definir se a pessoa esta apta a
fazer análise. Em sua exposição, apresenta a contraposição que há entre a
postura humorística e a postura séria, na qual verifica que aqueles que
71
são dotados de impenetrável seriedade são incapazes de análise. Esta é
uma imponente afirmação, fundamentada diante da observação de que
aqueles que se levam excessivamente a sério não se permitem estar em
outro lugar diferente de onde se encontram. Isto limita ou até mesmo
impossibilita a condição de ver a tragédia como comédia ou a angústia
como solução. Preferem aborrecer-se com explicações pedantes que,
frequentemente, aparecem como verdades universais. O humor ocuparia,
diferente desta perspectiva, “o máximo de distância dentro do máximo de
proximidade, um máximo de amor com um mínimo de paixão em relação
a si próprio” (Roustang, 1984, p. 31). A partir do seguinte exemplo,
temos um sujeito, que poderíamos arriscar ser a princípio, apto ao
processo analítico:
“Um judeu entra no consultório de um analista e se queixa:
“Doutor, estou com um problema sério. De uns tempos para cá, comecei a
falar comigo mesmo em voz alta”. O analista: “Bem, isso não é tão grave
assim....”. E o judeu: “Mas se o senhor soubesse como sou chato!””.
(Mezan, 2006, p. 298).
O que se pode perguntar frente a essa idéia é se este critério de
analisabilidade é aplicável apenas ao paciente, ou igualmente ao analista.
Como poderia o paciente zombar com gentileza de si próprio, se o
psicanalista não o faz também?
O humor poderia substituir com boa vantagem a
mania do corte que encontramos em muitos
analistas. Falam de corte epistemológico, de corte
significante, de corte interpretativo e mesmo de corte
puro. (...) Creio, porém, ser perigoso deixar todas
essas facas nas mãos de psicanalistas. Correm o
risco de acabarem por se machucar e, o que é mais
grave, de machucarem seus pacientes. O senso de
humor afasta o individuo de si mesmo e da fatalidade
da qual se mantêm. É um instrumento indolor por ser
terno: e se por ventura cortar algo, tem a imensa
72
vantagem de não deixar cicatrizes. (Roustang, 1984,
p. 31/32).
Roustang, em sua fala, faz uma explícita recomendação do uso do
humor, seja na perspectiva do analisando como do analista. Mannoni
(1992) em, O Riso, traz ricas contribuições para este desdobramento,
uma vez que apresenta em qual cenário psíquico o humor encontra uma
fresta para comparecer. Para tal, retoma o processo transferencial
descrito por Freud, relação através do qual o analisando encontra suporte
para que um material descole-se do inconsciente e habite o consciente. O
autor estende esta perspectiva, remontando a natureza da lembrança em
cada um dos campos psíquicos, consciente e inconsciente e o faz, com
invejável destreza, contextualizando e potencializando suas reflexões
associadas a possibilidades do paciente rir.
Desta forma, propõe retomar a temática muito banal e, segundo
ele, insuficientemente explicada do riso. Recupera a formulação de
Spencer, na qual o pai da psicanálise se apoiou, ao formular sua obra:
pensa-se que “o riso é uma libertação de certa quantidade de energia cuja
acumulação se revelou inútil (...) nós riríamos por termos feito provisões
de energia psíquica que se revelaram inúteis e que são liberados no riso”
(Mannoni, 1992, p. 128). Apesar de não defini-la como falsa, o autor
afirma que esta teoria é vaga, uma vez que desconsidera a possibilidade
de explicar o riso em seu significado e sentido. Isto é, argumenta que
Spencer, em sua leitura, remete o riso exclusivamente à sua formulação
mecânica, levando em consideração apenas sua causalidade e não o seu
sentido. Mannoni (1992) complementa ainda que, um lapso, sem
atribuição de sua significação, resulta em inquietação, enquanto, revelado
o sentido, traduz-se em riso.
Para nos familiarizar com sua teoria e fundamentar sua extensão à
teoria de liberação de energia, introduz uma espécie de riso: o de
cócegas. Afirma que essas produzem um prazer ambíguo, pois, diante da
significativa dose de angústia, o riso surge como um recurso para o
sujeito defender-se, dizendo através do riso: “pára com isso, chega!”.
Com as cócegas estaria combinado o ato de defender-se e o ato de rir.
Afirma que uma característica peculiar no riso de cócegas é a inibição,
73
pois se esta não se impusesse, se converteria em uma gritaria. Ilustra o
assunto com o comportamento do gato, que, frente às cócegas, finca suas
unhas e dentes, defendendo-se. No entanto, não chega a machucar
aquele que o acaricia: nesta manifestação, há a inibição da agressividade,
junto à manifestação desta.
Observamos nestes exemplos que há mais uma retenção de
inibição, do que uma descarga de excitação, como diria Spencer, equívoco
devido ao fato de reconhecer o fenômeno apenas em sua perspectiva
causal. Mannoni caminha no sentido de averiguar os significados
embutidos nos afetos psíquicos para que seja possível a reação do riso.
Enquanto o afeto é inconsciente, o sujeito não pode diferenciá-lo
entre real e imaginário, neste limiar, reconhece-o como absolutamente
real. Quando este sentimento se descola do inconsciente e passa a habitar
a consciência, transforma-se em imaginação, fantasia consciente e, com
isso, revela-se sua irrealidade, ao ponto de fazer rir.
Esta formulação teórica, significantemente complexa, é ilustrada
pelo autor: quando um adulto se disfarça de fantasma com um lençol
diante de uma criança, esta apresenta medo e efetivamente se assusta,
pois a figura diante de si para ela é real. Se ela se encoraja a retirar o
lençol, e vê que atrás daquele medo apenas há um adulto brincalhão,
aquela figura passa a ocupar o plano da imaginação. O riso da criança que
se manifesta após a descoberta é conseqüência da percepção de que,
aquele fantasma vivido como real, quando desfeito, passa a ser apenas
imaginário.
A maioria dos pacientes que submeto a tratamento
psíquico tem o hábito de confirmar rindo os
resultados da análise, quando consigo apresentar-
lhes uma imagem fiel das acepções escondidas em
seu inconsciente. E riem mesmo quando o conteúdo
do que é desvendado não justifica tal hilaridade. Isto
é uma decorrência natural do fato de que eles estão
bastante próximos do material inconsciente para
apreendê-lo quando o médico os conduz até aquele.
(Freud, 1905/2001, p. 129).
74
A fala de Freud evidencia que se conscientizar do sentimento é o
requisito para poder rir deste, pois este deixa de estar submetido à
fatalidade do real, para ganhar a leveza da imaginação e fantasia. Esta
dinâmica pôde ser observada pelo autor, em um atendimento clínico, no
qual acompanhou um paciente que riu à gargalhadas no momento em que
veio à sua consciência um desejo de morte.
No tocante ao riso do meu paciente, a explicação é
mais acessível. O desejo de morte torna-se inocente
ao passar a ser consciente? Sem dúvida,
inconsciente, ele era igualmente inofensivo. Mas
muda a natureza, ou de lugar, quando se tem
consciência dele – ao ponto de fazer rir. (...) Ao se
tornar consciente, torna-se imaginário. (...) Isto quer
dizer que ele é orientado para aquele gênero de
existência que é o da fantasia consciente. (...) O
saber, em relação com o consciente, revela sua
irrealidade. (Mannoni, 1992, p. 133).
Por este fato, o estado inconsciente ou consciente de um desejo de
morte faz grande diferença, pois o que antes era vivido como uma
sensação real de desejo da morte, ao ocupar a consciência, foi
compreendido como um desejo imaginário. Com isso, adquire-se o
controle do sentimento, possibilitando a explosão de um riso. O fato de
ser “apenas fantasia” não desqualifica a descoberta: a gargalhada
evidencia que o sentido da fala liberou algo do inconsciente e que um
obstáculo foi transposto; convenhamos, não é pouco.
O mesmo paciente relata, após algumas sessões, que teve um
sonho, no qual seu pai havia falecido e ele se ocupava de suas papeladas
e negócios. Justifica seu riso na sessão anterior e anula a importância do
sonho, pois compreende que este é um reflexo de uma interpretação de
seu analista e que sem esta, nunca teria tido descabido sonho ou risada.
Mannoni (1992) compreende que sim, sua fala teve efetivamente um
efeito e como resultado a esta, o sonho figura-se como uma tentativa
75
terapêutica de transformar o real do inconsciente em imaginário da
consciência. Porém, como vimos, não desvaloriza o processo psíquico de
seu analisando, pois ele efetivamente deu um importante passo. Sabemos
que um sonho, um lapso, um ato-falho ou mesmo a risada já são uma
primeira tentativa de transformar um sentimento angustiante em
imaginação e transferi-lo ao consciente:
Qualquer situação que possa provocar a angústia, ou
a cólera, ou o medo, pode suscitar o riso, se for
reconhecida como uma coisa diferente daquela em
que se acreditava antes. (...) O riso é sempre a
reação a algo hostil, assustador ou angustiante –
mas de tal modo que se possa aceitar como uma
brincadeira sem importância. Há sempre um meio de
recorrer ao riso, e este recurso desesperado se
chama humor. (Mannoni, 1992, p.135).
Para finalizar, diz que a postura séria é aquela que determina o
analista em uma posição de controle e o paciente, ansioso, não desfruta
das mesmas virtudes. Assim como Roustang (1984) havia sugerido aos
seus leitores, debruça também aos analistas a possibilidade do uso do
humor em suas atuações. Mannoni (1992) recomenda enfaticamente que
evitem qualquer espécie de relação terapêutica sustentada na rigidez e
profunda seriedade.
Abrão Slavutzky (2005) apresenta um caso bastante gracioso que
sustenta a recomendação realizada por Mannoni: conta a história de um
paciente artista, que há muito realizava sessões com diversos
psicanalistas para observar suas posturas, uma vez que contracenaria em
uma peça teatral, sendo um deles. Diante desta circulação entre
consultórios decidiu que não mais queria atuar sendo um psicanalista,
uma vez que a seu ver, estes profissionais mais se pareciam a vacas
atoladas, sempre dizendo hummm, hummm.
A história coloca em descoberto que a postura mecânica e o mugido
da vaca atolada ocupavam o cenário, assim como a postura rígida, até na
musculatura. Slavutzky (2005) afirma que este enquadre posiciona o
76
analista detentor do saber e da verdade, atitude que apenas vem a
diminuir o paciente e colocá-lo em uma posição de perdedor, contribuindo
que sua baixo-estima se exacerbe.
Gilbert Diatkine (2006) parece concordar com seus colegas quando
retoma os efeitos que podem produzir-se quando, ao revés da rigidez, o
analista se apropria da potência do humor. Exemplifica sua fala, com a
ocasião em que a atenção flutuante do analista depara-se com uma
expressão de duplo sentido, característico da formulação humorística, por
parte do paciente. Enfatiza apenas que, para qualquer aproveitamento
desta circunstância por parte do analista é fundamental haver uma
disponibilidade para tal. Neste caso:
Ocorre no analista uma suspensão de repressão que
lhe permite ver, de um só golpe, lembranças do início
da sessão e do começo do tratamento, elementos de
sua análise pessoal, fragmentos da teoria e ainda
uma antecipação do que acontecerá se ele se calar
ou se ele intervir. (Diatkine, 2006, p. 07).
Miriam Debieux (2007), em sua prática na clínica evidencia confiar
nos benefícios provenientes do uso do humor: contextualiza sua fala em
um cenário que encoraja o analista a utilizar-se do humor na prática
psicanalítica. A realidade social é detalhadamente descrita pela autora
para que, ao fim desta descrição, possamos identificar de que forma o
humor traz contribuições. Vamos lá.
Situa o sujeito inserido em uma sociedade democrática conquistada
e instaurada já há décadas, que promete direitos políticos e sociais para
toda a população, porém que, infelizmente, traduz isso por um alto grau
de ilusão nesta premissa. Afirma que tal discurso igualitário provoca
efeitos nocivos à população que, diferentemente do que foi prometido,
está excluída socialmente e, além de não ter acesso aos equipamentos
que a sociedade diz disponibilizar, é privada de se legitimar de sua
condição. Isto é, o desamparo discursivo e o convite a sustentar-se em
uma promessa igualitária que não ocorre, faz com que os sujeitos não se
apropriem de sua realidade, mas calem-se diante da injustiça e da
77
mentira e, com isso, não há reivindicação, não há indignação, não há
subjetividade, não há discurso. Com pressa, a autora questiona: como
daremos voz para que essas demandas ganhem contornos e se
aproximem do sujeito? Como dar-lhe a possibilidade de construir a
dimensão do sujeito como alguém que sonha, deseja e existe, o que se
torna possível através da escuta, da apropriação de si?
Debieux, em sua fala, volta-se para a figura do analista e identifica
que o encontro com o outro, muitas vezes em condições exultantemente
miseráveis e impensáveis ao estrangeiro, causa a resistência deste
analista que se vê diante de um sujeito com faltas concretas e simbólicas
que jamais pensou conhecer. A posição de total desasistido do paciente
assusta o analista, que se afasta pela dificuldade de escutar o outro como
semelhante. Interessante destacar que, a posição de estrangeiro na qual
se localiza o analista é aquela que pode criar um distanciamento e
dificuldade de acesso, mas também é o que permite que a questão trazida
pelo paciente seja vista e escutada pelo estrangeiro, justamente pelo que
está de fora e alheio. Possibilita que surjam perguntas e inquietações,
através das quais, o que é apresentado como pulsão de morte, no
processo da análise, caminhe a tornar-se vida.
A construção de uma relação que vá além desta diferença não é
imediata, reforça a psicanalista, solicitam-se novas posições diante da
ordem do poder. A posição fálica do analista que tudo tem e tudo pode
aos olhos do paciente, caso se mantenha, apenas reafirmará a condição
de inferioridade e de vazio do paciente, reforçando a dura realidade da
desigualdade. A analista abre mão deste prestígio, de poder e do saber
para que o outro possa comparecer, para que sua dor possa se
transformar e produzir algum efeito.
A disponibilidade da escuta, possível na clínica psicanalítica ou no
contexto institucional, inaugura a possibilidade de que o sujeito seja
inserido no campo simbólico. Neste, torna-se possível descolar-se do
campo das necessidades básicas, para reconhecer-se como sujeito
desejante, usuário do recurso lingüístico, este que lhe permite refletir e
falar de suas angústias e faltas. Recomenda que o analista não se intimide
em funcionar como espelho deste paciente, que o ajude a construir os
78
elos, dar-se valor, espaço e palavras para que possa se apresentar. A
riqueza de detalhes nos faz compreender o circuito social descrito,
entretanto, qual é a contribuição do humor?
Esta fala de Debieux (2007) foi extraída na ocasião em que
lecionava na graduação de psicologia, cuja leitura sugerida, esta que daria
sustentação para compreensão dos efeitos do humor se encontravam no
capítulo Frente e verso: o trágico e o cômico na desconstrução do poder,
de Joel Birman (2005). Reconhecendo a estratégia da professora em sua
recomendação bibliográfica, retomaremos o que Birman tem a nos dizer.
Neste, o autor afirma que a atmosfera do bom humor tem efeitos
positivos nas práticas psicoterápicas e que nas circunstâncias de paralisia
da ordem psíquica e de inflamada escassez, pode ser uma via de acesso
possível para o analista que busca guiar seu paciente no atravessamento
do campo das necessidades básicas para o campo da elaboração simbólica
constituinte do sujeito.
Com o deslocamento das defesas, novos canais se abrem para
circulação do discurso, pois a presença do humor na condução da
psicoterapia esvazia o teor fatal e dramático que os pacientes costumam
narrar seus males e impasses psíquicos, reconhecendo o devido tamanho
desses. Afirma que “é a desdramatização narrativa que se impõe de forma
a retirar momentaneamente a intensidade negativa que alimenta a
resistência, possibilitando então a melhor circulação psíquica das
experiências dolorosas” (Birman, 2005, p. 89).
A possibilidade de rir de si mesmo, seja por um movimento interno
ou devido a um comentário chistoso da parte do psicoterapeuta, é o
indício de uma mobilização, a tal ponto que as peças do tabuleiro
começam a se modificar, abrindo novas possibilidades na experiência
analítica. O paciente que se propõe a caminhar sobre os meandros de sua
psique portado de bom humor, afirma o autor, se conduz bastante melhor
na experiência analítica do que aquele que é excessivamente sério, se
aprisionando em sua severidade. Isto, pois, através do humor na
condução da psicoterapia, torna-se possível ao sujeito “desdramatizar”
sua própria condição.
79
O humor tem a potência inequívoca de esvaziar o
estilo de seriedade e de fatalidade a que os pacientes
costumam atribuir aos males que os acossam, de
forma a afirmá-los de forma mais escarnada e
tangível (...) para se aproximar dos territórios
desencantados do horror e do registro trágico do
terror, é preciso uma postura do bom humor que nos
possibilite circular pelo campo do não-familiar com
certa familiaridade. (Birman, 2005, p. 89/90).
Vejam que curioso: novamente, o humor é recomendado e
contraposto com a postura rígida e séria, como fizeram Roustang (1984),
Mannoni (1992), Slavutzky (2005) e Diatkine (2006). Porém, com Birman
(2005), aprofunda-se o aspecto da onipotência e seriedade, por parte do
analisando, como impossibilidade de se reconhecer com maior leveza
diante de suas marcas psíquicas dolorosas. Diz o autor que, através do
bom humor, se torna possível esvaziar o teor fatal e dramático de suas
próprias vulnerabilidades e falhas. Apropriando-nos das diferentes
contribuições dadas pelos autores citados acima, verificamos que quando
a relação terapêutica é permeada pela presença humorística, verifica-se
uma maior aproximação entre o paciente e o psicoterapeuta, uma vez que
o analisando fica mais desarmado e descolado de suas amarguras e, o
analista mais livre em sua atenção flutuante.
Abrão Slavutzky (2005), em O precioso dom do humor, apóia
Birman a respeito dos efeitos do humor na prática psicanalítica, como
possibilidade de desdramatizar a condição humana. Diz que o
esvaziamento da relação dramática consigo próprio é o que permite ao
sujeito se defrontar de outra maneira com o que há de horror em sua
experiência psíquica, sendo este o paradoxo imposto e sustentado pela
experiência analítica.
Mas não é tão simples: em sua formulação, levanta a hipótese pela
qual se explicaria a grande resistência de alguns analistas para se
apropriarem do humor em suas práticas. Acredita que sustentar-se nas
teorias e práticas psicanalistas, nos conceitos e nos parâmetros que a
contornam, garante aos analistas um espaço definido e seguro para atuar
80
e existir. A partir dele, o que pensar, falar ou manifestar está pré-definido,
diminuindo o risco e garantindo a aceitação. O enquadre, a formalidade da
formação molda a prática delineando a identidade do psicanalista. A única
falha desta inflexibilidade e rigidez é o muito ou tudo que se perde com
ela: este enquadre constitui-se a partir da obsessiva formalidade em que
os psicanalistas são formados e deformados. A convicção diante dos
benefícios da escolha pelo humor faz com que o caminho mais
convencional seja interceptado pela alternativa de que o humor e a
análise possam caminhar de mãos juntas, mesmo que em situações
difíceis.
Ungier (2005), por outro lado, entusiasma seus leitores com o
modo em que inicia seu capítulo, Vende peixe-se: uma clínica com humor,
no qual introduz uma novidade: a perspectiva do humor ser reconhecido
como objeto transicional. Para iniciar, deleita seus leitores contando como
ela, pessoalmente, se sensibilizou com a emergência do humor e quais os
efeitos que verifica na prática clínica. Diz ela:
O humor surgiu espontaneamente em meu trabalho
como fruto inesperado da relação transferencial. Sua
virtude reside em não pretender concluir, doutrinar,
encerrar o discurso; ao contrário, abre, para este,
novas vias de fluxo. Não raro, venho recorrendo a
poemas, provérbios ou jogos de palavras como
intervenções (p. 234/237).
Legitima, com seu depoimento, o declarado uso do humor em sua
prática clínica, ao partir do princípio de que a emergência do humor, na
relação transferencial, cria outros circuitos pulsionais, como alternativas
ao gozo sintomático. Teoriza que o uso da ferramenta humorística na
clínica psicanalítica pode ser pensada como objeto transicional. Para
acompanharmos seu raciocínio e compreendermos de que forma esta
dinâmica se desenvolve e de que forma o humor pode ser entendido como
tal, retoma brevemente Winnicott, quando introduz a noção de brincar
que se estabelece entre mãe e bebê.
81
A presença materna se oferece como continente frente a excitações
e estimulações que afetem o bebê. A brincadeira que se estabelece entre
eles inaugura o terceiro espaço, isto é, a cultura e o terreno de
simbolização. Este ambiente possibilita que o pequeno eleja algum objeto,
gesto ou som que o possibilite criar uma ponte entre si e o outro, e que
possa recuperar este elemento na transição que vai da absoluta
dependência para a independência. O uso deste objeto transicional
testemunha a jornada no tempo e no espaço em que se processa a
separação e, o resgate ao objeto na falta materna, simboliza a união da
dupla. Entretanto, de que forma o humor seria um objeto transicional do
encontro analista e analisando?
Kupermann (2005) apresenta a idéia de que a liberdade e a alegria
apenas são possíveis de serem alcançadas através do brincar: para que
este exercício torne-se possível na clínica “é necessário que o analista
possa bascular entre a posição de suporte da ilusão e a de sobrevivente
de sua destruição deste lugar, acolhendo, sem ameaça de abandono e
retaliação, a agressividade e a onipotência de seu analisando”
(Kupermann, 2005, p. 44). Como complementa Augier (2005) quando diz
que, o humor e a possibilidade de brincar com as palavras, são uma
criação desta dupla e que, quando presente, oferece continente para as
demandas pulsionais suscitadas. Em suas palavras:
Neste encontro, analista e analisando produziram, no
espaço potencial da relação transferencial, um
cardume de idéias que ganhou sentido a partir do
anuncio arrevesado, promotor de uma narrativa
original para a história do paciente. As palavras
tomadas, por ambos, como um objeto que simboliza
a distância entre um e outro não tinham por
finalidade desvendar o passado, e sim, reinventá-lo.
(p. 244).
Poderíamos assim, supor que a presença do humor apresenta-se
como possibilidade para que analistas façam interpretações? Diríamos
que sim, existem algumas convergências entre ambas as formas
82
discursivas. A primeira delas é que interpretação compartilha com o
humor a característica de que a explicação anula seu efeito, isto é,
qualquer tentativa de traduzir por outras palavras, extingue seu efeito.
Assim como, a fugacidade da permanência de seu enunciado na memória,
bem como seu anonimato, o seja, o desvanecimento de seu autor. A piada
está estruturada como uma formação ou expressão inconsciente, assim é
por si mesma uma interpretação, na medida em que há um dizer, alguma
coisa mais (sobre o recalcado) conotada no denotado ou efetivamente
dita. Está claro desse modo, que a interpretação ou o humor sem a
“escuta” do outro, não existem.
Surgem algumas inquietações: será que o único destino possível do
humor é o riso? Ao procurar um analista, devemos solicitar: “O sexo do
sujeito, abordagem ou local de atendimento não tenho preferência, mas
faço questão de que ele seja ao menos engraçado?!”
Não estamos propondo que um analista deva ser
engraçado ou divertido, mas que outorgue à piada -
não importa de quem provenha na circulação do
dialogo analítica – o status de interpretação,
elemento principal da intervenção analítico. (...) A
piada pode ser considerada como um modelo de
interpretação analítica, não porque esta deva
necessariamente fazer graça, mas sim porque opera
e obtém sua eficácia, pelo seu efeito a posteriori.
Nem tanto pelo que diz, mas pelo que dá a entender;
pela forma inequívoca de seu texto mais do que pela
explicitação inequívoca do seu sentido. Ilumina-se
alguma verdade, esta surgirá depois, sendo seu
caráter mais o de uma tirada que o de uma aplicação
de um saber “sério” preexistente. (Pereda, 2005, p.
125/126).
Esclarecida a questão referida aos analistas, seja diante de suas
ressalvas, inquietações ou incontestáveis recomendações, para concluir,
esboça-se a seguinte provocação: será que o bom humor pode se
incorporar à experiência analítica?
83
Podemos pensar no humor como destino, segundo o qual, o final de
uma análise bem sucedida aponta como um elemento onipresente. Como
vimos, não necessariamente ao riso, mas a certa possibilidade humorística
na vida. Roustang (1984) tem algo a nos dizer quanto a este horizonte do
percurso da análise bem humorada:
Caso consigamos ao final de uma análise sorrir não
apenas, como no começo, de um cantinho de nós
mesmos, mas de tudo que nós conhecemos e
especialmente das implacáveis repetições,
poderíamos então dizer que a vida se modificou.
Teremos saído do trágico para entrar em uma
seriedade aliviados por uma zombaria simpática. (p.
31/32).
Entretanto como fazê-lo? Será que os analistas contagiam seus
analisandos com a epidemia do humor? Claro que a idéia não é contagiar
o outro com humor, “olha como sou bem humorado, logo você vai
aprender, vai se identificar com isso e também poderá fazê-lo”. Inclusive,
pois, não se apresenta a todo o momento e com todo analisando. O que
não exclui que se vitalize em certo entusiasmo, que a presença do humor
enalteça a psicoterapia e circunscreva sua potência criadora e renovadora,
sendo um bom calçado para percorrê-la.
O humor remete à fonte pulsional na linguagem, que possibilita
transitar entre os vários registros da palavra e da psique. No
compartilhamento clinico entre analista e analisando, observa-se que
existe uma espécie de gratuidade no humor, uma vez que ele não se
apresenta "a propósito", de forma calculada propriamente dita.
Manejado cautelosamente, pode ser proveitoso para o analisando,
uma vez que o humor denota uma atmosfera de acolhimento, constitui
uma relação especial com o superego. O humor aparece como esperança
de outra possibilidade, como o pai que acompanha o filho e endossa seus
desejos, lhe dizendo que as coisas podem ser diferentes e menos
amargas. Por outro lado, se mostra favorável ao exercício do analista, ao
qual se pressupõe uma escuta flutuante, que acolha os deslocamentos, as
84
condensações, as metáforas e as metonímias, que se possa transitar do
inteligível ao sensível, do intelectual ao afetivo, do consciente ao
inconsciente. Talvez seja o humor, a maneira mais evidente deste
funcionamento, na perspectiva do analista como na do paciente.
Quando há humor, há a possibilidade de rir de si próprio, sendo
que, no humor analítico compartilhado, ambos riem. O analista ri de si
mesmo, talvez até do analisando, o mesmo na inversa, deste modo não
há a pretensão de onipotência e de superioridade. A presença do humor,
tanto na atenção flutuante como no espaço analítico, mesmo que não seja
risível nem engraçado, pode ser compreendida segundo o conceito de
acolhimento. A emergência do humor na clínica favorece que os agentes
ocupem lugares subjetivos diferentes, que possam se olhar de outros
pontos de vista.
É evidente que, na leitura dos consistentes argumentos
apresentados pelos autores, encontramos uma aceitação quanto à função
interpretativa do humor. A escassa produção sobre esta temática, que
ocorreu nas últimas décadas, foi retomada pelos psicanalistas
contemporâneos com grande entusiasmo. No desenvolvimento teórico,
alguns deles trouxeram casos clínicos ilustrativos e metáforas que em
muito contribuíram para nossa compreensão, em que, após um período de
recalque, o riso se apresenta na cena.
Uma vez tendo isto constatado, no próximo capítulo teremos o
privilégio de nos aprofundarmos em alguns fragmentos clínicos, no intuito
de que nossa presença nos meandros do tratamento analítico seja ainda
mais próxima, possibilitando ou não a aplicação dos conceitos teóricos
apresentados pelos autores e favorecendo a observação dos efeitos
humorísticos na vida dos sujeitos.
85
3.3 - Vinhetas Clínicas
No capítulo, A clínica bem humorada, pudemos transitar entre os
diferentes espaços analíticos, seja na poltrona do analista ou no divã do
analisando, diga-se de passagem, uma dinâmica absolutamente coerente
com a temática do humor. Os diferentes autores convidados para esta
conversa nos iluminaram com suas singulares reflexões e versões do
mesmo. Pudemos inclusive, delinear com maior nitidez, de que forma o
humor se faz presente para cada um destes analistas. A intrínseca
articulação entre humor e riso foi desvendada, segundo a fundamentação
de que o humor está mais além do que uma piada, poderíamos dizer que
é um estado de espírito.
Para se ter um maior aprofundamento da forma em que o
desenvolvido teoricamente ocorre na prática, conversaremos com alguns
autores que abordam a questão. Resgataremos fragmentos de casos
clínicos apresentados na bibliografia utilizada na pesquisa, assim como os
obtidos diretamente em entrevistas com analistas. A partir destes,
poderemos realizar análises que enriqueçam e afinem nosso olhar em
relação aos efeitos do humor, diante do que viemos desenvolvendo até o
momento.
Maria Stela de Godoy Moreira (2006) assinala, em seu texto Função
integrativa do humor, que a aplicação do humor na clínica psicanalítica é
uma proposta controvertida para muitos, pois este recurso oferece uma
grande amplitude de efeitos para os sujeitos. Diante desta constatação, a
autora afirma que muitos psicanalistas operam essa ferramenta de
maneira cautelosa ou até mesmo cética, no temor de despertar o oposto
do que desejam, sendo esta, uma rigorosa resistência. Apóia a aposta de
Slavutzky (2005), segundo a qual se acredita que profissionais enrijecidos
diante às exigências do enquadre hesitam em esboçar risos e muito
menos gargalhadas, temendo contaminar ou prejudicar a transferência,
perdendo com isso, a possibilidade de se aproveitar dos positivos efeitos
do humor.
Entretanto, a psicanalista acredita que a utilização do humor na
clínica “cria condições necessárias à reorganização da constelação psíquica
86
do paciente, porque modifica o teor das identificações introjetivas e
proporciona ao analisando novas possibilidades de relação objetal”
(Moreira, 2006, p.95). Identifica em sua prática clínica que os efeitos do
humor evoluem como se um nível emocional mais profundo tivesse sido
alcançado, em que, quando o riso é despertado, um tipo de ativação
intrapsíquica é ativado, podendo permanecer até a próxima sessão.
Apresenta em seu texto a seguinte vinheta clínica:
Ichtus, de 19 anos, queixa-se de dificuldades para compreender o
que lê e de sua memória fraca. Não consegue se expressar: observo
pausas freqüentes em que perde o fio da meada, as frases são
incompletas e reticentes. Somente no decorrer da análise consigo
organizar os dados esparsos de sua história.
Ichtus desistiu de estudar e passava os dias deitado, no quarto,
sem ler e sem ouvir música. A única coisa pela qual se interessava eram
os peixes, estando corretamente informado sobre os nomes científicos,
dados de alimentação e procriação. Desde nossos primeiros encontros,
fala com uma voz monótona sobre tópicos fragmentos que não seguem
qualquer lógica ou seqüência temporal.
Durante o trabalho se permitia sentir de tal maneira desconectado,
que eu me sentia confusa e sonolenta, como se também estivesse isolada
e submersa em águas profundas. Ichtus não respondia às minhas
interpretações. Depois de dois meses de análise ele se tornou ainda mais
quieto, até que tivemos somente sessões silenciosas, nas quais ele
permanecia fora de contato, imóvel e rígido. (...) [Em uma das sessões],
Ichtus veste uma camiseta da mesma cor que a blusa que estou usando.
Essa coincidência me fez lembrar um tipo de peixe colorido que eu havia
observado numa loja perto do meu consultório, chamado “cromato-pélvis”
e considerado muito bonito devido à sua pélvis vermelha. Depois de
quarenta minutos de silêncio, uma imagem insólita surgiu na minha
mente: parecemos dois peixes mudos num aquário. Se eu lhe
“emprestasse” a minha cabeça, será que ele falaria comigo? Decidi então
empregar esse recurso bem rudimentar, metonímico, para me dirigir a ele
e disse sorrindo:
87
- Parecemos dois “cromato-tórax”, com nossas camisas vermelhas.
A ilustração deste caso mostra-se especialmente rica para o
encaminhamento de nossas reflexões, uma vez que traz em si diversos
aspectos dos quais estamos abordando: uma das primeiras características
que se destaca, quando vamos analisar mais profundamente o caso, é que
a analista, para elaborar seu chiste, apropriou-se de uma temática que
estava absolutamente articulada com os parâmetros transferenciais
daquela exclusiva relação terapêutica: a linguagem e os interesses que
nela circulam. A produção do comentário humorístico surgiu como produto
da construção daquele encontro e dificilmente se poderia aplicar a outra
circunstância, ou mesmo a outro paciente. O que enfatizo é que a piada
encontrou pertinência naquele específico contexto, isto é, a iniciativa para
realizar o comentário surgiu de uma “coincidência”, devido ao fato de
estarem ambos com camisetas vermelhas, o que lhe remeteu a lembrança
dos peixes com similar pélvis. Sua fala considerou e reconheceu o sujeito
que estava diante de si, não era um comentário qualquer, mas sim, uma
piada elaborada, alinhada com o cenário e suas personagens.
No relato, é interessante notar que a iniciativa de apresentar este
chiste surgiu da inquietação da própria analista diante do constante e
interminável silêncio. Surge, assim, da analista em direção ao analisando,
entretanto, em sua formulação, ela está absolutamente implicada, isto é,
a piada designa-se a dois peixes no aquário, e não apenas um, não
apenas a uma referência ao paciente. A analista, aparentemente, não
teme mergulhar no aquário e ocupar a mesma cena que seu paciente. Sua
intervenção não aparece descolada e desconectada da situação que se
evidencia, pelo contrário, ela comparece em sua interpretação,
poderíamos sugerir, que ela se propõe estar “em outro lugar”, rir de si,
para então, também oferecer outro lugar a seu paciente. A posição séria e
inflexível, combatida por alguns dos autores que lemos anteriormente,
aqui não se configura, uma vez que ela se dispõe “se molhar”, “sair do
terreno seguro” e provocar algum movimento na cena paralisada. Esta
postura coincide plenamente com o que André Comte-Sponville (1995)
apresenta no livro Pequeno tratado das grandes virtudes: “o humor ri de
88
si, ou do outro como de si, e sempre se inclui, em todo o caso, no
disparate que instaura ou desvenda” (p.232).
Finalmente, como ela bem diz, aplicou um recurso bastante
rudimentar, uma divertida brincadeira com as palavras, dizendo cromato-
tórax, ao invés de cromato-pélvis: “na metonímia, a base para a
substituição não é a semelhança subentendida entre o sentido próprio e o
figurado; é resultado da analogia e do deslocamento entre palavra em
uma relação seqüencial, pela substituição de sons ou imagens adjacentes
ou contíguas” (Moreira, 2006, p. 98). É possível levantar a hipótese de
que a intervenção bem humorada teve como efeito abrir o campo
simbólico e permitir outras associações. Diante da leve modificação de
palavras, a analista imanta seu paciente, uma vez que reconhece a
presença da pélvis entre eles. A interpretação assume um teor vital.
Supomos, então, que a leve modificação das palavras, pode ou não,
ter causado algum efeito. Aliás, como será que o paciente reagiu à piada?
Será que gargalhou, será que se ofendeu, será que se manteve
estagnado? Será que a analista quando arriscou sua piada previa a
reação? Poderemos conferir no trecho seguinte:
Apesar de Ichtus permanecer em silêncio, pude observar, algumas
semanas mais tarde, que minha intervenção foi eficiente (...) pois
propiciou o início de uma conversa e, mais tarde, de um sonho. (...) Uma
coisa dita hoje, pode ter efeito uma semana ou meses depois. Fragmentos
desse momento, dispersos no espaço, surgem numa sessão posterior em
que descreve ver, na sala onde estávamos, peixes com cara brava e
cheios de dentes grandes na boca aberta. (...) Mais uma vez tomo a
palavra e relembro o que ele já me falou inúmeras vezes sobre o cromato-
pélvis, que, quando assustado, “come os filhotes”. Então ele chega à
conclusão: “é necessário transferir o pai para outro aquário”.
Uma estrondosa risada não pôde ser observada, nem mesmo uma
aparente ofensa por parte do paciente. Mas, certamente, não permaneceu
a paralisia: a analista, ao averiguar os efeitos de sua intervenção, observa
que os medos de seu paciente diminuíram, ele retomou a fala, contando
89
que sua mãe e ele tiveram que fugir da casa de seu padrasto, pois
temiam pelas suas vidas.
Poderíamos dizer que o paciente respondeu à piada? Que ela teve
efeitos sobre ele? Seria difícil negar. Talvez não tenha sido com uma
risada, manifestação mais comum e não tenha sido imediato. Mas o efeito
é explicito. A noção temporal, neste paciente, não pode ser medida pelo
tempo cronológico e, este fato também foi reconhecido pela analista,
quando ela avalia que sim, sua piada teve efeito, apesar da resposta
apenas chegar após algumas sessões. Neste contexto, o que seria então o
humor?
Despropósito que estabelece ligações entre
elementos habitualmente desunidos, inverte
deliberadamente uma relação entre fatos, valores ou
preposições, exagera a realidade existente até o
paradoxo ou o insólito, coloca problemas e métodos
contrários ao bom senso ou lógica. (...) Humor como
ponte ou ruptura pode ser utilizado com intuição e
sensibilidade clinica pelo analista, criando uma nova
abertura para a curiosidade e para a dúvida,
aumentando a tolerância à frustração e
desenvolvendo as possibilidades do pensamento
(Moreira, 2006, p. 94).
A seguinte vinheta clínica, recolhida a partir de entrevista com um
psicanalista, ilustra brilhantemente os efeitos do humor enquanto potência
de provocar um distanciamento da situação dolorosa e possibilitar novos
olhares sobre a mesma:
Tenho uma analisanda, uma jovem mulher, que passou por perdas
fortes, sobretudo a morte do pai quando tinha quatro anos, além de
outras perdas importantes na família. Essas, que marcaram a mãe, o
próprio pai, enfim, ela tem uma história familiar bastante trágica e traz
um fundo melancólico muito forte. Ela inicia todas as sessões com a
apresentação de uma dor muito intensa. Ela tinha um projeto profissional
90
para sua vida, que implicava uma prova, e nesta fracassou. Em várias
situações da vida ela se vê fracassada. Um fracasso cultivado de um modo
muito cruel.
A paciente fala dessa dor, que traz um fundo melancólico forte. Na
relação com ela, quando o humor emerge, porque isso não é uma coisa
deliberada, não é uma técnica que eu digo – “vou usar o humor, vou ser
engraçadinho agora”. Entretanto, quando se apresenta, a analisanda
consegue ficar um pouquinho mais nômade, sair de uma posição
totalmente unívoca, consegue abandonar por algum tempo a versão
construída do fracasso.
Devido aos rigores éticos psicanalíticos quanto ao sigilo dos relatos
de casos clínicos, nesta temos uma menor amplitude de detalhes,
entretanto, igualmente valiosa. Este vinheta nos contempla com uma
característica que extensamente desenvolvemos na parte teórica, porém
que ainda não havia sido explicitamente apresentada na prática. Esta se
refere ao descolamento e distanciamento que o humor propõe em
situações que há uma paralisia na posição dramática e uma atrofia na
elaboração simbólica do sujeito.
Como relata o analista, “ela inicia todas as sessões com a
apresentação de uma dor muito intensa”, a breve descrição nos evidencia
que esta jovem teve um percurso marcado por intensas dores e perdas. A
dimensão traumática que acomete os sujeitos e que vem a ocupar a
completude do espaço psíquico impossibilita que outros sentidos sejam
atribuídos, ao reconhecer estritamente o doloroso. A paralisia da ordem
psíquica é desorganizadora, justamente porque o sujeito não consegue
contorná-la através da palavra.
A escuta e a palavra inauguram a possibilidade de uma dialética, ao
se construir uma necessária distância da emergência. A busca pela análise
é em si, uma grande predisposição para que um novo circuito psíquico se
instale, para tornar-se possível o resgate da subjetividade e a integração
do indivíduo. Entretanto, é necessário um empenhado trabalho de ambas
as partes para que o relato dramático possa ser reconhecido e substituído
por outros meios de enfrentamento. Apesar de não descrever de quais
91
formas, explicitamente, o humor se apresentou, o analista afirma que, a
partir dele, a paciente pôde se imaginar em outros lugares que não os
fundadores de sua condição sofrida. Mesmo que por apenas alguns
instantes, o traje dramático foi substituído por outro melhor humorado e
vital.
Quando o humor se apresenta “a analisanda consegue ficar um
pouquinho mais nômade, sair de uma posição totalmente unívoca,
consegue abandonar por algum tempo a versão construída do fracasso
(...) cultivado de um modo muito cruel”. A própria interpretação embutida
na fala do analista, já é em si, uma afirmação do que vínhamos
desenvolvendo teoricamente, quanto à possibilidade do humor, inverter,
subverter e transformar a realidade estagnada e concreta do sofrimento.
Com o descolamento das defesas, novos canais são abertos para a
circulação do dircurso, para o reconhecimento de outras possibilidades de
ser, de estar e de se relacionar consigo próprio e o mundo que o circunda.
A “desdramatização discursiva”, termo utilizado por Birman (2005),
esvazia o teor fatal da amargura, provoca um desengano na paralisia da
ordem psíquica e da escassez simbólica. A capacidade de ver a porta de
saída da posição dramática, mesmo que pelo rápido intervalo de uma
graça ou de uma risada, é o ‘estopim’, é o começo fundamental para
entrada em outra posição psíquica. Rir de si mesmo é por si só, o
certificado de que a ordem simbólica foi mobilizada. Identificamos neste
relato, a potência libertária conferida ao humor, na qual, o sujeito ganha
asas, se apropria do discurso e pode se desatar das rígidas amarras da
posição psíquica imposta. Suas verdades absolutas podem ser refutadas e
revistas. Através disso, sua visão pode se estender para além do
estabelecido.
A importância da contextualização da piada ou do comentário
humorístico também foi destacada pelo psicanalista, quando diz: “não é
uma coisa deliberada, não é uma técnica que eu digo – vou usar o humor
- vou ser engraçadinho agora”. Como vimos com Moreira (2006), a fala do
analista deve estar encadeada, ou até mesmo enraizada, no singular
universo de cada analisando. Não pode ser aplicada invariavelmente,
descolada de seu contexto. O impacto do comentário, os múltiplos
92
significados que podem ser criados, reinventados e renovados, assim
como os deslizamentos de sentido, mais se potencializarão, quanto mais
proximamente estiverem relacionados com a vida psíquica do paciente,
assim como ocorre em qualquer interpretação do analista.
A predisposição por parte da paciente diante da busca pela análise,
mencionada há pouco, é fundamental para que a fala do analista possa
atravessar a barreira da resistência e penetrar a psique da analisanda.
Supõe-se que muitas são as tentativas de interpretações, nem todas
recepcionadas ou compreendidas pelos pacientes. Inclusive, pois, estar
em análise não é o suficiente para provocar movimentos na regulação
psíquica. Faz-se necessário uma implicação no processo. O desafio é posto
também diante do analista, caso este considere que, lançar
despropositadamente interpretações, fará com que aquele que se recosta
no divã, caminhe em suas elaborações.
Ambos os casos apresentaram os aspectos fundamentais para que
uma pertinente análise da inferência do humor na vida psíquica dos
sujeitos seja realizada. Apesar de nos sustentarmos a partir da
observação que os analistas fazem de seus pacientes, seus relatos, nos
permitem fazer as articulações entre a conceituação teórica do humor e
sua incidência na prática. Ao focar alguma das intervenções dos analistas
e respostas dos pacientes, pudemos identificar o que vínhamos apontando
teoricamente até aqui.
O desafio que é proposto para adiante é afinar a ótica dos ditos
humorísticos aos outros ambientes pelos quais os indivíduos circulam, isto
é, nos distanciaremos do setting clínico, para averiguar quais são os
reflexos dos recursos humorísticos no cotidiano da sociedade e de seus
habitantes.
93
3.4 - O humor no cenário social
Navegar pelos meandros da clínica psicanalítica trouxe-nos alguns
indicadores da forma em que o humor se faz presente na vida dos
sujeitos, assim como um delineamento mais nítido de seus efeitos.
Pudemos avançar alguns passos diante da interrogação desta pesquisa,
assim como o aprofundamento das fundamentações e recomendações
para sua presença na relação terapêutica, espaço este, especialmente
fértil e privilegiado para a discussão desta temática. A observação da
dinâmica do humor é favorecida no setting clínico, uma vez que neste há
a implicação de um processo percorrido por esses dois tripulantes,
analista e analisando, que nos traz significativos esclarecimentos e
contribuições diante de nossa inquietação em colocar uma lupa em nossas
reflexões. As formalidades do enquadre, a relação estreita entre as partes
e o ambiente íntimo e preservado que se constitui, faz com que se torne
mais acessível isolar as demais variáveis e afinar a ótica do humor.
Entretanto, faz-se necessário uma ampliação de horizontes para
tornar-se possível navegar por outros mares e conhecer outras belezas.
Queremos saber como o humor atua na vida dos indivíduos; para tal, nos
aproveitaremos do abastecimento construído a partir das reflexões no
ambiente acolhedor da clínica psicanalítica, para então, verificar seus
efeitos nos outros âmbitos da vida dos sujeitos. Ou seja, a proposta é
que, apoiados no que descobrimos até o momento, nos dediquemos a
verificar como este ocorre em outros ambientes sociais e culturais pelos
quais os sujeitos circulam.
José Carlos Calich (2006), no artigo A psicanálise bem temperada:
humor, estilo e metáfora no processo psicanalítico, afirma que “o riso
social raramente resulta numa busca ou promove um novo significado. Ele
instala uma atmosfera de acomodação, de partilhamento, de ação - jogos,
abraços, beijos, sexo -, da vivência do mito cultural, da mentalidade
grupal.” (p. 83). É sua opinião, então, que o riso partilhado em grupo, no
convívio social, através da troca de piadas e gracejos, não tem uma
função de elaboração, mas serve mais propriamente à descarga e à
diversão. Já Slavutzky (2005) no texto, O precioso dom do humor, diz que
94
“o humor abre portas, corações e mentes. Muitas aproximações sexuais
começam com uma frase engraçada, que podem despertar um sorriso (...)
[O humor] põe água na fervura das paixões – enfim, só não é um estraga
prazeres, pois goza com inteligência de tudo” (p. 219).
Esta discussão nos apresenta um novo cenário, uma vez que, a fala
destes autores está contextualizada no ambiente social e abordam a
temática do humor inserida nas relações sexuais e amorosas, no
compartilhamento de afetos, nas relações profissionais e demais inter-
relações sociais. Situamos-nos, nesta etapa, para além do setting clínico;
estamos na sala de estar da casa de família, na cama dos amantes, na
conversa de bar entre amigos, nas brincadeiras entre pais e filhos e
demais momentos da realidade humana. Uma vez bem acomodados neste
novo cenário, retomo a pergunta desta pesquisa: quais são os efeitos do
humor na vida das pessoas?
Uma vez que desfrutamos do ambiente social, convoquemos, para
atuar como mediador desta reflexão, uma personagem que vem ganhando
ímpar destaque, o humorista. A escolha por este convidado não é
aleatória, vejamos o que Biman (2005) tem a nos dizer:
Os piadistas e os humoristas são tão valorizados por
todos nós, pois conseguem não apenas desarmar os
espíritos numa situação considerada excessivamente
grave, como também nos revelar, num breve
comentário, a dimensão cômica daquilo que quer se
apresentar como sério. (p. 86).
Quem são os humoristas na sociedade de hoje? São aqueles que
captam as fragilidades dos homens, que os apresenta para o debate como
grandiosos e miseráveis, sofredores e gozadores, amados e repudiados,
desejando o infinito e caindo no mortal. O humorista é aquele que
contempla as contradições humanas, podendo rir delas em vez de chorar.
“Num mundo com falta de teses, é ele, o humorista, que não advoga nada
e está sempre a caminho, que traz à tona nossa precariedade e o valor da
dúvida” (Slavutzky, 2005, p. 206/207).
95
Reconhecidos como sábios de uma sociedade perplexa e absurda, os
criadores humorísticos, com suas críticas bem humoradas, fazem com que
a pompa e a superioridade pareçam frágeis e nuas. Com isso, aliviam os
contornos rígidos e tensos de uma situação que nos parece grave e nos
revelam a dimensão cômica do que aparentemente é unicamente sério.
Rir, no cenário social, possibilita ironizar personagens e acontecimentos
da vida cotidiana.
Gley Silva de Pacheco Costa (2006), no texto A psicanálise diante
do trauma, do humor e da esperança, reconhece que, mais além de seu
objetivo de fazer graça e divertir aos demais, o humor tem como objetivo
convencer que a realidade é suportável, isto é, de que é possível
sobreviver às adversidades da vida. Com ele, as vicissitudes da existência
se tornam mais toleráveis. O humor é, segundo ele, uma expressão da
criatividade que tem como objetivo mitigar o sofrimento. Destacamos
desta frase, a referência que o autor faz a uma dose significativa de
angústia, de sofrimento a ser mitigado. Uma vez, situados no contexto
social, entretanto, de qual angústia estamos falando?
A cidade de São Paulo por diversas vezes tem vivido conturbações
sociais, governamentais, populares, entre outras, de grande mobilização e
entusiasmo. Para ilustração desta reflexão, destaco a apavorante situação
vivida pelos brasileiros, na qual ônibus foram incendiados,
estabelecimentos públicos invadidos por uma facção de presidiários que
manifestavam sua revolta, enquanto a população, temendo uma invasão,
se certificava se os trincos das portas estavam devidamente fechados. Em
meio ao caos, no entanto, alguém conta uma piada, ou o jornal do dia
seguinte refere-se ao fato com uma tirada humorística, o que nos permite,
submersos na angústia e insegurança, o riso de alívio e o escorrer de
lágrimas de solidariedade e desespero.
Estas manifestações emocionais, aparentemente antagônicas, nos
levam a questionar se o humor estaria vinculado apenas a um superficial
contato com a realidade, na maioria das ocasiões como mecanismo de
defesa, alienação e afastamento, ou se ele propõe uma via de encontro e
possibilidade de elaboração de angústias.
96
Costa (2006) nos traz respostas, quando afirma que o recurso
humorístico nos oferece uma válvula de escape das exigências da
realidade, pois mesmo reconhecendo as imposições da lei, encontramos,
através do humor, uma brecha para ao mesmo tempo estar com ela e
acima dela. Identificamos a norma, porém sob o apelo do humor,
atravessamo-la. Nesta perspectiva, o humor se situa entre o fantástico e a
realidade, neste entre parênteses, em que se pode inventar, relaxar e
flexibilizar, o que potencializa a criatividade de outras possibilidades de
ser. A afirmação da invulnerabilidade do ego, que através do humor se
comporta em relação a si mesmo como um adulto que procura amenizar a
dura realidade experimentada pela criança, opera como um suporte à
sensação de ameaça e desproteção humana. Isto, pois o humor se vale de
uma regressão formal, um salto do pré-consciente ao funcionamento
inconsciente, com o aval do superego.
A morte, destino final de todos os indivíduos, é o momento
previsível e temido por todos nós. Basta estar vivo para morrer e esta
premissa ninguém pode negar. Mas a que nos serviria carregar esta
verdade no bolso, dia-a-dia, corroendo-nos a cada minuto a menos em
nossos relógios? O humor nos dá uma resposta pautada na pulsão de
vida, na chance de rir apesar dar amarguras, “permite um olhar sobre a
vida e a morte, o sucesso e o fracasso meio alegre e meio triste,
integrando as máscaras, construindo assim um mundo mais leve para si e
para os demais” (Slavutzky, 2005, p. 227).
Seria então, uma ilusão provisória e necessária, que nos possibilita
suspirar, mesmo que o caos não deixe de bater em nossas portas. Deixá-
lo-emos entrar e novamente poderemos nos aliar através do humor,
mecanismo moderador que, além de favorecer a elaboração dos
conteúdos, propicia ao ego recuperar sua função de continente dos
objetos internos, dos projetos e da percepção. O humor pode configurar-
se como uma única saída ao aprisionamento na própria angústia.
O humor nos poupa da fadiga de viver. Que alívio
dispor deste artifício que torna, pelo menos por um
instante, mais leve o fardo de enfrentar os reveses
da vida, o peso de calcular nossos passos, refletir
97
sobre nossas escolhas e tentar prever as
conseqüências delas. (...) Relaxamos quando nos
autorizamos a pensar o impensável, sob uma forma
socialmente aceitável. Relaxamos, “entramos no
jogo” que consiste em abordar o recalcado por
atalhos surpreendentes, para em seguida
retornarmos à seriedade habitual. (Kehl, 2005, p.
53).
A autora enfatiza o precioso bem que representam os ditos
humorísticos em momentos de profunda angústia, esses que nos
oferecem outras saídas, “atalhos surpreendentes” ao fardo da vida. Costa
(2006) contextualiza essa idéia, apoiado nos filmes “A vida é bela” e “Um
sinal de esperança”, que abordam, ambos, a temática do holocausto. O
autor comenta que, quando um sujeito sobrevive a uma situação
traumática, mobiliza com freqüência o que chama de ressentimento, isto
é, um modo de não sentir ou se instala uma falta que faz o sujeito
estagnar-se no tempo e no espaço. Não encontra assim, outra via que não
seja a de se identificar com a figura do agressor, somado a uma
impossibilidade de situar a experiência traumática no tempo e no espaço.
No lugar da castração simbólica, na possibilidade de elaborar, dar novos
sentidos as suas frustrações e com isso construir seu percurso social, o
sujeito se paralisa e com isso perde sua identidade, sua potência de
crescimento.
O humor seria, como nos mostra o cinema, um recurso para manter
o ânimo de uma criança em condições limites e para reanimar um gueto
desesperançado. Ao se valer da mentira para alcançar seus elevados
objetivos, fazem jus às palavras de Bion, quando diz que “a raça humana
deve sua salvação a esse pequeno grupo de mentirosos geniais que, ainda
diante de fatos que sem dúvida o contradizem, estavam preparados para
manter a veracidade de suas falsidades” (Bion, 1970/1974, p.98/apud,
Costa, 2005, p. 90).
Segundo o autor, há uma transparente diferença entre a imaginação
consoladora e a negação da realidade e a esta diferença temos que estar
alertas. Fundamenta que a segunda representa uma forma de mentir para
98
si próprio, diferente da primeira, em que se busca uma saída engenhosa e
prazerosa, que não implica desconhecimento da realidade, mas uma
valorização dela com base ética. Diz que o uso do humor como ferramenta
é o oposto do ressentimento, verificamos assim, que o ressentimento não
é a única saída. Através do humor, é possível historiar o trauma, elaborar
aliado ao tempo, permitindo que o sujeito assimile as experiências que lhe
acometeram e reconstrua sua identidade.
Surpreendentemente, na busca de bibliografia pertinente para esta
temática, deparei-me com Renato Mezan (2002), quando escreve sobre:
“Humor judaico: sublimação ou defesa?”. Interessante notar que, apesar
de definir um foco de observação, a cultura judaica, faz uma interrogação
bastante próxima à que se faz esta pesquisa.
O autor retoma o contexto social, no qual se encontravam os
judeus, quando nasce o humor judaico. Enfatiza que é difícil precisar a
data de seu nascimento, mas uma aproximação possível é que tenha
ocorrido na Rússia, no século XIX. Relata que, a comunidade de judeus da
Europa Oriental se encontrava oprimida e diante de dificuldades
econômicas extremas; pertenciam à terceira classe, sofrendo restrições
em ingressar nas instituições escolares, morar fora do distrito de
residência ou qualquer mobilidade social. Comunicavam-se através do
ídiche e eram alvos de discriminação e preconceito por parte das
populações locais. A breve descrição deixa em evidencia a grande miséria
e as dificuldades enfrentadas.
Entretanto, diz ele, desfrutavam de atributos de importante
reconhecimento: eram escolarizados, o que lhes possibilitava uma ampla
compreensão da regra e das leis, favorecendo a capacidade de
memorizar, raciocinar, perceber analogias e apropriar-se do recurso
lingüístico, isto é, culturalmente havia uma grande valorização do
conhecimento e da educação. A facilidade verbal e a estimulada
inteligência favoreceram a apropriação do humor como forma de
defender-se. Entretanto, Mezan (2002) nos interroga: será que apenas
esses dois fatores foram os fundadores do humor judaico?
A agudeza do raciocínio e a hostilidade do ambiente
são fatores talvez necessários, mas não suficientes,
99
para dar conta da gênese do humor judaico (...) é
preciso levar em conta mais um fator para
compreender a gênese do jüdischer Witz (chiste): a
mudança na relação com a autoridade trazida pela
Revolução Francesa e pelo racionalismo que a
procedeu (p. 291).
Em seguida, o autor retoma alguns fatos históricos que em seu
desfecho comprovaram aos cidadãos da época, inclusive aos judeus, que a
autoridade aparentemente imutável e incontestável poderia não o ser.
Isto é, constatou-se que a figura de poder temida e inalcançável também
poderia tropeçar e cair. Neste cenário, o humor se revelou uma arma
poderosa para fazer críticas e possibilitar um ambiente de esperança
diante da sufocante realidade. Pelo fato do idioma pelo qual se
comunicavam ser incompreensível aos demais, desfrutavam de um humor
anônimo e secreto. Isto apenas se modificou com a emigração para as
Américas e posteriormente ao holocausto essas comunidades se diluíram e
se segregaram.
Como herança da solidez cultural, permaneceu a vivacidade do
humor, o qual se caracteriza pela sobriedade e sutileza. Qual seria, então,
o papel do humor nas comunidades judaicas?
Talvez a função primordial do humor judaico já não
seja, hoje, a de oferecer canais para a libertação das
repressões, nem para a manifestação socialmente
admitida da agressividade. (...) Seu papel é o de
oferecer uma plataforma identificatória para os
judeus seculares, que se reconhecem nas piadas a
seu próprio respeito. (Mezan, 2002, p. 301).
Veremos a seguir como a piada abaixo sustenta esta
argumentação:
Taoísmo: “Shit happens” [Merda acontece].
Islamismo: “If shit happens, é a vontade de Alá”.
Budismo: “If shit happens, não é o que parece”.
100
Protestantismo: “Shit happens porque você não trabalha o suficiente”.
Catolicismo: “Shit happens porque você pecou”.
Hinduísmo: “This shit já aconteceu antes”.
Estoicismo: “This shit não me interessa”.
Judaísmo: “Por que shit sempre acontece conosco?”.
(Mezan, 2002, p. 300).
Sem dúvida, não poderíamos ter acesso a melhor ilustração. Para
cada religião, elabora-se, com uma pequena variedade de palavras e
breve designação, um complemento que é absolutamente particular e
ímpar a cada agrupamento. Mesmo que, em certa medida os ridicularize,
não deixa de fortalecer os vínculos existentes em cada comunidade,
justificando o humor ao lado dos recursos identificatórios. O que faz com
que, o autor conclua em seu desfecho que, o humor judaico não pode ser
interpretado nem apenas como sublimação, nem apenas como defesa. O
desenvolvimento e a fundamentação realizada por Mezan (2002), mesmo
que focada na cultura judaica, pode ser, em boa medida, estendida à
nossa reflexão.
Quando nos indagamos se o humor atua por vias defensivas ou
criativas, talvez estejamos excluindo outras respostas possíveis: a
perspectiva de observar o humor em eixos excessivamente polarizados e
antagônicos, como se relacionam sublimação e defesa, pode ser
repensada a partir deste trabalho. A possibilidade de vislumbrar um leque
mais amplo de possibilidades e variedades de efeitos dos ditos
humorísticos foi uma proposta ao longo da reflexão, através da qual
podemos extrair algumas respostas.
101
Considerações Finais
O humor, em seu estatuto conceitual, refere-se a transformações
de alguns afetos, segundo o Dicionário de Psicanálise: “diz-se que no
humor a pulsão é sublimada na medida em que é derivada a uma
produção que sugira grandeza e elevação” (Laplanche & Pontalis, 1970, p.
638). Esta definição do humor em direção à “grandeza e elevação”, cria
uma cisão em relação aos risos eminentemente defensivos, risos
desesperados, risos cínicos, que não são, conceitualmente, do estatuto do
humor.
Uma distinção se faz necessária: humor e ironia. Esta, quase
sempre, é voltada a outro, contra outro. Gera o riso ácido, sarcástico,
destruidor, o riso do ódio, o riso do combate. Neste contexto, a ironia
nada mais é que plena tristeza, com ela, apenas se pode rir contra,
acusando, condenando e desprezando. O humor, em contrapartida, pode
até rir do outro, mas antes ri de si, abandona por instantes a seriedade
para transmutar a tristeza em alegria, há coragem, grandeza,
generosidade e liberdade. No humor há algo de sublime, de elevação,
enquanto na ironia, há o rebaixamento e avareza.
O humor é uma conduta do luto (trata-se de aceitar
aquilo que nos faz sofrer), o que o distingue de novo
da ironia, que seria antes assassina. A ironia fere, o
humor cura. A ironia pode matar; o humor ajuda a
viver. A ironia quer dominar; o humor liberta. (...) A
ironia é humilhante; o humor é humilde. (André
Comte-Sponville, 1995, p. 236).
Esta contextualização esclarece o que não é humor, quem são os
intrusos nas festas bem humoradas, naquelas em que a brincadeira tem
espaço a ocupar, nas quais as flexibilizações são permitidas, o faz-de-
conta é proposto e que a rigidez e a seriedade são convertidas na leveza e
na doçura que se pode extrair, apesar e mais além, das penas e dos
pesares.
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Descobrimos, a partir das provocações e indagações desta
pesquisa, que o humor atua para diferentes fins. Conhecemos o humor
irreverente e rebelde, o humor libertário, o humor identificatório, o humor
sublimatório, entre outros. Por que definir apenas um, se podemos nos
beneficiar de todos? E esta já não é uma predisposição do humor? Por que
enrijecer se podemos flexibilizar? Por que nos amargurarmos, se podemos
nos encantar? Por que reduzir, se podemos ampliar?
Encontramos, dentre os autores apresentados, Roustang (1984)
identificando o humor como uma zombaria doce, afetuosa e terna, em que
a possibilidade de rir de si mesmo configura-se como sinal de mobilização
psíquica; Mannoni (1992) compreende que desfrutar do humor é aceitar o
sentimento angustiante e hostil como uma brincadeira sem importância,
ao incorporar à consciência um fantasma inconsciente; Birman (2005)
apresenta o termo “desdramatização narrativa”, isto é, o humor como
esvaziamento da fatalidade e da seriedade, possibilitando a melhor
circulação psíquica de experiências dolorosas; Slavutsky (2005), na
mesma direção, afirma que a possibilidade de retirar o teor trágico em
relação a si próprio é o que permite ao sujeito defrontar-se de outra forma
com o que há de horror em sua experiência psíquica, podendo rir, ao
invés de chorar; Auguier (2005) enfatiza que através da brincadeira com
as palavras, é possível inventar, criar e construir novas vias de fluxo;
Kupermann (2005) nos traz a imagem do humorista como órfão que,
constatando que já lhe ocorreu tudo que poderia acontecer, não tem outra
saída a não ser a de aprender a rir com a vida; Sampaio (1992), de mãos
dadas com os palhaços, nos apresenta a potência do humor de
embaralhar e desembaralhar a realidade, o que ativa a vibração do riso,
ao brincar com a superfície do mundo e de si próprio; Kehl (2005) nos
confronta com a idéia de que o humor denuncia a vã pretensão do
controle a que os sujeitos se propõem e permite abordar o recalcado por
atalhos surpreendentes, mesmo que em seguida, retorne a seriedade
habitual; Moreira (2006) afirma que o humor estabelece ligações entre
elementos desunidos, o que aumenta a tolerância à frustração e
desenvolve as possibilidades de elaboração; Costa (2006) entende que,
através da criatividade possibilitada pelo humor, nos convencemos que a
103
realidade é suportável; por fim, Mezan (2002) apresenta o papel do
humor na oferta de uma plataforma identificatória para os sujeitos.
Muitos são os efeitos e fins pelos quais o humor está presente na
vida dos sujeitos, esta é uma importante abertura desenvolvida pelo
trabalho, na qual a visão polarizada e antagônica pôde ser descartada.
No humor há uma circulação afetiva, é um signo de acolhimento,
que permite o sujeito rir de si e do outro, em um movimento que, ao
desnaturalizar o pensamento, diferentes facetas da nossa experiência de
viver possam aparecer, possibilitando revisar e suspender as certezas
absolutas. A vida, quando invertida, nos faz ver ao contrário, ao revés,
por cima e por baixo, o que pode inaugurar um novo destino, um novo
rumo. Onde apenas se esperava dor e angústia, pode brilhar o riso. O
caminho que se pode trilhar através do humor, permite ao sujeito aliviar-
se do tédio do cotidiano, ao criar um estado de graça que alivia as
desgraças.
Driblar o pânico, espantar os medos, aliviar as angústias, “olhar a
vida pelos binóculos do riso”, integrar as máscaras, gerar potência e
alegria onde poderia produzir-se dor, aceitar que a verdade é parcial,
cultivar e mimar o espírito, manter a capacidade de brincar e construir a
realidade.
No humor, há paródia de si mesmo, e com ela, se estabelecem as
distinções. A liberdade do pensamento conferida pelo humor faz com que
as idéias dêem piruetas, chacoalhem os ânimos, desatem as amarras,
escandalizem as censuras. Um novo estilo pode surgir, com a
incorporação dos paradoxos e a produção a partir deles.
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