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RELAES DE PARCERIA
ENTRE PODER PBLICO EENTES DE COOPERAO ECOLABORAO NO BRASIL
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AUTORES
ALDINO GRAEFVALRIA SALGADO
ORGANIZADOR
SAMUEL A. ANTERO
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RELAES DE PARCERIAENTRE PODER PBLICO E
ENTES DE COOPERAO ECOLABORAO NO BRASIL
Braslia 2012
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AUTORES
ALDINO GRAEF
VALRIA SALGADOORGANIZADOR
SAMUEL A. ANTERO
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Relaes de Parceria entre Poder Pblico e Entes de Cooperao e Colaborao
no Brasil / Aldino Graef, Valria Salgado (Autores), Samuel A. Antero (Org.). Fundao
Instituto para o Fortalecimento das Capacidades Institucionais IFCI / Agncia Espa-
nhola de Cooperao Internacional para o Desenvolvimento AECID / Ministrio do
Planejamento, Oramento e Gesto MPOG / Editora IABS, Braslia-DF, Brasil - 2012.
164 p. : il. color. ; 24 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-64478-05-3
1. Poder Pblico e Terceiro Setor. 2. Quantitativo das OS, OSCIP e SSA nas Unida-
des Federativas. 3. Contrato de Gesto . I. Ttulo. II. Instituto para o Fortalecimento das
Capacidades Institucionais IFCI. III. Agncia Espanhola de Cooperao Internacional
para o Desenvolvimento AECID. IV. Ministrio do Planejamento, Oramento e Ges-
to MPOG. V. Editora IABS.
CDU: 061.1
061.2
351
GOVERNO BRASILEIRO
PRESIDENTA DA REPBLICADilma Rousseff
MINISTRA DO PLANEJAMENTO,ORAMENTO E GESTOMiriam Belchior
SECRETRIA-EXECUTIVAEva Maria Cella Dal Chiavon
SECRETRIA DE GESTO PBLICAAna Lcia Amorim de Brito
DIRETORA DO DEPARTAMENTO DEINOVAO E MELHORIA DA GESTO
Valria Alpino Bigonha Salgado
GOVERNO ESPANHOL
EMBAIXADOR DA ESPANHA NO BRASILManuel de la Cmara Hermoso
COORDENADORGERAL DACOOPERAO ESPANHOLA NO BRASILJess Molina Vzquez
DIRETORA DE PROGRAMASDA AGNCIA ESPANHOLA DECOOPERAO INTERNACIONALPARA O DESENVOLVIMENTO AECIDMargarita Garca Hernndez
DIRETOR DE PROJETOS DAAGNCIA ESPANHOLA DE
COOPERAO INTERNACIONALPARA O DESENVOLVIMENTO AECIDAlejandro Muoz Muoz
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3RELAES DE PARCERIA ENTRE PODER PBLICO E ENTES DE COOPERAO E COLABORAO NO BRASIL
APRESENTAO .........................................................................................................................................................................................................................7
CAPTULO I
AS RELAES DO PODER PBLICO COM AS ENTIDADESPRIVADAS SEM FINS LUCRATIVOS NO BRASIL ..................................................................................................................................................11
1. INTRODUO ..................................................................................................................................................................................................................................11
2. TERCEIRO SETOR UM CONCEITO PROBLEMTICO ..............................................................................................................................15
3. ENTIDADES REPRESENTATIVAS DA SOCIEDADE CIVIL ..........................................................................................................................18
4. ENTIDADES RELIGIOSAS .......................................................................................................................................................................................................19
5. ORGANIZAES NO GOVERNAMENTAIS ONGs ................................................................................................................................20
6. AS FUNDAES E OS INSTITUTOS EMPRESARIAIS ...................................................................................................................................22
7. AS SOCIEDADES ESPORTIVAS E CULTURAIS ....................................................................................................................................................23
8. UMA COMBINAO DE ONGS MODERNAS COM A MODERNAFILANTROPIA E O VOLUNTARIADO ASSISTENCIALISTA .......................................................................................................................26
9. EDUCAO A CARA FILANTROPIA ......................................................................................................................................................................28
10. SADE O CAPITAL FILANTRPICO DAS SANTAS CASAS ...........................................................................................................30
11. O CASO ESPECIAL DO SISTEMA S ...........................................................................................................................................................................31
12. VALORES DA FILANTROPIA PBLICA ...................................................................................................................................................................32
13. A CONVIVNCIA DO MODERNO E DO ARCAICO ....................................................................................................................................33
14. SUBVENO, PARCERIAS E TERCEIRIZAO NAS TRANSFERNCIASPARA ENTIDADES PRIVADAS SEM FINS LUCRATIVOS .......................................................................................................................... 34
15. A APLICAO DOS PRINCPIOS DA PUBLICIDADE E DA IMPESSOALIDADE .............................................................37
16. CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................................................................................................................................40
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...........................................................................................................................................................................................44
Sumrio
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4 INOVAO NA GESTO PBLICA
CAPTULO II
LEVANTAMENTO NACIONAL DE MODELOS DE PARCERIA ENTREPODER PBLICO E ENTES DE COOPERAO E COLABORAO
As Organizaes Sociais, as Organizaes da SociedadeCivil de Interesse Pblico e os Servios Sociais Autnomos ......................................................................................................47
1. INTRODUO .................................................................................................................................................................................................................................. 47
2. DIFICULDADES ENCONTRADAS E LIMITAES DO LEVANTAMENTO .................................................................................49
3. CARACTERIZAO DAS ENTIDADES ......................................................................................................................................................................50
3.1. Servio Social Autnomo SSA .................................................................................................................................................................50
3.2. Organizao Social OS ......................................................................................................................................................................................54
3.3. Organizao da sociedade civil de Interesse Pblico OSCIP ...................................................................................56
3.4. Quadro comparativo das principais caractersticas do SSA, OS E OSCIP ........................................................58
4. RESULTADOS DA PESQUISA SOBRE OS SERVIOS SOCIAIS AUTNOMOS ....................................................................59
4.1. Leis de Servios Sociais Autnomos identificadas no pas ............................................................................................59
5. RESULTADOS DA PESQUISA SOBRE AS ORGANIZAES SOCIAIS ..........................................................................................62
5.1. Leis de Organizaes Sociais identificadas no pas ................................................................................................................62
5.1.1. Organizaes Sociais qualificadas pelo governo federal .................................................................................66
5.1.2. Organizaes Sociais qualificadas por governos estaduais e municipais .....................................66
5.2. Anlise do contedo das leis de Organizaes Sociais .....................................................................................................70
5.2.1. reas de aplicao do modelo ....................................................................................................................................................70
5.2.2. Quadros gerais comparativos dos principais requisitos do modelo OS .........................................74
5.2.3. Requisitos estatutrios previstos nas legislaes estaduais e municipais de OS ...................77
5.2.4. Requisitos relativos ao sistema de governana daentidade civil exigidos para a qualificao como OS ......................................................................................... 79
5.2.5. Anlise comparativa das competncias legais do Conselhode Administrao das OS estaduais e municipais .................................................................................................. 81
5.2.6. Anlise da natureza das disposies legaissobre a parceria entre poder pblico e OS .................................................................................................................... 83
5.2.7. Nvel de alinhamento das leis estaduais e municipaisao contedo da lei federal de OS ............................................................................................................................................. 86
5.2.8. Programa de publicizao ................................................................................................................................................................89
5.2.9. Principais especificidades das leis estaduais e municipais de OS ..........................................................90
6. RESULTADOS DA PESQUISA SOBRE AS ORGANIZAESDA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PBLICO OSCIP ......................................................................................................................96
6.1. Leis de OSCIP identificadas no pas .........................................................................................................................................................96
6.2. Anlise do contedo das leis de OSCIP ..........................................................................................................................................103
7. QUADROS-SNTESE ................................................................................................................................................................................................................111
8. CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................................................................................................................. 113
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5RELAES DE PARCERIA ENTRE PODER PBLICO E ENTES DE COOPERAO E COLABORAO NO BRASIL
8.1. Quanto ao contedo das leis ..................................................................................................................................................................... 113
8.2. Quanto percepo dos gestores e servidores pblicos sobre os modelos ........................................116
8.3. Quanto aplicao dos modelos pelo poder pblico ................................................................................................... 117
8.4.Quanto ao uso do instrumento legal para qualificar OSCIP ...................................................................................... 118
8.5. Concluso ....................................................................................................................................................................................................................... 119
CAPTULO III
ORIENTAES SOBRE A AVALIAO E A FISCALIZAO DOCONTRATO DE GESTO FIRMADO COM O PODER PBLICO ................................................................................................. 121
INTRODUO .................................................................................................................................................................................................................................... 121
1. O TTULO DE ORGANIZAO SOCIAL E A PARTICIPAO DO
PODER PBLICO NO CONSELHO DE ADMINISTRAO ..................................................................................................................122
2. O CONTRATO DE GESTO FIRMADO ENTRE AORGANIZAO SOCIAL E O PODER PBLICO ...........................................................................................................................................124
3. A FISCALIZAO DO CONTRATO DE GESTO ..........................................................................................................................................125
4. O PAPEL DA COMISSO DE ACOMPANHAMENTO E AVALIAO DO CONTRATO DE GESTO ........... 127
4.1 Concluso ......................................................................................................................................................................................................................... 128
ANEXO I
FONTES DE INFORMAES UTILIZADAS PARA A COLETADE DADOS SECUNDRIOS SOBRE OS SSA, OS E OSCIP ................................................................................................................133
ANEXO II
RELAO DAS ENTIDADES QUALIFICADASCOMO OS PELOS ESTADOS E MUNICPIOS ........................................................................................................................................................137
ANEXO III
RELAO DAS OSCIP COM AJUSTES DE PARCERIA COMOS GOVERNOS FEDERAL, ESTADUAIS E MUNICIPAIS ........................................................................................................................141
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7RELAES DE PARCERIA ENTRE PODER PBLICO E ENTES DE COOPERAO E COLABORAO NO BRASIL
APRESENTAO
A srie de publicaes intitulada Inovao na gesto pblica resulta
da exitosa cooperao tcnica entre a Secretaria de Gesto Pblica (SEGEP)
e a Agncia Espanhola de Cooperao Internacional para o Desenvolvimento
(AECID) e nasceu da necessidade de organizar e disseminar os conhecimen-
tos produzidos na SEGEP sobre a temtica de gesto pblica.
O primeiro volume trata dos vnculos de cooperao entre a administra-
o pblica e entidades civis sem fins lucrativos, apresentando texto elabora-
do a partir de pesquisa financiada pela AECID sobre a disseminao no Brasil
dos institutos do Servio Social Autnomo (SSA), da Organizao Social (OS)
e da Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIP), no mbito
dos governos federal, estadual e municipal.
A ao executiva do Estado na rea social, por meio do estabelecimento
de vnculos de cooperao entre a Administrao Pblica Direta e Indiretae entidades civis sem fins lucrativos tem sido objeto de grande interesse e
debate no pas, especialmente pela proliferao do uso dos modelos de co-
operao pblico-privada na rea social, registrada nos ltimos dez anos, no
mbito dos governos estaduais e municipais.
So vrios os temas em discusso, dentre eles a delimitao clara do es-
pao da ao privada no provimento complementar de servios sociais dire-
tamente populao; as reas e as situaes em que o Administrador Pblico
pode e deve lanar mo da ao cooperada com o Terceiro Setor em vez dedisponibilizar, diretamente, servios pblicos aos cidados; os requisitos de
qualificao e seleo das entidades parceiras; as condies essenciais dos
vnculos de cooperao que devem ser impostas pelo Poder Pblico a fim de
garantir a supremacia do interesse pblico; dentre outras.
Esta publicao pretende discutir esses e outros aspectos crticos desses
modelos, a partir da anlise de seus respectivos marcos legais e est organi-
zada como segue: o Captulo I contm uma anlise geral das relaes entre
* Diretor nacional do projeto Inovao na Gesto Pblica.
Samuel A. Antero*
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8 INOVAO NA GESTO PBLICA
o Poder Pblico e o chamado Terceiro Setor, desde as origens histricas da
atividade assistencial, e seus impactos no modelo assistencial brasileiro. O ca-
ptulo discute, tambm, o conceito de Terceiro Setor e os atuais formatos de
financiamento das entidades civis que atuam no campo da assistncia social.O Captulo II, por sua vez, contempla os resultados do diagnstico das
formas de relacionamento da Administrao Pblica com entes de coope-
rao e colaborao, segundo pesquisa realizada entre novembro de 2008
e fevereiro de 2009 no mbito da cooperao entre a extinta Secretaria de
Gesto (SEGES) e a AECID.
Sem pretender esgotar as modalidades existentes de relacionamento do
poder pblico com a sociedade, a pesquisa concentrou-se no levantamento
da legislao e do quantitativo das OS, OSCIP e SSA nas diferentes unidadesda Federao.
Com o objetivo de subsidiar a discusso sobre as formas de parceria com
entidades privadas sem fins lucrativos e seus instrumentos de pactuao, o
trabalho apresenta os principais resultados do levantamento, focalizando as
parcerias nos trs nveis de Governo, baseadas nos modelos originalmente
estabelecidos pela legislao Federal de OS e OSCIP, bem como os Servios
Sociais Autnomos existentes.
O Captulo III trata dos principais aspectos do processo de avaliao e
fiscalizao dos contratos de gesto firmados entre o Poder Executivo Federal
e as OS, com nfase no processo de prestao de contas dos resultados do
contrato.
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11RELAES DE PARCERIA ENTRE PODER PBLICO E ENTES DE COOPERAO E COLABORAO NO BRASIL
1. INTRODUO
A ajuda mtua como prtica social surgiu na Idade Mdia, dentro da
estrutura de classes estamental dos feudos, onde o atendimento s famlias
pobres constitua-se um alicerce da Igreja Catlica conduta moral de seusseguidores, mtodo Igreja-Estado generalizado na Europa e, posteriormente,
na Amrica. Durante todo o perodo colonial as ordens religiosas e, mais tarde,
as sociedades catlicas laicas (confrarias) fundaram organizaes baseadas na
filantropia e no voluntariado, como hospitais, orfanatos e asilos patrocinados
por fundos patrimoniais.
A Santa Casa de Misericrdia, criada em 1498 em Portugal, pela rainha
Leonor de Lancastre, viva do rei D. Joo II, e entregue Igreja Catlica, com
a finalidade de assistir aos desamparados, principalmente nas cidades, umexemplo de instituio criada sob a tica de misericrdia divina e caridade
para com os desvalidos da sorte que convalidou a ideologia dominante e o
status quode classes medieval. As Santas Casas perpetuaram-se e se multi-
plicaram pelo mundo, com papel de indiscutvel relevncia no trabalho de
assistncia a populaes carentes2.
Captulo I
AS RELAES DO PODER PBLICOCOM AS ENTIDADES PRIVADAS SEMFINS LUCRATIVOS NO BRASIL1
Autores: Aldino Graef & Valria Salgado
1 Texto publicado no XIV Congresso Internacional Del Clad sobre La Reforma Del Estado Y De LaAdministracin Pblica, realizado em 2009, em Salvador (BA).
2 Quem somos no stio na Internet da Santa Casa de Misericrida da Bahia.
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12 INOVAO NA GESTO PBLICA
Deve-se recordar que a Igreja era parte do Estado no sistema feudal.
A estrutura do Estado, pouco desenvolvida, concentrava-se na realeza, que
contava com poucos conselheiros e um pequeno exrcito. Nem mesmo a
tributao apoiava-se em estrutura especfica e profissional. A arrecadao detributos era encargo dos prprios senhores feudais, por delegao real.
A Igreja cumpria papel de instituio estatal nas questes no relaciona-
das aos interesses imediatos da classe dominante, isto , questes espirituais,
a rea do conhecimento, ainda muito abstrato, e a educao, especialmente a
superior, ao que se agregou o atendimento da sade fsica e mental e da assis-
tncia aos pobres, s crianas abandonadas e aos idosos. Este domnio come-
aria a se corroer com o surgimento do Iluminismo na Europa, momento em
que a Igreja tornou-se um setor distinto do Estado e da ascendente burguesia.A burguesia, nova classe dominante nos pases capitalistas da Europa,
no reconheceu o provimento de necessidades coletivas de reproduo
social como papel do Estado. Essa situao perdurou at o sculo XIX, j
em pleno capitalismo industrial, quando a Alemanha de Bismarck passou
a regular as primeiras formas de seguro social, como o seguro doena de
acidentes de trabalho, o amparo invalidez e velhice. At ento, os rele-
gados do processo produtivo capitalista s podiam dispor da caridade e da
filantropia ou das caixas mtuas que surgiram durante este perodo. Vale lem-brar que a poltica de Bismarck ocorreu aps as revoltas operrias na Europa,
em 1848 e em 1870, em especial a Comuna de Paris, e que o surgimento e
fortalecimento das organizaes sindicais e polticas da classe trabalhadora
eram ameaas que j no poderiam mais ser desconsideradas. Mas apenas
na Inglaterra do sculo XX, com Lorde Beveridge durante a Segunda Guerra
Mundial, que as polticas sociais foram definitivamente reconhecidas como
um direito e incorporadas pelo Estado, o que se estendeu aos demais pases
avanados aps a guerra.
Enquanto a prtica da ajuda mtua surgiu ante necessidade de pro-
teo coletiva das famlias camponesas das comunidades feudais diante de
situaes de catstrofes, doenas e calamidades, a estrutura oficial de assis-
tncia social nasceu como deciso do Estado.
No Brasil, como efeito da trajetria histrica estreitamente vinculada
de Portugal, as instituies religiosas tiveram papel constitutivo na sua
estrutura de assistncia social, marcada por prticas de caridade e depen-dente de iniciativas voluntrias e isoladas, em reflexo ao conservadorismo
de uma sociedade elitista no acesso s riquezas sociais. Ainda no sculo XVI,
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13RELAES DE PARCERIA ENTRE PODER PBLICO E ENTES DE COOPERAO E COLABORAO NO BRASIL
recm-descoberto o pas, foram implantadas em territrio nacional quatro
Santas Casas a de Santos (1543), a da Bahia (1549), a de So Paulo (1560)
e a do Rio de Janeiro (1582). Atualmente, as Santas Casas constituem uma
rede hospitalar em todo pas.Desde o sculo XVII, a associao da filantropia com a caridade na assis-
tncia social fundamentou-se no pensamento de que os desvalidos da sorte
no eram merecedores da ateno do Estado, apenas da benevolente ajuda
de pessoas caridosas das elites dominantes e da Igreja. Somente na dcada de
1930, sob o governo de Getlio Vargas, o Estado brasileiro passou a intervir na
assistncia social, com a criao do Conselho Nacional do Servio Social e, mais
tarde, da Legio Brasileira de Assistncia (LBA) (1942). Interessante notar que,
longe de ser criada como um direito social, a LBA tornou-se a entidade das pri-meiras damas, que cuidavam dos mais carentes, expandindo-se a assistncia
social com caractersticas paternalistas somente como ajuda aos necessitados.
Coube Constituio Federal de 1988 reconhecer a assistncia social
como um direito social, embora no tenham sido implantadas medidas que
efetivassem esse reconhecimento, em grande parte pela forte influncia
conservadora que subsiste no pas, expressa nas prticas paternalistas ado-
tadas pelos rgos governamentais e na fora das entidades filantrpicas,
que se assenta na sobrevivncia das oligarquias e na gigantesca estruturaassistencialista.
A questo que, afora nos setores de sade e educao, o Estado brasi-
leiro nunca atuou, de fato, na rea social, o que deu margem constituio da
rede de instituies assistenciais montada ao longo de cinco sculos de hist-
ria do pas, atrelada principalmente s igrejas notadamente Igreja Catlica.
A tradio e a importncia do voluntariado, especialmente de fundo religioso,
no desenvolvimento das atividades assistenciais podem ser visualizadas nos
dados apresentados pela Revista Veja3, em 2001, em artigo de autoria de An-
tonio Milena, que revela que h entidades filantrpicas com estrutura maior
que a de algumas grandes empresas. Segundo o artigo, a campeonssima
Pastoral da Criana tem um quadro de voluntrios de 150.000 pessoas e pres-
ta servios a 1,5 milho de pessoas.4 So tambm citadas outras entidades: a
Associao de Assistncia Criana Deficiente (AACD) que, com um quadro
3 O artigo, entitulado Gigantes do Bem, foi publicado em edio especial da Veja, em dezembrode 2001.
4 Conclui o autor que o total de voluntrios da Pastoral maior que o total de metalrgicos do pas.
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14 INOVAO NA GESTO PBLICA
menor de voluntrios, arrecada mais de 40 milhes de reais por ano; e o Gru-
po de Apoio ao Adolescente e s Crianas com Cncer (Graacc) que, segundo
o artigo, movimenta 12 milhes de reais por ano, muito mais que a seo
brasileira da Mdicos Sem Fronteiras.Ao final, o artigo apresenta quadro das movimentaes financeiras anu-
ais das principais entidades civis que atuam na rea social no pas, algumas
delas h mais de 40 anos, como as APAES (46 anos), a AACD (51 anos), a Viso
Mundial (26 anos), o Fundo Cristo para Crianas (35 anos), as Aldeias Infantis
SOS (34 anos), o Grupo de Apoio ao Adolescente e Criana com Cncer (34
anos), alm da Critas Brasileira (45 anos) que, juntas, so responsveis por
uma movimentao superior a 344,5 milhes por ano.5
Relativamente s realizaes estatais no campo da assistncia social,destaca-se a estruturao do sistema previdencirio brasileiro, importante
conquista da sociedade, ainda que sua constituio tenha se dado sob a
tica de um seguro com proteo mnima essencialmente dos trabalhado-
res do setor formal da economia e que a previdncia seja alvo de perma-
nentes ataques e figure, frequentemente, como varivel de ajuste fiscal nos
programas de governo. O instituto do seguro-desemprego tambm uma
conquista da Constituio de 1988, para cujo custeio foi criado o Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT), com recursos advindo da Contribuio Sobreo Lucro Lquido (CSLL) das empresas e dos Programas de Integrao Social
(PIS/PASEP) e gerido por um Conselho de composio tripartite (governo,
trabalhadores e empresrios).
A Constituio de 1988, portanto, assentou as bases para uma nova viso
e uma nova etapa da histria da assistncia social no pas. Em 1993 foi aprovada
5 O artigo da Revista Veja informa que as APAES, com 46 anos de existncia so responsveis pormovimentao de 200 milhes de reais/ano. A AACD, com 51 anos tem movimentao anual deaproximadamente 43 milhes de reais. A movimentao anual da Viso Mundial, com 26 anos, de 26 milhes de reais. O Fundo Cristo para Crianas, com 35 anos, tem movimentao de 26 mi-lhes de reais por ano. As Aldeias Infantis SOS tm 34 anos de existncia e um movimento de 15,5milhes de reais/ano. O Grupo de Apoio ao Adolescente e Criana com Cncer, com 7 anos, temmovimento anual de 12 milhes de reais. Segundo o documento Quem Somos disponvel no s-tio eletrnico da Critas Brasileira, a entidade, com 45 anos de existncia, tem uma movimentaode 7 milhes de reais. A Critas Brasileira foi fundada em 1956, pela CNBB, ento sob a direo deDom Hlder Cmara e teve como um de seus objetivos originais a coordenao da distribuiodos alimentos do Programa de Alimentos doados pelo governo norte-americano. Somente em
1966, entretanto, a Critas desligou-se do Secretariado da CNBB constituindo-se como entidadeautnoma. Esta entidade teve seu papel reduzido ao longo do tempo, especialmente com o fimdo Programa de Alimentos e passou a redirecionar suas atividades para a construo da cidadaniaem articulao com as demais pastorais e com os movimentos populares.
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15RELAES DE PARCERIA ENTRE PODER PBLICO E ENTES DE COOPERAO E COLABORAO NO BRASIL
a Lei Orgnica da Assistncia Social, que deu incio ao processo de constru-
o de uma assistncia social pblica descentralizada e participativa. Os pro-
gramas de renda mnima, institudos inicialmente na forma de bolsa-escola,
destinada s famlias pobres com o objetivo de permanncia de seus filhos naescola, foram, posteriormente, repaginados sob a forma do Programa Bolsa
Famlia, que aglutinou diversos programas esparsos de renda mnima para
setores especficos da populao, representando um salto de qualidade na
rea de assistncia social no Brasil, refletido na melhoria das condies de
vida e no prprio desenvolvimento do mercado interno. Trata-se de proteo
mnima que o Estado concede aos excludos do sistema capitalista no Brasil,
onde menos de 35% da populao economicamente ativa est includa no
mercado formal de trabalho.Alm dos Benefcios de Prestao Continuada a idosos e pessoas porta-
doras de deficincias, que j estavam previstos na Lei Orgnica da Assistncia
Social, o governo federal reforou a ao estatal de proteo famlia, criana
e ao adolescente e de combate violncia contra crianas e adolescentes. Do
ponto de vista da organizao dos servios pblicos, a Conferncia Nacional
de Assistncia Social, realizada em dezembro de 2003, decidiu implantar do
Sistema nico de Assistncia Social (SUAS) abrangendo as aes coordenadas
dos trs nveis de governo e as parcerias com as entidades privadas sem finslucrativos, o que significou um importante passo na consolidao do sistema
pblico de assistncia social no Brasil.
2. TERCEIRO SETOR UM CONCEITO PROBLEMTICO
Terceiro setor um termo de difcil conceituao. Na definio corrente,
o termo est relacionado ao conjunto de entidades sem fins lucrativos queno integram a estrutura do estado (primeiro setor) e do mercado (segundo
setor), constitudas como pessoas jurdicas de direito privado, sob o substrato
de associaes, fundaes, instituies religiosas ou partidos polticos.6
Sob esse ngulo, o significado de terceiro setor conforma-se a partir
de definies negativas, ou seja, da ausncia de atributos, o que no garan-
te clareza e objetividade definio. De fato, no ordenamento jurdico na-
cional, o universo de entidades civis sem fins lucrativos rene organizaes
6 Conforme art. 44 do Cdigo Civil, regido pela Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
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16 INOVAO NA GESTO PBLICA
constitudas como associaes ou fundaes privadas, com naturezas e fina-
lidades completamente distintas, sem qualquer relao entre si7, tais como:
a. as igrejas de todas as variantes filosficas;
b. os partidos polticos;
c. os sindicatos e outras associaes de classe;
d. as cooperativas sem fins lucrativos;
e. os Servios Sociais Autnomos;
f. os grmios e diretrios estudantis;
g. as sociedades cientficas;
h. os clubes sociais e desportivos;
i. as sociedades beneficentes;
j. as congregaes e ordens religiosas, includas a CNBB e as pastorais;
k. as associaes de bairros ou de moradores;
7 Segundo estudo realizado em conjunto pelo IBGE, IPEA, Associao Brasileira de ONG (Abong)e Grupo de Institutos fundaes e Empresas (GIFE), com base no Cadastro Central de Empresasdo IBGE (Cempre), em 2005 existiam no Brasil um total de 500 mil entidades privadas semfins lucrativos. Subtradas desse universo as entidades que, embora sendo sem fins lucrativos,suas finalidades estatutrias no esto relacionadas com o critrio da organizao voluntria,como o caso do Sistema S, dos conselhos profissionais, dos sindicatos e dos partidos polticos,chega-se a um total aproximado de 338,2 mil associaes e fundaes sem fins lucrativos decarter voluntrio existentes no pas. Dados de estudo realizado em 2002 apontaram para aexistncia de 275,9 mil entidades privadas sem fins lucrativos, naquela data. A considerar esseuniverso, teve-se, em trs anos, um crescimento de 22,6% no quantitativo dessas entidades. Oestudo de 2002 j havia detectado um crescimento de 157% em relao a 1995, passando onmero de entidades de 107 mil para 276 mil. Segundo esses estudos, apenas 105 mil entida-des teriam sido criadas antes de 1990, o que revela que, a partir da dcada de 1990, houve umboomde crecimento do Terceiro Setor, com a criao de mais de 233 mil entidades privadassem fins lucrativos de carter voluntrio.
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17RELAES DE PARCERIA ENTRE PODER PBLICO E ENTES DE COOPERAO E COLABORAO NO BRASIL
l. as torcidas organizadas de clubes de futebol;
m. as escolas de samba e outras formas de organizaes socioculturais;
n. as sociedades filosficas;
o. os clubes de nudismo ou naturismo;
p. os movimentos sociais de defesa de direitos de grupos ou setores
especficos da sociedade, como os direitos da mulher e os direitos de
grupos sociais minoritrios ou marginalizados;
q. os movimentos sociais em defesa do meio ambiente, em suas muitas
vertentes;
r. as fundaes de todas as reas de atividades; e
s. os diversos tipos de associaes, como as de pais e mestres nas esco-las; as de adeptos da Ufologia; dentre outros.
V-se que essa definio, baseada na ausncia de atributos, insatisfa-
tria e problemtica, uma vez que no proporciona parmetros claros e ob-
jetivos para a sua delimitao. tambm o caso do termo organizaes no
governamentais (ONGs), que denomina as entidades criadas pelo particular
que desenvolvem atividades de utilidade pblica. H tericos que definem
essas instituies como QUANGOS, sigla em ingls que significa Organiza-
es Quase No Governamentais.
A questo que o atual conceito de terceiro setor congrega um uni-
verso de entidades que pouco ou nada tm em comum entre si, alm do
fato de no serem entidades voltadas para o mercado (empresas) ou inte-
grantes da estrutura do Estado, especialmente quanto natureza de seus
instituidores e s suas finalidades institucionais. O que pode haver de simi-
lar, por exemplo, entre um clube social de classe mdia ou alta, um clube
de uflogos, igrejas e ONGs? bem verdade que sendo essas entidades
oriundas da livre iniciativa esto todas aptas a prestar servios comunida-de. No entanto, h uma diferena substancial entre desenvolver atividades
de diversas naturezas direcionadas comunidade e ter como finalidade
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18 INOVAO NA GESTO PBLICA
estatutria atuar de forma complementar ao estado na oferta de servios
sociais aos cidados.8
O desafio de identificar e mapear a participao do terceiro setor na
prestao de servios sociais no pas, especialmente quando o objetivo for ode traar uma poltica pblica que privilegie a cooperao e a integrao das
aes de governo e da sociedade, exige uma preliminar classificao das en-
tidades que o compe, com base nas finalidades e objetivos institucionais de
cada uma, na perspectiva de distinguir e agrupar aquelas com efetiva atuao
assistencial complementar ao setor pblico, diferenciado-as das entidades de
interesse pblico em geral e das entidades que atendem a interesses parti-
culares. De igual forma, importante diferenciar as entidades tradicionais do
voluntariado religioso e da filantropia das chamadas ONGs.
3. ENTIDADES REPRESENTATIVAS DA SOCIEDADE CIVIL9
A separao conceitual entre sociedade civil e Estado representou um
grande avano para a cincia poltica moderna: assentou as bases para a com-
preenso cientfica dos processos de mudanas polticas que ocorrem na so-
ciedade e para o entendimento de que o Estado uma instituio construdapela sociedade, por meio de um processo complexo de lutas sociais e polticas.
Contudo, preciso considerar que essa segregao conceitual no preva-
lece na realidade objetiva. Organizaes da Sociedade Civil, independentes do
Estado, configuram superestruturas polticas, representativas dos diversos gru-
pos econmicos e sociais existentes na estrutura da sociedade capitalista, que
interagem com as instituies estatais e as modifica continuamente.
Partidos polticos, por exemplo, so organizaes da sociedade civil
que refletem em seus programas os interesses econmicos e as concepes
8 Os sindicatos patronais, por exemplo receberam a delegao do governo para a prestao de ser-vios pblicos na rea de aprendizagem profissional, de lazer dos seus empregados e, mesmo, deassistncia sade. Contudo, para tal prestao de servios criaram entidades especficas, igual-mente privadas e sem fins lucrativos, como as entidades do Sistema S. Tambm os sindicatos deempregados envolveram-se no assistencialismo, estimulados pela poltica governamental que vi-sava a um sindicalismo dependente do Estado. At mesmo escolas de samba e clubes de futebol,entidades do segmento da indstria de emoes, s vezes desenvolvem atividades assistenciaisem algumas reas em suas respectivas comunidades, tal a ausncia de servios pblicos.
9 Na busca de uma definio positiva para o conjunto de entidades representativas da sociedadecivil, alguns tericos tentaram uma aproximao com o conceito de organizaes da sociedadecivil organizada.
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19RELAES DE PARCERIA ENTRE PODER PBLICO E ENTES DE COOPERAO E COLABORAO NO BRASIL
poltico-ideolgicas de distintos grupos sociais. Ainda que sejam indepen-
dentes do Estado e autnomas, essas entidades mantm estreita interao
com o Estado, com influncia direta no pensamento e aes do governo.
No se pode esquecer que o principal objetivo do partido poltico a con-quista e o exerccio do poder de Estado e que, assim, o governo reflete a ide-
ologia do partido ou da coalizao de partidos dominante, renovada pela
alternncia democrtica de poder entre situao e oposio.
De igual forma, sindicatos patronais e de empregados, na qualidade de
entidades da sociedade civil sem fins lucrativos de representao coletiva,
atuam, fundamentalmente, na defesa e negociao dos interesses do grupo
que representam. Negociam entre si, com o empresariado e suas organiza-
es representativas e mesmo com o governo, notadamente nos dissdiosdos contratos coletivos de trabalho. Interessante analisar a natureza dessas
relaes a Confederao Nacional da Indstria (CNI), por exemplo, uma
entidade da sociedade civil que representa o setor empresarial da rea in-
dustrial, cujos interesses so de mercado. Tem-se, nesse caso, uma entidade
do terceiro setor que defende os interesses de entidades do segundo setor,
negocia com outros entes do terceiro setor, como a Central Sindical de Traba-
lhadores, e impacta diretamente no nvel de lucratividade das empresas.
Embora partidos polticos, sindicatos, ONGs e muitas outras entidades pri-vadas sem fins lucrativos sejam expresses da organizao da sociedade civil,
preciso distinguir as diferentes funes desempenhadas na sociedade, ainda
que a separao dentre elas jamais possa ser absoluta. O conceito marxista de
superestrutura , nesse caso, o que mais se aplica, porque possibilita um enten-
dimento adequado das relaes entre essas instituies e a estrutura social da
sociedade capitalista.
Desde logo, pode-se dizer que partidos polticos, sindicatos e movimen-
tos sociais constituem um segmento diferenciado, de representao social e
poltica da sociedade civil, sendo que os partidos polticos e os sindicatos so,
inclusive, regidos por legislao especfica.
4. ENTIDADES RELIGIOSAS
Outro segmento especfico do terceiro setor o de entidades religiosas decunho filosfico, com seus templos, igrejas e cultos. A Constituio estabelece
a liberdade de credo, posicionando-se ao mesmo tempo pelo Estado laico e,
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20 INOVAO NA GESTO PBLICA
consequentemente, pela separao da Igreja e do Estado. Entretanto, bastan-
te comum a interveno poltica das igrejas, inclusive com posicionamentos
frente s polticas governamentais com defesa pblica de posies sobre te-
mas variados, como os relacionados com a utilizao de clulas-tronco para apesquisa cientfica, a preveno gravidez indesejada, o aborto, a eutansia,
os contratos matrimoniais e o divrcio, o matrimnio entre homossexuais, as
concepes em relao famlia e outras, na maioria das vezes com opinies
conservadoras, em contraposio a outras mais liberais e progressistas.
O ativismo poltico das Igrejas, de forma direta ou por meio de entidades
associativas ou a elas vinculadas, como a Associao dos Bispos, evidencia
que, ainda hoje, a separao entre Estado e Igreja continua bastante dbia.
As igrejas mantm uma presena marcante na prestao de servios deutilidade pblica em diversas reas sociais, especialmente ante a fragilidade
da ao do Estado na prestao de servios pblicos nas reas de educao,
sade e assistncia social.10
5.ORGANIZAES NO GOVERNAMENTAIS ONGS
So comuns as confuses conceituais em torno do termo OrganizaoNo Governamental, muito utilizado para identificar o universo de entidades
que compem o terceiro setor, sendo que, na verdade, corresponde apenas a
um dos segmentos desse.
A definio de organizaes no governamentais surgiu aps a Segunda
Guerra Mundial, para denominar o conjunto de agentes sem fins lucrativos
que atuavam no Sistema Internacional de Cooperao ao Desenvolvimento,
10 Esses servios so prestados por diversas congregaes religiosas, mediante constituio de enti-dades sem fins lucrativos que atuam na sade (como as Santas Casas de Misericrdia), na educaoe tambm na assistncia social, como visto anteriormente. Os servios prestados pelas Ordens eCongregaes religiosas podem ser pagas (como ocorre muito na rea de educao para as classesmdias) ou gratuitas, baseadas no voluntariado, especialmente na assistncia social.De um modo geral, a prestao de servios realizada por entidades criadas para finalidadesespecficas e, portanto, independentes das Igrejas do ponto de vista jurdico-formal. Apesardisso, em quase todas as entidades criadas para fins especficos pelas Ordens ou Congregaesreligiosas, o fundo ideolgico de cunho religioso est presente na definio de suas finalidades.A separao formal das entidades prestadoras de servios das Igrejas propriamente ditas , en-
tretanto, aspecto fundamental para o estabelecimento das parcerias pblico-privadas na reasocial com o intuito de atender separao da Igreja do Estado, princpio fundamental de nossaConstituio. Alm disso, entretanto, necessrio que as parcerias sejam realizadas tendo comoreferncia a laicicidade da ao pblica.
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21RELAES DE PARCERIA ENTRE PODER PBLICO E ENTES DE COOPERAO E COLABORAO NO BRASIL
institudo pelas Naes Unidas, com nfase no desenvolvimento do chamado
Terceiro Mundo. Na dcada de 1980, acentuou-se o vnculo entre o conceito
de ONG com o de agente articulador entre os programas de desenvolvimen-
to e as polticas sociais.11
H, ainda, outro segmento de ONGs, cujas origens esto relacionadas aos
movimentos sociais que buscavam solues para os problemas advindos da
nova ordem socio-econmica capitalista, e que floresceram na Europa e nos
EUA a partir da dcada de 1960. Faziam parte desse segmento as organiza-
es das demandas especficas de setores no includos nas pautas sindicais
e polticas tradicionais, especialmente das grandes organizaes operrias.
Alguns exemplos so o movimento feminista, os movimentos pacifistas, de
defesa dos direitos civis no EUA e de defesa do meio ambiente que naquelapoca concentrava-se na luta contra o uso da energia nuclear12. Essas entida-
des eram vistas com bastante desconfiana, pois rompiam com a ideia de que
a organizao da classe operria representava a perfeio de coletivo poltico
em prol da igualdade socioeconmica.
Para Cristina Buarque e Semira Adler (2001)13: o grande divisor de guas
entre as ONGs e aquelas das entidades filantrpicas privadas/programas assis-
tencialistas do Estado encontra-se na base ideolgica das Organizaes No
Governamentais: a alimentao da perspectiva de empoderamento crescentedos setores marginalizados e uma atuao no cotidiano mais imediato, para
transformar as condies de sobrevivncia e as relaes de poder no espao da
prpria comunidade.
Tambm no Brasil, a partir do processo de redemocratizao, intensificou-
-se a criao de ONGs vinculadas luta pelos direitos civis e a democratizao da
sociedade. Cristina Buarque e Semira Adler Vaisencher (2001) afirmam que:
11 As ONGs no Brasil e a Questo de Gnero. Cristina Buarque & Semira Adler Viasenbacher. Trabalhospara Discusso. FUNDAJ. 2001.
12 O desenvolvimento econmico impulsionou em grande escala a insero das mulheres no merca-do de trabalho e, consequentemente, uma profunda alterao na relao entre os gneros no m-bito familiar e das relaes de trabalho. O movimento feminista expresso da luta pela igualdadedos direitos da mulher no trabalho e na sociedade. O uso intensivo da energia nuclear na matrizenergtica mundial, aps a Segunda Guerra, paralelamente ao surgimento de novos movimentossociais na dcada de 1960, estimulou o surgimento de organizaes ambientalistas que alertavampara os riscos desta forma de energia e que foram as primeiras manifestaes dos movimentos em
defesa do meio ambiente que se estendeu para vrios campos ao longo do tempo.
13 Texto publicado em novembro de 2001 ONGs no Brasil e a Questo de Gnero, em Trabalhos paraDiscusso n 123/2001, Fundao Joaquim Nabuco.
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22 INOVAO NA GESTO PBLICA
a ruptura do modelo concentrador de poderes, na transio para o re-
gime poltico democrtico, que essas organizaes propugnam, ao abar-
carem a ideia de trabalhar para o reconhecimento dos direitos humanos
e cidados, daqueles segmentos excludos da populao, seja por sualocalizao na estrutura de classes ou na pirmide etria, por sua condi-
o de gnero, etnia ou raa, ou, ainda, por sua opo sexual ou religiosa.
Dessa forma, a sua presena na luta pela abertura de espaos diferencia-
dos de Direito, na Carta Magna, durante o Processo Constituinte de 1986,
vai contribuir para que a democracia poltica, mais tarde, possa distinguir
os deveres do Estado com maior clareza, quanto ampliar os referenciais
para legitimao das intervenes e demandas de vrios segmentos da
populao, qualificadas anteriormente como sendo apenas representati-vas de interesses especficos. Mais adiante as autoras acrescem que no
obstante todas as limitaes que possam ser identificadas, o que se deseja
evidenciar neste artigo o fato de as ONGs terem inaugurado uma forma
diferenciada de convivncia com as questes sociais, atravs da vinculao
do fazer poltico prestao de servios comunidade. (grifo nosso).
Embora diferentes dos partidos polticos, sindicatos e demais organiza-
es da sociedade civil, as ONGs interagem com essas entidades e a elas sealiam, por vezes, na luta poltica, havendo casos em que determinados partidos
polticos prestam incentivos a algumas ONGs, como estratgia para ampliar sua
atuao entre setores sociais especficos, o que as torna verdadeiras entidades
satlites desses partidos. Com os sindicatos ocorre o mesmo. Nestas situaes, a
independncia deste tipo de organizao meramente formal.
6. AS FUNDAES E OS INSTITUTOS EMPRESARIAIS
As fundaes institudas com base nos arts. 62 a 69 do Cdigo Civil so
expresses jurdicas de um patrimnio destinado consecuo de finalidade
religiosa, moral, cultural ou assistencial. Embora tambm possa ser institudas
por pessoas fsicas, esse modelo jurdico comumente utilizado pelas empre-
sas privadas para investir na rea social, especialmente no financiamento e na
promoo da pesquisa cientfica e tecnolgica, na promoo do desenvolvi-mento cultural e proteo do patrimnio cultural e no desenvolvimento so-
cial. Nesse aspecto, as fundaes tm tido um importante papel na sociedade
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23RELAES DE PARCERIA ENTRE PODER PBLICO E ENTES DE COOPERAO E COLABORAO NO BRASIL
capitalista. Elas so geridas profissionalmente de forma a preservar e otimizar o
seu patrimnio original e, a despeito da independncia jurdica em relao ao
seu instituidor, normalmente mantm vnculo com as empresas que as insti-
turam, beneficiando-se dos resultados obtidos, com relaes de dependnciafinanceira do capital privado. Podem ser citadas como esse tipo de fundao
as institudas pelos bancos Bradesco, Ita, HSBC e Unibanco e pelas empresas
Natura, Nestl, Boticrio, Xerox, Sadia, Philips do Brasil, TV Globo, Po de Acar,
Gerdau, Vale, Votorantim, CSN, Ford, Wolksvagen, Telefnica, a Fundao Abrind,
da indstria de brinquedos, dentre outras. H algumas que so internacionais
como a Fundao Rockfeller e a Fundao Kellog, cuja atuao no Brasil muitas
vezes se d por meio do financiamento a outras ONGs brasileiras.
Em 1995, foi criado o Grupo de Institutos, Fundaes e Empresas (GIFE),composto originalmente por 26 entidades de origem empresarial que tinham
investimento social voluntrio e sistemtico em atividades voltadas para o inte-
resse pblico. Atualmente, o GIFE aglutina 112 organizaes com esta natureza.
7. AS SOCIEDADES ESPORTIVAS E CULTURAIS
Na miscelnea de entidades que compem o Terceiro Setor h, ainda, fi-guras interessantes como as escolas de samba e os clubes de futebol, nas quais
existe uma extraordinria simbiose entre a organizao comunitria e a ativida-
de econmica.
No Brasil, os clubes de futebol ou de outros esportes, como tambm os clu-
bes sociais, so entidades associativas, constitudas por membros das comunida-
des locais. A maioria dos grandes clubes de futebol brasileiros foram institudos na
primeira fase do sculo XX, como expresses do processo de desenvolvimento e
Organizao Social ocorridos na industrializao e na urbanizao do nosso pas.14
14 No por casualidade o primeiro clube de futebol surgiu, no pas, na cidade porturia de Rio Grande,no Rio Grande do Sul. Os portos tinham na poca uma importncia estratgica. A cidade porturia deSantos, em So Paulo criou o Santos Futebol Clube. Outros clubes surgiram vinculados a determina-das indstrias, em especial indstria txtil, e a comunidade que se constituiu em sua volta. O Banguno Rio de Janeiro e o Renner de Porto Alegre (este j extinto) so clubes que refletem estas caracte-rsticas. H, tambm, os clubes das comunidades de imigrantes, como os da colnia portuguesa, queformaram, dentre outros, o Vasco da Gama no Rio de Janeiro e as Portuguesas de Desportos de SoPaulo, Santos e Rio de Janeiro, dentre outros. Citam-se, ainda, os clubes da colnia italiana, com os
seus Palestra Itlia, hoje denominados Palmeiras, em So Paulo, e Cruzeiro, em Belo horizonte. J ostricolores foram, em geral, clubes sociais da elite da poca. Nestes se incluem o Fluminense (p dearroz), o Grmio de Porto Alegre, o Bahia e o So Paulo Futebol Clube. O Internacional de Porto Alegrefoi, na origem, uma criao de anarquistas.
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24 INOVAO NA GESTO PBLICA
Curioso registrar que, apesar das recentes tentativas de expropriao do
patrimnio desses clubes, na perspectiva de sua transformao em empresas
dominadas por investidores privados, as comunidades ainda os consideram
como suas entidades. O futebol profissional, por exemplo, movimenta volu-mes impressionantes de recursos financeiros, oriundos do patrocnio cruzado
das empresas de comunicao e dos prprios clubes, de empresas vincula-
das indstria de bebidas, do setor automobilstico e outros, com impacto
direto na atividade econmica de setores como o do turismo, da indstria
de materiais esportivos e dos servios de comunicao de massas. Eventos
como a copa do mundo, as olimpadas e as finais de competies nacionais e
regionais movimentam de tal modo a cadeia do setor turstico que os pases
disputam avidamente oportunidades de sedi-los, com investimentos vulto-sos em infraestrutura desportiva, transportes urbanos e segurana coletiva.
Esses clubes desenvolveram-se ao longo do tempo com contribuies
tanto dos seus associados e doaes de setores empresariais vinculados s co-
munidades como de outras fontes, inclusive de setores vinculados a contraven-
es. Ao longo das dcadas, com o advento dos meios de comunicao em
massas, os clubes passaram a cultivar adeptos e formar torcedores cujo nmero
ultrapassa sua estrutura associativa. Existem torcidas organizadas que atual-
mente se constituem como associaes independentes do clube que apiam.Com a instituio do novo Cdigo Civil (2002) e a democratizao da
vida associativa, as eleies dos rgos dirigentes dos clubes passaram a ser
realizadas mediante grandes eventos dentro das respectivas comunidades.
Muitos parlamentares eleitos, nos trs nveis de governo, tm origem em clu-
bes de futebol, tamanha a influncia que exercem.
medida que o futebol foi se tornando uma atividade de massas,
surgiram grandes estdios15, infraestrutura desportiva que constitui patrim-
nio social de propriedade do Estado ou dos clubes. Embora permaneam
como organizao de natureza essencialmente comunitria, os clubes de fu-
tebol so atualmente instituies altamente profissionalizadas, cuja influncia
transcende, em muito, a comunidade a eles diretamente associada.
Mas as atuais conquistas do futebol brasileiro e tudo o que ele represen-
ta atualmente no seria possvel sem a forte interao que foi estabelecida
15 Grandes clubes construram seus prprios estdios como o Vasco da Gama, o Palmeiras, o So Paulo,o Grmio, o Internacional e outros. Mas tambm o Poder Pblico investiu na infraestrutura desportivae construiu o Maracan, o Mineiro, o Pacaembu e tantos outros estdios Brasil afora.
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25RELAES DE PARCERIA ENTRE PODER PBLICO E ENTES DE COOPERAO E COLABORAO NO BRASIL
com o setor empresarial e o intenso apoio recebido do Poder Pblico. O fute-
bol hoje um grande negcio que movimenta recursos financeiros que vo
muito alm dos objetivos e da capacidade de gesto do modelo associativo
de entidades civis sem fins lucrativos e, inclusive, gera lucros para muitas em-presas cujo negcio pouco ou nada tem a ver com o futebol.16
Esse esquema de cooperao, que entrelaa as atividades do clube so-
cial ou esportivo com as de empresas exploradoras de atividade econmica
e as desenvolvidas pelo Poder Pblico, viabiliza a implementao de projetos
comuns que geram desenvolvimento social e urbano, lucro para as empresas
privadas, alm de aumentar o patrimnio do clube, o qual continua como
uma associao civil de carter comunitrio.
O caso dos clubes de futebol exemplo claro e contundente de que noexiste um terceiro setor totalmente independente da atividade empresarial.
Ele a estimula e por ela estimulado. Tampouco existe terceiro setor total-
mente independente do Poder Pblico, que o subsidia e dele recebe contri-
buies, no apenas sob a forma de desenvolvimento de atividades sociais
e esportivas, mas tambm de desenvolvimento urbano, com influncia na
atividade econmica da construo civil, do comrcio e do turismo.
O mesmo ocorre em relao s entidades socioculturais como as escolas
de samba, as entidades do frevo em Pernambuco, do Bumba-Meu-Boi no Nortedo pas e tantas outras. Tais entidades so genunas organizaes comunitrias.
As escolas de samba do Rio de Janeiro, expresso original da organizao
das comunidades dos bairros pobres e favelas da cidade, tm um papel que vai
muito alm do samba e do carnaval. Assim como os clubes de futebol, elas so
estruturadas sob a forma de associaes civis sem fins lucrativos e interagem
com o setor privado e o Poder Pblico. Recebem subsdios do Poder Pblico e
16 Determinados empreendimentos, como os da construo de novas arenas esportivas, como osprojetos em andamento do Palmeiras e do Grmio Porto-Alegrense, envolveram investimentos decentenas de milhes de reais, realizados em parceria com empresas, alm de contar com financia-mento pblico. A nova infraestrutura do Grmio no bairro de Humait, zona Norte de Porto Alegre, um empreendimento de 400 milhes de reais. Envolve uma arena (estdio) multiuso e cerca dedezoito prdios. A maior parte dos recursos previstos viro da empresa OAS. A empresa receber,alm do atual estdio Olmpico do Grmio, o qual ser implodido para dar lugar a um grandeprojeto imobilirio da referida empresa, uma concesso de explorao de atividades econmicasem torno da Arena por cerca de 20 anos. O Grmio, pelas informaes disponveis, no colocarrecursos financeiros prprios no projeto, apenas o terreno que atualmente abriga o estdio Olm-
pico. Este projeto envolveu amplas negociaes entre o clube e setores empresariais, alm doPoder Pblico, tendo recebido aprovao da Prefeitura Municipal e apoio do governo do Estado.Por outro lado, o projeto gerar um importante desenvolvimento para esta regio norte de PortoAlegre, que receber necessariamente importantes obras pblicas de infraestrutura urbana.
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patrocnio de empresas e viabilizam uma das maiores festas culturais do planeta
que o carnaval brasileiro. Os recursos que ele movimenta so aplicados no
desenvolvimento econmico e social das comunidades e contribuem para a
atividade econmica que envolve toda a cadeia de valor do turismo que, porsua vez, gera recursos na forma de impostos para o Poder Pblico.
um ciclo virtuoso de interao entre sociedade civil, setor empresarial e
Poder Pblico, no qual as entidades privadas sem fins lucrativos se diferenciam
quanto a objetivos e finalidades, por vezes extremamente profissionalizados,
e, em muitos casos, no tm a independncia que se lhes atribui, apresentan-
do-se como dependentes do capital privado ou do financiamento do Estado.
8.UMA COMBINAO DE ONGS MODERNAS COMA MODERNA FILANTROPIA E O VOLUNTARIADOASSISTENCIALISTA
Cristina Buarque & Semira Adler Vainsencher (2001)17 afirmam que:
as ONGs vinculadas diretamente s demandas populares inauguram, no
mbito da sociedade civil organizada, um fazer interativo tcnico-polti-
co, como um instrumento de combate excluso social e ao elitismo
poltico, instituindo a prpria esfera pblica, como espao mais amplo
do que o de atuao dos governos.
Em funo do aumento do nmero de ONGs e da ampliao das formas
de atuao do terceiro setor, especialmente aps o fim do regime militar e
do advento da Nova Repblica, muito tem sido escrito a esse respeito. Na
dcada de 1990, observou-se um particular florescimento dessas entidades,
estimulado pela democratizao do pas e, tambm, pela reforma administra-
tiva empreendida pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Desse perodo deve-se mencionar em particular a promulgao das Leis n
9.637, de 1998 e n 9.790, de 1999, que autorizaram a qualificao entidades
privadas sem fins lucrativos como Organizaes Sociais (OS) e Organizaes
da Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIP), respectivamente, com fins de
17 Texto publicado em novembro de 2001 ONGs no Brasil e a Questo de Gnero, em Trabalhos paraDiscusso n 123/2001, fundao Joaquim Nabuco.
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27RELAES DE PARCERIA ENTRE PODER PBLICO E ENTES DE COOPERAO E COLABORAO NO BRASIL
parceria e fomento do Estado no desenvolvimento de atividades de interesse
social e utilidade pblica. Os dois modelos introduziram novos paradigmas
no relacionamento Estado-sociedade ao adotar instrumentos de contratu-
alizao de resultados para viabilizar a parceria, em substituio ao modelotradicional de convnio.
Devido s dificuldades enfrentadas pelas organizaes estatais cujo
funcionamento est engessado na Constituio de 1988 e s propostas de
reforma administrativa que enxugavam a mquina pblica, aparece um novo
debate sobre o papel do Estado.
Nesse contexto, so criadas as leis de OS e OSCIP, novas entidades da
sociedade civil que ajudaram a fomentar a discusso da relao entre Estado
e entidades privadas sem fins lucrativos. bem verdade que coexistem no territrio nacional os novos formatos
de parceria Estado-sociedade, as estruturas tradicionais do voluntariado reli-
gioso e de caridade, sobretudo na assistncia social, o assistencialismo base-
ado na filantropia privada de setores das elites tradicionais, e os movimentos
sociais prprios da sociedade industrial avanada, por meios das ONGs.
Tambm verdade que, h bastante tempo, as chamadas entidades fi-
lantrpicas pouco mantm da filantropia original privada ou da caridade re-
ligiosa. Subsistem com subsdios estatais, que envolvem a iseno tributriae previdenciria e as dedues, nos impostos, das despesas realizadas pelos
contribuintes, com servios de sade e educao e contribuies a entidades
de assistncia. Essa estrutura de incentivos fiscais destinada s entidades civis
que atuam nas reas de sade, educao e assistncia social configuram uma
poltica de incentivo sade e ao ensino pago e s transferncias diretas de
recursos pblicos.
A Constituio Federal de 1988 dispe sobre a iseno da contribuio
previdenciria para as entidades beneficentes de assistncia social18 e veda
a instituio de impostos sobre patrimnio, renda e servios de partidos po-
lticos, inclusive suas fundaes, das entidades sindicais dos trabalhadores,
das instituies de educao e de assistncia social, sem fins lucrativos,
atendidos os requisitos da lei.19
Por seu turno, o Decreto n 752 de 1993, que regulamentou a Lei n 8.212,
que trata das contribuies para a previdncia social, instituiu o Certificado
18 Conforme 7 do art. 195.
19 Determinao constante da alnea c do inciso VI, do art. 150.
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28 INOVAO NA GESTO PBLICA
de Entidades de Fins Filantrpicos e ratificou as isenes para as instituies
beneficentes de assistncia social, educao e sade que aplicassem um per-
centual mnimo de 20% da sua renda bruta no atendimento gratuito. O mes-
mo decreto ampliou a dispensa dessa exigncia s entidades que ofereamao Sistema nico de Sade (SUS) 60% de sua capacidade de atendimento.
So muitas as entidades que atuam na prestao de servios social-
mente relevantes, com a participao ativa de um exrcito de voluntrios
dispostos a ajudar pessoas e comunidades carentes e suprir deficincias na
atuao do Estado de acordo com o que demonstra o artigo Gigantes do
Bem, anteriormente citado. Mas preciso considerar que h no universo das
entidades do terceiro setor, aquelas de finalidade no lucrativa questionvel
em funo da sua capacidade de gerao de novas receitas e de movimenta-o financeira, como o caso das entidades do setor desportivo e cultural e
de algumas que atuam na sade e na educao.
9. EDUCAO A CARA FILANTROPIA
A participao das entidades comunitrias, confessionais e filantrpicas
no segmento educacional brasileiro significativa, especialmente nos seg-mentos da educao superior e da educao bsica. Segundo dados do Insti-
tuto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), h um total de 438
instituies de ensino superior, com um total de 1.382.092 alunos matricula-
dos contra 249 instituies pblicas, considerados os trs nveis de governo,
com um total de 1.240.968 alunos matriculados.20
Na educao bsica21, a presena dessas entidades menor, embora ain-
da expressiva em um universo de aproximadamente 200 mil escolas e 53
milhes de alunos em todo o pas, o segmento tem 9.426 escolas que aten-
dem a 1.841.100 alunos. Registra-se, tambm, a participao do segmento
privado empresarial com 25.712 escolas e 5.259.943 alunos.22
Interessante notar que essa rede educacional, constituda pelas enti-
dades privadas sem fins lucrativos, beneficia-se de uma srie de renncias e
20 Dados do Censo Educacional do ano de 2007.
21 Dados do Censo da Educao Bsica do ano de 2008.
22 Tendo em vista que so escolas pagas, certamente a presena maior deste segmento noensino mdio.
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incentivos fiscais concedidos pelo Estado ao setor social, ao tempo em que
geradora de renda, porquanto no h obrigatoriedade de prestar servios
gratuitos. Com isso, essa rede detentora de um respeitvel patrimnio, cons-
trudo ao longo de dcadas, a partir de excedentes financeiros anuais, ins-critos no patrimnio lquido das organizaes e, em conformidade com as
normas de contabilidade vigentes para o setor, investido no desenvolvimento
das prprias atividades, na forma de expanso da atividade educacional e/ou
melhoria da sua qualidade.
Embora do ponto de vista jurdico sejam entidades privadas sem fins
lucrativos, um olhar mais acurado permite verificar que nelas transcorre um
processo de acumulao de capital. Embora no sejam empresas cujos donos
usufruem da riqueza acumulada, dividindo lucros, nelas h acmulo constan-te de excedentes que se transforma em acmulo patrimonial.
Alm disso, preciso lembrar que no se trata de uma rede educacional
voltada populao, porquanto seus servios so, frequentemente, de alto
custo, acessveis somente a setores de classe mdia e alta.
No se pode desconsiderar, porm, que as 438 entidades de ensino supe-
rior e as mais de 9 mil escolas da educao bsica permitem o atendimento a
mais de 1,3 milho de alunos do grau superior e quase 2 milhes na educao
bsica em todo o pas e que, diferentemente do capital privado, seu capital social, gerador de amplos benefcios populao. Nesse aspecto, plenamente
justificvel o investimento pblico no desenvolvimento deste segmento edu-
cacional, na forma de isenes tributrias e de contribuies sociais.
No entanto, importante fazer uma avaliao desse investimento estatal
no segmento luz das polticas e estratgias pblicas traadas para a educa-
o, considerando que as atividades dessas entidades educacionais privadas
sem fins lucrativos no so gratuitas para o Estado.
Importante registrar que o segmento privado que atua no setor do ensi-
no superior corresponde a um total de 1.594 empresas, que atendem um total
de 2.257.321 alunos em todo o pas. Elas prestam os mesmos servios que as
entidades civis sem fins lucrativos e tambm cobram por isso.23 claro que,
em funo de sua natureza lucrativa, essas entidades privadas direcionam
sua atuao a reas do ensino superior que exijam menores investimentos
e permitam maiores margens de lucro, o que impacta a qualidade do ensino
que oferecem.
23 Segundo dados de 2007 do INEP.
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10. SADE O CAPITAL FILANTRPICO DAS SANTAS CASAS
Fenmeno parecido ocorre no setor da sade, onde a participao do
segmento de entidades civis sem fins lucrativos, de natureza comunitria,confessional e filantrpica, permanece de alta relevncia at hoje.
Segundo dados da Confederao das Santas Casas de Misericrdia, Hospi-
tais e Entidades Filantrpicas (CMB)24
, em 2001, a rede de hospitais filantrpicos
sem fins lucrativos foi responsvel por 37,4% de todas as internaes realizadas
no mbito do Sistema nico de Sade (SUS), equivalente a 4.396.329 interna-
es, tendo realizado 767.339 partos e cesarianas, correspondente a 38,5% do
total nacional destes procedimentos daquele ano. Alm disso, naquele ano a
rede totalizou 450.000 empregados diretos e 140.000 mdicos autnomos aseu servio.
As Santas Casas de Misericrdia, originadas em Portugal e presentes no
Brasil desde o seu descobrimento, correspondem, atualmente, a um con-
junto com nmero superior a 2.100 hospitais associados, organizados em 14
federaes estaduais, responsveis por cerca de 50% dos leitos hospitalares
do pas.25
V-se que, tambm no setor da sade brasileira, h um considervel ca-
pital social construdo ao longo de cinco sculos pela ao das Santas Casas,
das entidades filantrpicas e das demais entidades privadas sem fins lucrati-
vos que atuam no setor, com apoio das comunidades e do setor pblico por
meio de subsdios e investimentos.
Com a implantao do Sistema nico de Sade, em 1999, a prestao
de servios de sade passou a ser financiada diretamente pelo Poder Pbli-
co, com a imposio do atendimento universal e gratuito. As entidades pri-
vadas, com ou sem fins lucrativos, de atuao na rea de sade passaram amanter com o Estado uma relao de prestao de servios. A vinculao das
entidades civis sem fins lucrativos a instituies religiosas mantenedoras e
proprietrias do respectivo patrimnio pode gerar conflitos e dificuldades
prestao de servios de carter laico, em funo de divergncias entre o
pensamento das igrejas e as polticas pblicas traadas para o setor de sade.
24 Dados retirados do stio eletrnico da Confederao das Santas Casas de Misericrdia, Hospitais eEntidades filantrpicas (CMB) www. cmb.org.br, em 07.05.09
25 Idem.
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Outro problema que pode ser evidenciado no segmento das entidades fi-
lantrpicas de sade que prestam servios pagos, embora beneficiadas pelos
subsdios pblicos na forma de iseno tributria e previdenciria, tendo com
isso acumulado inestimvel patrimnio.
11. O CASO ESPECIAL DO SISTEMA S
O setor de educao profissional do Brasil conta com um conjunto de
entidades denominadas servios sociais autnomos, o Sistema S26, que do
mo-de-obra principalmente para indstria, comrcio e agricultura.
Criado na dcada de 1940, dentro da viso corporativa de Estado quecaracterizou o Estado Novo, o Sistema S surgiu vinculado s Confederaes
Nacionais empresarias, inicialmente por ato do Poder Executivo Federal, e fi-
nanciado com recursos parafiscais, oriundos do recolhimento compulsrio de
um percentual incidente sobre a folha salarial das empresas de cada setor. A
justificativa dada poca para a delegao dos servios a entidades sindicais
patronais foi a de incapacidade do Estado de prov-los, no contexto do ime-
diato ps-guerra. Contudo, at hoje, persistem a delegao e o financiamento
via recursos parafiscais, apesar de no subsistirem as motivaes.
As entidades que compem o Sistema S classificam-se como civis, sem
fins lucrativos, com a finalidade estatutria de prestar servios de qualificao
profissional, geralmente de natureza no gratuita. Segundo declaraes de
dirigentes do Ministrio da Educao na imprensa, elas movimentam recur-
sos financeiros no montante prximo a 8 bilhes de reais anuais e possuem
respeitveis estrutura e patrimnio.
Apesar de no ter vnculo com nenhuma igreja, esse mais um exemplode entidades privadas sem fins lucrativos que prestam servios, no gratui-
tos na sua maioria, subsidiados com recursos de recolhimento compulsrio,
definidos pelo Estado, e detentoras de importante patrimnio social e edu-
cacional. O vnculo nesse caso com as entidades sindicais patronais, que
configura o prprio do Estado corporativo do perodo Vargas.
26 Pertencem ao Sistema S as seguintes entidades: Servio Nacional de Aprendizagem Industrial(Senai), Servio Nacional do Comrcio (Senac), Servio Nacional de Aprendizagem Agrcola(Senar), Servio Social da Indstria (SESI), e o Servio Social do Comrcio (SESC).
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12.VALORES DA FILANTROPIA PBLICA
No exerccio de 2008, o governo federal contabilizou um montante de
3 bilhes de reais transferidos para as organizaes no governamentais,mediante convnio, termos de parceria e outros instrumentos congneres.
Por seu turno, apenas a renncia previdenciria prevista na Lei Ora-
mentria Anual do exerccio de 2009 alcanou a cifra de 5,8 bilhes de reais.
A renncia fiscal decorrente das isenes concedidas a essas entidades est
estimada em 9,9 bilhes de reais. Portanto, sob a forma de renncias, as enti-
dades privadas sem fins lucrativos, especialmente as filantrpicas, recebem
do Estado Brasileiro montante anual superior a 16 bilhes de reais.
H registros de que nos ltimos 10 anos houve um crescimento signi-ficativo no volume de recursos pblicos da Unio transferidos para ONGs
mediante convnios, termos de parceria e outros instrumentos congneres.
Ainda assim, ao comparar com as cifras correspondentes aos subsdios esta-
tais concedidos s entidades filantrpicas tradicionais prestadoras de ser-
vios especialmente na educao e na sade , constata-se que o segundo
valor bastante superior mesmo sem computar os recursos destinados ao
Sistema S.
Alm disso, quando analisadas as tipologias das renncias fiscais do Es-tado em favor das entidades privadas sem fins lucrativos, pode-se questio-
nar o real objetivo que a renncia previdenciria deseja alcanar, visto que
em qualquer modalidade de negcio ou atividade, inclusive para as pessoas
fsicas, quem emprega deve arcar com os respectivos custos sociais e essa
a lgica que mantm os sistemas de previdncia social e complementar.
Para apimentar mais a discusso, pode-se acrescer aos valores da re-
nncia fiscal o montante correspondente s dedues do imposto de renda
das pessoas fsicas relativos a gastos com educao e sade (ainda que reali-
zados em entidades sem fins lucrativos) e de ajuda a entidades assistenciais.
Para o exerccio de 2009, o valor estimado das dedues com educao
alcana o total de 1,3 bilho de reais, e com despesas de sade se estima
mais de 3 bilhes de reais. Nesse caso, porm, os gastos se apresentam mais
diludos e envolvem clnicas particulares, dentistas, mdicos autnomos e
laboratrios, alm do fato de que o montante destinado a entidades priva-
das sem fins lucrativos dever ser bem menor.
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13. A CONVIVNCIA DO MODERNO E DO ARCAICO
Percebe-se que, nas reas da sade e da educao, apesar da presena
significativa de entidades privadas sem fins lucrativos, h clara interveno Es-tatal, por meio do financiamento pblico convergente com polticas pblicas
que orientam a ao governamental no setor, inclusive no que se refere s suas
relaes com colaboradores privados. Na rea da assistncia social, entretanto, o
quadro bem distinto. O sistema pblico que assegure efetivamente o cumpri-
mento do dever do Estado na assistncia aos necessitados, conforme estabele-
cido na Constituio Federal de 1988, ainda est em fase de construo.
Nesse campo, ainda temos traos do esprito caritativo e voluntrio do
incio da histria do pas. A presena direta do Estado de maior expressividadeconcentra-se, ainda, nos programas de renda mnima e de seguro-desempre-
go dirigido aos trabalhadores do mercado formal, ambos conquistas recentes:
o seguro-desemprego foi previsto pela Constituio Federal de 1988 enquan-
to que os programas de renda mnima, hoje unificados no Programa Bolsa
Famlia, comearam a ser implantados em meados da dcada de 1990. Os
benefcios de prestao continuada para idosos e pessoas com deficincia
foram aprovados na Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS) de 1993.
A assistncia social voltada a grupos de risco ou a populaes que mere-cem ateno especial como idosos, crianas sem famlia, pessoas portadoras
de deficincias, moradores de rua, dentre outras frgil. Somente h pouco
tempo que a educao infantil se tornou obrigatria. O combate ao trabalho
infantil tambm s ganhou fora a partir da dcada de 90, mas vem se inten-
sificando ao longo do tempo com efeitos muito importantes. Um exemplo da
preocupao do atual governo com a rea de assistncia social a criao do
Ministrio do Desenvolvimento Social, que ampliou a ao governamental no
combate fome, na assistncia s famlias carentes, na proteo criana e
ao adolescente, bem como na implantao do Sistema nico de Assistncia
Social (SUAS) com a finalidade de articular as aes dos trs nveis de governo
no campo da assistncia social.
Essa realidade demonstra que, apesar dos avanos recentes, o desenvol-
vimento desigual, caracterstica socioeconmica brasileira, reflete-se tambm
na organizao dos servios sociais do Estado, cujas maiores fragilidades con-
centram-se na rea da assistncia social. Registra-se, ainda, uma combinaode parcerias com organizaes modernas que refletem movimentos sociais
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contemporneos, que surgiram a partir da segunda metade do sculo XX nos
pases mais avanados e se espalharam pelo mundo, em defesa do meio am-
biente, do direito das mulheres e de grupos sociais especficos com entidades
com prticas de cunho caritativo e de fundo religioso ou de carter filantrpi-co, prprios da idade mdia e do capitalismo pr-industrial.
A expanso das parcerias entre Poder Pblico e as entidades civis sem
fins lucrativos, ocorrida nos ltimos anos, decorre da grande expanso das
organizaes da sociedade civil a partir da redemocratizao do pas, mas,
tambm, em grande parte, pelas dificuldades encontradas pelos governos na
prestao direta de servios pblicos, decorrentes da rigidez da estrutura nor-
mativa da Administrao Pblica, que conta com um regime nico de pessoal
e de compras e contrataes, alm de formas de gerenciamento iguais paratodo seu conjunto de rgos e entidades, independentemente das compe-
tncias que cada um exerce se de direo e coordenao central ou de na-
tureza meramente burocrtica ou se atividade de prestao direta de servios
essenciais populao, inflexvel necessidade que esta ltima tem de ter
agilidade e flexibilidade em sua atuao. Alm disso, a ausncia de polticas de
gesto de pessoal adequadas, tanto no que se refere remunerao, incenti-
vos quanto capacitao profissional, no raras vezes impacta negativamen-
te na qualidade dos servios prestados, notadamente nos setores de sade eda educao pblica, o que gera a evaso daqueles que podem pagar para o
setor de ensino privado e para planos privados de sade.27
14. SUBVENO, PARCERIAS E TERCEIRIZAONAS TRANSFERNCIAS PARA ENTIDADESPRIVADAS SEM FINS LUCRATIVOS
As entidades civis sem fins lucrativos apresentam-se relevantes na oferta
de servios sociais, seja como complemento ao setor pblico ou como cor-
reo das lacunas da ao estatal. Esse fator acrescido aos vultosos valores
de origem pblica que so destinados a essas entidades (subsdios, subven-
o ou contrapartidas) torna fundamental que o Estado tenha capacidade
de realizar a gesto efetiva das relaes que com elas mantm, assim como
27 O Brasil tem atualmente cerca de 40 milhes de pessoas associadas a planos privados de sade eaproximadamente 70% do ensino superior em instituies privadas de ensino.
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dos montantes de recursos pblicos envolvidos, a ttulo de transferncia ou
renncia fiscal, alm da anlise crtica dos efeitos sociais alcanados com essas
operaes.
Entretanto, encontram-se muitas dificuldades nesse campo, como au-sncia de uma correta classificao, inclusive contbil, das transferncias rea-
lizadas em funo das diversas finalidades a que elas se prestam se subven-
es a atividades sociais, se contrapartidas estatais em relaes de parceria,
dentre outras. O fato que a falta de diferenciao entre uma e outra favorece
o uso inadequado dos instrumentos jurdicos aplicveis a cada caso e prejudi-
ca o controle das aplicaes de recursos pelo Estado.
Outro aspecto a comentar que o tradicional subsdio do Estado s enti-
dades privadas de cunho filantrpico extensvel a todas instituies sem finslucrativos das reas de educao, sade e assistncia social, em conformidade
com disposio constitucional expressa envolve uma srie de renncias fis-
cais, como a iseno do recolhimento da contribuio previdenciria patro-
nal. Paralelamente aos privilgios tributrios recebidos, essas entidades so
tambm beneficiadas pela permisso legal dada ao contribuinte de deduzir
despesas com sade e educao da base de clculo de seu imposto de renda,
o que configura um incentivo migrao desses usurios para a rede privada.
Ressalta-se, ainda, que essas entidades, notadamente aquelas que de-senvolvem atividades de relevante interesse social, so geralmente organiza-
es frgeis financeiramente, que necessitam dos aportes de recursos estatais,
recebidos a ttulo de contribuies e auxlios componentes da subveno so-
cial para manter suas atividades. Em razo dessa fragilidade, importante do-
sar essas contribuies para no estimular uma independncia, o que ocorre
inevitavelmente se esses recursos ultrapassam um percentual em torno dos
30% de suas receitas. A subveno social deve, portanto, se limitar a valores
relativamente pequenos.
Apesar da legislao oramentria e financeira do Poder Executivo Fe-
deral dispor sobre a subveno social, no h definio legal ou normativa
adequada sobre a matria que vincule recursos a programas nacionais de
subveno. Constitui exceo, nesse caso, a subveno econmica dada
rea de cincia e tecnologia.
De todo o modo, a ausncia de uma poltica pblica consistente para o
setor social que oriente e atrele o financiamento estatal preocupante, so-bretudo se anualmente tem sido transferido a essas entidades um montante
superior a 3 bilhes de reais.
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O que so essas transferncias? Quais as finalidades que elas atendem?
Os atuais registros contbeis e financeiros no permitem identificar. Acredita-
-se que as transferncias constituam uma mescla de subveno social, exe-
cuo de atividades em parceria e, at mesmo, pagamentos de servios deterceiros camuflados na forma de parcerias. Uma primeira tarefa importante
neste terreno definir claramente as finalidades das transferncias e registr-
-las de forma adequada. Na prtica no se sabe qual parcela das transferncias
, efetivamente, subveno e qual a que est vinculada a parcerias.
A parceria entre o Estado e entidade privada sem fins lucrativos tem ca-
ractersticas diversas da relao que envolve a subveno. Ela reflete uma ne-
cessidade do Poder Pblico de buscar apoio externo para o desenvolvimento
de atividades que so de sua responsabilidade legal ou constitucional. Salvoperante determinao constitucional ou legal expressa em contrrio, na ofer-
ta de servios pblicos sociedade, o Estado pode optar em faz-lo mediante
execuo direta, por contratao de servios de terceiros ou, ainda, em par-
ceria com entidade privada sem fins lucrativos. Nesse ltimo caso, a escolha
da entidade parceira deve recair em uma que j atue na rea da atividade em
questo, na localidade a ser atendida e com competncia tcnica suficiente
para desenvolver a ao. Outro ponto importante que cabe sempre ao Po-
der Pblico a iniciativa da parceria, visto que, para estabelec-la, essencialpreexistir a necessidade de prestao do servio pblico.
A parceria envolve, portanto, a execuo da atividade de forma articula-
da com o Poder Pblico e o recebimento de recursos do Poder Pblico, a ttulo
de fomento. Ao contrrio da subveno, a transferncia de recursos no est
assentada na necessidade de ajudar financeiramente a entidade para que ela
desenvolva suas prprias atividades. Trata-se de uma relao de colaborao,
em que ambos os partcipes contribuem para o alcance de um resultado.
uma relao baseada em alto grau de confiana mtua e com alto nvel de
ambiguidade em muitos aspectos, visto que h a prerrogativa de que os inte-
resses e objetivos dos parceiros sejam similares.
Por outro lado, distingue-se, claramente, da prestao de servios median-
te contrato, na qual o contratante estipula o objeto e paga ao contratado pe-
los servios prestados condies definidoras, objetivamente, de uma relao
comercial. A prestao de servios pblicos populao por parte de terceiros,
empresas ou entidades, contratados para esta finalidade uma relao de tipocomercial na qual o contratante especifica os servios e paga pela sua prestao.
Pressupe a existncia de padres de qualidade no atendimento populao
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e a prvia definio de valores unitrios para cada tipo de servio. O SUS um
exemplo, pois contrata a prestao de servios junto a hospitais privados para
o atendimento sade da populao. As compras e contrataes na adminis-
trao pblica brasileira so regidas pelas normas da Lei n 8.666, de 1993. Nocaso das contrataes do SUS, a licitao dispensada porque a escolha do
prestador de servios do prprio cliente-cidado e o SUS credencia todos os
hospitais interessados. Os procedimentos da rea de sade so padronizados
e os valores para cada procedimento so previamente definidos pelo sistema.
A contratualizao da prestao de servios ou terceirizao uma rela-
o moderna que permite ao Poder