7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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elo mu o inteiro an tigos a lu no s de [a cques
Lecoq - a to re s, d ir et or es de t ea tro , cen ógrafos, autores
teatrais e até a rqu ite to s -
semp
re fazem referência a seus
ensinamentos. Mas
quem
foi Iacques Lecoq ?
Qu
al foi
seu percurso? Qua is são os obj etivos e os mé to dos d o
seu en s
iname
nto? O
orpo p oéti o
fruto de nume rosas
e ntre vistas c on ce did as a J
ean
- abriel Ca rasso e Jean
Claude Lallias, responde a essas questões.
Da mimodinâmic à geodr mátic d a m áscara n
eutr
a aos
grande
s
territórios
dramát
icos
drama
c
omm
edia dell arte,
bufão
, tragédia, clown), Iacques Lecoq nos apresenta
sua Escola Int e
rn
acional de Teatro, pe
rmitind
o
que
acompanhemos, passo a pa sso, seu
trabalho
pedagógico.
Esta pub licação do S en ac São Paulo e do Sesc São Paulo
visa difundir, entre estudantes,profissionais e admiradores
do teatro, os m ét od os e resultados de uma das mai s
revo lu ci on á ri as e eficientes p edagogias
contemporânea
s
elaboradas para a co mp reensão da arte cênica, assim corno
par
a o ex ercício das
vár
ias at ividades
que
el a c
ompreende
,
corno atuação, direção, c
enog
rafia e outras.
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ORPO POÉT O
m ped gogi d ri ção te tr l
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Tradu
zido
de
Le corps
p ét q
ue
z
enseignement de la cr éation th éâtrale
Iacques Lecoq com a co labo
ração
de Jean -Gabriel Carasso e de Iea
n C
l
aud
e Lallias
©
Actes Sud, 1997 .
Proibida
a
reprodu ção sem autorização expressa.
To dos o s direitos des ta ediçãoreservados às:
ditora Senac SiloP aulo
RuaRui Barbosa,377 - I an da r - Bel aV
ista
- CEP 01326 010
Ca ixa Postal 1120 - CEP
0103
2-970 - São Paulo - SP
Tel. l I
2187-4450 - Fax
{Ll )
2187-4486
E-mai : ed
ítor
arç sp.senuc.br
Horne
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ht
tp://
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.
edit
orasenacsp.com.br
S S
São Paulo
EdiçõesSES SP
Av. Álvaro R
am
os, 991 - Belen z
inho
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aulo
- SP
Tel.: l I) 2607 8000
Ecmal l: edicoes@ed
icoes.sescsp
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©
Ediç ão bras ileira: Edit o ra SenacSão Paulo e Edições SESCSP, 2010
Dados Internacionais
de Cat a logação na P
ublicação
CIP)
Câmara Brasileirado Livro
SP. Brasil
Lecoq, Iacques
O corpo
poét
i co : uma pedagogia da cr iação teatral Iacques
e coq
com
a
co laboração de Jean-Gabriel Carasso e de Jean
Claude Lallias ; tr
aduç
ão de
Mar
celo Gomes . - São Pa
ulo
: Editora
Senac São Pau l
EdiçõesS ESC SP 2010.
Títuloo riginal: Le
co rps
poétique:
un
enseignement de la
création th éàtrale
Bibliografia.
ISBN 978
85 7359 931 2
Edi to r aS ena c São Paulo)
ISBN 978 -8
5 7
995-000-1 Edições SESC SP)
o
RP
POÉT O
Uma
pedagogia
da criação
teatral
JACQUES LECOQ
om a colaboração de
Jean Gabriel arasso e de[ean luudeLallias
TRAD
Ç Ã
MARCELO G
OMES
1. Representação teatral - Estudo e ensi
no
2. Teatro - Es tudo e
ensino 1.Carasso , Jean -Gabriel. 11.Lallias, Ie
an Cl
aude,
Títul
o.
10-00745 CDD-792.07
Índice para catálogo
sistemático
:
1. Ar te teatral : Estudo e ensino 79 2.07
e d i ã s
SESC@[?
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i çõ s
~
SERVi
ÇO
NAC
IONAL
DE
APRENDIZAGE
M
COMERCI
AL - SENAC SP
DM INI STR ÇÃO R EGIONAL DO
SEN
C NO ES T
D
O DE Ã PA ULO
Presidente do Conselho Regional:
Abram
Szajm
an
Diretor do Departamento Regional: Luiz Fra nci s co d e A. Salgado
Superintendente Universitário e de Desenvolvimento Luiz Carlos D
our
ado
EDI TORA
S EN SÃo
P ULO
Conselho Editorial:
Luiz Fra nci sco de A.Sa
lgad
o
Luiz Car los Dourado
Da
rcio
Sayad Maia
Lucila
MaraSbrana
Sciotti
Marc us Vin ici us Bari li Alves
Editor Ma rcus Vinicius Barili Alves
Coordenaçãod e Prospecção e Produção Edit orial: Isabel M. M. Alexandre
Superv isãode Produçâo Editorial Pedro Barros
Edição deTexto Lu izGuasco
Preparação de Texto: Cristina
M
arques
Revisão de Texto Daniel Viana Edna Viana
Iussara
Rodrigues Gomes Rinaldo Mile si
Projeto Gráfico Capa e Editoração Eletrônica nton io Carlos De ngelis
Fo to d a Capa: Patric
k Lecoq
Impressão e Acabamento Crom ose te Gráfica e Editora Ltd a
Gerência Comercial Marcus Viniciu
s Barili
lve
s
Supe rvisão de Vendas: Rubens Gonç alves Folha
Coo rdenação Administrat iva CarlosAl berto Alves
SERViÇO S
OC
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D O C O
MlÕRCIO - SESCSP
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Diretor Regional Dan ilo Santos de Miranda
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ula
min
istração Luiz De
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Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli
EDIÇÕ
SESC
SP
Gerente Marcos Lepisco po
Gerente Adjunto Évelim Lúcia Moraes
Coordenação Editorial Clívia Ramiro
Produção Editorial:
Iulíana Gardim
Colaborado ra desta edição: Marta
Co
labone
umár o
No t a da ed ição brasi
lei
ra 9
Quando um
ch
or a
o out
ro
ri
Ricardo
Napol
eão
Um ponto fixo em movimento 19
Jean
Gab
riel Carasso e [ean
Claude
Lallias
I.
VIAGEM P
ESSOAL 25
Do
esporte
ao teatro 27
A
aventura italiana 30
Rever Paris
33
Uma
escola
em movimento
35
Encont rar seu lugar 38
A viagem da Escola 41
Por
um
jovem
teatro de criação 43
A bus ca
das
permanências 50
O MUNDO
E SEUS MOVIMENTOS 55
Um a
página em b ranco 57
1
IMPROVISAÇÃO 59
5
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6
o silêncio an
tes da palavra
,
59
Reinterpretação e interpretação 59
Rumo às estruturas da
interpr
etação 65
A
máscara
neutra 68
A neutralidade 68
A viagem el
emental
75
Identificar se com a natureza 77
Transpor 79
A abordagem pelas artes, 81
O
fundo poético comum
81
As cores do arco íris
83
O
corpo das palavras 86
A música como parceira 89
Máscaras e
contramáscaras
91
Os níveis dejogo / interpretação
91
Entrar na
forma
96
Os personagens
10 1
Estados paixões sentimentos
Lugares e meios
10 4
Restrições de estilo
1 6
2 . T É C N I C A
DO S
M O V I M E N T O S
9
Preparação corporal
e
vocal
9
Dar sentido ao
movimento 9
Acrobacia
dramática
114
Nos
limites do corpo 114
Análise do s
movimentos 116
Partir dos
mov
imentos naturais da vida
Fazer surgir as atitudes
123
Buscar a economia das ações físicas 126
Analisar as dinâmicas da natureza 3
Estudar os animais 138
As leis do movimento com maiúsculo 4
3. O T EA TR O D O S A LU NOS 143
Os autocursos e as enquetes 43
IH. Os
C A M I N H O S
DA CR IA Ç Ã O 14 9
Ge od ram ática , 151
1. As L I N G U A G E N S DO G E S T O
,
157
Da
p
an
t
om i
m a
aos
q
uadr
os
mí mi
cos,
15 7
2.
OS GR
A
ND ES
T
E R R I T Ó
R
IOS DR A M Á T I C O S 163
O me
lodra
ma 163
Os grandes sentimentos
163
A
co m m ed
ia
de ll arte 168
Comé
dia
hu
mana
168
Roteiros e táticas de in terpretação 173
Os b uf
ões
178
O mistério o grotesco o fantástico 17
8
ou tro corpo 186
A
tragéd
ia,
19 1
coro e o herói 19
1
equilíbrio do
prati
cável 199
A necessidade dos textos
2 5
Os clown s,
213
Buscar o
pr
ó
pr
io clo
wn
213
Os burlesco os absurdos as variedades cômicas 2 2 2
3. O LABO
RA
TÓ
R
IO
D E
E ST U DO D O
M OV
IM E
N
TO LEM , 22
7
IV. A B E R T U R A S
23
1
Créditos
f
ot ográfico
s,
23 9
7
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ot
d
edição br sileir
Ia
cq
ues Lecoq
ch
egou ao
un
iverso
do
teatro
or
iundo do es -
po
rte. Preocupad
o com a
prep
ar ação do cor po do ator pa
ra
a
e
xp
ressão
cri
ou
a p
artir
de
pe
squis
as e de p rop
os
ta
s de exer-
cícios po r ele elaborados um do s mais
fecund
os mé todos d e
compreensão da
arte
teatral e da formação dos profissionais
que a exercem
As
vivênci
as
que
esse método p roporcion a assim com o os
caminhos que Lecoq t r ilhou para estabelecê lo são rel atadas
em O corpo poético
u
pedagogia da criação teatral livr o
qu e resu ltou de um a série de entrevis tas concedidas a Jean-
Gabriel
Caras
so e
Iean Claude
Lallias
O Senac São Paulo e o Sesc São Paulo se unem nesta pu -
blicação não só po r
reconhecerem
seu valor ar t ís tico e
pe -
dagógico
ma s também
po r
julgarem seu conteúdo um ric o
depoimento sobre a trajetória de um dos mais sensíveis e re -
vo
lucionários
homens de
teatr
o
do
século
9
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uandoum
r ou t
ro
ri
Ricardo apoleão
A frase
qu e
intitula este prefácio é um presente qu e
recebi
de
me u
professor Iacques
Lecoq após dois a no s d e convivência
c o n tí n ua c o m ele na Escola Internacional de
Teatro
Iacques
Lecoq
localizada
n a r u a d o Faubourg
Saint-Denis
em
Paris.
Essa f rase deveria orientar
mi nha
comm nde
apresen
-
tação final
de
curso em que eu faria o
qu e
quisesse
como
quisesse nu m espaço de tempo definido evidentemente m e
apropr iando de um a da s linhas estudadas na Escola: másca
ras bufão
comedia
dell
arte
melodrama
tragédia ou clown.
Receber
su a própria frase correspondia a um
momento
de
liberdade
coerente co m
a
proposta pedagógica da
Esco
Ricardo Napoleão
é
ator
e
diretor
de
teatro.
F
ormou-se em
1994 na
École
In
ternationale
de Théâtre
Iacques Lecoq
e
desde
então
dirige
e atua em
espe
-
tácul
os
no
Brasil e exterior além de ministrar palestras sob re a
criati
vidade
aliada à con sciência corporal.
11
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la:
am
pl a b em estrut
ur
ad a e ao m es mo
temp
o livr e e ra -
dicalment e p rov
ocadora
. A ca da a
luno
er a
atribu
íd a
uma
escolhida p or Lecoq. Ela
servia
co mo um a pr o
vocação
para a
p rimeira criação pessoal
qu e
seria
apresentada publicamente
com o resultado de um percurso.
A om
m nd
er a o fim
da
linha ma s o
início
de um outro
caminho: o público entra ri a na sala
onde
fazíamo
s experi
m entos a q
ua
l
para
n ós funcionara at é ali c
om
o
um
ver
dadeiro ringue de boxe - po is segundo Lecoq a noção de
esp aço de ri tm o e de urgência
t em mui to
a ve r
co m
o boxe; o
público tem
ur g
ência e n ós
pa
r a
caminharm
os com el e
nã o
devem os ign
or a
r es sa ne cessidade.
Minha
apresentação final de u se em 1994.
Lecoq
havia
for necido com o recurs o
para
desenvo
lver
esse
trab
al ho um a
palhe ta com cores va riadas: desde as técnicas corpora is a té
suas análises
minuciosas de movimento passando pelo apro
fund
ament
o da
base
de
seu ensino:
a máscara neutra . Havia
explorado ao
máximo
nossa capacidade de
reinterpretar tudo
o que se m ovimenta a
partir
de um olhar
aprimorado fosse
o
do
bufão
do palhaço ou o da tragédia grega. As
técnicas esta
va m a nosso
dispor gravadas
principalmente no corpo pron
tas
para
eclodir. Cabia a
nó s
escolher
como
e
quando
usá las.
Monsieur
Lecoq ficava na plateia
junto do público . Ele no s
entregava o
palco
. Sabia da impor tância da autonomia.
Muitas
vezes
seu a mi go
Peter
Brook
vinha assistir a e ss as
criações. Iacques Lecoq
e
Peter
Brook trocavam
imp ressões so
br e o qu e acabavam de ver
acompanhando
a evolução de ge-
rações qu e
retratavam
o momento presente fazendo refleti r a
vida
lá
fora
. A
afinidade entre Brook
e Lecoq está intimamente
relacionada
à busca p or u m teatro vivo
onde
o corpo seja real-
12
me nte um a pre sença con c
re
ta qu e
possa
se
expandir
no esp
aç
o.
Onde o ato r se mov imen te pa ra cr ia r um a p
oe
sia p rópria
in -
tensa e p u lsante .A possibilidade de co
mp
letar um espaço vazio
co m a for ça transfo rmad
or a
que é o trabalho de
Peter
Brook
está na pe
dagogia
de senvolvida por [acq ues Le co q. Tra t
a s
e
da
expansão co rpórea de d
ar
voz ao co
rp
o ca la do. Trata se d e
um a
com p
reensão
m aior da p
oé t
ica
ap
r is
io n
ad a
em
n os so s
corpos de um
novo
co rpo po éti co -
rec
riado sem pre.
Termin ad o o cu rso ao
me
despe
di r de Mo n sieu r L
ec o
q
no
escri
tó r io
qu e
ele m
an
t i nha
na
Escola
en
t reguei-l
he
um
cristal q ue gu ardava comigo
havia
muito t
empo
. Trazid o da s
terras on de n asci d as Minas Gerais ... Er a
um
símbolo qu e eu
entrezava em
azrad
ecirnento.
Nã
o c
on s
igo
descrever
a er n
o
I:> I:>
çã
o qu e senti
ao
p
rese
n tea r lh e aquela pedra b rut a - m ais
um a pe dr a br ut a do Brasil.
Er
a um
crist
al que tr
azia
comi go
desde m e u p rimeir
o t
rabal
h o n a
Eu ropa.
Ele o ol
ho
u e
si m
ples descreveu o
qu e
via: Um cristal
atra
vessa o ou tro .
Pouc o de pois
da
conclusão do cu rso criei com Fr ançois
e Pascale fi
lh
os de [acques Lecoq um
grupo
de
pesqu
isas
o Réseau
International
de
Théâtre Anten
a - cujos
trabalhos
culmin
aram
c
om
a m on tagem
da
peça Z Z p
ar
a
quatro clowns de
pa
íses dist
intos.
Para iss o contamos co m
o ap o io de
Violette Lecoq
i rmã
mais
velha
de Iacques
Lecoq
qu e
nos ofereceu um
palco
c
onstruíd
o improvisadamente na
granja
onde
residia -
em
Palluau sur Indre
na
região central
da Franca
-
qu e durante
seis
meses
funcionaria como nossa
sede.
Ao
pé da lareira
ao
final
d e c ad a e ns aio
ou v
íamos
t nt
Violette
nos conta r episódios muito especiais de sua vida fre
quentemente
ligados
à h
is t
ória de
se u
irm ão [acques Diante
13
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do fogo, escutei narrações
incríveis
sobre a vida
dessa
mulher
que ch ego u a ser
confinada
em campo de
concentração
p or
ter
participado
da Resistência francesa
.
Nessa época, ti ve o p razer de ser convidado po r Fay Lecoq
para vir ao Brasil ,
du ran
te a realiz
ação do
Fest ival Internacio
nal
de
Teatro da
cidade de
São Paulo em 199
5.
Era a p r
im
eira vez
que
as
máscaras neutra
s v
iajavam
sem
o
professor Lecoq
,
qu
e,
devido
a seu s compromissos ,
não
po
deria
estar no Brasil, naquela que
seria
sua primeira vez . Peda
gogicamente
a máscara neut ra tem uma impor tâ
nc
ia crucial.
Essa
máscara
quando adequadamente
utilizada
,
pode definir
o
trabalho de um ator ; pode libertá-lo de amarras muito comuns
no exercício da profissão. Ela
pos
sibilita um reconhecim ento
da
realidade
corpórea de cada
pessoa
. Por meio
da
análise de
movimento o ator
passa
a
compre
ender com o co
rp
o, e não
somente com o
intelecto.
Essa
sabedoria Iacques
Lecoq desen
volveu de maneira absoluta, e sua sensibilidade apontava as
direções de que neces
s
itávamos
. Para
mim
alu
no recém
-for
mado
, vo ltar a
me
u
país
e colaborar na realização da
pr
im eira
oficina da p
ed
agogia Lecoq aqui ministrada era
um
p resen te.
Estava
em Londres , a trabalho, n o a no de 1999, quand o
François
Lecoq
aviso
u
-m e
de q ue Lecoq h avia falecido.
Fi
cou invisível : pensei .
Atravessei o
Canal
da Mancha n o Eu
ro
star e, chegand o a
Paris pela
manhã
ain
da
pu
de ver o c
or
p o
ser
c
onduz
ido
pa r
a
dentro da igreja, seu s a luno s em silêncio . conquist a do si
lêncio, um tem a im po
rt
a
nt
e do
pe
rcurso : im
aginei.
Mas aquele
silêncio
ti
nh
a uma densid
ad
e
especia
l. No bal
cão da
qu
ela igreja,
vi a
a emoção nos olhos de alg
un s
alu no s
14
que ainda estavam no p rimeiro ano da Escola. Havia atoresde
tod a a parte... Despedida.
Após a cer im ônia, François Lecoq me c
on
vidou para ir à
Montagny, onde, ao lad o da casa de campo q
ue
muito fre
quentamos, Iacqu es Lecoq
seria enterrad
o.
Naquela casa , repleta de m áscaras, havia um a alegr ia no
ar. . . e um a t risteza
que
a t
ud
o
perpassava.
Ali, f ique i longo
t
em
po em compan
hia
de Vio
lette
Lec
oq
, de qu em sentia
mu
i
ta saudade. Nã o n os reencontrávamos de sde Z P P Z P
Nã o nos
víam
os desde as últimas
gargal
hadas d iante do fogo.
Pa ra ela não devia ser fácil se despedir do
irm
ão ma is
moço
.
Elegante
Vi
olette tinh
a olhos t ristes.
Mas
era só.
Um br inde foi feito
entre
os amigos, os pa lhaços os atores,
os filhos , e a esposa, Fay Lecoq.
Quando o caixão ia ser baixado, um vento
repen
tino, rit
mad
o,
derrub
ou
u
ma
or eille
b
ranca
,
qu e
se
deit
ou
na
co
va
abe r ta no chão. Então, do
meio
do grupo , naquela
tarde
quase
cinza
do
interio r da França alguém de repente atra
vessou
o
silênci
o: era um at
or
, que se lembrou de jogar um nariz ver
melho na terr a, como um a semente para que brotasse.
o tempo passou e, numa
das
ocasiões em que regressei a
Paris fui rever
meu
querid
o amigo François
Lecoq.
Encon
trei-o no mesmo escritório onde subíamos para saber se ha
víamos passado para o segundo ano. Tudo estava ali , in
tact
o.
Aquele
mesmo
esc
ritório
,
onde
recebi
minha
frase de
pr e
sente
estava
em silêncio .
Num armário repleto
de
pedras , reconheci em meio a e las
um a
de corverde
-esc
ura esculp ida pela natu
reza
com o um a
máscara ... Um a
máscara
engraçada pensei. Um pouco triste
15
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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se a olhássemos de
um
cer to ângulo ... Era o p resente que eu
havia
dad
o a meu
professo
r alguns anos
antes.
Observando -a
bem
via
-se
c
om clareza
a simplicidade do
cristal que suti lmente a atravessava em um m ovimento que
como um gesto podia m
ostra
r o
infinit
o.
Quando
um
chora o outro ri lembrei .
E ao novamente recordar essa frase enquanto escrevo este
prefácio relembro também que após nossa apresentação final
Lecoq dissera a mim e a
meus
colegas
qu e
só
entenderíamos
o
que havia se passado ali após cinco anos. Na
época
entretanto
eu não que
ria
aguardar nada. Porque
haveria
de espera r cinco
anos
para compreender
um a experiência tão viva?
Hoje porém
entendo o
que
aquele
comentári
o calava a
fim de que
viéssem
os a descobrir cada qual a seu tempo seu
verdadeiro significado: som os absolutamente livres da técnica
que Lecoq
nos transmitiu.
Ela parece
se
diluir como
a
másca
ra
neutra
de Amleto Sartori.
Muitos de nós diretores autores ou atores
gostamos de
cumprir o ofício
entalhar
a madeira
esculpir
o espaço
mis
turar as
tintas.
Mui to s de nós
fotógrafos cineastas
palhaços
ou pais de belas crianças seguimos pelo mundo à nossa
ma
-
neira com nossas criações distintas livres. Porém
sabemos
quenão
há movimento sem
ponto fixo e
que
cada
um
impri-
me o seu ritmo à própria obra.
Além de conhecer essa liberdade aprendi com Lecoq que
um
artesão
deve
sempre estar atento
e
pronto
para
aprender.
E de fato aprendo muito com meus alunos. Aprendo sempre
quando
ent ro em cena. Gosto da
dúvida.
Procuro
deixar
o
ritmo me levar.
16
No
Brasil pude agradecer a
Ariane
Mnouchkine anos
m ai s tar de pelo fato de ela ter me fal ado acerca da Escola de
Lecoq. Foi
du
rant e um estágio
na artoucherie
em Par is qu e
ela
di
sco rreu
cert
a vez
sobre
s
eu
mes
tre
. Encantado com o
e
xtraor din
ário t rabalho do Théâ tre du
Sol
eil resolvi perm
a
nece
r em P
ar
is e
estudar
com Iacques Lec
oq
.
Lecoq nos
ensina
a ver as coisas de outro ângulo dá fo r-
ça ao m ovim en to
de
n ossas palav
ra
s
inspi
ra n ossos ges tos
faz
-n
os ver além do óbvio.
Qu
ando faz a re lação entre c
or
po
e espaço realidade e ficção o im pulso de cr i
ar
e o de repe tir
mergulhamos nos n íveis de jogo propostos nos exercícios e
entram
os em cont
ato
com um m un
do
a ser descoberto. Pas-
samos a nã o
temer
nosso imaginár io e ao
conviver
com cu l-
turas
dist
in
tas c
om
alunos do
mu
nd o t
od
o
ampliam
os no
ssa
visã
o estética.
Lecoq nos aproxima dos verdadeiros
sátiros
abre-nos a
cena. Traduz a
comédia
e a tragédia da vida cotidiana nos
dá
a tinta e os pincéis. Dá -n os autonomia e caminhos pa r a
sermos
livres.
E o
mestre
tinha razão: descobrir a poesia do
corp
o requer
trabalho dedicação vontade e disp onibilidade sempre.
No mais estar pronto é tu do.
17
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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ponto ixo
m movim nto
Jean -Gabriel Carasso / [ean laudeLallias
No
campo da
pedagogia teatral Iacques Lecoq
é
um mestre
no sent ido
próprio
do termo.
Pedagogo
embasado no mundo
e em
seus
movimentos no que h á de
universal
no
teatro ele
constitui
um
ponto fixo a part ir do qua l numerosos a lunos
puderam aprumar-se, descobrir-se, educar -se , há mai s d e
cinquenta anos tendo
suas diferenças
culturais
respeitadas
assim como sua história seu imaginário suas possibilidades
e
seus
talentos.
De Phil ippe Avron
a
Ariane
Mnouchkine
de
Luc Bondy
a
Steven
Berkoff, de
Yasmina
Reza a
Michel Azama
e
Alain
Gautré de William Kentridge
a
Geoffrey Rush ou
a Christo -
Jean -Gabriel Carasso antigo aluno de Iacques Lecoq, dir ige, em Par is , a As
sociação
Nac ional de Pesquisa e de Ação Teatral ANRAT).
Iean-Claude Lallias é professor de Letras
no
Instituto Universitário de For
mação de Docentes da Academia de Créteil.
19
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phe Mar t
ha
ler do Footsbarn
Travelling
Theatre ao Théâtre
de la Iacquerie dos Mummenschantz ao Nada
Théâtre
ou ao
Théâtre de la Complicité ... - a
exaustiva
lista difícil de ser
to
t
almente
relacionada seria surpreendente
a diversidade das
formas e as aventuras teatrais apoiadas em seu
ensinament
o
testemunham a dimensão criativa de sua pedagogia longe
dos
modelos
e das
técnicas esclerosadas.
Iacques Lecoq ocupa no entanto um lugar p ara doxal.
Atores
auto
res
diretores
cen
ógrafos
e também arquitetos
educadores psicólogos esc ritores e mesmo
religiosos
... são
i
nú ros
os
que
se referem a
seu t raba
lh o
sejam
eles dire
tamente
egressos
da escola sejam indiretamente alunos de
seus
alunos. Outros ainda aí se inspiram sem mesmo saber
de onde prov
êm
suas
propostas.
Formador
conhecid
o no
mundo
todo ele é relativamente pouco
ou
mal conhec ido
em
seu próprio pa ís.
Quem conhece
sua pedagogia? Quem
conhece as
raízes
de seu ens inamento?
Suas evoluções? Seus
princípios?
Suas
dú vidas e suas pesquisas?
Quem
conhece a
trajetória desse
homem
e as ref lexões que ele traz para a
pe
dagogia teatral?
Quem
sabe de verdade o que é feito há mais
de cinquenta anos
cada
dia da
semana
quando às dezenas
os alunos se esforçam para descobrir as leis do
movimento
do
espaço da
interpretação
da forma? Tal
desconhecimento
provavelmente
seja
devido à dificuldade de transmitir empa
lavras a
experiência viva de
um a
pedagogia teatral. Apenas
o
corpo
comprometido com esse trabalho
pode verdadeiramen
te sentir a justeza de um
movimento
a precisão de um gesto a
evidência
de
um espaço.
Apenas
o ator que está no
jogo pode
perceber o
desvio
a hesitação o e rro que o pedagogo aten -
20
to
lhe
ap
on
t a. Somente um gru po
de
alu nos totalmen te im
plicado
ness
a aventura está em co ndições de compreender
parcial ou tota
lmente
o qu e se deve fazer pois o tea tro e seu
trabalho
de corp
o são c
ois
as ligadas a
um
a ex
periênciaviv
ida
de transmissão or al e de longo p razo ind ispensáveis numa
iniciação . Fixar po r escrito um pensamento
pedagóg
ico fun
dado na
pr á
tica d ireta do o lhar e da t roca é arriscar a red uzir
seu sentido fazendo com que
perca sua
dinâm ica. Porém ...
a uma via
gem pa
cien te n o
cora
ção da Escola que essa s
páginas conv idam o leito r. M ês a mês ao longo d e numerosas
entrevis tas este livro ganhou fo rma
essenci lizou se
em
to r
no dos princípio s que estru turam
um a
pedagogia do teatro
elab
orada ao longo das experiênc ias . Iacques Lecoq nos con
duz
pass
o a pa sso c
om
seu vocabu
lá r
io im
agétic
o e preciso
aos confin
s de s
ua
pr óp r
ia b usca: a d as fontes c
om
partilha
da
s
po r todas as
cri
ações.
Com
paci
ênc
ia e
generosida
de ele ex
plica
aponta os eventua is obstáculos ao longo do caminho os
desvios os impasses... Ele fica à
espr
eita fascinado por
cert
os
enigmas
da relação entre
o h
omem
e o cosmos dos
quais nas
ce o jogo teatral.
A todo
instante surgem
at rás do gosto quase científico
pela observação da vida e de seus m ovimentos o o lhar do
poeta
o
júbil
o de um a descobert a o p razer
de
formular uma
lei
que
torne
tu d
o mais c la ro e m ais
simples. Quantas
vezes
no
entanto
nós o
surpreendem
os po
ntuando um a
afi
rm
a
çã
o
ou
um a
tomada de
part ido com um
sorriso; e dep
ois
com
um silêncio que apenas um
n
ão?
in t
errogativo fazi a vibrar?
Como
se
toda
essa
certeza
devesse
sem
cessar perm
anecer
numa
zona de instabi l idade de um m ovimento do pensa-
2 1
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mento o ponto fixo
também
está em mo
viment
o A viagem
aqu
i empreendida despudorada e não desprovida de hum
or
leva nos aos
mais
altos planosdo teatro e a horizontes sempre
mais amplos: a uma sabedoria do corpo poético
Que
estas páginas sejam
como
aluviões férteis
para
um
teatro a ser
continuamente
semeado
22
À min mu
lher y Lecoq
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I
VI G M P SSO L
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lacques Lecoq
sport o
t tro
Cheg
ue i
ao
teatro por m eio do espo
rte
. D e
sde
os 17 anos num a
academia de ginástica nas
rotações
en avant n as
ba
rras
pa ra
le
las e
na bar ra
fixa
descobri
a
geometria
do m
oviment
o.
Qu
a
n-
do se faz um a llem n e ou um s u t
de flanc
o movimento do
corpo no
espaço
é
de
ordem puramente abstra ta.
Descobri
aí
sensações extraordinár ias que
estendia
pa r
a a vida cot id
iana.
No metrô refazia os movim entos
dentro
de mim me sm o sen
ti a
jus tos
então
todos os tempos muito
mais
do que na reali
dade. Eu
treinava no
estádio
Roland Garros e
quand
o ia fazer o
salto
em
altura saltava
como
se
com
a
sensação
de
saltar
dois
metros .Adorava co
rr
er mas era especialmente
sens
ível à poesia
do esporte
- q
uando
o sol
aumenta
ou
diminui
a
sombra
d
os
atletas no
estádio
quando
o r itmo da corr id a se instala. Vivi
intensamente essa poesia
do
esporte.
Em
1941
eu
era a luno na escola de educação
física
de
Ba
gatelle quando encon
trei Iean
Ma rie Conty. Primeiro coloca
27
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I
I
I
I
I
I
I
I
J
do
na Politécnica, jogador internacional de basque
te,
aviador,
com Saint-Éxupéry,
nas
rotas
da
Aéropos
tale, ele era , en t ão , o
responsáve
l pela
educação
física na França.
Amigo
de Antonin
Ar
taud e de Iean -Louis
Barrault,
interessava-se
pel
as relações
en tre esportee teatro.Graças a ele , descobri o teatro, na época da
Ocu
pação,
por meio das dem onstrações feitas por Iean -Lou is
Ba
rrault em suas
p
er
f
orm
a
nce
s de
o ho m em cavalo.
Essa foi
um a emoção marcante. Iean -Marie Conty esteve no começo
de
L
Education Par
le Ieu
Drama
ti que (EPJB), um a escola ba
seada em métodos não convencionais, fundada por Iean-Lou is
Barrault (com Roger Blin, André Clave, Marie-H élene Dasté e
Clau de Ma
rtin).
Em 1947, eu ali ensina
r iaexpr
essão corp oral.
Fiz
mi
nhas primeiras aulas de te
at r
o n a asso ciação Tra
va
il et Culture (
TEC).
Com Claude Mart
in ,
alun o de
Char l
es
Du llin,faz íamos improvisações
em mímica
e com Jean
Sér
y, um
a
nt i
go
dança
r i
no
da O
per
a conve
rtid
o a um a
esp
écie de d
an
ça natu r al, im provi
sáv
amos dançando L hy mn e
au
soleil ou
La d an se du f eu . Como pr
atic
áv
am
os
esp
o r te s (um
dos
meus
compan
heiros,
Gabriel Cousin , poeta e autor dramático , era
um belo co
rr
edor) ,
utiliz
ávamos sempre como primeira
lin
g
uage
m os
gest
os do
esp
o rte : e u n adava; ele c
orria Esporte
,
moviment o e t
eatro
já
estavam
, p ara
mim
, associados.
Na Lib
eraçã
o, a par tir da expenencia do
TEC, c ri
amos ,
en t
re
amigos
, o grupo d
os
Aur
ochs
[Au
ro
ques].
Depois
nos
r
eun
im
os
com
Luiggi
Ciccione
- n
osso
pr
ofe ssor de educação
física na escola de Bagatelle - , G
abriel
Cousin e
Jean Séry
, para
fo rma r Les c
om
pagnons
de
la Sa
inr-Iean
[Os
aprendizes
da
São João] . Durante esse exultant e períod o de volta
à
liberda
de, realizam os grandes m
anifestações,
como a primeira pe-
28
regr inação dos escotei ros da França,
em
Puy
-en-Velay,
sob
a
direção
de
Douking;
ou o
retorno dos prisioneiros,
em
Char
t res .A
chegada
de um trem de prisioneiros
havia
sido
recons
ti tuída: nas
muralhas,
diante de milhares
de
pessoas reunidas
no gramado, cantávamos, dançávamos
e
fazíamos
mímica de
canções de Charles
Trenet.
Por
ocasião
de um a apresentação
em Grenoble, Jean Dasté
veio
ver
Les compagnons e convidou
alguns de nós
para nos juntarmos
aLes Comédiens de Greno
ble, companh ia que
estava
se constitu indo. Foi o começo de
minha atividade teatral profissional.
Assumi o t reinamento da companhia. Era
preciso, agora,
não mais treinar atletas,
mas
um rei ,
uma
rainha,
personagens
de teatro, prolongamento natural do
estudo do s gestos espor
tivos. Não me
dei
conta
da
transição.
Jean Dasté
me fez
descobrir
a
interpretação
com
máscara
e
o
nó
japonês, duas fontes que
me
marcaram profundamente
.
Em L Exode um a figuração
com
mímica e máscaras cr iada
po r
Ma r
ie-Hél
êne
e
Jean Dasté,
todos os atores usavam um a
máscara dita nobre , que hoje em dia
ch amamos
de másca
ra neutra . Guardo também a lembrança de um nó japonês,
O que
murmura
o rio
Sumida em
que fazíamos mímica do s
movimentos de um
barco,
enquanto
nossas vozes evocavam
os son s do rio.
Ret
om and o em pa rt e o trabalho de
Iacques
Co p
eau, de
quem
Da
sté
havia sid o
aluno, nós nos apresentávamos em
Gr
enob
le e em t
od
a a região.
De
s
cobri
ali o
espírito
dos
Copiaux , essa vontade de dirig ir-se a um público popular,
Experiment o de Coupeau, de l
evar
tea tro com me ios sim ple s a au diências
in terioranas francesas. [N. E.]
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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com um tea tro simples e direto . Cop eau fo i par a m im
um
a
refer ência, ass im com o Charles
Dullin
, da mesma família tea
tr a
l. No ss a ju
ventude
se reco
nheci
a no esp
írit
o da escola
qu
e
ele havia fundado em Paris.
Deix
ei Gren
oble
no fim de 1947, p r
imeiro
para
ensinar
na
E
PJD
, d
ep
ois
fui
p
ar
a C
oblenç
a, n a Alemanha,
onde
fui
animador dramático dos Ren contres fran co -allemandes de la
jeneusse [E
nc
ont ros franco-alemães da juventude] . Durante
seis
me
ses, fiz mi nhas
pr im
eiras c
onferênci
as
-demonstraçã
o
nas escolas norm ais da Renânia, utilizando a m áscara no
bre para mostrar, tan to para p rofessores quanto par a alunos ,
o movimento e a expressão dr
amátic
os. Gos to
de imaginar
que de
snazifi
quei um
pou
co a
Alemanh
a: eu p ropunha um
movimento
-teste,
d e descontr ação, qu e con sisti a em le
vanta
r
os
braços
e
depois
so ltá-los. . . C
onstatei
que eles f
aziam
esse
gesto
de
maneira
ligeir
a
men
te d
iferen
te da nossa. Eu os
ensi
ne i, en tão, a relaxar
v ntu
it
l n
Em
194
8, a pedido de Gianfr an co De Bos io e L ie ta Papa
fava,
dois
alunos italiano s qu e vieram pa ra f azer o curso n a
es
cola
EPJD em Paris, fu i passa r t rês meses
na
Itália, apenas
para v
er
.. . e a
cabei ficand
o ali
po r
oito
an
os Tive a sorte de,
pr imeiramente, trabalh
ar
no teatro un iversitário de Pádua ,
com a possibil
idade
de interligar en sin o e criação. Descobri
a commedia dell
arte
. Como
tivéssemos necessi
dade d e más
caras, De Bosio me apresentou ao escu ltor Amleto Sa
rt
ori,
que
n os abriu s
eu
atelier. Eu mesmo modelava as primeiras
30
máscaras
em papelão, reutiliz
and
o a t écni ca de Das
té,
até o
d ia em que Sartori me propôs que ele mesmo as fizesse . Fe
liz iniciativa Fo i ele o primeiro a
redescobrir
a fabr icação
de
máscaras em c
ou
ro para a commedia dell'arte, que havia pra
ticamente
desaparecido
. Em Pádua,
eu
ia
observar
os peões
vendendo seu gad o
na
fei ra de pecuária, depois Sartori me
levava
nas espeluncas
d a
periferia da
c
idade
para
comer carne
de cavalo defumada, no meio daqueles a quem ele chamava
de ladrões de ca
valos
.
Sen
ti naqueles
bairro
s o qu e
poderia
ser uma
autêntica
commedia dell arte , em
qu
e os personagens
estão permanentemente n a urgência
de
viver. Não era
um a
commed ia dell arte livresca, mas a de Ruzzante, enraizada na
vida do campo , próxima das origens.
Demos,
en t ão, a esse
autor,
o
lugar que
lhe era m erecido,
representando
a
oschett uma de suas peças que
estava
esquecida.
Carlo Ludov
ici, o
arlequim
da célebre companhia
d ialetal de
Cesco
Baseggio, em Veneza,
ensinou
-me as atitu
des
do personagem,
qu e ele própr io havia recebido de um ve
lho arlequim .A
partir
desses mo
vimentos
, criei um a ginástica
de arlequ
im
, que po ste riormente pude ensi
nar.
Todas essas
descober tas foram da maio r
importânc
ia para a continuidade
do meu traba
lho.
Em seguida, convidado po r Giorgio Strehler e Paolo
Gras
si, ch eguei no Piccolo Teatro,de Milão, para juntamente com
eles cri
ar
a escola do Piccolo. A
criação
de
um a
escola
dent
ro
de um teatro
prov
oca, l
og
o de início,
um
a grand e pe rgun
ta
:
com o fazer pa ra qu e ela n ão seja a escola de apenas um t eatro
m a s a escola de tod os os te atros?A esc
ola
de um
teatro
é sem
p re ambígua, o encenador quer f
orma
r alun os à su a im agem
31
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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e ficar com os melhores. Não sou partidá
ri
o de uma
ta l
po s
tura , pois se corre o risco de se cristalizar nu m estilo único.
Felizmente, no Piccolo, nã o
havia
pequenos papéis a
serem
distribuídos
entre
os
alunos, pois
bonsatores já os
representa
vam
havia mais
de
dez
anos
Durante
esse
período,
apresentei
Sartori
a
Strehler. Foi
assim
que
ele
começou
a fazer
máscaras
de couro para o Piccolo
Teatro.
Quando
me ped ir am par a criar os
mo
vimentos do coro
de Electra de S ófocles, eu nem imaginava que, no Piccolo, fa
ri a
um a descoberta ainda
maior:
a tragédia grega e o coro.
Dei continuidade a essa pesquisa em Siracusa, criando vários
outros coros: Íon Hécuba Os sete contra Tebas Hércules.
Na
época, os coros eram
interpretados
po r dança
rinos
e dançari
nas em estilo expressionista. Para
renovar
os movimentos do
coro
antigo, cuja
forma
estava cristalizada, precisei
inventar
novos gestos. Não
imaginava,
na
época, quanto
esse trabalho
também influenciaria minha pedagogia.
Meu
período
italiano seguiu em meio a
diversas
aventu
ras. Franco Parenti, a to r do
Piccolo,
chamou Dario Fo (que
saía da
escola
de
Belas-Artes
de Milão), Giustino Durano
( um a to r-cantor), Fiorenzo Carpi
(o músico
do Piccolo Tea
tro)
e a mim, para elaborarmos um
teatro de
revista político
e
polêmico sobre
a
atualidade
italiana: Le doi gt dans l oei l e,
posteriormente,
na
temporada
seguinte
Les saints
lier.
Essa
aventura renovou radicalmente
o
espírito
do
teatro de
revista
italiano,
nã o só pelo
novo
comprometimento que
ela
consti
tuía, mas
também
pelas
formas de l inguagem
corporal
utili
zadas. Esses espetáculos obtiveram grande
sucesso.
32
Com
Parenti, fundamo s, em
seguida
, a Companhia Par
en
ti-Lecoq,
qu
e tinha por ob jetivo encenar a
ut
ores novos . Am
bição difícil: todo o
di nheiro
que
havíamos
ganhado co m os
satíricos teatros de revista p erdemos m on tando s cadeiras
e A c an tora careca de
Euge
ne Io n esc o
em 1951-1
952 ), e Le
d éluge
de Ugo Betti.
Nesse mesmo período, dirigi M im e m usic n
2, de Lucia
no
Beri
o, cuja prime ir a core ografia foi minha . Depois, Anna
Magnani
me
telefono u para criar certas sequências do
teatr
o
de revista ui est en sc ênei
qu
e marcava seu re tor no ao teatro ,
depois de um a longa c
arre
ir a no cinema. Foi um a expe riênc ia
inesquecível, a
de a juda
r essa
gr
a
nd e da
ma
do tea t
ro a reen
contrar
seu público
. Enfim , com o ator, pa rticipei das filma
gens da p rime ir a tr ansmissão de tea tro de variedades p a
ra
a
televisã
o italiana e m
on
tei
numerosas
pant
om
imas cômicas.
Aliás, fiz um pou co de c inema à Warner. Extraordinári a lem
brança, a das minhas corridas de treina
ment
o, pela manhã, na
Cinecittà, passando de um cen á
ri
o a outro.
v r
aris
Com
duas
descobertas
fundamentais fei tas na It ália - de
um
lado
, o reencont ro com a comédia italiana,
de out ro ,
a
tragédia grega e seu coro - volte i a Paris em 1956. Em
minha
despedida
,
Arnleto Sart
or i
ofereceu-me
todas
as
máscaras
de
couro da
commedia dell arte, o que me permi tiu torná-las co
nhecidas
na França
e, depois, no
mundo todo
. Rapidamente
abri a
Escola,
com um pequeno grupo de a lunos, ao mesmo
tempo que dava prosseguimento a um t rabalho de cri
ação.
33
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 19/121
M inha
primeira
exper
iência frances
a fo i a i
ntrodução
da
interpretação com máscaras , em La famille Arlequin um es-
petáculo
de
Iacques
Fabbri e Claude
Santelli
, com uma equipe
em que a tuavam
atores jovens
pouco
conhecidos:
Raymond
Devos,
RosyVarte, Claude Pi éplu,
André
Gilles, Charles Char-
raso
Também
Philippe Tiry participava da aventura
.
Em
seguida, foi o
Th
éâtre
National
Populaire,
no qual
fi-
quei p
or
t
rês
anos , ten do sido convidado por Jean Vilar. Ele me
chamou para cria r as cenas
de
movimento dos espetáculos.
Quando firmamos a
parceria, Vilar
me disse:
Faça
de tu do,
menos
m
ímica
.
Rapidamen
te ele
compreendeu
que,
quan
-
do eu falava de m
ímica,
'
tratava-se
de algo completamente
distin to
da mímica convencional que
existia
na época. Aliás,
dirigi
a peça de Gabriel
Cousin
L aboyeuse et l
automate no
Théâtre
Quotidien, de Marselha (TQM). Durante esse
mes
-
mo
período
,
Marcel
Bluwal
fez
c om que
eu
entrasse
na
tele
-
visão francesa
para participar
de
programas
para jovens. Fu i
o autor de 26 comédias mudas, um a
série intitulada:
La belle
equipe
realizada po r Ange Casta, com
os
atores
da Escola.
A Escola se
desenvo
lvia rapidamente e
precisei
fazer
uma
escolha. Decidi, então, dedicar-m e totalmente à
pedagogia,
não para abrir um
simples
curso , mas para fundar
uma
escola
verdadeiramente grande. Na
verdade,
sempre
quis e gostei de
ensinar,
mas
ensinar,
sobretudo, para
conhecer.
ensinando
que posso continuar minha busca, no
sentido
de conhecer
o
movimento
.
ensinando
que
compreendo
melhor como
tudo se movimenta.
ensinando
que descobri
que
o
corpo
Para distinguir a mím ica, c
om
o compreendida po r Lecoq, da mímica c
on
-
vencionaI, esta úl t ima é colocada entre aspas . [N.T.]
34
sabe
coisas que a
cabeça
ainda não
sab
e Essa pesquisa me
fascina e, aind a hoje, desejo co
mp
artilhá-la.
m
es ol
mmov m n to
A Esc ola foi fundada n o dia 5 de dezembro de 1956, n o
número 94 d a r ue d 'Amsterdam, em Paris. De pois, um mês
mais tarde , tr ansferi
da
para os estúdios de
dança
n o número
83 da ru e
du
Bac, onde
ficou
por onze anos . O curso começou
com máscara neutra e com
expressã
o co rporal, commed ia
dell'arte,
co r
o e tragédia grega, pan t
omim
a branca, figuração
em mímica, máscaras
express
ivas, música e, como
base téc
nica, a acrobacia dramática e a m ím ica de ação. Muito rap i
damente,
acrescente i
um trabalho
sobre
impr
ovisaçãO falada
e escrita.
Í amos do
silêncio à palavra po r
meio
do
qu
e
vi r
ia
constituir
o
grande
tema
da
Escola:
A Vi ag
em
.
Ao
fim
de
três
anos, em 1959, formei uma companhia com
alguns
alunos :
Liliane
de
Kermadec,
Hélene Chatelain, Nico
le de Surmont, Philippe Avron, Claude
Evrard,
Isaac Alvarez,
Yves
Kerboul,
Elie Presmann, Edouardo Manet . Com eles,
realizei um espetáculo baseado em mímica, intitulado Car
-
nets de voyage
que mostrava as
diferentes direções
da
mím
ic a,
aberta ao teatro e à dança, assim como eu os concebia. Esse
espetáculo comportava coro com máscaras, música concreta,
figuração
em
mímica, pantomima branca, número cômico,
melodrama
coletivo
e
commedia
dell
'arte.
Em 1962, apareceram
pela primeir
a vez os clo
wns.
Ex-
plorando o domínio
do
derrisório e
do cômico, descobri
a
busca
do
seu
próprio clown ,
que daria
ao at
or
uma
grande
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 20/121
Na Escola rue du Faubourg aint Denis 57 Paris.
liberdade para
si
mesm
o. Essa exp lo
raçã
o
pr o
v
oco
u a abe
rtu
ra de um vasto território dramático e enc
ontrou
seulugar em
seguida, em
numerosos espetáculos.
No
mesmo período,
co -
mecei a trabalhar
com
as
máscaras do carnaval
de Bali
más
-
caras larvárias antes da maquiagem
para
a festa e
também
investiguei a abordagem
dos
textos
dramáticos.
Tendo se
ampliado,
em 1968 a Escola que funcionava
num
espaço muito apertado
nuns
estúdios de dança deslo
cou-se para um a antiga fábrica de balões na rue de la Quin -
tine. Nesse novo espaço, ela ganhou sua verdadeira dimensão.
Os clowns desenvolveram-se em grandes grupos. Pela primei
ra vez fazíamos encomendas aos alunos do
pr
imeiro ano: nó s
os
mandávamos par
a fazer pesquisas
em diferentes
ambien-
tes alimentando ass
im ,
os espetáculos que apresentavam na s
sessões noturnas.
Os eventos
de maio de 1 96 8 confirmaram
o
ensino
da Escola
e o
desejo dos
a luno s de
nela trabalhar
.
Fomos
certamente um a das ra ras escolas que funcionaram
durante esse
período.
A juventude explodia, enquanto
nó s
ex
plodíamos os gestos e os textos, em busca de
uma
linguagem
que lhes devolvesse o sentido. No mesmo ano, a pedido de
Iacques Bosson
arquiteto
e professor muito
criativo,
t
ornei
-
me professor da
Escola
Nacional de Belas-Artes Université
de Paris 6 ,
em
Paris. Comecei minhas pesquisas sobre os
es
paços
construídos e a adaptação da
pedagog
ia
do movimento
na
formação de arquitetos. Essa experiência
durou
vinte
anos
e muito contribuiu
para
a minha
pedagogia
do
teatro,
espe-
cia lmente no qu e d iz respeito ao espaço
do
jogo. Esse trabalho
levaria à
criação de um
departamento
de cenografia
no seio
da
Escola: o Laboratório
do Es tudo
do Movimento LEM .
37
I
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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ncontr r seu
lug r
De 1972 a
1976,
f omos d e um lugar p ara o utro, d o
Thé âtre
de
la Ville ao Centro
Americano
(um vasto espa
ço
sem aquec imento , onde dávamos
aulas
enrolados
em
cobertores ), com
um
breve retorno à ru e de la Quintine.
Naquelas condições
particularmente
difíceis,
vi abrirem-se
diante
de mim novos
te rr i tór ios dramáticos, que
ia m am
pliar o campo
da minha pedagogia
e conduzir a
novas
cria
ções: o melodrama e os bufõe s, o s
quadros
mímicos, os
mímicos-contadores . A pantomima da s imagens
substituía
a das palavras . O melodrama lutava contra seu clichê
gran
diloquente e
revelava
grandes sen timentos escondidos. Os
bufões apossavam-se de todas as paródias , ao mesmo tempo
que faziam surgir um a
nova dimensão
sagrada. Os contado
res
descobriam
novas
linguagens
gestuais.
Em
1976,
enfim,
descobrimos nosso verdadeiro espaço, no núme ro 57 da r ue
du Paubourg-Saint-Denis:
a
ex-Central
de Boxe, um
antigo
ginásio onde se
praticava
a ginást ica de
Amoros (p ione iro
da educação física na França), construído c em ano s antes,
em 1876. Um verdadeiro símbolo Ali, as
multidões
e as
tr i
bunas,
nascidas dos
protestos
de 1968, ganharam impulso e
humanizaram o coro trágico - como o melodrama humani
zaria o herói, recolocando
-o
nas situações do cotidiano. A
commedia
dell'arte,
ligeiramente
esclerosada
nas sua s
fo r
mas,
sofreu
um a
reviravolta
e
retornou.
Ela liberou, então,
a comédia humana ,
d a q ua l
havia nascido,
mas q ue
havia
pouco
a pouco
esquecido
. Nos espetáculos,
os
clowns pe r
deram
seus narizes ,
mas
os
conservaram na pedagogia. O
cômico estendeu
-se
ao burlesco e ao
absurdo,
com o renas -
38
cimento do cabaré e do teatro de revis ta . Os bu fões fize ra m
c om que
outros terri tórios surgissem: o
do mistér i
o o
do
fantástico,
o do grotesco. Em seguida, tudo começou a se
misturar,
gerando
um a
grande química
dramática : o
melo
drama e o
coro
(o melocoro os clowns e os grotescos,
os
quadros mímicos
e o drama, os bufões e o
mistério,
a
melo-
mímic
Nossa viagem pedagógica horizontal
pelas
vastidões geo
dramáticas
desdobrou
-se progressivamente numa
segunda
viagem, verticalizando-se:
trabalhando
ao
mesm
o
temp
o a
elevação dos níveis
de
interpretação e a exploração
da
s pro
fundezas poéticas.
A dinâmica
das pal av ra s, das cor es
da s
paixões
e a essencialização abstrata do s f enômenos da v ida
conduziam
à
bus ca de
um denominador
comum.
Ma s
essa
busca implica conservar um a distância e se possível, o humor
necessário:
nunca
se esquecer de
que
o objetivo
da
viagem
.. .
é a própria viagem
Ainda
hoje, a
Escola
está em
permanente
movimento, a evolução
prossegue.
As
lições
são
diferentes
a
cada dia ,
ma s numa
ordem de progressão muito precisa. Os
alunos podem nos
levar
a questionar certos
aspectos,
ma s há
algo que permanece, e a
proposta
pedagógica é
muito
be m
construída. Algumas vezes me
dizem:
Uma
vez
construída,
n ão temos liberdade . exatamente o contrário Ainda
qu e
possamos dar
a impressão,
vistos
de fora, de
qu e
fazemos
sempre
a
mesma
coisa,
na
verdade tudo
muda. . .
mas lenta
mente Não
andamos a grandes
passadas,
somos
mais
pare
cidos com o
mar:
os
movimentos
das
ondas,
na superfície,
estão mais visíveis
d o q ue
os que e st ão po r baixo
mas todos
esses
movimen to s vêm do
fundo.
Na
Escola, há
sempre
essa
39
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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40
ideia submarina . Mesmo se, algum as vezes, p om os a cabeça
para fora rapidamente mergu lhamos
de
volta
entre
uma e
outra onda. A
Escola
comemorou,
em
dezembro de 1996, seu
aniversário
de
40
anos
.
gem
d
scol
A pedagogia
da
Escola desenvo l
ve-se
em dois anos, ao longo
dos quais
um duplo
caminho é
percorrido
:
de um lado
, a
pista
do i nt er pr et ar da
improvis ção
e
de sua s regras
; de
outro
a técnic dos
mo
vim ntos e
sua
análise. Essas duas pis tas sã o
complementadas pelos utocursos
em
que é elaborado o tea
t ro dos
próprios
alunos .
No começo da aprendizagem pesquisamos a interpreta
ção
psico
lógica silenciosa; depois a
pa rti r de
um est do n utro
-
um
estado de calma e de curiosidade
começa a verdadeira
viagem
pe
dagógica na descobert a das
dinâmicas
da
natureza.
Os elementos matérias
a
nimais cores luzes sons
e
palavras
são reconhecidos
no
corpo mími o m ção e
servem
à
inter
pretação dos personagens.
São desenvolvidosdiferentes níveis
de in
terpretação desde
a reinterpret ção à
máscara
expressi
va, da
máscara
de
personagem
à
máscara abstrata
,
passando
41
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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p or fo
rm
as e
estrutur
as. D ifi
cu
ld ades
enc
on t ra
das
n os
esti
los
ajudam a construir a
realidade
de o u t r a maneira. A
parte téc
nica,
baseada
na
análise dos m ovimentos ,
segue
as temáticas
de
impr
o
visação
.
Exercícios
preparam
o
corpo humano para
recebe
r e exp
ressar-se
melhor p r e p a r a ção co r p o r al e v oc al ,
acrobacia dramática, análise
das ações
físicas) . Essa
primeira
parte da viagem
é
acomp
anhada
a
bordando
-se as
linguagens
da poesia, da pintura e d a m
úsic
a.
A se g u n d a parte d a vi agem co
me
ça com
um
estud
o so
br
e a li
nguagem
d os ges tos. Ela p
repara um
a
expl
oração dos
difer
e
ntes
territór ios dram
átic
o s,
em
sua
extensão
, e
em
sua
re
laçã
o e
aderência
a
um f undo poético omum
e co m a gran
deza
d o s níveis
de
interp
reta
ção. Essa
viagem geodramática
se
dá em três
dimensões:
extensão, elevação
e
profundidade.
Ernbasa
-se
em cinco
territór ios
principais
, que geram outros,
conhecidos na
história do teatro e reconhe
cidos
ria v
ida atual:
o melodrama
os
grandes sentimen
tos ,
a commedia d ell arte
comédia
humana ,
os
bufões
do
grotesco
ao mistério , a
tragédia o
coro
e o h erói), o
clown
o
burlesco
e o
absurdo ,
aos
quais
se
juntam
as
variedades cômicas
. . .
Uma
técnica aplicada
a es se s
dife
rentes territórios faz a
carpintaria
da
interpretação
; e o aporte
de
t extos
dramáticos
enrique
ce a
criaç
ão em cad a
um
d os ter ritórios.
A cad a
etapa, aplicam
-se diferentes t ratamentos
do
exercício:
»
método
evolutivo,
que
vai
d o
mais simples
ao
mais
complexo;
» mé todo
das transferências
qu e
passa
de
uma
té
cnica
cor
po
r al a um a
expressão
dramática
justificativa dra
-
42
mática das
ações
físicas,
t ransferência das dinâmicas da
na t
ur
ez a p ar a a s pe rs o n ag e n s e
sit
uações);
» aum
ento e d
im
inuição d o gesto, d o e
qu
ilíbrio
à
re
sp i
-
raçã
o;
» gamas
e n íveis d e in
terpr
etação;
»
u nião do
gest
o e da vo z;
»
ec
on
om ia de m ov imentos, acidentes e de svios;
» pass
agem do
rea
l ao imaginário;
»
de
sco
be rt a d a interpret
açã
o e de suas regras as regr as
n ascem d a p rópria i
nterpre
tação);
» m ét
od
os d e restr
içõ
es de espaço, de tem p o e de
nú
mero .
Pesquisas
t
raduzidas
em e
spe
táculos, e u m a
prova
t écnica
o
enc
ad ea
me
n to d e vinte
mov
im ent os)
ence
rra m o p r i me i r o
an o.
Encomendas
aos al
un
os co
nc lue
m as
ativida
d es d o
se
gund
o an o.
São realiz
ad
os
espetácul
os, ligad os aos temas
expl
o
ra d
os ,
ao l
ong
o d o segundo
ano:
sã o
cr i
ações dos a lunos,
apresen
tações públicas
organizadas
em eventos três
vezes na t empo
rada .
O m ovimento, trazido pelo corpo humano, é n osso
gu
ia
permanente
n essa viagem q u e vai da vida ao teatro.
r
um
jovem
te tro de ri ção
O objetivo da E sc ol a é a
realização
de um jovem tea tro de
criaçã
o, que trabalhe linguagens em que a interpretação física
d o at
or esteja
presente. O a to de
criação
é suscitado de
modo
permanente, sobretudo
po r
meio da improvisação primeiro
4 3
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 24/121
j
po
nt
o
de
pa
rtida
par a qua
lque
r cri ação. A Escola visa a um
teatro de art e mas a pedagogia do tea tro é mais vasta
que
o próprio teatro. Na verdade sempre concebi
meu
trabalho
com um dup lo ob jetivo: de um
lad
o meu interesse está no
tea tro;
de
ou tro
na
vida .
Sempre ten
te i
forma
r pessoas qu e
ficassem bem nos dois lados. Talvez seja um a utopia,
ma s
gos
t
ar i
a
que
o
alun
o estivesse
vivo
na
v
id
a e f
osse
um
artista
no
palco. Além do ma is
nã o
se trata apen as de f
ormar
atores,
mas
de
prepara
r todos os
artista
s
de
teatro: au tores, diretores,
cenógrafos e
ator
es.
Uma
das originalidades d a Escola é
forn
ecer
um a
base tão
amp la e permanente quan to possível sabendo que, em segui
da cada um far á desses elementos o seu próprio caminho. Os
alunos que seguem nosso percurso adquirem um a inteligên
cia de in terpretação e desenvol
vem
seu imaginário. Isso lhes
permitirá inventar seu próprio teatro ou
interpretar
textos se
assim o
desejarem,
mas de um a
maneira nova.
A interpreta
ção é o prolongamento de
um
ato
criador.
No centro do
processo pedagógico,
a mprov s ção é às
vezes confundida com a expressão Mas quem se expressa
não
está,
necessariamente,
em s it ua ção d e
criação
.
Claro,
o ideal seria que criasse e se expressasse ao mesmo tem
po;
esse
seria
o
grande equilíbrio.
Infelizmente,
muitos
se
expressam deliciam-se com enorme prazer, e se esque
cem de que
não podem
fruir sozinhos esse
gozo
: o
público
também precisa
Muitos
professores costumam confundir
essas duas noções .
A diferença
entre
um ato
de
expressão e
um a to de
criação
consiste no
seguinte
: no ato de
expressão,
interpreta -se para
si me
smo,
mais do que
para
o público.
Sempre
observo se o
ato r emana algo se desenvolve em torno de si um espaço em
que os
esp
ectad
or
es estão
pre
se
nt
es. Muitos abs
or
vem esse es
paço
voltam
-no par a si
mes
mos deixando o
público
de for a
tornand o privativa a aç
ão.
Se alguns se sentem melhor de
pois da aula tra ta-se de um a aquisição suplementar m as me u
obj e
tivo
nã
o é
cu
rar as p ess
oas
por
me i
o do teatro. Num
processo
de
cri a ção o obje to criado
não mai s
pertence a
seu
cr iad or. O objetivo é realizar o ato de cr i ação: dar um fruto
qu e se de
spren
de da árvore
Em mi nha pedagog ia sempre privilegiei o m undo de fora,
não o de dent ro. A bu sca de si mesmo
das
p r
óp
r ias sensações
ín t
imas, pouco in teressa a nosso tr
ab
a lho. O eu é sempre de
mais. É p reciso ver co
mo
os seres e as coisas se mov imen t am e
com o eles se refletem
em
n ós.
É prec
iso pri
vi
l egiar o horizon
tal o vertical o que e
xis
te de
manei
ra
intang
ível for a de si. A
pessoa
se revelará a ela mesma em rel ação a esses
apoi
os no
m undo exterior. E se o aluno for diferente, isso será vist o nes
se reflexo. Nã o
busco nas lembranças
psicológicas p
rofundas
um a fon te de
cr i
ação em q
ue
o g rito da vida se confundiri a
com o grito da ilusão . Prefiro a distância do j
og
o entre
mim
e
o personagem, que permi te melhor
interpre
tar.
Os
ato res in
terpretam
ma l os textos
que
lhes dizem
respei
to em demasia.
Emitem
um tipo
de voz
branca,
pois assumem pa ra si um a
par te do
texto
sem
conseguir
dá
-la
ao
públ
ico.
Acre
ditar ou
identificar-se
não
é suficiente, é preciso interpreta r.
Diante de um a improvisação, de
um
exercício faço cons-
tatações que não se devem confundir com opiniões
Qu
ando
5
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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P rimeiro ano
Segundo an o
Encomendaslowns
ragédia
Co
mmedia
de ll arte
Melodr
ama
Bufões
cí
Ling uagem
dos gestos
de
estilo
Música
Poesia
intura
Matérias
6
squema pedagógico
7
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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o pn eu de um carro es tour a, isso não é u
ma
opinião, é u
ma
ve
rd
ade Eu constato. Opiniões só
podem
s er e nunciadas de
poi s, a p
artir de
um a referência ao
fato
real. A co
ns t
a
tação
é
feita
pe l
o
professor, circundado de a lunos.
Quand
o co
nstat
o
algum a co
isa,
h á e m mim uma ressonância do s a
lu n
os n aqui
lo que vou dizer. Cabe a
mim
f
ormular
a constatação, mas é
im p
o
rtan
te
qu e
ela sej a c
ompartilhada por todos. Pou
co
in te
ressa se, depois de
um a
improvisação
, um pr ofess or de teatro
tem
v
ontade
de d izer:
gost
o disso . . . , ado ro aq
uilo
. . . . Cada
um
p
od e
g
ostar ou nã o
d o
qu e vi u
, is
so
é
um a
o ut
ra
coisa. A
c
on s
t
ataçã
o é o
olhar que
se foc a
na
coi sa vi
va,
t
en
t a
nd
o ser o
m ai s objetivo possível.
A crítica
feita
a um trabalho
nã
o é
um a
cr ítica do
be m
o u do mal, é um a crítica do justo do longo demais do curto
em is
do
interessante
do
desinteressante
Isso pode
parecer
pretensioso, ma s
só no s interessa
o
qu e
é justo:
uma dimen
são ar tística, uma emoção, um ângulo, um a relação de cores.
Tudo
i sso exis te em
obras que, independentes da dimensão
histór ica, duram. Isso todo s
podem
senti-lo, e o
público
sabe
perfeitamente
quando
é
justo
Se ele nã o sabe p or quê, nó s
devemos sabê-lo, poi s somos , a lém de
tudo
.. . especialistas.
Sempre intervenho em
f unção de
um a referência ao mo
v im en to . Por que o interesse está cain d o? Po r
qu e
temos a
impressão de qu e
algo
nunca
va i
terminar?
São constatações
simples, a serviço de um a organização viva; aliás,
toda
orga
nização viva
p rovém do
movimento,
como um a
subida,
um a
descida,
um r i tmo. Podemos reencontrar essa
organização
em
cada uma das improvisações.Nesse sentido, a Escola também
48
é
um a
escola do olhar. Qualquer
um
pode dar um tem a d e
improvisação, o p rob lema é
sabe
r o qu e se d
ir
á de
po
is
Nã
o
se
trata
de
transm
itir
um
saber
automáti
co, m as
de
te
nt ar
com p re en de r junto,
de
en con t ra r ent re o aluno e o p r
ofe
s
so r um p
on
to m ai s alt o , que faça com que o professor diga
a seus alunos co i
sas
que n u nca pod eria te r
di t
o sem eles e,
nos alunos , suscite, p o r meio d a vo
nt
ade, da cu r iosidade, um
con h eci
me
nto.
Os p
on
to s de v
ista são, no
en t
an
to ,
be
m -v in
dos:
é p reci
so qu e,
em
seu t raba lh o d ramático, os alunos
te
nham ideias
e op iniões, m as , se nã o est i
vere
m an coradas n o re al, ess as
ideias
se
rã
o inúteis. O
mesm
o fen
ômen
o existe na
pintura:
Co
rot,
Céz
anne
ou Soutine
pudera
m p i
nt a
r tod o o
ti p
o
de
árvo res, t r ansfigurá-las, ca p ta r
um
a faceta, trabalhar
um a
ce r
ta
lum i
no
si
da
de,
mas
se
nã
o
existis
se
a
Árvore
naquilo qu e
pinta ram , nada te r ia
acontecid
o Voltamos sempre à obser
vação das coisas, a o mai s próximo poss ível
da
natureza e
da
realidade
humana .
Acredit
o
muito
nas pe rmanências ,
naqu
ilo
qu e
é a Árvore de todas as
árvores
, a Máscara de todas as
m áscaras': o Equilíbrio de todos os equilíbrios . Talvez
essa
tendência pessoal
constitua
um obstáculo,
ma s
é um obstá
cu lo necessário. A partir de uma referência
reconhecida,
qu e
tende à
neut
ralidade, os alunos encontram su a
própria
posi
ção.
Logicamente, essa
neutralidade absoluta e universal
nã o
existe
, é
apenas
um a
tentação
.
por
isso
qu e
o
erro
é
interes
sante. O
absoluto
nã o
pode
viver
sem
o erro. A diferença entre
o
polo
geográfico e o polo magnético do globo
me
interessa
muito. O
norte
n
ãoest
á exatamente
no
norte
Há
um
ângu
lo
e, felizmente, esse ângulo
existe.
O erro não somente é aceito,
49
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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mas é
necessário
para que a
vida
continue, exceto se
for mu i
-
to grave.
Um erro
grave é
catastrófico,
mas um
pequeno
erro
é essencial
para
se
viver
melhor.
Se
não houver erro,
ces sa o
movimento.
a
morte
usc
d s
perm nên i s
Ao
lado da improvisação,
a segundagrande
pista
da Escola
diz respeito
à
análise dos movimentos .
O movimento não é
um
percurso,
é uma dinâmica, outra coisa que
um simples
deslocamento
de
um pon to
a
outro.
O qu e
importa
é
como
o
deslocamento
é fei to. O
fundo dinâmico
do
meu ensino está
constituído pelas
relações de
ritmos, de espaços
e
de
forças.
O
importante
é a
parti r do corpo humano
em
ação,
reconhe
cer
as leis
do
movimento: equilíbrio desequilíbrio oposição
altern ância compensação ação reação.
Leis
que
se
encontram
não
só no
corpo do ator, mas
também
no
do
público
. O es-
pectador sabe
perfeitamente
se há
equilíbrio
ou
desequilíbrio
numa
cena. Existe
um corpo coletivo
qu e
sabe
se
um espe
táculo está
vivo ou não.
O fas tio
coletivo
é
um
sinal
d o n ão
funcionamento orgânico de um
espetáculo.
As leis
do
movimento
organizam todas
as
situações tea
trais. A
escrita
teatral
é
uma estrutura em movimento
.
Os
te -
mas po
dem mudar,
pois
pertencem ao
mu
ndo
das ide
ias mas
as
estruturas
de
interpretação
permanecem li gadas ao movi-
mento
e a
suas
leis
imutáveis
.
Em arquitetura, ao concretar
a
abóbada,
se se
exagerar
no
cimento, tudo desaba. No teatro,
às vezes se
vai longe demais sem saber
se tudo
vai vir abai
-
xo .
preciso
então,
encontrar dent ro de nós
essa
arquitetu
-
ra. Os movimentos
exterio
res
são
aná
logos aos
mov imentos
50
interi
ores,
a lingu
age
m é a me
sm
a . D es
cobr
ir a
poética da s
permanências, que faz
nascer
uma
escrita
eis a
minha
grande
fascinaçã
o.
Sempre
defendi
a
ideia de uma pedagogi
a
da mím
ica aber
ta.
Fazer mímica
é
para
o
ator,
para
a
escrita
e
para
a
inter
-
pretação
um ato fundamental,
o
a to p rime ir o da criação
dramática.
No cen tro
ponho
a
ação
da
mímica
no ato
como
se fosse o próprio
corpo do
teatro:
poder
interpretar sendo
um outro,
poder dar
a
ilusão
de qualquer coisa.
Infelizmente,
a
palavra
tornou-se
capciosa, codificada, esclerosada. Send
o
assim, preciso
especificar aquil
o
que entend
o
po r
mímic
.
A
mímica congelou-se a partir do momen to em que se
desli
-
gou do
teatro. Voltou-se
para si
mesma
e
apenas um certo vi r
-
tuosismo pôde lhe da r
sentido.
O teatro
francês
acabou po r
rejeitá
-la completamente, para além de suas fronteiras,
como
sendo um espetáculo
em si.
Mas
o
ato
da mímica
é
um
grande
ato, um
a to da
infância:
a criança faz mímica do mundo para
reconhecê-lo
e preparar
-se
para vivê lo . O
teatro
é
um jogo
que dá
continuidade a e sse fato. O termo
mímica , hoje
em
dia, está tão
reduzido que é
preciso
encontrar
outros.
po r
isso
que, a lgumas
vezes
utilizo
o termo
mimismo (tão
bem
esclarecido
po r Marcel Iousse em seu Anthropologíe du geste
qu e não se confundirá com mimetismo O mimetismo é um a
representação
da forma; o
mimismo
é a
busca
da dinâmica
interna do sentido.
Fazer
mímica
é faire corps avec incorporar-se a para com
preender
melhor. Aquele
que manipula
tijolos
durante um di a
inteiro,
e
po r
vários
dias
chega
a
um momen to em que n ão
sabe
mais
o que
está manipulando.
Tal ação se torna automá-
51
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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tica. Se l
he pe d
i rmos
para
fazer a m
ím i
ca
da manipulaçã
o d
os
tijo los, ele
encontra
rá a sensação desse
ob
jeto seu peso, seu vo
lum e. Em pedagogia, esse
fenômeno
é interessante: fazer mí
mica
pe
rm ite redescobrir a
coisa
com
mais frescor. O ato de
fazer
mímic
a é aqui um conhecimento.
Não
vamos
confundir
essa mímica pedagógica com a arte da mímica que
atinge
a
grandeza da transposiçã
o,
especialmente
no
teatro
n ô
japonês
quand o o ator, apenas com o vibrar do
leque
faz mímica de
sua raiva.
Existe
igua
lmente um a mímica escondida que se encon
tra em tod as as a
rte
s. T
od
o verdadei
ro
artista é um m
ímico
.
Se
Picas
so pôd e p in
ta r um touro
a seu modo , foi
po r
antes
já te r v i
sto
tan tos tou ros,
que
essencializou - primeiramente,
nele mesmo - o Tou ro, para seu
gest
o poder surgir depois.
Fez mím ica A mímica fei
ta
po r pintores escultores é muit o
boa , faz
parte
do
mesmo
fenômeno. Uma
mímica
imersa que
faz n ascer cr
iações
tão diversas, em todas as
artes
. Eis por que
pude passar do ensino
do
teatro ao da arquitetura, inventan
do os a rquitetos-mímicos . Eles fazem mímica dos
espaços
exis tentes , pa ra conhecê-los; e, depois, dos espaços a serem
construídos
antes
mesmo
de realizá-los para
que
essas reali
zações
sejam
vivas.
Par a mim
a
mímica
é
parte integrante
do
teatro
, e
não
um a arte separada
. A
mímic a d e que
gosto é a do
id
entifi
car-se às coisas, para dar-lhes vida mesmo quando a palavra
está presente. Os italianos
conhecem
isso muito
bem.
Passei
a
entendê
-los
melhor
vendo Marcello
Moretti
em rlequim
servidorde dois amos ou
ainda
Vittorio Gassman ou
Dario
Fo.
Fui inspirado po r essa
comédia
típica - em mímica mas tam
bém
falada
à italiana - e, em seguida adaptei -a pa ra o ensino.
52
Eis a
razão
de
nu
n ca ter posto,
no nome
da Escola, a palavra
mímic
isolada. No começo, pus Mímica, educação do ator ;
depois, M
ím i
ca e teatro , M ím ica, mo vimento, te
at
ro ,
para
en tão, definir : Escola In t
ern
acion al de T
ea
tro.
A grande força da Escola são os aluno s. São pe rm anen
tem
e
nt e
con
vidados
a ob
ser
var a si m es
mo
s e
of
erec
er
-
no
s
seu própr
io
teatro
. Mesmo s
uger
indo te
mas
, f
azen
do p rop
o
s
ições
, p rov
ocando-
os , im po ndo-l
hes
dificulda des, só
pode
m os apr ofunda r o trabalho se eles estive rem int eressados. No
en tanto, mu
it
as veze s os alunos são co
ntra
d itór ios. preciso,
ao mesmo tempo o
uvi-los
e não escutá-
los
demais.
tam
bém necessário opo r
-se
, br igar, p ara
levá-l
os a
um
verdad
ei
ro espaço poético.
Alg
umas vezes, essa d imensão é di fícil de
at ingir. À
sua
falta
de imaginaçã
o, é p reciso responder com o
fantástic
o,
com
a
belez
a,
com
a l
oucura
da
belez
a.
Os
p rofessores também
participam da
ev
oluçã
o da Escola.
Todos os professores
qu e
me acompanham são antigos alu
nos , e, assim, temos um a linguagem em comum e as mesmas
referências cada
qual
com
sua
personalidade. A busca curiosa
e a p
rocura
do conhecimento são algo comum a
todos
nós.
Entre os
professores que tr
ouxeram sua colaboração à
Esco
la, Antoine
Vitez
tem
um
lugar e spec ia l: é o único que
não
foi me u aluno.
Na
Escola,
de
1967 a 1969, deu seus
primeiros
passos como professo r
de
teatro.
Eu lhe hav ia con fiad
o um
trabalho sobre a
abordagem
de
textos
que distinguimos de
interpretação Mais tarde no Conservatório Nacional de Arte
Dramática
ele
conservou
essa concepção
fundamental.
53
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Quarenta a no s a pó s
sua
abertura, a
Escola permanece
para
m im um
l ugar de
busca
permanente Sempre se
apro
-
fundando,
dia a dia ela se torna cada vez mais interessante. A
novidade não é
em
si indispensável. Ir ao fundo de alguma
coisa permite descobrir que ela contém tudo.
Você passa sua
vida
numa gota d água e vê o mundo
54
mun o s us movim ntos
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uxar empurrar
m
págin
m r
n
Vindos de
diferentes
países os alunos
sã o
ad m itidos
para
um
t rimes tre de
experiência no
primeiro
ano.
Têm em mé dia
e nt re 2 4 e 25 anos e j á t razem um a
vivência
teatral. Geral-
mente
os estrangeiros
concluíram
um a escola de
teatro
em
seus
próprios países;
os
o u tr os j á p as sa ra m po r
diferentes
estágios
ou works ops
preciso
então começar eliminando
as formas
parasitárias
qu e
nã o lhes
pertencem retirar
tu d
o
aquilo
qu e
possa
impedi
lo s
de encont ra r a vida e m s ua
for-
ma mais
próxima
daquilo que ela
é.
Temos de reti rar
u m p ou -
co
daquilo
qu e
sabem
n ã o p a ra
simplesmente
eliminar o qu e
sabem mas para criar um a página em branco disponível para
receber os
acontecimentos
externos.
Despertar
neles
a grande
curiosidade indispensável
à qualidade da interpretação eis
o objetivo do pr imeiro ano.
Ao
longo deste primeiro
an
o de
descoberta
de
conhe
-
c
imento
plantamos as
raízes
da
interpretação
e da
criaçã
o
57
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principalmente
a p
arti
r
da
improvisaç
ão
e d a a nálise d
os movi-
mentos da
vida.
Uma ligação
co
nstante une essesdois
aspectos.
Trata se de trazer para fora
po r
meio da
impro
visação o qu e
está dentro;
a técnica ob jeti
va
do m ovimento por outro
lado
permite no s concluir o
proces
so inverso de f
or a
para dentro.
No ter re no d a improvisaçã
o
sucedem
se
algumas gran
-
des
etapas
de trabalho desenhando
o
percurs
o
pedagógico
do
pr imeiro ano.
Paralelamente é abordada a
análise dos movi -
mentos nu m percurso
também
estruturado e progressivo. Esse
trabalho é
acompanhado
de um a preparação corporal e vocal
de aulas de
acrobacia dramática
de
malabarismo
e de lutas.
o an o
to d
o
oferecemos aos
alunos a
possibil
idade
de
um a
pesquisa
de
criação pessoal a partir do s autocursos Nesse
trabalho
se m
professor os alunos
recebem
cada semana um
t em a q ue d ev em t ra ta r
à
su a maneira
.
se u
próprio
teatro.
Esse
espaço de liberdade
é
essencial
por
permitir nunca mais
esquecer
o
objetivo
principal da Escola: a
criação.
Ao mesmo
tempo facilita tam b ém a
aplicação de
tudo aquilo qu e é tra-
ba lhado nas aulas e revela o ta lento dos
alunos
seu senso de
interpretação e de
escrita
dramática.
Os
t r ês
eixos de traba lho
d o p rimei ro
an
o tratados
em
separ
ad o
na s páginas
qu e
seguem
na
real idade es tão es tre i-
tamente ligados e imbricados
ao
l on go d e todo esse período.
mprovi
sação análise dos
movim ntos e
criação pessoal
pe r-
manentemente se cruzam e completam
se
p ar a p ôr o aluno
em co ntato o
mais
próximo
possível
co m o mundo e
seus
movimentos
.
58
mprovis
ção
silên ntes
d
p l vr
REINTERPRETAÇÃO E INTERPRETA ÇÃO
Po r
meio d a
reinterpretação psicológica silenciosa ab
ordam
os
a improvisação. A
reinterpreta ção
é a
maneira
mais s imples
de rest i tu ir
os
fenômenos da
vida.
Se m nenhuma transpo-
sição
se m
exagero
o
mais
fiel
poss
ível ao real à
psicologia
dos indivíduos
os
alunos sem preocupar se co m o público
fazem
reviver
um a
situação:
um a sala de aula um a feira um
hospital
o metrô . .. A
interpretação vem mais
tarde quando
o ator consciente d a d imen sã o
teatral
dá
um
ritmo um a
medida uma duração um
espaço
um a forma à su a impro -
visação agora
para
um público.
Nas
transposições teatrais
mais
audaciosas
a
interpretação
pode
estar
muito
próxima
da
reinterpretação
ou distanciar se
dela
intensamente; porém
jamais deve esquecer
o ponto
em
qu e
está
ancorada ou
seja
59
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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na re alida de. Uma grande par te da min
ha
pedagog ia co
ns
iste
em
fazer os alunos descob rirem essa lei .
Co
meçamos pe lo
silênci
o, pois a pal avra ignora, n a ma io
ria das vezes, as
ra
ízes de onde s
aiu
, e é desejável que
desde
o
princípio, os alunos se coloqu em no âmbito da ingenuidade ,
da
in
ocênci ae da cu rios
idade
.
Em
t
oda
s as
rela
ções
human
as ,
aparecem du as gra
ndes
zonas silenciosas: an tes e depo is da
palavra.
Antes, ainda não fal
am
os, encontramo -nos
num
es
tado de pu dor ,
que
permite à
pal
avra nascer do silêncio, a
ser
mais fo rte , por tan to , evitan do o discurso, o exp
licativ
o. O tra
balho sob
re
a natureza humana, n essas situações silenciosas,
pe
rmite
encont
ra r
os momentos em que a pa lavra
ainda
não
existe. O ou
tr
o silêncio é
O
do depois, quando
nã
o há ma is
nad a a dizer. Este nos i
nt e
ressa menos
As
primeiras
improvisa
ç
ões servem para
eu obser v
ar a
qualidade de interpre tação dos alunos: Como interpretam ·
coisas muito simples? Como se calam? Alguns
acham que
es
t ão d iant e de um a restrição que lhes impediria de falar; mas
não impeço nada, apenas
lhes
pe ço
para que silenciem
pa ra
melhor compreende r o debaixo das palavras.
Desse silêncio
só
há
do is meios de sair: a palavr a ou a
ação. Em determinado momento
quando
o silêncio está
pe
sad o demais o
tema
se libera e a palavra assume o lugar. Po
demos então
falar,
mas
só se for necessário. O outro
meio
é o
da
ação: Faço
alguma
coisa ,
No começo
, os
alunos
querem
de todas as maneiras agir, provocar situaçõ es
gratuitamen
te .
Fazendo isso , ignoram
completamente
os
outros
atores e não
jogam / não in
terpretam
com Mas o jogo / a interpretação só
60
pode esta
be
lecer- se na relação com o outro.
É
p reciso fazê-los
entende r esse fen ômeno essen
cia
l : rea
gir é
rea lçar a pr opos
ta
que vem
do
mun do
de
fo ra . O mundo
in t
er io r revela -se
por
re a
ção às provocações que vêm do m undo exterio r. Para
jogar in te rpretar, de nada adiant a ir
busca
r em si a pr ópr ia
sensibi
lidade
, su as le
mbranç
as, o mund o d a
sua
i
nfânc
ia.
Par
ad
o
xa
l
mente
, um dos temas
ma i
s a
ntigos de
i
mp
rovi
sação, queproponho n o com eço do ano, é O quarto de criança
Vocês
voltam
depois deum
longo
período
para
rever seu quarto de
quando eram
pequenos
Fizeram uma longa viagem
para
isso vocês
param
diantedaportaea abrem
Como
vão abri la?Como entrarão? Vo
cês
redescobrem o quarto: nada mudou cada objetoes á em seu lugar
Vocês
encontram
todas
assuas coisinhas de
quando
eram pequenos:
os brinquedos os
móveis
a cama
Essas
imagens do passado voltam
até vocês a té o momento e m qu e o presente reaparece E aí
vocês
deixam oquarto
O quar to desse tema não é o da minha n ância mas um
qu ar to d e cri
ança
, ond e se interpret a a redescobe r
ta.
A di
n
âmica
da lembrança
importa
m ais que a
lembrança
em si.
O
que acont
ece ao chegar a um lugar qu e se acredita es tar
descobrindo pela primeira vez? De repente , um estalo: Já vi
isso . Estamos em
um a
imagem presente e,
repentinamente
,
chega uma im
agem
do passado. É a relação entre essas du as
imagens que
constitui
a
interpretação.
Logicamente aquele
que
improvis
a faz um a
busca na
própria memória, m as essa
lembrança também pode se r imaginária.
Eu
me lembro
de
te r dado esse tema po r ocasião de um
estágio na Alemanha. Uma moça h avia interpretado a redes
coberta de um anel em sua ve
lha
caixinha de
joias.
Instintiva-
6 1
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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mente, ten tou colocá-lo n um dedo , m as o an el era pequeno
demais.
Então
ela o pôs em seu dedo m ínimo.
Essa
improvi
sação provocou uma enorme
em
oção. Mas será que ela havia
inventado esse anel? Ou ser á que
está
vam
os di
ante
de um a
lembrança real? A
impr
ovisação, às vezes ,
mex
e com coisas
muito íntimas, mas elas pertencem àquele que
interpreta
.
Nunca peço aos alunos
para encontra
r
em
si
um
a
lembrança
verdadeira.Não
quero
en trar
emsua
in t
imidade
n em em seus
segredos.
Esse tema é i
nterpretad
o
individualmente
,
diante dos
ou
tros alunos. Tratando-se de
uma interpreta
ção diante
de
um
público, não det ermino
um tempo
fixo para que se realize,
mas fico atento à d
uraç
ão dram ática
que
se instala,
pa
ra
qu e
isso seja interess
ante
e
ju
sto. A improvisação é fei ta
em
m í
mica: assim,
renova-se
a
sensação
em
relação
aos
objetos
e
é possível im
aginar
mu
it
os
ob
jetos
sem nenhu
m
objet
o
real
para atrapalhar-se.
o grande tema-piloto
que domina
as
primeiras improvi
sações silenciosas, é A Espera O principal motor
da interpre
tação está nos olhares:
olhar
e
ser olhado
Na vida esperamos
o tempo
todo
, em toda parte com pessoas que não conhece
mos: no banco, no dentista. Essa espera nunca é abstrata; ela
se nutre de diferentes contatos: age -se e r eage-se. Ten
tamos
recuperar isso
na
improvisação e, também,
observando
a v
ida
real. Pois a lembrança
não
é suficiente
para
a interpretação.A
cada momento precisamos voltar à percepção
do que
é vivo:
olhar as pessoas
andando na
rua
esperar numa fila , observar
seus comportamentos.
62
O tem a proposto é o
da
união psicológica qu e situo de
propós
ito,
num
con tex to clichê ;
be
m bu
rguê
s,
ma
s
qu
e po
deria estar em qualque r
ou
t ro espaço, até indefin
id
o.
Vo cê foi convidado para ir à
casa
deuma senhora muito
rica
.
para
par-
ticipar deum coquetel.
por
volta dasc nco da tarde . numa sexta'feira
Nin
guém
se conh
ece.
No
chão. um grande tapete persa; no teto. um
lustre venezi
ano:
naparede. um
quadro renasc
entista. seguramente
falso Do outro lado uma pequena co luna com
um va
so chinês mui,
to bon ito:
é
um apartamento no segundo andar. chique. em Paris. no
éme
arrondissement. com
uma
grande sacada estilo 1925 1930 de
frente para
um
aaveni
da No
fundo
um serviço completo
com
coqu
etéis
uísque.sucos defruta. petiscos..
C
hegam cinco
pess
oas. na entrada,
uma
apósa outra;
sã
o
introdu
zidas
porum mordomo: passam por
uma
outraporta.porum corredor eal-
guém lhesdiz:
É
aqul . Oprimeiroa entrar não
sa
beque éo primeiro:
c
hega
e
não
há
ní u
é
Apen
as ele.
Um seg
undo
c
hega
,
depois
um
terce
iro. um quarto , um quinto ... Obviamente a anfitriã ja
mais
virá
Confron
tam se. então com umasituação
silenc
iosa.emque
não
ous
am
fa
lar
seme
lhante à
das
salas
deespera.
Esse
trabalho
faz
com
que apareçam muitas
derivações.
Por um lado , aspectos pantomímicos quando os alunos
substituem
po r gestos, palavras
q ue n ão
podem
dizer;
ou
quando fazem caretas para expressar-se.
Po r
outro lado mui
tas vezes, eles
veem
. . . antes
de
ver Antes
d e ter
visto, eles
indicam
que veem: é só um simulacro. Fazem o gesto
antes
mesmo
d e t er s id o
encontrada a sensação
motora. Quando
a primeira pessoa entra
el a não
s abe que é a primeira. Há
portanto esse tempo extremamente importante, da surpresa
63
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 34/121
que é o próprio tempo da
interpre
tação do at
or
. Ele, ator, co
nhece o
fim
da
peça,
não o personagem
Nas
entradas
que
se sucedem, surgem também os e fe i
tos
de mimetismo da
duração
e
da distância
. Os
primeiros
dois
atores
a
entrar impõem um tempo
que,
imperativamen
te, deve s er quebrado pelo
terceiro, caso
se queira que isso
continue
vivo.
É
preciso
qu e
se
encontre
um
ritmo e
não
um
an mento O andamento é
geométrico
, o
ritmo
é orgânico.
O andamento pod e
ser
definido , enquanto o ritmo é muito
difícil de ser apreendido. O
ritmo
é a resposta a um elemento
vivo. Pode
ser
uma
espera,
o u uma ação. Entrar
no r itmo
sig
nifica
entrar
exatamente no grande motor
da
vida. O
ritmo
está
no fundo
das
coisas, como um
mistério.
Evidentemente,
não digo isso aos alunos,
senão nã o conseguiriam
fazer
mais
nada. Eles têm de descobri-lo.
F
requentemente,
nesse
t ipo de
situação, as pessoas se
posi
cionam
numa
relação simétrica. Instalam-se
a
igual distância
umas das
outras, alinhadas lado a
lado, uma
atrás da
outra
ou em círculo .. . estamos, então, na mesma situação do fe
nômeno das entradas baseadas em andamento. Disposições
que só
podem ser militares ou rituais, que não são in
terpre
táveis dramaticamente. Qualquer grupo ten d e a inscrever
-se
em
um a geometria
da batida, do andamento,
que
não pode
ser confundida com a
geometria
dinâmica. Cada um dos pe r
sonagens deve
estar, ao mesmo
tempo, no
grupo e,
diferen
temente, encontrar seu tempo pessoal , seu espaço particular .
A situação inversa também se apresenta:
alguém
entra e,
para parecer original custe o que custar, age como um caso
clínico, adotando um
compor
tamento dos mais extravagan
tes. Estamos, então, do lad o oposto ao d o m imetismo e
ao
64
do
aspect
o cordeirinho Obv iamente ,
nã o
é o
que
buscamos,
ainda
que
isso possa
significar um a
provocação interessante
para os
ou tros.
Caso ti
vessem
alguma dificuldade para reagir,
ao menos aí eles te riam um a chance de reação. Mas a reação
seria então coletiva: todos contra um .
Como
o nascimento
de um
coro, diante
do herói acidentado
RUMO Às ESTRUT
URAS DA
INTERPRETAÇÃO
Depo is de um primeiro trabalho
sobre
A Espera retoma
mo s o tema a partir de sua s depurações . Pa ra reto
rnar
ao
tema, abandon amos a
dimensão
anedótica, conservando
dele
apenas o motor: apresentam -se, então, outros temas, outras
imagens, outras situações, outros personagens.
Duas
pessoas secruzam param pelo olhar e cria se uma situaçào
dramática s lenciosa
após
o cruzamento Depois uma terceira pessoa
passa e observa asduasprimeras seguida uma
quarta
queolha
astrêsprimeiras
Pouco a pouco encontramos, po r acumulação, o tema
an
terior, porém apenas
em
sua estrutura. Não há mais imagens,
um
suporte preestabelecido, mas s implesmente
um
motor
dramático,
qu e
pode ser desmontado, analisado. Dessa es
trutura
de
base, podemos tirar e realçar diferentes
subtemas,
que
podem ser
recompostos sob
o tema geral:
Aquele
qu e
.. . .
Reduzidos a esse
motor,
os temas
psicológicos
livram
-se
de
seu caráter
anedótico
e
chegam
a momentos particulares
de
interpretação,
que permitem olhar
com
grande precisão um
detalhe qu e, a partir
daí,
to rna-se o grande tema. ''Aquele que
acredita qu e . . . masnão : aquele qu e acredita que o esperam,
65
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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aquele que acred
ita qu e o dete
sta
m,
aquele qu
e acredi
ta
ser o
mais forte, aquele que acredita qu e sorriem para ele .
Você está sentado em umcafé. Àsua frente. numa outra mesa.alguém
lhe
faz um
sinal discreto com a
mão.
Você sepergunta
se
o
conhece
ou
não. Por
educação.
responde domesmo
modo.
Ooutro. já mais
à
von
tade.
então
vai
fazer
coisasum
pouco
mais malu
cas: comgestos
mais
amplos. vai
brincar
com umobjeto. sorrir.
Pouco
a
pou
co.
estab
elece-se
uma conivência entrevocês dois. umdiálogo de gestosou deexpres
sões faciais. Por
fima pe
ssoa
selevanta.
vem
até
você. sorrindo
.
Você
.
por sua vez.
se
levanta para recebê-Ia... mas ela
passa
pertoe vaina
direção
dealguémqueestava atrás de
você
o
importante,
aqui é a
escala dinâmica
ascendente, em
que é
precis
o
trabalhar
todas as suas nuances. Elaboran
do essa situação progressivamente, chega-se à constituição
de
um a
verdadeira
estrutura
que,
se a
desenvolvermos, nos
aproximaremos das estruturas de interpretação da commedia
dell
'a rte.
As
situações são levadas
ao
limite: Alguém estácom
medo,
recua;
ar lequim tem medo, esconde-se embaixo do t a
pete,
ou
em si mesmo . Sempre tentamos leva r as situações
p ar a a lém do real inventar um a interpretação que
não seja
mais reconhecível na vida, para, juntos,
constatar
que o teatro
vai mais
longe
. Ele prolonga a
vida,
transpondo -a. Descoberta
essencial
A noção de
escala
evidencia os diferentes momentos
da
progressão
de
uma situação
dramática. Eu a
inseri n o t ema
eis sons que,
numa
au la coletiva realizamos em improvisa
ção
técnica.
66
Enquanto vocês
fazem um
trabalho físico. uma ação
que
empenha
o
corpo
umgesto repetitivo s
errar madeira.
pintar
uma
p
arede,
var
rer).
vão
ouvir ses
sons
. tendo cada um. uma importãncia diferente. O
primeiro. vocês nãoescutam. Is
so
nãoquerdizerquenãohaja
reação.)
Ose
gundo.
vocês escutam,
mas não
lhedãon
enhum
aaten oespecial.
Oterceiro é importante:vocês até
esperam
para ver
se
ele se repete.
omoelenão se repete
você
s não
vão
mais
prestar
at
enç
ãoni
sso
. O
quarto
é muito importantee
vocês acham
quesabemde onde
vem.
oqueos
deixa
tranquilos. Oquinto
não
confirma o que
v ês
estavam
esperando. Finalmente. o sexto e último é um avião passando sobre
suas cabeças.
Essa escala bem est rutu rad
a serve
de
referência
para
todas as esca
las
que , em seg ui da se rã o vistas em
nume
rosas s
it u
aç ões
teatrais.
O exercício não só é
pa
r t i
cu l
ar
mente
útil
para compreender
a
di n
âm ica de
progressã
o
de
um
m o
viment
o
mas,
também
p
ar
a
conhecer,
de
maneira
t écn ica , os
mo
vimentos qu e a
esca
la
impõe. Com
o a ação
se modifica segundo a im portância
do s
sons? Será que o
gesto
mud
a em fun ção d a im p
ortância
qu e
lhe
é dada a
partir daquilo que se ouve? Quais relações existem entre
ação e reação?
Em
resposta a e ss as
perguntas
constatamos que
a ação
deve sempre
preceder a reação . Quan to maio r
for
o tempo
entre
a ação e a
reação, maior será
a intensidade dramática; se
o ato r
sustentar
esse
nível, maior será
a interpretação te
atral.
A
força dramática será proporcional
ao
tempo
de
reação.
O
princípio
da escala que usamos com frequência, é um exce
lente meio para descobrir essa lei e para melhorar os níveis de
interpretação.
67
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 36/121
Nesse trabalho, primeiramente indico aos alunos as dife-
rentes articulações do tema, antes que o desenvolvam;
depois,
eu mesmo emito os sons num
tambor.
Eu me torno o diretor
d o t ema, o que me obriga a da r um ritmo à sequência dos
diferentes sons. Não posso emitir esses sons em intervalos
regulares,
a cada cinco segundos.
Preciso
encontrar
um
rit -
mo favorável para a realização da
interpretação:
se eu
esperar
tempo demais,
ou
se for rápido demais , perco o tema. Para
essa au la coletiva, o pedagogo torna-se diretor.
o conjunto das primeiras experiências visa a atrasar o
su r
-
gimento
da palavra.
As
instruções
da interpretação si
lenciosa
levam
os
a
lunos
a descobrir esta lei
fundamental do
teatro: é do
silêncio
que
nasce o verbo. Paralelamente , vão descobrir
que
o
movimento só pode nascer da imobilidade. O res to não passa
de
comentár
io e gesticulação. Fique
quieto, jogue,
e o teatro
surgirá ':
esse
poderia ser
o
nosso lema. De
modo
paradoxal,
isso faz
eco
com as
estátuas
que se
en
contram na entrada
dos
templos khmer, em
qu e
uma abre a bo ca , enqu an to a outra a
fecha. No começo, falamos; em segui da, nos calam os': elas di-
zem. Minha pedagogia reivindica justamente o
contrá
rio
más r
neutr
NEUTRALIDADE
O trabalho com a
máscara
ne utra vem depois da inter-
r t ção ps icológic silencios
m as, de fato, é o começo da
viagem. A experiência
me
most rou que co m essa máscara
aconteciam coisas
fundamentais
, o
que
as
tornou
o ponto
central da
minha
pedagogia.
68
A máscara
neu
tr a é um objeto particular.
um rosto,
dito
neutro em equilíbrio, que propõe a sensação física da calma .
Esse
objeto
colocado no
rosto
deve servir para que se sinta o
est do de neutr lid de que
precede
a ação, um
estado
de re -
cept ividade ao
que
nos
cerca,
sem
conflito
interior. Trata
-se
de
uma
máscara de
referência, um a
máscara de fundo,
um a
máscara
d e apo io p ar a
todas
as
outras
máscaras. Sob
todas
as máscaras,
sejam
expressivas ou da commed ia dell'arte,
há um a máscara neutra
que
reúne
todas
as
outras.
Quando
o aluno
sentir
esse
estado
neu tro do início,
seu
corpo esta-
rá
disponível, como um a página em
branco,
na
qual
poderá
inscrever-se a escrita do drama.
Uma boa máscara neutra é muito difícil d e se r feita. Ob -
viamente, isso n ão tem n ad a a ver com as máscaras brancas
utilizadas
nos
desfiles ou
na s
manifestações de rua. Essas são
máscaras
inanimadas, exatamen
te o contrário
da
neutra. Uti
l izamos máscaras de couro, fabricadas
po r Arnleto
Sartori,
que descendem da máscara
nobre
de Jean Dasté. A nobre era
um pouco japonizante , ma s
tinha,
em
comum
com a
neu
-
tra, o fato de se r igualmente um a
máscara
da calma, sem um a
expressão particular,
em
estado de equilíbrio.
Um a máscara
neutra,
com o todas as
outras
máscaras,
aliás, n ão pod e aderir ao
rosto.
Tem de conservar
uma
cer -
t a d istância do
rosto,
pois é
justamente
com essa distância
que o a to r p ode verdadeiramente jogar. Também é preciso
que ela
seja
ligeiramente maio r do que o rosto. A d
imensão
real
de
um rosto,
que
se encontra, po r exemplo,
nas máscaras
mortuárias,
não facilita o jogo
nem
sua
força express
iva.
Essa
observação
é válida para todas as máscaras.
69
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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máscara neutra criadapor m eto Sartori
A
más
cara neutra desenvolve essencialmen te a presença
do ator
no
espaço que o envolve. Ela o coloca em
esta
do de
descobe rta de abe r tu ra de d isp o nibilid
ade
para receber per
m itindo qu e ele olhe ouça sin ta toque coisas elernerrtares
n o frescor de um a p rimeir a vez. En tra se n a má scara neu
tr
a
como em um personagem com a di ferença de qu e
aqui
n ão
há p
ersonagem
m as
um
ser gen érico neutro
Um
per
so
na
-
gem
tem conflitos
um a
h
istóri
a um
pa
ssado
um
c
on
texto
paixões. A m áscara neutra ao contrário está em es
ta
do de
equilíbrio d e e con
omia
de m o
viment
os. Movimenta se na
m
edida
ju
sta n a ec
on
om ia de gestos e d e ações. Tr a bal h a r o
movimento a pa r
ti r
do neutro fo rnece p
on t
os de apoio es -
senciais para a
interpretaçã
o que virá
depoi
s.
Como
conh ece
o equilíbrio o ator expressa
mu i
to melh or os
desequi l
íb ri os
dos
pers
onagens
ou dos conflitos. E par a os que n a vida es-
tão mui to em conflito consigo mesmos
com
seus
pr óprios
corpos
a
máscara neutra
auxilia
os a
encontr
ar
um
po
nt o
de
apoio onde
a respiração é l ivre. Para t
od
os a
máscar
a neutra
torna-se
um referencial.
Sob um a máscara neu tra o
rosto
d o ator desaparece e
percebe
-se
o
corpo
mais intensamente. Geralmente se fala
com
alguém
olhando-o
n o rosto .
Com
um a
má
sca ra neu -
t ra o qu e se vê é o corpo in tei ro do at
or .
O olhar
é
a m ás -
cara
e o
rosto
o
corpo Todos
os moviment
os
se revelam
então de maneira potente. Ao reti rar sua máscara se o at or
a
ut il izou bem seu
rosto
está relaxad
o.
Eu
p
oderi
a
nã o te
r
visto o qu e fez ma s o
simples
fato de observa r seu ros to n o
final
permite
que eu saiba
se
realmente usou
ou
nã o
a m
ás
cara . A
máscara ex traiu dele
alguma
coisa
desp
oj ando-o
de um
artifíci
o . Está agora com
um
be lo rosto disponível.
71
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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I
Uma vez qu e essa dispo nibilidade tenha sido adquirida a
máscara pode ser re t
i
rada sem receio da gesticulação
o u do
ges to exp
licativo.
Com a máscara neutra se termina sem
máscara
A primeira lição é a descoberta do
objeto.
Começo m os
trando
a
máscara . Para poder senti-la
os
alunos
a t
ocam,
põem no r
osto
experimentam
diversos
gestos.
Essa
a
pr
o
ximaçã
o é importante,
pois
às vezes essa máscara prov
oca
reações surpreendentes no primeiro contato: alguns têm sen
sação de su foc ar não a suportam no
rosto;
outros,
um
pouco
mais
raros,
arrancam
a
máscara. Sempre que, pela
primeira
vez
pass
am
pela máscara neutra,
pergunto
aos
al
un
os o que
sentiram, que digam algo nem que seja um a palavra apenas.
Alguns não dizem nada, e tudo bem. Outros descobrem
seus
corpos':
ou const at am que tudo é mais
lento' : Todas
essas
impressões
manifestadas diretamente após
a primeira
expe
riência
dispensam qualquer comentário.
Elas
são justas
.
Dei
xo
que
falem. Não se
deve dizer
como fazer para interpretar
bem
sob
a máscara neutra. Um
técnico
poderia
dizê-lo,
mas
um
pedagogo
não se permite. Dizer
aos
alunos seria o me
lho
r
me i
o
para
eles nã o
conseguirem
m ais
usá-l
a.
Ficari
am
demasiado preocupados
com
seu uso correto, quando
antes
de tudo
devem vivenciar
sensações.
O
primeiro tema pedagógico
é o
do
Despertar
Em estadode repouso.dei
ados
no chãoe relaxados. peço aosalunos
que despertem
pela
primeravez .
ma
vez
despe
rta amáscarao que
elapode faze amoelapodesemovimentar
72
O tem a é desenvolv
id
o em exercício coletivo com uns
sete
ou
oi t
o fazen
do,
os outros assisti
nd
o
mas cada
um in t
er preta
seu
pr
óprio
despertar.
Nã o se trata de
um
a
im
provisação
rea
lista:
indicando que
é a
primei
ra vez
essencializa se
o tem a
pa r
a to
rn á-l
o ge
néric
o.
Essa
impro
visaçã
o leva
sempre
às
mesmas
co
ns tatações
.
Alguns
alunos
têm
a
tendênci
a a m
ov
imentar primeiro as
mãos,
os pé s para d
escobrir seu própri
o c
or
po - é quand o
um fen
ômeno e
xt r
aordinário se apresen ta a ele s: o
Espaço
É
necessári
o
dize
r-lh es qu e
nã
o
es t
amos fazendo
um
exercício
etn
ológ ico que pou co importa saber quantas fala nges tem o
homem,
qu e
de nada
adianta d iscu
ti r
com
seu própri
o co
rp
o
ma s
que,
de manei ra mais sim ples
est am
os descobrindo o
Mundo Outros
tentam entrar
em c
ontat
o com alguma outra
máscara qu e esteja no mesmo ri
tm
o. Olham-se
insistent
e
ment
e
s em que
nenhum
do s do i
s
poss
a
responder.
Na
reali
dade, uma máscara neutra
nunca
se com unica
frente
a
frente
com
outra. O que uma máscara
neutra
poderia dizer à outra?
Nada
Podem apenas encontrar
-se juntas, lado
a
lado,
diante
de um acontecimento externo que lhes interessa.
Ao longo dessas primeiras abordagens às vezes
circula
no
grupo
um a
i de ia : a
máscara
neutra
teria um a
dimensão
mística ou filosófica.
Alguns
gostariam que ela não fosse nem
homem nem mulher.
Aí é
preciso trazê-los para
a
observação
dos
corpos: homem
e
mulher são bem diferentes
. A
máscara
neut ra não é um a
máscara simbólica.
A
ideia
de
que todos os
indivíduos se assemelham é ao mesmo tempo justa e total
mente falsa .
Universalidade
não é
uniformidade. Paradesmis
-
73
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 39/121
ti fica r esse aspecto p r o p onh o então temas particularmente
realistas da vid a co tidiana
clichês
bem melodramáticos para
demonstrar
qu e a neutralidade se encon
tr a
também
nesses
temas. N o cas o p o r exemplo o deus ao navio
Um
amgo muitoquerido
embarca
num
navio
para irmuto longe.do
outro lado do
mundo
. e sup
õe-se
quenão será nun
ca mais
visto.
o
momento
desua partida. precip itamonos noquebra-mar. na saídado
porto.
para
dar-lhe umúltimoacenodeadeus.
Esse tema d a vida cotidiana é descrito
com
pessoas n o porto
nu m
cenário todo enevoado che io de
apitos das embarcações
mas
que poderia
também ser
trabalhado
numa
plataforma de
estação ferroviária na part ida de a lgum trem
ou
em qualquer
outro lugar. O essencial não é a carroceria
do
tema. Queremos
é que apareça a estrutura motora
do
adeus . Observamos então
como
funciona
o adeus em sua dinâmica.
Um
verdadeiro adeus
não
é um
at é log o : é
um ato
de
separação.
Faço parte dealg
uém. temos
o
mesmo co rpo.
um
corpo
a
dois
. e. de
repente.
uma
parte
desse co rpo
es
capa.
Vou tentar retê-Ia...
mas
de
pois.. . nào
Já
se foi.
es
tou
separado
deumapartedemim.
mas
ai
nda
co
nse
rvo algo deinefáve. umtipo de tristeza do
co
rpo umadordo
co
rpo
. Enfim.assumo
ade
us
Essa estrutura motora não está ligada a um contexto pa r-
ticular nem a um personagem e só a máscara neutra permite
tocar a
dinâmica
p
rofunda da situação.
O adeus
não
é
um a
ideia
é um fenômeno que se pode observar quase que cien-
tificamente. Trabalhar esse tema é um
excelente
meio de ob -
servar o ator de sentir sua presença
s eu s en ti do de
espaço
74
de ve r se os se us gestos e seu co r p o p e r t e
ncem
a tod os se el e
con segue tender ao denominado r com u m
do
gesto reconh e -
cível p o r t
od
os:
o
d
eus de todos os
deu
ses
Com a
má
scara
neutra cada
um
sente o
que
pertence a todo mundo e é aí
que as
nuances
aparecem com força. Ess as nuances não vêm
dos
personagens
p
ois não existem
mas das diferenças
d e
qualquer natureza entre
as
pessoas que interpretam
.
Os
co r-
p os sã o di ferentes mas se assemel
ham
naquilo que os une : o
adeus. Ess e fenômeno coletivo an
unci
a o co ro que
ab
o rd are-
m os ma is ta rd e.
A VIA
GE
M E
LEMENTAL
O
grande tema
p iloto
da
máscara
neu
t ra é a
Viagem ele-
mental Nessa
viagem
pela natureza
a
ndam
os co
rrem
o s es-
calamos
saltam
os . Esse tema é interpretado
individualmente
sem interferência
dos
outros atores mesm
o
que vários
alun o s
o façam ao mesmo tempo .
Ao nascer dodia.vocês saem do mar e descobrem. ao longe uma flo
resta.paraonde vão
se
dirigir.Vocês cruzam aarea da
praia
. e depos
ent
ram
na flo
res
ta. Ali.
em
meo a ár
vores
e ou
tras
plantasque. pro
g
ressivamente. vão
setornando
cada vez
mas
densas
.
vocês
b
usca
ma
sada.De repente. uma surpresa: vocês saemdafloresta e e
ncon
tram
umamontanha. Vocês
absorvem
a
imagem dessa
montanha.
dep
ois
se
põem
a
sub
i-Ia: osprimeiros aclives. suaves. atéos rochedos. che
gando até a parede vertical.
que
é
prec
isoescalar g
rimpando.
o topo
damontanha. descortina
-se uma vas
ta
paisagem
: umrioqueatra
vess
a
umvae.mais adiante a planície e por fim no fundo. o deserto.Voc
ês
descem
amontanha . atravessam a
corre
nteza dorio. andamna planí
cie
. cruzamo
deser
to e.aofinal,osolsepõe
75
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 40/121
A natureza aqui proposta é calma neutra
em
equilíbrio.
Nã o é
um a
natureza para escoteiros co m um prático ma-
nu al de utilização
qu e
distanciaria o homem da natureza.
A natureza fala diretamente ao neutro.
Quando
atravesso
a floresta eu sou a floresta. No t op o d a mo nt an ha t en ho a
impressão de qu e
meus
pés são o vale e d e q ue s ou
e u m es
-
mo
a mo nt an ha . Uma p ré identificação
começa
a surgir. A
Viagem elemental tema ma
ior predispõe ao
grande trabalho
co m as identificações . Trata se t amb ém d e um a viagem sim-
bólica. Essa experiência permite levar os
alunos
à
poét ica do
tema: evocamos
A
divina
comédia
de Dante
A tempestade
de Shakespeare A resistível ascensão de rturoUi de Brecht.
A
travessia
d o r io pode
ser
comparada à passagem da adoles-
cência à fase adulta com todos os movimentos da natureza
refletindo se nos sentimentos: as correntezas os turbilhões
os saltos as quedas os
redemoinhos
as
ressurgências
de
um a
margem
à
outra.
Como
faço
com outros movimentos expan
-
do
ao máximo as possibilidades p ara q ue os
alunos
possam
alimentar
a
Viagem
com outras imagens q ue n ão só as de
um
simples périplo geográfico.
Nu m seg un do moment o
recomeçamos
a
improvisação
sobre o mesmo tema
mas numa
dimensão extrema sob in -
tempéries.
mar está furioso e
se
jogado na
pra
ia
por
uma onda. Omar varrido
por
uma tempestade. floresta
progressivamente vai
pegando fogo.
Quando se chega à montanha háum terremoto crateras
vão
se
abrin
-
do. Depois despenca se
natorrente que está muito acima de
seu nível
normal. agarrando se
às árvores; e por
fim. chega se
aodeserto
onde
novamente sopra
uma tempestade deareia.
76
Antigamente a
Viagem também atravessav
a a cidade
a nt es d e c he ga r ao deserto . Preferi reti rar daí a cidade
po r
t ra ta r se de um espaço
construído
ligado à arquitetura às
formas
para as
quais
desenvolvemos um a linguagem dife-
rente
da
linguagem
da
ação natural as mimagens Trabalha-
mos a cidade portanto num
outro
momento
da
manhã ao
pô r
do sol passando de
um
estado de calma a
um
estado de
revolução.
Essas improvisações em situação limite l ev am o s
alunos a
viver
si tuações pelas quais nunca passaram a f azer
movimentos muito difíceis que
jamais
realizaram em suas vi-
das p ara q ue o corpo
aja no
limite
dessas
possibilid
ades
na
urgência
e no
imaginário.
IDENTIFICAR SE
CO M
A
NATUREZA
A terceira fase do trabalho com a máscara neutra é consti-
tuída
pelas identificações
Logicamente não se trata de ident i-
ficar se completamente o
qu e
seria grave mas
de
interpretar
o identificar se. Co m a máscara
proponho
aos alunos
qu e
se
tornem
primeiro elementos
da natureza: a água o ar a terra
e o fogo.
Para
identificar se co m a água eles interpretam o mar e
também
os
rios
os
lagos
as poças as gotas. Procuramos nos
aproximar das dinâmicas da água sob todas as formas das
mais suaves às
mais
violentas.
Estou diante do
mar euoobservo. euo respiro. Minha respiraçãoentra
em
harmonia com
o
movimento
das ondas e progressivamente a ima-
gem
se inverte e eu
mesmo me
transformo no
mar
77
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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o ar é principalmen te o vento percebido a partir de todos
os objetos que põe
e m m o
vimento:
um a
folha
um a
placa me
tálica um pano
tremulando. São
os ventos contrários , as
co r
rentes
de ar
tu d
o aquilo
que sopra
que eriça
que turbilhona.
A
terra
é ao
mesmo
tempo,
aquela que
se
pode modelar,
amassar, e também a árvore, que para
mi m
é o elemento mais
simbólico
da
terra.
Ali
plantada
.
Para
um
ator,
trabalhar
a
árvore
é
da
maior
importância.
Ele
tem
de conseguir
ficar ver
dadeiramente plantado no solo, co m
o
cor po em equilíbrio.
Uma atriz que precise interpretar A gaivota de Chekhov, não
conseguirá planar,
fazer um a
deriva
aérea
a nã o ser qu e co
nheça, antes, o que é estar enraizada.
Enfim,
o
fogo
é o fogo: o mais
exigente do s elementos,
porque
ele
só pode se r
ele
mesmo
Paralelamente a essas
identificações
co m os elementos, às
vezes
evoco
certos
autores, começando po r Gaston Bachelard,
verdadeiro analista da imaginação da
matéria,
que,
em
O
ar
e os sonhos traz
desse
elemento um olhar profundo. Para os
que eventualmente se interessarem
po r
essas reflexões é im
portante,
no entanto, qu e essas
referências
só
venham
depois
da
experiência vivida co m
a
máscara,
e
nã o antes.
Poderíamos dizer que o vento furioso é o símbolo da có
lera pura da cólera sem objetivo sem pretexto. Os gran
des escritores dos temporais [
...
] gostam desse aspecto:
o temporal sem aviso a tragédia física sem causa [
...
] Ao
viver-se intimamente as imagens do furacão aprende
se o que é a von tade fur iosa e desmedida . O ven to em
seu excesso é a cólera que está em to da e em nenhuma
parte
que
nasce e renasce dela mesma
que
se contorce
78
e destorce. O vento
ame
aça e ruge mas só assume
uma
f
orma quand
o
encon
tr a a poeira: visível ele se t
orn
a
insignificante.. .
Depoi
s
dos
elementos naturais as
identificações
vão se r
f ei ta s a
partir de diferentes maté
rias: a madeira, o papel o
papelão,
o metal os
líquidos.
O
objeti
vo
do a to r
é
expandir
o
c ampo de s u
as
referências
e
sentir
t
odas
as
nuances
qu e
exis
tem de
um
a
matéria
à
outr
a e a té mesmo , dentro de
um
a
matéria. O p
astoso,
o
oleoso,
o
cremoso,
o
viscoso
. . .
possuem
dinâmicas
diferentes
.
Desej
o qu e os alunos
entrem
no
gost
o
das co isas ex
atamente
como
um gou
rmet consegue reconhe
cer
as
diferenças sutis entre
vários
sabores.
A
aquisição dessa
sut i leza das nuances implica um trabalh
o de
longa duraçã
o
que
terá
sequ
ência com as
cores,
as
luzes,
as
palavras,
os ri
t
mos, os
espaços,
naquilo
que chamamos
de
fun o poético co-
mum A
máscara neutra terá, então
desaparecido
.
TRANSPOR
As
identificações constituem um momento
de trabalho, e
devem reverter para
a
dimensão dramática.
Para isso
utilizo
a
metodologia das transferências
que consiste
em
apoiar
-se
na
dinâmica
da natureza, dos
gestos
de
ação, dos
animais das
maté r ias, pa ra ,
daí, servir
a
finalidades expressivas, co m
o
intui to de interpretar melhor a natureza humana. A meta é
atingir um nível
de
transposição teatral, fora da interpretação
realista.
Gaston
Bachelard,
L air et les songes
Pa ris: José Co r
ti
1943 pp. 256-257 .
[Tradução livre para o português .]
79
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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Du as abord
agen
s são po ssíveis nessa
metodolo
gia. A pr i
meira
cons
iste
em h um a
nizar
um
elemen
to ou um an im al,
dar lhe um comportamento, fazer co m que tome a pa lavra,
co locá-lo em re
lação
com
ou
tros . . . Fazer o fogo fala r é ex
pressar a angústia
ou
a ra iva . Hu man izar o ar é
real
ça r a fal ta
de
po n
to s de apo io, o movimento pe
rpétu
o, os ritmos ind eci
sos do
vento
que
se mo vim e
nt a para
lá e
pa
ra cá , sem nunca
p
render
se
a
lugar
nenhum
.
Numa
manh
ã.omar acorda
No banheiro. o vento sepenteia
Aárvore se
veste
Al
guém
raivosobate
à
pora... é o fogoquechegou
Qu
atroárvores
se
encontram num banco. cumprimentam se.
ape
rtam se
asmãos
e
conve
rsa
m.
In
terpre
tar um a árvore a ponto
de
fazê la fala r e agi r
como um personagem humano é comprometer se em um a
transposiçãopoética do personagem .Neste
caso
é interessan
te constatar que o
texto
pr onunciado nã o
pode
ser realis
ta
; ele
é
necessariamente
transposto. Impõe
se
um a
escri
ta da ár vo
re;
que
utilize,
po r exemplo palavras próximas
às do teatro
do absurdo. O
tipo
de tr nsferên i
permite descobrir
que no
teatro a própria
palavra
assim como os
gestos
do
corpo
de
vem atingir um certo nível de transposição.
A segunda
possibi
lidade de transferência consiste e m in -
verter o fenômeno. Pa rte-se
do personagem
humano
qu e
p
rogressivamente em certos
m om en to s d a
interpretação
deixa transparecer os elementos ou os
animais
qu e o cons
tituem
profundamente . Vejamos, po r
exemplo um homem
que
procurando alguma
coisa
em sua car teira fará surgir o
80
camundon go qu e há dentro
dele
um ou tro começará a quei-
mar de r
aiv
a ou de
amor
, etc. Nessas ide
nt
ifi
cações
de p
oi s
de te r expe rim en tad o o m aior nú m ero po s
sív
el de di
nâ m
i
cas na turais ou animais, o ator o u o autor) est á p ro
nt o
pa ra
serv i
r s
e
dessas
expe r iê
nc i
as, às vezes de m
od
o inconscien
te, p
ar
a al
imen
ta r os person
age
ns que deve interpretar ou
esc
reve
r) , e assim m ostrar a
lguns
de seus tr aços pro
fun
do s.
Ele adquire um a sér ie d e referê ncias, ao
me
s
mo
te
mp
o m uito
comp lexas e pr ecisas, so b re as qua is se ap oiará .
o
pr
incipal resu lt ado do tr abalho de ident ificaç
ão
são os
t r ç do s que se in screv
em
no corpo de cada um os circ uitos
fís
icos
de pos itados no co rpo , no s quais circula m paralela
me nte em oções dram áticas qu e, assim , encon t ra m seu cam i
nh
o pa ra se expressar. Essas experiências,
qu e
vão do silêncio
e da
im o
bilidade ao m
ovi me
nto m áxi
mo
passando po r n u
m erosas d inâmicas intermediárias, permanecem para sempre
gravadas
no
corpo do
ato
r. E ne le vão
despertar
no m omento
da
interpretação. Qua ndo às vezes vários anos depo is, o a to r
tiver um texto pa ra interpretar,esse texto fará ressoar o co rp o
e ele va i encontrar aí um a matéria ri ca e disponível pa ra a si
tuação expressiva. O ator
poderá
,
então
tomar a pa
lavra
co m
conhecimento de
causa.
Po is, na verdade a na tureza é nossa
pr
im eira linguagem . E o co
rp
o
rememor a
o
r
d gem
pel s rtes
O F U ND O P O ÉT IC O C OM U M
De
início
nosso
trabalh o
nã o
se apoia nu m texto ne m em
qualquer t ipo
de
teatro referencial seja
oriental
balinês ou
81
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 43/121
ou t
ro . Como pri
me
ir a leitura, temos a
penas
a
vida
.
É
p reciso,
en tão, reconhecer essa
vida po r meio
do
corpo mímico
po r
meio d a
reinterpretação
a partir d a qual a imag inação im
pele
o aluno a outras dimensões e a outras
regiões
. A partir
da reinterpretação psicológica primeira, efetuamos ascensões
em direção a diferentes n íveis de interpretação, espec
ialmente
graças
às máscaras. Elas
permi
tem,
no
segundo ano, chegar
aos grandes teatros, que são a commedia dell arte e a tragé
dia. Essa
ascensão
progressiva caracteriza o p rimeiro ano da
Escola.
Paralelamente, uma segunda
viagem
ac
ontece em
pr ofun
didade.
Ela nos
leva
ao
encontro da
vida
essencializ
ada
naqui
lo que costumo chamar de fundo poético comum Trata-se de
um a
dimensão
abstrata, feita
de
espaços,
de
luzes,
de
cores,
de
matér
ias, de
sons, que
se encont ram em cada
um
de
nós
.
Esses
elementos estão depositados
em
nós,
a
partir
de nossas
diversas
experiências,
de
nossas sensações,
de
tudo
aquilo
que
vimos,
escutamos, tocamos, apreciamos.
Tudo isso
fica
em
nosso co
rpo
e constitui o
fundo
comum a
partir
do qual
sur
girão impulsos,
desejos
de
criação.
preciso, en tão,
em
meu
processo
pedagógico, atingir esse
fundo poético comum para
não ficar na v ida ta l qual ela é, ou ta l qual ela surge . Os a lu
nos
poderão,
assim,
ascender novamente rumo a um a criação
pessoal.
Quando
vemos
o
mar em movimento, um
elemento
ou
uma matéria, a água, o óleo .. .
estamos diante
de movimentos
objetivos,
que
podemos
identificar,
e
que, dentro
daquele
que
observa,
trazem
sensações
semelhantes.
Mas existem
coisas
82
que são imóveis e nas quais
podemos, no
entanto, igua
lm
e
nt
e
re
conh
ecer as
di nâmica
s.
São
as
co r
es, as palavr as, as arqu it e
tu
ra s. N ão podem os ver nem a fo rma nem o m ovime
nt
o de
um a c
or ,
porém a em oção qu e ela no s dá po de nos colocar em
m ovimento, em moção a té mesmo em emoção Buscamos
ex
pressar
essa
emoçã
o
particular graças
às mi
magens po r
meio
de
gest
os
nã
o
repe
rt
o
riados
no
rea
l.
O
pr o
cesso mimod
inâmico estabele
ce os r it
mo
s, os espa
ços e as f
or
ças dos obj e
to
s im óveis.
Observa
nd o a torre Eiffel,
cada um pode se
nt
ir um a emoção dinâmica e pô r essa em oção
em movim
ento. Trata-se de um a dinâmica ao mesmo tem po
de en raizament o, de conexão ve
rtical,
de veloc i
da
de regres
siva, que não terá n a
da
a ver com a ten ta t
iva
de
rep resenta
ção imagét
ica
(figuração feita de mímica desse
mo
num en
to .
Ma is d o qu e um a figu ração, é uma emoção. O term o em oç ão
significa et
im ologicamente: p ôr em mov imen to . De
fa t
o,
todos os d ia s,
sem
sabê
-l o,
fazem
os m
ímica
do
mun
do
qu e
nos cerca.
Quando se
ama
, ins t
in
tiv amente,
faz-se mím ica
em
si,
do ou
tr o.
Na
Escola,
trata-se
de
projetar,
para
fora de
si
mesm
o, esse elemen
to , em
vez de m
antê
-lo dentro, e essa
sa í
da é, prim
eiramente,
um reconhecimento, antes de tornar
-se,
eventualmente, um a to d e conhecimento e de criação. O t ra
balho do poeta, seja ele p into r, escritor ou ato r, con s
iste
em
deixar
-se
alimentar
po r
todas essas
experiências.
As
CORES
DO ARCO-ÍR IS
Abordam
os ,
p rimeiro, as cores e as luzes.
estranho cons
tatar que,
qualquer que seja
o
país,
a cultura,
quando
se trata,
po r
exempl
o, das cores , os mesmos
mov
imentos aparecem.
83
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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Para além das diferenças simbólicas em
todos
os l
ug
ares
do
mundo o
fund
o poé ti co é o m e
sm
o: azu l é o Azul
Para umgrupo compoucos
alunos
me
ncion
o diferentes
cores
e
peço
para
reagirem o mais rápdo possível. sem pensar. expressando o mo-
vimento interor
que lhes
chega.Em se
guida
. tento
todas
as
core
s do
arco íris antesded
eixá los
escolherdi ferent
es
cores
que
se
encontram
na sala trabalho a partirdas quais eles propõem movimentos.
espectadores tentam.
então descobrir
quais sãoas cores que
eles
nos
apresentam.
Exist e um te
mp
o um espaço
um
ritmo um a luz que são
justas para cada cor. Descobrimos j un to s que se um movi
mento dura
tempo
d
emais
se
vai
longe de
mais
per de
sua
c
or
.
Por exemplo os alunos sem pre fazem pa ra o ve
rmelho
m o
vimentos de
expl
osão
ma
s a part i rdo mom en to em que essa
e
xpl
osão
ocorre
a cor desap
arece
do
mo
viment
o e se
torna
luz. O vermelho em
su
a verdade existe apenas um pouco antes
da e
xpl
osão na tensão di nâmica
muit
o forte desse inst
ante
.
Quando os alunos
fazem
esse t ipo de exercício fico
pa r
ticularmente
atento
à qualidade dos movimentos que eles
propõem . Observo se esses m
ovimentos surgem
de seu s co r
pos
ou
se saíram de um a
imagem
paralela
espécie
de ca
rtão
postal
qu e
procuram ilustrar ou se ainda se trata de u mmo
vime nt o simbólico representação exte r io r da cor que tentam
nos descrever. Aí
entã
o é
precis
o lim p ar o
movimento
eli
m inar o supérfluo para leva r os
alu
nos progressivamente ao
fundo
do corpo ao
ma
is
próximo possível
da co r ve
rdadeira
.
Inominável
84
O trabalho pedagógico consiste em chamar a atenção para
os excessos
de
movimento
sem jamais indicar
o que tem de
s
er
fei to. D
evo
deixar
um a dúvida
no ar: cabe
aos
alunos
des
cobrir
aquilo
que
o professor
já
sabe O pedagogo enfim tem
de
questionar-se
o tempo todo encontrar o fres co r e a in o
cência do olhar a fim de evitar que qualquer clichê se im po
nha por m
ínimo que
seja
.
Esse
trabalho
está a serviço
de
um a aproximação à poesia
à pintura e à música. A
part
ir
da
análise das cores os alunos
tr abalham em
seguida
de maneira
mais
comple
ta
em um
quadro
em um a
pintura. Suas
observações
de obras de
ar t
e es
pecialmente nos m useus é o ponto de
partida
de uma tradução
mimodinâmic Ainda aqui não se tra ta de re fazer a ilustração
do quad ro nem de explicar c
om
o ele é percebido interpretado
mas de comparti lhar diretamente o espír
ito
da obra.
É
apaix
on
an
t e co
nstata r
a
diferen
ça en tr e o t
ra
b
alh
o nas
c
or
es isol
ad
a s e o nos quadros.
Num
a ob ra pi
ctóri
ca as cores
en cont ram -se deslocadas de
sua origem
criando
uma
di nâ
mica
di
fere nte. O amarelo qu e se en cont ra em Van Go gh
nã
o
se m ov imenta do m esm o je ito qu e o ama r elo isol ado; ele se
m ovimenta com o o violeta.
Nas
ob ras de Chagall a contra
d ição é forte en tr e o alto e o baixo ent re terra e céu. Se os
alunos tentarem representar tal ob ra têm de
desc
onfiar de
um a
apresentação
que
vá isolar cada eleme
nt
o : de
um
lad o o
aspecto terreno de outro as pers
on
agens flutuando no ar.
É
a
pass
agem
de
um
ao
outr
o a
maneir
a
de
enraizar-se
ou
de
alçar-se a tensão entre os dois elementos qu e constituem o
essenc
ial da obra de
Chagall
e qu e eles têm de nos
restituir.
Estamos aqui no cerne de um verdadeiro
propósito artístico.
85
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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87
Salvatore Qu asimodo,
La terre incomparable,
trad. Tristan Sauvage Alain
Iouffr oy (Par is: Pie rre
Segher
s, 1959). [ E DE REPENTE É NOITE Cada
um está s ó no c
or
açã o da terra t raspassado por um raio de sol : e de
re
pe
nte é noite
Salvatore Quasimodo, Poesias, ed . b ilín gue, tr ad. Ge
rald
o
Holanda Cavalcanti (Rio de Janeiro: Record, 1999 ), pp. 18-1 9. (N. T. ] .
ET
SOUDAINEMENT LE
SaIR
Ch cun est seulsur le coeur
de la terre
transpercé p r u n rayon de soleil:
et souda
inement
le soir
ED E SUBITO SERA
Ogn uno sta solo sul cor
della terra
trafitto da
um
raggio di sole:
ed
à
subito sera
gua
ut ilizada
, as
palavra
s não t
êm
a m esma
aderênci
a ao
cor
po .
Fazemos um
longo trabalho a pa rti r
das
diferentes línguas:
francês, inglês, alemão, italiano, jap onês, espanhol, etc . Para o
verbo pegar
(prendre) ,
po r
exempl
o, os alunos franceses fa
zem corpo com a co isa que pegam, fechando os dois b
raços
na
parte super ior do
corpo. Não se trata de pegar este ou aquele
objeto,
mas
de
pegar
em
geral, de
pegar tudo,
até
a si
mesmo
Para esse mesmo verbo, os alemães d izem
Ich
neh
me,
e fazem
o gesto de
aproximar, junta
r Em inglês,
I t ake,
eles a
rr
ancam
I
sso
mostra, evidentemente, o problema da
traduçã
o no âmbi
to poético. Pego minha mãe pelo br aço
não po d
e
ser
traduzi
do po r
junto
minha
m ãe
pel
o
braço': nem po r
arranco minha
mãe pelo
braço . A
melhor
t radução de
um poema me parece
ser, então, a mimodinâmic a
verdadeira colocação
do poema
em movimento, que a
tradução
, apenas po r meio de pa lavras,
praticamente
nã
o
consegue
atingir nunca.
A d inâmica desse p oem a encontra -se
no
inter
io r
de cad a
palavra:
sole
é
dife
rente de
soleil (so
l),
raggio
é mais enér
g
ico
do que rayon (raio), etc .
Cada
língua escolhe,
na q
uilo
que n omeia, um elemento em
particular
.
Cos
tumamos tr a -
Esse trabalho é
conduzid
o coletivamente po r um grupo
de
alu
nos
qu
e,
quando
o conseguem,
embora
se mo
vimentem
ind
ividualmente, fazem par te de um
corpo
comum . Num
ou
tro
mom
ento, os que desejam e que têm o
sent
ido da arquite
tura,
podem
che
gar até a depurar a
obra
para, dela, conservar
ap en as a est r
ut
ura.
então é possível
interp
retar
estruturas
abstrat
as de
diferentes
pi
nt
ores. Em
Pollock,
o p
ro
cesso é
pa r
ticularmente interessan te, pois é p reciso observar os
quadros
pondo
-os no
chão. Mergulha
-se
em
Pollock, po r
me io de ca
madas sucessivas, numa estrutura laminada que nos conduz
às regiões as mais pro funda s e, ao fim, angust
iantes, pois,
no
fundo, não há pon to s de apoio
Adotamos um
pro
cesso semelhante para a
poesia: traba
lhamos com as pa lavras antes de chegar aos textos poéticos,
bem como, em
músi
ca,
jogamos
com as
sonoridades
antes de
entrar
na
s
obras
mus
icais.
o CORPO DA S PALAVRAS
As palavras são abordadas
pelo
s ve
rbos,
aqueles que trazem
a ação, e pelos subs tantivos, que representam as coisas nomea
das. Considerando a palavra com o um
or
ganismo vivo, busca
mos o
corpo das
p
lavras.
Pa ra isso , é preciso esco lher aquelas
que oferecem um a real d inâmica corpo ral. Os verbos prestam
se a isso mais facilmente: peg ar, levan
ta r
,
que
brar, serrar. . . são
ações que ali
ment
am
o
próp
rio
ve rbo: Eu
ser
ro
traz,
em
si,
a dinâm ica do m ovimento. Em francês, a manteiga
(le beur-
re)
já está espalhada, enquanto,
em
ing lês
(th e bu tter),
ela nos
chega agl
uti
nada, em forma de tablete De aco rdo com a lín -
86
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 46/121
balhar c om p alavras
qu e
se
referem
à alimentação, po is elas
já
pertencem ao corpo , principalmente em
francês,
na t radi
ção rabelaisiana
qu e
prefere sopa a c aldo : Com os alunos
- inclusive os que
nã o
falam francês
todas essas
palavras
ganham movimento. E, curiosamente, esses acabam compre
endendo
e falando muito
bem
a nossa l íngua, pois se
apoiam
na d in âm ic a d a
palavra. Existe aí
um
formidável
c ampo d e
trabalho para
o
aprendizado das
línguas.
Das palavras, passamos à poesia.
Leio para
os alunos
al
guns poemas e el es
escolhem
um, c om o qual sintam vonta
de de
trabalhar. Em pequenos grupos
de três
ou
quatro,
vão
da r
movimento ao poema. O trabalho consiste
em
encontrar
o
verdadeiro
movimento coletivo, que é outra
coisa
do qu e a
soma dos movimentos
individuais
. Proponho poemas de Hen
ri
Michaux, de
Antonin Artaud, de Francis
Ponge,
de
Eugene
Guillevic
.. .
cada um trazendo um elemento particular.
Fogo,
em
Artaud; água,
em
Paul Valéry,
quando
ele fala
do
mar, e
t ambém em
Ponge,
quando ele
descreve
as
gotas d água
que
escorrem nos vidros num d ia de chuva .. .
Ou
ainda Charles
Péguy,
em la Meuse endormeuse et douce à
mon
enfance Es
sas palavras
escorregam
na planície com a mesma lentidão do
rio.
Há
aí
um a aderência
às
emoções
físicas da paisagem.
Apparemment,
Tu ne faispas de gestes.
Tu es assis làsans bouger,
Tu regardes n importe quo í,
Mais en toi
Il y a des
mouvements
qui tendent
88
Dan
s une espece de sphere
A saisir,
à
pénétrer,
A donner corps
A j e ne sais quels flottements
Quipeu
à
peu deviennent des rnots,
Des bouts
de phrase,
Un
rythme
s y
met
Et
tu
acquiers un bien
Quando
fazemos um
mercado dos poe ta s : cada a luno
traz um poema de
qu e
gosta, apresenta-o
em
sua l íngua ori
ginal e fazemos a mesma coisa:
constituem-se grupos
para
entrar n o
text
o, nã o importa a l íngua em que tenha
sido
pr o
posto. Isso
nos permit iu
descobrir vários poetas estrangeiros,
entre eles
os
nórdicos,
pouco conhecidos
na
França.
Muitos
alunos que nunca liam poesia, depois dessa experiência
na
es
cola,
começam
a se interessar. A poesia é,
pa ra mim,
o
maior
dos alimentos.
MÚSICA COMO
PARCEIRA
A abordazern dos sons e
da
música faz parte do
mesmo
:>
processo. Trabalhamos
a partir
de diferentes sons
e,
depois,
Eugene
Guillevic, Le sorti des rnots
em
r t poétiqu (: aris: G.allimardl
NRF, 1989). [ Aparentemente, Você não faz gestos. Voce esta ali sentado,
imóvel,
/ Você olha qualquer coisa, Mas em
você
/ Há movimentos que
tendem Numa
espécie de esfera
A
apreender,
a
penetrar,
A
dar
corpo
A
não
sei
que
flutuações Que pouco a pouco se tornam ~ ~ v r s ~ ~ ç o s
de
frase, Então
surge
um r itmo E você adquire um bem. (Traduçao livre
para o português.) ]
89
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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com obras musicais de Bartók Bach Satie
Stra
vinski Mi les
Davis. . .
Tudo
aquilo que
não
sevê
na
música nós
visualizamos
como se fosse matéria, um organismo em movimento. Entra
mos em seu espaço
nós
a agitamos, a
puxamos, lutamos com
ela.
Para reconhecê
-la nós a incorporamos.
Peço aos
alunos
que reconheçam os movimentos internos da música: quando a
música
se
reúne,
ao ficar
espiral
explodir cair... Isso
não
signi
fica absolutamente um a
interpretação,
que é de outro âmbito.
Podemos jogar totalmente contra Bartók, ter um ponto
de
vis
ta uma opinião,
um
esclarecimento,
um a
interpretação pessoal
diferente dependendo da
personalidade,
da
época,
da cultura,
mas antes de jogar contra, é preciso
jogar com
A
Lição
p r
rtók
é
muito estruturada.
Divide-se em vá
rios
momentos.
Na
escuta da obra, convém, primei
ro, visuali
za r o
que
acontece
no
espaço.
Tentamos, em seguida,
tocar
os
sons
que se
deslocam;
depois pesquisamos
para
ver se os sons
nos
empurram,
nos
puxam,
ou
se
nós
é
qu e
os
empurramos
ou
que os puxamos.
Enfim,
vamos pouco a pouco ent rando
em
aderência
com
eles.
só a partir
dessa
aderência que é
possível escolher um
ponto
de vista estar
a favor contra
ou
com Quer dizer
estabelecer
um a
relação
de
jogo,
pois o
ob
jetivo é sempre o de jogar com a música, como faríamos com
um personagem,
para
evitar que
ela seja
apenas ilustrativa
da
interpretação ou pr eencha os vazios como é muito comum
fazer-se em
teatro
.
Essas distintas
abordagens
mimodr mátic s
são essenciais
para o e
nriquecimento da
interpretação do
ator. Quando
o
ator levan ta um braço, o público
tem
de receber
um
ritmo,
um som,
uma luz
um a
cor. A dificuldade pedagógica é a
de
te r
90
o olhar suficientemente t reinado para
discernir,
entre diferen
tes
gestos propostos, qual expõe o
gesto
explicativo o formal,
ou
o poético
justo.
Pouco a pouco, os próprios alunos
chegam
a
te r um
olhar sutil
sobre
as
nuances
dos gestos. Na realidade,
o público deveria
te r
esse mesmo olhar . . . então descobriria
r iquezas desconhecidas. Mas o
comum
é
oferecer
-lhe
tama
nh a
quantidade de banalidades,
que
isso se torna praticamen
te
impossí
vel. A
formação
do o lhar é tão
importante
quanto
a formação da criatividade. De nada
serve oferecer
um
bom
vinho àqueles que não
podem apreciá-lo
o que chamo de
cultura: poder realmente apreciar as coisas.
ásc r s ontr
más r s
Os NÍVE IS DE JOGO / INTERPRETAÇÃO
A
máscara neutra
é um a
máscara
única, é a Máscara de
to
das
as
máscaras. Depois de
tê
-la experimentado,
abordamos
toda
espécie de
máscaras outras ,
as mais diversas possíveis,
que reunimos sob o termo genérico de máscaras expressivas .
Se máscara neutra existe apenas uma , há um a inf inidade de
máscaras expressivas.
Quer fabricadas pelos
próprios alunos,
que r j á existentes, essas máscaras
trazem
consigo um nível
de
interpretação,
ou
melhor,
elas o impõem. Interpretar com
um a máscara
expressiva é
alcançar um a
dimensão essencial
do jogo teatral, envolver o
corpo
inteiro sentir a
intensidade
de
um a emoção e
de
um a expressão que, mais uma vez vai
servir
como
referência
para
o
ator
.
A
máscara
expressiva faz
su r
gir as
grandes linhas
de um
personagem.
Ela
estrutura e
simplifica
a interpretação, pois
9 1
incumbe ao
corpo
atitudes
essenciais. Ela depura sua inter
ator. Meu objetivo é
qu
e ch eguem a criar um a
máscara
que
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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pretação, filtra
as complexidades do olhar
psicológico,
impõe
atitudes piloto
ao conjuntodo corpo.
Ainda que seja
muito
su
t il , a interpretação com a máscara expressiva sempre se apoia
numa estru tura de base, inexistente
na
interpretação
sem
máscara. Eis
po r
que esse trabalho é indispensável à
formação
do ator. Qualquer
que seja
s
ua
forma,
todo
teatro aproveitará
mui to da experiência d o a tor que tiver interpretado com a
máscara.
Nisto,
o ensino não funciona diretamente, mas
po r
tabela': como acontece com certos treinamentos esportivos .
Para te rmos um
bo m
arremessado r
de peso,
é
preciso
fazer
com
que ele corra; para formarmos um bom judoca, é preciso
fazer com que ele pratique musculação. Tal recurso também
se faz necessário no campo do teatro. Toda a Escola é indireta,
nunca
nos di rigimos
em
linha
reta aonde queremos que os
alunos cheguem. Se alguém
me
diz: Gos ta r ia de ser c1own ,
eu
o
aconselho
a f azer
máscara
neutra,
fazer coro
. Se ele
for
c1own, isso ficará claro
A
noção
de máscara expressiva
abrange
a das máscaras lar-
várias
das
máscaras tipo
enf im das
máscaras utilitárias
que,
a priori não
são feitas
para
o
teatro.
Ao fazermos um mercado
de
máscaras , cad a aluno rea
liza
u ma má
scara que testamos
juntos.
Nessa primeir a fase,
peço aos
alunos
para não colocar as próprias máscaras. É pre
ferível experimentar,
antes,
as dos
outros,
manterem
-se di s
tanciados de
sua
rea liza
ção,
para
ver,
de fora,
sua
máscara
em
movimento. Algumas máscaras
são,
às vezes, muito bonitas,
ma s isso não basta. Uma boa
máscara de
teatro tem
de
poder
mudar de
expressão
seguindo
os movimentos
do
corpo
do
realmente
se mex
As confecções
iniciais
apontam vários erros, interessantes
para o aprendizado. Frequentemente, no
momento da
criação
das
primeiras
máscaras, os alunos põem o rosto no gesso ou
então fazem um a
máscara exatamente
com as
dimensões
de
seu
próprio rosto. Mas já dissemos
que
a
interpretação
com
máscara
necessita
de
uma distância, indispensável,
entre
a
máscara
e o
rosto do ator. É preciso, para
isso, que a máscara
seja mai or ( ou menor ) d o q ue o
rosto.
Um a máscara expres
siva feita
na dimensão
exa ta do rosto do ator ou,
pior,
que lhe
co le no rosto é impraticável.
É um a
máscara
morta
De
nada adianta
contemplar
durante horas, sabe-se lá com
que
concentração
míst
ica, uma máscara, antes de interpretá-la .
É preciso
dar-lhe un s
trancos. Tentamos,
muito rapidamente,
colocá-la
em
diversas situações: ela
está
contente': está tr is
te': está enciumada , ela é esportiva . Provocando a máscara
em várias direções,
buscamos descobrir se ela responde ou não.
Só começamos verdadeiramente a conhecer a máscara quando
ela res is te ao
tranco Logicamente,
uma
mesma
máscara
não
responde
a
todas
as provocações, e só algumas situações po
dem revelá-la. O mercado
das máscaras
permite
livrar-se do
supérfluo no campo de trabalho. Depois disso, trago as
má
s-
caras expressivas que representam t ipos, personagens muito
partic
ulares.
Os
alunos tentam chegar o mais próximo pos
sível desses
personagens,
en trar na
máscara, sem
nunca
fazer
caretas po r debaixo,
sem imitá-la,
exteriormente,
sem se
olhar
nu m
espelho. Entrar numa
máscara
é
sentir o que a faz nas
cer, encontrar o fundo da máscara , buscar aquilo em
que, no
93
íntimo, ela ressoa. Depois disso será possível interpretá-la
vin
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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do de dentro. diferença das meias-máscaras
da commedia
dell arte. as máscaras expressivas são máscaras inteiras, com as
quais o ator não fala. Elas representam tipos frequentemente
inspirados na
vida cotidiana. Arnleto
Sartori
inspirava-se
nos
rostos
das
pessoas da rua e
dos professores
da
Universidade
de
Pádua. Inspirava-se
também como
quer uma certa tradição
em personagens da vida política. Essas máscaras podem ser um
pouco ofensivas,
mas não
são caricaturas. O
que
importa é
que
possam manifestar, a parti r do momento em que as interpreta
mos, uma
complexidade
de sent imentos. Uma máscara que só
represente a expressão congelada
do momento
a de um sorri
so permanente por exemplo,
não
pode ficar mui to t empo em
cena; só
pode
fazer
uma
passagem. Uma
boa
máscara expressi
va
tem
de podermudar ficar triste, alegre, feliz, sem nunca ficar
definitivamente congelada na expressão de um instante. Est a é
uma
das maiores
dificuldades para
a
sua
confecção.
A máscara expressiva pode ser abordada em dois apoios.
Aose considerar,
po r
exemplo a
máscara
chamada
do
jesuí
ta ,da
qual uma par te
do
rosto desigual
é mais forte do que
a outra ela pode ser interpretada de um lado sentindo-se
jesuíta , buscando a psicologia do personagem o que leva a
determinado comportamento a movimentos
corporais pa r
ticulares de onde surge uma certa form Do out ro lado
po
demos nos deixarlevarpela própria forma tal como proposta
pela
estrutura
da
máscara. Esta
se
torna
então
como
um
veí
culo, arrastando todo o corpo no
espaço
em
movimentos
es
pecíficos,
que
dão vida ao personagem. Nosso jesuíta nu nca
ataca de frente: ele, primeiro, segue as linhas
oblíquas
e as cur -
94
merc do d s másc r s
vas
propostas
pela máscara; em seguida cede a sentime ntos e
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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emoções que
acompanham
esses movimentos O personagem
nasce assim da forma.
E NT RAR NA FORMA
Essa manei ra de e nt ra r n a forma encontramo la mais
particularmente
nas
máscaras larvárias.
Descobertas no s anos
1960 no carnaval de Basileia na Suíça sã o grandes máscaras
simples
que
ainda não chegaram a definir
se
nu m verdadeiro
rosto
humano.
Elas têm
apenas
o u u m nariz
grande
ou
um a
forma de bola
ou
parecem um a ferramenta de impacto ou de
corte Nós as trabalhamos e m d ua s
direções.
A
primeira
é em
direção
a
personagens
e
situações, cari
-
caturados u m p ou co à ma ne ir a d e certos desenhos humo-
rísticos As
máscaras vestem se
co m
figurinos verdadeiros
chapéus
como
na vida comum e exploramos diversas
si-
tuações realistas
qu e t r anspomos para
o
nível das máscaras.
Na outra direção buscamos a nim li e ou a dimensão
fantástica da
máscara.
ã
seres vindos
de
fora
que
foram capturados cujas reações vamos
testar Personagens
realistas
em
aventais brancos
sem máscaras vão
conduzir
s testes: fazem s
máscaras
andar
cutucam nas
com
um
bas-
tão assustam nas
e
observam suas reações
Essa pesquisa leva
à
descoberta de um a população indefi-
nida desconhecida bizarra Essa exploração do corpo inaca-
bado
necessariamente
diferente provoca
o
imaginário.
Expandimos nossas explorações
para
as máscaras uti -
litári s máscaras
de
hóquei no gelo de
soldadores de
96
[acques Lecoq com a máscara de jesuíta :
esquiado res, etc. Todas essas são máscaras
de
proteção : para
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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proteger-se do frio, do fogo,
da
luz, do vento.
Também
são
máscaras
de
disfarce
, que favo recem uma a tmosfera de es-
pion agem , de armações clandestinas a face oculta
das
coisas.
preciso no
entanto prestar
atenção pois mesmo
que nu
merosos objetos
possam
servir
para
a confecção
de
másca
ras,
nem
todas
podem
ser utilizadas
como
tal.
Uma
panela
na
cabeça, um escorredor de macarrão não passam de másca-
ras
quebra-galho
. Nesse campo de
exploração das
máscaras
onde
numerosas abordagens
são possíveis,
busco sempre
a
ve rdadeira máscara de te atro aquela
que t ra z
uma humani
dade mpõ uma transposição e possibilita um certo nível de
terpretação.
Após te r
conduzido
essa primeira
expenenci a da i nt er
-
pretação
com
máscara proponho
qu e
se faça exatamente o
in
verso
do
qu e
,
aparentemente
a
máscara sugere. Por exem
-
plo:
um a máscara que
ofereça ev
identemente
a expressão de
um imbecil será,
primeiro interpretada
como tal. O per-
sonagem será de preferência idiota, tímido atrapalhado.
Em
seguida consideramos o personagem como
um sábio genial
seguro de si,
surpreendentemente
inteligente . O ator interpre-
ta então
o que chamamos de cont ramáscara fazendo apa-
recer
um segundo personagem po r
trás da mesma máscara
trazendo
um a
profundidade bem
mais interessante. Desco-
brimos
assim
que
as pessoas
não
têm necessariamente o
ros to daqui lo que são
e
que
há um
traço
marcante para
cada
personagem.
Uma terceira
etapa
pode
ser atingida
com certas
máscaras:
interpretar
num mesmo
personagem
a
máscara
e
a
contramáscara ao
mesmo
tempo.
98
áscaras larvárias
Diferente da m á
sca
ra ne utra a m áscara
expressi
va dá a
pre
ciso
s. A dim ensão simbólic a é um a d im ensão im portante
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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partir dos mesmos temas acesso ao que chamo de
deriv ções
dos personagens. Quando utilizan do um a
máscara
ne u tra
um homem e
um
a
mulher
se
encontram
su a relação é essen-
cial
direta.
Não segue ne n
hum
traçado oblíquo
ou
alterado .
O homem e a mulher se
veern
a
vançam
um para o
outro
em
l inha reta nenhum obstáculo vem perturbar lhes a
relaçã
o.
Com a más
cara expres
siva o
mesmo
t
em a
p
od
e
transformar
se em:
o
hom
m
e amulherse encontram nocorreio Ee v m bus arseo
eelaosvende
É a mesma situação os sentimentos são
idênticos
ma s
os
pe rson
agens
nã
o podem
seguir
um a linha reta. Surgem
en -
t
ão
t
od
as as
deri
vações dramáticas: eles se
veem
.. . e vão; an
d
am de
lado; um se aproxima o
outro
recusa etc. Esse tema
poderia obviamente se r interpretado sem máscaras . Mas isso
nã
o
permitiria
expandir a
interpretação
destacá la
eliminar
os detalhes em benefício do grande circuito das atitudes. Não
é o t ema que
importa ma s
o modo de
interpretar
e o nível
de transposição
atingido
. Co m a máscara os gestos
aumen
t am o u d im in ue m. O
olhar qu e
tanta importância te m n o
jogo ps icológico
é substituído pela
cabeça e pelas mãos que
a partir de então adqu irem um a importância
muito
grande.
É po r isso
qu e
o emprego de
objetos
reais
enriquece muito
a
interpretação
das
máscaras
expressivas.
É necessário
observar que
as máscaras tais
como
as vis-
lumbro n ad a t êm a ver co m certas máscaras simbólicas da
dança teatro do Oriente que tem
gest
os codificados muito
100
do teatro mas
vem de poi s do n
os
so
tr
aba lho : não se p
odem
real
izar
gestos
simbó
lic
os
cod ificados
se m
alimentá-los
da-
qu ilo
qu
e compõe a
vi d
a. Algumas das grandes máscaras
or ientais são as de Bali em bo ra lá sejam in te rpre tadas de
m aneira pantomím ica. N
ós
as in terp re tam
os diferentemente
co m
o
certas máscaras africana s
qu e
às vezes
utilizamos ma s
sem
busca
r lhes a dimensão simbólica original.
Na verdad
e
as maiores másca
ras são as
do
nô japonês: um mo vimento
muito leve da cabeça para baixo é o s
uf i
ciente pa
ra
ce
rr a
r as
pálpebras e mudar de fo ra pa ra dentro o olhar
p rson g
TAD
OS PA IXÕES
SE
NTIMENTOS
Todo
o trabalho cumprido no primeiro
an
o
tende
a um
objetivo maior: culminar
na interpretaçã
o do
person gem
Com o acolheram um
element
o um a co r um inseto os alu
no s deverão estar aptos a acolher um personagem ainda que
esse processo seja
mais
difícil. Quando abordamos os
perso
nagens
meu maior
temor é o do voltar-se para o
personagem
quer
dizer
quando os a lunos
falam de si
mesmos
se m um a
verdadeira interpretação. Se o personagem e a pessoa forem
apenas
um
a interpretação nã o existe. Se essa osmose funcio
na no s d oses do cinema
ps
icológic
o a interpretação teatral
deve
transportar
a
imagem
até
o
espectad
or.
H á u ma
grande
diferença entre atores qu e expressam
sua própria vida
e os
qu e
realmente
interpretam.
Para isso a máscara terátido
um a
grande importância.
Os
a lunos terão aprendido a interpre-
101
tar ou tra coisa
que
não e le s
mesmos,
não
deixando
de im
tod as as nu ances: ele é orgulhoso, mas
altiv
o ; ele é
colérico,
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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pl i
ca
r-s
e in tensamente n isso. Não in terpretam a
si
m esmos,
in te rp retam consigo mesmos Eis aí toda a ambiguidade do
trabalho do a to r.
Para evitar
o fenô
meno
da
osmose
e para servir
de
apoio a
este m is lém qu e desejam os, servimo-n o sm u i to de animais.
Cada per
so nagem
pode ser identificado, em
parte,
com um
ou
vá rios
animais
. Se
um
pe rson
agem
está
baseado
n a pr e
sunção do peru , será preciso assegurar-se de que o per u esteja
efeti
vamente presente
na in terpretação do ator. Não há um a
ide
nt i
ficação
total entre ator e personagem, m as um a relação
sempre
tria
ng u
lar , n este caso, o
peru,
o a
to r
e o personagem
Começo pedindo a cada alu no que pr oponha um
pr
imeiro
personagem,
liv
remente
in sp irado em a
lgu
ma
observação
fei
ta
na rua
ou
en t
re as p ess
oa
s de seu c
on
vívio.
Basta
diverti
r-se
tentando ser um a outra pessoa. Buscamo s, primeiro,
de
finir
o
caráter
desse personagem . O caráter não são as paixões do
personage
m,
nem
os es tados de esp
írit
o
qu
e o a
nim
am , n em
mesmo as si tuações na s quais se encontra: são as
lin has de
força que o
defi
nem. Elas têm de poder ser expressas em três
pa lavras. Tal
pe rso
nagem será: orgulhoso, generoso e coléri
co . Fazendo isso, simplificamos ao m
áximo
a definição q
ue
estabelece um a estrutu ra
de
base que p
ermite
ao
ato
r inter
p re tar. Com
tr
ês bastões, podemos construir um primeiro es
paço: a cab
an
a
já
é
um
a casa Doi s
element
os
não
b
astari
am
,
poi s o equilíbr io ser ia in stável. P
ara
a
arq
uitetura, seja a do
personagem ou a
da
casa, o tripé é indi
spensá
vel. Quando os
três ele
ment
os tiverem sido defin idos , podemos ent ão
bu
scar
102
ma s
gent il . Progressivamente, os atores
trazem
suas
próprias
nuances,
sua própria com plexidade,e
assim seu personagem
constrói-se
sobre p
onto
s d e apo io sól idos e um a est
rutura
clara .
Os alunos chegam na aula com seu pe rsonagem , ca racte
rizados. Alguns
já
s aem de casa nos personagens,
a tal
po n
to
que algumas
vezes não os
reconhecem
os,
de
tanto que se
transformaram fisicamente.
Nós
os recebemos , então, como a
alunos
novos: eles acompanham a au la
de
movimento ou
de
acrobacia, mas em
seus
personagens .
ao mesmo
temp
o en
gr aç ado e muito cansativo; é po r isso que, então, decidimos,
entre
nós, por meio
de
um sinal, quando parar
de
interpretar,
para relaxar antes
de
recomeçar. Po is, quer
quei ra quer
não,
o
personagem
tende sempre a colar
na
pessoa. Vale lembrar
que os alunos im provisam seu próprio
texto,
e que nã o têm a
di stânci a necessár ia qu e um texto escrito
por um
autor ofere
ce. po r isso que insist o
para
que apresentem um
verdadeiro
perso
n
agem
de teatro, que r dizer,
um personagem
saído da
vida, não um pe rsonagem da vida A diferença é delicada mas
essencial.
Quan do eles se
aprese
ntam,
um por
um ,
diante
dos
outros,
per
gu
n t amos so
br e
s
ua
identida
de
:
nom
e,
ida
de, estado civil,
s
ua
orig
em,
seu tr abalho. . . e eles devem poder responder.
De
pois disso, nós os colocamos m situação para
que
seu caráter
se revele. Pois, p
or
c
er t
o, não existe
personagem sem situação
.
Apenas a situação lhe permite revelar-se . F
aça
-nos viver ': pe
dem os
eis p ersonagens à procura de
um
autor
de Pirandello.
Se sou avarento, peça
-m
e
dinheiro
': poderia
dizer Harpagão
103
LUGARES
E MEIOS
Vi, algumas vezes,
a lunos sustentarem persona
gens que
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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Para observar
como eles se comportam, agrupo os alunos/
personagens em grandes famílias (os dos escritórios, os das
fábricas, os das
un iversidades
. .. .
Do
ponto
de vis
ta
dramático, sempre surge um a distância
interessante entre
o
que
dizem os personagens ao
responder
às
perguntas
e o
que realmente
fazem , numa dada
situ
ação.
Ninguém nunca faz exatamente o que diz. Colocamos o per
sonagem
em
situações da vida em
família
, de s eu meio de t ra
balho,
de
férias
ou quando precisa recepci
onar alguém. Nós o
dispom os, pr imeiro, em seu próprio meio, antes de
lhe
pr o
por situações que o t irem do contexto,
ou
situações acidentais
que o revelem de outro
modo
, a si
próprio
e
aos
espectadores.
A pane do elev dor
ou
O descarrilamento do
trem
estabelecem,
na urgência,
um a relaçã
o
entre
pessoas
que
jamais teri
am
se
encontrad
o.
A reunião dos ondôminos
também é muito
rica
de
humanidade.
Num prédio. acabam de ch
ega
r novos moradores Decidem
conv
idar
seus vizinhos para conhecê
los.
h
egam
progressi
vamen
te os de cma.
osde baixo os que moram ao lado.. . Durante a c
onve
rsa alguns des-
cobre
mquetrabalhamna me
sm
a área que outros.
mas
não no
mes
mo
local... Acaba se por descobrir que alguns sêc em
prega
dos e outros
diretoresdame
sm
a empresa.
o
nstrangmento
Nesse
t ipo de si tuação, os personagens revelam-se: alguns,
tím idos, são capazes de um a autoridade
terrível,
assumem
o
comando
sempre de
modo
surpreendente.
Tal
abordagem
evidencia
o personagem escondido
em
cada personagem,
este
outro - oposto - , que um conflito ou uma situação excepcio
nal
faz
surgir.
Descoberta
importante para
o ator.
104
não os deixavam mais . Pa ra lutar con tr a esse perigo, nunca fi
camos muito tem po com um
me s
mo personagem. Passamos
rapidamente
de
um
a
outr o
,
um
pouco como
aque
les
grande
s
at o
res
de c inema que podem falar beste ir as nos bastidores,
depoi
s en tr am imediatamente em seu
pers
o
nagem
par a um a
t
omada
e, em seguida, vo ltam à sua conve rsa .
Depois qu e trabalharam um pr im eiro p
er
son agem , peço
aos alunos que escolham um seg
und
o, o ma is d istan te pos
sível do p rimeiro. De m
od
o geral , eles apresen tam alterna
tivamente
um
pers
onagem
em flexão e o
u tr o em
extensão:
um
personagem de tipo p
opu
lar ,
desc
ont raído,
ma
is livre; e
um mais tímido, vestido de maneira clássic a, c
om
atitudes
mais
formais. Essas variações to rnam-se ainda ma is i
nteres
santes quando surgem sem que
nenhum
a instrução lhes seja
imposta.
Esse
segundo
pers
on
agem
é
trabalhad
o
de
m
ane
ir a
diferente. Nós o questionam os fisicamente. Pergunto quais
são os que
gostam
de ser vistos , os que não são vistos , o s
que acham
que são vistos ,
os que
foram
vistos mas que n ão
são mais , os que sabem aonde vão (os p rogramados) , os
que não sabem aonde vão , etc.
Depos
d isso,
posso
ser ainda
mais preciso: o s que vão ao fu tebol , os que vão dançar sá
bado à noite : os que
vão ao
museu , os que vão
ao
sex shop .
Observamos
os personagens
em diferentes situações,
ou ,
me
lhor ainda, observamos suas reações quando saem
dessas
si
tuações. Tentamos
determinar
os
lugares,
ou
os
meios, mais
favoráveis para
que
os personagens se
revelem.
Tais situações
de interpretação levam
a
um a
análise téc
nica,
etapa
necessária para a c
onstruçã
o do personagem.
105
Colocamos
em evi
dência a
relação
que ele estabelece com o
menta de vozes, de imagens, a multiplicação
dos
biombos . . .
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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esp
aço: há aqueles
qu
e são puxados para trás ': os que são
empurra
dos
para a frente : etc.
Uma terceira et
apa
me leva a pedir-lhes
qu
e
escolham dois
outros pers on a
gen
s, muito dife
ren
te s e c
om p
lementares u m
do
outro,
que um
me
sm o ator terá, ago r a, de fazer com que
vivam juntos. Trata -se de um a cen a de perseguição, de espera,
de procura, em volta de um biombo.
No palco encontra se um biombo
com
dois painéis . desenhando. na
frente um espaço aberto; e atrás. um
escondido.
Chega um primeiro
personagem.
que procura porum
outro.
chama o. nàoo encontra. vai
c
hecar
atrás... Muito
rapidamente.
com a
ajuda
deum
elemento
dofi-
gurino oucom um
acessório
. o ator muda depersonagem e reaparece.
interpretando o outro perseguido pelo primeiro.
Os
alunos
devem
desenvolver esse tema po r todos os m eios
im agináveis . Tra ta -se de interp reta r a ilusão e a multiplicida
de dos per sonag en s, a
mudan
ça de figurino, de acessó rios,
de voz ; de ap resentar os personagens de cos tas , de fre nt e . . .
O
id
ea l ser ia fazer
com que
o público visse, em de term inado
m omento, os dois juntos
estrições e estil
Essas
impr
o
visações
sã o e
xp l
orada
s em au la c
oleti
va e, de
pois, os alun os trabalham com as mesmas propos tas em au-
tocursos
Organizo companhia
s de c inco a tores e peço que
interp
ret em
dez
pe rson agens. Aí tudo é p
ossí
vel:
desdobr
a-
106
O hotel da livre troca é
um
tema muito estimulan te: temos aí
as por tas que ba tem, os armários onde as pessoas se escon
dem, confusões
de todo
tipo.
Tocamos,
ao mesmo tempo, na
virtuosidade
e no prazer da interpretação
(do
jogo), que, para
mim, são
dimensões
importantes do
ator
.
Sendo
a ideia peda
gógica, tanto nesse exercício como
nos
anteriores,
sempre
a
de obrigar
o aluno a interpretar um
personagem,
ou vários, o
mais distante possível de si mesmo.
Termino
a abordagem
dos personagens
pedindo a um
grupo de atores, organizado em companhia , para que faça
um a cen a
com cenário,
figurino,
obje
tos, e numerosos
perso
nagens. Como eles tendem a se espalhar pelo espaço, coloco
um a restrição:
só
podem utilizar um espaço muito reduzido,
de doi s metros po r um . Nesse tablado pequeno, limitado, eles
têm de tornar vivos os
maiores
espaços possíveis.
Perdidas numa imensa floresta duas pessoas estão se
procurando;
uma não sabe onde a outraestá mas depois acabam se encontrando.
Elas
podem
. fisicamente estar a cinquenta centímetros
uma
da
outra.
mas. teatralmente. a várias centenas de metros;
chamar
se desde um
vale
é
as alturas de uma colina mas estando
realmente
uma de
costas
paraa
outra.
Esse tema é fei to a
dois, depo
is a trê s, quatro
ou
cinco ato
res, sendo o lim ite de sete, em dois m etros
quadrados.
Esse
exercício se in sere na tradição do cabaret que facilita a
inv
en
ção de formas teatrais, impondo restrições muito gra ndes de
espaço. Eu me lem bro de um western completo, com cavalos,
pe rseg
ui
ções, b rigas,
saloon
feito com m aest ria no
mi
nús
culo tablad o do La Rose Rouge célebre ca ba ré par
isiense
do
107
pós-guerra Ma s sobretud o te rm ina m
os
o
tr a
ba lho
co
m os
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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personagens
l embrando que
o teatro deve se r
semp
re
um
jogo.
É preciso divertir-se
e a Escola
é
um a
escola
feliz. Nã o
devemos interrogar-nos com angúst ia qual a maneira mais
ou
me nos correta de
entra rem
cena: basta entrar
com
p razer
8
1
I
I
écnica
dos movimentos
A
técnica dos movime
nt
os co
nstitu i o segu
ndo eix
o d a minha
pe d
agog
ia . Aqu i vou expô -l a de m ane ira in dep end ente me s
mo
que
na
pr á
tica
ela
sempre es
teja
extremamente
lig
ada à
interpretação. Ao longo de
todo
o pe rcurso do s alunos
el a
acompanha
a improvisação e
sua
criação pe ssoal. Ela
vem
como preparação como
um
apoio o u um prolongamento dos
diferentes
componen t e s
do
aprendizado . A técnica dos mo
vi
-
mentos
reúne
três aspectos d istintos:
de um
lado a preparação
corporal e vocal
de outro a
acrobacia r mática
e p or fim a
náli
se dos movimentos que no segundo ano se
transforma
em
técnicas aplicadas aos diferente
s territó ri
os
dramático s.
reparação corporal vocal
DAR
SEN
TI
D O AO
MOVIM
E
NTO
o
es tudo
d a a natomia do c orpo human
o serviu -m e para
d es
envolver
um a prepar
ação
corporal
analítica
com vistas à
109
expressão pondo em
jogo separadamente
cad a p
arte
do co r
de de exercícios gera lmente utilizados na maioria dos
aque
ci
men tos corpo
ra
is
mas
dando- lhes um sent ido
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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po: os pés as pernas o quadril o peito os omb ros o pescoço,
a cabeça os braços as
mã
os para disso ap reender seu te
or
dramático. Constatei q
ue
qu
a
ndo
m
ovimento
por
exempl
o
a cabeça em direções puramente geométricas, para o lad o
para
a frente , para t
rá
s
.. . ou
ço
olh
o
sint
o
medo
.
No
teatro,
realizar um mo
vimento
nunca é um
ato
mecânico,
ma s
um
gesto
j ustificado
E pode se r ou
po r
um a
ind
ic
açã
o
ou
po r
uma ação ou ainda, p or um
aconteciment
o interno . Levanto
um br aço
pa
ra indicar
um
esp aço ou
um lugar, para
pegar
um
objeto nu
ma
esta
nte
ou até porque
sin
to em mim alguma
coisa que m e faz levantá-lo. A indicação a ação o estado são
três
mane
iras de justificar um movimento. Co r respondem
às três
grandes
orientações teatrais: a
indicação
está próxima
da pantomima a aç ão está do lado da commedia dell'arte e
o estado nos leva ao drama. Qualquer que
seja
o
gesto
que o
ator realiza tal gesto se
insere numa relação
com
o
espaço que
o cerca e faz nascer nele um estado emotivo particular. Uma
vez
aind
a o espaço do fora se ref le te no
espaço
do
dent
ro. O
mundo
imita
-se em mim, e me nomeia
A preparação corporal não visa a alcançar um modelo cor
poral nem a impor formas teatrais preexistentes .
Eladeve
aju
da r
cada um a atingir a
pleni tude do
movimento justo, sem
que o corpo esteja
em
demasia s em que ele parasite aq ui
lo que deve
transportar
. Ela se apoia, então,
primeiramente,
numa
ginástica dramática
na
qual cada
gesto
atitude
o umo
vimento
é justificado
Emprego
exercícios
elementares,
como
balançar os braços flexões anteriores
ou
flexões
la t
erais
do
tronco, divisão do peso naspernas, enfim,
um a
bo a quantida-
110
extensào com os braços levantados uma queda do tronco leva
uma flexão
do
corpo:
depois revertendo omovimento um retorno
à
posição inici l
Realiz
ar
esse movimento segu indo uma progressão preci
sa é exemplar daquilo qu e fa
zem
os com o con junto da ná s-
tica dramática
Começamos
po r realizá -lo de u
ma
man eira
mecânic
a
simple
s p
ara
descob r irmo s seu per c
ur
so. Tent a
mos, em seguida, amplia r o movimento par a ir a té seus li
mites, re al
izand
o -o no m aior espaço possível. Num
ter
ceiro
tempo concentramo-nos pa rticularmente em do is momen
to
s impo rtantes do movim ent o para daí descobr ir a dinâmi
ca
dram
ática: de
um
lado o m om ento do início em
exte
nsão
p
ouc
o an tes de o t
ro
nco ser levado pela queda; de
outro
lado
aquilo que marca o fim do movimento o re tor no do tronco
e
dos br a
ços à
posiçã
o
vert
ical
quand
o o c
orp
o se
encontr
a
novamente em extensão e quando o m ov imento vai mo rr er
imperceptivelmente, na
imobilidade
.
Esses dois momentos, que seg
uem
e p
recedem
a at itude
de
extensão t razem um estado
dramático forte.
A suspensão que
precede
a partida insere-se na d
in âmica
do r isco da
queda,
e
traz um sentimento de angús ti a, que surge de maneira mu ito
evidente. Inversamente, a
suspensão
do retorno insere-s e
na
dinâmica da aterrissagem do retorno à calma, da abo rdagem
progressiva
em
direção
à
imobilidade
e
à
serenidade
.
Em seguida colocamos em jogo a respiração. O movimen
to é realizado na expiração completa, no ir e v ir com a in s-
pi r
açã
o
in
te rvindo apenas na atitude im óvel da extensão, em
apneia a lta. A
part
ir desse
controle
da resp iração,
começo
a
m edir as consequ ências, pedem aos atores pa ra que ati nj
am
limites extremos do movim
ento
.
É,
na verdade , sua p ró pria
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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sugeri
r imagens pa ralelas,
que fazem
entrar o movimento
em
sua dimensão dramática. O aluno imagina -se, então, sempre
com o mesmo movimento,
diante do
mar, harmonizando-se
com
o ritmo
das
ondas.
Isso
pode fazer
pensar numa bolinha
lançada no ar que cai, com essa fascinação do
começo
e
do
fim
do
mo
viment
o:
qual
é est e
instante
de
imobilidade
en
tr e
o subir e o descer? A bolinha fica
suspensa
no ar?
De que
modo? Num m ovimento
desse
tipo, no instante preci so da
suspensão , o teatr o aparece. Antes, não passa de esporte To
dos aqueles que viram
Nijinsk
i dançar contam que ele ficava
suspenso no ar. Mas como?
A ginásti dr máti
é
acompanhada de um a dimensão
vocal, pois
seria
absurdo quererseparar
voz
e corpo. Cada gesto
possui um a sonoridade, um a voz, e tento fazer comque os alu
nos
a descubram.A emissão
de uma
voz
no
espaço é da mesma
natureza que a realização de
um
gesto:
como
lanço
um disco
num estádio, lanço minha voz no espaço, tento atingir um ob
jetivo,
dirijo-m e
a alguém a um a
certa distância.
Tanto
nas
on
das domar , como nos saltos de uma bola
ou
em qualquer outro
movimento, gesto, respiração e voz são realizados juntos. No
movimento,
podem ser lançados um
som, um a
palavra,
um a
frase, uma sequência poética o u um texto dramático.
A abordagem analítica
do s
movimentos do corpo
huma
no
pede,
da parte
do pedagogo,
um
conhecimento
objetivo
da ana tomia . Quantos erros, geralmente extremamente peri
gosos para
os
atores, foram ou
ainda são cometidos po r pr o
fessores que nada
conhecem
do corpo humano Alguns, sem
angúst ia d o lim it e que eles impõem a
seus
al
un
os , às vezes
com um a
dimensão
pe rversa, at é mesmo sádic a. Confundem
o prazer da interpre tação
com
a angústia do ex
ercíci
o O
que
pode ser
aceitá
vel na aventura de um ar tista é inadmissível do
po n
to
de
vista
pedagógico.
Minha concepção da p rep aração co rporal c
ontrad
iz, em
parte , n um erosos mét
od
os de m ov imen to propostos aos
atores. Na mai oria d as vezes, trata-se
de
ginást ica, d irei, de
consolação ,
cuj
o p rincipal objetivo
é
fazer bem àquele que a
pratica. Os di
versos métod
os de relaxamento ou de
bem -esta r
que invadem os cursos de formação tea tral podem , eventu
almente,
servir para
acalma
r algumas
ang
ústias ou para res
tabelecer um certo equilíbrio interior da pessoa, mas nunca
dizem
respeito à relação c
om
a interpretação. No entan to , o
único
real
equilíbrio interior, para
um ator, é
a interpretação
Recuso o aspecto consolador, que incita o professor a ser ,
de t odas
as
maneiras,
querido
de
seus alunos. Esse processo
é demagógico. Peguem um
intelectual ingênuo
,
faça-o
fazer
qualquer
coisa
no chão, respirando, ao som de
um a
música
doce e ele
ficará
feliz .
Na maioria
dos casos, isso é complacên
cia.
Marchamos
, lado a lado, sob a
bandeira da complacência
Uma ginástica
estritamente
esportiva também é insuficien
te
para
o ator.
Conheci atores extremamente duros
na
sala
de
ginástica que, no entanto, se movimentavam maravilhosamen
te no
palco,
e outros mu ito flexíveis
no
t reino mas incapazes de
fazer surgir uma ilusão. Uns tinham talento de ator, outros
não
113
Outra inutilidade está na aprendizagem precoce dos ges
to s
formais que
pertencem
a estilos ou a
códigos
oriundos de
sai
em parafuso do cor po d a mãe; antes de se arrastar ou de
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teatros consagrados, como os do Oriente, po r exemplo, ou da
dança
clássica. Esses gestos formais ass im nascidos de uma
prática
insuficiente,
criam,
no
corpo do
ator, circuitos físicos
que, em seguida,
são muito difíceis de serem
justificados,
es
pecialmente pelos jovens atores.
Conservam
na
maioria
dos
casos apenas uma
forma
estetizante . A
rigor,
a esgrima, t i
chi
a equitação . . . podem
ser técnicas
de apo io ou de mu
dança de hábitos corporais, mas nunca podem substituir um a
real educação do corpo do
a tor que
vive o mundo
da
ilusão.
Enfim, os exercícios
d e d in âm ic a d e
grupo - tomar-se
pelas
mãos
antes
de entrar em cena - são simpáticos
para
o
grupo.
Não para
a
trupe Vários diretores,
sempre muito
in
teligentes,
mas sem
nenhum
conhecimento
real das prát icas
corporais, eles mesmos, às vezes com pouca
relação com
o
próprio
corpo, ficam presos
a esse
t ipo de
exercício.
São mais
atraídos
pelo significado do movimento do
que
pela própria
ação. Ouço dizer
que na
Austrália,
o
ator
teria
um
guru : que
nos Estados Unidos ele seria acompanhado por um psi Na
Itália,
ele en tra em cena e interpreta Compartilho desta últi
ma
con
cepção
.
crob ci dr mátic
No s
LIMITES
DO CORPO
Os movimentos acrobá
ticos são
aparentemente
gratuitos.
Eles
não
servem para
nada,
a
não
ser para interpretar. São
os
pr
imeiros
movimentos
naturais da
infância. Uma
criança
114
caminhar,
seus
primeiros contatos com o chão se dão a partir
de um
movimento
de
cabeça
que a impulsiona em cambalho
ta
lateral.
Meu
objetivo consiste em fazer o
ator
reencontrar
essa liberdade de movimento, predominante na criança antes
que
a
vida
social lh e
imponha
outros comportamentos,
mais
convenientes.
A
crob ci
dr mátic começa po r piruetas e cambalho
tas
cuja dificuldade aumenta, progressivamente, para t rans
formar -se em saltos pela janela, depois em saltos
mortais,
tentanto l iberar o
ator,
o
quanto possí
vel da gravidade.
Tra
balhamos,
ao mesmo tempo, a flexibilidade, a força o equilí
brio (nas mãos , na cabeça, nos ombros .. . a leveza
(todos
os
saltos),
sem
nunca esquecer,
ainda
aqui, a justificativa dramá
tica do
movimento.
Um a
cambalhota
pode se r acidental - eu
topo
com um obstáculo, caio e saio rolando - como pode
se r
um
elemento de transposição
da
interpretação: Arlequim
põ e
-se a r ir
chegando
a da r uma
camba
lhota
Por me io
do
jogo acrobático, o ator atinge
um
limite de expressão dramá
tica.
po r
isso
que
trabalhamos a
acrobacia
dramática
du
rante
dois
anos
inteiros, adaptando-a no
segundo
ano p ar a
os territórios dramáticos que
são
explorados. Existe também
um a acrobacia bufonesca particularmente interessante, fei
ta
de
quedas
no chão, às vezes violentas, pirâmides catastró
ficas que desmoronam, sendo
possíve
is
graças
aos figurinos
bem
almofadados de certos bufões.
O m l rismo é complementar à abordagem acrobática.
Começa
com um a
bolinha,
depois duas, três,
quatro, cinco
ou mais .. . mas,
principalmente,
ele cont inua com objetos
115
da
vida cotidiana,
pratos,
copos
, e se
integra, para t e rm
inar
numa
sequência (o
restauran-
mímica de a
ção
. Na
époc
a, eu p ra tic ava o
mé
t
od
o natural de
Georges Hébert: pu xar empurr r escalar andar correr saltar
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te, a
loja
. . .).
Em seguida,
surgem as lutas:
da r
e
receber
um a
bofetada, um pontapé,
puxões
de cabelos,
torcer
o nariz, co
meçar uma briga coletiva, dando o máximo de ilusão à ba l-
búrdia, sem
que ela jamais aconteça, realmente. Quem recebe
a bofetada, ou cujos cabelos são puxados po r alguém, conduz
o jogo e provoca a ilusão. Confirma-se aqui um a lei essencial
do teatro, já observada: a reação cria a
ação
Acrescentam
-se,
finalmente, os objetos:
um a
cadeira
que
voa, um a
mesa para rolar
po r
cima,
etc . São também traba
lhadas as defesas ou
seja,
acompanhar e da r segurança ao
mo
-
vimento acrobático para evitar a q ue da d o a tor. Num salto
mor ta l, uma mão pos ta na parte baixa das costas pode ajudar
a realizar o
movimento
sem risco. Essa defesa é, por sua vez,
dramatizada: Eu
me
abaixo
para apanhar
um
objeto,
o
outro
personagem rola sobre as minhas
costas,
eu me levanto para
ver o que aconteceu e, ao levantar-me, ajudo-o a realizar seu
salto . O domínio t écni co de t odos esses movimentos acro-
báticos,
quedas
e saltos, malabarismos e lutas,
tem apenas
um
objetivo verdadeiro: da r ao
ator uma
maior l iberdade de
in
-
terpretação.
nális s movim ntos
A
análise dos
movimentos do corpo
humano
e
da
nature
-
za, das
ações
físicas
no
que t êm de econômico, est á na base
do trabalho corpora l da Escola. O que p ra tiquei, na realida-
de
da
minha vida esportiva, transmiti naturalmente, numa
116
lev nt
ar carregar
t
acar defen er se n r. Essas ações gra-
vam
circu
it
os
físicos no
corp
o sensível, e neles se
inserem
as
emoções. Sentimentos, humores e paixões se expressam
po r
meio de gestos, de
atitudes
e de movimentos análogos aos das
ações físicas . É importante para os jovens atores
saber
como
o corpo puxa , como empu rra , a
fim
de poder, se for o caso,
expressar todas as maneiras particulares, de
um
personagem,
de
puxar ou
de
empurrar .Analisar um a ação física não é
em itir
um a opinião, é ap reen
de r
um c
onhec
imento, base in -
dispensável para a
interpretaçã
o.
P A RTIR DOS MOVIMENTOS NATU RA IS DA V IDA
Começo pela
an álise dos movimentos d o corpo humano,
a partir d e trê s movimentos
naturais
que se
conhecem
da
vida:
ondulação
on ul
ção invertida
e
eclosão.
Descobri a ondulação
como
princípio de todos os grandes
esforços, no estádio. Foi
em
Grenoble, no palco do teatro, que
descobri a eclosão. Fo i
na
rue du Bac, quando a Escola
come
-
çou,
que criei a ondulação invertida
descobrindo
aí o
sentido
dos
conflitos
e dos personagens. Haviam sido encontrados os
três princípios do corpo
humano
que comandam a movimen-
tação assim como as três
vias da
minha pedagogia.
Paraalém do movimento físico em si, a ondulação, a eclo-
são
e a
ondulação
invertida são,
com
efeito,
três vias análogas
da
interpretação com máscara. A eclosão corresponde à más-
cara neutra;
a
ondulação,
à
máscara
expressiva,
em sua
pr i-
meira imagem; a ondulação invertida remete à contramáscara.
Esses m ovimentos resum em em si três p
osi
ções dramá ticas:
estar com ser a favor ser contra
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p
p
.
Locomoção ondulatória
1
Ondulação
Eclosão
A
ondulação
é o primeiro m
ovimento
do corpo huma
no o
de
t
odas
as loco
moções. Na
água o peixe
ondul
a
para
avançar.
No chão a serpente também ondula . Uma criança
engatinhando
também ondula; e o
homem
em pé
continua
a
ondular. Se observarmos com um a câmera as
pessoas
saírem
do metrô constataremos pela análise de seus
movimentos
que
sobem e descem:
seguem uma
l
inha ondulatória.
T
oda
ondulação parte de um ponto d e a po io para chegar a um
ponto de
aplicação.
A ondulação apoia-se no so lo e p
rogres
sivamente
transmite
o esforço a todas as partes do corpo até
o
po n
to
de
aplicação. Essa
transmissão
pode se r
observada
ao
soprarmos na água e a onda deslocar-se quase que indefini
damente.
Essa
ondulação
se
encontra
no
quadri l do homem
que anda.
O
quadri
l
leva
o
restante
do corpo
a
uma
dupla
ondulação natural :
uma lateral como
nos
tubarões;
outra
vertical
como no s
golfinhos.
A ondulação é o motor de todos
os esforços físicos do corpo humano :
empurrar
/
puxar
e
empurrar
-se
/ puxar-se .
A ondulação invertida é o
mesmo
movimento
que
o pre
cedente realizado ao contrário.
Em
vez de partir
do a po io
dos pés no
chão
parto da
cabeça
que começa
o movimento
apoiando-se
num
ponto
que me provoca
do
espaço de fora .
A imagem do pássaro ajuda a
realizar
esse movimento:
Um
páss ro
está
min
h
frente
eu
o
vejo o longe
le se
elev
na
ve
rt
ic l cim
d minh c beç
meuolh
ro
comp nh
e
v i descer
119
eudes p re
ço
le
desceu eu o
vejo
no
ão epois eles i
voando
no
horiz
onte
em
cruz
alta , em pé pe rn as e b ra ços ab ert os, esticados mais
alto do que a hori zon tal . A eclosão consiste em ,
sem ruptura
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Em tal movimento a partir da cabeça o corpo inteiro
põe-se à disposição do
evento.
Entramos numa
relação
que
não
é apenas
de
ação
mas d e
indicação dramática Se a ondu
l ação é uma ação voluntária atuando
de
um pon to a outro
para
me deslocar
ou
deslocar
a
ondulação
invertida
sempre
serve a um a reação
dramática.
Qualquer dr m na verdade
inverte as técnicas
da
ação .
A
ondu
lação
e a
ondulação
invertida têm
em comum
quatro grandes at itudes de passagem: o corpo para a frente
o corpo no zênite, o
corpo para
trás e o corpo compacto. Peço
aos alunos
que
adotem sucessivamente essas atitudes;
depois
dentro
desses
percursos
físicos,
que
sintam as diferentes
pa s
sagens das idades da vida: a infância a idade
adulta
a ma
turidade a velhice. A posição
do
corpo para a frente com a
lombar arqueada a
cabeça
levada adiante nos
sugere um es-
tado de infância, à imagem
do Arlequim
. A at itude do corpo
vertical remete à máscara neutra à matu
ridade
do
homem
em sua idade
adulta
. O
outono
da vida período de d
igestão
faz-nos passar
para
tr ás do eixo
vertical recolhidos. É
a idade
do recolhimento Enfim, na velhice nos dobramos para reen
contrar o feto.
Em equilíbrio
com
os
dois
movimentos
precedentes
a
eclosão desenvolve -s e a partir
do
centro. No
começo
,
trata-se
de uma
ati
t
ude
compacta no
solo
com o corpo
ocupan
do o
menor
espaço possível
para chegar no fim do movimen to
120
passar de
um a ati tude à outra ,
cada
segmento do corpo
agin
do no mesmo
tempo.
Os braços e as
pernas
chegam
simulta
neamente em
pos
ição
estendida
sem
que nenhuma parte
do
corpo preceda
outra.
A dificuldade é encontrar precisamente
esse equilíbrio e essa dinâmica
sem
obstáculo . Muitas vezes, o
alt
o do co
rp o
chega antes
do
b raço, s
implesmente porque
as
pessoas pensam mais nessa parte do corpo. A eclosão é um a
sensação global a ser descoberta
qu e
pode ser realizada em
do is sentidos: em expansão ou em concen t ração.
Após ter t rabalhado
cada
um dos mo vimentos de bas e
p rop
on h
o os
tr t mentos
do exercício. Chamo
tr t mento
um conjun to de variações destinado a explorar diferentes
possibilidades do movimento. A partir do gesto simples ana
lisado
provoco experimentalmente
c omo em genética di
ferentes manipu lações a fim de ajudar os alunos a expandir
seu
campo expressivo.
Os grandes princípios
dos tratamentos
técnicos são:
umentoe diminuição equilíbrio e respiração de-
sequilíbrio e progressão São aplicados a
todos
os movimentos
analíticos de
base e depois a todas as
ações
físicas, para serem
enfim
adaptados
à própria interpretação e aos sentimentos.
Sempre
começamos po r ument r
o movimento ao
má
ximo para aí buscarmos o limite de espaço até o equilíbrio.
Aumentar
a
ondulação
ao
máximo
é
chegar
a
pos
ições
de
equilíbrio no espaço para a frente e para trás. Depois disso
adotamos o processo inverso para diminuir o mesmo mo
vimento, até o ponto d e n ão pod er mais
pe
rcebê-lo de fora.
121
Tocamos,
então, o limite oposto, ou seja, a respiração,
numa
imobilidade aparente.
que
conhecemos Essa concepção é muito diferente da abo r
dagem
que
se observa
em certas
formações de
atores, em que
I
i
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Equilíbrio
e
respiração
são limites
extremos
de
qualquer
movimento,
e podem
ser adaptados
à
interpretação do
ator.
Improvisando, geralmente
partimos
de
um a
situação
simples
para aumentá-la
ao máximo, aumentar os
sentimentos
até o
l imite ext remo, antes de reduz i-la. Partindo do sor ri so , t en
tamos
morrer de
rir,
antes de a tingi r um riso intermediário.
O a tor que praticou esse exercício, que experimentou o limi
te
superior do
riso, estará disponível para reagir muito su
tilmente em qualquer
drama
psicológico, de maneira viva. A
dimensão
completa
do
riso estará
presente em sua interpreta
ção. Nesse processo,
passamos do expressionismo ao impres
sionismo, do corpo
que interpreta
aos
olhos
que
interpretam:
o corpo deposi ta seus movimentos nos olhos.
Exploramos, enfim, a situação
para
a lém dos
limites:
em
purrar um mov imento para além do equilíbrio é provocar o
desequilíbrio, en tr a r na queda; e, para evitar essa queda, in
ventamos
a locomoção. Avançamos Essa
regra
é válida tanto
para o
movimento
físico quanto para o dos sentimentos.
No trabalho do
ator,
importa começar
interpretando,
pr i
meiro, muito
grande
para sentir as linhas de força, os gran
des traços simples do personagem. Em seguida, vai chegar o
momento de
matizar,
em
uma
interpretação mais íntima.
A
interpretação
psicológica deve ser uma
resultante
da
inter
pretação
aumentada no
espaço
.
Sempre
fico
impressionado
com o fato de que alguns dos grandes atores, capazes de um a
interpretação ínt ima muito potente, começaram po r
outras
dimensões: Jean Gabin fez mu
sic hall
antes de tornar-se o ator
se
começa
po r pedir-lhes que interpretem pequeno , para
depois aumentar progressivamente a interpretação. De n ad a
adianta Eis po r
que
eles se
tornam
externos, fabricam as
coisas,
FAZER SURGIR
AS
ATITUDES
É preciso, quando abordamos a
máscara
neutra, fazer com
que , do corpo , sur ja uma série de
atitudes
que assegurem a
estruturaçãodo movimento, para além do gesto natural. Cha
mo titu e um tempo forte,
apreendido
no interior de um
movimento, na
imobilidade.
É um
momento de
pausa, que
pode ser posto
no
começo,
no
fim o u n um
momento
impor
tante
de
mudança.
Quando levamos
um movimento até
seu
limite,
descobrimos
um a atitude.
Conduzo
esse
trabalho
a
partir
de
nove
atitudes ,
numa
série repertoriada que peço aos alunos para realizar de modo
encadeado.
Esse exercício dá
ao quadri l,
ao tronco e à cabeça um rigor
que vem
contrariar
o movimento natural. Em favor de um a
abordagem artificial, indispensável a qualquer transposição
artística à
máscara
neutra, à commedia dell'arte .. . ), inter
pretamos contra a natureza para melhor falar
dela.
Uma vez
realizado o encadeamento da
série
e dominadas as atitudes,
intervêm novamente
os
tratamentos:
ument r
/
diminuir
equilíbrio / respiração
depoisvêm as
justificativas
dramáticas,
que
deixamos
para
os alunos descobrir (observo, viro para
trás, etc.). Intervêm
igualmente todas as variações possíveis,
3
especialmente as da res piração. Se
apli
carmos ao
mov
im en
to um a contrarrespiração, sua justificativa será diferente. O
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4 . A
abertu r
a
à
frente
Z mesa
6. A
saída
de quadril, em espe lho
o sarnurai
5. A saída de quadril
jO\
9. A mesa
O
sam
urai
snoveatitudes
3.O grand e arlequim n 1
7. O
rola
m
ent
o com a
bertura
à fren te 8. O grand e arl e qu im n Z
Se
rea lizarmos
esse m o
vimento inspirando, enquanto
le
vantamos o braço, e depois, na volta, expir
ando,
vamos no s
encontrar num
sentimen
to
positi
vo
de adeus .
Se
fizermos
o
contrário,
levantar o braço na expiração e voltá-lo na
inspira
ção, o
estado
dramático
ser
á,
então, negati
vo:
não
quero d izer
adeus, mas s u ob rigado a fazê-lo Outra possibilidade:
insp
i
rar, fazer o m ov
imento
em
apnei
a alta e
expirar
só
depois
do
gesto,
atingimos
aí a
saudação
fascista.
Enfim, o inverso ainda
é
possível: exp
ira
r, faze r o
mo
vi
mento
em apn e
ia baixa,
inspirar. Tenho
,
sem dúvid
a, um a
baioneta nas costas que me
obriga
a fazê-lo. Todas essas n u
ances de
respiração são aplicadas nas nove atitudes,
mudando
profundamente as justificativas dramáticas
produzidas.
exemplo d O
us
é, sem
dúvida
, o mais significativo:
s toudepé. lev nto um br ço n verti l p r dizer deus lguém
As nove ati t ud es e suas justificativas dramáticas são
inte
ressantes, po r
serem portadoras de várias contradições.
O
grande
arlequim , em movimento
de recuo
do
quadril,
pode
sugerir tanto uma sensação
de reverência,
quanto um
gesto de
medo ou de do r
de
barriga. Nunca há apenas
uma
justifica
tiva:
muitas
vezes
também
é possível o
contrário daquilo
que
aparenta. Todas as
grandes atitudes
são portadoras de múlti
plas possibilidades
e,
nisto
,
são
eminentemente
teatrais
e
pe
dagogicamente
ricas.
Cabe
aos
alunos
aventurar-se, descobrir
todas
as possibilidades,
especialmente nas passagens
de
uma
atitude
à outra. Cabe
a eles
descobrir
a
importância, para
o
124
ator de conservar a estruturação
dessas
at itudes
inclusive
a
da versão reduzida a
mais íntima
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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A noção de a titude está presente
em
t
odos
os grandes ato-
res qualquer qu e
seja
o
estilo
ou a natureza do t ea tr o q ue
interpretam
pois
na verdade o público quer ler atitudes. No
teatro a nã o
ser
qu e se trate de um a reivindicação temporária
para
lutar contra
um a
codificação
fixa e
esclerosada
de
certas
atitudes o gesto vago é
indesejável Foi
a grande experiên-
cia do
Living Theatre no fim
do s
anos
1960 ao
explodir po r
meio
do grito a codificação Mas
depois
dessa revolta neces-
sária foi preciso reconstruir O qu e
desejo
para
meus
alunos é
a
descoberta:
partir do
gesto
natural mais simples para chegar
ao teatro o mais
elaborad
o possível. Pois quanto mais cons-
truído é o teatro maior ele é.
scalar
t \ f ~ ~
Levantar carregar
Tocar o sino.
Passa ra barreira
BUSCAR
A
EC O N O M I A
DA S
AÇÕES FÍSICAS
A mímic da ação é nossa base para analisar as ações fí-
sicas do homem Consiste em reproduzir um a ação f ís ica o
mais
próximo
possível do qu e ela é sem
transposição
fazen-
do mímica do
objeto
do
obstáculo da resistência Para
isso
utilizo
os gestos dos
grandes
ofícios
o barqueiro, o lavrador,
o
escavador,
o
lenhador ,
ou ainda das grandes
modalidades
esportivas
barra fixa, halterofilismo .
A mímica
da
ação
tam-
bé m
trata da
manipulação
de objetos:
brir
um
m l fech r
um
porta,
tom r um
xícara de chá.
Sem nunca passar pela
psicologia
buscamos a ação fí-
sica q ue mais se aproxime da máxima economia p ar a q ue
ela
sirva
de
referência
Como antes esses movimentos são
116
primeiro, analisados de um ponto de vista
técnico,
antes de
serem expandidos ao máximo e, depois, reduzidos, para daí
A m ímica de ação nos faz descobrir qu e
tudo
o que o ho
mem faz em su a vid a pode ser res
um
id o em duas ações es
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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descobrir o conteúdo dramático, a fim de escapar das f
ormas
esclerosada
s da
mímica .
Para
evitar a
tendência
à simples técnica
ou
ao virtuosis
m o gratui to , não nos detemos n a
análise
de m ovimentos iso
lados,
ma
s inserimos os
gest
os em sequências d ramatizadas,
com um começo e
um
f im . A sequência da
parede ,
const i
tuída de 57
atitu
des muito p recisas, permite um
encadeam
en
to em
um
movimento global.
Você es
tá
se
ndopersegudo
numa
cid
ade.
e
es
conde-seembaixode
uma
marquis
e
numa
rua sem
saída.
Ape
sso
a que o perseguepassa na sua
frente e nãoo vê Suaúnica
sa
ída
é
ummuro.do outrol
ado
da
rua. que
você
deve
pular.
Vo
cêselança em direçãoa
e escala
-oesalta
do outro
lado. Infelizment
e.seuperse
guid
oroviuejá
es
táali.
à sua es
pera
Essa sequência é analisada
atitude po r atitude, que
os alu
nos trabalham, uma após a outra. Só quando as conhecerem
bem
é que
poderão deixá-las
de
lado,
para se compromete r
com a busca da interpretação e descobrir o r itmo da sequên
cia. Trata-se
aqu
i de um a disciplina do corpo a serviço
da
in
terpretação.
De
uma restrição a serviço
da l iberdade
.
A mesma sequência é, em
seguida,
proposta em autocurso
num balé coletivo
qu e
suprime o
sentido
das ações e
qualquer
dimensão dramática,
para
conservar apenas os
moviment
os ,
com um a música. Várias regras
podem
ser dadas:
um mo
vi
mento pode se r
repetido
várias
vezes, individual
ou coletiva
mente, j un to o u em alternância.
128
sen cia is: empu
rr
ar e puxar . Não fa
zem
os n
ada
senão isso
As va ri ações poss íveis são se r empu rr ado e ser p
ux
ado ,
empurra r-se e
pu
x
ar-se
e encon t ram s
eu lug
ar em m últiplas
direções:
em
frente,
pa ra os l
ad
o s, para
trá
s, n a dia
gon
al . . .
Ch
amei
isso
de
a rosácea das f orças
Trata-se
de um
espa
ço
direcional
a
daptável
a todos os
mo
vimentos do homem, s
ejam
eles físicos
ou
psicológicos , um
simples movimento do b raço
ou
um a paixão devorad or a,
um g
es t
o da cabeça ou um desejo profun do, tudo nos
leva
ao
empurrar /
pu
xar .
Arl
equim
ser
ecu
saa ir
à
gueria. Todo
mundo
á suavoltatenta
conven-
cê
-Iaa ir.
le
começa r
ecusando
categoricamente
.
obstinado. e pouco
a pouco. vai se dei
xan
do convencer. para. enfi aceitar.
Todos ficam
contentes. masele
mud
a e
opinião.
dizendo quenãovai mais.. .
para
dep
ois
finalmente. detidir quevai sozinho para o
tto t
na
primeira
linha pronto para maar tudo aquilo que SI mexer. Tenta se. então.
fazê lo
compree
nder que isso podeser
perig
oso que talvez
foss
e me
lhor ficar na retaguarda.Masdenadaadianta.
Éele
queagora
assume
suadecisão comtodaa força . ecadaumtentaconvencê-lodocontrário.
A estrutura motora desse tema (mudança b rusca de si
tua
ção
pode resumir-se,
essencialmente, no
empurrar / puxar ,
com va riação dos
níveis
e, depois,
inversão
das
forç
as:
Empurroalguém
para
que avan
ce
... ele resiste
ss umo uma
posição inversa I o puxo pelamão... eleresiste
Pux
o maisforte... ele mepuxanosentido
contrário
Puxoaindamaisforte... ele cede
129
l
vem omigo... e me ultr p ss
Eeme leva om ele.. . resisto
Solto... eleescapa
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 67/121
Três
direções
principais estão contidas na rosácea das
f orças: as verticais as hor zontais
e
as diagonais
A ação do
remado r
(sentado
ou d e p é),
assim
como a do serrado r, é ho
rizontal. o ir e vi r entre empurr r e pux r Tocar o si no, esca
lar , le
vantar, carregar,
arremessar um
disco são ações
verticais.
Enfim , os movimentos diagonais são os do lenhador, ou do
ba
rqueiro,
qu e
faz
sua
balsa
avança
r com um a longa vara.
Essest rês movimentos relacionam-se a três diferentes mun-
do s
dr
amáticos. O empurra
r/ p
uxar de frente corresponde ao
vo cê e eu': Há o diá
logo
com um outro, que se encontra na
co
mmedia
dell'arte
ou
no clown. O
movimento
vertical insere
o homem entre
céu
e
terra,
entre o
zênite
e o
nadir,
num acon
tecimento trágico. A
tragédia
é sempre vertical: os deuses estão
no
Ol
impo
.
Os
bufões
também,
mas
no outro
sentido
:
são deu-
ses
subterrâneos
. Quanto à diagonal, ela é sentimental, lírica,
ela escapa sem
qu e
se saiba
onde
vai cair. Estamos, aí, diante
dos
grandes sentiment
os
do
melodrama.
Todos os territórios do teatro podem ser, de
modo
muito
p reciso, situados no espaço; e os
movimentos
físicos
que
es
tudamos, dos mais simples aos mais complexos, inserem -se
nessas dimensões dramáticas.Amo, puxo
Odeio
,
empurro
ANALISAR
AS
DINÂMICAS
DA NATUREZA
análise
dos
movimentosdo corpo humano sucede a aná-
lise dos movimentos da
natureza:
os elementos, as matérias e
130
Rosácea das forças
os animais,conduzida paralelamente às id tific ções O s m o
vimentos
suscitados
pela improvisação
são retomados de
ma
neira
técnica,
tentando
ressaltar
as
diferentes
partes do corpo
o h
omem
, empurra-o,
puxa-
o. Mas, inver sa me nt e , o
ho
m em
pode agir s
ob
re o ar, fazê-lo m over-se, c
om
um leque.
P
or
fim , trabalhamos a
terra
com o
uma
massa a ser m o
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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a í
engajadas.
Os
quatro
elementos
a
água
, o fogo, o ar e a terra ) sã o
abordados em suas diferentes manifestações. Para a água , va
mos
descobrir
o
tanque,
o lago, o
rio,
o
ma r
.
Observam
os ,
po r exemplo, os movimentos
de
um corpo n o m ar: é alçado
pela água,
repuxado pela correnteza
, numa lu ta lateral
pa
ra
pen
etrá-lo.
A água é um a resistência m óvel c
ontra
a qu al é
preciso lutar para reconhecê-la. É só a partir d o quadril que
essa sensação global pode ser transmitida ao conjunto do cor
p o. Insistimos no comprometimento do quadril ,
pa r
a evi ta r
os ge st os dos braços e das mãos
que
tenderiam a si gni fi car o
ma r
sem jamais senti-lo.
O
fogo nasce
do inter ior. Sua fonte b ro ta da respiração e
do diafragma. No fogo, dois movimentos se
dist inguem: de
um
lado
, a
combustão; de
outro, a
chama.
Começamos
pela
combustão, no nível do diafragma, para descobrir progres
sivamente os ritmos do f og o e, rapidamente , constatar que
a justificativa dramática se encontra na ra iva. As
chamas
só
chegam em um segundo
momen
to e, depois
disso
, podemos
trabalhar
outras
imagens interessantes,
po r
e
xemplo
, a água
fervendo.
Descobre-se o ar pelo voo. Correndo pela sala de ensaio,
com
os braços estendidos em
f orma de
planador,
sentimos
a
possibilidade de nos apoiarmos no ar, que não é vazio, mas
um
elemento de sustentação . Todo o
corpo
é solicitado. Em sua di
mensão
extrema, o ar, tornando-se grandes ventos : age sobre
3
I
t
delad
a,
qu
e podemos
compr
imir, apl a ina r , e sti r ar .
Aqu
i, a
s
ensaç
ão
pa rt e
d as mãos e da m anipulação, para estender-se
ao corpo t
od
o. Se é fácil sentir se n s
ações
a partir das
mã
os ,
também é impo rtante empenha r o r es
to
d o corpo, o qu adril,
o
plex
o, n u m a co n f
ro
n
taçã
o c
om
u m a t
erra
a
rgilo
sa
imagin
á
r ia . D a terra, que
eu
manipulo, to rno -me, p
aulatinamente,
a
arg ila mani p
ulada
.
A pr i
ncip
al característica da s matéria s é serem passivas
e manifesta
rem-s
e po r suas reações. Só se podem analisar
se
us
movimento s quando e la s são
agredid
as. É preciso atira r,
am
assar, rasgar, quebrar um a maté
ri a pa ra poder observ
ar
su
a
reação. Portanto, nesse processo, p resta-se atenção p ar a n ão
confundir a matér ia com o
objet
o que el a
constitui
. Quando
se
jog
a
um
a
bola
de
madeira
n o
chão, não
é a
madeira que
rola,
é a bola . Se a bol a for de chumbo, ela rolará diferen
temente, m as
sempre
rolará. Mas é a madeira
ou
o próprio
chumb
o que in teressa.
Para
aborda r
tecnicamente
sua análise,
reuni diferentes
t ipos de matérias.
Primeiro, as que , a o a gir-se sob re e la s, podem ser com
primidas:
o chumbo at irado ao chão, a terra
que
se esmaga,
um
fio de arame que
entortamos. Tantas
matérias que,
uma
vez
agredidas, não se modificam mais. A analogia dramática
poderia ser: O
que
foi dito, está di to
As matérias elásticas, ao contrário,
um a
vez
esticadas,
têm
um a espécie de
nostalgia
da
form
a inicial,
ainda
que não vol -
133
tem
to t almen t e a se r o
que e ram.
Há
numerosas variantes:
as
g
om
as, as b
or racha
s,
algum
as fibras. Q u
an
to mais
puxa
mos,
in
teto de zinco abarcado pelo olhar, ela corre em
camada
muito
fina,
ondeada
por causa de correntes
muito
varia-
das
devido
a imperceptíveis
ondu
lações e bossas da co-
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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m ais elas se cansam e m enos voltarão à forma ic ial. a -
ticamente, é
mu
ito in
te
ressante
essa
d inâmica da nosta
lgia
e
da f
adig
a.
Em seguida, vêm as m arc as , as
ma
n cha s, as dob rad uras, as
ru
gas qu e obser
vam
os
no s
papéis
qu e am assamos,
q
ue tam
-
bém
tent
am
vo
lt
ar à su a
forma
anterior,
m as com
muit o ma
is
dificuldad
e qu e as m atérias elás tic as .Surge,
en t
ã o , a d
im
ensão
puramente trági
ca, di f
er e
nt
e,
dependendo da natureza
e da
qualidade do
papel
ut ilizado
. A
tragé
d
ia do
papel
jorn
al
nã o
é
a mesm a do papel de seda; o
dr
am a do p apel p ar a em br u lh
ar
carne
é diferente d
aque
le
do
p ape l
de
ca rtas reciclado.As cica-
tr
izes
são
n um e
ro
sas,
na
n ostalgia do p araíso perd ido
En fim ch egam as
qu
ebr as, as fiss
ur
as, os vid
ro s
tr in cados,
os v
idros
r
ach
ados, as exp l
osões.
Aq
ui ,
talv
ez
m
ai
s
do
que
em
ou tro lug ar, estão em jogo n ossas qu eb ras , n ossas diversas fis-
su
ras.
A chuva, no
pátio
em
que
a
olh
o cair, desce em
anda
mentos
muit
o diversos. No
centr
o, é
um
a fina c
ort
ina
(ou rede)
descontínua, um
a
queda implacá
vel mas rela-
tivamente len ta de gotas prova
velmente
ba
stant
e leves,
uma precipitação
sempiterna
sem vigor, uma fração in-
tensa do meteoro
pu
ro. A p
ouca
distância das
paredes
da
direita e da esquerda caem com mais ruído gotas mais
pesadas, individuadas.
Aqui
parecem do tamanho de um
grão de trigo, lá de uma ervilha, ad iante quase de uma
bola de gude. S
obr
e o rebordo, sobre o
parapeit
o da ja -
nela a chuva
corre
ho
rizonta
lmente ao passo que na face
inferior dos
me
smos obstáculos ela se
suspende
em ba-
las convexas.
Seguind
o toda a superfície de
um
p
equen
o
134
f
bertura. Da calha contígua
onde escoa com a
contenção
de
um r iacho fundo sem grande
declive, ca i de
repente
em um filete perfeitamente vertical,
grosseiramente
en-
trançado, até o solo,
on
de se rompe e espirra
em
agulhe-
tas brilhantes.
Cada
uma de suas formas tem um
andamento particu
-
lar; a cada uma
corresponde um ruído par
ticular. O todo
vive
com intensidade,
com o
um
me
canismo
complica-
do, tão preciso quanto casual, como
uma
relojoaria cuja
mo
la é o
peso
de uma dada massa de
vapor
em precipi-
ta
ção.
O rep ique no solo
dos
filetes verticais, o gluglu das ca-
lhas, as
minúsculas batidas
de
gongo
se
multiplicam
e
ressoam
ao mesrno
tempo
em
um
concerto
sem
mono -
tonia, nã
o
sem
delicadeza.
Q
uando
a mola se distende, certas engrenagens po r al-
gum tempo continuam a funcionar, cada vez mais len-
ta
men
te, depois t
od
a a ma
quinaria
p
ara
. En
tão
, se o sol
rea
pare
ce, t
ud
o logo se desfaz, o brilhante aparelho eva-
pora: choveu.
1
Pa ra al ém da
ag
ressão físi
ca ,
as
maté ria s
têm cap
acidad
e
de ser t r
an
sf
orm
adas pelo fr io e p e
lo calo
r. As
fusões
, as ev
a
por aç õe s , as solidificações são r icas em an alogias d ram áticas,
qu e se e
nc
on
tram,
al iás, n a l
inguage
m
co rren
te : eu m e de
rr e
-
to p o r
vo
cê ,
e
sse hom
em é um bloc
o de g
elo
, a im ag
em
e
st
á
con
gela
da , el es qu eb r ar am a
promess
a ,
s ua
agressivi
da de
Francis Ponge, P luie , em e part i des choses (Paris: Galimard, 1948).
[ Ch uva , Textos trad. Júlio Castarlon
Guimarães,
em www. usp.br/
revista
usp/Ol/08-francis .pdf.
N.
T.) ]
135
C
me
esmag
ou
. . .
aptam
os essas expressões ao
pé
da letra
no
corpo
das palavras.
Graças ao cozimento, a cozinha também
oferece
grandes
ro amassá- lo com o um papel. Um ator
apropr
ia -se do
outro,
am assa
-o
e j
og
a-o no ch ão
dep
o is o segundo p
rosseg
u e soz i
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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possibilidades de
análise
e de representação. Ao
quebrar
um
ovo e
jogá
-lo na frigideira qual chega primeiro, a
clara
ou a
gema? Cada um dos alunos vai fritar po r exemplo, um ovo
para constatar antes de representar,
que
a
gema
chega depois
da clara
mais rápida. Depois
disso
observam
-se
na
fr
igideira
os diferentes estágios
da
fritura: o tremor gelatinoso
da
clara
a vibração dos primeiros calores a sol idificação progressiva :
as bordas que começam a dourar, até a fritura total. Seguimos
analit icamente a Paixão do ovo
desde
a postura
até
o omelete
A análise técnica das
matérias
passa,
enfim, da m anipu
lação da matéria à interpretação
d a mat é
ria em si. Quando
tratamos dos óleos os
alunos começam sendo
a embalagem
do óleo
no
interio r da
qua
l graças aos
movimentos
do qua
dril eles
podem
sentir a dinâmica do óleo contido, antes
de
vertê-lo ao ch ão e de tornar-se naquele momento, o próprio
óleo. Observamos, então, a queda do óleo
que
sai
da l t l
garrafa com força e precipitação, e depois quando se espalha
pelo solo n ão terminando nunca. Tudo é uma questão de rit
mo e de fluidez difícil de atingir quando
cotovelos
e joelhos
rentesao solo vêm
nos
lembrar que temos um esqueleto.Tec
nicamente é
importante
re te r o movimento, não se espalhar
muito rapidamente
para
po
de r
ir o
ma
is longe possível n o
tempo
e no espaço.
O corpo do ou tro pode se r utilizado igualmente
como
se
fosse uma matéria: torcer
um
corpo
como
uma barr a
de
fer -
136
nho
a reação do p apel que se desdo
br a
. Esse
tipo
de exercício
implica
um a
cer ta p recisão da p arte dos atores tan to daquele
que age quanto do que reage para assegurar um a verdadei
ra
continuidade
da resistência do começo ao fim do movimen
to. Uma experiência
semelhante
é feita
com
uma bexiga: um
alun o i
nfl
a o outro pr ogressivamen te e variando os r itmo s
do sop ro
de p
ois solta-o
br utalmen
te no ar ou ao con
trári
o
fura-o para
qu e
estoure.
Aind
a aí a rep resen
ta
ção é feita a
do is numa relacão de es
cuta
e de reação preparatória para
qu alqu
er
interpreta ção do at or.
Ao
términ
o dessas e
xpe
r i
ênci
as os alunos
ter
ão
sentid
o
todas
as
nu ance
s possíveis en t re as m atérias e o
in teri
or de
cada um a
de l
as as qualidades dos
óleos,
das
fumaças,
dos pa
péis,
dos metais
das
madei
ras,
etc. A dinâmica
das ma
térias
torna-s e uma linguagem que lhes servirá ao longo de
seus
tra
balhos
artísticos.
Poderão dizer-se: Você é óleo demais; você
não é chumbo o
suficiente;
sej a diamante . Essa linguagem
analógica é ao mesmo tempo,
ric
a e
precisa,
e
está
a lém de
qualquer abordagem
psicológica.
Se alguém entrasse na
sala
no
momento em que estamos representando as matérias,sem
saber
do
que
se
t rata, sem dúvida pensaria
que
estamos num
exercício trágico.
Um papel amassado, um
tablete de c
aldo de
galinha
qu
e se
dissolve num
líquido, todos são movimentos
de
extrema
densidade trágica
. A
tragédia
da
matéria
provém
de
seu
caráter
passivo. Ela é vítima
137
ESTUDAR OS ANIMAIS
A análise dos movimentos
dos animais
vai conduzir-nos
o trabalho
com
os animais permitiu-me definir, progres-
sivamente,
um a gin ástic nim lesc
A
flexibil
idade vertebral
é
buscada po r
analogia
nos movimentos
do gato ; o
trabalho
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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mais diretamente ao corpo do homem, a serviço
da
criação do
personagem.
Em geral,os
animais
se parecem
com
a gente,
com
seus corpos, suas patas,
sua
cabeça. É mais fácil, então, tratar
deles do que dos elementos
ou
das matérias. A busca do corpo
animal
começa pelos
pontos de
apoio:
como
se
sustentam no
solo?
Como
são
constituídos seus apoios? Em que
diferem
dos
nossos?
Descobrimos
os pés que
tamancam ,
qu e ficam muito
pouco
tempo
em
contato
com
o
solo
(como as mulheres de
salto
alto
; os pés
chatos dos plantígrados;
os
pés
espalmados
dos
patos
que se
desenrolam
( como no andar de Carlitos);
as patas das moscas que ,
ventosam
e colam
no
chão
.. .
Po r
isso,
convido
os alunos a imaginar que o
piso
da sala de ensaio
está queimando, como uma praia sob o sol do meio-dia, o qu e
os obriga a encontrar a dinâmica particular dessa caminhada.
Passamos
aí,
diretamente, da
análise
à
representação.
Buscamos,
depois, as ati tudes dos
animais.
Quais são as
atitudes possíveis de um cão? De quatro, fazendo graça, deita-
do ,
em
guarda .. .
Cada um
apresenta algumas
posturas, pe r
-
mitindo
ao
grupo
que, a
partir daí, determine umas
quinze.
A lguns anima is o fe recem r itmos l en to s
excepcionais,
entre
eles,
o
camaleão. Ele
se
desloca
sem
qu e sua
cabeça
nunca
re -
ceba
o
mínimo choque vindo das patas .
Situação
ideal para
espionagem Também a passagem
da
descont ração ao aler ta
é
um
elemento particular da dinâmica animal.
O
cão passa
imediatamente da defesa ao
ataque,
do sono à
vigilância
. São
muitas
as dinâmicas analisadas que vêm a enriquecer
forte
mente
a representação dos personagens.
138
das omoplatas vem
do
tigre; o alongamento da coluna ver
tebral v em d o suricato, ereto
no
deserto
em
pleno estado
de
vigia. Nessa
ginástica, nã o
se
trata
de
representar
suas capa
cidades
excepcionais, mas
de
reencontrar
os
movimentos
elementares
e
orgânicos dos animais . Para trabalhar os
m
o
vimentos do
pescoço e
da
cabeça, a referência ao
cachorr
o é
particularmente apropriada.
homem
brinc
com seu ão om
um bolinh
Tal proposição ,
interpretada por
dois a lunos, desenvolve
um t r aba lho com
a vivacidade
de
resposta,
qu e
se
concentra
principalmente na
cabeça e
em
seu conjunto.
Co m
efeito,
um
cão
nã o
move o s o lh os ,
ele
move a
cabeça,
o qu e
nos c on
-
duz diretamente a o j ogo da máscara . Os a lu no s j á es tão
no
movimento da representação com máscara, mas a inda não
o
sabem.
As
locomoções
fazem
parte
das pesquisas mais marcantes
da abordagem animal. Tratamos aí principa lmente do qua-
drúpede
o
andar
de
quatro)
e
também
do s
répteis (a ondu
-
lacão de
base),
do
voo dos pássaros,
do nado
do s peixes.
Um a
z mais: a terra, o ar, o mar
Andamos
de quatro, galopamos,
trotamos, saltitamos .. . tantos movimentos particularmente
difíceis de
realizar para
os
humanos.
No começo, a lguns alunos recusam o chão, evitam levar o
peso
do
co rpo sobre os braços,
andando
apenas
com
a
ponta
dos dedos . Ag indo ass im,
tentam
conservar um a segurança
139
nas pernas,
mas
não
fazem
nada além de um
simula
cro
do
andar de quat ro . Só quando acei tam realm en te confron tar -se
levantando-se o braço opos to . . . . Essas noções
podem
pare
cer abstratas,
no entan to
nu m palco elas são
muito concretas,
e
impor tan tes na
minha
pedagogia. Servem
particularmente
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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com o ch ão e dele se serv ir é qu e podem pr ogr edi r.
Aqui é essenc ial a observação rea l dos animais.Vejo mu ito
ra p idamente os qu e têm ga tos e os que não
têm
, os que
ob s
er
vam
os
ins
e tos e os que os im a
gina
m . O s pr im ei ro s inter pre
tam, os outros significam . p reciso
ma
nd á-lo s ao zoo lóg ico
para que vejam, analisem, ainda qu e às vezes isso sej a d ifícil:
o andar da
giraf
a ou o do
urso
são
de gr
a
nd
e comp le
xi
d ad e e
deixam dúvidas.
As LEIS DO
MOVIMENTO,
COM M MA IÚ SCULO
A an álise do s movimentos e
videnci
a, en fim,
algumas
leis
genéri s
que vou
resumir
do segu i
nt
e m
od
o :
1. não há ação sem re ação;
2. o
mo
vimento é contínuo, ele avança sem parar;
3. o m ovimento se
mpre
provém de
um
de sequilíbrio, em
busca do equilíbrio ;
4. o próprio equilíbr io es tá em m ovimento;
5. não
há
movimento
sem
ponto
fixo;
6. o m ovimento eviden cia o
pont
o fixo ;
7. o ponto fixo também
está
em movimento .
Esses princípios p
odem
ser
complementado
s pelas resul
tantes d o j og o permanente entre equilíbrio e desequilíbri o
de forças,
qu e são
as
oposições
para
ficar
d e
pé
, o
home
m
opõe-se
à gravidade .. . , as lternân i s
o di
a se
alte
rn a com
a noite, como o ris o com o choro
.. .
, e as ompens ções le
var
um a
mala
com o braço
esquerdo obriga
a compensação,
140
na
direção
da
cena: saber posicionar
-s e em
relação a
um
po n
to
fixo,
numa dada
situação. Se todos se
movimentarem
ao
mesmo t empo no
palco,
o movimento desapare
ce, devido
à
falta
de ponto
fixo.
Tudo
se torna
incompreensível
e ilegível.
importan
te qu e
o
próprio ator possa situar
-s e
em
relação
ao
outro,
numa
relação clara de escuta e de resposta .
Paradoxalmente, esse trabalho
sobre
o movimento, qu e
parece
aplicar-s e na interpretação e na direção,
deveria servir
sobretudo à
escrita. Sejam quais forem
os
temas
abordados,
as ideias expressas, as fábulas ou as
formas
utilizadas, é indis
pensável que um a escrita teatral seja
estruturada
do
ponto
de
vista dinâmico. preciso,
também, um
começo e um fim, pois
todo
movimento que não te rmina nunca começou.
Saber
te r-
minar
é essencial.
14 1
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1
t tr
dos
lunos
s
uto ursos
s
enquetes
Chamamos
uto ursos
às seções
de uma hora
e
me i
a
po r
d ia
em
qu e
os
alun
os trabalham em
pequenos grupos
sem
a aju -
da do
s professores numa realização a partir de um tema que
proponho
e
que
eles
apresentam no
fim
de semana
para toda
a escola reunida o
teatro
deles
Os autocursos
estão ligados
à
temática de improvisação
abordada n os cu rsos
Quando
trabalhamos
a
interpretação
psicológica silenciosa os auto -
cursos tratam
desse
aspecto
do
trabalho;
e o
mesm
o
acontece
quando
abordamos a
máscara neutra
as
máscaras
expressi-
vas etc
O
primeiro tema
proposto é
de grande s impl ic
i
dade.
Pe-
ço
lhes qu e
se
di
vidam em
grupos de cinco
ou
sete
e
interp
re -
tem o
seguinte
tema:
m lo
c l
um ontecimento
143
Di
ante de ta l sim p licidade, às vezes se
sentem
perdidos.
O que
é pr a fazer? , me
perguntam.
E
eu lá
sei? Qu
anto
temp
o? O
tempo de
algo interessante A
única instruçã
o
que
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vale
é
a de faz
er silêncio
e que acon teça algo. Como no teatro
Um
segundo
tema significativo
engloba
, na mesma inter
pre
taçã
o, o todo da classe.
epresent r
a vidanapraça deum
vil rejo
na Fanç oude um tlde
dezinh
. desde manhã aodespert r. até a noite alta.
Os alunos de
vem
sentir, e faze r-n os sentir, a p rogre
ssã
o
rítmica da vida ao longo de um dia completo, realizando to
das as ações reais
qu e podem
existir : a
limpeza,
os
encontros,
as compras, as refeições, a missa, a f ei ra . .. Essa experiência
coletiva, no âmbi to
da
reinterpret ção
é
particularmente in
teressante pois reúne, em
menos
de vinte minutos mais que
isso
é
sempre longo demais) , o
conjunto
das d inâmicas pro
fundas
de um
d ia de
vida.
Constatamos,
e
ntão,
evi denciados,
os grandes tempos fortes da vida coletiva: o momento em
qu e
a França para,
ao
comer, a retomada progressiva
do
trabalho,
o crepúsculo, a vida noturna, as so lidões
da
noite .. . O tra
balho
é
realizado em quinze
dias,
com
um
primeiro esboço
depois da
primeira
semana.
Um terceiro tem a , o do Êxodo muito sensível no perí
o
do
do pós
-gue
rra,
atualmente
encontra um
novo
eco. Pro
ponho
esse
tema
paralelamente
ao
t rabalho da
interprtação
com
máscara.
Os alunos
o
constroem
e
repetem -no sem más
cara,
depois
o
ap resentam com máscara
. Todas as formas de
êxodo aparecem: as migrações do campo p ar a as cidades, as
144
o ntários sobre asapresentações
m ultidões q
ue
f
ogem
da
guerra
e dos b
ombar
deios. .. Eles
pro jetam, assim, suas preocupações atuais e
inserem-nas
num imaginário que l
hes diz
respeito.
Meu
comentár io
tr
ata
conflitos possíveis
apa
recem . Difere
ntemente
do estág io , em
que todos se ab r açam e choram ao seu término, com a espe
rança
de se reverem um dia , a Esco la é um l
ocal
de lutas de
tensões e crises se expressam timulam a
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sempre
ap enas d a estrutura da
interpretação
e do m ovimen
to dramático da improvisação. Tudo
deve
estar
leg
ível para o
público. Daí a pesquisa de um a escrita e de um a linguagem.
No fim
do an
o, os
ocursos
transf
ormam
-se
em
enquetes
Os alunos escolhem um local ou um meio qu e não c
on h
ecem,
na vida cotidiana , para observá- lo e
nele
integrar-se durant e
qu atro semanas. Nã o se t ra t a de
um a
enquete
no
sentid
o jor
na
lístico do term o,
que
se satisfaria com uma
simples
ob ser
vação e
com
algumas conversas com as pessoas
mas
de um a
verdadeira
integração
num
me i
o de
vida
, a fim de
sentir
,
de
dentro, o que acon tece. Alguns alunos ficaram várias semanas
no hospital do Hôtel-Dieu em
Paris
alimentaram os doentes
e
ajudaram
os médicos. Outros se in t eg ra r am à
vi d
a de um
quartel de bombeiros
. . . A
partir dessa vivência
,
constroem
um espetáculo
curto utilizando
as
formas
teatrais
qu e
lhes
pareçam mais bem adaptadas
para
transmitir o
que sentiram
.
Os resultados desses
trabalhos são apresentados
po r ocasião
das noites abertas ao público.
Diferentemente da improvisação, que se baseia principal
men
te na interpretação os utocursosenfatizam a
direção
a
escrita de
um a cena
, e também o indispensável trab
alho
cole
tiv
o do
teatro.
No começo do primeiro ano os alunos não se
conhecem são muito gentis muito bem-educados uns com
os outros. Ao
l ongo do
tempo quando o comprometimen
to se torna mais vivo, as
relações
se transformam e todos os
146
cr
iativid
ade
. Alguns alu n os algu
mas
vezes
me procuram
e se
queixam: Eles não querem
tr a
ba lha r comigo . En
tã
o só te
nho
um a re
sposta
par a dar: Trabalhe com eles . Pondo -se a
serviço
dos outros
eles descobrem
uma d imen
são imp
ortan
te do tr ab alho tea
tr
al. Po r meio dessas tensões e cr ises, viven
ciam
a expe riê
nc
ia de uma
companhia.
A
terceira etap
a é ma is
calma. Depois de um certo tempo, os alunos se conhecem , es
colh
em -se e as te
nsões
se
acalmam.
Eu l
he
s
sugi
ro , n o
entant
o,
qu e não tr ab alhem semp re com os mesmos com
panheiros
,
para que se deixem p
ro
vocar po r outras personalidades.
Enfim, os utocursos fazem surgir relativamente
rápido
as fu
nçõ
es de uns e
de outro
s: o
di
r et o r, o
au
tor o
ator
. . .
todos su rge
m com fo
rça
.
Aquele
que
quer
absol
utamente
o
po d er não é
nec
essar
iamente
o qu e o obtém; um a certa per
so nalida d e di screta po de revelar-se m uito
pr
esente e se r elei
ta, de fato, po r seus camara
da
s.
Nes
se
trabalho
autôno
mo
manifes
ta
m -se todos esses movim en tos intern os na vi
da
de
um
grupo.
um a
bo a
coisa
qu
e fut uros atores os descubram
ao longo da Escola.
147
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minhos d ri ção
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spetáculo dosalunos
eodr m
ic
Ao fim do pr
im
ei ro a
no
cerca de um terço dos alunos é se-
lecionad
o para continuar o segundo a
no
Essa seleção pode
ser
difícil
às
vezes doloros
a e nunca estamos l
ivre
s de
um
er ro No entan to tentamos se r o m ais justos possível c
on s
i-
derar o ator
sem
ferir a pessoa e n ossa escolha nã o prejulga
o qu e os
alunos
poderão fazer em
outro
lugar
ou m a
is
ta
r-
de
O p
rincipal
cr
itéri
o
de
seleção d iz respeito à
ca pacidade
de in terpretação do at
or
Isso não significa que n o fu turo
todos vão escolher
s er a tores
Alguns seguem out ro s cam i-
nhos para a
escrita
ou para a direção ma s os terri tó r ios
dr a
-
máticos
abordados no segundo ano só
podem
ser realmente
explorados po r meio
da
interpretação t ratada em seu ma is
alt o n ível p
reciso
então que os alunos
deem
pr ova de
grandes qualidades nesse âmbito Um
verdadeir
o conheci-
ment o d o t ea tro passa inevi tavelmente pela forte
experiên
-
cia da interpretação
151
Ao longo do p
ri
m eiro ano , te re mos pla
ntado
as ra ízes,
adubado o
terre
no,
revolvid
o a terra. Teremos
cumprido
tr ês
viagens: de um a parte, a observação e a redescoberta da
vida
ta l qu al ela é, p or
me i
o da rei t rpret ç ão graças à
disponibi
h
ierarqu
ias. A t
ragé
di a evoca o grand e canto do povo,o desti
n o do heró i. O mi stér io nos questiona sobre t
ud
o aquilo
qu
e
permanece in co m p reensível, do nascimento à m o
rte,
o antes
e o depoi s, o d ia v o r dos de e do r .
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lidade d a m á sc a ra n e ut r a; t e re m os , d e
outra parte, elevado
os
níveis de interpretação, de
jo g
o,
co m
as máscaras expressivas;
e, d e a in da out ra , enfim , te r emo s e x p lo r a do as profundezas
da
poesia,
da s
palavras,
das
cores,
d os s on s. O primeiro
an
o
constituiu um t r abal ho ext r emamente
preciso,
qu e vai ficar
com o refe rência: um a árvore, q ualquer qu e seja, será a Árvo
re . E
va i
ser p
recis
o continuar a observá-la se m parar.
O
segundo
an o é muito diferente. Nã o se trata de um a se
q
uência lógica
do primeiro, ma s de
u m salto
qualitativo
para
um a outra
dimensão,
pa ra a exploração geodr mátic de va s
to s territó rios, com apenas u m objetivo: a criação
dramática.
P
rimeiramente
, abordamos as linguagens
do
corpo e as
do
gest
o. Em seguida, entramos
no s
grandes
sentimentos
do
me
lodrama; depois,
na
comédia
huma na
d a c o m m ed i a
dell arte.
O segundo trimestre é dedicado ao s bufões, depois à tragédia
e ao
coro,
e,
po r fi m
, a o mis tér io e s u a lo u cu r a . O
clown
e as
variedades
cômicas
burlescos, excêntricos,
absurdos
.. .
)
oc u
pa m o
terceiro
trimestre. O an o começa chorando, passa pelo
coletivo
do coro e t e rm i n a n a solidão, no riso
Um tal percurso explora as diferentes facetas d a n a tu re
za
humana:
o mel odr ama
no s leva aos
g r a nd e s s e n time n to s ,
ao
espírito de justiça.
Na commedia dell arte , descobrimos a
comédia humana,
as
pequenas
intrigas,
a
trapaça,
a
fome,
o
desejo,
a u r gê n cia d e
viver
. O s b u fõ es caricaturam o mundo
ta l como ele é, enfatizam a dimensão grotesca do p o de r , d a s
152
bo pr o ocad uses imaginá io
Enfim
, o
clo
wn te m a li
be rd a
de de fazer ri r,
m o st r
and o -se
co m
o é, em
su a
so
lidã
o.
Ma s
um perig
o ma ior no s
es p
ia: as
referência
s
cu
lturais
qu
e a
co m
p a
n h
am
esses
territ
ór
ios
dr
amát
ic o
s. C
ad
a
um
t
ra z
o seu imagin
ár
io do p assado, suas ima gens, suas lei t u ras , e
também
seus
clichês
. Todo m
un d
o pr e
tende
sabe r o qu e o
m elodram a, a co mme d ia dell' ar te ou a
trag
édia eram , ma s
qu em p
od e
dizer com o
realmente
se
en
c
en
avam as t ragé
di
as na Grécia?
O u
,
na
It á lia, a c
omédia
italiana? Nen h
um a
referê ncia p od e su bst itu ir a verd adeira cri aç ão, reinventada
a
cada
di a na
Es c
o la . Para além do s
es t
ilos ou dos gêneros,
buscamos descobrir
os
motores d interpret ção em
ob ra
em
c a d a te r ritó rio , p ar a q ue
insp
irem a criação. Essa, sempre,
deve
cont i nuar sendo
d e n os so
temp
o.
Me u
processo
visa
a favorecer a e me rg ê n cia d e
um te atr o
em
qu e o
ator
está em ação, u m teatro
do mo
vimento,
ma s
,
sobretudo, um
teatro d o i ma gi ná rio . Ao
longo
do
segundo
ano,
nã o se trata mais
apenas
de ve r e de re)conhecer a rea
lidade, ma s de imaginá-la e d a r -lh e f o rma . Abordamos esses
t er ri t óri os como se o teatro fosse para s e r r e inventado.
A
ênfase
é
dada à visão
poética,
para desenvolver
o imagi
nário
criativo
d os alunos. A d
ificuldade
é
nã o
perder o
essen
cial, e saber as
dinâmicas
da
natureza
e
das relações
humanas
que consti t uem os motores d interpret ção pois o público as
reconhece. Essas
dinâmicas
são referências comuns,
indispen
-
153
sáveis tan to para ator qua nto pa
ra
espectado r. Estão em a
çã
o
em todas
as formas de
teatro, incl
usive
nos ma
is a
bs t
ratos. O
rea l também está na abstração Devemos permanentemente
m
eia-má
s
cara,
os
objetos,
o coro ?
Como funcionam
as lin
guag
en
s, e com o m is
turá
-las?
Enfim, a terceira pergu
nt
a trata dos textos Quais textos
dr am áti co s po dem vir a
en r
iqu ecer a exploração de cada ter
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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observar essas leis dinâmicas do tea tr o .
po r isso que o se
gundo an o é p r
incipalmente
v
oltad
o para a escri
ta,
no se
nt i
do de estrutura da in terpretação. Um ato r só pode rea lmente
i
nterp
retar
quand
o a es
trutura mo
tora
da
in terpretação lh e
pe
rm
ite fazê -lo .
Não
ab
ordam
os o teatro em sua dimensão simbólica , ta l
qual se
ma
n ifesta em certos grandes teatros orientais. O teatro
simbólico é um teatro acabado, com o seria um cristal.
Quan
do uma matéri a está saturada, cristaliza-se n um a geometria
estr ita,
imutáve
l. Essa permanência caracteriza o nô japonês
ou o
k t k
li Eles at ingiram fo rmas
comple
tas, perfeitas, as
ma i
s
apropriadas
a seu gr
au de
ex
igência
. Se os
atores
desses
teatros devem,
é c la ro ,
en
trar
nessas
formas
e ali
mentá
-las,
eles não têm de inventá
-las
. Eu prefiro t rabalh ar com teatros
cu
jas formas estão
po r
vir.
Três
sér
ies
de qu
estões o ri en tam nossa exploração
geo-
dr mátic A p rimeira diz respe it o às post s no jogo da in
terpretação. O
que
,
da na
t
ure
za
huma
na , é
represent ado
no
melodrama,
na comm ed ia dell a rte,
na
t ragédia. . .?
Qu a
is
elemen
tos do comportamento
hu m an o e
qual
co
rpo
se en
contram, aí , pos tos em
movimento?
Quais são os motores
dramát
icos desses
territórios?
A segunda pergunta refer e
-se
às lingu gens Quais são as
linguagens
mais
apropriadas para expressar essas apostas? A
154
ritório?
O segundo
ano
é cons
tr
u
íd
o com
ba
se
ne
ssas t rês ques
t
ões
,
su
be n
ten
di
da
s po r
um a
solicitação s
imp
les ao s alu nos :
Contem
-nos
u
ma
h
is t
ória .
155
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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s ling
u
ge
ns
do
sto
a p ntomim
os qu ros mími
co
s
Antes de abor da r a exploração dos territórios
dramát
i-
cos começamos o segundo an o p or u m t rabalho com as lin-
guagens
do
gesto
co m
a
expressão
do corpo e m
diferentes
direções. Essa abordagem
destina se
a enriq
uecer todas
as ex-
plorações que
em
seguida serão
propostas aos
alunos
e vão
lhes
oferecer um a base
comum de
linguagens.
Na p ntom m té cnica
limite
os gestos substituem as
palavras. Nela o nd e n o
discurso
utilizaríamos um a palavra
é preciso utilizar
um
gesto
para
lh e da r significado. Essa lin-
gu a
gem tem origem no teatro das feiras em qu e
era
preciso
fazer se compreender nu m ambiente
muito
barulhento mas
sobretudo
devido
à
interdição
de falar
imposta
à
sociedade
do s atores italianos
para
nã o
entrar
em
concorrência
com a
Comédie Française. A
pantomima
nasceu de
um a
restrição
157
como a existente nas prisões, onde os detentos se comunicam
por meio de gestos; ou , ainda, c
om
o se faz n a Bo lsa de Valores
n os di as
atuai
s. Essa té cn ica, em parte tradiciona pens amos
em Deburau - é um
b e
co sem saída do te
atro
, n a m ed id a
seu
corp
o, um ator representa a porta,
que
outro ator vai abrir
e fecha r o corpo
de
um torna -se, então, o cenário
do
outro ;
o u um ator desenha
virtualmente
um a
casa
no
espaço:
o
teto,
as paredes, as
janelas,
a
porta,
para ela tomar
forma para
o
pú
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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em que del
a só se
po d
e sair
pel
o vi rtuosismo.
É pre
ciso sa
be
r desenhar objetos e imagens no espaço, en c
on
tra r atitudes
sim
bólicas
algumas delas existentes no teatro or iental) ...
C
ha
m ei p
nt
omim
br nc -
te
rm
o em p
res ta d
o
das
pa n
tomima
s de
ép oc
a, em que se rep resen tava um Pierr ô - à p
an
t
omim
a qu e se limita a f azer g
es t
os par a t
radu
zir pa lav
ras
.
Ess a té cn ica utiliza p r inci
palm
en te
gest
os de
mã
os, levados
po r
at itudes do co
rp
o. Impõe, inevitavelmente, um a sintaxe
diferent e daquela da linguagem falada .
Você
é bonita, venha
c
om
igo ,va
mos
n
adar pa
ssará a ser : Você e eu . .. vo cê
bo n
i
ta .. . ir j
untos
. . .
na
da r .. . ali . Na
construçã
o d a f rase , estamos
num a lógica
diversa,
que obriga a um esclarecimen t o, um a
economia e um a prec
isão
daquilo que se que r dizer.
Frequentemente,
os
alunos
tendem
a
refazer gestos
da
vida
co tidiana, que parasitam a linguagem da pantom ima. Mas
esta
so
licita gestos
-limites,
que v ã
o além do cotidiano,
inse
rindo-se num tempo diferente do da l
inguagem
falada. Outra
armadilha está na careta, utilizada para
subs
tituir
cada pala
vra. É
p reciso t rabalh armos
para retornar
ao
rost
o -máscara,
que pode mudar
de
expressão
ao longo da frase,
segundo
os
sentimentos que
são expressos, ma s
não a cada palavra .
A
figur ção mímic
segunda l inguagem es tudada , des ta
vez consiste
em
represent ar pelo corpo, não mais palavras,
mas objetos, arquiteturas, elementos decorativos de cena. São
oferecidas duas possibilidades p rincipais:
po r
exemplo, com
158
bl
ico
e
para um pe rsonagem pode
r
entrar ou
sair dela. Ain
da
que limitada, essa linguagem facilita uma abo rdagem técni
ca da a rt iculação dos gestos, que, na sequência, vai se
reve
la r
particularmente
út i
l.
Os
qu d
ros mímicos
linguagem
mui to p róxima do
cine
ma ,
em sua sequência, restituem, pelo gesto , a dinâmica con
t
ida
no in terior das im agens .
Não
se tr at a aqu i de representar,
sozinho,
pa
lavras
ou
objetos,
ma
s de expressar co let ivame n te
ima
gens
. Imaginemos um pe
rson
agem que desce a subter râ
neos escuros u tilizando apen as
um a
vel a. Os atores po
derão
repr e
sentar
a
ch
am a , a fumaça, as s
ombra
s nas paredes, os
degr
aus
da
escada
. . . Todas as im ag
en
s p
ode
rã o ser
suge
r
id a
s
pe
lo s
ator
es em
mo v
im
ento
,
nu
m jogo sile
nc
ioso.
Um
dos
pr
im eiro s exercícios cons
iste em
encadear im agens, corno as
que fizemos , um dia, do m
on
te Sain t-Michel, por exemplo.
Os
alunos c
omeçava
m a dar f
orma
aomonte visto de longe primera
pelasmãos
depois
peo co rpo sozinhosouj unt
os
m
seg
uida eles nos
faziamentrar progressvamente na
imag
em Oespaço se am
pliava
S b
no
ssos olhos
a
vanç
á
vamos
pela
esreita
faixa
li
gando
o continene à
ilha de
xando
omar
bate
r deumladoedeoutro
Entrávamos
noátrioda
cidade for
tificada
cami
nháva
mos
na ruaestreita ssm
que
estávamos
diante
dorestauran
te aMere
Po
ulard entrá
vamos
pormeode
suas
ima-
gens
norestaurante chegávamos aoprato uma
omele
te paraacabarmos
se
ndo dev
oradosj untamentecomela
159
Um tal
travelling
em con tinuidade, impõe a
utilização
de
um repertório part icularmente variado de gestos. Notem
os
qu e
certas
imagens virtuais
realizadas
hoje em dia po r um
computador ut il izam o mesmo mecanismo.
meteóricos
fazem o
público
ver um
eco
domedo
que
o persona
gem
s t
e
que evidentemente
os
outros protagonistasnão
veem.
Os
contadores mímico s
ap licam e
ssa
s
di
fe
rentes
lingua-
gens
às narr ativ as fa ladas. A
prop
osta consiste em contar
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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Nos autocursos
peço a
um grupo de
a lunos que
reconsti
-
tua um filme
inteiro, sem
palavras,
unicamente com gestos.
Os
quadros
mímicos podem fazer
referência
a todas as
técnicas
do cinema: primeiro s planos,
p
lanos gerais
,
flash back.. . en
-
fim, tudo o
qu e
constitui a linguagem moderna das imagens ,
com
seus
ritmos,
seus flashes
meteóricos, suas elipses, trans-
postas aqui nu m a dimensão teatral.
Aprofundan
do
essa pesquisa, viemos aí exp
lorar
os gestos
escondidos,
as
emoções, os es tados
profundos dos persona
gens,
qu e
expressamos pelas
mímicas São, de algum modo,
doses sobre o estado dramát ico in te rno do personagem.
Sem nunca representar os sentimentos,
nem explicá-los,
o
a tor propõe
g
estos instantâneos que
,
numa
outra
lógica, ex
pressam
o
estado
do personagem
nu m
dado
momento
(tipo
de
aparte
corporal
numa
fase da
representação
.
Aguém temde ir aoseu superior hie
rárqu
ico para pedi
r lhe
alguma
coisa.
Chegando diante
daporta
vê
se
invadido
poruma
sensação
de
inquietação. O quevou lhedizer? Nestemomento
preciso. gestos
vêm
darimagema esse sentimento Não gestos explicativos. descritivos do
estado.
mas
movimentos
mais
abstratos que permitem exter
ioriza
r
elementos naturalmente esconddos no comportamen to cotdiano
l
bate
na
porta
entra
sente
medo
Aqu
i o ator
ainda
não
representa
o
medo
tremendo ou balbuciando; ss medo que o habi ta é posto em
gesto por eie mesmo ouporumouvárosoutros atores ss s gestos
16
um a
h
is tór i
a,
alte
rnando às vezes a
ssociando )
es
sas diferen
-
tes
linguagen s
com
um a
narrativa . Isto pod e se r feito in d i-
vidualme nt e (o mesm o
at
or é, ao mesmo tempo, n arrador
e
mímic
o
ou
em
grupo
,
quand
o um co
nt a
d
or
é ass
ociado
a vári
os
mí
micos.
Exploramos essa
relaçã
o em todas as
suas
dimensões , d a m ais
íntima
o con tador-mímico d e mesa, qu e
representa
c
om
as mãos
até
à
ut
iliz
açã
o do maior
espa
ço
(o s
contad
ores
-m í
micos
de tablado,
acompanh
ados de mú sicos,
de um
cor o , de um herói
.. .
. E
sse
t
raba
lho se i
nsere na
g
ra n
-
de
tr
adi
çã
o dos co n ta d
ores,
qu e existe em n
um
er o
so
s p aíses,
na
China
ou na Africa, onde a nar ra tiva é acompanhada de
sugestã
o
de
imagens.
Em todas
essa
s propostas, o s
alu
n
os de
scobrem
diferentes
formas de l inguagens mímicas:
a linguagem de situação
es -
to u
sentad
o lendo um
livro
,
algu
ém arranha a
porta,
eu m e
viro.
Arranha mais ainda, s into medo. A porta se abre . .. um
gato entra ;
a linguagem de ação
ca rr ego
um
saco de batatas,
levo
-o na s
costas.
Eu o ponho no
carro,
entro no
carro,
dou
a
partida
e vou embora);
a linguagem de sugestão (o
lho
Paris
a
partir
da col ina de
Montmartre,
e
sugiro
tudo o que
vejo
: a
leveza
do ar,
os te tos
dos prédi
os,
a to
rr
e Eiffel.
Faço
com
que
as
imagens existam f or a de
mim,
de
modo
impressionista);
a
mímica
profunda (encontrar
gestos
para
dizer
o que nã o
tem
imagem, de um espaço in ter io r . Ao longo
do
ano todo,
es-
161
sas linguagens serv
irão para
os teatros curtos desenvo lvidos
na Escola. Alguns vão conservar esses t ipos de l inguagem em
suas
experiências
teatrais futuras.
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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No plano pedagógico, ta l trabalho no começo do ano faz
com que o g rupo todo ent re no
jogo
d e modo progressivo e
técnico.
um a
espécie
de aquec imento , antes de
mergulhar
nos terr i tór ios dramáticos. O importante é não ficar na d i-
mensão
técnica das linguagens,
mas d e
sustentá-la, sem ces-
sar, com estados dramát icos. De nada serve saber interpretar
um sol , s e a dinâmica so l
ar
estiver
ausente do
gest
o De na da
serve sugeri r a lua, se a palidez
não aparecer
no r i tmo do m o -
vimento
162
s grandes territórios dramáticos
me
o
r
ma
G R
ANDE
S SE
NTIMENTOS
Na Escola, o melodrama nasceu por volta
de
1974, em resp
os
-
ta a um a
questã
o
qu e
na
época me
preocupava
muito:
Po
r
que, quando a lguém diz um a
coisa em
que acredita, alguns
aceitam o que é dito, enquanto outros caçoam? .
Diante
dessa
questão, decidi explorar as duas vias possíveis. De
um
lado ,
crer em tu do , no
amor
, na família, na honra. Pedi aos atores
que debatessem
para impor essa convicção ao
público
, o que
fez aparecer o melodrama . Por outro lado, eles caçoaram de
tu d
o , de Deus,
da Guerra
do
Vietnã, da
a id s, e i sso fez com
que
nascessem os bufões.
No
melodrama,
todos
os grandes sentimentos
estão
em
jogo: o bem e o mal; a moral com a inocência, o
sacrifício,
a
163
tr aição .. . O ob jetivo é chegar a
um a
interpretação suficien
temente
forte
par a que, a
part ir da
expressão
desses
gr andes
sen
timentos, os espectadores
sejam
levados às lágrimas. Re
almente buscamos
fazer
chorar. Mas tal dimensão só pode
cionante
. Quem va i abrir a porta? Como se
dará
o reconheci
mento do so ldado e de su a mulher? Como encontrar o tempo
justo da
des
coberta, da
surpresa?
Os alunos têm
um a
situa
ção para ser construída e um timing muito específico pa
ra
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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ser
at ingida se os
personagens acredita
rem efetivamen te em
tudo,
com
muita força, até o
sacrifíc
io . É o bem con t ra o mal,
a coragem
diant
e
da
covard ia , a moral cont ra a corrupção.
Com
o tempo,
cada
vez mais, os alu
nos
aderiram a esse ter
ri
tório
melodramático e a seus temas de moral e de jus tiça.
O melodrama traz à baila o
arrependimento,
o remorso,
o rancor, a vergonha, a vingança. H á sempre um a referên
cia ao
temp
o, e é po r isso que, no ter r
itório
melodramático,
impõem -se
dois
grandes temas principais: O
Retorno
e
A Par-
tida
Começamos
po r
trabalhar
O retorno do soldado
tema
muito antigo do teat
ro
popular.
pós
vários anos
naguerra umsodado reencontra sua casa isolada na
planície numa noitede inverno emqueneva muito l batenaporta
lguém abre Perto da lareira eleen
contra
sua mulher dois filhos e
um novo marido a o
havia
dado como morto mas o
reconhece
l
também
mas
nada dizem
l
pede abrigopara aquela noite Éacolhido
reconfortado aquecido Por
ocasião
de cenas emqueo soldado es-
tará sozinho
com
diferentes personagens
descobriremos
ao longo da
improvisação que uma
das
crianças é sua a outra não Finalmente
como a mulher
parece
feliz o soldadoparte
Ne sse
tr
ab
alh
o, dois elemen tos ch am am a aten ção do pe
da
gogo. P
or
um
la
do,
a
su t
il
eza
do j
og
o tá tico,
qu
e
perm i
te
dirigir o foco à sur p r esa , ao ri
tmo
, às reaç
õe
s. Tudo aqu i é
represen
tad
o n o olhar,
no s
silêncios,
de
m
od
o mu ito erno-
164
I
4
I
ser controla
do.
Por ou
tro
lado,
eu
me interesso p elo j ogo
dos
atores . Eu lhes
peço
que
acreditem fortemente naquilo
que in terpretam, para que o público também possa acreditar
nisso . Não se trata, nunca, de enfatizar o aspecto dramático,
para cair no clichê melodramático,
mas s im
de pô r
em
cena
um a
situação de todos os tempos, que enc
ontramos,
aliás, no
teatro de
Ruzzante,
ou
no
de
Brecht.
Para aprofundar
essa
pesquisa, o
tema
é dividido em
sub
temas . Batem na por ta , h á
uma
reação O soldado entra, sua
mulher o reconhece Cada sequência é analisada de mod o
preciso,
com os alunos se al ternando nas diferentes fases da
interp re
tação
.
A partida
p r
a
méric
que proponho em
seguida, cor
responde
ao grande tem a do exílio. Um sicil iano deixa sua
i
lh
a, levando um a velha ma la amarrada
com
barbantes. De
pois dos adeuses di lac erantes, no porto de Palerm a , ele par te
pa
ra
a
Améri
ca par a fazer fortuna .
Há nos
Esta
dos
U
nidos
ci
dades qu e se ch am
am
Fo rtuna , Eur
eka,
gritos que ess es exila
dos
de ram quando ali
ch
egaram ) Encont ramos esse tem a em
situa ções m ais atua is, p
or
exemplo: a do tra balh ador af ricano
qu e de ix a seu vi la r
ejo
par a vir à França gan har o pão que vai
alimentar sua família, d eixando-a a trás de si para i sso. Nesse
t
em
a
rn
ultipistas ,
de i
xo q
ue
os a
lu
nos escol
ha
m as situações
que
dese
jam explorar. Eles po dem tan to t rat ar d a
p rtida
em
si, da
chegada num local novo das dificuldades encontradas
165
quanto
da
famil ia que ficou no pai s de origem,
da
carta que
chega.
Podem passar de um tema
a
outro,
em contraponto ou
em
paralelo,
como b em entenderem. Com os t emas do me
lodrama, tocamos
a tragédia do povo,
dos
homens
diante de
-[
LIU OV
NDREIEVN - Den tro de dez minutos já não
estaremos aqui...
Com
o olhar acaricia a sala. Adeus,
meu velho e querido lar Passará o inverno e quando
chegar de novo a primaveravocê desaparecerá da faceda
terra
...
será demolido
Quanta
coisa viram estas pare
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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suas dificuldades para sobreviver, muito diferente do que será
a
grande
tragédia, na
qual
vão confrontar-se com os deuses
Uma das principais dificuldades que persegue
o
aluno
é o
medo de assumir, realmente, os grandes sentimentos diante
de um público que, às vezes,
pode r ir
disso . O t rabalho do
melodrama
obriga o ator a impor suas convicções
em
públi
co. Ele
não pode duvidar
daquilo que vai dizer. O que
para
ele
é verdade também o será para o público. É muito importante
que os alunos sejam treinados para assumir essa dimensão.
Evidentemente, se devem p ôr em cena
um a
paródia, porque
o
autor
assim o pediu Alfred Iarry, po r exemplo), eles
não
devem, de jeito nenhum, instalar-se
numa
interpretação que
seja
a
paródia da
paródia.
É
preciso evitar, enfim, as armadilhas preparadas pelos cli
chês. Falar do
melodrama
em nenhum caso quer dizer fazer
referência a um
estilo
de interpretação, mas, sim, descobrir e
ressaltar aspectos específicos da natureza humana. O
melo
drama
nã o
é um a forma antiga; ele está, hoje em dia, ao nosso
redor,
na
casa
daquele que espera
que
o telefone
toque
para
um novo trabalho, numa família atingida pela
guerra, na
casa
de um h omem qu e deixa seu país .. .
Para enriquecer
esse te
rr
itório,
trazemos textos
dramáti
cos
que
lh e correspondem. Pode se r um a cena
de
O jardim das
cerejeiras, de Chekhov.
166
f
I
1
l
j
des Beija a f i lha com carinho. Minha querida filhinha,
meu
tesouro
Como
você resplandece
...
Os olhos são
como dois diamantes . . . Vocêestá feliz,não é?Sim?
ÁNI
- Oh, muito, mãezinha, muito Pois
uma
nova vida
começa agora 1
Encontramos,
nessa passagem, a
dinâmica
dos adeuses,
que havíamos
estudado na
máscara neut ra . Na
cena, os
per
sonagens
deixam
a casa onde viveram, seja com arrependi
mento,
seja com esperança.
Para descobrir
a diversidade
do s
pon to s de vista possíveis, estudamos todas as maneiras de
fazê -lo: rindo, sem voltar
-se
para
trás,
rompendo
com
o pas
sado, com um grande olhar nostálgico .. .
A f orma d e
linguagem
que melho r
corresponde
ao
te r
ritório
melodramático
inspira-se nos
quadros mimicos. Ela
acentua
os atalhos indispensáveis e utiliza um a
linguagem
emflash const i tuída de imagens meteóricas - que diminuem
tem po e espaço - que o público
hoje
em dia está habitua
do a reconhecer im ediatamente. Associa, então, a imagética
melodramática - as crianças abandonadas nas escadarias das
igrejas
- e as formas modernas do cinema. Chamo
isto
de me-
lomimica.
Anton Chekhov, La Cerisaie , acte V, trad . Génia
Cannac
et
Georges
Perros
(Paris: L'Arche, 1961). [ O jardim das cerejeiras , V Ato, em Teatro Il, trad.
Gabar Aranyi
São Paulo:
Veredas, 2003).
N. T ]
167
ommedi
de
rte
COMÉDIA
HUMANA
A commedia
dell
arte e
suas máscaras
foram introduzidas
f
f
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na
minha pedagogia
desde o
começo da
Escola. Infelizmen
te, ao longo
do
tempo,
surgiram
clichês, um a maneira dita à
it a
liana
de
representar começou
a se
expandir
. Jovens atores
fizeram estágios
de commedia
dell
arte
aqui
e
acolá,
e a
in
-
terpretação
empobreceu-se.
O
própri
o termo
começou
a
me
in
co
moda
r. Fui
levad
o,
portanto,
a
vira
r do avesso esse fenô
me no ,
par a da
í
descobrir
o
qu e
havia por t rás dele, ou seja, a
comédia hum n Desde então, tomando um caminho muito
ma is amplo , encontramos uma
grande
liberdade
d e i n
venção.
Nesse território, estão em jogo as grandes trapaças
da
na
tureza humana: fazer acreditar, iludir, aproveitar de
tudo;
os
desejos são urgentes ; os pe rsonagens,
em estado
de sobre
vivência .
Na
commedia
dell arte, todo
mundo
é
ingênuo
e
esperto;
a fome, o amor, o dinheiro animam os personagens.
O tema de base é preparar um rm dilh po r
qualquer
mo
tivo:
para
te r uma garota,
dinheiro
ou comida.
Rapidamen
-
te, os personagens,
levados
po r suas bobagens,
encontram-se
presos
em suas
próprias
intrigas . O fenômeno,
levado
ao
extremo, caracteriza a comédia humana e evidencia o fun -
do
trágico
qu e t ra z d en tr o d e si.
Longe
do
clichê saltitante,
Arlequim
realmentetenta compreender
o
qu e
está acontecen-
do com ele, sem
conseguir.
Surge, então, o limite da natureza
humana: p or q ue n ão
somos
mais in te
ligentes
para
compre
ender
melhor?
Todos os personagens t êm medo de tudo : de
se r apanhados,
de
errar, de morrer .. . É esse
medo
profundo
168
i
.
I
i
t
1
i
I
Pantalone máscara utilizadap or
[acques
Lecoq
que faz nascer a avareza de Pantalon e: ele gua
rda tu d
o Este
fundo trágico é um elemento essencial qu e Mol iere usa em
suas
peças
.
Inicialmente, peço aos
alunos
que fabriquem suas
pr ó
desconfiar da
mecânica
e voltar, sempre, às situações em
que
a
complexa
humanidade dos personagens
pode aparecer.
A commedia dell arte é um a
arte
da infância. Passa-se
muito rapidam
ente de
um a
situação
a
outra
de um estado a
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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prias
meias-máscaras. A
primeira
instrução é a de
realizar
a
meia-máscara de
um
personagem que gostar iam de interpre
tar,
sem
nenhuma referência à commedia dell arte. A partir
de máscaras
muito
simples
progressivamente
eles adicionam
um
nariz, um a cor, um
big
ode . ..
Descobrimos
ju n
tos
o
pos
sível
jogo
dessas máscaras, suas
características,
as lig
ações que
elas podem te r umas com as outras.
apenas num segundo
m omento que trago as
másca
ras
tradicionais
da commedia
dell arte:
Arlequim
e
Pantalone
e também Brighella
Capitão
D
outo r
Tartália
. ..
Da t radição, f icaram dois personagens principai s: Arle
quim o servidor, e Pantalone seu patrão.
Pouco
a
pouco,
o
Arlequim primit ivo
conhecido
como zanni ingênuo
e
ma
roto, oriundo
dos campos
de Bérgamo,
tornou-se travesso,
inteligente intrigante. Em Moliere, ele se chama Scapino, de
po is
de
uma evolução, durante mais
de
dois séculos, do perso
nagem. Pantalone,
mercador de Veneza hom
em de neg
ócios,
t raf icante de riquezas vindas do Oriente Médio, é muito in
teligente . Ele
é
roubado
p or
amor achando, ingenuamente,
qu e é sempre am ado po r belas moças. Da í a
pie
dade
que
se
pode
ter
po r
ele . Essa d imensão t rágica no
cômico
faz o pú
blico rir jamais os personagens.
Se os
ro t
e
iros
são
a
estrada
a
ser seguida,
a q
ual
pouco
a
pou co foi
deta
lhada com o público e se esta
estrada
se afi r
mou
com
a tr ad ição transmitida
d e p ai para
filho é preciso
170
ou t
ro. Arlequim
pode
ch
or
ar a morte de
Panta
lone e rapida
mente, alegrar
-se
com a sopa que
está pr
onta N isto a com
media
constitu i um
território
muito cruel mas sob re tudo um
terr itório fabuloso para o jogo. Os temas propostos são parti
cularmente simples: rlequimse coça ou A rlequim come espa-
guete Pantalone conta seu dinheiro lguém chamando alguém
pod e t orn ar-se um grande tema com a condiç
ão,
evidente
men te de
qu e
o que é chamad o não ven ha En tre o ch am ad o
de
um
e a chegad a do outro, pode existir
mu
it o te
atro.
Nem todos os temas pod em se r t rabalh ad os em impro
vi
sação . Alguns im plicam
um a
pr eparação que os alunos reali
z
am
nos
au tocursos
O pe
da
gogo est á ate
nto
a
dois elemento
s
compleme ntares: de um
lad
o o roteiro a h istória os pon
tos
de
passagem ob rigatór ios dos atores quando improvisam
jun tos; de
ou tro,
e isto
é
m ais imp
or
tan te ele tem de insist ir
no mo tor da interpretação. O m otor não é o qu e interpretar
ma s como é p reciso
interpretar.
Quais são as for ças
que
estão
em jogo?
Quem
puxa?
Quem
empurra?
Quem
se puxa, quem
se
empur
ra?
Quem é
puxado, quem
é
empurrado? Responder
a essas pergunt as simples é da r u
ma
di
nâmica ao percurso. Se
o roteiro for linear
de
um pon to a ou tro, o mo
to r
será dinâ
mi c
o e b
usc
ar á o relevo
in d
ispensável
para
a
interpretação.
Essa
d inâmica sobe ou desce
nunc
a permanece horizontal e
na commedia del l arte ela ultrapassa os comportamentos co -
17 1
tidianos, para atingir uma
dimensão
imaginária . Não
rimos,
mo r
remos de rir
Na commedia dell'arte / com
éd
ia
humana,
o estilo de i
n
terpretaç ão é levado ao máxim o, as si
tu a
ções lev
ada
s a seus
fazem,
mas
constatei
que, com
suas p róprias máscaras, eles
ficam
mais livres para adaptar os princípios
de
tal
inte
rp
reta
ção. Assim que se fala
de
Arlequim ou de Pantalone, a preten
sa tradição ch eg a e os pe
rt
urba.
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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extremos . O ator ati nge um
nível
m uito alto de i
nterp r
etação,
e o público pode
observa
r as consequências de um comport a
mento .. . até a mor te.
Neste
caso, falsa
Pantalone está
em
casa.
o
ntando
seu
dinhe
iro.
É
avisado
de
que
al-
guém chegou e
quer
vê-lo. Ee pergunta quem é. Não
se
sabe Ele é
altor Sim
Ve
lho? Sim anda
assim?
Sim Então ele
sabe
quem
é:
seu amigo
Brigante
quevem lhe
pedir
de
volta
o
dinheiro
empre
stado
.
Nào
quero
vê-lo elediz. Tarde demai
s Brigante
já
entrou.
Abraços...
Caro amigo. que prazer.. Representa-se a comédia da amizade.
Depois disso, chegam os l zzi
Trazem uma
cadeira: linda . dirá
Brigante já calculando quanto ela
cu
stou. É uma
cadeira muito velha .
responderá
Pantalone
...
Aq
ui
, o m
otor
principal
da
inte
rp
reta
çã o se
rá
a
pr
ecia
r/
depreciar . Um
far
á qu estão de depreciar o
que
possui , en
quanto o outro tentará aprecia r tudo
aqu
ilo que poderia
lh
e
pertencer. Em seguida, Brigante
tentará
falar
da
razão pela
qual veio: o pagamento da d ívida, enquanto Pan
ta l
on e evitará
o ass
un t
o, falará de ou tra
coi
sa , desviará a conve rsa. Este será
o
grande
motor do rodeio, até o momento
fatídico
em que
Brigante chega e di z:
Me dê
o meu
dinheiro
. E Panta
lone
morre
de infarte
Para
depois ressuscitar, é c la ro , as
sim
que
Brigante
sa i
em busca de
um
médico, po is a m orte, aqui, não
passa de
um
estratagema.
Os alunos
podem
interpretar esse t ipo de tema tanto com
as
máscaras
tradicionais quant o com as que eles mesmos
172
ROTEIROS E TÁTICAS DE INTERPRETAÇÃO
Prioritariamente,
meu
olh
ar repousa na capacidade
dos
alunos em desenvolver
um
senso tático
de
in
te r
pretação.
Como chegam a subir ou descer
uma situação?
Como
condu
zem um a inversão de situação o ladrão roubado . .. ? Como
trabalham numa troca
ri
tmada da
palavra?
A
língua
italiana é
ma is adequada para isso do qu e a francesa, mais en trecort ada,
menos
fluida.
Uma das dificuldades
encontradas
com as meias
-máscaras
é a ligação com a voz. No pr ime
iro
ano, os alunos pouco fa
laram e, de repente, su rge u
ma
grande liberdade da palavra.
Agora
ten
dem a uti
lizar suas
pr
óp
rias
voz
es, o qu e é impossí
vel com a m áscara. O
trabal
ho consiste, po rt
an t
o,
em
encon
tra r a voz do personagem ,
uma
voz públ
ica
, n a d imensão d a
inte
rpretaç
ão
com
másca
ras. Assim como, com um a m
ásc
ar a,
é i
mp
ossível movimentar -se c
om o
fazemos n a vid a c o
ti d
ian a,
com uma me ia- máscar a, n ão se pod e dizer um texto sem
qu
e
ele sej a essencializado. Com ela, o
pr ó
prio texto está
masc
ar a
do
Nã
o há nenh
um a
possibilidade de interp re tação psicoló
gica. O d iálogo tende ao
bottee risposte
(golpe e
resp
ost a), que
os aman
tes
represen tam sem máscara.
Os
personagen s da comédia
italiana
navegam
permane
n
temen te
en
t re dois polos contraditórios. Arlequim é, ao me s-
173
m o te
mp
o, ingênuo e
ma l
icioso, o Capi
tã o
é fo rt e e m
ed ro
so ,
o
Doutor
sabe tudo e
nã
o
conhece
n
ad
a, Pan ta l
on
e é,
ao
m es
m o tempo, chefe da empresa, senho r
de
si e totalm
en
te louco
n o
am
or. Lev
ad
a ao
máximo,
essa
du a
l
idad
e é ex t
rem
amente
A MULHER:
A
razã
o.. .
o H O
ME
M : O dever. . .
A MU L
HE
R:
Salvou-a.
o H O
ME M
: Liberou- o.
A
MU
LH ER :
Bárbaro
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nca.
Na commedia dell
a
rte, mor re-se d e tudo: de
in
veja, de
f
ome, de
a
mor
, d e
ciúme
.
Nesse
se
ntid
o, es se t
erritório
dr a
mático prolon g
a o
qu
e a vid a
tr a
z. O
níve l da in
t
erpretaçã
o
se rá, por tan to, levado ao m áximo, até à ac ro bacia. No
entan
to, c
om o
é
im p
ossíve l
mante
r -se sempre n o estado ex
trem
o
do sentimento -
nã
o se
pode morrer ou
te r fome
permanen
tem
ente
o
personagem
é
sempre br utalmente
levado de
um
sentimen
to a
outr
o. Aquele
qu e
ri demais acab a
chorando:
as
sim ,
podemos
co
nstatar
que,
en
t re e o
riso
e o choro,os
gesto
s
são os mesmos.Ar lequim que ri ou
que ch or a
ro la pelo
chão
do
mesmo jeito
Os lazzi constituem o principal
espaço
da interpretação da
commedia dell arte. Num
livro de
commedia
de ll arte, o
mo
mento
mais interessante é aquele
em que não há nada escrito,
o qu e significa lazzi Apenas o ator, po r mei o d e s eu j ogo e de
sua presença cômica,
pode
fazer
com que
exista essa
parte
do
texto . A precariedade
aparente do
rote i ro deve
-se
à dificul
dade
de
pô r no papel o que se deve fazer para
ser
engraçado,
tocante, convincen te . Fa lt a o ator
em
ação . A grande diferença
entre as
gags
e os
lazzi
é
que
estes
sempre têm um a
referência
humana.
A
gag
pode ser puramente mecânica
ou
absurda,sair
de
um a
lógica
para
propor uma outra, o lazzo sempre enfatiza
um
elemen
to da humanidade
dos personagens.
7
O H O
ME M
: Miserável
A M ULHER:
O que você disse?
o H O M E M : O que você m
urmur
ou?
A M ULH ER :
Eu disse
que
te odeio.
o
H O MEM:
Eu disse
que
te detesto.
A MU LH ER:
Que não posso mais te ver.
o
H O ME M : Que
não posso mais te suportar.
A
MU L
HE R : Vocêrejeita esses laços .. .
o H O MEM: Você rejeita esses grilhões .. .
A
MULH
ER : Que você considerava de ouro.
O H O ME M :
Que você considerava de diamante.
A M U
LHER
: Eles se revelaram falsos.
o
H O MEM:
Na
verdade eram
de vidro.
A M U LHER :
Ferro dourado
o H OMEM : Diamantes falsos
A M ULHER :
Foi
po r
isso
que
os despedacei.
o H
OM E
M: Foi
por
isso que os quebrei.
A MU LHER:
Agora estou contente
o H OM EM : Agora estou livre
A M U LH ER :
Vai,
joga
fora esses laços
o
HO MEM: Vai, acaba com esses grilhões
A MU LH
ER
: Estou livre
o
H
OMEM
:
U independente
A MULHER:
Fora da escravidão
o H O
MEM:
Por
cimade qualquer obstáculo
A MU LHER: O nó está desfeito
o
H O ME M :
OS laços, destruídos
2
Con sta
nt
Mie, Le mépris contre le m épris ,
em La c om m edia dell arte
(Par is:
LaPleiade, 1927 ). [Tradução l ivre par a o
portuguê
s.]
75
Arlequim
e
Erig
uela estão encar
regados
depreparar a refeição
para
os
convidados. les põem a mesa e começam indicando o lugar de cada
convidado
depois
põem
se
aimaginar. progressivamen te todoomenu
que será servido Do pequenoprazer das entradas à maisextrema gu-
interpre
tação se dava de pai para filh o ,
de
m odo muito es
truturado. Os comediantes i talianos tinham um repertório de
interpretação que
utilizavam
nos
bons momentos . Quando
o
Piccolo Teatro
apresentou, em Pa ris,
rlequim servidor de
dois
amos
de Goldoni, Giorgio Strelher era extramemente es
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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lodice para terminar totalmente saciados imaginarão um imenso
festim do qual logic mente nunca participa
rão.
Na comm
edia
dell arte ,
princ
ipalmente
realista,
igual
me
nte
os objetos estão
em
jogo de mo do fabu lar. O bastão
de Arlequim pod e s e r v i r de rab o, pode substitui r sua mão
quando ele qu i
ser
saudar alguém .. .
sem
toc á-lo . A bolsa de
Pan
ta lone pode ficar pendurada en t re as pe rnas. O objeto,
aqui,
nunca
é
um
simples ac
essório
, ele pe
rmit
e o desenvol
vimento
de um imaginário muito forte.
É
po r isso que nun ca
fazemos mí
mica dos
objetos
,
nós
os
ut i
l
iza
mos, re almente.
Da commedia dell
arte
real, ficaram po
uc
os textos, sal
vo os
roteiros
e
os
bott e e risposte.
Ab
or d
amos, assi
m,
p ara
lel am ente os au tor es que se serviram
dess
e terreno:
Mo
liere,
Ruzzan te, Gozzi, Goldoni, e também Shakesp eare
ou
Goethe.
É
im
pressionante
ver quant
os
au
tores, emsuas
ob ras poéticas,
fo ra m influencia
do
s
pel
os comediantes
itali
an os
que
percor
ri am a Euro
pa
.
Minha
preferência pedagógica vai ao começo
da
commedia dell arte, com Ruzzante.
Cheg
amos
também
ao Moliere das p rimei
ras
peças, o
das
farsas, e
não
o Moliere
mais psicol
ógico
, de Dom [uan ou O isantropo.
Associa-se com demasiada frequência a commedia
dell arte à
noção de imp ro
visaçã
o. Mas
ali
nada havia de
improvisado. Ainda que inventassem
variações
, a prática
da
176
trito em sua d ireção e intencionava respeitar tudo o que fora
escrito.
Um dia , quando ele
estava
ausente da sala, os come
diantes
alongaram
o espetáculo em vinte minutos. O
diretor
encolerizou-se ao descobrir essa permissividade
A
técnica
do corpo que
aplicamos
é a de
todos
os
teatros
de máscaras, em tod o o mundo. Nessa forma de teatro, para
q
ue
o co rpo fale
ao
público, afirmamos, ele tem de ser pe r
feitamente articulado. Cr iei, portanto, um a ginástica
para
o
Arlequim . A
dimensão
acrobática está igualmente presente,
justificada, com o
sempre,
pelo drama. Quando
Pantalone
,
raivoso, dá um salto m ortal para trás, o público não deve di
zer
:
Q
ue bel
o sa
lto
mo
r
ta
l ,
ma
s Que raiva . P
ar
a c
heg
ar a
um tal n ível de comp rome t imento fí sico e ju stificar tal gesto,
é p reciso um a carga
em
ot i
va
e
xt
raord
iná
r ia e,
ao
me sm o tem
po , um perfeit o
savoir fa ire
técn ic o de s
al t
o
mo r
tal.
Os ex
age
ro s m ais corren tes são os g
ri t
os , as gesticula
ções, a superinter
pret
ação in útil.
Quando
os alu
no s
n ão são
suf icientemente fo rtes pa ra
ati
ngir o n ível
de
in terp retação
e
xigido,
em vão eles tentam compensar isso pelo gr ito. P
or
isso,
dificilmente
atores muito jovens ac
eitam
a commedia
dell arte . Aos 20 anos,
os a lunos
ain da não
têm
a vivência
necessária,
falta
-lhes especialmente a d imensão trágica, ele
mento consti tuti vo im po r tant e desse
terri
tório. Se, apesar de
tudo, fazem
os
esse trabalho n a Escola, não é
pa
ra um a utiliza-
177
ção
imediata, ma s pa ra que guardem a lembrança
desse
n ível
de interpretação em
seus
corpos e mentes, para que possam
ser
vir-se
disso
mais tarde.
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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Pesquisar
uma commedia dell'a rt e contemporânea foi
muitas vezes o s
onho
de pessoas de teatro.Alguns
dese
jaria
m
re
nov
ar os
arquétipos para
inseri -los
na atualidade
social
ou
política.
Esse
procedim
ento sempre
me
pareceu discutí
vel pois, historicamente, na commedia dell'arte, as relações
sociais são imutáveis. Há os
senhores
e os
serv
idores, m as o
propósito
nã o é mudar a sociedade. T
rata
-se
de
mostrar a na
tureza humana em suacomédia feita de trapaças e de compro
metimentos
indispensáveis à sobrevivência dos personagens.
Arlequim nã o faz greve: ele dá
um
jeito Pantalon e nunca de
creta falência ainda que o
simule
A commedia dell'arte
está
em
tod os os lugares, em todos os tempos, enquanto
houver
patrões e servidores indispensáveis a seu jogo. Esses
elemen
tos
permanentes da omédi
hum n
me
interessam,
para
que
os alunos - que, evidentemente,
são
contemporâneos - pos
sam in
ventar
o teatro de seu tempo.
ufõ s
o
MISTÉRIO,
o GROTESCO,
O
FANTÁSTICO
Respondendo
à
minha
interrogação
sobre
o
comportamen
to
daqueles
que não acred i tam
em
nada e zombam de tudo':
os
bufões passaram,
ao
longo
desses
anos,
po r
um a
evolução
m uito
grande. Sua
abordagem diversificou-se dando acesso a
um território
muito
vasto
que er a
preciso
descobrirmos.
178
s bufões do mistério
A primeira et ap a foi a da
p ródi
Consistia em simples-
mente zombar do outro imitando-o .
Quando
alguém anda
na
ru a,
bas
ta imitar seu jeito para
qu e
apareç a a zombar ia e a
paró
dia. Acontece o mesm o com a
voz
com o com p
or t
am en
to . A
im
itação con
stit
u iu um prime
iro
nível, relativam
ente
máscara. Diante
desses
corpos
bufonescos os personagens pa -
rodiados aceitavam mais
facilmente que
loucos zombassem
deles;
era
mais inconsequente . Não havia conflito algum
entre
o bu fã o e aquele de quem ele zombava.
Retomamos
aí o tr a-
d icional bobo
da
corte , que, longe de estar realmente imerso
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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g
entil
, do
sar
casmob ufão.
A se
gund
a etapa fo i zo m
ba r
não apen as do qu e o
outro
fazia,
mas
s
obretud
o, de suas c
on
vicções
ma
is p
rofun
das.
Eu
p
ed
ia a a lguém , po r exemplo, que fizesse ao p
úblic
o um
dis c
urso
sensato
um
a
ap
resentação cien
tífica
ou m at emát i-
ca
e,
durant
e esse tempo, um o ut ro
pe
r
sonag
em se enc
ar
-
re gava de fazer o público rir, imitan do o orador . Fazendo
is so, observei qu e, qu an do um pe rso nagem em t rajes ur ba-
nos zombava de out ra pessoa vestida do
mesm
o modo isso
se tornava in suportável. Esse p roced
iment
o atingiu m u ito
rapidamente um a form a de ma lda
de
, difíc il
de
ass um ir, e
pa r
eceu-m e
in disp e
ns
ável di ferenciar qu
em
zom b a: ele n ão
po
d ia ser i
dê
n
ti
co
àquel
e q
ue
era
mo
t ivo de z
om b
aria. Ele
tin
ha
de ser out ro .
Procurei, e
nt ã
o, fab ricar um
outro
co
rp o
, um corpo de
bu f
ão . .. i
nf l
ado . . . gordo Pedi
aos
alu
no
s
que
se tr an
sformas
sem , aumentando nádegas, barrigas. A partir daí surgir
am
for
ma s
m ui
to interessant
es: algumas m oças muito m ag ra s,
descon
fo rtáveis
com seus corpos
, começaram a
da r vida
a
enormes figuras, com pei tos grandes nádegas go rdas . Inver-
samente , destacamos os
corpos
longilíneos compridos,
de
outros alu
no
s. Po r
meio
dessa t
ransf
ormação
corporal
nesse
co rpo reinven tado e a
rtifici
al, de repente eles se sentiam m ais
livres.
Ousavam
fazer
coisas
que j amais teriam fei to com seus
própr
io s corpos .
Nesse sentid
o, o
corpo
inteiro tornava-se
180
na loucura ,
pode
expressar todas as
verdades. Num corpo
de
bufão aquele que zomba pode tomar a palavra e dizer coi -
sas inacreditáveis, até caçoar
do incaço ável :
da
guerra da
fome no
m undo
de
Deus. Os bufões
nos
fizeram conhece r a
aids, antes de que todos tomassem consciência dessa doença.
Puderam representar a procissão d a mor te d o amo r e, na
tr ansposição bufonesca
fazer-nos aceitar o inaceitável.
Observei que
aqueles que zombam assim
de tudo inclu
sive dos valores mai s f or tes, abriam espaço para o mistério
das coisas. Eles atingiam o grande território da tragédia. Seu
sar
casmo migrava
para o trágico um pouco como a
violên
-
cia
do
texto
de
Steven
B
erkoff
at
inge
no
fim das
con t as , a
beleza.
Esse fenômeno fo i para mim uma g rande descoberta.
En t
ão
m e per
gu n
te i: de on
de vi n
ham esses bu f
õe
s? Eles
não
po
diam vi r d e
um
esp aço realista,
da
rua do metrô. Eles vêm
então, de outros lugares: do mistério da noite do céu e da
ter ra Sua função não consistia em zombar de um indivíduo
em
part
icul
ar, por
ém de
m od o mais geral, de tod os nós, da
soc
iedad
e em g
eral.
Bufões se d iver
tem
, poi s se divertem o
tempo t
od
o, imitando a vida dos homens. F
aze
r um a guer-
ra
, lutar,
estripar
-se os deixa felizes. No en tant o, eles
nunca
represen
tam
a
guerra na
cro
no
l
og
ia l
ógic
a de um a histó
ria
que se desenro la. Eles trazem um text o part icu
lar:
aq uele que
ma ta o ou tro se d iverte tanto, que ele pede p
ar a
faz
er
de
novo
.
181
E eis
que
se m atam mutuamente rep et idamente apenas pelo
p razer. Para interpreta r
Apareceram,
então,
os atalhos as elipses específicas da
interpretação dos
bufões:
aq
uele que estava ferido era
ra
pidamente
tratado,
levado
ao hospital. Par a que o hospital
Vi
mo
s
ba
ndos
de pequen
os bufões trazer até nós a
en orme
cabeça
de
um profeta, já
sem corpo que antes de desabar to
ta lmente, vin ha anuncia r o m istério. .. Nos bandos também
descobrim
os a figura do in ocente, qu e pode passear no meio
dos ou
tros
sem nunca alte ra r a ordem das co isas. Estranha
~ ~ ~ · ~
1
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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existisse e
ra
preciso mortos . Pa
ra que
houvesse
mortos,
era
preciso
que
se
matassem
. Pa ra que se
matassem
era
preciso
que fizessem
um a
guerra .. . Esse
tipo
de situação
mostrava
o caráter absurdo da organização da v id a dos homens. Os
bufões falam essencialmente da
dimensão
social das re lações
humanas, paradenunciar o absurdo disso. Eles falam também
do
poder,
de
sua hierarquia,
inve rtendo-lhes os valores . Cada
bufão
tem alguém
acima dele
e a
lguém
abaixo. Ele
admira um
e é admirado
po r
out ro.
Apena
s aquele que estiver n o limite
mais baixo
dessa hierarquia nã
o é admirado por
ninguém.
É
ele quem
vai
pixar
Abaixo
as
ar
mas nas paredes dos banhei
ros,
único meio de exp re ss ar o ridículo. Aquele que det ém
o
poder
- o
príncipe,
o
diretor,
o
presidente,
o
rei
-
decide,
quando quer e po r simples capricho, que aqui a guerra já du
ro u o suficiente e qu e
agora
é preciso fazê -l a em out ro lugar.
E todos o seguem Na
verdade
os
bufões
funcionam na inver
são dos poderes: o mais débi l dirige .
A partir dos bufões solitários, pesquisamos como eles po
diam
reunir -se para descobrir q
ue
viviam em ndos
Um
bando
de
bufões idealmente, é
constituído
p or um grupo de
cinco
pessoas, e nele pode haver uma
verdadeira
conivência.
Mai sdo que cinco,
já
é o
coro
que
surge,
mas
voltaremos
a fa
la r disso
.
Um
bando de bufões é dirigido
p or um
chefe. Todo
o bando está aí para
ajudá-l o
a
formular
o
que
ele vai dizer.
182
figura. Um
er
ro necessário
Ao l
ongo do t empo ,
os bufõe s fizeram surgir a
lgumas
grandes
famílias
: a
do
m istério depois a do
po d
er e po r
fim,
a mais lo uca e manifes
ta
a
da
ciência. Essas três fam ílias no s
levam a
determinar
hoje
em
d ia t
rês
te rritórios difere
ncia
dos qua se a
utôno
mos: o
mistério
o
grotesco
e o
f n tástico
o
mistério
gira em tor no da
crença
quase religiosa. O s
bufões do mistér io são adivinho s. Eles conhecem o fut u ro .
Sabem quando o fim do mundo v
ir á
e
podem
an
un ciá-l
o.
Conhecem o
mistér
io qu e
vem
antes do
nasciment
o e o
que
es
tá
depois
da
m orte.
São
os p rofetas.
bufões do mistério
che
gam
à
noite
em procissão
dançam ao som
de percu
ões aquecendo assm o
es
paço Trazem consgo a Palavra
adormecida diabinhos desp
ertam
seu profetaque como ilumnado
seergue para anunciar o fimdo
mundo
Os bufões fazem mimca
das
ima
gens
do
Apoc
alipse e se divertem fazendo paródia
Apó
s ter visto
o futuro a Pa
lavra
de
smo
rona Ea é levada noite adentro ao som de
tambores
Ne
stemomento grandes textos do mistérioedesua beleza
são ditospelos bufõesdo diabo
Eles falam como
Ió
que interroga o céu ; como
Dante,
em
A
divin
a comédia Os bufões ingleses residem em Shakespe
are. Fizemos os
bufões dizerem
os
maiores
textos dos maio
res poetas. Quem, melhor do
que um
bufão, pode
dizer um
183
tex to
de Antonin
Artaud? Paradoxalmente
ele
será mais bem
compreendido
nessa
f orma do
qu
e em
todas
as
outra
s,
di tas
poéticas
. O
maiores
loucos
são
os
poetas
Ah , dá
-nos crânios
de brasas
Crânios qu
ei
ma
do s pelos raios do céu
Crân
ios lúcidos cr ân ios reais
E traspassados pela tua presença
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 94/121
Os grotescos estão
próximos da
caricatura.
Eles se
aproxi
mam
dos
pe
rsona
g
ens de nossa
vida cotidiana, c
om
o alguns
desenhos humorísticos podem representá
-
los
. Jamais
ques
tionam
os
sentiment
os
ou
a
ps
ico
log
ia, m as s
emp
re a
fun
ção
social. Os
desenhos
de Daumier,
nas
sér ies
sobre
as
pr o
fissõe s,
têm
e
ssa
dime
nsão.
No
rep
er tó rio teatral,
um
personagem
como
Ubu
de
Iarry
pertence a esse mundo.
Hoje em dia,
su r
gem com forç a os
f antásticos
Apoiam-se
especialmente no
mundo eletrôn ico, científico, ma s
também
na imaginação
mais
a
lu
cina
da
. Vimos p
erso
nag
ens com
vá
rias cabeças, h omens-anima is, bufões com a cabeça n a ba r
riga. Aqui
são
po
ssíveis t
oda
s as lo
ucu
ras: elas constituem a
liberdad
e
do
ator e
sua
beleza.
O te
rm o bufão
c
ob
re,
po
r tan
to
a
go r
a,
um
te rr
itór
io ex
t
remam
ente vasto , cu jo s c
on torn
os n
ão podem
os
delimi
tar
de
m
od
o defi
ni t
ivo.
É
por isso q ue p eço
ao
s alunos a m ais
am p
la exp lo ra ção
des
se t
erreno
a
fim de qu
e se a
venturem
s
uce
ssivamente
ness
as
três
grandes
direções.
Ass im são
ob
r i
gados a
nã
o
ficar
na
primeira
imagem mas
comprometer-se
verdade iramen te com a cr iação.
Vamos
deixar
claro
qu e
um
bufão nã o
pode pertencer
ao mesmo tempo, a três
registros
m as nos bandos, n o entanto, algumas m isturas são possíveis.
O
fantástico pode ladear
o
mistério ou
,
ainda um bufã
o
do
mistério
pode
metamorfose
ar-se
num grotesco
, e
passar
do
primeiro ao
segundo sem que
se
saiba mui to bem qual dos
8
Faz-nos na scer no s céus de dentro
Cober tos de preci
píci
os
em
torrentes
E qu e uma v
ertigem nos
at ravesse
Com uma un
ha incande
sce
nte
Sacia-nos temos fome
De comoções intersiderais
Ah derrama em
nós
lavas astrais
No
lugar de
nosso sang
ue
D
esamarra-nos
.
Div
ide
-nos
Com tuas mãos
de
bras
as co
rtantes
A
bre-nos
essas vias cham ejantes
O
nde
se morre
mais
longe qu e a
morte
Faz nosso cérebro vacilar
No cerne de sua própr ia ciência
E ar ran c a- no s a i
nt
eligência
Com as
garras
de um
novo t ífon ?
Art aud
, P riere [O ração
J,
em Obras
o
pletas:Tric Trac du
iel
1 (Pa
n s: Gallímard, 1970). [Tr
ad
ução livr e par a o p
or
tuguês.]
85
dois re
presen
ta o ou tro. Um ba n d o de
bufões
fantásticos ent ra
em cena . . . de repente se tr a
ns
forma
nu m
bando de pequeno s
grotescos.Situação incômoda
em qu e o pú b
lico perde
a
segu-
rança d e s ua
lógica
, para atingir
um a
outra di
mensã
o
pa ra que p or si sós descubram os
element
os
qu e
acabo d e
evo car e, eventu almente, t ragam outros.
Co meço, com o
sempre
pelo co r po . A
primeira
aborda
gem é m ui to simples: peço a cad a um que desenhe um bufão
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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o O U T RO C O R P O
A
linguagem
específica dos bufões apareceu co m a pesqui-
sa dos ges tos e das ações que este outro corpo podia faze r.
Alguns
se
aproximaram do corpo human
o, no
esp
írito do
bo
neco
da
Michelin tipo
de bola
hum
an a desmesu
rada; outros
se distanciaram
diss
o co
nsideravelmente.
Um a de
minhas
grandes descobertas foi constatar como a
dimensão
interna-
cional
da Escola
aparecia co m for ça, pelo fundo bufonesco
que cada cultura traz. A Am érica do
Sul
expressou seu caráter
fantástico
co m
seus
animais
voadores, seus
homens animais.
Os
franceses reencontraram
seu fundo
rabelaisiano
de
cozi
nheiros
bons viv nts
Os bufões
ingleses
estão
próximos
das
figuras
de
Hogarth.
Os espanhóis v ivem a tragédia
da
festa.
Os i talianos estão n a d an ça, no canto e na música. Os nó r
dicos são mais misteriosos
entre
o dia e a noite na loucura
do
crepúsculo. A Alemanha
trouxe
seus
grandes
mitos fan
tásticos. Os asiáticos fizeram renascer os
dragões
e os diabos.
Esse te
rr
itório dramático
certamente
mais
do
qu e os outros
evidencia as profundas diferenças
culturais dos
alunos.
D o p on to de vista pedagógico o território
do s
bufões é
particularmente
difícil de
conduzir
principalmente po r
es
t armo s p ermanent ement e em b us ca d e p ro ce di me nt os
de
criação.
É
preciso portanto pô r
os alunos
em movimento
186
numa folha
de
pa pel. Nes te mo
mento
do trabalho, os
alu
nos
não sabem absolut amente nada do
qu
e far emos, nem o qu e
esse te rrit
ór i
o
signific
a. Cada um dese
nh
a seu
bu f
ão como
ima
gin
a, e, em seguida , o rga nizo um a
leitura
comentad a
dos desenho s. Iden t if ico rap idamen te os que têm um a visão
cultural da coisa : pequenos guizos nas pontas dos chapéus
cônicos lembranças carnavalescas. . . Há , aind a, os que se en
caminham para a loucura com cabelos er içados
.. .
E
mbora
con servados , esses de
senh
os não são u tilizados.Eu os devolvo
aos al unos no
fim
do pe rcurso, c
om
o um elem en to de refle
xão pessoal. Sem com en t
ár
io .
Em
seguida, eles têm de criar, co
rp
ora
lmen
te ,seu bufão. Tra
zem
os tecidos,
enchimentos
ro upas, objetos, faixas, cordões, e
cada um tenta livremente inventar seu corpo de bufão. Juntos,
procuramo
s os movimentos
que
os animam. Os que têm as ná
degas
gordas
dive rtem -se fazen do-as
balança
r, ou tro s brincam
com
seus longos rabos, ou se coçam
co m
suas unhas desmesura
das. Nessa fase do trabalho, in sisto
pa
ra que os figurinos nunca
sejam definitivos, nem
muito
elaborados. impor t
an
te
qu e
se
jam
provisórios, relativamente sumários descartáveis, e
qu e
pos-
sam
evoluir
na
pesquisa antes
de, eventualmente, cumprir
seu
objetivo e chegar a
um
a forma mais definitiva.
Ninguém é
mais
criança
do
qu e um bufão ne m
mais
bufão do
que
um a
criança.
po r isso qu e , paralelamente
187
ao
trabalho
c
om
o co
rp
o de
cada
um
en
c
aminham
os
pela
improvisação um a fase
preparat
ór ia à dimensão bufonesca
c
om
o
tema A I
ância
Ten t
amos reencontrar
a infância po r
diferentes
abordagens
.
Um pr imei
ro
tema
propos to é o
da
pr aça onde as crianças
proferir elucubrações sempre de modo r
itual
muito organi
za
do
. Ne sse
caso
os próprios at
ore
s
nã
o s
abem
o que fazem
mas
o f
aze
m Esses ri to s
nã
o prov
oc
am n
enhum conflito po i
s
não existe rivalidade en tre bu f
õe
s.
Nunca
um en tre eles ficar á
com raiva do outro. Es
tã
o n um a hierarquia muito organiza
da
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 96/121
brincam
nu ma caixa de areia de polícia e ladrão de
pega
-p ega .. .
Buscamos todos
os
comportament
os
possíveis
nessa
situaçã
o: a
brincadeira
a
maldade
a te
rnur
a a
briga
a p osse
o riso. Não se trata
de
represen
ta r
exteriormente
personagens
in
fanti
s n em de mergulhar na
in f
antilidade mas de reencon
trar o estado de
infância
su a
sol
idão su as exigências suas
pulsões sua
busca
de regras todos
elemen
to s
qu e
na
obra
vão est ar na
dimensã
o bufonesca.
Em
seguida
proponho que as c ri anças representem os
adultos
Eles brincam de p p i
e
m mãe
brincam
de
avião
ma s
p
odem também brinca
r
de gu erra um pouco como
fa
ziam as crianças do Líbano
co m
as metralhadoras de madei-
ra.
Depois disto invert
o a
proposta
sugerindo que
os
dultos
brinquem
como as crianças
Os guardas de fronteira: cada um
de um lad o de um a corda posta no chão - quem p
isar
na co r
da t em
de arrumá-la etc.
Muito
rapidamente descobrimos
que
essa
brincadeira denuncia muito
fo r
temen
te o gosto
da
posse
e do poder sobre o Outro.
Em seus rituais os bufões
nã o
invocam o céu
cospem
nele Eles
chamam
as forças da terra. Estão
d o la do d o
diabo
no
nadir.
Saindo da terra assumem forma humana . Inven
ta m
ritos
qu e
lhes
pertencem totalmente
incompreensíveis
para
os
profanos que somos
.
Cump
re m estranhas procissões
cerimônias particulares desfiles com tambores. Um bando de
bufões pode começar a
bate r com
o pé a dançar a cantar a
e ace
it
a. H á os que
bate m
e os
qu
e
ap anham
. E est á
tu d
o
be
m .
Os qu e devem
apanha
r pedem mais g
ostam
disso
. Cad a um
sustenta e ac
eita su
a
po s
iç
ão
na
s
oci
e
dade
dos
bu f
õe
s
qu
e é
para
eles a so cie
d ad e i d
eal. Log icam
en t
e essa soci
edade
é a
n ossa
Os
bu
fões se
mpr
e v
êm
diante do p úblico
para
re
pr
esenta r
a sociedade.A pa rtir daí tod os os temas são p ossíveis: a guer-
ra
a televisão o Con selho de Min istros ou
qu a
lquer outro
evento da atualidade
font
es
in
esg
ot á
veis de
in
spiração e de
in ter pretação. Às vezes
fantasi
am
se
de personagens de no ssa
s
ociedade:
põe m um quepe um a roupa religiosa e se aven tu
r
am
a
representar
esses
personagens
.
Ma s
o
fazem
à
sua
ma
neira voltando sempre ao bufão inicial que sempre se
diverte
com o personagem que representa. Se decidem representar o
sindicalismo nunca
entrarã
o na ps icologia
de
ta l ou ta l per
so
nagem conhecid
o
como
o f ar iam os
cômicos da
televisão
mas representarão de modo provocativo. Farão
um a
mani
festação co m eles
mesm
os
passand
o
alternadamente ora
do
lad o dos manifestantes or a do lad o
dos
po liciais apenas p
or
prazer.
O
trabalho
dos buf õe s e st á l igado a um espírito de brin
cadeira
adaptável
a
diferen
tes
situaç
ões.
Tud
o
aqui
está
na
maneira
de fazer no texto proposto n o nível
da
interpreta
ção. Os alun os escrevem
seu
s te
xt
os
numa
outra lógica. Se
9
ab ordam uma situação, os bufões vão de formá-la, torcê-la,
colocá-la
em jogo
de
modo
não
ha b
itual. Num texto,
apenas
pelo prazer, poderão repetir dez vezes a mesma palavra, avan
ç
ar
, recuar. Eles vão ufoniz r a situação.
Estam
os no puro
reino
da
loucura organizada
t
r gé
i
O
CORO
E O
HE R
Ó I
A
tragédia
é o ma i
or
territó
ri
o dramático e o maior
teatro
qu
e est á para ser fei to. Na
Escola
, nós a abo rdamos a partir
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 97/121
Como
ocorre
no
segundo
an o
todo, esse
trabalho explora
um
terri
tório completamente desconhecido. As referências,
quando
existem,
vêm
dep
ois. Se às vezes
pudemos
dizer
Ta
l
interpretação faz pensa r em Jerônimo Bosch, no s mistérios
da Idade
Média, no carnaval. .. ': essas referências nunca es-
tive ram em ment e n o começo dessa aventura . O que hoje sei
dos bufões descobri
na
prática
do cor po em
movimento, na
impro
visação
, e
nã o
nos livros n em em
uma trad
ição que nos
di ta ri a não sei que t ipo de savoir faire
Os
bufões, po r nature
za, impõem
urna
pedagogia da
criação.
Ao f im des sa exploração, algumas questões ficam,
ainda
hoje, sem resposta.
Os
bufões
podem
ser autossuficientes?
Podem, sozinhos, const i tuir um espetáculo? Ou funcionam
paralelamente à
tragédia? Podem
intervir na
tragédia?
E,
inver
samente, até que ponto a tragédia pode
intervir
no
território
dos bufões? Para tentar respo
nder
a essas questões
proponho
abordar sucessivamente os bufões e depo is a tragédia, antes
de tentar todas as misturas possíveis. Tenho a lembrança, ex-
traordinária,
de um bando de
bufões
que, como servidores,
t raziam em seu s ombros
um
coro trágico,
punham-no
diante
de um
público
e depois
desapareciam
. O coro, então, entabu
lava
um
texto
de
tragédia grega. Visão sublime
9
de
descobertas que
eu
havia feito
sobre
o co ro, em Si
racu
sa, e
que
aplicamos principalmente
numa
perspectiva pedagógica.
Longe de
um a
abordagem
histórica
da
tragéd
ia an tiga, de
seu
s
sup
ostos códigos, procuramos reinventar o
qu
e po de ser
um a
tragédia
nos dias
de
hoje.
O
território
trágico
permance
um a grande
in
te rrogação
acerca
da
relação com os deuses, com o
dest
ino, com a trans-
cendência.
Algo
bem diverso de
um a
questão de
seita
ou de
rel igião Hoje, quando se encontram maravi lhados
diante
do cosmos, os homens de ciência estão bem mais próximos
dessas
questões
. Estão
diante de um mistéri
o
que
leva o ho -
mem par a a lém de si mesmo . Fundamentalmente, a mesma
pesquisa está
na
origem
do
território
da
tragédia
e
de
su a
aproximação com os bufões. Como os deuses nos
dias
de hoje
desapareceram,
os
bufões
ocuparam seus lugares e os
substi
-
tuíram. Esperamos que eles queiram ir embora um
dia,
para
da r
lugar
a um a
outra
coisa: a inserção
do
homem, ao mesmo
tempo,
na sociedade e no cosmos,
sem
conflito . . . Artistas e
cientistas
estão aí para levar adiante essa missão
Para os alunos, a
grande
experiência
da
tragédia é a
desco
-
berta
dos
laços . Eles
descobrem
o
que verdadeiramente
signi -
fica
estarem
ligados ,
ao
mesmo tempo
junt
os
e
num
espaço
.
Falar po r
me
io da
boca
do out ro , n a voz
comum do
coro, é
estar
totalmente
e ao mesmo tempo ancora do na realidade
9
de um persona
gem
vivo e experimentar um a d
im
ensão qu e
tr an sce nd e o ser humano Tod o o tr abalho do ato r co nsiste
em estabelecer um a ligação
entre
esses dois polos
aparen
te -
m en te con tra
di
tór ios entre os
qu
ais ele po de f icar di
vidid
o
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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o
oro trági o
Dois elementos p rincipais estruturam o territór io da tr a -
gédia: o
coro
e o herói.
Um
coro
entra
em cena
ao
som
de
percussões que dão
ritmoaocoeti-
vo Ele ocupa todo o espa
ço
depois sepostdone
numa
parte dopalco
fazendo isso elelibera um
novo espaço
e
cria uma
espécie de
chamado
aoherói Mas
quem pod
e vir a ocupar esse espaço?
Qual equilíbrio se
pode
encontrar hoje
em
dia entreum
coro
e umherói
A fi m de no s prepararmos para a exper iênc ia do coro e
do
herói conduzimos um trabalho
preliminar
co m as multi-
dões e os
oradores.
A
multidão
é tratada
po r meio
de
impro
-
visação O primeiro tema proposto consiste em representar o
Hyde
Park
o
parque londrino onde
todo
domingo pessoas
sobem nu m
estrado
e tentam ch am a r a
atenção
dos transeun -
tes e apresentar lhes um discu rso
Imaginamos uma grande praça onde todo
mundo
passea e pedimos
a um aluno que chame a
atenção
dos outros deto
das
as mane ras
possíveis Q
uando
ele
consegue
temde
convence
r da
importã
ncia do
assunto polêm icosobre o qualeledefende umponto devistaem que
acredita:
favorá
ve ou
não
ao aborto
imigraçã
o energa
nuclea
r A
natureza do d
iscurso importa menos
do que a
capac
i
dade
doator de
cap
tar
se
u públi
co
193
Insisto para
que
os alunos verdadeiramente interpretem
conscientes
de qu e
defendem um pon to de vista não neces
sariamente
seu.
Essa distância
me parece
essencial: vale
mais
na interpretação ser favorável à p en a d e mor te q uand o se é
pessoalmente
contra
ou vice-versa Notemos que às vezes,
essa
improvisação
é
também um momento
de
verdade para
o
noi te de
Natal interpretado po r um ator
a lemão d iant e de
um a mult idão em continência com suásticas
nos
braços. In
terpretação
um pouco difícil
de suportar . Outra lembrança:
Catalunha livre , sermão pela
independência
da Catalunha
lançado
a part ir do
terraço
da Escola, com os
transeuntes
ajuntando-se para
compor a
multidão que escuta
.. .
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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próprio ator: assim que o público se entedia ele
vai
embora.
Num segundo momento esse
exercício
é complementado
pela
entrada de um segundo
personagem que
vem se
opor
ao
primeiro proferindo
argumentos
contrários.
Constituem -se
,
então
dois grupos cada
um
à escuta de um dos
oradores
:
eles
começam
a fo rmar as premissas
do
coro. Determino fi
nalmente
um
m aestro ,
um
diretor improvisado exterior à
interpretação que ajuste
o
t odo da
improvisação e
ponha or
dem
nessa grande
confusão dê a palavra alternativamente a
um e outro orador também à
multidão
e assegure assim a
organização
rítimica
da
interpretação .
o texto trágico não se improvisa.
Ele
pede
um a
escrita.
Para dar voz aos
oradores
abandonamos
então a improvisa
ção
e chamamos os grandes textos
da
vida pública: o discurso
de Angela Davis; os textos de André Malraux
po r
ocasião da
mudança das
cinzas
de Jean Moulin
ao Panteão;
ou
Charles
de Gaulle proferindo
Viva
o
Québec
livre , em Montreal; o
de Martin Luther King . . . enfim to d os os grandes discursos
que
carregaram
multidões . O ator
que
vai dizer o texto re
constitui com os
outros
alunos o local e o
ambiente
onde ele
foi
pronunciado
.
Organiza
a encenação no
espaço
da
Escola,
e
interpre ta a situação.
Tivemos
com essa proposta
alguns
momentos memoráveis: o
di s
curso de Hitler
aos
SS,
numa
194
Por meio
dessas
experiências os alunos experimentaram
o nível
emocional
que r eú ne
multidão
orador e
texto.
O
orador
anuncia
o herói; e a
massa
a
humanidade
do
coro.
A
passagem da mult idão ao coro
significa um
salto no
nível
de
interpretação o mesmo
salto
se
opera
entre a interpretação
psicológica e a
interpretação
com máscara. O coro trágico é
um a multidão levada ao
nível
da máscara.
Como o coro está
sempre
reagindo a
um
evento
ou
a uma
palavra fazemos um trabalho
preparatório
que
trata
do
coro
re tivo
Um grupo de
alunos
recebe
a inst rução de
fazer
o
público entender o que ele está vendo unicamente
po r
suas
reações a um evento: um jogo de futebol um filme,
um a
tou
rada . ..
Um
grupo deespectadores os camarotes de
um
teatro depalco italia-
no
assiste
auma
encenação
A
cortina se
levanta opalco se ilumina o
espetáculo
começa Chega a
grande
cena deamor
entre
Romeu e
Julie-
ta s reações
dos
espectadores
são
suficientespara
nos
fazer imaginar
o
que
está
acontecendo
em cena: um
olhar mais atento
no levantar da
cortina
uma aproximação sensivel
de dois
atores
ao reencontro dos
amantes um
leve
movimento de
rosto
Vários personagens e situações devem chegar até
nó s
po r
meio
do coro re tivo
Um
procedimento
difícil e deli
cado pois
195
nã o basta
apenas ver
a coisa e,
men os a in
da,
panto
rn
imá
-Ia ,
mas é
precis
o,
também encontrar
a linguagem pa ra qu e o pú
blico
perce
ba a
dinâmica
e a
emoção
do qu e
está acontecendo.
Para que isso convença, t
od
os os meios
são vál idos especial
mente
a linguagem
analógica
que
chamamos
de dupl im -
gem
Nesse caso um a
imagem aparece paralelamente
a
um a
bl
oco estáti
co.
Cinco
a
partir daí começa
a ha
ver
movimento
mas cada um se encontra indiv idualizado . Seis, não se pod e
ma
is perd
er
te
mp
o, é
pr
eciso repar ti r em do is par a fa
zer
du
as
vezes três.
Set
e é um núme ro interess
an
te: um c
orife
u pod e
s
urg
ir, acompa
nhado
p
or
dois m eio-co
ros
de três. O
ito
é um
núm
ero d uplamente m assivo.
Com
nove co meça a m ultidã o :
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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outra: um
lenço
cai no
palco
. . . o
programa
de
um
espectador
também
O
que acontece
n os camar
otes
é
análog
o à
situaçã
o
no palco
c
om
uma
grande suti
leza.
O coro é o elemento essencial
que sozinho
permite o
sur
gimento de
um verdadeiro espaço trágico. Um coro nã
o é
geo
métrico;
ele é
orgânico. Como um
corpo coletivo,
possui
um
centro de gra
vidade pr
olo ngamentos, um a
respiraçã
o.
um
tipo
de célula
que pode assumir formas
diferentes
segundo
a
situação
em que se encontra. Ele pode
ser
o
mensageiro
de con
trad
ições,
seus
membros podem às vezes,
opor
-se
entre
si, em
subgrupos , ou ao contrário unir-se para juntos
dirigirem-se
ao público . Não
consigo
imaginar um a tragédia sem coro.Mas
como
reunir
esses
personagens? Como
fazer
viver
esse corpo
coletivo? Como fazê
-lo respirar
movimentar-se como
um
or
ganismo
vivo,
evitando
a
coreografia estetizan
te
ou
a
geometria
militar?
Elemento dos mais
importantes de
minha pedagogia
o
coro
constitui
para
aqueles
qu e
dele
participaram a mais
bela
e
emocionante
das
experiências
teatrais.
O
coro constitui-se
de
um
grupo de
sete
ou quinze pessoas.
Esses
números são precisos pois cada
número
traz
em
si
um a
dinâmica específica. Uma pessoa é a
solidão
. Duas correspon
dem
a
alguém
e
seu opos
to . Três
são uma unidade. Quatro um
196
um a companhia de
nove
pessoas parte em todas as d ireções.
Dez
é a
dez
e
na
. . .
até
doze
a de zena Em treze, o c
or
o c
om
eça
a n ascer. Quatorze é um núm ero inamovível sempre falta al
gu
ém.
Quinz e, c
om
o
no rugby
é o n
úmero
ideal:
um
corifeu ,
dois
me io-cor
os de sete, q
ue
des
i
gn
am
do
is subcorifeus e m ovi
mentos mar avilhosos qu e se torn am possíveis.
Pa r
a além di sso,
é a
invas
ão,
inevit
avelm
ente
mili
ta r . Par a de scobrir e co
ns t
atar
essas evidências,
proponho
um exe
rcício
si
mples.
Um
grupo
deal
unos ocupa
t
odo
o
espa
çodasalaandand
o o
sinal.eles
se reúnem a dois
três cinco
. t etc
Ju
nt o
s,
obser
vam
os c
om
o
ch
eg
am
a
or
ga
nizar
-s e e como ,
em
seguida
esses
grupos podem
,
ou não
, ser pos
tos
em m o
vimen
to. Outro ti p
o de exercício:
Um coro se movimen ta sem
qu e se saiba quem o di rige
A
regr
a i
nterna
, qu e o
públ
ico
nã
o
conhece
mas que os alunos
descobrem
é
que aq
uele que d i
rige
é n
ecessariame
n te o qu e é vis
to
p or t
od
os os ou
tros.
Ou
ainda: Fazer o coro respirar alarga ndo ao máx imo as distâncias
entre seus ompon
en t
es
Para além de
um a
ce
rta
distância , o
coro nã o existe, ele
explode
. Eis o limite da r
up tu ra
, tã o caro
aos arquitetos .
Na
interpretação
trágica
o
cor
o
prevê aconselha toma
as
dores está
presente mas nunca se compromete
com
a
ação.
197
Lembremos
que
o co ro
grego
original nã o
estava no
mesmo
plano
que os atores.
Apresentava-se
em outro
espaço
e,
rea
gindo, fazia a relação
entre
o público e os heróis. Na tragédia
grega, aliás, nunca vemos os embates: o coro apenas
reage
a
histórias, fatos. A
grande
lei do
coro
trágico é a
de nunca
ficar
do lado da ação, mas sempre no da
reação.
O coro é,
afinal
,
mas com o elemen to de referê
nc
ia par a to da a constitu ição es
pacial de um gr upo. O co ro é a ordem do movimento.
o EQUILÍBRI O
DO PRA
TI CÁVE L
O
nascime
nto do coro começa com um dos m ais be los
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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marcado pela
sabedoria. Sempre se fala
do
coro dos
velhos
mas não são necessariamente velhos personagens arcados so
bre
suas bengalas, os
sábios
são os mensageiros simbólicos de
uma sabedoria imemorial. No co
meço
, o
coro
não é
mi
sto,
tr abalhamos separadamente o coro dos homens e o d as m u
lheres. Os
mais
be lo s coros são
sempre
os
das mu
lheres,
po
is
elas têm um profundo sen t ido de coesão e de solidariedade .
Elas são a garantia do essencial.
Os movimentos dramát
icos
de
um
co ro podem s er d e
term inados
por sentimentos
ou
apoiar
-se no s
movimentos
trágicos
da
natureza. As
matérias
especialmente
oferecem
uma
linguagem
trágica
que pode
ser utilizada
.
Uma pedri
nha de açúcar
que
se desmancha um papel
qu e
é amassa
do
um papelão que se dobra um pedaço de madeira que se
rompe um
tecido
qu e
rasga . . .
são
alguns dos
muitos
movi
mentos profundamente
trág
icos
. A partir daí é interessante
dissolver
um coro trágico, amassá-lo
ou
rasgá-l o .
Reinves
timos
aqui po r ana logia tod o o t rabalho desenvol
vi
do no
pr imeiro ano co m as identificações das mat
ér i
as.
O gran
de
risco é c
hegar
a
um
co ro
mi
lita r izado organi
zado dema
is, l impo , cla
ro
,
em que
to d
o
mun
do anda
ju
nt
o,
porém sem vida . Os diretores,
em
geral, gos t am m
uito
desse
trabalho n ão
apenas para
pô r
um
cor o
em
seus espetáculos,
198
exercícios invent
ados na Escola: O
qu líbrio do p r ticável
Tra ta -se
de
um
jo g
o
basead
o no equ ilíbrio e desequilíbrio
de
um
pratic
ável,
po
st
o
em
m o
viment
o pelo
de
sl
ocamen
to
dos atores.
Um
praticável
de
fo rm a re ta ngular é d
elim
it
ado
por bancos
de
2 metros de comprimento. Dez bancos dois
par a
cad
a largura, três para cada com p rimento) envolvem o
espaço, sobre os quais vêm sentar-se os par ticipan tes . O es
pa ço de jogo deve ser ob rigatoriamen te um re tângulo e n ão
um círculo, p
ois
o círculo só pe rm it e um único m ovimento
verdadeiro: rodar A arquitetura da Maison de la Radio de
Paris
prova isso ) Ou , então, surge um a atmos
fera
ri tualísti
ca , com um
fogo
no centro e to dos que o cerc am
pa
rticipa
m.
po r
isso
que
o te a
tr o
é d if íc il de s
er
rep resentado em um a
arena. A pista do circo é feita
pa r
a cavalos e não par a
pe
r
sonagens
, não
permitindo
nenhuma di nâm ica . O ret ângulo,
inversamente permite todos os grandes caminhos d in âmi cos,
as
retas
as pa ralelas, as diagonais, que
lib
eram e estr uturam
múltiplas possib ilidades dramáticas.
Esse praticável
reta
ngular é
imag
inado em equilíbrio so
br e um
eixo
central. Um ator,
sozinho
, qu e t om a um
lug
ar
na p arte central, conserva o
praticá
vel em equilíbrio . Se ele se
posic
ionar
fora dessa
parte
põ e
o
praticável
em
desequ
i
líb
rio,
fazend o com que se incline. preciso, en tão que um
segun
do ator intervenha para restabelecer o
equi
líbrio escolhendo
199
um l
ug
ar favor ável
em
fu n ção do primeiro. Os
jo
ga
do r
es, no
começo
estão repartidos em tor no do
praticá
vel, e c
onsidera
se
que apesar de suas
diferenças
todos têm o
mesm
o
pes
o e
valor. Não vamos
interpretar
um a historieta
de um
praticá-
vel re alista em movimento mas buscaremos te r a sensação
de
plenitude
e de vazio, sensação
sentida
ao mesmo tempo
Um a vez bem compreendida
essa
reg r a , o que deman da
um longo te
mpo
de experime
ntaçã
o, podemos m
odific
ar o
esp aço, aumentan do o praticável 40 centím
etro
s sup lemen-
tares e
nt
re os b
anc
os ). Mas , s
obretudo
pod em os nos ocupar
com a
qualidade do
j
ogo
e
tr
a
ba
lhar as noções de te o e de
esp ço
Entre o público e os jog
ad
ores, instala-se um a relação
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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po r aqueles
que
estão
no pr a
ticá
vel e po r
aqueles que ficam
sentad
os nos bancos.
1=
Uma primeira regra servedebase.Oprati ável estávazio. levanta-52
e
toma uma posição
no
ce
ntro
que
nãoéo
ponto preciso
delnterssc
ção
das diagonas. mas um pequeno território vivo. no qual ele
pode
deslocar -sesemprovocar inclinação). esquenta oespaço
para
que
ele
comece
aexistir;
depo
i
s
qu
ando
o
tempo
lhe
parece
adequado.de
cide
d
esloc
ar-se.
causan
doumdesequilíbrio dopraticável. entào.
levanta
-see
toma
umlugar nopraticável
para
reequilibrá -Io A partir
deste
momento.
o jogo é
dese
n
cadeado
e é que vai conduzr: ele
se desloca paradiferentes Jugares.
seg
uindoritmos
pessoa
is e. a cada
vez. A deve restabelecer o
equ
ilíbrio. também
mudando
deposição.
Qu
ando
se faznecessário. A d
ecide
nãomas responder ao
deseq
ui
líbriode o queprovoca um
nov
o desequilíbrio dopraticáve l. cha
mando a ent
rada
de t sse te
rcei
rojog
ador
ter
na-se
. então. o novo
condutor dojogo. A e reagem a
seus movimen
tos para manter
o
equilíbrio.
atéque decidam. por
sua vez.
juntos.
mas
sem
combina
ção.
nàomais
fazê
-lo. les
provocam. então.
umnovodesequilíbrio que
leva
à entrada
de
um quarto
jogador. etc.Ojogo sepro
onga. assim.
co
m um
número
c
rescente
de
atore
s. que
restabe
lecem
s
parar o
desequilíb rio
provocado
por aquee
que
conduz
.
quand
oosoutrosnão
respondem mais.
200
secreta , que
nã
o é feita de nenhuma relação direta
ma
s de um a
pr e
sença
com
um
no
espaço . Sentados nos bancos, os partici
p
an
tes
sen
tem
pe r
feit
amente
se o t
emp
o e o espaço
represe
n
tados são justos, eles sabem se est á longo ou curto demais, se
os lugares tomados são bons . O público é o depositári o desse
sab
er
e,
apenas
com
sua presença
, ajuda os jog
ad
ores a m an ter
os tem pos justos. Ele vê os erro s daquele que que r entrar n o
p raticável, mas nã o há lugar par a ele . Esses err os são, aliás, n e
cess
ár i
os e
devem
ser aceitos , para
que
o j
og
o continue, pois
as d istâncias e os tempos
não
são geométricos.
Constatamos que os atores t
omam
instint
ivamente lu
gares que se situam numa
geometr ia element
ar, ligada a um
número.
Em
três
eles tendem a
formar um
tr iângulo equilá
tero; em
quatro
um
quadrado;
em cinco
um círculo.
Essas
posições já
observadas
nas improvisações psicológicas silen-
ciosas, não permi tem nenhuma situação
dramática
represen-
tável. Elas só podem ser justificadas p or um ritual
que
tenda
ao monumental.
Da í
a pesquisa
de
uma repartição diferente
dos
lugares
com
ritmos capazes
de
fazer viver situações
dr a
máticas. Um a to r pesa mais na periferia do praticável
do
que
no centro
da í
a necessidade de
um a
distribuição diversificada
dos lugares
para
equilibrá
-lo.
Estar progressivamente de acor
do com o tempo com o espaço e com os outros ta l é a aposta
desse jogo.
201
Fazemos acontecer,
depois
, diversas ações
dramáticas,
em
função dos lugare s tomado s pelos atores. A relação de espaço
entre eles decide a situação. A palavra pode intervir em certos
momentos de imob il
id
ad e dos atores . O jogo entre os atores
pode ser d ireto se permanecerem unidos pelos olhares, ou
indiret
o se seus
olhare
s se dir igi rem
pa r
a fora. Fazend o isso,
d a p arte de cad a um , uma gr an d e sensibilidade em rel
açã
o
aos
outros
. Vemos frequentemente dois pretenden tes a co r i
feu ficarem
diante
do
he
rói: um est á
sobrando
o
equilíbr io do
pra
ticável
pe
de
u
ma
concent ração extre
ma
;
a
duração
do exercício não pode u
ltr
apassar um a hora
po r
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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realiza
mo
s a
encenaçã
o
de
um a peça não e
scrita
. O
equ
ilibrio
do
pratic
ável
é o ex
er
cício
de
todas as
encen
ações.
1=1+
J...
Um
a
seg
unda regra. vinda da primera, permte o nascimento, diane
doherói.deumcoro ede
seu
corifeu .
Na primeira regra
, cada atortem
o mesmo
peso
(l
=l
na segunda. o ator queentra é equilibrado pelo
peso det
odos
osoutros 1
=
+...). O
começo
dojogo é o
mesmo
A
entra no
pra
tic
áve
l.
depoi
s fazentrar B , queconduz. A
decide
,
em
se
guida
. f
azer
com queentre
e, neste
mom
ento,a regram
uda
. Uma
vez
encontrad
o seu ponto de equilíbrio,
es
pera que A e 8 se
reúnam
num
ponto deequilibr io. Apartir deste instante, A mas 8
têmjuntoso me
smo
pesoque
C .
Ca
daator que entraem
se
quênca
prov
oca
o reagrup
am
ento det odos aqueesquejá
se enco
ntram no
palco. até omomentoemqueo oitavoqueentrarconduziráumgrupo
desete. Ee
se
ráoprimeroh
erói
diantedoprimeiro coro.
Quando
quiser, o
herói
deixa-se cair no chão, dando as
sim o sinal
da
explosão do coro. Então, seis atores se
retiram
do espaço, para deixar um , im óvel, diante do herói: o corifeu
terá sido,
assim,
deixado pelo coro; exclusivamente ele terá o
direito de falar em nome de todos. Insisto no
fato
de q ue o
corifeu
é
escolhido pelos outros,
quando
se
reti ram: não
é ele
quem, destacando
-se, decide
sua
função. Este
momento pre
ciso do exercício é
particularmente
difícil de realizar e solicita,
202
seção.
Numer
osas
va
riantes po dem se r imaginadas, com di
fer entes estilos de jogos,
pode
ndo ir
de
um realism o ma is c
o-
tidiano até um a tr ansposição c
om
máscaras.
Alg
un s desvios,
regul arm ent e, cha
ma
m a minha atenção: aqu ele que gu ia
no luga r do out ro ':
aquele que ro uba a en trada do outro ,
aquele
que
f
alsament
e a
credita
e
star
no bom lug
ar
: aqu ele
q
ue
não aceit a ced
er
o seu l
ug
ar' : aquele
qu e
não sen te
que
O
tempo passa': aquele que hesita e perde o l
ug
ar :
aq
uele
que, ao con trário, en tra no palco e
mbor
a
nã
o haja
lugar
p
ara
ele . C ad a um desses desvios provoca um err o
mín
i
mo
e
qu eb r a o jogo.
Tive a opo r tu nid a de d e aplicar esse trabalho do co ro em
vár
ias circunstâncias,especia
lmente com
Jean Vilar,
no
Teatro
N
aci
onal Popular, quando ele representava o cori
feu
do coro
de
A
nt
ígona
Como eu colaborasse com a encenação,Vilar me
perguntou
on de
de
via se p
osicionar
e sugeri
qu e
ficasse
no
fu nd o do palco,
escondido
no coro, para
surgir
com força só
quando o coro fosse embo ra. Fiz uma coisa
semelhante na
Itália no
t ea tro de
revista uem
está
em
cena?
quando
toda
a
companhia , umas sessenta pessoas, representava na
primei-
ra cena
um a
festa
popular em
Roma
,
com
seus cantos
e
suas
danças. De repente, a sirene de aler ta
soava,
como em Roma
cidad
e aberta
de Rossellin i, e a multidão ia embora, para dar
203
lugar, no m eio do palco, à
grand
e A
na Ma
gn ani, imóvel
em
sua pe quen a saia
pret
a ,
ca
ntando um a canç ão do Trastevere,
popular bairro
de
Roma. Bel as
lembranças
Na tragédia , d iante
da
lei divina,
do
destino ,
os homen
s
não
são responsáveis po r seus atos,
estão
nas mãos
do s
deuses,
preencher o espaço deixado pelo vazio da solidão. Havíamos
entreabe r to um a porta.
A N
ECESSIDAD
E
DO S
TEXTOS
A
di
m en s
ão
trágica é abo r da da a
pa r
ti r d e textos ant igos
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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que tu d
o conduzem. As
paixões humanas,
o gosto
pelo poder
,
o ódio, o am or, o ciúme . . . vêm desafiar as vontades d ivinas e
conduzem os he róis à morte. O povo, sempre presente, assiste
a e sse s eventos e
tece
comentários. Se,
no
caso
do
coro, foi po s
sível fazê-lo
re
nascer, a questão do he rói revelou-se muito mais
delicada. A
part
ir do m
omento
em qu e
nã
o se desejava ficar
c
om
os modelos antigos,
qu e havia um a recusa
ao
herói mo
n
umen
tal que nos impõe um a
cert
a imagem da tragédia,
qu
al
pe
rson
agem suficientemente
forte po d
ia
opo
r-se, hoje
em
dia,
a
um coro em
movimento?
Qual poderia ser
o herói de nos so
tem po? Essa busca
em
direção a
uma humanidade
do persona
g
em
lev
ou -no
s,
durante vinte
anos,
a
múltiplas
pesquisas
.
Paradoxalmente, foi o
melodrama que
fez surgir o
heró
i
moderno.
O
homem
de todos
os dias, qu e vive
sozinho em
su a casa, na
vida cot idiana
mais simples, tornou-se
o
herói
o
anti-herói ) do coro trágico. Os
alunos sentiram
necessidade
de apoiar
esse personagem
com um , em um coro
no
qual se
misturavam igualmente
alguns
bufões. O
pe
rsonagem
nã o
v ia o s que o ci rcundavam, mas ele era apoiado, aconselhado
pelo
coro
que
o
ajudava, falava com
ele, expressava suas vo
zes
interiores.
Co m
esse
anti-herói melodramá
tico
,
apareceu
o grande
tema
da
solidão,
que une
profundamen
te
melodra
ma
e tragédia. O coro, de
uma
maneira
muito humana , v inha
204
ou m odernos e
nã o
apenas
de
text os escrito s e
sp
ecific
amen
te
pa r
a coros, mas t
am
bém de
outr
os te
xt
os
qu e
nos a ju
da m
a
at i
ngir
um
a
dime nsão
excepci
onal de
exp
ressão. U tilizo, lo
gicame
nt
e, os
gr
andes
textos
gregos , Ésquilo,
Eurípedes,
SÓ
f
ocle
s, e
também
Racine ou , m ais
pr
ó
xím
os de n ós ,
Antonin
Ar taud,
Bo
th
o S
traus
s, M ichel Azama, Steve n Ber
ko
ff. Utili
zo também o
magnífico texto
de um a t
ragédi
a da n at ur eza,
escrito por Leonardo da Vinci p ar a descreve r a
di n
âmica
do
d i
lú
vio,
an tes de pint
á-lo (v
er página
seg
uinte).
Nosso objetivo nã o é o de chegar a uma encenação com
pleta, mas
de concentrarmo
-nos
na
constituição
do
coro e no
c
om p rometiment
o do
corpo
e d a v
oz. Entramos
nes
ses
tex
t
os pe l
o
corpo. Sem
nunca
passar
p or um
trabalh
o de
me
sa :
tomamos os caminhos da m mo nâmic Como havíam
os
feito
com
a música e
com
a pintura, agor a são os
text
os qu e
são explorados. Pedimos aos atores
para
buscar
um a
ade
rência corporal ao texto, a suas
imagens,
su as palavras , su as
dinâmicas, a
partir
do
movimento
. Aderênc ia
nã
o é
anál
ise
ou interpretação do
texto. A interpretação deste
consiste em
esclarecê
-l o
segundo
várias facetas:
em
função
d a é po ca
e
do
contexto,
pode
-se insistir
na
faceta social, psicológica ou
moral.
Essa
escolha
será
de
responsabilidade do direto r. Meu
procedimento pedagógico preserva
-se
de qualquer interp
re
tação textual e respeita a constante
da s
dinâm
icas
internas do
texto, sem
tomada
de posição
priori
205
Oh Que rumores assustadores escutam-se no ar obscu
ro
rasgado
pelo furor
do
trovão e pelas
fulgurâncias
de
seus trem
ores,
e que devastam e passam, abatendo tud o
o que está
na
sua frente Oh Quantos destes
você
viu
tampa
r seus ouvidos com suas mã os para não escutar
o imenso rumor que enche o ar tenebroso do furor dos
ventos
misturados à c huva , e aos t rovões celes tes e ao
Num p rime ir o
momento,
gesti
culamos
o text o fa
land
o -o,
sem
p re ocupação com a con str u ção. O s
gest
os qu e su
rgem
sã o
heter
óc l
itos. Esse tr aba lh o d e base serve pa ra liberar o texto no
co rp o, p ara qu e
este
ú l timo não c
onsti
tu a
um
obstáculo. Uma
vez aprendido o te
xt
o ,
afirmamos
a géstica d inâm ica, qu e se rá
da da sozinha, em si lênci o. Pouco a pouco, nasce um a estrutur a
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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206
furor dos raios Outros não se limitam a
fechar
os
olhos,
ma s põem suas mãos sobrepostas e as
apertam
para não
ver o cruel destino que a có le ra de Deus faz à espécie
humana.
Oh
Que desespero, e quantos loucos se pre
cipitam
do
alto
dos
rochedos Veem-se os ramos de um
grande carvalho
carregados
de homens levados ao ar
pela impetuosidade
do
vento.
Seja quantas forem, as
barcas
estã o viradas, umas total
mente,outras em pedaços, sobrepessoas que se
esforçam
por sua salvação,
com
atitudes e mo
vimentos
dolorosos ,
sentindo a morte ameaçadora. Ou tros, desesperados,
se
suicidam,
não podendo suportar tal angústia; uns
jogam-se dos rochedos, outros estrangulam-se
com
as
próprias
mãos; outros,
tomando seus filhos rapidamente,
jogam-nos
do
aterro;
outros batem-se
com
suas
armas,
matando-se a si próprios; outros, caem de joelhos, supli
cando a Deus.
Oh Quantas mães
choram
seus filhos
afogados
, que elas
sustentam em seus
joelhos,
erguendo seus braçosabertos
em direção ao céu e com o berro de uma voz que amal
diçoa a
cólera
divina;
outros, mãos
juntas e crispadas,
mordem -se com um
dente
cruel
como
se se
devorassem,
ou
rezam suplicantes, esmagados por uma
imensa
e in
suportável dor.
Leon
ardo da Vinci , Le déluge nova tradução segundo o odex vaticanus com
comentário contínuo de
Péladan
(Paris: Delgrave, 1910). [Tradução livr e para
o po rtuguês.]
do texto , a partir da nebulo s
id
a
de
do começo. Co
rrigimos
, en
t ão, a qu al idade dos ges to s e, depo is, conversando nas
pequ
enas
cúpu la s de cinco a sete al
unos
em círculo, p esquisa
mo s os
gestos
ma
is justos. Um dos alunos , esc
olhid
o com o
melh
or m í
mico
pe lo grupo , põe-se no
centro
e
di
rige o d iscu rso do co
ro
,
pro feri do p elos outros, na im obi lida de. D a ges t iculação à im
o
b
ilida
d e, o text o será aprendido . A segu
nd a
p arte do
tr
abalho é
a
da
s esco
lh
as, d a
di
st rib
ui
ção das vozes, pa ra ressaltar o
sen
ti
do do te
xto,
sem p reocu pação sign ifican te com a interpre tação.
Numa terceira parte, pe ço, en
fim,
em au tocu rso, para
encena
r o
texto escolhid o a fim de ap resentá-lo ao p úb lico, sej a na
im
ob i
lidade,
seja
em
mo
vimen
to, seja com g
estos
expressivos .
Levanta do chão duro esta
cabeça
,
infortunada Ap ruma teu pescoço
Não mais existem Troia nem ra inha.
A sorte muda, deves resignar-te .
Hás de voga r ao fluxo das cor rentes,
hás de vogar ao gosto do destino.
É vão esforço pretender opor
a frágil nave desta vida às ondas.
Navega Entrega-te ao azar dosventos
]
Quantas
razões eu
tenho
- ai de
mim
para chorar
nessa
calamidade
a perda de meus filhos,
meu
m arido,
207
minha querida pátria.. . Ai de m im
Dou
rado
faust
o antigo em que vivi,
meu fim me faz
saber que
nada és
Convém
calar? Talvez falar. .. Chorar. ..
Um pes o enorme
oprime
os
meus
cansados
sofridos
membros
nesta posição,
caída
aqui no
chão desconfortável.
Armam -lhe a enorme fronte aterradores chifres;
Escamas amarelas recobrem seu corpo;
Touro indomável, tumultuoso d ragão,
Sua
anca
se
curva
em
dobras
tortu
osa
s.
Aos seus longos
mugidos es t
remece a praia.
O céu vê com horror est e m
on
st ro selvagem.
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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Dói-me
a cabeça
.. .
Quanta
do r
nas têmporas . ..
Meus flancos doem tanto . .. Mal consigo
mover-me
para
em nova posição
continuar ch
orando as
minhas
mágoas
entre queixumes
e incessantes lágrimas.
É a músi
ca
restante aos infelizes
aniquilados por desastres tão
terrívei
s
que
fazem silenciar todos os can tos .
a
vega Entrega-te ao azar dos ventos
e é todo o coro
que
se
encontra
lançado nu m
movimento de
deriva levado
po r
esse grito,
em
busca
de
um
r itmo, de um movimento, de
um a entonação. O
objetivo
aqui não
é
encontrar não
sei qual
coreografia do coro
em movimento , mas
chegar, finalmente,
à imobilidade
do
ator, que t er á percebido, em seu corpo, a
dinâmica e a emoção desse percurso. Quando um
ator,
depois
de te r feito exercícios,
disser
esse
texto, imóvel,
o espectador
qu e
fechar
os olhos terá de vê -lo movimentar
-se
.
Quando os alunos exploraram alguns
textos
curtos, e
quando
os conhecem , trabalhamos o domínio da
voz
.
A onda vem,
rompe
-se e vomita
aos
nossos
olhos,
Entre
vagas de
espuma,
um monstro furioso.
Eurípides, LesTroyennes ,texto em francêsde IacquelineMoatti (Paris:
L
Arche,
1961). [ Astroianas', em Sófocles Eurípides, Electra e
As
troianas trad. Mário
da Gama Kury (Rio de Janeiro: Civilização, 1965). (N. T.)]
208
Os monstros furiosos
da fala de Teremane
nã
o podem
ser expressos com
um a
voz
pequen
a, que
venha
da cabeça. Ao
conhecimento da fúria trágica,
é
ind
ispensá
vel o
comprome
t imento do corpo
inteiro. O
at
or pode se r
ajudado po r outros
,
qu e o
puxam,
o empurram, o seguram, para que ele sinta fi
sicamente as
dinâmicas
do texto.
Gra
ças a e ss e tipo
de
exercí
cio,
adaptado
a cada texto,
constatam
os q
ue
a voz se modifica,
para tornar-se um a
verdadeira voz de corpo s
ozinha
, capaz de
carregar a dimensão trágica verdadei
ra.
Os ato res
gu
ardarão
um
traço
dessa relação
física com o
text
o. Eles a terão incor
porado,
antes
de vislumbrar qualquer interpretação.
Conduzimos, também,
um
t rabalho
com
a voz
comum
do
coro.
O coro trágico fala
com
um a
voz
única; então é preciso
qu e o grupo de
atores
p
ossa
atingir es sa d imensão
coletiva
.
Para falar
junto,
diferentes técnicas são utilizadas: enquanto
um
aluno enuncia
um texto aprendid o po r todos, outro tenta
falar o
mesmo
texto po r
meio
da
boca
do
primeiro; po r
acu
mulação,
outros vêm
juntar-se, at é atingir
um a
voz comum
do g ru po . Cad a um
sente,
então, a impressão de
ser falado
pelos outros. Essa voz
comum
é
normalmente emocionante
e
muito
bela.
Lamento
que, hoje em
dia,
ela não
esteja
suficien-
Jean Racine, Le récit de Th éramene [ F ala de Terema
ne
em Pedra trad. Joa
quim Brasil Fontes (São
Paulo
:
Iluminuras,
2007) . (N . T.)]
209
temente presente
nos
numerosos espetáculos trágicos que,
certamente po r razões econômicas, se contentam com coros
de
três
ou quatro atores.
A dimensão internacional da
Escola põe
atores estrangei
ro s diante de textos
franceses.
interessante observar quan
to
um a
articulação atenta da língua valoriza a
escrita.
Todos
se esforçam para reencontrar o valor das
palavras,
e esse es-
(A m ~ n n i n h e o menin inh o estão
num
espaço vaz io,
en
voltos em
escundao.)
A
MENININHA:
Tchac Ela arranca um braço de sua boneca . Minha
boneca perdeu um braço
num b
ombardeio.
o MENININHO: Rápido
Precisamos
cauterizar a ferida pra
não san
grar.
A
MENININHA:
C ê tá louco. uma boneca, não
sangra
.
o
MENINIr-:HO:
Precisa
cauterizar assim mesmo.
assim que
se faz.
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 107/121
forço é recompensado. Várias
experiências
teatrais
recentes,
ocorridas na França com
atores estrangeiros, confirmaram
o interesse desse
procedimento:
Antoine Vitez, Peter
Brook,
Ariane
Mnouchkine .. . Para conduzir bem esse
trabalho,
ain
da é preciso
que
os textos ofereçam um corpo fazendo com
que os atores
possam
senti-los,
deixando
um pouco de
lado
a cabeça. Essa presença se manifesta principalmente nos ver-
bos
que permitem, ou
não, o comprometimento físico. Mas
não são todos os textos que se prestam a esse exercício. Os de
Ionesco
ou
os de Pinter não levam em con ta o corpo inteiro,
f icam mais
na
cabeça . Beckett é
um a
exceção: tem fôlego, uma
respiração. Um teatro maior sempre chama o corpo
em
seu
todo: ao
mesmo
tempo o quadril, o
plexo
e a
cabeça.
No prólogo de
roisades
Michel Azama prat ica
o botte
e risposte da commedia dell'arte, aqui a serviço da tragédia.
atalho
dos diálogos,
pela
ação
no
presente, faz a
situação
avançar
até a conclusão.
Muitos alunos
tornaram-se escritores
depoi s da
Escola. Não
ousaria
dizer que começaram a escre-
ver graças à Escola, mas talvez tenham
começado
a escrever
de out ro modo
a
part i r da
Escola.
Alguns
o
conf irmam. De
minha
parte,
eu me
reconheço em
seus textos,
no sent ido de
que eles
trazem
um a diferença entre o discurso e a palavra .
discurso só fica nas palavras,
ma s
a
palavra
chama o corpo.
território da tragédia o demonst ra com enorme força.
210
Ele cauteriza o ombro da boneca com um palito de fósforo. Ela tá fe-
dendo. O plástico queima igualzinho às pessoas
quando
elas são quei
madas
.
A
MENININHA:
Ela é uma boneca legal. Cuidado Ela sofreu um a ex-
plosão de bomba . Tchac Tchac Uma perna e outro braço
o MENININHO:
C ê
tá
exagerando.
Você vai
acabar
matando ela.
A MENININHA: Queima Queima Ah Como fede,
que
maravilha Po
demos
tirar tudo,
enquanto
a gente não tirar a cabeça ela
não
morre.
o MENININHO:
Morre,
sim.
A
MENININHA:
Não.
o
MENININHO: Morre,
sim.
Bom,
então, se
você
não tá com
ciúmes
porque é
que
tá
chorando?
Abro o pacote? '
A
MENININHA: Não quero nem saber. Vou cuidar da minha boneca
senão ela vai ficar pretinha
como meu p rimo quando
perdeu
um
braço.
o MENININHO: Olha
um
caminhão .
Um
caminhão
-pipa
. Olha
de controle remoto
A
MENININHA: Não
tô
nem
aí. Que bobeira.
brinquedo de
menino.
o MENININHO : Escuta. Não fica chateada. Olha. Ponho o caminhão
aqui, pertinho d e m im . E te dou isso. o controle remoto. Você
aperta nesse botão e o caminhãovem até você.
Tudo bem?
Você nã o
tá
mais chateada?
Você brinca
comigo?
A MENININHA:
Tudo bem,
vai .. .
me
dá.
(O men_ino
está
a
vários
metros
de distância
da
menina.
Ela
aperta
um botão do controle remoto. O caminhão explode. O menininho
faz um
voo
e cai
no chão, inerte.)
A MENI;,INHA: ? qu e é que você fez? Não é um brinquedo legal, né?
O
qu e
e esse
brinquedo?
Você não
morreu,
né?
(Ela
se aproxima do menininho.)
Michel Azama, Croisades (Paris: Théâtrales, 1989). [Tradução livre para o
por
tuguês.]
211
s
lowns
BUSCAR O PRÓPRIO CLOWN
A
escola
t ermina com riso com os downs e as variedades
cômicas:
os burlescos, os absurdos, os
excêntricos.
Ao
longo
do
tempo,
esse território revelou
-se
pouco a pouco e assumiu
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
http://slidepdf.com/reader/full/lecoq-jacques-o-corpo-poetico-uma-pedagogia-da-criacao-teatral-56e1693481b66 108/121
solidão do clown
uma
importância tã o
grande quanto a da
máscara neutra.
Os
dois emolduram a pedagogia da Escola. No começo, esse tra
balho só
durava dois ou
três dias.
Agora,
estende-se
po r várias
semanas, tamanho foi o interesse dos alunos, o que me levou
progressivamente
a aprofundar-m e
nesse
campo.
Os downs
apa re ce ram nos anos
1960
quando
eu me
perguntava sobre
as relações
entre
a commedia
dell arte
e
os
downs de c ir co . A
principal
descoberta se deu enl resposta a
um a pergunta
simples:
o
down
faz r ir mas como? Solicitei
um
di a
aos
alunos
par a que se
pusessem
em círculo -
lem
brança da pista
- e
no s
fizessem
rir.
Um após
o
outro,
eles
tentaram
umas palhaçadas, umas
cambalhotas,
un s jogos de
palavras fantasiosos, tudo em vão O resultado foi catastrófi
co.
Sentíamos
algo
preso
na garganta, uma
angústia no
peito,
tudo
se tornava
trágico. Quando
se
deram conta desse fracas
so pararam
com
a imp rovisação e
foram
sentar-se
desapon
tados, confusos perturba dos .
Foi
então,
vendo-se
naquele
estado
de
fraqueza, qu e to d os se puseram a rir n ão
do
pe r
sonagem que pretendiam apresentar, mas da própr ia pessoa,
assim, despida.
Encontramos
O down não existe fora
do ator
que
o
interpreta.
Somos todos downs.
Achamos que
somos
belos, in teligentes e fortes,
mas temos
nossas fraquezas,
nosso
derrisório, que,
quando
se
expressa,
faz rir. Ao longo das pr i-
3
meiras expe
riências, co
ns
tatei
que
a
lguns
a
lunos
, cujas
pernas
eram
tão finas que n em ousavam mostrá -las,
encontravam
no
clown uma possibilidade de
exibi
r sua magreza e de jo
gar com isso, para
grande prazer
dos espectadores.
Podiam,
enfim
, existir tal como
e ram, com
inteira liberdade, e f azer
rir. Essa
descoberta, da transformação
de
uma fraqueza
pes
Você entra consciente desua força você é
bonito
inteligente
você
chega
como
vencedor
Você
fazalguma coisa quepra
você é
muitoim-
portante para nos mostrar s
força
e essa superioridade mas não
consegue
Monsieur
loyal o árbitrodo jogo
pergunta
então do que
trata
Você
tá seguro de
fazer
iss Você trabalhou isso durante
muitotempo?
está
fazl ndo st número
pela
primeira vez? z
_ . ~ 1
I
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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s
oal
em força teatral, foi
de
tanta importância para a defini
ção
de
uma
abordagem personal izada dos c1owns, p ar a uma
pesquisa de seu próprio clown , que se tornou
um
princípio
fundamen tal.
Para mim, a re ferência ao circo , inevitável assim
qu e
se
evoca o c1own, está muito distante . Na minha infância tinha
visto, no circo
Medrano, em
Montmartre, os Fratellini, Grock,
e o tr io
Carioli,
Portos e Carletos, mas na Escola não bus
cávamos esse t ip o de clown. Salvo a dimensão cômica, não
tínhamos
nenhuma
referência
de
estilo
ou de forma,
e mesmo
os
alunos não conheciam
esses clowns.
Abordavam
a pesquisa
de
maneira
mais
livre.
Fo i Pierre Byland
,
alu
no
da Escola
an
tes
de ser
professor,
quenos t rouxe
o famoso n r z v rm lho a
menor máscara do mundo,
que
ia permitir
tirar
do
indivíduo
sua ingenuidade
e
sua
fragilidade.
A pesquisa do clown próprio d e cada um é, primeira
mente, a pesquisa de seu próp rio r
idíc
ulo . Diferen
teme
nte da
commedia dell arte, o ator não tem de entrar num persona
gem
preestabelecido
(Arlequim, Pantalone
. .. ). Deve desco
brir nele mesmo a parte c lown que o habita. Quanto menos
se
defender
e
tentar representar
um
personagem, mais
o
ator
se deixará
surpreender po r
suas
próprias
fraquezas,
mais
seu
clown aparecerá com força.
214
.1
I
j
como amador?
Em
resposta
a essas
pergunt
as, o at
or
deve j
ogar
o
jogo
da
verdade : quan to mais for ele mesm o, pego em flagrante delito
de fr aqueza, mais engraçado ele será . De modo algum deve
representar um papel ,
mas
deixar surgir, de m ane ira muito
psicológica, a
in ocên
cia
que está
dentro
de
le e qu e se
mani
festa p or oc
asiã
o do fiasco, do fracasso de sua ap resen tação.
Nã
o se podem
enumer
ar os
tem
as dos clo
wn
s: a vida
in
teira
é
um desses
tem
as .. . pa ra o s clowns Qu ando o ato r
en -
tr a
em
cena com
seu nariz
vermelho ,
seu rosto apresenta um
estado de disponibi lidade sem defesa. Ele acredita que possa
ser recebido com
toda
a
simpatia
do público (do mundo), e é
surpreendido
pelo
silêncio
que
o acolhe, pois se considerava
um a
pessoa
importante.
Sua reação humilde desencadeia no
público pequenos
r isos . O clown , ultrassensível aos
outros,
reage a tu do o
que l he
chega, e viaja, então,
entre
um
sorriso
simpático e um a expressão triste .
Nesse
primeiro contato, é
importante para o
pedagogo observar
se o ator não precede
às intenções, se ele
está
sempre em estado de reação e de su r
presa s em que seu jogo seja conduzido
(cos
tu
mamos
dizer
t el
efonado ), reagindo antes que tenha nascid
o um
motivo
para fazê -lo.
215
o
clown é aquele
qu e
faz fi
asc
o , que
fracassa
em seu nú
mero
e, a partir
daí
,
põ e
o espectador
em estado de superio
ridade.
Por
esse insucesso, ele desvela
sua natureza
humana
profunda
que
nos
emocio
na e nos faz rir . Mas não
basta
fra-
.
cassar
com qualquer coisa, ainda
é
preciso
fracassar
naquilo
que
se sabe fazer, isto é, um a proeza Peço a
cada a luno que
faça
alguma
coisa
que
somente ele, na sala, saiba fazer: um
lguém
entraemcena e
descobre
o
público
Esse
tema
faz o ato r en tr ar d iretament e na dimensão do
clown. A grande dificuldade consiste em
encontrar
de car a a
d imensão justa, em interpretar verdadeirame
nt
e su a pessoa,
ser
um
clown - e não faze r um
clo
wn . Se ele ent ra no es
petáculo de seu próprio ridículo, o
ator
está perdido. Não se
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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grande écart vira r os dedos
pa
ra t
rás,
assobiar de um mod o
diferente. Pouco
importa
o
virtu
osism
o do
gest
o, a
proeza
só
existe quando o
aluno
é o ún ico a poder realizá-la. O
trabalho
do clown consiste, então, em re
laci
on ar talento e fiasco .
Peça
a
um
cl
ow n que dê
um salto m o
rtal
, ele não co
nsegue
.
Dê-lhe
um
chute
no traseiro , e aí ele o faz sem se dar conta Nos
do
is
casos, ele nos faz rir. Se ele
não conseguir nunca, caímos no
trágico.
Como sempre, o procedimento pedagógico ao abordar o
cl
own
é progressivo. Começamos por uma seção
de
mau gos
to, a
mais
desenfreada possível (aquilo a
qu e
chamamos de a
grande besteirada
) .
Vocês vão sefantasiar como para umanoite de
festa
T
razemos uma
mala
co
m acessó rios figurinos diversos da umpõe uma barba um
bigode um
chapéu
e bri
nca
numa dimensãode libe
rdade
total
Essa
dissimulação de sua própria pessoa l ibera os
atores
de
suas
máscaras
sociais. Eles
têm
a
liberdade
de fazer
o q ue
quiserem , e tal liberdade faz surgir comportamentos pessoais
insuspeitados. Progressivamente, retiramos
o
figurino
para
chegar ao clown, com a aparição do
n r z
vermelho que abor
damos
no tema
da
descoberta do público.
216
i
I
i
I
I
J
I
representa um clown ,
é
prec
iso
se r, com o quando
no ssa
na
tureza profunda vem à
luz,
nos pr ime iros
medos
da infância.
D iferentemen te de outros
pers
onagens do
teatro
, o
clo
wn
tem um contato direto e
imedia
to com o público, só pode vi
ve r
com e sob o olha r dos
ou
tros. Não se representa um clown
di n t e de um
público
, joga-se com ele. Um clown
que
entra
em cena ent ra em contato com tod as as pessoas qu e consti
t uem o público, e seu
jog
o é
influenciado
pelas reações desse
público. O exercício é importante
pa r
a o
ator
em formação,
que
sente
aí um a relação
muito
forte e viva com o
público
.
Se o
clown
não
ligasse
para
as
reações
do
público,
ele
mer
gulharia
no
seu
fiasco e terminaria em caso clínico.
Um
dia
pedi
a Raymond
Devos que
viesse
da r
uma aula
de
clown. Ele
improvisou
de
modo magistral, a partir
de
um
pé
de
cadeira
sobre
seu pé. A
mínima
reação, um gesto, um riso, um a pa la
vra, vinda
do
público era para ele a
ocasião
de
um
início de
jogo.
Lembrança impressionante de
um
grande
clown
Pa ralelamente, buscamos no corpo
certas
maneiras es
condidas. Observando o
caminhar
natural de cada um , iden
tificamos
os
element
os
característicos
(um
braço que balança
mais d o que outr o,
um
p é que v ira p ar a dentro, uma barriga
ligeiramentepara a frente, uma cabeça
quepende de
lado) que,
217
prog
ressi
vament
e, exageramos para chegar a
uma
transposição
pessoal.
Com
os alunos,
busco
suas
próprias
maneiras de elo
wn com o Groucho
Marx
, Carlitos ou Iacques Tat i tinham as
suas , tão ca rac terísticas. Par a um
clown
nunca se trata de com-
por
externament
e, ma s sempre a partir de algo pessoal.
Ao me smo tempo, um tr aba
lho
técnico é conduzido
com
gusto toma a posição eooutroseaproveita
para
dar lhe um chute no
traseiro. OClown br
anco
começa a rir. li Ugustil tenta segurar a onda.
rindo também..•paralivrara cara
PassaosegundoAugusto.OprimeroAugustoquer apica r lheamesma
brinca
deira e
pede lhe
que tomea pos
çã
o.Osegundo
conhec
e bema
históriae nãosedeixalevar f ingequenãoentende
Pa
rae
xplica
r l
he
oprmerofazuma demonstração. t
oma
aposção... e leva um
se
gundo
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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relação aos gestos
pr
oibidos,
aque
les
que
o
ator
nunca pôde
. . 1
And
t
F
xpressar
na
sua V da
S
O a
. e c
orretamen
e.
lque
re
to
Pare de mexer n o cabelo Tantas inj
unções
que fazem
com que alguns gestos fiqu
em
no fundo do corpo da criança
sem
nunca
poderem ser expressos . Esse
trabal
ho
bem
psico
lógico
dá
ao ator
uma maio r l iberdade de jogo
. É
útil
que os
alun
os tenham essa experiência de liberdade , q
ue
se en
con
trem s
em
de fesas
naq
ui
lo
a
que
chamo o
pr m
iro clown
As referências ao circo
rea
pa re
cem
quando se abordam os
fenômenos
do
trio
.
Os clowns
de
cir
co
são
muitas
vezes um
trio: o
Clown
branco o Augusto e o se
gu
ndo Augus
to . Qual
quer
sit
uação envolvendo
downs
impõe um a
hie ra r
quia entr e
eles. Isto é evidente no célebre tr io dos Irmãos Marx, e tam
bém em to das as duplas :
Arlequim
e Brig
hella
o Go rdo e o
Magro
. . . Um é semp re apo io do outro. No teat ro , a d upla me
pa rece p referível, assim como num procedi
ment
o
pe d
ag
óg
i
co , para p erm it ir a cada clow n situar -se em rela
ção
a ou tro .
Es sa pesq
ui
sa sob re a hi e
ra
rquia é feita p ri ncipalmente com o
tem a da brinc deir e do duplo fi sco
o
Cown branco
faz
umabrincadeira com o primeiro A
ugusto
.
le
lhe
pede
paraabaxar.
pernas
flexonadas
para apan
har um
objeto
. OAu
218
chute. Dupofi
asc
o
Iniciando esse
trabal
ho,
ach
ava que os clo
wns seriam
algo
temporár io ,
um
a etapa da pesquisa liga da a determ in ad a
época num a pedagogia em evo lução. Hoje em
dia
, cons
ta t
o
qu e os
alu
nos querem esse trabalho, que sempre o conside
ram
como um dos
tempos
fo rtes da viagem pedagógica da Es
cola.
Sem
dú
vida os
downs
toc am
um a
d imensão
psico
l
óg ica
e teatral
muito
profunda.
Adq
uiri
ram
a
mesma
i
mportância
que a
másca
ra neutra mas numa d ireção oposta . Quanto
ma is a máscara neutra se revela um elemento coletivo, um
de
nominador comum
qu e
pode
ser
compartilhad
o
po r
todos
mais o
clown
ressal
ta
o ind
ivíduo
em
sua singularid
ade . Ele
desmistifica a pretensão de cad a um de ser superior ao outro.
Parado
xalmente
to camos o limite con trário da
abordagem
pe d
agógica levada
ao
longo do aprendizado. Durante
mes
es,
ped i aos alunos que observassem o mundo e que o deixassem
refleti r-se neles.
Com
o clown , eu lhes p
eço
p
ar
a que sejam
eles
mes
mos , o ma is profundamen te possível, e
que
observem
o efei to que produzem no m undo, a saber ,
no
público.
Fazem
entã
o, d
iante do
pú
blico, a experiência
da
liberdade e
da a u
ten
ticidade.
219
o clo
wn
não precisa de conflitos; ele está permanente
mente em conflito, especialmente consigo me smo . Esse fenô
meno
requer
uma enorme
atençã
o
do pedagogo
pois se
trata
de um a passagem psicológica difícil para os atores , e qualquer
interpret
ação
pseudopsicanalítica
deve
ser evitada
. preciso
cuidar
pa
ra qu e os alunos não ent rem no j ogo de seu
pró
p
ri o
clown pois é o terr itó r io dramático que
mais
aproxima
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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o ator de sua própria pessoa . Na verdade o clown
nunca
deve
ser
doloros
o
pa
ra o ator. O público
nã
o
caçoa
diretamente
dele; sente -se superior e ri, o que é completamente diferente.
Além do
mais
, o a
to r es t
á
com
um a espécie de m
áscara
,
em
parte protegido pelo nariz vermelho.Nã o é à toa que , quando
esse t rabalho chega ao fim
de
pois de
dois
a
nos
na Escola, os
alu
nos
já
estã
o
habitua
dos a co
mprometer
-se
com
o
jogo
, a
conhecer-se e a se mostrar. Não é sempre assim nos
numero-
sos estágios de
clown
propostos aqui e acolá, que só oferecem
um a abordagem
superfic
ial, e redutora de
um trabalho
que
necessita de
todas
as fases
an
te r
iores.
De propósito
disponho esse
trabalho
no
fim do
per
cur-
so, pois o clown exige uma
forte
exp eriência pessoal do ator.
Na trad ição do
circo, os
clowns em
geral,
são
f
eitos pel
os ve
lhos arti
sta
s. Os jovens ainda estão nas proezas corda bamba ,
trapézio,
etc
.), e,
como
os
velho
s
não são ma
is capazes disso,
tornam -se clowns, expressão de uma maturidade. De uma sa
be
doria
Em ut
urso
os alunos preparam um
nú
m ero que , claro,
vão
con
se
guir
realizar, pois já o
ap r
esentaram com grande
su
cesso
num
país distante .. . evidentem ent e resu ltará num fias
co .
Procuram
par a isso,o
figurino
mais conven ien te ,a partir
220
Varied
es cômicas na ex Central de Boxe
de
roupas
muito gran des ou muito
pequenas
,
que,
po r si sós ,
já const it uem um fracass o: o
chapéu
não
cabe
n a c
abe
ça, os
sapatos são gran des demai s, a calça muito c
ur t
a . ..
Dep
ois
disso, eles experimen tam o fiasco':
que
pode
apresentar
-se
d e dua s
m aneiras. Existe o fiasco da
pretensão
: quando o
clown só faz um número ru im qu e ele acha genial: anuncia-se
a pe rfo rm an ce do século e ele dá
uma
simples cambalhota ou
tenderem. Nesse
trabalho
final, aparecem todas as fantasias,
os imaginários, as personalidades
próprias
de cada um. Essas
criações partem para
várias direções
: o clown com
ou
sem
nariz vermelho, o burlesco, o absurdo, os excêntricos. Ad e
mais,
a dimensão internacional da Escola ressalta as diferentes
mot ivações do riso , de um país a outro. Aquilo que faz rir os
ingleses nã o vale necessariamente para um italiano ou para
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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faz um malabari
sm
o fácil, c
om
três bolinhas. O
outro
fiasco
é o do
a
cidente ,
quand
o o clo
wn nã
o
consegu
e f
azer
aquil
o
qu
e deseja: um a queda em desequilíbrio de um banquinho ,
um tombo por cont a de um s
al t
o
sim
ples .. .
Num a outr a etapa do trab
alh
o, col
ocamos
os
clowns
em
si tuações da vid a c
ot
idiana. Pesquisamos famílias de clowns ,
o pa i, a m ãe, os f il hos Os clowns se mudam . . . Eles
passam
suas férias num clube
procuram
emprego.. . Trabalhamos al-
gu ns t
em
as no limite da realidade e da ficção. Por exemplo:
Os clownsensaiam uma peçade teatro. Não é para representar
a peça
à
mo
da
dos
cl
owns, ma s
são clowns
que tentam
en
sai
ar
um a pe ça e nã o conseguem. Aparecem
tantas
coisas
que
a pe ça, evidentemente,
nunca
se rá ensaiada; serão apenas de
sastres
e
proezas
inesperadas. Em
todas
essas
situações, cada
clown apa rece com força,
em seu
ridículo e, às vezes, em
sua
dimensão
trágica.
BURLESCOS, OS ABSURDOS,
AS
VARIEDADES CÔMICAS
Enfim, proponho aos
alun
os qu e realizem
um espetáculo
, a
part
ir de
todas
essas
experiências
e
que
criem, de verdade,
um a sequência
de clown, escrita
e ensaiada
c omo b em en
-
222
um japonês, ma s é importante qu e os clowns, de onde que r
que
venham,
façam
o
mundo
intei ro r ir
.
Alguns elementos
do riso são analisados de maneira técnica. A imagem dupla é
um exemplo
disto:
M . Hulot conserta
seu
ca
rr
o ; ele e st á
en
ch en d o a câm a
ra
de ar de
um
pneu , que escapa, ro lando
po r
um a es
trada ou
tonal. Folhas colam no
pneu, que
va i terminar
sua co
rrid
a n um cemit ério.
Hulot
acaba, então,
num
enterro,
com um a coroa de fl
or e
s na mão.. . pura associação de jdeias
e im agem dupla, técnica mui to utilizada po r Charles Chaplin:
Ca rli tos, pe
rseg
u i
do ,
põe um
abajur
na cab eça e finge
se r
o
supo rte da l
âm
pada.
As variedades côm icas são prolongamentos do
trabalho
do
clo
wn
, m arcados po r car
ac t
er í
stic
as particula
res
. O burlesco
repousa n a
gag
fenôm en o
ma i
s d ifícil de realizar n o teatro
do
qu e no cinema,
po
is sempr e inverte os dados da realidade, no s
aproximan do do desenho an im ad o: um l
en
hador corta um a
árvore
que,
em vez
de
cai r . . . voa
Três alpinistas esgotados descobrem três cadeiras aproxi
mam s
e delas com a maior dificu ldade e no
mome
nto em que
vão alcançá-las
põem
-nas nas costas e c
ontinu
am
a su
bid
a
Esse
tema, repres
entado recent emente
pe
los alunos , transgri
de a realidade e provoca o
ri s
o.
223
o surdo chama duas ló gicas que se confrontam.
Per
gun
to meu caminho a alguém ,
qu
e
me
indica um a
ru
a à direita. ..
vou pa ra a esqu erda Na verdade, vou buscar minha m ala , o
qu e jus tifica meu movimento mas o
outro
(assim com o o pú
blico não sab e. Como não compreende , a si
tu a
ção lhe parece
absurda. O
ex
cênt
rico
faz as coisas diferentemente dos ou tros.
Põe o cen t ro das coisas em
outro
lu
gar
. Ele vai pent ear os ca
ser eles mesmos descobrirem-se. A máscara neutra e o clown
emolduram a aventura
pedagógica da
Escola, uma no
come
ço,
outra no
f im. Os atores
não
vão gua rdar essas m áscaras e
vão avent
ur ar -se em suas próprias criações; mas conservam
a marca e o espírito . E ter ão tido, assim a experiência funda
mental da criação: a solidão
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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belos . .. com um ancinho. Um out ro ,excêntrico virtuose, to
cará
piano
.. .
com
os pés.
Esse te rr i tór iop õe em
pr
ática a acrobacia, o m alab
ar
ismo,
a música, o canto. Trabalham os os movimen
tos
ligados ao
clown: chutes, brincadeiras com um chapéu no chão ; b r inca
mos
com
as palavras tom ando- as ao pé da le tra: se a noite
cai r , o clown vai p rocu ra r on de ela ca iu Muitos alunos to
cam um ins
tr
umento e c
ad
a ano c
on
stituímos um a orquestra
no esp
ír
ito do cabaré ou do
teatro
de rev is ta. Gostaria
que
os alunos se exer citassem no cabaré cômico na p rodução de
nú
m
ero
s
bem
cu
rt o
s,
com
no
máximo dez minutos.
Infeliz
mente,
nã
o existem m ais lugares em que jovens atores possam
apresentar suas criações, como era o caso, no pós -guerra , em
vários
cabarés par isienses.
Pede-se
-lhes imediatamente que
realiz
em
os
one
m n
shows
de
um a
hora, o
que
é extrema
mente
di fícil, quando estes deveriam resultar de numerosas
pesquisas das for
mas
breves.
Todos
os a
lun
os passam pela
experiência
do clown mas
poucos con tinuarão nesse registro . Alguns t êm natureza cô
mica: basta que entrem em cena
para
que o público morra
de ri r. Nosso trabalh o pedagóg
ico
consiste
em permi ti r-lhes
224
225
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t ut
uras de
p ix ões
humanas
c
l or tório
de stu o
movimento lEM
Desde
1976 juntou -se à Escola um departamento de ceno
grafia
experimental criado
em colaboração com o
arquiteto
Krikor
Belekian.
Os estudos dur am um ano e são abertos aos
alunos
da
Escola interessados
nessa
linguagem e a outros vi n -
dos de fora: arquitetos cenógrafos artistas plásticos O LEM
propõe duas atividades que
correspondem
e interagem com a
pedagogia
geral da
Escola: um a atividade
de
movimento que
põe em jogo o corpo mímico e um a atividade de criação para
realização de
construções
cenográficas
Todo espaço habitável t raz «propostas
dramáticas
e in -
fluencia o comportamento dos que ali vivem ou dos
persona
-
gens que aí atuam. Nossas atitudes nosso andar a velocidade
de nossos passos modificam-se quando mudamos de espaço.
Não and amos d o mesmo modo em um a igreja gótica ou em
um a
igreja
romana
Antes
de
construir
um local habitável
227
para as representações
da
vida ou para as do teat ro , o impor
tante
é
reconhe
c
er pr eviamente
o
que deverá
aí
viver
.
Eu me
lembro
de um
de m eu s a lunos de
arquitetura qu
e
me
fez visi
tar
na montanha o
chalé
qu e
ele
ainda não havi a construído.
Ele
me
fez
viver
os es
paços como
se es
tivéssemos dentro
deles:
ele
recebia
a
luz
v in da d e
um a
janela, d epois p assava
pelas
portas , subia ao sótão,
abaixava -se para
nã o ba t
er
a cabeça
no
teto ... Depois de alguns anos pude
ver
o chalé pronto mas eu
A
realização
de projetos conclui o ano do
LEM.
Trata
-se de
colocar
em espaço
cenográfico
um tema proposto
seja
em
relação
direta
com
a vida uma lembrança
um a paisagem
.. .),
seja
a partir de uma obra musical
plástica
poética ou literária
Stravinski
Mi r ó, Saint
-Iohn Perse
, Dom Quixote
A
divina
comédia Fausto ... .
Sobre esses temas, os alunos constroem
estruturas
portáteis pequenos
teatros sem
atores
ou qualquer
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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já o conhe
cia
P
ropomos um
a sensibilização prévia do co
rp
o
aos
espa
ços
a qu e ele pert
en
ce: prime
iro
em estado de neutralidade;
d
epois em
e
xpressã
o d ra
mátic
a. Pra
ticamo
s um a
reinterpre-
tação
d
os
espaç
os cons
t ruíd
os
, par a daí r
eco
l
he
r
im
press
ões
co rp o r ais e, depois,
m imagens
par a daí extrair a d inâmi
ca
mimagem
de
observ
ação
pa
ra o
conheciment
o do
re a
l,
mimagem
p ré -cr i
ativ
a, ten
do
em vista
rea
lizações
fu t
u
ra s
).
Trat a-se de desen
vo l
ver, ainda , o olhar
do
co rp o sob re a ob
servação
do real.
Ne
sse
esp
aço
de
t ra
ba
lho,
estudamos
s
ucess
i
vamente
o
c
am
in h
ar hu man
o, pa ra c
ompreender
as leis do m o
vimen
to
e os espaços do corpo; em segu
ida
as p
aixões hum
anas do
ci
úm
e ao
orgu
l
ho tendo como
referê
ncia
o
estad
o de
calm
a;
po r fim , as cores e suas d inâmicas , sua
extensão
,
su
a força ...
até
se u combate. Cada
um
a
dessas
e
xplorações termina po r
um trabalho em que pedi
mo s
ao s participantes que constru
am
- n o
ate
liê,
po r
meio de objetos
experimentais
estruturas
e formas
realizadas com materiais simples
:
varas de made
ir a,
papelões
fitas,
terra
... ) - as di
nâmicas assim reconhecidas
Es
ses
ob je t
os
desenvolvem-se em
figu
rinos máscaras maquetes.
228
outra invenção pessoal
qu e eles ponham em
mov imento
sem
nenhuma
preocupação
com
a
ilustração mas sim
com
a
pes
quisa
das
dinâmicas internas que possam mostrar
no espaço.
Tomar como tema
Hamlet
de Shakespeare nã o consiste
evidentemente em
aprender
a
fazer
o
cenário
do
primeiro
ato
da peça
mas
em
fazer
com
qu e o futuro
cenógrafo descubra
que
deve construir espaços na expectativa
do drama a
se r
re
presentado.
Quando for escrever no espaço
a
cenografia de
Hamlet
ele
será
o
responsável pela densidade do
drama.
Terá
com
pr
e end i do e sentido que
não
se representa diante de
um
cenário ,
mas dentro de
um
espaço construído
p
ara
a
ação
do
ato r
na si tuação.
Qualquer t ema dramático
necessita
de
um
lugar adapta
do a seu bom
desenvolviment o
. O corpo
mímico explora
os
tem as de um dr ama n
um
espaço
nu para daí extrair
os
mo
viment
os in te rn os. Ser á possível , a
partir
de en t
ão
construir
me lh or o local de sua m anifestação.
Ass im o L
EM
desenvolve
um
olhar sobre
os
e
sp
aços em
m ov
ime
n
to
lig
ad
os ao jogo do ator . Ele
aprend
e a co
ns tr
u ir o
in
vis
ível,
da r
c
or
po e
mov
im
en to ao
que aparente
mente não
229
os tem. O percurso
do
LEIvI permanece sendo
um a
experiên
cia prát ica, que nenhuma transmissão
escrita
saberia substi
tuir. Ele
coloca
o aluno diante de si mesmo .
O ensino que
é
dado
apoia
-se em algumas
bases referen
ciais: o
equilíbrio,
o
estado
de
calma,
o
ponto
fixo a economia
das ações
físicas . Não se deve
ver nesses
termos
nada
d e a b
soluto,
mas guardar
-lhes um a certa
flexibilidade
que
dê lu
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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gar
ao
humor
de
fundo
A calma é
mantida po r
duas forças
contrárias, que
lutam
. O
equilíbrio
é
visto
em movimento
. O
ponto
fixo
move-se
em
torno de
si
mesmo, sem
se
perder.
A
economia
das
ações
físicas
renova
-se
no corpo de cada um.
Não há
movimento
sem pon to
fixo. Se
não
o encontra
mos,
é preciso
inventá-lo
230
V
bertur s
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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233
A pedagogia implementada
na Escola
ao lon go desses qu a-
r en ta anos conheceu,
n o mundo
inteiro, pr
olongamentos
extremamente
diversificados
.
Tanto em
termos
de escrita
dr a -
mática
no
sentido
amplo ab
rangendo ta n
to
au
t
ores
como
criadores de espetáculo sem
texto ,
quanto no que
diz respei
to
à
interpretação,
à
encenação
ou à
cenografia antigos alu
nos realizaram espetáculos
de
seus
tempos. Não citarei
a
qu
i
nenhum nome em
particular
seria preciso
cita r
todos,
céle-
bres ou
desconhecidos e
deixo
a cada
um
o t rabalho de fa-
zer referência
se assim o desejar, ao aprendizado qu e recebeu .
No
fim
do
segundo ano, a lguns grupos constituíram-se
para formar companhias,
preferindo
dar continuidade a um a
criação coletiva
esboçada na Escola
em
vez de integrar
tea
-
tros
já
existentes.
Essa postura me pareceu particularmente
significativa
do
jovem teatro
de
criação qu e
desejo
qu e exista.
Ao longo dos
anos, destacaria mais
particularmente o traba
lhodos Mummenschantz, que levaram muito além a pesquisa
sobre
as
máscaras
e as
formas.
O
Footsbarn
Travelling
Thea
tre
com sede na
Cornuália
antes
de
emigrar
para a
Auvergne
tentou reencontrar a autenticidade
dos grandes
textos. O Mo-
f
I
I
v
in
g
Pi
ctu re
Mim
e Show fez o público conhecer os quadros
m
ím
icos. O Th
éâ t
re de la I
acquer
ie a
ven
t
ur
ou -se
pe
lo grotes
co
soci
al. O Nada
Théâ
tre
desen
volv
eu sua
criação
po é
tica a
partir dos obj etos. O Th éâtre de la
Compl
icité
enceno u um a
nov a linguagem, p ar a um tea t ro dos dias de hoje. Sem esque
cer
o Théâtre de la [eune Lune, em Minneapol is, e tan tos ou
tros que seguiram um caminho semelhante .
Tudo o
qu e
está descrito ,
com
um a defi
niç
ão
peda
gógica
p recisa, começando pelos grandes
territórios
dramáticos ta is
qu ais os tr
ato,
evoca as mescl s É só ultrapassando as frontei
ras, pa ssando de um terr it ó ri o a outro, superpondo -os, que
a verdadeira criação pode nascer e que novos territórios des
pontam. Teat ros puros são pe
rig
osos. O qu e seria um puro
mel
odrama, ou
uma tragédia pura ?
A pu reza é a
morte
O
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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Po r si só, o ens ino da Escola export
ou -
se a
num
eros
os
pa
íses. Fo ram criad as escolas em B
olonha
, Bruxelas, Milão ,
Londres, Madri, Barcelon a . . . Do conservatór io de Québec à
academia de Glasgow, passando pelo Japão,
Chile,
Austrália . . .
mu i
t
os
dos
antigo
s
aluno
s
ensinam
,
po r su
a vez,
segund
o
sua
pró p ri a sensibilidade. Pa ra além dos mé todo s , o que nos
une é o aspecto pioneiro da pedagogia que,
em conta to
com
jovens estudantes, prefigura
teatr
os que virão. Uma
escola
de
tea t ro nã o p od e ficar na esteira dos teatros já consagrados .
É
precis
o,
ao contrário,
ser,
em
parte, visionária
e,
po r
me i
o
da
invenção
de
novas linguagens,
ajuda
r na
renovação do
pró
prio teatro. Foi o
que
fizemos,
redescobrindo
as máscaras, o
coro
, os clowns, os bufões. .. que
enriqueceram numerosas
criações
teatrais.
Como
a Escola privilegia a interp retação criativa, o
jog
o,
m
ais
do
que
a
inte
rp retação convencional,
como
ela
suscita
autores mais do
que se
apoia
em textos já existentes, posso, às
vezes,
pressentir
o teatro que est á
po
r vir. Preciso, para
ta n
to
, continuar exigente
em
relação às
permanências
e
atento
às
evoluções propostas pelos jovens alunos. Estar sempre
em
mo vimento
4
caos é ind ispensável à criação,
mas um
cao s .. . organizado ,
q
ue
p e rmit a a
cada um enco
n
trar
sua
s
próprias
raízes e s
eus
p róp ri os im
pulsos.
Ass
im
como se
abriu
para o teatro, a
mímica abriu
-se
mais
la rgament
e
para
o
mov
imento e, especialmente,
para
a
dança.
Al
guns co reógraf
os
voltaram
a
buscar no tea tro
dos gestos o
qu e a d
ança
havia perdido,
renovando
assim,
em parte,gr
aças
a esse en con tro, a dan ça contempor ân ea.Reconheço, hoje em
dia , e ss e espíri to de
pe
s
quisa nu
m trabalho com o o
d a Com
pan
hia Bouvie
r/
Oba
dia
, dois ex-alunos.
Gostari a de in dicar, enfim, como a pedagogia
m
mo nâ
-
m ic p
oderi
a ser útil em mu itos dom íni os da ap rendizagem
al
ém
do teatro, seja
em
di f
eren
te s artes
ou
em
ou t
ra s disci
plina
s do c
onhe ciment
o. Aquilo q
ue
realizei na form ação
de
a
rqui
t
et
os, n ão pa
ra
que se tor nassem atores, mas para que
construíssem
m e
lhor
,
respeitando
os m
oviment
os do
co r
po
hum an o no esp aço , po de ser vi
slum
b r
ad
o do mesmo
mo
do
po r outras ar tes: a música, as artes pl
ást
i cas - esboçam os o
trabalho neste sentido - e também a literatu ra, a dança, etc.
Es sa p
ostu
ra pedag ógic
a
po
de
ser
ada
pt
ad a a q
ua
lq
ue
r
edu
cação
ar t
ística: c
ompromet
er o corpo
mím
ico p
ara
o reconhe
cimen
to do real pe r
mite
a ca
da
um incorpor r o
mundo que
5
o circunda antes de pintá-lo de escrevê
-lo,
de
cantá-lo,
de
dançá-lo
.. .
As formas propostas seriam então, sem dúvida,
mais
sentidas
e
menos cerebrais.
Atualmente, um a dificuldade nos persegue. Sofremos
um
período
de teat ro
cheio
de
truques , muito externo
e
esteti
zante, com numerosos efeitos de moda.
Alguns
espetáculos
querem, a todo custo, criar um
evento, surpreender
o público.
r
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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Os
jovens
alunos
rejeitam, com razão, ta l t ipo de
teatro.
Eles
se or ien tam para
formas
mu ito mais simples, porém mais
fortes,
enraizadas
nas coisas
da
vida,
que
cada
um pode com
preender.
Buscam
a
verdade
na ilusão, e n ão n a mentira
Aliás
po r
qu e eles
vêm
à Escola? Por que, às vezes jovens
artistas atravessam o mundo para vi r fazer
nossos
cursos?
Não podem encon tr ar em
seus
países
algo
que
os satisfaça?
Para essas perguntas, que sempre me faço a resposta é sim
ples: eles buscam um a verdade, um a autenticidade, um a base
qu e
dure par a a lém dos
modismos.
Para tal aspiração
preciso
responder com a maior honestidade, sem nenhuma demago
gia. Eles
precisam
encontrar,
diante deles,
um a
palavra
forte,
um a referência .
236
Tudo semove.
Tudo evolui progride.
Tudo ricocheteia e reverbera.
De um ponto a outro nada de linha reta.
De um porto a um porto uma viagem.
Tudo se move também eu
A alegria e a tristeza e também o embate.
Um
ponto
indeciso desfocado confuso se desenha
Ponto
de convergências
Tentação de
um ponto
fixo
Numa calma de todas as paixões
Ponto de apoio e ponto de chegada
Naquilo que não tem
nem
começo nem fim.
Nomeá-lo
Torná-lo vivo
Da r
-lhe autoridade
Para
compreender
melhor aquilo que se move
Para compreender melhor o Movimento.
J.L.
Belle-Ile -en -Mer agosto de
1997
.
7/21/2019 LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral
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C RÉ DITOS FOTOG
RÁ F
ICOS
M ichele
Laurent:
p 26 70
Alain
Ch a
mbaretaud: p
56 95
145 192 22 1 226
Patrick Lecoq: p 36 97 9 9 169
Richard Lecoq
: p 150
R : p 79 2 12
Os desenhos
são
de
Iacques Leco
q
239