Mecanização de Baixo Impacto na Produção de Cana-de-Açúcar
O Programa de Produção de Biomassa do CTBE/CNPEM aborda gargalos científicos e tecnológicos da
produção de biomassa, com ênfase na cana-de-açúcar, em áreas menos contempladas por outras
instituições existentes no país. Nesse contexto se insere o programa de Mecanização de Baixo Impacto (MBI)
que aborda a consolidação do plantio direto através da conservação do solo pela redução do tráfego de
equipamentos e o desenvolvimento de novos processos mecanizados de plantio e colheita focados no
rendimento e a qualidade das operações que atingem mais significativamente as pernas econômica e
ambiental da sustentabilidade.
Ao longo das diversas crises de competitividade que o etanol tem atravessado desde seu início como
programa nacional na década de 70 a inovação tecnológica ligada aos aspectos econômicos e ambientais da
mecanização na produção da cana-de-açúcar tem recebido pouca atenção razão pela qual a evolução se
encontra aquém do potencial existente nos resultados da pesquisa e dos recursos da engenharia. O custo de
produção agrícola tem aumentado significativamente na década passada, a magnitude dos principais
componentes de custo pode ser observada na tabela 1. Vale resaltar a importância relativa dos custos de
colheita e transporte juntamente com o plantio e os tratos de soqueiras nos quais estão focados os projetos
principais da MBI.
Tabela 1: Componentes do Custo Agrícola no Centro Sul – Safra 2011/12
Componente de Custo US$/t (%)
Plantio 5,9 (17,3%)
Trato da cana planta 0,5
Soqueiras 5,4
Colheita e Transporte 11,8 (34,7%)
Terra 8,1
Administração 1,2
Depreciação 1,2
Capital 1,8
Total 34 Fonte: Adaptado de PECEGE-2012
O plantio direto é o alvo principal do programa considerando o promissor potencial de redução de
custos e ganho de produtividade já observado na agricultura de grãos ao longo de várias décadas. O plantio
direto está alicerçado em quatro pilares básicos: i) solo coberto com palha; ii) preparo localizado; iii) rotação
de culturas na renovação do canavial; iv) controle e redução do tráfego de máquinas nas áreas de produção.
Na última década a produção de cana-de-açúcar sofreu mudanças importantes, com destaque para a
conversão da colheita manual com queima prévia da palha para a colheita mecanizada sem queima e com
deposição da palha sobre o solo. A cobertura de palha modificou o manejo agrícola apresentando diversos
benefícios agronômicos, como ciclagem de nutrientes, acúmulo de carbono no solo e conservação de
umidade. Entretanto, no momento da reforma do canavial, são realizadas operações de preparo solo, o que
anula grande parte dos benefícios da manutenção da palha durante o ciclo da cultura. O preparo do solo
acelera a decomposição dos resíduos culturais e da matéria orgânica do solo, resultando em redução dos
estoques de carbono e aumento das emissões de CO2. O preparo do solo se faz necessário principalmente
para reduzir a compactação do solo provocada pelo tráfego de máquinas.
A largura de corte estreita de 1,5 m das colhedoras resulta em tráfego intenso sobre o solo que
degrada aproximadamente 60% da superfície do solo como consequência da passagem anual de no mínimo
16 rodas carregadas com 3 t. Esse tráfego se repete anualmente durante 5 anos totalizando um mínimo de
80 passadas antes que uma nova operação de preparo do solo seja efetuada durante a próxima reforma do
canavial. Um segundo fator prejudicial ao solo é a elevada massa de aproximadamente 80 t/ha de cana que
é transportada dentro da plantação utilizando 50 t de equipamentos que trafegam sobre o solo. A
fragilidade que caracteriza a estrutura do solo permite antecipar que essa condição de solo degradado
diminui ou pode anular as contribuições positivas geradas pela genética e outra áreas que tradicionalmente
tem procurado ganhos de produtividade.
Para reduzir ou preferencialmente eliminar as operações de preparo do solo torna-se necessário
diminuir o tráfego intenso de colhedoras, tratores e transbordos que veio associado ao rápido crescimento
da colheita mecânica. A Mecanização de Baixo Impacto esta associada ao controle e à redução do tráfego no
canavial. O controle de tráfego é realizado com auxílio de piloto automático georreferenciado e consiste na
criação de linhas permanentes de tráfego que diminuem drasticamente o pisoteio de soqueiras pelo tráfego
desordenado e consequentemente tende a aumentar a longevidade do canavial. Já a redução do tráfego é
alcançada pelo aumento da bitola das máquinas, o que resulta na redução da área de solo pisoteada e
aumenta a área destinada ao desenvolvimento das plantas. No caso da colheita mecânica é bastante
evidente que a estrutura de solo requerida pela planta difere muito daquela disponível nos canaviais.
O CTBE vem desenvolvendo um novo conceito de manejo do canavial, com o desenvolvimento da
Estrutura de Tráfego Controlado (ETC) ilustrada na Figura 1, a qual tem bitola de 9,0 m e deverá ser utilizada
para plantio, tratos culturais e colheita do canavial, visando reduzir em 80 % a superfície do solo pisoteada.
Figura 1: Estrutura de Tráfego Controlado e Reduzido (ETC) principal peça da
mecanização de baixo impacto.
Potencial de Inovação na Colheita
Os gargalos tecnológicos da mecanização da colheita da cana-de-açúcar têm recebido pouca atenção
dentro do elenco de tecnologias frequentemente discutidas e abordadas como alternativas para redução de
custos de produção e aumento de produtividade, talvez por ser essa uma área considerada de
responsabilidade dos fabricantes de equipamentos. Embora as colhedoras disponíveis comercialmente
sejam de boa qualidade, principalmente em termos de robustez, os processos que executam apresentam
deficiências claras que precisam de inovação tecnológica que reduzam custos e melhorem a qualidade da
operação.
O processo australiano de colheita de cana picada desenvolvido pela Toft Bros e Massey Ferguson
nas décadas de 1950-60 e propagado principalmente pelas empresas Dedini, Case, Cameco e John Deere não
atende adequadamente a indústria sucroalcooleira brasileira na conjuntura atual. O cenário mais
competitivo dos biocombutíveis com os combustíveis fósseis, a colheita sem queima prévia, os efeitos do
tráfego intenso da colheita sobre o solo são fatores que colocam novas restrições ao processo de colheita
diferente das existentes no período da gestação da colheita de cana picada onde o alvo principal era a
substituição da mão de obra. Ao longo de 60 anos o princípio básico de colheita não mudou. Observando
como essa tendência permanece ao longo do tempo e observando o potencial de redução de custos e
ganhos de produtividade que existem cabe propor uma reformulação ampla do processo de colheita com
intervenção mais direta dos produtores de cana nessa inovação tecnológica já que são eles os principais
prejudicados pela tecnologia atual.
Entre os principais gargalos da tecnologia de colheita australiana atualmente em uso podem-se
destacar os seis fatores relacionados na Tabela 1. Vale destacar que se trata de fatores que podem ser
melhorados significativamente e que não atingem diretamente o fabricante no atual cenário de
competitividade tecnológica estagnada.
Tabela 1: Potencial de ganhos com inovação tecnológica na colheita da cana-de-açúcar
Gargalos Tecnológicos Atual Potencial a curto prazo
1- Perdas de colheita (%) 5-10 3-5
2- Relação Investimento/capacidade de colheita (R$/t-ano) 5,5 3,3
3- Consumo de combustível e custo de colheita (l/t) 1 0,5
4- Terra na matéria prima (kg/t) 5-30 2-10
5- Solo pisoteado (%) 30-60 12
6- Largura de corte (m) 1,5 a 3 6 a 9
O programa de produção de biomassa do CTBE estuda essas operações do processo de colheita e os
gargalos existentes. Desse estudo resultou a necessidade de propor e desenvolver um processo de colheita
alternativo que capaz de oferecer maior flexibilidade de projeto para melhorar o desempenho das seis
operações. O processo em desenvolvimento utiliza três protótipos denominados de frente de correntes e
frente de esteiras, ilustrados na Figura 2, que se fundamentam no princípio de corte e captura do colmo pela
base para sua retirada da plantação.
(a) (b)
Figura 2: Protótipos para estudo e desenvolvimento do processo de colheita
a) Frente de correntes montada em trator para ensaios de pátio e campo
b) Frente de esteiras operando em laboratório de protótipos
Um dos objetivos do projeto colheita e viabilizar a colheita de linhas múltiplas considerando que isso
conduz a uma redução significativa do custo de colheita. A Figura 3 ilustra uma simulação comparativa do
custo de colheita para cinco configurações de colhedoras com largura de corte crescente de 1,5m até 9m.
Exemplos consolidados da área agrícola, que não incluem a colheita da cana-de-açúcar, são os caminhões,
colhedoras e plantadoras de grãos assim como tratores e barras pulverizadores que tem duplicado ou até
quadruplicado sua capacidade nas últimas décadas como forma de reduzir seu custo operacional.
Figura 3: Efeito da largura de corte no custo da colheita de cana-de-açúcar para colhedora convencional de 1 e 2 linhas assim como ETC de 2, 4 e 6 linhas.
Processo de Plantio de Precisão para a Cana-de-Açúcar
O plantio da cana-de-açúcar passou do processo manual ou semimecanizado para o processo
totalmente mecanizado em um curto espaço de tempo. A expansão das áreas de plantio somada à
introdução acelerada da colheita mecanizada contribuiu para uma queda de qualidade de plantio e um
aumento do custo dessa operação. A solução para essa condição adversa não depende apenas de
aprimoramentos nas plantadoras existentes no mercado e sim de uma reformulação do processo de plantio
que resulte em uma distribuição mais uniforme das mudas no sulco, e uma maior flexibilidade de ajuste e
precisão nas variáveis de manejo agrícola tais como espaçamento entre sulcos, densidade de mudas em taxa
variada dentro do sulco, profundidade de plantio, espessura de cobertura e seu grau de adensamento assim
como localização do adubo no plano horizontal e em profundidade.
O programa de mecanização do CTBE aborda a solução dos problemas de plantio através da
proposta de um processo denominado de plantio precisão onde as touceiras são espaçadas
equidistantemente dentro do sulco e entre as linhas de plantio. Os experimentos de campo instalados em 5
usinas mostram dois ganhos importantes associados ao plantio de precisão, são eles a redução da demanda
de mudas para o plantio e uma tendência bastante clara de ganho de produtividade de colmos. As figura 4 e
5 mostram esse comportamento para 3 espaçamentos comerciais sendo eles o convencional simples de 1,5
m (E.C. 1,5), o espaçamento canteirizado duplo e alternado de 2,4 m (E.D. 2,4) e o espaçamento canteirizado
triplo de 3 m (E.T. 3,0) juntamente com 3 espaçamentos de precisão com 1,0; 0,75 e 0,5 m entre linhas e
entre plantas ao longo do sulco identificados como (P.P 1,0), (P.P. 0,75) e (P.P. 0,5) respectivamente.
Figura 4: Demanda de mudas para o plantio convencional e de precisão
Figura 5: Produção acumulada de colmos nos ciclos de cana planta e primeira soca.
O desenvolvimento do protótipo que executa o processo de plantio de precisão aborda as operações
de retirada dos rebolos da caçamba da plantadora, o seu ordenamento paralelo à direção do sulco e o
posicionamento dos rebolos no fundo do sulco com distância ajustável entre eles e igual ao espaçamento
entre linhas. O equipamento em desenvolvimento incorpora esses conceitos ao de sulcado com preparo do
solo localizado visando o objetivo principal que é o plantio direto.
OAB-01/07/2014
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