Viviane Chiarelli Vallim
A PRODUÇÃO MUSICAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM DESAFIO DA ESCOLA DO
FUTURO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina
como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Engenharia da Produção
Orientador: Prof. Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr.
Florianópolis 2003
Viviane Chiarelli Vallim
A PRODUÇÃO MUSICAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM DESAFIO DA ESCOLA DO FUTURO
Esta dissertação foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de
Mestre em Engenharia da Produção no Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Produção da Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 2003.
Prof. Edson Pacheco Paladini, Dr. Coordenador do Programa
BANCA EXAMINADORA
_______________________________
Prof. Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr.
Orientador
__________________________ __________________________ Profª. Mirian Loureiro Fialho, Dra Profª. Elaine Ferreira, Dra
ii
A todos aqueles que contribuíram de alguma forma para que este
trabalho se concretizasse.
iii
Agradecimentos A Deus pela oportunidade de viver e desfrutar do vasto campo do
conhecimento. Por todas as pessoas que fizeram parte da minha história, da
minha vida, da minha existência. Por todos os companheiros de jornada e por
aqueles que como eu, acreditam em um mundo melhor e em uma educação
mais significativa no campo das artes. Pela beleza da natureza, pelo ar, pela
terra, pela música. Pelos meus pais que me incentivaram a prosseguir nesta
jornada e contribuíram para que eu chegasse até aqui. Ao meu marido que
soube compreender a minha ausência, me incentivando nos momentos difíceis.
A todos vocês mestres, doutores, que me fizeram ver o mundo de forma mais
ampla e significativa, na esperança de que por onde eu passar, possa fazer
diferença na vida de outras pessoas, como fizeram na minha.
iv
Alguém perguntou a um índio de 101 anos:
_ O que você faz?
_ Eu ensino meu povo.
_ O que você ensina?
_ Quatro coisas. Primeiro: a escutar;
Segundo: que tudo está ligado com tudo;
Terceiro: que tudo está em transformação;
Quarto: que a terra não é nossa, nós é que somos da terra.
Autor desconhecido
v
Resumo
VALLIM, Viviane C. A produção musical na educação infantil: um desafio para a escola do futuro. 2003. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) — Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, UFSC, Florianópolis.
Esta pesquisa foi realizada com o propósito de levar os leitores a refletirem
sobre a produção musical na educação infantil, tendo como campo de pesquisa
a análise da educação musical nas escolas de Curitiba, rede pública e privada.
Para tanto, alguns objetivos foram traçados a fim de direcionar o trabalho.
Assim, valorizar a música como fundamental para a formação do cidadão;
pesquisar sobre os métodos ativos que envolvem o trabalho da música nas
escolas; verificar como as crianças reagem às aulas de musicalização na
educação infantil. A análise de como os professores abordam a musicalização
e como as escolas percebem a importância da mesma, foram determinantes
para chegar a conclusões pertinentes à pesquisa.
Palavras-chave: Educação Musical, formação, valorização.
vi
Abstract
VALLIM, Viviane C. The musical production in the kindergarten: a challenge of the future school. 2003. Dissertation (Master in Production Engineering) — Program of Graduation in Production Engineering, UFSC, Florianópolis.
This research was achieved with the intention to take the readers to reflect about the musical production in the kindergarten, having as research field the analysis of the musical education in the schools of Curitiba, public and private net. For in such a way, some objectives had been tracings in order to direct the work. Thus, to value music as basic for the citizen formation; to search on the active methods that involve the music work in the schools; to verify as the children react to the music lessons in the kindergarten; to analyze of as the professors approaches the musicalização and as the schools perceive the importance of the same one, had been determinative to arrive the pertinent conclusions at the research. The methodology adopted for this work elaboration was Simple the Exploratória Research, whose searched sources had been some authors who in general say about the methods of musicalização and music, educators who work with music in the schools, the ones that search the musical art for the art and, also some instrumentistas. Later a research of field was carried in four of the most appraised schools of Curitiba, as much of the public net how much of the private one, with accompaniment of one year in each one of them. Many had been to the gotten conclusions, amongst them of that despite the apparent valuation of the musical art in the schools of Curitiba, the teach of the same one is on this side of the waited one. One of the factors that contribute for this, is the preparation lack of the professors who act in the musical area, many does not possess the formation in this area and others do not reach the objectives considered in the musicalização. Despite these considerations, it has the ones that with all the obstacles, develop a good musical work in the school, giving to the children the privilege and the chance still to produce music in the infantile education.
Word-key: Musical education, formation, valuation.
vii
Sumário 1 INTRODUÇÃO
1.1 Justificativa............................................................................................14
1.2 Questões de pesquisa ..........................................................................16
1.3 Objetivos ...............................................................................................17
1.3.1 Objetivo geral ....................................................................................17
1.3.2 Objetivos específicos.........................................................................17
1.4 Hipóteses ..............................................................................................17
1.5 Metodologia............................................................................................17
1.6 Limitações da pesquisa.........................................................................20
1.7 Estrutura do trabalho.............................................................................20
2. A CRIANÇA E A MÚSICA
2.1 A Música como uma das Inteligências Múltiplas....................................27
2.2 A Música e a Afetividade.......................................................................33
3. A PRODUÇÃO MUSICAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL 3.1 A música nas escolas públicas e privadas de Curitiba...........................41
3.2 O Currículo Musical das Escolas Públicas ...........................................43
3.3 O Currículo Musical nas Escolas Privadas............................................47
3.4 Os Métodos Ativos da Musicalização ....................................................49
3.4.1 Método Dalcroze..................................................................................51
3.4.2 Método Willems...................................................................................54
3.4.3 Método Martenot..................................................................................55
3.4.4 Método Orff..........................................................................................58
3.4.5 Método Kodaly.....................................................................................60
3.5 A formação acadêmica dos professores de Música...............................61
4. PESQUISA DE CAMPO
4.1 Descrição dos locais de pesquisa........................................................ 68
4.1.1 Escola “A” ...........................................................................................70
4.1.2 Escola “B” ...........................................................................................72
4.1.3 Escola “X” ...........................................................................................74
4.1.4 Escola “Z” ...........................................................................................78
4.2 Apresentação dos dados obtidos...........................................................80
4.3 Análise dos dados e avaliação...............................................................82
viii
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................87 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................90
7. ANEXO 1......................................................................................................93
ix
LISTA DE FIGURAS
Fig01 – Quadro Explicativo das Inteligências Múltiplas................................31
Fig02 – Esquema Simplificado de um Neurônio ..........................................37
Fig03 – Hemisférios Cerebrais ....................................................................37
Fig04 – Divisão do Córtex Cerebral em Lobos ............................................38
Fig05 – Sistema Auditivo .............................................................................40
LISTA DE QUADROS
Quadro01 – Grade Curricular do Curso Superior em Música (1 ANO).........62
Quadro02 – Grade Curricular do Curso Superior em Música (2 ANO).........63
Quadro03 – Grade Curricular do Curso Superior em Música (3 ANO).........64
Quadro04 – Grade Curricular do Curso Superior em Música (4 ANO).........65
Quadro05 – Desenvolvimento Musical da Criança Escola “A” ....................71
Quadro06 – Quadro Explicativo de Figuras Musicais...................................72
Quadro07 – Desenvolvimento Musical da Criança Escola “B”.....................74
Quadro08 – Desenvolvimento Musical da Criança Escola “X” ....................77
Quadro09 – Graduação dos Professores que Ensinam Música...................85
LISTA DE GRÁFICOS
Graf01 – Dificuldades na Aplicab. Da Ed. Musical nas Esc. Pesquisadas...83
Graf02 – Graduação Geral dos Professores ...............................................84
Graf03 – Graduação dos Professores que Ensinam Música........................85
x
1. INTRODUÇÃO
Sabe-se que a música tem estado nas escolas brasileiras de diversas
maneiras, porém são poucos aqueles que compreendem claramente o que é
educação musical e qual seu papel na formação do indivíduo. Falar sobre essa
prática e a sua importância na educação leva os docentes da área a defender
tal atividade como fundamental na formação do educando.
O ensino da música tanto nas escolas públicas quanto nas particulares é
um tema que demanda muitas investigações, pois existem poucos dados sobre
o assunto. Por esse motivo, pesquisadores e professores da área têm
demonstrado grande interesse em aprofundar questões inerentes a essa
prática.
O trabalho com a música tem múltiplas dimensões: o ato de escutar, cantar,
tocar, dançar, etc. O resultado musical integra diversos procedimentos que
podem ser assimilados isoladamente. No entanto, para que o resultado se
produza, é necessário que estes se integrem em procedimentos mais
complexos, estabelecendo conexões, criando sistemas claros e ordenados, por
meio da assimilação do conhecimento científico, ligado a experimentação do
mesmo na prática. Assim se processa a produção musical, termo pouco
utilizado e explorado no campo das artes, por meio de conexões em redes
neuronais, que veremos mais especificamente no capítulo quatro.
É neste sentido que a engenharia da produção vem somar, aplicando os
conhecimentos científicos e empíricos à concepção de estruturas, dispositivos
e meios de transformar e converter o conhecimento informal (prévio do aluno)
em científico (formal) de acordo com as necessidades humanas. Para
interpretar uma partitura, não basta transformar em sons o que está escrito,
mas entender o que o compositor quis expressar e qual o significado disso para
cada pessoa. É a técnica e o sentimento se inter-relacionando.
Vivemos no mundo das relações sociais, políticas, econômicas. Com a
globalização nos relacionamos com outros países, pessoas, informações. O
dinamismo contagiou a humanidade e não há como agirmos passivamente à
agitação diária. As pessoas mudaram, adaptando-se a este novo modo de vida.
Empresas foram reestruturadas e houve quebra de paradigmas.
11
Diante deste contexto, a escola já apresenta sinais de mudança, pois
precisa parecer mais atrativa e eficiente em sua missão: a de formar cidadãos
plenos, capazes de exercer sua cidadania.
O trabalho com a música já vem sendo desenvolvido há muito tempo. A
forma como isto acontece e como deveria acontecer é que entra em questão.
Tomo então a liberdade de relatar alguns fatos da minha vida enquanto aluna,
para que possamos ter um referencial mais próximo em relação ao ensino e
aprendizagem musical.
Quando iniciei os estudos no antigo primário, hoje ensino fundamental, a
única motivação musical que obtinha na escola era a de cantar o Hino Nacional
Brasileiro pelo menos uma vez na semana. Certo dia apareceu uma professora
de artes diferente, aparência estranha e começou a cantar músicas folclóricas
conosco. Mas tinha umas idéias revolucionárias, como no dia em que nos fez
lixar e pintar todas as carteiras da sala, pois estavam riscadas. Eu que sempre
fui comportada tomei sua atitude como um castigo não merecido e nem preciso
dizer que foi um escândalo geral. Não demorou muito e ela mudou de escola.
Na minha família meu avô era instrumentista e meu pai arriscava algumas
notas no piano, mesmo que não conhecesse a teoria musical. Minha mãe
cantava na igreja, meus irmãos tocavam violão e eu comecei a me interessar
pela arte musical, principalmente pelo piano. Quando completei sete anos de
idade, meus pais não hesitaram em pagar aulas de piano particular. Com oito
anos, já tocava muitas músicas. Foi então que ganhei um piano e, a partir daí
minha vida foi sempre muito musical. Comecei a tocar na igreja, para os
parentes, vizinhos, etc. O tempo foi passando e percebi que precisava de mais,
então resolvi entrar em uma academia de música. Acabei fazendo aulas de
teclado, piano clássico, órgão eletrônico, piano popular, mas o que me deixava
triste, é que eu sempre tinha que seguir todos os passos dados pelos
professores. Tocar voluntariamente, ou apenas brincar no piano? Jamais. Isto
me desestimulou e até pensei em parar de tocar, mas meus pais que já haviam
investido muito, não deixaram isto acontecer. Mesmo assim havia decidido que
não seria uma instrumentista profissional, daqueles que são levados a fazer
tudo muito sistematicamente. Percebi que tocar um instrumento não poderia
ser chato ou maçante. Foi então que pensei em ser professora de música com
o objetivo de levar o aluno a aprender música, mas deixando-o ir além do que
12
estava escrito na partitura. Fui amadurecendo a idéia com o tempo e quando
entrei no magistério, pude confirmar o que eu achava que poderia dar certo, no
sentido de libertar o músico das limitações de uma partitura. Lá tive aulas de
musicalização infantil, onde o movimento, o ritmo e a liberdade de expressão
por parte das crianças, fluíam. Resolvi então ir além. Cursei pedagogia, depois
fiz pós-graduação em Pré-escola, mas ainda não estava completa. Faltava-me
alguma coisa. Resolvi cursar licenciatura em música na Faculdade de Artes do
Paraná e me encantei com as metodologias e tudo o que aprendi.
Comecei a dar aulas para crianças aos 15 anos de idade e fui me
aperfeiçoando com o tempo. Muitas foram às experiências vivenciadas com os
pequenos, tanto na área de música, quanto na parte pedagógica. Mas o
encantamento que a música trás é inconfundível e admirável. O trabalho
consistia principalmente na produção musical infantil. As crianças tinham aulas
de teoria musical, onde era trabalhada toda a parte rítmica de maneira intuitiva
e não propriamente condicionada. Também se trabalhava jogos musicais, com
canto (melodias) e a construção e execução de instrumentos de percussão. A
apreciação musical, vinha com o tempo. Acontecia de forma natural sem que
as crianças percebessem que conteúdos musicais estavam sendo trabalhados.
Assim, todos indiscriminadamente, participavam e se expressam livremente. Ao
final, haviam avançado musicalmente e alguns já arriscavam pedir aos pais
para que os colocassem em uma aula de música para o aprendizado do
instrumento. Assim acredito que devem ser as aulas de música. Com conteúdo,
mas sem que a criança sinta-se coagida ou incapaz de aprender ou se
expressar.
Mas, neste convívio musical, percebi que muitos professores capacitados
não conseguiam atingir seus objetivos, ou sentiam-se frustrados com o
desempenho das crianças, tanto na parte disciplinar, quanto na artística.
Comecei a analisar e percebi que muitas eram as razões para que isto
estivesse acontecendo. Uma delas era a ansiedade por parte dos professores
de vencer os conteúdos teóricos, sem, porém, vivenciá-los com as crianças;
outro fator era o não “domínio” da classe. Geralmente os professores de
música são alegres, vibrantes e queridos. Mas isto não os impede de em certos
momentos levar a criança a refletir sobre o aspecto disciplinar. A falta de
instrumentos e por vezes a sala inadequada, o desinteresse da escola em
13
implantar a disciplina música, a política local, também eram fatores
preponderantes para que a musicalização caísse no esquecimento. Comecei a
me questionar e a refletir sobre a formação dos professores de música e
também de como a escola se colocava na valorização da arte musical, frente a
estes acontecimentos. Tive a curiosidade de saber se havia diferenças no
ensino da música nas escolas particulares e públicas, e se esse ensino
acontecia em ambas às instituições.
Que a música é fundamental para a formação completa do cidadão, é
indiscutível, mas como ela vem sendo tratada em meio a tantas explosões de
idéias e informações lançadas sobre a escola?
Há muito para fazer, apesar de tudo que já se tem feito. Estamos em
processo de construção de uma nova escola, denominada a escola do futuro,
onde se pretende alcançar melhorarias e superar o que ainda está enraizado
em nossa prática educativa, que sabemos que não garante por completo o
sucesso da escola e do educando.
1.1 Justificativa
A música sempre esteve ligada à vida humana. O homem primitivo já
dançava, e para dançar, além dos instrumentos que utilizava para emitir o som
e formar a música, ele cantava.
A música era vista em diferentes enfoques: ora arte, ora magia ou até
mesmo ciência, mas sua função mística desempenhava diferentes papéis em
diversas culturas e épocas.
No período colonial e imperial a música brasileira seguia os padrões da
música européia pela influência política da época. Com as transformações
sociais e políticas no final do século XIX, a nossa música começou a emergir e
a ganhar um espaço de caráter nacionalista, um caráter brasileiro com ritmos e
influência africana, européia e ameríndia.
Porém, o conceito de música varia muito de cultura para cultura, pois
cada povo tem suas tendências e maneiras de se expressar.
Na antiga Grécia, um mito contava como Orfeu havia recebido o dom da
música dos deuses. Ele tocava sua lira tão maravilhosamente que podia
encantar as árvores, as montanhas e os animais selvagens com sua música.
14
Enquanto alguns mitos celebravam a origem divina da música, outros
exaltavam o seu poder criador.
Na China, a música era levada tão a sério que, às vezes, errar uma nota
podia levar à pena de morte. Os músicos eram tão considerados que tinham a
honra de ficar ao lado do imperador no trono. A voz já era aceita como um
instrumento musical.
Platão colocava a música no patamar das ciências exatas, como a
Física e a Matemática e Aristóteles em seus modelos educacionais tinha a
música como complemento importante à educação do corpo e da mente.
Atualmente, além dos instrumentos tradicionais como o piano, violino,
harpa, cravo e outros, tem-se um aparato tecnológico a serviço do homem,
tornando a música de certa forma massificadora e ao mesmo tempo,
aumentando sua qualidade sonora em meio a tantos ruídos. Infelizmente,
parece que a música perdeu ao longo dos tempos parte de sua valorização,
principalmente nas escolas. Não há como saber em que momento isto
exatamente aconteceu, sabe-se apenas que a arte tem estado em segundo
plano, muitas vezes sendo utilizada como atrativo em algumas escolas
particulares para despertar o interesse dos pais por este diferencial em seu
currículo.
Hoje a música pode ser vista não só como entretenimento, mas como
parte do desenvolvimento intelectual, afetivo e emocional da criança, pois
participa do processo de desenvolvimento da personalidade e amadurece o
caráter. Todos os sentidos podem ser desenvolvidos através da música, pois
ela provoca estímulos, desinibe, traz alegria, propicia a socialização, e é
responsável por mudanças geradoras de atitudes no comportamento. Quem ao
ouvir uma música, seja ela clássica ou popular, nunca se emocionou ou não se
reportou a uma lembrança de sua vida?
As escolas deveriam dar prioridade ao ensino da música nas séries iniciais
com base na maturação dos sentidos. Segundo Gessel (1982), o trabalho de
musicalização não ensina ninguém, apenas estimula o conhecimento. Para ele,
a música nos primeiros anos de vida fundamenta-se no estímulo-sensação que
vai resultar numa resposta motora. Além disso, a música se reparte em sons e
silêncios, é um acontecimento gestáltico (aqui-agora) e um acontecimento de
resposta total (corpo-mente).
15
Atualmente educadores e psicólogos defendem a visão global na Educação,
apontando a impossibilidade de se observar no homem somente um dos seus
aspectos, o motor, o intelectual ou o afetivo. Todos esses elementos do
desenvolvimento estão intimamente relacionados e exercem influência uns
sobre os outros, a ponto de não ser possível estimular um deles sem que, os
outros sejam afetados.
Nisto, as sensações, emoções, sentimentos, razão e intuição tecem a
dinâmica do conhecer no âmbito do existir. Não resta dúvida que separar,
distinguir e categorizar são formas de compreender e organizar o real. Mas
quando ele nos perturba (no dizer de Maturana e Varela, 1995), mesmo que
seja através da audição de um simples som, e, quando acompanhamos esse
processo, então percebemos a teia de significados que emerge dessa
complexidade. Complexidade que envolve não somente as funções psíquicas
humanas, mas a natureza e a sociedade.
Isto nos leva à reflexão de que, passados alguns anos, a música continua
sendo fundamental para a formação plena do ser humano. Apesar do
consumismo, da mídia, da banalização musical em algumas situações, ela
volta na perspectiva da escola do futuro, como uma grande aliada do
aprendizado, seja apenas como entretenimento ou como coadjuvante do
cenário educacional a fim de formar cidadãos completos (corpo mente,
espírito).
Desta forma é que se apresenta a proposta de reflexão e valorização da
produção musical na educação infantil, como um dos desafios para a escola do
futuro.
1.2 Questões de pesquisa
Diante dos apontamentos realizados acima, tem-se como tema gerador da
pesquisa as seguintes questões:
• A prática da musicalização, bem como a produção musical, tem sido
efetivada nas escolas de Curitiba?
• Até que ponto as Escolas de Curitiba valorizam a música como
fundamental no desenvolvimento pleno do ser humano?
16
1.3 Objetivos 1.3.1 Objetivo Geral:
Propor a reflexão quanto à aplicabilidade da educação musical nas
escolas de Curitiba, rede pública e privada, e de como a formação de seus
professores influencia na construção de bases estéticas e culturais para a
formação do educando.
1.3.2 Objetivos Específicos:
I – Refletir sobre a importância da música na educação infantil, para a
formação do cidadão.
II – Considerar os métodos ativos que correspondem às propostas
educacionais atuais, não só no campo das artes, mas na pedagogia de modo
geral.
III – Analisar e discutir a formação dos educadores musicais, bem como a
aplicabilidade da musicalização nas escolas públicas e privadas de Curitiba.
1.4 Hipóteses
Desde o início da escola, há uma busca incansável por uma educação
plena do ser humano, contemplando um saber concreto, eficiente em todos as
áreas do conhecimento. No entanto, muitos são os entraves que percorrem o
caminho. Ora os currículos não atendem às exigências para alcançar o tão
almejado; ora os professores não estão preparados para tamanha façanha;
outras vezes, a escola não tem recursos suficientes; em outros momentos, os
pais não acompanham o desenvolvimento dos filhos no decorrer do processo.
O que se percebe, é que sempre há uma questão em pauta para amenizar a
responsabilidade da escola como um todo.
17
Felizmente pouco a pouco, este quadro está mudando. A escola começa a
perceber a dinâmica da vida, onde pais precisam trabalhar e o tempo com seus
filhos diminui a cada ano, o que dá a escola à responsabilidade de um
acompanhamento mais intensivo com o aluno. Outro fator, é que os
professores estão mais interessados em atualizar-se não só para se manterem
no campo de trabalho, mas também pela satisfação pessoal, o que tem
ocasionado a procura de cursos de aperfeiçoamento, tais como: pós-
graduações, mestrado, doutorado, pós-doutorado, etc. A escola também tem
assumido seu papel no que diz respeito à procura de equipamentos e recursos
suficientemente eficazes na ministração das aulas, como também, no equipar a
escola como um todo (carteiras, computadores, bebedouros, etc) para atender
às necessidades do aluno. Além disso, há uma apreciação do currículo vigente
das escolas públicas principalmente com a estruturação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Já nas escolas privadas, há uma constante
reformulação dos currículos, a fim de atender melhor às necessidades do
educando no que diz respeito à formação profissional e pessoal, visando o
exercício de sua cidadania e, também, o preparo para o mercado de trabalho.
Toda esta movimentação é importante e torna a escola dinâmica no mundo da
globalização.
Diante deste contexto, encontra-se a valorização da arte nas escolas,
incluindo novamente à música ao currículo. Apesar desta aparente valorização,
ainda há muito para se fazer, oportunizando novas formas de expressão
musical como o canto coral, execução e manuseio de instrumentos, etc.
Percebe-se uma preocupação da escola em atender às necessidades do
educando em todas as áreas do conhecimento humano, onde a música se
encaixa muito bem. No entanto, percebe-se que a prática, ainda não é tão
eficiente quanto o currículo, que por melhor que seja, não está pronto e
acabado. Precisa ser revisto a cada ano, pois estamos em constante mudança.
Muitos dos professores que atuam na Educação Infantil e Ensino
Fundamental têm em sua formação a parte pedagógica no que diz respeito à
alfabetização, ou a áreas específicas, tais como: a matemática, português,
história, geografia, e outras. Alguns se preocupam em cantar com seus alunos,
tornando a aula mais entusiasmática e agradável, entretanto, a música nestes
casos é utilizada mais como um recurso para se ensinar outros conteúdos,
18
como por exemplo, a tabuada. Outro enfoque dado à música acontece
principalmente na Educação Infantil, onde as crianças cantam e aprendem
músicas folclóricas, que adaptadas às letras, servem como estímulo a fazer
algumas tarefas ou rotinas diárias, como por exemplo: escovar os dentes,
lanchar.
No entanto para se chegar ao objetivo proposto, o de uma formação plena
do educando, não basta cantar com os alunos. É preciso ter um espaço na
escola direcionado ao ensino e aprendizagem musical, não com o objetivo de
formar músicos, instrumentistas, mas cidadãos sensíveis, capazes de
compreender o mundo a fim de torná-lo melhor.
Para que isto ocorra, faz-se necessário que a escola invista em
profissionais capacitados, dando-lhes a oportunidade de realizar um trabalho
sério, sem se preocupar com apresentações em datas comemorativas ou com
um ensino vinculado a elas, mas comprometidos com o bem-estar e o
desenvolvimento do educando. Isto não quer dizer que não deva acontecer
apresentações musicais no decorrer do ano, pois estas estimulam o aluno
artisticamente, além de dar aos pais a oportunidade de ver o fruto do
desenvolvimento das crianças. No entanto, estas não podem estar colocadas
como objetivo principal, e sim como conseqüência de todo o trabalho realizado.
1.5 Metodologia
A metodologia adotada para a elaboração desse trabalho foi a Pesquisa
Exploratória Simples, cujas fontes pesquisadas foram alguns autores que falam
sobre os métodos de musicalização e a música em geral, educadores que
trabalham com a música nas escolas, os que pesquisam a arte musical pela
arte e, também alguns instrumentistas. A pesquisa de campo aconteceu em 4
das mais conceituadas escolas de Curitiba, tanto da rede pública quanto da
privada, com acompanhamento de pelo menos um ano em cada uma delas.
Muitas foram às conclusões obtidas, dentre elas a de que, apesar da aparente
valorização da arte musical nas escolas de Curitiba, o ensino da mesma fica
aquém do esperado. Um dos fatores que contribuem para isso, é a falta de
preparo dos professores que atuam na área musical, pois muitos não possuem
a formação nesta área e outros não conseguem atingir os objetivos propostos
19
na musicalização. Apesar destas considerações, há os que mesmo com todos
os obstáculos, desenvolvem um bom trabalho musical na escola, dando às
crianças o privilégio e a oportunidade de produzirem música ainda na educação
infantil.
1.6 Limitações da pesquisa
A produção musical abordada nesta pesquisa é de caráter exploratória
simples. As fontes pesquisadas foram:
• Autores que falam sobre os métodos de musicalização e a música em
geral;
• Educadores que trabalham com a música nas escolas;
• Os que pesquisam a arte musical pela arte;
• Instrumentistas.
A pesquisa de campo se deu em quatro escolas. Dentre elas, duas escolas
da rede pública e duas escolas da rede privada da cidade de Curitiba, região
metropolitana, sendo feito um acompanhamento temporário de um ano em
cada uma delas.
1.7 Estrutura do trabalho
O enfoque deste trabalho é o de levar o leitor à valorização da
musicalização nas escolas, principalmente na Educação Infantil como base de
uma formação completa e integral do ser humano, pois além de toda a riqueza
cultural que trás, ainda contribui no desenvolvimento de habilidades que
servirão de suporte para toda a vida estudantil da criança.
Assim, a reflexão quanto à aplicabilidade dos currículos musicais
atualmente apresentados nas escolas de Curitiba, rede pública e privada, e de
como a formação de seus professores influencia na construção de bases
estéticas e culturais para a formação do educando é de fundamental
importância.
Para isto, no segundo capítulo tem-se uma explanação sobre como a
criança percebe e vivencia a música nas diferentes faixas-etárias. Também
20
demonstrando que a música é colocada por alguns autores como uma das
Inteligências Múltiplas e, complementando, que a música e a afetividade tem
uma ligação bastante pessoal e dinâmica, aflorando a sensibilidade e
contribuindo para a auto-estima do educando.
Prosseguindo, trataremos de conhecer e refletir sobre os currículos
apresentados tanto nas escolas públicas quanto nas particulares, bem como a
sua aplicabilidade e eficiência no convívio infantil.
Muitos são os métodos apresentados para o ensino da música. No entanto,
trataremos dos métodos denominados Ativos, que consistem na participação
efetiva do aluno, dando a ele possibilidades de crescer musicalmente sem que
o professor esteja a todo o momento o direcionando. O aluno a cada dia vai
criando autonomia em seu aprendizado. Para tanto, a formação dos
professores de música que atuam nas escolas públicas e privadas deve ser
diferenciada dos demais, além da parte pedagógica é preciso que haja a
formação musical. Trataremos destas questões no final deste capítulo.
O quarto capítulo trata da pesquisa de campo sobre como acontece a
produção musical na Educação infantil. Alguns dados serão levantados, tais
como: descrição dos locais da pesquisa, apresentação dos dados obtidos no
decorrer da pesquisa e a análise dos mesmos. É importante saber que nem
sempre a produção musical acontece nas escolas, devido aos diferentes
fatores já explanados nas hipóteses.
Na última parte faremos considerações finais e daremos algumas sugestões
de atividades que deram um resultado positivo no ensino da música nas
escolas.
21
2. A CRIANÇA E A MÚSICA
A música atende uma necessidade vital e espontânea da criança de
cantarolar, dançar, movimentar-se, inventar, correr, brincar, além de promover
a socialização e articulação no desenvolvimento cognitivo. Esta deve ser
trabalhada por meio da produção, apreciação e reflexão. Quando se propõe
uma atividade utilizando a música, faz-se necessário ter claro que a música é
vibração, é som, é vida. Portanto, não há como trabalhá-la apenas ouvindo-a.
Há uma efetiva necessidade de movimentação. É preciso lembrar que a
receptividade da música é um fenômeno corporal. Há quem diga que a música
e o movimento se completam. Ouvir uma música e não se movimentar é quase
impossível, pois as ligações das raízes dos nervos auditivos estão largamente
espalhados pelo nosso corpo e são mais longas que quaisquer nervos.
A música é uma linguagem universal que se traduz em diferentes formas
sonoras, capazes de expressar e comunicar sentimentos e pensamentos, por
meio da organização e relacionamento expressivo entre o som e o silêncio.
Neste mundo agitado cheio de “barulhos” e informações é importante
que o aluno aprenda a ouvir, sendo capaz de perceber e transformar a
informação em conhecimento, quando interiorizado. A música é um grande
veículo para isso, haja visto que por si só, trabalha muitos conteúdos alheios às
questões próprias dessa linguagem.
Um dos elementos fundamentais da música é o ritmo. Ele está presente
num simples andar, correr, saltitar. As próprias batidas do coração da mãe
quando a criança ainda encontra-se na situação de feto, já enfatiza o ritmo
como vital para todo ser humano. Sabe-se que a criança que desenvolve boa
percepção rítmica tem mais facilidade na alfabetização, garantindo uma leitura
fluente, sem marcas fonológicas além de desenvolver o raciocínio lógico com
maior facilidade.O ritmo faz parte dos processos ativos que são conhecidos
como: audição, canto, dança, percussão corporal e instrumental e até mesmo a
criação melódica. Esses elementos são fundamentais para ativar os
desenvolvimentos cognitivos, lingüísticos, psicomotor, afetivo e social da
criança.
No desenvolvimento Cognitivo-linguístico, Jean Piaget (1978), epistemólogo
e educador suíço, explica a capacidade do conhecer como sendo a capacidade
22
do indivíduo de estabelecer relações. Ao imitar o canto dos pássaros, a criança
descobre seus próprios poderes e a sua relação com o ambiente em que vive.
Segundo Piaget (1978), “a própria criança abre a porta para o mundo exterior”.
(1978)
Já no desenvolvimento Psicomotor, as atividades musicais podem oferecer
inúmeras oportunidades para a criança aprimorar sua capacidade motora,
controlar seus músculos e mover-se com desenvoltura. Quando se desenvolve
a coordenação motora a expressividade rítmica melhora e vive-versa. Weigel
(1988), enfatiza o ritmo como fundamental na formação do equilíbrio do
sistema nervoso, pois toda expressão musical ativa age sobre a mente
favorecendo a descarga emocional e a reação motora (como reflexo rítmico) e
aliviando as tensões.
No desenvolvimento Sócio-Afetivo, a criança forma sua própria identidade,
vai se descobrindo como pessoa e se diferenciando do outro. Assim, as
atividades musicais coletivas favorecem a auto-estima, bem como a
socialização. Proporcionam auto-satisfação e prazer, possibilitando a expansão
dos sentimentos. Mesmo a criança tímida ou inibida, sente-se encorajada ao
cantar em grupo, desenvolvendo o sentimento de segurança que vai favorecê-
la na vida futura.
Além dos aspectos citados acima, há também o elemento afetivo que é
fundamental na formação da criança, pois representa um momento de alegria,
de prazer, de aproximação, troca de idéias, de liberação daquilo que elas
sentem. O som, o ritmo, a melodia, tudo isso desperta na criança sua
sensibilidade e provoca nela reações de cordialidade e entusiasmo.
No entanto, é preciso conhecer ou pelo menos ter uma idéia do que a
criança consegue aprender em música na faixa-etária que se encontra. Para
isto, Alsina (1985), estudou na psicopedagogia o desenvolvimento musical da
criança. Segundo ela, aos três anos de idade a criança desperta a curiosidade
sobre o que seus sentidos percebem; desenvolve a capacidade para
representar graficamente, com um desenho ou garatuja, seus entornos visual e
auditivo, mas sem um código definido; desenvolve suas capacidades criativas,
inventando canções, danças e instrumentos; desenvolve a capacidade de
controlar os movimentos globais do corpo e sua relação com o espaço; pode
seguir com os pés a pulsação de uma peça; a motricidade fina começa a se
23
desenvolver; reproduz canções inteiras, algumas com conteúdo onomatopaico;
descobre as possibilidades rítmicas e musicais da palavra (é mais fácil sentir o
ritmo com a ajuda da palavra); discrimina tempos diferentes com relativa
facilidade. Já aos quatro anos de idade, intuitivamente, pode agrupar
elementos (objetos, sons), seguindo um critério estático; pode realizar
seqüências de três sons; tende ao egocentrismo, por isso a importância de
trabalhar coletivamente, incentivando a criança a compartilhar idéias,
instrumentos, sons com os amigos; sua capacidade simbólica lhe permite um
número maior de recursos gráficos para representar sons: o código aparece e
assim uma expressão vai se convertendo em comunicação; sua capacidade
para entonação aumenta. Aos cinco anos a criança mostra maior percepção
das partes de seu corpo; sua maior capacidade para combinar traços distintos
permite que amplie seu repertório gráfico; começa a estabelecer relações
seqüenciais entre sons e formas diferentes; sua voz pode alcançar uma
extensão de 10 notas; além de seguir a pulsação, pode seguir, também, o ritmo
da música com as extremidades superiores. Aos seis anos de idade, a
identificação de qualquer elemento se dá pelo contraste com seu oposto
(principalmente pares); entoa com maior facilidade; mostra maior interesse pela
linguagem musical; pode relacionar e classificar tempos diferentes; seu
horizonte perceptivo se amplia para qualidades de sons mais presentes, como
a intensidade e a velocidade; possui maior precisão gráfica; desenvolve a
capacidade de inventar ritmos e melodias; gosta de medidas e estruturas
rítmicas irregulares, ritmos sincopados; aumenta seu equilíbrio e domínio
espacial; momento adequado para a aprendizagem e o manuseio dos
instrumentos de percussão determinada e indeterminada; sua extensão vocal
se amplia de modo natural; é possível introduzir alguns cânones a 2 vozes; as
canções mais apropriadas para este momento são aquelas que explicam uma
história ou um romance; apresenta maior desenvolvimento da capacidade de
interdependência corporal. (Adaptado de Vera (1989), GARCIA Sípido y Lago
(1990), Oriol y Parra (1991), Aznárez (1992), Castrellvi (1994), Latorre (1995).
No entanto estas habilidades podem ou não ser desenvolvidas. Para isto
dependerá do meio social em que a criança está inserida, do trabalho
desenvolvido na área musical, além do convívio sócio-cultural, coletivo e
individual.
24
De acordo com a teoria Piagetiana (1978), a criança é o sujeito da
aprendizagem, é ela que age elaborando e construindo seu conhecimento em
interação com os elementos do meio ambiente. A criança com as experiências
disponíveis constrói o que é o mundo para ela; por isso a realidade para ela
não é igual a imagem real. O conhecimento tem origem na experiência
sensorial do ver, ouvir, pegar, do movimento, gestos, espaço, que formam para
a criança os esquemas mentais do seu mundo, por isso a importância de se
trabalhar com o lúdico.
Até o final do século XIX e começo do século XX, pedagogicamente
predominava a idéia de que “a criança tem a estrutura mental idêntica à do
adulto, porém com um funcionamento diferente” (SEBER, 1995). A posição empirista sustentava essas idéias argumentando que a mente do
recém-nascido era um espaço vazio a ser preenchido com conteúdos, imagens
e idéias, que seriam obtidas por meio das experiências. Porém, havia aqueles
que pensavam a educação infantil de modo oposto, como Rousseau (1778),
que dizia que “a criança, por ser diferente do adulto, não aprende nada a não
ser por uma conquista ativa”. Rousseau enfatiza a questão da maturação
interna defendendo o pré-formismo mental. Assim, os objetivos da educação
deveriam estar voltados para o desenvolvimento das capacidades infantis.
No entanto, a música não deve ser utilizada apenas como recurso para
desenvolver habilidades específicas. É importante salientar que ela, por si só,
bastaria, como fonte de prazer, satisfação e entretenimento.
Foi com Dalcroze (1967), influenciado pelas idéias transformadoras da
psicologia e da pedagogia, que a educação musical começou a ser vista como
algo que necessita da participação efetiva da criança, onde o educando tem a
oportunidade da prática e da vivência, antes de chegar aos conceitos e teorias.
Assim, a fonte de conhecimento da criança é a própria variedade de
situações que ela tem oportunidade de experimentar no seu dia a dia.
Conseqüentemente as riquezas de estímulos que a criança recebe por meio
das vivências musicais, possibilitam uma participação ativa da mesma no
despertar dos sentidos, da sensibilidade e do intelecto.
Existe por isso, um estreito paralelo entre o desenvolvimento afetivo e
intelectual, cujos processos se interligam embora não haja uma relação de
causalidade entre eles. Tanto a inteligência quanto a afetividade são
25
elaboradas pela criança através de estágios que se correspondem, porém, isso
não quer dizer que a educação puramente afetiva seja desencadeadora do
desenvolvimento intelectual ou vice-versa. As relações entre os dois processos
podem ser assim explicadas: a afetividade oferece a energia, o interesse e a
disposição para agir direcionando a ação de acordo com os fins que valoriza,
enquanto que a inteligência fornece a técnica, a estruturação da ação para se
atingir os objetivos.
LIMA (p.12) afirma que “a sonoridade da voz, a composição rítmica e a
estruturação da melodia são os componentes básicos da dimensão biológica
dos órgãos da fala”. Isto acontece porque a música é uma linguagem de
comunicação humana muito significativa pelo envolvimento emocional que
provoca e pelo seu caráter de contágio (LIMA, 2002). Parte integrante da
evolução da humanidade, a música significa, para a infância, a possibilidade de
desenvolver a oralidade, de orientar o movimento, organizando-o e imprimindo-
lhe um ritmo. Assim, música é fundamental. Segundo Nielsen (1992, p. 68), a música
abre as portas para um novo mundo desenvolvendo a sensibilidade e a
capacidade de concentração das crianças. Estimula a interação e aprimora o
senso rítmico delas. Diante de tantas vantagens, por que não incentivar essa
saudável convivência? Desde a vida intra-uterina o ser humano está imerso
num mundo sonoro. O meio líquido é um dos melhores transmissores de som
que existe. O feto capta toda troca de fluidos, pulsar das artérias e palpitar do
coração. Trata-se de um verdadeiro desfile de ruídos e vibrações, que adquiri
um ritmo regular quando a mãe está calma e se acelera nos momentos de
tensão.
Nos primeiros meses de vida fora do útero, a visão ainda é turva, impedindo
o bebê de distinguir pessoas e objetos através desse sentido. Entretanto, a
audição é mais apurada e serve de guia, para a criança que, a cada dia, amplia
o seu repertório sonoro. Entre seus primeiros brinquedos, figuram quase
sempre o chocalho e as caixinhas de música. Mas o som predileto é, sem
dúvida alguma, a voz da mãe. Quando ela o embala nos braços, com uma
cantiga de ninar, transmite uma mensagem de carinho e disponibilidade. Essa
sensação fica gravada no inconsciente. Por causa disso, muitas crianças
26
maiores gostam de entoar algumas músicas que relembram a segurança e o
conforto dos primeiros anos de vida.
Ao que tudo indica, o homem não prescinde da música. De acordo com
Schafer (1992) um estudioso do assunto, cada época, região ou cultura tem
sons característicos que a rodeiam, formando o que ele chama de paisagem
sonora. Se uma criança manifesta interesse por instrumentos ou canções da
sua comunidade, vale a pena procurar uma pessoa ou estabelecimento que
possam encaminhá-la neste sentido. O mais importante é ter claro que o
conhecimento musical deverá obrigatoriamente percorrer um caminho lúdico
para manter o fascínio da criança. A repetição sistemática e enfadonha pode
constituir um entrave para o progresso do aluno iniciante. Quem faz esse alerta
é o pesquisador alemão Howard (1880). Segundo ele, só avançamos quando
repetimos uma ação pelo puro prazer de fazê-lo.
Assim como não existe instrumento fácil ou difícil, também não existem
pessoas que sabem e que não sabem música. A facilidade é relativa ao
interesse da pessoa. Muita gente acredita que a aptidão musical é um dom.
Talvez não estejam de todo enganados, porém, muito mais que um talento, a
musicalidade é um traço que precisa ser cultivado, e como já foi falado,
começa cedo, em casa com a família.
Qualquer indivíduo sabe música. Apenas aqueles que têm uma privação
sensorial total a desconhecem. Nossa sociedade ouve música diariamente e
compreende o teor desta linguagem. O que varia é o grau de conhecimento
sobre a música. Ocorre o mesmo fenômeno com a língua. Tanto o jurista
quanto o feirante falam português, mas o advogado certamente se comunica
de forma mais sofisticada. (Revista Pais e Filhos – nº. 285 / Junho de 1992,
RJ).
2.1 A música como uma das inteligências múltiplas
Somos seres criativos e em dado momento da nossa vida tal criatividade
foi aflorada ou adormecida. Talvez porque tentamos direcioná-la ao campo
artístico, corporal, ou quem sabe diríamos, ao campo dos prazeres. No entanto,
essa criatividade nem sempre é constituída numa área educacional específica.
Ela pode fluir em todas as áreas do conhecimento, seja física, emocional,
27
social, afetiva, transcendental ou ainda, multidisciplinar. Um dos motivos que
não nos permite seguir em frente e viajar pelo vasto e encantador campo do
conhecimento é o fato da criatividade não ser trabalhada em todas as áreas do
conhecimento.
É necessário ter uma nova visão de educação, tendo como relevante, as
diferenças individuais. É preciso conhecer e agir de forma personalizada, para
que cada ser humano seja capaz de compreender o seu mundo e aprenda a
lidar com as mudanças que ocorrem nele, de forma a conquistar o seu espaço
na sociedade.
Em 1983, estudos realizados na universidade de Harvard, sobre
cognição, aprendizagem e artes, revelaram que o homem possui múltiplas
potencialidades. Pouco tempo depois, essas potencialidades abriram espaço a
outras, de modo que formavam um “agrupamento de potencialidades”.
Gardner (1983) chamou esse agrupamento de “Inteligências Múltiplas”.
Segundo ele, o ser humano possui pelo menos oito inteligências. Sendo assim,
é um erro pensar que existe uma única inteligência em termos da qual todas as
pessoas podem ser acopladas. Alguns autores comparam essas inteligências
a habilidades específicas. Há os que consideram o ser humano capaz de
desenvolver todas as inteligências, mesmo que, umas mais do que outras. No
entanto, o que se sabe é que se faz necessário “libertar o homem de seus
limites estreitos” (ANTUNES, 1999, p.14). O que justificaria o fato de alguns
autores, denominarem as Inteligências Múltiplas de Inteligências Libertadoras.
Mas, se pensarmos, podemos desenvolver estas inteligências em casa,
na escola, na comunidade, culturalmente, socialmente, individual ou
coletivamente. Um ambiente favorável e atraente favorece a aprendizagem
espontânea no campo das inteligências múltiplas. Portanto, cabe à Escola
aproveitar essa oportunidade propiciando um ambiente múltiplo, para formar
cidadãos plenos, agentes transformadores da realidade.
A linguagem musical é considerada por Gardner (1983), uma das
inteligências múltiplas. É universal, traduz-se em diferentes formas sonoras,
capazes de expressar e comunicar sensações, sentimentos, pensamentos.
Numa visão tradicional, a Inteligência é definida operacionalmente como
a capacidade de responder a itens em testes de QI (quoeficiente de
inteligência), que se apóia nas técnicas estatísticas que comparam respostas e
28
sujeitos em diferentes idades. Este diagnóstico determina o sucesso ou o
fracasso do indivíduo já que é um atributo inato do mesmo.
Já a teoria das Inteligências Múltiplas, pluraliza o conceito tradicional
admitindo que a inteligência pode ser desenvolvida durante toda a vida. Para
Gardner, ela implica na capacidade de resolver problemas, diferentemente do
conceito tradicional de inteligência.
Nesta teoria, somente são tratadas aquelas capacidades que são
universais na espécie humana. Como um sistema computacional com base
neural, cada Inteligência é ativada ou “desencadeada” por certos tipos de
informações interna ou externamente apresentados. Por exemplo, um dos
núcleos da Inteligência musical é a sensibilidade para determinar relações, ao
passo que um dos núcleos da Inteligência lingüística é a sensibilidade aos
aspectos fonológicos. As inteligências múltiplas em suma se definem em:
• Inteligência Lingüística: é a capacidade do ser humano em construir
imagens com o uso de palavras;
• Inteligência Lógico-matemática: revela a facilidade para aprender e,
sobretudo, perceber a projeção dos conceitos, símbolos e formas
matemáticas;
• Inteligência espacial: é a capacidade de formar, manobrar e operar um
modelo do mundo e espaço;
• Inteligência Musical: está presente em qualquer ser humano, mas oculta
pelo preconceito de que nem todos podem ter esse dom;
• Inteligência Corporal-cinestésica: é a capacidade de resolver problemas
ou elaborar formas de comunicação utilizando o corpo;
• Inteligência naturalista: trata-se da habilidade de operar o mundo natural,
tornando-nos capazes de compreender tipos encontrados na fauna e
flora, “conversando” com eles e, conseguindo resolver seus problemas e
adaptação;
• Inteligência Interpessoal: capacidade de compreender as outras pessoas
e o que as motiva;
• Inteligência Intrapessoal: capacidade de auto-estima e de formar um
modelo coerente e verídico de si mesmo, usando esse modelo para
operacionalizar a felicidade.
29
Ainda que não citada por Gardner, parece ser discutível a aceitação de
que existe uma Inteligência Pictórica em pessoas que se expressam
admiravelmente bem através do desenho ou de imagens gráficas em geral.
Observando o quadro da próxima página, descubra qual ou quais
inteligências você já desenvolveu e quais ainda poderá desenvolver.
30
fig.01 – Quadro Explicativo das Inteligências Múltiplas
Fonte: Nova Escola – Setembro 1997, pág.43.
31
Assim como os estudos de Gardner, não há como ignorar os estudos de
Goleman (1995), psicólogo, PhD pela Universidade de Harward, buscou em
uma tese científica revelar de que modo certos conhecimentos científicos
podem atuar na transformação do homem. Para ele a inteligência emocional é
a base para se chegar a uma sociedade mais equilibrada e feliz, um alerta para
aqueles que pensam que a razão é a única responsável pelo nosso destino.
Ele admite essa inteligência como parte do processo educacional. Goleman
expõem cinco pontos essenciais para expressar a Inteligência Emocional, são
eles:
1) Autoconhecimento: capacidade de identificar seus próprios sentimentos,
usando-os para tomar decisões e resolver problemas que resultem na
satisfação pessoal;
2) Administração das emoções: habilidade de controlar impulsos, de
aliviar-se da ansiedade e direcionar a raiva à condição correta;
3) Empatia: habilidade de se colocar no lugar do outro, percebendo
sentimentos e intenções não-verbalizadas;
4) Automotivação: capacidade de preservar e conservar o otimismo
sereno, mesmo em condições relativamente desfavoráveis;
5) Capacidade de relacionamento pleno: habilidade de lidar com emoções
das outras pessoas interagindo com elas.
Antunes (1999), destaca na obra de Goleman, o crédito dado ao QE
(Quoeficiente emocional) como ferramenta de adaptação social tão importante
quanto o QI (quoeficiente de inteligência).
Vale ressaltar que tanto as teorias das inteligências múltiplas quanto a
inteligência emocional vieram reforçar a capacidade do ser humano em utilizar
o cérebro, explorando grande parte da capacidade que possui. É possível
compreender também que as pessoas aprendem de várias maneiras e que,
estimular a capacidade humana numa perspectiva educacional é tornar a
aprendizagem significativa a ponto de despertar no educando a vontade e o
gosto pelo aprender.
Ainda no campo das inteligências múltiplas, podemos mencionar à
musicologia cognitiva que surge em ressonância com o desenvolvimento
destas últimas décadas da Ciência Cognitiva (Anderson,1983; Goldman, 1986).
As pesquisas nesta nova área têm mostrado que a compreensão da cognição
32
musical é estratégica para o desenvolvimento da área como um todo
(Laske,1988).
O objetivo geral da Musicologia Cognitiva é estabelecer modelos para a
inteligência musical. É uma meta bastante ampla, pois a música está
diretamente vinculada à percepção sonora que é extremamente diversificada,
cada indivíduo escuta de forma diferente os mesmos estímulos musicais,
adicionando-se a este fator a herança cultural, o fenômeno torna-se
extremamente complexo.
2.2 A música e a afetividade
Segundo Lima (1989), “a educação como tarefa de desenvolver a
criança cabe não somente aos educadores, mas também à família e a
sociedade”. Ao adulto cabe a importante tarefa de tornar efetivas as
possibilidades de desenvolvimento da espécie, principalmente proporcionando
à criança pequena um contexto de desenvolvimento que priorize as formas de
atividades que ela precisa realizar para aprender, que facilite os processos
interativos entre as crianças e outras pessoas, que torne acessíveis todos os
bens culturais, que permita a experimentação e a exploração próprias da idade.
Enfim, que ofereça uma qualidade de ação e interação com a criança de forma
que ela possa tirar o máximo proveito das mediações para seu
desenvolvimento psicológico.
Assim, percebe-se que a educação musical tem seu início desde muito
cedo. Começa em casa com os pais incentivando a criança nos primeiros
meses de vida. Aqui a família tem o seu papel fundamental na formação da
criança, em dar a ela oportunidade de experimentar sons, sentindo e
identificando a voz da mãe, sentindo-se acima de tudo, amada e querida.
A afetividade está intimamente ligada ao desenvolvimento cognitivo e
intelectual do educando. Existe um estreito paralelo entre eles, cujos
processos se interligam embora não haja uma relação de causalidade. Tanto a
inteligência quanto à afetividade são elaboradas pelas crianças através de
estágios que se correspondem, porém, isso não quer dizer que uma educação
puramente afetiva seja desencadeadora do desenvolvimento intelectual e vice-
versa.
33
O ensino da música favorece o desenvolvimento afetivo, pois cria um
ambiente livre de tensões, cujas relações pessoais estão baseadas no respeito,
compreensão, afeto, carinho. A música nos envolve num processo ativo que
engloba a audição, o canto, a dança, a percussão corporal e instrumental, a
criação melódica, compreendendo naturalmente os aspectos a serem ativados
no desenvolvimento da criança, pois é por meio das brincadeiras musicais, que
a música contribui trazendo benefício para a formação e o equilíbrio de sua
personalidade.
Atualmente a linguagem musical é estudada e analisada como terapia,
importante no comportamento da sociedade e do consumismo, como recurso
dos meios de comunicação de massa, como meio de sensibilização na
educação de deficientes auditivos e como auxiliar em psicoterapia.
O compositor COPLAND (1974), descreve três planos distintos na
audição musical: o sensível, o expressivo e o puramente musical. Para ele o
simples ato de ouvir música e entregar-se ao prazer do mesmo como
entretenimento, é o plano sensível da audição. Numa escuta sem
racionalização do ato em si, o produto musical leva o ouvinte a projetar na
música um refúgio ou qualquer outro subterfúgio.
Copland define o plano expressivo como o campo do significado
musical, o qual muitos compositores negam até a sua própria existência. Por
exemplo, Stravinsky dizia que sua música era dotada de vida própria e sem
qualquer outro significado a não ser sua própria existência.
Esta visão pode ser descrita pela assertiva de que quando se ouve
música não se apreende e registra a música em si mesma, mas as
associações e emoções que ela desperta. Todavia, se emoções musicais são
estimuladas nos ouvintes e, em resposta, o seu sistema mental inicia um
processo de associação, o próprio aspecto sonoro fica em segundo plano. O
ouvinte estará, possivelmente, vinculado às suas memórias e não estará
inteiramente ligado aos sons executados.
34
3. A PRODUÇÃO MUSICAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Do latim productione, o termo produção está intimamente ligado ao ato
de produzir, realizar. Música, do latim musica é a arte e ciência de combinar
harmoniosamente os sons. Assim, podemos definir a produção musical como sendo o ato de
produzir e combinar sons harmoniosamente. No entanto, para se chegar à
produção musical existe um caminho a percorrer cheio de mistérios,
descobertas e conquistas.
A produção musical pode ocorrer em diferentes lugares e situações, mas
cabe ao educador propiciar o conhecimento científico (teoria musical) ao
educando para ele possa ter subsídios para produzir música espontaneamente,
sendo capaz de utilizar sua criatividade.
Para tanto é preciso desenvolver também a percepção auditiva que pode
ser entendida em dois planos: o musical e o material. O primeiro consiste na
percepção sonora e o outro no que diz respeito a notas (figuras), harmonia,
timbre e manipulação destes elementos.
Quando vinculamos o ouvir ao compor estamos mais próximos da
prática musical. O compositor, em última instância, é um ouvinte, o primeiro
ouvinte da sua própria obra; aquele que ouve o nascimento sonoro, mesmo
que esta audição seja interna.
Para produzir música, basta permitir a criança explorar todo o mundo
sonoro à sua volta, bem como deixá-la à vontade para criar. Mesmo que ela
não detenha todos os conhecimentos teóricos para compor formalmente, como,
por exemplo, escrevendo uma partitura, ela pode ousar ir além do que lhe é
ensinado e intuitivamente expressar seus sentimentos por meio da criação
melódica. O objetivo na produção musical com crianças de quatro a seis anos,
é incentivá-la na escuta musical, para que possa ir além do que é proposto. É
preciso ter claro que a produção musical não é um começo e nem tão pouco
um pré-requisito da musicalização, mas sim uma conseqüência de um trabalho
sério, contínuo e coerente. Assim como para produzir música é preciso que
antes a criança desenvolva sua percepção musical. Mas como se dá a
percepção sonora no cérebro da criança? Para entender este processo é
35
preciso compreender como o sistema nervoso e o cérebro funcionam com
relação a audição.
O Sistema Nervoso é bastante complexo e é dividido em Sistema
Nervoso Central que realiza o comando de todas as atividades nervosas e o
Sistema Periférico que é composto por um conjunto de nervos que conduzem
as informações colhidas através dos órgãos dos sentidos ao sistema nervoso
central, as quais, depois de analisadas, são devolvidas pelos nervos motores
aos músculos.
O sistema nervoso detecta estímulos externos e internos, tanto físicos
quanto químicos, desencadeando respostas musculares e glandulares. É
responsável pela integração do organismo com o seu meio ambiente. É
formado, basicamente, por células nervosas, que se interconectam de forma
específica e precisa, formando os chamados circuitos neurais. O sistema
nervoso expande o domínio de interações do organismo acoplando as
superfícies sensoriais e motoras mediante uma rede de neurônios cuja
configuração pode ser muito variada, permitindo uma imensa variedade e
diversificação de domínios comportamentais.
A célula nervosa, o neurônio, é o principal componente do sistema
nervoso. Os neurônios distinguem-se por suas ramificações citoplasmáticas de
formas específicas, que se estendem por distâncias enormes, alcançando
dezenas de milímetros. Essa característica universal, presente em todos os
organismos com sistema nervoso, determina o modo específico de participação
de sistema nervoso nas unidades que integra, ao colocar em contato
elementos celulares situados em diferentes partes do corpo.
36
Figura** Esquema simplificado de um neurônio
Fonte: Fialho (1998)
Fig02 - Esquema simplificado de um neurônio
(Fialho, 1998)
O sistema neuronial inseriu-se no organismo por meio de conecções
múltiplas entre muitos tipos celulares, funcionando como uma rede de
interconecções neuroniais entre as superfícies sensoriais e motoras e
constituindo o conjunto que chamamos de sistema nervoso.
O cerebrum, a maior parte do cérebro humano, é dividido em duas
metades chamadas hemisférios, demonstrada na figura abaixo. O hemisfério
esquerdo que controla as funções da metade direita do corpo e o direito que
controla metade esquerda do corpo, em razão de um cruzamento de fibras
nervosas no bulbo.
Fig03 – Hemisférios Cerebrais Fonte: Cardoso (1997 c)
37
Normalmente, quando se fala em música, prontamente pensamos no
hemisfério direito. Contudo, tentar localizar o processamento do fenômeno
musical numa parte definida do cérebro não só é problemático, como
incorreto, conforme atestam as novas pesquisas na área da percepção
musical.
O sulco central e sulco lateral dividem cada hemisfério cerebral em
seções chamadas lobos, veja abaixo onde se localiza as habilidades no
cérebro.
Fig04 – Divisão do córtex cerebral em lobos Fonte: Cardoso (1997d )
• Lobo frontal, em verde, localizado a partir do sulco central para a
frente, é responsável pela elaboração do pensamento, planejamento,
programação de necessidades individuais e emoção.
• Lobo Parietal, em amarelo, localizado a partir do sulco central para trás,
é responsável pela sensação de dor, tato, gustação, temperatura,
pressão. Está também relacionado com a lógica matemática. A parte
esquerda do cérebro está voltada para o raciocínio gramatical e
analítico, e a parte direita, para o raciocínio espacial.
• Lobo Temporal, em azul, abaixo da fissura lateral, está relacionado
com inúmeras funções: no topo, com o processamento auditivo; no
centro e na parte inferior, com lembranças de longo prazo e
categorização; em direção à frente, com funções emocionais.
38
• Lobo Occipital, em laranja, forma-se na linha imaginária do final do lobo
temporal e parietal e é responsável pelo processamento da informação
visual.
• Lobo Límbico, em vermelho, ao redor da junção do hemisfério cerebral
e tronco encefálico, está envolvido com aspectos do comportamento
emocional e sexual e com o processamento da memória.
A audição é uma das capacidades mais sofisticadas do cérebro humano.
Talvez por isso seu desenvolvimento foi lento e seu florescimento tardio,
seguindo-se à visão, ao tato e ao paladar, já bem desenvolvidos.
A audição pode ser definida como uma estrutura sensorial de captação
do som, composta de três partes: o ouvido externo, o ouvido médio e o ouvido
interno.
Estudos recentes comprovam que, através da audição, tomamos
consciência do mundo exterior já na fase pré-natal. Pesquisas realizadas
indicam que fetos expostos a determinadas músicas durante as últimas
semanas de gestação, após o nascimento demonstram uma memória
extremamente específica ao ouvi-las (Weinberg, 1999 a, p.1-4).
Nenhum outro sentido pode registrar impulsos tão minúsculos quanto o
nosso ouvido. “Nosso sentido auditivo é de fato uma maravilha e ultrapassa de
longe a capacidade da visão em muitos aspectos”, afirma George Leonard (
apud Berendt,1993, p. 71). Quando três cores diferentes são misturadas por
um pintor, nosso olho percebe uma nova e única cor, ao passo que se
ouvirmos três instrumentos musicais tocados juntos, discriminamos o som de
cada um deles, explica o autor.
Berendt ( 1993, p.172) afirma que uma das faculdades do nosso ouvido
é a capacidade de ouvir números. Além de sua capacidade de avaliar, o ouvido
tem também a capacidade de sentir. Essas capacidades estão acopladas. “E ao que parece, neste acoplamento está a maior capacidade do nosso ouvido –
a de transformar com grande precisão as quantidades matemáticas em
percepções dos sentidos, tanto conscientes como inconscientes, coisas
mensuráveis em imensuráveis, conceitos abstratos em conceitos de alma, e
vice-versa.”
39
Idéias semelhantes podem ser encontradas nos filósofos da antigüidade.
Heráclito (535 – 480 a.c.) ensinava as pessoas a “escutarem a natureza” para
ouvirem a “harmonia invisível” : semelhança e diferença, acordo e desacordo.
Ouvimos os som por meio do aparelho auditivo.
Fig05 – Sistema Auditivo
Fonte:http://www.escola.org/ciencias/aulas/nervoso/encfalo.htm#Audição
As ondas sonoras chegam até nossos ouvidos através das orelhas, cuja
função principal é amplificar o som ao vertê-lo no canal auditivo. No instante
em que o som (inclusive o som musical) bate nas orelhas, ele é modificado
pois, devido ao seu formato e tamanho, elas enfatizam certas escalas de
freqüência, priorizando nos seres humanos aquelas relativas à fala,
correspondendo à faixa de 20 a 20.000 Hz.
Até chegar ao tímpano, o som viaja através do ar como onda de
pressão, que o faz vibrar. Essa vibração aciona, no ouvido médio, três
ossículos presos a ligamentos, de modo que o tímpano empurra o primeiro, o
martelo , que aciona em seqüência o segundo, a bigorna , e este o terceiro, o
estribo, conduzindo o som amplificado para dentro de uma cavidade que dá no
ouvido interno, cheio de fluído onde os neurônios estão a espera.
Na audição da música, da mesma forma como as moléculas de ar que a
transportam para o tímpano, esses ossículos vibram num padrão complexo,
incorporando a todo o instante o total das freqüências contidas em cada nota.
O ouvido médio também é concebido para proteger o ouvido interno de um
40
som perigosamente alto. Dois minúsculos músculos agarram os ossículos
apertando-os com força, impedindo que dois terços da energia do som alcance
o delicado ouvido interno. A longa exposição ao volume excessivamente alto
exaurem esses pequenos músculos, provocando em casos mais sérios, a
diminuição ou perda da audição.
Completando sua jornada pelos ossículos, a música sofre uma onda de
pressão no fluído para então chegar ao ouvido interno, onde existe um tubo em
forma de caracol, a cóclea, o principal órgão da audição, que contém
minúsculos pelos que atingem as células nervosas, as quais convertem as
vibrações do som em estímulos nervosos, que serão levados pelas fibras
nervosas até o cérebro.
Quando falamos ou cantamos, ouvimos nossa voz duplamente, pois o
som percorre dois caminhos: indiretamente, dos lábios até as orelhas, fazendo
o percurso normal acima descrito e, diretamente, através da cabeça até o
ouvido interno. A condução pelo osso torna o som mais alto modificando o
conteúdo da freqüência, o que explica o fato de estranharmos nossa voz ao
ouvi-la em fita gravada.
Temos a tendência de pensar a cóclea como uma espécie de microfone
ligado ao cérebro, que transmite fielmente as notas de uma música a um
cérebro que depois vai escutar. Como já foi apresentado, quando levantado o
tema da percepção, o cérebro começa a processar o som já neste nível, de
uma forma ainda pouco compreendida, projetando fibras nervosas para os
neurônios da cóclea, a fim de controlar sua receptividade. Esse processo
fisiológico é comum a todos os seres humanos independente de questões
ambientais, raças e culturas.
Quando os sons são percebidos conscientemente, o processo fisiológico
torna-se um processo psicológico. Nesse momento, a música deixa o mundo
físico, o da vibração, e entra no mundo psicológico, da informação.
Internamente seria a passagem da sensação à percepção do som.
3.1 A música nas escolas públicas e privadas de Curitiba A musicalização tanto nas escolas públicas quanto nas particulares é
bastante complexa. Pelo menos três são os fatores que contribuem para esta
41
complexidade. Assim, o primeiro está na falta de estrutura física (espaço) nas
escolas; a não capacitação de alguns professores que trabalham com a música
é o segundo fator preponderante e, em terceiro, a postura de alguns diretores
das escolas ao implantarem a educação musical, não valorizando a mesma
como arte, e sim, como mais uma aula especial.
O que acontece é que sempre que a escola passa por uma dificuldade
financeira ou até mesmo uma mudança administrativa a primeira disciplina que
se minimiza é a musicalização. Nas escolas ela é vista mais como um
complemento, diferencial para os pais, do que propriamente fundamental na
formação do ser humano. Os pais chegam a valorizar a arte musical mais do
que a escola.
Há, porém, educadores que a valorizam, proporcionando as crianças,
pelo menos algumas atividades musicais durante a semana, mesmo que não
sejam na área específica de música. Embora valha todo o esforço, não são
apenas algumas atividades que garantirão a prática da musicalização, e sim,
um trabalho sério, fundamentado em aspectos musicais, que só conseguirão
ser garantidos, se trabalhados por profissionais habilitados em música.
Para que existam estes profissionais na instituição, faz-se necessário
uma mobilização dos dirigentes da escola, selecionando currículos, fornecendo
uma sala adequada para um trabalho com a música, investindo no educador,
tanto financeira quanto pessoalmente, oferecendo cursos e especializações.
Para trabalhar na rede pública, seja na Prefeitura ou Estado, os
professores enfrentam um concurso público, cujo conteúdo das avaliações é
estritamente pedagógico. Dos aprovados, a minoria tem habilitação acadêmica
em artes e dentre esses, alguns poucos tem habilitação em música. Ao serem
aprovados no concurso, os professores são convocados para preencherem as
vagas nas diversas escolas espalhadas pelo município.
Quando chegam à Escola, são direcionados a trabalharem com uma
turma específica ou área, independentemente de sua formação
(especialização), basta ter um curso superior na área educacional. Na rede
pública, cabe aos diretores das escolas solicitar à Secretaria de Educação do
Estado, para providenciar educadores musicais.
Já nas escolas particulares há uma seleção de currículos acompanhada
de entrevistas, cuja avaliação final consiste em dar uma aula na área em que
42
se pretende trabalhar. Após este trabalho o educador é avaliado por uma
banca examinadora, geralmente composto de professores, coordenadores e
diretores que darão o “feedback” quanto à atuação do professor. Apesar de
interessante esta forma de escolha, ela não consegue garantir que o
profissional aprovado atue de maneira significativa em sala de aula.
A postura do diretor da escola e dos demais administradores é
importante no acompanhamento destes profissionais, não só dando suporte
pedagógico, mas também os orientando quanto ao funcionamento da
instituição e suas particularidades.
3.2 O currículo musical das escolas públicas
Com a promulgação da (LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação), Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, o ensino da Arte incluindo música, foi
previsto no artigo 26, parágrafo segundo, como componente curricular
obrigatório. Não foi especificado, porém, se esse ensino deveria ser ministrado
de forma integrada ou não com outras disciplinas artísticas. Por esse motivo,
embora algumas escolas já trabalhem com a música como disciplina
independente das outras artes, a grande maioria ainda apresenta no seu
currículo a Educação Artística. No entanto, apesar de estar sendo trabalhada, a
música sempre está a serviço de outra disciplina, ou condicionada ao
desenvolvimento de habilidades para reforçar a aprendizagem nas outras áreas
do desenvolvimento, como consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), ou Referencial Curricular (RC), destinado especificamente à Educação
Pré-Escolar. As discussões sobre os PCNs e RC surgem a partir de 1990, após
a participação do Brasil na Conferência Mundial de educação para Todos, na
Tailândia, organizada pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura), Unicef (Fundo das Nações Unidas para a
Infância), PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e
Banco Mundial. Resultaram dessa conferência consensos em prol da luta para
a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para todos, para
tornar universal a educação fundamental e ampliar as oportunidades de
aprendizagem para as crianças, jovens e adultos. Tendo em vista os
compromissos assumidos internacionalmente, o Ministério da Educação
43
coordenou e elaborou o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003),
que consistiu num conjunto de diretrizes políticas voltadas para a recuperação
da escola fundamental: o compromisso com a equidade, o incremento da
qualidade e a avaliação dos sistemas escolares, visando ao seu contínuo
aprimoramento (PCNs, 2000, p.14).
Nos PCNs, para o ensino da música, estão previstas atividades que
devem ser elaboradas visando o desenvolvimento de atividades de
composição, improvisação e interpretação ... todos tenham a oportunidade de
participar ativamente como ouvintes, intérpretes, compositores e
improvisadores, dentro e fora da sala de aula. (PCNs – Arte, 2000, p.77).
Os parâmetros para o ensino da música trazem algumas diretrizes,
divididas em quatro diferentes subtítulos, quais sejam:
1. Comunicação e Expressão em Música: interpretação, improvisação e
composição:
• Interpretações de músicas existentes vivenciando um processo de
expressão individual ou grupal, dentro e fora da escola.
• Arranjos, improvisações e composições dos próprios alunos baseadas
nos elementos da linguagem musical, em atividades que valorizam seus
processos pessoais, conexões com a sua própria localidade e suas
identidades culturais.
• Experimentação e criação de técnicas relativas à interpretação, à
improvisação e à composição.
• Experimentação, seleção e utilização de instrumentos, materiais
sonoros, equipamentos e tecnologias disponíveis em arranjos,
composições e improvisações.
• Observação e análise das estratégias pessoais e dos colegas em
atividades de produção.
• Seleção e tomada de decisões em produções individuais e/ou grupais,
com relação às idéias musicais, letras, técnicas, sonoridades, texturas,
dinâmicas, forma, etc.
• Utilização e elaboração de notações musicais em atividades de
produção.
44
• Percepção e identificação dos elementos da linguagem musical em
atividades de produção, explicitando-os por meio da voz, do corpo, de
materiais sonoros e de instrumentos disponíveis.
• Utilização e criação de letras e canções, parlendas, raps, etc., como
portadoras de elementos de linguagem musical.
• Utilização do sistema modal/tonal na prática do canto a uma ou mais
vozes.
• Utilização progressiva da notação tradicional da música relacionada à
percepção da linguagem musical.
• Brincadeiras, jogos, danças, atividades diversas de movimento e suas
articulações com os elementos da linguagem musical.
• Traduções simbólicas por meio da música.
2. Apreciação Significativa em Música: escuta, envolvimento e compreensão
da linguagem musical:
• Percepção e identificação dos elementos da linguagem musical
(motivos, forma, estilos, gêneros, sonoridades, dinâmica, texturas, etc.)
em atividades de apreciação, explicitando-os por meio da voz, do corpo,
de materiais sonoros disponíveis, de notações ou de representações
diversas.
• Identificação de instrumentos e materiais sonoros associados a idéias
musicais de arranjos e composições.
• Percepção das conexões entre as notações e a linguagem musical.
• Observação e discussão de estratégias pessoais e dos colegas em
atividades de apreciação.
• Apreciação e reflexão sobre músicas da produção, regional, nacional e
internacional consideradas do ponto de vista da diversidade, valorizando
as participações em apresentações ao vivo.
• Discussão e levantamento de critérios sobre a possibilidade de
determinadas produções sonoras serem música.
• Discussão da adequação na utilização da linguagem musical em suas
combinações com outras linguagens na apreciação de canções, trilhas
sonoras, jingles, músicas para dança, etc.
45
• Discussão das características expressivas e da intencionalidade de
compositores e intérpretes em atividades de apreciação musical.
• Explicitação de reações sensoriais e emocionais em atividades de
apreciação e associação dessas reações a aspectos da obra apreciada.
3. A Música como Produto Cultural e Histórico: música e sons do mundo.
PCNs – Arte, 2000, p. 78-81).
• Movimentos musicais e obras de diferentes épocas e culturas,
associados a outras linguagens artísticas no contexto histórico, social e
geográfico, observados na sua diversidade.
• Fontes de registro e preservação (partituras, discos, etc.) e recursos de
acesso e divulgação da música disponíveis na classe, na escola, na
comunidade e nos meios de comunicação (bibliotecas, midiatecas, etc.).
• Músicos como agentes sociais: vidas, épocas e produções.
• Transformações de técnicas, instrumentos, equipamentos e tecnologia
na história da música.
• A música e sua importância na sociedade e na vida dos indivíduos.
• Os sons ambientais, naturais e outros, de diferentes épocas e lugares e
sua influência na música e na vida das pessoas.
• Músicas e apresentações musicais e artísticas das comunidades,
regiões e País consideradas na diversidade cultural, em outras épocas e
na contemporaneidade.
• Pesquisa e freqüência junto dos músicos e suas obras para
reconhecimento e reflexão sobre a música presente no entorno.
(PCNs, Vol.6, p.78 a 81)
Os conteúdos apresentados nos PCNs são estritamente musicais. São
aplicados em ciclos que tem início na educação pré-escolar e continua em todo
o ensino fundamental. Para garantir um ensino-aprendizagem eficaz,
novamente cabe à escola reivindicar junto a Secretaria do Estado, professores
licenciados em música.
Durante a pesquisa de campo, observou-se que a maioria dos
profissionais que atuam na área musical não tem esta habilitação, além disso,
46
são volantes, pois mudam de escola freqüentemente comprometendo, assim a
continuidade do trabalho nas séries subseqüentes.
Talvez a música nas escolas públicas tenham os melhores parâmetros
curriculares nacionais, mas falta-lhes profissionais comprometidos com a
educação em todas as áreas do conhecimento e também recursos para se
aplicar o que é proposto.
3.3 O currículo musical das escolas privadas
Observou-se nas pesquisas de campo que, nas escolas particulares, o
currículo é mais específico no que diz respeito ao ensino da música.
Apesar de dar um enfoque na questão da interdisciplinaridade, proposta na
maioria das escolas, não foi diagnosticada uma ampliação do conhecimento
das crianças nas demais áreas, como por exemplo, quando se trabalha o som.
Poderia ser enfocada a área da física, já que a mesma, por meio das vibrações
ondulatórias explica o fenômeno. No entanto, isto não acontece, pois não há
uma ampliação do conhecimento histórico, apenas o específico à área musical
(timbres, ritmos, etc.).
Percebe-se que nas escolas particulares, a aplicabilidade do currículo é
quase que total, garantindo em parte, a educação musical.
Os conteúdos contemplados nos currículos das escolas particulares
pesquisadas foram em suma, os seguintes na educação infantil:
4. A evolução musical ao longo dos tempos, incluindo folclore e canto
gregoriano.
5. Apreciação musical
• Som: timbres corporais;
• Sons e ritmos da natureza;
• Sons e ritmos dos animais;
• Sons e ritmos do ambiente;
• Timbre, altura e intensidade do som;
• Localização da direção do som;
• Expressão corporal;
• Banda rítmica;
47
• Canções;
• Notas e figuras musicais.
6. Produção
• Expressão de melodias pertencentes ao universo musical das crianças;
• Exploração de sons que podem ser produzidos com o corpo;
• Identificação de sons através de jogos;
• Interiorização e relaxamento através da audição de trechos musicais;
• Expressão corporal;
• Óperas diversas;
• Instrumentos musicais;
• Manipulação de instrumentos africanos;
• Sonorização de histórias
Tendo em vista os conteúdos acima citados, percebe-se que alguns
deles não são contemplados nas aulas, devido à falta de recursos financeiros
para adquirir instrumentos musicais, para se fazer uma bandinha rítmica. Nesta
fase dos quatro aos seis anos de idade, é importante que a criança construa e
manipule instrumentos feitos por ela, com materiais alternativos, como por
exemplo, sucatas e materiais recicláveis. No entanto a educação musical
necessita de instrumentos com som e afinação perfeita para que a criança
tenha um referencial completo, conhecendo o instrumento real, bem como sua
sonorização.
No primeiro momento quando observamos o currículo das escolas
particulares, dá-se a impressão de um trabalho mecanizado, interessado na
transmissão do conhecimento e não na construção do mesmo ao longo do
processo. Mas isso não é verdade. O trabalho realizado é todo contextualizado
e minucioso, apesar de não ser o suficiente para garantir em certos momentos
a vivência musical.
No entanto, todo trabalho realizado tem o seu valor. O que deveria de
fato ser proposto nas escolas seja na rede pública ou privada, é o trabalho de
explorar o potencial criativo das crianças, assim como faz o compositor
canadense Schafer (1991), relatando suas experiências em seu livro “O ouvido
Pensante” e de tantos outros educadores musicais. Para ele, ensinar é
responder a questionamentos que ninguém faz. É instigar a curiosidade dos
48
alunos, fazendo-os descobrir a música de forma entusiasmática, precedendo a
habilidade de tocar um instrumento e tocar notas. Neste contexto os
professores fazem parte de uma comunidade de aprendizes, capazes de
permanecer “crianças”, abertos a mudanças e a novos conhecimentos.
Weigel (1988), diz que ensinar é facilitar a aprendizagem. A ação do
professor deve variar de acordo com o momento e clima da turma, na verdade
o que importa é expressar-se musicalmente. A criança precisa estar contagiada
com a aula, entusiasmada e envolvida no processo.
Schafer (1991) dá ao professor a responsabilidade de se permitir ensinar
diferentemente. Significa transmitir sua personalidade, tornando real e prático o
conhecimento. Isto acontece quando o professor dá aos alunos a oportunidade
de serem autônomos, ou seja, de fazerem música por si mesmos.
3.4 Os métodos ativos na musicalização
Existem muitas técnicas disponíveis para se ensinar música às crianças.
O curso de iniciação musical em muitas escolas baseia-se nos ensinamento
do suíço Jacques Dalcroze (1967) que consistia basicamente no trabalho
coletivo. Foi trazido para o Brasil através do baiano Antônio Sá Pereira que
percebeu que o ensino da música em grupo era mais estimulante do que o
individual. Em conjunto, a criança aprenderia melhor noções de ritmo, regência
e afinação. Somente depois de ser capaz de reproduzir melodias simples e
movimentar o corpo sem inibições, passaria a teorizar sobre a música.
Para WILLEMS (1969), a metodologia no processo de ensino-aprendizagem
da música deveria ocorrer de maneira que a criança vivenciasse os fatos e
fenômenos musicais profundamente, antes de adquirir a consciência dos
mesmos.
Já para o musicoterapeuta e professor de música Marco Antônio Carvalho
Santos, mais importante que o método empregado é a postura e competência
do professor no sentido de proporcionar novas experiências aos alunos e
multiplicá-las.
No entanto, não é tarefa apenas do professor despertar na criança a
atração pela música. A criança precisa ter uma estimulação sonora desde os
primeiros anos de vida. Aqui, a família tem um papel fundamental, o de
49
proporcionar a criança um ambiente saudável, auditivo em que ela sinta-se
estimulada a ouvir diversos estilos musicais, pois quanto mais experiências
auditivas puder desfrutar, mais rico será seu universo musical. Dessa mixagem
variada se desenvolverão um senso crítico muito mais aguçado e um gosto
eclético.
Neurologistas afirmam que a fase dos 0 aos 6 anos é a melhor época
para “aprender”, pois coincide com o período que o cérebro cresce mais
depressa. Atualmente sabe-se que a criança aprende diferentemente do
adulto. Precisa ser estimulada por meio de desafios, experiências vinculadas a
um trabalho lúdico e prazeroso.
Segundo Edegar Willems (1969) o processo de aprendizagem musical,
ocorre em 3 etapas. São elas:
• Sincrases ou vida consciente: Consiste no ouvir, sentir, experimentar
sem o compromisso de ter que saber.
• Análise ou tomada de consciência: É o vivenciar situações que levem ao
educando à reflexão sobre o que ouviu, sentiu, vivenciou.
• Síntese ou vida inconsciente: É quando houve o aprendizado, ou seja, o
educando conseguiu internalizar os conteúdos e experiências vividas.
É importante salientar que as crianças aprendem de maneiras diferentes
e quando chegam à escola, já trazem um conhecimento espontâneo de casa,
da família, da comunidade onde estão inseridas. A escola, os educadores, tem
o papel de transformar este conhecimento adquirido em conhecimento
científico, proporcionando à criança o construir e reconstruir de seu saber.
Para isto, alguns métodos podem ser aplicados. Muitos surgiram no
decorrer dos tempos. Uns são denominados de métodos ativos, que estimulam
a criatividade e a espontaneidade na criança. Outros, métodos inativos que
trabalham com a memória e a observação. Nesse caso, tem-se o método
desenvolvido pelo músico e compositor Scinichi Suzuki que consiste em reunir
uma turma de alunos em torno de um mestre violinista. Com o instrumento em
punho, os alunos vão seguindo a ordem e os movimentos do líder. Muitos
acham que esta prática não passa de um “adestramento”. Mas, não dá para
negar o seu mérito, pois a cada ano surge uma nova safra de músicos no
Japão e há muitos no Brasil que reconhecem este método como sendo eficaz.
50
No entanto, trataremos aqui dos métodos ativos, conhecendo suas
particularidades e autores. Dentre eles podemos citar:
3.4.1 Método Dalcroze
“La educación debe, ya sea em el campo particular de la
música, ya sea em el de la vida afectiva, ocuparse de los ritmos
Del ser humano, fomentar em el nino la libertad de sus actos
musculares y nerviosos, ayudarle a triunfar sobre lãs
resistências e inhibiciones y armonizar sus funciones
corporales com lãs Del pensamiento. Tal es la meta que hoy
percibo muy netamente y a la cual me condujeron mis
experiências”. Jaques Dalcroze (Junho de 1935)
“Educación Del sentido rítmico, de G. Campagnon y M.
Thomet, ed. Kapelusz.
Músico e pedagogo suíço, Emile Jaques Dalcroze (1965-1950), criou
uma proposta metodológica denominada de “Eurritmia” ou “Ginástica Rítmica”
(DALCROZE, 1967). Esta proposta nasceu de experiências desenvolvidas no
Conservatório de Música em Genebra, face à constatação de uma
problemática na educação musical nas escolas de música, cuja ênfase era
dada no virtuosismo, na leitura e na escrita, na análise e classificação, nos
exercícios de harmonia – corretos, mas esteriotipados – que gerava uma
prática mecânica porque era desprovido de um efetivo desenvolvimento da
sensibilidade e imaginação auditivas; e em escolas primárias e secundárias
onde a música atuava como um passatempo, havia separação entre a “música
para adultos” e a “música das crianças”.
Dalcroze redimensiona a educação musical concebendo-a como
treinamento que reintegra corpo e mente, pensamento e comportamento,
pensamento e sentimento, consciente e subconsciente, gosto e entendimento.
Para ele a música, tanto nas escolas primárias como nas academias de
música, deveria ser uma espécie de “compromisso entre inspiração e forma, a
arte da auto-expressão pelo ritmo pessoal, uma linguagem viva (...)
manifestação vital de pensamentos e emoções”. (Dalcroze,1967).
51
O compositor se preocupou com o processo de ensino, com o “método”.
Assim sendo, ele propôs uma educação musical baseada na audição (escuta
consciente), entendendo-se que esta se dá por meio da participação de todo o
corpo, da ativação do sistema nervoso, num cultivo de “sensações táteis e
auditivas combinadas” (Dalcroze, 1967). Parte do pressuposto de que os sons
são percebidos por outras partes do organismo humano além do ouvido.
Ele conduzia seus alunos, aplicando sua “rítmica”, ritmos da vida diária.
Punha em jogo as principais atividades do nosso ser: atenção, inteligência,
rapidez mental, sensibilidade e movimento. Dentre as suas conclusões sobre
ritmo (Dalcroze,1967), estão as de que “ritmo é movimento” e “essencialmente
físico”, sendo a consciência musical resultado de experiência física: a
consciência do ritmo vem do aperfeiçoamento dos movimentos no tempo e no
espaço, desafio ao qual a Ginástica Rítmica responde com eficácia.
A criança é toda movimento e não dá para ensinar música deixando-a
estática, tornando-a mero ouvinte.
Jaques-Dalcroze (1967) explicita claramente o alvo da Eurritmia:
(...) capacitar os alunos, ao final do curso, a poderem dizer: eu
sinto, em lugar de dizer” eu sei”, e então, criar neles o desejo
de se expressarem, pois as faculdades emotivas despertam o
desejo de comunicação.
Dalcroze destaca a relação de consciência – e não de conhecimento –
na experiência musical, precedida da impressão a nível fisiológico (de nervos,
glândulas), sensorial, exigindo-se mesmo o refinamento dos sentidos.
Enquanto o movimento rítmico é a manifestação visível da consciência rítmica,
esta realização é, para os demais observadores, fator facilitador da percepção
do fenômeno musical.
Ele fala do movimento como conseqüência de uma consciência, de
externalização espontânea de atitudes mentais, manifestação de pensamentos
e emoções, manifestação visível de elementos musicais genuinamente
sentidos, ao invés de se restringir a um mero trabalho imitativo, mecânico,
automatizado. O movimento corporal, porém, amplia a consciência através da
realização concreta, tátil-motora, onde todo músculo pode contribuir para
52
avivar, clarificar, moldar e aperfeiçoar a consciência rítmica, reforçando junto
ao sentimento, que nasce da sensação muscular, as imagens presentes na
mente.
Além do desenvolvimento sensório motor dos educandos, Dalcroze,1967
ressalta a necessidade da educação do ouvido por meio de diferentes valores
rítmicos e expressões corporais. Como exemplo, utiliza a semínima, ( ) figura
musical que equivale a um tempo, para marchar, contando um tempo para
cada movimento da perna. A colcheia, ( ) figura que equivale a meio tempo,
para correr, enfim, cria um movimento para cada figura rítmica apresentada,
tornando seu trabalho criativo e prático.
Gradualmente, os exercícios vão ficando mais difíceis até que se chegue
aos movimentos assimétricos que exigem um maior conhecimento e domínio
sobre o corpo. Toda esta série de exercícios deve dar à criança a possibilidade
da criação prática, sem se restringir à mera imitação.
Dalcroze recomendava ainda, que a criança deve desenvolver sua
imaginação plástica utilizando recursos visuais dos mais diversos: movimento
do desenho que é estático, com movimentos vivenciados pelo corpo.
Além da expressão corporal e rítmica, Dalcroze (1967) ressaltava a
importância de se desenvolver a sensibilidade auditiva na criança, pois ela
favorece a exteriorização da emoção artística. A criança exprimirá, através do
gesto espontâneo aquilo que sente. É a vivência, pelo movimento, do ritmo e
da música. Segundo ele:
faremos a criança escutar sons; sua força ou suavidade;
reconhecer o fraseado e observar sua proporção. E, se a partir
das primeiras lições e no transcurso da iniciação musical;
propriamente dita, estimularmos a criança a escutar-se a si
mesma, a caracterizar a canção proposta com uma palavra
(canção de ninar, melodia triste, marcha alegre, etc.); se a
fizermos exteriorizar essa emoção por um gesto ou por um
movimento espontâneo, certamente a estaremos animando
para seguir o caminho da verdadeira expressão artística.
DALCROZE, O Método Jaques Dalcroze para as crianças.
53
3.4.2 Método Willems
Que pode fazer a música em benefício de todos os seres
humanos?” Lãs bases psicológicas de la educacion musical,
WILLEMS, 1969
Filósofo e pedagogo contemporâneo, Edgar Willems, voltava-se ao
estudo da psicologia como fundamento básico de seu método educativo
musical. Edgard WILLEMS nasceu na Bélgica em 1889 e faleceu em 1978.
Desenvolveu na Suíça as bases psicológicas da educação musical, hoje
amplamente difundidas no mundo e bem conhecidas particularmente na
América Latina.
Willems considera a música como a expressão mais profunda do ser
humano e não uma mera distração ou simples prazer superficial. Acredita que
toda criança tem a possibilidade de aprender música, mesmo que não seja
particularmente dotada, pois tem os elementos fundamentais da atividade
musical que são próprias do ser humano. São eles: o instinto rítmico, a
audição, a sensorialidade, a emotividade, a inteligência ordenadora e criadora.
Segundo Willems, “a educação através da música requer a participação
do ser humano integral: tanto dinâmico, sensorial, afetivo, como mental e
espiritual”. (Zagonel, 1989) Para o educador que queira assumir a iniciação
musical segundo esses princípios é necessário que ame as crianças e ame a
música; conheça as bases psicológicas da educação musical bem como a
psicologia da criança; encare a música como um meio de cultura humana.
O valor do professor, seu dinamismo e sensibilidade são tão
importantes, senão mais, que o valor do método utilizado. A adesão da criança
deverá ser o seu primeiro objetivo e depois a sua participação ativa. Sua
espontaneidade, expressão pessoal, suas reações e iniciativas é que
proporcionam indicações preciosas para o educando.
Para Willems o professor deve fazer com que as crianças amem a
música. Não somente amor às obras musicais, aos seus criadores e
intérpretes, mas a tudo quanto à música contém: o som, a emoção musical, o
instinto rítmico, o ouvido.
54
Para atingir estes objetivos, a atividade pedagógica de Willems está
centrada em dois aspectos principais: a cultura e o desenvolvimento do senso
rítmico.
Na cultura auditiva, o desenvolvimento auditivo compreende a educação
da sensorialidade, da sensibilidade afetiva, emotiva, e da consciência mental
auxiliada por meios intelectuais (nome das notas, graus, etc). A primeira etapa
consiste em fazer, escutar, reconhecer, reproduzir sons da natureza, gritos dos
animais, canto dos pássaros. O órgão auditivo não é modificável, mas a sua
atividade orgânica pode ser despertada e desenvolvida, favorecendo a
compreensão de qualquer música.
No desenvolvimento do senso rítmico: o ritmo possui prioridade, por ser
o elemento mais corporal, sendo considerado um elemento pré-musical
importante na educação musical, ainda que, a melodia ocupe o primeiro lugar
na música, pois o som é a sua característica essencial.
Na ação do movimento corporal, as mãos devem ter predomínio sobre
os pés, a fim de desenvolver o sentido do tempo, do compasso, da subdivisão
dos tempos e dos diversos ritmos. Para despertar e desenvolver o senso
rítmico (que é instinto de consciência) são utilizados exercícios rítmicos que
estimulam a imaginação motora, dinâmica, chave da vida rítmica interior, como
também utiliza canções, que devem ser as populares tradicionais e pequenas
com dois a cinco sons no princípio.
Além dos aspectos auditivo e rítmico, Willems atribuiu grande
importância à invenção e à improvisação da criança, à sua participação ativa
que pode ser obtida desde cedo.
3.4.3 Método Martenot
Maurice Martenot nasceu na França no ano de 1898. A ele se deve a
invenção do primeiro instrumento radioelétrico, de onde veio a onda Martenot.
Mas além das atividades de inventor, começa, a partir de 1930
aproximadamente, a dedicar-se a pedagogia musical.
Como compositor, foi renovador; como francês, um místico, pois
buscava a transcendência espiritual. Daí a preocupação com uma educação de
qualidade, em todos os sentidos (mente, corpo, espírito).
55
Em seu método de iniciação musical incorporou recursos para o ensino
do canto, baseado na psicopedagogia infantil e na psicofisiologia humana.
A sensibilidade de Martenot para com a criança se revela quando afirma:
a alma da criança está... cheia de aspirações desconhecidas e
de alegrias, mas também de sofrimentos ocultos, capazes de
perturbar uma vida inteira. A arte, particularmente a música, é o
melhor remédio para esses males, pois é libertadora da
expressão e exige a manifestação de todo o ser. Cantar, tocar
um instrumento é liberar uma energia nova, capaz de afastar
complexos e amenizar emoções penosas. MARTENOT, 1935
A educação musical permite ao aluno expressar-se livremente,
convertendo-se em um poderoso fator de equilíbrio e harmonia.
Para Martenot, o despertar da criança para a música é algo como “o
primeiro despertar para a beleza” das raças primitivas. Por isso considera que
graças ao dinamismo do ritmo o professor chega as potencialidades infantis.
Como nos povos primitivos, a força do ritmo permite a aparição do pulso
libertador. E nessa atividade, a criança realiza e sente. O aprendizado teórico
só se dá num estágio adiantado. Trata-se de amar e não compreender ainda; o
professor deve criar uma atmosfera de atenção e confiança para esta etapa do
“despertar a criança para a beleza”. O educador, segundo seu tipo de
personalidade, tem sempre a direção afetiva da classe, onde deve reinar uma
flexível disciplina. Suave, firme, sempre ativo, acolhedor, sem jamais
demonstrar indiferença, o professor precisa ao mesmo tempo inspirar confiança
e respeito. Sua sensibilidade artística, sua ternura para com as crianças, se
convertem em amor ativo, em um dinamismo irresistível. Ele deve criar um
ambiente de doçura, liberdade, alegria, confiança e também mistério. Neste
ambiente as crianças amam o professor e nele a música.
Podemos considerar quatro aspectos fundamentais na obra didática de
Martenot: o desenvolvimento do sentido rítmico, a relaxação, o silêncio e a
audição interior e os exercícios-jogos.
O desenvolvimento do senso rítmico é o primeiro elemento a ser
trabalhado, pois tanto no adulto como na criança, a exteriorização mais
espontânea se manifesta através dele. Com o objetivo de a criança
56
desenvolver a memória, a precisão, a pulsação rítmica, o método propõe
muitos jogos rítmicos.
Martenot utiliza jogos também com a finalidade de desenvolver a
dissociação muscular e a independência motora.
Todos esses exercícios são feitos respeitando o “tempo” natural da
criança que é mais rápido que o adulto. Afirma Martenot:
Temos observado que a participação ativa das crianças na
classe é mais intensa quando os exercícios e jogos se
desenvolvem seguindo um” tempo “aproximado à marcação
metronômica 100. Para o adulto é mais cômodo dentro de
“tempo” menos rápido (de aproximadamente 75) e, um “tempo”
superior a 100 produz na criança agitação e super-excitação.
Inversamente o tempo abaixo da marcação normal produz
vazios em sua atividade mental. Daí provém os cortes de
atenção que rompem a continuidade e dificultam o trabalho,
sendo necessário voltar a impulsionar sua marcha
constantemente.(1935)
Cada elemento da música deve ser trabalhado separadamente,
evitando-se desta forma a dispersão da atenção. É por este motivo que
considera fundamentais os momentos de relaxamento.
Os exercícios baseados no relaxamento favorecem o descanso físico e
mental, sendo excelentes para todos, adultos e crianças. A relaxação, unida a
uma respiração tranqüila e a gestos equilibrados, podem ajudar a atenuar
esses males e conduzir o homem a um reequilíbrio, dando-lhe condições de
expressar-se o mais harmoniosamente possível.
Estes exercícios desenvolvem domínio dos movimentos, permitindo uma
adequada proporção de esforço, pois se utilizam somente os músculos
necessários às ações que se pretendem realizar.
Desse modo se propicia o desaparecimento de tensões inúteis e
contrações, ao mesmo tempo em que se proporciona uma harmonia de todos
os movimentos, facilitando a técnica da dança, bem como as técnicas vocais e
instrumentais.
57
Junto a alegre atividade rítmica, a relaxação dá aos alunos paz e
harmonia interior. O silêncio total, na imobilidade mais absoluta, antes ou
depois de cada exercício ou de cantos, permite anular a agitação exterior.
O professor deve criar o hábito dessa tranqüilidade total que propicia
um melhor aproveitamento dos exercícios, pois as mentes estão clareadas pelo
repouso.
A audição interior deve ser desenvolvida sempre a partir do silêncio,
para que a criança não somente se predisponha à audição de manifestações
exteriores da música, mas compreenda e sinta que o domínio dos sons é
invisível e maravilhoso.
Para atrair a atenção para a essência misteriosa do som, Martenot indica
vários exercícios que levam o aluno à atenção auditiva e a compreensão do
silêncio. Por isso, utiliza a técnica do jogo que em seu método apresenta duas
facetas: espontaneidade e atividade; tranqüilidade e concentração.
O avanço desses excercícios-jogos se dá à medida que o aluno assimila
devidamente os elementos estudados. Estes devem ser curtos e vivazes,
estimulando os alunos para uma atividade alegre, que será mais intensa na
medida em que for menos prolongada.
3.4.4 Método Orff
Carl ORFF, músico e pedagogo alemão nasceu em Munique em 1895.
Seu método teve êxito não somente em seu país, mas em outros, cujo número
de adeptos aumenta a cada ano.
Orff recebeu influência de sua época, principalmente com a revolução da
dança, onde em diversos países, pedagogos, dançarinos e coreógrafos
começaram a encarar diferentemente a dança e o movimento corporal.
Em 1924, fundou uma escola de ginástica, música e dança, a
“Guntherschule” junto com Dorothées Gunter. A partir do trabalho desenvolvido
na escola, começa a ser editada a “Orff – Schulwerk” (música para crianças),
em colaboração com Gunild KEETMAN.
Essa obra didática teve grande repercussão, e é utilizada em vários
países da Europa, América e Extremo Oriente.
58
A Orff – Schulwerk, como própria indicação do autor, deve ser adaptada
conforme o ambiente social e cultural onde é aplicada; seus aspetos principais
são ritmo, melodia, criação, jogos e instrumental.
O objetivo de seu método é buscar a participação ativa do aluno a fim de
que o mesmo desenvolva capacidade de apreciar e compreender a linguagem
musical, por meio dos sons.
Tomou como base de seu método, os rimos da linguagem. A célula
geradora do ritmo e da música para Orff está representada pela palavra falada,
que se une a sua expressão e ritmo: rimas, refrões e combinações de palavras.
A recitação de palavras e frases, leva a compreensão do ritmo, tendo
por base a inflexão da linguagem. Isto permite à criança a percepção de
qualquer combinação rítmica sem dificuldade alguma, ainda que contenham
anacruses e medidas irregulares.
As formas rítmicas assim vivenciadas são reproduzidas através de
palmas, batidas com o pé no chão, batidas no corpo. “O próprio corpo será o
instrumento de percussão; a seguir utilizam-se instrumentos de percussão
simples que permitem a inclusão de acompanhamentos cada vez mais
complexos”. (Zagonel, 1989) A melodia, no início, é estruturada com dois sons
para que a criança perceba o mínimo de diferença sonora das sílabas
ritmicamente entoadas. O intervalo entre esses sons é a terceira menor
descendente, pois esse intervalo está presente na maioria das canções infantis
“tradicionais”.
Gradualmente aparecem o terceiro, o quarto e o quinto sons, formando a
escala pentatônica (cinco notas) que Orff considera acessível às crianças.
A simplicidade das melodias pentatônicas contidas na obra didática de
Orff permite que a criança encontre por si mesma a sua própria forma de
expressão. É também um estímulo à criatividade da criança que é levada a
inventar suas próprias músicas, com total espontaneidade.
À medida que a criança esteja segura de suas improvisações,
introduzem-se os sons que completam a escala maior. Posteriormente, se
acrescentará a base do modo menor e dos modos antigos.
A criatividade é o aspecto fundamental da concepção educativa-musical
de Orff. Ele considera a criação infantil enquadrada numa atividade que
59
proporciona a criança livre desenvolvimento de sua expressão. Esta atividade é
o jogo.
Sob a orientação de um professor eficiente as crianças jogam com
ritmos, sons, palavras, instrumentos e ao fazê-los, libertam seus sentimentos,
impulsos e, obtém a confiança em si mesmos.
3.4.5 Método Kodaly
Para os pequenos, o melhor, é pouco.
KODALY, 1930.
Zoltan KODALY, músico e compositor húngaro nasceu em 1882 e faleceu
em 1967. Tomou como base para seu método os temas folclóricos e nacionais
de seu país. A vida dos camponeses húngaros, sempre acompanhados de
cantos e danças, foram sua inspiração.
O método Kodály é baseado em cinco princípios. São eles:
1º. A música é tão necessária quanto o ar;
2º. Somente os autênticos artistas são valiosos para os pequenos;
3º. A autêntica música folclórica deve ser base da expressão musical em
todos os níveis da educação;
4º. O conhecimento dos elementos musicais deve se dar através da prática
vocal (uma, duas ou três vozes) e instrumental;
5º. Educação musical para todos, estando à música em pé de igualdade
com outras matérias do currículo.
O desenrolar do método começa com temas familiares para as crianças,
com intervalo de terça maior descendente, que se refere à terceira nota na
escala maior, de cima para baixo. Exemplo na escala de Dó Maior:
Ascendente
DO RE MI FA SOL LA SI DO
Descendente
3ª. Maior Ascendente: MI (Refere-se à 3ª. Nota de baixo para cima).
3ª. Maior Descendente: LA (Refere-se à 3ª. Nota de cima para baixo).
60
Depois vêm os exercícios de entonação, ditados pelo maestro ou criado
pelas crianças.
Kodaly utiliza em seu trabalho a escala pentatônica e progressivamente vai
incorporando outras notas, sempre as associando com gestos. Realiza
interessantes e variados exercícios de audição interior aumentando seu grau
de dificuldade com o tempo.
Trabalha com a educação rítmica, utilizando exercícios em forma separada
de acordo com os níveis de aprendizagem dos alunos.
Com isso Kodály preocupa-se em despertar a todo o momento no
educando, o interesse pela música, criando um ambiente de apreciação
musical a fim de preparar músicos profissionais.
Assim, os métodos ativos de DALCROZE, WILLEMS, MARTENOT, ORFF e
KODÁLY, trouxeram os princípios imprescindíveis para a educação musical:
liberdade, criatividade e atividade. Esses princípios permitem, um fluxo de
energia entre o educador e o educando, uma troca de emoções, satisfação e,
sobretudo uma vivência musical profunda. Priorizam a invenção e improvisação
da criança.
Cabe aos educadores musicais, conhecer as bases psicológicas e
fisiológicas da criança, a fim de propor atividades compatíveis com as faixas-
etárias apresentadas e, acima de tudo, fazer a criança vivenciar a música,
como parte de sua cultura humana.
3.5 A formação acadêmica dos professores de música Muitos educadores ensinam a arte musical nas escolas, porém poucos
possuem habilitação para isto. A maior parte destes são pedagogos. O MEC
(Ministério de Educação e Cultura) reconhece que existe esta falha e aprova o
seguinte currículo para a formação acadêmica em Educação Artística com
habilitação em Música.
61
ANO
DISCIPLINA
CARGA HORÁRIA
1º ANO
• Psicologia da educação I
• Educação Física
• Introdução à Filosofia
• Métodos e Técnicas de Pesquisa
• Fundamentos da Expressão e
Comunicação Humana I
• Técnicas de Expressão Vocal
• Linguagem e Estruturação Musical I
(Teoria Musical)
• Formas de Comunicação e Expressão
Artística:
1. Oficina de Música
2. Oficina de Artes plásticas
3. Oficina de Artes Cênicas –
Teatro
4. Oficina de Artes Cênicas - Dança
60
60
60
60
60
60
90
90
90
90
90
60
Obs. As disciplinas em negrito são comuns ao curso de Pedagogia.
Quadro01 – Grade Curricular do Curso Superior em Música:
Faculdade de Artes do Paraná / 2000.
62
ANO
DISCIPLINA
CARGA HORÁRIA
2º ANO
• Psicologia da Educação II
• Fundamentos da Arte-Educação I
• Antropologia
• Fundamentos da Expressão e
Comunicação Humana II (Harmonia)
• Estética I
• História da Arte I
• Técnicas de Expressão Vocal II
• Linguagem e Estruturação Musical II
• Canto Coral I
• Técnicas de Musicalização I
• Prática Instrumental I (Flauta)
• Folclore Brasileiro I
60
60
60
60
60
60
60
60
60
60
60
60
Obs. A disciplina em negrito é comum ao curso de Pedagogia.
Quadro02 – Grade Curricular do Curso Superior em Música:
Faculdade de Artes do Paraná / 2000.
63
ANO
DISCIPLINA
CARGA HORÁRIA
3º ANO
• Didática I
• Fundamentos da Arte-Educação II
• Estética II
• História da Arte II
• Evolução da Música
• Linguagem e Estruturação Musical III
(Morfologia)
• Canto Coral II
• Técnicas de Musicalização II
• Instrumentação e Orquestração I
• Prática Instrumental II (Piano / Violão)
• Regência I
• Folclore Brasileiro II
60
60
60
60
60
90
60
60
60
60
60
60
Obs. A disciplina em negrito é comum ao curso de Pedagogia.
Quadro03 – Grade Curricular do Curso Superior em Música:
Faculdade de Artes do Paraná / 2000.
64
ANO
DISCIPLINA
CARGA HORÁRIA
4º ANO
• Didática II
• Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º Graus
• Linguagem e Estruturação Musical IV
(Técnica de Integração Ritmo/ Som/
Palavra)
• Canto Coral III
• Instrumentação e Orquestração II
• Prática Instrumental III (Música de
Câmara)
• Regência II
• Oficina de Música Experimental
• Prática de Ensino I
60
60
90
60
60
60
60
60
150
Obs. As disciplinas em negrito são comuns ao curso de Pedagogia.
Quadro04 – Grade Curricular do Curso Superior em Música:
Faculdade de Artes do Paraná / 2000.
Percebe-se nos quadros acima que das quarenta e uma disciplinas
cursadas, apenas sete delas fazem parte do currículo do curso de pedagogia
que também forma educadores. São elas: Filosofia, Psicologia um e dois,
Didática um e dois, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º. e 2º. Graus e
Prática de Ensino. Quanto às disciplinas que envolvem a arte musical, são
indiscutíveis, pois se percebe um aprofundamento que levará certamente ao
preparo dos educadores na arte musical.
No entanto, parece que na questão pedagógica, deveria haver uma
base mais sólida, pois para enfrentar o mercado de trabalho e, também as
diversas situações apresentadas no dia-a-dia com as crianças, fatalmente o
professor precisará conhecer melhor os pequenos, principalmente no que diz
65
respeito à de colocar em prática o ensino da música nas mais variadas
metodologias e práticas de ensino existentes.
66
7. PESQUISA DE CAMPO
A pesquisa de campo foi centralizada na apreciação da produção musical
da criança durante o processo de musicalização. Consistiu em observar o
como a criança de 4 a 6 se identifica com a música, produzindo-a, quanto mais
estimulada e levada a isso ela for, independentemente de seu nível social,
cultural ou financeiro.
O sentido dado à produção musical infantil consistiu principalmente na
criação de melodias, ritmos e letras não dispostas em uma partitura como uma
composição formal, mas como uma atuação espontânea e livre da criança em
criar, identificando-se com a composição e compartilhando a mesma com os
colegas, seja ela uma história com sonoplastia, uma criação rítmica, melódica
ou canção.
Desde muito pequena a criança tem a habilidade de criar. Quem já não se
deparou com uma criança inventando uma melodia musical com letras por
vezes estranhas, mas que para ela foi significativa? Ela faz isto
voluntariamente, o tempo todo. Imagine se proporcionarmos uma gama de
informações contextualizadas em seu mundo e sua vivência diária... O que a
criança será capaz de criar?
Assim como no desenvolvimento cognitivo, as crianças podem passar por
fases na música. Francis Aronoff (1979) usa a concepção de Bruner em seu
referencial para a educação musical, tendo três modos de aprendizagem. São
eles: o ativo que acontece por meio da ação musical e manipulação de
instrumentos; o icônico por meio da organização perceptiva que consiste na
percepção dos sons e da investigação (auricular, cinestésica e visual) e o
simbólico que acontece por meio de palavras e símbolos. Sendo os dois
primeiros os meios pelos quais as crianças conhecem a música, são capazes
de organizar suas percepções e reações formando estruturas mentais que são
a base para a compreensão, recordação e criação musical. Esta referência em
Bruner também sugere que o desenvolvimento de conceitos em música é uma
função do desenvolvimento intelectual geral. (p. 366)
Além disso, estudos realizados na Fundação Pilsbury de 1937-1938
(Zimmerman, 1985) identificaram quatro proposições que podem proporcionar
diretrizes para a seleção e a criação de atividades musicais para as crianças.
67
A de que a música é basicamente a descoberta do som; a música deve conter
ação ou envolvimento intencional; a música requer que sejam consideradas as
condições sociais no que diz respeito a bagagem cultural da criança, condições
ambientais (ambiente favorável para o aprendizado) e de procedimento
(métodos e metodologias que levem à criança a criação voluntária; a música
deve ser espontânea.
As crianças compreendem a música através dos movimentos. Elas reagem
com movimentos rápidos ou lentos, pequenos ou grandes, contínuos e
descontínuos, e também respondem fisicamente às mudanças de altura
(Spodek, 1998).
Baseada nestes princípios e também na essência dos métodos ativos na
educação musical, que ressalta o trabalho com a criatividade e o lúdico na
aquisição do conhecimento pelo aluno, foi direcionado o trabalho na educação
infantil nas escolas propostas. O programa de música consistiu basicamente
em cantar, confeccionar e tocar instrumentos simples (percussão), escutar e
criar movimentos, já que a maioria das crianças não haviam tido este convívio
musical nas escolas anteriormente. O mais importante foi iniciar o trabalho de
musicalização que até então dentre as quatro escolas pesquisadas, acontecia
em apenas uma delas.
Analisaremos a seguir, o desenvolvimento das crianças no processo de
musicalização, no período mínimo de um ano, nas quatro escolas pesquisadas.
Sendo as duas primeiras (“A” e “B”) da rede particular de ensino e as duas
posteriores (“X” e “Z”) da rede pública de ensino, todas situadas na cidade de
Curitiba.
4.1 Descrição dos locais da pesquisa
Essa pesquisa foi realizada nestes quatro últimos anos (2000 a 2003),
na cidade de Curitiba em 2 escolas da rede particular de ensino (A, B) e 2
escolas da rede pública (X, Z). A escolha das escolas públicas foi aleatória,
sendo nas particulares, as mais conceituadas da cidade por suas práticas
pedagógicas. Foi trabalhada a musicalização na Educação Infantil, faixa-etária
das crianças de quatro a seis anos de idade. A metodologia utilizada foi
principalmente à observação e levantamento de dados por meio da pesquisa
68
de campo e entrevistas com alguns profissionais da área musical,
coordenadores e diretores das escolas pesquisadas e educadores em geral.
A escola “A”, situada em um bairro nobre de Curitiba, atendia desde o
Pré-escolar até o Ensino Médio. Tinha por volta de 3.600 alunos, sendo 140 na
Educação Infantil (Jardim II e III). A sua clientela na sua maioria era de classe
média alta. Os alunos eram considerados calmos e disciplinados tanto em
relação a realização das atividades e tarefas propostas, quanto na questão do
comportamento. Os pais, envolvidos no processo, acompanhavam o
desenvolvimento de seus filhos dando-lhes todo suporte emocional.
Na escola “B”, cuja localização era em uma das principais avenidas da
cidade, sua clientela, classe média, era tradicionalmente alemã. Tinha por volta
de 1200 alunos concentrados desde o Pré-escolar (maternal / Jardim I, II e III)
com 80 alunos, à 8ª. Série do ensino fundamental. Os alunos tinham uma
educação rígida em casa. Na escola demonstravam autonomia e segurança. A
maioria dos pais acompanhavam o desenvolvimento intelectual dos filhos com
orgulho e satisfação. Não admitiam notas baixas, nem tão pouco indisciplina.
A clientela da escola “X” era de classe baixa, onde a mesma localizava-
se em frente a uma “favela”. Uma das características marcantes dos alunos era
a inanição. Muitos deles iam para a escola com o estímulo de se alimentar no
horário do lanche. A escola tinha por volta de 400 alunos, distribuídos no
ensino fundamental até a 4ª. série, tendo a minoria deles, cinco a seis anos de
idade. Os alunos eram carentes tanto emocional, social e economicamente.
Raramente traziam tarefas de casa, pois não havia quem os ajudasse no
processo. Por vezes demonstravam alto grau de indisciplina, não respeitando
colegas e professores. Os pais eram bastante carentes e pouco participativos.
Raramente acompanhavam o desenvolvimento dos seus filhos. Os professores
tentavam ajudá-los doando cadernos, livros e, também dando todo suporte
educacional às crianças.
Já a escola “Z” estava situada em um bairro de classe média, que tinha
desde crianças com uma renda familiar considerável boa, como aquelas que ao
possuíam renda. A escola atendia desde o pré-escolar (Jardim III) até a 4ª
série do ensino fundamental, com aproximadamente 460 alunos. As crianças
eram calmas. Em alguns momentos apresentavam um comportamento
agressivo. Os pais apesar de demonstrarem interesse no acompanhamento
69
educacional de seus filhos, tinham pouca participação no processo. A escola
ajudava as famílias carentes, dando-lhes mantimentos doados pela
comunidade e acompanhamento de reforço para as crianças que não tinham a
participação da família. Mesmo assim, poucos participavam.
4.1.1 Escola “A”
Na escola “A” este trabalho teve início com a apresentação de um projeto
de musicalização, fundamentado na participação efetiva do educando para
desenvolver suas habilidades não só musicais, mas, cognitivas em todas as
áreas do conhecimento. Ao ser aprovado o projeto, as crianças começaram a
ter uma aula de musicalização por semana, de 45 minutos aproximadamente.
Aos poucos se introduziu a música no sentido do prazer de ouvir, de fazer
música, não a restringindo apenas a um recurso para o desenvolvimento
intelectual nas demais áreas do conhecimento, mas pelo próprio prazer. O
trabalho foi produtivo e resultou no acréscimo das aulas semanais. Durante as
aulas foram desenvolvidos aspectos musicais, disciplinares, culturais,
garantindo a continuidade nas séries subseqüentes. Houve a necessidade de
expandir a musicalização, proporcionando às crianças aulas de teclado e canto
coral em contra-turno.
Com acompanhando das crianças na Educação Infantil (3 a 6 anos) nas
aulas de musicalização foi trabalhado todo o conteúdo inserido no currículo das
escolas particulares, citado no capítulo três desta dissertação. Durante um ano
de aulas de musicalização o resultado foi satisfatório. Diagnosticou-se que:
70
No início do trabalho com a musicalização
Um ano após o trabalho com a musicalização
• As crianças já tinham uma
bagagem cultural musical,
porém faltava-lhes o
conhecimento científico;
• As crianças ampliaram seu repertório
musical, conhecendo a música em
outras culturas, bem como
aprofundando o conhecimento sobre
a sua;
• A maioria delas não tinha o
hábito de escutar, falavam
descompassadamente;
• As crianças já conseguiam ouvir
seus colegas e professora,
esperando sua vez de falar;
• Dificilmente se concentravam
em uma atividade por mais de 5
min;
• Sua concentração nas atividades
musicais aumentou, conseguindo
permanecer 15 min. na mesma
atividade.
Tinham dificuldade em manusear e
confeccionar instrumentos de
percussão;
• Começaram a ter mais intimidade
com instrumentos de percussão,
confeccionando-os e executando-os;
• Não acompanhavam canções
folclóricas ritmicamente, com
raras exceções;
• Utilizando os instrumentos
confeccionados, passaram a
acompanhar as canções folclóricas
com mais entusiasmo e melhor ritmo;
Quadro05 – Desenvolvimento Musical da Criança Escola “A”.
Fonte: A autora.
Assim, nota-se pelo diagnóstico que o trabalho realizado na escola “A” foi
significativo para as crianças, pois resultou na aprendizagem musical por meio
da vivência prazerosa. Nos trabalhos finais já se observava à criação e
produção musicais de maneira intuitiva e espontânea.
Este trabalho mais efetivo teve continuidade por mais três anos e foi
interrompido devido à mudança na administração e terceirização do trabalho do
professor, por mudanças estratégicas da instituição.
No entanto, a não continuidade do trabalho não apagou o aprendizado das
crianças que, com certeza, foram beneficiadas em todas as áreas do
71
conhecimento, principalmente na área musical. Além disso, a escola propôs um
ambiente artístico onde as crianças interessadas poderiam prosseguir no
trabalho com a música, em outro local e outros horários que não fazem parte
do ensino regular. Isto dificulta um pouco na questão do trajeto e tempo que se
leva para o deslocamento de um lugar para outro, mas não deixa de ser uma
oportunidade que se dá aos educandos de continuarem a desenvolver suas
habilidades musicais.
A recompensa do educador que trabalhou com estes pequenos,
seguramente não foi à financeira. A grande recompensa foi à reivindicação das
crianças e pais na continuidade do processo e em saber que a semente que foi
plantada, germinou e talvez algum dia, traga bons frutos por meio do
desempenho e sucesso do educando em sua vida profissional, pessoal e
afetiva.
4.1.2 Escola “B”
Na escola “B” o trabalho com a musicalização já acontecia, porém se
restringia a apresentações em datas comemorativas e ao ensino de algumas
figuras musicais. As crianças tinham uma aula semanal de 50 min. onde
aprendiam figuras musicais, tais como: semibreve, mínima, semínima, colcheia.
FIGURAS MUSICAIS TEMPO EQUIVALENTE
Semibreve 4 tempos
Mínima 2 tempos
Semínima 1 tempo
Colcheia ½ tempo
Quadro06 – Quadro Explicativo de Figuras Musicais
Fonte: A autora.
Andavam no tempo das figuras representando-as, sem, porém, entendê-las
no contexto. Isto resultava, em parte, na indisciplina dos alunos nas aulas de
musicalização.
72
A aula tornava-se interessante quando havia alguma apresentação a ser
realizada, como no Dia das Mães, Dia dos Pais e Natal, com exceção da
formatura das crianças do Jardim III, que era a professora da turma que
trabalhava todo o enredo musical. Nestes momentos as aulas tornavam-se
interessantes e desafiadoras, pois havia um objetivo traçado e claro, bem como
um contexto onde se aprendia música.
Assim como a escola “A” o currículo na escola “B” era considerado e
aplicado. A diferença básica estava no método que era muito mais passivo, do
que ativo. Os conteúdos eram repassados de modo passivo e as crianças
apenas memorizavam. As aulas eram pouco dinâmicas e mais teóricas com
exercícios escritos em folhas e alguns em que as crianças se movimentavam
no decorrer das aulas.
Nas apresentações havia muita movimentação e dinamismo, mas
raramente era dada a oportunidade das crianças inventarem os movimentos
espontaneamente.
A escola proporcionava também aulas de piano, flauta e violão, com o
objetivo de ensinar ao aluno a execução do instrumento.
No decorrer do processo as crianças na Educação Infantil também
desenvolveram algumas habilidades nas aulas de musicalização.
Por meio da observação, diagnosticou-se que:
73
No início do trabalho com a musicalização
Um ano após o trabalho com a musicalização
• As crianças já tinham uma
bagagem cultural musical;
• As crianças ampliaram seu
repertório musical, conhecendo
algumas músicas direcionadas a
datas comemorativas;
• A maioria delas não tinha boa
concentração e interesse nas
aulas;
• Ao longo do processo percebeu-se
uma melhora na concentração nas
aulas, mas não o suficiente para
garantir uma efetiva
aprendizagem;
• Não conheciam as figuras
musicais, conteúdo mais
específico da música instrumental;
• Conheceram as figuras musicais,
identificando seus tempos por
meio de alguns movimentos
corporais (pés, mãos);
Quadro07 – Desenvolvimento Musical da Criança Escola “B”.
Fonte: A autora.
Neste contexto, percebe-se que a criança evoluiu, talvez não como
gostaríamos ou esperávamos, mas houve um crescimento. No entanto seu
aprendizado foi estanque, não dando a ela a oportunidade de desenvolver a
autonomia no ensino-aprendizagem, bem como a liberdade de criar, inventar,
produzir música. O conhecimento científico, especificamente musical, ficou
guardado em sua mente pela memorização, não pela vivência e prazer.
No entanto, a cada ano, as apresentações de Natal eram as mais
comentadas e valorizadas. Os espetáculos realizados com muita criatividade,
diga-se de passagem, eram sempre admirados pelos pais, amigos e familiares,
que olhavam o desempenho de seus filhos com muito orgulho e satisfação.
A professora produzia eventos culturais bem elaborados. Poderia
direcionar sua criatividade para a ministração das aulas de musicalização,
74
fazendo com que seus alunos desenvolvam seu espírito crítico, criativo e
inventivo.
4.1.3 Escola “X”
Não há como tecer comentários sobre a escola “X” sem perpassar pela sua
clientela, que consiste em pessoas de renda baixa, carentes tanto sociais
quanto culturalmente, sem grandes perspectivas futuras, a não ser pelo
trabalho voluntário de algumas pessoas da comunidade em geral. A escola
situa-se em um dos bairros mais pobres de Curitiba e fica ao lado de uma
“favela”, cujos alunos em sua maioria, são moradores na mesma.
A professora de música desta escola era formada pela Faculdade de Artes
do Paraná (FAP) com habilitação em música.
Na escola havia o chamado CEI (Centro de Educação Integral) e havia
também o período regular. Neste ficavam desde crianças de cinco anos a
adolescentes de 13 a 14 anos de idade. As turmas eram divididas por séries. O
Jardim III hoje, era representado pela primeira série do ensino fundamental,
que era mista, com crianças de quase todas as faixas-etárias pois muitos
haviam sido retidos na série por não conseguirem alcançar os objetivos na
alfabetização.
O trabalho de musicalização no CEI acontecia duas vezes por semana, com
aulas de 50 min. cada uma delas. No ensino regular, havia uma aula semanal,
também de 50 min. As crianças a princípio não sabiam distinguir ao certo o que
eram as aulas de musicalização ou porque estavam ali. Conversavam o tempo
todo e quase não havia espaço, para a professora falar.
Aos poucos a professora com toda sua delicadeza, foi ganhando espaço e
percebendo que podia dar o que elas mais almejavam: amor. Assim foram
baseadas suas aulas de música, na expressão do sentimento e no prazer.
Em todas as aulas havia uma novidade que consistia em um instrumento
musical desconhecido, um som gravado, um jogo diferente, enfim, as crianças
eram atraídas pela curiosidade. Com este procedimento, a professora usava
toda a sua criatividade para inserir os conteúdos propostos no currículo, a fim
de alcançar os objetivos propostos. As crianças cantavam, inventavam
histórias, sonorizavam-nas e se divertiam ouvindo o que haviam produzido. Ao
75
término do ano letivo as crianças já apresentavam uma evolução no
aprendizado e também, na disciplina (postura) para com os colegas que
passou a ser de respeito e amizade. Elas participaram de eventos culturais que
as permitiram sentir-se mais valorizadas e inseridas na sociedade. Um dos
eventos foi a tradicional apresentação natalina que já virou atração em Curitiba,
o “Auto de Natal” do Palácio Avenida, que a todo ano reúne mais de mil
pessoas em suas apresentações. Vejamos alguns itens da evolução das
crianças no processo:
76
No início do trabalho com a musicalização
Um ano após o trabalho com a musicalização
• As crianças já tinham uma
bagagem cultural musical, pouca
em comparação com as crianças
de um nível social mais elevado
que tinham acesso a toda gama
de informações e multimídia;
• As crianças ampliaram seu
repertório musical, conhecendo
algumas canções folclóricas,
populares e clássicas;
• A maioria delas tinha problema de
indisciplina, não respeitando os
colegas e professora, tentando
chamar atenção a todo o
momento;
• Ao longo do processo percebeu-se
uma melhora no modo de tratar a
professora e colegas, valorizando
os momentos de aula e
aumentando a qualidade do
trabalho;
• Cantavam, mas conheciam pouco
sobre a teoria musical no que diz
respeito ao ritmo, melodias, num
aprofundamento mais científico
(teórico);
• Desenvolveram sua percepção
auditiva, manuseando objetos,
ouvindo e reproduzindo sons e
movimentos com o corpo;
• Conheciam alguns instrumentos
de percussão, mas não tinham
acesso a eles;
• Confeccionaram e manusearam
alguns instrumentos de percussão,
tais como: pandeiro, bumbo,
chocalho;
• Raramente participavam de
eventos culturais;
• Participaram de eventos culturais
na escola e fora dela, contribuindo
com apresentações musicais;
Quadro08 – Desenvolvimento Musical da Criança Escola “X”.
Fonte: A autora.
Talvez a maior lição de vida aprendida nesta escola por meio da atuação da
professora, foi a de antes de pensar em trabalhar o conhecimento científico, ser
sensível o suficiente a ponto de perceber a necessidade e carência dos alunos
com quem se pretendia trabalhar. Assim, traçar o perfil da turma, pode ser
77
fundamental para desenvolver um bom trabalho. Mais do que isto, distribuir
amor, compreensão, amizade, dedicação, afeto, esperança... Em qualquer
contexto, pode tornar as aulas de musicalização saborosas.
Vê-se, portanto, que o trabalho desenvolvido foi de suma importância, tendo
alcançado quase que a maioria dos objetivos propostos.
No ano posterior, houve um remanejamento dos professores volantes, o
que ocasionou na saída da professora deste estabelecimento para outro, não
dando continuidade ao trabalho com a música nas séries seguintes.
4.1.4 Escola “Z”
Na escola “Z”, as crianças pertenciam a um nível sócio-econômico melhor
em relação à “X”, sendo em sua maioria de classe média-baixa. Havia o pré-
escolar com crianças na faixa-etária de cinco a seis anos de idade. Não existia
um professor específico de música, nem aulas de musicalização. O professor
da sala atuava de maneira a fazer as crianças cantarem músicas folclóricas,
muitas vezes com as letras alteradas e como pretexto para anunciar a hora do
lanche, da higiene, do parque, etc. A experiência da professora acontecera no
magistério com algumas aulas de musicalização. No entanto, o que a
professora lembrava deste tempo eram algumas canções relacionadas a datas
comemorativas e, mesmo assim, com pequenos intervalos em branco. Cantar
com as crianças para ela parecia suficiente e talvez o fosse, já que ela não
tinha o devido preparo para atuar na área musical. No entanto, jamais
desmerecendo seu esforço, mas ela não tinha boa afinação e melhor seria se
não cantasse, ou utilizasse Compact Disk com as músicas pretendidas, pois o
referencial musical que as crianças tinham era a voz da professora nas
canções que ensinava.
Certo dia fiz uma experiência levando uma fita instrumental, cuja música
executada era uma ciranda que a professora havia ensinado. Deixei a música
tocando por uns quinze minutos e não obtive nenhuma manifestação das
crianças em relacionar o que ouviam ao que tinham aprendido. No dia
seguinte, peguei a mesma canção, desta vez cantada e fiz o mesmo
procedimento. Ao ouvirem a letra, algumas crianças falaram que já conheciam
a letra, mas a música estava “errada”, não era a mesma que eles cantavam.
78
Novamente levei a instrumental e as crianças conseguiram identificar que era a
mesma música cantada do dia anterior, porém, não conseguiram relacioná-la a
que cantavam na sala.
Isto nos faz refletir sobre a importância da qualidade do som que emitimos e
ouvimos. As crianças não identificaram a música, porque somente a letra era
semelhante, a melodia estava alterada. No entanto, sabe-se que nesta faixa-
etária a criança vê a professora como seu maior referencial, em todos os
sentidos. Ela a imita na fala, no gesto, no modo de vestir, enfim ela a idealiza
como se fosse a pessoa mais importante do mundo. Alguns pais chegam até a
sentir ciúmes da professora nesta fase, pois tudo que a mesma fala é fato
concretizado para as crianças.
Talvez elas tenham até percebido que a música era a mesma, mas elas
cantavam de modo diferente, mas estava “errada”, a correta era a que a
professora ensinou.
No entanto esta experiência nos faz refletir sobre alguns aspectos:
1º. A escola precisa se comprometer em proporcionar um espaço na grade
curricular para o desenvolvimento da habilidade musical nas crianças;
2º. É fundamental que a escola tenha um profissional habilitado na área de
música, a fim de trabalhar os conteúdos curriculares com clareza e domínio;
3º. Independentemente de uma formação na área musical, todos os
professores deveriam conhecer como o som é produzido pela criança e como
ela o percebe, para auxiliá-la em todos os momentos de aprendizagem;
Além destes três aspectos primordiais, também seria pertinente propiciar
aos professores atividades musicais, como, por exemplo, o canto coral que
além de ser um momento de descontração, poderia auxiliá-los no trabalho
cotidiano com as crianças.
Nesta escola, as crianças não tiveram a oportunidade de vivenciar a
musicalização por meio de aulas específicas, nem tão pouco, atingiram os
objetivos curriculares na área musical.
79
4.2 Apresentação dos dados obtidos As observações foram centradas no como a criança aprende música e
como são ministradas as aulas. Também, qual o tipo de metodologia usada e
qual efeito têm nas crianças nos diferentes níveis de conhecimento.
As entrevistas tiveram seu foco na formação dos educadores musicais,
bem como na postura da escola, família e comunidade frente ao ensino da
música nas instituições escolares.
Em relação à formação acadêmica dos educadores musicais, o que se
observou na pesquisa de campo (1996 a 2000) por meio das análises de
questionários, é que nem todos se imaginam dando aula, apenas almejam
ampliar seus conhecimentos na arte musical, principalmente na execução dos
instrumentos. De uma média de 30 a 40 alunos que iniciam o curso de
licenciatura em música, 30 a 40% chegam ao final. (Dados obtidos no ano de
2002 pela Faculdade de Artes do Paraná). Nesse contexto, percebe-se que o
percentual dos professores de música licenciados é baixo se comparado a
educadores dos cursos de pedagogia e psicologia.
Apesar de toda a pesquisa de campo estar centrada em quatro
instituições, percebe-se que a situação da musicalização nas instituições de
ensino se repete em gênero, número e grau. Assim, muitas escolas que
aplicam a musicalização, no primeiro momento de dificuldade financeira ou
mudança de administrativa excluem esta disciplina de seus currículos ou
substituem o profissional que atua na área por outro sem habilitação. Isto
acontece porque se entende o ensino da música como sendo parte das aulas
de educação artística, de certa forma o é, porém, a educação artística está
mais vinculada a artes cênicas, plásticas e dança, do que propriamente na
articulação deste conhecimento mais especificamente musical. Por isso, para
quem observa à distância, ter essa e aquela juntas, parece desnecessário;
outra situação é que quando se dá início a um trabalho sério de musicalização,
não há a continuidade do mesmo devido a mudança do ano letivo que permite
e, muitas vezes “condiciona” a permuta de professores envolvidos no processo;
outro fator é que no mundo da globalização com tantas informações e
dinamismo, alguns profissionais ainda continuam ensinando música a partir da
teoria, e não por meio da vivência das crianças que atuam como agentes
80
passivos no processo, não atingindo assim, a supremacia do ensino
pretendido;
A criança aprende música pelo prazer, encantamento e dinamismo que
ela por si só, proporciona. As aulas ministradas devem atender a estes
movimentos, tornando a criança agente ativo no conhecimento, pois só assim,
aprenderam a descobrir o mundo musical inserido em seus contextos de vida.
Isto nos faz refletir sobre a prática pedagógica na escola e os fatores
que influenciam direta ou indiretamente neste contexto.
Segundo França, as concepções a respeito da natureza e do valor
intrínseco da música moldam-se paralelamente à visão de mundo e de homem.
As escolas de pensamento positivista nos legaram uma limitadora separação
da experiência humana em pólos supostamente antagônicos: objetivo e
subjetivo. Na incansável busca pela objetividade, toda a subjetividade foi
excluída do domínio da ciência e, por conseguinte, do âmbito educacional.
Neste cenário, as artes estiveram por muito tempo relegadas ao “elegante”
papel de descanso entre as disciplinas consideradas “sérias”.
Há aproximadamente um século, entretanto, a comunidade científica
constatou o esvaziamento das certezas cartesianas: sobraram-lhes apenas
incertezas, probabilidades. Era a subjetividade voltando à cena pelo braço da
própria ciência. Corpo e mente, matéria e espírito, objetividade e subjetividade,
intuição e análise, passaram gradativamente a serem vistos como aspectos
complementares de uma saudável relação dialética. Desde então, o esforço
educacional vem assumindo um caráter mais holístico e integrador buscando o
florescimento das potencialidades vitais do ser humano. O ensino das artes,
especialmente o da música, adquire um novo status, envolvendo e resgatando
o que há tempos era negligenciado: a intuição, os valores, a sensibilidade.
Através da diversidade de formas simbólicas e de seus inesgotáveis
produtos, questionamentos e teorias, interagimos com o mundo e nos tornamos
seres sociais. Se acreditarmos que a educação deve promover o
desenvolvimento das múltiplas potencialidades do indivíduo seria desejável que
as várias formas de conhecimento fizessem parte da educação de todos os
indivíduos.
81
4.3 Análise dos dados e avaliação
Com base nos dados obtidos, vê-se que normalmente a música na escola é
desenvolvida de maneira superficial, por meio da imitação e repetição de
atividades, ao invés da exploração de sons, trabalhos com sucatas, confecção
de instrumentos e outros procedimentos que contribuem para o
desenvolvimento da inteligência musical e que constam no currículo. Muitos
são os fatores que contribuem para isto: falta de um material de apoio,
desconhecimento na área musical por parte de alguns educadores, excesso de
conteúdos a serem aplicados em sala, falta de tempo para expressar-se
musicalmente.
Por estas e outras razões, perde-se um excelente recurso didático para a
elaboração de projetos e planos de aula, o que seria uma grande oportunidade
para trabalhar a inteligência musical, desenvolvendo aspectos cognitivos e
afetivos, de suma importância nesta faixa-etária dos quatro aos seis anos de
idade.
Mesmo assim, há àqueles poucos que consideram a importância e eficácia
da música para o desenvolvimento pleno de educando. Vejamos os quadros a
seguir com os apontamentos feitos pelos diretores e coordenadores das
escolas pesquisadas (“A,B,X,Z”) no que diz respeito à dificuldade de
oportunizar o ensino contínuo da música nas escolas públicas e particulares.
Foram entrevistadas 16 pessoas neste contexto.
82
Graf01 – Dificuldades na Aplicabilidade da Educação Musical nas Escolas
Pesquisadas.
Das dificuldades apresentadas, a situação da formação dos professores
é, sem dúvida, a mais importante. Como vimos anteriormente poucos que
conseguem concluir o curso superior chegam às escolas. Por falta de
experiência, incentivo e oportunidades. No entanto, sabemos que para o ensino
da música se efetive, é necessário que haja profissionais capacitados e
habilitados na área musical.
O problema da falta de materiais também é relevante. Geralmente os
instrumentos musicais, aparelhos de som, etc, têm um custo alto e vida útil
pequena para as escolas, já que são recursos específicos, utilizados apenas
para a disciplina de música. No entanto, isto não impede que o professor
construa instrumentos com seus alunos, mesmo que a qualidade do som seja
inferior ao instrumento real, mas não deixa de ser uma possibilidade.
A questão da carga horária e espaço físico, não devem ser considerados
muito significativos, pois a própria sala de aula pode ser um espaço para a
produção musical, desde que o professor seja criativo a ponto criar um
ambiente favorável ao aprendizado musical. Já a carga-horária depende de
83
uma a organização no horário escolar, que pode oferecer a possibilidade de
inclusão do ensino da música.
No que diz respeito à dificuldade financeira, esta parte cabe mais as
escolas particulares que devem dar prioridades à educação. Assim, seu
marketing será mais produtivo e garantido no momento das matrículas.
Foram entrevistados também, além dos professores que atuam na área
de música nas escolas pesquisadas, 78 educadores espalhados nas demais
escolas da rede pública e privada de Curitiba, que atuam como professores de
música. Quanto às suas formações profissionais, vejamos o gráfico a seguir:
Graf02 – Graduação Geral dos Professores
84
CURSO SUPERIOR Nº. DE PROFESSORES
Pedagogia
Letras
Educação Física
Educação Artística
Psicologia
Magistério Superior
Música Serviço Social
Administração
Musicoterapia
TOTAL
30
18
10
07
05
03
02 01
01
01
78
Quadro09 – Graduação dos Professores que Ensinam Música
Graf03 – Graduação dos Professores que Ensinam Música
Ao analisarmos o quadro acima, nos deparamos com um número
relativamente pequeno de entrevistas, mas a pesquisa de campo realizada
nestes quatro anos, nos dá o respaldo de afirmar que o quadro apresentado
85
acima é em sua a realidade das escolas curitibanas no que diz respeito ao
despreparo dos profissionais que atuam na área musical. Do montante apenas
3% tem habilitação real para atuar no campo artístico musical.
Cabe aqui a reflexão e a mudança de atitude dos diretores e
coordenadores das escolas que em sua acomodação preferem contratar
pessoas não capacitadas, mas que já atuam em seu convívio, do que dar a
oportunidade dos formandos em adquirir experiência nas escolas.
É preciso mudar, oportunizar, crescer, reinventar a educação para que
ela dê conta de garantir a continuidade no processo de construção e
reconstrução do conhecimento.
86
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A música é uma das formas mais profundas da arte e, talvez por isso, seu
efeito sobre nós seja tão relevante. Histórica, sempre esteve presente nas
civilizações, permanecendo até hoje.
Constitui uma forma simbólica extremamente refinada, complexa, articulada
e significativa. É uma modalidade genuína de conhecimento, com suas
características, seus processos, procedimentos e produtos próprios, tanto
quanto, a matemática, as ciências naturais ou a linguagem. Ela tem o poder de
nos mover e envolver profundamente, pois contém propriedades dinâmicas
analógicas da nossa humana experiência. A dinâmica musical como crescendo
e decrescendo, acelerando e retardando, tensão e resolução, movimento e
repouso, hesitação e determinação, preparação e completude, excitação e
monotonia, expectativa e mudança súbita, dentre outros, são vivenciados a
todo o momento na nossa experiência cotidiana. Portanto, a música não é
simplesmente uma alternativa para “dar vazão” às emoções, ou, como
freqüentemente ouvimos, para “relaxar”. Ela pode mobilizar e elaborar nossa
vida intelectual e afetiva como nenhuma outra de conhecimento: abrem-se
novas possibilidades de articulação simbólica e expressiva. Isto a torna uma
poderosa forma de conhecimento entre aquelas que constituem essa dinâmica
cultural que nos faz humanos.
Há uma longa tradição do ensino especializado de música, voltado de forma
mais acentuada para o desenvolvimento instrumental, que, embora legítimo e
necessário atinge grupos diminutos. Por isso, a educação musical deve ser
universal – tanto quanto as ciências e a matemática – porque é parte essencial
da formação humana. Precisamos nos empenhar para que todos os jovens
tenham a oportunidade de articular e expressar “sua voz” através desta forma
de conhecimento. É essencial que saibam compreender e criticar as “vozes”
que os cercam. Para tanto, precisamos começar com os pequenos.
Os pequenos têm um modo mundo especial de vivenciar a música. Fazem
isso de modo criativo e espontâneo, sem a preocupação de o que o outro vai
pensar. Isso os leva a viajar no mundo encantado dos movimentos, ritmos,
melodias, enfim, do simples e puro prazer de ouvir e ser ouvido.
87
Não sei ao certo em que fase de nossas vidas essa espontaneidade se
perde. Talvez porque mudamos a direção, tornando-nos mais cuidadosos e
retraídos mediante situações do cotidiano na escola e na sociedade em geral.
Como músicos e educadores, assistimos perplexos à decadência acelerada
dos valores, da sensibilidade, da ética e da delicadeza de espírito. A todo o
momento nos deparamos com lamentáveis espetáculos que nos são
despejados pela mídia janela adentro. Aos jovens anestesiados pelo embalo
alucinógeno foge-lhes qualquer possibilidade de crítica ou opção. É um
fenômeno sociocultural que merece ser abordado com seriedade e
profundidade. Diante dele, cabe-nos uma pacífica reação; educação. Não
apenas a formativa, mas a científica e principalmente humanitária. É premente
a necessidade de criarmos referências positivas, não pela exclusão ou
preconceito, mas pelo contraste. Há muito mais satisfação e prazer estéticos e
artísticos para se experimentar em música do que sonham aqueles que
embarcam, cegamente naquele bonde que vai para não se sabe onde. A
música nos oferece uma variedade infindável de objetos simbólicos que podem
ser altamente reveladores e transformadores: ela enriquece o espírito, expande
nosso universo interior e refina a percepção crítica do ambiente que nos rodeia.
Com a apresentação e análise dos dados sobre o ensino da música nas
escolas de Curitiba, foi possível conhecer a situação atual desse ensino nas
escolas, caracterizando-o por meio dos seguintes aspectos:
Primeiro, é que apesar do ensino da música estar presente nos currículos
das escolas públicas e particulares de Curitiba, nem todas oportunizam a
educação musical. Além disso, poucas são as escolas que trabalham com o
ensino da música como área específica, pois a maioria apresenta em seu
currículo a disciplina Educação Artística que envolve também artes cênicas,
artes plásticas e dança.
Outro fator preponderante é o de que geralmente o docente que ensina
música nas escolas é, na maioria dos casos, um professor sem formação
específica em música. Neste caso, caberia as escolas oferecer suporte
pedagógico acompanhando o trabalho, oportunizando cursos na área musical.
As principais dificuldades apresentadas para desenvolver o ensino da
música é a falta de materiais adequados e de professores habilitados. Isto
acontece porque não há um real comprometimento e valorização da arte
88
musical na maioria das escolas, tanto por parte dos educadores em geral,
quanto pela instituição. Poucas apresentam um ensino de música
sistematizado desenvolvendo atividades que contemplem a educação musical.
Para sanar e, talvez até eliminar tais dificuldades, faz-se necessário investir
em profissionais habilitados na área musical, dando-lhes condições reais de
trabalho, incentivando-os na busca constante de aperfeiçoamento.
Cabe aos educadores demonstrarem toda beleza e harmonia da música
para os educandos, afim de que possam se contagiar com a pureza e
encantamento que ela proporciona.
É preciso valorizar e acreditar que o ensino da música, habilidade defendida
por Gardner e tantos outros educadores, pode fazer diferença na vida de
nossas crianças tornando-as mais sensíveis a ponto de perceber o mundo à
sua volta, modificando-o conforme a necessidade e bem estar comum.
Precisamos caminhar juntos, unidos, para que a escola do futuro garanta o
que ainda não conseguimos, um ensino qualitativo e eficaz aos nossos
pequenos, para “reinventarmos” um mundo melhor, justo e preocupado não
apenas com o individual, mas principalmente com a coletividade e o bem
comum.
É preciso garantir a liberdade de ação e expressão na escola do futuro, a
fim de que não somente a produção musical possa ser uma realidade na vida
das crianças, mas que a partir dela, outras produções possam surgir,
juntamente com o propósito de um mundo melhor.
Para que isso aconteça, precisamos nos permitir ir além, desenvolvendo
práticas específicas que tendam a modificar padrões comportamentais, nos
quais estamos inseridos, reinventando, reaprendendo e reconstruindo as
relações humanas firmadas no respeito e no exercício da cidadania.
89
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92
ANEXO 1
Questionário sobre o ensino de música nas escolas públicas e particulares de Curitiba – Público alvo: Educação Infantil
DADOS DA ESCOLA:
1. A escola ensina música?
Obs: Considere como “não” somente quando a escola não oferece nenhum
tipo de atividade musical para os alunos.
( ) Sim ( ) Não
2. Se a escola não ensina música, quais os motivos?
( ) O ensino da música não está previsto no currículo da escola.
( ) Não existem professores para este tipo de atividade.
( ) Não existe tempo disponível para o ensino da música durante o período
normal de aula.
( ) Outros motivos: ____________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
3. Se a reposta for positiva, indique a freqüência das atividades musicais:
( ) Uma vez por semana
( ) Duas vezes por semana
( ) Até duas vezes por mês
( ) Esporadicamente
4. Assinalar as alternativas sobre o(s) tipo(os) de prática(s) de ensino da
música:
( ) Aulas de música dentro da área de Educação Artística;
( ) Aulas de música como área específica;
( ) Atividades musicais integradas com outras áreas;
( ) Atividades esporádicas de ensino da música para a preparação de
atividades, como, por exemplo, os ensaios de cantos;
( ) Atividades como coral, bandas, aulas de instrumentos musicais, etc.;
( ) Promoções esporádicas de festivais de música ou amostras de artes
com música;
93
( ) Outras:____________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
5. Indicar o número de professores que ensinam música na escola:
_____________________________________________________________
6. Indicar a formação desse(s) professor(es):
( ) Ensino Superior Incompleto:
Qual(ais) curso(s)______________________________________________
_____________________________________________________________
( ) Ensino Superior Completo:
Qual(ais) curso(s)______________________________________________
_____________________________________________________________
( ) Especialização: ( ) Concluída(s) ( ) Em andamento ( ) Interrompida
Qual(ais) área(s)______________________________________________
_____________________________________________________________
9. Nas aulas de música, quais as atividades abaixo relacionadas são
trabalhadas em sala de aula?
( ) Atividades de canto;
( ) Manipulação de instrumentos musicais para compreensão das
propriedades do som: timbre, duração, altura, intensidade;
( ) Confecção de instrumentos musicais;
( ) Atividades de produção musical;
( ) Atividades de improvisação musical;
( ) Atividades de apreciação musical;
( ) Aulas de execução instrumental, tais como: flauta doce, violão, teclado e
outros.
10. A escola encontra dificuldades para a realização do ensino da música?
( ) Sim ( ) Não
9. Se a resposta for sim, indicar essas dificuldades:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
94