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2º Congresso dos Advogados Trabalhistas
de Empresas do Rio Grande do Sul
08 e 09 de maio de 2014
(Porto Alegre)
*Cassio Mesquita Barros Jr.
O FUTURO DO DIREITO DO TRABALHO
I – APRESENTAÇÃO
O tema que me foi proposto é desafiante, mas a ele tenho me dedicado,
sabendo que o direito do trabalho está sujeito a um processo continuo de
mudanças, a vista dos fatos políticos e econômicos que vão ocorrendo. Daí
se dizer que a história do direito do trabalho acompanha “pari passu” a
história geral da civilização.
Quando o direito do trabalho começou a se consolidar no século XX, o
mundo já era outro diferente do mundo que o inspirou.
*Advogado. Professor Titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP. Membro da Comissão de Peritos em Genebra, no período 1990 a 2006, Presidente Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Presidente da Fundação Arcadas – entidade de apoio à Faculdade de Direito da USP e Associado Emérito do Instituto dos Advogados do Estado de São Paulo
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Nos dias atuais o mundo do trabalho já tem outra configuração prática,
em decorrência da nova tecnologia, da economia de mercado, das crises
econômicas, da atuação das empresas multinacionais, da reestruturação
produtiva, da globalização. Se a realidade que serviu de base à
consolidação do direito do trabalho mudou profundamente, não terá
certamente, influencia sobre um mundo diferente, pois terá ocorrido o
que na teoria da ciência se chama, comparativamente, “mudança de
paradigma”.
O diretor do Instituto de Direito do trabalho da União Europeia diz, com
razão, que no século XXI a defasagem entre o direito e a realidade é a
questão central dos dias em que vivemos.
Como lembra Ives Gandra da Silva Martins (1):
“Carl Shmitt na formulação de sua teoria das
oposições, encontra a essência da moral na oposição
entre o bem e o mal; na estética entre belo e o feio, na
economia entre o útil e o inútil e na política entre o
amigo e o inimigo.”
A genialidade de Carl Schmitt reconhecida somente depois de passados
longos anos após os acontecimentos da 2ª Guerra Mundial, na
oportunidade em que sua obra de notável constitucionalista foi revisitada,
nos assegura a encarar o tema do futuro do direito do trabalho, na
perspectiva da oposição entre o passado e o futuro, pois todos nos temos
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a consciência de que para enxergar os novos horizontes do futuro é
indispensável conhecer o passado, por acréscimo também o presente.
A visão global de todos os direitos do trabalho não prescindem, realmente
da consideração das circunstancias práticas econômicas e sociais que
influenciaram a sua consolidação no cenário dos direitos.
Alain Supiot, relator geral da Comissão das Comunidades Européias que
estudou as "transformações do trabalho e o futuro do direito do trabalho
na Europa", assinala que a crise dos anos 70 envolvendo o desemprego e
o impulso do trabalho precário, que se imaginava passageira mas que,
passado um quarto de século não cessa, dando a ideia de que passamos a
viver sob a égide de crises: crise do petróleo, crise econômica, crise do
emprego, crise do Estado, crise social, crise econômica mundial, numa
espécie de túnel, que conduz à consentir "sacrifícios necessários" para o
"reestabelecimento dos grandes equilíbrios econômicos" para, enfim,
serem recompensados os esforços de todos.
II. OPOSIÇÃO ENTRE O ECONÔMICO E O SOCIAL
A crença, a seu tempo possível, de colocar em comum a economia, e o
social numa reserva nacional, atualmente está desmentida pelos fatos.
Estes mostram ser impossível dissociar um do outro. Os juristas bem
sabem que a questão de decidir se num contrato de trabalho o vínculo é
econômico ou social é rigorosamente desprovido de senso: o vínculo é
indissoluvelmente um e outro. Falar de um como isolado do outro leva ao
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risco de uma confortável visão "esquizofrênica" do mundo. (Au-de là de
l'emploi - pg. 11 Flammarion, Paris, 1999 edição francesa. ISBN 2-
08212526-2).
Além de enfatizar a influência das circunstâncias práticas sociais e
econômicas do direito nacional que se tenha em mente, haver-se-á de
admitir que às vezes se anda para trás e outras vezes para a frente, na
conhecida teoria de que o progresso se dá por círculos concêntricos:
caminha-se para frente, mas o círculo do progresso volta a abranger o
círculo anterior. O progresso só se alcança por etapas que não podem
prescindir da etapa anterior.
III. EVOLUÇÃO EM CÍRCULOS CONCÊNTRICOS
É evidente que, para enxergar novos horizontes no futuro, é indispensável
analisar o passado e, em consequência, o presente. Somente assim é
possível descobrir o desenvolvimento, ou então a continuidade do direito
em vigor.
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IV. AS GRANDES INTERROGAÇÕES NO DIREITO DO TRABALHO
No que concerne ao direito do trabalho se colocam, desde logo, as
seguintes interrogações:
1 – O direito do trabalho em vigor satisfaz as exigências de suas funções atuais?
2 – Se o direito do trabalho não corresponde mais à sua função, quais são as mudanças necessárias?
3 – O direito do trabalho tem realmente um futuro? Se a resposta é positiva, de que natureza será esse futuro?
Certamente essas questões se colocam independentemente de seu
contexto nacional ou não. É claro que as respostas no Brasil, na Europa,
ou em outros continentes, são diferentes. Mas se nos limitarmos apenas
ao sistema jurídico nacional, a perspectiva objetiva, como assinalou o
Professor Dr. Rolf Birk, Trèves, diretor da "L'institut du droit du travail et
des relations de travail dans l'union européenne" (Le droit du travail au
seuil du 21 ème siècle), cujas linhas seguimos, será deformada, porque o
problema diz respeito tanto ao direito do trabalho nacional como ao
direito do trabalho internacional.
V. FASES NA EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO
O ensaio de estruturar os problemas colocados sob uma perspectiva
temporária, por exemplo, o "direito do trabalho da era pós-industrial",
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objetivamente não renderá grande coisa porque a expressão "pós-
industrial" em si mesma é problemática, até porque se poderá constatar
que em nenhuma parte haverá um desaparecimento completo da
sociedade industrial. Além disso, os países em desenvolvimento, muitas
vezes, não alcançaram a fase de industrialização enquanto que outros
países estão no caminho de alcançar essa fase.
Assim há diferentes fases do desenvolvimento do direito do trabalho e as
questões propostas se colocam na primeira linha de preocupação dos
países. Em geral, as questões envolverão a passagem da sociedade
industrial para a sociedade de serviços.
A economia e a sociedade são, na verdade, as circunstâncias que cercam o
mundo do trabalho e, ao mesmo tempo, rodeiam o direito do trabalho.
Essas circunstâncias sociais e econômicas estão submetidas a um processo
de mudanças permanentes, embora conservem a mesma estrutura de
base. Se as circunstâncias começam a mudar, novas questões se colocam
pela necessidade de resposta.
Quando o direito do trabalho começa a se consolidar como matéria de
direito no século XX, o mundo do trabalho não se parece mais com o
mundo em que o direito se inspirou. Se o plano que serviu de base ao
direito do trabalho muda fundamentalmente, não pode mais esse direito
ter influência sobre o mundo diferente, pois terá ocorrido o que na Teoria
das Ciências se chama, comparativamente, de "mudança de paradigma".
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Poder-se-ia até dizer, como quer Rolf Birk, citado, que no século XXI essa
situação pode mesmo ser considerada a questão central.
VI. FIM DOS EMPREGOS
Mas mesmo que tivéssemos chegado ao fim dos empregos, várias vezes já
anunciado, isso não significaria o fim do direito do trabalho. É verdade que
esse fato representaria um desafio social de primeira categoria, mas não o
fim do direito do trabalho.
Em 1933, Hugo Sinzheimer considerava o desemprego como um perigo
para o direito, em suas palavras "a mais profunda crise do direito do
trabalho".
Na verdade, não podemos prever em que direção vamos. Entretanto,
alguns prognósticos são possíveis nessa fase do desenvolvimento dos
países.
Os técnicos da OIT, com quem tive a oportunidade de conviver nos
períodos de reuniões em Genebra, na Comissão de Peritos da entidade
entendem àqueles que preveem o fim próximo dos empregos partem de
hipóteses extremas que só podem conduzir aos resultados catastróficos
que anunciam.
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VII – O DIREITO DO TRABALHO ATUAL
Por todo o exposto, é aconselhável considerar o que ficou para trás para
poder constatar qual é nossa posição atual.
Quais são os propósitos, os princípios e os métodos que caracterizam o
direito do trabalho atual dos países industrializados?
A sociedade industrial representa a base econômica e social do direito do
trabalho desses países?
Historicamente, a função do direito do trabalho é a proteção do
trabalhador que presta serviços mediante um vínculo de subordinação.
Mas esta não é a única função do direito do trabalho, pois esse direito é
secundado por várias outras funções, tais como, a integração jurídica dos
grupos de interesse no mundo do trabalho e outras.
Nesse sentido, o direito do trabalho também dá direção do sistema
econômico e da mão-de-obra do mercado do trabalho. O direito do
trabalho também proporciona as regras de solução dos conflitos
mediante, por exemplo, à conciliação dos interesses legítimos fora do
Estado pela convenção coletiva, bem como estabelece regras para a
solução dos conflitos coletivos e autonomia das empresas.
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Quais os princípios e os métodos típicos que se pode enumerar:
1 – política de intervenção do Estado; 2 – liberdade de associação, autonomia
coletiva, direito de greve, direito ou não de lock out";
3 – proteção da saúde e da segurança no lugar da prestação dos serviços;
4 – proteção contra a despedida; 5 – proteção dos grupos mais fracos
(menores, idosos, mulheres); 6 – igualdade de tratamento dos
trabalhadores; 7 – regulamentação das questões coletivas; 8 – em diversas países a consulta e a
participação dos trabalhadores pelo menos nos assuntos a estes ligados diretamente tais como despedidas coletivas.
Essa relação poderia ser completada com a situação jurídica atual sob os
mais variados pontos de vista. Todavia, o mais importante é colocar a
questão: se o direito do trabalho, assim concebido, ainda satisfaz as
condições sociais, econômicas e tecnológicas em mudança?
Para responder esta questão é necessário clarificar quais são as condições
e quais os efeitos que poderão ter sobre o direito do trabalho.
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VIII. AS NOVAS EXIGÊNCIAS AO DIREITO DO TRABALHO
Não será surpreendente dizer que as condições de existência do direito do
trabalho permaneceram imutáveis durante dezenas de anos. É evidente
que as mudanças ocorridas, de caráter nacional e internacional, não dizem
respeito somente às condições que constituem a base do direito, mas
também ao direito do trabalho mesmo, como se verá adiante.
a) mudanças no mundo do trabalho;
b) mudanças no objeto do direito do trabalho;
c) tendência à desregulamentação;
d) reforço da dependência do mercado do trabalho;
e) acentuada individualização das relações de trabalho: quanto mais
procura este generalizar as suas normas, mais aumenta o catálogo das
relações profissionais específicas;
f) a constitucionalização do direito do trabalho;
g) o reforço da flexibilização do direito do trabalho;
h) a mundialização da economia.
Vejamos as mudanças no mundo que tem reflexo imediato no direito do
trabalho:
1) Mudanças no mundo do trabalho
As novas tecnologias mudaram enormemente a natureza do trabalho em
muitos setores. As exigências substanciais do trabalho são cada vez
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maiores. Em consequência, a cada passo, é mais difícil encontrar um posto
de trabalho para os trabalhadores pouco qualificados. O grupo pouco
qualificado, particularmente, é atingido pelo desemprego.
Se para esse grupo se fizer presente o modelo de base do direito do
trabalho, com relação de trabalho normal a tempo integral, de duração
indeterminada, cada vez mais substituída por outras formas de ocupação,
esta será difícil. O quadro de empregados assalariados nas empresas não
passa de uma fração eloqüente da mão-de-obra ocupada.
O trabalho a tempo parcial e também o trabalho temporário aumentou.
Uma parte importante dos empregados é levada para a independência, e
aceita a nova situação mesmo quando o ajuste for com o antigo
empregador. O emprego subordinado diminui, pois a luta contra o
desemprego não constitui uma boa novidade.
De outra parte, as novas tecnologias da informação e de consulta causam
uma forte descentralização do trabalho. A relação de trabalho não é mais
necessariamente ajustada para o lugar certo do estabelecimento. Os
trabalhadores, em grande parte na empresa, são juridicamente, mas não
economicamente, independentes. O desenvolvimento das formas de
trabalho fora do estabelecimento da empresa é contínuo e se dá na
cooperação mais ou menos estreita entre as empresas.
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2) O direito do trabalho e o emprego
Assim é que o direito do trabalho satisfaz às exigências desse mundo do
trabalho em mutação, porém em limites muito estreitos. Quando é
aplicado rigidamente, impede grande parte da criação de empregos. Se
isso é verdade na França, como dizem vários autores, não é menos
verdade no Brasil, onde o direito do trabalho não deixa ter um efeito de
impedir o emprego.
A reação do direito de trabalho há de ser de adaptação das regras que não
são mais aceitas pelos protagonistas sociais.
A adaptação dos modelos clássicos por outros modelos de ocupação
(trabalho de duração limitada, a tempo parcial, etc.) é inevitável sob o
aspecto da criação de novos empregos.
O direito do trabalho não deve impedir as mudanças estruturais da
empresa porque, em geral, as consequências para a ocupação são
negativas.
A relação de trabalho subordinada, de tempo integral, se relaciona com o
ritmo da produção, mas não numa empresa de prestação de serviços do
setor terciário da economia que, naturalmente orientada para a clientela,
não exclui uma ocupação temporária.
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3) Os trabalhadores independentes
A relação de trabalho clássica, nessa conformidade, não pode mais ser
considerada como medida geral de utilidade das regras do direito do
trabalho. O problema se coloca diferentemente no que toca aos
trabalhadores independentes. Não é equitativo continuarem excluídos
automaticamente da aplicação do direito do trabalho, tendo-se em conta
a necessidade de proteção social desse grupo.
Se de um lado é admissível, em princípio, a criação de relações de
trabalhos independentes, ao invés de combatê-las é necessário submetê-
las, em parte, ao direito do trabalho. Talvez esse grupo precise mais de
proteção social do que o quadro de dirigentes superiores da empresa.
Assim é que o círculo de pessoas protegidas pelo direito de trabalho
poderá ser mais amplo.
O direito do trabalho, além dos seus limites antigos, deve ser o direito de
todos os que trabalham. Na República Fe-deral da Alemanha esse
procedimento esta em curso já há algum tempo.
O direito do trabalho não acolhe as mudanças da descentralização
economia. A descentralização não significa necessariamente uma
preferência pela categoria dos trabalhadores a domicílio, que tem no
Brasil (art. 6º CLT) e em vários países (não mais na Alemanha), os mesmos
direitos do empregado a tempo integral e por tempo indeterminado.
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A descentralização do lugar de trabalho torna a ação sindical mais difícil,
mas pouco influencia a solidariedade entre os trabalhadores. Talvez nesse
passo se deva refletir se a cooperação entre as empresas de serviços não
deveria ser tratada como grupo de sociedades ou pelo menos ter um
tratamento aproximadamente equivalente aos grupos de empresas.
4) Ampliação do objeto do direito do trabalho
Se estamos falando de trabalhadores independentes, qual a definição que
devem ter?
O grupo de pessoas da comunidade europeia, já mencionado, no relatório
do ano de 1998, sobre a "Mudança da natureza do trabalho e o futuro do
direito do trabalho na Europa", na primeira parte examina sob a epígrafe
"trabalho e poder privado" a questão de trabalho independente,
aconselhando uma "orientação nova", qual seja, a inclusão dessas
relações no direito do trabalho. O objeto do direito do trabalho, nesse
caso, seria ampliado, mas de forma diferente no futuro.
A questão que aqui se apresenta é a de saber:
Qual direito do trabalho deve incluir as relações autônomas?
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5) A jurisdicisação e a desregulamentação
A filosofia da desregulação não pode ser ignorada pelo direito do trabalho,
porque o direito do trabalho está estreitamente ligado ao mercado
econômico. A interdependência entre o direito do trabalho e o mercado
na prática se desenvolve em sentido oposto à tendência tradicional em
que caminha pela jurisdicisação das relações de trabalho.
A desregulação, se citarmos como exemplo o governo britânico de
Margaret Thatcher, significa abolição das regras de direito do trabalho que
estabeleçam dificuldades supérfluas à atividade econômica das empresas.
A eficácia do mercado predomina sobre a proteção dos trabalhadores.
Com efeito, o termo "desregulamentação" ou "desregulação" é polêmico.
Em geral se destina a abolir regras jurídicas de direito do trabalho
estabelecidas pelo Estado, para no seu lugar adotar uma regulamentação
que satisfaça, o melhor possível, às exigências econômicas.
Eleger as regras que estabelecem uma solução ótima, é uma questão de
avaliação.
Até o presente, a desregulamentação contribuiu na Europa, muitas vezes,
para maior flexibilidade do direito do trabalho. Os países daquele
continente que aceitam essa tendência de primazia das conveniências
econômicas não são numerosos. É compreensível que os Sindicatos se
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oponham à desregulamentação porque poderão ser privados dos frutos
de sua atividade.
6 – Interdependência entre mercado e o direito do trabalho
As relações entre a economia e o direito do trabalho são múltiplas e a
influência das regras de direito do trabalho sobre o mercado de trabalho é
considerável. Por isso, não surpreende que o direito do trabalho seja
acusado de causar desenvolvimento negativo do mercado de trabalho,
notadamente nos índices de desemprego elevado. Os representantes do
direito do trabalho, até o presente momento, ignoram, em grande
medida, essas críticas.
Entretanto, não se pode esquecer que o direito do trabalho tem o poder
de influenciar o mercado de trabalho. Mas se o direito do trabalho
menospreza essa função e os resultados são negativos para o mercado de
trabalho, estará admitindo que a solução do caso concreto possa causar
efeitos negativos à disseminação do emprego, por ser questão de
princípio. Isso acontece, não somente no direito do trabalho que emana
das leis, mas também no direito do trabalho desenvolvido pelos tribunais
do trabalho.
É verdade que é controvertida a forma com que a legislação e a jurisdição
podem ter em conta as leis econômicas. A dependência do mercado do
direito do trabalho nos dá indicação para mudar as regras de direito do
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trabalho que inibem o mercado quando uma empresa não pode mais
reagir flexivelmente às exigências do mercado porque o direito do
trabalho lhe impede. Aí é preciso adaptar as regras às circunstâncias. Se
essa medida não for suficiente deve-se abolir a regra.
O direito do trabalho, também, não parece ter em conta as exigências da
flexibilidade e talvez possa ser essa uma das múltiplas causas do
desemprego em boa parte dos países. A flexibilização não pode ser
excluída das relações de trabalho. Esta compreende simultaneamente o
tempo de trabalho e o salário. Num bom número de países, os parceiros
sociais submetidos à necessidades concretas, podem resolvê-las nos
contratos coletivos.
Exemplo de mudança radical é fornecido pela Nova Zelândia que, através
do "Contracts of Employment Act" de 1991, rompeu com várias tradições
de seu direito.
7 – Constitucionalização
Um traço fundamental no desenvolvimento do direito do trabalho, que
parece prosseguirá ao largo do século XXI, é a sua constitucionalização.
Por meio da influência dos direitos fundamentais no trabalho e de outros
valores enunciados da Constituição, se ancora nos direitos sociais.
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A questão que se coloca é, em que medida a Constituição há de ser um
degrau para a organização das relações de trabalho? Isso não é evidente,
porque os direitos fundamentais e os princípios de base da Constituição se
dirigem ao Estado e não aos particulares. Nesse contexto, uma pesquisa
sobre os fundamentos teóricos da constitucionalização em outros
domínios mostra que facilmente se torna instrutiva e se sobrepõe aos
seus efeitos práticos.
É fácil encontrar múltiplos exemplos dessa tendência na legislação e na
jurisdição. Podemos citar a liberdade de desenvolver a personalidade, o
princípio da igualdade de tratamento e a liberdade de opinião. A liberdade
de desenvolvimento do indivíduo é atualmente um problema na relação
de trabalho, em virtude do advento das modernas tecnologias, pois a
garantia legal protege a esfera privada pessoal e a intimidade dos
trabalhadores. Desempenha um papel importante, mormente quando se
cuida de estabelecer os limites de exercício do poder de direção do
empregador.
O princípio de igualdade de tratamento, o mesmo que interdição da
discriminação, é de enorme irradiação no direito do trabalho.
Tecnicamente não se exercita somente na igualdade de sexo, mas vai
muito mais longe, compreendendo todo e qualquer ato que possa ser tido
como discriminatório, inclusive os praticados pelos trabalhadores entre
eles mesmos.
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Outra fonte de conflitos é a proteção do direito de expressão. Este direito
concerne mais aos empregadores, não só àqueles que se ocupam
profissionalmente da manifestação de opinião. Nos Estados Unidos da
América do Norte existe vasta literatura a respeito.
8 – A tendência da especialização das relações de trabalho
A tendência de uma nova via de individualização das relações de trabalho
se opõe a tendência de aumentar a proteção do trabalhador a nível
coletivo. São múltiplas as razões da tendência de especialização, a saber:
aparecimento de um novo tipo de assalariado, a constitucionalização do
direito do trabalho e a crise da associação profissional.
A situação social dos empregados mudou fundamentalmente nos países
industrializados desde o nascimento do direito do trabalho. Em geral,
passaram os trabalhadores a dispor de um nível melhor de educação
universal e profissional, e a ter maior independência de associação
sindical.
A relação de trabalho, todavia, cada vez mais está se retirando da esfera
de atuação do direito coletivo. É que a constitucionalização reforça a
proteção do trabalhador a nível individual.
Assim, a crise de associação profissional deverá continuar.
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Os Sindicatos, com frequência, não são representativos sociologicamente.
Somente de 6 % a 10% dos trabalhadores estão organizados a nível
coletivo. A crise da associação profissional nesse contexto pode inspirar
um novo e mais importante papel à proteção legal, que oferece uma
expansão material, embora estática no seu campo de atuação. Nesse
contexto o contrato coletivo, na prática, perde sua importância como
instrumento regulatório.
9 – Mundialização
Um último tópico: o direito do trabalho não é mais uma ilha nacional no
quadro do desenvolvimento econômico e no domínio das empresas
transnacionais. Torna-se mais de natureza regional como ocorre na União
Europeia e na área do NAFTA.
Na União Europeia o direito do trabalho da comunidade vai ganhando
importância com a integração intensiva. O fato da União Econômica não
se considerar competente para tratar de certas matérias, tais como:
direito de greve e direito ao "lock out", na opinião de alguns autores, não
mudará grande coisa porque "a pressão econômica o ignora". O direito do
trabalho europeu exige que o direito nacional se oriente mais pelo
mercado do que pelos sistemas de direito nacional.
A globalização da economia está legalmente incorporada à Organização
Mundial do Comércio. Graças à técnica moderna da comunicação, a
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Europa propicia a atuação das empresas virtuais e a instalação de sistemas
de cooperação entre as empresas. Assim as pessoas, em nível nacional,
podem fazer face ao desafio da mundialização.
O que parece urgente na Europa é a garantia da proteção mínima dos
trabalhadores nos países produtivos, embora seja difícil estabelecer regras
que sejam respeitadas.
Até o momento as "cláusulas sociais" nos contratos internacionais não
passam de uma "decoração acessória".
No Brasil se discute a reforma trabalhista há muitos anos, a rigor, há um
tempo excessivamente longo. É certo que algumas melhorias tem sido
feitas, mas são pequenas diante da dimensão dos problemas.
A preocupação dos Sindicatos, no sentido de que as mudanças não
signifiquem a mudança na função protetora do direito do trabalho para os
grupos sem força de auto se protegerem, é compreensível. Mas essa
preocupação não pode tornar-se uma desculpa para a inação total.
IX – UM NOVO DIREITO DO TRABALHO
Quais são as conclusões que nos permitem ter a visão global dos
desenvolvimentos mais recentes do direito nacional e internacional?
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Em primeiro lugar, se pode constatar que o direito do trabalho não está
em vias de desaparecimento. Tem ele um futuro, pois as ideias e as suas
funções não podem ser realizadas por outras disciplinas jurídicas. Todavia,
no futuro, o direito do trabalho terá um outro aspecto para sobreviver
como regramento aplicável, eficaz e razoável.
O direito do trabalho deverá seguir as mudanças das relações do trabalho.
Se essa adaptação não for realizada, o direito do trabalho não fará mais
parte da realidade do mundo do trabalho.
Com frequência se diz que o direito do trabalho está em crise. Mas desafio
não significa necessariamente a crise. Os meios de reagir às mudanças no
mundo do trabalho, que procuramos aqui constatar, de ordem regional,
global ou internacional, fazem parte de um quadro evolutivo. A
determinação concreta sobre as possibilidades de reação são mais uma
decisão política.
Os desenvolvimentos aqui abordados contêm as indicações que podem
ser úteis e que já tem sido incorporadas à ordem jurídica de outros países,
para visualizar o futuro direito do trabalho.
____________________
Bibliografia
1 – “A era das contradições”, Editora Futura, São Paulo, 2000
23
2 - "Le droit du travail au seuil du 21 ème siècle" do Prof. Dr. Rolf Birk, Trèves,
texto de conferência sem referência de publicação;
3 – "Au-de là de l'emploi". Rapport pour la Comission européenne –
"Transformations du travail et devenir du droit du travail en Europa" – direction
de Alain Supiot - Ed. Flammarion, Paris, 1999 pour l'édition française;
4 – "Funções do direito do trabalho" – aula ministrada por nós no curso de pós-
graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP – dia 3
de abril de 2002.